Dataset Preview
Full Screen
The full dataset viewer is not available (click to read why). Only showing a preview of the rows.
The dataset generation failed
Error code:   DatasetGenerationError
Exception:    TypeError
Message:      Mask must be a pyarrow.Array of type boolean
Traceback:    Traceback (most recent call last):
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/builder.py", line 1633, in _prepare_split_single
                  num_examples, num_bytes = writer.finalize()
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/arrow_writer.py", line 594, in finalize
                  self.write_examples_on_file()
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/arrow_writer.py", line 453, in write_examples_on_file
                  self.write_batch(batch_examples=batch_examples)
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/arrow_writer.py", line 567, in write_batch
                  self.write_table(pa_table, writer_batch_size)
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/arrow_writer.py", line 582, in write_table
                  pa_table = embed_table_storage(pa_table)
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/table.py", line 2270, in embed_table_storage
                  arrays = [
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/table.py", line 2271, in <listcomp>
                  embed_array_storage(table[name], feature) if require_storage_embed(feature) else table[name]
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/table.py", line 1795, in wrapper
                  return pa.chunked_array([func(chunk, *args, **kwargs) for chunk in array.chunks])
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/table.py", line 1795, in <listcomp>
                  return pa.chunked_array([func(chunk, *args, **kwargs) for chunk in array.chunks])
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/table.py", line 2140, in embed_array_storage
                  return feature.embed_storage(array)
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/features/audio.py", line 276, in embed_storage
                  storage = pa.StructArray.from_arrays([bytes_array, path_array], ["bytes", "path"], mask=bytes_array.is_null())
                File "pyarrow/array.pxi", line 3257, in pyarrow.lib.StructArray.from_arrays
                File "pyarrow/array.pxi", line 3697, in pyarrow.lib.c_mask_inverted_from_obj
              TypeError: Mask must be a pyarrow.Array of type boolean
              
              The above exception was the direct cause of the following exception:
              
              Traceback (most recent call last):
                File "/src/services/worker/src/worker/job_runners/config/parquet_and_info.py", line 1392, in compute_config_parquet_and_info_response
                  parquet_operations = convert_to_parquet(builder)
                File "/src/services/worker/src/worker/job_runners/config/parquet_and_info.py", line 1041, in convert_to_parquet
                  builder.download_and_prepare(
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/builder.py", line 924, in download_and_prepare
                  self._download_and_prepare(
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/builder.py", line 1647, in _download_and_prepare
                  super()._download_and_prepare(
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/builder.py", line 999, in _download_and_prepare
                  self._prepare_split(split_generator, **prepare_split_kwargs)
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/builder.py", line 1485, in _prepare_split
                  for job_id, done, content in self._prepare_split_single(
                File "/src/services/worker/.venv/lib/python3.9/site-packages/datasets/builder.py", line 1642, in _prepare_split_single
                  raise DatasetGenerationError("An error occurred while generating the dataset") from e
              datasets.exceptions.DatasetGenerationError: An error occurred while generating the dataset

Need help to make the dataset viewer work? Make sure to review how to configure the dataset viewer, and open a discussion for direct support.

audio
audio
transcript
string
X, muito obrigada por ter acedido ao meu convite para participar neste trabalho. Começaria por lhe perguntar, antes de entrar para a escola, tinha aprendido o crioulo ou o português? mhm antes de entrar pa… pa… para a escola não tinha aprendido o crioulo. falava o crioulo, mas sem que tenha tenha… sem que o crioulo tenha sido… tenha sido objecto de… de um processo de ensino aprendizagem. não tinha aprendido o crioulo, mas falava o crioulo. Portanto falava o crioulo antes de entrar para a escola. E o português? falava, ou podia falar. mas utilizava menos o português, porque o... o meu convívio de infância, portanto, na família e e e na comunidade, a língua mais utilizada na comunicação era o português. de modo que… era o crioulo digo, de modo que falava mais o crioulo. Mas de qualquer forma ouvia o português? ouvia o português e utilizava o português nas circunstâncias em que tinha que o fazer. mas não era a língua que utilizava na… na… Antes de entrar para a escola, em que circunstâncias é que usava o português? Eu estoua falar da escola primária. utilizava português nas circunstâncias em que, por exemplo, eu tenha sido abordado ou por pessoas que na comunidade e na ilha onde eu vivia falavam o português e de uma forma ou outra me abordavam. só nessas circunstâncias. pontualmente. Lembra-se de algumas dessas circunstâncias em concreto que me pudesse referir? pessoas do do do trabalho do meu pai por exemplo, havia portugueses, não é? do trabalho do meu pai, e e passando pelo trabalho do meu pai era era absolutamente normal que alguns colegas, alguns chefes do trabalho dele me abordassem e e eu fosse obrigado a... utilizar o português para retribuir, digamos, a comunicação e a abordagem que me era feita, de certa forma. E nessa altura, como é que acha que falava o português? Ou seja, acha que falava o português da mesma forma que falava o crioulo? não. acho que não falava o português naturalmente da mesma forma como falava o crioulo. o crioulo era a minha língua de comunicação no dia a dia de modo que não podia de forma alguma falar o português como o fazia com o crioulo. inclusivamente exigia de mim algum algum esforço. e e e pronto não se pode até dizer que falava o português. tentava falar o português ou aportuguesar digamos um pouco a minha língua de comunicação do dia a dia que era o crioulo. E actualmente, em casa e com os seus amigos, usa normalmente o crioulo? O que é que usa normalmente? eu acho que actualmente uso normalmente o crioulo ou português. mas utilizo muito mais o crioulodo que o português . Em casa, com a sua família? com a minha família utilizo normalmente o crioulo. Ecom os seus amigos? com os meus amigos… eu tenho um circuito de de amigos, grupos, onde utilizo o crioulo. são muitos mais estes grupos, não é? mas tenho também algum… um circuito de amigos, onde utilizo o português . Esses amigos com quem usa o português são cabo-verdianos? digamos que são cabo-verdianos que tenham passado por uma vivência de uso corrente do português. cabo-verdianos que tenham vivido muito tempo em Portugal e que se expressam melhor, ou pelo menos estão mais habituados a se expressarem em português do que em crioulo. Pode falar-me das circunstâncias em que conversa com essas pessoas em português? no trabalho por exemplo. mesmo fora do trabalho. são pessoas que sendo embora cabo-verdianos, ou que falam, que podem também falar o crioulo, mas como utilizam normalmente o português e preferem utilizar o português na sua comunicação comigo, eu também retribuo. utilizo o português na comunicação com essas pessoas. O que é que acha? Como é que avalia a sua proficiência em português, a sua proficiência geral, em português, e em crioulo? eu acho que… considero a minha proficiência em português boa. porque é é…digamos que é a língua que eu…é a minha língua de trabalho, é a língua que eu utilizo para para a para a minha produção, portanto para… para todos os meus escritos… para a minha comunicação formal… para a minha comunicação formal… e daí que que eu julgue ter alguma proficiência no uso do português. o crioulo é uma língua que eu, que eu uso muito na minha comunicação oral com as pessoas que trabalham comigo. se bem que também em circunstâncias menos informais, não é? ou em circunstâncias onde, digamos, haja outras pessoas que utilizam menos o crioulo, eu uso muito o português mesmo a nível do trabalho, não é? normalmente as reuniões de trabalho são feitas em português, de maneira que, julgo que, por todas essas razões… Mas de um modo geral, em qual é que acha que exprime melhor as suas ideias? Crioulo, português, as duas igualmente? eu acho que consigo exprimir-me nas duas igualmente. mas prefiro exprimi- las em português. sobretudo as ideias que eu tenha que utilizar para fins de trabalho ou outros. De que é que depende, então, exprimir melhor as suas ideias em português ou em crioulo? depende do ambiente. depende da, portanto, das circunstâncias em que essas ideias têm que ser exprimi… expressas. Quer falar um pouco sobre isso? existem algumas reflexões que eu faço com colegas que trabalham com… com pessoas que trabalham comigo. por serem reflexões que de alguma forma têm que ser formatadas ou que têm que ser escritas ou que têm que ser reproduzidas nalgum documento, não é? faço logo o exercício de de de exprimir ou de fazer essas essas análises, essas e... e... essas e... e... essas reuniões, essas reflexões em português, directamente. daí que, daí que, digamos que do ponto de vista formal eu tenho dado alguma preferência ao uso do português, não é? sobretudo para para para reflexões, para debates, para discussões que de uma forma ou de outra acabam por ou tenham que que ser reproduzidas, não é? em texto ou em algum trabalho escrito. E como é que se sente quando fala, quando fala português? sinto-me bem, sinto-me… Sente-se à vontade? Sinto-me à vontade. Sente-se mais à vontade, usando o português ou o crioulo? eu acho que sinto-me igualmente à vontade tanto no português como no crioulo. E e e em termos de escrever? Também se sente à vontade quando escreve em crioulo? não. eu só escrevo em português. eu não tenho nenhuma experiência de escrita em crioulo. não. não escrevo em crioulo. E portanto, crioulo apenas fala? crioulo é só falar. E leitura em crioulo? esquece. não leio em crioulo. portanto, não é comum, não é corrente eu ler em crioulo. nem nas pequenas… nem no contacto com… com… nem por… portanto, com recurso aos novos meios de comunicação como o MSN. eu costumo contactar-me com pessoaspor MSN que… que escrevem em crioulo, mas eu escrevo sempre em português… não consigo. Mas gostaria de poder ler e escrever em crioulo? não. não tenho nenhuma preferência. Se gostaria de poder, não é ter nenhuma preferência. poder… acho… não é uma questão que eu… para a qual eu tenha eu tenha grande preferência. eu preferiria escrever ou dominar muito mais uma língua que fosse a um tempo um instrumento… um forte instrumento de trabalho, o inglês por exemplo. mas eu, não… não… sinceramente não vejo porquê que eu… eu não gostaria… é uma questão que nunca… que… quer dizer nunca chamou a minha atenção, nunca . Mas porquê? penso que a questão do escrever em crioulo... Gosta de falar crioulo? gosto de falar crioulo. E não gostaria de poder escrever e ler em crioulo? gostaria de poder escrever e ler se isso tivesse sido um processo. mas não creio que… com a experiência que tenho, com a idade que eu tenho, com o... enfim - se calhar o tipo de de actividade que eu tenho, onde utilizo muito, muito, outras línguas, em particular o inglês, eu acho que preferir… se eu tivesse mesmo que preferir, escolher neste momento, uma língua para escrever bem, não seria o crioulo. teria alguma dificuldade. eu gostaria, mas eu acho que como ferramenta, como instrumento de, enfim, de trabalho. Obrigada. Há bocado nós estávamos a falar da sua proficiência geral em português e em crioulo… Habitualmente, quando fala crioulo, utiliza o crioulo de que ilha? repare. eu sou da ilha do Sal, o meu pai é de S. Vicente, a minha mãe é da Boa Vista, vivi durante três anos em S.Vicente e vivo há muitos anos em Santiago. de modo que eu não sei muito bem definir qual é o crioulo… não sei se se pode falar em crioulo de que ilha, mas eu às vezes esforço-me para falar o crioulo do Sal, o crioulo que é utilizado no Sal, que acaba por ser o mais próximo de S. Vicente. utilizo mais o crioulo do Sal, Sal, S.Vicente e Boa Vista, algo misto destas três ilhas. Obrigada. Diga-me, as pessoas com quem fala crioulo habitualmente, fora do seu circulo familiar… qual é o perfil dessas pessoas, com quem mais conversa fora do seu circulo familiar? Perfil como? O que é que fazem? Em termos de idade, sexo, estrato social… percebi… são pessoas… Pessoas de que idade? mais ou menos da minha geração, da minha idade, não é? sexo masculino ou feminino, mas pessoas que… que têm… portanto, da da da média, da classe média alta da nossa da nossa sociedade, não é? são as que… enfim as pessoas com que relaciono no dia a dia, aliás isso por força também um pouco da, enfim, minha actividade profissional. pessoas que eu julgo… são pessoas que de uma forma ou de outra podem ser tidas como pessoas que têm alguma influência de uma forma ou de outra nesta sociedade. Diria que essas pessoas pertencem a que estrato social? e...são pessoas da… Funcionários do estado? são funcionários do estado… Altos funcionários do Estado…? altos funcionários do estado, pessoas que ocupam funções de muita responsabilidade a nível do estado. Pode pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, no exercício da sua actividade. Digamos, pensando nessas três pessoas, tente desenhar-me o seu perfil. são altos funcionários do estado, são pessoas com funções de alta responsabilidade a nível das empresas, normalmente presidentes de conselho de administração de empresas, directores gerais, eu tenho um contacto também muito grande com… com estrangeiros, com estrangeiros residentes e que têm também funções altas, eu diria elevadas, seja a nível de empresas, a nível da representação diplomática. E essas pessoas são… têm a sua origem no interior da ilha, nas zonas rurais, ou são citadinas? a maioria tem origem no meio urbano, mas existem naturalmente muitas, algumas delas que… enfim são oriundas do meio rural, embora se tenham de certa forma distanciado da vivência do meio rural por terem estado fora também… seja em actividades ou em formações durante muito tempo. Com essas pessoas fala crioulo ou português? também depende da circunstância. eu acho que essa questão do falar crioulo ou falar português depende da… varia em função do do grau de formalidade do contacto ou do assunto que… da oficialidade do assunto que se quer tratar. acho que depende um pouco disso. enfim nas relações mais informais, se essas pessoas podem e falam crioulo, falamos crioulo. mas nas relações formais e em função também do grau de de intimidade que se tem com as pessoas, fala-se mais o português. Com essas pessoas com quem normalmente mais fala, qual é o tipo de assuntos? são assuntos que têm a ver com com... com… com a minha actividade profissional e com as funções que desempenho e com as funções que essas pessoas… Diria que são oficiais? oficiais. assuntos oficiais, assuntos de de… sim. digamos que são assuntos oficiais. assuntos profissionais seja dessas pessoas seja… seja… sejam assuntos que digam respeito à minha actividade profissional. O tipo de pessoas... há bocado falou na relação que tem com pessoas com quem fala português ou crioulo. Importa-se de especificar um pouco melhor o perfil ou o tipo de contacto que tem com as pessoas com quem fala crioulo ou português? eu, da vivência que eu tenho, e da minha própria experiência eu julgo que... ao utilizar… utilizo o português sempre que pretendo conferir algum grau de formalismo ou algum grau de oficialidade, portanto, à conversa com o meu interlocutor… acho que...que… Por exemplo, concretizando um pouco. Com familiares amigos, colegas usa mais o crioulo ou o português? Com estranhos, superiores hierárquicos, autoridades, portanto esse tipo de perfil de pessoas faz-lhe seleccionar o português ou o crioulo? Que tipode, digamos…? eu acho que tem mais a ver com o perfil da relação ou o perfil, portanto, o tipo de relacionamento ou de conteúdo que se pretende transmitir… Do assunto? do assunto, e… mais, portanto, do tipo de assunto do que do tipo de relação --porque eu posso ter um amigo… Por exemplo falaria com um familiar em português ou em crioulo dependendo do assunto? Falaria com um amigo em português ou em crioulo dependendo do assunto? Falaria com um estranho em português ou em crioulo dependendo do assunto? bom, se quisermos ir… Estou a falar do contacto, do nível de contacto com as pessoas, familiares, amigos, colegas, superiores, autoridades… com autoridades, com colegas, mas com colegas, com colegas, com quem não tenho relação de amizade muito próxima… De colegas… está-me a falar de pessoas que trabalham, que dirige na sua organização, portanto, na organização que dirige… está a tratá-los, a considerá-los neste momento de… na organização que eu dirijo, numa comunicação bilateral com as pessoas, e se ela fala crioulo ou utiliza o crioulo normalmente eu utilizo também o crioulo normalmente. eu acho que na maior parte das vezes a nossa… nesse tipo de comunicação, é feita em crioulo, na comunicação bilateral, mas com… Com falantes do crioulo utiliza o crioulo? com falantes de crioulo eu utilizo o crioulo. Mesmo que seja uma autoridade, um superior hierárquico? sim. mesmo que seja com autoridades, com superiores hierárquicos. se é uma pessoa com quem tenho uma relação mínima eu eu falo o crioulo, mas não é uma opção calculada… Certo. falo o crioulo. eu julgo que há a tendência de… se calhar eu próprio, quando quando é um assunto que a gente queira considerar um pouco mais oficial, ou um pouco mais formal a genteutiliza o português. Mesmo com um amigo ou...? com um superior. mesmo sendo amigo. pronto mas existem algumas circunstâncias... Mas com um amigo, uma pessoa com quem se encontra predominantemente em situações informais, qual é…? em crioulo. se é um amigo que fala crioulo a minha comunicação com ele é em crioulo, naturalmente. E se ele for um falante de português? se for um falante de português a comunicação é necessariamente também em português. E diga-me… E com as pessoas das outras ilhas fala crioulo ou português? falo crioulo. e aí, às vezes, às vezes, se calhar até existe algum esforço adicional de de digamos de utilizar o crioulo da língua do meu… o crioulo mais utilizado, ou da ilha do meu interlocutor, não é? mas pronto… não há… isso é circunstancialmente. normalmente utilizo o crioulo que utilizo no meu dia a dia, o meu crioulo, não é? mas também nalgum tipo de comunicação eu faço um esforço para também reproduzir o crioulo do meu interlocutor ou vice-versa . E percebe? sim. acho que percebo sem qualquer dificuldade o crioulo, portanto, de Santo Antão à Brava, salvo raríssimas excepções. Com as pessoas das ilhas de barlavento fala crioulo ou português? crioulo. falo sempre crioulo. Crioulo de que ilha? falo crioulo da minha ilha e eventualmente, como eu tenho uma vivência um pouco transversal do crioulo, vim de Barlavento, sou do Sal, vivi um pouco em S Vicente e já vivo há algum tempo na Praia, é possível que eu utilize algumas palavras soltas, aqui e ali que possam ser… que no meu entender são melhor percebidas pelo meu interlocutor. E se forem pessoas das ilhas de sotavento? falo também crioulo, naturalmente. e com as pessoas das ilhas de sotavento e tendo em conta também que vivo na Praia há muito tempo acho que sai algum sotaque… pode sair… podem sair algumas palavras ou algum sotaque no crioulo de sotavento . E vocês entendem-se? perfeitamente . Perfeitamente, sem…sem qualquer dificuldade? perfeitamente. sem qualquer dificuldade. Diga-me, normalmente de que assuntos fala com, por exemplo, os seus familiares, amigos, e colegas? de todos, de todos os assuntos. eu acho que com a família, com familiares, nós falamos de todos os assuntos. desde assuntos de de… alguns assuntos de trabalho, assuntos do dia a dia. enfim de... eu acho que não há uma limitação de assuntos nem com familiares nem com colegas. Ser ou não ser uma pessoa… se o seu interlocutor é ou não é uma pessoa instruída isto leva-o a escolher o português ou crioulo em função disso? Vai falar com uma pessoa que não tem instrução e vai falar com uma pessoa que tem instrução. Isto implica na escolha do crioulo ou do português? não. eu acho que eu… eu prefiro, na medida do possível, adaptar-me à língua melhor… que é melhor utilizada pelo meu interlocutor, se eu puder… portanto, eu prefiro adaptar-me a… enfim, para tornar a comunicação mais fácil ou mais fluente. digamos que prefiro chegar a esse entendimento, independentemente da instrução ou da não instrução. portanto, não. não há nenhum pressuposto de partida. portanto, há… é a língua que faz com que a comunicação seja mais fluida. Já falámos... já nos referimos a isto… mas gostaria que me especificasse um pouco mais as circunstâncias, os lugares e as circunstâncias em que usa crioulo ou português, em casa… Estou a falar dos lugares portanto, casa, vizinhança, mercado lojas, enfim… eventos desportivos, locais religiosos cerimónias oficiais. Portanto, estou a falar de lugares e circunstâncias, lugares de lazer, festas, bailes, bares cafés, cinemas, discotecas ou outros lugares tipo restaurantes, banco, instituições públicas, digamos… todos esses lugares a que a que se refere são lugares onde os interlocutores normalmente falam crioulo. portanto, quando os meus interlocutores falam crioulo eu falo sempre o crioulo. portanto crioulo é a língua que eu mais utilizo no dia a dia - no trabalho, em casa, nos círculos de amigos, nas festas, nas lojas, nos restaurantes, não é? acho que o português é utilizado só nas circunstâncias