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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font><br> <br> <font>AA instaurou acção ordinária contra a Companhia de Seguros BB, S.A. pedindo que seja condenada a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº .../0000517/154811, que celebrou com a autora e o seu falecido marido CC, se encontrava plenamente em vigor à data do óbito deste, por não ter sido legalmente resolvido pela ré.</font><br> <font>Alegou, em síntese, que:</font><br> <font>- ela e o seu marido, na qualidade de segurados/pessoas seguras, celebraram com a ré um contrato de seguro do ramo vida, crédito habitação, titulado pela apólice nº .../0000517/154811, com o capital seguro de Esc. 12.007.576$00, sendo o pagamento do prémio mensal efectuado por débito na conta de depósito à ordem de que eram titulares no Banco ... (B...), tendo sido acordado que o beneficiário do seguro seria o Banco ... (B...), pelo capital dos empréstimos em dívida que contraíram junto deste último Banco;</font><br> <font>- em 19/0212003, faleceu o seu marido CC, tendo a autora entregue no balcão do B... uma certidão de óbito do mesmo, a fim de ser accionado o mencionado seguro de vida;</font><br> <font>- a ré recusou-se a accionar o seguro de vida e a entregar o montante dos empréstimos então em dívida ao beneficiário B..., invocando a resolução do ajuizado contrato de seguro e alegando que a respectiva apólice tinha sido anulada, por falta de pagamento dos prémios, desde 30/04/2002 ; </font><br> <font>- a ré enviou apenas ao seu marido - e não a ela -, uma carta registada com aviso de recepção, datada de 26/02/2002, informando que se encontravam por liquidar os prémios desse seguro de vida, respeitantes aos meses de Novembro e Dezembro de 2001 e a Janeiro e Fevereiro de 2002, alertando para a «conveniência de proceder ao pagamento» desses prémios no prazo de 30 dias e acrescentando que se o pagamento não fosse efectuado o contrato se considerava resolvido;</font><br> <font>- a invocada resolução unilateral do contrato de seguro é «ilegal e ineficaz», na medida em que a declaração resolutória não foi comunicada à autora, nem levada ao seu conhecimento, sendo certo que ela, enquanto segurada, é uma das partes do contrato, pelo que o direito de resolver o contrato também tinha de ser exercido contra si;</font><br> <font>- não sendo válida a resolução do ajuizado contrato de seguro levada a cabo pela ré, tal contrato não pode deixar de ser havido como subsistente e em vigor, dotado de plena eficácia, à data do óbito do seu marido.</font><br> <font>A ré contestou, aduzindo que a resolução do contrato de seguro do ramo vida que celebrou com a autora e seu falecido marido é «inteiramente lícita, válida e eficaz», concluindo pela improcedência da acção e absolvição do pedido.</font><br> <font>Entendendo que o estado do processo o permitia, sem necessidade de mais provas, conheceu o Senhor Juiz do mérito da causa no saneador, invocando o artº 510º, nº 1, al. b), do CPC, julgando a acção procedente, condenando a ré a reconhecer que o contrato de seguro do ramo vida, crédito habitação, titulado pela apólice nº .../000517/154811, que celebrou com a autora e o seu marido, não foi legalmente resolvido, pelo que se encontrava plenamente em vigor à data do falecimento deste último, ocorrido em 19/02/2003.</font><br> <font>Inconformada, apelou a ré para a Relação do Porto, mas o saneador/sentença foi aí confirmado.</font><br> <font>Recorre agora de revista, tirando as seguintes conclusões:</font><br> <font>1ª- A recorrida e o seu falecido marido não pagaram à recorrente os prémios de seguro seguintes: prémio de seguro no valor de 32,22 €, vencido em 01/11/2001; prémio de seguro no valor de 32,27 €, vencido em 01/12/2001; prémio de seguro no valor de 31,63 €, vencido em 01/01/2002; prémio de seguro no valor de 31,63 €, vencido em 01/02/2002;</font><br> <font>2ª- Por carta datada de 26/02/2002 expedida sob registo e com aviso de recepção a recorrente comunicou que concedia o prazo de 30 dias para o pagamento dos mencionados prémios de seguro, sob pena de resolução do mencionado contrato de seguro do ramo vida;</font><br> <font>3ª- Não obstante a recepção da referida carta, não foi efectuado o pagamento dos mencionados prémios de seguro;</font><br> <font>4ª- O pagamento de prémios de seguro emergentes de contratos de seguro do ramo vida constitui acto de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal;</font><br> <font>5ª- A obrigação de pagamento dos prémios de seguro emergentes do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos constituía dívida da responsabilidade da recorrida e do seu falecido marido;</font><br> <font>6ª- O referido contrato de seguro do ramo vida foi válida, lícita e eficazmente resolvido;</font><br> <font>7ª- Encontra-se controvertida a questão do efectivo conhecimento ou da falta do efectivo conhecimento pela recorrida da carta de resolução do contrato de seguro do ramo vida referido nos autos;</font><br> <font>8ª- Não constam todos os elementos necessários ao proferimento de decisão conscienciosa e segura relativamente ao pedido formulado pela recorrida;</font><br> <font>9ª- Impõe-se levar à base instrutória a matéria de facto constante dos artigos 16º a 18º da petição inicial e 17º da contestação;</font><br> <font>10ª- Ao decidir-se pela condenação da recorrente no reconhecimento da manutenção em vigor do contrato de seguro do ramo vida violou-se o disposto nos artigos 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, 224º, nºs 1 e 3, 432º, nº 1, 436º, nº 1, 1.678º, nº 3, 1.681º, nº 1, 1.691º, nº 1, alínea a), e 1.724º, alínea b), do Código Civil, e 510º, nº 1, alínea b), e 511º, do Código de Processo Civil;</font><br> <font>11ª- Impõe-se a procedência de todas as conclusões, devendo revogar-se o acórdão recorrido, absolvendo-se a recorrente do pedido, ou, quando assim não se entenda, ordenar-se a elaboração de matéria assente e de base instrutória, levando a esta a matéria de facto invocada nos artigos 16º a 18º da petição inicial e 17º da contestação.</font><br> <font>Contra-alegou a recorrida sustentando a manutenção do decidido.</font><br> <font>Com os vistos, cabe agora apreciar e decidir.</font><br> <font>Tendo em conta as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e os documentos juntos aos autos, considerou o Senhor Juiz da 1ª instância assente a seguinte matéria de facto, que a Relação não alterou: </font><br> <i><font>a) A Autora contraiu matrimónio, em 24/02/90, sob o regime da comunhão de adquiridos, com CC (doc. de fls. 15); </font></i><br> <i><font>b) Por escritura pública outorgada em 17/12/97, na Dependência do Banco ..., na Maia, foi celebrado o contrato de «compra e venda e mútuo com hipoteca» titulado pelo doc. junto a fls. 17/22, nos termos do qual DD e mulher EE declararam vender à Autora e ao seu marido CC, que, por seu turno, declararam comprar, pelo preço de Esc. 10.700.000$00, que aqueles disseram já ter recebido, a fracção autónoma designada pela letra « C », destinada a habitação, no rés-do-chão direito e anexo para arrumos ao fundo do terreno, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Travessa..., nº 96, Campanhã, no Porto, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial do</font></i><font> Porto </font><i><font>sob o nº 57320 e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 8912 ;</font></i><br> <i><font>c) Nessa mesma escritura, interveio como terceiro outorgante o «Banco ..., S.A.», na qualidade de mutuante, tendo a Autora e o seu marido, na qualidade de mutuários, declarado que «solicitaram e obtiveram do " Banco ..., S.A." (…) dois empréstimos» no montante total de Esc. 13.200.000$00, «no regime de crédito bonificado, pelo prazo de vinte anos (…), a contar de hoje, de que se confessem solidariamente devedores», sendo um na quantia de Esc. 10.050.000$00 «para aquisição» da fracção mencionada na al. b) e «ora adquirida, a qual se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente», e outro na quantia de Esc. 3.150.000$00 «que se destina a obras de beneficiação da mesma fracção». «Para garantia de todas as responsabilidades assumidas» nos termos desse contrato, «juros e demais despesas inerentes», a Autora e o seu marido, na qualidade de mutuários, constituíram «hipoteca a favor do</font></i><font> </font><i><font>"B..."»</font></i><font> sobre a </font><i><font>mencionada fracção autónoma;</font></i><br> <i><font>d) Dessa escritura pública faz parte integrante o «documento particular» junto a fls. 23/34, onde se encontram elencadas as «cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca concedido pelo Banco ..., S.A.», sendo que, de acordo com a cláusula 28ª, «os mutuários ficam ainda obrigados a efectuar Seguro de Vida, o qual deverá cobrir Morte, Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença e Invalidez Total e Permanente por Acidente, sendo o beneficiário o "B...", na qualidade de credor hipotecário privilegiado, pelo valor mínimo do montante dos empréstimos»;</font></i><br> <i><font>e) A Autora e o seu marido CC, na qualidade de segurados/pessoas seguras, celebraram com a Ré um contrato de seguro do ramo vida, crédito habitação, titulado pela apólice nº .../000517/154811, com início em 01/01/2002, com as coberturas exigidas pela cláusula 28ª referida na al. d), sendo o capital seguro de Esc. 12.007.476$00, tendo sido acordado que os prémios emergentes desse contrato teriam periodicidade mensal e que o pagamento dos mesmos seria efectuado por débito na conta de depósitos à ordem de que eram titulares com o nº ... - docs. de fls. 35 e 36; </font></i><br> <i><font>f) Nesse contrato, foi acordado, ainda, que o beneficiário do seguro seria o «Banco ..., S.A.» pelo capital dos empréstimos em dívida mencionados na al. c) - doc. de fls. 36;</font></i><br> <i><font>g) No seguimento do contrato celebrado entre a Autora e o seu marido e a Ré, esta última emitiu o respectivo certificado individual, junto a fls. 36, no qual figuram como segurados a Autora e o seu marido CC; </font></i><br> <i><font>h) De acordo com a «Nota Informativa sobre as Condições Gerais e Especiais» desse contrato de seguro, inserta no verso da proposta de adesão junta a fls. 35, «o contrato permite mais do que um Segurado por Certificado Individual. Pode-se segurar parte ou a totalidade do capital em dívida. A percentagem de capital a segurar é determinada pelo Beneficiário». Dessa «Nota Informativa» consta, ainda: «A falta de pagamento do prémio, dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à seguradora após pré-­aviso em carta registada com pelo menos 8 dias de antecedência, proceder à anulação do Certificado Individual»;</font></i><br> <i><font>i) Segundo o art. 8.1 das condições gerais, juntas a fls. 69/71, do contrato de seguro mencionado na al. e), «o não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à Seguradora nos termos legais a faculdade de após pré-aviso em carta registada com pelo menos 8 dias de antecedência proceder à anulação do Certificado Individual»;</font></i><br> <i><font>j) Os empréstimos concedidos pelo «B...» destinaram-se a fornecer à Autora e seu marido os meios financeiros para a aquisição da fracção, por não disporem do montante global necessário, sendo que o seguro de vida que contrataram</font></i><font> com </font><i><font>a Ré, associado a esse negócio, se destinou a assegurar que, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivo, por via de alguma debilidade económica em que fica, não se veja sujeito à contingência de não poder suportar os encargos bancários que, antes, recaíam sobre os dois, pondo em causa a estabilidade da própria morada de família, para além da garantia que constitui para a entidade mutuante, de que o capital emprestado será reembolsado;</font></i><br> <i><font>l) Tais actos assumiram importância na vida da Autora e do seu marido, justificando a vinculação jurídica de ambos na assunção dos inerentes encargos e daí que ambos tenham outorgado a escritura de mútuo com hipoteca da própria casa de habitação e, de igual modo, tenham subscrito o impresso indispensável à formalização do seguro de vida;</font></i><br> <i><font>m) Não foram pagos à Ré os prémios de seguro no valor de € 32,22, vencido em 01/11/2001, no montante de € 32,27, vencido em 01/12/2001, no quantitativo de € 31,63, vencido em 01/01/2002, e no valor de € 31,63, vencido em 01/02/2002;</font></i><br> <i><font>n) A Ré enviou apenas a CC a carta registada com aviso de recepção, datada de 26/02/2002, junta a fls. 38, remetendo-a para a «Tv ... 96 RC Dto 4300-200 Porto», carta essa que foi recebida pelo referido CC em 18/03/2002 (doc. de fls. 80);</font></i><br> <i><font>o) Dessa carta consta, designadamente: «Exmo Senhor CC; Tv ... 96 RC Dto 4300-200 Porto»; «Produto: Vida Crédito Habitação»; «Nº Cliente ...»; «N° Apólice: .../144811»; «Assunto: Recibo(s) por liquidar» «Recibo 02.12.96704 - Montante 32,27 EUR - Vencimento 2001/11/01» ; «Recibo 02.12.96705 - Montante 32,27 EUR -</font></i><font> </font><i><font>Vencimento 2001/12/01; «Recibo 03.03.80110 ­Montante 31,63 EUR - Vencimento 2002/01/01» ; «Recibo 03.04.69892 - Montante 31,63 EUR - Vencimento 2002/02/01» ; «Serve a presente para comunicar a V. Exa da conveniência de proceder ao pagamento do(s) prémio(s) acima indicado(s), da apólice em referência, no prazo de 30 dias a contar da data desta carta»; «Se o pagamento não for efectuado, o contrato considera-se resolvido ou reduzido caso V. Exa tenha adquirido esse direito, de acordo com o previsto nas Condições Gerais da Apólice»;</font></i><br> <i><font>p) Em 19/02/2003, faleceu CC (doc. de fls. 37);</font></i><br> <i><font>q) Após o falecimento do referido CC, a Ré recusou-se, na sequência de solicitação da Autora, a accionar o seguro de vida mencionado na al. e) e a entregar o montante dos empréstimos então em dívida ao beneficiário «B...», justificando tal facto com a resolução do contrato de seguro e alegando que a apólice tinha sido anulada, por falta de pagamento dos prémios, desde 30/04/2002.</font></i><br> <font>Postos os factos, afigura-se não merecer censura a decisão da Relação, que se limitou, com brevíssimas considerações suplementares, a remeter para a fundamentação do saneador/sentença, nos termos do artº 713º, nº 5 do CPC.</font><br> <font>Sendo os mesmíssimos os problemas essenciais agora trazidos à apreciação do STJ (as conclusões da apelação repetem-se praticamente </font><i><font>ipsis verbis)</font></i><font>, improcedem em toda a linha perante a bem elaborada decisão da 1ª instância.</font><br> <font>Apenas algumas breves notas antes de se negar a revista.</font><br> <font>A resolução contratual pode fazer-se ou por acordo, ou judicialmente </font><i><font>(se houver conflito entre os contraentes e um deles negar ao outro o direito de resolução),</font></i><font> ou por declaração à parte contrária, hipótese esta que marca o momento da resolução, mesmo que haja necessidade de posteriormente obter declaração judicial de que o contrato foi legalmente resolvido </font><i><font>(cfr. anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao artº 436º do C- Civil).</font></i><br> <font>No caso vertente, tratando-se de uma rescisão por inadimplemento da obrigação de pagamento dos prémios do seguro de vida, só a última forma de resolução contratual (rescisão </font><i><font>ope voluntatis) </font></i><font>interessa abordar. </font><br> <font>Diz o artº436º, nº 1 do C. Civil que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.</font><br> <font>Essa rescisão, sendo obra do credor, e não do juiz, opera por vontade do primeiro, </font><u><font>mas é necessário que este leve essa vontade ao conhecimento da outra parte</font></u><font>, isto é </font><u><font>que lhe </font></u><i><u><font>comunique </font></u></i><u><font>a sua decisão de resolver</font></u><font>, por qualquer meio de comunicação, desde que se possa fazer a sua prova, considerando-se o contrato rescindido a partir do momento em que a comunicação for recebida pelo destinatário (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, págs. 463 e 464).</font><br> <font>Segundo Vaz Serra </font><i><font>(no Estudo “Resolução do Contrato”, no BMJ nº 68, pág. 227 e 228)</font></i><font>,</font><i><font> </font></i><font>no caso de resolução por não cumprimento do contrato não há necessidade de obrigar o titular do direito de resolução a pedir em juízo que esta seja decretada, bastando que ele </font><u><font>declare </font></u><i><u><font>directamente à outra parte</font></u></i><font> </font><u><font>que resolve o contrato</font></u><font>, contando-se os efeitos da resolução da data em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das </font><u><font>declarações de vontade recipiendas</font></u><font>, produz efeitos.</font><br> <font>Resulta do artº 224º, nº 1 do C. Civil que a declaração negocial que tem um destinatário se torna eficaz logo que chega ao seu poder </font><i><font>ou</font></i><font> é dele conhecida… .</font><br> <font>O dispositivo começa por aludir à chega ao seu poder (recepção) do destinatário… e não ao seu conhecimento efectivo (percepção)…</font><br> <font>Por isso, consagra a doutrina da recepção. Mas não será necessário que a declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do destinatário se por qualquer meio foi dele conhecida </font><i><font>(Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 268).</font></i><font> Adoptou-se assim, simultaneamente, os critérios da recepção e do conhecimento… bastando que a declaração tenha chegado ao poder do declaratário (presumindo-se o conhecimento, neste caso, </font><i><font>júris et de jure</font></i><font>), mas provado o conhecimento não é necessário provar a recepção para a eficácia da declaração </font><i><font>(anotação de Pires de Lima e Antunes Varela ao artº 224 da lei substantiva)</font></i><font>. </font><br> <font>Ora, não bastava a declaração de resolução dirigida ao falecido marido da recorrida, pois era imprescindível que tal declaração tivesse também sido dirigida a esta, e que tivesse chegado à sua esfera de acção </font><i><font>(caso em que se presumia o conhecimento)</font></i><font>, ou que se provasse o conhecimento, por ela, do teor da declaração directamente dirigida a ela </font><i><font>(dispensando-se nesse caso a prova da recepção da declaração)</font></i><font>.</font><br> <font>A circunstância de a recorrida ter casado segundo o regime de comunhão de adquiridos, de o pagamento dos prémios do seguro constituir um acto de administração ordinária, e de a obrigação de pagamento desses prémios constituir dívida da responsabilidade da recorrida e do seu falecido marido (4ª e 5ª conclusões recursórias) em nada interfere.</font><br> <font>A recorrida também é parte no articulado contrato de seguro de vida, tendo assumido por via dele direitos e obrigações, como pessoa física e jurídica distinta que é.</font><br> <font>O próprio artº 33º do Decreto de 21 de Outubro de 1907, ao referir-se à resolução do contrato de seguro de vida estabelece expressamente que </font><i><font>o segurado</font></i><font> deve ser avisado, por meio de carta, de que se não satisfizer os prémios em dívida no prazo de 8 dias ou noutro que se ache convencionado na apólice, o contrato será considerado isubsistente.</font><br> <font>Era por conseguinte indispensável que a recorrente tivesse feito duas comunicações de rescisão do contrato de seguro, uma à recorrida, e outra ao marido.</font><br> <font>Na verdade, quem contratou o seguro foram ambos os cônjuges, sendo os dois devedores dos prémios de seguro, não bastando à seguradora comunicar a resolução do contrato apenas ao marido.</font><br> <font>Galvão Telles, no Manual dos Contratos em Geral, pág. 353, expende que a rescisão extrajudicial resulta de uma declaração de vontade recipienda porque para produzir efeitos terá de ser </font><u><font>levada ao conhecimento</font></u><font> do outro ou </font><u><font>dos </font></u><i><u><font>outros interessados</font></u></i><font>.</font><br> <font>Reportando-se aos contratos indivisíveis </font><i><font>(como é o dos autos, por ser legalmente impossível resolver o contrato de seguro só em relação à recorrida ou só em relação ao seu marido) </font></i><font>escreveu Vaz Serra </font><i><font>(ibidem, págs. 239 e 240) </font></i><font>que </font><u><font>a resolução</font></u><font>, como medida excepcional, </font><u><font>só se adoptaria</font></u><font>… </font><i><u><font>contra todos os devedores</font></u></i><font>… Isto, </font><u><font>mesmo que</font></u><font>… os devedores </font><u><font>sejam solidários</font></u><font>. </font><br> <font>Improcede, destarte, a pretensão da absolvição do pedido.</font><br> <font>E improcede também a pretensão alternativa do prosseguimento dos autos com a elaboração da especificação e da base instrutória, por alegada existência de matéria de facto articulada, controvertida e com relevância para o desfecho da lide, carecida de investigação para se mostrarem reunidas todas as condições indispensáveis à decisão conscienciosa do pleito.</font><br> <font>A recorrida articulou nos itens 16º, 17º e 18º do petitório que: nunca fora avisada, por escrito, da falta de pagamento de quaisquer prémios, nem da intenção da ré de resolver o contrato de seguro (16º); alguns dias após a ré se ter recusado a accionar o seguro de vida e a entregar o montante dos empréstimos em dívida ao beneficiário, a autora, ao compulsar os haveres que o marido havia deixado na viatura automóvel que utilizava, encontrou, ainda por abrir, uma carta endereçada pela ré apenas ao marido, e só a ele, com data de 26.2.2002 (17º); abriu a carta e verificou que a mesma informava que se encontravam por liquidar os prémios do referido seguro de vida, com referência aos meses de Novembro e Dezembro de 2001, e Janeiro e Fevereiro de 2002, o que ela em absoluto ignorava (18º). </font><br> <font>Contudo, a própria recorrente reconheceu nos autos que não comunicou directamente à recorrida a falta de pagamento dos prémios e a vontade de resolver o contrato caso não fossem pagos no prazo suplementar, e a falta dessa comunicação à recorrida é que verdadeiramente releva para a solução jurídica do caso, não se justificando de modo algum a quesitação dos três referidos itens da petição inicial.</font><br> <font>Por outro lado a recorrente, alegou, no artigo 17º da contestação, que a autora tomou conhecimento da referida carta datada de 26.2.2002, que enviou, em que concedeu o prazo suplementar de 30 dias para pagamento dos prémios de seguro em débito.</font><br> <font>Mas, ao invés do que sustenta na revista, não tem, por tudo quanto já se disse, qualquer interesse levar o teor desse artigo da contestação à base instrutória, até porque, além de demasiado vago, não refere em que data tal conhecimento teria ocorrido </font><i><font>(pode ter ocorrido só após a morte do marido da recorrida, como esta articulou no item 17º do petitório).</font></i><br> <font>Era absolutamente necessário que a recorrente tivesse dirigido também </font><i><font>directamente</font></i><font> à recorrida uma declaração de vontade de resolver o contrato </font><i><font>(caso não fosse regularizado o débito dos prémios do seguro)</font></i><font>, e que essa declaração tivesse chegado à posse dela ou pelo menos que se provasse que tomou conhecimento do seu teor, pois a resolução, como diz o artº 436º nº 1 do C. Civil, é feita mediante comunicação à outra parte, e a recorrida também era parte no contrato, pelo que se acorda em </font><b><font>negar a revista</font></b><font>, condenando a recorrente nas custas. </font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Janeiro de 2007</font><br> <br> <font>Faria Antunes (relator)</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font></font>
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hzLLu4YBgYBz1XKv0z0O
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra o “Centro Nacional de Pensões”, hoje, “Instituto de Solidariedade e Segurança Social”, pedindo que lhe fosse reconhecido o direito à pensão de sobrevivência por morte de BB, com quem viveu, em união de facto, durante trinta e quatro anos, tendo dois filhos dessa relação.</font><br> <br> <font>Na Comarca de Loures, a acção foi julgada improcedente e o Réu absolvido do pedido.</font><br> <br> <font>O Autor apelou tendo a Relação de Lisboa condenado o Réu no pedido.</font><br> <br> <font>O ISSS pede revista.</font><br> <br> <font>E assim conclui a sua alegação:</font><br> <br> <font>O artigo 8º do DL 322/90 ao remeter para a situação prevista no artigo 2020° n° 1 do Código Civil está a equiparar a situação de quem tem direito à pensão de sobrevivência à situação de quem tem direito a alimentos da herança. </font><br> <font>Isto é, a situação que se exige no art° 8°, para ser reconhecido o direito às prestações de Segurança Social, é a mesma daquele que tem direito a exigir alimentos da herança, nos termos do art° 2020º n°1 do C.C. </font><br> <font> Na sequência do disposto no art° 8° n°2 do DL 322190 foi publicado o Dec. Regulamentar 1/94 de 18 de Janeiro que nos seus art°s 3° e 5º estabeleceu as condições e processo de prova de atribuição das prestações às pessoas que se encontram na situação prevista no n° 1 do art° 8°do DL322/90 (o mesmo é dizer situação prevista o nº1 do art° 2020° do C.C.). </font><br> <font>Daqui resultando que atribuição das prestações por morte depende: da sentença judicial que reconheça o direito a alimentos da herança ao requerente (n° 1 do art° 3° do Dec. Reg. 1/94 de 18/01), e/ou do reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações por morte no caso de não ter sentença que lhe reconheça o direito a alimentos por falta ou insuficiência de bens da herança (n° 2 do art° 3°). </font><br> <font>Sendo certo que, tanto na situação prevista no n° 1 do art° 3° como na prevista no nº 2 do mesmo artigo do Dec. Regulamentar 1194 será necessário alegar e provar a) que o “de cujus” era pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; b) factos demonstrativos ou integrados do conceito união de facto há mais de dois anos em condições análogas ás dos cônjuges (art° 2020° C.C.); c), os factos demonstrativos da inexistência ou insuficiência de bens da herança (n°2 do art° 3° do Dec. Reg. 1/94), d) factos demonstrativos de não obter alimentos nos termos das alíneas c) e d) do art° 2009º CC. e) factos demonstrativos da necessidade de alimentos e da impossibilidade de ela própria prover à sua subsistência.</font><br> <font>Donde para atribuição da pensão de sobrevivência é condição essencial e necessária a obtenção de sentença judicial onde se reconheçam e verifiquem todos aqueles pressupostos e que são fundamentos do direito a que a recorrida se arroga. </font><br> <font>Embora não desconhecendo, diversa orientação jurisprudencial, entendemos que, não obstante a entrada em vigor da Lei n° 135/99 de 28 de Agosto e posteriormente a Lei 7/2001 de 11 de Maio, no essencial, nomeadamente, no que se refere à prova dos requisitos necessários para o reconhecimento da qualidade de titular de prestações sociais, o regime é rigorosamente o mesmo que já decorria do DL 322/90 e Dec. Reg 1/94, a única diferença é que a Lei 7/2001 se aplica a qualquer união de facto independentemente do sexo, e por isso também ás uniões entre pessoas do mesmo sexo. </font><br> <font>Isto é, não obstante a entrada em vigor da Lei 7/2001 e ao contrário do entendimento propugnado pelo douto acórdão recorrido, salvo o devido respeito, que é muito, para o reconhecimento do direito às prestações de Segurança Social, não basta preencher a condição constante na previsão do art° 2020° do CC ou seja, “aquele que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges», não obstante, a acção ter sido interposta unicamente contra a instituição competente para a atribuição das prestações por não existirem bens na herança do companheiro falecido ou estes não serem suficientes. </font><br> <font>Dependendo assim, também, mesmo para aquele caso, da verificação de todos os requisitos do art° 2020° do C.C.., incluindo, a prova da necessidade de alimentos do requerente, bem como a impossibilidade de os obter das pessoas legalmente vinculadas e insuficiência de bens da herança do falecido. </font><br> <font>De facto, face ao vigente quadro jurídico-constitucional regulamentador da família, não merecem acatamento os argumentos aduzidos tendentes a equiparar o casamento à união de facto, sob pena de, não o fazendo, se violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade ínsitos nas disposições dos artigos 2º, 13º nº2, 36º nº 1, 63º nº 1 e 3 e 67º da CRP</font><br> <font>É que não existe uma equiparação absoluta entre uniões de facto e de direito na questão da atribuição do direito a pensão de sobrevivência, mas tão só relativa, não se vislumbrando qualquer pecado de inconstitucionalidade nas limitações de tal equiparação já que distintos são os acervos de direitos e deveres (nomeadamente de cariz sucessória) que caracterizam cada uma das situações. </font><br> <font>Na verdade, seguindo de muito perto e na esteira do decidido no douto acórdão do STJ proferido no proc° 757/04-7 datado de 18/11/2004, que por sua vez, remete também para o acórdão do Tribunal Constitucional n° 195/2003 de 09/04, “... pese embora a crescente e justificada protecção de que tem sido alvo por parte do legislador a situação de união de facto — esta não se pode equiparar integralmente ao casamento, porquanto daquela não decorrem os deveres e os efeitos exclusivos desta”. </font><br> <font>Sendo certo que, quando o legislador resolve intervir na área da união de facto o faz sempre de uma forma específica e rigorosamente delimitadora. “Como o fez recentemente com a publicação da Lei 7/2001, de 11 de Maio, sobre a adopção de medidas de protecção das uniões de facto, onde se constata que o regime de acesso às prestações por morte do beneficiário, estabelecido no seu art° 6°, continua a depender da verificação das “condições constantes no art° 2020° do Código Civil (n°1)...“. </font><br> <font>Ora, no caso sub judice, atento o quadro legal, supra exposto, enformador do reconhecimento de tal direito, face à matéria factual dada por provada, não tendo a autora demonstrado todos os requisitos necessários à procedência da acção, nomeadamente, que os seus ascendentes, descendentes e irmãos não lhe podem prestar alimentos e ainda insuficiência dos bens da herança, não bastando apenas fazer prova da condição constante na previsão do art° 2020º do C.Civil, ao decidir da forma como o fez, violou o douto Acórdão recorrido, o disposto no artigo 8º do DL 322/90 de 18/10, artigos 2º e 3º do Dec. Reg. 1/94 de 18/01, Lei nº 7/2001 de 11 de Maio e artigo 342º, 2020º e 2009º do CC.</font><br> <br> <font>Não foram oferecidas contra alegações.</font><br> <br> <font>Foram provados os seguintes factos:</font><br> <br> <font>1- BB, natural da freguesia de São Lourenço, concelho de Portalegre, faleceu no dia 11 de Fevereiro de 2002, no estado de solteira e com 56 anos de idade.</font><br> <font>2- No dia 4 de Dezembro de 1973 nasceu CC, filho do Autor AA e da falecida BB.</font><br> <font>3- E no dia 7 de Abril de 1987 nasceu DD, filho do Autor AA e da falecida BB.</font><br> <font>4- O Autor recebe, mensalmente, €189,59 (cento e oitenta e nove euros e cinquenta e nove cêntimos), a título de pensão de reforma.</font><br> <font>5- O Autor AA e BB viveram maritalmente, pelo menos desde 1990 e até falecimento desta, partilhando cama, mesa e habitação.</font><br> <font>6- Um dos filhos do autor emigrou para o estrangeiro.</font><br> <font>7- BB era beneficiária da segurança social portuguesa com o nº 009603963.</font><br> <br> <font>Foram dispensados os vistos.</font><br> <br> <font>Conhecendo, </font><br> <br> <font>1- Acórdão recorrido.</font><br> <font>2- Pensão de sobrevivência.</font><br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>1- Acórdão recorrido.</font><br> <br> <font>Antes de entrar no mérito, e como ponto prévio – embora, como se verá, sem segmento decisório por se concluir tratar-se de matéria não cognoscível “ex officio” – constata-se que o Acórdão recorrido não tem o necessário vencimento!</font><br> <font>É sabida a exigência de, pelo menos, dois votos integralmente concordantes, quer quanto à fundamentação, quer quanto à decisão, como adiante se detalhará.</font><br> <font>Ora, “in casu”, surge a subscrição irrestrita pela Mª. Relatora, sendo que o Mº 1º Adjunto votou vencido e a Mª 2ª Adjunta apenas votou “a decisão”.</font><br> <font>Sob pena de não vencimento, é caso notório de – por ausência de maioria – colher o voto do Excelentíssimo Presidente da Secção (voto de desempate) nos termos do nº 5 do artigo 709º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Quando assim não acontece ocorre o vicio da última parte do nº 1 do artigo 716º daquele diploma, que é insuprível, pelo STJ, face à segunda parte, “a contrario” do nº 1 do artigo 731 CPC – pois só se refere ao “acórdão lavrado contra vencido” e não, também, como o nº 1 do artigo 716º ao lavrado “sem o necessário vencimento”.</font><br> <font>O Acórdão do STJ de 20 de Março de 1974 – BMJ 235-181 – concluiu que a ausência de dois votos concordantes quanto à fundamentação gera a nulidade do Acórdão.</font><br> <font>Mas mais concluiu pelo conhecimento oficioso da nulidade.</font><br> <font>Assim foi, apenas, por se tratar de nulidade cometida em processo criminal, na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e louvando-se no artigo 99º desse diploma, na doutrina do Prof. Cavaleiro de Ferreira – “Curso de Processo Penal”, I, 268 e 276 e, “inter alia”, no Acórdão do STJ de 28 de Março de 1962 – BMJ 155-306.</font><br> <font>Mas a situação não é a mesma no processo civil vigente.</font><br> <font>Certo que, e como acima se acenou, ocorre uma nulidade por ausência de vencimento no Acórdão, situação que terá escapado aos Mºs Relator (que deve ser o primeiro a zelar pela regularidade do “seu” acórdão) e Presidente da Secção (a quem cumpre dirigir a discussão e apurar o vencimento).</font><br> <font>Isto porque não basta a concordância quanto à decisão impondo-se também quanto aos fundamentos (cf. Cons. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6ª ed., 56 – “o acórdão é lavrado sem o necessário vencimento quando não se forme maioria quer quanto à decisão, quer quanto a todos os fundamentos”; Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V, 482 e 459 – a defender a “força doutrinal” e o “prestigio” da jurisprudência centradas nos fundamentos, referindo que havendo discordância nesta área “há que apurar ou determinar qual o fundamento ou fundamentos a invocar no acórdão”; Cons. Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 2ª ed., III, 342 – “é necessário que pelo menos dois deles (juízes) concordem em dar determinada solução com certa fundamentação para que se verifique o necessário vencimento”.</font><br> <font>Só que, e como já se insinuou, a nulidade não é de conhecimento oficioso.</font><br> <font>O legislador colocou-a a par dos vícios de limite elencados no artigo 668º do Código de Processo Civil ao remeter para este preceito e dizer no nº 1 do artigo 716º “mas o acórdão ainda é nulo…”.</font><br> <font>Por outro lado, o mesmo artigo 716º remete para o artigo 668º nºs 3 e 4 e 670º refere (no nº 2 segunda parte) “o pedido ou a reclamação”.</font><br> <font>Passa-se, em consequência, ao conhecimento do mérito do recurso.</font><br> <br> <font>2- Pensão de sobrevivência.</font><br> <br> <font>A única questão a decidir consiste em saber quais os elementos da causa de pedir em acção em que se pedem prestações sociais por morte de beneficiário que vivia com o requerente em união de facto.</font><br> <font>Na perspectiva do aresto recorrido apenas se impõe ao elemento sobrevivo da união de facto que alegue e prove essa situação, tal como o estado civil do beneficiário falecido.</font><br> <font>Sem razão, porém.</font><br> <font>Dispõe o nº 1 do artigo 2020º do Código Civil o direito de exigir alimentos à herança do falecido por aquele que com ele vivia, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges, salvo se os puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.</font><br> <font>Assim a existência desse direito supõe a impossibilidade de prestação de alimentos pelo cônjuge (ou ex cônjuge), descendentes, ascendentes, irmãos do que deles necessite.</font><br> <font>Perante um período de vida em comum com certa duração e estabilidade, o Decreto-lei nº 496/77, de 25 de Novembro legislou no sentido de garantir uma protecção mínima ao companheiro sobrevivo.</font><br> <font>Depois, os artigos 8º nº1 do DL nº 322/90, de 18 de Outubro, 3º nº1 do Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, 6º nº1 da Lei nº 135/99 de 28 de Agosto e 6º nº 1 da Lei 7/2001 de 11 de Maio, não deixaram de remeter para o citado artigo 2020º CC.</font><br> <font>Daí que o direito às prestações sociais por morte do beneficiário pela pessoa que com ele vivia em união de facto dependa, para além da verificação dessa convivência, da demonstração, não só da carência de alimentos – por remissão implícita do artigo 2020 para o nº 1 do artigo 2004º – mas também da impossibilidade de os obter das pessoas acima elencadas. (cf. vg., os Acórdãos do STJ de 12 de Outubro de 2006 – 06B3016 – de 18 de Novembro de 2004 – 04B3619 – e de 22 de Junho de 2006 – 06B1976).</font><br> <font>Vejamos com mais detalhe.</font><br> <font>O nº 1 do artigo 8º do DL nº 322/90, de 22 de Outubro determinava que o direito àquelas prestações era estendido às pessoas que se encontravam na situação prevista no nº 1 do artigo 2020º do Código Civil.</font><br> <font>E face à remissão para este preceito surgia a aplicação do nº 1, alíneas a) a d) do artigo 2009º do mesmo Código.</font><br> <br> <font>A jurisprudência dividiu-se entre os que defendiam ser apenas necessária a alegação e prova da união de facto por prazo superior a dois anos (cf., v.g, os Acórdãos do STJ de 20 de Abril de 2004 – CJ/STJ, XII, 2ª, 30 – de 18 de Maio de 2004 – CJ/STJ, XII, 2ª, 61 – de 13 de Maio de 2004 – Pº 1340/04 – 1ª – e de 15 de Junho de 2004 – Pº 1200/04 – 6ª).</font><br> <font>Também certa doutrina apoiava este entendimento (vide Doutor França Pitão, apud “União de Facto no Direito Português”, 200, p. 189 e 190).</font><br> <font>Mas a orientação dominante é a que atrás se expôs, isto é, fazer depender o direito à pensão de sobrevivência da verificação de todos os pressupostos (directos ou por remissão) do citado artigo 2020º CC tendo o pretendente de fazer prova da união de facto, com a duração mínima exigida, mas também da necessidade efectiva de alimentos e da impossibilidade de os obter das pessoas elencadas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 2009, para além da inexistência, ou insuficiência, de bens na herança do falecido para os prestar. (cf. v.g. os Acórdãos do STJ antes citados e ainda de 29 de Junho de 1995 – CJ/STJ, 111, 2ª, 147; de 6 de Julho de 1995 – Pº 1721/05 – de 29 de Março de 2001 – Pº 545/01, 2ª – de 3 de Maio de 2001 – Pº 828/01, 1º - de 27 de Setembro de 2001 – Pº 2318/01, 7º - e de 25 de Maio de 2006 – 06B1132; cf. ainda, na doutrina, os Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in “Curso de Direito de Família”, I, 3ª ed, 136).</font><br> <font>Esta interpretação surge, aliás, em consonância com os trabalhos de preparação da Lei 135/99 (cf. a discussão no Plenário da Assembleia da Republica dos Projectos de Lei nº 414/VII e nº 527/VII – D.A.R – I Série nº 54/VII/4, de 4 de Março de 1999) e da Lei nº 7/2001 (cf. a discussão no Plenário da AR dos Projectos de Lei nº 6/VIII, nº 45/VIII, nº 115/VIII e nº 105/VIII – D.A.R, I Série nº 49/VIII/2 de 15 de Fevereiro de 2001) sendo que aquele diploma pouco mais alterou do que a extensão do regime da união de facto às uniões entre pessoas do mesmo sexo.</font><br> <font>E quando o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre eventual inconstitucionalidade da interpretação – ou a norma do artigo 8º nº 1 do DL 322/90 de 18 de Outubro que privilegiava o cônjuge perante o unido de facto quanto à necessidade de nestes casos se alegar e provar os requisitos do artigo 2020º CC - sempre julgou pela negativa. (cf. v.g os Acórdãos do TC nº 195/2003 – DR II de 22/5/2003, nºs 159/2005 de 29/03/2005 Pº 697/04, 2ª; nº 233/2005 de 03/05/2005 Pº 1040/2004, 3ª; nº 614/2005 de 09/11/2005 do Plenário e nº 640/2005 de 16/11/2005 Pº 615/05, 3ª).</font><br> <br> <font>Daí que, e sem necessidade de outras considerações, seja de acolher toda a argumentação do recorrente.</font><br> <br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>De concluir que:</font><br> <br> <font>a) Para que possa formar-se maioria, o acórdão da secção deve culminar com, pelo menos, dois votos concordantes, quer quanto à decisão, quer quanto à fundamentação.</font><br> <font>b) Se um dos adjuntos vota vencido e o outro apenas vota a decisão o presidente da secção deve intervir para desempatar nos termos do nº 5 do artigo 709º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>c) Não apresentando dois votos concordantes quanto à fundamentação e quanto à decisão, o Acórdão é nulo por não ter o necessário vencimento, nulidade não suprível nos termos do nº 1 do artigo 731º CPC que apenas admite o suprimento no caso do acórdão ser lavrado contra o vencido.</font><br> <font>d) Face ao artigo 716º CPC a nulidade resultante de falta de vencimento não é de conhecimento oficioso.</font><br> <font>e) O requerente de prestações por morte de beneficiário da Segurança Social que com ele vivia tem de alegar e provar a situação de união de facto, há mais de dois anos, à data da morte; a necessidade de alimentos; a impossibilidade de obter alimentos da herança do falecido ou das pessoas elencadas nas alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil.</font><br> <br> <font>Nos termos expostos, </font><font>acordam conceder a revista </font><font>absolvendo o Réu do pedido.</font><br> <br> <font>Custas em todas as instâncias pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário</font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Maio de 2007</font><br> <br> <font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>I ─ AA </font><font>instaurou, no Tribunal Judicial de Viseu, a presente acção, sob a forma de processo ordinário de declaração, contra</font><font> </font><font>o </font><font>Estado Português, </font><font>pedindo a condenação deste no pagamento da importância de 40.701,90 euros, acrescida de juros legais vincendos até integral pagamento.</font><br> <br> <font>Alegou para tanto e, em síntese, no exercício das funções de administrador de massa falida prestou, durante 22 anos, (“elevadíssimos”) serviços, em troca dos quais recebeu apenas 360.078$00, tendo liquidado todo o passivo aprovado e obtido um saldo positivo no montante de 9.791.341$80, o qual reverteu a favor do Réu.</font><br> <br> <font>O Réu contestou e o autor replicou.</font><br> <br> <font>No saneador-sentença, o M.mo Juiz, julgando a acção improcedente, absolveu o R do pedido.</font><br> <br> <font>Inconformado com tal decisão, apelou o A., pugnando pelo reconhecimento dos pressupostos do enriquecimento sem causa, do R., à sua custa. </font><br> <br> <font>Admitido o recurso, a Relação de Lisboa veio a proferir acórdão, no qual julgou improcedente a apelação.</font><br> <br> <font>De tal acórdão veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.</font><br> <br> <font>A recorrente apresentou as suas alegações, reafirmando a tese do recurso de apelação, isto é, terminando o recurso com conclusões delimitadoras do objecto do recurso (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º1 do CPC), que colocam a questão de saber se devem considerar-se verificados os pressupostos do invocado enriquecimento sem causa do apelado, à custa do correspondente empobrecimento do seu património, na medida em que, com a sua actividade (que durou 22 anos e 8 meses), liquidou todo o passivo e obteve um saldo positivo do montante de 9.781.341$80 que reverteu a favor do recorrido, tendo-lhe sido paga a remuneração de 360.08$00.</font><br> <br> <font>Pede que se revogue o acórdão da Relação e se condene o R.</font><br> <br> <font>O R. apresentou contralegações, sustentando a bondade do decidido.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font><br> <br> <font>II – Fundamentação</font><br> <br> <font>II.A.</font><font> De Facto</font><br> <br> <font>Da discussão da causa na 1.ª instância resultaram provados os seguintes factos:</font><br> <font>1. Por despacho de 12.01.1980, o autor foi nomeado administrador da massa falida nos Autos de Falência n.º 1180, que correu seus termos no 1.º Juízo Cível de Viseu;</font><br> <font>2. Nestes autos, o autor exerceu funções de Administrador da massa falida e de solicitador;</font><br> <font>3. No âmbito dessas funções, o autor obteve, com as vendas efectuadas e a administração dos dinheiros, a quantia de 33.247.747$00;</font><br> <font>4. O autor liquidou ainda todo o passivo aprovado e obteve um saldo positivo, no montante de 9.791.341$00;</font><br> <font>5. Esta quantia reverteu a favor do Estado Português, réu na presente acção;</font><br> <font>6. Pelo serviço prestado como administrador da massa falida, o autor recebeu a importância de 360.000$00;</font><br> <font>7. Beneficiou ainda de 102.413$00, quantia fixada por despacho de 29.10.99;</font><br> <font>8. Em 27 de Março de 1998, o autor requereu que a sua remuneração fosse fixada em 10% da receita total obtida (33.247.757$10), ou seja, na quantia de 3.324.775$00;</font><br> <font>9. Em 19.12.99 foi proferido despacho no sentido de indeferir o requerido, por falta de fundamento legal, tendo o processo em causa sido remetido à conta, em cumprimento do disposto no artigo 8.º do DL 49.213;</font><br> <font>10. Inconformado, o réu recorreu, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra e o Supremo Tribunal de Justiça confirmado a decisão da 1.ª instância;</font><br> <font>11. O autor prestou uma caução, no montante de 40.000$00, que devidamente actualizada com a taxa de inflação do Instituto Nacional de Estatística, aproxima-se da quantia que lhe foi paga como remuneração pelos serviços prestados, no montante de 360.078$00.</font><br> <br> <font>II.B.</font><font> De Direito</font><br> <br> <font>II.B.1.</font><font> Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684.º. n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC.</font><br> <br> <font>Assim, as questões a analisar e decidir prendem-se com:</font><br> <font>1) Virtual nulidade do acórdão por omissão de pronúncia; </font><br> <font>2) Enriquecimento sem causa. </font><br> <br> <font>II.B.2.</font><font> Nulidade do acórdão </font><br> <br> <font>É sabido que a nulidade prevista pela al. d) do n.º. 1 do art. 668.º do C. Proc.Civil (omissão de pronúncia) "está directamente relacionada com o comando que se contém no n.º 2 do art. 660.º (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), servindo de cominação ao seu desrespeito".</font><br> <br> <font>Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que "não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido".</font><br> <br> <font>Saliente-se, antes de mais, que questão a resolver, para os efeitos do artigo 660.º do C.Proc.Civil, é coisa diferente de questão jurídica (v.g., determinação de qual a norma legal aplicável e qual a sua correcta interpretação que, como fundamento ou argumento de direito, pudesse – ou até devesse – ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver).</font><br> <br> <font>A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, utilizadas como argumentos e fundamento da decisão sobre a questão decidenda. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor, mais completa ou exaustiva fundamentação, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá deficiência ou incompletude de fundamentação, mas não omissão de pronúncia.</font><br> <br> <font>Seguindo os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, a propósito do critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Para tanto, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Por isso, a circunstância de não considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado não constituirá nulidade.</font><br> <br> <font>As questões colocadas para decisão podem resumir-se às que enunciamos como objecto deste recurso.</font><br> <br> <font>Ora, no caso do acórdão recorrido não se pode afirmar que a não expressamente invocada omissão de pronúncia ocorra.</font><br> <br> <font>A selecção da matéria de facto é feita, nos termos do artigo 511.º do Código de Processo Civil, devendo nela incluir-se “a matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis de direito”.</font><br> <br> <font>Contra a deficiência, obscuridade ou excesso da matéria de facto podem as partes reclamar e o despacho sobre tais reclamações proferido é susceptível de ser impugnado no recurso da decisão final. (n.os 2 e 3 do referido normativo).</font><br> <br> <font>No caso em apreço não houve reclamação, nem recurso relativo a vícios da matéria de facto nem expressa invocação de nulidade do acórdão.</font><br> <br> <font>Ao nível das conclusões que, como se disse, balizam o recurso, inexiste qualquer questão prévia ou prejudicial que deva ser ora conhecida.</font><br> <br> <font>II.B.3.</font><font> A única questão apreciada nas instâncias e agora objecto de revista é a do invocado enriquecimento sem causa.</font><br> <br> <font>A posição reiterada do recorrente padece de evidente vício de raciocínio, já assinalado nas anteriores decisões, que se traduz em pretender fundar o seu pedido no recebimento pelo Estado Português de elevada quantia (em virtude da lei, diga-se) nos autos de falência em que o A. actuou como administrador de falência. </font><br> <br> <font>Com efeito, a haver algum benefício injustificado do Estado, à custa do correspondente empobrecimento do património do Recorrente, o mesmo só poderia decorrer de qualquer actividade por ele desenvolvida em prol do Recorrido que não tivesse sido devidamente remunerada nos termos legais.</font><br> <br> <font>Ora, como de forma lapidar se demonstrou nas instâncias, a actividade do recorrente foi atribuída a compensação devida, em conformidade rigorosa com as normas ao caso aplicáveis (artigo 8.º, n.º 1 do D.L. n.º 49213, de 29 de Agosto de 1969), sendo que a tais normas não foram, oportunamente, assacados quaisquer vícios.</font><br> <br> <font>E, ainda mais determinante, o reconhecimento definitivo, por decisão coberta pelo caso julgado, da harmonia com a lei da remuneração fixada impede uma nova pronúncia sobre essa questão e vincula os tribunais ao já definido ou estabelecido, por razões de certeza e segurança nas relações jurídicas que a autoridade do caso julgado acautela.</font><br> <br> <font>Acresce que, como igualmente se deixou dito nas decisões anteriores, nos termos do artigo 474.º do Código Civil, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, pelo que o A. só poderia invocar tal enriquecimento se não tivesse outro meio de ser indemnizado ou restituído.</font><br> <br> <font>Tal não é o caso do A., uma vez que a sua actividade como administrador de falência foi retribuída nos termos legais. </font><br> <br> <font>Depois para que haja enriquecimento sem causa, torna-se necessário (Ac. do STJ de 27 de Janeiro de 1998, BMJ n.º 473.º, p. 578 e de 24.de Fevereiro de 2005, processo n.º 4601/04, in www.dgsi.pt/jstj</font><font>):</font><font> </font><br> <br> <font>a. que haja um enriquecimento;</font><br> <font>b. que o enriquecimento careça de causa justificativa;</font><br> <font>c. que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.</font><br> <br> <font>Neste último caso, normalmente há uma correlação entre a vantagem patrimonial alcançada por um e o sacrifício económico suportado pelo outro, dizendo-se que o enriquecimento injusto de um corresponde ao empobrecimento do outro. </font><br> <br> <font>Ora o Estado viu reverter para o seu património a quantia de 9.781.341$80, em cumprimento de disposições legais, não se configurando, pois, uma situação de falta de causa para tal transferência patrimonial.</font><br> <br> <font>Não ocorreu, também outra transferência patrimonial para o R., designadamente à custa do A., pelo que igualmente se não verificou o enriquecimento do R. à custa do A. </font><br> <br> <font>Assim, a decisão impugnada merece inteira confirmação, quer quanto ao sentido nela obtido, quer quantos aos respectivos fundamentos.</font><br> <br> <br> <font>Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto.</font><br> <br> <font>Custas pelo recorrente.</font><br> <div><br> </div><br> <font>Lisboa, 31-10-2006</font><br> <br> <font>Paulo Sá (Relator)</font><br> <font>Borges Soeiro</font><br> <font>Faria Antunes</font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>"AA" intentou, no 3º Juízo da Comarca de Amarante, acção com processo ordinário contra BB.</font><br> <br> <font>Pediu a condenação do Réu a reconhecer o seu direito de propriedade sobre um prédio que identifica; a reconstruir o que destruiu no local; a indemnizá-la com 2500 euros por danos morais e, em quantia ilíquida, por danos patrimoniais.</font><br> <br> <font>O Réu contestou alegando, nuclearmente, ser o dono do terreno reivindicado, pedindo, em reconvenção, o reconhecimento do seu domínio ou, ao menos, a aquisição dessa propriedade por acessão industrial imobiliária.</font><br> <br> <font>A 1ª Instância julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção.</font><br> <br> <font>Apelou a Autora.</font><br> <br> <font>A Relação do Porto confirmou a decisão recorrida.</font><br> <br> <font>Inconformada, pede revista para concluir:</font><br> <br> <font>- Não apelou da parte da sentença de 1ª instância que lhe era favorável pelo que esta se mantêm na parte em que o Réu foi condenado a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio "Cerrado das Costinhas ou Cortinhas";</font><br> <br> <font>- Não podia, pois, o Acórdão "julgar improcedente a acção e confirmar inteiramente a decisão apelada", sob pena de lapso material ou nulidade das alíneas d) e e) do nº1 do artigo 668º do CPC;</font><br> <br> <font>- O Acórdão não reapreciou a matéria de facto, como devia, pelo que é, nessa medida, nulo (alínea a) 1º do artigo 668º e 716º e 718º do CPC);</font><br> <br> <font>- Toda a prova testemunhal e documental apontaria para resposta diferente ao nº12 da base instrutória, que, aliás, é inconciliável com o que consta das alíneas A) e I);</font><br> <br> <font>- Tal conduz à anulação da decisão sobre a matéria de facto e à repetição do julgamento, de acordo com o nº4 do artigo 712 do CPC;</font><br> <br> <font>- O nº2 da BI é essencial para a decisão e traduz-se numa mera conclusão ou juízo de facto, pelo que a resposta deve ter-se por não escrita;</font><br> <br> <font>- A condenação como litigante de má-fé não observou o contraditório, não está assente em factos que a justifiquem, sendo a multa imposta exagerada e inadequada;</font><br> <br> <font>- O Acórdão recorrido violou os artigos 3º, 3A, 201º, 264º, 456º nºs 1 e 2, 511º nº3, 653º, 655º nº1, 668º nº1 alíneas a), d) e e), 672º, 712º nºs 2, 3, 4 e 5, 716º e 718º do Código de Processo Civil, 371º nº1, 372º nº1, 393 nºs 1 e 2 do Código Civil, 18º e 20º da Constituição da República e 102º do Código das Custas Judiciais.</font><br> <br> <font>Contra-alegou o recorrido para defender a manutenção do julgado.</font><br> <br> <font>A Relação deu por provada a seguinte </font><font>matéria de facto:</font><br> <br> <font>- Na Conservatória do Registo Predial de Amarante, está descrita a aquisição por partilha do prédio rústico denominado "Cerrado das Costinhas ou Cortinhas", situado no Local-B, da Freguesia de Vila Caíz, em Amarante, a confrontar de norte com estrada camarária, de sul com caminho público, de nascente com CC, DD e EE, de poente com ribeiro e FF, inscrito na matriz sob os artigos nºs 410º e 428º, e com inscrição predial nº 00059/030485, a favor da Autora, pela inscrição G-2, de 17 de Setembro de 1985;</font><br> <br> <font>- O prédio foi adquirido pela Autora por sucessão de sua mãe GG, através de escritura de partilha outorgada em 29 de Julho de 1985 no Cartório Notarial de Amarante;</font><br> <br> <font>- Sobre o prédio existiu inscrição de aquisição a favor de HH e GG (G-25 de 20 de Setembro de 1967);</font><br> <br> <font>- E tem inscrição de usufruto a favor do HH (F-1 de 17 de Setembro de 1985) por partilha;</font><br> <br> <font>- HH faleceu no dia 14 de Dezembro de 1986;</font><br> <br> <font>- A Autora, por si e antepossuidores, colhe a vinha, poda as vides, planta e corta árvores, trata as árvores fruteiras, cultiva a terra, colhe os frutos e paga a contribuição autárquica daquele prédio;</font><br> <br> <font>- Há mais de 50 anos;</font><br> <br> <font>- Sem interrupções, sem oposição de ninguém, e à vista de toda a gente na convicção de estar exercendo um direito próprio e de não lesar direitos de outrem;</font><br> <br> <font>- A aquisição por compra do prédio rústico denominado "Local-C e Barroco", situado no Local-B, da freguesia de Vila Caíz, em Amarante, a confrontar de norte com caminho, de nascente com II, de sul com JJ e poente com KK, inscrito na matriz sob o artigo 388º, encontra-se descrito na CRP de Amarante sob o nº 0050/030485, a favor dos Réus, pela inscrição G-3, de 4 de Dezembro de 2002;</font><br> <br> <font>- Este prédio foi adquirido por LL e marido KK, por sucessão de GG, através de escritura de partilha acima referida;</font><br> <br> <br> <font>- Os Réus adquiriram esse prédio à LL e ao CC, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Amarante em 3 de Julho de 2002;</font><br> <br> <font>- Os Réus por si e antepossuidores detêm o prédio há mais de 50 anos;</font><br> <br> <font>- Sem interrupção, oposição, à vista de todos, na convicção de estar a exercer um direito próprio, sem prejuízo ou lesão de terceiros;</font><br> <br> <font>- Em data não apurada de 2002, ou início de Janeiro de 2003, o Réu cortou Plátanos e Choupos num lameiro com área aproximada de 250m2;</font><br> <br> <font>- Onde também arrancou esteias e pés de vides;</font><br> <br> <font>- Em data não apurada do mesmo ano o Réu tirou pedras de um muro de suporte de terras no mesmo lameiro;</font><br> <br> <font>- E dali levou as pedras e terra;</font><br> <br> <font>- Em data não apurada do fim de 2002, ou inicio de Janeiro de 2003, o Réu dirigiu-se àquele lameiro e deu ordens ao condutor de uma máquina de terraplanagem, que ali viera a seu pedido, para arrasar duas leiras que constituíam o mesmo lameiro;</font><br> <br> <font>- De onde também tirou terra;</font><br> <br> <font>- Em data não apurada do fim de 2002, ou inicio de Janeiro de 2003, o Réu dirigiu-se ao lameiro tendo arrasado as duas leiras, com uma área de cerca de 250m2, tendo ficado em rampa, com a parte mais baixa nivelada pelo caminho;</font><br> <br> <font>- E destruído uma poça que ali existia;</font><br> <br> <font>- E demolido muros de suporte,</font><br> <br> <font>- O terreno "Lameiro da Poça do Fundo", com a área de 250m2, integra o prédio "Local-C e Barroco";</font><br> <br> <font>- Pelo menos desde 1985 que a LL e o marido CC, passaram a cultivar o "Local-C e Barroco" e o "Lameiro da Poça do Fundo";</font><br> <br> <font>- E a podar vides e árvores e a colher os seus frutos;</font><br> <br> <font>- Como se de proprietários se tratasse;</font><br> <br> <font>- A Autora sabe que esse prédio não lhe pertence;</font><br> <br> <font>- E uma vez mandou pedir ao seu cunhado que deixasse podar quatro Plátanos que cresciam naquele lameiro e lhe ensombravam o seu terreno confinante em plano superior;</font><br> <br> <font>- No terreno existiam duas poças em pedra solta e torrão;</font><br> <br> <font>- A existente em plano superior recebia e recebe água do ribeiro e de uma nascente;</font><br> <br> <font>- Dessa poça partia uma levada de terra que conduzia a água;</font><br> <br> <font>- E na estrema, junto ao muro, existe um ribeiro;</font><br> <br> <font>- Em plano inferior existia a segunda poça que vinha até ao limite do caminho público e se destinava a aparar as águas sobrantes;</font><br> <br> <font>- Antes das obras efectuadas pelo Réu o lameiro não tinha um valor superior a 1000,00 euros;</font><br> <br> <font>- O Réu substituiu os levados de terra e raízes por tubos de cimento;</font><br> <br> <font>- E reconstruiu em blocos o muro que suportava a levada;</font><br> <br> <font>- Limpou, desaterrou, aprofundou e consolidou as poças com granito unido por cimento;</font><br> <br> <font>- E colocou manilhas de cimento ligando as duas poças, continuando com as manilhas para o ribeiro;</font><br> <br> <font>- E nivelou de modo a tornar acessível, por carro ou tractor, o acesso aos terrenos envolventes às poças;</font><br> <br> <font>- Tais obras tiveram um custo entre os 2500,00 e os 3000,00 euros;</font><br> <br> <font>- O Réu procedeu às obras na convicção que o lameiro lhe pertencia;</font><br> <br> <font>- O "Lameiro da Poça do Fundo" corresponde a duas leiras e poças existentes a sul e num plano inferior ao limite do "Cerrado das Costinhas ou Cortinhas".</font><br> <br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>O âmbito do recurso está limitado pelas conclusões das alegações do recorrente - nº3 do artigo 684º do Código de Processo Civil - e que são, nuclearmente: nulidade ou erro material do Acórdão recorrido; matéria de facto; má-fé.</font><br> <br> <font>Conhecendo,</font><br> <br> <font>1- Lapso de escrita do Acórdão.</font><br> <font>2- Matéria de facto.</font><br> <font>3- Má-fé.</font><br> <font>4- Conclusões.</font><br> <br> <font>1- Lapso de escrita do Acórdão.</font><br> <br> <font>O Acórdão "sub judicio" decidiu "julgar improcedente acção e confirmar inteiramente a decisão apelada".</font><br> <font>Na óptica da recorrente há, ou uma contradição geradora de nulidade, ou um lapso material.</font><br> <br> <font>Isto porque a 1ª instância deu por assente que o prédio denominado "Cerrado das Costinhas ou Cortinhas" é pertença da Autora e, esta parte, não foi por si impugnada na apelação, sendo-lhe favorável.</font><br> <font>É certo que o julgado é, neste ponto, intocável, não resultando, nem da letra nem do espírito do Acórdão recorrido que tal tivesse sido alterado.</font><br> <font>Trata-se de uma acção de reivindicação em que a Autora afirmou o seu domínio sobre aquele imóvel e pediu a condenação do Réu a reconhecê-la como proprietária e a abster-se de violar o seu direito, além de outros pedidos cumulados - reconstrução de muros e de uma poça e indemnização.</font><br> <font>Essa propriedade nunca foi posta em causa no seu todo.</font><br> <font>O que, verdadeiramente, se questionava era um terreno, com área de 250m2 ("Lameiro da Poça do Fundo") situado a sul e num plano inferior ao "Cerrado das Costinhas ou Cortinhas".</font><br> <font>Na óptica da Autora esse terreno integrava o seu "Cerrado", enquanto que para os Réus tal era parte integrante do seu "Local-C e Barroco".</font><br> <font>Era esse lameiro o cerne da disputa, sendo aí que foram levados a cabo os trabalhos que a Autora contestava por, em seu entender, contenderem com o direito de propriedade.</font><br> <font>Ora, a final, a 1ª instância julgou o lameiro como integrando o prédio dos Réus, mantendo intocada a propriedade da Autora - e reconhecendo-a - no mais pedido.</font><br> <font>Assim decidiu, decidindo outrossim pela procedência da reconvenção que, também, e no seu cerne, pedia o reconhecimento da propriedade do tal terreno, como integrado no "Local-C e Barroco".</font><br> <font>O âmbito da apelação foi precisamente a discordância quanto à pertença do lameiro e o fazer, ou não, parte do prédio da Autora.</font><br> <font>Nesses precisos termos, a Relação conheceu o recurso e mais não decidiu do que negar provimento à apelação e confirmar o julgado.</font><br> <font>Não há, em consequência, qualquer excesso de pronúncia, ou condenação "ultra petitum" (nulidades do nº1, alíneas d) e e) do artigo 668º do Código de Processo Civil assacadas pela recorrente).</font><br> <font>Quando muito - e isto apenas num limite de rigor perfeccionista - o "lapsus calami" de se usar, na parte decisória a palavra "acção" ("improcedente a acção") ao invés de "apelação".</font><br> <font>Mas é patente, através de todos os elementos do Acórdão, que nem sequer se pode considerar uma exactidão, inserível no nº1 do artigo 667º da lei adjectiva, que apenas contempla subespécies do erro-obstáculo (erro de escrita, de cálculo ou inexactidões menores) sem fundadas dúvidas sobre o que se quis declarar. É que, aqui, não há, sequer, a menor dúvida sobre o sentido da decisão. (cf. a propósito, e no direito substantivo, o Prof. Rui de Alarcão, in "Erro, dolo e coacção", BMJ 102-167 e Prof. Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", II, 134, VI; no direito processual, o Cons. Lopes Cardoso, "Projectos de Revisão do Código de Processo Civil", III, 1960, 183 ss).</font><br> <font>Improcede, assim, esta primeira questão.</font><br> <br> <font>2- Matéria de facto.</font><br> <br> <font>A Relação fez uma analise cuidada e exaustiva da prova produzida em 1ª instância, analisando documentos, ouvindo a prova gravada e sobretudo ponderando.</font><br> <font>Entendeu não fazer uso da faculdade do artigo 712º do Código de Processo Civil, sendo certo que se debruçou sobre todos os pontos da matéria de facto que a recorrente questionou.</font><br> <font>E recordou que "a garantia deste duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca pode envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto" (in preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 de 15 de Fevereiro).</font><br> <font>Foi decidido que não se perfilava nenhuma das situações das alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 712º.</font><br> <font>E este Supremo Tribunal não pode exercer qualquer censura por a Relação não ter feito uso dos poderes de alteração ou anulação da decisão de matéria de facto da 1ª instância.</font><br> <font>É por isso que a decisão que exerça esses poderes é irrecorrível "ex vi" do nº 6 do mesmo preceito.</font><br> <br> <font>De outra banda, não tem este Supremo Tribunal razoes para, oficiosamente, lançar mão do nº 3 do artigo 729º do Código de Processo Civil, medida de excepção só utilizável quando, ao conhecer de mérito - a questão de direito - concluir que existem contradições essenciais em pontos de facto que vão comprometer a decisão final, ou quando não foram considerados factos alegados pelas partes ou, finalmente, houve desconsideração de matéria de conhecimento oficioso.</font><br> <font>Então, e só se concluirmos que sem a eliminação dessas contradições ou sem o alargamento da matéria de facto a solução final está comprometida, é que aquela faculdade excepcional é chamada.</font><br> <font>Pretende-se, em coerência, com o sistema, que o STJ seja apenas um Tribunal de revista, pois como esclarece o Prof. Teixeira de Sousa "esta restrição da competência decisória do Supremo à matéria de direito justifica-se tanto pela função de uniformização de jurisprudência que lhe está reservada, como pela necessidade de não multiplicar perante ele os recursos e de não o sobrecarregar com a apreciação das particularidades da matéria de facto. Dito doutro modo, na função atribuída ao Supremo prevalecem os interesses gerais de harmonização na aplicação do direito sobre a averiguação dos factos relativos ao caso concreto." (in "Estudos sobre o novo Processo Civil", 398).</font><br> <font>Finalmente, e como a própria recorrente admite, o nº2 da BI integra um juízo de facto- o que também ressalta do contexto dos articulados- sendo nessa medida insindicável por este Supremo Tribunal.</font><br> <br> <font>3- Má-fé.</font><br> <br> <font>Sobre este ponto, e como a condenação como litigante de má-fé foi imposta na 1ª instância e mantida pela Relação, não será aqui reapreciada.</font><br> <font>É que não ocorre nenhuma das situações dos nºs 2 ou 3 do artigo 754º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Como decidiu o Acórdão do STJ de 18 de Abril de 2006 (06A871), "não é admissível recurso da Relação que, confirmando o julgado em 1ª instância, condenou a parte como litigante de má-fé."</font><br> <font>E assim é quer se trate de agravo autónomo, quer de fundamento acessório do recurso de revista.</font><br> <br> <font>4- Conclusões.</font><br> <br> <font>É de concluir que:</font><br> <br> <font>a) O nº 1 do artigo 667º do Código de Processo Civil contempla subespécies do erro obstáculo, que ocorre perante um "lapsus calami", de cálculo ou qualquer inexactidão que, no contexto, não suscitem fundadas dúvidas sobre o que se quis decidir.</font><br> <font>b) Se porém, não há sequer a mínima dúvida sobre o sentido da declaração, mas apenas o uso de uma palavra que preocupa uma das partes, não pode falar-se em erro material.</font><br> <font>c) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 712º do CPC é incensurável pelo STJ sendo a respectiva decisão irrecorrível.</font><br> <font>d) O STJ é essencialmente um Tribunal de Revista, vocacionado para a uniformização da jurisprudência.</font><br> <font>e) O uso da faculdade do nº3 do artigo 729º do CPC é excepcional e dela só pode lançar-se mão se se concluir pela existência de contradições essenciais, desconsideração do alegado pelas partes ou matéria de conhecimento oficioso, tudo em pontos de facto, sem cuja eliminação, consideração ou esclarecimento fique comprometida a decisão final.</font><br> <font>f) É irrecorrível o segmento do Acórdão da Relação que, confirmando o decidido em 1ª instância, condenou a parte como litigante de má-fé.</font><br> <br> <font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar revista.</font><br> <br> <font>Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 30 de Maio de 2006</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <b><font>I.</font></b><font> Em 7 de Fevereiro de 2007, a </font><b><font>COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, SA.</font></b><font> intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra AA, pedindo a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de 16.121,64 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e nas custas.</font><br> <br> <font>Para tanto alega, em síntese:</font><br> <br> <font>No dia 17.08.00, pelas 18,40 horas, na AE 5, ao km. 2,900, Concelho de Oeiras, ocorreu um acidente de viação entre os veículos ligeiros, de matrículas ..-..-...,..-..-...,..-..-... e ..-..-....</font><br> <font>O veículo ..-..-... era conduzido pelo Réu e encontrava-se seguro na A., através do contrato titulado pela apólice n.º 609.096.</font><br> <font>O Réu foi o exclusivo causador do acidente, tendo infringido, com a sua conduta, designadamente o artigo 29.º,, n.º 1, do Código da Estrada.</font><br> <font>No momento do acidente, o Réu encontrava-se alcoolizado, apresentando sensíveis limitações na capacidade (atenção e cuidado) necessárias para conduzir o referido veículo e foi o estado etilizado, em que se encontrava o Réu, a causa do acidente.</font><br> <font>Na verdade, da forma como o acidente ocorreu é possível extrair – com base nas regras da experiência – que o embate ficou a dever-se ao facto do Réu se encontrar incapacitado para conduzir, situação provocada pela excessiva taxa de álcool que apresentava.</font><br> <font>O contrato de seguro não cobre este tipo de condutas contravencionais e/ou delituosas, tendo a Autora, deste modo, direito a ser reembolsada pelo Réu, por todos os gastos que teve de suportar como consequência do acidente dos autos, ao abrigo das disposições contratuais do seguro sub-judice.</font><br> <font>Conforme já se aduziu, do acidente resultaram danos, tendo a Autora que indemnizar os prejuízos sofridos pelos lesados, o que fez, tendo ainda suportado outros custos em consequência do acidente, pretendendo ser reembolsada do quantitativo que despendeu.</font><br> <font>Por mera cautela, a Autora interrompeu a prescrição, com a notificação judicial avulsa que junta. </font><br> <br> <font>Regularmente citado (através de carta registada com aviso de recepção, tendo tal aviso entrado em tribunal no dia 2.04.2008, após se terem gorado diversas diligências no sentido de o citar, na morada indicada pela Autora na petição inicial, bem como em diversas outras constantes das diversas bases de dados acessíveis), o Réu veio apresentar, em 28.04.2008, a contestação, onde, para além de invocar a excepção da prescrição do direito e acção da A., impugnou parte da matéria alegada na petição inicial. </font><br> <br> <font>A Autora, notificada da contestação do Réu, veio apresentar a sua réplica, tendo concluído como na petição inicial.</font><br> <br> <font>Foi proferido saneador/sentença, que julgou a excepção da prescrição, invocada pelo Réu, procedente e absolveu, o mesmo, dos pedidos formulados pela Autora.</font><br> <br> <font>A Autora interpôs desta sentença recurso de apelação, que foi correctamente admitido, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente o mesmo confirmando integralmente, embora com fundamento diferente, o saneador--sentença recorrido.</font><br> <br> <font>Desta decisão recorre, de novo, a A, de revista, para este STJ, recurso que foi admitido.</font><br> <br> <font>A recorrente conclui as suas alegações do seguinte modo, em clara violação do disposto no n.º 1 do artigo 690.º do CPC:</font><br> <br> <font>1. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força da Notificação Judicial Avulsa.</font><br> <font>2. O R. aceita a interrupção da prescrição efectuada pela notificação judicial avulsa, cfr. artºs 9º e 57º da contestação, e se o faz o douto acórdão recorrido deve tomá-la em consideração, o que não sucedeu. Deste modo, não poderá ser afastada a aplicação do disposto no Artº 327º, nº 1, do Cód. Civil.</font><br> <font>3.Ora, muito embora a notificação judicial avulsa fosse válida, o que é certo é que a morada do R. nela constante resultou numa certidão negativa, o que obrigou a A., aquando da acção judicial, a tentar encontrar o R. noutra morada, e que, depois de sucessivas tentativas, conseguiu a sua citação.</font><br> <font>4.Daqui resulta que o R. não foi citado na morada da notificação judicial avulsa, mas numa outra, mais tarde encontrada, circunstâncias que não podem ser imputadas à A., mas tão só ao R.</font><br> <font>5.Com efeito, não pode ser atendida a tese do douto acórdão de que a A. tem a obrigação de saber onde efectivamente se encontra o R. e só com a sua notificação é que se interrompe a prescrição. Se assim fosse o Artº 323º, nº 2, do Cód. Civil, não tinha aplicabilidade.</font><br> <font>6.Assim, a notificação judicial avulsa que deu entrada em 04.02.04 tem que se considerar legalmente efectuada, tanto mais que foi efectuada após os cinco dias da sua entrada em Tribunal (19.02.04).</font><br> <font>7. Em 23.07.04, cfr. doc. nº 17 da p.i., a referida notificação foi enviada ao mandatário da A..</font><br> <font>8. Sucede que o novo prazo prescricional só se inicia após 10 dias após o trânsito em julgado que pôs termo ao processo, cfr. o Artº 327º, nº 1 do Cód. Civil.</font><br> <font>9. Deste modo, os cinco anos prescricionais (tese da Recorrente mais à frente defendida) ocorreram em 02.08.09.</font><br> <font>10. O douto acórdão recorrido entende que aquela disposição legal não se aplica ao caso em apreço, contudo, além de literalmente abranger a “notificação”, determina o nº 2 que “Do despacho de indeferimento da notificação cabe agravo, mas só até à Relação.” Então tem que haver trânsito em julgado!</font><br> <font>11. Tanto mais que podem haver vicissitudes no procedimento e conclusão da notificação judicial que poderão colocá-la legalmente em causa e terão que dar possibilidade ao requerente de recorrer.</font><br> <font>12. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Dec.Lei 522/85, de 31/12).</font><br> <font>13. Quando o Artº 498º do Cód. Civil foi criado, não existia o seguro obrigatório, isto é, as relações emergentes de um acidente automóvel, com as características do caso em apreço eram dirimidas nos termos do Cód. Civil e tão só, porém, deixaram de o ser em exclusivo, a partir da entrada em vigor do referido diploma legal.</font><br> <font>14. O Artº 498º do Cód. Civil não teve por escopo os acidentes de viação, aliás aplica-se a uma panóplia de relações sociais e quando se refere a responsáveis, refere-se a responsáveis directos pelo evento criado (v.g., o acidente).</font><br> <font>15. É neste sentido que vemos os Artºs 483º, 487º e 497º do Cód. Civil assentarem no pressuposto da culpa.</font><br> <font>16. Ainda, e na mesma sequência interpretativa, a responsabilidade solidária indicada no Artº 497º, nº 2, do Cód. Civil, preceitua que “O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas...”. </font><br> <font>17. E, por fim, o Artº 498º, nº 2, do Cód. Civil, que vem no seguimento dos anteriores preceitos, diz: “... o direito de regresso entre os responsáveis.”, tem por lógica interpretativa inserir-se no âmbito da mencionada culpa.</font><br> <font>18. Este direito de regresso que o Código Civil aborda, não é o mesmo do caso sub-judice.</font><br> <font>19. Este direito de regresso assenta em outro pressuposto que é a culpa (consciência da ilicitude) do causador e consequente responsável pelo acidente, enquanto que o direito de regresso em análise assenta no pressuposto do garante da indemnização, que é uma entidade alheia a todo o emergir fáctico e causador directo do evento (o sinistro).</font><br> <font>20. E, para isso mesmo, foi criado um diploma legal para que, em determinados casos especiais, garantisse a indemnização: o Dec.Lei 522/85, de 31/12, com as consequentes alterações que, no seu Artº 8º, diz: “O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2º e dos legítimos detentores e condutores do veículo”.</font><br> <font>21. Assim, enquanto os sujeitos que estão enumerados neste último preceito são os responsáveis (directos) pelo acontecimento ou facto (sinistro), os eventuais culposos, a seguradora é o garante, é a responsável pelo pagamento da indemnização.</font><br> <font>22. Mas, além disso, o caso concreto, até tem uma responsabilidade muito particular que é garantir o pagamento de uma indemnização emergente de uma conduta ilícita: condução sob o efeito do álcool, que não está prevista no Cód. Civil.</font><br> <font>23. Ao garantir este pagamento, não significa que a seguradora seja “ad aeternum” responsável pelo mesmo, uma vez que mais tarde tem direito ao reembolso.</font><br> <font>24. Poderia remotamente pensar-se (superficialmente) na questão da responsabilidade solidária da aplicação do Artº 497º do Cód. Civil, mas não se coloca.</font><br> <font>25. Sem verificarmos os agentes determinantes do facto danoso nos mencionados art°s do Cód. Civil, eles são todos participantes nos actos causadores desse facto danoso, contrariamente à seguradora. E por isso, eles são solidários entre si, devido à culpa que comportam.</font><br> <font>26. Na verdade, é a própria lei (Dec.Lei 522/85, de 31/12) a definir o “papel” da seguradora no evento acidente: garante da responsabilidade.</font><br> <font>27. Com efeito, à seguradora nunca pode ser assacada culpa no evento (consciência da ilicitude) e por outro lado, a figura da solidariedade devedora, também não é aplicada, face à lei do seguro obrigatório (Dec.Lei 522/85, de 31/12), ou seja, a sentença nunca condena solidariamente o condutor e a seguradora, mas sim determina a culpa do condutor, a que corresponde uma responsabilidade, cujo ressarcimento é pago pela seguradora.</font><br> <font>28. Há que distinguir as naturezas jurídicas diversas: (CULPA/GARANTE) – Do regime do Código Civil e do Dec.Lei 522/85, de 31/12.</font><br> <font>29. Enquanto que no Código Civil, a responsabilidade é baseada na CULPA do(s) interveniente(s), tendo um regime prescricional próprio (Artº 498º do Cód. Civil).</font><br> <font>30. No Dec.Lei 522/85, de 31/12, a responsabilidade é baseada no GARANTE do pagamento da indemnização e é por via deste diploma legal que a seguradora se constituiu num direito de regresso.</font><br> <font>31. Portanto, o Artº 498º do Cód. Civil não se aplica ao caso em que esteja como responsável, uma entidade GARANTE do pagamento dos danos (mas alheia aos factos constitutivos dessa indemnização) – a seguradora. </font><br> <font>32. E, deste modo, não havendo norma legal tipificada para este caso de prescrição, ter-se-á que aplicar a norma geral constante do Artº 309º, do Cód. Civil, sendo o prazo prescricional ordinário, de 20 anos.</font><br> <font>33. Não é por acaso que o actual Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, vem dizer que “Os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.”</font><br> <font>34. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força da relação contratual da apólice. Com efeito,</font><br> <font>35. O R. beneficiou de um contrato, por efeito do qual a A. pagou indemnizações, pelo que tem que estar vinculado às suas cláusulas.</font><br> <font>36. O R. era à data do sinistro segurado da A., por força do contrato de seguro alegado no artº 2º da p.i.</font><br> <font>37. Na cláusula contratual constante no Artº 25º, al. c), das Condições Gerais, junta com o doc. n° 1 da p.i., vem indicado o direito de regresso sub-judice.</font><br> <font>38. Os terceiros beneficiários do contrato, nada têm a ver com a relação estabelecida entre o segurado e a seguradora, sendo que para estes os prazos prescricionais são diferentes.</font><br> <font>39. Ou seja, entre o segurado (R.) e a seguradora firmou-se a referida cláusula contratual que só a eles diz respeito.</font><br> <font>40. Neste sentido, a seguradora e o segurado, ao realizarem o referido contrato têm a liberdade de colocar as cláusulas que lhes aprouver, desde que estejam dentro dos limites da lei, o que é o caso (Artº 405º, nº 1, do C. Civil.). </font><br> <font>41. Se o segurado pode reclamar à seguradora uma circunstância contratual no prazo legal de 20 anos, também a seguradora – que por acréscimo até tem inserida uma cláusula no contrato – poderá no mesmo prazo reclamar do seu segurado.</font><br> <font>42. E é neste sentido – da relação contratual – que aquela cláusula se afirma, caso contrário, se se entendesse ser uma simples cópia do DL, porque não se colocariam, então, no clausulado contratual, todos os preceitos legais ligados ao contrato de seguro obrigatório?</font><br> <font>43. Deste modo, a prescrição a aplicar será a contratual, ou seja, a ordinária – 20 anos.</font><br> <font>44. E, tal considerando tem toda a razão, no facto das seguradoras pagarem – ao longo de um processo de regularização – vários danos, onde, muitas das vezes, o primeiro pagamento tem uma diferença do último de mais de 7 anos, o que obrigaria a seguradora a intentar várias acções judiciais, consoante os prazos prescricionais, ou a interromper várias vezes a prescrição com notificações judicias avulsas, as quais, às tantas, poderiam cair no conhecido abuso de direito.</font><br> <font>45. Ainda, a causa de pedir no âmbito dos presentes autos alicerça-se na efectivação do direito de regresso, previsto no âmbito de uma relação contratual, em virtude da A. ter assumido a responsabilidade adveniente da prática de facto ilícito.</font><br> <font>46. Através da presente acção visa a A. ser reembolsada do montante indemnizatório que satisfez em consequência de um acidente de viação provocado pela outra parte contratual – o segurado.</font><br> <font>47. Por força do contrato de seguro celebrado com a A., em que esta assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros, tendo o direito de regresso nascido com o pagamento indemnizatório efectuado, decorrente do cumprimento pela A. de uma obrigação contratual.</font><br> <font>48. O douto acórdão defende que “não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual”, então estamos no âmbito da responsabilidade contratual.</font><br> <font>49. Por força do PROCESSO-CRIME, determina o Artº 498º, nº 3, do Cód. Civil: “Se o facto ilícito constituir crime para a qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”.</font><br> <font>50. O legislador começa por indicar nos nºs 1 e 2 do citado preceito legal, prazos mais curtos e depois no nº 3 alonga o prazo, se o “facto ilícito constituir crime”.</font><br> <font>51. Ora, se aos factos enquadráveis no nº 1 o prazo prescricional pode ser alargado, também o poderá ser nos casos previstos no nº 2 do citado preceito legal.</font><br> <font>52. O legislador, ao estatuir o nº 3 do Artº 498º do Cód. Civil, não faz qualquer distinção, por este motivo não compete nem o pode o intérprete vir a fazê-la.</font><br> <font>53. “O alargamento do prazo de prescrição do procedimento criminal, previsto no nº 3 do Artº 498º do Cód. Civil, também se aplica aos responsáveis civis.” Ac. da R.C., de 14.11.2000, CJ, 2000, 519.</font><br> <font>54. Face ao precedente, coloca-se a questão da contagem do prazo.</font><br> <font>55. O facto ilícito praticado pelo R. constituiu crime de ofensas corporais (cfr. doc. nº 2 e artºs 29º, 30º e 31º da p.i.). Deste modo, o facto ilícito – ofensas corporais –, integra o tipo legal de crime consignado no Artº 143º, nº 1 do C.Penal, sendo a sua prescrição de cinco anos, cfr. o artº 118º, nº 1, al. c) do C. Penal.</font><br> <font>56. Face a esta circunstância, cfr. se disse, verifica-se o alongamento do prazo prescricional, nos termos estatuídos no Artº 498º, nº 3 do Cód. Civil.</font><br> <font>57. O que significa que, tendo o acidente ocorrido em 17.08.00, ainda não tinham ocorrido os cinco anos à data da entrada da notificação judicial avulsa e muito menos sobre as datas dos pagamentos das indemnizações, bem como a partir da notificação judicial avulsa, até à data da propositura da acção judicial.</font><br> <font>58. Ainda, e cfr. o Ac. R.Coimbra, de 05.11.96, in CJ, V, p. 5, segundo o qual, “1 – É o apuramento do facto e a sua qualificação como criminoso – e não a circunstância de ser ou não possível o exercício da acção penal – que determina o prazo mais longo de prescrição previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil.</font><br> <font>59. Ainda, a recente jurisprudência defende, no caso concreto, a aplicação do Artº 498º, nº 3, do C. Civil. Com efeito, os AC. R. LISBOA – Procº 1627/07-7, de 20/12/2007 – 7ª Secção e também, o recente Acórdão do S.T.J. de 26.06.07, Processo 07A1523.</font><br> <font>60. E, o R. foi citado, ainda não havia decorrido o prazo de cinco anos, a contar da notificação judicial avulsa e, após esta, até à entrada da acção judicial.</font><br> <font>61. Deste modo, foram, assim, violados, por manifesto erro de interpretação e aplicação os Artºs 498º, nº 3, 309º, 323º, nºs 1 e 2, 327º, nº 1 e 428º, nº 1, do Cód. Civil e Art. 9º, nº 3 e 668º, nº 1, als. c) e d), do Cód. Proc. Civil.</font><br> <br> <font>O R. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.</font><br> <br> <b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font><br> <br> <font>De Facto</font><br> <br> <b><font>II.A.</font></b><font> Embora não tivesse sido fixada pela 1.ª instância, formal e expressamente, qualquer matéria de facto, entendeu a Relação que os factos que, de seguida, se enumeram foram os considerados relevantes e que resultam dos autos:</font><br> <br> <font>1) No dia 17.08.00, pelas 18,40 horas, na AE 5, ao km. 2,900, Concelho de Oeiras, ocorreu um acidente de viação entre os veículos ligeiros, de matrículas ..-..-... (OPEL VECTRA), ..-..-... (PEUGEOT 106),..-..-... (SAAB) e ..-..-... (PEUGEOT 406).</font><br> <font>2) O veículo ..-..-... era conduzido pelo Réu e encontrava-se seguro nesta seguradora, através do contrato titulado pela apólice n.º 609.096.</font><br> <font>3) Logo a seguir ao acidente, a GNR-BT de S. Domingos de Rana mediu a alcoolemia do sangue do Réu, que revelou uma taxa de 0,74 g/l.</font><br> <font>4) O veículo FA foi considerado perda total, tendo a Autora pago, em 02.11.00, à sua congénere MUNDIAL-CONFIANÇA, seguradora do veículo, a verba de 3.346,93 €.</font><br> <font>5) O orçamento de reparação do veículo QD foi de Esc. 783.960$00 (3.910,42 €), tendo a Autora pago, em 17.10.00, a referida quantia.</font><br> <font>6) Com a privação de uso do QD, a Autora pagou, em 06.10.00, a verba de 5.143,02 €.</font><br> <font>7) O orçamento de reparação do veículo GR foi de 2.890,98 €, tendo a Autora pago, em 19.02.01, a referida importância.</font><br> <font>8) BB– ocupante do veículo FA – sofreu traumatismo da coluna cervical, tendo com a sua cura, a Autora pago, em 17.04.01, a verba de 55,14 €.</font><br> <font>9)CC – ocupante do veículo FA – sofreu traumatismo da coluna cervical e tórax, tendo com a sua cura, a Autora pago, em 17.04.01, a verba de 110,05 €.</font><br> <font>10) DD – ocupante do veículo FA – sofreu traumatismo da cabeça, coluna cervical e tórax, tendo com a sua cura, a Autora pago, em 16.10.03, a verba de 250,00 €.</font><br> <font>11) Com a averiguação do sinistro, a Autora pagou, em 21.09.00, a verba de 214,65 €.</font><br> <font>12) Ainda, suportou despesas administrativas com a elaboração, tramitação e conclusão do respectivo processo de sinistro, que computa em 200,00 Euros.</font><br> <font>13) A morada do Réu constante da participação do acidente de viação dos autos era a seguinte: Rua A.....,....,...º Esquerdo, Corroios, Montijo;</font><br> <font>14) A Autora, em 4/02/2004, requereu a Notificação Judicial Avulsa do Réu na morada constante da participação do acidente de viação dos autos, tendo sido lavrada, com data de 19/02/2004 e pelo Sr. Solicitador de Execução encarregue de tal diligência, certidão negativa nos seguintes termos: “certifico que tendo-me dirigido à morada indicada – Rua A....,...,...,º Esquerdo, Miratejo, freguesia de Corroios, Seixal – a fim de proceder à notificação de AA, a mesma não foi possível efectuar, em virtude de ter constado que naquela morada reside a mãe do notificando, tendo esta informado que o seu filho se ausentou de casa desconhecendo o seu paradeiro, bem como o seu local de trabalho ou outro contacto possível. Mais informou que não o vê há bastante tempo, manifestando total desinteresse em colaborar”;</font><br> <font>15) A Autora instaurou a presente acção em tribunal no dia 07/02/2007, tendo indicado como morada do Réu a seguinte: Rua ......,...,..., Vila Nova de Gaia;</font><br> <font>16) Goraram-se diversas diligências no sentido de citar o Réu na morada indicada pela Autora na petição inicial bem como em diversas outras constantes das diversas bases de dados acessíveis (cf. fls. 47 a 76, com a primeira diligência de citação, através de carta registada com A/R, datada de 13/02/2007), tendo a Solicitadora de Execução que procedeu à tentativa de citação do Réu no endereço indicado pela Autora na sua petição inicial, lavrado a seguinte certidão, datada de 24/05/2007 (fls. 56): “Pelas 11,45 horas do dia 24.05.2007, após deslocação à Rua .......-....-....º Esquerdo, freguesia de Mafamude, em Vila Nova de Gaia, após breve conversa com a Sr.ªEE, que me disse que o marido tinha nome idêntico ao do réu, mas que não era o réu, que o nome de seu marido era AA</font><br> <font>Solicitei então verificar o B.I., o qual não se mostrou possível, visto o marido não se encontrar em casa, que iria ao escritório da subscritora entregar fotocópia do mesmo, mas tal não veio a acontecer.</font><br> <font>Verifica-se que dos documentos juntos com a p.i., a idade do réu ali constante será de 36 anos, enquanto que a pessoa a quem seria entregue esta documentação AA terá cerca de 80 anos de idade. Pelo que o réu indicado não será a mesma pessoa residente na morada indicada na petição inicial.</font><br> <font>Pelos motivos expostos não se mostrou possível proceder à citação do réu, AA”;</font><br> <font>17) O Réu AA foi citado na sua própria pessoa na Rua ....,...,...,, 2810-001 Almada, através de carta registada com Aviso de Recepção (fls. 77 a 79, tendo tal Aviso entrado em tribunal no dia 2/04/2008 e sido remetido para tal endereço).</font><br> <br> <b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font><br> <br> <font>Suscita a recorrente as seguintes questões:</font><br> <br> <font>a) nulidade da decisão e </font><br> <font>b) prescrição.</font><br> <br> <b><font>II.B.1.</font></b><font> Sobre as invocadas nulidades de que padeceria o acórdão recorrido, cabe dizer que a única referência constante nas alegações é a citação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Civil, feita na última conclusão.</font><br> <br> <font>Cabe, de resto, salientar que as alegações deste recurso são praticamente decalcadas das apresentadas com a apelação com pequenas alterações e acrescentos, tendo, mesmo, deixado escapar uma ou outra referência à “sentença” (v. artigos 1.º, 12.º, 34.º).</font><br> <br> <font>E, se a Relação tinha dúvidas sobre o entendimento da A. sobre as nulidades apontadas à sentença, tais dúvidas não se colocam relativamente ao acórdão.</font><br> <br> <font>Manifestamente não pode falar-se em omissão de pronúncia, porquanto todas as questões suscitadas foram tratadas, nem em contradição entre os fundamentos e a decisão, dado que, em lado nenhum das alegações, tal contradição foi sequer esboçada.</font><br> <br> <font>De todo o modo, apenas cautelarmente, remetemo-nos para o que no acórdão é dito sobre as citadas nulidades, reiterando que a decisão recorrida não padece dos referidos vícios.</font><br> <br> <font>II.B.2. A outra questão é relativa à ocorrência ou não da prescrição.</font><br> <br> <font>Como já se deixou referido no relatório, a A. vem reclamar a liquidação por parte do Réu, a título de direito de regresso e ao abrigo da apólice de seguro invocada (Condições Gerais) e do disposto no artigo 19.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, dos montantes que suportou para ressarcimento dos danos causados no acidente rodoviário, por via da conduta negligente do Réu.</font><br> <br> <font>Começaremos por rebater a posição da recorrente de que o prazo de prescrição a considerar seja o ordinário, de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.</font><br> <br> <font>Com efeito, face à existência de um prazo e de uma norma especial, que necessariamente afasta a aplicação do prazo e regime gerais, não é minimamente defensável a invocação desse prazo (nesse preciso sentido, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2003 (Processo n.º 03B2757, relator Araújo de Barros) e de 4.11.2008 (Processo n.º 08A3199, relator João Camilo), afirmando este último o seguinte: “b) Resta apreciar se o direito de regresso da autora tendo natureza contratual tem prazo de prescrição ordinário de vinte anos fixado no art. 309.º do Código Civil. Facilmente e do que já se disse tal pretensão – que nos parece inovadora –, não pode proceder. Independentemente da natureza contratual ou extracontratual do direito de regresso, este tem uma disposição expressa a fixar o prazo de prescrição e que é o acima mencionado – previsto no n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil –, pelo que se não lhe aplica o prazo ordinário de prescrição previsto no mencionado art.º 309.º que apenas tem aplicação aos casos em que a lei expressamente não tenha fixado prazo diverso.”</font><br> <br> <font>Pretende a Autora que o direito de regresso contemplado para a responsabilidade solidária, no artigo 497.º, n.º 2, do Código Civil, e que assenta no pressuposto da culpa, não se equipara ao direito de regresso que cabe ao garante da indemnização. Daí que, atenta a ausência de responsabilidade da seguradora na eclosão do acidente, não seja possível subsumir o direito de que é titular ao prazo de prescrição previsto no 498.º do Código Civil. </font><br> <br> <font>Não tem a Autora, obviamente, razão, sem embargo de se reconhecer que tal entendimento já logrou aceitação num sector restrito da jurisprudência. Efectivamente, é possível divisar uma orientação que sustenta que, tendo tal direito como fundamento a violação do contrato de seguro celebrado entre a companhia e o segurado, a sua disciplina jurídica não é consentânea com a responsabilidade aquiliana dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, devendo antes aplicar-se o prazo prescricional ordinário compreendido no artigo 309.º do mesmo diploma.</font><br> <br> <font>Como lembra VAZ SERRA (“Pluralidade de Devedores ou Credores”, </font><i><font>BMJ</font></i><font>., n.º 69, p. 256), o dever de regresso, consagrado no artigo 497.º, n.º 2, do Código Civil, funda-se “no enriquecimento injustificado à custa dos outros credores e, por conseguinte, quando do negócio jurídico ou de disposição especial não resulta outra coisa, deve ter o alcance que resultar do facto de, em consequência da satisfação do credor, certo ou certos devedores terem enriquecido injustificadamente à custa de outro ou outro”. E é também este propósito de obviar ao enriquecimento infundado à custa da seguradora que garantiu a indemnização devida aos lesados em acidente de viação que o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, instituiu a possibilidade de exercício de direito de regresso contra o segurado. </font><br> <br> <font>Esta ideia foi sublinhada no Acórdão da Relação do Porto, de 2 de Maio de 2000 (</font><i><font>CJ</font></i><font>, 2000, Tomo III, p. 175).</font><br> <br> <font>Compreende-se que assim seja. Efectivamente, e à luz da instituição da obrigatoriedade da contratação de seguro de responsabilidade civil contra terceiros, sentiu o legislador a necessidade de contrabalançar a eventual iniquidade da imposição, à seguradora, do pagamento de indemnizações resultantes de uma acção dolosa ou gravemente negligente por parte do segurado ou de outrem. Com o que contemplou, no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, um leque de situações susceptíveis de traduzir esse dolo ou negligência grave, cuja verificação legitimará aquele direito de regresso.</font><br> <br> <font>Sublinhe-se, todavia, que a possibilidade de exercício do direito de regresso existe tão-somente naquelas circunstâncias. É nisso claro o teor literal do preceito, ao referir que, “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso (…)”. Significa o exposto que, mesmo quando o texto do contrato de seguro seja omisso quanto à possibilidade de exercício do direito de regresso, em face da verificação das circunstâncias descritas no referido artigo 19.º, sempre poderá a seguradora enveredar por tal caminho, apoiando--se directamente na disciplina constante do mesmo diploma e que a habilita, sem mediação de um clausulado negocial, a interpor acção de regresso. E, em contrapartida, resulta incontroverso que os casos de admissibilidade do direito de regresso se restrigem às situações tipificadas no mesmo artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85, não se podendo configurar uma liberdade contratual tão ampla que consinta outros casos de direito de regresso.</font><br> <br> <font>Desta forma, não é a circunstância do contrato de seguro conter cláusulas que reproduzam o disposto no citado artigo 19.º que modela a natureza da responsabilidade a exigir do segurado ou de outrem (como o condutor) e que decorre </font><i><font>ex Iege</font></i><font>. </font><br> <br> <font>Diga-se, aliás, que a dever entender-se a responsabilidade da seguradora como contratual, não poderia esta exercer o direito de regresso contra o condutor de veículo, responsável pelo eclodir do acidente e que não é o segurado e é, portanto, um </font><i><font>extraneus</font></i><font> em face do seguro celebrado.</font><br> <br> <font>Por outro lado, o carácter obrigatório do seguro sobre a circulação de veículos automóveis não influi no carácter pessoal (não real) do contrato celebrado. O que se transfere para o segurador é a responsabilidade do segurado, enquanto detentor de um dado veículo e não o próprio veículo. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 1999 (proc. 99B356, </font><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><font>), “[s]egurado é quem contrata o seguro; a medida da responsabilidade da seguradora é a responsabilidade do seu segurado; o segurador só é obrigado na medida em que o seria o segurado se respondesse pessoalmente. Por assim ser a seguradora terá direito de regresso ao satisfazer as indemnizações que o seu segurado não responde pessoalmente: em todos os casos em que os danos sejam causados a terceiros ou por utentes ocasionais do veículo – os autores de furto, roubo ou furto do uso do veículo — ou se o acidente for dolosamente praticado”. Ou seja, a seguradora responde pela indemnização que caberia ao seu segurado e queda titular de um direito de regresso contra ele cuja extensão será definida pela sua responsabilidade na eclosão do acidente e dos subsequentes danos, sempre que este tenha agido em violação do supra referido artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 522/85.</font><br> <br> <font>Desta forma, a matriz genérica da configuração do direito da seguradora é um mero reflexo do processamento do acidente e da própria actuação do segurado. Na verdade, e antevendo a possibilidade de uma concorrência de responsabilidades no sobrevir do facto danoso, a seguradora só será obrigada a responder nos precisos termos –, em sede de culpa e das respectivas consequências em que o seu segurado o é. Com o que o direito de regresso, a desencadear, existirá em moldes similares à responsabilidade extracontratual do seu segurado que a obrigou a indemnizar os demais intervenientes.</font><br> <br> <font>Existe, assim, um óbvio paralelismo entre o formato da responsabilidade do segurado e o direito de regresso de que a seguradora é titular. Paralelismo que se constata não apenas no plano factual, mas igualmente no plano jurídico e na consequente disciplina a que aquele direito se acha sujeito. Significa isto que não é pela simples circunstância de a Autora ser o garante de uma indemnização para cujo sobrevir não contribuiu com qualquer actuação culposa que se pode concluir da s
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1- Banco Nacional Ultramarino com sede na Rua do<br> Comércio, 78, em Lisboa propôs a presente acção de impugnação pauliana contra A e mulher B, C casada, D, solteira, pedindo que sejam declarados de nenhum efeito os actos de doação e renúncia ao usufruto efectuados pelos primeiros a favor destes últimos, através de escritura de 8 de Fevereiro de 1980 e 10 de Abril de 1985, ordenando-se o cancelamento dos registos da consequente transmissão.<br> Alegou que a doação e a renúncia ao usufruto foram feitas com a intenção de não pagarem ao Autor créditos que tem sobre os primeiros recorrentes, no valor global de 40344126 e juros.<br> Os recorrentes devidamente citados contestaram, excepcionando a caducidade do direito de impugnação dos actos e impugnaram.<br> No saneador foi julgado procedente a execpção de caducidade relativamente ao direito de impugnação de doação.<br> Seguindo os seus ulteriores termos foi proferida sentença que declarou ineficaz, em relação ao Autor, o acto de, renúncia ao direito do usufruto que poderá executá-lo no património das Rés C e D.<br> O Acórdão da Relação de Coimbra, interposdo daquela sentença, confirmou-a.<br> Daí a presente revista.<br> 2- Nas provadas alegações os recorrentes concluem: a) O Autor não alegou que à data de renúncia ao usufruto e por terem praticado tal acto, os recorrentes renunciantes ficaram sem condições de garantir o pagamento das suas responsabilidades para com ele. b) Pelo contrário, o Autor disse explicitamente que (em 20 de Dezembro de 1989) os devedores não possuíam já outros bens livres e desembaraçados que constituíssem garantia desse pagamento. c) Não está portanto, provado que à data desse acto e por causa dele, deixava o Autor de ter garantidos os seus créditos pelo património dos primeiros recorrentes, o que constituía requisito indispensável à procedência da impugnação pauliana, nos termos do art. 60, alínea b) que desta forma foi violado na decisão recorrida. d) Tal requisito só poderia dar-se como suprido se o<br> Autor logrou provar a matéria do quesito 2, mas tal não sucedeu. e) Por outro lado o Tribunal da Relação recusou-se, indevidamente, a apreciar a 7 conclusão do recurso para ele interposto, alegando tratar-se de matéria nova, o que não é, manifestamente o caso. f) Cometeu, assim, a nulidade prevista no artigo 668, n. 1, alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 716, n. 1, do mesmo Código. g) Com efeito os recorrentes tinham salientado logo na contestação e depois nas alegações de direito que precederam a sentença, o facto de só dois dos muitos créditos alegados serem da responsabilidade de ambos os recorrentes enunciados - facto que o Excelentíssimo<br> Juiz revelou nos fundamentos da sentença mas de que não extraiu as devidas consequências jurídicas, ou seja, a limitação dos efeitos de impugnação àqueles dois créditos. h) Assim a decisão recorrida deverá ser anulada, devendo julgar-se totalmente improcedente a impugnação pauliana por falta de verificação do requisito previsto no artigo 610 alínea b) Código Civil; ou, se assim não for entendido deverá julgar-se a impugnação improcedente em tudo o que excede o pagamento dos dois créditos pelos quais são responsáveis ambos os recorrentes, devedores/renunciantes. i) Devendo ainda alterar-se, consequentemente, a matéria de custas; no primeiro caso absolvendo-se delas totalmente os recorrentes; no segundo caso, imputando-as maioritariamente ao Autor.<br> O Autor contra-alegou.<br> 3- Corridos os vistos, cumpre decidir:<br> 4- Está provado pela Relação. a) Por escritura de 8 de Fevereiro de 1980 lavrada a folhas 41 a 42 do livro B 199 - do 2 Cartório Notarial de Tomar, os primeiros recorrentes fizeram à segunda e terceira Rés, que são suas filhas, doação do seguinte imóvel.<br> "Prédio Urbano composto de casa de habitação e logradouro, situado em Tomar, na Quinta de Palhavã, freguesia de Santa Maria dos Olivais que confina de norte com estrada da Serra, de nascente com Manuel<br> Martins Diogo e outros, do sul com câmara municipal e de poente com Rua B do Plano de Urbanização, com área coberta de 355 metros quadrados e descoberta de 1030 metros quadrados, descrito na Cons. Reg. Pred. de Tomar com o n. 64061, a folha 89 do livro B-162 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2478, com valor matricial de 1728000 escudos".<br> Tal doação foi feita dentro dos limites das partes disponíveis e com reserva de usufruto a favor dos doadores - alínea a) esp. b) Por escritura de 10 de Abril de 1985, lavrada a folhas 49 e seguintes do livro 58 F do Cartório de Torres Vedras, os doadores renunciaram gratuitamente ao usufruto instituído sobre o prédio identificado a alínea a) - alínea b) resp. c) À data da propositura da acção, os recorrentes<br> A e B eram devedores ao autor de várias quantias, no valor global de 40334126 escudos e 90 centavos, tendo sido condenados a pagá-las<br> - alíneas F) a M) resp. d) Os créditos referidos em F) a M) e A. sobre os<br> Recorrentes A e B constituiram-se em datas anteriores à data da escritura aludida em B) - resposta ao quesito 1. e) Os Recorrentes A e esposa não pagaram ainda ao A. as quantias aludidas de F) a M) resp. - alínea W) esp.<br> Para melhor elucidação da visão conjunta do processo há que realçar que não se provou - respostas negativas aos pontos 2, 3 e 4.<br> - Ao efectuarem o que se alude em b) esp. (renúncia gratuita ao usufruto) os recorrentes A e esposa fizeram-no para que o Banco A., em execução, não pudesse com o usufruto em causa obter pagamento dos créditos mencionados em F a M) resp.<br> - A quantia aludida na alínea O) esp. - que o recorrente A tem no valor de 90 mil contos, como sócio de sociedade, sendo os restantes 10 mil contos pertencentes ao outro sócio - vale a quantia de 90 mil contos.<br> - Os prédios descritos em P) e Q) esp. - inscritos a favor dos recorrentes A e esposa - têm um valor superior a 50 mil escudos.<br> 5- Análise da conclusão dos recorrentes - quinta - no sentido de o Acórdão da Relação se haver recusado a apreciar a conclusão sétima das alegações de recurso por ele interposto, alegando tratar-se matéria nova.<br> Efectivamente na aludida conclusão sétima - página 207- os apelantes separadamente afirmaram.<br> "Finalmente, nunca a impugnação poderia ser atendida em relação à totalidade dos créditos de A., visto que a renunciante mulher só era responsável, conjuntamente com o renunciante marido por dois dos créditos reclamados pelo A. pelo que só relativamente àqueles créditos poderia a acção proceder".<br> O Réu recorrido na sua contra-alegação, folhas<br> 206/verso, alínea i).<br> "Quanto à matéria da conclusão 7 dos apelantes, a norma versa sobre matéria nova, que não foi alegada e discutida na 1 instância, pelo que não pode dela curar este título da segunda instância".<br> E outro acórdão recorrido aderiu de pleno a este tribunal folha 219 verso:<br> "A questão nela (7) é nova. De facto, os recorrentes nem sequer ao de leve ventilaram esse problema quando podiam fazê-lo, com utilidade".<br> Não decidiu concretamente.<br> Mas o acórdão recorrido não deixou de sobre ela se pronunciar e tal é que seria motivo de nulidade - artigo 668 n. 1 alínea d), ex vi artigo 716, n. 1, ambos do Código de Processo Civil.<br> Conheceu a questão, apelidando-a de nova.<br> Só que os recorrentes no artigo 7 da sua contestação afirmaram".<br> "Apenas o Réu A ficou obrigado perante o A. no que respeita aos factos alegados os artigos 14, 15, 16,<br> 17, 18, 21 e 22 da douta petição inicial tal não sucedendo com a Ré B".<br> E naqueles artigos da petição inicial o A. indicou as parcelas do seu crédito, que no seu entender eram dívidas de ambos os recorrentes - artigo 11 petição inicial e 23, onde indicaram a sua soma - 40344126 escudos e 90 centavos.<br> É igualmente aceite que a sentença da primeira instância nas suas considerações jurídicas - n. 7, página 183/verso.<br> "Logrou o A. demonstrar que os primeiros recorrentes são devedores solidários da importância total de<br> 14295232 escudos e 50 centavos e que o R. A contraiu perante ele, antes da renúncia do usufruto, divídas no valor de 26048894 escudos e 40 centavos".<br> O que está matematicamente certo.<br> Mas não se recorre (dos fundamentos) dos fundamentos mas só da decisão - onde se julgou a acção procedente e provada - Professor Alberto dos Reis Anotado V 952, página 306 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de<br> 16 de Dezembro de 1987, página 372 página 385.<br> O douto acórdão recorrido, mantendo a decisão de primeira instância, recebeu igualmente como decisiva, para pôr ponto final à pretensão dos apelantes, a resposta afirmativa ao ponto 1: "os créditos referidos em F a M) da resposta do A. sobre os recorrentes<br> A e esposa constituíram-se ...".<br> E a alínea F a M da especificação receberam todos os créditos alegados pelo autor que somam 40344126 escudos e 90 centavos, sem juros.<br> Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões das alegações dos recorrentes.<br> 6- Nesta acção de impugnação pauliana tratou-se de renúncia a um usufruto.<br> Como meios conservatórios de garantia patrimonial, círculo de providência que Paccioni chamava "controle gestócio dos credores sobre o património dos devedores", o novo código oferece quatro: declarações de nulidade, sub-rogação do credor ao devedor, impugnação pauliana e arestos.<br> As regras de carácter prático que levaram o legislador a proteger o credor situam-se num plano pré-jurídico.<br> Tradicionalmente foi-nos ensinado - Professor Paulo<br> Cunha - que a designação de acção era de acção pauliana.<br> O nosso actual Código Civil chamou-lhe imputação pauliana.<br> E bem.<br> Uma vez que ela pode actuar, não só sob a forma de acção, como de excepção.<br> Hoje dúvidas não há quanto à natureza jurídica desta acção, ou seja, na determinação do seu regime, visando os efeitos jurídicos dela emergentes.<br> Mas dada a evolução dos sentidos, que ela tem recebido nos diversos ordenamentos jurídicos, não só ela foi amplamente discutida como infelizmente dessa discussão repercutem-se, hoje supostos esquícios, mormente no que se refere à formulação do pedido como mais tarde veremos.<br> Assim as teorias tem-se digladiado entre: acção de nulidade ou de anulação; acção constitutiva, restitutória ou recuperatória; ou acção dessarcitória - ver, para tanto, Professor Varela - Fundamento da acção pauliana, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano<br> 91, páginas 351 a 353; 366 a 370 e 379 a 383.<br> É, contudo, importante frisar que estes artigos foram escritos, estando em vigor o anterior Código Civil.<br> Uma teoria jurídica não é um simples expediente técnico para a realização de um objectivo, mas exposição que dá relevância a um conteúdo de justiça material, decisiva para apontar solução de casos concretos.<br> No artigo 1044 do Código Civil de 1966 estipulava-se:<br> "Rescindido o acto ou contrato, revertem os valores alienados ao círculo dos bens do devedor, em beneficio dos seus credores".<br> Orientação totalmente diferente seguiu o Professor Vaz<br> Serra - artigo 15 n. 2 do seu projecto:<br> "Os bens não têm que sair do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los ou praticar os actos de conservação outorgado pela lei aos credores".<br> Orientação que foi seguida pelo artigo 2901 CC Italiano<br> "o credor...pode pedir que sejam declarados ineficazes...".<br> E naturalmente artigo 2902 "O credor, obteve a declaração de ineficácia, para promover, em face dos terceiros adquirentes, as acções creditivas ou conservatórias".<br> Daí o novo artigo 616 n. 1 onde os Professores Pires de<br> Lima e Antunes Varela, em sua anotação ensinam:<br> "Sacrificando-se o acto como na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tal quando excede a medida daquele interesse".<br> É o que sempre ensinou o Professor Paulo Cunha: o acto sujeito à acção pauliana não tem nenhum vício genético.<br> Trata-se, pois de uma acção declarativa desviante de dois princípios basilares do direito das obrigações: o da autonomia privada e o de responsabilidade patrimonial.<br> Ela<br> "destrói a barreira que interpunha entre o direito de execução dos credores e os bens alienados pelo devedor; levanta o véu que, por força do artigo 821 do Código de<br> Processo Civil, ocultava esses bens à execução; proclama, numa palavra, a ineficácia de alienação perante os credores..." - Professor Varela, Rev. citado, página 381.<br> 7- A renúncia objecto de impugnação deve incidir sobre valores patrimoniais que saiam do património do doador.<br> A que se traduz em simples inovações projectadas em impedir que os direitos entrem na esfera jurídica de alguém, possibilita a sub-rogação do credor ao devedor.<br> "A ideia central é a de que o procedimento sub-rogatório tem a função de impedir o prejuízo resultante da inactividade do devedor, ao passo que a impugnação pauliana a dirige contra actos com que se diminui o património do devedor em prejuízo do credor"<br> - Professor A. Costa, Obra, Página 601, em nota.<br> Da leitura dos artigos 610 a 612 do Código Civil, resulta que são requisitos de impugnação pauliana, relativamente ao caso em análise:<br> 1- Um acto que não seja de natureza pessoal, ou seja, acto que embora patrimonial esteja ligado fortemente, à pessoa do devedor.<br> A renúncia ao usufruto, como vimos, pode ser impugnável.<br> 2- Provocar ao credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.<br> Na acção sub-rogatória exige-se que "seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor - artigo<br> 606 n. 2.<br> Aqui vai mais longe a impossibilidade de impugnação pauliana concilia-se com a ideia de agravamento do estado de insolvência ou a insolvência.<br> Deve conciliar-se por não ter sido intenção do legislador a consagração da pena e simples requisito de insolvência.<br> O credor tem de alegar e provar o montante do previsto<br> - alínea b) artigo 610 e o devedor que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor - artigo 611 - esgotando-se aqui, em certa medida as regras gerais sobre o onús de prova - Professor Pires<br> Lima e Antunes Varela em anotação ao artigo 611 - o que não fez - resposta negativa folhas 3 e 4.<br> 3- Gratuito<br> São sempre impugnáveis, desde que projectem o eventum damai.<br> Não se exige a má fé, ou seja, a consciência do prejuízo, a consciência de que o acto de alienação prejudique o credor e isto em princípio.<br> Tal só é imposto para o acto oneroso e aí sim o acto que vai na previsão pauliana é um acto finalisticamente destinado a prejudicar o credor - Professor M.<br> Cordeiro, Obra Citada II, página 491.<br> Desta forma a resposta negativa ao quesito 2 em nada vem ajustar a posição do Acórdão recorrido.<br> 4- Anterioridade do crédito - única hipótese exigida<br> Código Civil de 67 artigo 1033.<br> Vimos que para o acto oneroso, a impugnação pauliana procede sempre que se surpreende a má-fé, sendo, para tanto, indiferente que ele seja anterior ou posterior ao crédito.<br> Daí que o campo de aplicação do n. 1 do citado artigo<br> 612 refere-se só ao acto gratuito, o que leva a concluir que se o acto a impugnar for anterior (for anterior) ao crédito pelo artigo 610 alínea a) ele só procede quando tenha sido dolosamente praticado para prejudicar o credor pelo que a acção procederá sempre, independentemente de boa ou má fé, quando o acto gratuito seja posterior ao crédito prejudicial.<br> E, como vimos, esta última é a nossa hipótese.<br> As diferenças do regime aí concretamente observadas pelo Professor Pires de Lima e Antunes Varela na anotação ao artigo 612.<br> A resposta negativa ao quesito 2 continua irrelevante.<br> 8- A existência dos requisitos de impugnação pauliana é alicerçada em factos.<br> Mas a valoração deste em ordem a permitir concluir pela procedência ou não da acção, é questão de direito, sujeita à sindicância deste Supremo.<br> Nas alíneas f) a m) da especificação inseriram-se créditos do autor sobre o recorrente marido, no montante de 26048894 escudos e 40 centavos.<br> E sobre o casal Réu, o montante de 14295232 escudos e<br> 50 centavos.<br> Todos eles foram constituídos em data anterior à da escritura da renúncia do usufruto - resposta ao quesito<br> 1.<br> Estão, pois, em jogo dívidas do cônjuge.<br> "É essencial saber qual o regime de bens, peticionados nos patrimónios daí resultantes, qual a natureza das dividas a demais circunstâncias" - Lapidarmente afirmadas pelo Professor M. Cordeiro em Parecer, C.J.<br> XVII, 1992, Tomo III, Página 60.<br> Só que o A. nada disto disse, o que se lhe impunha.<br> Nada nos autos permite concluir a comunicabilidade das dívidas ou a responsabilidade, por elas, de bens comuns.<br> Desta forma as dívidas anteriores ao acto impugnado do<br> R. marido não são, com os elementos ligados ao processo pelo A. oponíveis à Ré, sua esposa.<br> Por outro lado, como vimos, só se provou que os doadores recorrentes possuam bens penhoráveis de valor superior aos montantes em dívida.<br> 9- Termos em que, dando em parte provimento ao recurso, aí se revoga o douto acórdão recorrido julga a acção procedente, em parte, (relativamente ao que não foi concedido no saneador) e, em consequência, declarar ineficaz, em relação ao Banco Nacional Ultramarino o acto de renúncia ao direito de usufruto, que poderá executa-lo no património da Ré C e D nos termos do artigo 616 n. 1 do Código Civil, relativamente ao crédito total de 14295232 escudos e 50 centavos devido pelos R.R. A e esposa e de 26048894 escudos e 40 centavos, só devido pelo Réu<br> A, para além dos juros vincendos.<br> Custas por A. e R.R., na proporção dos vencidos.<br> Lisboa, 3 de Outubro de 1994.<br> Torres Paulo.<br> Cura Mariano.<br> Martins da Fonseca.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font> AA intentou na 1ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, acção com processo ordinário, contra “BB – Indústria de Revestimentos Cerâmicos, S.A.” pedindo a sua condenação a pagar-lhe, a título de indemnização de clientela, a quantia de 29.066,30 euros, acrescida de juros desde a citação e ainda a quantia a liquidar em execução de sentença referente às comissões das vendas efectuadas pela Ré, durante a vigência do contrato de agência, a clientes angariados pelo Autor e sem o seu conhecimento.</font> <p><font> Na 1ª Instância acção foi julgada improcedente, decisão que, em recurso interposto pelo Autor, a Relação de Lisboa confirmou.</font> </p><p><font>Pede, agora revista assim concluído a sua alegação:</font> </p><p><font>- art. 33º nº 1 do DL no 178/86, de 3.07, na redacção actual, enumera três requisitos para que o agente, após a cessação do contrato de agência, tenha direito a uma indemnização de clientela. </font> </p><p><font>- Deles, dois são positivos: que o agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente e que a outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente; </font> </p><p><font>- o terceiro, é negativo: que o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes agenciados. </font> </p><p><font>- Não se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento dos dois primeiros; suscita-se, sim, quanto ao terceiro, por ter sido entendimento das instâncias tratar-se de facto constitutivo e não impeditivo do direito à indemnização de clientela de que o A. se arroga. </font> </p><p><font>- Não se terá tratado porém de entendimento acertado, pois que, na verdade, a alegação e prova de que algo fora pago a esse título ao A.-recorrente competiria à R.-recorrida, pois que o pagamento constitui uma excepção peremptória (Cód. Proc. Civil, art. 493º nº 3), «não sendo por isso ao A. que. compete provar a falta de pagamento, mas ao R. que compete provar » (cfr. Ac, STJ de 1982.07.27, in A.D. 254-253) – in casu, ao principal , a aqui R.</font> </p><p><font>- Os principais factores que estão subjacentes ao direito à Indemnização de clientela são a atracção de clientela por parte do agente e o efectivo acesso do principal, no futuro, à clientela angariada pelo agente – que no caso se verificam –, sendo esse direito um afloramento do princípio do enriquecimento sem causa por parte do principal (CC. art. 473º) à custa do correlativo empobrecimento do agente.</font> </p><p><font>- O pagamento de uma retribuição ou compensação, por parte do principal ao agente, após a cessação do contrato, é uma circunstância que obsta a que este tenha direito à indemnização de clientela – posto que a intenção da lei é «evitar acumulações» de compensações. </font> </p><p><font>- Trata-se, por isso, de facto impeditivo do direito daquele à compensação, que não constitutivo desse direito (Cód. Civil, art.s 342º n.ºs 1 e 2):</font> </p><p><font>- Assim o tem entendido, e bem, este Supremo Tribunal, mormente no seu Acórdão de 1995.11.22:</font> </p><p><font>«Se o principal lhe pagou algo, pelos negócios que posteriormente à cessação tiveram lugar com clientes agenciados pelo agente, o direito à indemnização não existe. Logo, trata-se de facto impeditivo»).</font> </p><p><font>- Assim como no de 2004.05,13).</font> </p><p><font>- Em idêntico sentido, de não incumbir ao agente a prova do «não recebimento de qualquer quantia após a cessação do contrato, mas sim ao principal ter pago algo àquele, pronunciaram-se outras decisões dos nossos Tribunais Superiores; cfr., entre outros, o Ac. deste Supremo de 1999.11.09., in BMJ 491-293; Ac. Rel. Coimbra de 1993.12.14, In CJ, XVIII, T. V-46, Ac. Rel. Porto de 2004,04.15, JusNet 2028/2004.</font> </p><p><font>- Por outro lado, encontrando-nos (como efectivamente nos encontramos) perante uma situação de responsabilidade contratual, a culpa do devedor presume-se (Cód. Civil, art. 799° nº 1), pelo que igualmente por essa via se conclui que era à R. a quem competia, ilidindo a presunção, provar que teria pago fosse o que fosse ao A. após a cessação da relação contratual de agência, como facto Impeditivo do direito do dele à indemnização de clientela.</font> </p><p><font>- Em síntese: o requisito do «não recebimento», pelo agente, constitui facto impeditivo do direito do A.-recorrente, competindo pois à R.-recorrida a prova de que efectivamente após a cessação do contrato lhe pagou algo a titulo de retribuição pelo que vendera aos clientes que ele agenciara. </font> </p><p><font>- Por outras palavras, deverá em consequência entender-se que o não se encontrar demonstrado nos autos que, extinto o Contrato, o recorrente continuou a auferir rendimentos por parte da recorrida, tal implica ter-se por verificado o requisito da al. c) do art. 34º do preceito. </font> </p><p><font>- Encontram-se violados no Acórdão recorrido os normativos citados nas precedentes 1ª, 5ª, 6ª, 8ª, 11ª e 13ª conclusões, pelo que deverá o mesmo ser revogado, e decretada a procedência da acção, nos termos em que vem peticionada.</font><br> <br> <font>Contra-alegou a recorrida em defesa do julgado.</font><br> <br> <font> As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto</font><b><font>:</font></b> </p><p><font>1° Por contrato reduzido a documento escrito, celebrado em 1 de Janeiro de 1986,a ré nomeou o autor seu agente para os territórios da Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia, conforme consta do documento junto de fls. 46 a 49 e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido (alínea A) da matéria assente);</font><br> <font>2° O autor ficou incumbido de promover, nos referidos territórios, as vendas da tijoleira cerâmica de revestimentos de chão fabricado pela ré (alínea B) da matéria assente);</font><br> <font>3° Ficou estipulado que o autor teria direito à comissão de 6% do montante das facturas das vendas que promovesse, ficando, igualmente, consignado que, se as vendas anuais ultrapassassem 12 contentores (14.400m2), a comissão seria acrescida de um bónus de 1,5% sobre a facturação anual; esse bónus passaria a ser de 3% sé as vendas anuais excedessem 25 contentores (alínea C) da matéria assente);</font><br> <font>4° Por carta datada de 28 de Abril de 1998 recebida pelo autor em 15 de Maio de 1998, a ré transmitiu-lhe a sua intenção de não renovar o contrato de agência a partir do fim desse ano (alínea D) da matéria assente);</font><br> <font> 5º O autor enviou à ré a carta que consta de fls. 51 e 52 por esta recebida e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea E) da matéria assente);</font><br> <font>6° Ao longo de 18 anos de exercício da sua actividade, o autor angariou novos clientes para a ré nos territórios que lhe estavam destinados (resposta ao quesito 1º);</font><br> <font>7° As vendas aos clientes agenciados pelo autor rondam uma média superior a 80.000 contos/ano e nos anos de 1999, 2000, 2001 e 2002 os clientes J.. O.. &amp; Co, V…, F…, G… S… A/S, M… B… O…, CC H…, K… e S… K… A/B continuaram a comprar à ré os seus produtos (respostas aos quesito 2º e 3º). </font><br> <font>8° No ano de 1997, a ré enviou dois agentes de venda seus com o objectivo de inspeccionarem a zona e de apresentarem relatórios sobre o que estava a passar-se (resposta ao quesito 6º);</font><br> <font>9º Na Finlândia o autor apenas angariou um cliente (resposta ao quesito 13º);</font><br> <font>10º No ano de 1997 a ré despendeu a quantia de Euros: 1.639,26 com deslocações de R…C… a A.. T… à Finlândia e à Suécia e no ano de 1998 a ré despendeu a quantia de Euros: 6.094,11 com deslocações de R… de V.. à Dinamarca, Suécia, Noruega e Finlândia (resposta ao quesito 15º);</font><br> <font>11º No ano de 1999 os clientes B… K/S, B… I…, Z.., C.C. V…, A… &amp; W…, G… S… A/S, K… F… A/S, N…, E… B… A.., G…, O… e P… não compraram produtos à ré (resposta ao quesito 16º);</font><br> <font> 12° Os clientes agenciados pelo autor pretendiam na sua quase totalidade ser importadores exclusivos dos materiais da ré, e não só tal proporcionava ao autor um meio de pressão para que estes aumentassem as suas compras a esta última, como a ré sempre aceitou, ao longo de dezoito anos de vigência do contrato, que tal situação se mantivesse (resposta ao quesito 18º); </font><br> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo,</font><br> <font>1- Contrato de agência.</font><br> <font>2- Ónus da prova.</font><br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <br> <font>1- Contrato de agência</font><br> <font>1.1. É incontroverso – e, apesar do princípio “jura novit curia”, as partes tal não questionam – estarmos perante um contrato de agência que, ponderando a data da sua celebração (1 de Janeiro de 1986) é regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho (depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, que se limitou a transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 86/653/CEE, do Conselho, de 18 de Dezembro de 1986, relativo à coordenação do direito aos Estados membros sobre os agentes comerciais).</font> </p><p><font>De todo o modo, e de acordo com o artigo 2.º deste diploma, as alterações passaram a ser aplicadas, desde 1 de Janeiro de 1994, aos contratos de pretérito.</font> </p><p><font>A agência – “nomen juris” da representação comercial – é “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado circulo de clientes” (n.º 1 do artigo 1.º do diploma citado.”).</font> </p><p><font>São, pois, elementos essenciais a obrigação que o agente tem de, por conta de outrem, promover a celebração de contratos, promoção que, ao contrário do mandato não implica a ulterior outorga, já que, sem mais, o contrato de agência não envolve a prática de actos jurídicos (cf., o artigo 1157.º do Código Civil), ressalvada a situação do artigo 2.º (agente com representação).</font> </p><p><font>O poder ser delimitada uma zona geográfica ou a actuação ser feita só perante determinado círculo de clientes é um dos outros elementos do contrato, sendo que o agente actua com autonomia (portanto sem vínculo laboral estrito, limitando-se a acatar orientações do empresário, ou principal, submetendo-se, outrossim, às linhas base da orientação económica deste.</font> </p><p><font>E muito embora não se perfile uma relação de trabalho, certo é que a que liga o agente à empresa é estável, que não ocasional, como, e.g., no contrato de mediação.</font> </p><p><font>Finalmente, trata-se de contrato oneroso, como claramente resulta, dos artigos 1.º, n.º 1 e 15.º a 18.º do citado Decreto-Lei n.º 178/86 (cf. por todos, o Prof. António Pinto Monteiro, in “Contrato de Agência”, 6.ª ed.; Dr. Carlos Lacerda Barata, “Sobre o Contrato de Agência”, 1991).</font> </p><p><font>Para além da comissão, o agente tem direito, após a cessação do contrato (e sem prejuízo de qualquer outra) a uma indemnização de clientela, de acordo com o artigo 33.º do citado Decreto-Lei.</font><br> <font>1.2. Trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato, excepto se o mesmo tiver terminado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte, houver cedido a terceiro a sua posição contratual, outrossim se extinguindo tal direito se o agente, ou seus herdeiros no caso de morte, não comunicarem, no prazo de um ano a contar da cessação do contrato, que pretendem recebê-la.</font> </p><p><font> É o dano de clientela devido pelo aumento, ou fidelização de novos clientes angariados pelo agente (cf., a propósito deste dano, o Prof. Pinto Monteiro – “Contratos de Distribuição Comercial”, 149-168; Dr.ª Elsa Vaz de Sequeira, in “Contrato de Franquia e Indemnização de Clientela”, apud “Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida e Costa, 2002, 480; Dr.ª Carolina Cunha, “A indemnização de Clientela do Agente Comercial”, 2003; Prof. Luís Menezes Leitão, “A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência”, 2006, e, “inter alia”., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2007 – 06 A4416 – desta Conferência – embora reportando-se ao contrato de franquia – e de 16 de Junho de 2009 – 128/09. 1YFLSB).</font> </p><p><font>A indemnização de clientela destina-se, assim, tal como se diz no relatório preambular do Decreto-Lei n.º 178/86 a “compensar o agente dos proveitos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele.”</font> </p><p><font>Mas o direito à indemnização por aquele dano implica a verificação cumulativa dos seguintes requisitos do n.º 1 do citado artigo 33.º : o ter, o agente, angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente (a); a outra parte beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente (b); ter o agente deixado de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos nas alíneas a) e c).</font> </p><p><font>1.3. Da matéria de facto acima elencada (cf. factos 6, 7 e 9) resulta estar demonstrado o requisito da alínea a) – angariação de novos clientes.</font> </p><p><font>E resultou assente o requisito da alínea b) – que a Ré beneficiou “consideravelmente após a cessação do contrato” da actividade do Autor, como ressalta do facto 7.º (resposta aos quesitos 2.º e 3.º).</font> </p><p><font>Ademais, e como nota o Prof. Pinto Monteiro (primeira ob. cit. 139), “quanto aos benefícios a auferir pelo principal (alínea b)) não se mostra necessário que eles já tenham decorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma ‘chance’ para o principal.”</font> </p><p><font>Também a Dr.ª Carolina Cunha (ob. cit. 158) refere a demonstração de “verosimilhança”, que se traduz numa projecção para o futuro encontrada no cotejo com os resultados já conhecidos. (cf., ainda, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2007 – 07B1958 e de 4 de Junho de 2009 – 08B0984).</font> </p><p><font>Finalmente, e tal como consideraram as instâncias não resultou provado o requisito da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 33.º, sendo que o Autor não alegou, nem demonstrou, factos a tal conducentes.</font> </p><p><font>Mas cumprir-lhe-ia fazê-lo, ao contrário do que afirma?</font> </p><p><font>Vejamos,</font> </p><p><font>2- Ónus da prova</font> </p><p><font>A regra geral do “ónus probandi” constante do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil impõe àquele que invoca um direito fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.</font> </p><p><font>Já o encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º2).</font> </p><p><font>Rosemberg (citado pelo Prof. Manuel de Andrade – BMJ 99) assim ponderou:</font> </p><p><font>“… o juiz não pode aplicar uma norma jurídica, se não se fizer a prova dos requisitos constitutivos da hipótese de facto (tatbestand) pressuposta por essa norma para sua aplicação; e, portanto, o ónus da alegação e da prova pertence à parte a cujo direito, para se efectivar, deve aplicar-se a norma, donde deriva que cada umas das partes tem esse encargo relativamente aos factos de que depende a aplicação das normas que lhe são favoráveis (por conseguinte, se a lei contém uma regra e uma excepção, a parte, cujo direito se apoia na regra, deve provar os factos integradores da hipótese nela prevista, e não já os integradores da hipótese prevista na excepção).”</font> </p><p><font>Já na defesa por excepção o demandado não se limita a negar os factos em que o autor baseia o seu direito mas deduz outros factos por força das quais tal direito é impedido, extinto ou modificado.</font> </p><p><font>Vale, de qualquer modo, o principio “actori incumbit probatio; reus in excipiendo fit actor”.</font> </p><p><font>“In casu” – e não se tratando de acção de simples apreciação negativa (artigo 343.º do Código Civil) – estamos perante um direito (indemnização de clientela) para a existência do qual são necessário três requisitos cumulativos.</font> </p><p><font>Ou seja, o direito só se constitui se perfiladas essas situações de facto, sendo que a que ora releva é demonstração do não recebimento pelo agente de qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, com os clientes por si angariados, após a cessação do contrato.</font> </p><p><font>Cumpria pois ao agente alegar e provar esse requisito.</font> </p><p><font>Também nesta orientação julgaram os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Março de 2006 – 06 A027 – relatado pelo agora 2.º adjunto – (“… assim sendo ocorre que a Autora nem sequer alegou os factos integradores do requisito, tal como definido e entendido.”) e, implicitamente, o já citado de 4 de Junho de 2009 – 08B0984.</font> </p><p><font>Finalmente, e ao contrário do que pretende o recorrente não se trata de provar o “pagamento” como facto extintivo de obrigação mas sim de demonstrar o “não recebimento” como facto constitutivo do direito à indemnização pelo dano de clientela.</font> </p><p><font>Ademais, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1999 – 99 A760 - que cita, a situação é perfeitamente inversa à destes autos pois aí quem intentou a acção foi o principal sendo demandado o agente, só buscando este a indemnização em pedido cruzado (reconvenção) por isso lhe cumprindo, nessa parte, provar os requisitos do direito que se arrogou.</font> </p><p><font>Improcedem, assim, os argumentos do recorrente.</font> </p><p><font>3- Conclusões</font> </p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br> <font>a) A indemnização de clientela destina-se a compensar o agente pelos lucros, ou benefícios, que o principal continua a auferir, após a cessação do contrato, com a clientela por aquele angariada.</font><br> <font>b) Só é devida se verificados cumulativamente os requisitos do n.º 1 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93 de 13 de Abril).</font><br> <font>c) Tais requisitos – designadamente o da alínea c) do n.º 1 do artigo 33.º daquele diploma – são constitutivos do direito à indemnização de clientela, devendo o agente, que quer ser ressarcido daquele dano contratual, alegar e provar os factos que os integram, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.</font><br> </p><p><font>Pelo exposto, acordam negar a revista.</font> </p><p><font>Custas pelo recorrente.</font> </p><p><font>Lisboa, 20 de Outubro de 2009</font> </p><p><font>Sebastião Povoas (Relator)</font> </p><p><font>Moreira Alves</font> </p></font><p><font><font>Alves Velho</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>I - </font><br> <br> <font>"AA" e mulher, BB intentaram, no Tribunal Judicial de Valença, acção ordinária contra CC e mulher, DD, pedindo a sua condenação a:</font><br> <font>a) Absterem-se de utilizar o espaço comum que dá acesso ao Bloco D para colocar um caixote do lixo; </font><br> <font>b) Utilizar apenas a área de 9,75 m2, de espaço comuns em frente da sua fracção, para exposição dos seus artigos, tal como descrito nos doc. nº 7 e 7 A;</font><br> <font>c) Não utilizar o espaço comum que dá acesso ao Bloco D para exposição de artigos; </font><br> <font>d) Retirarem as ombreiras e padieiras que colocaram; </font><br> <font>e) Taparem, a suas expensas, a porta que abriram para o exterior e a retirar o degrau que aí colocaram; </font><br> <font>f) Reporem a montra da fachada na sua configuração original. </font><br> <br> <font>Em suma, alegaram que: </font><br> <font>- São donos, tal como os RR., de fracções autónomas do prédio denominado Centro Comercial ..., onde têm instalados estabelecimentos comerciais; </font><br> <font>- Nesse Centro Comercial os lojistas têm por hábito expor os seus produtos fora dos seus estabelecimentos comerciais em corredores de uso ou passagem comuns; - A Assembleia de Condóminos deliberou regras sobre o uso desses espaços comuns para exposição. </font><br> <font>- Os RR. vêm utilizando um corredor de acesso à porta do bloco "D" para colocar um caixote do lixo, fazem exposição dos seus artigos numa área muito superior à que teriam direito de acordo com o deliberado, ocupam, contra o deliberado, o espaço comum que dá acesso ao Bloco D, impedindo deste modo o livre acesso a esse bloco, colocaram no exterior do prédio, na fachada, ombreiras e padieiras, sem qualquer autorização ou comunicação prévia ou posterior ao condomínio, alterando substancialmente a fachada principal do prédio, abriram uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, alterando, assim, todo o aspecto exterior do prédio, colocaram ainda um degrau ocupando parte de passeio destinado a peões para melhor permitir o acesso à nova porta, alteraram de forma substancial a fachada do prédio, alteraram a montra de forma a colocarem uma só superfície vidrada, alterando desta forma a fachada do prédio dado que todas as outras lojas mantêm a fachada original.</font><br> <br> <font>Os RR. contestaram, pugnando pela improcedência da acção e fizeram-no, por um lado, por via excepcional, arguindo litispendência e invocando o abuso de direito, e, por outro, por defesa directa, acabando por pedir a condenação dos AA. como litigantes de má fé.</font><br> <br> <font>No saneador foi relegado para final o conhecimento das arguidas excepções. Seleccionaram-se os factos tidos por assentes e elaborou-se a base instrutória.</font><br> <font>Após julgamento foi proferida sentença pelo Mº juiz de Círculo de Viana a julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, foram os RR. condenados a abster-se de utilizar o espaço comum que dá acesso ao Bloco D do prédio, constituído em propriedade horizontal denominado Centro Comercial ..., sito na Rua ..., Valença, para colocar um caixote do lixo.</font><br> <br> <font>Os AA. não se conformaram com esta decisão e apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães no sentido de obterem êxito pleno na acção, mas o julgado pela 1ª instância foi inteiramente confirmado.</font><br> <br> <font>Novamente irresignados, eis que pedem revista do acórdão proferido por aquele Tribunal, tendo, para o efeito, fechado a respectiva minuta com as seguintes conclusões:</font><br> <font>- O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 1422º e 1425º, ambos do C. Civil. </font><br> <font>- O acórdão recorrido considerou que "....não está claramente demonstrada a ilicitude daquela obra atinente à colocação de ombreiras e padieiras em partes comuns do prédio, ou seja, que esta construção exorbitou da vontade da assembleia de condóminos ou administrador, a quem compete afinal proceder às inovações a introduzir nas partes comuns". Fundamentando (apenas) desta forma a improcedência do pedido dos AA. para que os RR retirassem as ombreiras e padieiras que colocaram. </font><br> <font>- Considerou, ainda, que:</font> <p><font>"Estas considerações valem mutatis mutandis quanto à porta que existe na loja/fracção dos réus e relativamente à alteração da montra da sua loja existente na fachada do prédio." </font> </p><p><font>- Ao julgar como julgou, e com o devido respeito que é muito, o acórdão faz uma errada interpretação dos arts. 1422º e 1425º, ambos do C. Civil.</font> </p><p><font>- Uma vez que ficou provado que os RR. colocaram ombreiras e padieiras em partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, resulta claro, manifesto e inequívoco que este facto representa uma inovação efectuada nas partes comuns do mesmo.</font> </p><p><font>- Ora, nos termos da lei as inovações carecem de aprovação da maioria de dois terços dos condóminos, não se tendo provado nos presentes autos (nem tão-pouco tendo sido alegado) que tenha existido essa indispensável aprovação.</font> </p><p><font>- A ilação fortuita de que a ilicitude da conduta dos RR não está demonstrada, devido à deliberação emanada da assembleia de condóminos em que autoriza os condóminos a dividir, é errada:</font> </p><p><font>- Em primeiro lugar porque dividir um espaço comum para expor mercadorias é substancialmente diferente do que colocar ombreiras e padieiras.</font> </p><p><font>- Em segundo lugar porque essas ombreiras e padieiras foram colocadas nas paredes exteriores e numa coluna.</font> </p><p><font>- Os arts. 1422º e 1425º, ambos do C. Civil são claros em proibir obras nas partes comuns do de edifícios constituídos em propriedade horizontal.</font> </p><p><font>- A porta existente na loja/fracção dos RR. é, também ela, uma inovação nas partes comuns do prédio - inovação substancial - dependendo da autorização de dois terços dos condóminos.</font> </p><p><font>- Acontece que não se provou - nem sequer tendo sido alegado - que tenha havido a necessária aprovação da assembleia relativamente à abertura da porta, em clara violação do disposto no nº 2 do art. 1425° do C. Civil.</font> </p><p><font>- Mais uma vez a ilação fortuita de que a ilicitude da conduta dos RR. não está demonstrada, devido à não deliberação emanada da assembleia de condóminos em que autoriza os condóminos a dividir, é errada.</font> </p><p><font>- Uma deliberação para regular o uso de espaços comuns é substancialmente diferente de uma hipotética autorização para abrir uma porta numa das fachadas do prédio.</font> </p><p><font>- Além do mais a porta não está prevista no projecto camarário de construção do edifício.</font> </p><p><font>- Existindo, portanto, em face da lei, a obrigação dos RR. taparem a porta e reporem a fachada no seu primitivo estado, aliás, trata-se de uma obrigação real - propter rem - que, segundo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, deve ser cumprida pelo proprietário da fracção autónoma a cujo serviço essa porta está afectada.</font> </p><p><font>- Ora, provado que está que a porta se situa na fracção dos RR., óbvio e inquestionável se torna que só estes beneficiam de tal inovação.</font> </p><p><font>- Os RR., como resultou provado, alteraram a montra da sua loja existente na fachada do prédio em questão, sendo que as restantes lojas (sem excepção) mantêm as montras no seu estado original.</font> </p><p><font>- Essa alteração constitui, também ela, uma inovação nas partes comuns do prédio - inovação substancial - dependendo, por isso, da autorização de dois terços dos condóminos. Acontece que, mais uma vez, não se tendo provado - nem sequer foi alegado - que tenha havido essa indispensável aprovação da assembleia relativamente à abertura da porta, com o que, igualmente, foi violado o disposto no nº 2 do art. 1425° e ainda no art. 1422°, nº 2, al. a) e nº 3, ambos do C. Civil.</font> </p><p><font>- Provado que está que é a única montra que está diferente e que com essa alteração a fachada do prédio foi alterada, resulta óbvio que essa modificação viola o estatuído nos arts. 1422° nº 2, al. a) e nº 3 e 1425º, ambos do C. Civil. Esta alteração não representa uma minudência edificativa, antes pelo contrário.</font> </p><p><font>- O acórdão recorrido faz errada aplicação das disposições acima citadas e da deliberação da assembleia do condomínio.</font> </p><p><font>- Sendo que a lei não faz distinção entre minudências edificativas e outras.</font> </p><p><font>- Por um lado a deliberação da assembleia de condóminos que autoriza os condóminos a utilizarem o espaço comum para exporem os seus artigos não pode ser "interpretada" como uma "autorização" para os RR. colocarem ombreiras e padieiras, abrirem uma porta e alterarem as montra e consequentemente a fachada do prédio.</font> </p><p><font>- Por outro lado os artigos acima citados existem para que os prédios não se transformem em edificações desfiguradas e sem linha arquitectónica.</font> </p><p><font>- Segundo o entendimento perfilhado no acórdão, os condóminos podem:</font> </p><p><font>- Alterar as montras a seu "gosto" colocando dois, quatro, cinco, seis ou até vinte e quatro vidros, ficando a fachada do prédio transformada numa amálgama de montras todas diferente.</font> </p><p><font>- Abrir portas que entenderem na fachada do edifício, violando inclusive o projecto camarário do edifício.</font> </p><p><font>- Colocar na fachada do prédio ou em colunas que constituem partes comuns as ombreiras e padieiras que quiserem.</font> </p><p><font>- Ora seguramente não foi este o alcance da vontade da deliberação da assembleia de condóminos (ao contrário do que considerou o acórdão) que apenas e muito especificamente decidiu que os espaços comuns deveriam ser divididos entre os condóminos proprietários de lojas comerciais. </font> </p><p><font>- E não é seguramente este o entendimento perfilhado nos arts. 1442º e 1425º do C. Civil. </font> </p></font><p><font><font>- Face aos factos dados como provados o acórdão errou na interpretação e na aplicação dos arts. 1422º e 1425º do C. Civil.</font><br> <br> <font>Os recorridos não contra-alegaram.</font><br> <br> <font>II - </font><br> <br> <font>As instâncias deram como assente o seguinte quadro factual:</font><br> <br> <font>1- Os AA. são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra "AB", destinada a comércio, do prédio constituído em propriedade horizontal denominado Centro Comercial ..., sito na Rua ..., Valença. </font><br> <font>2- Por sua vez os RR. são proprietários da fracção designada pela letra "AA", destinada a comércio, do mesmo prédio acima identificado. </font><br> <font>3- Nas respectivas fracções, quer os RR. quer os AA. têm instalados estabelecimentos comerciais, que se encontram inseridos no Centro Comercial ....</font><br> <font>4- Nesse Centro Comercial, aliás como é regra na quase totalidade do comércio de Valença, os lojistas têm por hábito expor os seus produtos fora dos seus estabelecimentos comerciais, criando uma espécie de "montra"/ mostruário nos espaços exteriores às lojas. </font><br> <font>5- Esse hábito é seguido no referido Centro Comercial ... onde a quase totalidade dos lojistas expõe os seus produtos fora das suas lojas, ou seja, em corredores de uso ou passagem comuns. </font><br> <font>6- A administração do condomínio estava entregue à sociedade Empresa-A. </font><br> <font>7- A utilização desses espaços comuns, repete-se, por quase todos os lojistas levou a que a Assembleia de condóminos deliberasse em 07/03/2002 regras sobre o uso desses espaços comuns para exposição. </font><br> <font>8- Foi deliberado na Assembleia de condomínios através da acta nº 19, que: "... a proibição de exposição de lixo nas partes comuns. (...) a exposição exterior dos artigos das lojas, em que cada um deverá expor em frente à sua loja e as partes comuns deverão ser divididas pelos dois comerciantes contínuos, deixando sempre os acessos que dão às portas dos elevadores livres. </font><br> <br> <font>9- Os RR. por vezes colocam um caixote de cartão numa parte comum mais concretamente um corredor de acesso à porta do bloco "D".</font><br> <font>10- Os AA. comunicaram o facto referido em 9 à administração do condomínio.</font><br> <font>11- A loja dos RR. que gira sob o nome de "..." situa-se ao lado da loja dos AA. que gira sob o nome de "Casa Caco Douro". Ora segundo o deliberado o espaço comum entre estas lojas deveria ser dividido entre ambos os lojistas.</font><br> <font>12- Esse espaço comum deveria ser dividido entre AA. e RR., metade para cada um, respeitando a entrada para o bloco D.</font><br> <font>13- Os RR. colocaram ombreiras e padieiras nas paredes exteriores e coluna da parte comum do prédio.</font><br> <font>14- Na fracção dos RR. existe uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, porta essa que não estava prevista no projecto do prédio.</font><br> <font>15- Essa porta está na parede exterior do prédio.</font><br> <font>16- Existe uma pedra a servir de degrau ocupando parte do passeio destinado a peões para melhor permitir o acesso à porta referida em 15.</font><br> <font>17- A loja, onde está instalada a "...", tem uma montra na fachada principal do prédio.</font><br> <font>18- Essa montra apresentava uma estrutura de alumínio onde estavam colocados 12 vidros pequenos. Os RR. alteraram a montra de forma a colocarem uma só superfície vidrada alterando desta forma a fachada do prédio dado que todas as outras lojas mantêm a fachada original.</font><br> <font>19- Em 22 de Fevereiro de 1996, foi celebrado um acordo entre a A. mulher e a R. DD, versando sob a forma de regular as exposições das respectivas lojas.</font><br> <font>20- O acordo celebrado entre a A. mulher e a R. DD criou entre ambas, inclusivamente no âmbito da regulamentação de relações de vizinhança e da utilização de espaços comuns do edifício contíguos às lojas a cada uma pertencentes, uma relação objectiva de confiança, uma vez que ambas se vincularam futuramente a utilizar de determinada forma os espaços comuns.</font><br> <font>21- A A. mulher quando outorgou e anuiu em tal acordo criou na R. DD e no R. Acácio a convicção de que ela, no futuro, se comportaria, concretamente de determinada maneira.</font><br> <font>22- Nenhuma das lojas/fracções dos AA. é contígua relativamente à loja/fracção propriedade dos RR..</font><br> <font>23- Entre elas e a separar a frente/montra das mesmas, existe uma caixa de escadas de acesso à zona habitacional do Bloco "D", com vários metros de cumprimento e mais de dois metros de largura, e que separa a fracção dos RR. da dos AA..</font><br> <font>24- O espaço comum existente na frente dos respectivos estabelecimentos encontra-se, desde há vários anos, a ser dividido entre os AA. e os RR. para exposição de mercadorias.</font><br> <font>25- A dita porta é imperceptível como tal desde o exterior do prédio, porquanto existem várias aberturas na parede iguais, no alinhamento vertical do edifício, apresentando todas elas a mesma dimensão, formato, materiais e gradeamento exterior.</font><br> <font>26- A dita porta não representa prejuízo funcional para os demais condóminos do edifício, nem implica qualquer prejuízo para a segurança, linha arquitectónica ou arranjo estético do edifício.</font><br> <font>27- O referido degrau encontra-se situado em local por onde habitualmente não existe movimento de pessoas.</font><br> <br> <font>III - </font><br> <br> <font>Quid iuris? </font><br> <br> <font>Os recorrentes circunscrevam o âmbito do recurso ao mérito do peticionado sob os nºs 4, 5 e 6 da petição inicial, ou seja, à condenação dos RR. a retirarem as ombreiras e padieiras que colocaram, a taparem, a suas expensas, a porta que abriram para o exterior e a retirarem o degrau que aí colocaram e a reporem a montra da fachada na sua configuração original.</font><br> <font>Postas as coisas nestes termos, e sendo certo que as alterações introduzidas traduzem inovações, importante é saber da repercussão das mesmas nos direitos dos AA.-recorrentes.</font><br> <font>Desde logo, é interessante saber se tais inovações foram introduzidas nas chamadas partes comuns se nas partes próprias.</font><br> <font>Em relação a estas últimas rege o art. 1422º, ao passo que em relação às primeiras temos de convocar o estatuído no art. 1425º, ambos do CC, com vista a encontrar a decisão conforme à lei e ao Direito.</font><br> <font>Como assim, temos que considerar que as inovações que dizem respeito a padieiras e ombreiras e à porta que os RR. abriram para o exterior e ao degrau que colocaram dizem respeito a obras levadas a cabo em partes comuns.</font><br> <font>Já em relação ao demais - obras na fachada que alteram a configuração inicial do prédio - temos de convir que as mesmas respeitam a obras realizadas na própria fracção dos RR..</font><br> <br> <font>Analisemos, pois, a situação criada por estes para podermos ou não concluir pela ilicitude da sua actuação em face da regulamentação própria da propriedade horizontal.</font><br> <br> <font>Vamos, pois, por partes:</font><br> <br> <font>1º - Colocação de ombreiras e padieiras nas partes comuns.</font><br> <br> <font>Que tais obras foram realizadas em partes que são comuns resulta, desde logo, da resposta dada ao quesito 9º ("provado apenas e com o esclarecimento de que os Réus colocaram ombreiras e padieiras nas paredes exteriores e coluna da parte comum do prédio") e, sobretudo do disposto no art. 1421º, nº 1, al. a) do CC.</font><br> <font>Como assim, para a sua concretização necessitavam os RR. de autorização da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio, ut nº 1 do art. 1425º do CC.</font><br> <font>Não tendo os RR. alegado (e, portanto, não tendo provado) que obtiveram a referida maioria para a realização das referidas obras, obrigatório é concluir que as mesmas são ilegais e, como assim, a lei sanciona o seu comportamento, obrigando-os à destruição pura e simples da obra (vide, v.g., Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume, III - 3ª edição -, pág. 435, nota 6).</font><br> <br> <font>2º - Porta e degrau.</font><br> <br> <font>Em relação à colocação do degrau não se nos levantam dúvidas de maior no que tange a saber se foi o mesmo colocado ou não em parte comum - isto é, que realmente foi colocado em parte comum -, atenta a resposta dada ao quesito12º ("provado apenas que existe uma pedra a servir de degrau ocupando parte do passeio destinado a peões para melhor permitir o acesso à porta referida em 11", ou seja, à porta que ora nos preocupa) e o disposto no art. 1421º, nº 1, al. c) do CC.</font><br> <font>Em relação à porta, poder-se-ia, primo conspectu, que a mesma foi colocada em parte própria, atenta a resposta dada ao quesito 10º (existe uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, porta essa que não estava prevista no projecto do prédio), mas a resposta dada ao quesito 11º acaba por tirar dúvidas (essa porta está na parede exterior do prédio), atento o estatuído na al. a) do nº 1 do art. 1421º já citado.</font><br> <br> <font>Em relação à porta e ao degrau não ficou provado que foram os RR. os autores das obras.</font><br> <font>Com efeito, a este respeito, foi introduzido o quesito 10º na base instrutória no qual se perguntava se "sem qualquer autorização ou solicitação os RR. abriram uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio?" e a resposta obtida foi simplesmente esta: "Provado apenas e com o esclarecimento de que na fracção existe uma porta para o exterior do edifício nas traseiras do prédio, porta essa que não estava prevista no projecto do prédio".</font><br> <font>Releva decisivamente na solução desta questão o factor tempo.</font><br> <font>Concretamente, quando é que foi aberta a porta?</font><br> <font>Não sabemos e não sabemos - e isso é que é o ponto decisivo - se foi antes ou depois da constituição da propriedade horizontal.</font><br> <font>Se tivesse sido depois, não nos restariam dúvidas da obrigação dos RR. a reporem a situação que existia anteriormente, atenta a natureza real da obrigação que sobre eles impendia.</font><br> <font>Mas, face à resposta dada ao aludido quesito 10º, não nos é possível situar no tempo a realização de tal obra, facto que permite considerar a hipótese de a mesma ter sido levada a cabo mesmo antes da constituição da propriedade horizontal, o que afasta liminarmente qualquer responsabilidade dos RR..</font><br> <font>Poder-se-ia dizer que as instâncias, malgrado a resposta restritiva dada ao quesito 10º, poderiam presumir que foram os RR. a levar a cabo tal obra.</font><br> <font>Não nos compete entrar, hic et nunc, no campo da pura especulação, sendo certo até que ao STJ não compete tirar tais ilações, mas apenas controlar se as mesmas foram tiradas na sequência lógica exigida pelo art. 350º do CC.</font><br> <br> <font>Em suma: neste ponto concreto não podem os AA. ver consagrada a tese que avançaram.</font><br> <br> <font>3º - Reposição da fachada na sua configuração original.</font><br> <br> <font>Foram, sem dúvida, introduzidas alterações na fachada. Com efeito, ficou provado que a mesma apresentava inicialmente "uma estrutura de alumínio onde estavam colocados doze vidros pequenos" e que "os RR. alteraram a montra, colocando uma só superfície vidrada, alterando desta a fachada do prédio dado que todas as outras lojas mantêm a fachada original".</font><br> <font>Caídos estamos na previsão na al. a) do nº 2 do art. 1422º do CC - "é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, ..., a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício").</font><br> <font>No caso não só a linha arquitectónica do prédio sai prejudicada, como, sobretudo, o seu arranjo estético (vide, sobre estes pontos, Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Condóminos e Condomínios, 2ª edição, pág. 105).</font><br> <font>Mas, para este caso, a lei dá também uma solução: o nº 3 do mesmo artigo prescreve que "as obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio".</font><br> <font>Nada há, porém, nos autos que nos permita concluir que os RR. obtiveram tal autorização.</font><br> <font>Com todo o devido respeito, entendemos que não se pode argumentar com a insignificância ou "minudência" (será assim?...) da alteração introduzida pelos RR. na sua fachada. Se assim é - quod demonstrandum... - mais uma razão para eles baterem à porta dos condóminos e, em assembleia, obterem a devida autorização.</font><br> <font>Demais a mais, a admitir-se e a justificar-se toda a "minudência", acabaria o prédio por, hoje por obra e graça de uns, amanhã por outros, ao fim de algum tempo aparecer aos olhos de toda a gente e sobretudo aos dos outros condóminos, como algo de novo e sem que a maioria qualificada nada pudesse obstar, precisamente por se tratar de umas "minudências".</font><br> <font>Não pode ser! </font><br> <font>Daí que também a fachada da montra tenha de voltar ao figurino original. </font><br> <br> <font>Aqui chegados, importa concluir, dizendo que procede parcialmente tese que os recorrentes trouxeram à nossa consideração.</font><br> <font>Para além do decidido nas instâncias, ficam, assim, os RR. condenados a retirarem as ombreiras e padieiras que colocaram e a reporem a montra da fachada na sua configuração original.</font><br> <br> <font>IV - </font><br> <br> <font>Decisão</font><br> <font>Concede-se parcialmente a revista.</font><br> <font>Custas no recurso por AA. e RR. na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.</font><br> <font>Custas nas instâncias a meias por AA. e RR..</font><br> <br> <font>Lisboa, 19 de Dezembro de 2006</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Borges Soeiro</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>AA, natural da República de Cabo Verde, residente na Rua António Aleixo, nº ..., ..., Algueirão, Mem Martins veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho de sua Excelência, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, de 6 de Julho de 2001, que indeferiu o pedido de concessão de nacionalidade portuguesa, por naturalização, porquanto o recorrente desde a data da sua entrada em Portugal, desenvolve uma actividade profissional remunerada.</font><br> <font>O recorrente desenvolve a actividade profissional para a firma Empresa-A, L.da, auferindo um vencimento mensal de 85.500$00, contribuindo com o seu trabalho para a riqueza do país.</font><br> <font>Além disso, o recorrente tem neste país toda a sua vida organizada e estabilizada.</font><br> <font>O recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais, nem em Portugal nem em Cabo Verde, tem a sua situação militar regularizada neste país e domina bem o idioma português.</font><br> <font>Tem residência fixa com as necessárias de habitabilidade, tem tido desde sempre bom comportamento idóneo e respeitador da ordem pública.</font><br> <font>Pelo exposto, resulta que da concessão da nacionalidade portuguesa ao recorrente não advêm quaisquer consequências nefastas para interesse nacional, uma vez que, ao contrário do que consta do despacho recorrido, é auto-suficiente e possui uma boa estabilidade sócio-económica.</font><br> <font>Citado para contestar o Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, afirma que o recorrente, em concreto, não fez a prova nos autos, de que tenha uma “ situação económico- profissional estável”, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea f), do n.º 1, do art. 6º da Lei 37/81, de 3 de Outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de Agosto.</font><br> <font>No Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 24-1-02, testado por unanimidade, foi decidido julgar a apelação procedente, declarando-se que o apelante tem capacidade para adquirir meios de subsistência e revogando-se o acto administrativo que àquele denegou a concessão da nacionalidade por naturalização.</font><br> <font>Inconformado o Ministério Público veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi recebido.</font><br> <br> <font>O recorrente apresentou as suas alegações, onde formula as seguintes conclusões:</font><br> <font>1.ª ) A lei exige para que o Estado exerça o poder de concessão ou não da nacionalidade por naturalização, entre outros requisitos, que o candidato demonstre possuir “ capacidade para reger a sua pessoa e assegurar a sua subsistência, alínea f), do n.º 1, do art. 6º, da Lei nº 37/81, de 3 de Outubro;</font><br> <font>2.ª) Confrontam-se neste Tribunal da Relação duas correntes, a saber:</font><br> <font>a) Tal conceito tem cariz essencialmente económico, esgota-se na prova do interessado ter ou não ter rendimentos, durante um período razoável, reportado ao salário mínimo nacional (caso do douto Acórdão recorrido);</font><br> <font>b) O conceito de capacidade não tem de coincidir com a remuneração referenciável ao salário mínimo nacional, uma vez que é um conceito não económico, sendo que tal capacidade envolve a ideia de autonomia, englobando a preparação, designadamente profissional, para garantir estavelmente e com independência do Estado ou de outrem, a subsistência (Acórdãos desta Relação de 22-1-02 e 8-4-02, em anexo).</font><br> <font>3.ª) Ora, se reduzirmos o conceito de capacidade de subsistência à pura dimensão económica, não só caminharemos no sentido da intolerável, pelo risco, dicotomia entre o “ ter e não ter” ( quem tem, terá nacionalidade, quem não tem não terá ), como se revela precário e pouco seguro como garantia de sustentabilidade pelos rendimentos apurados;</font><br> <font>4.ª) Ora, no caso em apreço, constata-se a irregularidade de rendimentos de trabalho, reflectindo a precaridade e instabilidade da situação económica, com a agravante de o interessado ter assumido encargos bancários com aquisição de casa própria, que se irão prolongar por muitos anos, retirando ao rendimento do trabalho parte substancial, limitando, em consequência, o dinheiro disponível para a subsistência;</font><br> <font>5.ª) Ora, no caso dos autos, não se conhecendo ao interessado uma formação técnico-profissional que o habilite como profissional qualificado, nem um especialização obtida em centro de formação profissional no ofício da arte que exerce, ou em instituição credenciada, garantindo um nível de qualidade de trabalho que perspective uma autonomia económica e de subsistência, sem encargos para outrem, ou para o Estado.</font><br> <font>6.ª) Pugnamos, assim, pelo entendimento de um conceito de capacidade de ganho fundado no conhecimento da formação profissional, do “know how” reconhecido, em suma, na qualificação do trabalhador com a mais sólida garantia de autonomia, a par de uma experiência efectiva e comprovada por níveis de remuneração onde a regularidade e o nível do salário evidencia produtividade, emprego e suficiência económica, augurando que não se tratará do acrescer de um mais que provável “ encargo para o Estado”.</font><br> <font>Termina requerendo que o acórdão recorrido seja revogado no sentido da não prova de uma efectiva capacidade de subsistência do interessado, alínea f), do nº 1, do art. 6º, da Lei 37/81, de 3.10.</font><br> <br> <font>O recorrido não alegou.</font><br> <font>Foram colhidos os vistos legais.</font><br> <font>Cabe decidir.</font><br> <font>No acórdão recorrido são dados como provados os seguintes factos:</font><br> <font>1.º) O requerente AA tem 32 anos de idade, sendo maior à face da Lei Portuguesa ( fls. 38), preenchendo o requisito a que alude a alínea a), do n.º 1, do art. 6º da Lei da Nacionalidade.</font><br> <font>2.º) Encontra-se com a situação regularizada como estrangeiro em território nacional desde 3-5-1988, sendo, actualmente, portador da autorização de residência nº 274093, válida até 3-5-2003 ( fls. 6 e 82), pelo que preencha o requisito da alínea b), do n.