um pouco mais formais, não é? seja a nível do trabalho, seja a nível de reuniões formais, seja a nível de…em circunstâncias de… nas circunstâncias oficiais em que efectivamente tenho… enfim… ou onde não há só apenas nacionais, pessoas que utilizam o crioulo -utilizo português como... E para outras finalidades do tipo… como exprimir sentimentos, namorar, rezar… qual utiliza? crioulo. tudo em crioulo. Convencer. Quando quer convencer alguém de alguma coisa? em crioulo. o crioulo é a línguaque me está mais a mão--em crioulo . Durante a última semana, acha que… qual é que acha que falou mais, Português ou crioulo? crioulo necessariamente. Necessariamente… e durante o dia, e quanto tempo? Estou a falar de durante mais horas seguidas no mesmo dia. neste momento, por sinal, tenho uma circunstância interessante que é o seguinte. um dos meus colaboradores mais próximos é... cabo-verdiano, mas exprime-se normalmente em português pelo facto de ter vivido muito tempo em Portugal e e eventualmente até noutros países de língua portuguesa, mas mais tempo em Portugal... e exprime-se normalmente em português. o meu colaborador é a pessoa com quem mais falo durante o dia. e às vezes falo com ele e com outros colaboradores… e, nestas circunstâncias, utilizo também o português. utilizo o português porque ele exprime-se em português, portanto eu eu falo português. não é que ele não entenda crioulo, mas mesmo que eu fale em crioulo ele, enfim, exprime-seem português. de modo que eu tenho… tenho utilizado… por essa razão é que nos últimos anos tenho utilizado muito o português como uma língua de comunicação corrente no trabalho. mas quando é uma comunicação com outros colaboradores ou outros colegas de trabalho que falam o crioulo, ali utilizo o crioulo. Certo. Gostaria que me referisse três circunstâncias em que normalmente fala crioulo e três outras em que normalmente fala português. a..., no cumprimento das pessoas, na… com... pontuais? circunstâncias pontuais ou...? Como entender. Contextos, digamos, situações … mhm mhm. na minha comunicação com os meus subordinados, no trabalho, - se falam crioulo, a minha comunicação com eles normalmente é em crioulo, não é? portanto, no mercado… na minha relação com… com… mercado entendido de uma forma geral. nas lojas, quando faço compras, enfim, na minha conversa com os amigos mais próximos, do dia a dia… É tudo em crioulo? é tudo em crioulo. eportuguês, em reuniões. acho que… que grande parte, a maior parte das reuniões mesmo que sejam… mesmo que os presentes sejam todos… mesmo que todos os presentes falem crioulo, numa parte considerável das reuniões que eu dirijo a...a... a...eu faço em português. Diga-me, existe alguma circunstância em que habitualmente fala crioulo, mas gostaria de falar português ou vice-versa, em que habitualmente fala português mas gostaria de falar crioulo… ou de poder falar crioulo? não. nunca tive essa… não tenho essa… essa… essa percepção. eu acho que a grande limitação que se coloca é que o português é uma língua que eu falo eé a língua que eu escrevo. portanto, daí que o português tenha alguma… digamos, alguma… alguma preponderância, não é? no uso, para mim do que o crioulo, não é?portanto eu acho que essa é que é... essa é que é... Quando diz tem mais preponderância quer dizer que usa o português durante mais tempo, com mais frequência do que o crioulo? não, não, não. Preponderância… em que sentido? preponderância nas circunstâncias formais. nas circunstâncias formais. Ah! mhm quando eu, quando… quando por exemplo, digo, nas reuniões de trabalho, ou as reuniões de trabalho que são por mim conduzidas eu sempre utilizo o português é exactamente para… para…para facilitar alguma…algum registo, alguma documentação da... Para além dessas circunstânciasformais, ouve o português onde? na rádio. portanto, todos os meios de comunicação que eu utilizo, não é? portanto, a imprensa escrita, a imprensa falada… Ouvir. Estoua falar de ouvir o português. ouvir. portanto, é toda em português… a… as estações de rádio que eu oiço é tudo em português, não, não... mhm… mhm… Já me tinha dito que não costuma ler em crioulo... não. Nem escrever em crioulo. não. Existe alguma circunstância em que a fa… está a falar crioulo e sente-se impelido a mudar para português, ou vice-versa? sim. se eu a... notar alguma dificuldade de… de entendimento por parte do meu ou dos meus interlocutores. Dificuldade de? de entendimento, de comunicação. se eu notar que a comunicação não ocorre com o meu interlocutor, eu naturalmente tento fazer o switch para a para a língua que estiver mais ao alcance do meu interlocutor. estou a falar entre essas duas línguas, crioulo ou português. Portanto. Imagine que está a falar com alguém e chega, por exemplo, uma autoridade. Está falar com alguém em crioulo e chega uma autoridade. Sente-se impelido a mudar para português? de forma alguma. Ou vice-versa, estáa falar português e chega alguém que possa obrigá-lo, entre aspas, a mudar para o crioulo… não. não. de forma alguma. Mesmo que esteja por exemplo a falar português e chegar uma pessoa que não percebe português ou o contrário está a falar crioulo e chega uma pessoa que não percebe crioulo… bom. repare. aqui há há uma questão que... que se coloca que se calhar não… tem menos a ver com o facto de utilizar uma ou outra língua. eu acho que é sempre constrangedor estar num círculo onde onde onde se fala, não é? é sempre constrangedor haver alguma pessoa que… enfim, que não se sinta à vontade ou que esteja… ou que não esteja a perceber. portanto, aí a gente procura utilizar a língua que é… a língua que faz com que todas as pessoas… de facto participem. todas as pessoas sesintam no na comunicação. portanto, aí acho que a... opção deve ser, em princípio, essa. seja o português seja o francês. tenho reuniões com pessoas… a primeira coisa que… com estrangeiros… a primeira coisa que a gente pergunta é. qual a língua de trabalho? qual é a língua que é mais transversal?. E se for numa situação informal? mesmo numa situação informal. mesmo numa situação informal, não é? o critério aqui é, digamos, a língua que facilita ou que mais facilita a comunicação entre os presentes. esse que é o critério, independentemente de ser o crioulo o francês ou inglês, o... português. Em algum caso, o tipo de assunto que está em pauta, far-lhe-ia mudar de uma para a outra língua? Em que casos por exemplo? Imagine, por exemplo, estar a falar de um problema familiar e depois de um problema técnico ligado à sua área. Isto o faria mudar de língua? acho que sim. acho que sim. repare a... eu já estive em reuniões de trabalho - por sinal na semana passada, começamos a reunião em crioulo. portanto, com uma óptima e fluida comunicação entre as pessoas. mas depois passámos a analisar um documento que estava necessariamente em português. e aí acho que houve… e..., e..., enfim… tivemos que fazer… passar a falar português, para melhor também apreciar o documento, não é? acho que depende das circunstâncias. depende das circunstâncias. normalmente, normalmente o crioulo é a língua… enfim, que é mais utilizada, não é? mas digamos que, em função da das circunstâncias, do do meio em que se está… quando digo meio, refiro-me, digamos, meio em que existam pessoas que não dominam, ou que não sejam capazes de também… de se exprimirem em crioulo, em português… a gente utiliza o crioulo. acho que o crioulo é a língua que efectivamente, que eu utilizo em todas as circunstâncias, não é? eu passo para o português sempre que eu entender que é mais producente, não é? que me faço entender melhor, ou que enfim… que a minha participação é melhor. portanto depende das circunstâncias. Diga-me. O que é que acha do crioulo? O que é que pensa do crioulo? bom. eu tenho… tenho acompanhado e de certa forma com alguma atenção esta questão da da língua e do crioulo em particular. e eu… eu vejo esta problemática… de duas ópticas, em… de dois pontos de vista. eu acho que… eu entendo essa discussão numa perspectiva cultural, ou de identidade, se quiser... Estou a falar do crioulo em si. O que acha dele? como língua? ((…)) Acha que é uma língua, por exemplo? acho que sim. se serve para comunicação, não é? não sou especialista nesta área, não é? se eu falo português e as pessoas me entendem, falo francês e as pessoas me entendem. francês ou português são línguas. falo crioulo, não é? e as pessoas me entendem, eu acho que é uma língua. E do português o que é que acha? Naturalmente… é também uma língua. portanto. serve para comunicação é uma língua. Para si existe um verdadeiro crioulo? mhm… não sei o que é que seria um verdadeiro crioulo. eu acho que um verdadeiro crioulo para mim é aquele que eu falo. é o crioulo que eu utilizo que me… que me… que eu utilizo para a minha comunicação, não é? é o crioulo que… enfim…que me faz… é... o instrumento que eu utilizo para comunicar com as pessoas que me rodeiam, não é? seja em casa, seja portanto com os amigos, seja no trabalho, em que circunstancia for, não é? eu acho que, portanto, esse é que é o meu crioulo verdadeiro. Se tivesse de distribuir ou atribuir o crioulo ou o português a pessoas consideradas instruídas ou educadas, qual deles atribuiria a essas categorias? não percebi. Estou a considerar dois tipos de pessoas… um tipo de pessoas educadas, instruídas, e pessoas não instruídas, sem educação. Se tivesse que atribuir a uma dessas categorias o crioulo ou o português como faria a distribuição? Atribuiria o crioulo por exemplo às pessoas educadas e instruídas? não. acho que não. acho que… acho que… se calhar, tenho outros parâmetros de de avaliação… Diga. não acho que a utilização do crioulo seja, digamos, algum elemento de avaliação do nível de educação das pessoas. conheço pessoas bem educadas, muito bem educadas e muito bem instruídas que falam o crioulo e utilizam o crioulo no seu dia a dia, não é? do mesmo passo que eu conheço pessoas muito bem educadas muito bem instruídas que só utilizam português também, por acharem que o português, enfim, se calhar prestigia-os mais… portanto, mas eu não… eu não… eu pessoalmente não utilizaria, digamos, o crioulo como um elemento de avaliação do nível de instrução ou de educação das pessoas. mhm. E em função da sua utilidade, digamos assim, para o desenvolvimento de Cabo Verde. repare. o crioulo é... digamos, é... que é a língua natural, corrente de comunicação entre as pessoas em Cabo Verde. em primeiro lugar o crioulo, não é? em Cabo Verde. a... mas eu também tenho uma perspectiva de que hoje em dia, a questão da comunicação… estamos na era da globalização, estamos enfim na era da informação, na era do conhecimento e para se aceder à informação e ao conhecimento é preciso efectivamente um bom conhecimento, é preciso ter a língua -- a língua é uma ferramenta fundamental – eu… para mim, as pessoas têm é que utilizar as ferramentas que sejam mais fáceis ou mais poderosas, não é? para que elas estejam inseridas neste mundo de informação e de conhecimento, e nesta matéria eu considero que o crioulo, naturalmente, e embora… sendo embora a nossa língua de comunicação, está longe de trazer vantagens competitivas, mesmo longe de trazer vantagens competitivas. porque mesmo aí o português que é uma língua muito falada, ainda não está de modo a trazer grandes vantagens competitivas, muito menos o crioulo. portanto, daí eu a… se eu tivesse, no mundo de hoje, se tivesse que ensinar alguma língua à minha filha, não seria nem o crioulo. claro que seria o inglês. o inglês que é uma língua que… que… enfim que... Desenhe-me essa sua alternativa linguística para Cabo Verde em termos do crioulo, do português, falou agora do inglês… desenhe-me essa alternativa que sugeriria para Cabo Verde. eu, eu acho que a... do ponto de…do ponto de vista de… do desenvolvimento do país, não é? se tivermos em conta que estamos na era da informação, na era da informação e, portanto, o conhecimento hoje em dia é... um, o factor, não é? de produção mais eficaz para a nova economia, não é? se nós considerarmos tudo isso eu acho que… quando… a língua que nos leva ao mundo e que traz o mundo até nós e traz a comunicação e a informação até nós, ainda não é o crioulo. o crioulo é… ainda é sobretudo falado, não é escrito. eu não conheço uma página na internet em crioulo por exemplo, não é? em português a gente já já tem milhões de páginas, não é? o acesso à informação em português é já importante, é já importante. daí que… que… para o desenvolvimento do país a... nessa, nesse mundo de globalização e na nova correlação económica eu não creio que o crioulo seja uma ferramenta competitiva. E proporia então? ((…)) eu. acho que… a gente teria que a... trabalhar a opção que estivesse mais ao nosso alcance. eneste caso seria o português. mais ao nosso alcance. portanto eu acho que o português, portanto, a par do crioulo, é a língua que está mais ao nosso alcance. podeser facilmente generalizada, não é? mais que outra língua. Portanto acha que se devia continuar a usar o crioulo em Cabo Verde? sim. eu acho que… que… eu defendo o status quo. como está. portanto utilizar o crioulo, ir desenvolvendo o crioulo até que algum dia efectivamente possa vir a ganhar alguma potencialidade, possa vir a constituir-se numa ferramenta do desenvolvimento, não é? do desenvolvimento, mas num quadro de integração, num quadro de globalização, não é? nesse momento não é, naturalmente. não é ainda. Na sua opinião, o crioulo devia ser utilizado em Cabo Verde para quê, falar ler escrever? eu acho que para falar. para falar. não custa tentar e trabalhar para que possa… sepossa escrever-- mas repare, a internacionalização de uma língua é... é... Em Cabo Verde… bom…em Cabo Verde eu acho que para falar, e para escrever, eventualmente, eu não sei. eu tenho dúvidas relativamente a essa… a essa problemática. Qual é a base das suas dúvidas em escrever o crioulo? Que dúvidas… a escrita do crioulo lhe suscita? não. não suscita. Têm a ver com o crioulo em si? não. não tem a ver com o crioulo. eu acho que sendo uma língua que é falada ela pode ser escrita. ela tem… ao que parece ela até tem condições para isso, não é? eu… aqui, o meu raciocínio é mais da sua internacionalização, no mundo da informação, não é?, mas acho que sim, acho que o crioulo deve serescrito. E acha que se devia aprender a ler e a escrever o crioulo nas escolas? acho que sim. Porquê? se o crioulo é a língua que a maioria dos cabo-verdianos utiliza na sua comunicação oral, acho que só por aí temos boas razões para a... também a... fazer com que ela passe a... ser também língua escrita e eventualmente até a... ganhar expressão, não é? portanto e assumir o lugar que o português utiliza, que o português ocupa neste momento. portanto, neste momento, nós, como é que fazemos? utilizamos o crioulo na nossa comunicação. normalmente utilizamos o crioulo na nossa comunicação, no nosso trabalho, no nosso dia a dia com os nossos amigos, não é? mas se tivermos que escrever um bilhete a um amigo, são muito poucos aqueles que fazem… muito poucos ou se calhar insignificante, não é? um número inexpressivo aqueles que o fazem em crioulo… fazem-no em português… acho que todos desejaríamos uma vez que, uma vez que a nossa comunicação oral é feita em crioulo, conjuntamente poder também essa comunicação escrita também em crioulo. E nesse caso, deixar-se-ia de continuar a ler e a escrever em português em Cabo Verde? isso seria um processo. eu acho que o crioulo teria que conquistar também o seu espaço e acho que isso aconte… poderia acontecer com… essa essa transição… poderia acontecer sem qualquer dificuldade. porque não? Como assim transição? Poderia ser mais explícito? transição no sentido de a... o crioulo escrito, num processo de substituição, não é? paulatina do espaço que utiliza o português hoje em dia na comunicação escrita. Portanto o português seria abolido da escrita. É isso? não diria abolido, diria substituído . Substituído completamente? Seria... não sei se completamente ou se não. repare, as pessoas em todos os sítios falam e escrevem numa língua. se é Portugal, fala português e escreve em português. em Cabo Verde você fala em crioulo, mas se tiver que pôr no papel aquilo que disse, normalmente fá-lo em português. normalmente. E neste caso… qual seria… nestas circunstâncias, qual seria o papel do português ou que papel ficaria reservado ao português? O português deixaria de ser ensinado e usado em Cabo Verde? Como é que vê esta questão? repare. eu, nesta matéria, preferiria não atribuir papel nenhum a nenhuma língua-- eu preferia que o crioulo... Não… nestas circunstâncias em que me está a dizer que o crioulo substituiria o português na escrita. Ora, nós falamos o crioulo. O crioulo substituiria o português na escrita. Como é que ficaria o português? Portanto passaríamos a falar... eu só queria perceber bem o quadro que está a desenhar. na escrita, o português passava a ocupar o mesmo espaço que ocupa na oralidade, neste momento. portanto normalmente fala-se em crioulo, não é? e raramente utiliza-se o português, não é? eu acho que esse quadro poderia ser transferido para a escrita. Ok. Oportuguês ficaria reservado a…? não seria. o português não seria, pelo menos, a primeira língua escrita como não é… não é a primeira língua falada. E nestas circunstâncias prevê o uso do crioulo em situações formais por exemplo? Estoua falar do oral, da fala… porque não? porque não? eu acho que desde que o crioulo se construísse ou ocupasse o seu espaço como língua dominante, escrita e falada, naturalmente que tem todas as condições para... E acha que o crioulo tem essa potencialidade? ((…)) isso tenho alguma dificuldade em… em… em responder. eu acho que sim. que é uma língua que é falada. é uma língua que é falada. ela pode ser escrita. Há bocado disse-me que para si o verdadeiro crioulo era aquele que falava. mhm Porquê? Porque é que achaisso? eu acho que em Cabo Verde… não… não… aquilo que eu falo, porquê? porque... eu tenho alguma dificuldade, à partida, em fazer a... diferenças ou em marcar as grandes diferenças, as grandes nuances, ou… não sei qual é a palavra certa… as grandes diferenças que existem, portanto, no crioulo das diferentes ilhas -- portanto, particularmente de barlavento e sotavento, de sotavento. eu não… porque não tenho dificuldades em perceber, não é? o crioulo da Brava ou o crioulo de Santo Antão, não é? e porque também nunca percebi que algum interlocutor meu - da Brava ou de Santo Antão, teve problemas em perceber-me eu acho que o meu crioulo… e o crioulo que eu utilizo, da mesma forma que eles, não é? e o que eles utilizam são… portanto, são… representa a minha autenticidade. é o que eu sei falar. O que acha das pessoas que usam o crioulo? ((…)) achar como? Oque pensa delas? acho que são pessoas normais. pessoas que se expressam da forma a... como se sentem, da forma que se sentem… se expressam da maneira como se sentem mais à vontade, não é? utilizando a língua que melhor sabem utilizar, não é? que é a ferramenta que melhor utilizam para… para… para seexpressar. portanto, eu acho que são pessoas a... normais, como todo o mundo. utilizam a língua que sabem, comunicam-se da forma que sabem. Estabelece alguma relação entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? acho que sim. acho que… acho que sim… que… que… da mesma forma que um francês utiliza o francês ou o português utiliza o português, o cabo-verdiano utiliza o crioulo. é a sua língua. é a língua que, em princípio, é a sua língua materna-- é a língua que em princípio saberá utilizar, se nasceu em Cabo Verde-- o crioulo será naturalmente a língua que utilizou desde a sua infância, não é? ou pelo menos na sua infância. ou desde que nasceu. não sei. mas a... Acha que e preciso saber crioulo para ser cabo-verdiano? não. Admite que um cabo-verdiano possa não saber crioulo? com certeza. perfeitamente. Em que circunstâncias? qualquer cabo-verdiano que… que… enfim… que por razões diversas, não é? a gente tem a questão de nacionalidade, da naturalidade. cabo-verdianos que vivem lá fora, mas que se identificam de certa forma com Cabo Verde, ou que se consideram cabo-verdianos, não é? acho perfeitamente que sejam… e admito que sejam cabo-verdianos e bons cabo-verdianos, mesmo não falando o crioulo. E no caso de ele ter nascido aqui… e viver aqui? também. também. também acho natural que um cabo-verdiano que tenha nascido aqui que… não é que… não me repugna. não me repugna que um cabo- verdiano que tenha nascido em Cabo Verde, vivido em Cabo Verde e que como… muitos que utilizam ou procuram utilizar o português por outras razoes, não é? terão lá as suas razões-- eu… não merepugna… Relativamente ao português, qual é a relação que estabelece entre ser cabo- verdiano e usar o português? ((…)) também não me repugna o ser cabo-verdiano e utilizar o português. não me repugna. eu conheço muitos cabo-verdianos, são bons cabo-verdianos e que só utilizam o português porque sentem-se melhor com o português. viveram muito tempo fora ou por uma razão… ou por em casa falar-se mais português ou apreendeu melhor o português. E aceitaria por uma razão do tipo não gosto de crioulo? não. essa é uma razão que eu não… eu... duvido que haja... O crioulo é uma língua para ignorantes. O crioulo não é uma língua. aceitaria… não... Aceitaria razões deste tipo? não. eu não aceitaria de qualquer forma razões deste tipo e nunca… nunca confrontei-me… e nunca fui confrontado com uma razão desse tipo. crioulo é uma língua para ignorantes. as pessoas utilizam o português porque sentem-se melhor com o português, não é? masé... possível que haja. mas eu nunca... Não sabe porque é que as pessoas se sentem melhor com o português? bom, aqui existem… existirão várias explicações que se calhar, extravasarão um pouco a... digamos, o tema estrito da língua. existirão outras razões, não é? é possível que existam pessoas que achem que… que… enfim… que a língua crioula não seja… é possível não, existem de facto pessoas que acham que a língua crioula não é prestigiada. que se sente… que se sentem mais prestigiadas ou melhor colocadas na na sociedade falando o português, não é? mas são… são… digamos que…haverá outras explicações para situações desta natureza que existem naturalmente, não é? Mas acredita, tem conhecimento de que existe pessoas que optam pelo o português por essas razões? sim sim. tive um… disse que não tinha, mas tive, tive. vivi dois anos em São Vicente, em casa de uma senhora que fazia questão de falar o português exactamente por… a explicação era essa… o português é que era a língua de elite que...que… que… Está a falar-medo tempo ainda colonial? colonial. Mas estou a falar de hoje. Actualmente. não. não. Achaque ainda existirão pessoas que consideram...? não. não tenho conhecimento. não me tenho confrontado com situações desta natureza. Com que tipo de pessoas acha adequado usar o português? eu pessoalmente acho adequado usar o português com pessoas que só sabem comunicar em português, ou só sabem comunicar comigo em português. portanto, se não sabem o crioulo, ou se não podem estabelecer uma comunicação comigo, enfim, em crioulo, só podem fazê-lo em português, eu acho correcto e curial que eu também fale português. E porquê? não. porque é a língua que ele percebe e que ele utiliza, não é? e... não percebendo essa pessoa o crioulo acho que não… não julgo que… não serial curial e correcto falar com ela numa língua que não percebe e não entende. Algum tipo de pessoa com quem ache mais adequado falar o crioulo? sim. as pessoas que eu tenha a percepção nítida que não falam português. E assuntos que acha mais adequados para serem tratados em português ou em crioulo? ((…)) não creio. essa é uma questão mais de interlocutor. Diria o mesmo para as circunstâncias, os contextos, as situações? ((…)) vamos lá ver. com uma entidade oficial existem circunstâncias em que você fala… mais formais, mais oficiais, que… ao fim ao cabo o crioulo… o português é a língua oficial… e você utiliza o português como língua oficial que é, não é? mas com essas mesmas pessoas existem também circunstâncias em que a comunicação é fluente em crioulo. Mas, acharia adequado usar o crioulo nessas circunstâncias formais? porque não? é adequado. tenho-o feito. Certo. Há bocado falámos na questão do mundo actual e, digamos, da implicação que isso tem para as línguas… O que é que acha mais comum no mundo de hoje, saber só uma língua, mais que uma língua… o que acha mais natural? eu acho que no mundo de hoje, o mais natural é saber-se mais do que uma língua e de preferência a língua que é universalmente mais utilizada na comunicação -- neste caso o inglês. neste caso o inglês que é… que é sem duvida… e eu acho que existem… a estatística também diz isso, não é? que com a globalização, na era da informação, o inglês, não obstante todos os esforços que existem a nível das regiões, dos países, na… ao tentar-se conferir maior importância ou preponderância a esta ou aquela língua, o inglês continua a ser, sem dúvida, a língua mais transversal e mais universal de todas. e eu considero que hoje o inglês, portanto, no mundo de hoje é importante e é crucial… é muito importante… é uma língua de muita importância para a nova economia e para a era de hoje. eu pessoalmente tenho ido… tenho ido a a várias…a muitas conferências internacionais, não é? onde - enfim, tenho-me sentido, francamente, só e isolado em boa parte dessas conferências, não é? inibido designadamente na minha participação, exactamente pelo facto de… de... enfim, de não… o inglês e em segundo lugar o francês, não serem as línguas… particularmente o inglês, que eu utilizo no meu dia a dia para a comunicação… línguas que eu domino com facilidade. portanto, isso naturalmente é um elemento muito, muito inibidor. daí que eu ache que a língua deve ser também encarada nesta perspectiva, nesta perspectiva, como um utility para o desenvolvimento. Então, o que acha de se usar crioulo e português em Cabo Verde? ((…)) achar como? Desta situação, de se usar essas... não. eu acho que que… nesta perspectiva… nesta perspectiva naturalmente o português tem recursos maiores que o crioulo… é uma língua muito falada. portanto - não é a mais falada, mas é uma língua falada por milhões de de pessoas… acho que é a nona ou a décima, não é? a língua mais falada no mundo… e o crioulo ainda não… nem sequer é falado por meio milhão de pessoas… ou se calhar por meio milhão de pessoas… de maneira que naturalmente o português, nesta perspectiva, é uma melhor ferramenta a... e uma melhor utititye mais competitiva. Então acha que se devia continuar a falar o crioulo e o português em Cabo Verde? eu acho que sim, que se deve continuar a utilizar o crioulo e o português. deve-se desenvolver o crioulo de forma que o crioulo ganhe… continue a ganhar o seu espaço, não é? mas isso é um processo que eu acho que deve decorrer naturalmente, não é? sem… sem que… que não… que… não ser forçado, deve ter um percurso normal, a... e partilhado por todos. sobretudo isso, partilhado por todos-partilhado e assumido por todos. Diga-me, na sua opinião, qual deles o crioulo ou o português deve ser usado nas nossas manifestações culturais incluindo a literatura. ((…)) Estoua falar das mornas, das coladeiras, batuque, funaná, teatro, cinema, … naturalmente o crioulo. eu pelo menos tenho preferência pelo crioulo. Porquê? eu acho que o crioulo… por isso é que eu disse há bocado que eu tenho duas perspectivas. uma perspectiva de identidade, uma perspectiva cultural, onde naturalmente o crioulo tem o seu espaço, e o crioulo… quer dizer… e digamos que o português não tem. é só ver na nossa cultura musical. o português não tem espaço na nossa cultura musical. o crioulo é que tem espaço. eu acho que para a identidade, para a nossa identidade, para a nossa expressão cultural, naturalmente que o crioulo é a língua de todos. é a língua que nos une, não é? eu quando falo que o português tem essas vantagens competitivas é no nosso relacionamento com o mundo, não é? na nossa integração na… portanto, no… na sociedade de informação - no mundo da informação, no mundo do conhecimento. o português é uma ferramenta mais poderosa, que nos oferece maiores facilidades para essa integração - não é? facilidades que o crioulo ainda não oferece. Acha que o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? ((…)) não. acho que sim. que o crioulo deve ser utilizado na alfabetização de adultos da mesmaforma que é utilizado também nas escolas. O crioulo? o crioulo ou o português? Perguntei o crioulo… é? Se o crioulo deveria ser usado na alfabetização de adultos? ((…)) é utilizado na alfabetização de adultos em princípio. não? Os adultos são alfabetizados em português. Houve uma experiência de alfabetização bilingue mas que não avançou muito. eu não tenho uma posição fechada e formatada nesta matéria. mas a minha perspectiva é. sem pressa, é sem pressa. alfabetização para que? qual é a utilidade da alfabetização? é fazer com que as pessoas a... sejam mais integradas com outras pessoas. possuam, digamos, instrumentos, digamos, que lhes permitamsingrar ou ter uma… na vida social e na vida económica ou particularmente na vida económica. eu acho que nesta perspectiva sem dúvida o crioulo… o português tem mais potencialidades do que o crioulo. Essa possibilidade de o cabo-verdiano às vezes poder usar o crioulo e outras vezes poder usar o português… o que é que pensa desta possibilidade que o cabo- verdiano tem? eu acho que é uma grande riqueza que a gente tem. eu vejo isso como… como uma mais valia. E acha que o crioulo deve ser oficializado? sim. acho que o crioulo deve ser oficializado. Porquê? o crioulo é a língua que nos une. é a língua que nós utilizamos na nossa comunicação, não é? eu não… não vejo porque é que não há de ser oficializado. eu se calhar acho até que vamos atrasados nisso. E ser oficializado para quê? ser a nossa língua. ser a nossa língua oficial. Para quê? Falar, ler, escrever? Para se usar onde? Em que circunstâncias? eu acho que deve ser oficializado como uma língua. como uma língua. não se pode oficializar uma língua para ler, outra para falar. é oficializada como língua -- é evidente que neste momento o crioulo é utilizado mais na fala, não é? e que se desenvolvam… que sejam desenvolvidas… criadas as condições para que também se passe a escrever o… que se chegue a um entendimento, e que sejam criadas as condições para que o crioulo passe a ser também uma língua escrita. Gostaria de aprender a ler e escrever em crioulo? sim. gostaria de de aprender a escrever em crioulo. mas naturalmente aí colocar-se-ia uma outra questão. esta é uma questão que deve ser consensual, consensualizada. amplamente discutida, e amplamente consensualizada. eu acho que todos gostaríamos, todos os cabo-verdianos gostariam de poder escrever em crioulo. Diga-me uma coisa, no caso do crioulo ser oficializado, como é que ficaria, para si, a oficialidade do português? eu acho que… que… não há aqui incompatibilidade, ou... quer dizer não há aqui… umh… como é que eu hei de dizer? aqui não pode haver espaço… a entrada de um não quer dizer necessariamente o afastamento do outro. há países por exemplo que têm duas línguas oficiais. os Camarões por exemplo têm duas línguas oficiais. portanto, eu não vejo que a oficialização de uma língua tenha que implicar necessariamente a secundarização de uma outra. não acho que a via seja essa. Entendo. Diga-me, como é que os cabo-verdianos falam o português, de um modo geral? de um modo geral, como é que os cabo-verdianos falam o português? eu acho que não falam tão bem o português como falam o crioulo. naturalmente porque utilizam na sua… no seu dia a dia o crioulo, não é? e é esta a razão. portanto não falam tão bem o português como falam o crioulo, não é? mas acho que fazem-se entender. podem fazer-se entender em português, não é? sem falar correctamente na maior parte dos casos. ou sem… sem utilizar a língua em todas as suas potencialidades, fazem-seentender. sem… sem falar correctamente. Quando diz correctamente qual é o seu parâmetro, referências? com regras, com todas as regras, escrever correctamente uma língua é… utilizar uma língua correctamente, julgo eu, não é? existem regras. Para si qual é o português padrão? a... repare. eu sempre procuro fugir a padrões. mas o português que nós utilizamos como referência é o português de Portugal, não é? Certo. porque… pronto… E acha então que… se eu entendi bem…está a dizer que os cabo-verdianos deviam falar assim? eu acho que no seu esforço… aqueles que falam utilizam, portanto, o português de Portugal. não é… está longe… não é, nem de perto nem de longe o português que é utilizado no Brasil, que, digamos, que é a versão, em meu entender, um pouco mais vincada ou mais diferenciada da versão portuguesa, não é? se calhar a seguir à angolana… mas acho que tem mais a ver com o sotaque. mas a referência, naturalmente até esta, tem sido a do português de Portugal. E acha que os cabo-verdianos falam como os portugueses? não acho que falem como os portugueses. eu acho que procuram falar como os portugueses. Mas acha que devem procurar falar como os portugueses? não. eu acho que devem procurar falar português. não necessariamente como os portugueses. os angolanos falam português mas não falam necessariamente como os portugueses, não é? acho que os guineenses falam português, mas não necessariamente como os portugueses. devem procurar falar uma língua que tem naturalmente as suas regras… que tem, não é? mas ... Essas regras podem ser diferentes do português de Portugal? porque não? Quer acrescentar algum comentário, mais alguma coisa que acha que ficou por dizer e que gostaria de dizer? em especial nada. acho que é uma questão complexa. aliás essa entrevista a... permitiu-me também perceber que estamos diante de uma questão que é complexa em todas as suas dimensões. quer seja a dimensão técnica, a dimensão linguística, a dimensão social, a dimensão económica. e... julgo que é uma questão que deve ser tratada em todas essas dimensões. deve ser problematizada, deve ser amplamente discutida, para que efectivamente nós consigamos, sejamos capazes de dar… dar passos, não é? acho que todos esperam e querem que a sua língua materna - não é? seja, seja potenciada, e seja cada vez mais também não somente um elemento de referência cultural, mas um instrumento para o desenvolvimento do país. Muito obrigada X por ter respondido às minhas questões.
Dr. X, muito obrigada por ter acedido ao meu convite para participar nesta conversa. A primeira questão é a seguinte, antes de ter entrado para a escola, o que é que usava, o crioulo ou o português? crioulo, maioritariamente crioulo, com alguns momentos… mais na comunicação familiar… mais do meu pai… sobretudo do meu pai a... falar comigo em crioulo, em português aliás. havia momentos, os momentos considerados talvez mais sérios, o meu pai… o meu pai falava connosco, comigo e com os meus dois irmãos em português. mas a maior parte, maior parte da comunicação familiar era em crioulo. Não percebi bem… O seu pai falava convosco em português… em português em certos momentos mais… mais… digamos mais sérios, nos momentos mais sérios, falava com a gente português. E nas outras circunstancias? normalmente em crioulo. O crioulo…Portanto já ouvia o português através do seu pai. E de que outras formas? sobretudo… sobretudo em casa, com o meu pai. bom… a rádio… a rádio mais… sobretudo isso. E actualmente, em casa com a sua família e com os seus amigos e colegas mais próximos usa o crioulo ou o português? maioritariamente o português. diria esmagadoramente o português. oh! o crioulo, desculpe! o crioulo, em raras circunstâncias uso o português. Fale um pouco disso. Quando é que utiliza o português? às vezes… já me lembro pouco… às vezes numa discussão um pouco… eu poderia chamar mais técnico… um assunto um pouco mais técnico… ou um pouco mais complexo. já me lembro de falar com as minhas filhas em português… mas muito raras vezes, que já nem tenho memória de como é que isso acontece. Isto em casa, com a família. E fora? fora… falo português muito no parlamento… varias reuniões do parlamento… no grupo parlamentar, por exemplo, falamos ora português, ora crioulo. na maior parte das vezes as minhas intervenções são em crioulo. mas de vez em quando o debate passa-se em português. às vezes por indução de alguém… de alguém… o debate passa-se em português. Eu acho que houve um pequeno equívoco. Eu tinha-lhe perguntado se em casa e com os seus amigos, usa o crioulo e não o português? crioulo, eu disse o crioulo. o português, muito raramente. no parlamento também nas sessões plenárias uso mais o português, mas de vez em quando uso o crioulo. Essas circunstâncias… em casa com a sua família usa o crioulo. Podia especificar um pouco? équase tudo. quase toda a minha comunicação. O português, desculpe. ah! o português… isso é que eu… raras vezes… mais com as minhas filhas… mas raras vezes… nem posso contextualizar muito. tenho a memória que de vez em quando… digamos a conversa passa para o português, tenho memória. mas é muito difícil… geralmente… acho que geralmente associado… racionalizando um pouco… mais no discurso da autoridade… quando é um discurso mais complexo. Certo. Mas complexo em termos de assunto? mesmo de assunto, assunto sim. mas é uma coisa muito rara. Certo. Diga-me, como é que… como considera ser a sua proficiência geral no português e no crioulo? Estou a pensar também na leitura e escrita. ah! eu acho que neste momento, não digo que escrevo o crioulo com a... digamos… com a ligeireza e com a tecnicidade do português, mas considero que posso comunicar com facilidade com o crioulo. servindo-me do que eu chamo um remendo do do ALUPEC. não domino todas as regras do ALUPEC, mas domino o básico para escrever com alguma fluência. bom, aqui eu devo introduzir uma informação geral que ajuda a perceber. é que eu fiz alguma… algum treino, durante algum tempo redigi programas radiofónicos em crioulo. programas políticos em crioulo. directamente em crioulo. então ganhei alguma técnica de escrever rapidamente, cometendo erros que eu digo, até a brincar, que são erros de crioulo e não de português. Certo. E leitura em crioulo? leio, mas não leio em crioulo… longe… não como eu leio em português. a leitura em crioulo, já porque a produção é reduzida, a minha leitura em crioulo eu posso considerar, não digo residual, mas é muito reduzida face ao português, é ínfima. mas leitura enquanto tema, leitura enquanto prazer de escrita, da leitura… portando não me refiro à dificuldade, em relação à dificuldade, não tenho dificuldade em ler crioulo, leio com facilidade, independente da variante. Mas… não percebi bem… não tem prazer nessa leitura? não, não, tenho. não tenho é uma leitura intensiva como o português, leio muito mais em português do que leio em crioulo. Prefere ler e escrever… ler e escrever… prefere em crioulo ou em português? normalmente português. Por…? Português. Porquê? eu não sei se chega a ser uma preferência. aliás eu acho que em rigor não posso dizer que é uma preferência porque… a minha vida social… como a de… digo que… noventa e nove por cento dos cabo-verdianos, não me exige nem me estimula a uma prática, a uma opção. no fundo é quase que se eu não tivesse opção, é quase que uma imposição externa. porque o que eu leio, o que eu procuro, o que eu tenho que ler como prazer ou como… por exemplo se eu tenho de ler obras relacionadas com a minha actividade parlamentar, vou os encontrar no mínimo em português ou em outra língua, não os vou encontrar em crioulo, portanto é uma imposição. aqui é quase que uma determinação. De modo geral, acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? eu dantes pensava… dantes pensava que exprimia melhor as minhas ideias em português, mas hoje em dia digo. de acordo com o conteúdo eacircunstância. há momentos em que o crioulo é de longe mais pertinente e mais eficaz na comunicação e há momentos em que o português é mais. Fale-me desses momentos. por exemplo… por… sobretudo na actividade política isso é interessante. por exemplo na comunicação normal com os eleitores, em campanha ou fora da campanha, com o cidadão comum, é evidente que o crioulo é mais fácil, é mais fácil, é mais comunicativo. Mas é mais comunicativo para si ou para os seus interlocutores? penso que para os dois, para os dois, eu consigo exprimir melhor aquilo que eu quero, o que eu quero ter como o objectivo da comunicação, e a pessoa me entende melhor, penso que entende melhor. mas há momentos onde o português é mais a..., é mais… quase que eu diria que sai naturalmente, por exemplo no debate parlamentar. sempre… no meu caso concreto, isso em termos de honestidade intelectual, sempre que eu falei em crioulo no parlamento, fi-lo intencionalmente. portanto tinha uma carga política, é uma opção política. não é partidária, política. Importa-se de me falar… uma opção política … eu… quer dizer, não era indiferente falar em crioulo ou em português. por exemplo, às vezes há um deputado da oposição, ou da situação, porque eu uso o crioulo desde quando… há um deputado da outra bancada que intervém em crioulo, eu considero que… isso é… e no caso concreto do parlamento é uma instituição muito bem definida, eu faço… abro um parênteses, como as sessões são transmitidas, a utilização, o recurso ao crioulo é um recurso instrumental e estratégico porque… pensando nós que há gente a ouvir-nos através da rádio, então há uma ideia, uma pressuposição, que nós seremos melhor entendidos e temos mais empatia usando o crioulo. então às vezes, politicamente, eu acho que é mais pertinente responder também em crioulo. considero que tenho alguma facilidade com as variantes, e eu tento responder, eu tenho utilizado quer o crioulo de Santiago, quer o de São Vicente, quer a minha variante, digamos da minha ilha materna, digamos assim, vou dizer assim, quer a de Santiago. mas é nesse contexto. também já utilizei o crioulo em mensagens relativamente a..., quando se trata quando se trata de (?) reuniões no meu círculo eleitoral, por questão mesmo de afectividade, não é um calculismo politico. senti que dizendo em crioulo estaria dizendo melhor, com mais afectividade-- é nestes casos. E… diga-me, como é que se sente quando fala português e quando fala crioulo, comparativamente? Mais ou menos à vontade, mais ou menos intimidado? não, com à vontade. naturalmente… quer dizer… há uma… há uma questão que é… que é… que é evidente. quando se fala… nós quando falamos português, eu e qualquer outra pessoa em Cabo Verde, há sempre um aspecto que é a a aferição. estamos a ser aferidos pelos interlocutores. estamos a falar bom ou mau português, estamos a dar calinadas, erros, ou não de português? não há essa preocupação em relação ao crioulo. portando eu diria que mesmo estando à vontade - eu sinto que falo à vontade, eu tenho… digo que tenho esse distanciamento em relação a mim mesmo. sei sim que há momentos que eu estou a usar estratégias para evitar ter de dar as tais barracas em português, por exemplo questão de conjuntivo, etc.. sei, sinto que tenho essa estratégia, não tenho essa preocupação em crioulo. portanto, por mais à vontade, e eu tenho muita, acho que tenho muita à vontade a falar português, mas digamos que é um comunicar mais vigiado, ou auto vigiado, do que quando falo em crioulo. é, eu acho que há isso. Dr. X, eu vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, e que me procurasse definir essas pessoas, o perfil dessas pessoas, em termos de idade, sexo grupo, extracto social, se for possível. Fora? Fora do seu círculo familiar. Na sua actividade como politico, como… eu naturalmente falo…fora do meu círculo familiar… falo diariamente com os meus colaboradores mais próximos. falo com um colaborador que eu tenho no partido, e também neste momento está… é também deputado no parlamento. é o quê? é um deputado, é um jovem quadro, aqui de Santiago, falamos quase… exclusivamente em crioulo, e encontramos em situações quer formais, quer informais. normalmente as situações formais são reuniões onde falamos em crioulo também, quer na comissão política onde… de que ele é membro, quer no secretariado-geral, quer no