º 1, do art. 6.º da Lei da Nacionalidade.</font><br> <font>3.º) No tocante ao conhecimento da língua portuguesa, o requerente apresenta uma declaração manuscrita por si, com reconhecimento notarial da letra e assinatura ( fls. 5), pelo que preenche o requisito da alínea c), do n.º 1 do art. 6º, da referida lei.</font><br> <font>4.º) No que diz respeito à ligação efectiva à comunidade nacional, verifica-se que o requerente se encontra a residir no nosso país, onde exerce a sua actividade profissional e onde adquiriu habilitação própria (fls. 66 a 76), pelo que preenche o requisito previsto na alínea d), do n.º 1, do art. 6.º, da Lei da Nacionalidade.</font><br> <font>5.º) Quanto à sua idoneidade cívica, verifica-se que não foram encontradas quaisquer elementos em seu desabono ( fls. 54, 56, 61, 62 e 82), poderá considerar-se preenchido o requisito da alínea e), do n.º 1, do art. 6.º da Lei em causa.</font><br> <font>6.º) Relativamente aos seus meios de subsistência, constata-se que o requerente exerce a sua actividade profissional por conta própria, como pedreiro ladrilhador, tendo apresentado como rendimentos globais, resultante do exercício da sua actividade laboral, os montantes de 1.450.000$00, 656.105$00 e - § -, em 1997, 1998 e 1999 ( fls. 50, 77 a 79).</font><br> <font>7.º) No ano de 2000 apresentou rendimentos no montante de 1.680.000$00 ( doc. de fl. 17).</font><br> <br> <font>Do Direito:</font><br> <font>Neste recurso está em causa tão só verificar se se mostra ou não preenchido o requisito da alínea f), do n.º 1, do art. 6.º da Lei 37/81, de 3-10, ou seja, se o recorrido tem capacidade para assegurar a sua subsistência, já que não é posta em crise a sua capacidade para reger a sua pessoa.</font><br> <font>Refere o Magistrado do Ministério Público nas suas alegações de recurso que o acórdão recorrido, ao reduzir o conceito de capacidade de subsistência a pura dimensão económica, faz a dicotomia entre o “ter e o não ter” ( quem tem, terá a nacionalidade, quem não tem, não terá) e revela-se precário e pouco seguro na garantia de sustentabilidade pelos rendimentos apurados.</font><br> <font>Defende o recorrente o conceito de capacidade de ganho fundado no conhecimento da formação profissional, do “ Know how” reconhecido na qualificação profissional do trabalhador com a mais sólida garantia de autonomia, a par de uma experiência efectiva e comprovada por níveis de remuneração, onde a regularidade e o nível de salário evidencia produtividade, emprego e suficiência económica.</font><br> <font>No fundo, se olharmos bem as teses postas em confronto, as duas têm um ponto comum consubstanciado na dicotomia entre o “ter e o não ter” ( quem tem terá a nacionalidade, quem não tem, não terá).</font><br> <font>Diferem tão só na instabilidade ao nível da garantia de sustentabilidade dos rendimentos, que dimana da primeira em relação à segunda.</font><br> <font>Entende-se, porém, que o conceito de capacidade de subsistência terá de ter por suporte:</font><br> <font>- a pessoa do requerente;</font><br> <font>- a proveniência dos seus ganhos; </font><br> <font>- o seu estrato social.</font><br> <font>É evidente que a capacidade de ganho de um pedreiro- ladrilhador, como é o requerente, não será idêntica, nem talvez seja tão estável, como a de um engenheiro civil ou de um arquitecto. Mas será que as suas necessidades, atento o seu estrato social, são idênticas às dos outros?</font><br> <font>É bom de ver que não são.</font><br> <font>Efectivamente, o pedreiro-ladrilhador tem maior facilidade de adaptação, face à sua capacidade de ganho, a uma vida bem mais modesta, do que o engenheiro ou o arquitecto.</font><br> <font>Note-se, ainda, que essa adaptabilidade é proporcional à possível instabilidade da capacidade de ganho.</font><br> <font>A autonomia de pedreiro-ladrilhador ao nível da capacidade de subsistência é bem mais fácil de atingir, face à instabilidade de emprego vigente, que não poupa profissões, do que a do engenheiro ou arquitecto, em determinadas circunstâncias, designadamente a idade.</font><br> <font>Assim sendo, como o requisito em causa, previsto na alínea f), do n.º 1, do art. 6º da Lei da Nacionalidade, tem a ver tão só com a capacidade de subsistência e não com a capacidade efectiva de subsistência, como parece pretender o recorrente, será caso a caso que terá de se verificar, face à factualidade provada, se o requerente tem ou não autonomia económica para obter a naturalização.</font><br> <font>Tendo em conta os ganhos demonstrados factualmente pelo requerente, embora diferentes de ano para ano, é de reconhecer que o mesmo, que vive em Portugal desde 1988, que comprou casa para habitar, através de empréstimo bancário, o que não é de menosprezar do nível da autonomia económica, que está integrado na comunidade nacional, tem capacidade de subsistência para efeitos de naturalização como cidadão português. </font><br> <font>É, ainda, conveniente notar, para além do que se deixou expresso, que sendo o requerente cidadão cabo-verdeano, até 1975, foi cidadão português.</font><br> <font>Pelo presente processo, que é o meio próprio, o requerente mais não pretende, do que readquirir a nacionalidade portuguesa, que já foi sua.</font><br> <font>Se o requerente tem uma profissão, que exerce, se nada há contra ele a nível cívico e profissional, se está integrado na comunidade nacional, porquê negar-lhe a possibilidade de naturalização?</font><br> <font>É bem lembrar que o requerente tem contribuído com o seu trabalho para a economia nacional e não é por não pertencer a uma élite profissional, que verá impossibilitada a sua pretensão.</font><br> <br> <font>Improcedem, pois, as conclusões recursórias.</font><br> <font>Nada há a censurar no acórdão recorrido.</font><br> <font>Pelo exposto, nega-se o interposto recurso e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.</font><br> <font>Sem custas.</font><br> <br> <font>Lisboa, 24 de Outubro de 2002</font><br> <br> <font>Barros Caldeira (Relator)</font><br> <font>Faria Antunes</font><br> <font>Lopes Pinto</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> 1. No Tribunal Judicial de Sesimbra, A instaurou, em 26 de Outubro de 1994, acção com processo sumário contra B, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 2560560 escudos, como indemnização dos danos sofridos em consequência de acidente de viação ocorrido em 20 de Março de 1992.<br> Alegou, em síntese, que nesse dia, no cruzamento da Av. Principal com a Rua da Escola Secundária, na Quinta do Conde, o veículo ligeiro de passageiros que conduzia, CH-06-94, foi embatido pelo pesado de mercadorias XL-30-82, cujo proprietário havia transferido para a ré a responsabilidade civil através da apólice n. 317902, e que era conduzido por C.<br> 2. Contestou a ré, impugnando os factos alegados por forma a concluir que o acidente se deu por culpa exclusiva do autor, pedindo a improcedência da acção e sua absolvição do pedido.<br> Saneado e condensado o processo, procedeu-se a audiência de julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, após o que foi proferida sentença, a 3 de Outubro de 1996, julgando a acção parcialmente procedente, e condenando a ré a pagar ao autor a importância liquida de 1194336 escudos, bem como 60% da quantia correspondente ao lucro diário que o autor deixou de auferir no transporte de passageiros entre 20 de Março de 1992 e 16 de Maio de 1992, a liquidar em execução de sentença.<br> Apelou a ré, mas sem êxito, já que o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida (acórdão de 28 de Maio de 1998).<br> 3. Inconformada, traz a presente revista para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando as alegações com as seguintes conclusões:<br> "a) O acidente a que se referem os autos ocorreu por culpa nítida, e exclusiva, do autor;<br> b) Com efeito, o autor, conduzindo o veículo CH-06.94, na localidade de Quinta do Conde, iniciou a travessia do cruzamento da Rua Principal - por onde circulava, no sentido Oeste-Este - com a Rua da Escola Secundária, num local onde não existiam sinais de trânsito relativos a regras de prioridade,<br> c) Quando a sua passagem estava completamente obstruída pelo veículo seguro na ora recorrente que, com 10,5 metros de comprimento e circulando pela Rua da Escola Secundária no sentido Sul-Norte, completava já o atravessamento desse mesmo cruzamento;<br> d) E foi assim, com o veículo seguro na recorrente já a completar a travessia do cruzamento e apresentando-se pela sua direita, que o veículo do Autor iniciou a travessia desse cruzamento sem parar ou abrandar a sua marcha e sem tomar quaisquer outras precauções;<br> e) E, continuando a sua marcha sem a tentar sequer reduzir ou alterar o seu rumo, foi embater com a sua frente direita no rodado traseiro esquerdo do veículo seguro na ora recorrente;<br> f) O condutor da viatura segura na ora recorrente, que tinha a sua favor a regra de prioridade e não só já iniciara como estava prestes a completar a travessia do cruzamento, não podia prever nem que o Autor. iniciaria a travessia desse cruzamento, nem que não imobilizaria o seu veículo antes de embater no camião;<br> g) Pelo que nada pôde, nem podia fazer para evitar o embate;<br> h) O autor violou clara e frontalmente os artigos 7, n. 1 e 8 - alínea a) do C. da Estrada então em vigor, agindo com manifesta desatenção e negligência, circulando com velocidade excessiva para as condições concretas de trânsito e não respeitando a regra de prioridade, causas únicas do sinistro;<br> i) Ao invés, o condutor do veículo seguro não contribuiu por qualquer forma para a produção do acidente, não só porque se deve considerar como não escrita a resposta dada ao quesito 6º, por versar matéria conclusiva, e entender-se que não está provado que circulasse sem atenção ao trânsito,<br> j) Quer porque este facto não teria tido qualquer influência na produção do acidente, pois nada permitia prever (por mais atenção que prestasse ao trânsito) que, depois de ter iniciado a travessia do cruzamento e de a sua parte da frente ter já ultrapassado totalmente a Avenida Principal e ter entrado na Rua 6, o camião viesse a ser embatido no seu rodado traseiro por um veículo que circulava a 30 km/h e se apresentava pela sua esquerda, sem beneficiar de qualquer regra de prioridade;<br> l) Assim como nenhuma influência teve na produção do acidente o facto de o condutor do veículo seguro circular a mais de 50 km/h (51 km/h?, 52km?...), pois se este condutor circulasse a velocidade igual ou inferior a 50km/h o acidente também teria ocorrido, só que o embate não teria sido no rodado traseiro do camião (com 10,5 metros de comprimento) mas sim num outro ponto situado mais perto da frente daquele veículo.<br> m) Pelo exposto, verifica-se que o douto acórdão recorrido, ao confirmar a douta sentença proferida na primeira instância, violou, designadamente, os artigos 7 n. 1 e 8 ns. 1 e 2 alínea a) do C. da Estrada em vigor na altura do acidente e os artigos 483, 487 e 562, do C.Civil, sendo certo que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor;<br> n) Pelo que deve o dito acórdão ser revogado, dando-se provimento ao presente recurso, e absolvendo-se a ora recorrente...".<br> Não foram apresentadas contra-alegações.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> As instâncias consideraram provados os factos que se enunciam:<br> "No dia 20 de Março de 1992 ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Av. Principal com a Rua da Escola Secundária, na Quinta do Conde, junto do Café Avenida, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro CH-06-94, conduzido pelo autor e o pesado de mercadorias XL-30-82, tripulado por C e propriedade da Sociedade Portuguesa de Leasing, Lda. (al. A" Esp)<br> O veiculo CH-06-94 circulava pela Av. Principal, no sentido Oeste - Este e o XL-30-82 circulava pela Rua da Escola Secundária, no sentido Sul-Norte (al. B» Esp).<br> O autor circulava pela meia faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha (al. C» Esp).<br> O autor pretendia seguir em frente (al. D" Esp).<br> O XL pretendia atravessar o cruzamento e entrar na Rua N°. 6 (Rua que prolonga a Rua da Escola Secundária) - al. E" Esp.<br> Por força do embate, o CH-06-94 foi arrastado pelo XL-30-82 e foi embater na parte lateral esquerda do veiculo MF-91-65 que se encontrava estacionado do lado direito da Av. Principal, atento o sentido de marcha do CH. (al. F" Esp)<br> Após o embate referido em F. o XL foi colidir com o veiculo JQ-53-92 que se encontrava estacionado do lado direito , atento o sentido de marcha do XL (al . G» Esp).<br> O proprietário do XL-30-82 havia transferido a sua responsabilidade por danos decorrentes de circulação do veiculo para a Ré, através da apólice N°. 317902 (al. H» Esp).<br> O acidente ocorreu cerca das 22 H 30 (resp. quest 1°).<br> O A. imprimia ao veículo uma velocidade não superior a 30 Km/hora (resp. quest 2°).<br> O A. conduzindo o veículo de matrícula CH-06-94 circulava na direcção da meia faixa de rodagem da esquerda da Rua da Escola Secundária, considerando o sentido Sul-Norte, foi atingido no lado direito, na direcção da roda dianteira pelo rodado traseiro esquerdo do veiculo pesado XL-30-82, que circulava pela citada via e no indicado sentido (resp. quest 5°).<br> O condutor do XL - circulava sem atenção (resp. quest 6°).<br> E a velocidade superior a 50 Km/hora (resp. quest 7°).<br> O embate do XL-30-82 no CH-06-94 produziu danos neste avaliados pela Ré em 1440000 escudos, acrescido de IVA (resp. quest 8°).<br> A Ré, não obstante ter vistoriado o CH-06-94 recusou-se a ordenar a sua reparação (resp. quest 9°).<br> Dada a recusa da Ré, a A. mandou reparar o CH-06-94 (resp. quest 10º).<br> A reparação do CH-06-94 importou em 1990560 escudos, incluindo 16000 escudos de reboque (resp. quest 11).<br> O A. pagou a "Sousa e Santos" Lda., oficina reparadora do CH-06-94 a quantia -1990560 escudos (resp. quest 12°).<br> O A. utilizava diariamente o veículo no transporte de passageiros (resposta ques. 13º)<br> Dessa actividade retirava um lucro diário não apurado (resp. quest 14°)<br> O CH esteve paralisado para reparação de 20/03/92 a 16/05/1992 (resp. ques. 15º).<br> Ao chegar ao cruzamento, o condutor do camião continuou a sua marcha (resp. quest. 19º)<br> Seguindo em frente e atravessando o cruzamento (resp. quest 20).<br> Quando a parte da frente do XL- que tem 10,5 m de comprimento - já havia ultrapassado a Av. Principal e entrado na Rua 6, o rodado traseiro esquerdo atingiu o CH-06-94 no lado direito, na direcção da roda dianteira, o qual se atravessou à frente desse mesmo rodado (resp. ques.21). <br> O CH entrou no cruzamento sem parar ou abrandar a marcha (resp. quest 23).<br> A Av. Principal tinha, à data do acidente, 6 metros de largura (resp. ques. 24).<br> No local não existiam, à data do acidente, quaisquer sinais de trânsito relativos a regras de prioridade ou limite de velocidade (resp. ques. 25)".<br> 1. Tendo o autor alegado que o condutor do XL-30-82 "circulava sem atenção e precauções devidas" (artigo 9 da petição inicial), o Senhor Juiz formulou um quesito 6 com este conteúdo:<br> "O condutor do XL circulava sem atenção?" (fls. 33 v.).<br> A este quesito o Tribunal Colectivo respondeu "provado (fls. 91).<br> Logo nas alegações do recurso de apelação, a recorrente conclui que "se deve considerar como não escrita a resposta ao quesito 6º, por versar matéria conclusiva, e entender-se que não está provado que circulasse sem atenção ao trânsito"(conclusão i), a fls. 126).<br> Conclusão reiterada na presente revista, cuja conclusão i) reproduz textualmente - aliás, todas as conclusões da revista são, ipsis verbis, as da apelação - aqueloutra conclusão.<br> Nesta parte, assiste razão à recorrente - como se passa a demonstrar.<br> 1.1 O questionário deve conter só matéria de facto - "tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória" (Alberto dos Reis, "CPC Anotado", vol. III, 1958, p.212).<br> Apenas devem incluir-se factos materiais, "não juízos de valor ou conclusões extraídas de realidades concretas" (acórdão do STJ de 5 de Outubro de 1981, BMJ, n. 310-259).<br> A selecção da matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, não pondendo ser utilizadas expressões como "precaução" ou "cuidado" (Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1998, p. 312).<br> Em suma: " devem ser irradicadas da condensação as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo", já que "de nada vale a integração na base instrutória de verdadeiras questões de direito, na medida em que, se tal ocorrer e o tribunal, depois de produzida a prova, lhes der resposta, esta considera-se não escrita - artigo 646, n. 4" (António Santos Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", II vol., 1997, p.138).<br> 1.2. Tem, pois, razão a recorrente ao pretender que a resposta ao quesito 6º seja tida por não escrita.<br> E não se diga que a "desatenção" do condutor do veículo pesado sempre resultará de outros elementos da matéria de facto considerada provada, como parece ser o entendimento do acórdão recorrido ao ponderar que, face ao "comportamento havido pelo condutor do XL-30-82 que entra num cruzamento, situado dentro de uma localidade, a velocidade superior a 50 km horários, continuando a sua marcha, seguindo em frente e atravessando o cruzamento, tendo o seu veículo o comprimento de 10,5 metros, ter-se-á de concluir que tal condutor não trazia o seu espírito concentrado na actividade de condução de um camião com as dimensões referidas"; e daí o considerar-se que tripulava o veículo "com desatenção".<br> Na verdade, um tal comportamento não traduz, necessariamente, "desatenção", não excluindo que ele estivesse a conduzir com "atenção" às condições da via e do tráfego, podendo aquele comportamento explicar-se ou radicar em outra ordem de razões (pense-se, por exemplo, em "inconsideração" ou "imprudência").<br> Com acerto se disse, para se concluir por uma condução "desatenta", é mister alegar e provar factos "que levem o julgador a concluir que o espírito do condutor ia concentrado em qualquer coisa diferente da condução" - o que não foi aqui o caso.<br> 2. Tendo, assim, por não escrita a resposta ao quesito 6º (n. 4 do artigo 646 do CPC), daqui não se segue, todavia, que o condutor do veículo pesado não tenha tido culpa na produção do acidente, como pretende a recorrente.<br> Desde logo, e fundamentalmente, porque violou o disposto no artigo 7º, n. 3, do C. da Estrada (CE) então em vigor, já que circulava dentro de uma localidade a uma velocidade superior à legalmente permitida (superior a 50 km/h, conforme resposta ao quesito 7º).<br> E não só.<br> Na verdade , ao chegar ao cruzamento, o condutor do camião continuou a sua marcha, seguindo em frente e atravessando o cruzamento (respostas aos quesitos 19º e 20º), o que, nomeadamente, significa que ele não reduziu "especialmente" a velocidade "no atravessamento de localidades" (artigo 7º, n. 2, alínea d), do CE); além de que não regulou a velocidade atendendo às características do veículo, condições da via e intensidade do tráfego, de modo a que pudesse parar no "espaço livre visível à sua frente", como lhe impõe o n. 1 do mesmo artigo 7º.<br> 3. Pretende a recorrente que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor, fundamentalmente porque este violou o direito de prioridade de passagem de que legalmente (artigo 8º, n. 2, alínea a) do CE) beneficiava o condutor do veículo nela seguro.<br> Ninguém contesta este direito.<br> Mas daí não resulta que assista razão à recorrente.<br> Como observa Dario Martins de Almeida, "Manual de Acidentes de Viação", 1969, pp. 407-408, importa colocar o direito de prioridade na sua exacta dimensão - a da primazia do direito de prioridade -, partindo do "princípio pelo qual ambos os condutores devem aproximar-se do cruzamento com prudência; o excesso de velocidade do condutor da direita acaba por trazer-lhe uma parcela de responsabilidade".<br> Trata-se, portanto, de um direito que assenta em determinados pressupostos, um dos quais é uma velocidade adequada ao exercício prudente do respectivo direito; ou seja, a prioridade de passagem postula sempre a tomada das "indispensáveis precauções" (artigo 8º, n. 1, do CE).<br> Por outras palavras: o direito de prioridade de passagem não é, neste sentido, um direito absoluto, pressupondo por parte do condutor que dele goza a adopção das precauções indispensáveis em ordem a evitar acidentes, o que passa, designadamente, por uma diminuição de velocidade e pelo certificar-se da aproximação de algum veículo em circulação na via que se propõe atravessar (acórdãos do Supremo de 9 de Janeiro de 1976 e 8 de Junho de 1977, BMJ, n. 253-157 e n. 268.218, e, mais recentemente, de 14 de Janeiro de 1997, Proc. n. 664/96, e de 4 de Fevereiro de 1997, Proc. n. 789/96).<br> Não se acolhem, pois, nesta parte, as conclusões da recorrente, porquanto se entende que a conduta culposa do condutor do veículo pesado também foi causa adequada da produção do acidente e suas consequências.<br> Isto é, no seu processo causal, o acidente foi desencadeado pela convergência da conduta culposa dos dois condutores.<br> 4. Como se irá demonstrar, agora no respeitante ao autor.<br> Do já exposto resulta que ele infringiu claramente o disposto no artigo 8º, n. 2, alínea a), do CE sobre prioridade passagem.<br> Mas não só.<br> Apesar de imprimir ao veículo uma velocidade não superior a 30 Km/h (resposta ao quesito 2º), certo é que ele entrou no cruzamento sem parar ou abrandar a marcha (resposta ao quesito 23º), pelo que, também por esta forma, violou o disposto na parte final do n. 1 do artigo 8º, que "obriga todos os outros a abrandar ou a parar por forma a facultar-lhes (leia-se, aos que gozam da prioridade) passagem".<br> Aspecto este que ganha mais significado e valor se tivermos presente que aos quesito 3º (onde se perguntava se o autor ao chegar ao cruzamento abrandou a marcha) foi respondido "não provado", e ao quesito 4º (em que se perguntava se penetrou no cruzamento e parou a fim de deixar passar os veículos...) foi respondido "provado apenas que penetrou no cruzamento" (cfr. fls. 33 e 91).<br> Além de que a resposta ao quesito 21º - o embate deu-se quando a parte da frente do veículo pesado, que tem 10,5m de comprimento, já havia ultrapassado a Av. Principal e entrado na Rua 6 - permite se conclua, fundamentalmente, que aquele veículo, por um lado, chegou primeiro ao cruzamento, e, por outro, que ele foi embatido pelo veículo do autor que "se atravessou à frente" do seu rodado (parte final da resposta ao quesito 21º).<br> A tudo isto acresce que a velocidade a que circulava, embora não superior 30 Km/h, não era adequada às condições da via e à intensidade do tráfego, o que lhe não permitiu parar o veículo no espaço livre visível à sua frente, indo embater na viatura pesada quando a parte da frente desta já havia ultrapassado a Av. Principal e entrado na Rua 6 (artigo 7º, n. 1, do CE).<br> 5. Aqui chegados, resta tomar posição sobre a graduação das culpas, que o acórdão recorrido - em sintonia com a decisão da 1ª<font> </font>instância -, "atendendo ás dimensões do camião e à velocidade de que ia animado", fixou em 40% e 60% para o autor e condutor do veículo seguro na ré, respectivamente.<br> Embora o acórdão do Supremo de 1 de Julho de 1997, Proc. n. 430/97, tenha decidido que o âmbito geral do artigo 507 do C.Civil não é alheio a situações culposas, entende-se que na presente situação, salvo o devido respeito, há que valorar e sopesar, fundamentalmente, a culpa dos condutores na produção do acidente e suas consequências - isto é, há que atender á concorrência de culpas ou conculpabilidade do prejudicado (Mário de Brito, "CC Anotado", vol. II, 1969, pp. 324-325).<br> Ora, a nosso ver, perante os factos provados e as considerações que a seu propósito desenvolvemos, o "prudente arbítrio" do julgador impõe se conclua que a conduta do autor contribuiu em maior percentagem para o acidente e danos dele resultantes, pelo que se entende mais adequado fixar o seu grau de culpa em 60% e em 40% a culpa do condutor do veículo segurado.<br> 5.1. Graduação esta que se reflecte, necessariamente, na indemnização a atribuir.<br> A indemnização há-de reduzir-se ou excluir-se em função do binómio culpa-consequências resultantes, o que leva a tornar proporcional à eficácia causal de cada um dos factos culposos a medida da reparação (Dario Martins de Almeida, ob, cit., p.128).<br> Havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responde pelos danos correspondentes ao facto que praticou; mas como à culpa de cada um dos condutores corresponde a culpa de cada um dos lesados, a respectiva indemnização terá de ser fixada nos termos do artigo 570 do CC (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., p. 706).<br> Preceito este que manda atender à gravidade da culpa de cada uma das partes e às consequências que dela resultaram (acórdão do STJ de 25 de Janeiro de 1983, BMJ, n. 323-385).<br> Face ao exposto, e na concessão parcial da revista, condena-se a ré a apagar ao autor:<br> - a importância de 796224 escudos;<br> - 40% da quantia a liquidar em execução de sentença, conforme decidido pela sentença da 1ª instância, <br> - Juros de mora sobre esses montantes, tal como decidiu a 1ªinstância.<br> Termos em que se concede parcialmente a revista, revogando em conformidade o acórdão recorrido.<br> Custas pelo autor e ré, na proporção de vencidos.<br> Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.<br> Ferreira Ramos,<br> pinto Monteiro,<br> Lemos Triunfante.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No 2º Juízo da Vara com Competência Mista Cível e Criminal do Funchal foi proposta por A contra REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA uma acção declarativa pela qual pediu que se declare a caducidade da declaração de expropriação por utilidade pública do seu prédio misto, com a parte urbana inscrita sob o art. 1798º e a parte rústica sob o nº 56, Sc. AQ, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº....<br> Sustentou que a ré não observara os prazos impostos pelo art. 10º, nº 3 do DL nº 483/91, designadamente o prazo de um ano para constituição da arbitragem - afirmação que enferma de falta de rigor, já que só podia querer referir-se ao art. 10º, nº 3 do Código das Expropriações anexo ao DL nº 438/91, de 9/11, e que por este foi aprovado.<br> Na contestação a ré defendeu a incompetência do tribunal em razão da matéria por entender dever a causa correr nos tribunais administrativos e, quanto ao fundo, disse que a arbitragem fora constituída em tempo.<br> Houve resposta, a que se seguiu a prolação de saneador sentença que, além do mais, teve o tribunal como competente e, quanto ao mérito, julgou improcedente a acção.<br> Apelou a autora com êxito, já que a Relação de Lisboa, mantendo o decidido quanto à questão da competência aí suscitada pela Região Autónoma da Madeira ao abrigo do art. 684º-A do CPC - diploma ao qual pertencerão as normas que de seguida indicarmos sem outra menção -, revogou a decisão de fundo proferida e julgou procedente a acção, declarando caducado o acto expropriativo.<br> Daqui trouxe a Região Autónoma da Madeira o presente recurso de revista em que continua a pedir que se reconheça a incompetência dos tribunais judiciais para o conhecimento desta acção e, quanto ao mérito, pede a revogação do acórdão recorrido por não ter caducado a declaração de utilidade pública visto ter havido oportuna constituição da arbitragem.<br> Formulou conclusões em que:<br> - diz ser de declarar a incompetência do foro comum para decidir a questão da caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação, fora do âmbito incidental ou como excepção em processo da competência do tribunal comum, como é a fase judicial em processo de expropriação; e diz ainda que, tendo havido já diversos acórdãos da Relação e do STJ no sentido da competência do foro administrativo, importa proferir acórdão uniformizador de jurisprudência - conclusões 1ª e 2ª;<br> - dados os factos apurados, e uma vez que a recorrente promoveu a constituição da arbitragem antes de decorrido um ano sobre a publicação da declaração de utilidade pública - sendo que a lei distingue entre a constituição e o funcionamento da arbitragem e que a notificação da nomeação de árbitros apenas releva para este, e não para aquela -, não ocorreu a caducidade - conclusões 3ª a 7ª;<br> - a não remessa dos autos ao tribunal competente também não faz operar a caducidade - conclusão 8ª.<br> <br> Respondeu a autora no sentido de que a questão da competência constitui questão a conhecer em sede de agravo, que, no caso, não é possível por força do disposto no art. 754º, nº 2, e sustentando ainda que, sendo novas relativamente às alegações apresentadas as questões levantadas nas conclusões 2ª a 5ª e 8ª, estas não devem ser admitidas, de tudo extraindo a improcedência do recurso.<br> Nesta resposta a autora requereu ainda que, a ser admitida a questão processual suscitada pela ré, se proceda a julgamento ampliado dadas as decisões contraditórias referidas por esta.<br> <br> Na sequência de parecer do relator o Excelentíssimo Presidente deste STJ não admitiu o pedido de julgamento ampliado deste recurso.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> <br> É uso dizer-se que o âmbito objectivo de um recurso se afere pelas conclusões das alegações do recorrente, salva a existência de questões que sejam de conhecimento oficioso do tribunal.<br> Igualmente se entende correntemente que os recursos são destinados a reapreciar as soluções dadas às questões tratadas no tribunal "a quo", não sendo meio próprio para o levantamento de questões que aí o não tenham sido.<br> Por último, sendo as conclusões o resumo das razões pelas quais o recorrente critica a decisão recorrida, só são atendíveis conclusões que se refiram aos pontos versados no arrazoado que as antecede, não sendo de conhecer daquelas que aí se não encontrem versadas.<br> Vêm estas noções elementares a propósito da questão prévia levantada pela recorrida quanto às conclusões formuladas pela recorrente, questão essa que se insere na órbita da afirmação que fizemos em último lugar ao definir os critérios a seguir quanto à determinação daquilo que é objecto do recurso.<br> Vejamos então.<br> A conclusão 2ª nada adianta de substancial em relação à questão 2ª.<br> Nela apenas se refere a existência de diversas decisões em sentido contrário à seguida no acórdão recorrido quanto à questão da competência material, o que aconselharia, no entender da recorrente, a prolação de acórdão uniformizador de jurisprudência.<br> O julgamento em revista ampliada pode ser requerido por qualquer das partes - cfr. art. 732º-A, nº 2.<br> A alusão à conveniência de a ele se proceder nada tem que ver, evidentemente, com as razões pelas quais o recorrente entende que a decisão recorrida merece ser alterada ou revogada.<br> Só quanto a estas razões se verifica a necessidade da sua inclusão, tanto nas conclusões, como no arrazoado que as antecede.<br> Assim, o que consta da conclusão 2ª não contraria esta ideia, nada obstando à sua consideração - aliás da competência do Presidente deste STJ, como já foi feito -, que é, todavia, irrelevante no plano da substância da decisão a proferir.<br> <br> As conclusões 3ª a 5ª apenas têm de útil a referência a um facto, indiscutido, dado como assente nas instâncias: ter a recorrente solicitado ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a nomeação de árbitros, nomeação que foi feita em 9/3/99.<br> Depois de considerações meramente introdutórias e dispensáveis feitas nas conclusões 3ª e 4ª, é na conclusão 5ª que este facto é referido, como mero antecedente da afirmação, a seguir feita na conclusão 6ª que não é posta em causa pela recorrida, segundo a qual esse facto traduziria ter havido oportuna constituição da arbitragem e desmentiria também a existência de caducidade da declaração de utilidade pública da expropriação.<br> É certo que na conclusão 5ª a recorrente aproveita para transcrever parte da decisão da 1ª instância, onde se desenvolveu raciocínio a partir de tal facto.<br> Mas isso, embora podendo haver aqui, mais uma vez, uma defeituosa redacção da conclusão em causa, não envolve um alargamento indevido do leque das questões postas.<br> <br> A conclusão 8ª, tal como a conclusão 6ª, deve ser relacionada com o art. 10, n. 3 do CExp. de 1991.<br> Nesta disposição são previstas duas causas de caducidade da declaração de utilidade pública: a falta de promoção de constituição da arbitragem no prazo de um ano e a falta de remessa do processo de expropriação ao tribunal competente no prazo de dois anos.<br> A conclusão 6ª reporta-se à primeira destas causas; a conclusão 8ª reporta-se à segunda.<br> E a leitura das alegações da recorrente, no texto que antecedeu as conclusões, mostra que ambas estas causas aí foram abordadas, se bem que com extensão diversa.<br> Assim, a objecção levantada pela recorrida também aqui não tem razão de ser.<br> <br> Nada permite, pois, a rejeição das conclusões formuladas pela recorrente.<br> A recorrida levanta ainda uma outra questão prévia: a de que a questão da competência material não pode ser apreciada por a tal se opor o art. 754, nº 2.<br> A recorrente nada disse em resposta a esta questão prévia.<br> <br> Nos termos do art. 722, n. 1, o recurso de revista pode ter, a par do necessário fundamento de violação de lei substantiva, o fundamento de ter também havido violação de lei de processo.<br> Antes da reforma processual de 1995/96 não havia, neste âmbito, qualquer limite à crítica de natureza processual a dirigir cumulativamente em sede de revista ao acórdão da Relação, tal como também o não havia em sede de agravo em 2ª instância, previsto no art. 754.<br> Com esta reforma deixou, porém, de ser assim.<br> Por um lado, o nº 2 do art. 754 passou a conter uma solução restritiva no tocante à possibilidade de agravo em 2ª instância, sendo de registar que a sua primeira formulação trazida por essa reforma foi depois substituída por uma outra, introduzida pelo DL n. 375-A/99, de 20/9 e que entrou em vigor 30 dias depois.<br> Por outro lado, o n. 1 do art. 722 passou a permitir a invocação, em recurso de revista, de violação de lei processual "... quando desta for admissível o recurso, nos termos do nº 2 do artigo 754 ...".<br> Assim, para saber se tal invocação em recurso de revista é, em concreto, possível, há que apurar previamente se a mesma poderia ter fundado um recurso de agravo.<br> Tendo a presente acção sido proposta em 10/11/99, data em que já vigorava aquele DL n. 375-A/99, é à redacção por ele dada ao art. 754, nº 2 que há que atender.<br> Aí se diz: "Não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme".<br> Teríamos então, em princípio, de equacionar a eventual oposição, em termos aqui relevantes, do acórdão recorrido com um outro deste STJ ou de qualquer Relação, para a partir daí concluir pela admissibilidade ou inadmissibilidade da inclusão dessa questão processual no âmbito do recurso.<br> Mas tal não se torna necessário porque há neste caso razões que dispensam semelhante abordagem.<br> O nº 2 do art. 754º, ao restringir, nos moldes indicados, a possibilidade de agravo em 2ª instância, é logo seguido por um nº 3 que estabelece várias excepções ao regime limitativo que naquele nº 2 é previsto.<br> Respeita a primeira aos agravos referidos no nº 2 do art. 678º, onde se assegura a possibilidade de recurso sempre que este se funda, entre outras razões, na violação das regras de competência em razão da matéria.<br> Nesta hipótese - como, aliás, também em outras que aqui não interessa especificar - poderá sempre haver agravo em 2ª instância, sem as restrições constantes do nº 2 do art. 754º.<br> Ora é evidente que a mesma medida há-de ter a remissão que no art. 722º, nº 1 é feita para o art. 754º, nº 2, pois que a sua ideia mestra é a de poder invocar-se em recurso de revista uma violação de lei de processo sempre que a mesma violação pudesse fundar um recurso de agravo em 2ª instância.<br> Nada obsta, pois, a que se aceite o âmbito objectivo dado pela recorrente a este recurso de revista.<br> A revisão constitucional feita através da Lei Constitucional nº 1/89, de 8/7, reconfigurou a jurisdição administrativa - sobre a qual a Constituição anteriormente não fizera mais do que prever a sua existência mas sem definir o seu âmbito - no sentido de a converter numa nova e necessária jurisdição dirigida a um determinado núcleo de relações jurídicas. <br> Tal mudança constitucional manifestou-se, em especial, nos seguintes pontos.<br> Por um lado, e ao passo que o anterior art. 212º, nº 2 previa como simplesmente possível a existência de tribunais administrativos, fiscais, marítimos e arbitrais, a disposição correspondente vinda desta revisão - o art. 211º, nº 2, correspondente ao actual art. 209º, nº 2 - deixou de referir as duas primeiras espécies.<br> Por outro lado, os novos arts. 211º, nº 1, al. b) e 214º, nº 1 e 3 - correspondentes aos actuais arts. 209º, nº 1, al. b) e 212º, nº 1 e 3 - consagraram como efectiva a existência dos tribunais administrativos e fiscais, atribuindo-lhes, respectivamente, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. Passaram estes tribunais a poderem, eventualmente, ser vistos como "... os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal ..." - cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pg. 814 -, ao mesmo tempo que o art. 213º, nº 1 - correspondente ao actual art. 211º, nº 1 - voltou a recuperar a expressão de "tribunais comuns" quanto aos tribunais judiciais, mas usando-a apenas quanto às matérias cível e criminal.<br> Não é unívoco o entendimento que, na sequência desta inovação, tem sido seguido quanto à possibilidade de a lei ordinária atribuir a tribunais não administrativos o julgamento de causas em que se debatam litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.<br> Em acórdão do STJ de 7/12/95, publicado na Col. Jur. - STJ, 1995, Tomo III, pg. 147 e segs., opinou-se no sentido de ser vedado à lei ordinária fazê-lo, salvo casos muito específicos, do que são exemplos o exercício do poder disciplinar sobre magistrados ou o recurso em matéria de aplicação de coimas - cfr. J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, pg. 11, ao aludir, em justificação deste segundo desvio, à sua natureza quase-judicial.<br> Posição semelhante se encontra em Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra e local citados, onde se admite, com reservas, não ser imposta pela Constituição essa atribuição exclusiva de competência.<br> Em sentido semelhante, embora mais liberal, pode apontar-se ainda J. C. Vieira de Andrade, obra citada, pgs. 13 - quando escreve que "... as questões relativas a qualquer actividade em matéria administrativa ...... integram substancialmente a justiça administrativa, sem prejuízo de a lei as poder atribuir a outra ordem judicial ..." - e 15- 16 - onde diz que "... A melhor doutrina (é, por exemplo, a opinião de Sérvulo Correia) ...... parece ser, no entanto, a que não lê o referido preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma proibição absoluta, mas ...... como uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações ou de desvios em casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do modelo". <br> Também o acórdão do Tribunal Constitucional de 29/4/97, publicado no DR, II série, de 25/7/97, concluiu no sentido da inexistência de impedimento constitucional à atribuição pontual e fundamentada de competência aos tribunais judiciais para apreciação de certas questões de natureza administrativa.<br> <br> De acordo com o art. 266º da Constituição, a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.<br> Como escreveu Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10ª edição, pg. 428, acto administrativo é a "... conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto".<br> A produção destes efeitos jurídicos, na medida em que se traduzam em direitos ou obrigações na esfera jurídica de outra entidade, pública ou privada, leva a que se reconheça que o acto administrativo gera, por isso, a constituição de uma relação jurídica administrativa.<br> Os interesses públicos podem justificar o sacrifício de direitos dos particulares, embora tal sacrifício esteja subordinado à observância dos condicionamentos legais e deva implicar medidas de compensação adequadas.<br> Assim, o art. 1º do CExp aprovado pelo DL nº 438/91, de 9/11 - que é o aplicável ao caso dos autos, já que se está perante uma declaração de utilidade pública ocorrida em 1998 - admitia que bens imóveis e direitos a eles inerentes pudessem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização.<br> Não sofre dúvidas que está subjacente a esta situação a existência de um poder público actuado por órgão competente da Administração, o que configura como sendo de natureza administrativa a relação jurídica que se estabelece entre ela e o expropriado.<br> Esta relação constitui-se com aquela declaração, ficando a sua existência sujeita à acção de factos que possam funcionar com eficácia extintiva, como será o caso do decurso do tempo capaz de gerar a caducidade da respectiva declaração de utilidade pública.<br> A apreciação judicial da existência, validade e subsistência da relação jurídica expropriativa está, dada a sua assinalada natureza administrativa, reservada, em princípio, aos tribunais administrativos.<br> Tal não impede a validade das normas que - como era o caso dos arts. 37º, 42º e 51º do citado CExp, assim como o é actualmente no que toca aos arts. 38º, 42º e 51º do CExp vigente, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/9 - estabelecem a competência dos tribunais judiciais quanto à tramitação da arbitragem e decisão sobre a indemnização a fixar no processo expropriativo.<br> Trata-se de um regime que, assente em velha tradição liberal, largamente difundida, de defesa da propriedade privada - cfr. Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, pgs. 115-116 e 155 -, encontra entre nós viabilização na já referida margem de manobra que é dada ao legislador ordinário quanto à definição dos concretos contornos da competência dos tribunais administrativos, dentro do princípio constitucionalmente definido nesta matéria.<br> Mas, por isto mesmo, trata-se de restrições ao regime-regra - o da competência da jurisdição administrativa para julgamento dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas -, ao qual há que retornar quanto a processos que se não achem abrangidos por aquelas especialidades.<br> Assim se chega à conclusão de que a questão da caducidade da declaração de utilidade pública só pôde ser objecto de tantas decisões proferidas em processos de expropriação porque aos tribunais judiciais - aos quais os arts. 50º e 51º do CExp de 1991 atribuíam competência para adjudicar a propriedade e a posse dos bens expropriados e para conhecer do recurso da decisão arbitral - cabe ainda a decisão de questões que, ainda que em princípio próprias de outra jurisdição, se levantem incidentalmente em processos neles pendentes - cfr. art. 96º, nº 1 do CPC.<br> Mas, tratando-se de acção proposta expressamente para obter a declaração de que tal caducidade ocorreu, já não ocorre este fundamento excepcional de alargamento da competência dos tribunais judiciais e por isso surge uma situação de incompetência dos mesmos, em razão da matéria, para o seu julgamento - cfr., neste sentido, o acórdão proferido por este STJ em 19/5/92 no agravo nº 81973.<br> <br> O teor do art. 13º, nº 4 do CExp de 1999 impõe ainda que se façam as seguintes observações clarificadoras da análise que temos vindo a fazer.<br> Ao contrário do que sucedia nos anteriores textos legais nesta matéria, consigna-se aí que a declaração de caducidade da declaração de utilidade pública pode ser requerida, ou à entidade que emitiu essa declaração, ou ao tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral.<br> Sendo este tribunal o tribunal da comarca da situação do bem expropriado, tal preceito significa que o respectivo pedido deverá ser por ele apreciado, quer no âmbito de um processo de expropriação - o que corresponde ao entendimento que tem vindo a ser maioritariamente seguido até agora -, quer no âmbito de uma acção declarativa expressamente proposta com esse fim - o que corresponderá à situação retratada nestes autos.<br> O que evidencia que, à luz deste novo CExp, a solução legal é diferente da que apontámos como correcta face ao CExp de 1991.<br> E esta nova solução não tem natureza interpretativa, ao menos para a espécie aqui versada.<br> Na verdade, nenhuma intenção interpretadora vem anunciada; e a história jurisprudencial não revela que houvesse uma divergência de opiniões com consistência suficiente para tornar premente uma intervenção clarificadora do legislador.<br> É, pois, uma solução inovadora - cfr., neste sentido, o opinado no Código de Expropriações Anotado, de Pedro Cansado Paes, Ana Pacheco e Luís Barbosa, pg. 84 - que não suscita a aplicação do art. 13º do CC.<br> E por ela se subtrai à jurisdição administrativa mais um tipo de casos de entre os que constituem a sua vocação natural, o que, como se viu atrás, não encontra obstáculo impeditivo.<br> Não se diga, a propósito, que o legislador entendeu que se não está no âmbito de uma relação jurídica administrativa; se assim fosse, não poderia razoavelmente ter admitido o requerimento dirigido com igual pretensão à entidade que declarou a utilidade pública.<br> <br> Assim, as razões invocadas no acórdão recorrido, extraídas da orientação tradicional seguida - e bem - em processos de expropriação, não colhem no caso.<br> E não se aceita que seja determinante nesse sentido outra consideração nele aduzida: a de que a questão da caducidade do acto administrativo se não reporta à sua validade e conteúdo, nem traduz um vício do mesmo, antes respeitando à apreciação da sua virtualidade de eficácia aferida perante o decurso do tempo.<br> Ainda que a sua conexão com o valor do acto administrativo se desenvolva num plano exterior a este, o que decisivamente releva é que a caducidade tem que ver directamente com a subsistência da relação jurídica administrativa, a qual é o ponto de partida da opção constitucional nesta matéria.<br> A norma que institui o regime da caducidade da declaração de utilidade pública - no caso, o art. 10º, nº 3 do CExp de 1991 - é uma norma de direito administrativo.<br> E também o art. 3º do ETAF - DL nº 129/84, de 27/4 - diz ser incumbência dos tribunais administrativos, na administração da justiça, dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas.<br> Este escopo está plenamente verificado se a discussão incide sobre a questão de saber se teve verificação um facto extintivo de uma relação jurídica desta natureza.<br> O que é o caso.<br> <br> A consequência da incompetência material é o decretamento de uma absolvição da instância, nos termos do art. 105º, nº 1.<br> Não cabe aqui dizer qual o meio a usar na jurisdição administrativa - se a interposição de recurso contencioso de um acto administrativo provocado pela via de um requerimento à Administração para que reconheça ter ocorrido a invocada caducidade, na linha defendida pelo STA nos seus acórdãos de 12/7/88, recurso nº 25240, O Direito, 121º, I, pg. 165 e 9/3/89, BMJ nº 385, pg. 411, ou se a via da acção para reconhecimento de um direito a que se refere o art. 69º da LPTA (DL nº 267/85, de 16/7), como o mesmo STA já admitiu em diversos acórdãos, designadamente os de 17/4/94, AP DR de 18/4/97, pg. 8144, e de 28/3/2001, JSTA00055912, e a doutrina apoia (cfr. Meneses Cordeiro, O Direito, 121º, I, pgs 183-188 e 195-196, e José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pgs. 344-347). <br> <br> Impõe-se, por isso, reconhecer a razão que assiste à recorrente nesta questão de competência, ficando necessariamente prejudicada a apreciação da questão de saber se ocorreu, ou não, a caducidade da declaração de utilidade pública.<br> <br> Em face do exposto, concedendo-se a revista, afirma-se a incompetência em razão da matéria do 2º Juízo da Vara com Competência Mista Cível e Criminal do Funchal para a preparação e julgamento desta acção e absolve-se da instância a Região Autónoma da Madeira.<br> Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da recorrida.<br> <br> Lisboa, 5 de Março de 2002<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> 1. A e mulher, B, intentaram acção declarativa de simples apreciação, com processo ordinário, em 28 de Junho de 1996, no 11.º Juízo Cível de Lisboa, contra C e D, pedindo, designadamente, que se declarasse:<br> - que o contrato de arrendamento habitacional que, como arrendatários, celebraram em 1 de Outubro de 1969, relativo ao rés-do-chão identificado, não caducou com a morte do último usufrutuário;<br> - que - a entender-se que tal contrato caducou - têm direito a novo arrendamento, mas sem aumento ou actualização de renda;<br> - que, nos termos do artigo 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício do direito à caducidade invocado pelas demandadas.<br> 2. As Rés contestaram, pugnando pela improcedência da acção.<br> Após réplica, foi elaborado o despacho saneador e organizada a peça condensadora.<br> Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em 23 de Abril de 1999, a decretar a procedência da acção, declarando "que o contrato de arrendamento mencionado na petição inicial não caducou, continuando, consequentemente, a vigorar para o futuro, sem quaisquer limitações e sem sujeição a aumento extraordinário de renda".<br> 3. Inconformadas, as Rés apelaram.<br> Com êxito parcial, diga-se, pois a Relação de Lisboa, por Acórdão de 6 de Abril de 2000, depois de considerar que o contrato caducou, declarou que os Autores tinham direito a novo arrendamento, sendo, porém, devido aumento de renda, nos termos do artigo 79º do RAU.<br> 4. Irresignados com o assim decidido, tanto os Autores como as Rés recorreram de revista, advogando a revogação desse Acórdão.<br> A) Os Autores culminaram a sua alegação com estas conclusões:<br> I - "As demandadas sempre figuraram, no bem imóvel, como proprietárias plenas de metade do prédio urbano, desde 1961".<br> II - "Não é um facto irrelevante, sem qualquer consequência jurídica como mal decidiu o acórdão recorrido, através de uma interpretação de que não importa que seja um usufruto total ou parcial".<br> III - "Através de declaração negocial tácita, as Recorrentes deram o seu assentimento, quanto a arrendar, ficando vinculadas no contrato de arrendamento como senhorias, na parte em que eram proprietárias plenas".<br> IV - "Se há que falar-se de caducidade, por extinção do usufruto, por óbito do usufrutuário, então essa caducidade só pode ter-se verificado na parte onerada, scilicat metade; nesta óptica, é irrelevante o conhecimento ou a ignorância da posição real do senhorio, por parte do arrendatário".<br> V - "A invocação da caducidade constitui abuso do direito".<br> VI - "Não se trata só de aplicar o regime da renda condicionada e duração limitada, introduzida pelo RAU (artigo 66º). Trata-se, isso sim, de considerar-se ilegítima essa invocação, por excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé (venire contra factum proprium)".<br> B) As Rés, por seu turno, sustentando não terem os Autores direito à celebração de um novo contrato de arrendamento, concluíram:<br> I - "A carta junta como documento nº 4 da petição inicial manifesta a recusa inequívoca dos Recorridos em celebrar o novo contrato de arrendamento".<br> II - "Em face dessa recusa, os Recorridos perderam o direito à celebração do novo contrato de arrendamento".<div></div>Foram colhidos os vistos.<div></div>5. Eis, antes de mais, os factos reputados assentes pelas instâncias:<br> a) O Autor A, na qualidade de arrendatário, fez um contrato de arrendamento para habitação com E, assinado por ambos em 22 de Setembro de 1969 e com início em 1 de Outubro de 1969 (documento de folhas 28/29).<br> b) O locado fora objecto de escritura pública de 14 de Dezembro de 1961, em que F e outros declaram vender a E e mulher, G, até à morte do último destes compradores que declaram comprar, em comum e partes iguais, o usufruto de metade indivisa do prédio urbano situado na Amadora. Mais declaram vender a H, casado, em regime de absoluta separação de bens, com D, e a C, casada com I, que deste recebeu autorização para o acto e estes (H e C) declaram comprar, em comum e partes iguais, a nua propriedade de metade do prédio aludido, cativo daquele usufruto vendido e comprado por aqueles, como acima se explicita, abrangendo ainda tal compra e venda a plena propriedade de outra metade do prédio acima identificado.<br> c) Tal prédio urbano não estava constituído em regime de propriedade horizontal.<br> d) Em 10 de Novembro de 1995, o Autor A recebeu das Rés a comunicação que lhe dava conta da morte da viúva de E, em 3 de Agosto de 1995 - G, com 98 anos de idade -, tendo, agora, por substitutas as Rés, C e D 30/31).<br> e) Através dessa mesma comunicação e devido aos óbitos ali referidos, as Rés propuseram aos Autores um novo arrendamento por cinco anos, ou seja, de 1 de Janeiro de 1996 a 31 de Dezembro de 2000, mediante a actualização da renda de 7242 escudos para 22810 escudos (folhas 30/36).<br> f) Os Autores não aceitaram as condições referidas em e) - folhas 37/40.<br> g) C e D sempre figuraram como proprietárias do prédio identificado em b).<br> h) O Autor, até 10 de Novembro de 1995, desconhecia a posição das Rés, mencionada em g).<br> 6. De harmonia com o estatuído na alínea c) do artigo 1051º do Código Civil, o contrato de locação caduca "quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado".<br> Assim, o arrendamento feito pelo usufrutuário caducará - ao menos em princípio - com a morte desta (artigos 1443º e 1476º nº 1, alínea a), do mesmo Código).<br> Sabido que o regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que a determinou (doutrina e jurisprudência pacíficas), importa realçar que, quando o arrendamento para habitação caduque por força da alínea c) do citado artigo 1051º, o arrendatário tem direito a um novo arrendamento, de duração limitada e com renda condicionada, direito que, contudo, deve ser exercido mediante declaração escrita enviada ao novo senhorio nos 30 dias subsequentes ao conhecimento da caducidade do contrato anterior (artigos 66º nº 2, 90º, 92º, 94º e 98 do RAU).<br> 7. O âmbito dos dois recursos interpostos reconduz-se, no fim de contas, prioritariamente, à questão se saber se o contrato de arrendamento habitacional celebrado por usufrutuário caducou com a morte deste e se, de todo o modo constituirá abuso do direito a invocação dessa caducidade por parte das Rés.<br> Antes de mais, convém relembrar não só a especificidade como também a complexidade da situação ajuizada.<br> Assim, cabe reter esta factualidade:<br> - quando o r/c, em 22 de Setembro de 1969, foi dado de arrendamento para habitação do Autor, o locador E era mero usufrutuário de metade indivisa do respectivo prédio;<br> - as Rés eram, já desde 14 de Dezembro de 1961, radiciárias de todo o prédio e, ainda, usufrutuário de metade;<br> - esse prédio não estava constituído em regime de propriedade horizontal;<br> - o Autor nunca foi informado da qualidade de usufrutuário do locador e só teve conhecimento da "posição das Rés, quando estas, em 10 de Novembro de 1995, lhe deram conta da morte do usufrutuário de metade do prédio - G, viúva de E -, ocorrida em 3 de Agosto de 1995, e lhe propuseram a celebração de novo arrendamento, com duração limitada e com actualização da renda.<br> 8. O contrato - qualquer contrato - é essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas, mas harmonizáveis entre si. Ora, sendo o arrendamento um contrato, para que ele exista, é indispensável o mútuo consenso, que há-de revelar-se através da declaração negocial de cada uma das partes - senhorio e arrendatário.<br> As declarações negociais que, contudo, podem ser expressas ou tácitas (artigo 217º nº 1 do Código Civil), são, pois, um verdadeiro elemento do contrato, "uma realidade componente ou constitutiva da sua estrutura" (cfr. Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª edição, páginas 387 e 415, e Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", volume I, 9ª edição, página 223).<br> A declaração negocial é tácita, segundo o nº 1 do citado artigo 217º, "quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam" - os chamados facta concludentia.<br> Desta formulação legal resulta claramente - escreve Mota Pinto, op. cit., página 425 - que "a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade".<br> A inequivocidade dos facta concludentia é aferida, pois, por um critério prático, empírico e não por um critério estritamente lógico. Ela existirá "sempre que, conforme os usos da vida", haja toda a probabilidade - "aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões" - de os factos terem sido praticados com determinada significação negocial, "ainda que porventura não esteja abstractamente precludida a possibilidade de outra significação" (cfr. Rui Alarcão, "A confirmação dos negócios anuláveis", volume I, página 192, e Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação Jurídica", volume II, 1998, página 132).<br> 9. No caso em apreço, as Rés, é certo, não intervieram no contrato celebrado em 22 de Setembro de 1969.<br> Todavia, apesar de terem sido desde sempre - mais concretamente desde 14 de Dezembro de 1961 - proprietárias plenas de metade indivisa do prédio e radiciárias da outra metade (o mesmo é dizer radiciário de todo o prédio e usufrutuárias de metade), aceitaram a validade do contrato de arrendamento celebrado em 22 de Setembro de 1969, em que interveio como locador quem era mero usufrutuário de metade do prédio, como resulta, até, do facto de as Rés considerarem que o Autor tinha direito a novo arrendamento, com a morte da usufrutuária G.<br> Não tendo nunca deduzido, pois, qualquer oposição à ocupação do R/C pelo Autor, durante mais de 25 anos, à sombra de tal contrato, as Rés deram-lhe o seu tácito assentimento, tendo-se assistido, por conseguinte, à confirmação tácita desse arrendamento (cfr. artigos 217 nº 1, 288 nº 3 e 1024 nº 2 do Código Civil).<br> Com efeito, referindo-se no nº 3 do artigo 288º à confirmação tácita sem fazer qualquer restrição, está implicitamente a remeter para o critério geral definidor da declaração tácita contido no nº 1 do artigo 217º (cfr. Rui Alarcão, op. cit., páginas 212/213 e 217/218; ver, também, Antunes Varela, RLJ 107º, página 362), cujo alcance ficou explanado em 8.<br> O descrito comportamento omissivo das Rés, ao longo de tão dilatado período - mais de 25 anos - é incompreensível se não for considerado como tácita anuência ao arrendamento celebrado pelo usufrutuário de apenas metade indivisa do prédio.<br> Tal comportamento, apreciado objectivamente, na perspectiva de um declaratário sensato, revela inequivocamente, de modo implícito, com toda a probabilidade, a vontade de as Rés assumirem, também, a posição de senhorias.<br> Na vida social, os actos das pessoas não valem só pelo seu próprio conteúdo; valem, também, por aquilo que deles se pode extrair, com segurança e razoabilidade (cfr. Carvalho Fernandes, "Teoria Geral do Direito Civil", volume II, página 343).<br> Ora, tendo as Rés assumido, de igual modo, a qualidade de senhorias no contrato de arrendamento outorgado pelo usufrutuário de metade do prédio, a morte desse usufrutuário nunca poderia conduzir à caducidade do arrendamento (cfr. Acórdãos deste Supremo Tribunal de 19 de Março de 1976, Boletim 255, página 119, de 20 de Novembro de 1973, Boletim 231, página 146, e Acórdão de Relação do Porto de 11 de Junho de 1981, Col. de Jurisp., ano VI, 3º, página 158).<br> 10. As coisas ainda poderiam ser apreciadas por uma outra perspectiva.<br> A invocação da caducidade do arrendamento por parte das Rés não será susceptível de se reconduzir à figura do abuso do direito, tal como se encontra conceptualizada no artigo 334º do Código Civil?<br> Vejamos.<br> De acordo com este normativo, "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".<br> O exercício de um direito poderá ser ilegítimo, pois, quando houver manifesto abuso, ou seja, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma clamorosa ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume I, página 299).<br> Um dos comportamentos que tem sido apontado como variante inquestionável do abuso do direito, por violação manifestamente excessiva dos limites impostos pelo princípio basilar da boa fé é o denominado venire contra factum proprium.<br> A relevância da chamada conduta contraditória exige, contudo, segundo o melhor entendimento, a "conjugação dos vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança".<br> A proibição de comportamentos contraditórios é de aceitar quando o venire atinja proporções juridicamente intoleráveis, traduzido em aberrante e chocante contradição com o comportamento anteriormente adoptado pelo titular do direito (cfr. Menezes Cordeiro, "Da Boa Fé no Direito Civil", 2º volume, páginas 724 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela, op. e loc. cits.; Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", volume I, 9ª edição páginas 563/567; e Almeida Costa, RLJ, ano 129º, páginas 31/36).<br> 11. Na hipótese vertente, é indubitável que as Rés, há mais de 25 anos, tinham conhecimento da cedência do gozo do R/C ao Autor por parte de quem era usufrutuário de apenas metade do prédio repete-se.<br> E nunca gizaram a menor reacção contra tal cedência, nem nunca informaram o Autor quer da qualidade do locador que tinha intervindo no contrato de arrendamento, quer da sua própria qualidade de radiciárias de todo o prédio e de usufrutuárias de metade.<br> Ora, tais circunstâncias tornam manifestamente contrário aos limites da boa fé o exercício do direito de caducidade do primitivo arrendamento.<br> Após mais de 25 anos de contemporização, constitui manifesto abuso do direito, à luz do pensamento normativo que domina o disposto no artigo 334º do Código Civil (cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 127º, páginas 234/237), pugnar pela caducidade do arrendamento celebrado em 22 de Setembro de 1969 pelo usufrutuário de apenas metade do prédio.<br> 12. Assim sendo, concedendo-se a revista dos Autores e negando-se a das Rés, revoga-se o Acórdão recorrido, para ficar a subsistir a decisão da 1ª instância.<br> Custas pelas Rés, incluindo as da Relação.<br> <br> Lisboa, 14 de Novembro de 2000.<br> <br> Silva Paixão,<br> Silva Graça,<br> Armando Leandro.<br> <br> 11º Juízo Cível de Lisboa - Processo nº 1431/96 - 1ª Secção.<br> Tribunal da Relação de Lisboa - Processo nº 953/00 - 8ª Secção.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br> <br> A, propôs acção contra B, e C, todos com os sinais dos autos, pedindo se declare anulado o contrato de trespasse entre os réus celebrado, por escritura pública de 94.08.26, e de que não deram conhecimento ao autor, credor da ré por 2063158 escudos acrescidos de juros desde a data da sentença que reconheceu o crédito, o qual do réu também era conhecido, tendo ambos actuado com o propósito de impossibilitarem total e absolutamente a sua cobrança por não possuir a ré nem ser proprietária de qualquer outro bem ou valor susceptível de garantir o pagamento.<br> Impetrou apoio judiciário, o qual lhe veio a ser concedido.<br> Contestando separadamente, excepcionou a ré a ineptidão da petição inicial (por ausência de causa de pedir - não alegação de qualquer vício gerador de nulidade) e ambos impugnaram, concluindo pela improcedência da acção.<br> No saneador - de que a ré agravou deixando, porém, ficar deserto, assim sendo julgado (fls. 101 v) - expressamente se qualificou de impugnação pauliana a acção e, após pronúncia, foi decidido que «não só a presente acção é dotada de fundamento como o pedido formulado é consentâneo com a causa de pedir invocada» (fls. 39).<br> Prosseguindo o processo seus regulares termos até final, improcedeu a acção, por sentença que a Relação confirmou.<br> De novo inconformado, pede revista o autor, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br> - suficientemente provados os factos integradores da impugnação pauliana pelo que se deve decretar a ineficácia do acto em relação ao credor, até ao limite do seu crédito, procedendo a acção;<br> - embora pedida a anulação do negócio jurídico consubstancia tal um erro na qualificação jurídica do efeito prático pretendido pelo que o tribunal o deve, no âmbito do seu poder-dever de, «ex-officio», suprir as deficiências ou inexactidões das partes no que respeita à qualidade jurídica do facto e à interpretação e individualização da norma, corrigir;<br> - foi violado o disposto nos arts. 610 e 616 CC e 664 CPC.<br> Sem contra alegações.<br> Colhidos os vistos.<br> Matéria de facto que as instâncias deram como provada: -<br> a) - mediante sentença transitada, proferida no Tribunal de Trabalho de Viana do Castelo em 94.09.26, no âmbito do processo emergente de contrato de trabalho nº 513/94, foi o autor declarado credor da ré no montante de 2063158 escudos, acrescido de juros desde a data da sentença, crédito esse decorrente, além do mais, de salários não pagos desde Março de 1994 e indemnizações;<br> b) - em 94.08.26, no Cartório Notarial de Ponta da Barca, a ré trespassou ao réu Alves o estabelecimento comercial de materiais de construção civil, instalado na dependência para comércio do prédio urbano sito na Rua Elias Garcia, da freguesia de Arcos de Valdevez (S. Paio);<br> c) - a ré não deu conhecimento deste negócio ao autor, nada lhe tendo pago;<br> d) - os réus actuaram com vista a evitarem o pagamento do crédito do autor e impossibilitarem a sua cobrança;<br> e) - à data do trespasse referido, os réus eram conhecedores da dívida aludida supra;<br> f) - a ré não tem qualquer outro bem ou valor susceptível de garantir o pagamento ao autor.<br> <br> Decidindo: -<br> <br> 1.- Deve-se, por questão de sistematização lógica, iniciar a pronúncia pela 2ª conclusão da revista.<br> O conflito, cuja solução se pede, reconduz-se, tal como vem desenhado pelas instâncias, ao binómio «justiça formal / justiça material», aqui materializado na subsunção daquele ao disposto no art. 664 ou no art. 661-1, ambos do CPC.<br> Improcedeu a acção por as instâncias situarem o caso no quadro dos limites da condenação (CPC- 661,1) recusando ser uma questão de erro na qualificação jurídica (CPC- 664).<br> Como ponto de partida há que considerar a concreta situação processual <br> - a petição não foi objecto de despacho de indeferimento liminar nem de aperfeiçoamento;<br> - no saneador foi de modo expresso decidido que a acção era de impugnação pauliana e que o pedido formulado é consentâneo com a causa de pedir invocada;<br> - o saneador, nestes segmentos, transitou.<br> Discorrendo sobre o concreto pedido, o saneador faz divergir a terminologia (ineficácia ou nulidade) não de causa intrínseca à mesma mas em função da natureza (respectivamente, pessoal ou real) que se atribua à acção de impugnação pauliana.<br> Se, pois, já não se podia falar em contradição entre causa de pedir e pedido, observa-se que a fundamentação lógico-jurídica indispensável daquele despacho residiu na interpretação dos concretos termos do pedido na qual se afastou uma mera interpretação literal.<br> Para o saneador, e embora sem se especificar nem se citar a lei, a questão surge posta em termos de nomen iuris (CPC- 664).<br> Na realidade, posto assim o problema - e não há que o colocar em sede diversa (cfr., neste sentido A. Varela in RLJ 122/253-254 nº 11) - cabe aos tribunais, sem ofensa alguma do princípio dispositivo (CPC- 661,1), corrigir o erro (ibidem, p. 255).<br> Não se trata de uma relação entre minus e maius mas de definir o efeito prático pretendido pelo autor, juridicamente (CPC- 498,3) qualificado de modo incorrecto, o que não vincula os tribunais (CPC- 664), erro de qualificação que a não ser possível corrigir ex officio tornaria necessária uma nova acção onde a diferença seria apenas o seu suprimento.<br> Destarte, só há que verificar se ocorrem in casu os pressupostos da impugnação pauliana e julgar em conformidade, donde o assistir razão à 2ª conclusão da revista.<br> 2.- A ré alienou ao réu (por trespasse) o seu único bem (estabelecimento comercial), deste apenas recebendo dinheiro.<br> Tal acto envolveu necessariamente diminuição da garantia patrimonial da ré, deixou de ter bens, na prática, que respondessem pelo cumprimento de qualquer obrigação; é uma impossibilidade prática que deve ser equiparada se é que não ao desaparecimento do activo pelo menos representa um agravamento da impossibilidade de satisfação dos credores (CC- 610 b)).<br> A dívida da ré para com o autor é anterior àquele acto muito embora apenas posteriormente tenha sido reconhecida e liquidada definitivamente, em juízo. A dívida nasceu no momento em que os salários e as indemnizações eram devidos, pelo que a sentença, ao reconhecê-la e a liquidar num determinado montante, mais não fez que dar uma expressão global e final às várias parcelas vencidas.<br> A iliquidez da dívida, como referem P. Lima-A. Varela (in CC Anot. I/631), não é obstáculo à procedência da impugnação pauliana.<br> Naquele momento (94.08.26) e a partir dele deixou o credor de ter a possibilidade de obter a satisfação coerciva integral do seu crédito.<br> Verificado o requisito da al. a) daquela disposição, quando conjugado com o da al. b).<br> 3.- A prova do autor (CC- 611 e 612) foi, todavia, ainda mais cabal.<br> Acautelando que o seu crédito pudesse ser considerado posterior ao acto que impugnava (o trespasse) alegou, logrando demonstrar, que este foi realizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do autor (CC- 610 b)), pois se tratava de um acto oneroso e os seus outorgantes tinham consciência do prejuízo (sobre ele, cfr., auts. cits. in Noções Fundams., p. 354) que o trespasse lhe causava (CC-612,1 e 2).<br> 4.- O trespasse é válido e o estabelecimento comercial não retorna ao património da ré.<br> O autor, e apenas ele (CC- 616,4), tem direito, como efeito desta impugnação, à restituição do bem na medida do seu interesse podendo executá-lo no património do réu e praticar os actos de conservação autorizados por lei (CC- 616,1), sendo este ainda responsável nos termos do nº 2 desta norma.<br> Procede a impugnação pauliana, sendo, em relação ao autor, ineficaz o trespasse celebrado.<br> Em conformidade, acorda-se em conceder a revista nos termos declarados supra em 4, pelo que se revoga o acórdão recorrido.<br> Custas pelos réus.<br> Lisboa, 21 de Outubro de 1997.<br> Lopes Pinto,<br> José Saraiva,<br> Torres Paulo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> <br> A e mulher vieram propor a presente acção contra:<br> 1. B e mulher;<br> 2. C e mulher;<br> 3. D e mulher;<br> 4. E e mulher; pedindo o reconhecimento do direito de preferência na venda do prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. 21019, efectuada pelo primeiro casal de Réus aos demais, com fundamento no disposto no artigo 1380 do Código Civil.<br> Na contestação os Réus, para além de discordarem em parte da versão carreada pelos Autores, sustentam que os segundos e terceiros demandados eram proprietários confinantes do prédio preferendo e suscitaram, ainda, a excepção peremptória de caducidade a pretexto de falta de depósito do preço no prazo legal.<br> Na réplica, os Autores rebateram a matéria exceptiva e mantiveram a posição anteriormente assumida.<br> Houve tréplica.<br> No saneador, julgou-se improcedente a invocada excepção de caducidade.<br> Deste despacho agravaram os Réus tendo o recurso sido admitido com subidas deferidas.<br> A culminar o julgamento, foi proferida sentença, onde se julgou a acção improcedente.<br> Inconformados apelaram os Autores, mas sem êxito, pois a Relação do Porto, através do Acórdão de 19 de Abril de 1999, constante de páginas 178 e seguintes, confirmou a sentença apelada, dispensando-se por isso, de apreciar o recurso de agravo.<br> Ainda insatisfeitos os Autores recorreram para o Supremo tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> 1. Confere o artigo 1380 do Código Civil aos proprietários dos prédios confinantes de área inferior à unidade de cultura o direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja confinante.<br> 2. As razões determinantes deste preceito prendem-se com a necessidade de emparcelamento da propriedade rústica, através da constituição de explorações agrícolas do tipo familiar, da área aproximada à unidade de cultura da região - terrenos de regadio (árvores e hortícolas) e terrenos de sequeiro - fixada pela Portaria n. 202/70 de 21 de Abril de 1970.<br> 3. Esse objectivo - formação de unidades de exploração agrícola do tipo familiar - só é viável pela reunião de parcelas com idêntica natureza e sujeitas a idêntico regime de propriedade e a atribuição desse direito de preferência só tem razão de ser se do seu exercício resultarem unidades agrícolas com carácter duradouro.<br> 4. A formação e consolidação dessas unidades agrícolas só é alcançada em propriedade plena, não sendo viável com a junção de terrenos em regime de propriedade imperfeita, por natureza juridicamente transitória.<br> 5. Por isso o adquirente do prédio agrícola só está sujeito ao direito de preferência prescrito no citado artigo 1380 se não for proprietário confinante em regime de propriedade plena e se o interessado na preferência for proprietário confinante em regime de propriedade plena.<br> 6. De modo que não há lugar ao direito de preferência, se o adquirente é titular de prédio confinante em regime de propriedade plena, uma vez que corresponde ao fim visado pelo artigo 1380 do Código Civil; mas se o adquirente não é confinante ou é confinante, mas em regime de propriedade imperfeita - mero comproprietário ou usufrutuário - nesse caso há lugar a direito de preferência a favor do proprietário confinante em regime de propriedade plena, pois só este e não aquele pode assegurar a formação de explorações agrícolas viáveis e duradouras como quer a lei.<br> 7. Ao julgar, como julgou, não atendeu o Acórdão às razões determinantes do artigo 1380 do Código Civil, violando por isso o espírito deste preceito legal.<br> 8. Deve, assim, dar-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido.<br> Na contra-alegação os Réus sustentam dever manter-se o Acórdão recorrido.<br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> As instâncias consideraram como provados os seguintes factos:<br> 1- No dia 23 de Setembro de 1993, por escritura lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Braga, os 1. Réus venderam aos 2., 3. e 4. Réus pelo preço declarado de 4500000 escudos, o prédio rústico denominado Leira das Simães do Caminho, do Paço ou do Olival, sito no lugar da Rala ou Quintela, da freguesia de Este - S. Mamede, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. 21019, com a área de 1440 metros quadrados, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 330 - documento de páginas 57 a 59 (alínea A) da esp.).<br> 2- Os Autores são donos de um prédio rústico denominado Leira da Cortinha ao Campo da Casa, sito no lugar do Casal, freguesia Este - S. Mamede, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. 30794, a favor dos Autores e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1740 - documentos de páginas 7 a 9 (alínea B) da esp.).<br> 3- O prédio dos Autores referido em B, confronta do norte com o referido em H (alínea C) da esp.).<br> 4- Em ambos os prédios se cultivam plantas, exploram o milho, produtos hortícolas, uva, videiras e árvores (alínea D) da esp.).<br> 5- O prédio referido em A confronta do Norte com António Lopes e Sul com os Autores (alínea E) da esp.).<br> 6- No dia 14 de Dezembro de 1992, por escritura lavrada no Primeiro Cartório Notarial de Braga, os 2. e 3. Réus compraram a F e mulher o prédio rústico denominado Leira das Cortinhas ou Simães, sito no lugar da Quintela, da freguesia de S. Mamede d'Este, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n. 36360 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 328 - doc. de folhas 49 a 51 (alínea F) da esp.).<br> 7- A área de nenhum dos prédios confinantes do referido em A) somada à área deste, atinge os dois hectares (alínea G) da esp.).<br> 8- O prédio referido em A) confronta do nascente com o prédio referido em F), (C) da planta de folha 126 e ainda com o prédio assinalado, na mesma planta, com a letra D (resp. ao quesito 1).<br> 9- Implantado no lado nascente do prédio referido em A) existe um carreiro, com cerca de 50 centímetros de largura, que é utilizado há mais de 30 anos pelas pessoas da freguesia para passarem a pé (resp. ao quesito 2).<br> 10- O prédio referido em A), confronta de frente com o prédio de G, assinalado com a letra F na referida planta de folha 126 e com a estrada camarária (resp. aos quesitos 3 e 4).<br> 11- O prédio referido na alínea A) (e também A da planta de folha 126) mede 1790 metros quadrados; o prédio dos Autores referido em B, ( e também B da planta de folha 126) mede 1652 metros quadrados; o prédio dos Réus referido na alínea F) (C, da planta de folha 126) mede 852 metros quadrados e o contiguo a este, assinalado na planta com a letra E, mede 783 metros quadrados; o prédio de G, assinalado com a letra F, na respectiva planta mede 1813 metros quadrados e ainda que o prédio referido na alínea A do rep, digo, que o prédio que confronta do norte com o referido na alínea A; assinalado na referida planta com a letra D mede 246 metros quadrados (resp. ao quesito 5).<br> Apoiando-se no artigo 1380 do Código Civil, pretende o Autor exercer direito de preferência contra os 2., 3. e 4. Réus, adquirentes do prédio objecto da preferência, prédio esse confinante com o do pretenso preferente.<br> Segundo o preceito citado, são os seguintes os pressupostos do direito invocado: "a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono do prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante" (Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado III, 2. edição, páginas 270 e seguintes).<br> O n. 1 do artigo 18 do Decreto-Lei n. 384/88 de 25 de Outubro veio alterar o regime do artigo 1380 do Código Civil, repristinando a primitiva solução da Lei n. 2116 de 15 de Junho de 1962, na medida em que atribuiu o direito de preferência aos proprietários dos terrenos confinantes, ainda que a área destes seja superior à unidade de cultura, mas mantendo, no entanto, os restantes requisitos há pouco indicados, ao remeter, nesta parte, para o mencionado preceito do Código Civil (cfr. sobre este tema: Professor Henrique Mesquita, Direito de Preferência, Parecer, in Colectânea 1991, T. II, páginas 37 e seguintes).<br> Porém, o único pressuposto da preferência que aqui se questiona é o que exige que o adquirente do prédio visado pelo preferente não seja proprietário confinante.<br> Esta questão suscita-se por os 2. e 3. Réus - mas não os 4. - já serem efectivamente proprietários de prédio confinante, como resulta da facticidade contida na transcrita alínea F) da especificação.<br> Mas se assim é, então, em relação a eles, afigura-se prejudicada a possibilidade do Autor exercer o invocado direito de preferência, visto não se verificar, a seu respeito, o pressuposto ora enfocado.<br> Daqui decorre só poder o Autor exercer o seu direito de preferência contra os 4. Réus - que não são proprietários confinantes - mas isso é impossível, pois estes, irmanados como estão com os outros Réus (2. e 3.), relativamente ao prédio objecto de prolação, num elo de compropriedade, só poderiam ser atingidos, por tal direito, na sua quota ideal sobre aquele prédio.<br> Efectivamente, na compropriedade, cada um dos consortes tem apenas direito a uma fracção, a uma quota ideal não especificada de um objecto determinado (cfr. por todos: Professor Mota pinto, Compropriedade, in Rev. Dir. Est. Soc., ano XXI, ns. 1 a 4, páginas 95 e seguintes; Professores Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., páginas 344 e seguintes.<br> Ora, o direito de preferência conferido pelo artigo 1380, conforme claramente deflui dos seus próprios termos - e atentos os fins para que foi instituído - só pode recair sobre um prédio e não sobre uma quota ideal do mesmo.<br> É, por isso mesmo, que os Professores Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit. página 272), sustentam não assistir aos proprietários confinantes direito de preferência, em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio rústico, quer esse prédio se encontre em regime de compropriedade a um dos consortes transmitir a sua quota a um estranho, que não seja proprietário confinante, quer se encontre numa situação de propriedade plena, tendo o respectivo titular alienado uma quota do seu direito, também a favor de um estranho, que não seja proprietário confinante.<br> "Em nenhuma destas hipóteses" - escrevem aqueles ilustres civilistas - "deve ser reconhecido o direito de preferência aos proprietários confinantes com o prédio a que respeita a quota alienada. Em primeiro lugar, o artigo 1380, que é uma norma de natureza excepcional, apenas atribui o direito de opção na alienação de todo o prédio, e não na alienação de partes alíquotas. Por outro lado, a preferência na medida em que não proporcionaria a aquisição da propriedade plena do terreno, mas apenas de uma quota ideal, não permitiria alcançar o objectivo que está na base do artigo 1380 que é fomentar a exploração unitária de áreas que atinjam ou se aproximem de unidade de cultura economicamente aconselhável. Acresce que a preferência iria fazer ingressar um estranho na compropriedade, com todos os inconvenientes que normalmente daí decorrem. Encarando a lei com desfavor as situações de comunhão (vide os artigos 1409, 1412) e sabendo-se que mesmo quando estabelecida voluntariamente, constituem uma fonte permanente de conflitos, estranho seria que, através da regra do artigo 1380, se permitisse a aquisição da qualidade de comproprietário, sem o assentimento e até, em regra, contra a vontade dos demais consortes".<br> Embora um versar directamente as temáticas aqui tratadas, não deixa a doutrina exposta de ter o maior interesse para uma melhor clarificação e aprofundamento das razões e consequente solução aqui adoptada, com destaque para o facto das preferências atribuídas pelo artigo 1380 só poder recair sobre um prédio, no seu todo, e não sobre parte alíquota do mesmo.<br> Podemos, portanto, concluir que, face às premissas postas, o Autor não pode invocar, no âmbito do artigo 1380, direito de preferência perante todos os adquirentes, estando excluída a possibilidade de o exercer face aos 2. e 3., por já terem a qualidade dos proprietários confinantes.<br> Os únicos Réus - os 4. - contra quem poderia fazer a preferência, por não serem já proprietários confinantes, tem apenas uma quota do prédio objecto de opção, e essa, como se explicou, não pode ser objecto de tal direito.<br> Efectivamente o direito de preferência conferido pelo mandamento legal em apreço só pode recair sobre o prédio no seu todo - e não sobre parte alíquota do mesmo - e isso não é possível, pelas razões aduzidas, no caso sub judice.<br> O esquema lógico sobre que assenta o raciocínio que conduz ao estabelecimento desta conclusão afigura-se-nos irrepreensível face aos princípios chamados à colação, e, por isso, não pode ceder a razões que se perdem com a necessidade de emparcelamento da propriedade rústica, pois isso equivaleria a prinscindir de um dos pressupostos fundamentos do direito invocado, exigidos por lei.<br> Nestes termos, nega-se a revista, condenando-se os recorrentes nas custas.<br> <br> Lisboa, 9 de Novembro de 1999.<br> Machado Soares,<br> Fernandes de Magalhães,<br> Tomé de Carvalho.<br> <br> 1. Juízo Tribunal Judicial de Braga - P. 214/94.<br> Tribunal da Relação do Porto - P. 209/99 - 5. Secção. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> A, que se dedica à actividade de redacção, composição e edição, celebrou com B, em 11/1/94, o contrato intitulado "Contrato de Cedência de Direitos de Autor" documentado a fls. 36/37, no qual se estabeleceu que, sendo da Público a responsabilidade da edição, impressão e distribuição, esta pagaria ao B os direitos de autor relativos à realização do livro "Viagens - Espaços Portugueses", em 12 Fascículos.<br> Alegando que o B não cumpriu o acordo, a Público demandou-o judicialmente pedindo que fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 32906276 escudos, com juros de mora a contar da propositura da acção, sendo:<br> 1) Restituição do que já tinha pago ao R. - 4380000 escudos mais 286280 escudos de juros vencidos.<br> 2) Diferença na aquisição que fez de novos fascículos - 1239996 escudos.<br> 3) Diminuição das vendas dos jornais que publica - 11000000 escudos.<br> 4) Compensação dos prejuízos causados ao ICEP por não ter cumprido o contrato que com ele celebrou por causa de não cumprimento da R. - 16000000 escudos.<br> A R. contestou por impugnação, excepção e reconvenção, formulando contra o A. os seguintes pedidos:<br> 1) Condenação no pagamento da quantia que o R. receberia se o projecto fosse publicado, deduzindo-se o que já recebeu - 4380000 escudos.<br> 2) Condenação no pagamento das deslocações e estadias referidas na cláusula 2ª do contrato - 1440000 escudos.<br> 3) Condenação no pagamento de indemnização por danos morais provocados, pela má fé, bem como pelos prejuízos sofridos pela divulgação de um motivo falso para o atraso na publicação - 15000000 escudos.<br> 4) Compensação pelos danos materiais que tal divulgação causou - a determinar em execução de sentença.<br> 5) Condenação a publicitar a decisão relativa à causa da impossibilidade temporária de incumprimento por parte do R.<br> Na sentença final:<br> a) Foi julgada parcialmente procedente a acção, com a condenação do R. a devolver à A 4380000 escudos, acrescidos de juros desde a data da citação.<br> b) Foi julgada parcialmente procedente a reconvenção, com a condenação da A.:<br> 1) A pagar ao R. 500000 escudos, acrescidos de juros desde a notificação do pedido reconvencional.<br> 2) No pagamento dos danos materiais causados pela sua actuação, a liquidar em execução de sentença.<br> Apelaram a A. e o R.<br> A Relação considerou que o recurso do R. se limitou às seguintes questões:<br> 1ª Qualificação jurídica do contrato e respectivas consequências (aplicação do disposto no artº 1229º do C.Civil).<br> 2ª Não cumprimento do contrato pelo R. por motivo de doença como impossibilidade temporária ou definitiva da prestação.<br> 3ª Improcedência do pedido reconvencional relativo a despesas feitas pelo R. em execução do contrato.<br> E:<br> a) Julgou improcedente o recurso da A.<br> b) Julgou parcialmente o recurso do R., condenando-o a restituir à A. a importância com que efectivamente se acha enriquecido a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora desde a citação, assim revogando parcialmente a decisão recorrida.<br> Nestes termos:<br> 1- Tal como se entendeu na 1ª instância, o acordo celebrado entre a A. e o R. é um contrato atípico de prestação de serviços, não lhe sendo aplicável o artº 1229º do C.Civil.<br> 2- A doença do R. constituiu uma impossibilidade definitiva, dado que impediu a sua prestação dentro do prazo estabelecido, que era essencial.<br> 3- Há que distinguir as despesas referidas nas respostas aos quesitos 99º e 100º, das despesas referidas na resposta ao quesito 101º.<br> Quanto às primeiras, não podem ser atendidas porque o R. não formulou pedido quanto a elas a não ser nas alegações do recurso, tratando-se assim de questão nova.<br> Quanto às segundas, considerando que o R. recebeu da A. 4380000 escudos mas na execução do contrato fez despesas não apuradas com uma viagem pelo continente e ilhas, não tem de restituir tudo o que recebeu, mas apenas aquilo em que se acha efectivamente enriquecido, o que só pode ser determinado em execução de sentença.<br> O R. pediu revista formulando, em síntese, as seguintes conclusões: <br> O contrato a fls. 36 e 37 dos autos é um contrato de empreitada.<br> Fez-se uma errada qualificação jurídica, violando-se o art. 1207º do C.Civil.<br> O acórdão recorrido considerou haver uma situação de impossibilidade definitiva assentando em duas premissas erradas: A essencialidade para a A. que a obra estivesse pronta de forma a que os fascículos pudessem ser publicados nas datas fixadas; a perda de interesse da A. na prestação do R.<br> Não ficou demonstrado em que assentou aquela essencialidade.<br> Da carta da A. ao ICEP de 2/5/94 e da resposta ao quesito 89º, resulta que a A. manteve interesse na prestação do R.<br> A segunda premissa é mera presunção inadmissível, violando o artº 351º do C.Civil.<br> Não se encontram preenchidos os pressupostos do artº 792º, nº2, do C.Civil, não havendo lugar à aplicação do nº1 do artº 795º do mesmo Código.<br> A declaração da A. ao R. de 2/5/94, através da qual põe unilateralmente termo ao acordo de fls. 36 e 37, configura uma revogação/desistência do contrato prevista no artº 1229º do C.Civil.<br> Assim o R. nada tem que restituir à A. e esta deve pagar-lhe as despesas suportadas com a execução do contrato e a quantia equivalente ao proveito que ele poderia tirar da obra, não inferior a 8760000 escudos.<br> O R., em reconvenção, pediu, entre outros, que a A. fosse condenada a pagar-lhe a quantia que ele receberia se o projecto fosse publicado - 8760000 escudos.<br> Requereu simultaneamente o pagamento dos seus honorários pelo projecto e das despesas com a execução do projecto.<br> No preço a pagar pela A. ao R. estava incluído o reembolso de todas as despesas que o R. tivesse de realizar na execução do contrato.<br> A Relação violou os artºs 792º, nº2, 795º, nº2 e 1229º do CCivil e os artºs 659º nº3, e 660 nº2, do C.P.Civil.<br> A A. sustentou a improcedência do recurso.<br> 1-Qualificação jurídica do contrato e aplicação do disposto no artº 1229º do CCivil.<br> Como se lê do documento junto a fls. 36 e 37, para o qual a Relação remeteu:<br> A A. obrigou-se a pagar ao R., pelos direitos de autor relativos à realização do livro Viagens-Espaços Portugueses", em 12 Fascículos de 16 páginas cada, 8760000 escudos.<br> Pagou no momento da assinatura do contrato 3965000 escudos e antes, em Abril de 1993, 415000 escudos,<br> A A. obrigou-se a custear as despesas de deslocação e estadia do R., no âmbito da realização da obra, até ao máximo de 120000 escudos por cada fascículo.<br> Era da responsabilidade da A. a edição, impressão e distribuição da obra em 12 fascículos.<br> Considerou ainda a Relação provado:<br> A A. dedica-se à actividade de redacção e edição de publicações periódicas.<br> Os fascículos seriam distribuídos juntamente com a edição de domingo do jornal "Público", num total de 12 semanas, com início em Maio de 1994 e até 17 de Julho de 1994.<br> Com a distribuição dos fascículos a A. tinha como objectivo o aumento das vendas do jornal "Público".<br> O artº 83º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) considera contrato de edição aquele em que o autor concede a outrem, nas condições estipuladas ou previstas na lei, autorização para produzir por conta própria um número determinado de exemplares de uma obra ou conjunto de obras, assumindo a outra parte a obrigação de os distribuir e vender.<br> O contrato de edição pode ter por objecto obras futuras a publicar em fascículos - arts. 85º e 104º nº4, do mesmo Código.<br> "In casu" verificam-se os elementos constitutivos do contrato de edição: Reprodução, distribuição e venda da obra Oliveira Ascensão, Direito de Autor e Direitos Conexos, p. 439 e seg. .<br> A venda dos fascículos da obra do R. era incluída na venda da edição dominical do jornal Público (como se sabe de preço mais elevado devido ao Suplemento), esperando com isto a A. aumentar as vendas do jornal e assumindo os riscos da comercialização da obra.<br> Portanto, ao contrário do que entendeu a Relação, a A. e o R. não celebraram um contrato inominado ou atípico de prestação de serviços, mas um contrato que tem um nome (edição) e uma regulação própria no CDADC.<br> Pretende o recorrente que se trata de um contrato de empreitada, para daí tirar a consequência de se aplicar o disposto no art. 1129º do C.Civil à declaração junta a fls. 24 (alínea H da especificação), que diz configurar uma verdadeira desistência do contrato.<br> Diz-se naquela alínea da especificação: <br> "A A. endereçou ao R. uma carta cuja cópia se mostra junta a fls. 24".<br> Nesta carta, de 2/5/94, a A. comunicou ao R. que considerava nulo o contrato assinado em 11/1/94, nulidade resultante do total incumprimento das obrigações, prazos e demais cláusulas a que o R. se vinculara.<br> Observam Rubino-Moscati que o contrato de edição é uma espécie do contrato de empreitada, aplicando-se-lhe as regras deste que não estejam em contraste com as suas próprias regras "L’Appatto", 4ª ed. p. 20 e 21..<br> Isto não aproveita à pretensão do recorrente de ser aplicado o artº 1229º do CCivil, pois:<br> 1º A desistência ali prevista é "ad nuntum", o que a A. não manifestou na carta.<br> 2º É facultada ao comitente para impedir a ultimação da obra, o que não é o caso da A.<br> 2- A impossibilidade, por doença, do cumprimento da obrigação do R.<br> Considerou a Relação provado:<br> O R. obrigou-se a entregar à A. os textos definitivos (em diskette) dos 12 fascículos da obra, respectivamente em 1/4/94, 8/4/94, 15/4/94, 22/4/94, 29/4/94, 6/5/94, 13/5/94, 20/5/94, 21/5/94, 3/6/94, 10/6/94 e 17/6/94.<br> Isto porque os fascículos deviam ser distribuídos com a edição dominical do jornal Público a partir de Maio de 1994 e até 17 de Junho do mesmo ano, considerando ser aquela a época em que se planeiam as férias de verão e os leitores estão mais vocacionados para aquele tipo de leitura, deixando de o estar se a publicação se verificasse noutra altura. E tendo a distribuição dos fascículos como objectivo o aumento das vendas do jornal, este só era alcançado se os leitores aderissem bem ao tema proposto.<br> O R. não entregou à A. qualquer fascículo.<br> Sabia que para a A. era essencial que a obra estivesse pronta de forma a os fascículos poderem ser publicados nas datas fixadas.<br> Entre 31 de Janeiro e 12 de Março de 1994, o R. viajou por todo o continente e ilhas.<br> Abrandou o seu ritmo de trabalho mas começou a ter problemas de saúde, nomeadamente cardíacos. Uma médica especialista afirmou-lhe ser necessário parar toda a actividade pelo menos durante uma semana.<br> A conselho do médico foi repousar para o apartamento de uns amigos. O seu estado de saúde piorou. Completamente esgotado em termos físicos foi a dois médicos, um neurologista e outro psiquiatra. Ambos determinaram ser fundamental para o R. descansar e manter-se totalmente afastado do trabalho e de qualquer ocupação.<br> E fundamentou:<br> Resulta do art 792º, nº2 do C.Civil, que a impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor. A impossibilidade temporária equivale à definitiva quando seja muito improvável que ela venha a cessar ou quando a eventual cessação venha a ocorrer em momento em que a prestação já não interesse no credor.<br> Era essencial para a A. que a obra estivesse pronta de forma a que os fascículos pudessem ser publicados nas datas fixadas no contrato.<br> Houve assim impossibilidade definitiva, não imputável ao R. considerando o seu estado de saúde, aplicando-se o art 795º nº1 do CCivil.<br> É irrelevante a resposta dada no quesito 89º - "A A. poderia proceder à publicação da obra nos meses de Maio, Junho e Julho de 1995", pois não está provado que a A. em tal tenha demonstrado interesse.<br> A A. enviou ao ICEP a carta junta a fls. 355 propondo uma edição de 10 fascículos, a partir de finais de Outubro de 1994, da autoria do jornalista Fernando Da Costa. Mas daqui, ao contrário do que pretende o R., não se pode concluir que não era essencial para a A. o cumprimento das datas fixadas no contrato de fls. 36 e 32, não se sabendo sequer se a obra proposta ao ICEP tinha as mesmas características.<div>*</div>A Relação não decidiu com base em presunções.<br> Pretende o recorrente que a A. manteve interesse na publicação da sua obra para além das datas fixadas no contrato, como resulta da resposta ao quesito 89º e da carta junta a fls. 355, o que impede que se considere como demonstrada a essencialidade do prazo fixado no contrato.<br> Nada menos exacto.<br> O contrato teve em vista a programação editorial da A. para 1994 e não para 1995 e, como diz a Relação, da resposta ao quesito 89º não resulta que a A. tivesse interesse na publicação da obra do R. em 1995.<br> Quanto à edição da obra do jornalista F. Dacosta, como diz também a Relação, não está demonstrado que tivesse as mesmas características da obra do R. sendo um sucedâneo.<div>*</div>3- Pedido reconvencional quanto às despesas feitas pelo R. em execução do contrato.<br> Consta das respostas aos quesitos 99º, 100º e 101º.<br> 1- O R. fez gastos em livros, imprensa de informação geral e especializada, material de escritório, milhares de fotocópias, correspondência, faxes, transportes, despesas de representação e táxis (99º)<br> 2- O R. adquiriu publicações e equipamento informático e de telecomunicações (100º)<br> 3- O R. teve de custear parte da viagem que fez por todo o continente e ilhas (101º).<br> Salvo o devido respeito, as despesas referidas nos quesitos 99º e 100º não constituíam questão nova. E tanto assim que, incluídas no questionário, delas se conheceu na decisão da 1ª instância.<br> Integravam assim questão de que a Relação devia conhecer - artº 660º nº2, do C.P.Civil.<br> Porém, e como diz a Relação, aquelas despesas não foram incluídas no pedido reconvencional que apenas se referiu às despesas inseridas no quesito 101º.<br> O pedido de condenação da A. no pagamento da quantia que a R. receberia se o projecto fosse publicado, deduzindo-se aquela que já recebeu (4380000 escudos), não envolveu simultaneamente o pedido de pagamento das outras despesas, como a recorrente desajeitadamente argumenta. Como é transparente, limitou-se aos 8760000 escudos estipulados no contrato que, deduzidos os 415000 escudos + 3965000 escudos que o R. recebeu, correspondem aos 4380000 escudos.<br> Ora, se o pedido reconvencional não incluiu as despesas referidas nas respostas aos quesitos, a A. não pode ser condenada no pagamento destas - arts 661º, nº1, e 668º, nº1, e), do C.P.Civil -, como pede o recorrente.<br> Nestes termos negam a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 29 de Junho de 1999.<br> Afonso de Melo,<br> João Magalhães,<br> Machado Soares.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> 1. A, Lda pediu a condenação da COMPANHIA DE SEGUROS B. - em acção intentada, em 31 de Dezembro de 1993, no Tribunal Judicial de Loulé - no pagamento, designadamente, da quantia de 1428000 escudos, como indemnização dos prejuízos decorrentes da imobilização do seu veículo VF, por ter sido embatido pelo HP - com culpa do condutor deste -, em acidente ocorrido em 19 de Fevereiro de 1992, na E.N. 125.<br> Alegou que o VF ficou paralisado 204 dias, tendo computado o prejuízo diário em 7000 escudos.<br> 2. Após contestação, foi elaborado o despacho saneador e organizada a peça condensadora e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença, em 20 de Setembro de 1996, a considerar o condutor do HP o único culpado na produção do acidente, mas a absolver a Ré do mencionado pedido indemnizatório, por não terem ficado provados prejuízos" para A, Lda.<br> 3. Inconformada, esta apelou, sustentando que, face à matéria provada, a Ré deveria ter sido condenada a pagar-lhe "os prejuízos decorrentes da imobilização do veículo, a liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 661 n. 2 do Código de Processo Civil".<br> Com êxito, diga-se, pois a Relação de Évora, por Acórdão de 7 de Maio de 1998, condenou a Ré a pagar a A "a indemnização que se vier a apurar em execução de sentença correspondente ao dano da privação de uso do veículo VF durante o período de imobilização do mesmo na sequência do acidente destes autos, a calcular pelo rendimento que o mesmo poderia proporcionar se pudesse ser alugado".<br> 4. Irresignada, a Ré recorreu de revista, pugnando pela revogação desse Acórdão - com fundamento na violação dos artigos 564 n. 1 e 566 n. 1 do Código Civil e 661 n. 2 do Código de Processo Civil - e pela sua consequente absolvição do aludido pedido, tendo concluído, nas suas alegações:<br> I - "Independente dos critérios para a fixação de tal indemnização nos parecerem, independente da consideração que nos merecem, arbitrários e carecidos de enquadramento legal nos artigos 564 n. 1 e 566 n. 1 do Código Civil, a verdade é que tal decisão, para ser susceptível de concretização prática, implicaria alteração da matéria de facto assente".<br> II - "Efectivamente, não tendo a ora recorrida logrado provar qual o tempo de paralisação do veículo constante do quesito 32, nem os demais factos alegados referentes aos prejuízos que diz ter sofrido, não poderá agora, em sede de execução de sentença, renovar a prova que não fez.<br> 5. Em contra-alegações, a Autora bateu-se pela confirmação do julgado.<br> Foram colhidos os vistos.<br> 6. Eis os factos, com relevância para a apreciação do presente recurso, que as instâncias consideraram provados: a) O HP embateu violentamente nas traseiras do VF, pertencente à Autora - E). b) O VF era utilizado 6 dias por semana pela Autora no transporte de pessoal e material - 27 e 31. c) A Autora teve de utilizar outros veículos - 28.<br> 7. Perante esta matéria fáctica, a única questão que importa dilucidar é esta:<br> Justificar-se-ia, como entendeu a Relação, a relegação para liquidação em execução de sentença "do dano da privação de uso do veículo VF durante o período de imobilização do mesmo na sequência do acidente"?<br> Nos termos do n. 2 do artigo 661 do Código de Processo Civil, "se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade", o tribunal "condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida".<br> Por sua vez, o artigo 565 do Código Civil permite que o tribunal, no caso de a indemnização dever ser fixada em execução de sentença, condena desde logo o devedor no pagamento do quantitativo que considere provado.<br> E o artigo 566 do mesmo Diploma dispõe no seu n. 3, que, "se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados".<br> Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade.<br> O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor.<br> Só quando o tribunal verificar a existência de um dano, mas não dispuser de dados que possibilitem a sua quantificação, é que pode e deve relegar para execução de sentença a fixação do seu montante.<br> Assim, só é possível quantificar na liquidação em execução de sentença o que, na acção declarativa, se tiver apurado que existe.<br> Trata-se de situação em que, estando provada a verificação do dano, apenas não existem elementos de facto para operar a sua quantificação, o seu valor.<br> A existência do dano, como pressuposto de obrigação de indemnizar, tem de ser provada, por conseguinte, em acção declarativa, só se podendo deixar para a execução de sentença a determinação meramente quantitativa do seu valor.<br> Daí que se torne inviável a liquidação futura de um dano indemonstrado: tal constitui um impossível lógico.<br> 8. No caso ajuizado, a Autora pediu a condenação da Ré no pagamento da indemnização de 1423000 escudos "pelos prejuízos decorrentes de imobilização" do VF, tendo sido vertida no quesito 32 a pertinente factualidade articulada.<br> Todavia, esse quesito, em que se perguntava se o VF "ficou paralisado durante 204 dias", mereceu um rotundo "NÃO PROVADO".<br> Quer dizer, não tendo ficado demonstrada a existência da imobilização do veículo, afastada ficou a existência de danos advindos da paralisação... afinal inexistente.<br> Ao considerar que a Ré devia "reconstituir a disponibilidade do veículo no período em que durou a sua imobilização", a Relação partiu do pressuposto, indemonstrado, de que tinha havido imobilização.<br> O que significa que não podia fazer funcionar o comando do n. 2 do artigo 661 do Código de Processo Civil, condenando a Ré a pagar à Autora a indemnização a liquidar em execução de sentença "correspondente ao dano da privação de uso" do VF, "durante o período de imobilização" deste.<br> 9. Em consequência, dando-se provimento ao recurso, revoga-se o Acórdão impugnado, para ficar a prevalecer o decidido na 1. instância.<br> Custas neste Supremo e na Relação pela Autora.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1998.<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça,<br> Francisco Lourenço.<br> Tribunal Judicial da Comarca de Loulé - Processo n. 1/94 - 1.<br> Tribunal da Relação de Évora - Processo 965/97 - 2.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.<br> A recorre de revista do acordão da Relação de Lisboa (pagina 180), que revogou a sentença da primeira instancia "... na parte em que a quantia apurada de 500000 escudos declarou acrescerem juros desde 7 de Setembro de 1982 ate final pagamento, as taxas indicadas na mesma sentença ..."; e concluiu a sua alegação nestes sentidos (pagina 205 - 206):<br> I - por não terem sido encontradas as coisas cuja entrega o exequente veio requerer, a presente execução foi convertida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 931 do Codigo de Processo Civil (como serão as disposições legais adiante referidas que não levem indicação expressa em contrario);<br> II - e, em primeira instancia, conforme a sentença de paginas<br> 143 e seguintes, o valor das mesmas veio a ser fixado em 500000 escudos, a que deverão acrescer juros as taxas legais, a contar de 9 de Setembro de 1982, data da notificação da executada para contestar os artigos de liquidação que o exequente deduziu;<br> III - o acordão recorrido, porem, revogou essa sentença, na parte respeitante aos juros, por se entender que so o valor das coisas pode ser liquidado, a nada mais tendo direito o exequente;<br> IV - no entanto, a obrigação exequenda passou a ter a natureza de obrigação pecuniaria, por efeito da conversão, e de harmonia com esse artigo 931;<br> V - e, nas obrigações pecuniarias, quando o devedor se constitui em mora, o credor tem direito aos correspondentes juros legais, a titulo de indemnização - artigos 804 e 806 do Codigo Civil;<br> VI - como se trata de indemnização fixada por lei "a parfait..", o credor não tem que provar os prejuizos sofridos;<br> VII - no caso vertente, a iliquidez do credito e imputavel a propria executada, que não entregou, como devia, as coisas que o exequente pretendia, praticando assim um acto ilicito;<br> VIII - pelo que não havia lugar a interpelação, para que ficasse constituida em mora, e obrigada ao pagamento dos juros, desde a data da notificação certificada a pagina 31 (artigo 805, n. 3, do Codigo Civil);<br> IX - se porventura assim não fosse, os juros seriam devidos a partir de 21 de Junho de 1983, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 262/83, de 16 de Junho, o qual veio dar nova redacção no artigo 805 n. 3, Codigo Civil;<br> X - as novas leis que estabelecem taxas de juro, ou modificam as existentes, aplicam-se imediatamente, mesmo com relação a creditos anteriores;<br> XI - assim, o acordão recorrido violou os artigos 804 n. 1; 805 n. 3; e 806 do Codigo Civil, assim como, por erro de interpretação, o artigo 931 n. 1 do Codigo de Processo Civil.<br> Nestas bases, o recorrente pediu a revogação do acordão recorrido, mantendo-se a sentença da primeira instancia.<br> A recorrida suscitou a questão previa de suspensão desta lide ate que seja proferida decisão final na revista n. 79139; no tocante ao objecto do recurso, pediu a confirmação do acordão recorrido.<br> O despacho de pagina 217 determinou que a questão previa colocada na alegação não tera seguimento, se não for objecto de requerimento; o que não ocorreu.<br> Não havendo qualquer outra a considerar, passa-se a conhecer do recurso.<br> A Relação considerou provado (pagina 181): - na descrição de bens partilhados no referido inventario facultativo, para partilha de bens, em consequencia do divorcio entre as partes, constam dois jarros em prata, dois cestos em prata, seis fruteiros em prata e casquinha, tres pratos cobertos, sendo dois em casquinha e o outro em prata, um tabuleiro para serviço de cha em prata, um serviço de cha em prata, tres lavabos em prata, seis bandejas em prata, correspondentes respectivamente as verbas ns. 2 a 6; 15; 16; 18; 7 a 10, conforme paginas 276 e 285 desse inventario.<br> - a Directoria da Policia Judiciaria emitiu a certidão de pagina 30 dos apensos embargos de executado, datados de 23 de Junho de 1981.<br> - cada um dos objectos, acima mencionados, consta da verba e tem o valor a seguir respectivamente indicados: jarro em prata - verba 3 - 17500 escudos. jarro em prata - verba 2 - 30000 escudos. cesto em prata - verba 4 - 25000 escudos. o outro cesto, - verba 5 - 20000 escudos. os dois fruteiros, - verba 6 - 35000 escudos. o prato coberto em prata - verba 7 - 5500 escudos. os dois pratos em casquinha - verba 8 - 5000 escudos. o tabuleiro para serviço cha - verba 9 -100000 escudos. serviço de cha - verba 10 -110000 escudos. os tres lavabos - verba 12 - 6000 escudos. o fruteiro - verba 15 - 5000 escudos. os dois fruteiros - verba 16 - 30000 escudos. as seis bandejas - verba 17 - 60000 escudos. o fruteiro em casquinha - verba 18 - 1500 escudos.<br> Todos os referidos objectos estariam usados, montando o seu valor total a 500000 escudos (quinhentos mil escudos), e não foram encontrados.<br> Quando, num processo de execução para entrega de coisa certa, esta não for encontrada, o exequente pode, no mesmo processo, fazer liquidar o seu valor e as perdas e danos provenientes da falta da entrega da coisa - artigo 931.<br> Então a execução converte-se "... numa forma processual semelhante a execução para entrega de quantia certa..." da qual diverge em varios pormenores - Castro Mendes, "Direito Processual Civil", edição 1987, III, pagina 507.<br> E aqui sintematico que a epigrafe do apontado artigo 931 seja: "conversão da execução", quando a do correspondente preceito (com a mesma numeração) do Codigo de 1939 era: "conversão em execução para pagamento de quantia certa"; o que, como vimos, não e exacto rigorosamente, como ja acontecia com o Codigo de 1939 (Manuel de Andrade, "Lições de Processo Civil", edição 1945, pagina 232).<br> Essa conversão fica confiada a iniciativa do exequente, e consiste na liquidação:<br> 1 - do valor da coisa não entregue;<br> 2 - das perdas e danos provenientes da falta da entrega, ou seja dos prejuizos que o credor porventura haja sofrido e sejam provenientes do facto de a coisa não lhe ter sido entregue na acção executiva (Alberto dos Reis, "Processo de Execução" II pagina 549).<br> Este "numerus clausus" do ambito da liquidação não abarca os juros do valor da coisa, não entregue como resulta claramente do artigo 931, em referencia: e ate da propria noção de juros como "... frutos civis constituidos por coisas fungiveis, que representam o rendimento de uma obrigação de capital...", ou seja "... a compensação que o obrigado deve pela utilização temporaria de certo capital, sendo o seu montante em regra previamente determinado como uma fracção do capital correspondente ao tempo da sua utilização..." Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", I, 6 edição, pagina 739, e 2 edição pagina 727; Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 4 edição pags. 508 - 509; Noções de Direito Civil", 2 edição, pagina 161.<br> Com efeito, o artigo 931 não aponta para a liquidação de quaisquer rendimentos de uma obrigação de capital, mas para algo de muito diverso - as perdas e danos provenientes da falta de entrega... se efectivamente ocorreram.<br> O caracter obviamente eventual destes prejuizos ressalta da passagem seguinte de Alberto dos Reis (obra e volume citados, pagina 548): "... o credor propõe acção para obter a condenação do devedor a fazer a entrega.<br> Se sofreu prejuizos pela facto da mora do devedor e quer ser indemnizado..." (sendo nosso o destaque da condicional "Se").<br> O que não se ajusta a constatação de que "...o dinheiro com colocação facil, produz sempre rendimento certo...", como o proprio recorrente admite a pagina 202.<br> Por outro lado, e secundariamente, a Relação aponta-nos ainda que os quinhentos mil escudos encontrados, como valor global dos moveis a entregar, resultam de uma "...revalorização dos bens que o exequente devia receber..." (pagina 182).<br> Ora, não e possivel cumular juros de mora com o montante decorrente da correcção monetaria, como este Supremo Tribunal entendeu no seu acordão de 6 de Outubro de 1987 ("Boletim", 370, pagina 505).<br> Razões por que rejeitamos as conclusões IV e seguintes do recorrente, e as restantes não lhe aproveitam.<br> Termos em que negamos revista, e confirmamos a decisão recorrida, com custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 28 de Maio de 1991.<br> Beça Pereira;<br> Simões Ventura;<br> Miguel Montenegro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> I<br> 1. A, e mulher B, propuseram no Tribunal Judicial de Torres Novas, em 21.9.95, acção declarativa com processo sumário contra C pedindo:<br> - o reconhecimento do direito de preferência na venda do prédio rústico formalizada por escritura de 28.6.91, referida no artigo 4º da petição inicial;<br> - a adjudicação desse prédio aos autores, em substituição da ré, compradora, que deverá ser condenada a abrir mão dele e a entregá-lo aos autores;<br> - o cancelamento de quaisquer registos feitos com base na escritura de venda.<br> Para tanto alegaram, em síntese, que:<br> - por escritura pública outorgada em 16.7.86 adquiriram o prédio rústico identificado nos artigos 1º e 2º da petição inicial;<br> - contíguo a este seu prédio, com ele confrontando pelo Norte, está o prédio rústico adquirido pela ré, encravado, não tendo qualquer contacto directo com a via pública;<br> - há mais de 30 anos que, para acesso a este prédio, os respectivos proprietários sempre utilizaram uma serventia de terra batida, com cerca de 3m de largura, atravessando o imóvel dos autores;<br> - o prédio encravado foi adquirido pela ré, por escritura de 28.6.91, de que os autores só tiveram conhecimento em 5.6.95.<br> <br> A ré contestou por impugnação e por excepção; à cautela, deduziu reconvenção, pedindo o pagamento do que fosse liquidado em execução de sentença, correspondente a obras que realizou no prédio, após 28.6.91.<br> Houve reclamação, desatendida, da especificação e questionário.<br> Após realizada a audiência de julgamento, foi lavrada sentença, a 1.7.97, que julgou procedente a acção, e improcedente a reconvenção.<br> Apelou a ré, mas sem êxito, já que o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 12.5.98, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença apelada.<br> <br> 2. Continuando inconformada, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça oferecendo alegações que remata com as seguintes conclusões:<br> "1ª A servidão que serviu de fundamento ao direito de preferência do A. era uma servidão constituída por usucapião.<br> 2a As servidões constituídas por usucapião não são servidões legais.<br> 3ª Uma vez que as servidões legais apenas podem constituir-se por negócio jurídico - contrato ou testamento -, sentença judicial ou decisão administrativa.<br> 4ª Ou seja, por modos voluntários, na ausência dos quais poderão ser impostas coercivamente.<br> 5ª Ora a coercibilidade não existe nas servidões adquiridas por usucapião daqui (sic) as mesmas decorram da posse ou da invocação do seu uso, sem que haja vontade negocial, como no caso dos incapazes - artigos 1266º, 1298º, nº 2, 301º e 303º, aplicáveis "ex vi" do artº. 1292º todos do C.C.. <br> 6ª O regime próprio das servidões legais de passagem, firmado nos artigos 1550º, 1551º, 1553º, 1554º e 1569º nº 3, não se aplica, em nenhum dos seus pontos às servidões constituídas por usucapião (e por destinação de pai de família), pelo que não podendo considerar-se como servidões legais, lhe é inaplicável a preferência legal consignada no artº. 1555º.<br> 7ª Desde logo e no que tange ao requisito do artº.1550 - prédio encravado - o qual nas servidões adquiridas por usucapião pode nem sequer chegar a existir, caso a posse do direito de passagem seja anterior à falta de comunicação suficiente com a via pública, o que não foi alegado sequer nesta acção.<br> 8ª A evolução legislativa, conforme aos antecedentes históricos do artº. 1555º, vai no sentido de restringir as situações em que se reconhece o direito de preferência.<br> 9ª Limitando, expressamente, essa possibilidade às servidões legais de passagem.<br> 10ª Compensando, assim, com o direito de preferência a limitação da liberdade contratual resultante da ameaça ou do recurso efectivo a meios coactivos.<br> 11ª Sendo certo que, essa falta de liberdade, não existe nas servidões adquiridas por usucapião, pelo que a "ratio" do preceito lhe é alheia, não justificando, por isso, o alargamento de tal preferência.<br> 12ª Por outro lado, o carácter excepcional das preferências legais, impede a sua aplicação analógica.<br> 13ª A servidão de passagem que foi reconhecida aos recorridos, não é fundamento de direito de preferência que, aliás, a sentença lhe conferiu e o acórdão recorrido confirmou pelo que foi violado o disposto no nº 1 do artº. 1555º e no nº 2 do artº. 1557º, ambos do C.C.<br> 14ª Admitindo-se, por mera hipótese, a confirmação do acórdão, deverá excluir-se na parte decisória, do alcance da preferência, o prédio urbano construído pela R. depois da compra".<br> <br> Pugnou-se, nas contra-alegações, pela confirmação do decidido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> O acórdão recorrido deu como assente o seguinte quadro factual (elencar-se-ão por letras, os factos especificados, e por números, os factos emergentes do questionário):<br> ESPECIFICAÇÃO<br> "A- No dia 16 de Julho de 1986, no Cartório Notarial de Torres Novas, D e marido, E, declararam vender a A e este declarou comprar-lhes, pela quantia de 140000 escudos, um prédio rústico composto de terra de semeadura, com oliveiras, figueiras, árvores de fruto e um poço com engenho de ferro, com a área de 2900 m2, sito no Cabrimau, freguesia de Olaia, concelho de T. Novas, descrito na Conservatória sob o n° 158, inscrito na matriz rústica daquela freguesia sob o art. 753 .<br> B- Tal prédio confronta a Norte com outro prédio rústico, composto de solo subjacente de cultura arvense com olival, amendoeiras, figueiras, horta, pomar e cultura arvense de regadio, com a área de 13280 m2, inscrito na matriz sob o art. 108 e 140 da Secção O e descrito na Conservatória do Registo Predial de T. Novas sob o n° 973 da freguesia da Olaia.<br> C- Em 28 de Junho de 1991, no Cartório Notarial de Constância, F, G e H declararam vender a C e esta declarou comprar-lhes, pela quantia de 800000 escudos, o predito prédio.<br> D- Este não tem qualquer contacto directo com a via pública.<br> E- O acesso a ele é feito através duma serventia, com cerca de 3 ms de largura.<br> F- Que atravessa o prédio dos Autores.<br> G- Essa serventia é em terra batida.<br> H- Por ela passam pessoas e veículos de tracção animal e motriz com destino ao prédio dito em B.<br> I- Tanto os AA como os seus antecessores sempre reconheceram o direito de passagem no prédio dito em A, para o prédio referido em B.<br> J- Esta situação existe há mais de 30 anos.<br> <br> QUESTIONÁRIO<br> 1. O F, antes de contactar com a Ré, para saber se estaria interessada na compra, perguntou ao Autor se queria comprar o prédio dito em B (resposta ao quesito 2).<br> 2. E este respondeu que não, pois não tinha dinheiro para o efeito (resposta ao quesito 3).<br> 3. Mais tarde, o H informou que queria vender a sua parte do prédio descrito em B. na taberna do "filho da Custódia" (resposta ao quesito 4).<br> 4. No prédio descrito em B, havia um barracão (resposta ao quesito 8).<br> 5. Em 1994, a Ré iniciou, a expensas suas, no prédio descrito em B, obras de reconstrução e adaptação ao uso habitacional (resposta ao quesito 9).<br> 6. As quais consistiram em :<br> - substituição de paredes ;<br> - elevação do pé direito;<br> - elevação do telhado e aproveitamento do sótão;<br> - colocação de placas de soalho e de cobertura em betão e ferro;<br> - substituição integral da cobertura;<br> - colocação de telha e forro interior;<br> - divisão do espaço interior e reboco de paredes e tectos interiores e exteriores;<br> - revestimentos e azulejaria;<br> - assentamento de soalho e ladrilhos;<br> - construção de cozinha e casas de banho;<br> - execução e instalação de infra-estruturas de electricidade, esgotos e águas;<br> - alumínios;<br> - madeiramento;<br> - portas;<br> - janelas; <br> - pinturas;<br> - mármores;<br> - muros exteriores em pedra de alvenaria;<br> - arranjos do espaço exterior circundante: calcetamento e pavimento do logradouro e ajardinamento (resposta ao quesito 10).<br> 7. Para efectuar tais obras, a Ré teve despesas de projecto e junto da Câmara Municipal (resposta ao quesito 11)".<br> III<br> São as conclusões da alegação que delimitam o âmbito do recurso (artigos 683º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC).<br> Sendo certo que, no caso presente, o âmbito da revista surge claramente mais circunscrito, quando cotejado com o da apelação.<br> Efectivamente, é a própria recorrente a proclamar que são apenas duas as questões ora em causa - questões que enuncia assim:<br> - "Saber se as servidões constituídas por usucapião são servidões legais de passagem na previsão do disposto no artigo 1555º do Código Civil;<br> - Decidir se na parte decisória da sentença se deverá excluir taxativamente do alcance da preferência o prédio urbano construído pela ré, depois da compra".<br> <br> Abordá-las-emos por essa ordem.<br> 1. O artigo 2271º do Código Civil de 1867 distinguia três modos de constituição das servidões e, daí, a tripartição das servidões em voluntárias ("por facto do homem"), naturais ("pela natureza das coisas") e legais ("pela lei").<br> As servidões legais são impostas pela lei, mas "não resultam imediatamente da lei, quer dizer, não bastam, para a sua constituição, as normas legais que as impõem... A lei impõe a servidão. O direito a ela representa um poder objectivo ou legal... Para que se constitua a servidão, necessário se torna que, por meio de um negócio jurídico, pela posse, ou por acção judicial, se exerça esse poder. Estas servidões apresentam-se assim como restrições ao direito de propriedade, estabelecidas por lei, mas só mediatamente. Imediatamente elas resultam daquele negócio, da posse ou da acção judicial. Daqui resulta que nesta espécie de encargos há dois momentos a distinguir. Enquanto a servidão não está constituída é uma restrição legal ao direito de propriedade, que entra na regulamentação objectiva deste direito...Mas, uma vez constituída, fica sujeita ao mesmo regime que as outras servidões cuja constituição não é imposta por lei. Quando falamos em servidão legal temos em vista o primeiro momento - o poder legal que a lei confere para a constituição da servidão. Neste aspecto é que as servidões legais se distinguem das servidões propriamente ditas que não são impostas por lei. A servidão legal é um encargo normal sobre a propriedade, ao passo que a servidão propriamente dita é um encargo excepcional" (Pires de Lima, "Lições de Direito Civil - Direitos Reais", publicadas por David Augusto Fernandes, 4ª ed., 1958, pp. 312-314).<br> E mais adiante (pp. 328-329), o mesmo Autor escreve:<br> "Quando se fala em servidão legal tem-se em vista o encargo normal sobre a propriedade, isto é, aquele poder legal de constituir uma servidão, que é reconhecido por lei, desde que se verifiquem certas condições. No uso deste poder legal pode, por facto voluntário ou por sentença, constituir-se uma servidão propriamente dita... Mas este segundo momento - a constituição efectiva da servidão - já nada tem que ver com a sua imposição por lei, que é o primeiro momento e que constitui precisamente a servidão legal... as servidões legais são impostas por lei apenas mediatamente, o que significa que a sua constituição fica dependente da intervenção do homem, dum facto voluntário, do qual imediatamente derivam...podem ser estabelecidas coercivamente sobre um prédio, desde que se verifiquem as condições exigidas na lei".<br> Finalmente, lê-se a pp. 338-339:<br> "a lei apenas reconhece o direito a que se constitua a servidão; dá um poder objectivo, poder que se subjectiva no momento em que a servidão se constitui. É necessário portanto um título pelo qual imediatamente se constitua a servidão, determinando-se, por esse título, o conteúdo dessa servidão ou o modo porque deve ser exercido o respectivo direito. Quais então os factos por que se constituem as servidões legais?".<br> Posta esta interrogação, o Professor que vimos acompanhando, após breve referência a esses factos - acordo dos interessados, sentença, destinação do pai de família e prescrição -, responde assim:<br> "Vê-se deste modo que as servidões legais podem constituir-se, além da sentença, pelos mesmos modos por que se podem constituir as servidões voluntárias" (entendimento reafirmado a fls. 368).<br> Conclusão esta que também vamos encontrar em Pires de Lima, "Noções Fundamentais de Direito Civil", vol. II, 4ª ed., 1958, p. 116:<br> "Quanto às servidões legais, além dos modos de aquisição aludidos [e que são, segundo o artigo 2272º "qualquer modo de adquirir declarado no presente Código", logo, "quer por negócio jurídico, quer por prescrição"], devemos acrescentar a sentença. Na verdade, se as partes não concordarem voluntariamente na sua constituição, concede a lei ao proprietário do prédio dominante o poder de a constituir por via judicial, obtendo uma sentença que reconheça o seu direito e ordene a constituição de servidão".<br> <br> 1.1. Releve-se a extensão das transcrições a que intencionalmente procedemos, no convencimento de que elas terão trazido alguma luz (clarificando e afinando conceitos) - assim se espera - a uma temática onde parece lavrar alguma imprecisão.<br> Além de que essas considerações, embora produzidas na vigência do Código Civil de Seabra, mantêm, no essencial, plena validade e pertinência no actual quadro legal, como desde logo resulta das anotações aos artigos respectivos - mormente aos artigos 1543º, 1547º e 1548º - do "CC Anotado", vol. III, de Pires de Lima e Antunes Varela.<br> <br> 2. O conceito de servidão encontra-se hoje plasmado no artigo 1543º do CC, que dispõe:<br> "Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia".<br> Daqui resultam quatro notas fundamentais: a servidão é um encargo; o encargo recai sobre um prédio; aproveita exclusivamente a outro prédio; os prédios têm de pertencer a donos diferentes (Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", vol. III, 1972, pp. 564-568).<br> <br> O artigo 1547º rege sobre a constituição das servidões:<br> "1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.<br> 2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos".<br> O nº 1 enuncia quatro títulos (ou modos) de constituição voluntária (terminologia porventura não muito rigorosa, perante as servidões constituídas por usucapião) das servidões: contrato, testamento, usucapião e destinação do pai de família (correspondendo às servidões constituídas "por facto do homem", na terminologia do artigo 2271º do CC de 1867).<br> O nº 2 reporta-se às servidões legais - servidões que podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, na falta de constituição voluntária.<br> <br> 2.1. Ao menos numa primeira aproximação, não pode deixar de reconhecer-se que o segmento intencionalmente acabado de sublinhar aponta claramente para a previsão, do nº 1, que imediatamente o precede, significando, portanto, que as servidões legais também podem ser constituídas por qualquer dos títulos nesse nº 1 elencados.<br> E se tal emerge de uma primeira abordagem de ordem essencialmente literal, a verdade é que o excurso antes efectuado permite que ora se afirme, com alguma segurança, que a essa conclusão conduzem os elementos histórico, sistemático, e teleológico ou racional da interpretação da lei. <br> Conclusão reforçada pelo que se dispõe no artigo imediato - 1548º -, que apenas exclui da constituição por usucapião as servidões não aparentes, abrangendo, consequentemente, todas as demais, servidões legais incluídas.<br> <br> 2.2. Neste mesmo sentido se pronunciam também, inequivocamente, Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", vol. III, 1972, parte final da anotação 4., p. 577, ao considerarem que a aquisição por usucapião é válida para todas as servidões (com excepção das não aparentes).<br> Autores que na anotação ao artigo 1293º (pp. 63-64) consideram que em 1930 se chegou à solução mais razoável - solução que se traduziu em restringir às servidões não aparentes (sem que se distinga, por forma a tornar legítima a conclusão de que também estão compreendidas as servidões legais) a impossibilidade de constituição por usucapião.<br> <br> 2.3. É também este o entendimento que se colhe em "Direitos Reais", segundo as prelecções de Mota Pinto ao 4º Ano Jurídico de 1970-1971, publicação de Álvaro Moreira e Carlos Fraga:<br> "Para além das quatro formas referidas de constituição de servidões - contratual, testamentária, usucapião e destinação do pai de família - referidas no nº 1 do artigo 1547º citado, podem estas também constituir-se, nos termos do nº 2 da mesma disposição, por sentença judicial" (pp. 323-324).<br> E se este passo é deveras significativo, o mesmo entendimento já se deduzia, com alguma segurança, de p. 321, onde se considera, irrestritamente, que as servidões podem, também, constituir-se por usucapião, embora só sejam susceptíveis deste modo de aquisição as chamadas servidões aparentes.<br> Refira-se, a rematar, que este último raciocínio é igualmente válido e aplicável ao que Luís A. Carvalho Fernandes escreve a fls. 430-431 das suas "Lições de Direitos Reais", 2ª ed., 1997, assumindo, porém, maior significado e pertinência o seguinte trecho:<br> "A constituição coactiva ou coerciva das servidões é própria das servidões legais, o que não significa, como logo se deixa ver da simples leitura do nº 2 do artigo 1547º, a exclusão da possibilidade de, em relação a elas, se verificar a constituição voluntária" (p. 432). <br> <br> 3. Ficou, assim, demonstrado que as servidões legais se podem constituir, também, por usucapião.<br> Entre as servidões legais, prevê o Código Civil as servidões legais de passagem (artigos 1550º a 1556º), dispondo no artigo 1550º:<br> "1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. <br> 2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio". <br> <br> Nos termos deste último normativo, gozam de um direito potestativo (ou faculdade) de constituir uma servidão de passagem os proprietários de prédio encravado, como tal sendo considerado "não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona" (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits, pp. 585-586; Henriques Mesquita, RLJ, ano 129º-191 e ss.).<br> <br> 4. Estabelece, por seu turno, o artigo 1555º:<br> "1. O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, ...".<br> <br> Somos chegados ao âmago da questão.<br> Instituído o direito de preferência, em matéria de servidão legal de passagem, pelo Decreto de 23.5.1911 e, posteriormente, pela Lei nº 1621, de 5.7.1924, a Reforma de 16.12.1930 (Decreto nº 19126) resolveu expressamente uma questão até então discutida, proclamando o direito de preferência seja qual for o título de constituição da servidão.<br> No mesmo sentido haverá que interpretar o trecho paralelo do artigo 1555º: "qualquer que tenha sido o título constitutivo" (Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", vol. III, p. 593).<br> Ponto é que - como logo advertem estes dois Professores - se trate, por um lado, de uma servidão legal de passagem e, por outro, que a servidão esteja já constituída, não bastando que se verifiquem os pressupostos legais da sua constituição (por isso a lei fala no proprietário de prédio "onerado").<br> O fim principal que o legislador de então teve em vista com a concessão do direito de preferência foi o de regularizar e desenvolver a propriedade perfeita (Pires de Lima, "Lições...", cit., p. 371).<br> Mais recentemente - no domínio do CC vigente, que eliminou o direito de preferência de que gozava o proprietário do prédio dominante, mantendo-o apenas em benefício do proprietário do prédio serviente -, Henriques Mesquita, RLJ, ano 129º-191, escreveu que o direito de preferência visa precisamente pôr termo a um encargo sobre o prédio serviente, que o respectivo proprietário expressamente consentiu, ou a cuja constituição se não opôs, por saber de antemão que o proprietário do prédio encravado poderia sempre conseguir a servidão por via judicial.<br> <br> 5. A questão com que estamos confrontados é, confessadamente, complexa e geradora de controvérsia, não se desconhecendo que ela divide doutrina e jurisprudência.<br> 5.1. Na verdade, António Menezes Cordeiro ("Servidão legal de passagem e direito de preferência", na Revista da Ordem dos Advogados, 50º, 1990, III, pp. 574 e ss., e Parecer de 8.8.88, na CJ, 1992, 1º-63), entende que as servidões legais não podem constituir-se por usucapião, não sendo aplicável / alargado o regime das servidões legais, com a preferência a elas inerente, às servidões constituídas por usucapião.<br> Porém, já Henriques Mesquita (RLJ, ano 129º, pp. 189-190) afirma que, "segundo entendimento pacífico da doutrina (cita Pires de Lima, "Lições de Direito Civil - Direitos Reais", publicadas por David Augusto Fernandes, 4ª ed., p. 368, e Oliveira Ascensão, "Direito Civil - Reais, 5ª ed., 1993, pp. 258-260) e da jurisprudência (cita os acórdãos do STJ de 20.12.74, e da RE de 12.12.91), o direito de opção que o artigo 1555º atribui ao proprietário do prédio serviente pressupõe apenas a existência de uma servidão legal de passagem - isto é, de uma servidão estabelecida em benefício de um prédio encravado, seja qual for o título por que se tenha constituído".<br> <br> 5.2. A orientação jurisprudencial dominante vai também neste sentido, ou seja, o conceito de servidão legal abrange além das servidões constituídas por decisão judicial, também as constituídas por qualquer outro título, mas que, não fora a existência desse título, podiam ser judicialmente impostas.<br> Assim, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.72, BMJ, nº 222-402, de 20.12.74, BMJ, nº 242-294, de 3.12.92, Proc. nº 81543, de 17.11.94, Proc. nº 85789, de 1.2.95, CJSTJ, III, tomo I, p. 60, de 16.1.96, Proc. nº 87824, e de 26.2.98, Proc. nº 780/97 (cfr., também, o acórdão de 2.10.97, Proc. nº 708/97).<br> A nível das Relações, entre outros os acórdãos da RP de 11.2.77, BMJ, nº 266-213, de 6.2.79, BMJ, nº 285-374, de 6.7.82, CJ, 1982, 4º-201, de 12.12.91, BMJ, nº 429-905, da RE, de 9.5.91, BMJ, nº 412-553, de 8.7.93, BMJ, nº 429-905, de 12.12.96, CJ, 1996, 5º-276).<br> Impondo-se, embora, reconhecer como francamente maioritária a descrita orientação jurisprudencial, não pode, todavia, olvidar-se a existência de arestos em sentido oposto, como sejam os acórdãos do Supremo de 1.2.94, CJ, 1994, tomo I, p. 78, e de 21.2.95, Proc. nº 86291, 1ª secção (também o acórdão da RL de 3.5.74, BMJ, nº 237-300).<br> <br> 6. Tudo ponderado (e sem embargo de reconhecermos a valia dos argumentos que militam em sentido contrário, expostos, sobretudo, no citado Parecer de Menezes Cordeiro), a argumentação que desenvolvemos permite-nos concluir, fundadamente, que a norma do artigo 1555º deve ser interpretada no sentido de se entender que o direito de preferência nela consignado abrange os proprietários de prédios onerados com servidões legais de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo.<br> Nessa previsão compreendem-se, também, as servidões constituídas por usucapião.<br> Como se procurou demonstrar, é esse o entendimento que resulta de uma correcta interpretação da lei, que tem na devida conta, partindo da sua letra, os elementos histórico, sistemático e teleológico; além de que é sufragado pela maioria da doutrina e jurisprudência. <br> <br> Como assim, e não se discutindo, no caso dos autos, que estamos perante um prédio encravado em benefício do qual se constituiu (já) uma servidão de passagem por usucapião, há que concluir que não assiste razão à recorrente (cujas alegações se fundam, decisivamente no citado Parecer de Menezes Cordeiro), improcedendo as respectivas conclusões e não se verificando, do mesmo passo, violação da norma por ela invocada - o nº 1 do artigo 1555º do Código Civil.<br> IV<br> A segunda questão, tal como equacionada pela recorrente, consiste em "decidir se na parte decisória da sentença se deverá excluir taxativamente do alcance da preferência o prédio urbano construído pela ré depois da compra".<br> Como se compreende, esta questão só surge porque se respondeu à anterior em termos que, nessa parte, conduziu à confirmação do acórdão recorrido (daí, o segmento inicial da conclusão 14ª das alegações: "Admitindo-se, por mera hipótese, a confirmação do acórdão, deverá excluir-se na parte decisória...").<br> <br> Vejamos então.<br> 1. A pretensão da recorrente limita-se a que, na parte decisória, seja expressamente / taxativamente excluído do alcance da preferência o prédio urbano que edificou no prédio rústico objecto da preferência.<br> O acórdão recorrido ponderou a tal propósito:<br> "O teor da sentença - "a agora casa e antes barracão deixou de fazer parte do prédio preferendo", e a menção a eventual futura acção de acessão imobiliária - acautelam suficientemente os interesses da ré. Vista a formulação do pedido reconvencional, conhecidos os princípios da estabilidade da instância (artigo 268º) e dos limites da decisão (artigo 660º, nº 2) do CPC, nada deve aditar-se ou excluir-se na parte decisória".<br> <br> 2. Em bom rigor, porventura a pretendida exclusão devesse constar expressamente da parte decisória.<br> Julga-se, porém, que as considerações adrede desenvolvidas pelo acórdão recorrido, e que no essencial recenseamos, conjugado com a improcedência do pedido reconvencional (formulado precisamente com fundamento na realização de obras - materializadas na "agora casa" -, a que a sentença da 1ª instância negou a caracterização de benfeitorias), são de molde a compreender e justificar que a decisão possa ser deixada tal qual (sem que daí resultem afectados os interesses da ré, a quem, aliás, tanto a sentença, como a decisão recorrida, apontam já uma via processual).<br> Improcede assim, também nesta parte, a conclusão da recorrente, não se verificando violação de qualquer norma jurídica.<br> <br> Termos em que se nega a revista e se confirma o acórdão recorrido.<br> Custas a cargo da recorrente.<br> <br> Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro,<br> Lemos Triunfante.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A, intentou, em 9 de Janeiro de 1987, acção de investigação de paternidade contra B pedindo se declarasse que e filha do falecido C e, nessa qualidade, lhe assistem todos os direitos conferidos por lei aos filhos, entre outros o de lhe suceder como herdeira legitimaria; e que a re tem de abrir mão da herança deixada por sua tia, para ser partilhada entre ambas, devendo entregar a autora, com todos os rendimentos a partir do obito do C, a quota parte que ha-de formar a sua legitima.<br> Em resumo alegou que nasceu das relações sexuais havidas entre sua mãe e o C; que este não a perfilhou devido a oposição dos pais e posteriormente, de sua mulher; apontou factos tendentes a demonstrar que foi tratada e reputada como filha pelo C ate a data da sua morte e igualmente reputada como filha dele pelo publico; e que o C deixou como unica herdeira sua mulher, a qual faleceu com testamento onde contemplou a re tambem como unica herdeira.<br> A re contestou dizendo ter caducado o direito de propor a acção com fundamento em sedução com promessas de casamento por ja ter sido proposta, com essa base, uma acção que veio a ser julgada improcedente por decisão transitada em julgado; e ser a re parte ilegitima dado o C ter um irmão vivo, que tinha que ser, tambem, demandado; por impugnação, negou que o C fosse o pai da autora e que tivesse praticado quaisquer actos de tratamento da autora como sua filha e como tal a considerasse.<br> Respondeu a autora a contestação alegando, expressamente, que intentara a acção com fundamento em posse de estado, nos termos do n. 4 do artigo 1817 do Codigo Civil, pelo que eram descabidas as excepções da caducidade da acção e do caso julgado; e, para obstar a ilegitimidade da re, requereu a intervenção principal de D, irmão do C.<br> Foi admitida, sem oposição, a intervenção do D, que não contestou.<br> No despacho saneador considerou-se sanada a ilegitimidade da re com a intervenção do D; que se verificava o caso julgado relativamente ao fundamento da sedução com promessas de casamento, por ter sido o da acção n. 1838/56, que correu termos pelo Tribunal de Guimarães, julgada improcedente por sentença transitada em julgado em 27 de Fevereiro de<br> 1958; e que a acção prosseguiria quanto ao outro fundamento invocado - ser reputada como filha e como tal tratada pelo investigado e ainda reputada como filha dele pelo publico - relegando-se, para final, o conhecimento da caducidade, por caber a autora provar a situação excepcional prevista no artigo 1817 n. 4 ja mencionado - ver folhas 134 e verso.<br> Não houve reclamação tanto da especificação e do questionario como das respostas a este na audiencia de julgamento.<br> A sentença absolveu a re do pedido com base na caducidade da acção e foi confirmada pela Relação.<br> Neste recurso de revista a autora conclui assim as alegações: o estabelecimento da filiação da autora reside na existencia do vinculo biologico, que determina o facto constitutivo do seu direito; daqui decorre a inversão do onus da prova; tendo a autora sido reputada e tratada como filha pelo pretenso pai e, do mesmo modo, reputada como filha pelo publico, goza inelutavelmente das presunções legais previstas nas alineas a) e d) do n. 1 do artigo 1871 do Codigo Civil; pelo que a cessação do tratamento de filha pelo pretenso pai, antes da morte deste, so pode operar-se pela mudança de tal tratamento em função do conhecimento de factos susceptiveis de o fazer duvidar da sua paternidade, o que não e o caso dos autos; pelo que e forçoso concluir-se que tal tratamento e reputação somente cessaram com a morte do investigado, tendo a acção sido proposta dentro do prazo do n. 4 do artigo 1817 do Codigo Civil; apesar disso, e dadas as caracteristicas e natureza dos direitos em causa, este normativo tera de declarar-se inconstitucional face aos preceitos constitucionais vigentes e, designadamente, ao disposto no artigo 26 da actual Constituição.<br> A re não respondeu.<br> Os autos tem o visto do Exmo. Magistrado do Ministerio<br> Publico junto deste Supremo Tribunal.<br> Estão assentes pelas instancias os seguintes factos, com base na especificação e nas respostas ao questionario: a A nasceu em 3 de Outubro de 1945 em Ronfe, Guimarães, e foi registada apenas como filha de E; o investigado C faleceu em 11 de Janeiro de 1986, com 59 anos de idade no estado de casado em primeiras e unicas nupcias de ambos com F, segundo o regime de comunhão geral de bens; desse casamento não houve filhos nem o C perfilhou quem quer que fosse; a data da sua morte o C não tinha ascendentes vivos; por testamento de 18 de Dezembro de 1972 o C instituiu sua mulher, para o caso de falecer sem ascendentes, herdeira de todos os seus bens e, havendo ascendentes, deixou-lhe a quota disponivel; a F faleceu em 2 de Setembro de 1986, deixando testamento onde instituiu sua tia, a re B, como sua unica e universal herdeira; a mãe da autora e o C mantiveram relações sexuais no periodo compreendido entre 7 de Dezembro de 1944 e 6 de Abril de 1945; nesse periodo de tempo a mãe da autora não se relacionou sexualmente com outro homem; a mãe da autora era pessoa de porte moral irrepreensivel; o relacionamento da mãe da autora com o C manteve-se, pelo menos, ate ao ano de 1947; as pessoas que conhecem a autora atribuem a sua paternidade ao C; desde muito pequena e ainda hoje a autora e conhecida e tratada, por aqueles que mais de perto conhecem a sua origem, como a "....", por referencia ao C, que era conhecido pela alcunha de "...."; apos o nascimento da autora, a mãe do C opunha-se ao relacionamento deste com a mãe da autora e a perfilhação desta pelo C, por causa da disparidade economica existente, ja que este era oriundo de familia abastada e a mãe da autora era de condição economica muito humilde; quando o C começou a namorar com aquela que viria a ser sua esposa, tambem esta se opunha a que C perfilhasse a autora; o C ficou agastado com a mãe da autora, em virtude de ela ter intentado uma acção para investigação de paternidade da autora contra o C, apos o casamento deste; em pequena, foi a autora educada a pedir a benção ao<br> Alvaro, quando por ele passasse, o que ela fazia enquanto foi criança, respondendo o C "Deus te abençoe" e acrescentando por vezes "tu não tens culpa"; no periodo em que a autora era criança, quando os amigos lhe referiam a situação de pobreza em que vivia a autora, apelidando-a de filha do C, "este perguntava-lhes pela autora", "como se encontrava" e<br> "se era bem tratada pela mãe"; enquanto a autora foi solteira, algumas vezes o C referiu aos amigos que não beneficiava a autora por causa da mãe; quando os amigos lhe anunciaram o casamento da autora, apelidando-a de "filha" dele, o C quis saber "se era com o rapaz que ela namorara, se ele estava empregado e se era honesto e trabalhador", demonstrando o interesse que normalmente um pai demonstra para com uma filha em tais circunstancias; ha mais de quinze anos, quando os amigos lhe anunciaram que ja era avo, em virtude de a autora ter dado a luz um filho, viram o rosto do C alegrar-se e perguntar-lhes de imediato se era rapaz ou menina; ate ao mes de Julho de 1985, ao referir-se a autora, o C apelidava-a de "minha filha", no circulo restrito dos seus amigos; no funeral do C, as pessoas que viram e repararam na presença da autora, referiam-se-lhe, discretamente nestes termos: "aquela e a filha dele"; "e a cara dele"; "esta e que e a tal filha".<br> A autora casou em 3 de Abril de 1966 - certidão a folhas 20.<br> A presente acção foi proposta em 9 de Janeiro de 1987.<br> Segundo o artigo 1873 do Codigo Civil, e aplicavel a acção de investigação de paternidade, com as necessarias adaptações, o disposto, entre outros, no artigo 1817 do mesmo Codigo.<br> Este artigo 1817, no n. 1, estabelece que a acção de investigação so pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores a sua maioridade ou emancipação. Porem o seu n. 4 estipula que se o investigante for tratado como filho pelo pretenso pai, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano, a contar da data em que cessou aquele tratamento.<br> Referiu a autora, expressamente, que intentou a acção nos termos do n. 4 deste artigo 1817.<br> Alias, tendo a autora nascido em 3 de Outubro de 1945, ha muito decorrera o prazo prescrito no n. 1 do dito artigo 1817, quando a acção foi proposta.<br> A caducidade do direito de propor uma acção, quando estabelecida em materia excluida da disponibilidade das partes, e apreciada oficiosamente pelo tribunal - artigo 333 n. 1 do Codigo Civil.<br> Relativamente ao disposto no n. 4 do mencionado artigo<br> 1817 tem sido discutido a quem incumbe o onus da prova: se e o autor quem tem de provar que a acção foi proposta em tempo, se e ao reu que incumbe provar que foi intentada para alem do prazo legal.<br> Segue-se a orientação de que tal onus cabe ao autor, ja que no n. 1 do artigo 1817 se contem um prazo-regra e no n. 4 do mesmo artigo um prazo especial, tendo, ate, o autor de alegar, na petição inicial, os factos que lhe permitem propor a acção dentro deste ultimo prazo, sob pena de indeferimento liminar - artigo 474 n. 1 c) do Codigo de Processo Civil; neste sentido, os acordãos deste Supremo Tribunal de 5 de Janeiro de 1984, no<br> Boletim 333, pagina 465, e de 6 de Janeiro de 1988, no<br> Boletim 373, pagina 538, embora considerando este ultimo não se estar em presença de um prazo de caducidade, antes prevendo aquele n. 4 do artigo 1817 uma hipotese em que o prazo se encontra ligado a diversas circunstancias; ainda o Conselheiro Jacinto Bastos, Direito de Familia, volume IV, pagina 124.<br> De qualquer forma, neste processo tal questão encontra-se ultrapassada, uma vez que no despacho saneador, de que se não recorreu, se escreveu textualmente:<br> "Consequentemente, se a autora não provar a situação excepcional prevista no artigo 1817 n. 4 " que foi tratada como filha pelo pretenso pai ate a data da morte deste" - 11 de Janeiro de 1986 - (propositura da acção - 9 de Janeiro de 1987) - não pode a acção prosseguir e decidir-se com base em factos provados relativos a qualquer outra presunção ou a propria relação biologica, por ter caducado o seu direito".<br> Repete-se que a autora disse propor a acção nos termos do n. 4 do apontado artigo 1817. Pelo que, a ter sido ela tratada como filha pelo C, podia propor a acção dentro do prazo de um ano a contar da data em que tal tratamento cessou.<br> Alegou a autora que o investigado sempre a tratou publicamente como filha ate a data da sua morte - artigo 19 da petição inicial.<br> Ha, porem, que constatar que isso não se encontra provado, situação que transparece do acordão recorrido.<br> Como se escreveu no acordão deste Supremo Tribunal, de 30 de Junho de 1972, no Boletim 218, pagina 271, o tratamento como filho traduz-se numa serie de actos e atitudes, por parte do pretenso pai, destinados a prestar ao investigante um minimo de assistencia material, afectiva e moral.<br> Ora assistencia material não existiu. E, de resto, a propria autora que isso refere no artigo 26 da petição inicial - que o investigado nunca lhe deu dinheiro ou qualquer outra prenda; e, embora tivesse alegado que assim aconteceu por ele saber que a autora não aceitava, pois fora educada por sua mãe "a não aceitar nada do pai, a não ser o nome a que tinha direito", o certo e que estes factos se não provaram - respostas negativas aos quesitos 12 e 14.<br> Tambem se não descortina qualquer assistencia moral.<br> Como se salienta no acordão recorrido, salvo responder ao pedido de benção pela autora, enquanto esta foi criança, não mais se provaram quaisquer contactos entre a autora e o investigado - que tivessem falado um com o outro, sequer pelo telefone, ou mantido qualquer correspondencia.<br> Do contacto entre ambos permanece, apenas, a autora, enquanto criança, quando passava pelo investigado, ter-lhe pedido a benção, obtendo a resposta de "Deus te abençoe" e, por vezes, ainda, "tu não tens culpa".<br> E certo que se provou que, quando amigos do investigado lhe referiam certos factos da vida da autora - a situação de pobreza em que vivia, o casamento o nascimento de um filho - o investigado fez perguntas relacionadas com tais factos, o que podera indiciar que a reputaria como sua filha.<br> Porem a verdade e que, pelo menos nos ultimos quinze anos de vida do investigado, apenas se provou o que consta da resposta ao quesito 26, assim redigido:<br> Sempre se referia a autora com uma ternura misturada de tristeza, proferindo palavras tais como: "a minha filha", "ela", a Leta"? e que obteve a resposta:<br> Provado apenas que ate ao mes de Julho de 1985, ao referir-se a autora, o C apelidava-a de "minha filha", no circulo restrito dos seus amigos.<br> Ora por esta resposta pode concluir-se que, ate ao mes indicado, o investigado reputava a autora como sua filha, so que não lhe dispensava, como tal, qualquer tratamento.<br> Como sugestivamente se escreveu no acordão de 1 de<br> Junho de 1988 deste Supremo Tribunal, no Boletim 378, pagina 747:<br> "Uma pessoa pode reputar outra como seu filho e todavia não ter para com ela qualquer acto de tratamento.<br> Sucedera assim, por exemplo, nesta conjuntura: pergunta-se a uma pessoa se outra e seu filho e, para a hipotese de o ser, sugere-lhe que trate dela como tal; essa pessoa responde ter a outra na conta de seu filho, considera-a como tal, mas não quer, em caso algum, ter contactos com ela - não lhe chamara filho, não aceitara dela o tratamento de pai, enfim, não a quer ver nem ter qualquer atenção para com a mesma".<br> E, sendo assim, por inexistencia de actos de tratamento como filha, esta acção foi extemporaneamente proposta.<br> Mas que assim não fosse, e a ter-se a resposta ao quesito 26 como acto de tratamento de filha - o que se admite apenas por hipotese - ainda a acção foi proposta para alem do prazo de um ano, prescrito no n. 4 do citado artigo 1817, ja que o tratamento como filha so teria durado ate Julho de 1985 e a acção foi proposta em 9 de Janeiro de 1987.<br> E, como e sabido, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo circunstancias excepcionais que aqui se não alegam nem verificam e não podendo, por isso, ser alterada a decisão da Relação quanto a materia de facto, apenas compete a este Supremo Tribunal aplicar definitivamente o regime juridico que julgue adequado - artigos 722 n. 2 e 729 ns. 1 e 2 do Codigo de Processo Civil.<br> Não cabe a este Tribunal conjecturar porque tera o investigado, a partir de Julho de 1985, deixado de apelidar a autora como sua filha.<br> E o certo e que a autora não reclamou, como poderia ter feito - artigo 653 n. 5 do Codigo de Processo Civil - contra eventual deficiencia ou obscuridade das respostas dadas ao questionario.<br> Refira-se, ainda, que, nas conclusões da alegação, a autora afirma que goza das presunções legais previstas nas alineas a) e d) do n. 1 do artigo 1871 do Codigo Civil.<br> A alinea a) deste artigo ja se fez referencia a proposito do tratamento como filha dispensado a autora pelo investigado.<br> No tocante a alinea d), a alusão que lhe e feita aparenta-se totalmente descabida. Foi questão abordada no despacho saneador. E ai se decidiu haver caso julgado, pois a autora, representada por sua mãe, intentara, em Guimarães, contra o C a acção n. 1838/56, de investigação de paternidade, com o fundamento da sedução com promessa de casamento, improcedente por sentença de 15 de Fevereiro de 1958 que transitou em julgado em 27 imediato - ver folhas 39 e seguintes e 66 e seguintes.<br> Apesar de ter intentado a acção nos termos do n. 4 do artigo 1817 do Codigo Civil, veio a autora dizer que se trata de norma que infringe os preceitos constitucionais vigentes, designadamente o disposto no artigo 26 da Constituição da Republica Portuguesa.<br> Efectivamente estabelece o artigo 207 da Constituição que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os principios nela consignados com a referencia expressa ao artigo 26 cre-se que a autora pretende aludir ao seu n. 1 que dispõe que a todos são reconhecidos os direitos a identidade pessoal, a capacidade civil, a cidadania, ao bom nome e reputação, a imagem, a palavra e a reserva da intimidade da vida privada e familiar.<br> Mas, no teor das alegações, a autora afirma, tambem, que o indicado n. 4 do artigo 1817 esta em contradição com o n. 2 desse artigo 26, segundo o qual a lei estabelecera garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contraria a dignidade humana, de informações relativas as pessoas e familias.<br> Porem, com o devido respeito, não se aceita que o n. 4 do apontado artigo 1817 infrinja o disposto na Constituição.<br> Antes de mais, não se percebe o que tenha a ver o transcrito n. 2 do artigo 26 da Constituição com o n. 4 do artigo 1817 do Codigo Civil.<br> Depois este n. 4 ainda permite que a acção de investigação de paternidade seja proposta, verificada a circunstancia nele prevista, para alem do prazo, digamos, normal, da propositura de tais acções, indicado no n. 1 do mesmo artigo 1817.<br> E não restringe o direito fundamental ao conhecimento da paternidade, apenas o condiciona, na circunstancia apontada, a observancia de um prazo de propositura da acção, como se salientou, ate ja para alem do prazo-regra.<br> Para alem disso há que ter em conta que, face aos interesses dignos de protecção do investigante, existem, igualmente, interesses do investigado, da familia que constitui e, eventualmente, dos herdeiros do investigado, que conduzem a que se imponham prazos para a propositura de tais acções.<br> Alias, no sentido de que o artigo 1817 não sofre de inconstitucionalidade, decidiu o acordão deste Supremo Tribunal, de 6 de Janeiro de 1988, no Boletim 373, pagina 538. E os seguintes acordãos do Tribunal Constitucinal: n. 99/88, de 28 de Abril, no Boletim 376, pagina 308; n. 413/89, de 31 de Maio, no Diario da Republica II Serie, de 15 de Setembro de 1989, paginas 9244 e seguintes; n. 451/89, de 21 de Junho, no Diario da Republica II Serie, de 21 de Setembro de 1989, paginas 9521 e seguintes; n. 370/91, de 25 de Setembro, no Diario da Republica II Serie, de 2 de Abril de 1992, Suplemento, paginas 3112-(2) e seguintes; consignando-se que o primeiro e o ultimo destes acordãos se reportam, expressamente, ao n. 4 do artigo<br> 1817 do Codigo Civil.<br> E certo que este ultimo acordão não julga esta norma inconstitucional desde que interpretada no sentido de que a cessação de tratamento como filho so ocorre quando, continuando a ser possivel esses mesmo tratamento, o pretenso pai lhe ponha voluntariamente termo.<br> Porem, no caso concreto, conforme se disse, o tratamento da autora como filha, pelo investigado, ja havia cessado ha muitos anos; que assim se não entenda, cessou mais de um ano antes da propositura da acção, por ter terminado, pelo menos, em Julho de 1985, e nada ha nos autos que leve a concluir que, a partir de tal data, não era possivel ao investigado, no circulo restrito dos seus amigos, continuar a designar a autora por "minha filha".<br> Acrescente-se que se não ve motivo para a autora deixar, para depois da morte do investigado, a propositura da acção, ja que, salvo o ter- lhe pedido a benção em criança, nunca teve com ele outros contactos nem ele lhe deu o que quer que fosse; e ate, na anterior acção o investigado expressamente negara que fosse seu pai.<br> Termos em que se nega a revista com custas pela recorrente.<br> Lisboa, 13 de Fevereiro de 1992.<br> Cesar Marques;<br> Ramiro Vidigal;<br> Santos Monteiro.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 3 de Novembro de 1989 do Tribunal do<br> Circulo de Vila do Conde.<br> II- Acordão da Relação do Porto de 18 de Dezembro de<br> 1990.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, neste Supremo Tribunal de Justiça:<br> No 8 Juizo Civel da comarca de Lisboa, O agente do Ministerio Publico intentou contra A, acção de investigação de paternidade para que o menor B seja reconhecido como filho dele Reu.<br> Este, por impugnação, contestou a acção confessando a manutenção de poucas relações sexuais com a mãe do menor, o mau comportamento desta e o coito com outros homens no periodo legal da concepção.<br> Seguiu o processo normais tramites, tendo-se procedido, no Instituto de Medicina Legal de Lisboa, o exame de paternidade que concluiu que A não pode ser excluido da paternidade daquele menor e que, quando comparado com um individuo ao acaso da mesma população apresenta uma probabilidade de paternidade de 99,99% que equivale a paternidade "praticamente provada".<br> Efectuada audiencia de discussão e julgamento, foi proferida decisão que julgou procedente o pedido formulado.<br> Sem exito, o Reu recorreu para o Tribunal da Relação de<br> Lisboa.<br> Novo recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em que alega: a) o Assento n. 4/83 estabelece imperativamente que na falta de presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova da exclusividade das relações sexuais da mãe do investigante com o investigado no periodo legal da concepção; b) o que não foi feito; c) sendo, ao inves, demonstrada a situação contraria - respostas aos quesitos 7 e 12; d) o Acordão recorrido, ao exigir como unico e decisivo elemento a prova pericial - circunscrita tão somente ao ora recorrente - atentou contra a doutrina do Assento citado, violando-a; e) devera o Acordão recorrido ser revogado.<br> Em contra-alegações o Excelentissimo Procurador Geral<br> Adjunto manifesta-se pela manutenção do julgado.<br> Tudo visto.<br> Vem dado como demonstrado:<br> No dia 23 de Dezembro de 1980, na freguesia de S. Jorge de<br> Arroios, deste concelho e comarca, nasceu o menor B - alinea A. da especificação; o qual foi registado apenas como filho de C - alinea B.; entre a mãe do menor e o reu não existem quaisquer relações de parentesco ou afinidade - alinea C.; a presente acção foi julgada viavel por despacho proferido no processo de averiguação oficiosa n. 845, que correu termos na 3 secção do 1 Juizo do Tribunal de Familia de<br> Lisboa - alinea D.; a mãe do menor e o reu conheceram-se em 1979, no estabelecimento em que a mesma estava empregada - resposta ao quesito 2; em Novembro de 1979, a mãe do menor e o reu mantiveram relações de copula um com o outro - resposta ao quesito 3; a mãe do menor e o reu mantiveram relações sexuais um com o outro em periodo indeterminado ate Maio de 1980 - resposta ao quesito 4; ambos mantiveram relações sexuais um com o outro e a mãe do menor ficou gravida - resposta ao quesito 5; em consequencia da gravidez da mãe do menor, veio a nascer o<br> B - resposta ao quesito 6; o reu nunca esteve empregado em qualquer estabelecimento em que a mãe do menor trabalhasse, apenas em Outubro de 1979 cumpriu um contrato, por dez dias, na "Boite" Coche Real, na<br> Venda Nova - Amadora -, como artista de variedades - resposta ao quesito 8; conheceu ai uma mulher de nome C, como conheceu outras mulheres naquela "boite" que se empregavam como "alternantes" - resposta ao quesito 9; era aquela a actividade da dita C que tem trabalhado em diversos locais de diversão nocturna - resposta ao quesito<br> 10: f; a mãe do menor manteve relações sexuais com outros homens em data indeterminada de 1980 - resposta ao quesito 12; o reu seguiu em digressão artistica pelo continente, num elenco de varios artistas e actores, actuando nas mais variadas localidades do Pais - resposta ao quesito 13;<br> Vem sendo admitido que, no actual regime juridico, fundamentam a paternidade as relações sexuais durante o periodo legal de concepção e a fidelidade, ja que as condições de admissibilidade da acção constituem meras presunções "juris tantum" - artigo 1871 do Codigo Civil. E isto quer se classifiquem as acções de paternidade como apoiadas nestas presunções ou lançadas a ceu aberto, sem os alicerces subjacentes de qualquer presunção legal de paternidade, quer de investigação oficiosa sob a iniciativa do Ministerio Publico - A. Varela, Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 117 - pagina 55.<br> Este mesmo autor veio concluir que o Assento de 21 de Junho de 1987 so se refere as acções de investigação lançadas a ceu aberto. Para tanto aduz que no artigo 1869 foi eliminado o antigo regime das condições de admissibilidade das acções de investigação e no artigo 1871 seleccionaram-se condições que considera conduzam a presunção de paternidade, o que conduz inevitavelmente a que nenhuma outra situação e considerada presunção de paternidade.<br> Não se aplicando aquele Assento as acções de investigação oficiosa sob a iniciativa do Ministerio Publico não se pode dizer que o Acordão recorrido o tenha violado.<br> De resto este Assento de 1983, ao falar em "acções presuntivas" e biologicas ja previu a possibilidade de evolução dos meios cientificos a propiciarem meios de prova mais evoluidos e de bem maior autoridade. Admitiu assim a possibilidade de a exigencia da prova da fidelidade ou da exclusividade das relações se basear não so nas presunções legais, como ainda nos meios de prova então admitidos, mas tambem naqueles que a evolução cientifica impusesse como dignos e crediveis.<br> Dai que quando se atribui ao A. a prova da exclusividade das relações sexuais entre a mãe do investigante e investigado se tenha alargado o campo de manobra não so a presunção - exclusividade, mas ainda a prova directa consubstanciada na prova laboratorial - cfr. artigo 1801 do Codigo Civil.<br> Prova que se torna, hoje, demasiada util quando se demonstra a pluralidade de relações de sexo limitada a certos individuos, ou quando, se provam relações de sexo com o investigado apesar da recusa deste em aceitar o facto da procriação.<br> E certo que tal prova sera livremente apreciada pelo julgador - artigo 655 do Codigo de Processo Civil. Mas não e menos certo que os exames sexologicos infaliveis quanto a exclusão da paternidade, apresentam, hoje, elevada segurança quanto a presunção de paternidade. Sem que se esteja perante uma certeza absoluta irremonivel esta-se perante um grau de probabilidade que corresponde ao sentido judiciario e relativista das coisas e da realidade - A. Varela, R.L e J,<br> 116, 328.<br> Mas, dir-se-a que a aceitação da tese conduzira a que a determinação da paternidade, no futuro, estava unicamente dependente de metodos rigorosa e exclusivamente cientificos.<br> A critica poderia por-se em relação ao passado, quando atendia a um simples dado da experiencia não ilidida ou a mera fidelidade inteiramente dependente de depoimentos de testemunhas.<br> No entanto, o atendimento predominante ao resultado dos exames sexologicos esta sempre dependente da demonstração da existencia de relações sexuais no periodo legal da concepção entre a mãe do menor e o investigado.<br> Insiste, porem, a Recorrente em que a prova produzida não conduz a exclusividade das relações sexuais.<br> Ja nos pronunciamos sobre este ponto. Convem, no entanto, esclarece-lo melhor.<br> Demonstrado ficou que em Novembro de 1979, a mãe do menor e o reu mantiveram relações de copula um com o outro, continuando a te-las em periodo indeterminado ate Maio de<br> 1980; tendo a mãe do menor ficado gravida, desta gravidez veio a nascer o B - respostas aos quesitos<br> 3, 4, 5 e 6. Estes factos caracterizam devidamente a filiação biologica que o exame sexologico confirma inteiramente.<br> Mas, não e verdade que se demonstrou tambem que "a mãe do menor manteve relações sexuais com outros homens em data indeterminada de 1980" - resposta ao quesito 12?<br> No entanto, o facto em si so seria relevante se este comportamento anomalo da mãe do investigado se situasse nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do menor - artigo 1798 do Codigo Civil. So que aquela resposta não situa tal comportamento entre 27-2-80 e<br> 26-6-80, periodo que define a concepção. E dai a irrelevancia do facto em si.<br> Pode, porem, contrapor-se que as instancias deram resposta negativa ao quesito 7, em que se perguntava se "nos periodos aludidos nos artigos 4 e 5 e, nomeadamente, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor B, a mãe deste so com o reu manteve relações sexuais?"<br> So que uma resposta negativa não pode conduzir a adopção da tese contraria ao conteudo do quesito, tendo que ser considerada como se o facto contido no quesito nem sequer tivesse sido alegado pelas partes.<br> Termos em que prevalecem as relações sexuais entre a mãe do menor e o investigado e o resultado positivo do exame sexologico na percentagem de 99,99% que equivale a paternidade "praticamente provada".<br> Factos, de per si, necessarios e suficientes para que a acção proceda, como procedeu.