grupo parlamentar, não… não posso… posso… não posso afirmar que uma vez ou outra, na situação de grupo não tenhamos ambos estado num dialogo em português, mas se aconteceu é praticamente um epifenómeno... é coisa… portanto é um desses casos. ele é o quê? o perfil é esse, é um jovem quadro, formação superior na área de… estaticista, portanto estatística, ele é um dirigente partidário, ele é um deputado. é esse o percurso dele. tenho… tenho como… por exemplo, tenho uma secretária, falo com ela somente em crioulo -raras vezes falo com ela em português, raras vezes mesmo. e eu converso com ela todos os dias na relação de trabalho… que é uma pessoa de nível… está a fazer uma formação superior no, no, no ISE, mas ela neste momento deve… tem o 12º, tem 12º ano, não sei se tem alguma outra formação. É jovem? jovem, tem no máximo 30 anos. tenho duas pessoas… fora do ambiente familiar… tenho outros, outros colegas com quem eu falo praticamente diariamente, - outro colega, é outro colega, membro da mesa, também é o mesmo, falamos sempre em crioulo, sempre crioulo. ele é um jurista, está na mesa, ele é deputado também, édirigente partidário também, é já uma pessoa com mais idade, cinquenta - ele deve estar com cinquenta, cinquenta e cinco, cinquenta e seis anos, ou um pouco mais, ele é um quadro, é um quadro, mas é o mesmo, o que predomina é o português, é o crioulo. de vez em quando nos… nas reuniões da mesa ou noutra reuniões, em português claro, mas no dia a dia-no contacto diário é o português. Essas duas últimas pessoas a que referiu, os assuntos sobre os quais conversam, qual é? assuntos variados, da política, do dia a dia. como eu tenho funções de gestão no parlamento, com a minha secretaria também falo sobre questões correntes do dia a dia da gestão parlamentar, da gestão de… portanto são questões de trabalho -- e de vez em quando até questões, pronto, que não são de trabalho, alguma partilha de opinião, alguma ideia sobre um fait divers que tenha acontecido, mas maioritariamente questões de trabalho. Diga… e o perfil das pessoas com quem fala português. De um modo geral: Não com essas… de um modo geral, de um modo geral são aquilo a que chamamos quadros, porque acabo por usar o português sobretudo em situações formais, em situações formais. e de… e também por vezes, por vezes, mesmo com portugueses não é? eu trabalho com gente de língua portuguesa, que tenho que usar o português. mas com os cabo-verdianos geralmente não. geralmente em contexto formal, de trabalho, de trabalho tipo reunião, em contexto formal e... são quadros, geralmente. E essas pessoas, que assuntos trata com elas normalmente? Essas pessoas com quem fala português. mais relacionada é com a política. é o que eu faço. mas também às vezes a... eu vou a reuniões onde… que não são… há momentos onde há uma actividade… pode haver um momento formal que não seja tipicamente política, pode ser. pode- se falar de outro tipo de matérias, tipo… mas no fundo relaciona-se. quando vou a seminários ou a… ou a outros encontros representar o parlamento ou o grupo parlamentar. antigamente quando eu ia com o grupo parlamentar, agora não posso representar o grupo parlamentar, quando eu ia era em português também. Há bocado disse-me que … se percebi bem, que quando fala com pessoas das outras ilhas usa a sua variante. De vez em quando, no parlamento eu posso… aqui em Santiago, de vez em quando eu falo o crioulo de Santiago. sinto às vezes… há momentos… há momentos por exemplo… há momentos mesmo na minha na minha vida política…há momentos que eu sinto que a mensagem aqui em Santiago… eu sinto que falando o crioulo de barlavento, o crioulo de São Vicente, a comunicação não é tão… não passou com tanta facilidade, não sou tão bem compreendido como quando eu tento ou falo crioulo de Santiago. claramente eu sinto isso, eu sinto nisso e vejo noutros, observo em outros também, claramente. Portanto, diria que quando usa a sua variante não é tão bem compreendido aqui em Santiago? sim, sim. sobretudo quando o nível… eu chamaria o nível de instrução ou o grau de instrução do meu interlocutor não é tão elevado. geralmente acontece quando tenho contactos, reuniões no campo, por exemplo no mundo rural. não é que as pessoas não percebem, têm um pouco mais de dificuldade em perceber, têm mais equívocos de linguagem. Quando usa o crioulo de São Vicente para falar com essas pessoas? sim, sim. E qual é que usa para exprimir sentimentos, namorar, convencer alguém de alguma coisa… normalmente o que é que usa, o crioulo ou o português? o crioulo, o crioulo. Pense nesta última semana e diga-me se acha que falou mais o crioulo ou português? mais o crioulo. E quanto à duração… o tempo… foi mais em crioulo ou o português? mais em crioulo, mais em crioulo. tanto mais que a própria actividade do parlamento, isso também é uma característica, como está em defeso o parlamento, o meu tal relacionamento se limita praticamente às pessoas que estão no dia a dia, com quem eu tenho que contactar no meu dia a dia, é em crioulo. Existem contextos onde só fala crioulo? sim, sim. há contextos onde eu só… por exemplo, eu nunca me lembro de ter feito nenhuma reunião, nenhuma reunião política na base, em português. quando digo na base, não só em Santiago, mesmo em São Vicente, onde eu faço todas as campanhas ou grande parte, não me lembro de nenhuma reunião em português . E o contrário, contextos onde só usa o português? contextos onde eu só uso o português? são… são esses contextos mais formais, estar num seminário, estar num colóquio ou numa mesa redonda. entretanto, ENTREtanto, por vezes nalguns nalguns desses contextos ainda posso usar o crioulo, às vezes é uma espécie de provocação, já fiz isso nalguns, nalguns casos. E já alguma vez usou o crioulo em alguma situação em que gostaria de ter usado o português ou vice-versa? não me lembro. Ter usado o português em algum… ter sido obrigado entre aspas a usar o português numa situação em que teria preferido…? provavelmente já ocorreu isso, provavelmente, ter de usar o português e preferir utilizar o crioulo. provavelmente já ocorreu isso. geralmente… já ocorreu de certeza, antigamente. isso é um percurso, é claramente um percurso. se calhar há trinta anos atrás ou vinte anos atrás eu teria dificuldade em utilizar o crioulo em dados contextos. eu não usaria de certeza. hoje eu tomo a liberdade de o fazer . E em termos de ouvir o crioulo, espaços, frequência e intensidade com que ouve o crioulo e o português. Consegue fazer-me essa distinção.Não o falar, o ouvir. ouvir? Ouvir. maioritariamente eu oiço é o crioulo, maioritariamente, oiço o crioulo. no dia a dia, na rua, só… digamos nos órgãos de comunicação social é que eu oiço… sobretudo quando… bom aqui há diferenças… porque… sei… há uma rádio que quando eu oiço é sempre crioulo que é a rádio Praia FM, e acho que há também a Rádio Crioula. mas a maior parte das vezes que eu oiço a rádio é em português. existem programas que oiço em português. mas a maior parte do que eu oiço nos bancos. pelo menos quando eu vou a esses sítios, quando vou aos bancos, vou ao mercado vou ao super mercado, eu oiço é muito mais o crioulo, oiço o crioulo, sempre. Há bocado falávamos da leitura… que material é que lê ou já leu em crioulo? eu leio alguma poesia e li… a pouca prosa que existe, acho que li a maior parte, a maior parte sim. acho que li a grande parte, uma grande parte pelo menos. E falou-me também… disse-me que já tem… já teve uma experiência de escrever intensivamente em crioulo… sim, sim. de escrever, de escrever digamos. não é escrever intensivamente em crioulo. Durante algum período … ah! em relação a… em relação a coisa … sim… em relação ao tempo de antena. e aí é preciso dizer … aí era uma experiência interessante porque escrevia directamente no crioulo de Santiago, escrevia na variante de Santiago com… com… às vezes com a correcção de um colega… que é… que é falante de Santiago. que é o 1F1. eu tinha… portanto fazíamos aquilo a dois, mas a dois no sentido de…. eu podia fazer… várias vezes fiz o programa na íntegra, e às vezes tinha tinha uma ou outra dúvida e ele corrigia a expressão, a expressão. mas às vezes fazíamos a duas mãos, eu fazia uma parte e ele outra parte, ouíamos compondo os dois o texto. Para além dessa experiência, no seu dia a dia, escreve, utiliza o crioulo para escrever? escrevo… escrevo uns poemas ((risos)) Uns poemas? uns poemas, mas aínão sei… não sei se isso tem algum interesse. Não. Claro que tem interesse. aí há uma coisa que eu devo confessar… que é… acho que na literatura a gente diz que é um programa, e é mesmo um programa intencional. eu comecei a escrever… e isso é uma coisa que eu acho interessante. eu comecei a escrever em português, comecei a escrever poemas em português, alguns amigos que viram os poemas disseram-me que… a ideia era… mais ou menos simplificada era isso – tens jeito mas os teus poemas são um pouco prosaicos. e eu cheguei à conclusão que alguns eram prosaicos. comecei a escrever em crioulo, variante… na minha variante… na variante digamos de São Vicente, achei que tinham melhor conteúdo poético. agora, vou confessar algo que não vou dizer depois a mais ninguém, não vou dizer, que é. fiz duas coisas intencionalmente. um. tentei não não fazer poemas que são recolha da tradição oral. portanto eu impus a mim mesmo que com o crioulo… quer dizer o crioulo não tinha… não havia objectos menores para o crioulo. que o crioulo tinha… na poética o crioulo era capaz de abordar qualquer objecto. impus a mim mesmo isso. e por isso não ia fazer … digamos, calafetar, calafetar a tradição oral em substituição da forma poética. e outro, eu impus a mim mesmo escrever na variante dialectal de São… de barlavento, de São Vicente, escrever em crioulo de São Vicente. mas tenho algumas incursões em crioulo de Santiago e crioulo de santo Antão. mas isso é uma velha história, volta e meia o meu crioulo desliza para Santo Antão, por causa da minha infância. eu sinto, desliza. sinto e eu gosto, eu faço a perfeita separação, ou tento fazer. Porquê? Aprendeu o crioulo…? eu tenho uma… eu cresci durante muitos anos com uma senhora que éramos primas… prima do meu avô, que era de Janela de Paul e praticamente… há quantos anos? não sei… há dez anos… quer dizer muito recentemente, descobri… descobri que o meu imaginário é mais de Santo Antão. que os meus contos de infância, os meus contos tradicionais... as… as linguagens… etc., alguns hábitos são de Santo Antão. por exemplo, eu comecei a tomar aquilo a que se podia chamar uma bica aos cinco anos, ela chamava-me e fazia um cafezinho de folha, numa caneca de folha e eu ia beber. e eu descobri que a minha, portanto o meu imaginário e os meus contos eram de Janela, e são contos antiquíssimos, eu ouvi o Bulimundo, o Bulimundo esse conto… eu ouvia… eu era… tinha quatro, cinco, seis anos, se calhar. Portanto, deduzo que normalmente escreve em português no seu dia a dia. sim, escrevo em português . Algum desses textos, gostaria de os escrever em crioulo ou preferiria escrevê- los em crioulo? nunca… houve uma altura que tentei... tentei, mas… mas às vezes tenho receio. por posição de principio eu acho que o crioulo… o crioulo é capaz de dar conta de tudo, como a gente diz, não e? mas às vezes eu fico a pensar que porque não há… porque não tem havido um bom tratamento literário do crioulo, escrever algumas matérias em crioulo é quase que, é quase que fazer um recurso extraordinário ao português, em termos de léxico, de léxico. e então não… não tenho aventurado nisso, não tenho. Como é que se sente quanto escreve em crioulo? À vontade, sem medo de .. acho que à vontade. Eu sei que não estudou o crioulo na escola… não . Como é que consegue escrever? li… eu acho que aconteceu com o crioulo um pouco como aconteceu comigo com o português… com todas as línguas. fui apanhando também um pouco intuitivamente. aconte… aliás eu funciono muito com as línguas intuitivamente, muito. o meu francês… o meu francês formal é, digamos, de nível baixo. de tanto ler, tenho a estrutura. falo, comunico, eu acho normalmente, dando… cometendo erros. mas posso comunicar tudo--quer dizer… o meu interlocutor… se for de língua francesa entende perfeitamente tudo. até agora não houve matéria nenhuma que eu me coibisse de falar porque não conseguir falar. cometendo erros, acho que é um pouco o que acontece com o crioulo, com a vantagem de ser falado. E que dificuldade sente, se sente alguma, quando escreve em crioulo? acentuação. com o ALUPEC é a acentuação. porque não estudei, por preguiça. quer dizer fui adquirindo… fui adquirindo o crioulo dessa forma intuitiva também, mesmo…li o ALUPEC, mas não estudei o ALUPEC, e então acho que os erros que eu cometo mais são erros mais… menos de ortografia e mais de acentuação -- embora tenha algumas dúvidas com as conjugações pronominais, como é que a gente… tenho alguma dúvida, o traço, tenho alguma dúvida. Como é que tenta superaressas dificuldades? acho que… acho que agredindo um bocado a língua. quer dizer… e aí estou raciocinando a quente, como não há… quer dizer… como não há um sensor… há vários sensores em relação ao português, todos os meus textos em português são textos submetidos a uma avaliação, ou como deputado ou para mandar a uma a uma hierarquiasuperior ou… sei lá todos os textos estão sujeitos a avaliação. já o crioulo não está, o crioulo já pela utilização que se faz… e é por isso que eu lembro-me de ter terminado a apresentação do livro da 2F2 dizendo que eu tinha cometido alguns erros mas que estava mais feliz por terem sido erros de crioulo. não havia… quer dizer…aí, de certeza eu teria inibição, eu estaria inibido se estivesse num contexto onde o crioulo também era rigorosamente observado. alguém ia dizer. não, você anda a cometer erros, você escreve mal o crioulo. quer dizer… aí… até dá a medida do que é o estatuto do crioulo, a gente pode fazer isso, a gente pode fazer isso, com o português não podemos. Entendo. Diga-me uma coisa, estando a falar o português, o que é que o faria mudar para o português? Ou vice-versa, estando a falar o crioulo o que e que o faria mudar para o português? estando a falar o português, ou crioulo e mudar para o português? A chegada de alguém, o assunto, o tipo de assunto…? às vezes acontece… às vezes acontece. a... talvez uma matéria que… que… em matérias que eu digo complexas, mais técnicas, começa-se por vezes a falar em em crioulo, num debate, mesmo às vezes informalmente, num debate, uma discussão, começa-se a falar em crioulo, de repente é como se a estrutura do português sobe, porque se estudou em português, porque se estudou muito aquilo em português. eu digo que é isso porquê? porque... às vezes parece pedantismo… porque acontece com outra língua. já aconteceu comigo ter de estudar coisas muito em francês, por exemplo, estou a discutir, a falar com uma pessoa, vem o termo em francês, que parece-me algo fora do normal, fora de comum. mas eu acho que é porque está… está lá… entrou mais em francês, li mais em francês, então vem em francês. também acontece isso. começa-se a discussão mas às tantas é a estrutura do português é que sobe, que vem ao de cima, é isso que acontece. o contrário, começar a falar em português e passar para o crioulo. acho que é menos usual, menos usual. bom… pode ser a entrada de um novo interlocutor e que só perceba o português por exemplo, pode levar a isso. já me aconteceu, eu já senti um certo constrangimento de estar num grupo onde há pessoas que só entendem e falam o português, ou entendem e falam o português, pelo menos como um do grupo que esta lá, e vejo a maior parte das pessoas a falar o crioulo, e eu sinto essa pressão e falo o português. isso também acontece. Em termos de estatuto, o estatuto da pessoa que chega provoca alguma alteração, do crioulo para o português ou do português para o crioulo? há contextos em que provoca, há contextos que pode provocar . Fale-me disso. por exemplo, no grupo parlamentar. se estivermos a debater em crioulo, por vezes a entrada de uma intervenção, digamos… alguma intervenção discrepante em relação a alguma outra posição e que seja feita em português de uma forma às vezes mais… digamos uma forma mais substancial, pode conduzir automaticamente a que se fale em português para contrapor. é quase que para igualar, eu estou a pensar… eu estou a raciocinar sobre isso, parece-me que às vezes deve acontecer, por exemplo isso pode acontecer . Por exemplo, se está num grupo, num grupo a falar em crioulo, chega alguma pessoa com um estatuto mais proeminente, uma autoridade, alguma entidade, isso leva-o a mudar para português, ou o contrário? não. Não? não acontece. Oque é que pensa do crioulo? E do Português? o que é que eu penso, como? Do estatuto. do estatuto? Do estatuto, o crioulo o que é… Há muitas pessoas que pensam… que pensam que o crioulo não é língua, não tem regras, não tem qualidade. Há algumas pessoas que acham que o português é um património nosso, outras acham que não. Como é que vê essa questão? eu acho… eu acho que tanto o português como o crioulo são património dos cabo-verdianos. não são… não são é património de… de… como é que pos… não é - de igual valor, até valor… não são é patrimónios igualmente valorizados e apreendidos por todos, pelas razões óbvias. mas isso não quer dizer que, por exemplo, os poderes públicos não tenham a obrigação de fazer com que o português seja património para o mais… para o maior número possível de cabo-verdianos, idem para o crioulo. agora, eu acho que o crioulo tem um percurso que ainda não fez, acho que o crioulo tem um percurso que ainda não fez. o crioulo sem dúvida que é uma… que é uma… isso é um lugar comum … mas, sem dúvida o crioulo é um traço fundamental da nossa identidade. mas eu pessoalmente tenho uma… uma… como é que eu posso dizer? tenho tido uma preocupação… que eu acho que o crioulo vive um paradoxo, aliás a nossa identidade tem… vive um paradoxo, ao mesmo tempo que… Fale-me disso dizendo até o que é que acha entre o ser cabo-verdiano e o crioulo (?) não, é… o paradoxo é esse. eu fiz uma vez uma comparação que é… como… o crioulo é como aquele parente pobre que a gente gosta muito dele, mas que em dadas circunstâncias a gente deixa no quintal, a gente não quer que ele venha para a sala estar junto com as outras pessoas. Porquê é que acha que isso acontece? isso é que é complicado. acho que está na génese língua, eu acho que está na génese língua. nós escamoteamos isso muito. quer dizer… hoje em dia falámos muitas vezes como… falamos muito normativamente, como se o crioulo não é diferente do português, eu acho que o crioulo tem um estatuto inferior ao português, tem mesmo. quer dizer… uma coisa é eu querer que tenham um estatuto igual, isso éoutra coisa. agora, factualmente o crioulo tem um estatuto inferior, porque se ele não estivesse… se não tivesse um estatuto inferior não tínhamos esse problema. havia paridade, havia paridade factual na sociedade e não tem, não tem. é dizermos que é língua de afecto… é só ver… é só ver como é que classificamos o crioulo. o crioulo é a língua do afecto, é a língua do amor, é o… é a língua da comunicação dia a dia, é a língua do mercado, mas numa situação, digamos… para valer, não é o crioulo, não é o crioulo. e como… portanto… acho que é essa a contradição de fundo. do crioulo ser ao mesmo tempo naturalmente amado, usado, e ao mesmo tempo não valorizado. é esse paradoxo enorme que… eu acho que está ligado à génese do crioulo, à génese da nossa própria sociedade, e o… e … vai …vai… vai haver… vai custar muito ao crioulo libertar-se da ideia de ser uma corruptela do português. penso que é aí que está a raiz de tudo. mesmo que inconscientemente, mesmo inconscientemente, a maior parte das pessoas consideram essa ideia, esse tema que ficou, o português mal falado, o português mal falado. e como o português mal falado tem uma sanção social grande, parte de nós… a gente vai ver que o crioulo é… bom… com uma mistura pelo meio… mas isto é outra… outra teoria (?). agora as variantes. eu acho que há uma hierarquia das variantes. Fale-me disso. socialmente eu acho que há uma hierarquia das variantes. eu ando a pensar ultimamente o seguinte. é a minha ideia… não fui eu que descobri isto… nem pensar. uma vez, a falar com o F3, irmão do 3F4… ele é de Santa Catarina mas viveu muito temo em São Vicente… é bom para contextualizar isso. ele disse-me. desvalorizando a questão de…. as… os conflitos e as divergências regionais, sobretudo Praia, São Vivente, ele disse-me que o conflito Praia, São Vicente era um conflito eminentemente rural, urbano. o que eu acho nesse momento em relação à questão de Santiago é o seguinte. qual era, há quarenta, cinquenta anos atrás, quando eu era bem miúdo, qual era a representação que nós, no barlavento, nós em geral, todas as ilhas, tínhamos de Santiago? Santiago era representado pelo… pelo mercador… portanto na altura não se chamava 4rabidante, mas era um rabidante. chamava-se negociante, se não me engano, mas era um rabidante. suponhamos São Vicente… era o rabidante que ia da Ribeira Barca… do interior, vestido à moda rural, com seu fato de casimira, muitas vezes pé descalço, com a língua… com um crioulo… portanto diferente. mas diferente considerado desvalorizado porque é rural. a imagem dele… a não urbanidade dele… o não dominar o que é os códigos urbanos, e e eu acho que isso é que ficou… que representou o crioulo de Santiago como um crioulo mais de gente atrasada entre aspas, e o crioulo se São Vicente por exemplo como um crioulo de cidade, urbano-- portanto um crioulo que até tinha frases… até tinha palavras inglesas. um crioulo nobilitado. as coisas mudaram, as coisas mudaram. e eu digo isto, tanto mais isto é assim, que a representação desvalorizante da língua está ligada… digamos… ao actor, tanto mais é assim que os próprios santiagueses da Praia, da pequena burguesia, distanciavam-se dessa… desse homem rural… dizendo eu não sou badiu, eu sou da Praia, não sou badiu. e falavam português. na altura do tempo colonial - os filhos, os nossos… os meus colegas… os meus… digamos