<br> Pelo que vai negada a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 29 de Outubro de 1991<br> Cura Mariano,<br> Joaquim de Carvalho,<br> Castro Mendes com a declaração de que, atenta a profissão da mãe, julgo possivel ao Supremo Tribunal presumir - artigo<br> 639 do Codigo Civil que esta manteve relações sexuais com outros homens dentro do prazo legal da concepção, uma vez que se levanta problema ligado a errada interpretação de norma legal - cit. artigo 349 do cit. diploma.<br> Se aceito a decisão e porque o exame sexologico e regras de luminosa experiencia nos dizem, maugrado a manutenção de relações sexuais com outros homens, tais relações não tem relevo significativo digno de abranger força probatoria que impõem o exame.<br> Uma vez que a proporção afirmada pela passiva nos diz que, quando a mãe do investigante copula com outros homens, ja se encontra gravida do investigado pois e facto notorio que quando um so espermatozoide rompe o ovulo, este desde logo adquire caracteristicas que impedem que outro espermatozoide penetre no ovulo. Por isso eu posso concluir pela paternidade biologica, digo que a mãe do investigante, muito embora tenha mantido relações sexuais com outro homem dentro do periodo legal de concepção (atento, repita-se, a profissão da mãe que permite, a meu ver e salvo o devido respeito, que e muito, por opinião diferente, ao Supremo<br> Tribunal de Justiça usar dos poderes contidos no n. 2 do artigo 722 do Codigo de Processo Civil (ex vi do disposto no artigo 729 ib.) ja se encontrava gravida. Assim, a fidelidade exigida pelo artigo 1789 e Assento de 1983, tera de considerar-se reduzida a exigencia da prova quanto a relações fecundantes - so assim abrangendo, salvo o devido respeito, interpretação da lei que nela tenha um minimo de apoio literal.<br> Assim, tambem, posso aceitar o alto valor da pericia que afirma grande probabilidade de ser pai o investigado. Esta pericia e efectuada face ao exame sanguineo da mãe do investigante, deste e do investigado.<br> Normalmente, tal exame tem um contra exame constituido pela prova (normalmente testemunhal) que afirma a fidelidade, o exceptio plurium.<br> Aqui, porem, não existe contra analise, ficando o exame como valido apenas com uma comparação puramente estatistica, abstrata, de acordo com a frequencia genetica da população em estudo.<br> Aqui intervem um argumento juridico. E que o Supremo<br> Tribunal de Justiça - como, alias, qualquer tribunal, tem de aceitar como valido o exame, não tem motivo legal algum para infirmar as conclusões dos peritos, aceites pelas instancias.<br> Nestes termos votei a conclusão decisoria.<br> Castro Mendes.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- A e mulher requereram, contra B, a ratificação judicial de embargo de obra nova.<br> Houve oposição da requerida e procedeu-se a inquirição de testemunhas.<br> Pelo despacho de fls. 33 e segs., ordenou-se a ratificação do embargo.<br> Em recurso de agravo, o acórdão da Relação, de fls. 46 e segs., revogou aquele despacho e julgou "o embargo não ratificado".<br> No recurso para este tribunal, o acórdão de fls. 80 e segs. anulou o processado posterior a fls. 43.<br> Em novo acórdão (fls. 90), a Relação manteve a sua anterior decisão.<br> Neste recurso de agravo, os embargantes pretendem a revogação daquele acórdão, com base, em resumo, nas seguintes conclusões:<br> - a ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável é requisito específico do procedimento cautelar comum, nos termos dos ns. 1 e 3 do artigo 381 do CPC;<br> - algumas das providências especificadas são até incompatíveis com a verificação desse requisito;<br> - a tipificação do embargo de obra nova reside no prejuízo que abrange toda e qualquer violação do direito de propriedade, o que constitui o elemento "especialmente prevenido" referido no artigo 392 n. 1 do citado Código.<br> - é indispensável assegurar a defesa da posse e do direito de propriedade, nos termos dos artigos 9, 34 e 65 da Constituição.<br> A embargada, por sua vez, sustenta a improcedência do recurso.<br> II - Objecto do recurso:<br> Foi requerido o procedimento cautelar de embargo de obra nova, por ratificação judicial, previsto nos artigos 412 e segs. do CPC (na actual redacção, e de cujo diploma serão os demais artigos que forem citados).<br> A decisão da 1. instância decretou o embargo da obra, a qual consiste, como se resume no acórdão da Relação, na construção de um "painel ... suspenso sobre o telhado do prédio dos embargantes e fixo à parede exterior do prédio de andares através de espigões de ferro ou aço ...", ou seja, de construção que se situa, "na totalidade, no espaço aéreo do prédio dos embargantes ...".<br> Aquele acórdão julgou o embargo improcedente e nele se considerou, em especial, que: "no âmbito deste processo e com as provas nele produzidas, há direito e há ofensa do direito" de propriedade dos embargantes; exige-se também aqui o requisito da existência de "lesão grave e dificilmente reparável", previsto no artigo 381 n. 1, por força do disposto no artigo 392 n. 1; e a lesão causada não assume essa relevância.<br> Conjugando essa decisão com as conclusões da alegação dos recorrentes e com a contra-alegação (onde se não requer a reapreciação de alguma outra questão - artigo 684-A n. 1), o único ponto em discussão respeita a ser ou não aqui aplicável o requisito do citado artigo 381 n. 1.<br> Torna-se por isso desnecessária a descrição da matéria de facto.<br> III - Quanto ao mérito do recurso:<br> Os procedimentos cautelares são meios processuais destinados a "acautelar o efeito útil da acção" (artigo 2 n. 2), ou seja, a "impedir que, durante a pendência de qualquer acção ..., a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela", pretendendo-se assim prevenir os perigos da normal demora do julgamento da acção (A. Varela e outros, no Manual ..., p. 22).<br> Em relação a alguns procedimentos, porém, assume especial relevância o julgamento preliminar ou a antecipação da "realização do direito que venha, eventualmente, a ser reconhecido, dada a urgência na sua efectivação" (Ans.<br> Castro, no Direito do Processo Civil ..., I, p. 130).<br> O decretamento de certa providência cautelar depende, em regra, da verificação cumulativa de dois requisitos: a existência (provável) de um direito e o dano ou perigo de dano desse direito, sendo este segundo requisito directamente influenciado por cada tipo especial de providência.<br> Assim, na restituição provisória de posse, o dano consiste no esbulho violento da posse (artigo 393); na suspensão de deliberações sociais, é o perigo de execução de deliberação ilegal (artigo 396 n. 1); nos alimentos provisórios, a simples premência da satisfação do direito a alimentos (artigo 399); na reparação provisória, a situação de necessidade do lesado (artigo 403); no arresto, a perda da garantia patrimonial do crédito (artigo 406); no embargo de obra nova, o prejuízo causado pela obra ou respectiva ameaça (artigo 412 n. 1); no arrolamento, o extravio de bens ou documentos (artigo 421); e, nas providências cautelares não especificadas, a "lesão grave e dificilmente reparável" do direito do requerente (artigo 381 n. 1).<br> Ora, o artigo 392 n. 1 manda aplicar as disposições da secção do "procedimento cautelar comum" (artigos 381 a 392) "aos procedimentos cautelares regulados na secção seguinte" (as providências cautelares especificadas) "em tudo quanto nela se não encontre especialmente prevenido", e a questão suscitada consiste em determinar se o disposto no citado artigo 381 n. 1 é ou não aplicável à providência de embargo de obra nova, prevista nos artigos 412 e segs.<br> O acórdão recorrido baseou-se nessa aplicabilidade mas entende-se que não é de confirmar tal decisão: o receio de ser causada "lesão grave e dificilmente reparável ..." constitui fundamento próprio das providências não especificadas; em relação a cada uma das providências especificadas, a lei prevê determinados fundamentos, respeitantes ao dano causado ao direito do requerente, como acima se deixou discriminado; por isso, a aplicação subsidiária prevista no citado artigo 392 n. 1 não abrange aquele fundamento; em particular com referência ao embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure por período mais ou menos longo; a maior exigência prevista no artigo 381 n. 1 justifica-se na medida em que se trata de norma em branco quanto à natureza da providência; e este regime jurídico corresponde, no essencial, ao que resultava da lei processual anterior, na qual se usavam expressões idênticas.<br> Em conclusão:<br> O requisito do receio de "lesão grave e dificilmente reparável", previsto no artigo 381 n. 1 do CPC para as providências cautelares não especificadas, não é aplicável<br> às providências especificadas, designadamente ao embargo de obra nova (artigos 392 n. 1 e 412 n. 1 do citado Código).<br> Pelo exposto:<br> Concede-se provimento ao recurso.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, subsistindo a decisão da 1. instância.<br> Custas dos recursos pela embargada.<br> Lisboa, 29 de Junho de 1999.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Afonso de Melo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, neste Supremo:<br> <br> A sociedade por quotas A, Lda., com sede em Santa Maria dos Olivais, em Tomar, demandou, em processo ordinário.<br> Narbital - Sociedade de Edificações de Tomar, Lda., com sede na Quinta de Santo André, em Tomar, alegando ser dona de um prédio composto por dois barracões e um logradouro, no sitio da referida Quinta, e que a Ré o vem ocupando há cerca de 5 anos sem título que o legitime, embora com o consentimento da sua gerência, com o que lhe causa um prejuízo equivalente a 150000 escudos por mês; pede que a ré seja condenada a reconhecer-lhe o direito de propriedade sobre tal prédio e a restituir-lho imediatamente; e, ainda, a pagar-lhe a título de indemnização, a quantia de 10800000 escudos, acrescida das importâncias vincendas e devidas pela ocupação.<br> Contestou a Ré. Não contrariando o direito de propriedade da Autora sobre o questionado prédio, nem a ocupação que deste vem fazendo, nega, todavia, a obrigação de o restituir e de pagar qualquer indemnização, por nele se encontrar na sequência de contrato de comodato para fim determinado que ainda não cessou.<br> Apurada, com julgamento, a matéria de facto, foi proferida a sentença na 1. instância onde, na procedência parcial da acção, foi a Ré condenada, no reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre o prédio, a entregar-lho, livre e desembaraçado, e a pagar-lhe as quantias de 6926613 escudos de indemnização pela ocupação e reembolso de despesas, desde a citação para a acção, mais 175000 escudos por mês desde a data de sentença até à efectiva restituição.<br> Recorreu a Ré; e só ela. Mas sem êxito porque a Relação de Coimbra confirmou inteiramente a sentença, não atribuindo qualquer valor probatório ao documento junto com a alegação pela recorrente e indeferindo-lhe o requerimento de folha 223.<br> Recorre agora a mesma Ré pedindo a sua revista e revogação, porque o Acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 1129 e 1137-1, do Código Civil, porque:<br> - a relação estabelecida entre recorrente e recorrida é de comodato, sendo-lhe entregue o prédio para uso determinado, mas sem determinação de prazo; pelo que, ela, recorrente, não pode ser obrigada a entregar o prédio antes de findar o uso previsto; e porque este não findou ainda, a recorrente não violou ilicitamente o direito da recorrida ou qualquer disposição legal destinada a proteger esta, pelo que, não está obrigada a indemnizá-la com fundamento nos artigos 483 e 562, do Código Civil.<br> Não alegou a recorrida.<br> Colhidos os vistos, vai decidir-se Assente, como está, que a Autora é a titular do direito de propriedade sobre o questionado prédio e que a Ré está a utilizá-lo, a única questão a resolver é a relacionada com a fonte jurídica em que se apoia essa ocupação; ou seja, se ela se apoia numa relação contratual de comodato, como defende a recorrente, ou não, e antes se terá iniciado, e mantido, por mero acto unilateral de tolerância da Autora, sem qualquer contrato, como entenderam as instâncias.<br> E da solução que a esta questão for dada dependerá o ser, ou não, devida a indemnização a contar da citação.<br> Mas ligado com isto suscita ainda a recorrente uma questão processual relacionada com o documento (fl. 210) que juntou com a alegação na apelação e que ela apoia no n. 2 do artigo 722, 2 parte do Código Processo Civil.<br> É que tratando-se de documento particular a recorrida impugnou-o. E então a recorrente requereu que, nos termos do n. 2 do artigo 544 n.2 do Código de Processo Civil, fosse precatoriamente pedida a inquirição do signatário dele e outra pessoa para se averiguar se o documento era ou não da autoria do que nele figura como signatário e da possibilidade de exibição em juízo do respectivo original, bem como das circunstâncias, em que o documento foi emitido.<br> No próprio acórdão recorrido não a atendeu a Relação. E isto, na opinião da recorrente, integra um erro na apreciação de prova que deve ser reparado por este Supremo nos termos daquele n. 2 do artigo 722.<br> Não tem, porém, razão. É manifesto que nas circunstâncias concretas não houve violação de disposição expressa da lei que fixe o valor ou força de determinado meio de prova.<br> O tal documento não tem especial ou plena força probatória. Aliás, a recorrente nem foi capaz de dizer qual a disposição que, neste ponto teria sofrido violação; certamente que essa não é o n. 2 do artigo 544 do C.P.C..<br> Isto por um lado. Por outro, nos tribunais, superiores, como tribunais de recurso, não há diligência para produção de prova testemunhal.<br> Mas acresce que a recorrente nem sequer indicou qual a resposta ao questionário que a Relação deveria alterar com base num documento - o que obviamente não é decisivo mas corrobora a inocuidade do documento. E os factos novos e (ou) supervenientes só podem ser articulados até ao encerramento da discussão (que tem lugar na 1 instância) - - cfr. artigo 506 - 1 e 663 - 1, do Código de Processo Civil.<br> Isto posto, vejamos, então, qual a situação material fixada pela Relação, e que este Supremo não pode alterar (artigo 729 - 2, deste mesmo Código).<br> É a seguinte:<br> A Autora é dona e legitima possuidora do prédio questionado, que é composto de dois barracões destinados a arrecadação, e um logradouro com a área de 4410 m2, e que, situado no lugar da Quinta de Santo<br> André, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Tomar, é o descrito sob o n. 60089 na Conservatória do registo Predial e inscrito na matriz urbana sob o artigo n. 2059.<br> A Ré vem ocupando este prédio desde meados do ano de 1981, ai tendo a sua sede social, escritório e armazém de vários artigos, designadamente máquinas e madeira.<br> Esta ocupação iniciou-se com o consentimento da Autora e até que a Ré adquirisse instalações próprias, sendo então dois dos sócios da Autora - B e C - os únicos sócios da Ré; e o Silveira detinha posição maioritária em ambas as sociedades.<br> Em Junho de 1980 fora já decidido pela Ré adquirir um terreno sito na Urbanização da Quinta da Palhavã (lote 12), em Tomar, para aí edificar as suas instalações sociais, iniciando-se imediatamente os estudos de projecto e, depois, de edificação.<br> A Ré nunca pagou nada à Autora pelo uso do prédio. E dada a sua excelente localização (à entrada da cidade de Tomar) com óptimos acessos, e a sua área, facilmente a autora conseguiria na actualidade, ceder a outrem o seu gozo temporário por quantia não inferior a 150000 escudos. E desde que iniciou a ocupação do prédio, a Ré tem vindo a consumir água e electricidade obtidas através de ramais e baixadas contratadas em nome da Autora sendo esta quem tem efectuado o pagamento da totalidade desses consumos às entidades fornecedoras; sendo certo que tais consumos da Ré não têm sido, em média, inferiores a 25000 escudos por mês.<br> Vejamos, então, qual o direito aplicável a estes factos.<br> O comodato, cuja existência na situação aqui questionada é defendida pela recorrente, é um contrato com as características definidas no artigo 1129 do Código Civil.<br> Como contrato, que juridicamente é, à sua subsistência está necessariamente subjacente a verificação de duas declarações negociais opostas, ou contrapostas melhor.<br> Mas, "perfeitamente harmonizáveis entre si, visando estabelecer uma regulamentação unitária de interesses".<br> Efectivamente,"o contrato é essencialmente um acordo vinculativo de vontades opostas; e,"a sua peça fundamental é o mútuo consenso" (vid. A. Varela, Obrigações, I, 3 ed., 199 e 202).<br> Para constituição do contrato, para criação do acordo vinculativo, a declaração negocial pode ser expressa ou só tácita - artigo 217 do Código Civil.<br> O que importa é que haja manifestações de vontade de quem propõe e de quem aceita. Na apresentação de proposta e na sua aceitação se perfeccionará o acordo tradutor do contrato. A declaração de vontade é o elemento mais essencial do negocio jurídico, como dizia M. Andrade (Teoria Geral, ed. de 1953, p. 68). Mas ela não se revela só, ou não se cinge a uma expressão verbal ou escrita, antes "é todo o comportamento de uma pessoa ou, segundo os usos de vida, convenção dos interessados ou até, por vezes, segundo disposição legal, aparece como destinado (directa ou indirectamente) a exteriorizar um certo conteúdo de vontade negocial"; sendo que esta; " é a vontade dirigida a efeitos práticos (em regra económicos) com a intenção de que esses efeitos sejam juridicamente tutelados e vinculantes" - (prof. M. Andrade, ibid. 69).<br> Em suma: - para haver declaração negocial, que leva à constituição de contrato, tem que haver um comportamento declarativo, ou seja, um comportamento que, visto de fora, apareça como significativo de uma vontade negocial, ainda que a validade jurídica de aparência possa ser afectada se ela não corresponder efectivamente ao estado de espírito, à intenção do seu autor (do comportamento); o qual (comportamento), repete-se, pode ir além da palavra e da escrita.<br> Importante, é que "apareça como endereçado a exteriorizar um certo conteúdo de vontade negocial, ainda que não declarado-o, mas agindo e executando para o revelar".<br> Com o que vem de dizer-se, em mente tivemos principalmente salientar que a averiguação e apreciação da existência, ou não, de declaração negocial e se houve, ou há, ou não, comportamento que deva ser tido como declarativo, para o efeito de poder falar-se em "acordo vinculativo", constitui pura matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.<br> É que isso se resume à descoberta de uma vontade, de uma intenção, de um estado mental.<br> O que se situa no plano da vida real, no puro mundo factual.<br> Interpretar e integrar, segundo os critérios legais, a declaração negocial, bem como qualificar e interpretar os negócios jurídicos, é matéria de direito.<br> Porém, fixar a verificação, ou não, de declaração negocial é, repete-se, matéria de facto. E neste ponto, vedado está a este Supremo alterar a decisão das Instância - cfr. art. 729 - 2 do Cód. Proc. Civil.<br> Por isso não tendo a Relação considerado provada a existência do acordo vinculativo, melhor de qualquer acordo vinculativo resultante de declarações negociais reveladoras de mútuo consenço e dando apenas como certo que a ocupação do imóvel pela recorente (ré) teve inicialmente (e naturalmente até à propositura da acção) o consentimento da Autora, não pode este Supremo, e contra o que pretende a recorrente, concluir pela existência do contrato de comodato, definido no art. 1129 já referido. E isto porque na ausência de tal acordo não há mesmo qualquer contrato, estando a este Supremo vedada qualquer indagação sobre isso (cfr. dito art. 729).<br> Temos assim, que a ocupação que a Ré tem vindo a fazer do imóvel da Autora não se apoia em qualquer direito contratual dele e que, por sua vez, vincula a proprietária.<br> Antes se confina a um mero acto de tolerância, na correspondência de um favor que juridicamente não vincula nem, quere, ou sequer reduz, os direitos da proprietária. E que só legitima, e torna licita, não violadora destes direitos, tal ocupação enquanto se mantem esse favor e consentimento a que o favorecente pode pôr termo quando entender porque não gera obrigação.<br> O conteúdo do direito de propriedade é o estabelecido no art. 1305 do Cód. Civil.<br> Terminado o consentimento para ocupação, esta passou a ser ilicita e com ela a Ré-Recorrente ficou a violar aquele direito de propriedade, ofendendo o disposto naquele art. 1305, na medida em que perturba a exclusividade de uso e fruição que cabe, ao proprietário.<br> E para a Recorrente isso passou a verificar-se com a citação para acção, acto pelo qual foi interpelada para pôr termo à ocupação; a partir daí ficou constituida em mora e incursa na obrigação de reparar os danos causados - vid. artigos 483, 805 - 1 e 804 - 1, do Cód. Civil.<br> Esses danos correspondem, sem dúvida e pelo menos, ao rendimento que a Autora poderia tirar do predio, se estivesse livre - art. 562 e 564 id..<br> E acrescem-lhe as despesas da água e luz custeadas pela Autora e feitas pela Ré.<br> Não cabe a este Supremo, por se tratar de matéria facto, censurar os quantitativos apontados pelas Instâncias. E não merece censura o periodo temporal - inicio e termo - fixado pelas Instâncias.<br> Finalmente, só restará acrescentar que o direito da Autora à restituição do prédio está consagrado no art. 1311 do Cód. Civil.<br> Pelo exposto, improcedem as conclusões da alegação da Recorrente.<br> Termos em que se nega a revista, com custas pela mesma Recorrente.<br> Lisboa, 27 de Novembro de 1991.<br> Joaquim de Carvalho,<br> Beça Pereira,<br> Martins da Fonseca.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A e B intentaram no 5 Juízo Cível da comarca de Lisboa, a presente acção ordinária contra a sociedade José Nunes Henriques &amp; Filhos, Lda, pedindo que esta fosse condenada a reparar deficiências e deteriorações existentes na fracção autónoma "AG" do prédio constituído em propriedade horizontal, que identificam na petição inicial e que eles AA. compraram à Ré, que o construiu, bem como a limpar e pintar as paredes e armário atingidos por infiltrações de águas, substituir os rodapés danificados e pavimento deteriorado e a proceder ao revestimento exterior das paredes sul e poente do prédio, com tela mortar de alumínio, pelo menos ao nível do andar dos AA., ou, em alternativa, a pagar os custos das mesmas reparações.<br> Basearam os AA. o seu pedido em defeitos de construção, denunciados à Ré em Fevereiro de 1987 e que esta se recusa a reparar.<br> A Ré depois de citada contestou por excepção, invocando a prescrição e a caducidade assim como a ilegitimidade dos AA. na parte em que o pedido extravasa a sua fracção, dado que a administração das partes comuns pertence à assembleia de condóminos e também se defende por impugnação.<br> Os AA. responderam às excepções.<br> No despacho saneador foram julgadas as excepções deduzidas, sendo elaboradas a especificação e o questionário, que foram objecto de reclamações.<br> Depois de desatendidas as reclamações, a Ré agravou do despacho saneador.<br> O processo seguiu seus termos e, na sentença final, a acção foi julgada procedente.<br> A Ré, inconformada, apelou e com a respectiva apelação subiu o agravo acima referido. E, depois de apreciada a primeira questão nele inserida, julgou a Relação que se verificava a caducidade invocada pela R, concluindo pela improcedência da acção, sem necessidade de apreciar as restantes excepções deduzidas (prescrição e ilegitimidade).<br> Foi a vez de ficarem inconformados os AA, que interpuseram o presente recurso de revista. E na respectiva alegação, concluem, em recurso, da seguinte forma:<br> - Com a presente acção os recorrentes não pretendem a anulação da compra e venda celebrada com a recorrida mas tão somente a condenação desta a reparar os defeitos que se verificam na sua residência, proceder ao revestimento exterior do prédio ou, em alternativa, a pagar o custo de tais reparações e revestimento.<br> - Os prazos previstos nos artigos 916 e 917 do Código Civil, apenas contemplam as acções de anulação por simples erro e não por qualquer outro fundamento.<br> - Assim, a presente acção não está sujeita ao prazo de caducidade previsto naqueles artigos.<br> - O despacho saneador proferido na 1 instância fez boa aplicação do Direito, não merecendo qualquer reparo ou censura.<br> - O acórdão recorrido violou os artigos 916 e 917 do Código Civil, pelo que deve ser revogado.<br> A Ré na sua contra-alegação de recurso pugnou pela manutenção do decidido pela Relação.<br> Corridos os vistos, cumpre decidir.<br> <br> O acórdão recorrido baseou-se na seguinte factualidade:<br> 1 - Os AA. são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pelas letras "AG" e correspondente ao 10 andar, frente, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Quinta do Açude, lote 68, Arroja, Odivelas, que adquiriram à Ré, para sua residência, por escritura pública de compra e venda celebrada em 22-7-82.<br> 2 - Foi a Ré quem construiu o prédio, a quem pertence a fracção.<br> 3 - Em 17-7-87 deu entrada em juízo a presente acção. <br> 4 - Os AA. alegam que no início de 1987 começou a verificar-se grande e grave deterioração na sua fracção, conforme explicitam em pormenor e que entendem ser devida a defeitos de construção, tendo denunciado essas deficiências à Ré, quer pessoalmente, quer por intermédio do seu advogado, tendo junto 2 cartas deste, datadas de 18-2-87 e 15-4-87.<br> 5 - A Ré alega que o direito dos AA. é condicionado por denúncia a efectuar até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de 6 meses após a entrega de coisa, pelo que tendo em conta a data da escritura, o direito dos AA. já prescreveu.<br> 6 - Mais alega que, mesmo que tal direito não tivesse prescrito, verificou-se a caducidade, porquanto se aplica o prazo estabelecido no artigo 917 do Código Civil, por se tratar de compra e venda e não de empreitada.<br> 7 - Na resposta, os AA. alegaram que as cartas enviadas à Ré foram no prazo de 30 dias, a contar do conhecimento dos defeitos.<br> São estes os factos em que se baseou a decisão recorrida e que não abrangem aqueles que os recorrentes consideram provados, contra a opinião da Ré. Assim, não há que tomar posição nesse diferendo por não estar incluso no objecto do recurso "sub judice".<br> <br> Tal como já ficou definida na 2 instância, a questão que ora se debate é a de determinar qual o prazo de caducidade do direito de accionar no caso "sub judice". Segundo o acórdão recorrido ele é o previsto nos artigos 916 e 917 do Código Civil, mas na opinião dos recorrentes, baseando-se na decisão de 1 instância, será o assinalado no n. 1 do artigo 1225, do mesmo Código.<br> É certo, como referem os recorrentes que não se trata aqui de uma anulação de compra de um imóvel, fundada em simples erro, mas na reparação dos defeitos desse imóvel. E também não deixa de ser certo que o citado artigo 917 alude expressamente à anulação do negócio, por simples erro.<br> Todavia, o normativo do referido 1225 respeita ao contrato de empreitada, encontrando-se assente que entre AA. e R. não fora celebrado um contrato desse tipo.<br> A questão não pode ser, portanto, resolvida nos termos equacionados pelos AA, uma vez que se julga ser evidente que, para os casos em apreço, existe uma lacuna legal. Com efeito, não vem referido expressamente na lei qual o prazo de caducidade para o exercício do direito de reparação de coisa defeituosa, previsto no artigo 914 do Código Civil. De harmonia com este preceito, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa. A grande maioria da jurisprudência e boa parte da doutrina têm entendido que a lacuna deve ser suprida com a aplicação extensiva do disposto no artigo 917, ainda do Código Civil. Temos assim que, conforme o artigo 916 do aludido Código, o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa. Esta denúncia deverá ser feita até 30 dias depois de conhecido o defeito e, dentro de 6 meses após a entrega da coisa. Esclarece, porém, o dito artigo 917 que a acção de anulação por simples erro caduca findo qualquer dos prazos fixados naquele artigo 916 sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta, 6 meses.<br> Por razões de natureza histórica, sistemática e teleológica, julga-se que a jurisprudência dominante é a correcta.<br> Constava do articulado respeitante ao contrato de empreitada, feito por Vaz Serra para o ante-projecto do actual Código Civil, que o artigo correspondente ao falado 1225 tinha um n. 4. Este número mandava aplicar o regime da responsabilidade da empreitada, ao vendedor do imóvel que o tinha construído. O que seria o caso dos autos. Todavia tal regra foi eliminada, não ficando, pois, a constar desse artigo 1225, nem de qualquer outro preceito legal. Para o sucedido também existe uma explicação histórica.<br> Batista Machado, no seu estudo "Acordo Negocial e Erro na Venda de Coisas Defeituosas", publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 215, página 5 e seguintes, refere logo no início que, na exposição de motivos do Projecto de Galvão Telles, se entendia que os vícios da coisa se integravam nos institutos jurídicos do erro e do dolo. Portanto, deve ter estado subjacente no espírito do autor do dito Projecto, a aplicabilidade do citado artigo 917; à caducidade da acção para reparação da coisa. Doutro modo, não havia explicação para a lacuna, depois de se ter amputado o normativo que constituiria o n. 4 do artigo 1225 (v. ac. do S.T.J. de 21-11-88, in BMJ n. 381, página 690).<br> <br> Assim, afastada a aplicação directa ao caso "sub judice" de qualquer norma do contrato de empreitada, essa aplicabilidade só poderia ocorrer por analogia. Mas é evidente que o estatuído no referido artigo 1225, reveste carácter excepcional, daí que não possa ser aplicado por analogia, face ao determinado no artigo 11 do Código Civil.<br> A finalizar parece inquestionável, como resulta dos ensinamentos de Vaz Serra (in "Prescrição Extintiva e Caducidade, pagina 566 da Separata dos ns. 105 e 107 do Boletim do Ministério da Justiça) que os prazos de caducidade procuram que certas situações jurídicas se definam rapidamente. Estão neste caso, as reparações necessárias na coisa vendida. É lógico, portanto, que a lei exija uma actuação rápida do comprador, não só para seu benefício, mas também do vendedor, porque a demora da reparação pode torná-la muito mais onerosa. Desta maneira, há-de ser dentro do regime legal do instituto da venda de coisa defeituosa, a que o caso "sub judice" está confinado, que se deve encontrar a solução para a omissão da lei. Assim, justifica-se plenamente a interpretação extensiva do citado artigo 917. Referindo ele o prazo da acção de anulação da compra e venda de coisa defeituosa, igual prazo deve ser observado quando se pretende manter os efeitos do mesmo contrato com a reparação da coisa.<br> E, ainda, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil Anotado, volume 2, 3 edição, página 218) tal solução também se deve impor, por esse prazo ser o mesmo quando há garantia do bom funcionamento da coisa, conforme resulta do disposto no artigo 921 do Código Civil. Ora não se vê justificação para ser diferente esse prazo, quando não houver sido prestada essa garantia.<br> <br> Nestes termos, decide-se negar a revista e confirmar a decisão recorrida, com custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 12 de Janeiro de 1994.<br> António Pais de Sousa.<br> Santos Monteiro.<br> Pereira Cardigos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1 - No Tribunal de Círculo de Chaves, A e mulher B, na qualidade de arrendatários e de comproprietários, confinantes e donos de prédio serviente, instalaram acção atinente nuclearmente a exercerem o direito de preferência na transmissão do prédio, que identificaram, operada por escritura de compra e venda de 3 de Junho de 1991 e 31 de Outubro de 1991, contra C e mulher D, como compradores, e E e marido F, G, H e marido I e J e marido L, como vendedores.<br> Os Recorrentes contestaram por excepção e por impugnação.<br> Em cumprimento do douto Acórdão do Supremo Tribunal de<br> Justiça de 20 de Outubro de 1994, folhas 183 a 195, proferiu-se saneador - folhas 207 e seguintes - seguido de especificação e questionário.<br> Por sentença foram os Recorrentes absolvidos do pedido por se ter julgado procedente a excepção de renúncia ao direito de preferir.<br> O douto Acórdão da Relação do Porto - folhas 353 a 368<br> - confirmou o decidido.<br> Daí a presente revista.<br> 2 - Nas suas muito longas conclusões das suas alegações os Autores recorrentes afirmaram, em resumo: a) O preço depositado pelos Autores foi de 4321290 escudos. b) Devem ter-se por não escritas as expressões que contêm matéria de direito nas respostas aos quesitos 17 a 20 do questionário. c) Era inadmissível o depoimento de parte das Co-Rés requerido pelos 1. Co-Réus. d) Há nulidade insuprível da decisão do colectivo na fundamentação das respostas aos quesitos. e) Não foram objecto de fundamentação de sentença e do<br> Acórdão recorrido os factos admitidos por acordo das partes e provados por documentos. f) Há simulação dos preços das escrituras. g) Existe contrato típico de arrendamento rural. h) Os Autores na sua qualidade de arrendatários e de comproprietários do prédio "Atrás da Igreja" gozam do direito de preferência na sua alienação. i) Os Recorrentes comunicaram aos Autores em concreto todos os elementos essenciais da alienação - preço e datas de celebração das escrituras, em desrespeito ao disposto nos ns. 1 e 2 artigo 416 do Código Civil. j) Houve ocultação deliberada desses elementos. l) Não houve renúncia dos Autores ao exercício do seu direito de preferência.<br> Encontrando-se violados os artigos 646 n. 4; 653 n. 2;<br> 659 n. 2; 668 n. 1 alíneas b) e d), todos do Código de<br> Processo Civil e artigos 352; 240; 416; 409 e 1410, todos do Código Civil e 284 da L.A.R., concluem pela revogação do decidido e daí pela procedência da acção.<br> Em contra alegação pugnou-se pela bondade do decidido.<br> 3 - Colhidos os vistos cumpre decidir.<br> 4 - Dando ordem lógica e cronológica aos feitos está provado pela Relação: a) Na freguesia de Vide, Montalegre, situa-se um prédio denominado "atrás da Igreja", composto de terra, lameiro, tulhão, palheiro, casinha, combano, canastro e eira, confrontando do Norte com o adro da Igreja, Sul com herdeiros de Paço, Nascente com Canela, Poente com Nogueira ou Centro Paroquial - alínea A) da especificação. b) O aludido prédio faz parte da herança deixada por morte de Pires, conforme inventário obrigatório que correu seus termos pelo Tribunal de Montalegre, no qual foi adjudicado:<br> - 1/2 ao inventariante Paço.<br> - 1/8 a cada um dos interessados H, L, N e marido e H - alínea B) da especificação. c) Por óbito do dito Paço, teve também lugar inventário obrigatório, onde se incluiu o respectivo 1/2, que foi adjudicado:<br> - 2/9 para cada um dos interessados H e marido, M e marido e H já referidos na alínea anterior - alínea c) da especificação. d) Por morte de N procedeu-se também a inventário obrigatório, no qual se inscreveu a verba n. 4, correspondente a 17/72 do prédio em causa, que foram adjudicados na proporção de metade para cada um dos interessados E e G, aqui 2. e 3. Rés.<br> De acordo com a certidão do Registo Predial de<br> Montalegre encontram-se inscritos 51/864 a favor de<br> E; 136/864 a favor de<br> G; 17/72 a favor de H e 17/72 a favor de J - alínea D) da especificação. e) Por volta de 1980, as Rés H e J consentiram que os Autores utilizassem o palheiro, tulhão e canastro do prédio referido na alínea A) da especificação - resposta ao quesito 1. f) Os interessados M e marido aquela já mencionada nas alíneas B) e C) declararam, por carta de 28 de Outubro de 1991, terem tomado conhecimento do propósito das vendas a que se reportam as escrituras públicas juntas aos autos, e não exerceram o direito de preferência - alínea H) da especificação. g) De harmonia com a escritura pública celebrada no dia<br> 3 de Junho de 1991, as aqui Rés E, G e H venderam respectivamente<br> 17/144, 17/144 e 17/72 do já mencionado prédio, pelo preço declarado de cinco milhões de escudos, aos ora também Recorrentes C e mulher - alínea E) da especificação. h) Os intervenientes nesta escritura declararam o valor de 5000000 escudos, valor esse fixado por acordo entre os mesmos intervenientes - resposta aos quesitos 10 e<br> 11. i) Também em conformidade com a escritura pública celebrada em 31 de Outubro de 1991 a Ré J e marido venderam 17/72, do mesmo prédio, pelo preço declarado de quatro milhões de escudos, aos primeiros Recorrentes C e mulher - alínea F) da especificação.<br> J) Os intervenientes nesta escritura declararam o valor de 4000000 escudos, valor esse declarado em conformidade com o acordo havido entre os mesmos intervenientes - resposta aos quesitos 14 e 15. l) Os Recorrentes deram conhecimento aos Autores do propósito de venderem as fracções a que se reportam as escrituras públicas referidas nas alíneas E) e F) da especificação - resposta ao quesito 17. m) Os Recorrentes deram também conhecimento aos Autores que os preços eram superiores a 2000000 escudos e, ainda, a identidade do comprador - resposta ao quesito<br> 18. n) Os Autores, porém, declararam não estar interessados na aquisição dos bens inerentes a essas fracções e que os podiam vender a quem quisessem, desde que o preço fosse superior a 2000000 escudos - resposta aos quesitos 19 e 20. o) Os Autores procederam ao depósito de 2121290 escudos, nele se incluindo as despesas relativas à celebração das escrituras referidas nas alíneas E) e F) da especificação - alínea G) da especificação.<br> 5 - Apreciemos as invocadas nulidades.<br> 1 - A nível de apelação os Autores recorrentes levantaram, sem êxito a questão de as respostas aos quesitos 19 e 20 serem conclusivas, por envolverem no seu conteúdo matéria de direito.<br> Agora alargam a mesma conclusão relativamente às respostas aos quesitos 17 e 18.<br> Nesta parte não é possível a sua apreciação por ser questão nova.<br> Os pontos agora em análise reportam-se às seguintes expressões "declararam não estar interessados na aquisição dos bens inerentes a essas fracções" e<br> "preço... superior a..." - resposta aos quesitos 19 e<br> 20.<br> Seja qual for o critério para destrinçar a questão de facto da de direito - Professor Castanheira Neves, Rev.<br> Leg. Jurisp. ano 129, Páginas 130 e seguintes e 162 e seguintes; e A. Varela C.J. XX, 1995, Tomo IV, Páginas<br> 9 e seguintes é plenamente concordante e de solução pacífica que as assinaladas expressões se referem a puros e concretos factos.<br> 2 - A inadimissibilidade do depoimento da parte é igualmente questão nova, por não ter sido levantada perante a Relação.<br> 3 - Ao contrário do pretendido pelos recorrentes, a falta ou deficiência de fundamentação das respostas não constitui motivo para anulação das mesmas, frente ao estatuído no n. 3 artigo 712 do Código de Processo<br> Civil.<br> Mas para além disso, o colectivo - folhas 290/verso - fundamentou-se, quanto à generalidade das respostas aos quesitos, em documentos juntos - as escrituras públicas<br> - em depoimento de parte e em testemunhos, indicando a razão de ciência.<br> Tudo de acordo com o princípio da livre apreciação das provas - artigo 653 do Código de Processo Civil.<br> 4 - Quanto à relevância da invocada omissão de factos admitidos por acordo e provados por documentos há que concluir que, a existir tal omissão, ela seria nula, pois necessário se tornaria, pela positiva, que ela se reportasse a factos que se projectassem utilmente na decisão - artigo 659 n. 3, em referência ao artigo 511 n. 1, ambos do Código de Processo Civil.<br> Tais factos seriam os insertos nos artigos 60-61-74 e<br> 75 p.i., acompanhados dos documentos neles mencionados<br> - cartas juntas a folhas 31, 33 e 38.<br> E no entender dos recorrentes demonstrariam que eles não tiveram o mínimo conhecimento da alienação da fracção da Ré J e marido.<br> Ora tal conclusão é insusceptível de se tirar da carta junta a folha 38.<br> E as junto a folhas 31 e 33 são inócuas para a decisão.<br> Tudo como vem referenciado no Acórdão recorrido.<br> 6 - Apreciemos agora a excepção: renúncia por parte dos<br> Autores ao exercício do direito de preferência.<br> Voltemos aos factos provados.<br> - Os Recorrentes deram conhecimento aos Autores do propósito de venderem as fracções a que se reportam as escrituras públicas.<br> - Os Recorrentes deram também conhecimento aos Autores que os preços eram superiores a 2000000 escudos e ainda a identidade do comprador.<br> - Os Autores declararam não estar interessados na aquisição dos bens inerentes a essas fracções e que os podiam vender a quem quisessem, desde que o preço fosse superior a 2000000 escudos.<br> No artigo 416 n. 1 do Código Civil estatui-se:<br> "Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato".<br> Daqui se infere a protecção dada ao preferente para conscientemente poder decidir se lhe é favorável preferir.<br> Este dever de comunicar é tratado pela mais recente doutrina alemã como "dever de prestação de informação derivado", por nascer da própria lei.<br> E por lhe corresponder um direito de acção por parte do preferente, é considerado no sub-tipo dos deveres "Kompletorisch".<br> Sabe-se que os Recorrentes queriam vender as suas fracções no prédio em questão.<br> Os Autores, mesmo que por forma indirecta soubessem de tal, legalmente teriam de estar inactivos: tinham tão somente uma expectativa de mais tarde poderem adquirir tais fracções, caso se concretizasse a decisão de venda.<br> Por isso os Autores só adquiriram o direito subjectivo<br> - n. 1 artigo 416 - depois de os Recorrentes terem dado conhecimento do seu propósito de venda, pelo preço superior a 2000000 escudos e da identidade do comprador.<br> Igualmente tal direito nasceria caso os Recorrentes tivessem efectivamente alienado sem prévia comunicação ou se esta se apresentava irregular.<br> Contrariamente 504, C.C. Alemão, onde o direito de preferência só é exercido após - venda de coisa, apresentando-se a declaração, como realização de uma condição - Euneccemo-Uhmann, D. obg. II, Página 2.<br> Há, pois, que analisar a comunicação.<br> Os Recorrentes não anunciaram que queriam vender por preço superior a 2000000 escudos, visando saber se os<br> Autores, nestas condições, queriam ou não comprar.<br> Tal seria uma proposta para contratar.<br> Mas sim os Recorrentes comunicaram aos Autores o propósito de vender por aquele preço ao terceiro comprador, que indicaram, visando saber se os Autores, nestas condições, queriam ou não comprar.<br> A comunicação para preferir levanta problemas jurídicos complicados.<br> Denominado "de mutiatio" pelo artigo 1566 do C.C.<br> Italiano deve aqui indicar as "condições propostas por terceiro".<br> Denominado "apontação" pelos artigos 1153 e 1156 do<br> C.C. Brasileiro deve aqui indicar "preço e vantagens que terceiros oferecem pela coisa".<br> A doutrina em França de várias disposições retira que ela deve indicar as condições aceites por terceiros.<br> A de mutiatio é geralmente vista pela doutrina Italiana como proposta para contratar, revogável para uns e irrevogável para outros.<br> Mas também é vista como cumprimento de obrigação.<br> Há que separar proposta para contratar da comunicação referida no artigo 416 n. 1 do Código Civil.<br> Entre nós tem sido entendido pacificamente "que ao preferente devem ser comunicados, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos do negócio a realizar que possam ter influência na sua decisão de preferir ou de abdicar do direito de opção" - Professor H. Mesquita,<br> Rev. Leg. Jurisp. 126, Página 59.<br> Ao seu conteúdo temos:<br> - projecto de venda:<br> - cláusula.<br> O projecto de venda identifica-se com os elementos essenciais de contrato de compra e venda - artigo 874 e<br> 879 alíneas b) e c): identidade do objecto mediato do contrato e preço a pagar.<br> Nas cláusulas já se projectam na casuística avaliada pela regrabilidade daquilo que seria decisivamente relevante para o preferente resolver se irá ou não preferir, dentro de óptica por parte do obrigado à preferência, atenta a diligência do bom pai de família<br> - artigo 487 n. 2 e 799 n. 2, ambos do Código Civil.<br> Cláusulas com aquelas características não havia, no caso em apreço.<br> Referindo os Recorrentes na sua comunicação o prédio, o futuro comprador e o preço parece que ela é perfeita.<br> Só que, poder-se-á dizer - tese dos recorrentes - que quanto ao preço não foi indicado um valor preciso, mas sim "pelo menos por 2000000 escudos".<br> Mas os Autores, como declaratários normais - artigo 236 do Código Civil - Nem perceberam o seu conteúdo.<br> Tanto assim que responderam que os Recorrentes poderiam vender a quem quisessem, desde que o preço fosse superior a 2000000 escudos.<br> E o preço veio a ser de 9000000 escudos (4000000 escudos + 5000000 escudos).<br> Afastada a tese de a comunicação ser uma proposta para contratar, sabido que o analisado n. 1 do artigo 416 não estabelece qualquer especialidade quanto à forma, há que aplicar, de pleno, o princípio consignado no artigo 219, ambos do Código Civil, de liberdade de forma.<br> 7 - Frente à aludida concreta comunicação dos Recorrentes, os Autores podiam tomar três atitudes:<br> - Nada declararem.<br> - Declararem que não lhes interessava contratar nas condições assim anunciadas.<br> - Declararem o seu interesse - direito protestativo - em preferir.<br> Os Autores optaram pela segunda posição: perda voluntária do direito de preferir.<br> Fizeram-no através de uma declaração unilateral de vontade, também não sujeita a forma especial - artigo<br> 219.<br> É sabido que a renúncia não é admitida, em termos gerais, no domínio das obrigações, como forma de extinção do crédito, mas como forma de extinção das garantias reais - artigos 664, 677, 730 alínea d), 752 e 761, todos do Código Civil.<br> Não estamos, pois, perante a extinção de um direito de crédito, mas sim de extinção de um direito potestativo<br> "o direito de, por simples declaração de vontade, fazer nascer, a cargo do sujeito vinculado à preferência, a obrigação de realizar com o preferente o contrato projectado" - Professor H. Mesquita, obg. reais e ónus reais, nota 131, Página 209.<br> Verifica-se, desta forma, a renúncia.<br> 8 - Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelos Autores recorrentes.<br> Lisboa 22 de Abril de 1997.<br> Torres Paulo,<br> Ramiro Vidigal,<br> Cardona Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1) - A Associação do Hospital Civil e Misericordia de Alhandra intentou acção de despejo, pelo 1 Juizo da Comarca de Vila Franca de Xira contra Fabrica de Plasticos e Metalurgia Novaera, Lda, articulando, em sintese, que:<br> -deu de arrendamento a Sociedade Agricola da Bairrada, Lda, o predio urbano sito na Rua Passos Manuel, 23, em Alhandra, e o predio urbano, composto por um armazem, sito na Rua João Maria da Costa, 4, em Alhandra;<br> -os ditos locais arrendados foram tomados de trespasse pela re;<br> -a qual, a partir de Janeiro de 1986, inclusive, deixou de pagar as rendas.<br> Termina a A., pedindo a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo, e o pagamento das rendas vencidas e vincendas ate efectivo despejo.<br> Porque fora decretada a falencia da re, foi acção contestada pelo administrador da massa falida da re, pedindo a improcedencia da acção e que, ao menos, se declare que as rendas a pagar são apenas as vencidas apos a declaração da falencia, e, em convenção, que a re falida e mandataria dos falados predios.<br> Respondeu a A.<br> Foram elaborados saneador, e especificação - questionario.<br> Do saneador recorreu a re.<br> Seguiu o processo, vindo a ser proferida sentença, que julgou a acção procedente em parte, absolvendo a massa falida dos pedidos de resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo, e condenando-a no pagamento das rendas vencidas desde Janeiro de 1986, inclusive, acrescidas de indemnização a que se reporta o artigo 1041, n. 1, do Codigo Civil, sobre rendas em atraso.<br> Da sentença recorreu a re.<br> A Relação de Lisboa confirmou as decisões recorridas.<br> Dai a presente revista:<br> Das alegações constam os seguintes pontos conclusivos:<br> I-" As rendas que o Administrador de Falencia tera de pagar a locadora, recorrida, fora do concurso, são so as que se venceram apos ter sido decidido, em 20/11/86, manter o arrendamento, pelo que, decidindo-se como se decidiu no Acordão recorrido, violou-se o Artigo 1197, n. 2, do Codigo de Processo Civil;<br> II- Quando assim se não entendesse as rendas a pagar pelo administrador de falencia, fora de concurso, seriam apenas as vencidas apos a data da declaração de falencia em 28/07/86, devendo as anteriores submeter-se a concurso, como qualquer outro credito, tal como esse S.T.J. decidiu por seu Acordão de 17/12/74 (B.M.J. 242/242).<br> Decidindo-se como se decidiu no douto Acordão recorrido viola-se o disposto nos Artigos 1196, 1218 e 1197 do Codigo de Processo Civil;<br> III- A indemnização prevista no Artigo 1041 do Codigo Civil tem de ser aplicada de harmonia com as conclusões anteriores.<br> Decidindo-se como se decidiu no douto Acordão recorrido violou-se o disposto no citado Artigo 1041, Codigo Civil.<br> IV- As custas devem ser fixadas de harmonia com o decidido nos termos das conclusões anteriores, observando-se o disposto no Artigo 446 Codigo Processo Civil.<br> Nestes termos e nos demais de direito que doutamente se suprirão, deve o douto Acordão recorrido ser revogado,..."<br> Corridos os vistos legais cumpre decidir.<br> 2) - Materia de Facto<br> Consideraram-se provados os seguintes factos:<br> A)- A autora obrigou-se por escrito a proporcionar a Sociedade Agricola da Bairrada, Lda, o gozo do predio sito na Rua Passos Manuel, 23, em Alhandra, pelo prazo de 1 mes, prorrogavel por iguais periodos, com inicio em 1 de Outubro de 1955, e mediante a retribuição mensal de 800 escudos - teor do documento de folhas 5 a 10;<br> B)- Destinava-se o predio a "estabelecimento comercial de vinhos e seus derivados - teor do artigo 2, do documento de folhas 5 a 10;<br> C)- A Autora obrigou-se, igualmente, a proporcionar a Sociedade Agricola da Bairrada, Lda, o gozo do predio sito na Rua João Maria da Costa, 4, em Alhandra, composto por um armazem, pelo prazo de 1 mes, prorrogavel por iguais periodos, com inicio em 1 de Julho de 1960, e mediante a retribuição mensal de 500 escudos - teor do documento de folhas 11 a 17;<br> D)- Destinava-se o predio a estabelecimento comercial de vinhos e seus derivados - teor do documento de folhas 11 a 17;<br> E)- Em data desconhecida, a Sociedade Agricola transmitiu os referidos gozos a Fabrica de Plasticos e Metalurgia Novaera, Lda, com conhecimento da autora;<br> F)- Em data indeterminada, a Novaera passou a usar os predios como fabrica de confecção de plasticos com conhecimento da autora;<br> G)- A Novaera deixou de satisfazer as retribuições mensais, a partir de Janeiro de 1986;<br> H)- Por sentença de 28 de Agosto de 1986, transitada em julgado, foi decretada a falencia da Novaera - teor dos documentos de folhas 23, 37 e 38;<br> I)- O administrador da falencia depositou na Caixa Geral de Depositos a quantia de 284760 escudos, relativa as rendas de Janeiro de 1986 a Janeiro de 1987, e respectivos acrescimos legais - teor do documento de folhas 39.<br> Ainda mais se provou pelos documentos de folhas 81 a 84, que o administrador da falencia igualmente depositou as quantias de 15556 escudos referentes as rendas de Fevereiro, Março, Abril e Maio de 1987.<br> E veio ainda a provar-se pelas respostas aos quesitos, que:<br> 1 - A retribuição mensal do 1 predio era, de Janeiro a Maio de 1986, de 5970 escudos;<br> 2 - E, a partir de Junho, passou a ser de 7642 escudos;<br> 3 - A retribuição mensal referente ao 2 predio era, de Janeiro a Maio de 1986, de 6823 escudos;<br> 4 - E, a partir de Junho, passou a ser de 8733 escudos.<br> 3)- O Direito<br> Rendas devidas ao abrigo do artigo 1197, n. 2, do Codigo de Processo Civil.<br> 3.1- Em discussão esta o problema de saber se as rendas que o Administrador da falencia tera de pagar a locadora, fora do concurso, são so as que se venceram apos ter decidido, em 20/11/86, manter o arrendamento, ou, quando muito, as vencidas apos a declaração da falencia. Ou, ao inves, as ja em divida, antes da referida declaração.<br> De harmonia com o n. 1 do artigo 1197, do Codigo do Processo Civil, a declaração de falencia não importa a resolução dos contratos bilaterais celebrados pelo falido. Por seu turno, o n. 2 daquele preceito estatui que no caso de ser mantido o arrendamento, as rendas serão pagas integralmente pelo administrador da falencia. Este n. 2 e que justifica a controversia existente. Serão de pagar todas as rendas em divida ou, tão so, as devidas apos a declaração de falencia?<br> Esta disposição não deve ser apreciada isoladamente, mas em conjugação com o numero anterior. O Administrador podera optar, ou pela resolução do contrato, ou pela sua manutenção. Na 1 hipotese notificara o outro contraente, a quem fica salvo o direito de exigir a massa, no processo de verificação de creditos, a indemnização por danos sofridos.<br> Na hipotese do contrato de arrendamento, havera de considerar-se, que a mora do arrendatario justifica a sua resolução, nos termos da alinea a), do n. 1, do artigo 1093, do Codigo Civil. Isso, constitui um desvio a regra geral consagrada nos artigos 804 e 808, de igual Codigo.<br> Se for decidido que o contrato subsiste, tudo se passa como se a massa falida fizesse seu, o contrato outorgado com o falido. Dai, justificar-se a obrigatoriedade do pagamento integral das rendas. A distinção entre rendas vencidas apos a declaração da falencia, e as vencidas anteriormente, não se justifica, assim. Com efeito, o administrador pode resolver o contrato, se o entender conveniente, e então as rendas vencidas serão consideradas um credito comum, a reclamar no processo de verificação de creditos.<br> Mas, se preferir a manutenção do contrato, não pode colher um duplo beneficio:<br> 1)- a continuação do contrato, a sua não resolução, apesar das rendas em divida. Portanto a não aplicabilidade da sanção cominada no artigo 1093, n. 1, alinea a), e,<br> 2)- simultaneamente, a não exigibilidade do pagamento integral das rendas anteriores a declaração da falencia.<br> A massa falida ja colhe suficiente vantagem por o contrato não ser resolvido. Ir alem, afigura-se irrazoavel.<br> Não colhe assim, a argumentação do recorrente.<br> Muito menos se aceitara que, so apos a decisão da manutenção do contrato e que as rendas são devidas.<br> Aquela decisão e importante, sim, enquanto significa que a massa falida decidiu ocupar a posição juridica do falido, responsabilizando-se nos mesmos termos daquele.<br> Por todos estes fundamentos não se justifica a interpretação restritiva que se faz do preceito citado - artigo 1197, n. 2-.<br> 3.2- Indemnização prevista no artigo 1041, do Codigo Civil.<br> 3.2.1.- Estatui o n. 1 do artigo 1041.<br> "Constituindo-se o locatario em mora, o locador tem o direito de exigir, alem das rendas,... uma indemnização igual a 50% do que for devido..."<br> O recorrente sustenta a mesma linha argumentativa, para concluir, pela não aplicabilidade da indemnização prevista no preceito aludido.<br> Ja se viu que não lhe assiste razão, enquanto interpreta em termos demasiado restritivos o n. 2 do artigo 1197 aludido.<br> Justificar-se-a, por isso, que ha motivo bastante para não proceder tambem, nesta medida, o recurso?<br> A esta interrogação ira, de seguida, responder-se.<br> 3.2.2- Ja se acentuou que em relação a indemnização prevista pelo n. 1, do artigo 1041, do Codigo Civil, a argumentação constante das alegações não colhe, pelos mesmos fundamentos que justificaram o não acolhimento da doutrina expendida em relação as vendas vencidas. Tanto bastaria, para se concluir pela improcedencia do recurso. No entanto, acontece que, seria possivel aduzir-se que, a hipotese se subsumiria no n. 3 do artigo 1196, do Codigo de Processo Civil. Isto porque, poderia acrescentar-se que a pena cominada no preceito aludido, não se distanciaria significativamente duma "pena convencional". Não e assim, porem. Desde ja, por uma razão de interpretação literal.<br> No referido n. 3, fala-se apenas em "penas convencionais".<br> Acresce ainda que, no n. 1 do artigo 1041, se estabelece um meio para o arrendatario limpar a sua falta, e evitar assim a resolução do contrato.<br> Trata-se de uma faculdade sanatoria ressalvada na parte final da alinea a) do artigo 1093, do mesmo Codigo, que se traduz em realização da prestação do devedor e que justifica a purgação da sua mora.<br> Se assim não proceder, o despejo sera sempre de decretar. Para o evitar, para haver "purgação da mora" impõe-se o pagamento das rendas e da indemnização.<br> Deste modo, a regra constante do n. 3 do artigo 1196, ja citado, não se aplica no caso em apreço.<br> Nestes termos e por estes fundamentos nega-se a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 30-4-91<br> Martins da Fonseca,<br> Meneres Pimentel,<br> Brochado Brandão.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> 1- No 3º Juízo Cível do Tribunal de Círculo de Coimbra, A por haver adquirido por escritura pública lavrada em 23-5-84, o prédio rústico denominado "Os Outeiros", ali identificado, a B, accionou esta, pedindo, nuclearmente:<br> a) Rectificação do lapso de escrita contida naquela escritura, de modo a incluir no seu objecto também a "Quinta do Padre João", por tal corresponder à real e efectiva vontade das partes<br> b) se assim não for entendido reconhecer-se à A o seu direito de propriedade relativamente à "Quinta do Padre João", por acessão industrial imobiliária<br> c) Condenação da Ré a pagar à A, por esbulho de posse e desobediência ao embargo, a quantia de 9646875 escudos, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.<br> d) caso não resultasse provada aquela aquisição, a condenação da Ré no pagamento à A de indemnização, nos termos do enriquecimento sem causa, em quantia a liquidar em execução de sentença.<br> A Ré contestou, concluindo pela improcedência da acção.<br> Proferiu-se sentença que, julgando parcialmente provada a acção:<br> - ordenou a rectificação do lapso de escrita contida na referida escritura, fazendo incluir no seu objecto a Quinta do Padre João<br> - reconheceu à A o direito de propriedade sobre a Quinta do Padre João<br> - condenou a Ré a reconhecer o direito de propriedade sobre o referido prédio e a entregá-lo ao A livre de pessoas e coisas<br> - ordenou o cancelamento do registo do direito de propriedade a favor da Ré sobre a Quinta do Padre João<br> - condenou a Ré a pagar à A a quantia de 5500000 escudos, acrescida de juros desde a citação, à taxa de 15% até 30/9/95 e 10% a partir desta data.<br> Em apelação o douto Ac. Relação de Coimbra - fls. 237 a 252 - confirmou o decidido com a correcção de que a rectificação do lapso de escrita contido na escritura pública se faça de modo a incluir no objecto do contrato a "Quinta do Padre João" delimitada pela área afecta à exploração florestal, não incluindo a zona afecta e arrendada para exploração de barro, reconhecendo-se à A o direito de propriedade sobre essa porção da Quinta e à obrigação da sua entrega por parte da Ré, com o inerente cancelamento do registo.<br> Daí a presente revista.<br> 2- A Ré recorrente nas conclusões das suas alegações afirma, em resumo:<br> a) Não ocorreu erro meramente incidental<br> b) O negócio poderia, isso sim, ser anulado, se tal tivesse sido impetrado, o que não sucedeu, dado que o erro é essencial.<br> c) Não pode este Tribunal considerar a acessão industrial imobiliária por falta de prova de o valor da incorporação sobrepujar o do terreno antes dela.<br> d) Condenação da recorrente em indemnizar a A por força de enriquecimento ilegítimo, dada a actuação da recorrida: incorporação no terreno de determinada quantidade de eucaliptos.<br> Em contra alegação a A pugnou pela bondade do decidido e pela ampliação do objecto de recurso quanto ao pedido de se reconhecer que ela adquiriu a propriedade do prédio em apreço por acessão industrial imobiliária, pedido sobre o qual, nem a sentença, nem o Ac. recorrido, se pronunciaram, dado que o decidido o tornou prejudicado.<br> A Ré posteriormente pronunciou-se pela inadmissibilidade daquela ampliação do recurso e juntou Parecer do Prof. Henrique Mesquita.<br> 3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4- Nos termos do nº6 art 713 CPCivil remete-se para o douto Ac. recorrido a matéria fáctica aí dada como assente.<br> Quanto ao 1º pedido - rectificação do lapso de escrita contido na escritura - está sucintamente provado:<br> a) Por escritura pública de 23-5-84 o A adquiriu à Ré o prédio rústico denominado "Os Outeiros".<br> b) A compra deste prédio foi negociada com C, marido da Ré, o qual indicou a localização, a área e os restantes elementos identificativos.<br> c) Nessa altura o marido da Ré definiu o prédio como composto por dois terrenos que localizou nos termos assinalados pelas plantas de fls. 17 e 18.<br> d) Medindo 7,778 ha o assinalado nessas plantas com o nº1 e 9 ha o assinalado com o nº2.<br> e) A Ré, por intermédio do seu então marido, cometeu o lapso de identificar os dois terrenos como um só prédio.<br> f) O preço de compra foi calculado à razão de 100000 escudos o ha.<br> g) Cujo preço global o A integralmente pagou.<br> h) A Ré, por intermédio de seu marido, quis vender e a A quis comprar através daquela escritura ambos os referidos terrenos<br> i) O terreno n. 1 identifica-se como sendo o prédio rústico denominado "Quinta do Padre João".<br> j) Em Junho de 94 uma filha da Ré compareceu nos escritórios da A, perguntando-lhe se havia adquirido dois ou apenas um terreno.<br> l) A A. manifestou a convicção de ter adquirido os dois terrenos.<br> m) A filha da Ré informou então que o terreno identificado com o nº1 não fazia parte da descrição da Conservatória e da inscrição referida na escritura.<br> Ou seja, em resumo, está provado que a Ré, por intermédio de seu marido, o negociador da compra e venda, cometeu o lapso de identificar os dois prédios, "Os Outeiros" e a "Quinta do Padre João" como se fossem um só e que a Ré ainda e sempre por intermédio de seu marido quis vender os dois prédios e a A quis comprá-los.<br> 5- Conforme vimos na sentença ordenou-se a rectificação do lapso de escrita contida na escritura, em apreço, fazendo incluir no seu objecto a "Quinta do Padre João".<br> Qualificou o erro como erro de declaração, tal como vem caracterizado no art 247 CC, enquadrando a situação em apreço, em termos de efeitos, não na previsão do art 247, anulabilidade, mas sim no art 249, rectificação, como se tratasse de erro de escrita.<br> O douto Ac. recorrido seguiu caminho diverso: qualificou o erro cometido pelas partes, como erro incidental que não afecta, portanto, a validade do contrato de compra e venda, dando apenas direito à sua rectificação, uma vez que o contrato seria concluído mesmo sem ele.<br> Tal como o erro de cálculo ou de escrita a que se refere o art 249, embora se não trate de um erro patente ou ostensivo, apoiando-se nos ensinamentos do Prof. Vaz Serra - Rev. Leg. Jup. ano 104, pag. 367, ano 105, pag. 367 e ano 112, pag. 6.<br> Aqui defende-se que perante o erro incidental, em princípio, o negócio deverá valer nos termos em que teria sido concluído, invocando, para tanto, por analogia os art 437 a 439, "donde resulta que o contrato celebrado com erro incidental pode ser modificado de modo a valer nos termos aconselhados pela equidade e pela boa fé".<br> Acabou, assim, por chegar à mesma conclusão do decidido em 1ª instância: há que rectificar a escritura de compra e venda.<br> 6- Assente que a A e Ré quiseram efectivamente na escritura em apreço, respectivamente, comprar e vender dois prédios rústicos pelo preço global aí mencionado, mas que manifestaram tão só a vontade de transaccionarem um só, actuando incorrectamente, há que concluir, prima facie, que estamos perante um erro de declaração, erro obstáculo ou obstativo.<br> Estamos perante uma divergência entre a vontade real e a declarada (aliud dixit, aliud voluit): desvio na vontade de acção.<br> Um erro na formulação da vontade sobre o conteúdo da declaração e não na sua formação (erro vício onde ocorre uma perturbação no próprio fenómeno volitivo) surpreendido em pleno trânsito da vontade para a declaração.<br> Desconformidade não intencional, uma divergência inconsciente, - art 247 - que contém princípio geral.<br> A Ré por lapso manifestou uma vontade - vender o prédio rústico "Os Outeiros" e que não corresponde à sua vontade real - vender também o prédio rústico "Quinta do Padre João".<br> Houve, assim, circunstância acidental, estranha à sua vontade, impeditiva da sua correcta actuação.<br> Por isso o conteúdo da sua declaração não encontra correspondência com o conteúdo da realidade psíquica da sua vontade.<br> Existiu declaração da Ré, que como seu comportamento, objectivamente considerado, valeu como exteriorização do conteúdo da sua vontade negocial de vender "Os Outeiros".<br> Houve coincidência de declaração com a vontade declarada.<br> Mas sucedeu que ambas estão em contradição com a sua vontade funcional, de vender também a "Quinta do Padre João".<br> Erro que não determinou a conclusão da compra e venda, mas que teve decisiva relevância nos termos em que ela foi concluída.<br> 7- A A quis comprar através da escritura em análise, aqueles dois prédios.<br> O problema resolve-se sim, em sede de interpretação do negócio.<br> Observando, como se evidenciou aquele erro frente ao conteúdo de declaração emitida, há que concluir que estamos perante um erro cognoscível.<br> Se a A conhecesse o erro e a vontade real da Ré, a solução do problema estaria no n. 2 art 236 CC: venda válida dos dois prédios, por isso ser a vontade real da Ré, se a tanto não se opuser o art 238.<br> Desta forma o erro seria irrelevante.<br> Só que da escritura nada permite concluir que existiu erro.<br> Foi das circunstâncias envolventes e inerentes ao negócio que o erro da declaração da Ré foi apreensível pela A. delas apurando-se a vontade real da Ré em vender os dois prédios rústicos.<br> Fica de pé, assim, a vontade real.<br> Quer por subsunção ao n. 2 art 236 - Prof. Mota Pinto - Teoria Geral, Pg. 497; ao art 236, sem distinção - Prof. Castro Mendes, Teoria Geral Vol II, Pg. 142; ou ao nº1 art 236, Dr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral, Vol II, 2 ed, Pg. 277, a preferível.<br> Sempre com a ressalva da restrição quanto aos negócios formais - o caso dos autos - inserta no art 238.<br> Um claro afloramento desta interpretação está inserto no regime visado no art 249 para o erro de cálculo ou de escrita, revelado pelo contexto ou pelas circunstâncias da declaração, hipótese particular com tratamento especial.<br> 8- Só que estamos perante uma escritura pública, um negócio formal.<br> Há agora que entrar em equação com o estatuído no art 238.<br> Problema levantado no douto Parecer junto.<br> Aqui segue-se o seguinte raciocínio: <br> - Não havendo na escritura em apreço a mínima referência ao prédio "Quinta do Padre João", o contrato de compra e venda, quanto a este prédio é nulo, por falta de forma legal - art. 219 e 238 nº1.<br> - Nulidade parcial a ser declarada oficiosamente - art 286.<br> 9- Será assim?<br> O princípio predominante da consensualidade na formação dos actos jurídicos, eco de autonomia privada é, por vezes, afastado quando o Direito impõe formas solenes e específicas para a dimanação da declaração negocial, ferindo de nulidade - art 220 - a sua inobservância.<br> Nulidade invocável a todo o tempo, por qualquer interessado e que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal - art 286.<br> Melhor reflexão das partes que a defenda contra a precipitação, facilidade de prova, publicidade, clareza do conteúdo, acautelar a posição de terceiros, a certeza e a segurança, são factores justificativos daquele procedimento legal.<br> Só que, por vezes, não encontram eco quando observados por níveis éticos, psicológicos e sociais.<br> Há que harmonizar dentro do sistema móvel.<br> Por isso aqueles válidos princípios de segurança da vida jurídica e da certeza do direito não podem impor-se com sacrifício das elementares exigências do "justo".<br> Se é certo que factores teleológicos são os determinantes das disposições legais que prescrevem certas formalidades, com as consequências atrás fixadas, para a sua inobservância, há que ver, em cada caso, se assegurada pelo escopo, a aplicação dessa norma poderá ceder, sem a violentar, a regras vasadas noutras.<br> É sempre o Direito em conjunto que se aplica.<br> 10- O art 236 contém regras para a generalidade dos negócios jurídicos; o art 238 regras específicas quanto aos negócios formais e o art 237, subsidiariamente àqueles, regras aplicáveis para a hipótese de as outras não conduzirem a um resultado conclusivo sobre o sentido do negócio jurídico.<br> O n. 1 do art 236, para o qual se remeteria em tese geral, assenta em três grandes linhas, que o fundamentam:<br> - Defesa do interesse do declaratário, inspirada pela tutela das expectativas, da confiança legítima.<br> - Segurança do comércio jurídico.<br> - Imposição ao declarante de um ónus de clareza.<br> Tudo porque na interpretação negocial visa-se surpreender o sentido objectivo que se pode depreender do comportamento do declarante.<br> Há que figurar uma pessoa como <br> "razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo" - Dr. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita 1995, Pg. 208.<br> Nos negócios formais - o nosso caso - o sentido objectivo correspondente a esta teoria da impressão do destinatário não pode valer se não tiver "um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso" - n. 1 art 238.<br> Tudo em evidente paralelismo com o estatuído no n. 2 art 9, por o texto do documento que titula o negócio ter papel equivalente ao da letra da lei.<br> Esta restrição constitui "um corolário natural - se não mesmo inevitável do carácter solene destes negócios" - Prof. M. Andrade - Teoria Geral, Pg. 307.<br> Inexistindo, como no caso em apreço não existe, na escritura de compra e venda, em apreço, a mínima referência ao prédio rústico "Quinta do Padre João", a solução legal passa pela nulidade do negócio, em sede interpretativa - Prof. M. Andrade, ob. cit., Pg. 315, onde indica opinião discordante de Lehmann.<br> No mesmo sentido Prof. M. Pinto, Teoria Geral, Pg. 423:<br> "Como fundamento desta solução formulamos o argumento de que o problema é, no fundo, um problema de vício de forma: o sentido obtido, no plano da interpretação, isto é, o sentido correspondente ao critério do art 236 (impressão do destinatário) não está formalizado.<br> Ora, a sanção correspondente ao vício de forma é, como sabemos, a nulidade (art 220)".<br> E Prof. C. Fernandes, ob. cit., Pg. 352 e Prof. Ferrer Correia, Erro Interpretação na Teoria do Negócio Jurídico - Pg. 245.<br> Verifica-se, assim, que nos negócios formais impera um maior peso dos elementos interpretativos de ordem objectiva, sacrificando a vontade real do declarante ainda que conhecida ou cognoscível por parte do declaratário.<br> Mas esta rigidez é quebrada pelo nº2 art 238, fazendo renascer uma maior carga de subjectivismo.<br> O que foi esquecido no douto Parecer.<br> Com efeito no n. 2 art 238 estipula-se:<br> "Esse sentido pode, todavia, valer, de corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade".<br> A 1ª parte deste n. 2 do art 238 é a projecção prática do princípio da autonomia privada e de regra falsa non nocet: a afirmação da vontade real.<br> Estamos, aqui, no domínio da matéria de facto.<br> Matéria provada e definitivamente.<br> 11- A aplicabilidade da 2ª parte daquele nº2 art 238 levanta sérios problemas.<br> Por ela o sentido subjectivo, embora não projectado minimamente no texto do documento - a compra e venda da "Quinta do Padre João" - uma vez que ele corresponde à vontade real das partes, pode ter validade jurídica se, no caso em apreço, não valerem as razões determinantes que impõem a necessidade de outorga de escritura pública.<br> Sendo as declarações de vontade negocial "condutas comunicativas com pretensões de normatividade" justifica-se que a ordem jurídica tutele a confiança legítima baseada na conduta de outrem, positivamente, considerando o contrato nulo por falta de forma, como vinculante.<br> "Tratar-se-ia, portanto, de um efeito ex lege, não de um efeito do contrato nulo" - Prof. B. Machado, Ver. Leg. Jup. 117, Pg. 232 e 322.<br> Assegurados, daquela forma, em cada caso concreto, os escopos que levaram à imposição de certa formalidade, a sua preterição não justificaria a radicalidade sancionatória da nulidade, em face do princípio da confiança, repassado pela boa fé: haveria como que uma redução teleológica, através de uma restrição da norma - na sua letra e no seu espírito - que impunha a formalidade.<br> O analisado n. 2 do art 238 tem redacção que vem logo do primeiro trabalho preparatório do Cod. Civil, da autoria do Prof. Rui Alarcão - Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos - art 4 nº2, - Bol 84, Pg. 338.<br> Ali se defendeu:<br> "Assim se poderá, sem embargo das graves incertezas, que a solução comporta, chegar aos resultados mais justos e negociáveis".<br> 12- Posto isto, voltemos aos factos:<br> - Foi o marido da Ré quem forneceu os elementos necessários para a outorga da escritura por forma a ela poder abranger a venda de dois prédios rústicos e não só de um: indicou localização e área, definindo o prédio como composto por dois terrenos.<br> - Acordou-se preço em função do ha;<br> - Preço que foi integralmente pago, na altura da escritura<br> - Foi o marido da Ré quem cometeu o lapso de identificar os dois terrenos, como um só prédio<br> - O A quis comprar, através de escritura em 23-5-84 os dois prédios<br> - E a partir daquela data, sempre na convicção de que comprara efectivamente dois prédios, sobre eles actuou como se fosse seu proprietário, sem qualquer oposição<br> - Até 1994 data em que se descobriu que o prédio "Quinta do Padre João" não figurava na escritura.<br> 13- Daqui resulta que as partes ponderaram e claramente definiram o conteúdo do negócio: transacção dos prédios "Os Outeiros" e "Quinta do Padre João".<br> E respeitaram-no de 1984 a 1994.<br> Só a partir de 1994 quando a filha da Ré descobriu que o terreno identificado como "Quinta do Padre João" não fazia parte da descrição da Conservatória e da inscrição matricial referidas na escritura de 23-5-84, é que a Ré, em Janeiro de 95, entrou naquela propriedade com máquinas pesadas de corte e transporte de madeiras, iniciando o corte de eucaliptos.<br> Eucaliptos que tinham sido plantados pela A e sujeitos a ulteriores trabalhos de manutenção, tratamento e limpeza, por esta efectuados, perante a total aquiescência da Ré.<br> Assim A e Ré sentiram que o erro incidental que atravessou a escritura de compra e venda titulada naquela escritura abrangesse também a "Quinta do Padre João", conforme foi sempre a sua vontade real, devidamente ponderada.<br> 14- Termos em que, embora por fundamento diverso, se confirma o douto Ac. recorrido, negando-se a revista.<br> Custas pela Ré recorrente.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1998.<br> Torres Paulo,<br> Lopes Pinto,<br> Lemos Triunfante.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> <br> A e mulher B vieram propor a presente acção com processo ordinário contra C, D e E a fim de que:<br> 1. Se decrete que o contrato-promessa de compra e venda constante dos autos pretendia figurar um contrato de mútuo no montante de 23000000 escudos, que as Rés deviam pagar aos Autores, em 19 de Março de 1994;<br> 2. Transformado esse contrato de mútuo, deve este ser considerado nulo por falta de forma;<br> 3. Mesmo que assim se não entenda, deve entender-se que o contrato-promessa não vincula os Autores, porquanto nele falta a assinatura da Autora mulher, condição para que também nele fosse vinculado o marido.<br> 4. Também se deve considerar nulo o mesmo contrato porque não consta dele a certificação pelo notário da licença respectiva de utilização ou de construção nem o reconhecimento presencial da assinatura do Autor marido.<br> 5. Decretada a nulidade desse contrato, devem condenar-se as Rés a restituírem aos Autores a quantia de 23000000 escudos, constante daquele contrato, acrescida do valor correspondente, que são os juros legais vencidos à taxa de 15 por cento ao ano, até à presente data (12 de Janeiro de 1994) no montante de 2826164 escudos e 30 centavos, o que perfaz o pedido de 25826164 escudos e 30 centavos, acrescido dos juros vincendos até integral pagamento.<br> Alega o Autor que foi emprestando dinheiro às Rés e que "quando o montante atingiu a importância de 20000000 escudos, pediu ao pai delas para lhe garantir o pagamento da dívida com a casa objecto do referido contrato-promessa e que se encontrava em nome das demandadas", a fim de evitar que algum outro credor daquele a penhorasse, tendo então, para esse efeito, sido elaborado o contrato promessa.<br> O mesmo só valeria como promessa se fosse exigida a escritura até 19 de Março de 1994 e a partir dessa data as Rés passavam a ser devedoras aos Autores da quantia de 23000000 escudos.<br> Citadas as Rés, contestaram, opondo que assinaram o contrato quando seu pai fora preso e por exigência do Autor, a fim de se calar quanto às "tramóias" a que tinha assistido.<br> Nunca o Autor demonstrou que o pai das Rés lhe devesse dinheiro, nem nunca os Autores emprestaram dinheiro a elas.<br> Concluem pela improcedência da acção.<br> Em resposta, os Autores sustentam que o contrato promessa deve ser interpretado como promessa de dação em cumprimento, com a finalidade de garantir o pagamento de quantia mutuada e juros.<br> A culminar o julgamento foi proferida sentença onde se concluiu pela inexistência jurídica do contrato-promessa julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se as Rés do pedido.<br> A Relação de Coimbra, para onde apelaram os Autores, confirmou através do Acórdão de 13 de Abril de 1999, constante de folhas 152 e seguintes, a sentença recorrida.<br> Ainda inconformados, os Autores recorreram para o Supremo, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> 1- Entre recorrentes e recorridas foi efectuado um contrato promessa de compra e venda do prédio nele referido, cujo original se encontra junto aos autos.<br> 2- Nesse contrato as recorridas declararam ter recebido dos recorrentes a quantia de 20000000 escudos como sinal e princípio de pagamento, do que dão quitação.<br> 3- Dele consta que se o contrato promessa de compra e venda não for reduzido a escritura pública até ao dia 19 de Março de 1994, as recorridas podem rescindir o contrato, restituindo a quantia recebida, mais 3000000 escudos, nos termos constantes do mesmo.<br> 4- As recorridas não lograram provar que não receberam a quantia que declararam naquele documento ter recebido dos Autores, onde apuseram as suas assinaturas que foram reconhecidas presencialmente pelo notário.<br> 5- Não provando as recorridas que não receberam dos recorrentes aquela quantia, a acção tem que proceder.<br> 6- A nulidade do contrato não invalida a declaração dele constante de que as recorridas receberam dos recorrentes a quantia de 20000000 escudos, pese embora não ter sido como sinal e princípio de pagamento do contrato nele prometido.<br> 7- Sempre as recorridas seriam obrigadas a restituir aos recorrentes pelo título de enriquecimento sem causa, pois o empobrecimento destes, com o desembolso da quantia mutuada entregue àquelas, corresponde ao seu enriquecimento em igual valor, não havendo causa justificativa para tal transferência patrimonial.<br> 8- Violou, assim, o Acórdão recorrido os artigos 289, 358, 1, 376 ns. 1 e 2, 372, 377, 393 ns. 1 e 2, 437, 479 e 1143 todos do Código Civil e artigo 659 n. 3 do Código de Processo Civil.<br> 9- Deve ser revogado o Acórdão recorrido, julgando-se a acção procedente.<br> Na contra-alegação as Rés pugnam pela manutenção do Acórdão em crise.<br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:<br> As instâncias consideraram como provados os seguintes factos:<br> a) A. e Rés subscreveram o contrato promessa de compra e venda nos termos do documento de folha 113.<br> b) Autores e Rés nunca tiveram a intenção de celebrar o contrato promessa.<br> c) Os Autores não entregaram às Rés a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 20000000 escudos referida na cláusula 2 do contrato-promessa.<br> d) Devido às relações de amizade que o Autor, tinha com F, o Autor emprestou-lhe dinheiro, por várias vezes, num total não concretamente apurado.<br> e) Parte do dinheiro emprestado pelo Autor ao F destinou-se a suprir dificuldades surgidas na firma "Coniviem Limitada" de que a 1. Ré era sócia gerente, com procuração outorgada a favor do seu pai que, na prática exercia a gerência.<br> Ficou provado que o Autor e as Rés ao subscreverem o denominado "contrato-promessa de compra e venda", vertido no documento de folha 113 não tiveram a intenção de celebrar o negócio jurídico aí anunciado.<br> Neste caso, houve, sem dúvida o propósito, por parte de todos os subscritores, de emitir a declaração contida naquele documento, mas já não existiu vontade de emitir tal declaração, como declaração negocial, atribuindo-lhe, assim, eficácia jurídica.<br> Falta, portanto, aqui, a vontade das declarantes em se quererem vincular juridicamente.<br> O comportamento de ambas as partes, irmanado numa identidade de intenções, revela bem que, com as declarações por elas emitidas, nenhuma delas pretendeu enganar a outra.<br> Trata-se, deste modo, de declarações não sérias, cuja consequência é carecerem de qualquer efeito (artigo 245 n. 1 do Código Civil).<br> A formulação legal desta consequência, segundo Ewal Horster (A Parte Geral do Código Civil - Teoria Geral do Direito Civil, página 550 ) "não é feliz", sofrendo de ambiguidade: a figura de falta de efeitos não encontra correspondência nos artigos 285 e seguintes que apenas distinguem entre nulidade e anulabilidade e os respectivos efeitos.<br> Assim, de harmonia com aquele Autor - cuja lição a este propósito não podemos deixar de perfilhar - em atenção ao regime dos citados artigos 285 e seguintes e às regras elementares do negócio jurídico essa não produção de efeitos equivale à não verificação de quaisquer efeitos negociais, o que vem a significar estar a declaração inquinada de rigorosa nulidade, com a exclusão das possibilidades de se produzirem efeitos laterais legais de natureza negocial (cfr. onde: Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, página 394; no sentido da existência, in casu, de uma situação de inexistência, cfr. Rui de Alarcão, "A Confirmação de negócios anuláveis, páginas 38 e seguintes; Castro Mendes, Direito Civil, III, páginas 316 e seguintes).<br> Em suma: não é justificável invocar-se o pretenso contrato-promessa de compra e venda para fundamentar o pedido, já que tal contrato se deve considerar como ferido de nulidade.<br> Mas poderá invocar-se, como mero princípio o documento enfocado, para acatar como confissão das Rés, o conteúdo da cláusula 4, onde se refere terem elas recebido a quantia de 20000000 escudos?<br> Entendemos que não.<br> Efectivamente não existe em relação a tal cláusula - como, de resto, em relação a todo o contrato - uma declaração de verdade (artigo 352 do Código Civil), assente numa vontade de exprimir uma certa realidade embora desfavorável às declarantes, como é próprio da confissão (cfr. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, páginas 160 e 570).<br> E isto precisamente porque se trata de uma declaração "não séria", por isso mesmo, inquinada de nulidade, como há pouco se demonstrou.