as pessoas que podiam ser da minha classe social em São Vicente aqui da Praia falavam português. já para diferenciar, quanto a mim para se diferenciar, portando dessa… desse homem rural com essa característica. mudou tudo, uma coisa muito mais complicada, num processo que é a escola… para já a democratização do ensino. hoje já temos quadros licenciados, doutorados, mestrados, de toda a parte de Santiago. já temos, portanto, já temos. mas mudou muito com… como é que posso dizer? mudou o actor, perduram as representações. perduram as representações. e por isso ficamos sempre com essa… com essa… acho que… sobretudo falo agora de São Vicente… fica sempre com essa representação desvalorizada do santiaguense, que é preconceituosa. é essa ideia, do homem rural - e esse homem praticamente já não existe. praticamente já não existe. o contacto… acho que parte da explicação dessa questão dos crioulos… dessa diferenciação dos crioulos está aí um bocado. e nessa hierarquia, claramente o crioulo de são Vicente tendeu a ser hegemónico no Barlavento. claramente tendeu a ser. Como e que vê essa… como é que valoriza ou não essas diferentes variantes, como é que as encara pessoalmente? também eu acho que há aí qualquer coisa que se está a passar e que é interessante. e o que eu vou dizer é extremamente polémico. acho que o… que poderíamos chamar a inteligentia cabo-verdiana tem uma má consciência em relação a Santiago, uma má consciência. e a conjugação clara duma afirmação… o homem de Santiago neste momento afirma-se, tem uma grande afirmação. e sobretudo… sobretudo essa geração… as gerações de… as gerações do tempo da independência, as gerações do pós independência. acho que essa má consciência levou a que… se a gente… há uma… houve uma grande focalização no que é a cultura de Santiago. quanto a mim muito positiva mas em desprimor também de não se conhecer toda a riqueza cultural de Santo Antão, do Fogo, São Nicolau, da Boavista. e eu já não falo de São Vicente, porque São Vicente naturalmente se impôs enquanto centro urbano. São Vicente teve uma historia, uma génese onde que… que… portanto… não… digamos, aguentou isso. mas é ver… isso até tem reflexos nos próprios sectores. há um facto, nunca encontrei nenhum deputado de São Antão que tenha falado crioulo de Santo Antão no parlamento. nunca. não me lembro. pode ter ocorrido mas não me lembro. se ocorreu é tão… é tão coiso que não me lembro. enquanto que se ouve frequentemente o crioulo de Santiago, já se ouve mui…um bocado o crioulo do Fogo e o de São Vicente. não me lembro… por exemplo do crioulo de Santo Antão por parte dos deputados. e há deputados… houve uma altura em que o parlamento tinha muitos deputados, (?) legislatura, muitos mesmo. não me lembro. esse é um exemplo concreto. isso é para dizer que as atitudes que as os falantes têm em relação à sua própria fala, à sua variante, também é condicionada, de valorizar ou desvalorizar. neste momento há claramente uma tendência forte de valorização do crioulo de Santiago pelos próprios falantes. não se vê ou vê-se muito pouco em relação a todas as outras ilhas. não se vê o sãonicolauensea afirmar o seu crioulo, desinibidamente e de forma descomplexada, e até… como hei de dizer? porquê que acontece muitas vezes com os santiaguenses, até celebrativa, não é? a celebrar o seu crioulo. não se vê… e no Santo Antão muito menos ainda. acho que, acho que é a ilha que menos valoriza o seu crioulo na prática, na prática. e é por isso que 5Cordas do Sol é um autêntico programa quando ele diz 6Língua de sintanton e um sabura, é um autêntico programa. vê- se que é intencional, a música deles, e e e é uma coisa interessante, este aspecto é interessante. por isso que eu digo que o crioulo para mim tem essa maturação desigual, e temos muito que andar ainda. eu não defendo que… não defendo a pressa que se tem em relação ao crioulo nesse momento. não por preconceito, mas por achar que há muitos passos quenão foram dados. por exemplo eu massificaria o ALUPEC, o ALUPEC está… o ALUPEC é vítima… no barlavento sobretudo… o ALUPEC é vitima duma representação que se formou, eu tenho isso como claro, de que o ALUPEC é para escrever o badiu, é para escrever o badiu. eu tive quinze minutos com uma jornalista do barlavento, falei com ela, e eu não sou nenhum especialista, e ela… dei-lhe exemplos para mostrar que o ALUPEC é uma mera ferramenta para grafar-- eu dava-he … dizia, tal termo crioulo de Santiago, escrevo assim, este termo em São Vicente é assim, escrevia. este termo em Santo Antão é assim. olha … mas eu escrevi em ALUPEC… escrevi com a mesma coisa… com o mesmo alfabeto, e ela disse mesmo, ah!!! portanto não há… o ALUPEC é visto como um alfabeto para escrever o crioulo de Santiago, e é prejudicado por isso. porque há preconceito em relação ao crioulo de Santiago. às vezes não é só preconceito, há uma coisa que é legítima. o falante de São Vicente, ou o falante de Santo Antão, do Fogo ou de São Nicolau ou de outra ilha não quer perder a sua fala, -isso é legítimo, normal, como o falante de Santiago não quer também . Há pessoas que às vezes defendem a existência do que seria o verdadeiro crioulo. Para si, existe esse, alguma variante que seja o verdadeiro crioulo? essa… eu acho que essa é… essa é uma… essa é uma teoria identitária… é uma teoria do essencialismo. que é dizer que a nação começou em Santiago, começou na Cidade Velha, que… e começou em Santiago, começou em Santiago com… com… sobretudo com escravos ou descendentes de escravos, praticamente sem ou quase sem misturas. seria o núcleo duro, seria o núcleo puro, e o resto seria portanto, variações a partir portanto das origens que foram cultivadas. portanto temos uma cultura de essência, uma teoria do essencialismo, tanto na língua como na identidade em geral, na língua que é um factor, que é digamos um vector identitário, como no resto. eu não concordo, eu não concordo. eu não concordo. eu não concordo e acho que isso sim, isso seria uma visão muito hegemónica, e rapidamente podíamos cair numa visão rácica-- rapidamente. Entendo. agora o que eu acho… e é impossível não falarmos disso… ao fim ao cabo já derivamos, mas é impossível não estar ligado à língua. que é o seguinte. eu hoje estou… disseram-me… não aprofundei totalmente o livro do Gabriel Fernandes, disseram-me que é a tese dele... mas eu hoje acho que devemos assumir que Cabo Verde é… eu não diria multiracial… mas quer dizer Cabo Verde é tudo menos homogéneo, naturalmente. eu faço… eu estive há dias a discutir com um amigo meu aqui de Santiago, ele estava de acordo comigo. eu faço a seguinte comparação - dou o seguinte exemplo, nós dois, eu, Dr.ª Amália, Sal, São Vicente. eu até… eu até… até digo que sou uma excepção, até aos… até aos dezanove anos eu nunca tinha ouvido um funaná. fui ouvir o funaná, ferrinho, gaita e ferrinho, nem eu sabia se era o funaná, ouvi essa música, esse género, fui ouvi-lo em, na Praça Estrela. trabalhadores cabo-verdianos que aos domingos se concentravam lá, maioritariamente quase todos de Santiago, alguns do Fogo mas maior parte de Santiago, iam com sua gaita e... tocavam, e eu ouvi essa música tinha eu dezoito, dezanove anos. Em Portugal? em Portugal, Praça Estrela, Jardim da Estrela, aliás, em Portugal. vários outros cabo-verdianos das ilhas de Barlavento ouviram o funaná tinham se calhar trinta ou quarenta anos. outros nasceram e morreram sem ouvir, nunca, nem o funaná, nem a tabanca, nem o batuque. como vários cabo-verdianos de Santiago nasceram e morreram sem nunca terem ouvido o San Jon, saíamos… saíamos da era da televisão, saíamos de há trinta anos para aqui. Claro! então como é que é possível, quer dizer, como é que eu posso apreciar, e logo gostar, ou apreciar e sentir como sendo meu algo que eu nunca ouvi, não cultivei? é como o jazz, eu não posso… às vezes eu posso… às vezes há quem ouve o jazz e à partida gosta. mas geralmente aprende-se a gostar do jazz. e nós não levamos isso em conta. falamos de forma muito afirmativa, como se toda a gente tem que reagir de forma igualmente… como se um indivíduo do Picos, São Salvador do Mundo, deve reagir frente a um San Jon igual a ele reage frente a… a um batuque -- não. não. agora, permita-me. e acho que temos diferenças entre nós, temos mesmo… não chegamos a ter etnias, mas temos uma diferenciação mesmo em termos de biótipo, temos--e devemos assumirisso como natural, natural. Voltando a questão da identidade, qual a relação que estabelece entre o crioulo e ser cabo-verdiano? Por exemplo, o que é que pensa das pessoas que não usam o crioulo, que não gostam do crioulo, ou que preferem usar o português? poucas pessoas não gostam do crioulo. no fundo no fundo, quer dizer, eu reparo o seguinte. e isso é que eu chamo contradição. há pessoas que usam o crioulo, que até… até eu conheço algum… algum intelectual que até… até que ele… há momentos que vê-se que ele usa o crioulo com algum sabor e com alguma reminiscência… também quase como uma tentativa de identificação com o povo, usam isso, também. uma espécie de romantismo, mas ao mesmo tempo hipervalorizam o português. não rejeitam o crioulo, hipervalorizam o português. eu acho que isso demonstra que o crioulo é quase como um traço, eu diria… não chego a ponto de dizer, sem o crioulo não há cabo-verdiano, mas acho que é um traço eminentemente constitutivo do ser cabo-verdiano, a língua, eu acho que é . Admite alguma…? agora eu acho que é possível que algum cabo-verdiano não fale o crioulo e se sinta cabo-verdiano. senão eu negaria a existência de cabo-verdianos que nunca puseram os pés em Cabo Verde e que se sentem como tal, por exemplo nos Estados Unidos--e que são filhos de, ou netos de, portanto. mas a língua édecisivo. O que acha deste facto, dessa situação que nós vivemos, de usarmos crioulo e o português? bom, aí já estou a ser contaminado pelo que eu tenho lido e ouvido. eu penso que é muito bom, nós estamos a explorar isso muito pouco. ao que parece as crianças que usam várias línguas têm um desenvolvimento intelectual extraordinário, - a... há dias estive a ver um programa, era na Burkina Faso ou quê, era crianças que estavam a aprender… o ensino… na língua materna … o ensino da matemática, da aritmética em língua materna, numa das línguas do Burkina Faso, e o professor deu um testemunho… um professor primário… ele era formado… eu sabia, deu um testemunho que o programa de aritmética em língua materna… eles estavam… bom suponhamos, estavam no top 20, e se fosse no programa francês estariam no top 4 ou 5. estavam muito à frente, porque as crianças… e porque havia… eles tinham mesmo um método, as crianças progrediam a um ritmo extraordinário. eu acho que o mesmo pode acontecer connosco, mas eu penso que aí também há armadilhas a evitar. Como por exemplo? eu posso… eu posso perceber imenso… suponhamos… eu vou… um raciocínio por absurdo, eu posso ser um grande físico nuclear em crioulo, quem é que vai compreender-me para além do cabo-verdiano? quem é que me vai compreender? quem é que me vai compreender para além do cabo-verdiano? quer dizer… a la limitetenho que arranjar um bom intérprete não é? um bom tradutor para as minha obras, ou… quer dizer… há um problema que é… acho que é o problema de sempre… que é o problema que Baltasar levantou e ainda se mantém, que é o problema da recepção, da recepção do que a gente produz em crioulo por exemplo, literariamente. portanto há limites. é normal. agora…talvez porque… talvez… talvez é difícil… não é possível termos a pretensão, acho que é isso, termos a pretensão de… igualar as duas línguas. acho que tratamento igual não é igual a igualar. porquê que eu digo igualar? eu não vou conseguir ter com a minha produção em crioulo o tratamento que o po… o tratamento que a minha produção em português tem, no mundo. não é em Cabo Verde, no mundo. mas mesmo em Cabo Verde, suponhamos que aqui em Cabo Verde fosse suplantado, no mundo não vou ter, não vou ter. aliás no mundo não tenho o tratamento de uma produção em português, que eu tivesse se eu escrevesse em espanhol, não digo mais nada, não chego nem no inglês. se eu escrevesse em espanhol a recepção era de longe superior ao português. portanto acho que aí não há… não é… não é uma… não é nenhum drama-- só que alguns defensores do crioulo falam como se… é possível que o por… que o crioulo atinja este estatuto pleno. não é possível quanto a mim, não é possível. e é natural que assim seja. se eu conseguir produzir uma obra, uma obra literária extraordinária em crioulo, eu vou ter… é uma questão agora de mercado, eu vou ter de certeza financiamento para alguém passar para o português ou para inglês, para russo, para chinês. mas é preciso produzir essa obra extraordinária em crioulo, e para isso é preciso que eu trabalhe o crioulo como língua literária, e não está. está pouco trabalhado neste momento, está pouco trabalhado. portanto essa coisa é assim. E como é que perspectiva esta situação, digamos, o desenho da alternativa linguística para Cabo Verde? vou responder primeiro pela negativa. eu acho que toda a tentativa, excessivamente normativa para levar isto para a frente vai-se gorar, vai-se gorar. e vai… e se fizermos isso vamos… vamos ter muitos amargos de boca. eu acho penso que… que… e já agora, eu pessoalmente como deputado quero fazer alguma coisa. já agora… eu vou… isto agora é uma confissão, eu quero promover uma… quero promover… quero promover um atelier de escrita livre do crioulo em São Vicente por exemplo. e quero ver se eu consigo contagiar todos os meus colegas a fazer em todos os círculos eleitorais, e quero fazer para estudantes, e homens e mulheres de cultura que aceitarem, escritores por exemplo, dramaturgos, quem faz peças de teatro, etc. de escrita do crioulo, uma oficina, um ateliezinho para a escrita do crioulo. eu acho que temos que começar é por aí, começar pela base, começar por a… começar por naturalizar isso. O que é que acha da oficialização do crioulo? como processo… como processo, justamente isso. eu acho que aí… aí temos que definir um programa, definir objectivos e ter uma estratégia em relação ao crioulo-- temos… temos um problema que é a diversidade. temos um problema que é a diversidade… penso que… a primeira coisa quanto a mim é a padronização da grafia. acho que é, porque se conseguirmos padronizar a grafia, atenua… atenua os preconceitos mútuos que todos temos. é como uma distensão, ah! eu posso escrever a minha variante… e se calhar vou-me aventurar noutras variantes também -- e eu acho que… eu não tenho uma visão normativa em termos de padrão, em termos de que crioulo vamos escrever. eu acho que vai surgir naturalmente. primeiro começando por isso, por afirmar o crioulo como língua, com uma, com uma grafia, com um alfabeto. e para isso eu não digo que tem de ser o ALUPEC. mas como há o ALUPEC, vamos fazer com que as pessoas conheçam o ALUPEC. eu penso… da minha experiência que eu tive há dias com essa tal jornalista… que eu penso que tinha muitos preconceitos… eu acho que é possível dizer às pessoas, vamos… quer dizer quase como uma negociação, não, não vais… tu não… isto, isto não e obrigatório. não, este alfabeto não está… vais só aprender a usá-lo, e depois vais fazer a crítica. mas aprende a usá-lo primeiro. o que é que acontece com o ALUPEC? está-se a destruir o ALUPEC sem conhecer o ALUPEC. há uma rejeição sem conhecimento, quanto mais porque primeiro… tentar provocar… porque é que acha que isso acontece? acho que por preconceito. é incrível. é interessante o que acontece com o K, o K… eu acho que é isso, a representação social… é complicada. o K é associado ao crioulo de Santiago no barlavento. e é associado… mas acho que o K… também há rejeição mesmo em Santiago às vezes… acho que há… é um bom estudo, é um bom estudo. há mesmo, há. e então o K, o K é muito associado à África, o K é muito associado à África--porquê? Porque? porquê ninguém sabe. eu noto isso. porque… é… ((tosse)) perdão. é uma representação social. é uma coisa que… era bom era saber como se despoletou -- como é que chegamos lá? mas sinceramente o K é Santiago, África. o K… às vezes eu brinco e digo à pessoa, o K do kingem inglês é isso não é? começa a pensar - quer dizer é tão… é tão… é tão… uma relação preconceituosa, é tão… um preconceito que é feito, é um preconceito mesmo, que as pessoas se esquecem do K de outras línguas ditas nobres, como o inglês, por exemplo. então, eu começo a dizer palavras em inglês que levam K, e eu vejo que as pessoas ficam um pouco embaraçadas, porque ao fim ao cabo, acabo por ser um pouco… acabo por ser um pouco… levar as pessoas a sentirem que têm um preconceito, e isso não é agradável de facto. mas voltando à ideia de divulgar o AL… é levar com que as pessoas aprendam o alfabeto para massificá-lo e surgir uma outra alternativa, se for necessário. Sendo o crioulo oficializado, ele teria algumas funções específicas, e o português teria outras? Como é que …? se o crioulo … uma boa questão. se à partida o crioulo tivesse algumas funções específicas predeterminadas, era uma anti… era uma política… digamos era uma anti política… era uma má política. acho que… não sei bem como dizer isso… mas é como… a minha ideiaé… Estou a pensar em ler, escrever, determinadas … para falar com determinadas pessoasem determinadas circunstâncias… a minha ideia é um pouco… pode ser até um pouco… um pouco… como é que eu posso dizer? voluntarista ou mesmo anárquica. era… é dar às pessoas os instrumentos e depois… a coisa vai andar, vamos ver o que é que isso vai dar, é como que ter um programa mínimo. temos que ter um programa mínimo e depois vemos o que vai dar. por isso é que eu acho que não devemos ter pressa. quando se diz neste momento que não devemos ter pressa há uma grande… há um… às vezes há reacções terríveis à volta disso porque automaticamente, como raciocinamos sempre oito ou oitenta, é tido como, esse indivíduo tem preconceitos em relação ao crioulo-(?) ele tem… ele tem… ele estácom… é um jogo defensivo. eu atéposso admitir… eu acho que acabamos todos por ter. se calhar, eu posso até ter no meu inconsciente, e se calhar eu até posso ter, mas no meu consciente não tenho. é memo a ideia de amadurecimento, porque aí também é um terreno muito minado. podemos criar problemas graves quanto a mim de… de… de… de… mesmo de conflito e de… de… de um certo divisionismo entre os cabo-verdianos se não cuidarmos bem disso. podemos criar. acho que é isso. repare o que aconteceu com o ALUPEC, uma equipa produziu o ALUPEC, não houve nenhuma medida de factode promoção do ALUPEC até hoje. Como é que explica isso? eu não explico, olhe, eu constato. por exemplo, fez-se um fórum no parlamento e falou-se na ideia, há 3 anos ou quê, na ideia interessante de 15 minutos de (?) na televisão, seria extraordinário, não se fez. não se fez, por exemplo. Dr. X, acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas cabo-verdianas? eu acho que primeiro o crioulo deve ser ensinado aos professores. primeiro, primeiro os professores. eu aí defendo… há quem defenda isso muito bem que é o 7F4, eu recorro-me a ele porque acho que as posições dele são conhecidas, as minhas… neste aspecto são coincidentes. aí… aí… que vale a pena começar de cima. vamos começar com quem tem os instrumentos… mas com uma formação a sério… a sério. eu até… eu até faria… eu faria… eu neste momento acho que os professores primários, por exemplo, seria importantíssimo se tivessem uma boa formação do crioulo. uma boa formação do português, uma boa formação do crioulo. teriam mais facilidade em lidar com os alunos na sala de aula, e teriam maior capacidade, acho, para levar os alunos a dominarem as duas línguas. aí é que eu começaria. e naturalmente teria que aparecer um momento onde o crioulo entraria no currículo como veículo. ainda há pouco estive a lembrar-me disso, falei com um senhor, se não me engano de Seicheles, eu não sei os pormenores, eu até queria pesquisar, ele disse-me que… ele soube... acho que é Seicheles ou Maurícias… acho que é Seicheles. ele soube dessa ideia nossa… ele disse-me que em Seicheles fizeram uma experiência… puseram… se calhar… não tenho os pormenores… mas se calhar sem as devidas precauções, o crioulo, mas o crioulo como língua veicular, o crioulo para… o crioulo como veículo para aprender… aprender a física, etc.. houve uma regressão no sistema de ensino. o impacto foi negativíssimo, uns anos depois constataram que foi negativíssimo, a qualidade do ensino caiu. eu não tenho os pormenores … eu não sei bem… é algo que me… e agora eu digo, penso que… que não temos tido uma… vou ser mesmo muito atrevido, não sou linguista, sociolinguista, mas a ciência é ciência, ciência não é… eu acho que não temos tido uma demarche- acho, muito científica nesse particular. em que sentido? temos usado muita ideologia nisso. por exemplo eu acho que as nossas visitas de estudo nessa área deviam ter… devem ser orientadas para países que têm experiências concretas. mas não é para folclore, não é para folclore, não. que a gente prepare missões de estudo da experiência, e nesses países ouvir também… porque aí é que a gen… a gente só ouve os que são pró… a gente só ouve os mentores, quem é o mentor que vai falar mal da sua experiência? vai dizer que errou mas. vai dizer que houve um problema mas. e vai dar-te sempre o lado bom -- não, nós devemos ir lá e ouvir todas as partes, saber… de certeza, eu não acredito, eu não acredito, em Curaçau, eu não acredito que… eu não acredito que em nenhum país onde há uma língua dita nobre, inglês, francês, castelhano ou português, e há línguas nacionais ou há crioulos, e que essas línguas estão valorizadas no sistemas de ensino, eu não acredito que isso… que isso tenha sido feito sem conflito, eu não acredito, houve conflito de certeza. e nós devemos é ir aí, ver esse conflito. com todas as partes. dão-nos só a imagem boa, temos só a imagem boa. fala-se, e vem gente do Curaçau e tal, fala-se só o lado bom das coisas e nós para não cometermos erros temos de ver tudo. aquilo que fizeram para ser assim mas não deu assim, deu assado, os bons. tudo isso, deve ser feito, como visita de estudo a sério. e é aí que eu digo que não temos sido muito científicos nisso, temos sido muito mais ideológicos. Há bocado tinha falado disso, mas vou retomar a questão. Como é que acha que os cabo-verdianos falam o português, e como é que acha que eles deveriam falar o português? não tenho uma posição sobre isso. eu… eu prefiro falar com a fala dos outros. os portugueses… já… eu estive em varias situações… por exemplo, eu vi colegas meus, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, portanto colegas de sociologia que liam… nos anos oitenta, meados, finais dos anos oitenta, meados dos anos oitenta, que leram… leram artigos… artigos de jornalistas… na altura do jornal Voz Povo e disseram. vocês escrevem de forma muito rebuscada, a vossa escrita é muito rebuscada. e tenho colegas cabo-verdianos que têm esse mesmo testemunho do português. portanto é uma ideia generalizada em Portugal, se calhar da generalidade das pessoas que têm contacto com a nossa escrita, sobretudo no domínio da escrita, dizem que escrevemos muito formalmente, muito pesado, a nossa… uma escrita é muito pesada. não sei porquê, se é o uso de adjectivos, não sei, se é formas verbais, mas dizem isso. e tenho esse… esse testemunho de colegas meus, de colegas meus que têm esse testemunho também. E da fala, há bocado falava da censura, será? a fala… nós somos muito formais, e eu acho… quando eu comparo a nossa fala com a do angolano ou o do brasileiro, vejo que nós… nós, nós somos dilectos aprendizes dos portugueses nesse aspecto. dos portugueses quer dizer, dessa, talvez de uma ideia antiga da língua. antiga… não estou a dizer antiga como depreciativa. antiga mesmo de… muit… de há muito tempo. onde a língua… a língua… tem de ser falada com propriedade, com rigor absoluto e com um purismo extraordinário. para já era essa a ideia que tínhamos na instrução primária, os nossos pais foram educados assim e nós também, nós menos, eles muito mais. e… e então… nós somos… bom… agora… a minha geração, não sei se ainda é assim, não sei se ainda é assim. até à minha geração somos muito rigorosos com os erros de português, calinadas em português. eu noto mesmo em mim, eu sinto isso, eu… quer dizer… é quase que a pessoa é classificada por causa de um erro de português, é quase classificada… melhor é desclassificada, não é? com um erro de português, somos muitíssimo rigorosos. não se vê o mesmo em Angola, por exemplo. a sensação que eu tenho é que no Brasil e em Angola são os dois casos que eu acho onde… que a língua é muito mais… muito mais… acho que em Angola e Brasil a línguaé mais… como é ? mais dúctil. Admite a possibilidade de nós, cabo-verdianos, virmos a falar o português a nossa maneira? até agora não fizemos isso, e acho difícil, difícil. só se mudarmos a nossa atitude para com a língua (…) acho… não digo que não, pode ser. pode ser que isso entre pela via da literatura. pode ser. pode ser pela via de algum, por exemplo… Ou acha que nós devemos, segundo entendo, a ter o mesmo… como modelo o português da Europa? não, para mim não, para mim não. Qual seria a…? por exemplo… por exemplo para mim … há uma pessoa … já agora um autor que eu acho que tem um português diferente, Germano Almeida. eu acho que… a prosa que eu leio de Germano Almeida… não sei o que é, mas é diferente. e eu acho que é intencional, mesmo a conversa dele, a fala dele, ele… os artigos dos jornais, é… é uma outra forma de escrever, de tratar o português, o Germano. e é perto… é perto de algum… do que se chamava um pouco o português claridoso, não é? nalgumas coisas. mas o Germano, acho o Germano…é um exemplo… é quase que um exemplo único, o Germano, a maneira como ele escreve, e a maneira como ele fala. por exemplo o Germano fala quase que exclusivamente o português, não sei se re…o Germano fala um português, a gente diz, muito claro, toda a gente entende. portanto eu acho qu… ele habi… ele tem um português que não é rebuscado, não é gongórico, um português muito claro. é esse português muito claro acho que está… está um pouco encostado à estrutura do crioulo, talvez à nossa realidade, está um pouco encostado à nossa realidade. isso são só feelings. eu não sei se… Certo. Eu não tenho mais questões, mas eu gostaria que, se por acaso, sente que há alguma questão que eu não tenha abordado, algum… algum aspecto que gostaria de precisar na… no contexto desta conversa, esteja à vontade. não, não me lembro, assim… não. por acaso é uma matéria que eu gosto de falar e de reflectir sobre isso, mas não me lembro. acabei por, acabei por abordar os meus temas preferidos ((risos)) já sabia que ia acabar por abordar, mas há coisas…há coisas interessantes, não, não tenho, assim… Então, eu agradeço uma vez mais a sua disponibilidade. 1Deputado e dirigente partidário. 2Linguista cabo-verdiana 3Músico e compositor cabo-verdianoe também poeta (LCV) 4Designação do comerciante informal de produtos diversos 5Grupo musical dessa ilha, e que usa a variante de Santo Antão da LCV 6Tradução para português, A língua de Santo Antão é bem agradável 7Ex Ministro da Educação
X, muito obrigada por me conceder esta entrevista. A minha primeira questão é a seguinte, quando apreendeu a falar, o que é que aprendeu? Português ou crioulo, ou os dois? só--só. só crioulo. E… já… antes de entrar para a escola,só falava o crioulo? antes de entrar para a escola só falava o crioulo. a... e na escola, que eu tenho memória, eh, as minhas professoras, porque foram cinco professoras na primária, e...falavam também crioulo. falavam crioulo. Isto onde? falavam crioulo. isso em Santo Antão, na ilha de Santo Antão. Ponta do Sol… Ribeira Grande… Paul… e tenho memória de uma professora que falava português, só na Praia. isso em 1978, quando estudava a quarta classe. tenho essa memória. embora em casa, a minha mãe tenha tentado fazer um esforço para nos incentivar a falar, a usar de vez em quando o português em casa. mas nós nunca alinhamos. e ela mesmo nunca falou português em casa, não é? ((risos)) Mas… o português… então já tinha contacto com o português antes de entrar para a escola? não. não. não. não tenho memória disso. falou-se em minha casa, sempre, não. Mesmo fora de casa… na rádio… ouvia, tinha algum contacto com o português? olha. ouvia-se rádio em minha casa. mas a ideia que eu tenho é que não entendia absolutamente nada do que se dizia na rádio. não sei se pela idade… Idade? pela minha idade, minha (?). mas não entendia absolutamente nada do que se dizia na rádio. Portanto, na escola primária, os professores falavam o crioulo? essa ideia que eu tenho. E oX falava com elas também em crioulo? não sei. a memória falha um bocado. mas eu tenho a ideia que nós usávamos, os alunos usavam o crioulo também. embora se fosse, digamos, se fosse uma pergunta, digamos, como se pode dizer… se fosse uma pergunta, uma questão relacionada com… com a classe… uma pergunta de História ou de Matemática, a gente tentava responder em português, não é? mas os assuntos extracurriculares, digamos assim, que eram extracurriculares, vírgula, eram falados em crioulo, não é? e se a professora pedia qualquer coisa, ou mandar calar. tenho memória que as professoras usavam. e tenho uma dúvida grande que essas minhas professoras soubessem falar ((risos)) tivessem um certo domínio - um domínio razoável do português. porque… uma das professoras acho que tinha segunda ou terceira classe na altura. ou qualquer coisa do género. E nas provas…vocês faziam provas? Estavam em português. As provas estavam em português? eram em português, sim. a nível de escrita foi sempre em português. E actualmente, em casa, com os seus amigos, com os seus colegas, qual é que usa normalmente? exclusivamente o crioulo. Exclusivamente o crioulo. Em que circunstâncias fala o português? a... olhe, com os cabo-verdianos nunca. absolutamente nunca. a... neste momento falo o português eventualmente com um estrangeiro que não tenha o domínio do cabo-verdiano, da língua cabo-verdiana. e uso o português. mas éa única situação em que eu, pessoalmente, faço uso da língua portuguesa. Mas, por exemplo, quando fala com autoridades, superiores hierárquicos, usa o português? não. nunca. mesmo quando fui professor no liceu. nas reuniões, com o Ministro, com a Directora, eu fiz uso… quando fiz uso da palavra… usei sempre a língua cabo-verdiana. Porquê X? e... pessoalmente, porque… digamos… digamos… eu vou chamar-lhe uma forma de resistência. mhm porque eu penso que a situação linguística em Cabo Verde é uma situação um tanto ou quanto injusta. para não dizer muito injusta em relação a língua cabo-verdiana, não é? foi uma forma… primeiro porque eu acho que devo ter o direito de usar, pelo menos no território cabo-verdiano, em circunstância que for - devo ter o direito, aliás, tenho o direito de usar a minha língua, não é? não pode haver situações em que um cabo-verdiano não possa, ou seja proibido de usar a língua cabo-verdiana em Cabo Verde. isso é um absurdo. então foi uma forma que eu encontrei de dizer isso às pessoas, de mostrar isso às pessoas. e também de incentivá-las a fazer o mesmo. porque muitas vezes estamos numa reunião, não é? fala-se crioulo o tempo todo, não é? e chega… quando começa- se a reunião, passa-se para a língua portuguesa. eu fiz… usei sempre de uma táctica para mudar as coisas. pedia a palavra e dizia qualquer coisa em português - desculpe, crioulo, só para mudar as coisas. e geralmente a reunião ganhava… mudava de língua. imediatamente, as pessoas passavam a falar em crioulo e a reunião acontecia em crioulo. nem sempre, nem sempre, não é? nem sempre. mas noutras circunstâncias pedia simplesmente a palavra, falava em crioulo, outros seguiam o exemplo. mas a maior parte – quando… reuniões grandes, com directores, com ministros, a maior parte do pessoal fala português pelos motivos que mais ou menos já conhecemos E agora, como é que acha que é a sua prof… o seu domínio do português, como é que é? a, olhe eu depois de estar seis anos… depois de estar em Portugal, eu vi que o meu português não é tão mau quanto eu pensava. depois de conviver mesmo com portugueses, descobri que o meu português é um português razoável. mhm eu, não… na hora de falar, eu tenho pouca prática. então eu tenho tenho tenho de pensar para falar. medir as coisas, fazer as concordâncias, para poder exprimir razoavelmente bem ou para não cometer erros de gramática que normalmente em Cabo Verde é o que mais tentamos evitar, não é? isso devido à metodologia que aprendemos o português, não é? aquela paranóia de falar sempre correctinho. usa-se o português mas… Como éque se sente quando fala o português? já senti-memelhor, acho ((risos)) Com naturalidade, com medo de errar? Pareceu-me… não. já não. já não porque fiz um exercício interiormente, sim. mas eu hoje admito. não tenho problemas de errar. já não tenho esse problema. até certa altura tinha, porque em Cabo Verde há uma mania que temos de falar português gramaticalmente muito correcto, não é? hoje eu vejo português como uma ferramenta, que eu uso para atingir um determinado fim, se falhar – falhei, - vou tentar corrigir, ser melhor na próxima vez. mas hoje já não tenho esse problema de cometer erros. sei que os cometo. portanto, assumo isto. E lêe escreve em crioulo? leio e escrevo em crioulo, sim. sim. E quando é que se sente mais à vontade, quando fala, lêou escreve crioulo? falar evidentemente é é à parte… falar e escrever, não é? falar e escrever -- falo. parece incrível mas escrevo melhor que leio, não é? mas também ler-- ler é uma questão de hábito, não é? é uma questão de ganhar, digamos, a memória, digamos visual das palavras e ler. eu li agora que reeditamos o 1Xatiadu Si, não é? reparei que a minha leitura voltou a ser fluente, não é? mas havia algum tempo já que já não lia muita coisa por não haver muitas publicações - então agora que tenho de fazer exame de escrita, leitura, reedição de outros textos em crioulo, adaptação do ALUPEC. então de repente, começo a ter novamente uma boa memória visual das palavras e a minha leitura volta a fluir. mas escrevo melhor em crioulo do que leio. Há bocado dizia-me que se sentia à vontade quando falava português. Mas onde é que se sente mais à vontade, português ou crioulo ou igualmente à vontade? não. não há comparação ((risos)) Fale-me disso. crioulo eu falo naturalmente. falo crioulo. falo naturalmente. não faço… hoje faço vigilância e recomendo que se faça porque também temos de dar um pouco de atenção ao crioulo. senão ele vai descarrilar completamente, não é? e perder a sua própria alma a sua própria alma. mas o português não consigo falar sem fazer uma certa vigilância, uma certa vigilância um pouco apertada até - não é? enquanto que o crioulo falo naturalmente. não há nenhuma comparação --com o português, costumo dizer que se falar muito dói-me a cabeça. E acha que exprime melhor as suas ideias em crioulo ou em português? não. não. em crioulo. em crioulo. X, vou lhe pedir para pensar nas três pessoas com quem mais conversa fora do seu círculo familiar, certo? As três pessoas com quem mais conversa, e me procurasse definir o perfil dessas pessoas em termos de idade, sexo, o estrato social… eu não sei se tenho três pessoas com quem converso. olhe, a pessoa com quem mais eu converso, com quem mais eu estou é o 2F1, não é? que é mais ou menos da minha idade, 40 anos. não ele é mais velhoum pouquinho . Não preciso de nomes, só do perfil das pessoas. ah! sim, ele éprofessor… (…) Professor do ensino secundário? professor do ensino secundário, FPS. tenho-o como pessoa muito íntegra. amiga, coerente na sua forma de estar na vida. para mim isso é importante nas minhas amizades… Ele é cabo-verdiano não é? ele é cabo-verdiano. uma pessoa também na minha opinião, uma pessoa muito inteligente e perspicaz. E a outra? E as outras pessoas? ah! uma outra pessoa com quem converso… Do seu trabalho,da sua actividade de promoção do crioulo… (…) Com essa primeira pessoa fala crioulo ou português? exclusivamente crioulo. nunca… Sobre que assuntos? nós… a, nós falamos… falamos de assuntos pessoais. falamos do dia a dia, dos assuntos sociais, problemas da sociedade, alguns problemas políticos, essencialmente conversa muito pessoal. E em que circunstâncias, em que lugares e contextos? não, normalmente é uma pessoa que quando eu saio geralmente é com ele que eu saio, não é? ou num bar ou num… em casa dele, mais em casa dele do que na minha casa, não é?, ou na praça, normalmente conversamos aí…. Não me consegue falar da segunda e da terceira pessoas? ((risos)) bem eu vou falar duma amiga. que é uma pessoa que eu considero amiga, mas que é uma pessoa confusa, uma pessoa confusa… Queria que me definisse o perfil em termos de idade, sexo, estrato social… ah! ok. está bom. é uma pessoa amiga. tem mais ou menos a minha idade. tem 40 anos. ela étécnico… Superior? não terminou a universidade. não sei qual a qualificação que tem. falta um ano para terminar a universidade, falta um ano. éfuncionaria aí da câmara. Com ela,fala em crioulo ou em português? em crioulo. Em crioulo. Sobre que assuntos e em que circunstâncias? a... é uma pessoa um pouco mais amiga, não é? então a... nós falamos do meu trabalho, do trabalho dela, falamos um pouco de assuntos do jornal. que também falo mais com outro amigo. falamos um pouco de mim, um pouco dela, falamos muito sobre os problemas da Praia e da cidade Ok. A terceira pessoa? não sei. não sei encontrar uma pessoa. Não necessariamente amigas. não necessariamente amigas… (…) não pode ser um familiar-não é? Fora do seu círculo de casa. (…) Vou retomar a questão. Há alguém ou algumas pessoas com quem usa o português? Só para eu… vou fazer uma confissão. há uma pessoa com quem eu uso o português --mais do que (?) é uma… não é bem um cliente, trabalha com um dos clientes. ela é estrangeira, ela é estrangeira mas fala crioulo. e estou sempre a queixar com ela, és é a única pessoa que me obriga a falar português-- mas eu naturalmente… ela fala sempre português. então como ela normalmente não fala crioulo, embora fale e entenda, eu não sei porquê, tenho uma tendência a falar português com… português com ela, falo… falo crioulo, mas falo muito mais português com ela do que crioulo. realmente é… parece-me que é a única pessoa com quem quem convivo e uso o português. Estácerto. porque mesmo pessoas com o INF7, 3F2, que falam português eu falo crioulo com eles. e estes também já falam um bocado crioulo comigo. Ok. Diga-me uma coisa. Fala crioulo… já estamos… já percebi…fala quase que exclusivamente em crioulo se eu… excepto com esta pessoa… para mim nem é uma questão de opção. é a realidade. mhm Agora diga-me. E ouvir o crioulo, onde é que ouve o crioulo assim em Cabo Verde? todas as circunstâncias, todas as circunstâncias. em casa, na rua, transporte público, nos bares. sei lá, mesmo na… mesmo em reuniões, as pessoas antes de começarem reuniões falam em crioulo--todas as circunstâncias. E o português? o português é essencialmente na comunicação social, nalgumas reuniões, nalgumas reuniões (?) e nalgumas reuniões que quando começa a reunião as pessoas mudam para o português-mudam automaticamentepara o português. Diga-me… algumas circunstâncias em que ouve o português, mas gostaria de estar a ouvir o crioulo naquelas circunstâncias? na comunicação social. gostaria de poder ver por exemplo legenda, é outra coisa, construir legendas em crioulo. mas gostaria de ver nas situações oficiais, comunicações do presidente, do primeiro-ministro, nas reuniões ou no noticiário. eu gostaria de ver também… digamos, ver nestas circunstâncias também…também em crioulo. Passando para a leitura, costuma ler em crioulo. Já me falou disso. O que é que lê habitualmente? a produção é é pequena. em termos de obras publicadas, não é?. são poemas, contos, o romance de Manuel Veiga. expressão cultural li quase tudo que existe editado em crioulo eu li. ah! também na troca de e-mails, também, normalmente agora com o pessoal então mais jovem usa-se muito para fazer chats - conversação na Internet, hoje em dia usa-se geralmente o crioulo. e são essas circunstâncias. porque infelizmente publicação em crioulo é coisa pouca. Nessa última semana… a... leumais o crioulo ou o português? de uma forma geral leio mais português. português tem mais tem mais há mais bibliografia em português do que em crioulo. E ouvir,ouve mais o crioulo ou o português? oiço mais o crioulo. Em relação à escrita, escreve em crioulo. Já me falou disso. O que é que escreve em crioulo? só não escrevo em crioulo um requerimento que sou obrigado a fazer em português. o resto, cartas a... as minhas notas, de uma forma geral. não vou dizer que nunca tomo uma nota em em português. faço. mas talvez cinco por cento das vezes faço em português. mas geralmente as minhas notas, a organização do meu trabalho, os meus relatórios pessoais, faço faço em crioulo --eu costumo dizer que o crioulo é a minha língua oficial. Diga-me agora, o que é que escreve em português? Já me falou de requerimentos. Mas para além disso,escreve mais alguma coisa em português? a... eu geralmente… geralmente não uso o português na escrita, praticamente não uso o português na escrita. Alguma coisa… só um documento… por exemplo as minhas facturas, um projecto, um relatório para um cliente, um requerimento numa repartição pública. sou obrigado a fazer em português, então faço. mas… geralmente geralmente não escrevo… Teria preferido fazer esses…? embora andei escrevendo uma carta em português no outro dia… Carta pessoal? sim. sim. carta pessoal. apeteceu-me escrever em português, escrevi em português. Diga-me… desses textos… esses textos que escreve em português… teria preferido escrevê-losem crioulo? eu quando… como escrevo muito pouco em português… eu se escrevo uma coisa em português não é por… não posso dizer que preferia… no momento apeteceu-me escrever em português ou só se tiver algum motivo. às vezes é quando… Estáa falar desses projectos,relatórios, etc.? não, esses aí eu gostaria de poder fazê-los em crioulo. é o meu sonho, é poder… Mas estava a falar de documentos que também escreve em português porque lhe apeteceescrever… sim, às vezes tomo uma nota, mando um e-mail para um amigo. posso fazê-lo em português. mas normalmente… na hora apeteceu-me. por exemplo - esta carta, talvez tive a necessidade de ser muito claro com a pessoa que escrevi a carta, embora não seja uma carta de trabalho nem nada do género, ser algo pessoal, e essa pessoa talvez não domine tão bem o crioulo, o crioulo escrito, não é? então eu talvez por isso fiz em português, pus em português, talvez por isso. Onde e como aprendeu a escrever o crioulo? onde e como?, olhe, data em 90. acho que foi em noventa. 1990. mandei… estava em Portugal, mandei vir um catalogo dos livros da 4ICLD, sublinhei todos os livros que havia em crioulo e… e pedi que me mandassem para Portugal-- li todos. e comecei a fazer… ainda escrevi… era a escrita de 79. e comecei a fazer o meu exercício. escrevia qualquer coisa que vinha à cabeça, depois rasgava e deitava fora como forma de ganhar prática no exercício de escrita. e a partir daí comecei, depois ganhar prática… porque é cansativo escrever com um alfabeto, ou numa língua que não temos o domínio da escrita, ganhei esse domínio digamos assim, um certo domínio, e passei desde aí, desde noventa portanto, já lá vãoquase 16 anos. E actualmente, como é que escreve? uso o ALUPEC. E sente alguma dificuldade? a...praticamente, não. Usa o ALUPEC. E na estruturação de texto… na organização…? a... já está a fluir um bocado. não sou homem da escrita, como lhe disse -- mas já está a fluir. já escrevo assim com uma certa fluidez, principalmente se é um texto pessoal para um amigo, ou um e-mail. eu acho que já não sinto muita dificuldade. eu acho que já escrevo com tanta naturalidade em crioulo como já escrevia em português. Quando estáa falar, ou a falar o crioulo, em algum momento ou em alguma circunstância,teve de mudar,mudou para português? não-não. Chegada de alguém, mudança de assunto…? não. não, não. eu posso, eu posso eventualmente, por uma questão de precisão, recorrer uma palavra do português para dar ênfase. mas da mesma forma, quando falo em português, falo em português, vou buscar a palavra em crioulo que dá mais precisão. também vou buscar uma palavra em crioulo para dar para dar ênfase. fiz isso muito quando fui professor no liceu. quando fui professor no liceu, fui professor no liceu e dava aulas nas duas línguas e recorria às duas para… Nas aulas? Para quê? Usava o crioulo nas aulas para quê? usava o crioulo nas aulas para os miúdos poderem entender o conteúdo para…para entenderem aquilo que estava a explicar. Portanto, era para fazer explicaçõesda matéria? para fazer entender, exacto. para explicar a matéria. para acabar com as dúvidas a... eu usava o crioulo. usava o crioulo porque, com o crioulo os alunos realmente assimilavam, compreendiam a matéria. com o português, ficavam com uma noção, um bocado vaga, depois decoravam e vinham e vinham para o exercício. E como é que era depois, ter de fazer provas em português? eu eu dava a mesma aula nas duas línguas, não é? Na mesma…? na mesma aula. Na mesma aula? era na mesma aula. eu repetia a aula, fazia a aula, muitas vezes em português, depois perguntava, claro, quem tem dúvidas?  ((risos)) ok. e acabava com as dúvidas usando o crioulo. acabava com as dúvidas. e se explicasse primeiro em crioulo, depois se algum dos alunos tinha dúvida, era um número mínimo mesmo. a... mas mesmo que explicasse primeiro em em em crioulo e que não houvessem mais dúvidas, eu explicava em português com o objectivo de familiarizar o... os alunos, não é? a definirem o assunto com a língua - não é? também fazê-los ouvir o assunto em português,, não é? de forma a que quando chegassem, fossem estudar houvesse, a... é mesmo a palavra, desculpa, familiaridade com a linguagem usada e a língua usada para coiso. daí que quando chegassem aos testes, normalmente eles não escreviam, eram testes tipo americano. Vou pôr-lhe uma questão muito directa. Imagine que está numa situação, com umas pessoas, a falar o crioulo. Chega uma autoridade. Muda para o português? as pessoas têm tendência para mudar. mas eu naturalmente, não mudo. Imagine que está num grupo, a falar sobre um assunto social ou familiar e depois muda para um assunto técnico. Tem tendência para mudar para o português? não, hoje … E ao contrário, mudar de português para o crioulo, isto alguma vez aconteceu? certamente falei o português tão pouco ultimamente. normalmente falo o português com uma pessoa que não domina o crioulo, não domina o crioulo, não é? não domina o crioulo, então, e daí que aquela mudança quase que não fazia sentido. O que é que pensa do crioulo? éuma língua a...: Do crioulo. agora- é assim… como língua? Em si. Sim. eu… o crioulo para além de ser a minha língua, eu acabei de dizer, o crioulo é uma língua, na minha óptica, com muitas vantagens. porque, para além de ser um sistema de significados, também tem uma forma simplificada de dizer as coisas, de uma forma directa. daí até corro o risco de dizer que o crioulo será uma óptima língua, ou é uma óptima língua para tratar assuntos técnicos. por exemplo, sou técnico de informática, leio muito em inglês, não é? mas não tenho o domínio falado, nem de ouvir o inglês, não falo nem oiço, compreendo o inglês falado, mas leio. mas estou a ler todos os assuntos técnicos, eu vejo aquilo. da forma directa, a minha facilidade é que eu vejo aquilo em crioulo, tudo. está a entender? aquilo me fascinou, quando comecei fiquei fascinado, e disse, meu Deus, as coisas estão facilitadas, é fácil traduzir do inglês para o crioulo, pelo menos na parte técnica. é uma língua muito… que tem essa abertura, que tem essa (?) económica. acho que é uma língua muito flexível, capaz de adaptar às circunstâncias, inclusivamente científicas técnicas, é uma questão só de ir buscar as palavras apropriadas ou criá-las, conforme for o caso. mas eu acho que o crioulo é uma óptima língua, como disse o5F3é uma língua muito moderna, na sua estrutura, não é? E do português, o que é que pensa do português? uma língua bonita, tem a sua beleza, não é? mas é… é complicado, é enrolado é... é enrolado. tem a sua beleza para a literatura, mas não para questões técnicas. lamento dizer, mas eu não vejo o português como uma boa língua para questões, questões técnicas. agora… ou está-me a perguntar da situação linguística? Sim. O que é que acha disso, de se se usar o crioulo e o português em Cabo Verde? eu… vou dizer o que eu penso. é assim a minha posição, eu vejo o português como uma mera ferramenta, sou técnico, tenho uma chave de fendas, quando preciso chave fendas, recorro a chave. recorro a chave de fendas para tirar dele um partido. e é assim que eu vejo o português, eu pessoalmente uso o português, eu… e eu acho que em Cabo Verde o português devia ser um instrumento, instrumento de trabalho, instrumento para suprimir, ou para apoiar numa determinada necessidade. e não da forma como… não na situação linguística como vivemos. porque nós temos uma língua, que nós nascemos, crescemos, aprendemos nessa língua, essa língua se for trabalhada, não é? se for dada uma determinada atenção, responde cabalmente às nossas necessidades, pessoais, sociais, técnicas, científicas, responde de certeza, estou certo disso – a... daí que… acho que este é o caminho. e as outras línguas… o português poderá continuar língua oficial se for uma necessidade, poderá continuar no ensino se é uma necessidade, mas tem de ser vista… não pode ser vista como um fim, porque em Cabo Verde neste momento a língua portuguesa é um fim, não é? é visto como um fim em si, e na minha perspectiva não é esse o caminho. tem de ser… a língua portuguesa tem de ser, tem de entrar como um complemento, embora não acredite que seja. neste momento há um complemento entre o português e o crioulo, porque no português eu tenho… tenho os livros, a parte escrita, tenho a informação, não é? que ainda não tenho em crioulo, eu vou buscar na língua portuguesa. é aí a ideia da ferramenta, não é? eu tenho os livros em português, tenho domínio da língua, como também vou buscar na língua inglesa ou na língua espanhola também, para a leitura, tenho um certo domínio, logo eu vou buscar, eu uso como um instrumento, não é? mas eu não posso substituir nenhuma outra língua pela língua cabo-verdiana. eu acho um absurdo, na minha palavra… na minha opinião, eu acho um absurdo que haja esta substituição que aconteceu nesses últimos 31 anos de independência -que o português ganhou, ganhou espaço em Cabo Verde, ganhou espaço nesses últimos anos, agora não sou contra esse espaço do português, é a forma como … Como assim, o português ganhou espaço? ganhou espaço porque antes não tinha utilização. O português não tinha utilização? o português não tinha utilização. hoje, a ideia que tenho, é que tinha uma certa… é... o português ficava exclusivamente na escola, não é? é a ideia que tenho, é a ideia que eu tenho. posso estar enganado. depois de eu deixar de morar no 6plateau eu aprendi muita coisa, e circulando pelos bairros, o português não faz escola nos bairros no interior da cidade… É isso… não estou a perceber. Diz que o português ganhou espaço, mas estáa dizer-me agora que não faz escola … não estou a perceber… ganhou… ok, vou tentar explicar. mas ganhou espaço, já fez menos escola. por exemplo, hoje o português tem um certo prestígio, o português sempre teve um certo prestígio. mas as pessoas que dominavam o português eram uma pequeníssima minoria, dominava o português. talvez as outras pessoas por não dominarem o português mantivessem o português de lá. mas hoje, com a massificação, a pseudo democratização do ensino, e hoje todos nós arriscamos a falar um pouco português. então, vê-se na televisão, na rádio, pessoas que são entrevistadas que não têm o domínio, vê-se claramente que não têm o domínio mínimo da língua, mas que arriscam, não é? arriscam. arriscam porque são bombardeados pela televisão, pelas rádios, em campanhas e outras circunstâncias, pela língua. então eles ganham… só de ouvir ganham uma certa competência na língua e arriscam, arriscam a falar, arriscam a falar, e todo o mundo quer, digamos, tirar um certo prestígio disso, não é? mostrar que… porque falar português em Cabo Verde ainda dá… é um sinónimo de status, é sinónimo de de de uma certa erudição, digamos assim, de quem tem cultura, de quem conhece, quem estudou, não é? ainda há esse aspecto, não é? Mas acha isso das pessoas que usam o português? eu acho isso muito… eu acho, vou lhe dizer uma coisa–há pessoas … Pensa que o português dástatus? dá status, dá status sim. pelo menos na cabeça das pessoas dá status. vamos a uma repartição pública, ou pelo telefone, se reparar, as pessoas têm tendência a começar uma conversa, mesmo… o primeiro momento é em português, mesmo que depois passem para o crioulo. porque o facto de falarem em português automaticamente muda, muda o clima, muda a intimidade, não é? muda a relação entre as pessoas, aquele respeito, falou em português? não é qualquer um que está do outro lado, está-me a entender? significa logo que tem esta sensação. logo eu sou obrigado a fazer um… um exercício digamos de respeito, e uma certa atenção à pessoa. isto acontece mesmo nas repartições públicasainda, embora eu acredite que cada vez menos isto está a acontecer, não é? e o crioulo está a ganhar espaço, nesta área também, não é? mas as pessoas antigamente, não é? olhe, já eu me socorri duas vezes ao português para me livrar de uma si … um problema qualquer, com um policial não sei que mais. estava numa bicha qualquer e veio um polícia com um case-tête a bater não sei que mais. recorro a uma palavra a uma língua, recorro ao português e à palavra camarada, e ele parou, ficou estagnado, saí da bicha e ele continuou o trabalho dele. a ideia é, não é qualquer um que esta a falar. ainda há isso. e nesse momento há pessoas que… vejamos uma coisa, se sair nos cafés, agora há uma, se sair, vai aos cafés? (?) ((risos)), agora pede-se uma bica. pede-se um galão, não se pede um café com leite, não é? e já não se pede um 7cleps, pede-se uma imperial. olha eu estudei, eu estive três anos em Portugal, eu voltei e retomei o meu crioulo, e a minha linguagem, não é? coisa que as pessoas de hoje dizem, há uma tendência nos restaurantes, sim, temos cachupa guizada ((risos)), não é? é nesse aspecto que está a ganhar uma certa… e estão a introduzir palavras do português no crioulo ou aportuguesar o crioulo só para mostrarem que têm uma certa cultura, que conhecem a língua portuguesa, não é? então modificam o crioulo. como costumo brincar, dão um sotaque de Lisboa ao crioulo para poderem mostrar que têm status, que ocupam uma determinada posição na sociedade, não é? recorrem a isso. e a explicação que eu tenho para isso deriva do prestigio, não é? desse status que o domínio ou o conhecimento da língua portuguesa infelizmente ainda confere, ainda confere aos cabo-verdianos. E as pessoas que usam o crioulo? é a maior parte das pessoas . Digamos… o que é que pensa delas, o que é que acha que as pessoas pensam delas? não, queusam o crioulo nessas circunstâncias? mhmmhm olhe-há circunstâncias em Cabo Verde, essas circunstâncias oficiais… Sei lá… Estou a pensar por exemplo que pode achar que as pessoas que usam o crioulo são pessoasque têm menos educação,que são menos instruídas... a... há uma… na grande parte sim. vejamos no caso das entrevistas, não é? um jornalista vai ao treinador, dirige ao treinador, dirige ao treinador, normalmente uma pessoa que tem um pouco mais de cultura, dirige ao treinador em português. vira para o lado e dirige ao jogador, dirige ao jogador em crioulo - na mesma entrevista, no mesmo momento, não é? depois volta para o presidente da equipa, volta a falar português. volta para um jogador… acho que tudo isso é significativo, não é? quer dizer eleele ele … Como é que se entende isso? eledá a ideia de que crioulo está reservado às pessoas que não sabem falar português, que a opção no fim é falar o português, não é? a ideia era falar português, fala crioulo quem não sabe, não é? ou é abordado em crioulo, quem não sabe ou quem não domina o português. O que acha disso? isso é horrível, isso é horrível. isso é uma forma de discriminação, é uma forma de… mesmo que seja inconsciente de atacar, de atacar o prestígio da da própria língua cabo-verdiana, uma forma de dizer às pessoas, não? o crioulo é coisa de gente ignorante, o crioulo é coisa de quem não tem cultura, de quem não tem cultura académica-não é? Está claro. de quem não… de quem não sabe, não é ? isso é horrível. isso é uma coisa que devia ser mais ou menos… quanto a mim proibida, porque é alienante, não é? ela é alienante. isso distorce, distorce a verdade em detrimento da língua e da cultura cabo-verdiana . Acha que se deve continuar… que o português deve continuar em Cabo Verde? olhe, eu vou-lhe dizer uma coisa, eu acho que não deve é haver imposição da língua portuguesa em CaboVerde. enquanto houver espaço para o português ele deve continuar, porque enquanto… é o que eu digo, enquanto houver espaço, porque enquanto for necessário, porque o português também tem aquela função, aquela função de complementaridade que lhe disse, não é? eu preciso de livros, não é? tenho-os em português, mas não os tenho em crioulo, daí dou graças de ter um certo domínio do português porque posso ir buscar as informações que eu tenho… é uma ferramenta útil, acho que deve continuar sempre. há um acervo bibliográfico, não é? até acerca de Cabo Verde, histórico, que nós até temos interesse e nós temos aquilo… que ainda não traduzimos para coiso. deve continuar, mas deve continuar naturalmente, não é? as pessoas devem ter opção, não é? devem ter opção de uma coisa e de outra, deve haver democracia na língua, não é? temos uma situação de ditadura linguística, deve haver… Como assim? ditadura, porque há imposição de uma língua, impõe-se o português. cada vez menos porque as pessoas vão batendo com o pé. mas eu vou-lhe dizer uma coisa, uma directora, no ano de 95 se não estou em erro, chamou-me e disse-me que não me renovaria o contrato se eu não prometesse deixar… que deixava de dar aulas em crioulo. E foi isso que aconteceu? foi. foi porque, tinha… tinha filhos, precisava daquele salário. dei-lhe a minha palavra, cumpri. cumpri durante esse ano. na primeira oportunidade, dei-lhe a resposta certa. ela baixou guarda e no ano seguinte voltei, retomei o crioulo. isso foi no meio do ano, mas como havia prometido e dado a minha palavra, cumpri até ao fim. não levei, não levei o crioulo para dentro da sala, não dei aulas em crioulo nesse ano, os alunos se queixaram, mas olha! Pelo que eu percebi, se eu percebi bem, acha que o crioulo, o português, deve ser usado em Cabo Verde só para ler. Ler esses livros que não são publicados em crioulo… quer dizer, bom eu acho que as pessoas devem ter opção, o direito, se houver alguém que quiser falar português que fale, não é? até temos uma situação neste momento, no nosso contexto, o português também é a língua oficial, e como língua oficial, e como língua também de trabalho, as pessoas devem ter o direito de se exprimirem inclusivamente na comunicação social do estado, neste caso têm o direito de escrever, falar, é um direito que têm. agora o que não é… o que não se pode… o que não é justo, é criar circunstâncias em que o crioulo não possa ser usado. E no futuro, para si, também o português continuaria…? eu acho que o português deve impor-se por si mesmo. isto é impor-se pela… como é que se pode dizer? se for útil o português, se nós tivermos necessidade do português, ele continua naturalmente. mas se amanhã ou perdermos o interesse ou a necessidade, não é? as pessoas acharem que não, que querem o crioulo ou outra língua, eu acho que o português não deve ser imposto em Cabo Verde-deve ser uma opção das pessoas. Acha que ele deve manter-se como língua oficial? enquanto for necessário sim, mas se algum dia deixar de ser necessário, eu acho que deve deixar de ser. E deixaria de ser necessário como, porquê? deixaria, se as pessoas… se o crioulo passar a preencher essa… esse lado de… que é complementar, não é? com o português, e se as pessoas perderem o interesse pela língua portuguesa por exemplo, nós vamos ter uma língua fantasma que as pessoas não usam… Como é que vê…? não tiram partido, nãoé? Como é que, digamos, desenha mentalmente a alternativa linguística para Cabo Verde? Para si qual é que seria a alternativa linguística desejável? falar de coração? ((risos)) Sim. Sim. De coração… de coração e de cabeça também. é de cabeça também porque eu… português tem um papel que já expliquei. deve continuar no ensino, nós devemos ensinar, tem o seu interesse. mas se pudesse decidir, eu decidia uma opção de três línguas para Cabo Verde. eu acho que primeira língua seria o crioulo, não é? que é a língua nacional, que é a língua dos cabo-verdianos. acho que é uma forma de valorizar a nação cabo-verdiana, de… e até de ajudar a combater o insucesso escolar, e uma série de outros factores como a... inclusivamente traumas e complexos coloniais que talvez venham do tempo da escravatura, quer o sentimento de inferioridade que o cabo-verdiano tem em relação ao europeu, e essa falta de confiança que ele tem no que ele produz, no que ele faz, no que o outro, não é? o que o branco faz estásempre certo, o que o que cabo-verdiano faz nós duvidamos, até o dia que chega um branco e diz que é bom, aí passa a ser passa a ser bom. ainda temos muito disso, não vale a pena tapar o sol com a peneira porque aí não vamos a sitio nenhum. essa é a minha sensação. tenho uma outra situação também, que talvez seja romântica mas que… é importante… Falou-me em três línguas, o crioulo… eu acho que os países africanos, e Cabo Verde como país africano… eu acho que os países africanos deviam ter uma língua (?) eleger uma língua, ter uma segunda língua de todos os africanos, não é? isso ajudaria na integração africana e ajudaria na comunicação comunicação e consequentemente na no desenvolvimento económico e social e cultural e científico de da África. e essa língua traria prestígio para a África, seria uma língua uma língua falada por todos os africanos, seria uma segunda língua de todos os africanos, mundialmente teria um peso, seria língua nas Nações Unidas. quer dizer o africano podia dar ao luxo de… ser lá onde fosse, não é? usar uma língua africana, nesse caso essa língua comum (?) e inevitavelmente seria oinglês. Então, excluiria o português? não, não excluiria as outras línguas, são três línguas. olha, o russo é uma boa língua, tem um acervobibliográfico enorme. Digamos, em termos de oficialidade… eu não estou a dizer que essas três línguas seriam oficiais. seriam línguas prioritárias no ensino. fala-se em globalização, fala-se em… E continuar-se-ia, por exemplo, a ensinar,o português nas escolas? acho que sim, porque não? desde que seja necessário porque não? seria mais uma língua. eu acho que é como disse alguém, se eu falasse todas as línguas do mundo, não é? inclusivamente a minha, teria a dimensão cultural de um Deus, mas se eu falasse todas as línguas do mundo excepto a minha, eu teria a dimensão cultural de uma besta. portanto isto só para… só para vincar a necessidade de… O que é que… que relação estabelece entre ser cabo-verdiano e usar o crioulo? é fundamental, não é? eu acho que ser cabo-verdiano sem o crioulo, não existe esse cenário. o a digamos assim, a... o aspecto identitário mais forte do cabo-verdiano é a língua. é a coisa que… melhor coisa que ele criou nesses quinhentos anos de existência. a... foi a língua cabo-verdiana, que é uma língua simples no bom sentido, económica, não é? e... flexível, uma língua viável, se apostarmos nela e não deixarmos… não a... deixarmos na situação que está neste momento, não é? acho que temos uma língua forte, que as pessoas aprendem com a maior facilidade… um americano vem aqui, em quinze dias recebe aulas de crioulo, fala com uma fluência extraordinária, outro, veja, o cabo-verdiano seja lá onde, em Portugal, na Holanda, fala o crioulo, enquanto muitas outras nações mudam, e deixam de falar as línguas que falam, deixam de falar as próprias línguas para falar as línguas daquela nação, mas o cabo-verdiano não. e mais, o cabo-verdiano, para além de falar a sua língua no estrangeiro, ainda há gente daquele país que passa… também aprende e passa a usar a língua cabo- verdiana. isto aí mostra a facilidade, não é? e isso diz tudo, que é uma língua viável, é uma língua que se soubermos aproveitar, não é? podemos usá-la, e pode ser usada no...utros sítios, sem ser problema. aí ao lado, a a Guiné Bissau - o crioulo da Guiné Bissau e o crioulo de Cabo Verde não tem grandes diferenças - mesma coisa o Curaçau, não é? há uma comunidade crioula. acho que fugi à questão. acho que não existe, o cabo-verdiano, a nação cabo-verdiana sem a língua cabo-verdiana-dissolve, desaparece- de certeza. Admite a possibilidade de um cabo-verdiano não gostar do crioulo, de um cabo-verdianonão saber o crioulo, de um cabo-verdianonão usar o crioulo? olhe… isso é ridículo, isso entre aspas. cada um tem o direito de usar ou não, mas a... eu acho que… ((toca o telemóvel)) desculpe, eu deveria ter desligado… Não há problema. certamente há cabo-verdianos que não falam crioulo. mas eu tenho essa dificuldade, dificuldades sentimentais, dificuldade em termo emocionais, dificuldades de imaginar um cabo-verdiano que não fala crioulo, chega a... um cabo-verdiano, diz, sou cabo-verdiano, não falo crioulo. é esquisito. claro que existe este cenário, não é? existe este cenário, claro que existe esse cenário, embora hoje em dia exista cabo-verdiano da nação e cabo-verdiano do Estado. ter um passaporte, ter um passaporte cabo-verdiano não significa ser cabo- verdiano. pode-se ter os mesmos direitos, mas isso não faz… faz dele um cidadão, mas não faz dele um membro da nação cabo-verdiana. Diáspora? não. não estou a falar da diáspora. diáspora, olhe a diáspora são filhos de cabo-verdianos. são cabo-verdianos. nascidos nos Estados Unidos, seja onde for, são cabo-verdianos. Admite