<br> De resto, o que as Rés expressam na cláusula em referência - se a supuséssemos válida! - é o facto complexo de terem recebido a quantia aí aludida a título de sinal ou princípio de pagamento.<br> Mas isso não se provou.<br> Assim se se quiser cindir tal afirmação - excluindo a razão desse recebimento - para significar que isso não impediria que elas a pudessem ter recebido a outro título, tal implicaria uma violação frontal da regra da indivisibilidade da declaração, consignada na 2. parte do n. 2 do artigo 376 do Código Civil.<br> Face ao exposto, só fora do âmbito do teor do documento em referência (folha 113), é que os Autores eventualmente poderiam esgrimir, na falta de outro fundamento, como o enriquecimento sem causa para exigir a entrega da quantia em causa.<br> Mas, em tal hipótese, competia-lhes o ónus de provar, em consonância com o n. 1 do artigo 342 do Código Civil, os pressupostos daquela figura, nomeadamente a injustificada obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, por banda das Rés, a custa dos Autores, decorrente da entrega que estes lhes teriam feito da importância reclamada.<br> Os Autores não fizeram, porém, essa prova.<br> Assim, nega-se a revista, condenando-se os recorrentes nas custas.<br> <br> Lisboa, 9 de Novembro de 1999.<br> Machado Soares,<br> Fernandes de Magalhães,<br> Tomé de Carvalho.<br> <br> 3. Juízo Tribunal Judicial de Viseu - P. 44/95.<br> Tribunal da Relação de Coimbra - P. 512/98.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam na Secção Cível:<br> I) - Relatório.<br> 1 - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, com distribuição ao seu Excelentíssimo Juízo, o Estado<br> Português, representado pelo Ministério Público, propôs acção de processo ordinário contra Transcor-Transoceânica Corticeira, Limitada e<br> Corticeira do Fidalgo, Limitada, pedindo a condenação solidária das rés a pagarem-lhe a quantia de 13050000 escudos, com juros de mora desde a citação, com os seguintes fundamentos.<br> Em 16 de Junho de 1977, as rés compraram à União de<br> Unidades Colectivas de Produção Agro-Pecuária Terra<br> Livre, com sede em Cabeção, Mora, 60892 arrobas de cortiça, pelo preço de 17190000 escudos da campanha desse ano.<br> Reforço do artigo 90, n. 1 do Decreto-Lei n. 260/77, de<br> 21 de Junho, as rés estavam obrigadas a depositar na<br> Caixa Geral de Depósitos, na Rua do Ouro, em Lisboa, à ordem do Instituto dos Produtos Florestais, a parte do preço ainda em dívida à data da entrada em vigor desse diploma, no montante de 13190000 escudos.<br> As rés apenas depositaram ali a quantia de 140000 escudos.<br> A cortiça vendida e entregue às compradoras era propriedade do Estado e provinha das herdades do Zebro e Morteigo, a primeira já expropriada, e a segunda sujeita a expropriação, por ter uma pontuação de<br> 258701,6 pontos. Nos termos do artigo 130 do<br> Decreto-Lei n. 466/88, de 15 de Dezembro, o património, a titularidade de todos os bens móveis e imóveis, direitos e obrigações do Instituto dos Produtos<br> Florestais passou para o Estado.<br> Contestaram as rés pela seguinte forma:<br> O Estado é parte ilegítima, porque não é parte no contrato de venda da cortiça, cujo pagamento reclama.<br> Por outro lado, o direito invocado encontra-se previsto pois, de acordo com o n. 2 do artigo 15 do referido<br> Decreto-Lei n. 260/77, de 21 de Junho, as infracções às obrigações impostas no n. 2 do artigo 20 ficam sujeitas<br> às sanções seguintes: a) - apreensão e prisão da cortiça a favor do Estado; b) - multa até 2000000 escudos; c) - reembolso ao Estado do valor da cortiça que deveria ser apreendida, quando esta haja desaparecido ou tenha sido transformada.<br> Não há dúvida de que estas sanções são de natureza penal, pelo que, havendo já decorrido um período de tempo de treze anos, se encontra prescrito o direito do autor.<br> O citado Decreto-Lei n. 260/77 não é aplicável ao caso em questão, pois o contrato de compra e venda da cortiça foi celebrado entre a União de Unidades<br> Colectivas de Produção Agro-Pecuária Terra Livre, em 16 de Junho de 1977, estando em vigor o Decreto-Lei n.<br> 407/B/75, de 30 de Julho e o Decreto-Lei n. 521/76 de 5 de Julho.<br> As rés pediram a procedência das excepções da ilegitimidade do Estado e da prescrição ou, a não se entender assim, a sua absolvição do pedido com a improcedência da acção.<br> Houve, ainda, resposta do Estado.<br> No despacho saneador foi julgada procedente a excepção da prescrição, sendo as rés absolvidas do pedido.<br> 2 - Interposto recurso de apelação por parte do Estado, o Tribunal da Relação de Lisboa, por seu acórdão de folhas 78 e seguintes, revogou a decisão recorrida e condenou as rés a pagar ao autor Estado a quantia de<br> 13050000 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação.<br> 3 - Foi, então, a vez das rés interporem recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.<br> Na sua alegação de recurso as recorrentes formularam as seguintes conclusões:<br> 1.) Não assiste razão ao Estado Português, como se verá.<br> 2.) A decisão recorrida deixou de se pronunciar sobre questões fundamentais à decisão, não as apreciando, o que constitui a nulidade prevista no artigo 668, alínea d), do n. 1, ex-vi, do n. 2 do artigo 712 do Código de Processo Civil.<br> 3.) Com efeito, os contratos de compra e venda, a que se reportam estes autos, foram celebrados entre as ora recorrentes como compradoras, e a União de<br> Unidades Colectivas de Produção Agro-Pecuária<br> "Terra Livre", como vendedora, sendo certo que o<br> Estado neles não interveio.<br> 4.) O Instituto de Produtos Florestais aceitou e registou os referidos contratos, com inteiro conhecimento dos mesmos, os quais recebeu, sem que lhe tenham merecido qualquer reparo, tendo mesmo, e bem pelo contrário, de forma contrária a tal entendimento.<br> 5.) A actuação deste Instituto tem mero efeito fiscalizador, não resultando de parte alguma dos contratos nem da lei que tenha, por si, ou em representação do Estado Português, qualquer direito de propriedade sobre a cortiça, sendo certo que também tal não é alegado na acção.<br> 6.) Todavia, e porque o entendimento expresso da própria Petição Inicial é no sentido de se entender que as Cooperativas actuaram em nome e no interesse do Estado Português, então os recorrentes são mesmo completamente alheios<br> àquelas relações, uma vez que as mesmas são próprias das relações entre o mandante e a mandatária.<br> 7.) Assim e sendo certo que o Instituto dos Produtos<br> Florestais é também ele intermediário do Estado, em cujo nome e interesse agia, então rectificado está o mandato, e desde há muito a sua execução, não podendo ser posta em causa a execução do contrato.<br> 8.) Competia ao Estado em tempo próprio ter accionado os meios necessários e aplicáveis a tal situação, sendo certo que o seu silêncio, como resulta do disposto no artigo 1163 do Código Civil, valeu como aprovação da conduta da Cooperativa.<br> 9.) Com efeito, e a assim não suceder, violadas estariam, como estão, as regras do contrato de mandato que se não podem afastar quando se alega que a Cooperativa era possuidora dos bens e agia em nome e no interesse de terceiro, o Estado.<br> 10.) Em qualquer dos casos prescreveu o direito do<br> Estado invocar, quer fosse o incumprimento, quer a má execução do mandato, sendo certo que as recorrentes a tal são alheias, e o seu silêncio valeu como aceitação.<br> 11.) Não pode o Estado expropriar e devolver bens aos proprietários, sem previamente se assegurar do cumprimento dos contratos que se mostrassem válidos, e estivessem ainda sob apreciação de bom ou mau cumprimento.<br> 12.) Sendo entendimento que o Decreto-Lei n. 260/77 é uma norma especial, que contém nela própria os comportamentos sancionáveis e as penas que se lhe aplicam, então prescreveu o direito de queixa do<br> Estado, e consequentemente o de exigir a recuperação de danos emergentes de responsabilidade civil extracontratual.<br> 13.) Com efeito, o acórdão recorrido, ao declarar que<br> "quem paga mal paga duas vezes", tem de declarar expressamente e inequivocamente as razões de direito que são subjacentes ao mau pagamento, e à obrigação de voltar a pagar.<br> 14.) Sendo certo que nunca as recorrentes negociaram ou contrataram com o Estado, mas sim com as Cooperativas, agissem estas em nome próprio ou em representação do Estado, que alega suceder ao<br> Instituto dos Produtos Florestais.<br> 15.) Numa o Estado Português agiu como vendedor, outorgou o contrato "sub júdice", ou sequer teve a qualidade de proprietário, dai lhe advindo direitos de receber o preço, isto dentro das relações contratuais próprias da compra e venda.<br> 16.) Certo é que o Instituto dos Produtos Florestais recebeu os contratos e parte do preço, ao abrigo do Decreto-Lei n. 260/77, sendo certo que nenhuma sanção se encontrava prevista na legislação anterior, para ser aplicada a qualquer infractor, e nenhuma sanção aplicou ao abrigo deste diploma.<br> 17.) Assim, e tratando-se este diploma de lei especial, e sendo ali consideradas as penalizações a infractores, não pode vir a ser imputada responsabilidade contratual àqueles que violem esse preceito legal, mas sim sanções, sejam de natureza civil ou penal. Sendo tal sido omitido no acórdão recorrido.<br> 18.) Com efeito, ou se está meramente no âmbito das relações contratuais, e aí terão de se aplicar as regras do mandato, da venda de bens alheios, e mesmo do abuso de direito, ou no domínio de legislação especial, em que o Estado, no uso do<br> "jus imperii", impõe determinadas sanções cuja aplicabilidade não depende de contratos, mas sim da apreciação de infracções.<br> 19.) Neste caso, o infractor responde sempre e somente pela responsabilidade extracontratual ou penal, resultante da lei, e nunca contratual, porque não teve quaisquer relações comerciais, nem outorgou quaisquer contratos, e muito menos negociou cláusulas penais com o recorrido.<br> 20.) Não figurando sequer o Estado como destinatário do produto de venda de qualquer cortiça, não pode ser parte contratante, nem exigir o pagamento do preço ou qualquer indemnização contratual, sendo certo que o Decreto-Lei 260/77 só se aplica a herdades com determinada capacidade produtiva, nada tendo sido alegado, e quanto a tal, nos presentes autos, pelo que acaba até por ser duvidosa a sua aplicação.<br> 21.) A actuação do Estado, que pretendia controlar a extracção e venda da cortiça, somente poderia, e por esta via, ser apreciada em termos de direito administrativo e não cível ou contratual.<br> 22.) Aliás e para que o Estado tivesse direito a ser ressarcido, haveria então de ter alegado e provado os seus próprios danos, o que não sucedeu.<br> 23.) Não se encontra provado pelas instâncias que as herdades onde se produziu a cortiça que foi vendida e que deu origem aos presentes autos foram expropriadas e atingissem a produção necessária para que se lhes aplicasse o Decreto-Lei 260/77.<br> 24.) Não se encontra provado que o Estado tivesse intervindo nos contratos, como outorgante/vendedor, ou sequer que fosse proprietário da cortiça vendida, para que tivesse direito ao preço, e se aplicasse a regra da prescrição contratual.<br> 25.) Não está provado a qualidade em que a União das Cooperativas actuou, por forma a definir-se contrato de mandato, e dela própria, digo, mandato, em nome do Estado, e dela própria.<br> 26.) Se ela, União, actuou em nome e no interesse do<br> Estado Português, então e em termos de direito civil, fê-lo ao abrigo do contrato de mandato, pois nenhum outro instituto jurídico existiu para tal tutelar.<br> 27.) Como mandatária, aquela União é que responde perante o mandante, e não as recorrentes, o que equivale a uma omissão do acórdão recorrido.<br> 28.) Se actuou nessa qualidade, o interesse do Estado estava representado pelo Instituto dos Produtos<br> Florestais, que tutelara tal matéria , e sancionou a actuação da União das Cooperativas, situação que não é igualmente apreciada naquele aresto, mas à qual as recorrentes são alheias.<br> 29.) Também não se encontra provado nos autos, e por isso não foi objecto de apreciação, qual a parte do preço a que a União das Cooperativas tinha direito e por isso recebeu e não pode voltar a receber.<br> 30.) Certo é que o silêncio do Estado valeu como aprovação tácita.<br> 31.) Sem se definir exactamente a qualidade em que actuou a União das Cooperativas e o Instituto dos<br> Produtos Florestais não é possível decidir nos presentes autos.<br> 32.) Se foram vendidos bens alheios, porquanto se entenda, e ainda que a nosso ver erradamente, que a cortiça pertencia ao Estado Português, também tal matéria não foi apreciada, dada como provada, ou mesmo decidida, quando é certo que existe regulamentação própria.<br> 33.) Importa que este Tribunal se pronuncie sobre a qualidade de cada um dos intervenientes, façam a subsunção legal e apreciem de direito, uma vez que as alegadas nulidades não resultam de qualquer factualidade, mas somente de interpretação jurídica a qual e por omissão não foi efectuada.<br> 34.) Foram violadas as disposições legais contidas no próprio Decreto-Lei n. 260/77, nomeadamente os artigos 9 e 11, nos artigos 334, 498, 810 e 892, do Código Civil, e ainda a alínea d) do n. 1 do artigo 668, e 156, ambos do Código do Processo<br> Civil.<br> 35) Termos em que, revogando o acórdão recorrido e julgando procedente o recurso e prescrito o alegado direito se fará justiça.<br> Contra-alegou o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto em representação do Estado Português, pedindo que seja negada a revista.<br> Cumpre decidir, após os vistos legais.<br> II) - Fundamentos da decisão.<br> A) - Factos dados como provados:<br> 1 - Em 16 de Junho de 1977, as rés e a União de<br> Unidades Colectivas de Produção Agro-Pecuária<br> Terra Livre celebraram o acordo fotocopiado de folhas 9-11.<br> 2 - Por esse acordo as rés adquiriram à dita União de<br> Unidades Colectivas de Produção Agro-Pecuária<br> Terra Livre 60892 arrobas de cortiça pela quantia de 17190000 escudos.<br> 3 - Esse acordo foi registado no Instituto dos<br> Produtos Florestais sob o n. CA/4.<br> 4 - A dita cortiça era relativa à campanha do ano de<br> 1977 e provinda da herdade Zebro, situadas em Aldeia-Velha de Santa Margarida, Avis, e Morteias, situada em Cabeção, Mora.<br> 5 - Em 22 de Setembro de 1977, as rés depositaram<br> 140000 escudos na Caixa Geral de Depósitos à ordem do Instituto dos Produtos Florestais.<br> 6 - Tendo liquidado os restantes 17050000 escudos directamente à União de Unidades Colectivas de<br> Produção Agro-Pecuária Terra Livre.<br> B) - Aspecto jurídico.<br> 1 - As recorrentes constroem grande parte da sua alegação de recurso, centrando essa sua alegação no contrato de mandato, extraindo daí conceitos impertinentes para chegarem à conclusão de que, não tendo celebrado qualquer contrato de compra e venda com o Estado Português, não pode este reclamar o preço respectivo.<br> As recorrentes esquecem conceitos elementares como o de que a representação tanto pode ser legal, como voluntária, e que, além disso, não há confusão possível entre representação e mandato<br> (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil<br> Anotado", volume I, 3. edição, páginas 239 e 240).<br> Aliás, o artigo 258 do Código Civil refere-se tanto à representação legal, como à voluntária, sendo aquela a representação que deriva directamente da lei, quer dizer, é a própria lei que impõe essa representação, como na representação dos menores e dos incapacitados<br> (Manuel de Andrade, "Teoria Geral da Relação<br> Jurídica", volume II, página 296).<br> 2 - Contrariamente ao expendido pelas recorrentes, a cortiça a elas vendida pertencia ao Estado<br> Português.<br> Conforme resultara do artigo 97 da Constituição da<br> República Portuguesa (versão primitiva) na reforma agrária baniu a transferência da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham.<br> Esta posse útil não se confunde com o conceito civilistico de posse, traduzindo-se apenas no direito de exploração da terra.<br> É certo que a exploração da terra no regime da<br> Reforma Agrária não compreende os chamados frutos pendentes, isto é, os frutos dos prédios expropriados, percebidos ou pendentes até à data da posse administrativa da entidade expropriante<br> (artigo 42, n. 1, do Decreto-Lei n. 77/77, de 29 de Setembro).<br> A este regime a lei quis subtrair a cortiça, por não se tratar propriamente de um fruto pendente, porque a sua produção não corresponde ao esforço do homem (ao trabalho da terra) e porque, dada a sua longa periodicidade, mereceu desde logo um regime especial, aliás previsto no n. 2 daquele artigo 42.<br> 3 - O Decreto-Lei n. 407-B/75, de 30 de Julho, declarou indisponível e submetida a controle estadual toda a produção de cortiça amadia extraída ou a extrair, nos termos usuais, na campanha de 1975, nos prédios ou sujeitos às medidas de expropriação ou nacionalização, para evitar a venda apressada de partidas de cortiça e evitar a extracção de cortiça que ainda não completara o seu ciclo vegetativo.<br> Em 1976, o Decreto-Lei n. 521/76, de 5 Julho, estendeu à produção de cortiça desse ano e dos seguintes as disposições do Decreto-Lei n.<br> 407-B/75, até que fosse possível a elaboração de um estatuto jurídico da floresta. De acordo com esse diploma legal o que se pretendia era consagrar a regra da proibição da entrega directa, pelo adquirente ao alienante, do produto da venda da cortiça na zona de intervenção da Reforma<br> Agrária.<br> Essa proibição veio a ser mantida pelo Decreto-Lei n. 260/77, de 21 de Junho, impondo o seu artigo 9 o depósito na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do<br> Instituto dos Produtos Florestais, da totalidade do preço da cortiça adquirida, referindo-se no seu n. 2 que só esse depósito liberava o adquirente da obrigação do pagamento do preço ao Estado.<br> De todo o exposto se conclui que o Estado era o proprietário da cortiça extraída e essa propriedade fora-lhe garantida pelos Decretos-Lei n. 521/76 e 260/77, tendo o Decreto-Lei n. 98/80, de 5 de Maio, dissipado todas as anteriores dúvidas.<br> 4 - Como já vimos da transcrição da matéria de facto, o contrato de venda da cortiça aqui em apreço foi celebrado em 16 de Junho de 1977, portanto na vigência do Decreto-Lei n. 407-B/75, mas o<br> Decreto-Lei n. 260/77, de 21 de Julho, veio, no seu artigo 16, mandar aplicar as suas disposições aos contratos já celebrados ou respeitantes a cortiça a extrair na campanha desse ano.<br> É certo que o Instituto dos Produtos Florestais era um organismo de coordenação económica com personalidade jurídica e autonomia financeira<br> (artigo 1, n. 1, do Decreto-Lei n. 347-L/79, de 10 de Setembro), mas as funções de gestão do produto da venda da cortiça foram transferidas pelo<br> Decreto-Lei n. 189-C/81, de 3 de Julho, para o<br> Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, que era um orgão do Estado-Administração (Decreto-Lei n. 221/77, de 28 de Maio).<br> O Instituto dos Produtos Florestais era aquilo que na doutrina administrativa se chama um instituto público (Marcello Caetano, "Manual de Dieito Administrativo", 10. edição, revista e actualizada, tomo I, páginas 187 e seguintes). O seu sucessor - o Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária - era apenas um serviço do<br> Estado sem autonomia administrativa e financeira.<br> Dai a legitimidade do Estado para propor esta acção.<br> 5 - Quem interveio directamente na venda da cortiça às ora recorrentes foi a União de Unidades Colectivas de Produção Agro-Pecuária Terra Livre e não o<br> Estado, sendo certo e seguro, como já vimos que a cortiça vendida era propriedade do Estado.<br> Ora isto implica necessariamente que a entidade que procedeu à venda da cortiça actuou em representação do Estado (o seu proprietário), sendo essa representação conferida por lei, tratando-se, como é óbvio, de uma representação legal, a entidade que procedeu directamente à venda da cortiça, fê-lo em representação do<br> Estado, ficando essa representação limitada a essa venda.<br> E é por existir essa representação legal que a lei exigia que os contratos de venda da cortiça fossem registados no Instituto dos Produtos Florestais, para, mais tarde, se exigir o seu cumprimento, com o depósito na Caixa Geral de Depósitos do respectivo preço.<br> Não há que falar aqui de contrato de mandato, porque não houve nenhum mandato outorgado pelo<br> Estado à entidade directamente vendedora da cortiça.<br> Também não se trata de uma venda de bens alheios, nos termos dos artigos 892 e seguintes do Código<br> Civil, porque a União das Unidades Colectivas de<br> Produção Terra Livre fez a venda da cortiça pertencente ao Estado, em representação legal deste. É a própria lei que reconhece essa venda como sendo feita pelo Estado.<br> 6 - Por tudo o que já se expôs, não têm razão as recorrentes quando aprovam na conclusão 5, da sua alegação que a actuação do Instituto dos Produtos<br> Florestais era de mera fiscalização.<br> É que aqui não tem aplicação o artigo 1163 do<br> Código Civil, porque já se viu que não há contrato de mandato.<br> 7 - As recorrentes, retomando os fundamentos da decisão proferida na primeira instância, alegam que, no caso concreto, apenas poderiam ter lugar sanções administrativas e penais previstas no artigo 15 do citado Decreto-Lei n. 260/77, estando essas sanções já prescritas.<br> Ora, essas sanções eram meios coercivos para a efectivação do regime "subericola" adoptado pelo referido Decreto-Lei n. 260/77 e não substituem a responsabilidade contratual pelo cumprimento do contrato de compra e venda da cortiça transaccionada.<br> Por isso, a prescrição dessas sanções não tem qualquer relevância para a prescrição do preço a pagar pela venda da cortiça e que, nos termos gerais, é de 20 anos (artigo 509 do Código Civil), por não haver para o caso prazo mais curto.<br> 8 - Na conclusão 29 da sua alegação de recurso as recorrentes referem que não podem ser obrigados a depositar a parte do preço que caberia à referida<br> União das Unidades Colectivas. Querem, com certeza, reportar-se ao disposto no artigo 10 do<br> Decreto-Lei n. 260/77, quanto ao destino do produto do preço da cortiça.<br> Mas, não têm razão porque a entrega da parte do preço à referida União de Unidades Colectivas dependia destas terem pago as despesas do descortiçamento, e quem fazia a distribuição do preço, constarem daquele artigo 10, era o<br> Instituto dos Produtos Florestais, depois de o ter recebido na totalidade.<br> 9 - Na conclusão 23 da sua alegação de recurso vieram as recorrentes alegar que não está provado, nem sequer alegado, qual a capacidade produtiva de cortiça das herdades em causa, pelo que não se devia aplicar o regime do Decreto-Lei n. 260/77.<br> Há aqui uma confusão: desde que as herdades estivessem expropriadas ou fossem expropriadas, não havia limite de capacidade produtiva da cortiça para que fosse aplicado o novo regime da comercialização da cortiça (artigo 1, n. 1, do<br> Decreto-Lei n. 260/77).<br> Na mesma conclusão 23 vieram as recorrentes afirmar que não está provado que as herdades onde se produziu a cortiça vendida tenham sido expropriadas.<br> Mas, também aqui não têm razão.<br> A herdade do Zebro foi expropriada pela Portaria n. 509/76, de 12 de Agosto.<br> Foi alegado no artigo 6 da petição inicial que a herdade de Mosteias se encontrava na situação prevista no artigo 10 do Decreto-Lei n. 492/76, de<br> 23 de Junho (ocupada desde Agosto de 1975 pela<br> U.C.P. Vale do Bispo que, em 9 de Janeiro de 1976, veio a integrar a União de Unidades Colectivas de<br> Produção Agro-Pecuária Terra Livre) e estando sujeita a expropriação, nos termos do Decreto-Lei n. 406-A/75, de 29 de Julho, por ter uma pontuação de 258761,6 pontos.<br> Estes factos não foram impugnados pelas rés na sua contestação, sendo descabido vir agora fazê-lo, tratando-se de uma gestão nova, que não pode ser objectivo do recurso.<br> 10 - As recorrentes falaram vagamente na sua alegação de recurso em abuso de direito quanto à pretensão do Estado em receber o preço da venda da cortiça, mas não concretizaram factos em que tal se traduzisse.<br> Não há qualquer abuso de direito, nos termos do artigo 334 do Código Civil, porque o Estado apenas pretende o depósito do preço conforme as disposições legais já citadas.<br> III) - Decisão.<br> Pelo exposto, negam a revista.<br> Custas pelas recorrentes.<br> Lisboa, 24 de Janeiro de 1995.<br> Santos Monteiro;<br> Pereira Cardigos;<br> Machado Soares.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <div>I</div><br> Por apenso à execução sumária para pagamento de quantia certa que "Empresa-A", instaurou contra "Empresa-B", veio o Ministério Público reclamar, em representação do Estado - Fazenda Nacional, o montante de Esc. 15.202.782$00, a título de IVA relativo aos anos de 1990 a 1997 e respectivos juros de mora, tendo juntado prova documental.<br> Admitido liminarmente o crédito reclamado, foi o mesmo impugnado com fundamento no facto de o seu pagamento estar a ser regularizado em conformidade como chamado "Plano Mateus", encontrando-se a reclamada a cumprir escrupulosa e pontualmente as prestações que, entretanto, se venceram, mostrando-se já satisfeita a quantia de 2.915.480$00 e ainda a quantia de 2.061.452$00, antes do início do plano de regularização da dívida. Juntou documentos.<br> Em resposta, o Ministério Público, veio alegar que, em face da prova produzida, a reclamada já pagou, a título de IVA reclamando, a quantia de Esc. 2.061.452$00, em 31.01.97 e a quantia de Esc. 1.603.514$00, no período compreendido entre 31/1 e 30/11/98, ao abrigo do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto (Plano Mateus), pelo que deverá , ao montante da dívida nestes autos, deduzir-se a quantia de Esc. 3.664.966$00, reduzindo-se, assim, o montante dos créditos reclamados para Esc. 11.537.816$00. Reportando-se aos documentos juntos pela executada, observou que as demais prestações efectuadas se referiam a IRS, não contemplado na reclamação.<br> <br> Objectou, entretanto, não poder ser declarada totalmente improcedente a reclamação em virtude de a mera adesão ao "Plano Mateus" não implicar a impossibilidade legal de os créditos serem reclamados em sede cível, uma vez que a execução em processo civil é completamente autónoma da execução fiscal.<br> Considerando que, por conta do IVA reclamando, se mostravam pagas as quantias de Esc. 2.061.452$00, em 31-01-1997, e , ao abrigo do DL 124/96 (Plano Mateus), de Esc. 1.550.398$00, e que as restantes dívidas abrangidas pelo acordo ao abrigo do citado diploma legal, respeitavam a IRS, foi, em 06-12-99, proferida sentença a julgar procedente a reclamação e, reconhecendo o crédito (reduzido do valor indicado) na sua qualidade e garantia (privilégio mobiliário geral - artigo 736º, nº 1, do Código Civil, a graduá-lo em primeiro lugar, antes da quantia exequenda, para se pagar do produto da venda do bem penhorado - cfr. fls. 73 a 75.<br> Inconformada, apelou a executada, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 03-10-2000, julgado procedente o recurso e, revogando a sentença apelada, recusado a verificação dos créditos reclamados, por inexigibilidade - cfr. fls. 118 a 127.<br> Agora, por sua vez, inconformado, traz o Ministério Público a presente revista, solicitando a revogação do acórdão recorrido e a manutenção da decisão da 1ª instância, invocando as razões que condensou nas seguintes conclusões:<br> <br> 1. O denominado Plano Mateus, corporizado no D.L 124/96, de 10-8, veio estabelecer um acordo entre o Estado credor e os devedores que ao mesmo aderiram, no sentido do estabelecimento de uma moratória, enquanto as prestações acordadas estiverem a ser cumpridas, que determina a inexigibilidade das respectivas dívidas fiscais.<br> 2. Entende-se, no entanto, que tal inexigibilidade só pode produzir efeitos em sede fiscal, não podendo afectar o direito do Estado ao exercício das garantias de que dispõe o processo comum de execução para que tenha sido citado nos termos do artigo 864º, nº 1, al. c), do C. P. Civil, já que é legalmente admissível a reclamação dos créditos não vencidos, nos termos dos artigos 865º, nº 3, do mesmo C. P. Civil.<br> 3. Uma vez que nos termos do artigo 824º, nº 2, do C. Civil, com a venda em execução desaparecem as garantias e ónus reais que sobre as coisas incidiam e uma vez também que o acordo referido em 1 não implicou qualquer renúncia às mesmas garantias, evidente se torna que só através da reclamação dos créditos fiscais, ainda que não vencidos, poderá o Estado usufruir do direito que lhe assiste de se fazer pagar nos termos do artigo 824º, nº 3, do C. Civil,<br> 4. Sendo certo que o benefício decorrente do pagamento antecipado deverá ser compensado nos termos previstos no nº 3 do artigo 868º do C. P. Civil.<br> 5. Alega-se assim no sentido de que o douto acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 14º, nº 10, do D. L. 124/96, de 10-8, e 824º, nºs 2 e 3, do C. Civil, e 865º, nº 3, e 868º, nº 3, ambos do C. P. Civil.<br> <br> Contra-alegando, a reclamada vem pugnar pela manutenção do julgado.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> <div>II </div>São os seguintes os factos relevantes, respeitantes às incidências processuais que importa ter em consideração:<br> 1. "Empresa-A" instaurou contra "Empresa-B" execução com processo sumário para pagamento de quantia de Esc. 1.210.765$00.<br> 2. Na sequência do processo, veio a ser efectuada, em 26-09-1995, a penhora do objecto da executada identificado no termo certificado a fls. 102-103.<br> 3. "Empresa-A" promoveu a sustação da execução (que designou como "extinção da instância por inutilidade superveniente da lide"), dando conhecimento do pagamento extrajudicial da quantia exequenda pelo seu requerimento certificado a fls. 102-104.<br> 4. Verificada a falta de pagamento pela executada das custas contadas na execução, promoveu o Digno Magistrado do Ministério Público em 09-06-1998 o seu prosseguimento para esse efeito, "aproveitando-se a penhora de fls. 25", bem como, desde logo, o cumprimento do preceituado no art. 864º do CPC (certidão de fls. 102-111).<br> 5. Em 16-06-1998 o Exmo Juiz exarou despacho determinado o prosseguimento da execução para pagamento das custas em dívida, "(...) sendo parte exequente o Ministério público" e ordenando o cumprimento das formalidades previstas no art. 864º do CPC, "(...) quanto à penhora de fls. 25".<br> 6. Em 29-10-1998, o Estado - Ministério das Finanças, através da Direcção dos Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado, foi citado no âmbito deste processo (fls. 3).<br> 7. Em 10-11-1998, precedendo o seu cálculo sob solicitação sua com vista ao respectivo pagamento, a executada procedeu ao depósito da quantia que lhe foi indicada.<br> 8. Em 13-11-1998 deduziu o Digno Magistrado do Ministério Público reclamação, em representação do Estado - Fazenda Nacional, do crédito do montante de Esc. 15.202.782$00, a título de IVA relativo aos anos de 1990 a 1997 e respectivos juros de mora.<br> 9. Por despacho de 09-04-1997 do Chefe de Repartição de Finanças de Loures, proferido ao abrigo do DL nº 124/96, de 10/08, havia sido deferido à executada o seu pedido de adesão ao regime de diferimento do pagamento das suas dívidas fiscais, sendo de Esc. 13.050.271$00 a título de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), Esc. 251.568$00 de coima, Esc. 7.992.914$00 a título de Contribuições do Regime da Segurança Social e o remanescente a título de Imposto sobre o Rendimento (IRS) e correspondentes juros, mediante 150 prestações mensais e iguais, do valor de Esc. 145.774$00.<br> 10. Do crédito reclamado tinha a executada pago já à data da reclamação, a título do IVA reclamado, a quantia de Esc. 1.603.514$00, no período compreendido entre 31-01-1998 e 30-11-1998, ao abrigo do DL 124/96, de 10-08.<br> 11. Em 18-11-1998 exarou-se despacho a ordenar nova sustação da execução e remessa do processo à conta.<br> 12. Em 06-12-1999 foi proferida sentença a julgar procedente a reclamação e, reconhecendo o crédito (reduzido de Esc. 3.664.966$00) na sua qualidade e atributos (privilégio mobiliário geral - art. 736º, nº 1, do Código Civil), a graduá-lo em primeiro lugar, antes da quantia exequenda, para se pagar do produto da venda do bem penhorado.<br> <div>III </div>Sendo certo que o âmbito objectivo do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), a única questão que importa apreciar é a que diz respeito à decisão do acórdão recorrido no sentido de recusar a verificação dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional, por inexigibilidade, uma vez que a executada se encontrava ao abrigo do regime especial previsto no Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto -Plano Mateus- a cumprir um acordo para pagamento de dívidas fiscais respeitantes ao IVA.<br> <br> 1 - Ou seja, a questão que cumpre decidir consiste em saber se a adesão levada a efeito pela recorrida ao regime de regularização de débitos estabelecido pelo Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, conhecido por "Plano Mateus", obsta a que o Estado reclame na acção executiva pendente em tribunal judicial os créditos que foram objecto daquele plano.<br> A sentença da 1ª instância decidiu no sentido da admissibilidade de tal reclamação, adoptando, pois, posição conforme ao entendimento defendido pelo Ministério Público. Pelo contrário, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou tal reclamação inadmissível, entendendo que "o crédito da Fazenda Nacional por impostos que estiver abrangido pelo benefício de pagamento em prestações, previsto no Decreto-Lei nº 124/96, de 10-8, e enquanto se mantiver essa situação jurídica, não pode ser objecto de reclamação em execução pendente, no tribunal comum, contra o mesmo devedor".<br> Não é difícil enunciar argumentos favoráveis e contrários a cada uma das posições em confronto, que têm vindo a obter acolhimento em alguns acórdãos dos nossos Tribunais superiores.<br> Adiantamos, desde já, a nossa posição, que é concordante com a que obteve acolhimento no acórdão recorrido.<br> Por razões de clareza e de método, na fundamentação que se vai seguir, a qual acompanhará de perto a sistematização desenvolvida no âmbito do Acórdão deste STJ de 8 de Fevereiro findo, Processo nº 3937/00-1, de que foi relator o mesmo do presente Acórdão, adoptar-se-à o seguinte percurso: (a) enunciação dos objectivos e dos princípios essenciais do Decreto-Lei nº 124/96 - cfr. infra, ponto 2; (b) elenco os argumentos favoráveis à tese da admissibilidade da reclamação dos referidos créditos - cfr. infra, ponto 3; (c) refutação de tais argumentos e indicação das razões que se têm como decisivas para a opção pela solução contrária - cfr. infra, ponto 4.<br> <br> 2 - Aproveitando a experiência resultante da aplicação do Decreto-Lei nº 225/94, de 5 de Setembro (1), o Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, visou definir um novo quadro global para a regularização das dívidas ao Estado que constitua um regime mais simples e flexível, "a que obedecerão todas as intervenções de natureza particular ou específica".<br> As medidas consagradas no diploma enquadram-se em dois grandes grupos. Por um lado, em relação à generalidade dos devedores, é previsto um regime geral de pagamento em prestações mensais iguais, até um máximo de 150, com redução nos casos normais, de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa média de juros praticada na colocação da dívida pública interna.<br> Por outro lado, estabelece-se, em relação aos casos que envolvam processos especiais de recuperação de empresas ou contratos de consolidação financeira e reestruturação empresarial, um regime extraordinário de mobilização de activos e de recuperação de créditos, admitindo-se a existência, num período inicial, de prestações mais baixas, bem como a redução de juros de mora (2).<br> Como consta do referido relatório preambular, a aplicação deste novo regime deverá ter em conta, entre outros, os princípios da transparência e da compatibilização dos interesses financeiros do Estado com as necessidades estritamente decorrentes do plano de recuperação económica da entidade devedora.<br> Definindo o objecto do diploma, prescreve-se no artigo 1º, nº 1, que o mesmo visa regular as condições em que, sem prejuízo dos regimes previstos no Código de Processo Tributário (CPT) e nos diplomas relativos aos vários impostos e contribuições para a segurança social, os créditos por dívidas de natureza fiscal ou à segurança social cujo prazo de cobrança voluntária tenha terminado até 31 de Julho de 1996, podem ser objecto de medidas excepcionais de diferimento de pagamento, de redução de valor, de conversão em capital das entidades devedoras ou de alienação.<br> <br> Como prescreve o nº 2 do artigo 3º relativo às "condições de acesso", "as dívidas abrangidas pelo presente diploma tornar-se-ão exigíveis, (...), quando:<br> a) Deixe de ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações nele previstas;<br> b) Sejam revogadas as autorizações, ou deixem de ser renovadas as declarações decorrentes da lei;<br> c) O devedor incorra em incumprimento de qualquer obrigação tributária principal, ou de contribuição para instituições de previdência ou de segurança social, não abrangida pelo presente diploma".<br> De acordo com o nº 1 do artigo 5º, o diferimento do pagamento dos créditos, incluindo os créditos por juros vencidos e vincendos, assumirá a forma de pagamento em prestações mensais iguais, no máximo de 150.<br> Entretanto, nos termos do nº 1 do artigo 6º, o deferimento dos pedidos de aplicação das medidas previstas nos artigos 4º e 5º não carece de prestação da garantia a que se refere o artigo 282º do CPT (3). Isto sem prejuízo da possibilidade de alargamento do plano garantístico quando estiver em causa quantia superior a 100.000.000$00 ou o risco financeiro envolvido o torne aconselhável (nº2).<br> Por sua vez, o artigo 14º, sob a epígrafe "Trâmites dos pedidos de adesão" estabelece, no nº 10, o seguinte:<br> O deferimento do requerimento determina, enquanto o devedor reunir as condições referidas no artigo 3º e, sendo caso disso, no artigo 11º do presente diploma, a suspensão dos processos de execução fiscal em curso, bem como após a instauração de novos processos, quando não se tornem necessários para garantir o valor da dívida, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 6º (4).<br> <br> 3 - Os argumentos favoráveis à tese defendida pelo Ministério Público encontram-se vertidos nas conclusões, já reproduzidas, das cuidadas alegações da presente revista.<br> Apreciemo-los, no que têm de essencial.<br> 3.1. - Por um lado, invoca-se o artigo 865º, nº 3, do Código de Processo Civil, segundo o qual "o credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido" (5). De acordo com as alegações de recurso, tratar-se-ia de um normativo que não teria sido convenientemente interpretado e aplicado pelo acórdão recorrido. Por vezes, procura, até, extrair-se da norma em apreço um argumento que poderíamos qualificar como argumento a fortiori, assim configurável: pois se, até no caso de o crédito não estar vencido, o credor é admitido à execução, por maioria de razão tal deverá acontecer quando, como na situação em apreço, se está na presença de créditos já vencidos. Daí que se sustente ser admissível a reclamação pelo Estado dos créditos provenientes de impostos, nos casos em que ao executado fora concedido o benefício do pagamento em prestações da quantia em dívida. A não ser assim, os seus direitos reais de garantia sobre os bens penhorados caducariam (artigo 824º do Código Civil) e, a partir do momento em que o contribuinte deixasse de cumprir o plano de pagamento em prestações poderia já não haver possibilidade prática de cobrar coercivamente os seus créditos (6).<br> <br> 3.2. - Em segundo lugar, tem-se defendido que "não é aplicável à reclamação de créditos o disposto no artigo 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 124/96, de 10 de Agosto (7).<br> Escreve-se, a propósito, no citado Acórdão:<br> O Dec. Lei no seu art. 3º, nº 2, tem em vista o processo executivo instaurado para execução do próprio crédito, quer o da FN quer o do CRSSN, pois que não podem ser objecto de execução própria face ao que dispõe o art. 802º, do C.P.C., enquanto a obrigação não se torne certa e exigível.<br> Não pode, porém, transpor-se este princípio para o processo executivo cível instaurado por um outro credor contra a executada reclamada, pois desse modo ter-se-ia de admitir que esses acordos iriam afectar todos os credores (...).<br> <br> 3.3 - Na mesma linha de intenções, invoca-se também o disposto no nº 10 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 124/96, supra reproduzido.<br> De tal normativo pretende extrair-se o argumento segundo o qual a suspensão aí estabelecida apenas tem em vista os processos de execução fiscal instaurados para a cobrança de dívidas de natureza fiscal ou à segurança social e não os processos de execução em que tais créditos sejam reclamados em consequência da convocação de credores.<br> Ou seja, referindo-se a norma do nº 10 do artigo 14º à "suspensão dos processos de execução fiscal", pretende-se, mediante o recurso, ainda que não confessado ou expresso, ao argumento a contrario sensu, que não pode ocorrer a suspensão dos processos de execução pendentes perante a jurisdição comum. Conclusão que, diga-se desde já, não responde à questão ora em presença.<br> Vejamos, pois, os fundamentos em que assenta o entendimento que se acolhe e que, por isso, se acompanha.<br> <br> 4 - O regime do Decreto-Lei nº 124/96, tal como o do Decreto-Lei nº 225/94, está impregnado não só pelo interesse dos contribuintes devedores mas também pelo escopo traduzido no funcionamento normal das empresas, assumindo, assim, tal regime especialidade manifesta em relação ao regime geral da reclamação de créditos (8).<br> Os créditos que foram objecto do acordo entre o Estado e os contribuintes são inexigíveis enquanto tal acordo estiver a ser cumprido pelos últimos, inexigibilidade que assenta em pressupostos específicos tal como os enunciados no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 124/96.<br> <br> 4.1 - Em face de tal especialidade, não releva, in casu, o regime geral de reclamação de créditos não vencidos.<br> Na verdade, vencidos os créditos do Estado por dívidas de natureza fiscal e, porventura, já instauradas as respectivas acções executivas no foro tributário, permitiu a lei, verificados certos pressupostos, o acordo entre aquelas entidades e os devedores relativamente a determinado plano de regularização, designadamente o pagamento em prestações. Como escreve um Autor, trata-se, no fundo, de uma modificação da obrigação de pagamento por acto administrativo, legalmente previsto, em termos de redução de créditos e ou de moratória, que ambas as partes devem cumprir - artigo 406º do C.C. (9).<br> É certo que o credor é admitido à execução ainda que o crédito não esteja vencido - artigo 865º, nº 3, do CPC, como se disse. No entanto, ao deferir a pretensão de pagamento em prestações mensais das obrigações pecuniárias em questão, aceitou o Estado tacitamente que, enquanto o plano de pagamento acordado estiver a ser cumprido pelo contribuinte devedor, não reclamaria os créditos respectivos nos termos do regime geral.<br> Como se escreveu no Acórdão deste STJ de 6 de Janeiro de 1999, «afigura-se irrelevante a circunstância de o artigo 865º, nº 3, do Cód. Proc. Civil permitir a reclamação "ainda que o crédito não esteja vencido", pois não se trata aqui de falta de vencimento mas de uma causa específica de inexigibilidade, ajustada entre credor e devedor».<br> Por outras palavras: ao aceitar o pagamento da executada ao abrigo do Decreto-Lei nº 124/96, e não se mostrando violado, por ela, o plano de pagamento autorizado, o Estado-credor privilegiado obrigou-se a não exigir a dívida inicial, pelo que a viabilidade da reclamação deduzida, violaria o princípio da boa fé, que lhe cumpre respeitar no cumprimento da obrigação - artigo 762º, nº 2, do Código Civil (10).<br> <br> Como sustenta Salvador da Costa, a inexigibilidade dos créditos objecto do acordo, assenta em pressupostos específicos pelo que não releva, nessa sede, o regime geral de reclamação de créditos não vencidos.<br> Na verdade, os créditos abrangidos pelo plano só são exigíveis por virtude de omissão do pagamento integral e pontual das prestações previstas, da revogação das autorizações ou da omissão de renovação decorrentes, da lei, do incumprimento de qualquer obrigação tributária especial ou de contribuições de previdência ou de segurança social não abrangidas pelo diploma (artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 124/96).<br> <br> 4.2. - Por outro lado, a reclamação de créditos não é imperativa, além de que a lei e os actos administrativos praticados no sentido da concretização da moratória em apreço tiveram, logicamente, em atenção a eventual consequência da perda da garantia patrimonial.<br> Assim, o facto de os bens serem transmitidos livres dos direitos de garantia dos créditos abrangidos pelo plano não é, de per si, razão justificativa da solução contrária, na medida em que a lei facultou ao Estado um plano garantístico especial de realização dos créditos em causa, abrangendo, designadamente, a garantia resultante do acto de penhora na acção executiva fiscal que haja sido instaurada (11).<br> A solução que aponta para a inadmissibilidade de reclamação dos referidos direitos de crédito é, assim, a única que se conforma com os princípios da boa fé e com os objectivos que justificaram adopção do específico regime em causa (12).<br> Na verdade, pode dizer-se, na esteira do citado Acórdão de 24 de Junho de 1999, que "a pendência simultânea, tendo por objecto os mesmos direitos de crédito, da acção executiva fiscal e do procedimento de reclamação na acção executiva instaurada no tribunal judicial, sem ter em linha de conta os termos do acordo de regularização, a primeira suspensa, e o segundo em curso, traduziria incompatibilidade natural com a letra e o espírito da lei".<br> Tendo presente que, nos termos do nº 3 do artigo 9º do C.C., o intérprete deve presumir que o legislador, na fixação do sentido e alcance da lei, consagrou as soluções mais adequadas, mal se compreenderia que, ficando suspensa, por força do disposto pelo nº 10 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 124/96, a acção executiva do foro fiscal, cujo objecto inclui o crédito reclamado na acção executiva pendente no tribunal judicial, não obstante, esta prosseguisse, na fase do concurso de credores, para reconhecimento e graduação do mesmo direito de crédito que da primeira é objecto (13).<br> <br> Na verdade, como bem se pondera no acórdão recorrido, "a execução dos créditos fiscais do Estado tem jurisdição própria, pelo que a sua dedução no processo comum não lhes altera a sua natureza e atributos, relevando exclusivamente no plano do concurso de credores, mas assentando na sua exigibilidade fiscal. Se a não tem a sua jurisdição própria, não pode pretendê-la na comum, que funciona como simples extensão daquela no apontado caso de concurso".<br> Aliás, como já se disse, o Estado não está impedido de constituir garantias adicionais sobre os bens que se revelem necessários para o resguardar contra insuportáveis riscos financeiros, presumidos, de resto, quando o valor do seu crédito exceda Esc. 100.000.000$00.<br> Atento o exposto, deve considerar-se, tal como o entendeu o acórdão recorrido, que é legalmente inadmissível a reclamação em acção executiva comum instaurada nos tribunais judiciais de créditos derivados de impostos abrangidos pela autorização do Estado, por ele não revogada, de pagamento fraccionado, ao abrigo do Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto.<br> <br> Termos em que se nega a revista, confirmando-se a decisão recorrida.<br> Sem custas, por delas estar isento o recorrente.<br> <br> Lisboa, 27 de Março de 2001<br> Garcia Marques<br> Ferreira Ramos<br> Pinto Monteiro.<br> -----------------------------------------------------------------<br> (1) Os mecanismos introduzidos pelo Decreto-Lei nº 225/94, ao permitirem a regularização em prestações da dívida anterior a 31 de Dezembro de 1993, unicamente em relação aos contribuintes que dispunham de recursos para pagar, até finais de 1994, todas as dívidas vencidas desde o início do ano, revelaram-se, para o efeito, complexos e limitados, deixando de fora muitos contribuintes que, com outro contexto normativo, poderiam ter regularizado a sua situação tributária. Às entidades devedoras que se encontravam enquadradas nos regimes prestacionais previstos no Decreto-Lei nº 225/94, bem como nos autorizados em quaisquer outros regimes, foi dada a possibilidade de optarem pelo acesso às medidas previstas pelo Decreto-Lei nº 124/96 - cfr. o artigo 18º deste último diploma.<br> (2) Cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei nº 124/96.<br> (3) Ou seja, garantia, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.<br> (4) Sublinhado agora.<br> (5) E, com idêntica intencionalidade, refere-se, adjuvantemente, o previsto pelo nº 3 do artigo 868º do mesmo Código. <br> (6) Ver, nesse sentido, Manuel Pereira Augusto de Matos, "O sistema de recuperação e regularização de créditos fiscais e da segurança social instituído pelo Decreto-Lei nº 124/96, de 10 de Agosto, e sua repercussão nos processos executivos instaurados contra o devedor", Centro de Estudos Judiciários, 1997.<br> (7) É a tese do Acórdão da Relação do Porto de 20 de Janeiro de 1999, publicado na C.J., Ano XXIV, Tomo I, págs. 190 e segs.<br> (8) Neste sentido, em face do regime do Decreto-Lei nº 225/94, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Junho de 1999, in C.J., Ano XXIV, Tomo III, págs. 136 e segs.<br> (9) Cfr. Salvador da Costa, "O Concurso de Credores", Almedina, Coimbra, 1998, págs. 250 e segs.<br> (10) Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 9 de Novembro de 1999, in C.J., Ano XXIV, Tomo V, págs. 184 e segs.<br> (11) Cfr. op. cit. na nota (9), pág. 251 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Junho de 1999, loc. cit., pág. 138, que agora se vai acompanhar.<br> (12) Salvador da Costa chega ao ponto de afirmar que o contrário constituiria " a sua absoluta perversão" - cfr.op. cit., pág. 252.<br> (13) Segundo Salvador da Costa, a suspensão das acções executivas do foro tributário relativas aos mencionados créditos deve impedir, desde logo, a emissão e a remessa pela administração tributária de certidões ao Ministério Público com vista à reclamação dos referidos créditos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> A veio propor a presente acção, com processo ordinário, contra:<br> 1º B,<br> 2º C e<br> 3º D, alegando fundamentalmente:<br> A Autora é uma sociedade anónima, constituída por escritura pública de 22 de Março de 1989, na Cidade do Porto que tem por objecto exclusivo o exercício da actividade de locação financeira mobiliária, nos termos da legislação que rege essa actividade.<br> No exercício da sua actividade a Autora celebrou um contrato de locação financeira mobiliária em 3 de Julho de 1991 com a 1ª Ré - doc. nº 1 - tendo como objecto o seguinte equipamento:<br> -- Um grupo Electrogeneo de 250 Kva, tipo JD391MS, novo ano 1991.<br> Pelo referido contrato a 1ª Ré assumiu, entre outras, a obrigação de pagar à Autora 14 rendas do montante de 497234 escudos cada uma, sendo rendas trimestrais, indexadas e de vencimento antecipado, às quais acresce o IVA, à taxa legal - nsº 3 e 4 da cláusula III das condições particulares.<br> A Ré apenas liquidou uma renda do referido contrato, deixando de pagar a renda vencida em 5 de Outubro de 1991, pelo que se constituiu em mora, - nº 2 da cláusula 10ª, nº 1 da cláusula 11ª das C.Gerais e artigo 805º do C.Civil - não tendo, desde então, procedido ao pagamento de nenhuma renda.<br> A Autora, porque o cumprimento da obrigação ainda era possível interpelou a 1ª Ré em 22 de Abril de 1992, por carta registada com aviso de recepção, para fazer cessar a mora no prazo de 10 dias - doc. nº 2 - sob pena de se considerar o contrato definitivamente não cumprido e resolvido.<br> De acordo com o expressamente previsto na cláusula 10ª, nº 2 das Condições Gerais do referido contrato, "o incumprimento temporário ou como tal rejeitado, quer de obrigações pecuniárias quer de outras, tornar-se-ia definitivo desde que o locatário não faça cessar a mora - repondo a situação que se verificaria se não tivesse havido incumprimento - no prazo de 10 dias contados sobre a recepção da intimação para incumprimento enviada pelo locador.<br> A Autora, face ao comportamento da 1ª Ré, já alegado, e vencidas e não pagas que estavam seis rendas do contrato, aliado ao facto da Ré nunca ter demonstrado vontade de continuar com a execução do contrato, perdeu o interesse que tinha na prestação.<br> Pelo que e porque a 1ª Ré não fez cessar a mora, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação - artigo 808º do C.Civil.<br> Face ao não cumprimento da obrigação, à Autora assiste o direito de resolver o contrato - artigo 801º e 798º do C.Civil.<br> As consequências da resolução dos contratos por incumprimento definitivo estão expressamente previstas na cláusula 10ª das Condições Gerais e são, para além da restituição do equipamento: o direito a conservar as rendas vencidas e pagas, a receber as rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros e, ainda, a um montante indemnizatório igual a 20% da soma das rendas vencidas com o valor residual.<br> O que tudo perfaz o montante de 5118734 escudos:<br> -- rendas vencidas e não pagas (6): 2983404 escudos;<br> -- juros de mora (calculados desde o vencimento das rendas até à data de resolução): 632599 escudos;<br> -- indemnização: 914228 escudos.<br> Por outro lado, os 2º e 3º Réus constituiram-se solidariamente fiadores e principais pagadores com renúncia do benefício de excussão das obrigações pecuniárias, presentes ou futuras que, por força deste contrato vierem a resultar para a aqui 1ª Ré - doc. nº 3.<br> Assumiram, assim, os 2º e 3º Réus a satisfação dos direitos de crédito da Autora, ficando pessoalmente obrigados perante o credor - artigo 627º do C.Civil - até ao momento da dívida principal - artigo 631º do C.Civil.<br> Ao assumirem a posição de principais pagadores à Autora, renunciaram ao benefício de excussão (artigo 640, nº 1 do C.Civil).<br> Perante os fundamentos expostos, é pretensão da Autora:<br> a) considerar-se resolvido o contrato de locação financeira em causa;<br> b) condenar-se a 1ª Ré a restituir à Autora o equipamento objecto do CLF, junto aos autos;<br> c) condenar-se os Réus solidariamente a pagar à Autora a quantia de 3613000 escudos correspondente às rendas vencidas e não pagas e juros de mora;<br> d) condenar-se os Réus solidariamente a pagar à Autora a quantia de 914228 escudos a título de indemnização.<br> e) condenar-se os Réus solidariamente no pagamento de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento;<br> f) condenar-se ainda os Réus solidariamente ao pagamento da sanção pecuniária compulsória, prevista no artigo 829º-A nº 4 do C.Civil, desde a data em que a sentença transitou em julgado até integral pagamento.<br> Os Réus regular e pessoalmente citados não contestaram.<br> Por isso, logo na sentença proferida na 1ª Instância, se consideraram confessados, nos termos do artigo 484º nº 1 do Código de Processo Civil, os factos articulados pela Autora.<br> Na mesma sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e, assim,<br> 1 - considerou-se resolvido o contrato em causa;<br> 2 - condenou-se a 1ª Ré a restituir à Autora o equipamento locado; e a pagar-lhe a quantia de 2983404 escudos, referente a rendas vencidas e não pagas acrescida de juros de mora vencidos no valor de 632599 escudos; a quantia de 914228 escudos, a título de indemnização; e juros de mora, à taxa anual de 15%, desde a citação até efectivo reembolso sobre o capital (2983408 escudos mais 914228 escudos); e, ainda, a pagar a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A nº 4 do C.Civil desde a data do trânsito em julgado da sentença até à do integral pagamento.<br> Quanto aos 2º e 3º Réus foram os mesmos absolvidos dos pedidos contra eles formulados.<br> A Autora apelou para a Relação do Porto, mas sem êxito, pois no Tribunal através do Acórdão de 19 de Outubro de 1998, julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença apelada.<br> Ainda inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> 1 - Nos presentes autos está definitivamente provado que os 2º e 3º Réus constituiram-se solidariamente fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão, das obrigações pecuniárias presentes ou futuras que, por força do contrato, vierem a resultar para a 1ª Ré.<br> 2 - De entre as obrigações pecuniárias emergentes para a 1ª Ré, encontram-se as peticionadas pela Autora na petição inicial sob as alíneas c), d) e e).<br> 3 - Obrigações essas que o Tribunal considerou como perfeitamente legítimas, tendo, em consequência, condenado a 1ª Ré no seu pagamento.<br> 4 - A absolvição dos 2º e 3º Réus dos pedidos contra eles formulados ficou-se a dever, única e exclusivamente, ao facto de nos autos nada constar sobre o cumprimento da obrigação da Autora de os interpelar para procederem ao pagamento de todos os valores em dívida ao prazo previamente fixado de 30 dias.<br> 5 - A questão que se coloca reside assim, em saber se a falta de interpelação dos 2º e 3º Réus, por parte da Autora é condição necessária e suficiente da sua absolvição.<br> 6 - Ora, para se apurar do tempo de cumprimento de uma obrigação é necessário, antes de tudo, saber se tal obrigação já se constituiu.<br> 7 - É que as obrigações pecuniárias que incidem sobre todos os Réus só nascem com a resolução do contrato, pelo que o problema de tempo do seu cumprimento só se colocará após a ocorrência de tal facto.<br> 8 - A Autora pede ao Tribunal que considere resolvido o contrato - alínea a) do pedido - e, consequentemente condene os Réus mas nas indicadas qualidades, no pagamento das consequências pecuniárias daí emergentes.<br> 9 - Deste modo o direito de crédito a que a Autora aqui recorrente se arroga só nasce ora sua esfera jurídica após o Tribunal considerar resolvidos os contratos.<br> 10 - Assim, neste tipo de acções não há lugar a interpelação prévia.<br> 11 - Para ser necessária a interpelação a que alude o artigo 805º do C.Civil é necessário que a obrigação já esteja constituída na esfera jurídica do credor.<br> 12 - Ainda que se aceite, que não se aceite, para efeitos da demonstração de raciocínio que no caso dos autos é necessária a interpelação então esta foi efectuada com a citação.<br> 13 - Neste caso não se pode dizer que as consequências da resolução do contrato extrapolam das obrigações dos 2º e 3º Réus, nos termos do contrato de fiança celebrado.<br> 14 - No termo de fiança em causa, os fiadores declararam, expressamente, terem conhecimento do conteúdo das Condições Gerais e Particulares do contrato de locação financeira e que se constituíram fiadores e principais pagadores das obrigações pecuniárias presentes e futuras que por força dum contrato vierem a resultar para a locatária.<br> 15 - Ora, se por um lado resulta claramente da cláusula 10ª das Condições Gerais do contrato em causa que o incumprimento definitivo do locatário confere ao locador o direito de o resolver, podendo, em consequência exigir, para além da restituição do equipamento, o pagamento das rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros e, ainda, a mais, um montante indemnizatório igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual.<br> 16 - Por outro lado e ao contrário do sustentado no douto Acórdão em crise, tais consequências terão necessariamente de se considerar como abrangidas nas obrigações pecuniárias pelas quais os 2º e 3º Réus se constituíram, expressamente, fiadores e principais pagadores, com renúncia do benefício de excussão.<br> 17 - Os 2º e 3º Réus, apesar de regulamente citados, nada vieram dizer ao processo, aceitando o peticionado como legítimo, não contestando o alcance e obrigações resultantes do contrato de fiança celebrado.<br> 18 - Inevitavelmente, sendo a resolução do contrato uma faculdade conferida à locatária de reagir perante o incumprimento do locatário, nos termos das já aludidas Condições Gerais, forçoso é de concluir que as consequências daí resultantes se terão de incluir nas obrigações pecuniárias que, para o locatário, resultem da sua celebração.<br> 19 - O Acórdão recorrido violou os artigos 631º e 805 do C.Civil, fazendo interpretação errada do alcance e efeitos dessas normas substantivas. <br> 20 - Termos em que deve ser revogado ou anulado, condenando-se os 2º e 3º Réus conforme o peticionado.<br> Não foi apresentada contra-alegação.<br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> Não assumindo a obrigação inicial da Ré afiançada a natureza de uma obrigação pura, não se justificaria obviamente a necessidade da interpelação dela para que se constituísse em mora, como conflui do artigo 805º do Código Civil (Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., pág. 112; Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, vol. II, 3ª ed., págs. 65 e segs.).<br> Bastaria que ela não cumprisse ou deixasse de cumprir no prazo convencionado (cfr. Rodrigues Bastos, Das Obrigações em Geral, VI, págs. 83 e segs.).<br> Foi o que sucedeu neste caso.<br> Uma vez incursa em mora ainda a Ré afiançada, de harmonia com a cláusula 10ª nº 2 das Condições Gerais, do contrato em causa, teria oportunidade de pôr cobro à mora, no âmbito de um incumprimento supostamente temporário, se, intimada para, em dez dias, cumprir, satisfizesse efectivamente o devido.<br> Não será correcto falar-se aqui de uma interpelação propriamente dita por, ao tempo da sua realização, já estar a Ré locatária constituída em mora, sendo esta situação que justifica a intimação facultada pela referida cláusula contratual (10ª nº 2).<br> Para distinguir esta intimação da interpelação propriamente dita, a que alude o artigo 805º do C. Civil, os autores costumam chamar-lhe notificação abdominatória ou interpelação cominatória (cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, págs. 27, 124 e segs.; Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pág. 41).<br> Pois bem, a cláusula referenciada vinculando a possibilidade desta notificação abdominatória ou interpelação cominatória, está, aliás, em perfeita sintonia com o regime proposto pelo Código Civil, para a situação enfocada, como lapidarmente pondera o Prof. Galvão Telles no seguinte pano das suas magistrais lições sobre "Direito das Obrigações" (3ª ed., pág. 254): "Constituído o devedor em mora, a lei dá ao credor a faculdade de lhe fixar um prazo razoável para sair dela mediante o pagamento de tudo o que esteja a dever incluindo, pois, a indemnização moratória originária (artigo 808º, nº 1; cfr. artigo 785º, nsº 1 e 2). Ao credor ficará a opção por uma ou outra das modalidades. Se o devedor não pagar dentro do prazo fixado a mora considera-se retroactivamente convertida em não cumprimento (definitivo), tudo se passando como se o devedor no vencimento da dívida se colocasse logo nessa situação, com os inerentes direitos para o credor" (cfr., também, Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág. 109).<br> Perante o insucesso da aludida intimação cominatória e a alegada falta de interesse na manutenção do vínculo obrigacional, avançou-se então para o incumprimento definitivo, por causa imputável ao devedor, por se estar no âmbito de um contrato bilateral, optou-se pela resolução do contrato (cfr. artigo 801º, nº 2 do Código Civil).<br> Não é certo, porém, que, como sustentam os recorrentes, o direito de crédito da Autora só nasça na sua esfera jurídica, após o Tribunal considerar resolvidos os contratos, conforme lhe foi solicitado.<br> Este entendimento assenta numa incorrecta definição do regime jurídico proposto para a resolução do contrato, pelos artigos 432º e segs. do Código Civil.<br> É que, como bem observa o Prof. Antunes Varela (ob. cit., pág. 103) "a resolução opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia do credor (artigo 436º), que se torna irrevogável, logo que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida (artigo 224º, nº 1; cfr. artigo 230º nsº 1 e 2). Goza de eficácia retroactiva, visto que a falta da prestação a cargo do devedor deixa a obrigação da contraparte destituída da sua razão de ser, sem embargo da ressalva dos direitos de terceiro e das restrições impostas pela vontade das partes ou pela finalidade da resolução".<br> O Prof. Galvão Telles - que prefere o termo rescisão a resolução - começa também por realçar o carácter extrajudicial desta figura.<br> Assim só "em caso de litígio o Tribunal será chamado, não a decretar a rescisão, mas a verificar se ela juridicamente se deu, isto é, se se reuniam as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por sua vontade unilateral."<br> Deste modo a acção que venha a intentar-se, para ser efectiva, não tem uma natureza constitutiva e antes se modela como de simples apreciação.<br> "Numa palavra, não se negue o sistema da rescisão ope judici mas o da rescisão ope voluntati".<br> "A rescisão, sendo obra do credor, não do juiz, opera por efeito da vontade do primeiro".<br> E "o contrato considera-se rescindido a partir do momento em que a comunicação for recebida pelo destinatário" (Prof. Galvão Telles, obr. cit., págs. 417 e segs.).<br> Neste contexto e face à feição extrajudicial e retroactiva da resolução contratual, não se vislumbra qualquer argumento válido que prejudique a eficácia da cláusula aposta no termo de fiança - que formalmente consubstancia as obrigações inerentes a este contrato (cfr. Ac. STJ de 16 de Novembro de 1993, Col. Acs. STJ - 1993, III, pág. 122 - segundo a qual os fiadores só se obrigam ao pagamento da responsabilidade afiançada, no prazo de 30 dias, "depois de para tal serem avisados pelo locador por carta registada, de todas as importâncias que lhe sejam devidas de quaisquer responsabilidades por parte do citado contraente".<br> De resto, o comportamento da obrigação dos fiadores, no que respeita aos requisitos da sua exigibilidade (cfr. artigo 805º do C.Civil, cfr. Prof. Antunes Varela, obr. cit., pág 111) não tem que se submeter ao regime definido pelas partes quanto à obrigação principal, tal como flui do contrato junto a fls. 7 e sgs. dos autos. Esta configura-se, aqui, como obrigação a prazo e aquela reveste a natureza de uma obrigação pura, para cujo cumprimento se exige, portanto, prévia interpelação.<br> Bem este perfil é minimamente afectado pelo carácter acessório e subordinado da fiança, já que este tem em vista outros objectivos que nada têm a ver quanto à posição adoptada relativamente ao ponto enfocado (cfr. Prof. Antunes Varela, ob. cit. pág. 469; Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 628; Prof. Meneres Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º vol., pág. 511).<br> É que o carácter acessório que domina, em geral, a obrigação do fiador, não cobre todo o seu funcionamento, pois a fiança, só por isso, não deixa de ser uma obrigação diferente da obrigação principal (Prof. Vaz Sousa, A Fiança a Figuras Análogas, bol. 71, fls. 85 e segs.) o que, claro está, determina certas distinções e particularidades no seu regime.<br> Perante as premissas postas, afigura-se desajustado da realidade, pensar-se que a responsabilidade dos fiadores, só poderia surgir como consequência da decretação judicial do contrato principal.<br> Efectivamente é imperativa da mais linear boa-fé (artigo 762º, nº 2 do C.Civil) que, logo que o devedor principal não cumpre, devem os fiadores ser avisados, pelo credor, para cumprir em lugar dele, para se evitar uma mais larga responsabilidade derivada da mora ou do não cumprimento definitivo (neste sentido: Prof. Vaz Sousa, ob. cit., pág. 84 e segs.).<br> De resto, no caso sub judice, nada foi clausulado em sentido oposto, nem se compreenderia que o fosse.<br> E não se diga que, neste caso, os fiadores foram interpelados cumprindo-se, assim, o estipulado no termo de finaça, nos termos do artigo 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, com a citação para esta acção, pois, conforme jurisprudência firmemente mantida pelos nossos Tribunais Superiores, um acto só vale como tal quando se pretende o cumprimento da obrigação principal e não quando se peça, como é o caso, a indemnização pelo não cumprimento ou outras consequências gravosas daí decorrentes (Ac. da Relação de Lisboa, de 24 de Junho de 1978, Bol. 1978, IV, pág. 1360; Acs. do STJ de 27 de Janeiro de 1967, Bol. 163, pág. 296; de 27 de Outubro de 1970, Bol. 206, pág. 241; de 23 de Julho de 1980, Bol. 299 pág. 371; e de 6 de Março de 1986, Bol. 355, pág. 352).<br> De notar, ainda, que, embora o artigo 654º do Código Civil permita que a fiança possa ser prestada para garantia de obrigações futuras, o artigo 280º nº 1 do mesmo diploma impõe uma forte restrição a tal directiva, ao prescrever que o objecto do negócio jurídico deve ser determinado - ou, pelo menos determinável -, sob pena de nulidade.<br> Ora, este requisito não ocorre no caso sub judice.<br> Na verdade, como resulta da simples leitura do termo de fiança deste (reportando-nos ao momento da constituição da garantia) não se pode concluir pela determinabilidade do objecto de fiança, nem, por outro lado, nos é fornecido qualquer critério que conduza inequivocamente à sua determinabilidade (cfr. Prof. Vaz Sousa, ob. cit., pág. 61; Ac. do STJ de 14 de Dezembro de 1998, Col. Acs. do STJ - 1994, TIII, pág. 171).<br> Repare-se que com a exigência da determinabilidade do objecto, o que a lei pretende é que um objecto seja suficientemente preciso - já no momento da constituição da fiança (Prof. Vaz Sousa, ob. cit., pág. 61) - para haver lugar a uma verdadeira vinculação das partes (cfr. Mário de Brito, Anotado, I, pág. 345)<br> E isso não acontece no caso sub judice e, daí, cair o negócio (fiança) sob a alçada da cominação prevista no artigo 280º, nº 1 do Código Civil.<br> Mas nem será necessário ir tão longe, para se dever concluir pela improcedência do recurso.<br> As razões antes expostas eram já, de si, suficientes, para fundamentar o soçobro da posição da recorrente.<br> Nestes termos, nega-se a revista, condenando-se a Recorrente nas custas.<br> Lisboa, 20 de Abril de 1999.<br> Machado Soares,<br> João Magalhães,<br> Tomé de carvalho. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>"A" e marido B propuseram acção de preferência contra C e mulher D, e E e mulher F pedindo que lhe seja reconhecido o direito de preferir na venda do prédio identificado no art. 8 da pet. in. que os 1º réus, por escritura pública lavrada em 96.06.27, fizeram ao réu E, o haverem para si.</font><br> <font> Contestaram os réus E e mulher, excepcionando destinarem o prédio a construção e a renúncia pelos autores ao direito de preferir e impugnando, e, reconvindo, pediram a condenação dos autores no pagamento de 3.500.000$00, a título de benfeitorias, reconhecendo-se-lhe direito de retenção enquanto a dívida não for paga.</font><br> <font>Após resposta, prosseguiu até final onde, em sentença confirmada pela Relação, procedeu a acção e improcedeu a reconvenção.</font><br> <font>Novamente inconformados, pediram revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:</font><br> <br> <font>- o prédio alienado e o dos autores não confinam existindo um rego (foreiro) entre ambos e um desnível não inferior a 1,5m de altura, vencido por um muro de pedra; </font><br> <font>- alegaram e provaram que os autores lhes haviam declarado que não pretendiam adquirir o prédio alienado, nas condições em que este veio a ser adquirido pelo réu comprador, sendo certo que os compradores declararam aos autores que haviam ‘comprado’ o prédio em causa pelo referido preço e iam fazer a respectiva escritura;</font><br> <font>- ao declararem que ‘em tais condições’ não estavam interessados em adquirir o prédio em causa, conheciam todas as condições essenciais do negócio;</font><br> <font>- tal desinteresse absoluto significa uma expressa renúncia ao direito de opção caso este assistisse aos autores;</font><br> <font>- apesar de a lei obrigar o vendedor a comunicar, previamente, aos preferentes para que possam exercer o seu direito de opção, nada impede que essa interpelação lhes seja feita pelo comprador, em substituição do vendedor ou adiantando-se-lhe,</font><br> <font>- pois o decisivo é que tenham tido oportunidade de se definir;</font><br> <font>- violado o disposto nos arts. 1.380 e 416-1 CC e 493-3 CPC.</font><br> <font>Contraalegando, defenderam os autores o julgado.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <b><font>Matéria de facto</font></b><font> que as instâncias deram como provada -</font><br> <font>a)- a autora é proprietária do prédio rústico denominado Quintal ou Campo dos Cabos Pequenos, sito no lugar de Mosqueiros, freguesia de Marecos, concelho de Penafiel, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 39° e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob parte do nº 17776, a fls. 67 do livro B-54;</font><br> <font>b)- ambos os autores são proprietários do prédio rústico denominado Leira do Cabo, sito no lugar de mosqueiros, freguesia de Marecos, concelho de Penafiel, inscrito sob o art. 38° na matriz predial respectiva e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00057 da freguesia de Marecos; </font><br> <font>c)- por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Penafiel em 96.06.27, os réus C e mulher D venderam ao réu E pelo preço de 4.000.000$00, o prédio rústico com a área de 2.000 m², denominado campo dos cabos, sito no lugar de Mosqueiros, freguesia de Marecos, concelho de Penafiel, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. 37° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o nº 00232 da respectiva freguesia;</font><br> <font>d)- os prédios referidos em a) e b) têm as áreas de, respectivamente, 1096 m² e 665 m²;</font><br> <font>e)- os prédios referidos são contíguos, respectivamente, pelo lado norte do Quintal dos Cabos Pequenos e pelo sul da Leira do Cabo;</font><br> <font>f)- os réus E e F não são proprietários de qualquer terreno confinante com o prédio vendido;</font><br> <font>g)- os prédios dos autores estão ligados entre si;</font><br> <font>h)- os prédios dos autores são explorados agricolamente, no seu todo, como se de um prédio só se tratasse;</font><br> <font>i)- neles produz-se vinha, milho, feijão e produtos hortícolas;</font><br> <font>j)- no prédio alienado cultivam-se os produtos referidos na al. i);</font><br> <font>k)- os prédios dos autores também servem de suporte às necessidades dos habitantes do prédio urbano adjacente e também se destinam à colheita de frutos e produtos necessários à economia daqueles;</font><br> <font>l)- os produtos produzidos naqueles prédios, também se destinam à venda;</font><br> <font>m)- entre o prédio dos autores e o prédio alienado existe, de permeio, um rego;</font><br> <font>n)- o rego está implantado no prédio alienado,</font><br> <font>o)- utilizado há mais de 150 anos, para condução de água para rega de prédios diversos de diferentes proprietários;</font><br> <font>p)- a cota ou nível médio do prédio dos autores é superior cerca de 1,5 metro em relação ao prédio alienado;</font><br> <font>q)- existe, na extrema do lado nascente do prédio alienado, um muro em pedra que serve de suporte ao prédio dos réus;</font><br> <font>r)- os réus compradores disseram aos autores que tinham comprado o prédio alienado e iam fazer a escritura;</font><br> <font>s)- os autores declararam não pretender adquirir o prédio alienado nas condições em que este foi adquirido pelo réu comprador;</font><br> <font>t)- os réus compradores já iniciaram no prédio dos autos a construção de estufas;</font><br> <font>u)- os réus estão a aguardar a revisão do PDM;</font><br> <font>v)- os réus compradores fizeram, após a compra, uma regularização do terreno do prédio dos autos para nele construírem as estufas;</font><br> <font>x)- os réus compradores aplicaram no prédio estruturas de ferro,</font><br> <font>y)- com o que gastaram em material e mão de obra 3.500.000$00;</font><br> <font>w)- as referidas estruturas não visaram evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio dos autos;</font><br> <font>z)- não aumentam o valor do mesmo,</font><br> <font>a-1)- e podem ser levantadas sem detrimento do prédio.</font><br> <br> <font>Decidindo: -</font><br> <br> <font>1.- Apenas 2 as questões a conhecer - confinância entre os prédios e renúncia ao direito de preferência (tudo o mais foi abandonado pelos réus).</font><br> <font>2.- Dispõe a lei que «os proprietários de terrenos confinantes, ..., gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, ..., a quem não seja proprietário confinante» (CC- 1.380,1).</font><br> <font>Este direito aparece nesta norma intimamente ligado à unidade de cultura e não se pode deixar de ter presente, na apreciação da razão de ser do requisito da confinância, o objectivo prosseguido pela lei ao estabelecer o direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes (emparcelamento para uma melhor e maior rentabilidade agrícola e, actualmente, também com a vertente de preocupação ambiental - cfr. acs. STJ de 94.01.18 e 94.07.07 in, respectivamente, CJSTJ II/1/46 e II/3/52).</font><br> <font>A lei, na preocupação de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permite a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior e melhor produtividade. É a preocupação de ser conseguida a superfície fundiária que, para cada região, ofereça as condições adequadas à sua melhor produtividade e rentabilização.</font><br> <font>O rego que está de permeio entre os prédios está implantado no prédio alienado, ou seja, o seu leito a este pertence. Daqui, com razão se deve concluir que o prédio alienado confina com o dos autores pelo lado em que é bordejado pelo rego cujo leito àquele pertence (lado poente para o dos autores e lado nascente para o alienado).</font><br> <font>Por outro, a sua existência não constitui obstáculo à unificação dos prédios vizinhos nem impede que da superfície fundiária assim conseguida, mais próxima da unidade de cultura, se possa obter o desiderato conducente a uma melhor produtividade e a uma melhor rentabilização (neste sentido, vd. ac. Relação de Coimbra in CJ XIII/1/74).</font><br> <font>A existência de um rego não impede uma melhor exploração agrícola nem o acesso de um terreno ao outro tal como a sua localização num outro ponto do terreno não impediria a exploração e o acesso entre as parcelas que, num mesmo terreno por força do atravessamento por aquele, se formassem.</font><br> <font>Entre os dois prédios existe um desnível de cerca de 1,5m, sendo superior o dos autores, e nessa linha poente/nascente existe (no prédio dos autores) um muro de pedra que serve de suporte ao dos réus.</font><br> <font>Valem para aqui as considerações anteriores, sendo de concluir, como este Supremo num caso em que o desnível era o dobro do aqui verificado afirmou - «não se vê que um desnível possa servir de obstáculo à formação de unidade de cultura, como obstáculo não constituirão, por exemplo, a existência de um muro de vedação ou de socalcos sustentados por botaréus. Em qualquer dos casos o que se impõe, se necessário for para facilitar os amanhos e colheitas, será o estabelecimento de passagem, de uma para outra das parcelas, das pessoas, das máquinas agrícolas, dos carros de tracção animal e dos gados» (ac. de 86.04.17 in B. 356/368; no mesmo sentido, o citado ac. da Rel. de Coimbra - «a existência daquele rego, passagem e muro, por si só e sem mais, são insuficientes para excluir a existência de confinância, para os objectivos prosseguidos pelo art. 1.380 do C. Civil»).</font><br> <br> <font>O requisito da confinância está, portanto, presente no caso sub Júdice.</font><br> <font>Um aspecto ainda e apenas para salientar o comportamento contraditório da parte do réu adquirente, reafirmado nas suas alegações da revista.</font><br> <font>Com efeito, ao dar a conhecer aos autores a compra que vai efectuar e pretender saber se querem ou não preferir está este réu a reconhecer que estes gozam do direito de preferência na medida em que são titulares de prédio rústico que confinam com o outro rústico que vai adquirir por compra.</font><br> <font>Nesse momento não teve dúvidas sobre serem ou não confinantes, tinha a confinância como certa a tanto não obstando quer a existência do rego quer o desnível entre os prédios quer o muro de suporte.</font><br> <font>Lendo-se quer o articulado de defesa quer as alegações na apelação e na revista, verifica-se que nem sequer invocou estar então a laborar em erro ou, pelo menos, tê-lo feito à cautela por estar em dúvida sobre a presença in casu desse requisito.</font><br> <br> <font>3.- Provou-se que -</font><br> <font>- os réus compradores disseram aos autores que tinham comprado o prédio alienado e iam fazer a escritura;</font><br> <font>- os autores declararam não pretender adquirir o prédio alienado nas condições em que este foi adquirido pelo réu comprador.</font><br> <font>Daqui, extraem os recorrentes a renúncia ao direito de preferência pelos autores, como antes tinham excepcionado.</font><br> <font>Foi o adquirente, que não os alienantes, quem deu a conhecer aos autores que o prédio ia ser comprado.</font><br> <font>Conclui o adquirente que a vontade manifestada referida a ‘condições’ (al. s)) revela que aos autores foi dado conhecimento das condições essenciais do negócio, faz pressupor isso.</font><br> <font>Sucede, porém, que não foi essa a conclusão da 1ª instância (já a Relação, ao ter como irrelevante a comunicação, ainda que porventura completa, total, que não proviesse dos alienantes, não se pronunciou sobre essa conclusão), que dos únicos elementos essenciais que alegou (compradores, preço e data da escritura - art. 15 da cont.) - o que já de si não era completo - nem todos provou (al. r)), além de que o STJ não é uma terceira instância (a ilação que pretende seja extraída é facto, pelo que não compete ao Supremo fazê-lo).</font><br> <font>O que se provou foi apenas uma conversa entre os futuros adquirentes e os autores, a qual não foi para estes vinculante na medida em que não conteve os dados concretos sobre o contrato que viria a realizar-se (sobre caso idêntico, cfr. ac. STJ de 93.10.13 in CJSTJ I/3/64).</font><br> <font>Como refere A. Varela, «nada repugna aceitar que, perante determinada alienação que o obrigado à preferência pretende realizar, sem ter ainda contrato ajustado com terceiro, o preferente declare vinculativamente não pretender usar do seu direito, sejam quais forem as condições da alienação» (RLJ 122/306 nota 1), mas esse não foi o caso.</font><br> <br> <font>Para de renúncia ao direito se poder falar seria preciso que a transacção fosse precisa, certa e concreta. O retratado nos autos mais não é que uma manifestação ocasional de desinteresse por uma vaga proposta (?), projecto (?), de venda (cfr. ac. STJ de 85.12.03 in B. 352/345 e, na doutrina, por todos, H. Mesquita in RLJ 126/62 e 82-83).</font><br> <br> <font>Bastava isto para afastar a invocada causa extintiva do direito dos autores (a renúncia). Outras considerações são desnecessárias, como se a abdicação do direito de opção só poderá suceder caso a comunicação seja feita pelo obrigado à preferência ou se, manifestada a vontade perante o projectado adquirente e criada nele a convicção da renúncia, o posterior exercício do direito pelo preferente constitui abuso de direito.</font><br> <br> <font>Termos em que se nega a revista.</font><br> <font>Custas pelos recorrentes.</font><br> <font>Lisboa, 14 de Maio de 2002</font><br> <font>Lopes Pinto,</font><br> <font>Ribeiro Coelho,</font><br> <font>Garcia Marques.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>A, intentou contra B e mulher C, todos com os sinais dos autos, a presente acção de reivindicação de propriedade na forma ordinária pedindo que os RR. sejam condenados a: a) reconhecerem a A. como única e legítima proprietária e possuidora do 2º andar direito do prédio sito na Avenida ........., em Lisboa, que faz parte do descrito sob o nº 22251, do B-72, da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa; b) entregarem à A. o referido andar, devoluto, livre de pessoas e bens; c) e indemnizarem a A. pelos danos patrimoniais correspondentes às rendas vincendas, à razão de 32800 escudos mensais desde Abril de 1998 até à efectiva entrega do imóvel.</font><br> <font>Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: (a) a A. é uma instituição particular de solidariedade social que tem por objectivo contribuir para a promoção sócio-cultural e económica da infância, juventude e terceira idade relativamente à população em geral e, em particular, às pessoas ligadas à distribuição de produtos alimentares; (b) para a realização dos seus fins, propõe-se a A., entre outras actividades, "facultar habitação condigna e de renda económica" a pessoas sem casa e de modestos recursos; (c) por contrato escrito de 21-07-1954, a A. deu de arrendamento a D o 2º andar direito do prédio com o nº 34 da Avenida ........., do qual é proprietária e legítima possuidora; (d) o contrato de arrendamento em causa foi celebrado ao abrigo do regime especial das casas de renda económica previsto na Lei nº 2007, de 7 de Maio de 1945, aplicável ao caso dos autos; (e) o referido D faleceu em 24 de Fevereiro de 1998, no estado de viúvo, tendo por última residência o referido andar, onde, desde Setembro de 1992, viveu com os RR., seu filho e nora; (f) apesar de esclarecidos da natureza social do arrendamento da casa e da caducidade do mesmo em virtude da morte do arrendatário, os RR. vêm-se recusando a entregar o andar.</font><br> <font>Contestando, os RR. alegam que, apesar de o locado ser uma casa de "renda económica", tal não impede a aplicação do regime do Arrendamento Urbano, em especial, do artigo 85º, que prevê a transmissão da posição contratual por morte, pelo que o arrendamento celebrado com o pai do R. marido não se extinguiu por caducidade, tendo-se a posição de arrendatário transmitido para o Réu.</font><br> <font>Uma vez que os autos continham todos os elementos necessários à decisão, foi proferido despacho saneador/sentença que julgou a acção procedente, tendo, em consequência, condenado os RR. a entregar à A. o 2º Dtº do prédio em referência, devoluto de pessoas e bens e a indemnizar a A. no valor mensal de 32800 escudos desde Abril de 1998 até efectiva entrega do imóvel - cfr. fls. 135 a 138.</font><br> <font>Inconformados, recorreram os RR., tendo, porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18-12-2001, no que ora interessa, negado provimento à apelação e confirmado o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, para os quais remeteu nos termos do artigo 713º, nº 5, do CPC - cfr. fls. 167 a 169.</font><br> <font>Continuando inconformados, trazem os RR. a presente revista, na qual, ao alegar, formulam as seguintes conclusões:</font><br> <font>1. O Regime de Arrendamento Urbano é aplicável ao caso sub judice, por não ser incompatível com a Lei nº 2007, de 7 de Março de 1945.</font><br> <font>2. A Lei 2007 é omissa quanto à transmissão mortis causa da posição do arrendatário, sendo-lhe aplicável, supletivamente, o artº 85º do RAU.</font><br> <font>3. Em consequência, a posição contratual do primitivo arrendatário transmitiu-se, por morte, aos ora recorrentes.</font><br> <font>4. A interpretação que se faz dos referidos regimes é a única que se harmoniza com os princípios e direitos fundamentais da protecção da família face à habitação, em particular, com os artºs 65º, nº 1, e 67º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.</font><br> <br> <font>Contra-alegando, a A./Recorrida pugna pela manutenção do julgado.</font><div><font>II</font></div><font>São os seguintes os factos que foram dados como assentes em 1ª instância:</font><br> <font>1 - A Autora é uma instituição de solidariedade social.</font><br> <font>2 - A qual se rege pelos estatutos juntos aos autos a fls. 15 e seguintes que aqui se dão por integralmente reproduzidos.</font><br> <font>3 - Por contrato escrito de 21-07-54, a Autora deu de arrendamento a D o 2º Dto do prédio com o nº 34 sito na Avenida ....., inscrito a seu favor na matriz predial urbana na freguesia de S. João de Brito, sob o artigo 424, para habitação exclusiva deste e seu agregado familiar constituído pela sua esposa, E e filhos.</font><br> <font>4 - A renda inicialmente acordada fora de 620 escudos mensais.</font><br> <font>5 - Daquele referido contrato de arrendamento junto aos autos a fls. 27, que aqui se dá por integralmente reproduzido, fizeram as partes constar que "(...) é efectuado o presente contrato de arrendamento do 2º Dto da casa de renda económica (...)".</font><br> <font>6 - D faleceu em 24.02.98 no estado de viúvo de E.</font><br> <font>7 - Tendo como última residência o referido andar, tendo ali vivido sozinho como viúvo e, desde Setembro de 1992, com os Réus, seu filho e nora.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>III</font></div><font>Questão prévia</font><br> <font>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br> <font>Dito isto, a questão colocada na presente revista consiste em saber se, por morte do arrendatário D, a respectiva posição contratual se transmitiu aos ora Recorrentes, filho e nora do falecido. E, no caso de a resposta ser negativa, saber se tal solução constitui violação dos artigos 65º, nº 1, e 67º, nº 1, da Constituição da República.</font><br> <br> <font>Vejamos.</font><br> <font>1 - Resulta do contrato de fls. 27 que estamos perante um arrendamento de uma casa de renda económica pertencente ao Grémio dos Armazenistas de Mercearia, submetida ao regime especial da Lei nº 2007, de 7 de Maio de 1945 - cfr. o preâmbulo e as cláusulas 4ª, § único, e 7ª.</font><br> <font>Ora, nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 5º do Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.), "os arrendamentos sujeitos a legislação especial" estão exceptuados da regra segundo a qual o arrendamento urbano se rege pelo disposto no referido diploma e, no que não esteja em oposição com ele, pelo regime geral da locação civil.</font><br> <font>Isto sem prejuízo de, aos arrendamentos referidos na referida alínea f) do nº 2 do artigo 5º, se aplicar também o regime geral da locação civil, bem como o do arrendamento urbano, na medida em que a sua índole for compatível com o regime desses arrendamentos - cfr. o artigo 6º, nº 2, do R.A.U.</font><br> <font>Resulta do exposto que, nos arrendamentos sujeitos a legislação especial, prefere a aplicação desta legislação, só se podendo aplicar supletivamente o disposto no Código Civil e no R.A.U., se, do ponto de vista teleológico, as normas concretamente em causa forem compatíveis com a razão de ser do regime dos arrendamentos submetidos a legislação especial.</font><br> <font>O problema que, assim, se coloca consiste em saber se, in casu, se devem aplicar os princípios constantes do artigo 85º do R.A.U., acerca da transmissão do arrendamento por morte do primitivo arrendatário.</font><br> <font>2 - Da legislação aplicável aos arrendamentos de casas de renda económica - e, designadamente, da normação da Lei nº 2007 (1) -, resulta que a finalidade daqueles arrendamentos consiste na resolução do problema habitacional de pessoas de parcos rendimentos.</font><br> <font>Daí que, na concessão deste tipo de arrendamentos, tenham particular relevo as posses do inquilino acrescidas das dos restantes membros do seu agregado familiar, não podendo aquele ser atribuído se for excedido determinado limite legal e acabando o contrato logo que este seja ultrapassado - cfr, verbi gratia, as Bases XXII, §§ 1º e 2º e XXIII da Lei 2007 (2).</font><br> <font>Todavia, o facto de, para a concessão e manutenção do arrendamento relevarem os proventos de todos os membros do agregado familiar do inquilino não significa que estes sejam também considerados inquilinos. A indicação, no contrato de arrendamento, das pessoas que compõem o agregado familiar do inquilino não significa de modo algum que elas sejam co-titulares da posição do arrendatário (3).</font><br> <font>Acresce que, nos termos da Base IV da Lei nº 2007, e no que ora interessa, as casas de renda económica só podem ter os destinos seguintes:</font><br> <font>"(...) (c) as construídas por organismos corporativos ou de coordenação económica: arrendamento a empregados e assalariados próprios ou das respectivas coordenadas, enquanto estiverem ao seu serviço; (d) as construídas por instituições de previdência social: arrendamento aos nelas inscritos ou a outras entidades - cfr. a Base IV, alínea d), da Lei nº 2007.</font><br> <font>Tenha-se presente, dentro da referida intencionalidade, o disposto na cláusula sétima do contrato de fls. 27, segundo a qual: "Além dos demais casos previstos na legislação em vigor, o presente contrato de arrendamento caduca quando o inquilino deixar de ser empregado ou assalariado do Grémio dos Armazenistas de Mercearia ou da actividade coordenada por este Grémio" (4). </font><br> <font>Resulta do exposto que, no tipo de arrendamento em causa, a concreta pessoa do arrendatário se configura como um requisito essencial.</font><br> <font>Daí que, falecendo o primitivo inquilino, ocorra a caducidade do arrendamento, nos termos do artigo 1051º, nº 1, alínea d), do Código Civil, norma de índole totalmente conforme com o presente arrendamento sujeito a legislação especial.</font><br> <font>Mas, pelas razões enunciadas, já é claramente incompatível com tal regime, por estar em oposição com a sua ratio, a norma do artigo 85º do R.A.U. relativa à transmissão do arrendamento por morte do arrendatário.</font><br> <font>É que, em face do carácter essencial que, em tal arrendamento, assume a pessoa do inquilino, o mesmo tem natureza perfeitamente precária, pelo que apenas e mantém enquanto o arrendatário for aquela pessoa concreta, não existindo, neste tipo de arrendamento, direito à transmissão nos termos do citado artigo 85º, nem direito a novo arrendamento por parte de quaisquer familiares do primitivo arrendatário que, com ele, convivessem.</font><br> <font>Tendo sido esta a solução dada ao litígio pelas instâncias, não pode a mesma deixar de ser confirmada.</font><br> <font>3 - Nem se diga, como os Recorrentes, que o entendimento adoptado viola os princípios constitucionalmente consagrados nos artigos 65º, nº 1 (direito à habitação) e 67º, nº 1 (direito à protecção da família).</font><br> <font>Na verdade, por um lado, o destinatário destas normas constitucionais é o Estado. Além de que, por outro, não resulta da solução adoptada qualquer privação arbitrária da habitação dos Recorrentes ou da protecção devida à sua família.</font><br> <font>O entendimento perfilhado pelos Recorrentes é que seria de molde a conduzir a uma solução violadora do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, constitucionalmente tutelado no artigo 13º da lei fundamental.</font><br> <font>A razão de ser da legislação especial relativa ao arrendamento das casas de renda económica visa justamente, como se disse, a protecção das famílias de fracos rendimentos. Para alcançar esse desiderato, foi normativamente fixado um conjunto de requisitos em função dos quais será possível definir o universo dos possíveis contemplados pela atribuição das casas e estabelecer as condições a que deverá obedecer essa atribuição.</font><br> <font>Sempre os RR / Recorrentes poderão, em igualdade com os demais candidatos, concorrer à atribuição das casas de renda económica ou social, desde que reúnam as condições definidas para o efeito, isto é, se forem detentores dos requisitos fixados para poderem beneficia daquela atribuição. O que não podem é pretender passar à frente (ou por cima) de quem tenha preferência legal ou regulamentar para vir a ser contemplado.</font><br> <font>Bem se compreende, por outro lado, que, para uma adequada prossecução das motivações da lei, não seja possível contemporizar com situações de permanência na habitação de pessoas que já não são os respectivos arrendatários.</font><br> <font>A protecção do direito à habitação e à família deve ser prosseguida no respeito pela lei e não numa perspectiva egocêntrica, centrada na defesa de interesses pessoais que não merecem a tutela do direito, sob pena de se sobreporem às razões de interesse geral que foram teleologicamente determinantes das soluções normativamente consagradas.</font><br> <font>Improcedem, pois, as conclusões dos Recorrentes, não ocorrendo qualquer violação das disposições constitucionais ou legais indicadas.</font><br> <br> <font>Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br> <font>Custas a cargo dos Recorrentes.</font><br> <font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br> <font>Garcia Marques,</font><br> <font>Ferreira Ramos,</font><br> <font>Pinto Monteiro.</font><br> <font>--------------------------------</font><br> <font>(1) Vejam-se ainda, a título de exemplo, o Decreto-Lei nº 35.611, de 25 de Abril de 1946, a Lei nº 2092, de 9 de Abril de 1958 e as Portarias nºs 343/74, de 29 de Maio e 327/85, de 27 de Maio.</font><br> <font>(2) Cfr., neste sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Março de 1994, publicado na C.J., Ano XIX, 1994, Tomo II, págs. 71 e segs.</font><br> <font>(3) Cfr. o acórdão citado na nota anterior. Veja-se ainda, a título de exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 22 de Janeiro de 1987, in C.J., Ano XII, 1987, Tomo 1, págs. 203 e segs., onde se defende a mesma doutrina, sustentando-se, no respectivo sumário, designadamente, o seguinte: "I - A indicação, no contrato de arrendamento, das pessoas que irão habitar o locado com o inquilino não dá a essas pessoas a qualidade de inquilino. II - No arrendamento para habitação de casa sujeita a regime social, que haja caducado por morte do inquilino, não têm direito a novo arrendamento as pessoas que com ele viviam".</font><br> <font>(4) Como resulta do artigo 1º dos respectivos Estatutos (que fazem fls. 15 a 22), a Autora - Fundação ....... (F.A.M.) - é uma fundação de solidariedade social criada por iniciativa do extinto Grémio dos Armazenistas de Mercearia. Diga-se, a propósito, que, para a realização do seu objectivo, a F.A.M. se propõe, entre outras actividades, "facultar habitação condigna e de renda económica" - cfr. o artigo 3º, alínea d), dos referidos Estatutos.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I</div>A propôs acção especial de jurisdição voluntária de exame de escrituração e documentos, a que se referem os artigos 1497º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), contra B, pedindo que se ordene que a Ré lhe faculte para exame toda a sua escrituração, livros e documentos relativos aos anos de 1989 a 1994.<br> Alega para tanto que é sócia da Ré, em virtude do seu casamento com C, o qual foi dissolvido por divórcio, que, estando a correr inventário para partilha dos bens do casal, necessita de saber o valor real da quota que possui na dita Ré e que lhe foram negadas pelo sócio gerente da sociedade, seu ex-marido, as informações pretendidas.<br> Foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.<br> Tendo sido negado provimento à apelação interposta pela A., esta, inconformada, trouxe a presente revista, que encerrou com as seguintes conclusões:<br> <br> 1º - O processo especial em causa é de jurisdição voluntária e, portanto, rege-se por critérios de equidade e não de legalidade estrita.<br> 2º - Ora, é de toda a Justiça, de toda a Ética, que a recorrente possa examinar toda a escrituração, livros e documentos da Sociedade B, para apurar o valor real da quota e, assim, ficar capaz de defender os seus direitos e legítimos interesses no inventário facultativo para partilha dos bens do casal que constituiu com o seu ex-marido, C, a correr seus termos no Tribunal de Montijo.<br> 3º - Exame esse que o sócio-gerente dessa Sociedade, C, seu ex-marido, lhe recusou por duas vezes, malevolamente e imoralmente, visando um locupletamento à custa da recorrente.<br> 4º - Independentemente dessa suficiência, com base na Equidade, para a procedência da acção, a verdade é que a recorrente é, efectivamente, também sócia da Sociedade recorrida, face ao ditame expresso do artigo 1726º, nº 1 , do C. Civil, uma vez que a quota de 4000000 escudos é um bem comum, por ter sido adquirida onerosamente, na sua quase totalidade, depois do casamento, com dinheiro ou bens comuns.<br> 5º - A quota social, numa sociedade por quotas, é um bem patrimonial comunicável ao cônjuge meeiro, comunicação essa que abrange, necessariamente, a qualidade de sócio.<br> 6º - A comunhão de bens no casamento implica uma propriedade colectiva entre os dois cônjuges, com a existência de um único e indivisível direito.<br> 7º - Acresce que o artigo 8º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais veio consagrar esse entendimento e, ainda a Jurisprudência e Doutrina correntes supracitadas, ao assinalar, expressamente, uma participação social (ou seja, uma quota social) comum aos dois cônjuges, por força do regime matrimonial de bens.<br> 8º - De resto, esse artigo 8º é mesmo, incontestavelmente, uma norma interpretativa e, assim, de aplicação retroactiva.<br> <br> Considerando assim, violados, designadamente, os artigos 1410º e 1497º e segs. do CPC, o artigo 1726º, nº 1, do Código Civil (CC), e os artigos 8º, nº 2, e 214º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a recorrente pede a revogação do acórdão recorrido, e a acção julgada procedente.<br> <br> Não houve contra-alegações.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> Encontra-se apurada a seguinte matéria de facto:<br> <br> 1º - A requerente casou, em 29.5.82, sem convenção antenupcial com C;<br> 2º - O casamento foi dissolvido por divórcio por sentença transitada em julgado em 7.6.91;<br> 3º - No 1º Juízo do Tribunal da comarca do Montijo, com o nº 20/92, corre termos um inventário facultativo para partilha dos bens comuns do casal acima mencionado;<br> 4º - C é sócio da requerida desde a sua constituição.<br> 5º - À data da constituição da sociedade requerida a requerente e C ainda não tinham contraído casamento.<br> 6º - A quota inicial do sócio C na requerida era de 50000 escudos.<br> 7º - A quota deste sócio foi por várias vezes reforçada, na constância do casamento com a requerente, tendo actualmente o valor de 4000000 escudos.<br> 8º - Na sede social da requerida, no dia 23.3.94, cerca das 11 horas, C, sócio-gerente daquela, recusou à requerente a consulta e inspecção da escrituração, livros e documentos da sociedade.<br> 9º - No dia 9.6.94, cerca das 11.15 horas, esse sócio-gerente tornou a recusar à requerente o exercício do direito de examinar a escrituração, livros e documentos da sociedade.<br> <br> Constam também dos autos certidões de Registo Comercial que, além do mais, provam ter a sociedade em causa sido constituída, aliás, com diferente denominação social, em 24 de Setembro de 1981 - cfr. fls. 11 e 15.<div>III</div>1. - Começa a recorrente por alegar, à semelhança do que já fizera na apelação, que, nas providências a tomar nos processos de jurisdição voluntária, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna - cfr. artigo 1410º do CPC.<br> Pretende, assim, que, em face da recomendada aplicação dos princípios da equidade, teria pleno cabimento o deferimento da respectiva pretensão.<br> No entanto, como bem sustenta o acórdão recorrido, o recurso aos princípios da equidade não dispensa uma apreciação dos pressupostos da acção com base em critérios de legalidade. Só depois, e desde que verificada a existência de tais pressupostos, é que se poderá fazer apelo à intervenção das razões de equidade.<br> É o que acontece com a verificação - ou não - da qualidade de sócio relativamente ao requerente.<br> Estabelece o artigo 1497º, nº 1, do CPC que "o sócio a quem seja recusado o exercício do direito que tenha de examinar a escrituração e os documentos concernentes às operações sociais pode requerer ao tribunal que o exame lhe seja facultado, indicando os factos que pretende averiguar, bem como a parte da escrituração e os documentos que deseja examinar".<br> Ou seja, surge como requisito condicionante do requerimento do exame ao tribunal que o mesmo seja apresentado por um sócio. <br> E não por qualquer sócio: é ainda mister que se trate de "sócio a quem seja recusado o exercício do direito que tenha de examinar a escrituração e os documentos". O que significa que, na literalidade do preceito, à qualidade de "sócio", deverão acrescer ainda os seguintes requisitos adicionais: ser-lhe recusado o exame; e ter direito de proceder a esse exame.<br> Portanto, carece de legitimidade para requerer o exame de escrituração e documentos a que se referem os artigos 1497º e seguintes do CPC, todo aquele que:<br> a) não seja sócio;<br> b) sendo sócio, não lhe tenha sido recusada a pretensão de proceder ao exame;<br> c) sendo sócio, não tenho o direito de proceder ao exame.<br> À requerente do exame da escrituração comercial e dos documentos a que se referem os artigos 1497º e seguintes do CPC é, assim, exigida a prova inicial da sua qualidade de sócio, "pois esta é um dos pressupostos necessários para poder requerer-se ao tribunal que seja facultado o pretendido exame, quando recusado" - cfr. o acórdão de 24 de Janeiro de 1978, da Relação do Porto, in C.J., Ano III, Tomo 1 - 1978 -, pág. 135.<br> O que significa que o disposto no artigo 1409º, nº 2, do mesmo Código, que permite ao tribunal uma livre apreciação dos factos e de coligir as provas, podendo mesmo o juiz recolher informações e ordenar inquéritos, bem como o estabelecido no artigo 1410º desse diploma, que sacrifica a estrita legalidade à solução que se julgue, em cada caso, mais conveniente e oportuna, não podem, no entanto, conduzir à dispensa da prova dos referidos pressupostos - da qualidade de sócio e do requisito relativo à "recusa", já que o artigo 1497º os exigem como indispensáveis para que o exame recusado ao sócio se efectue por ordem judicial.<br> Bem andou, pois, o acórdão recorrido ao considerar indispensável efectuar o percurso que habilitasse a concluir se a recorrente reunia, ou não, os requisitos necessários para o exercício do direito em apreço.<br> Vejamos se as conclusões atingidas são correctas ou se, pelo contrário, merecem algum reparo.<br> 2. - Sobre o direito dos sócios à informação, o CSC contém, na Parte Geral, apenas o preceito do artigo 21º, nº 1, alínea c). Como observa Raul Ventura, "Sociedades por Quotas", Vol. I, 2ª Edição, 1989, págs. 279 e segs., justifica-se que a Parte Geral não vá mais longe, dada a forte diferença de regulamentação desse direito, consoante o tipo de sociedade. Assim, enquanto para as sociedades em nome colectivo e por quotas vigoram preceitos praticamente iguais (artigos 181º e 214º, respectivamente), para as sociedades anónimas aplicam-se os artigos 288º a 293º. Sobre a temática em apreço, regiam, anteriormente, os artigos 119º, nº 3, do C. Comercial e o artigo 34º, § 1º, da Lei de 11 de Abril de 1901, sobre Sociedades por Quotas.<br> Reflectindo acerca da caracterização deste "direito à informação", podemos sublinhar, acompanhando Raul Ventura, as seguintes notas:<br> - A informação aparece nos preceitos legais citados como "direito do sócio", só podendo ser exercido enquanto o sócio mantiver essa qualidade;<br> - O direito à informação exerce-se contra a sociedade, sendo esta o sujeito da obrigação correspondente ao direito do sócio, e não o gerente, que é, dentro da sociedade, o órgão ao qual funcionalmente compete o dever de prestar a informação;<br> - O direito á informação é geralmente qualificado como um direito extra-patrimonial do sócio, instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extra-patrimoniais.<br> O artigo 214º, nº 4, do CSC, resolve um problema delicado, procurando um equilíbrio entre interesses contrapostos. Com efeito, existe sempre o receio de que a consulta de livros e documentos duma sociedade por pessoa estranha a esta possa prejudicá-la, entendendo-se que os motivos justificativos da consulta pelo sócio não se estendem a uma abertura a qualquer estranho. Por força deste nº 4, a consulta de livros e documentos deve ser feita pessoalmente pelo sócio, não sendo admitida representação ou delegação deste direito noutra pessoa, mesmo que se trate de outro sócio da sociedade. Desde que compareça pessoalmente na sede da sociedade para efectuar a consulta, o sócio pode fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito. Pode ainda o sócio usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576º do Código Civil.<br> Atento o exposto, fácil é compreender o fundamento da decisão segundo a qual "dirigida por sócio carta à sociedade pedindo uma informação, não vindo assinada por sócio e contendo antes um P´ seguido de assinatura ilegível, não está a sociedade obrigada a prestá-la" - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 1993, publicado na CJ, Acórdão do STJ, Ano I, Tomo II - 1993, pág. 72.<br> <br> 3. - A regulamentação das sociedades por quotas no CSC mantém a característica essencial que a tais sociedades atribui o primeiro traço personalista: a responsabilidade subsidiária de todos os sócios pela obrigação da entrada de cada um.<br> Olhando estas sociedades pelo prisma da manutenção de um aglomerado de sócios aceite por todos, o CSC acentua o carácter personalista do tipo legal. A regulamentação da transmissão da quota por morte do sócio, nos artigos 225º e seguintes, é toda permeada pela preocupação de, se os sócios o quiserem, não entrarem novas pessoas como sócios. A cessão de quotas está, em princípio, dependente do consentimento da sociedade - artigos 228º e seguintes. Este consentimento torna possível evitar a transmissão da quota para pessoa indesejada pelos outros sócios e até dirigi-la para pessoa escolhida por estes. Quando uma quota é perdida por um sócio remisso na sua obrigação de entrada, é dada aos outros sócios a faculdade de adquirir a quota.<br> Pode, pois, concluir-se, com Raul Ventura, que agora se acompanhou, que o CSC caminhou no sentido da pessoalidade das sociedades por quotas - loc. cit., págs. 37 e segs.<br> A constituição e o funcionamento de uma sociedade de estrutura personalizada dependem naturalmente dos laços de confiança que existam entre os sócios. Daí que sejam naturais as reservas á entrada de novos sócios ou à substituição de uns por outros, conduzindo tais reservas à existência, por força da lei, ou por iniciativa dos sócios, vertida na elaboração do pacto social, de cautelas, restringindo ou condicionando essa entrada.<br> Isso mesmo é patente relativamente à sociedade-ré, a cujo capital social, de 10000000 escudos, correspondem os seguintes sócios e quotas: C - 4000000 escudos; D - 3000000 escudod; E, casada com o anterior - 3000000 escudos - cfr. fls. 17 e 18. Com efeito, nos termos da alteração do pacto social, a que corresponde a inscrição constante de fls. 19, a cessão de quotas a estranhos ficou dependente do consentimento da sociedade, que reserva o direito de preferência na alienação. Passou também a ser permitida a amortização de quotas quando, em consequência de divórcio ou separação de bens, a quota seja adjudicada a pessoa diferente do respectivo titular (bem como em caso de falência ou insolvência do respectivo titular).<br> Trata-se de cláusulas cuja intencionalidade claramente aponta para preservar a confiança derivada da salvaguarda do núcleo constituído pelos sócios pré-existentes.<br> <br> 4. - Já se viu, atenta a matéria de facto dada como provada, que, à data da constituição da sociedade ré, onde o seu ex-marido adquiriu a qualidade de sócio, com a quota inicial de 50000 escudos, a autora ainda não era casada com aquele.<br> Todavia, na constância do casamento, celebrado no regime de comunhão de adquiridos (casamento sem convenção ante-nupcial), aquela quota sendo reforçada, de modo que o seu valor nominal atingiu o montante, já referido, de 4000000 escudos.<br> Terá, em consequência, advindo para a recorrente a qualidade de sócia da sociedade Ré? A resposta terá de continuar a ser negativa.<br> Atento o regime de bens existente, a quota adquirida antes da celebração do casamento é um bem próprio do ex-marido da requerente - artigos 1717º e 1722º, nº 1, alínea a), do CC.<br> No entanto, será que, do reforço da quota verificado na constância do casamento, resulta a sua comunicabilidade, por aplicação, como a recorrente pretende, do princípio constante do artigo 1726º, nº 1, do CC?<br> <br> 4.1. - A resposta, quanto à aplicação, in casu, do citado artigo 1726º, nº 1, do CC, deve ser negativa. Com efeito, supõe-se, na norma, uma situação distinta que consiste na aquisição, na vigência do casamento, de bens, em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e, noutra parte, com dinheiro ou bens comuns. Ou seja, em tais casos, os bens adquiridos revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações. Imagine-se a aplicação da norma - que teria de ser por analogia, ou, no mínimo, extensiva, à situação sub judice. Considerando que o reforço da quota social, realizado com mobilização de bens comuns, é mais valioso do que o montante inicial da mesma, concluir-se-ia que tal quota se teria transmutado in totum, de bem próprio do ex-marido em bem comum. Trata-se de uma consequência que, por carecer de falta de lógica, não podemos acompanhar.<br> A norma não pode aplicar-se a situações em que o título jurídico da aquisição da propriedade do bem era anterior ao casamento, sendo, por isso, próprio, porque trazido pelo cônjuge para o casal, o bem posteriormente valorizado na constância do casamento. Não importa que o valor da valorização - do reforço da quota - ultrapasse o da sua aquisição originária. O critério é de natureza jurídica e não de raiz económica.<br> Mas também não terá aplicação à situação da presente quota social o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 1722º do CC, segundo o qual são considerados próprios dos cônjuges "os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior".<br> Mais próxima estaria, porventura, a situação prevista no artigo 1728º, nº 1, do mesmo Código, quando estabelece que se consideram "próprios os bens adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios, que não possam considerar-se frutos destes". Situação que não se confunde com a da citada alínea c) do nº 1 e nº 2 do artigo 1722º. Como ensinam Pires de Lima/Antunes Varela, neste último caso, a aquisição assenta na concretização, conversão ou exercício de um direito ou expectativa (de um poder) anterior à celebração do casamento; no primeiro, ou seja, no caso do artigo 1728º, a aquisição não nasce de um direito anterior, mas de um direito posteriormente atribuído ao cônjuge, com base na relação de conexão existente entre os novos bens e os bens de que o cônjuge já era titular - cfr. "Código Civil Anotado", volume IV, 2ª edição, págs. 432 e segs. <br> Mas ainda aqui estamos situados no quadro da aquisição de novos bens.<br> O reforço da quota social não altera a sua identidade enquanto bem jurídico. Não foi adquirida outra quota social. A primitiva quota social, bem próprio do ex-marido da requerente, é que foi reforçada. A quota nunca saiu do património próprio do antigo cônjuge da recorrente. Daí que, não havendo dúvidas sobre a não comunicabilidade, não opere, no caso sub judice, a presunção do artigo 1725º do CC.<br> Sobre o ex-marido recai então o dever de compensar o património comum, relativamente aos reforços da quota social, verificados na constância do casamento - cfr., a título de lugares paralelos, os artigos 1722º, nº 2, e 1728º, nº 1, do CC. Ou seja, a requerente tem o direito a participar no acréscimo do valor patrimonial da referida quota, em consequência do seu reforço, na vigência do casamento.<br> Mas, como é claro, daqui não decorre para ela a aquisição da qualidade de sócia da sociedade Ré. E isto é que é decisivo para a sorte do presente recurso.<br> <br> 4.2. Poder-se-ia, no entanto, considerar uma tese mitigada, que se diria melhor corresponder ao espírito da lei, mormente no que se refere ao regime de comunhão de adquiridos. Assim, tendo, na vigência do casamento, com o contributo de ambos os cônjuges, sido reforçada, não só em valor absoluto, mas também em valor relativo, a quota social em referência, poder-se-ia defender que a parte da quota correspondente ao valor do reforço entrou na comunhão de bens do casal, mantendo-se a parte correspondente ao valor inicial como bem próprio do ex-marido. Caso em que, uma fracção - menor - da quota seria bem próprio do ex-marido e outra - bem maior - seria bem comum do casal. Solução que, se acolhida, não deixaria de ter consequências ao nível do inventário para partilha dos bens do casal.<br> Todavia, trata-se de questão que apenas poderá relevar, nesta sede, se dela decorrerem consequências diferentes quanto à sorte da presente revista. O que não é o caso, como se verá.<br> <br> 5.- A "quota social" não representa uma simples "coisa" ou um simples "direito de crédito", sendo, acima de tudo, um direito de participação numa sociedade. Abarca, por isso, um conjunto de direitos, poderes e deveres sociais - Raul Ventura, "Cessão de Quotas", 1967, pág. 10. A "quota" exprime um direito de conteúdo complexo, que tanto abrange direitos de natureza patrimonial, como direitos, poderes ou faculdades de ordem pessoal.<br> Ao dizer-se, por exemplo, que, em regime de comunhão geral, e ao abrigo do artigo 1732º do CC, o cônjuge do adquirente de uma "quota social" fica sendo meeiro dessa quota, tal é apenas admissível quanto ao âmbito patrimonial da quota.<br> A lei exceptua da comunhão prevista no referido artigo 1732º o complexo de vinculações de natureza estritamente pessoal relativo à "quota" - conforme resulta do artigo 1733º, nº 1, do CC, e do artigo 8º, nº 2, do CSC.<br> Recorde-se esta última norma: "Quando uma participação social for, por força do regime matrimonial de bens, comum aos dois cônjuges, será considerado como sócio, nas relações com a sociedade, aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade ou, no caso de aquisições posteriores ao contrato, aquele por quem a participação tenha vindo ao casal".<br> <br> Segundo Ferrer Correia, na medida em que em determinada sociedade por quotas releve o intuitus personae, sócio é apenas o cônjuge por quem a quota tenha vindo ao casal. "Perante a sociedade - escreve o referido Autor -, unicamente esse cônjuge é sócio - só é sócio aquele que outorgou na escritura social ou que posteriormente adquiriu a quota. Certo, a quota entrou na comunhão - mas apenas como valor, não como síntese ou fonte de direitos e deveres corporativos, não como título de socialidade. Ao cônjuge do sócio não competem mais direitos do que os que se reconhecem ao associado à quota - e dele se pode dizer que: socii mei socius meus socius non est - cfr. cfr. parecer publicado na CJ, Ano XIV- 1989, Tomo IV, págs. 33 e segs.<br> <br> 6. - Sabe-se que a jurisprudência dominante dos nossos tribunais superiores considera o artigo 8º do CSC como uma norma interpretativa (cfr., verbi gratia, o acórdão do STJ de 3 de Julho de 1990, no BMJ, nº 399, pág. 519, e o acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Abril de 1990, na CJ, Ano XV, 1990, pág. 166), entendendo-se como tal aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado - cfr. Baptista Machado, "Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil", págs, 286 e segs. Assim sendo, considera-se integrada na lei interpretada, pelo que retroage os seus efeitos até á data da entrada em vigor da antiga lei.<br> Segundo Ferrer Correia, loc cit., pág. 35, o artigo 8º, nº 2, do CSC aplica-se não só a todas as situações jurídicas lá descritas, se constituídas após a entrada em vigor do referido Código, mas também às situações jurídicas criadas anteriormente, desde que digam respeito a uma pura sociedade de pessoas ou a uma sociedade de cunho personalista. E esclarece: "É que, nesta medida, o aludido preceito assume (...) feição análoga à de uma lei interpretaiva stricto sensu, integrando-se, portanto, na lei anterior. (Cód. Comercial e Lei de 11.4.1901)". "Assim vistas as coisas, nenhuma dúvida é cabida quanto a ser a norma do nº 2 do artigo 8º do CSC, na parte respeitante às sociedades em nome colectivo e àquelas sociedades por quotas que apresentem como característica relevante o intuito pessoal, uma lei interpretativa, como tal devendo aplicar-se mesmo aos actos e factos do passado: às aquisições de quotas e ao estabelecimento de situações de comunhão matrimonial de bens anteriores" - sabe-se ser diversa a posição de Raul Ventura, que não reconhece ao artigo 8º, nº 2, do CSC natureza interpretativa.<br> Na interpretação dominante na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, não é correcto que, em regime de comunhão geral, ou, sendo caso disso, em regime de comunhão de adquiridos, a quota de um cônjuge se comunique ao meeiro, em termos de este adquirir ex vi do regime de bens, a qualidade social. Em palavras extractadas de algumas dessas decisões: "A quota social, nos regimes de bens do casamento, só é comunicável quanto ao seu valor económico"; "A qualidade de sócio de uma sociedade por quotas não se comunica ao seu cônjuge, mesmo que casados sob o regime de comunhão geral de bens, já que é apenas um associado ou agregado a essa quota" (cfr. acórdãos da Relação de Lisboa, de 26 de Abril de 1990, e da Relação do Porto, de 25 de Setembro de 1990, na CJ, Ano XV, Tomos II e IV, a págs. 166 e 220, respectivamente).<br> <br> O certo é que a própria recorrente alegou que o referido artigo 8º "é, incontestavelmente, uma norma interpretativa e, assim, de aplicação retroactiva" - cfr. conclusão 8ª.<br> Ora, mesmo que se aceite a construção defendida, nas alegações de recurso, pela recorrente, torna-se manifesta a improcedência da revista. Com efeito, defendendo ela a natureza interpretativa da referida norma e a sua aplicação ao caso dos autos, importará concluir que, ainda que se admita que a presente quota social entrou na comunhão de bens do casal, na parte correspondente aos reforços verificados durante a vigência do casamento, ainda assim a requerente nunca poderia ser considerada sócia da sociedade Ré para os efeitos do requerido exame da escrituração e documentos. Isto porque se está no âmbito das relações com a sociedade.<br> <br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 31 de Março de 1998,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Lemos Triunfante, (Dispensei o visto).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> <br> Por apenso à execução movida pelo Banco Fonsecas e Burnay S.A, contra seu marido A, deduziu B, embargos de executada de mulher casada, alegando, no petitório, que seu marido avalizou as duas livranças, objecto de execução, num acto de puro favor e sem o conhecimento nem consentimento dela embargante, não havendo benefício para o casal, mas, apenas para a subscritora "Lirpese"; a dívida foi, pelo contrário, contraída em prejuízo do casal, havendo lugar à moratória por não provada a comercialidade daquela.<br> Pediu a restituição dos bens penhorados que indica e dos quais alega ter a posse pública pacífica e continua.<br> Após audição das testemunhas foram recebidos os embargos e citado o banco para os contestar, o que este fez impugnando o pedido e pedindo a improcedência daqueles.<br> Seguiu o processo seus trâmites normais e, a final foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, recorrendo a embargante, mas sem êxito, pois a Relação de Coimbra confirmou o decidido na primeira instância.<br> Pede revista a embargante que, ao alegar, formula as seguintes conclusões:<br> 1 - Nos termos do Artigo 13 do Código Comercial o executado, marido da recorrente não era comerciante. Era gerente de uma sociedade anónima;<br> 2 - O financiamento feito pelo Banco recorrido à sociedade foi titulado por duas livranças avalizadas pelo executado;<br> 3 - O aval é um acto formalmente comercial;<br> 4 - A recorrente (não requerente) só teve conhecimento dos factos quando foi citada para requerer a separação de bens nos termos do Artigo 825 n. 2 do Código de Processo Civil;<br> 5 - Defendeu a posse dos bens penhorados através dos embargos de terceiro de mulher casada;<br> 6 - Para que se verifique a exclusão do direito de embargar de terceiro, por parte do cônjuge não responsável pela dívida, não basta que o exequente tenha pedido a sua citação para requerer a separação da meação dos bens; é necessário, também que não haja lugar à moratória legal prevista no Artigo 1696 n. 1 do Código Civil (cfr. Artigo 1038, n. 2, alínea c) do Código de Processo Civil);<br> 7 - Nas execuções fundadas em títulos de crédito, o pagamento das dívidas comerciais de qualquer dos cônjuges que tiver de ser feita pela meação do devedor nos bens comuns do casal só está livre da moratória legal ao abrigo do disposto no Artigo n. 10 do Código Comercial, se estiver provada a comercialidade substancial da dívida exequenda (Assento S.T.J. n.4/78 de 13 de Abril);<br> 8 - É ao exequente que incumbe demonstrar a comercialidade substancial da dívida exequenda; <br> 9 - Os embargos de terceiro, pela sua própria ratio (meio de defesa perante a execução), não são um meio processual adequado para o exequente/credor provar a comercialidade substancial da dívida exequenda;<br> 10 - Na hipótese de se admitir que o credor possa fazer no processo de embargos a prova da comercialidade substancial da dívida exequenda tratando-se de execução fundada no aval prestado a favor do(a) subscritor(a) do título, a comercialidade que importa demonstrar refere-se à relação subjacente à prestação do aval e não à relação subjacente à obrigação avalizada. <br> Devem ser julgados procedentes os embargos e levantada a penhora dos bens efectuada.<br> Contra-alegou o embargado que defende o não provimento do recurso.<br> Corridos os vistos cumpre decidir.<br> Foram dados como provados pelas instâncias os seguintes factos:<br> 1 - O exequente Banco Fonsecas e Burnay, no exercício do seu comércio bancário, concedeu um financiamento à executada, mediante a subscrição de duas livranças;<br> 2 - E accionou agora, em sede executiva, o avalista Resende Ramos porquanto não foram elas pagas (satisfeitas), nem no vencimento, nem depois;<br> 3 - A subscritora LIRPESE - Sociedade Industrial de Resinas, S.A, beneficiária dos financiamentos, exerce actos de comércio.<br> 4 - A embargante é casada com o dito avalista, no regime de comunhão geral de bens desde 22 de Julho de 1956; <br> 5 - Penhorados bens imóveis, a ora embargante foi citada em 8 de Abril de 1991, para efeitos do previsto no Artigo 825 do Código de Processo Civil;<br> 6 - Os montantes das livranças foram utilizados na actividade comercial da subscritora, de que o executado avalista era accionista maioritário e Presidente do Conselho de Administração:<br> 7 - Actuava ele na empresa, como único e verdadeiro proprietário dela, figurando perante o banco exequente como principal responsável pela Lirpese;<br> 8 - Durante 12 anos, sempre o banco exigiu o seu aval para outros financiamentos;<br> 9 - Dos financiamentos a que se reportam as livranças ajuizadas resultou enriquecimento da posição societária do avalista valorizando as acções e possibilitando a distribuição de lucros;<br> De toda essa actividade o avalista executado auferia proventos destinados à mantença do seu casal; e, ao apor a sua firma no lugar de avalista, intentava colher benefícios para si e seu agregado familiar. (Os factos de 1 a 5 estão especificados e os restantes resultaram das respostas aos quesitos).<br> No essencial, as questões suscitadas pela recorrente são duas: saber se a dívida exequenda é substancialmente comercial, e se é possível discutir, em embargos de terceiro, a comercialidade substancial da dívida exequenda.<br> Em relação a segunda questão, confrontam-se duas correntes: uma que entende que os embargos de terceiro não são o meio processual próprio para o exequente alegar e provar a comercialidade substancial da dívida exequenda, devendo aquele propor acção declarativa contra os cônjuges para os convencer da referida comercialidade substancial, só depois propondo a execução; outra que defende que, com base em títulos de crédito, existe uma primeira aparência de comercialidade substancial que permite propor, desde logo, a execução contra o cônjuge que subscreveu ou avalizou os títulos de crédito, podendo, na devida oportunidade, indicar-se à penhora bens comuns do casal pedindo-se, ao mesmo tempo, se faça a citação do outro cônjuge para requerer a separação de bens.<br> Se, efectivamente, o exequente pede a penhora de bens comuns do casal, em execução instaurada contra um dos cônjuges, e se o tribunal, depois de analisar, com os elementos de que dispõe o título executivo infere que não há lugar à moratória prevista no 1 do Artigo 1696 do Código Civil, não se antolhe razão válida e legal para que não ordene a penhora em bens comuns.<br> O cônjuge é citado para requerer a separação mas, em vez de tal faculdade usar, pode deduzir embargos de terceiro, se entender que há lugar a moratória e que, por isso, não deviam penhorar-se bens comuns do casal.<br> Os seus legítimos interesses ficam pois, salvaguardados.<br> Não se entende bem, é que a embargante tenha deduzido embargos de terceiro e defenda que o banco exequente nos mesmos não possa alegar factos tendentes a demonstrar que não há lugar a moratória e que podia indicar a penhora bens comuns do casal, nomeadamente por se verificar a hipótese contemplada no Artigo 10 do Código Comercial.<br> Então, deduzidos que foram os embargos, o exequente não pode impugnar os factos alegados pelo embargante e demonstrar que a comercialidade substancial da dívida, indiciada pelo título executivo, existente de facto?<br> Há pois que assentar por lógico, que, penhorados bens comuns do casal e deduzindo o cônjuge, não devedor, embargos de terceiro, pode o exequente fazer prova de que não lugar a moratória, nomeadamente, por a dívida exequenda ser substancialmente comercial.<br> Na hipótese dos autos, está especificado, por tal constar da execução, que as livranças subscritas pela "Lirpese," consubstanciavam um financiamento feito àquela pelo banco exequente e que aquela sociedade exerce actos de comércio.<br> Não havia pois motivo, para não ordenar a penhora requerida pelo exequente.<br> No que respeita à primeira questão levantada pela recorrente - substancialmente comercial da dívida exequenda - um primeiro ponto há a esclarecer, qual é o de saber, (visto que a responsabilidade do executado, marido da embargante advém dos avales por ele prestados), se a comercialidade relevante para efeitos do disposto no Artigo 10 do Código Comercial é a da obrigação subjacente ao aval, ou à obrigação cambiária.<br> Entendemos que tal comercialidade relevante é a da obrigação subjacente à obrigação cambiária, como, aliás, hoje é entendimento maioritário.<br> De facto, resulta do disposto no Artigo 32 da Lei Uniforme de Leis e Livranças, que a responsabilidade do avalista é solidária da do avalizado, mas, também, que quando pagar o que por este é devido, fica a ocupar, na cadeia cambiaria a posição daquele a quem tinha pago e, por isso, investido nos mesmos direitos de que o mesmo fosse titular.<br> A questão, aliás, foi resolvida pelo Assento de 13 de Abril de 1978 ao estabelecer que, nas execuções fundadas em título de crédito, o pagamento das dívidas comerciais que tiver de ser feito pela meação do devedor nos bens comuns do casal, só está livre da moratória legal se estiver provada a comercialidade da dívida exequenda.<br> É pois, face à obrigação subjacente à obrigação cartular do avalizado, de onde emerge a dívida exequenda, que se há-de aferir da aplicabilidade do disposto no Artigo 10 do Código Comercial, quanto ao avalista.<br> Além das duas questões atrás referidas e apreciadas, alega, ainda, a recorrente que o executado seu marido não era comerciante mas administrador de uma sociedade anónima, que o aval é um formalmente comercial e que é ao exequente que incumbe demonstrar a comercialidade substancial da dívida.<br> De facto, está apenas, provado que o executado era, apenas, administrador de uma sociedade anónima.<br> Ora a doutrina mais seguida sempre foi no sentido de não considerar os membros dos órgãos de administração das sociedades comerciais como comerciantes, pois que eles praticam actos de comércio, não em nome próprio e por sua conta, mas sim em nome e por conta da sociedade que gerem e representam.<br> Quanto ao aval, obrigação de garantia da obrigação do avalizado, dúvida não há que é um acto formalmente comercial, podendo ser ou não, também, materialmente comercial.<br> No que respeita ao onús de provar a comercialidade substancial da dívida, não se vê a razão pela qual a recorrente levantou tal questão e estamos de acordo que tal ónus é do exequente.<br> O facto de perante a prova da simples primeira aparência, o tribunal ter, a requerimento do exequente, ordenado a penhora de bens comuns do casal, tal não significa que, deduzidos embargos de terceiro pelo cônjuge do executado, não tenha de ser feita a prova da comercialidade substancial da dívida.<br> Com efeito os embargos de terceiro, tendo o cariz de processo próprio, são de oposição ao alcance da acção executiva, de defesa perante a acção do exequente.<br> A oposição do cônjuge consistirá em provar a sua qualidade, que é terceiro e que com a penhora foi atingida, ofendida, a sua posse de bens próprios ou comuns.<br> O embargado que indicou bens comuns à penhora, terá de alegar e provar que não há lugar a moratória por a dívida exequenda ser substancialmente comercial.<br> Nem seria razoável que tivesse de ser o cônjuge embargante a provar o contrário, pois que, como cônjuge do obrigado cambiário, pode ser estranho à situação que deu origem à emissão do título e, por isso, dificilmente poderá dispor de elementos a esse respeito.<br> Aliás, sendo a comercialidade substancial do acto de onde emerge a dívida, pressuposto do afastamento da moratória estabelecida no Artigo 1696, n. 1 do Código Civil, não pode deixar de ser sobre o exequente que, nos termos do n. 1 do artigo 342 do mesmo Código, recai o ónus da respectiva prova.<br> No caso dos autos assim sucedeu, visto que todos os factos alegados pelo exequente embargado foram quesitados logrando ele fazer a prova dos mesmos.<br> Tais factos provados, nomeadamente que a subscritora das livranças exerce actos de comércio, que mediante a subscrição o banco concedeu um financiamento à "Lirpese" e que os montantes das livranças foram utilizados na actividade comercial da subscritora, demonstram à evidência que a obrigação subjacente àqueles títulos de crédito é de natureza substancialmente comercial pelo que é aplicável o Artigo 10 do Código Comercial, não havendo lugar à moratória.<br> Por outro lado, o próprio aval prestado pelo executado, cônjuge da embargante, face ao Artigo 2 do Código Comercial e Artigo 406, alínea f) do Código das Sociedades Comerciais e tendo em atenção os factos que se provaram é um acto não, apenas, formal mas substancialmente comercial.<br> Os embargos tinham pois que improceder visto estar provada a natureza substancialmente comercial da obrigação subjacente às livranças bem como do próprio aval.<br> Pelo exposto nega-se revista, confirmando-se o decidido no Acórdão recorrido.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 15 de Março de 1994.<br> Silva Caldas,<br> Cura Mariano, <br> Correia da Silva.<br> Decisões impugnadas:<br> Sentença de 6 de Maio de 1992, do Tribunal de Aveiro; <br> Acórdão de 18 de Maio de 1993 da Relação de Coimbra. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <b><font>- A, B e C, residentes no lugar de Tapado Novo, Cabeça Santa, Penafiel, propuseram acção ordinária, que foi distribuída com o n. 150/90, no Tribunal de Círculo daquela cidade, contra D., com sede em Perozinho, da dita localidade de Cabeça Santa, pedindo;</font></b><br> <b><font>1) - Que a Ré seja condenada a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio identificado na petição inicial;</font></b><br> <b><font>2) - A repor imediatamente os marcos divisórios implantados no dito terreno, e que abusivamente arrancou;</font></b><br> <b><font>3) - A indemnizar os Autores pelos danos causados com as referidas obras de terraplanagem e escavação que alteraram a substância e a forma do dito prédio rústico de pinhal e mato, alterando-lhe o seu fim económico, cujos danos serão liquidados em execução de sentença.</font></b><br> <b><font>- Fundamentam tais pedidos no facto de terem adquirido a propriedade do referido prédio não só por usucapião mas também pela presunção do registo, e ainda no facto de a Ré sem sua autorização ter invadido aquele terreno, arrancando marcos e causando danos.</font></b><br> <b><font>- A Ré requereu o chamamento à autoria de E e mulher, porquanto foram eles que lhe venderam o prédio em que iniciaram as obras e declararam em escritura pública que eram os donos pelo que se a acção for procedente terão direito a ser ressarcidos pelos prejuízos sofridos.</font></b><br> <b><font>- Foi admitido o chamamento, e os chamados contestaram, alegando que o prédio que os Autores identificam na petição, não tem nada a ver com o prédio que a Ré está a possuir e a terraplanar que corresponde ao que lhe vendeu por escritura pública, pondo em causa as confrontações constantes da descrição na conservatória do Registo Predial;</font></b><br> <b><font>- Organizou-se a peça de especificação - questionário, e procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença final julgando a acção improcedente por não provada;</font></b><br> <b><font>- Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, onde apresentaram as suas conclusões, e no que interessava à decisão desse recurso, nos seguintes termos:</font></b><br> <b><font>- A inscrição do prédio a seu favor, confere-lhe uma presunção "juris tantum", de que o direito de propriedade lhes pertence;</font></b><br> <b><font>- A Ré não ilidiu tal presunção;</font></b><br> <b><font>- O facto de se não ter provado a área do prédio nem as confrontações não pode conduzir à não violação do direito de propriedade dos Autores, quando é certo que tal violação resulta das respostas aos quesitos 5, 6 e 7, e 12 a 17;</font></b><br> <b><font>- Contra-alegaram os apelados pugnando pela manutenção da sentença recorrida;</font></b><br> <b><font>- O Tribunal da Relação do Porto, veio a julgar parcialmente procedente tal apelação, revogando a sentença recorrida (por esta limitar-se a absolver a Ré do 1º pedido, considerando prejudicados os demais) e, em consequência condenar a Ré a reconhecer que os Autores são donos do prédio rústico denominado "Sorte do Mato de Perozelo ou Sorte do Caminho Velho do Esporão", sito na freguesia de Perozelo, concelho de Penafiel inscrito na respectiva matriz sob o art. 1356 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n. 39848, a confrontar do sul com partilha da freguesia da Cabeça-Santa, na proporção de 1/2 para a primeira A, é de 1/4, para cada um dos 2º e 3º Autores;</font></b><br> <b><font>- E absolvendo a Ré, quanto ao demais pedido;</font></b><br> <b><font>- Desse, Acórdão, por sua vez, inconformados, tanto a Ré, como os Autores, interpuseram o presente recurso de revista;</font></b><br> <b><font>- A Ré ofereceu alegações, pedindo a revogação do dito Acórdão, e a confirmação da sentença da 1ª instância, "in totum";</font></b><br> <b><font>- Formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:</font></b><br> <b><font>- 1 - Os Autores vieram reivindicar, para si a denominada "Sorte do Esporão", também conhecida por "Sorte do Mato de Perozelo", ou Sorte do Caminho Velho", que identificam na petição inicial;</font></b><br> <b><font>- 2 - Fundaram tal pedido no facto de a mesma estar registada, a seu favor, na Conservatória, beneficiando, alegadamente, da correspondente presunção legal de que o invocado direito de propriedade existe e lhes pertence - (C.R.P., art. 7);</font></b><br> <b><font>- 3 - Todavia, fundaram, ainda, tal direito de propriedade, no facto de ao longo de mais de 10, 20 e 30 anos, por si e antepossuidores, terem tido, sobre o mesmo prédio, uma posse pública pacífica e contínua, pelo que sempre o teriam adquirido por usucapião;</font></b><br> <b><font>- 4 - Fizeram proceder tal acção de reivindicação, dum embargo das operações de terraplanagem, que a Ré D vinha levando a cabo nesse mesmo prédio ou Sorte, e que se destinavam a preparar esta, para a extracção do granito nela existente;</font></b><br> <b><font>- 5 - Citada a D - como esta havia comprado e pago o prédio em causa a E e mulher por escritura de 09-10-89, lavrada no Cartório Notarial de Penafiel - chamou estes à autoria, pois sempre sobre os mesmos teria, em via de regresso, direito de indemnização, no hipotético caso da perda da demanda;</font></b><br> <b><font>- 6 - Os Autores não se opuseram ao chamamento, nem os "chamados" o enjeitaram: vieram aos autos e foram ao local, dizer e demonstrar ao Tribunal que o prédio em causa - aquele concreto espaço - fora vendido à D e, portanto, ele não era pertença dos Autores mas sim da Ré;</font></b><br> <b><font>- 7 - E efectivamente, a fls. 266 a 268 dos autos, foi-lhe junta uma certidão do Registo Predial de Penafiel, certificando-se a descrição do mesmo prédio de conformidade com a sobredita escritura e com os elementos da respectiva matriz, igualmente constantes dos autos - por onde se vê que aquela Sorte do Esporão se encontra definitivamente inscrita a favor da D, por compra ao dito E e mulher (ap. 01-10-91);</font></b><br> <b><font>- 8 - Em contra-partida e como atrás se alegou e melhor se alcança dos autos, a inscrição matricial daquele Sorte, por banda dos Autores, foi tardia e turbulenta, tendo ela começado em 1990, por o declarar omisso e apenas com a área de 7500 m2, para pouco depois elevarem esta para 120656 m2 e considerarem tal Sorte, (que primeiro situaram em Cabeça Santa e depois "transferiram" para Perozelo), como correspondendo à da verba 31 do inventário a que se procedeu por óbito do marido da Autora e pai dos Autores;</font></b><br> <b><font>- E com base em tal correspondência, que jamais se conseguirá comprovar, lograram o registo daquela Sorte, na Conservatória, fazendo-o aí, agora, inscrever a seu favor;</font></b><br> <b><font>- 9 - Tinha lugar a inspecção judicial e o julgamento no local, tendo o colectivo respondido à matéria de facto, como atrás se alegou;</font></b><br> <b><font>- Não dando, designadamente, como provado, que o prédio reivindicado pelos Autores tenha a área de 12056 ms;</font></b><br> <b><font>- Nem que o mesmo prédio confronte do norte e poente com E;</font></b><br> <b><font>- Nem de nascente com herdeiros de ....;</font></b><br> <b><font>- Nem que os Autores, por si e seus antepossuidores, venham possuindo tal prédio;</font></b><br> <b><font>- Nem há 30, nem há 20 nem há 10 anos;</font></b><br> <b><font>- Nem à vista de toda a gente;</font></b><br> <b><font>- Nem sem qualquer oposição;</font></b><br> <b><font>- 10 - Certo que da Especificação vinha assente que os Autores (mercê das apontadas adaptações), são danos do prédio rústico denominado "Sorte do Mato de Perozelo ou "Sorte do Caminho Velho do Esporão", sito na freguesia de Perozelo, concelho de Penafiel, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1356 e descrito na conservatória sob o n. 39828, a confrontar do sul com partilha da freguesia de Cabeça Santa, na proporção de 1/2 para a primeira Autora e 1/4 para cada um dos 2º e 3º Autores;</font></b><br> <b><font>- 11 -Os autores invocaram a presunção legal resultante deste registo a seu favor, porém tal presunção é ilidível;</font></b><br> <b><font>- 12 - E de facto, tendo os chamados e a D impugnando o direito de propriedade dos Autores, sobre o prédio vendido por aquelas (chamados) a esta (admitindo-se, sempre, que os Autores pudessem ser donos da Sorte que a arrogam, desde que ela se não confunda com a "Sorte do Esporão", que a D adquirira e onde foi embargada) e não tendo os mesmos Autores logrado fazer prova da respectiva aquisição originária, já que não provaram a respectiva posse e a usucapião;</font></b><br> <b><font>- 13 - Foi ilidida aquela presunção legal, derivada do registo a seu favor;</font></b><br> <b><font>- 14 - Pelo que, aplicando a lei aos factos o Tribunal de Penafiel julgou crucialmente, a acção improcedente, com as legais consequências;</font></b><br> <b><font>- 15 - Os Autores interpuseram recurso de tal sentença, apelando para a Relação do Porto, estribados em dois argumentos: o de que das respostas negativas aos quesitos, nada se pode concluir e, o de que não fora ilidida a presunção legal do registo a seu favor propugnando, em conclusão, pela revogação da sentença recorrida, de molde a ter-lhes reconhecido o direito de propriedade que se arrogam, enquanto a Ré, em contra-alegações, defendeu a bondade e intangibilidade daquela sentença, já que nenhuma razão assistia aos Réus e aquela decisão havia feito correcta interpretação - aplicação do direito aos factos;</font></b><br> <b><font>- 16 - O certo é que a Relação do Porto, por Acórdão de 17-04-97, julgou parcialmente procedente a apelação revogando a sentença recorrida, e aderindo ao argumento dos Autores, de que não fora ilidida a invocada presunção do registo a favor deles, condenou a Ré a reconhecer que ela Autora são donos do prédio identificado na 10ª conclusão, absolvendo a Ré dos demais pedidos e dividindo, a meias, o encargo das custas;</font></b><br> <b><font>- 17 - A Ré interpôs recurso (de revista) de tal Acórdão, já que o mesmo violou a lei, designadamente o preceituado no art. 7 do C.R.Predial e 344 n. 1, 350, 1305 e 1311 do C.Civil e, 659 do C.P.Civil, de que fez incorrecta interpretação - aplicação;</font></b><br> <b><font>- 18 - Na verdade , não está em causa nos autos, se os Autores são ou não possuidores de uma qualquer , "Sorte do Esporão", diferente daquela que a Ré comprou aos "chamados", e onde foi embargada;</font></b><br> <b><font>- Poderão até os Autores serem donos duma "Sorte do Caminho do Esporão, ou quejanda; o que eles não provaram é ser donos da "Sorte do Esporão", vendida pelos chamados à D; nada tem a ver a Ré contra o facto de os Autores donos da Sorte identificada em A) da especificação, desde que tal prédio não seja o que ela comprou a E e mulher;</font></b><br> <b><font>- 19 - Tal "Sorte do Esporão" encontra-se definitivamente inscrita, na conservatória, a favor da Ré, beneficiando, também ela, de igual presunção legal de registo;</font></b><br> <b><font>- 20 - Só que os Autores alegaram, mas não provaram, que vêm possuindo tal prédio (o comprado pelo D aos chamados) e embargado àquela e muito menos que o venham possuindo, por si e anteriores, há mais de 10, 20 e 30 anos, à vista de todos e sem oposição de ninguém; não provaram a usucapião, ou seja, a sua aquisição originária;</font></b><br> <b><font>- 21 - Ora a usucapião é a base da nossa ordem jurídica. É ela e não o registo, o último e decisivo critério da "realidade"; Por isso, a prova da aquisição originária sobrepõe-se à do registo duma aquisição derivada (Ac. R. Coimbra de 26-04-94, C.J., 1994, 2ª, 34);</font></b><br> <b><font>- 22 - Com a impugnação do reivindicado direito de propriedade invocado pelos Autores, sobre o prédio vendido pelos chamados à Ré, e a não prova da posse pública, pacífica e contínua por mais de 10, 20 e 30 anos, sobre tal prédio, por parte dos autores e antepossuidores, ou seja não provada a usucapião, sobre o mesmo prédio, a favor dos Autores, tal significa - tomada a prova no seu conjunto, como sempre deve acontecer - a ilisão daquela presunção do registo, a que aderiu a Relação;</font></b><br> <b><font>- 23 - Que assim, no referido Acórdão, violou as mencionadas disposições legais, de que fez incorrecta interpretação - aplicação;</font></b><br> <b><font>- 24 - De resto, sempre a Relação deveria aplicar o mesmo critério - da força da presunção legal do registo, a favor do (mesmo) prédio ou Sorte, que se encontra - conforme certificado nos autos, pág. 266 - definitivamente inscrito a favor da D na conservatória; Quanto a este facto, a Relação silenciou-o; doutra forma, concluiu como na 1ª instância;</font></b><br> <b><font>- Os Autores, ofereceram, por seu lado, ao alegar, as seguintes alegações:</font></b><br> <b><font>-1 Ao contrário do que se sugere no Acórdão recorrido, não se encontra apenas provado que a Ré arrancou alguns dos marcos que definiam as extremidades do prédio, mas também que essas extremidades estão bem definidas e são conhecidas de todos (resposta aos quesitos 6 e 7);</font></b><br> <b><font>-2 O direito de propriedade engloba os direitos de uso, fruição e disposição das coisas objecto do direito - art. 1305, do C.C.;</font></b><br> <b><font>-3 Daí que os Autores tenham o direito de exigir que os marcos, que delimitavam a propriedade dos Autores, sejam repostos onde se encontravam antes de serem retirados pela Ré; </font></b><br> <b><font>-4 As conjecturas ou ilações que se fazem no Acórdão recorrido acerca da impossibilidade de se concluir pela existência de prejuízos não passam de conjecturas infundadas, de conclusões ilógicas e incompatíveis com os factos provados, na medida em que não correspondem ao desenvolvimento que o "bónus pater interprete" faria de que se provou;</font></b><br> <b><font>-5 Por essa razão, o S.T.J. tem o poder-dever de censurar essas conjecturas infundadas;</font></b><br> <b><font>-6 Ora, não só se provou que a Ré transformou o terreno (respostas em quesitos 12, 13, 14, 15, 16 e 17), como o prosseguimento das obras, autorizada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-95, permitiu que a D destruísse o prédio, alterasse a sua forma e substância e extraísse o granito existente no mesmo;</font></b><br> <b><font>-7 O entendimento perfilhado pelo Acórdão recorrido de que, a partir da matéria de facto provada, não é possível concluir pela existência de prejuízos, não tem, assim, qualquer sentido, nem justificação;</font></b><br> <b><font>-8 O dano é o de um "sacrifício" com ou sem conteúdo económico consistente "na privação ou diminuição do gozo de bens, materiais ou espirituais ou na sujeição a encargos ou na frustação da aquisição ou acréscimo de valores";</font></b><br> <b><font>-9 Frustação que no caso concreto é por demais evidente quer quando se fez a terraplanagem, já que se alterou e modificou o conteúdo do prédio, transformando-se em algo diverso, quer quando, após a prestação da caução, se passou a extrair riqueza do mesmo: granito;</font></b><br> <b><font>-10 O prejuízo existe, por conseguinte, na medida em que o evento (actuação da D) transformou o prédio retirando-lhe valor;</font></b><br> <b><font>-11 Decidindo da forma como decidiu, o Acórdão recorrido, fez uma errada aplicação dos factos provados ao direito e violou o disposto nos arts. 1305, 483, e 562 do C.C.;</font></b><br> <b><font>- Terminam, pedindo que a decisão recorrida deva ser revogada e, em consequência, condenar-se a Ré na reposição dos marcos que delimitavam o prédio dos Autores e, ainda, no pagamento da indemnização, que se liquidar em execução de sentença, pelos prejuízos causados pelas obras de terraplanagem, escavação e extracção de granito efectuados no mesmo;</font></b><br> <b><font>- Contra-alegou, ainda, a Ré, apontando as seguintes conclusões:</font></b><br> <b><font>- 1. Os pedidos dos Autores, de que a D recoloque os versados marcos e, pague àqueles, uma indemnização por danos causados com as suas aludidas operações na embargada "Sorte do Esporão", se procedesse o 1º e principal pedido da Autora, o da sua reivindicação sobre tal Sorte, é que só poderiam ser apreciados;</font></b><br> <b><font>- 2. Tendo a 1ª instância julgado improcedente este 1º pedido dos Autores, ficaram "prejudicados" aqueles dois restantes;</font></b><br> <b><font>- 3. A 2ª instância, para onde os Autores apelaram, veio a reconhecer que eles eram donos da "Sorte do Caminho velho do Esporão", que identificou como o "Forte do Esporão", vendida pelos "chamados" à D e que esta fez registar, definitivamente, a seu favor - conforme o comprovou nos autos, sem suscitar qualquer reparo da Autora;</font></b><br> <b><font>- 4. Para decidir aquele pedido reivindicativo, em sentido contrário ao da 1ª Instância, a Relação baseia-se no facto da "Sorte do Caminho Velho do Esporão" estar registada a favor dos Autores e de tal registo constituir uma presunção legal;</font></b><br> <b><font>- 5. Só que esqueceu a Relação de usar o mesmo critério legal a respeito da presunção do invocado registo da "embargada", "Sorte do Esporão", a favor da D;</font></b><br> <b><font>- 6. Perante tais registos de sentido contrário, ou se há-de entender que se referem a Sortes Distintas (como o admite a D), ou, caso se aceite que se reportam à mesma "Sorte", há-de ser ultrapassado pelo último e decisivo critério no dominio da "realidade", na nossa ordem jurídica: a usucapião;</font></b><br> <b><font>- 7. Ora os Autores não provaram nenhum dos factos atinentes à usucapião. A prova feita é até, no sentido contrário: que os Autores não têm possuído tal prédio, pública, pacífica e continuamente, há mais de 15 e 20 anos, sem oposição; Quem, o tem possuído, com tais características, por todo esse tempo, foram "os chamados" e respectivos antepossuidores, e, actualmente, a D;</font></b><br> <b><font>- 8. Pelo que sempre resultaria ilidida a presunção do registo a favor dos Autores;</font></b><br> <b><font>- 9. Assim, por uma ou outra via, sempre a Relação do Porto, devia ter confirmado, "in totum", a sentença da 1ª Instância, julgando o 1º pedido (reivindicativo) dos Autores, improcedente, com prejuízo da apreciação dos demais, resultando a acção não provada, absolvendo-se a D de todos os pedidos;</font></b><br> <b><font>- 10. Porém, a Relação julgou procedente aquele 1º pedido dos Autores, mas não os outros dois (relativos à recolocação de marcos e indemnização);</font></b><br> <b><font>- 11. A D recorreu, de tal Acórdão, para o Supremo, por ter decaído quanto àquele pedido principal, e os Autores recorreram, por não terem ganho de causa, quanto aos restantes;</font></b><br> <b><font>- 12. O Supremo Tribunal, deve corrigir o Acórdão da Relação do Porto, na medida em que sem fundamento e ao arrepio da prova, julgou procedente o 1º pedido (reivindicativo) dos Autores continuando a julgar prejudicados os demais, absolvendo, assim, a D de todos os pedidos;</font></b><br> <b><font>- 13. Mas, mesmo julgando procedente, embora mal aquele 1º pedido dos Autores, a Relação não tinha que condenar a D nem a recolocar os aludidos marcos, nem a pagar qualquer indemnização aos Autores, já que não havia matéria de facto assente, que suportasse tais pedidos;</font></b><br> <b><font>- 14. Pelo que, pelo menos neste tocante, não merece reparo, aquele Acórdão da Relação, como pretendem os Autores-recorrentes;</font></b><br> <b><font>- Contra-alegaram, também os Autores, rebatendo a tese do recurso da Ré, e concluindo pela sua improcedência, e consequente confirmação do Acórdão recorrido, quanto à condenação da D a reconhecer que os Autores são donos do prédio reivindicado;</font></b><br> <b><font>- Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:</font></b><br> <b><font>- Em sede de matéria de facto apurada, consta do Acórdão recorrido, o seguinte:</font></b><br> <b><font>- Da especificação:</font></b><br> <b><font>- A) O prédio rústico denominado "Sorte do Mato de Perozelo", ou "Sorte do Caminho Velho do Esporão", sito na freguesia de Perozelo, Penafiel, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1356 e descrito na Cons. Reg. Predial de Penafiel sob o n. 39828, encontra-se definitivamente registado a favor dos Autores em comum e na proporção de 1/2 a favor da 1ª A. olga e de 1/4 para cada um dos 2º e 3 º A.A. - Doc. de fls. 167 a 169, cujo teor se dá por reproduzido;</font></b><br> <b><font>- B) Por ter escritura pública de c/ venda de 09-10-84, E e mulher venderam à Ré D o "prédio rústico denominado" Sorte do Esporão, pinhal e mato, sito no lugar da Quintã do (...) freguesia de Perozelo, descrito na Conservatória Reg. Predial sob o n. 18268 e inscrito na respectiva matriz predial sob o n. 766 (docs. de fls. 30 a 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.</font></b><br> <b><font>- C) Doc. fls. 118 a 123, cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido;</font></b><br> <b><font>- D) Doc. fls. 102 a 117, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font></b><br> <b><font>- Do questionário:</font></b><br> <b><font>- 4) ... E do sul com partilha da freguesia de Cabeça-Santa;</font></b><br> <b><font>- 5) O referido prédio encontra-se delimitado por marcos;</font></b><br> <b><font>- 6) As suas extremas são bem definidas;</font></b><br> <b><font>- 7) ... e são conhecidas de todos;</font></b><br> <br> <b><font>- 12) Em fins de Junho de 1990, a Ré D entrou no prédio referido em A) da especificação;</font></b><br> <b><font>- 13) ... Sem qualquer consentimento prévio ou conhecimento dos Autores e contra a sua vontade;</font></b><br> <b><font>- 14) A Ré D iniciou obras de terraplanagem no prédio referido em A) da, especificação;</font></b><br> <b><font>- 15) Tais obras incidiram sobre quase todo o prédio;</font></b><br> <b><font>- 16) ... E tinham como finalidade ulterior a exploração pela Ré, da pedra existente nesse prédio; </font></b><br> <b><font>- 17) A Ré arrancou alguns marcos que definiam as extremidades dos prédios;</font></b><br> <b><font>- Quanto a tal matéria fáctica, é conforme o esclarecimento do Acórdão recorrido, as respostas aos quesitos 4, 5, 6, 7 e 17, referem-se todas elas ao prédio referido na al. A) da especificação;</font></b><br> <b><font>- O que remete do modo como está elaborado o questionário e da circunstância de nele não houver qualquer referência a outro prédio, senão ao mencionado naquela alínea;</font></b><br> <b><font>- Conhecendo, e quanto ao Recurso da Ré:</font></b><br> <b><font>- Conforme se entendeu, logo, no Acórdão da Relação ficou claro que os Autores não provaram a aquisição do prédio referido em A) da especificação e na medida em que não provaram qualquer dos factos do usucapião, a tal destinados;</font></b><br> <b><font>- Contudo, os Autores, como causa de pedir da aquisição daquela propriedade não se limitaram a invocar essa situação do usucapião;</font></b><br> <b><font>- Com efeito, eles alegaram e provaram que o referido prédio, está definitivamente registado a favor dos A.A.;</font></b><br> <b><font>- Ora, conforme resulta do art. 7 do C.R.Predial, actual, e art. 8 do anterior código "registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e, pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define;</font></b><br> <b><font>- Tratando-se tal presunção, de natureza "tantum juris", ou seja ilidível, susceptível de prova do contrário, portanto;</font></b><br> <b><font>- Nesse sentido, portanto, ocorre toda uma situação de presunção legal, espécie do género consignado no art. 350 do C.C.;</font></b><br> <b><font>- Como resulta, nomeadamente, do ensinamento dos Professores Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., 429, e A. Varela R.L.J., 122, a págs. 217 e 218;</font></b><br> <b><font>- E, entre outros, os Acórdãos deste S.T.J. de 19-07-68, BMJ 179, 170 e, de 17-05-68, 177, 247;</font></b><br> <b><font>- E, acrescenta-se, no dito Acórdão recorrido, que não tendo feito aos Réus a mínima prova que ilidisse aquela presunção, daí que se concluísse que os A.A. são donos do prédio mencionado em A), da especificação; </font></b><br> <b><font>- Entendeu-se, ainda, nesse aresto, que tal presunção de propriedade, já não existe em relação às confrontações, ou área do prédio, ou seja em relação aos elementos da descrição, citando nessa óptica a C.J., 14 n. 224, BMJ; 278, 205;</font></b><br> <b><font>- Ou seja, que a presunção do registo, não abrange a descrição limitando-se ao direito inscrito (C.J., S.T.J., I, 1, 100).</font></b><br> <b><font>- Mencionando-se, ainda, que foi, certamente, com base nestes aspectos, focados em último lugar, que o Mº Juiz, da 1ª Instância, considerando que se não tinham provado as confrontações e, a área, julgou a acção improcedente;</font></b><br> <b><font>- No seu desenvolvimento, tal Acórdão, sob censura, aponta que, com efeito, não se provaram tais confrontações, nem a área do prédio em causa, e que não há presunção quanto a tal;</font></b><br> <b><font>- Assim, e todavia, provaram-se outros factos muito importantes;</font></b><br> <b><font>- Provou-se, em relação ao prédio referido em A), da especificação (aquele em relação ao qual as A.A. beneficiaram da presunção de registos, que ele se encontra delimitado por marcos, estando as suas extremas bem definidas, e são conhecidas por todos;</font></b><br> <b><font>- Portanto, fundamenta o dito Acórdão, embora não se saiba as confrontações do prédio - e confrontações não são mais do que as pessoas titulares dos terrenos circundantes -, nem a sua área, sabe-se, contudo, as suas extremas, que até são bem definidas e conhecidas por todos;</font></b><br> <b><font>-Daí que se tivesse perfilhado nesse Acórdão da Relação, que os A.A. são donos do terreno referido em A), por presunção derivada do registo, tendo este terreno as suas extremas bem definidas e conhecidas de todos;</font></b><br> <b><font>- Aliás, e só porque assim é, só porque as extremas existem e bem definidas, é que foi possível ao colectivo responder aos quesitos 12, 13, 14, 15 e 17, imputando os factos neles apontados como tendo ocorrido, no terreno referido em A), da especificação, mencionou-se na Relação;</font></b><br> <b><font>- E pergunta-se, também, nesse Acórdão, que se não fossem bem conhecidas as extremas como era possível afirmar-se invadido o terreno referido em A)? onde começava e acabava ele?</font></b><br> <b><font>- Só com um terreno certo e bem delimitado (como resulta das respostas aos quesitos 5 a 7), é que é possível afirmar-se que os Réus invadiram, como se faz na resposta a outros quesitos atrás referidos;</font></b><br> <b><font>- Assim, nesse Acórdão, expressa-se, que embora se não possa afirmar a área e confrontações, o que se pode afirmar, com segurança, é que os A.A. são donos do prédio referido em A), estando este com as suas extremas bem demarcadas; </font></b><br> <b><font>- O que tanto basta, no entendimento desse Acórdão para que essa conjugação com as respostas aos demais quesitos se possa afirmar que os Réus invadiram o terreno e, nele praticaram os demais actos provados;</font></b><br> <b><font>- E, portanto, a conclusão de os Réus terem de ser condenados a reconhecer os A.A. como proprietários de um prédio com estas características;</font></b><br> <b><font>- Nos termos do art. 1305 do C.C., o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem;</font></b><br> <b><font>- E pode exigir, por outro lado, judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição da coisa;</font></b><br> <b><font>- Alegaram, ainda os A.A. que a Ré arrancou os marcos que definiam as extremidades do prédio, mas quais foram esses marcos em concreto, quantos foram, e quais os que a Ré tem de repor, foi matéria não apurada;</font></b><br> <b><font>- E era sobre os A.A., que recaía o ónus de tal prova, no âmbito, do art. 342, n. 1 do C.C.;</font></b><br> <b><font>- Contudo, provou-se que a Ré entrou no prédio, nele iniciando obras de terraplanagem, incidindo sobre quase todo o prédio e que tinham como finalidade ulterior, a exploração pela Ré da pedra existente nesse prédio;</font></b><br> <b><font>- Não se provou, porém, que tais obras tenham alterado profundamente a substância e a forma do prédio, nem que este se tenha tornado inapto para os fins económicos a que se destinava anteriormente;</font></b><br> <b><font>- Reportando-se, ainda, o Acórdão recorrido e cuja "inteligibilidade", vimos retratando que o Mº Juiz, da 1ª Instância não deu qualquer resposta limitativa ao quesito 18, onde se perguntava se as obras de escavação e terraplanagem alteravam profundamente a substância e a forma do prédio;</font></b><br> <b><font>- E não o fazendo, não se sabe, sequer, se existiu qualquer alteração do prédio;</font></b><br> <b><font>- Nomeadamente, nem também está provado no que consistia o prédio, o que tinha plantado, antes das escavações e terraplanagem;</font></b><br> <b><font>- Por outro lado, o que consta da referida al. A) não dá qualquer elemento de facto para tal, e mesmo que do teor do registo resultasse a sua utilidade, já que a presunção não abarca tais elementos;</font></b><br> <b><font>- Não se sabendo, pois, a que se destinava o prédio antes das escavações e terraplanagens, e não se provando os demais factos, estima, o dito Acórdão recorrido, que até pode acontecer que o terreno tenha ficado valorizado com tais actos;</font></b><br> <b><font>- E daí que ali se entendesse não haver lugar à indemnização solicitada;</font></b><br> <b><font>- Donde, a decisão de julgamento no sentido de parcial procedência da apelação;</font></b><br> <b><font>- Abordando, ora, as conclusões dos Réus;</font></b><br> <b><font>- Os argumentos veículados por aqueles nas suas alegações, e para impugnar o dito Acórdão, podem e são susceptíveis de "redução" a dois e que são:</font></b><br> <b><font>- A - Os Autores não provaram os factos integradores da aquisição originária do prédio reivindicado, razão pela qual o pedido do reconhecimento da propriedade, não podia ter sido julgado procedente na Relação;</font></b><br> <b><font>- B - A presunção decorrente da inscrição a favor dos A.A., do prédio reivindicativo, na conservatória do Registo Predial, deverá considerar-se ilidida:</font></b><br> <b><font>- Pela certidão de inscrição, a favor da D, que consta a fls 264 do autos;</font></b><br> <b><font>- Pelo facto de os A.A. não terem logrado provar a área do prédio e algumas das confrontações deste;</font></b><br> <b><font>- Contudo e, antes de mais, e como já se definiu no Acórdão, sob censura, importará salientar que foi no prédio, inscrito a favor dos A.A. na conservatória, e não no inscrito a favor da D, que o Tribunal deu como provado que foram iniciadas as obras de terraplanagem, sem o consentimento, e contra a vontade dos Autores;</font></b><br> <b><font>- Com efeito, e como advém inequivocamente, do respondido aos quesitos 5, 6, 7, 12, 13, 15 e 16, que foi no prédio reivindicado e inscrito a favor dos A.A., que a D processou as ditas obras;</font></b><br> <b><font>- Neste contexto, toda a argumentação da D, só teria razão de ser, se se tivesse provado que foi no prédio inscrito a seu favor, que se estavam a realizar tais obras, o que, todavia, não se comprovou;</font></b><br> <b><font>- E, neste contexto, fáctico, é óbvia a falência da dita argumentação;</font></b><br> <b><font>- Assim, e porque não delimitada aquela, nos seus diversos pontos, quer de localização do prédio dos A.A. em outro local, aliás não indicado, quer de mera propriedade "registral" ou "formal" daqueles, quer de não coincidência da área e de confrontações, quer, ainda, de os A.A., terem forjado os dados matriciais, torna-se, evidente, e somente, a matéria apurada pelo colectivo, e alicerçada, nomeadamente, na inspecção ao local, como se vê do despacho sobre a matéria de facto, de fls. 278;</font></b><br> <b><font>- Esclarecida, pois, o pano de fundo fáctico deste processo, passaremos a focar a argumentação jurídica da D;</font></b><br> <b><font>- Assim e quanto à impossibilidade de a acção ser julgada procedente, por não se terem provado os factos integrados da aquisição originária ou de usucapião, não tem razão a recorrente;</font></b><br> <b><font>- Com efeito, e ao invés, a acção "sub-judice" de reivindicação pode apenas ter por fundamento, a presunção decorrente do registo predial;</font></b><br> <b><font>- Nessa óptica, nomeadamente, e entre outros, os Acórdãos deste S.T.J., de 13-04-94, AS, II, 41, da Relação de Lisboa de 14-01-93, C.J., I, 105, da Relação do Porto de 25-05-95, C.J., III 223, e da Relação de Coimbra, de 26-04-94, C.J. II, 34;</font></b><br> <b><font>-Na verdade a acção "sub-judice