a possibilidade de eles não saberem ou ou não darem …. há há. É desses que me está a falar? não, há essa… não… há essa possibilidade. vejamos uma coisa, um cabo-verdiano que não fala crioulo, chega em Cabo Verde, e sente um estrangeiro, mesmo que fale o português. quer dizer há qualquer coisa de mágico, não é? que o crioulo... que flúi no crioulo e que não flúi nas outras línguas, não é? qualquer coisa mágico do ser cabo-verdiano, não é? ser cabo- verdiano, a maneira de expressar, de viver, não é? eu aceito essa pessoa, mas eu não perco essa sensação de ele ser um estranho, não é? ele continua um estranho. eu não estou a excluir ninguém, a ideia não é excluir ninguém, não é? vejamos uma coisa. uma vez em Lisboa encontrei três rapazes, falavam um badiu extraordinário. deviam ter quinze anos, 14, 15 anos. eu perguntei para eles, que zona de Santiago vocês são?  eles riram, riram, disseram, nós não conhecemos Cabo Verde. mas eu não posso dizer que eles não são cabo- verdianos, porque a maneira de falar, a maneira de sentir, a maneira como diziam, dizia que eles são cabo-verdianos sim. não interessa o passaporte ou o sítio onde nasceram, penso que isso, isso hoje em dia, infelizmente, vale mais do que outra coisa, o documento que nós trazemos, mas não muda a natureza das pessoas. Há bocado falou-me das variantes do crioulo. Como é que vê esta questão? Para si, háalgum deles que seja o verdadeiro crioulo, alguma dessas variantes? há gente... deixa fugir um pouco do assunto, há gente que usa o facto de existirem variantes para combaterem a oficialização, a escrita, ou o desenvolvimento do crioulo, porque infelizmente há gente em Cabo Verde, e gente que constitui… que assumem posições ou atitudes de intelectuais, que estão contra o crioulo, infelizmente. gente que deveriam estar na luta para a afirmação da nação cabo-verdiana, para a sobrevivência da nação cabo-verdiana no mundo, acho que estão mais preocupados com a sobrevivência da nação portuguesa, não é? da nação ou do grande império Portugal, império entre aspas - não é?, no mundo. porque a língua portuguesa transporta a cultura de Portugal - também do Brasil ou da Luanda e Maputo, mas não veicula, não veicula a cultura do cabo-verdiano. tanto é verdade que o cabo-verdiano que vive em Portugal há não sei quantos anos, continua a usar o crioulo, e serve-se do português, quer dizer a língua não substitui, não substitui na expressão, digamos na idiossincrasia do cabo-verdiano, não é? a língua portuguesa não faz parte da:. idiossincrasiado cabo-verdiano. mas eu perdi agora a questão.. A questão das variantes… ese alguma delas seria o verdadeiro crioulo… a... eu acho que todos são verdadeiros, não é? de um ponto de vista histórico tudo indica… Por exemplo… Há gente que acha que o verdadeiro crioulo é aquele que se fala no interior de… vou lhe dizer, o crioulo da cidade… pelo que li, não é? das coisas que outras pessoas escreveram, e das a... das experiências sociolinguísticas de outros países, em todos os países foi-se à raiz buscar a estrutura da língua, a estrutura da língua, a estrutura forte da língua para se avivar, para dotar a coisa. acho que mesmo em França, e provavelmente em Portugal tinham feito isso. porque o que se fala na cidade hoje é uma mistura do português com crioulo, quer dizer fala-se, usa-se duas estruturas gramaticais. mas não julgo que seja coerente. nós devíamos adoptar uma forma de falar que tenha duas estruturas, ou que a gente venha a adoptar um sistema, não é? só porque a classe que foi para a escola - não é? não domina a outra variante. e essa nem chega a ser variante, o que se fala hoje na Praia, acho que a Dona 8F4 chamou de crioulês, não é? é uma mistura de português e de crioulo. eu não vou dizer que toda a gente na Praia, mas uma certa elite, mas nós temos de começar a admitir uma coisa, hoje todo o mundo acha que domina o crioulo. não é verdade. nós não fomos para a escola - não sentamos atrás de um livro a aprender o crioulo, portanto é normal que a gente não domine o crioulo, portanto. e se nós virmos entrar nesta discussão, é uma discussão perigosa, porque mesmo dentro da Praia, as pessoas não falam a mesma coisa. não vão buscar no português as mesmas influências, não é? uns vieram de Boa Vista, outros vieram do interior de Santiago. nós não podemos ter 300 mil pessoas e 400 mil línguas em Cabo Verde, isso não é possível. mas isso é um trabalho dos linguistas, dos cientistas, não é? eu aqui sou leigo, mas os cientistas para fazer um estudo e dizer o que é melhor. mas eu na minha posição de leigo, eu digo, acho que nós devemos ir à matriz, não é? Qual é essa matriz? eu acho que ela deve estar com as pessoas mais velhas que não foram para a escola. têm uma estrutura mais coerente, uma estrutura que sobreviveu durante trezentos quatrocentos ou quantos ano, não é? é uma estrutura coerente, é uma estrutura única, não é? é uma estrutura lógica que amadureceu, não é? que amadureceu, e que neste momento está-se a perder. eu acho que esta estrutura que tem 400 anos é mais válida do que uma estrutura que tem 10 ou 15 ou 20 anos -- é o que eu penso. eu penso que em sítio nenhum, adopta-se os as modificações que a língua sofra do dia para a noite. Diga-meuma coisa. Acha que o crioulo deve ser ensinado nas escolas? claro, evidentemente. eu acho uma violência que as crianças vão para a escola aprender numa língua que não dominam, eu acho que isso assusta. isso assusta as crianças. E na alfabetização de adultos? essa é outra questão, essa é outra questão. eu acho que em Cabo Verde temos… temos uma grande percentagem daquilo que se chama analfabetismo de retorno, não é? as pessoas vão para a escola, aprendem o código, aprendem a ler, mas não sabem interpretar o que está atrás do que lêem. para quê é que serve? eu também uma vez aprendi a ler alemão, mas lia, se houvesse um alemão ao lado ele entendia, mas eu não entendia, eu aprendi o código. e em certa medida é o que acontece, mas não acontece só na alfabetização, acontece no liceu. eu, com o livro de 9homem ambiente, com uma linguagem extremamente simples, eu tinha que abrir aquilo e explicar parágrafo por parágrafo o que estava ali no terceiro ou quarto ano do liceu, primeiro, segundo ano, porque os alunos não entendiam. mandava, leia aquele paragrafo, ele não explicava. portanto em questão da alfabetização de adultos, essa percentagem da analfabetos que dão é muito superior a do analfabetismo real, porque as pessoas aprendem a conhecer as letras mas não sabem ler o que há atrás das letras, não sabemdescodificar a mensagem, então para quêé que serve? Acha então que o português em Cabo Verde deveria ficar reservado para certas pessoas,certos assuntos e certas circunstâncias? e... eu não diria isso. eu acho que o português devia ser ensinado numa etapa, numa etapa posterior. os alunos deviam ir para a escola, aprender o crioulo, dominar o crioulo e depois fazia-se a introdução, com metodologia da de língua segunda, não é? como se tem hoje em dia, de forma a que pudessem fazer uma boa aprendizagem do português, não é? e que ao fim, quando terminassem o liceu, tivessem condições de usar, de usar esta língua como um instrumento, não é? para a vida deles, para a vida profissional, quando forem à universidade para fazerem consultas, mesmo no liceu, porque nós, no liceu… eu tenho ainda memória clara disso, as pessoas estudam pelos apontamentos, e os apontamentos não são textos, são definições que os professores dão, que os alunos são obrigados a… que os alunos decoram, e depois vão ao teste, o professor pergunta. o que é a amplitude térmica? , é a diferença entre a temperatura máxima e e... , mas mesmo que não entendem, a maior parte deles, o aluno nem quer… a maior parte das vezes o aluno nem está preocupado em entender o que está aí, está preocupado em decorar o conteúdo. daí que… daí que o resultado do nosso ensino não seja o que deveria ser, na minha óptica. porque temos os alunos com 12º ano, mas que eles continuam, desculpe ignorantes, não é? quer dizer fazem o 12º ano mas … saem dali mas não sabem nada, não é? porque não sabem articular o conhecimento da escola com a vida, não conseguem aplicar porque… Tendo aprendido o português nas escolas, o português seria usado para quê? a, mas é que se ele, se ele aprende o crioulo e depois aprende bem o português, ele pode até usar o português para conversar. porque ele tem um domínio inteiro do que está a dizer, não é? ele vai usar o português no que ele bem entender, no que ele bem entender. mas eu… essencialmente, eu acredito que essencialmente que ele vai optar por usar o português como… para ler, para buscar informação, para estudar, naquilo que o crioulo não, para complementar -como complemento do crioulo, não é? é o que eu acredito. (?) não, não. neste momento é o que eu defendo, não é? a o que acredito é que há necessidade… porque vai acontecer. neste momento eu defendo isso também, mas estou a dizer… aí estou a fazer um pouco de futurologia. é o que vai acontecer se o crioulo for introduzido na escola. o português é útil sim, porque vai servir de complemento, de complemento do crioulo, não é? ele vai buscar no português o que ele não tem no crioulo, e com o tempo, com o desenvolvimento do crioulo, e com mais bibliografia, certamente ele vai diminuindo o que ele vai buscar, nessa função de complementaridade, esse peso complementar do português vai diminuir, mas isso é futurologia. Muito bem. Diga-me uma coisa. Já se referiu a isso, mas eu vou retomar a questão para falarmos um pouco mais. Qual deles, o crioulo ou o português, acha que exprime melhor a cultura de Cabo Verde? acho que exprime melhor não, acho que exprime a cultura de Cabo Verde é o crioulo. português não exprime a cultura de Cabo Verde. Fale-me disso. ((risos)) é é..., aquela mágica, a tal magia que eu disse que havia no crioulo. nós nascemos crescemos numa língua. nós temos de admitir uma coisa - é só admitir que o português é a língua oficial, não é? mas é uma língua por decreto. o português não é língua dos cabo-verdianos. pode vir a ser um dia, não sei, mas neste momento não é língua dos cabo-verdianos. não sendo língua dos cabo-verdianos, não é? uma língua que eles dominam, que eles conhecem, que… eu não vejo como exprimir a cultura, não é? como exprimir a cultura numa língua que não domina, que não domina. acho que a vida decorre-se em crioulo - não é? acho que esta frase é do Jorge Amado, se não estou em erro quando ele esteve em Cabo Verde. a vida decorre-se em crioulo quer dizer todas as manifestações culturais decorrem em crioulo, não é? desde as coisas mais simples até às mais complexas como … não sei se queria mais alguma coisa? Literatura... Estou a pensar em todas as manifestações culturais, literatura, teatro… nós temos uma literatura em português, tudo bem. nós temos uma literatura em português. acho que temos bons escritores, não é? mas são escritores que tiveram uma formação excelente, não é? foi em português, na língua portuguesa. na altura só gente dominava a língua portuguesa, gente muito culta, não é? muito erudita, e que a partir daí conseguiu produzir uma literatura com sabor cabo-verdiano na língua portuguesa. mas eu penso que essa mesma literatura podia ser produzida numa outra língua, não é? desde que o o... autor dominasse bem, não é? tivesse um grande domínio dessa língua e da cultura cabo-verdiana claro. eu penso que são dois factores, não é? essenciais para que isso aconteça. é o domínio, conhecer ou fazer parte da cultura cabo- verdiana, e também ter um domínio, um bom domínio da outra língua, e penso aí, que aí as coisas já flúem melhor, mas quando falamos no povo, da vivência do dia a dia… Admite a possibilidade de a morna, funaná…? há mornas em português, há mornas em português. eu não vejo um funaná em português. morna é mais lento … e com habilidade. há mornas bonitas em português, 10Maria Bárbara tem uma parte em português, e quando eu oiço Maria Bárbara eu esqueço que é o português que está aí, está bem concebido, está muito bem concebido. mas também não é cantado por um português, é cantado por um cabo-verdiano daí que soa mesmo a morna. mas isso são quase excentricidades. De qualquer modo, o que é que acha dessa possibilidade que os cabo- verdianos … vão utilizando ora o crioulo ora o português? é..., olhe… eu acho que as coisas seriam interessantes se as coisas fossem…se houvesse aquela tal democracia, houvesse igualdade de circunstâncias. todos pudessem aprender o crioulo, todos pudessem aprender o português, e que fosse exprimido numa língua ou outra de forma livre, sem condicionalismos psicológicos ou normas sociais, não é? podia ser interessante, podia ser um fenómeno interessante, mas sem imposições. nestas circunstâncias eu acho que português… não sei… acho que não tem muita chance de sobrevivência. e daí o medo. Como assim? daí o medo. eu acho que se o crioulo ganhar estatuto social, e também… e se ganhar dinâmica nas escolas, tiver bibliografia, dificilmente os alunos vão escolher o português em detrimento do crioulo, porque o crioulo é mais fácil, têm… o domínio é maior, e… eu não sei se… não é para não assustar as pessoas… mas eu acho que o português vai recuar com… vai recuar naturalmente com o avanço do crioulo. Recuar em que sentido? vai perder… vai perder terreno… e vai deixar de ser tão… vai deixar de impor… vai perder aquela imposição, que podia ser natural, não é? as pessoas não vão escolher tanto o português como se pode pode pensar. eu duvido que os alunos prefiram ter aulas de matemática, de história, em português do que em crioulo, não é? seria preciso fazer um… ter um sistema de ensino muito bom em crioulo para que os alunos tivessem uma um bom conhecimento, uma boa aprendizagem do português, para que o português ganhasse espaço. acho que até… vou lhe dizer uma coisa, acho até que para que o português ganhe espaço, o espaço pretendido pelos defensores e cultores do português em Cabo Verde, eles deviam incentivar o ensino em crioulo, porque se não houver ensino em crioulo, se o cabo-verdiano não conseguir distinguir onde é que começa… onde é que termina o crioulo e onde é que começa o português, ele nunca vai dominar o português. e pior ele está a deixar de dominar o crioulo também. Há bocado já me falou disso e também de certo modo agora … Como é que acha que os cabo-verdianos falam português, bem, mal, muito bem, à maneira dos portugueses? os cabo-verdianos ((risos)) isto é assim…estou a rir porque eu abro a televisão e ouço o culto do sotaque lisboeta, que até um culto que eu digo ridículo porque… não por ser lisboeta, mas porque cria ruído na comunicação. e às vezes tenho dificuldade em entender. o a... o que ela queria dizer? qual é a palavra, não é? porque em Cabo Verde nós aprendemos português embora falemos muito pouco, nas aulas. acho que hoje os alunos estão mais abertos, com a televisão, com as rádios, então com as novelas brasileiras e outros programas em português, as pessoas vão ganhando fluência e capacidade de expressão em português, então os alunos já são mais desinibidos que no meu tempo. Falam mais português? acho que sim. acho que os alunos estão mais à vontade, estão mais à vontade, principalmente as turmas como A B C D que são onde estão as classes… filhos das pessoas mais favorecidas no bom sentido. gente que tem apoio em casa-aquela coisa, mas para mim… perdi-me … Estava afalar da maneira como os cabo-verdianos falam português. ah! tudo bem. então o que há? há aquele culto de sotaque lisboeta… não sei… que eu acho desnecessário, na minha opinião, não é? desnecessário porque só cria ruído na comunicação. eu acho que o cabo-verdiano tem um sotaque, normal, que é um sotaque derivado da sua língua, não é? fala crioulo, quem fala inglês ou francês é normal que transporte um sotaque, não há essa necessidade de cultivar o modo de falar do Brasil ou coiso, não porque, não quer dizer que eu esteja a dizer que haja um português de Cabo Verde, não, eu não acho isso, não -- agora o cabo-verdiano deve falar naturalmente, deve falar naturalmente o português. mas quem domina o português ainda é uma classe, uma quantidade ainda pequena, já maior mas pequena das pessoas, nós ouvimos na rádio na televisão, que são circunstâncias que temos… de que as pessoas fazem mais, tem maior uso do português, e como dizem, o português do cabo-verdiano está 11lebi lebi. Eu só quero verificar se percebi bem. Portanto, para além do sotaque deveriam falar com… segundo o padrão europeu, exceptuando o sotaque ou o português de Cabo Verde? não, não. eu acho que não há um português de Cabo Verde. eu acho que devem abandonar o culto a qualquer um sotaque. mas digo… eu quando falo português… falo português, eu não vou atrás de sotaque nenhum, eu vou mais ou menos por aquilo que está escrito, a forma que eu aprendi a ler, não é? e faço uma leitura mais ou menos de acordo com aquilo que eu entendo, não vou atrás de sotaque. eu tenho o meu sotaque. Então. Pondo de lado o sotaque (?) o sotaque acho que não é língua, é outra coisa. europeu, de Brasil, Angola, eu acho que o cabo-verdiano tem uma coisa interessante, tem dado a conhecer um pouco o português de Portugal – e também do Brasil. eu acho que acaba misturando um pouco, não é? fala mais para Portugal, não é? até porque o português de Portugal tem mais prestígio, está a ganhar neste momento em Cabo Verde o do Brasil, mas eu acho que quando falamos português metemos muita coisa do Brasil por causa das influências. Isso não seria uma forma própria de os cabo-verdianos falarem o português,portanto não seria assim o português de Cabo Verde? isso… isso pode vir a transformar num português de Cabo Verde. se amanhã vier a aparecer um português de Cabo Verde, acho que este português de Cabo Verde vai ter um componente… para além das influências do crioulo, não é? se nós assumirmos isso sem complexos, teria teria influências do Brasil e de Portugal. O que é que acha disso, dessapossibilidade? eu acho que as pessoas normalmente adoptam aquilo que… que lhes servem melhor, não é? eu penso que se surgir essa possibilidade é porque é a fórmula que serve melhor o cabo-verdiano para se exprimir, não é? porque vejamos uma coisa, o português de Portugal é difícil de pronunciar, o do Brasil tem uma forma mais fácil de exprimir, até mais parecida com o crioulo do que o português de Portugal, daí que talvez as pessoas recorram… Mas para si, essa maneira dos cabo-verdianos falarem o português, envolvendo uma mistura de Portugal com Brasil é bom, é mau,é desejável? Vamos ver … O que pensa disso? eu não estou preocupado com a língua portuguesa ((risos)) a sério, se é bom, se é mau. eu já disse, eu acho que nem é bom nem é mau. é a forma que encontraram, de acordo com a necessidade, é a fórmula que lhes servem melhor -- e se realmente o português é português no Brasil e é português em Portugal, então essa fórmula, não é? não vejo mal nenhum nessa fórmula, não vejo mal nenhum nessa fórmula. mas é, pronto, se vier a surgir um português em Cabo Verde, talvez seja isso, com a influencia dessas três… do crioulo, da variante de Brasil e de Portugal, não é? Eu não tenho mais questões. Mas se quiser acrescentar algum comentário, alguma questão que eu não tenha… não, só há uma coisa que eu queria dizer, não sei se interessa para o… para aquilo que quer… mas é o seguinte. há um fenómeno interessante que acontece em… interessante e desinteressante ao mesmo tempo, que acontece, que é o ensino, o ensino decorre numa língua, e a vida, o quotidiano decore noutra língua. e há uma tendência para quando o aluno sair do liceu ficar … deixar ficar o conteúdo, não é? juntamente com a língua. sai do liceu ou sai das aulas, sai das aulas e deixa o conteúdo juntamente com a língua, não é? isso é mau porque ele não consegue transpor cá, para a sociedade … para a sociedade… valor… certos valores e conhecimentos que serão extremamente úteis para o desenvolvimento social, e ele não consegue articular esses conhecimentos porque ele não assimila, na minha óptica ele não assimila nem a língua nem os conteúdos, por conseguinte nem os conteúdos transitam para a sociedade. só a partir de um determinado nível, não? é que isso começa a acontecer. isso explica muito coisa que não vou comentar, pelo menos por agora. Não. Esteja àvontade… Não quero comentar isso, isso é um assunto que a gente pode falar mais tarde. Estábem. Muito obrigada X, mais uma vez. 1Jornal mensal em crioulo de que foram editados 2 ou 3 números 2Professor do ensino secundário 3Reputado poeta cabo-verdiano com mais de 70 anos. 4Instituto Cabo-Verdiano do Livro e do Disco, já extinto 5Falecido professor do ensino secundário que escreveu vários artigos nos jornais sobre a LCV 6Parte central, histórica, da cidade da Praia. 7Nome genérico para as bebidas em LCV, usado, por exemplo, em “tomar um cleps”, ou seja, tomar um “drink”; posteriormente esta palavra foi transferida para a cerveja de preesão 8Linguista cabo-verdiana 9Disciplina curricular do Ensino Secundário 10Título de uma morna 11Tradução para português, bastante leve
"Dr. X, muito obrigada por ter podido participar comigo nesta conversa. A minha primeira questão te(...TRUNCATED)
"Dr. X, obrigada por ter acedido a ter esta conversa comigo. A primeira questão que eu gostaria de (...TRUNCATED)
"Dra. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu gostaria de(...TRUNCATED)
"Dra. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu lhe queria (...TRUNCATED)
"Bom dia, professor X.\n\nde nada, não é?\n\nQue eu agradeço. A minha primeira pergunta é a segu(...TRUNCATED)
"aprendi a falar o crioulo, mas desde cedo tomei contacto com a língua portuguesa .\n\nOnde?\n\nna (...TRUNCATED)
"Sr. X, muito obrigada por me ter concedido esta entrevista. A primeira questão que eu colocaria é(...TRUNCATED)
End of preview.

Dataset original: https://www.clul.ulisboa.pt/recurso/corpus-de-portugues-de-cabo-verde

Transcriptions available in csv format for the full audio files without speaker info, and in json with turns and speaker labels. No timestamps are available

Downloads last month
39