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hDL-u4YBgYBz1XKv6HCM
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <br> <font>A., intentou contra a Câmara Municipal acção declarativa com processo ordinário, pedindo seja declarada a aquisição por usucapião, pela autora, do prédio sito na Av. Conselheiro Fernando de Sousa - PCG, freguesia de Campolide, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o nº 2757, condenando-se a Ré a reconhecer a A. como proprietária plena do referido prédio.</font><br> <font>1. A Ré contestou por excepção - alegando a incompetência em razão da matéria do tribunal comum cível - e por impugnação, sustentando a improcedência da acção.</font><br> <font>Inconformada com a decisão de suspensão dos autos - determinada ao abrigo do disposto no art. 279 do CPC - agravou a A., agravo a que o Tribunal da Relação negou provimento; ainda não convencida, recorreu para o STJ que deu provimento ao recurso, determinando, em consequência, que o processo seguisse seus normais termos.</font><br> <font>2. No saneador foi a Ré absolvida da instância, por falta de personalidade judiciária, despacho de que se agravou, com produção de alegações e contra-alegações, nestas se sustentando a confirmação do despacho recorrido.</font><br> <font>A Relação de Lisboa negou provimento ao agravo, confirmando o despacho saneador recorrido.</font><br> <font>Recorrendo deste acórdão, a A. formulou as seguintes conclusões:</font><br> <font>" a) o município é uma pessoa colectiva, a qual tem de ser representada por alguém, por uma pessoa física - e essa pessoa física é o Presidente da Câmara Municipal;</font><br> <font>b) sendo que, mesmo a ter-se por ser a posição assumida no acórdão recorrido a correcta, sendo a citação nos autos do Presidente da Câmara Municipal determinaria a sanação do Município, na pessoa do seu representante, violando nesta parte, o art. 23 do CPC;</font><br> <font>c) sempre sendo as Câmaras Municipais susceptíveis de por si só estarem em juízo, embora desprovidas de personalidade jurídica, sendo a sua capacidade judiciária directamente decorrente das competências que lhe são atribuíveis e da sua condição de corpos administrativos - como tal autonomizáveis, sendo os seus presidentes quem representam os Municípios;</font><br> <font>d) tal decorre, aliás, dos arts. 237, n. 2, 238, 241, n. 1, 250 e 252 da CRP; 51 do DL n. 100/84, de 29 de Março, os quais se revelam violados, a exemplo dos artigos 288, n. 1, al. c) e 493, n. 1, al. c) do CPC".</font><br> <font>Face ao exposto, pede seja revogado o acórdão recorrido, considerando-se a Câmara Municipal com personalidade e capacidade judiciária para ser demandada em juízo.</font><br> <font>As alegações da agravada, porque apresentadas fora do tempo. foram mandadas desentranhar.</font><br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br> <font>1. A personalidade colectiva é uma criação do direito: nasce da protecção jurídica concedida a um interesse colectivo ou a uma pluralidade de interesses colectivos, mediante a faculdade dada à vontade que os prossiga de exercer direitos e contrair obrigações. Porém, como só a vontade é susceptível de manifestar-se e só o pode fazer por via de pessoas singulares, é necessário prever e estatuir para a pessoa colectiva órgãos que exprimam a sua vontade (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed., pag. 203).</font><br> <font>A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais: pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas, e que no continente são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (arts. 235 e 236 da CRP).</font><br> <font>A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão executivo colegial perante ela responsável (art. 239, n. 1, da CRP).</font><br> <font>Os órgãos representativos do município são a assembleia municipal, o órgão deliberativo, e a câmara municipal, seu órgão executivo (arts. 251 a 252).</font><br> <font>2. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (CRP anotada, 3ª ed., pag. 881), as autarquias locais são formas de administração autónoma, e não de administração indirecta: constituem entidades jurídicas próprias, possuem os seus próprios órgãos representativos e prosseguem interesses próprios dos respectivos cidadãos e não interesses do Estado; são pessoas colectivas territoriais, significando esta sua natureza que o território constitui o elemento estruturante da autarquia, pois serve, nomeadamente, de elemento de referência para determinar os sujeitos da pessoa colectiva.</font><br> <font>Elemento essencial da autonomia local - prosseguem aqueles AA. - é a autodirecção mediante órgãos próprios, democraticamente constituídos no âmbito da própria colectividade local.</font><br> <font>Sem mais excursos, podemos, pois, concluir que a câmara municipal é (apenas) um dos órgãos da pessoa colectiva município.</font><br> <font>A questão nuclear suscitada pelo presente recurso traduz-se tão-só em saber se a câmara municipal tem ou não personalidade judiciária.</font><br> <font>A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte, distinguindo-se da capacidade judiciária, que consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo (arts. 5 e 9 do CPC).</font><br> <font>Em princípio, há coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária, prevendo-se, porém, desvios ou excepções a este princípio, havendo casos em que a lei atribui personalidade judiciária a entidades desprovidas de personalidade jurídica (cfr. arts. 6 e 7 do CPC).</font><br> <font>No que ora importa, a orientação do Supremo Tribunal Administrativo vai no sentido de reconhecer às Câmaras Municipais personalidade judiciária, ou, pelo menos, no sentido de reconhecer que parte em litígio pode ser, indiferentemente, o órgão (câmara municipal) ou o ente colectivo (município).</font><br> <font>1. Assim, no acórdão do STA de 29-11-88 (in Ap. DR de 23-9-94) julgou-se ser indiferente, se a lei não dispuser expressamente o contrário, que no polo activo ou passivo da relação processual apareça o ente ou o seu órgão executivo, estando em causa a defesa judicial de direitos e interesses das autarquias.</font><br> <font>No mesmo sentido muitas outras decisões do referido Tribunal, podendo citar-se, a título de exemplo, os acórdãos de 9-5-95 (Proc. n. 37065), 2-7-96 (Proc. n. 39846) e 22-1-97 (Proc. n. 38061), que, por sua vez, procedem a outras remissões.</font><br> <font>Muito em síntese, e fundamentalmente, diz-se que a câmara, como órgão que é do município, integra-se nele, manifestando ou sendo a própria vontade do ente colectivo; os actos praticados pelo órgão são imputados ao ente colectivo, ou seja, "o órgão, ao actuar, é o próprio ente colectivo agindo" (cit Acórdão de 9-5-95).</font><br> <font>Neles também se refuta a tese que pretende estribar-se na norma do art. 53, n. 2, al. e), do DL n. 100/84, de 29 de Março (redacção da Lei n. 18/91, de 16 de Junho) - que defere ao presidente da câmara a representação, em juízo ou fora dele, do ente colectivo município - dizendo-se ser questão diferente da que aqui interessa abordar.</font><br> <font>Essa competência do presidente nada tem a ver com a competência da câmara, enquanto órgão do município.</font><br> <font>"Neste plano, ou seja, no âmbito dos actos praticados pelos órgãos, tudo se passa como se fosse o próprio ente colectivo (o município) a agir, pelo que parte em litígio dele resultante tanto pode ser, como se disse, o órgão (câmara municipal) como o ente colectivo (município). Já a representação deste é que é assegurada pelo presidente da câmara municipal" (acórdão cit. de 9-5-95).</font><br> <font>E no acórdão de 22-1-97 ponderou-se que o "papel atribuído ao Presidente da Câmara de representar o município (entidade dotada de personalidade jurídica) e o de instaurar pleitos e se defender neles, só pode significar que o Presidente da Câmara além de representar em juízo uma entidade dotada de personalidade jurídica, pode, também, representar o órgão executivo Câmara, defendendo-se, como é o caso de pleitos intentados contra a Câmara, o que, ao fim e ao cabo, significa que o Presidente da Câmara para além de representar a pessoa jurídica Município, pode estar em juízo para defender o órgão executivo (Câmara), conferindo-se, deste modo, a esta última "personalidade judiciária".</font><br> <font>2. Sendo esta a jurisprudência do STA, importa dizer que vai também no mesmo sentido, ou próximo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como flui, nomeadamente, dos acórdãos de 9-1-90 (BMJ n. 393, pag. 459), 3-10-91 (BMJ n. 410, pag. 684), 28-5-92 (BMJ n. 417, pag. 630), 21-11-96 (Proc. n. 381/97, 2ª Secção), 12-12-96 (Proc. n. 806/96, 2ª Secção), 22-1-97 (Proc. n. 713/96, 2ª Secção).</font><br> <font>Deles se extraem alguns passos significativos:</font><br> <font>- "A Câmara Municipal pode ser demandada em nome do Município, pois, não tendo personalidade jurídica, possui personalidade judiciária" (Ac. de 3-10-91);</font><br> <font>- "Câmara Municipal ou Município são designações da mesma entidade, pessoa colectiva. Processualmente, a capacidade judiciária cabe à Câmara; a representação, ao presidente" (Ac. de 28-5-92);</font><br> <font>- "Demandada a Câmara Municipal em vez do Município, não existe ilegitimidade processual daquela - o máximo que haverá é uma incorrecção técnica irrelevante por falta de uso de uma expressão mais completa" (Ac. de 21-11-96);</font><br> <font>- "Como órgão executivo colegial do município, a câmara municipal não é mais do que o município em movimento. Agindo aquele órgão é o próprio município que age. Daí que se faça referência à câmara municipal para designar o município; é tradicional nos usos da linguagem, mesmo jurídica, designar uma entidade pelo seu órgão principal, sendo que o órgão principal, do município é a câmara municipal" (Ac. de 12-12-96).</font><br> <font>- Não terminaremos sem uma referência, dados os termos tão elucidativos, ao acórdão da Relação de Coimbra de 3-5-88 (Agravo n. 38/88), que sobre a matéria assim discorre: onde e quando age o órgão, age a pessoa colectiva, não sendo incorrecto aceitar-se, nestes termos, a personalização jurídica do órgão. O que acontece é que quando a lei atribui uma tal competência à Câmara Municipal está necessariamente a reconhecer-lhe personalidade judiciária".</font><br> <font>- 3. Compreensivelmente, atentas as suas datas, muitas das decisões citadas não deixaram de abordar a temática em causa tendo em conta as alterações introduzidas pela referida Lei n. 18/91, nomeadamente face à eliminação da norma que reconhecia às câmaras competência para instaurar pleitos e defender-se deles, ponderando que "tal facto se destinou apenas a deslocar a competência para o presidente, que mais não é do que um titular ou suporte da câmara municipal" (Ac. cit. de 12-12-96).</font><br> <font>- A este propósito, António Cândido de Oliveira ("Direito das Autarquias Locais", Coimbra, 1993, págs 306 e ss.) considera que o facto de a representação em juízo ter passado para o presidente da câmara, delegação tacitamente já delegada pelo regime em vigor antes das alterações introduzidas pela Lei n. 18/91, representa, no fundo, um progressivo reforço dos poderes presidenciais e temos hoje um Câmara Municipal cujo centro de gravidade se deslocou para o Presidente da Câmara.</font><br> <br> <font>Termos em que se decide dar provimento ao agravo, revogando o acórdão recorrido.</font><br> <font>A agravada está isenta de custas.</font><br> <font>Lisboa, 23 de Abril de 1998.</font><br> <font>Ferreira Ramos,</font><br> <font>Aragão Seia, </font><br> <font>Lopes Pinto. </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font></b><br> <br> <b><font>- "A - Comércio e Indústria de Artigos para o Lar, Lda". veio por apenso a execução para pagamento de quantia certa que lhe move o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, deduzir embargos de executado, alegando, em síntese, o seguinte:</font></b><br> <b><font>- É certo que a gerência da executada subscreveu a letra dada à execução e assinada pela "B - Comércio e Importação de Molduras e Decoração, Lda.", mas também o é que tal assinatura não vinculou a executada, por se tratar de uma letra de favor;</font></b><br> <b><font>- Não há qualquer relação jurídica subjacente e o Banco exequente sabe disso bem;</font></b><br> <b><font>- A letra foi emitida por exigência do Banco exequente, como garantia de financiamento a conceder à B;</font></b><br> <b><font>- Foi, aliás, o próprio Banco quem indicou à B, essa prova de garantia;</font></b><br> <b><font>- Os embargos foram recebidos e o BESCL apresentou a sua contestação impugnando os factos articulados pelo embargante;</font></b><br> <b><font>- Considerando poder proferir decisão no despacho saneador por não conterem os autos matéria de facto controvertida com interesse para a decisão, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes, absolvendo o embargado do respectivo pedido;</font></b><br> <b><font>- Inconformada, a embargante interpôs recurso de apelação do despacho saneador-sentença que indeferiu os embargos e de agravo do despacho que recaiu sobre o apoio judiciário, e no qual se optou pela modalidade de dispensa de preparo e do prévio pagamento das custas, não se abrangendo, contudo, o pagamento de custas afinal, por se entender que nada justifica tal dispensa em termos de apoio judiciário;</font></b><br> <b><font>- E sendo certo que esse pagamento não condiciona a prática de qualquer acto no processo;</font></b><br> <b><font>- No Tribunal da Relação de Lisboa, conhecendo-se esses recursos, e quanto ao agravo, decidiu-se pela revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro, que conceda o apoio judiciário, na modalidade requerida;</font></b><br> <b><font>- Relativamente, porém, à apelação, julgou-se tal recurso improcedente, confirmando-se integralmente o saneador-sentença;</font></b><br> <b><font>- De novo, recorreu a embargante, na parte em que se julgou improcedente a apelação, via essa que constitui a actual revista, para este S.T.J;</font></b><br> <b><font>- Alegando para o efeito, a Recorrente, formulou as seguintes conclusões;</font></b><br> <b><font>I - A subscrição da letra dada à execução é de favor;</font></b><br> <b><font>II - Embora apondo a assinatura na letra a Recorrente jamais tinha a intenção de vir a pagá-la.</font></b><br> <b><font>III - O Acórdão recorrido não pode dar como assente que o Banco não é parte na convenção de favor;</font></b><br> <b><font>IV - O Acórdão recorrido não pode, tomando em consideração que o Banco não é parte na convenção, decidir não existir matéria de facto controvertida;</font></b><br> <b><font>V - A verdade é que na fase de saneador estavamos perante matéria de facto controvertida pelo que o processo não continha todos os elementos para uma decisão segura e conscienciosa;</font></b><br> <b><font>VI - Pelo que o Acórdão recorrido violou o disposto no art. 510, n. 1 c) do C.P.C;</font></b><br> <b><font>VII - À Recorrente cabia provar a participação do Banco na convenção de favor;</font></b><br> <b><font>VIII - E, provada a participação do Banco no acordo a Recorrente estava penibilitada de opor ao Banco a subscrição de favor;</font></b><br> <b><font>IX - Neste sentido decidiram, o S.T.J. no Acórdão de 15-1-92, B.M.J. 413, 503 Relação do Porto no Acórdão de 12-1-88, Col. Jur.1988 1, 185, e Professor Vaz Serra, em anotação ao Acórdão de 5-4-79, Rev. Leg. Jur, 112, 1979 - 1980, página 297;</font></b><br> <b><font>X - Pelo que o Acórdão recorrido fez errada apreciação do art. 17 de LULL, tendo resultado violado este dispositivo legal;</font></b><br> <b><font>XI - A Recorrente enquanto sociedade comercial não tem capacidade legal para efectuar a subscrição de favor, sendo o acto nulo, art. 6, n. 3 do C.S.C.;</font></b><br> <b><font>- consequentemente não ficou a sociedade vinculada por esse acto, conforme art. 260, n. 1, in fine no C.S.C;</font></b><br> <b><font>XII - O Acórdão recorrido confundiu o problema de falta de capacidade legal com o da prática do acto fora do objecto social;</font></b><br> <b><font>- E por isso fez incorrecta apreciação dos arts. 6, n. 3 e 260, n. 1, citados, tendo resultado violadas essas normas;</font></b><br> <b><font>XIII - O Banco ao participar na convenção de favor sabia que a Recorrente não tencionava vir a pagar o montante da mesma;</font></b><br> <b><font>- ora se o Banco tencionava vir a chamar a Recorrente à responsabilidade agiu com a intenção de a prejudicar, ou seja, em detrimento desta;</font></b><br> <b><font>XIV - Não estamos perante uma questão nova, pois sobressai de todo o articulado da petição de embargos a má fé do recorrido;</font></b><br> <b><font>- termina, no sentido da revogação do Acórdão recorrido e, sua substituição por outro, que ordene a produção da prova, com os demais termos processuais;</font></b><br> <b><font>- O Recorrido não contra-alegou;</font></b><br> <b><font>- Colhidos os vistos, cumpre decidir:</font></b><br> <b><font>- Nas instâncias ficaram provados, os seguintes factos:</font></b><br> <b><font>1 - A ora embargante figura como sacada na letra de câmbio que serve de fundamento à execução embargada, letra que subscreveu no lugar destinado ao aceite;</font></b><br> <b><font>2 - Na referida letra de câmbio figura como sacadora e endossante a sociedade B, Lda.;</font></b><br> <b><font>3 - É portadora da referida letra o ora embargado BESCL;</font></b><br> <b><font> - Apreciando:</font></b><br> <b><font>- como tem vindo a ser genericamente entendido, são as conclusões das alegações do Recorrente, que delimitam, em princípio, o âmbito e o objecto do recurso, e no quadro dos arts. 684 ns. 3 e 4, e 690 n. 1, do C.P.C.</font></b><br> <b><font>Nesse sentido, nomeadamente e entre outros, os actos deste S.T.J. de 16-10-86 B.N.J. 360, 534, e da Relação de Lisboa de 20-4-89, Col. Jur. 1989 2º, 143;</font></b><br> <b><font>- Assim como, já também o Professor A. dos Reis , C.P.C., Anotado, 5, 308, 309 e 363 e, Castro Mendes, Direito Processual Civil, 3, 65, e ainda o Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao C.P.C., 3º, 286 e 299;</font></b><br> <b><font>- Assim, e como aliás se expressou no próprio requerimento de interposição de fls. 119, a atinente à da apelação, para a Relação;</font></b><br> <b><font>- Com efeito a primitiva, é referente ao agravo está ultrapassada, até pelo provimento deste na dita Relação:</font></b><br> <b><font>- Ora, a questão comercial, que a Recorrente mostra é a de que na letra dada à execução, embora sacada pela gerência da executada, a assinatura não violou esta, por se tratar de uma letra de favor:</font></b><br> <b><font>- Todavia e como bem salienta, no Acórdão recorrido a subscrição de favor aparece e caracteriza-se, por dois aspectos;</font></b><br> <b><font>- Assim, e num deles, o subscritor não tem a intenção de vir a desembolsar o montante da letra;</font></b><br> <b><font>- Ou seja apondo nela a sua assinatura, ele quer somente facilitar, para garantir que esta representa, a circulação do título;</font></b><br> <b><font>- Porém, ele não deixará de agir com a consciência de ficar em virtude da subscrição, obrigado, cambiariamente;</font></b><br> <b><font>- Por outro, subjacente à obrigação cambiária assumida pelo favorecente, não se encontra uma relação jurídica fundamental estabelecida entre ele e o favorecido, além da que resulta da própria convenção de favor:</font></b><br> <b><font>- Ou seja, o favorecente torna-se obrigado somente, pelo "favor" e, não porque já o fosse em virtude de outra relação extra-cartular;</font></b><br> <b><font>- ou por outras palavras, a subscrição foi feita por uma causa, o próprio favor:</font></b><br> <b><font>- Foi, pois, na execução da convenção extra-cartular de favor que o favorecente emitiu a sua declaração cambiária:</font></b><br> <b><font>- De modo que a questão que se coloca, é a de se saber, se o subscritor de favor, poderá alegar que subscreveu, apenas, por mero favor, e sem qualquer intenção de a saldar, perante um portador que lhe venha exigir o pagamento?</font></b><br> <b><font>- Entendemos como no Acórdão sob censura, que o favorecente não pode opor ao portador a excepção de favor:</font></b><br> <b><font>- Encontrando-se o fundamento para essa posição, no princípio da abstracção da obrigação cambiária; </font></b><br> <b><font>- Ou seja, o favorecente subscreveu a letra não pensando vir a pagá-la, mas terá de o fazer:</font></b><br> <b><font>- Exactamente, porque a obrigação cambiária tem a característica da abstracção, isto é, é independente da causa, que ficou fixada numa convenção cartular, no caso, a convenção de favor:</font></b><br> <b><font>- De resto, e como ensina o Professor Férrer Correia, lições de Direito Comercial, página 48 e seguintes, o subscritor, de favor, em regra, não deixará de actuar, com a consciência de ficar cambiariamente vinculado;</font></b><br> <b><font>- E o que, inequivocamente, é de aceitar, como a solução correcta, para as situações análogas às deste processo;</font></b><br> <b><font>- A Recorrente, pretende, que a acção não podia ter sido decidida no saneador, uma vez que o processo não continha todos os elementos para uma decisão conscienciosa;</font></b><br> <b><font>- Existindo matéria controvertida, o Mº Juiz "a quo", afirma a Recorrente, não podia sustentar que o Banco não é, com segurança, parte em convenção de favor:</font></b><br> <b><font>- Contudo e como, já se entendeu, na Relação, outrossim comungamos dessa posição:</font></b><br> <b><font>- Com efeito, o que sucedeu, na prática é que a "B" necessitou de uma determinada importância e para a obter, dirigiu-se ao BESCL, tendo este acedido em conceder-lhe a mesma;</font></b><br> <b><font>- Contudo, o Banco exigiu, que para além da firma interessada, ficasse a constar do título uma outra firma;</font></b><br> <b><font>- A B conseguiu que a, ora, Recorrente se prestasse a assinar a letra, o que a entidade bancária, aceitou;</font></b><br> <b><font>- Nestes termos, surgiu, uma obrigação cambiária de favor, em que a favorecida de favor, é a "B" e favorecente a Recorrente;</font></b><br> <b><font>- Neste contexto, na convenção de favor em apreço, somente têm participação as duas sociedades, sendo o Banco alheio à mesma, ainda que porventura tivesse sugerido a favorecente;</font></b><br> <b><font>- Com efeito e ainda que exista o facto de o Banco ter exigido a subscrição de favor, e ter concordado, que esta fosse feita pela Embargante, isso não implica que aquele tenha tido participação no acordo de favor;</font></b><br> <b><font>- Assim, o Banco não é parte na convenção e daí que inexista a matéria de facto controvertida, aludida pela Recorrente;</font></b><br> <b><font>- Como já se frisou, também o favorecente não pode opor ao portador à excepção de favor, pois com efeito apenas a pode opor ao favorecido;</font></b><br> <b><font>- Na verdade, a relação entre o favorecente e o favorecido é uma relação de garantia;</font></b><br> <b><font>- O favorecente subscreveu a letra, precisamente para garantir a obrigação do favorecido, perante e em face do portador do título;</font></b><br> <b><font>- Por isso, não pode o favorecido invocar o direito emergente da letra contra o firmante de favor;</font></b><br> <b><font>- Nesse sentido se tendo outrossim, pronunciado o aludido Professor Fêrrer Correia, na citada obra;</font></b><br> <b><font>- De resto, e quanto à existência eventual, de matéria controvertida, e tendo as Instâncias entendido que a não há, tratava-se de questão conexa com erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa;</font></b><br> <b><font>- E tal erro, em princípio, não pode ser objecto do presente recurso de revista no quadro do disposto no art. 722, n. 2, do C.P.C.;</font></b><br> <b><font>- Com efeito a regra segundo a qual o S.T.J. apenas controla a decisão de direito e não reexamina a decisão de facto está expressamente consignada no art. 29 da Lei 38/87 de 23/12, ao prescrever que "fora dos casos previstos na lei, o S.T.J. apenas conhece de matéria de direito;</font></b><br> <b><font>- Nesse sentido, também, e entre outros, o Ac. do S.T.J. de 10-4-84, B.M.J. 336, 372, assim como, já, os Professores A. dos Reis, C.P.C., Anotado, IV, 537 e, A. Varela, R.L.J. 125, 301 e seguintes, em anotação a Ac. deste S.T.J. de 20.05.86; </font></b><br> <b><font>- com efeito, essa reexaminação, só se tornaria possível na verificação do pressuposto de excepção consignado naquele n. 2, do art. 722, ou seja, se tivesse havido ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado de prova;</font></b><br> <b><font>- E no caso em análise, é notório que não se verifica qualquer dessas situações;</font></b><br> <b><font>- Daí que a matéria fáctia entendida pelas Instâncias se tenha de considerar fixada;</font></b><br> <b><font>- Acrescendo, ainda, que a "inteligibilidade" decisória das decisões proferidas nas Instâncias, não merece qualquer censura;</font></b><br> <b><font>- Com efeito, na situação em apreço o Banco restringiu-se e limitou-se a exigir a garantia como condição para o financiamento a conceder à sacadora "B";</font></b><br> <b><font>- E esta atitude, em si mesma, não pode ser entendida como procedimento em detrimento do favorecente;</font></b><br> <b><font>- O que apenas sucederia em situação de o Banco agravado ter adquirido a letra, por forma a que, conscientemente, virasse esse detrimento;</font></b><br> <b><font>- O que, manifestamente, não ocorre, nem poderá estar em causa;</font></b><br> <b><font>- E daí a não integração do art. 17, da L.U.L.L.;</font></b><br> <b><font>- De resto, a afirmação de que o Banco estaria a agir com a intenção de prejudicar a Recorrente, não foi produzida na petição de embargos, não sendo, pois exacto aquela vir, posteriormente, e nas alegações de recurso operar tal convenção;</font></b><br> <b><font>- Em qualquer circunstância, porém, é evidente que não se recorta a invocada, má fé, do Banco, nomeadamente, no prisma invocado pela Recorrente de o Banco saber que aquela ao aceitar a letra tencionava vir a pagar o respectivo montante;</font></b><br> <b><font>- Como prejudicado, por igual modo se encontra o questão, de que o Banco participou e, foi parte na convenção, e como se explanou;</font></b><br> <b><font>- Por outro lado, pretende ainda a Recorrente, ter havido violação dos arts. 6, n. 3 e 2, 60 n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, e na medida em que a Recorrente não tinha capacidade para a prática do acto, e sendo, portanto, este nulo, a sociedade não podia ficar vinculada;</font></b><br> <b><font>- Todavia, tem sido entendimento comum, que o acto praticado, ainda que alheio ao objecto social, deve ter-se como válido e eficaz, porém e quando o terceiro se encontrava de boa fé;</font></b><br> <b><font>- Com efeito, cumpria à administração fiscalisal e saber se o acto, estava ou não abrangido no objecto social;</font></b><br> <b><font>- E os terceiros que com ela contratam podem confiar em que assim é;</font></b><br> <b><font>- Assim, mesmo que o acto seja estranho ao dito objecto, não deixa, por isso, de ser eficaz em relação aos terceiros;</font></b><br> <b><font>- Ainda que a administração responda perante a sociedade por uma eventual violação do objecto ou fim social;</font></b><br> <b><font>- Nessa expressão o Professor Vaz Serra, citado pelo Dr. Abílio Neto, no C.S.C., Anotado;</font></b><br> <b><font>- Daí, que também, aqui só soçobre a invocação da Recorrente;</font></b><br> <b><font>- O que sucede, nos autos, é que atenta a natureza do título executivo em causa , e o seu regime jurídico, existiam os elementos necessários e atinentes ao conhecimento no saneador;</font></b><br> <b><font>- Nomeadamente, porque, o aceite de favor não iliba a sociedade aceitante do seu pagamento ao legítimo portador;</font></b><br> <b><font>- E também, porque, concretamente, não foram alegados factos que porventura integrassem uma situação de procedimento, consciente, do Banco, em detrimento da Recorrente;</font></b><br> <b><font>- Improcedem, pois as conclusões da Recorrente;</font></b><br> <b><font>- Não se verifica, a violação, assim, das disposições legais inseridos naquelas;</font></b><br> <b><font>- Nestes termos, não merece censura, o douto Acórdão recorrido;</font></b><br> <br> <b><font>- Pelo exposto, e nessa improcedência, nega-se a revista.</font></b><br> <b><font>- Custas pela Requerente.</font></b><br> <b><font>Lisboa, 23 de Abril de 1998.</font></b><br> <b><font>Lemos Triunfante,</font></b><br> <b><font>Torres Paulo,</font></b><br> <b><font>Aragão Seia.</font></b></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <p><font>I - "A" intentou acção de divórcio litigioso contra B, alegando que se encontram separados de facto há mais de quatro anos.</font> </p><p><font>Contestando, a ré sustentou que o autor a agrediu, humilhou e hostilizou, tendo saído de casa para salvaguarda da sua integridade física e moral. Em reconvenção pede a dissolução do casamento por culpa exclusiva do autor. </font> </p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção e da reconvenção, decretando o divórcio com culpa de ambos os cônjuges, sendo o autor o principal culpado.</font> </p><p><font>Apelou o autor.</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação alterou a sentença e julgou improcedente o pedido reconvencional, fixando a culpa em partes iguais.</font> </p><p><font>Inconformados, recorrem autor e ré para este Tribunal.</font> </p><p><font>O autor formula as seguintes conclusões:</font><br> <font>- O acórdão recorrido julgou improcedente o pedido reconvencional e mantendo o divórcio com base no fundamento autónomo da separação de facto, fixou a culpa dos cônjuges na produção do divórcio em partes iguais;</font><br> <font>- Deveria, pois, ter-se fixado, no acórdão, que os efeitos do divórcio se retroagiam à primeira quinzena de Setembro de 1994, data da cessação da coabitação;</font><br> <font>- Nestas condições (culpas iguais) não haverá que proteger qualquer um dos cônjuges, pois, não sendo nenhum deles inocente, ou menos culpado, nenhuma vantagem ou desvantagem/sanção lhes poderá ser acometida em termos patrimoniais;</font><br> <font>- Isto é, em termos patrimoniais, uma conculpa de 50% equivale, no fundo, a uma não culpa dos cônjuges;</font><br> <br> <font>- Assim sendo, e porque o Tribunal da Relação não conheceu desta matéria, ou seja, não fixou os efeitos do divórcio à data da cessação da coabitação, o acórdão recorrido pecou por manifesta nulidade, por omissão;</font><br> <font>- Foram assim violados os dispositivos legais previstos nos artigos 668º nº 1, alínea d) do CPC e 1789º nº 2 do CC.</font> </p><p><font>A ré conclui da seguinte forma:</font><br> <font>- Está plenamente justificada a razão da saída da ré-reconvinte do lar conjugal porquanto, estando em tratamento a uma situação depressiva e foi aconselhada pelo médico a separar-se do autor, sob pena de os tratamentos ministrados não terem sucesso, como consta da resposta dada ao quesito 10º;</font><br> <font>- A justificação impõe-se na própria resposta, afastando a existência de qualquer culpa por parte da ré-reconvinte;</font><br> <font>- Tinha esta, não só os direitos constitucionalmente garantidos à vida, à integridade física, à saúde (artigos 24º, 25º e 64º da CRP) mas mesmo o dever de defender e promover a saúde (artigo 64º nº 1), desde logo a sua própria saúde;</font><br> <font>- Não foi demonstrado que a ré-reconvinte tivera quaisquer comportamentos que permitiriam concluir ser ela a culpada dessa separação, nem tal culpa se pode concluir só porque saiu do lar conjugal, conforme jurisprudência pacífica, nem foi demonstrado sequer que a ré não quisesse reatar a vida conjugal, post-tratamento;</font><br> <font>- Quanto às origens da doença (depressão) decerto que os comportamentos do autor que se mostram nas respostas aos quesitos 3º, 4º, 6º, 11º e 14º contribuíram, à luz da experiência comum, se não para o seu surgimento, pelo menos para o seu agravamento ou impedimento de cura, como implicitamente se pode deduzir do conselho médico;</font><br> <font>- Não foi alegada, nem provada, qualquer factualidade que permitisse imputar à ré a origem e génese da sua doença, pelo que só pode concluir-se que estava justificada a separação, sem qualquer culpa da ré;</font><br> <font>- Tendo o Tribunal a quo dúvidas ou questões, relativas à origem ou causa da doença, poderia ter ordenado a renovação dos meios de prova, nos termos do artigo 712º nº 3 do CPC (não podia era alterar a decisão que vinha da 1ª instância, por não se verificar a situação contemplada na alínea a) do nº 1 desse artigo 712º);</font><br> <font>- A infidelidade moral e o adultério do autor, decorrente de factos provados (alínea a) da especificação, quesitos 15º e 16º) não podem ser analisados à luz dos princípios e da moral social, como afirma o acórdão revidendo, mas sim segundo um juízo de censura jurídica, considerando a relevância dos factos cometidos em relação à crise do casal;</font><br> <font>- Ou seja, analisando o impacto e consequências no outro cônjuge e na crise conjugal;</font><br> <br> <font>- A ré encontrava-se ao tempo em tratamento, separada do cônjuge por imposição médica e só este tinha o propósito de não restabelecer relações conjugais, pelo que não têm qualquer fundamentos em factos provados, mas em conjecturas as asserções da decisão em apreço;</font><br> <font>- Estando os cônjuges obrigados aos deveres consignados no artigo 1672º do CC, foi o autor que violou e gravemente esses deveres (tanto mais que não foi alegado ou provado que a ré tivesse violado o dever de fidelidade ou, mesmo estando em tratamento, se recusasse a ter intimidade com o autor, com o débito conjugal);</font><br> <font>- Porque os elementos fornecidos pelo processo não impunham decisão diversa da 1ª instância, nem continham todos os elementos de prova que serviram de base a essa fixação ora feita, não podia a decisão ser alterada;</font><br> <font>- Não tendo a ré-reconvinte concorrido, para a sua crise matrimonial (ou de forma muito diminuta tendo-se presente que estava doente e em tratamento) não podia concluir-se pela culpa, por igual, de ambos os cônjuges;</font><br> <font>- O acórdão sub-judice violou os artigos 24º, 25º e 64º da Constituição da República, os artigos 1672º, 1779º e 1787º do CC e também o artigo 712º nº 1 do CPC;</font><br> <font>- Na verdade, os factos provados e a sua subsunção aos normativos legais impunham, que fosse decretado o divórcio, mas com culpa exclusiva ou principal do cônjuge marido, como foi decidido na instância antecedente;</font><br> <font>- Divórcio que, decretado, deverá produzir os seus efeitos conforme consignado no artigo 1789º nº 1 do CC.</font> </p><p><font>Contra-alegando, o autor mantém suas posições.</font> </p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font> </p><p> </p><p><font>II - Vem dado como provado:</font> </p><p><font>O autor e a ré contraíram casamento, entre ambos, no dia 16.04.88;</font> </p><p><font>Deste matrimónio não existem filhos;</font> </p><p><font>No dia 30.07.97, nasceu C;</font> </p><p><font>A coabitação dos cônjuges cessou em data indeterminada da 1ª quinzena do mês de Setembro de 1994, tendo a ré deixado de habitar na casa de morada do casal na Av. .... e passando a viver na Praceta ..., na mesma cidade;</font> </p><p><font>Desde então nunca mais conviveram, até hoje, como marido e mulher, mantendo o autor o propósito de não restabelecer relações conjugais com a ré;</font> </p><p><font>O autor vigiava e controlava as chamadas telefónicas da ré, tendo até colocado um cadeado no telefone instalado na residência do casal;</font> </p><p><font>O autor era exageradamente repetitivo nas conversas que mantinha com a ré;</font> </p><p><font>A ré entrou em situação depressiva e foi aconselhada pelo médico a separar-se do autor, sob pena de os tratamentos ministrados não terem sucesso, indo viver para uma casa arrendada, onde teve o apoio da sogra de uma das suas filhas;</font> </p><p><font>A ré era doméstica e estava desempregada;</font> </p><p><font>O autor, após a separação do casal, foi visto com outras mulheres, mantendo uma relação amorosa com D, no ano de 1996, que acabou nesse mesmo ano;</font> </p><p><font>Em data não apurada, entre 15.09.94 e Novembro de 96, a ré deslocou-se à casa onde residia o autor, e apelidou-o de ladrão e vigarista, na presença da filha deste e da empregada doméstica.</font> </p><p><font>III - O autor, invocando a separação de facto por mais de três anos, pediu fosse decretado o divórcio e igual pedido formulou a ré em reconvenção, sustentando que o autor foi o único culpado.</font> </p><p><font>No acórdão recorrido (que alterou a decisão da 1ª instância) foi julgada improcedente a reconvenção e procedente a acção, considerando-se que existiu culpa em partes iguais.</font> </p><p><font>Recorrem autor e ré.</font> </p><p><font>Aceitando as partes o divórcio, a questão a resolver centraliza-se no problema de saber se existiu culpa de ambos os cônjuges e em caso afirmativo qual a percentagem de culpa de cada um deles e consequências daí resultantes.</font> </p><p><font>Vejamos em primeiro lugar o recurso do autor.</font> </p><p><font>O recorrente marido defende que tendo no acórdão em análise sido fixadas culpas iguais, isso equivale a uma não culpa de qualquer um dos cônjuges. Deveria por isso ter-se fixado que os efeitos do divórcio se retroagiam à data da cessação da coabitação. A decisão é assim nula por omissão.</font> </p><p><font>A sentença é nula quando, além do mais, o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (artigo 668º, alínea d) do C. Processo Civil).</font> </p><p><font>Estipulação que é de articular com o artigo 660º do referido Código, onde se determina que o Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.</font> </p><p><font>É jurisprudência firme que só a falta de apreciação das questões está abrangida pela referida nulidade. Não há omissão de pronuncia se o Juiz não analisar as considerações, os fundamentos, os argumentos, as razões, os juízos de valor ou opiniões doutrinais formuladas pelas partes.</font> </p><p><font>A considerar também que não ocorre a mencionada nulidade quando não se conheça de questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.</font> </p><p><font>O dever imposto pelo nº 2 do artigo 660º significa, no que toca à omissão de pronúncia, que é forçoso apreciar os dados essencialmente relevantes para encontrar a justa solução para os problemas relevantes.</font> </p><p><font>Escreveu, a propósito, o Prof. Alberto Reis - "Código Processo Civil Anotado", V, pág. 143: "O que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas (partes) se apoiam para sustentar a sua pretensão".</font> </p><p><font>Em concreto, na tese do recorrente, o acórdão é nulo por não ter fixado que os efeitos do divórcio se retroagiam à data de cessação da coabitação.</font> </p><p><font>Não tem razão.</font> </p><p><font>O artigo 1789º nº 2 do C. Civil, procurando proteger o cônjuge inocente ou que não seja principal culpado, permite que este formule no decurso do processo, pedido de retroacção dos efeitos do divórcio. Pedido esse que poderá mesmo ser feito após o trânsito em julgado da sentença, se não for formulado antes.</font> </p><p><font>A sentença fixará a data "em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro", como determina o referido artigo.</font> </p><p><font>Ora, na decisão impugnada fixou-se a culpa em partes iguais. Decorre daí que os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, retroagindo-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos do artigo 1789º nº 1 do C. Civil.</font> </p><p><font>Não existindo culpa exclusiva ou predominante da ré, não pode o recorrente marido usar da faculdade concedida pelo nº 2 do referido artigo.</font> </p><p><font>A circunstância de existir culpa de ambos os cônjuges, não equivale à ausência de culpa.</font> </p><p><font>Da mesma forma que a compensação ou reciprocidade de culpas não é extintiva do direito ao divórcio - "Causas de Divórcio" - Desembargador Ferreira Pinto, 1980, págs. 31/33.</font> </p><p><font>Sendo assim não há qualquer nulidade, já que não existiu qualquer omissão. Os efeitos, aliás, decorrem directamente da lei, atenta a percentagem de culpa que foi fixada.</font> </p><p><font>Há assim que analisar a revista da ré recorrente.</font> </p><p><font>Em causa unicamente a problemática da culpa.</font> </p><p><font>O autor marido intentou a acção com base na mera separação de facto, independente da causa que a originou.</font> </p><p><font>Socorreu-se assim da separação como fundamento autónomo de divórcio e não da separação de facto intencional, com intenção de por fim à comunhão conjugal e que por esse motivo poderá constituir uma violação ao dever de coabitação e servir de fundamento ao divórcio (artigo 1779º nº 1 do C. Civil).</font> </p><p><font>É o próprio autor que, pelo menos inicialmente, considera não existir uma separação injustificada. O que se compreende uma vez que se veio a considerar provado que a ré entrou em situação depressiva e foi aconselhada pelo médico a separar-se do autor, sob pena de os tratamento ministrados não terem sucesso.</font> </p><p><font>Embora não tenham as instâncias ido muito longe no apuramento das razões para a referida depressão e conselho médico, a verdade é que está provado que o autor vigiava e controlava as chamadas telefónicas da mulher, tendo até colocado um cadeado no telefone instalado na residência do casal. Tal comportamento é, necessariamente, revelador de uma imposição da vontade do marido, de um controle injustificado e de uma desconfiança que indiciam certamente um mau relacionamento conjugal com a mulher, colocada num lugar não de igualdade, mas de subalternidade.</font> </p><p><font>Acresce que é o marido que manifesta o propósito de não restabelecer relações conjugais com a ré.</font> </p><p><font>Mas não só por isso o marido é o principal culpado.</font> </p><p><font>Vem também provado que o autor, após a separação do casal, foi visto com outras mulheres, mantendo uma relação amorosa com uma delas.</font> </p><p><font>É certo que o adultério cometido já durante a separação de facto assume, em princípio, menor gravidade - "Que divórcio?" - Maria Saldanha Pinto Ribeiro, Daniel Sampaio e Pais do Amaral, pág. 107.</font> </p><p><font>Mas não deixa de existir culpa, atento a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, conforme estipula o artigo 1672º do C. Civil.</font> </p><p><font>Apreciando-se a culpa como uma imputação ético-jurídica do facto ao autor, não pode deixar de existir uma imputação no sentido de reprovabilidade ou censurabilidade. A censura ético-jurídica existe porque o agente podia e devia ter agido de modo diferente.</font> </p><p><font>Mesmo que se considere que a culpa do autor existe em grau leve, a verdade é que sempre terá que ser considerada como mais grave do que a da ré mulher.</font> </p><p><font>Impõe-se, por isso, revogar o acórdão, repondo-se a decisão da 1ª instância.</font> </p><p><font>Diga-se como nota final que a declaração de culpa (que é de conhecimento oficioso) é matéria de direito e por isso da competência deste Supremo - Por todos o Ac. do STJ de 16.05.2000, Revista nº 287/00 - 6ª Secção em "Sumários" nº 41, pág. 24.</font> </p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista ao autor e concede-se, nos termos referidos, a revista à ré.</font> </p><p><font>Custas pelo autor recorrente.</font> </p></font><p><font><font>Lisboa, 15 de Outubro de 2002</font><br> <font>Pinto Monteiro,</font><br> <font>Lemos Triunfante,</font><br> <font>Reis Figueira.</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> </div><br> 1- No 2º Juízo Cível do Tribunal de Círculo de Coimbra, A, invocando contrato promessa de compra e venda de um lote, identificado, como promitente comprador, accionou B, como promitente vendedora, que o incumpriu, atinente a obter a sua condenação no pagamento do dobro do sinal, acrescido de juros legais vencidos desde a citação.<br> Alega ainda que posteriormente àquele contrato foi celebrado contrato de cessão da posição contratual entre C, que no contrato promessa figurava também como promitente comprador e a A., contrato que foi notificado à Ré por meio de carta registada com aviso de recepção, pelo que a partir de então ficou sendo a A. a única promitente compradora.<br> Em contestação a Ré considera nulo o contrato promessa, afirma não ter aceite nem autorizado a invocada cessão da posição contratual e que procurou sempre cumprir o acordado, mostrando-se a A. desinteressada no seu cumprimento.<br> Por sentença a acção foi julgada procedente, pois considerou-se o contrato promessa de compra e venda válido e incumprido definitivamente pela Ré.<br> Em apelação a Ré levantou o problema de nunca a A. ter alegado que a Ré consentiu na transmissão da posição contratual por parte de C, pelo que esta cessão é ineficaz quanto à Ré.<br> O douto Ac. Relação de Coimbra - fls. 194 a 197 - confirmou o decidido, mas seguiu outro caminho.<br> Assim, dando como não provado que tenha havido consentimento da Ré, o que tornaria nulo ou ineficaz - as duas posições têm sido defendidas - o contrato de cessão, oficiosamente, conheceu da possibilidade de conversão de tal negócio.<br> Daí a procedência da acção por julgar legítimo supor que as partes teriam querido a cessão de crédito com manutenção de posição devedora do cedente.<br> Foi instalada revista.<br> 2- A recorrente nas conclusões das suas alegações afirma em resumo:<br> a) O douto Ac. recorrido é nulo porque não fundamenta de direito a decisão.<br> b) E porque conheceu oficiosamente da conversão.<br> c) O negócio de cessão de posição contratual em que a A. mediatamente funda a sua pretensão não é passível de conversão, dado que não é um negócio nulo ou anulado, mas tão só inoponível à Ré.<br> d) Não existe entre os factos dados como provados qualquer um que permita extrair a conclusão de que as partes, a terem previsto a ineficácia, teriam querido celebrar uma mera cessão de créditos.<br> Em contra alegação a A. sustenta:<br> a) Alegou e provou o consentimento da Ré na cessão da posição contratual, pelo que ela é válida e eficaz perante a Ré, como entendeu a 1ª instância.<br> b) Perante a diversa subsunção dos factos ao direito efectuado pelo douto Ac. recorrido é correcta a solução da aplicação do instituto legal da conversão do negócio.<br> <br> 3-Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> <br> 4- O art. 424 CC estatui no seu nº1:<br> "No contrato com prestações recíprocas qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão"<br> Relativamente à invocada cessão de posição contratual entre António José Valente, como promitente comprador do contrato promessa de compra e venda em apreço e a A., a outra promitente compradora, o douto Ac. recorrido teve como "não provado que tenha havido consentimento da Ré" - fls. 196, promitente vendedora.<br> Seguidamente escreveu-se "Quanto aos efeitos desta falta, tem sido entendido, por uns como causa de nulidade do contrato de cessão, por outros como condição de eficácia em relação ao cedido".<br> E depois "Todavia tem sido entendido com maior ou menor amplitude que o negócio inválido ou ineficaz pode ser convertido em cessão de crédito com manutenção, no caso presente, da posição devedora do cedente em face do cedido".<br> Acabou por conhecer, oficiosamente, da conversão.<br> 5- O nosso art. 422 CC teve por fonte o art. 1006 CC Italiano, o primeiro a tipificar este contrato de cessão da posição contratual.<br> Para o Prof. Mota Pinto, Cessão da posição contratual, em nota 2, Pg 194 e 195, o acordo entre cedente e cessionário dá origem a um negócio in itenere, cujo aperfeiçoamento - não apenas a sua eficácia - é subordinado ao consenso de outro contraente, sendo este, portanto, um elemento constitutivo dum contrato plurilateral, no caso trilateral.<br> Tem o apoio da doutrina italiana que cita e do Prof. A. Varela obg. em geral, vol II, 3 ed Pg 362. Paralelamente Prof. M. Cordeiro, obg, 2 vol, Pg 128.<br> Afasta, deste modo as soluções, que apontam para esta eficácia do contrato a ocorrer antes do consentimento, que as teorias de "assunção de cumprimento de contrato", do "contrato misto de cessão e assunção cumulativa de dívida", de "adesão ao contrato" ou de "cessão de contrato sem liberação do cedente", pretendem justificar.<br> Pugnam os nossos autores que escrevem após o CC de 66, dado que o anterior não tinha disposição semelhante, como vimos, por uma concepção monista ou unitária defensiva de se transmitir para o cessionário uma série de poderes, deveres, ónus e estados de sujeição, que "transcendem a pura soma aritmética dos efeitos de cessão de créditos e de assunção de dívida".<br> Esta transmissão global seria a que melhor se ajusta ao próprio intento das partes. <br> E é efectivamente.<br> Em França e Espanha à falta de disposição legal expressa, doutrina e jurisprudência têm defendido soluções dispares.<br> Prof. Garcia Amigo "La cesion de contratos en el dereccho español, 1964, Madrid, Pg 293, defensor de teoria unitária define a cessão, como "um negócio jurídico unitário que se caracteriza como um contrato inonimado e consensual, obrigatório e pluriliteral, cuja finalidade é transmitir a um terceiro a relação contratual".<br> Mas já Valls Tabberner "Léssion de contratri, Barcelona, 1955 se afasta da tese unitário, seguindo a teoria do negócio complexo e em França Lapp "Essai sur la cession de contrat sinalagmatique a titre particuler", Strasbourg, 1950, tese de doutoramento, segue a teoria atomística.<br> Entre nós, dado que o n. 1 art 424 diz expressamente que o contraente cedido tanto pode consentir antes ou depois da celebração do contrato" levou o Dr. Carvalho Fernandes, A conversão, 1993, Pg 871 a sustentar que "esta segunda modalidade de consentimento sugere manifestamente que o legislador considera o contrato de cessão como constituído, mesmo que ainda falte o consentimento do contraente cedido".<br> Desta forma a falta - apontada pelo douto Ac. recorrido - de consentimento do contraente cedido determinaria a ineficácia definitiva do contrato de cessão.<br> Tal é a solução legal: nºs 1 e 2 art 424.<br> 6- O art 293 CC não se refere à mera ineficácia como pressuposto de conversão.<br> Semelhantemente § 140 CC Alemão, art 1424 CC Italiano e art 182 CC Grego.<br> A doutrina italiana tem entendido que se deve alargar a conversão dos negócios definitivamente ineficazes, sempre que se mantenha a ratio determinante da aplicabilidade dos negócios nulos: realização do intento prático das partes.<br> Em Portugal, os autores são unânimes nessa aplicabilidade - ver Dr. C. Fernandes, ob. cit. Pg 283 a 286, defendendo o Prof. Rui Alarcão a sua aplicabilidade por via de analogia e Drª Teresa Soares, A conversão, 1986, Pg 65.<br> <br> 7- Dentro destes parâmetros jurídicos recebemos o Ac. em apreço, laconicamente elaborado.<br> Já não o acompanhamos quanto à possibilidade de o conhecer oficiosamente da conversão.<br> Aqui tem razão a recorrente.<br> O nosso CC - art 285 a 291 - reputa de nulidade a invalidade absoluta, insanável e de eficácia automática e de anulabilidade a invalidade relativa, sanável e de eficácia não automática.<br> O regime desta forma mais severa de nulidade encontra o seu fundamento em motivos de interesse público, enquanto que a anulabilidade funda-se na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses privados.<br> Tudo porque a nulidade é consequência ou sanção que o ordenamento jurídico liga às operações contratuais contrárias aos valores ou aos objectivos de interesse público por ele prosseguidos ou àquelas que o direito não considera justo e oportuno, no interesse público, prestou reconhecimento e tutela.<br> Por isso a nulidade é de conhecimento oficioso.<br> Ora o interesse que se joga na conversão é de ordem particular, daquele a quem a invalidação do negócio não interessa.<br> São os interessados os juízes para a decisão de saber se o negócio vai ou não produzir outros efeitos: não há conversão contra a vontade e interesse das partes.<br> Estamos em pleno domínio da disponibilidade das partes: é preciso que as partes requeiram a conversão.<br> É até o legislador que o diz - art 293 - O negócio ... pode converter-se...".<br> À imagem do art 1424 CC Italiano "pro produrre gli effeti...".<br> Tudo em corolário com o princípio processual do dispositivo.<br> Não podia, desta forma, o douto Ac. recorrido, conhecer, oficiosamente, como conheceu da conversão - Drª Teresa L. Soares, ob cit, Pg 59; e C. Fernandes, ob. cit, Pg 369 a 372.<br> Analisemos os factos.<br> 8- O douto Ac. recorrido afirmou que a A. não alegou e, por isso, não provou, o alegado consentimento por parte da Ré.<br> "Apenas no contrato de cessão junto pela autora está mencionado, pelos intervenientes, que a promitente vendedora autorizara a cessão. Mas a exposição dos factos fundamento do direito deve ser feita na petição" - fls. 196.<br> Poderia acrescentar que na notificação da cessão da posição contratual referente ao contrato promessa se figura igualmente referência ao consentimento da Ré em data anterior à celebração daquele contrato - doc. fls. 7.<br> O consentimento da Ré - nº1 art 424 - é facto constitutivo de direito da A.<br> Aqueles documentos, conforme forma apontados constam da petição.<br> Dada a posição da Ré quanto àqueles documentos, o Sr. juiz formulou os quesitos 1 e 2: existência de cessão e sua notificação à Ré - Tiveram como resposta "Provados" - fls. 122, fundamentando-se o tribunal nos próprios documentos.<br> E face à posição da Ré em não ter autorizado, não ter consentido a cessão, nem aceite a transferência o Sr. juiz formulou os quesitos 12, 13 e 14 na forma negativa.<br> Quesitos que tiveram, como resposta, "não provado" - fls. 122.<br> Só que o Sr. juiz não formulou quesito afirmativo correspondente à tese do A. de a Ré ter consentido.<br> É certo que a A. não fez expressamente tal afirmação na sua petição, aproveitando a réplica, respondendo às excepções invocadas pela Ré, para no art 20 afirmar "Acresce que, a ré consentiu e aceitou a cessão de posição contratual efectuada de C para a Autora".<br> Mas o que tem relevância é que na petição juntou os documentos onde expressamente se refere ao consentimento dado pela Ré em data anterior à celebração do contrato de cessão, para eles remetendo - art 5 e 6 da p.i..<br> Tal significa que, embora de forma indirecta, o facto "consentimento" faz parte do peticionado, implicitamente.<br> O Sr. juiz não entendeu que ele era relevante para o incluir no questionário.<br> Só recebeu a defesa pela negação por parte da Ré.<br> E frente às respectivas respostas negativas, pelo seu espírito passou que o consentimento era um facto adquirido; daí a procedência da acção.<br> Só que era indispensável, como vimos, quesitá-lo, por ser facto constitutivo do direito da A. e daí indispensável para a decisão.<br> 9- Termos em que o processo tem de descer à 2ª instância - art 729 nº3 CPC - para a decidida ampliação fáctica.<br> Custas a final.<br> Lisboa, 5 de Novembro de 1998.<br> Torres Paulo,<br> Pais de Sousa,<br> Martins da Costa.<div>Lisboa,</div><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> I - A e mulher intentaram a presente acção especial de despejo contra B pedindo a condenação da ré no despejo de prédio urbano até 2-3-94, com fundamento em caducidade do contrato de arrendamento, e no pagamento de rendas vencidas e vincendas desde Abril de 1994.<br> A ré contestou e, em reconvenção, pediu a condenação dos autores a pagarem-lhe a quantia de 5000000 escudos, "emergente de benfeitorias necessárias praticadas no local arrendado".<br> Houve resposta e procedeu-se a julgamento.<br> Pela sentença de fls 119 e seguintes julgou-se procedente a acção e improcedente a reconvenção, o que veio a ser confirmado, em recurso de apelação, pelo acórdão de fls 157 e seguintes<div> </div>Neste recurso de revista, a ré formula as seguintes conclusões:<br> - a declaração de caducidade do arrendamento só se pode obter pela via judicial e a denúncia apenas opera os seus efeitos com a sentença;<br> - o prazo de 2 anos previsto no artº 114º nº 2 do RAU conta-se do trânsito em julgado desse sentença;<br> - as obras realizadas no prédio aumentaram o seu valor e não podem ser levantadas sem detrimento;<br> - elas deverão ser indemnizadas pelo valor apurado;<br> - foi violado o disposto no cit. artº 114 e nos artos 216º, 1051º e 1273º nºs 1 e 2 do Cód. Civil.<br> Não houve contra-alegações.<br> II - Factos dados como provados:<br> Os AA são proprietários do r/ch e respectivo quintal do prédio urbano sito na Av. Lourenço Peixinho n. 213/215 - Aveiro.<br> Eles adquiriram a nua propriedade desse imóvel nas partilhas efectuadas por óbito de C, falecido a 13/2/48.<br> Nessas partilhas, D adquiriu o usufruto desse r/ch e respectivo quintal.<br> A D faleceu a 2/3/94.<br> Em 17/10/75, a dita D, como usufrutuária daquele r/ch e respectivo quintal, por escritura pública, deu este imóvel de arrendamento à Ré, para comércio de bicicletas e motorizadas, pelo prazo de um ano com início em 1/10/75, com a renda mensal de 2500 escudos.<br> Em Março de 1994, a renda mensal era de 14836 escudos.<br> A Ré efectuou os depósitos que constam de fls. 43 a 50.<br> A Ré enviou ao A. e este àquela as cartas, respectivamente, de fls. 60 e 58 e 59.<br> Após a morte de D, a Ré manifestou ao A. a vontade de se manter o referido contrato de arrendamento.<br> O A. recusou-se a receber as rendas referentes ao arrendado.<br> A Ré construiu, no quintal, um pavilhão para armazenagem de bicicletas e motorizadas, tendo gasto nessa obra não mais do que 150000 escudos.<br> A D teve conhecimento da realização desta obra.<div></div>III - Quanto ao mérito do recurso:<br> Está assente que o contrato de arrendamento para comércio, celebrado entre a usufrutuária do prédio e a ré, caducou por morte da senhoria, ocorrida em 2-3-94, nos termos do disposto nos artos 66º nº 1 do RAU e 1051º nº 1 c) do Cód. Civil.<br> As duas questões suscitadas no recurso respeitam ao início do prazo da desocupação do prédio, previsto no artº 114º do RAU, e que é aqui de dois anos em face do período de duração do arrendamento, e ao direito de indemnização por benfeitorias realizadas pela ré.<br> Desde já se nota que é de confirmar o acórdão recorrido, não se justificando sequer longas considerações.<div> </div>Pelo cit. artº 114º do RAU, o prazo de desocupação do prédio é de dois anos "após o termo do contrato ou da sua renovação".<br> Segundo o acórdão recorrido, esse prazo iniciou-se em 30-09-94, data em que terminou a prorrogação do contrato que estava em vigor quando faleceu a senhoria, e sustenta a recorrente que tal prazo só se inicia após o trânsito em julgado da decisão que decretar a caducidade.<br> Essa pretensão da recorrente está em flagrante oposição com a letra da lei, a qual impõe a primeira solução, pois não se pode confundir "o termo do contrato ou da sua renovação" com o trânsito em julgado da decisão final da acção de despejo.<br> Não procedem os argumentos de que "a denúncia só opera os seus efeitos com a sentença..." e "só pela via judicial se poderá obter a declaração de caducidade...": não se trata de denúncia e apenas para esta pode ser relevante o decurso de prazo contado "sobre a decisão definitiva" (artº 70º do RAU); a caducidade opera, em princípio, de forma automática, como consequência do facto respectivo, no caso a morte do senhorio - usufrutuário; a necessidade de recurso à via judicial só resulta da circunstância de o arrendatário não reconhecer o direito do senhorio à restituição do prédio; a sentença proferida nesta acção de despejo não tem efeito constitutivo mas simplesmente declarativo desse direito do senhorio.<br> A solução imposta pela letra da lei é ainda a mais razoável uma vez que impede o arrendatário de, através de expedientes dilatórios usados na acção judicial, provocar o diferimento do início do prazo para desocupação do prédio.<div> </div>Com referência ao direito de indemnização por benfeitorias, provou-se que a ré construiu, no quintal do prédio, um pavilhão para armazenagem de bicicletas e motorizadas, tendo gasto na obra não mais de 150000 escudos, e que a senhoria "teve conhecimento da realização desta obra".<br> Mesmo admitindo-se, como se decidiu nas instâncias e é aceite pela recorrente, que se trata de benfeitorias úteis, sujeitas ao disposto no artº 1273º do Cód. Civil, não procede a pretensão da sua indemnização.<br> Por esse artº 1273º, o possuidor tem direito "a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela" (nº 1); e "quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas ..." (nº 2).<br> O acórdão recorrido negou o direito a indemnização porque a ré não alegou que o levantamento das benfeitorias "iria provocar detrimento na coisa" e, pelo tipo de construção, "não é possível chegar-se a saber se esse tal detrimento existiria ou não no caso de serem levantadas", cabendo à ré o ónus da prova desses factos.<br> A recorrente alega, no essencial, que "resulta da vistoria judicial ... que tal pavilhão foi construído em argamassa" e que as benfeitorias "não podem, até por definição, ser levantadas sem detrimento", mas essa divergência respeita a simples matéria de facto (a possibilidade de detrimento da coisa), cuja reapreciação não cabe a este tribunal (artº 722º nº 2 do Cód. P. Civil).<br> Ainda por outra via se deve concluir como no acórdão recorrido: resulta do disposto no cit. artº 1273º que o direito do possuidor é, em princípio, o de levantar as benfeitorias, apresentando-se o direito a indemnização como efeito ou consequência da existência de detrimento da coisa, provocado pelo levantamento; a possibilidade desse detrimento configura-se assim como circunstância impeditiva daquele primeiro direito do possuidor; por isso, e porque o detrimento deve incidir sobre a coisa, sendo indiferente o relativo às benfeitorias, é ao dono da coisa que cabe invocar o dano, quando for pedido o levantamento, como meio de oposição a este, com o consequente reconhecimento do direito a indemnização; se o possuidor pedir a indemnização, a oposição do dono da coisa implica o reconhecimento do direito ao levantamento, não se colocando então qualquer problema de ónus da prova.<br> Esta solução é idêntica à que resultava da lei anterior, onde se dispunha que "a possibilidade de detrimento será apreciada pelo vencedor" (artº 499º §º 3º do Cód. Civil de 1876), mas não deve atribuir-se relevância ao facto de a lei actual não reproduzir essa disposição, uma vez que aquela solução está de harmonia com a letra da lei e se apresenta como a mais razoável na medida em que o dono da coisa deve poder optar entre sofrer o detrimento (permitindo o levantamento das benfeitorias) ou evitá-lo (pagando a indemnização).<br> No caso presente, os autores opuseram-se ao pedido de indemnização e isso seria suficiente, como se notou, para a sua improcedência.<div> </div>Em conclusão:<br> O prazo para desocupação do prédio, previsto no artº 114º do RAU, inicia-se nos termos desse preceito, sendo irrelevante a data do trânsito em julgado da decisão definitiva da acção de despejo.<br> O direito de indemnização por benfeitorias úteis depende de o dono da coisa se opôr ao levantamento das benfeitorias com fundamento em detrimento da coisa benfeitorizada (artº 1273º do Cód. Civil)<div> </div>Pelo exposto:<br> Nega-se a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 27 de Abril de 1999.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Torres Paulo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -<br> <br> Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que, com processo sumário, a Sociedade A, S.A., move à - Sociedade B, Lª, reclamou o Centro Regional de Segurança Social o crédito proveniente de contribuições devidas pela executada relativas ao período compreendido entre Janeiro de 1992 e Junho de 1994, inclusívè, no montante de 6167454 escudos, acrescido de juros de mora vencidos até Janeiro de 1996, no montante de 4498598 escudos, e vincendos, crédito esse garantido por privilégio creditório.<br> Indeferida liminarmente a reclamação por não estar penhorado qualquer bem móvel ou imóvel mas apenas o direito ao trespasse e arrendamento de estabelecimento comercial onde a executada tem instalada a sua sede.<br> Agravou, sem êxito, a reclamante.<br> De novo inconformada, agravou para o Supremo concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br> - o direito ao trespasse e arrendamento penhorado, porque inerente a um bem imóvel, é uma coisa imóvel, nos termos do art. 204-1 d) CC, disposição que foi violada,<br> - não sendo admissível um tertium genus à classificação das coisas em móveis e imóveis.<br> Contraalegando, pugnou a exequente pela confirmação do julgado.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto que a Relação considerou provada -<br> a)- existe uma execução pendente em que é exequente a agravada Sociedade A, S.A., e executada a agravada Sociedade B, Lª.;<br> b)- no decurso dela foi nomeado à penhora o direito ao trespasse e arrendamento do espaço em que a executada tem a sua sede instalada e, como tal, penhorado;<br> c)- a ora agravante veio reclamar o seu crédito relativamente à executada, invocando privilégio imobiliário sobre o bem penhorado;<br> d)- tal reclamação foi desatendida com o entendimento de que a reclamante não goza de garantia real sobre aquele bem.<br> <br> Decidindo: -<br> 1.- Em dúvida não está a penhorabilidade do direito ao trespasse e arrendamento.<br> Muito embora da al. b) da matéria de facto se tenha incorrectamente indicado «direito ao trespasse e arrendamento do espaço ...» - o que, a assim ser, nada era - tem de se interpretar tal de acordo com o relatório supra que transcreve directamente a posição não só das partes como do próprio despacho do Sr. Juíz da 1ª instância e está em harmonia quer com a doutrina e jurisprudência quer com a lei quanto ao que é objecto do trespasse.<br> Acresce que a discussão, na Relação, girou à volta da natureza do direito ao trespasse e arrendamento, referenciando-o sempre ao estabelecimento comercial da executada.<br> Matéria de facto a considerar só a das 2 primeiras alíneas (esta na interpretação supra) pois que a 3ª mais não é que o petitório (e ainda assim incompleto) e a 4ª é a decisão e sua fundamentação.<br> <br> 2.- As legislações desde há muito que abandonaram uma concepção puramente física para distinguir entre coisas móveis e imóveis, de modo a integrarem nelas «direitos, e, de uma maneira geral, as coisas imateriais, não corpóreas» (A. Varela-P. Lima in CCAnot - I/195).<br> Realmente, e como referem os mesmos autores (I/193), «o conceito jurídico de coisa não se confunde com o conceito filosófico, nem com o conceito físico ou naturalístico», acrescentando mais adiante - «o estabelecimento comercial, segundo o entendimento hoje dominante, é uma coisa para o direito ...».<br> Ninguém duvida que o estabelecimento comercial pode ser objecto de relações jurídicas, o que, face aos termos do art. 202-1 CC, o leva a ser qualificado como coisa, não estando sequer fora do comércio (na medida em que é susceptível de apropriação individual).<br> <br> 3.- Preocuparam-se as instâncias em demonstrar que não era coisa imóvel (CC- 204) nem móvel (CC- 205,1).<br> Desinteressa tal, para o efeito em questão.<br> Na realidade, a lei confere ao crédito reclamado o privilégio creditório (dec-lei 103/80, de 09.05 - arts. 10 e 11).<br> Em ordem à sua satisfação, goza dessa garantia real.<br> Quis a lei, e expressamente o traduziu, que essa garantia se estendesse a todos os bens penhorados ao executado, tenham eles natureza móvel ou imóvel, no que excepcionou à regra do art. 735-3 CC (quanto ao privilégio creditório imobiliário, conferindo-lhe um carácter geral).<br> Assim, é irrelevante a discussão, tornando-a meramente académica, pois que para as coisas susceptíveis de apropriação individual a lei não estabeleceu tertium genus.<br> Não podia, pois, ser indeferida a reclamação do CRSS pelo fundamento invocado e há que substituir esse despacho por um que a receba e ordene a tramitação posterior.<br> <br> Termos em que, no provimento do agravo, se revoga o acordão recorrido, havendo que admitir a reclamação.<br> Custas pela exequente.<br> <br> Lisboa, 18 de Novembro de 1997.<br> Lopes Pinto,<br> José Saraiva,<br> Torres Paulo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>A, intentou, no tribunal judicial de Coruche, acção declarativa com processo ordinário, contra B e mulher C, pedindo que:</font><br> <font>a) seja declarado que o prédio rústico misto denominado Herdade das Gamas integra a herança aberta por óbito de D e de E, que foram casados em regime de comunhão geral de bens;</font><br> <font>b) sejam os RR. condenados a reconhecer a propriedade da referida herança indivisa sobre aquele prédio rústico;</font><br> <font>c) sejam os RR. condenados a absterem-se de qualquer acto que prejudique os direitos de propriedade da herança indivisa sobre o referido prédio;</font><br> <font>d) sejam os RR. condenados a restituir, inteiramente devoluto e desembaraçado, à herança na pessoa do A., seu cabeça de casal, o prédio que, sem justificação, ocupam;</font><br> <font>e) sejam os RR. ainda condenados a pagar à herança indemnização em montante a determinar em liquidação de sentença.</font><br> <font>Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: (a) é cabeça de casal designado no processo de inventário nº 11/98, a correr termos no Tribunal de Coruche, por óbito de D e mulher E, que foram casados em regime de comunhão geral de bens e de cuja herança faz parte a referida Herdade das Gamas; (b) a essa herança por partilhar concorrem, por sucessão testamentária, por um lado, o A. e, por outro, os filhos dos RR., sendo os RR. legatários do usufruto sucessivo de todos os bens deixados pela referida E; (c) os RR. vêm ocupando e explorando o prédio, com prejuízo da herança por estar privada de dar uso aos terrenos e deles obter rendimento.</font><br> <font>Citados, os RR. contestaram, alegando que ocupam o prédio com o consentimento e no interesse dos herdeiros, não causando quaisquer prejuízos e que celebraram com a referida E um contrato de arrendamento.</font><br> <font>Após saneamento, condensação e audiência de julgamento, foi, em 30-10-2000, proferida sentença que julgou a acção apenas parcialmente procedente e condenou os RR. a entregar ao A., assim o restituindo à herança indivisa aberta por óbito de D e de E, da qual aquele A. é cabeça de casal, o prédio denominado Herdade das Gamas, inteiramente devoluto e desembaraçado, indo os RR., no mais, absolvidos - cfr. fls. 65 a 75.</font><br> <font>Inconformados, os RR. apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 13-12-2001, julgado procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo os RR. do pedido.</font><br> <font>Agora, por sua vez, inconformado, traz o Autor a presente revista, na qual, ao alegar, oferece as seguintes conclusões:</font><br> <font>1. A herança em que se integra o prédio reivindicado ainda se encontra indivisa.</font><br> <font>2. Na herança indivisa, os herdeiros têm direito a uma quota dessa herança e não aos bens em concreto que a compõem.</font><br> <font>3. Os herdeiros não detêm qualquer direito próprio sobre cada um dos bens da herança.</font><br> <font>4. Enquanto não estiverem determinados ou concretizados os bens sobre os quais recairá o usufruto de que os recorridos beneficiam, caber-lhes-á, e tão só, o direito aos rendimentos gerados pelos bens que a herança produza.</font><br> <font>5. Os herdeiros de uma herança indivisa não detêm qualquer direito próprio sobre cada um dos bens que a integram, pois são apenas contitulares do direito à herança, têm tão só um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesmo considerada.</font><br> <font>6. Enquanto não se proceder a partilhas, a herança indivisa constitui um todo indivisível, cujos direitos e obrigações não podem ser atribuídos destrinçadamente a qualquer um dos herdeiros.</font><br> <font>7. A ocupação que os recorridos estão a fazer do prédio Herdade das Gamas, quiçá, o bem mais valioso que integra a herança, constitui um nítido abuso de direito.</font><br> <font>8. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 2079º e 2088º do Código Civil.</font><br> <font>9. Impõe-se assim a sua revogação e decidir-se pelo provimento da acção, devendo os Recorridos ser condenados a restituir à herança na pessoa do A. cabeça de casal da mesma o prédio misto denominado Herdade das Gamas (...), que integra a herança aberta por óbito de D e de E, que foram casados no regime de comunhão geral de bens (terreno e construções) que injustificadamente ocupam, inteiramente devoluto e desembaraçado.(...).</font><br> <br> <font>Contra-alegando, os RR. pugnam pela manutenção do julgado.</font><div><font>II</font></div><font>São os seguintes os factos - todos eles "factos assentes" - que foram dados como provados (cfr. fls. 39 a 41):</font><br> <font>1 - Pelo Tribunal da Comarca de Coruche correm seus termos os autos de inventário nº 11/98.</font><br> <font>2 - Nesses autos foi o aqui Autor designado cabeça de casal.</font><br> <font>3 - De entre os bens relacionados e a partilhar consta o prédio misto denominado Herdade das Gamas, com a área de 396,35 ha, composto de terras destinadas a cultura arvense, sobreiros, eucaliptal, pinhal, prado natural hortejo, laranjeiras, oliveiras, pastagens, vinha, figueiras, pomar de citrinos, mato, cultura arvense de regadio e de sequeiro, arrozal e diversas construções urbanas, sito na freguesia e concelho de Coruche, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1 - CC - CC1 e artigos nºs 1750 e 1769, os urbanos, com o valor patrimonial de 8197185 escudos.</font><br> <font>4 - Este prédio misto integrava o património do casal inventariado naqueles autos de inventário, ou seja de D e de E, que foram casados em regime de comunhão geral de bens.</font><br> <font>5 - Este D faleceu no dia 11 de Maio de 1938, no estado de casado com a referida E, sem descendentes nem ascendentes vivos.</font><br> <font>6 - O falecido deixou dois testamentos cerrados, o primeiro com data de 23 de Fevereiro de 1931, aprovado em 4 de Março de 1931 e o segundo com data de 18 de Julho de 1936, aprovado em 6 de Agosto de 1936, nos quais institui como suas únicas herdeiras a sua mulher E e a sua afilhada F, casada com G.</font><br> <font>7 - Em 20 de Agosto de 1967, faleceu em Lisboa a aludida afilhada e herdeira, F, no estado de casada em primeiras e únicas núpcias com G, sem descendentes nem ascendentes vivos, deixando um único testamento público.</font><br> <font>8 - Neste testamento, lavrado em 19 de Agosto de 1967, F instituiu seu único e universal herdeiro o marido G.</font><br> <font>9 - Em 16 de Abril de 1968, faleceu em Lisboa, G, no estado de viúvo de F, sem descendentes nem ascendentes vivos, tendo-se finado com um testamento público, lavrado em 25 de Novembro de 1996, no qual deixou legados e instituiu seu universal herdeiro, do remanescente da sua herança, A, ora Autora.</font><br> <font>10 - Em 31 de Março de 1981, faleceu E, no estado de viúva do aludido D, sem ter deixado descendentes nem ascendentes vivos, com último domicílio no Monte das Gamas, em Coruche.</font><br> <font>11 - A falecida deixou dois testamentos cerrados, um sem data e o outro datado de 12 de Dezembro de 1973, respectivamente aprovados em 25 de Outubro de 1968 e 12 de Dezembro de 1973, nos quais instituiu legatários do usufruto sucessivo de todos os seus bens, B e sua mulher C, casados segundo o regime de comunhão geral de bens, ambos residentes no Monte das Gamas, em Coruche e na nua propriedade de todos os seus bens os filhos do referido casal, que são os seguintes: - H; I, J e L.</font><br> <font>12 - Os RR. vêm ocupando e explorando o prédio supra identificado, conhecido por Herdade das Gamas.</font><br> <font>Pode, nesta sede, aditar-se ainda o seguinte:</font><br> <font>Os 13 quesitos que integravam a base instrutória mereceram a resposta de "não provado" - cfr. fls. 41/42 e 61. Na fundamentação das respostas pode ler-se o seguinte:</font><br> <font>"A convicção do Tribunal Colectivo formou-se, relativamente às respostas negativas a toda a matéria de facto constante dos quesitos 1º a 6º e 8º a 13º da base instrutória, com base na circunstância de nenhuma prova ter sido oferecida, nem produzida, quanto a tal matéria.</font><br> <font>Quanto à resposta negativa à matéria de facto constante do quesito 7º</font><br> <font>(1), a convicção do Tribunal assentou na circunstância de nenhuma prova testemunhal ter sido oferecida, nem produzida, e em sede de prova documental, apenas terem sido apresentadas meras fotocópias de documentos (junção ocorrida em audiência de julgamento), cuja conformidade com os respectivos originais não resulta atestada (cfr. artº 387º do Cód. Civ.), pelo que não são tais simples fotocópias dotadas de força probatória que permita alicerçar, nessa parte, convicção positiva do Tribunal" - cfr. fls. 62.</font><br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>III</font></div><font>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br> <font>A questão que importa decidir consiste em saber se os Réus/recorridos estão obrigados a entregar à herança, na pessoa do Autor, na qualidade de cabeça-de-casal, o prédio misto já identificado, conhecido por "Herdade das Gamas".</font><br> <font>1 - Sob a rubrica "Cabeça-de-casal", o artigo 2079º do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que, doravante, se indiquem sem menção da origem, dispõe o seguinte: "A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal".</font><br> <font>E, depois de o artigo 2087º responder à pergunta sobre quais são os bens sujeitos à administração do cabeça de casal, o artigo 2088º, sob a epígrafe "Entrega de bens", prescreve, no seu nº 1, o seguinte: "O cabeça-de-casal pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído" (2).</font><br> <font>Justificam-se duas observações.</font><br> <font>Tendo presente a intencionalidade da norma, tem-se como essencial que a entrega material dos bens seja realmente necessária ao exercício da gestão que os artigos 2079º e 2087º confiam ao cabeça-de-casal como administrador da herança (3). </font><br> <font>Por outro lado, considerando a literalidade do preceito, é de sublinhar que os eventuais destinatários do dever de entrega dos bens ao cabeça-de-casal são os "herdeiros" e os "terceiros" e não os legatários, que não são, evidentemente, terceiros em relação a bens que já estão em seu poder. Como expressamente sustenta Oliveira Ascensão, os poderes do cabeça-de-casal a que se refere o nº 1 do artigo 2088º "não abrange os bens certos e determinados que foram legados e estavam já em poder do legatário. Justificando esta afirmação, escreve o referido Autor: "Não se compreenderia efectivamente que o cabeça-de-casal fosse exigir bens já da propriedade dos legatários e cuja entrega teria de ser feita no prazo de um ano. Aliás, o artigo 2088º permite ao cabeça-de-casal pedir os bens que deva administrar "aos herdeiros ou a terceiros". Não se refere ao legatário, que não é evidentemente um terceiro em relação a bens que são já sua propriedade, como vimos" (4).</font><br> <font>Ora, a qualidade sucessória dos recorridos é a de "legatários" e não de "herdeiros", razão por que não fazem particular sentido as muitas referências feitas nas conclusões da alegação do recorrente aos "herdeiros", ali se omitindo, em contrapartida, qualquer alusão aos "legatários".</font><br> <font>A verdade, porém, é que os réus/recorridos foram instituídos legatários, não de "bens ou valores determinados" (artigo 2030º, nº 2, 2ª parte), mas sim do usufruto sucessivo de todos os bens da falecida E. O certo, porém, é que nem por isso deixam de ser considerados pela lei como legatários (artigo 2030º, nº 4).</font><br> <font>Em face da ausência de declaração específica da lei, resulta, pois, do elemento literal de interpretação, um argumento contrário à pretensão do recorrente.</font><br> <font>Importará, no entanto, apurar se, da conjugação dos restantes elementos em sede de hermenêutica (5), será possível alcançar um resultado interpretativo que, contrariando o elemento literal, imponha, in casu, o acolhimento de uma interpretação extensiva da norma do nº 1 do artigo 2088º, que, ao lado dos "herdeiros" e "terceiros", deva abranger também os "legatários", ao menos quando sucedem no usufruto da universalidade dos bens deixados pelo de cujus (6). </font><br> <font>Diga-se, desde já, não se tratar de uma questão simples. Para o seu tratamento, importa proceder a uma breve digressão de contornos essencialmente teóricos em redor das noções de "herdeiro" e "legatário".</font><br> <font>2 - Justifica-se começar por proceder à transcrição o artigo 2030º. Estabelece o seguinte:</font><br> <font>"1 - Os sucessores são herdeiros e legatários.</font><br> <font>2 - Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados.</font><br> <font>3 - É havido como herdeiro o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes.</font><br> <font>4 - O usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património, é havido como legatário.</font><br> <font>5 - A qualificação dada pelo testador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos números anteriores".</font><br> <font>2.1. - Como resulta do nº 5, o critério legal de distinção entre herdeiro e legatário tem carácter imperativo. Como ensina Galvão Telles, "está em causa uma qualificação jurídica e as qualificações compete à lei fazê-las e impô-las, não aos particulares através dos seus actos" (7).</font><br> <font>Diferentemente dos herdeiros, que são os que sucedem no património considerado unitariamente, visto sob um prisma universal, o legatário sucede em bens determinados. É um sucessor particular ou singular. Como escreve Galvão Telles, "o conceito de bens determinados tem o seu quê de relativo. Os bens determinados aparecem aqui contrapostos ao património - ao património global como universitas. São bens determinados, neste sentido, todos aqueles que não consistem no universum jus ou numa sua quota. Saem do universum jus ou são obtidos à sua custa, não se confundem com ele" (8).</font><br> <font>Prosseguindo, escreve o Autor que estamos a acompanhar: "Os legados revestem variedade muito grande. O que há de comum em todos eles é envolverem uma atribuição patrimonial por morte a título particular. Enquanto a herança é uma atribuição universal, o legado é uma atribuição singular que pode concretizar-se em modalidades diversas" (9).</font><br> <font>2.2. - Como refere Oliveira Ascensão, o legislador do nosso Código Civil foi normalmente seguro na utilização dos termos "herdeiros" e "legatários", evitando, designadamente, a acepção imprópria do conceito de herdeiro, como susceptível de abranger todos os beneficiários da sucessão (10).</font><br> <font>Os legados ficam pesando sobre a herança como encargos. Os herdeiros testamentários e legais recebem uma atribuição patrimonial gratuita do universum jus, mas esse benefício é limitado ou restringido pelos legados. Abrangendo o património tanto o activo como o passivo e tornando-se os herdeiros titulares dele em substituição do de cujus, ficam devedores como o de cujus era. Diferentemente, os legatários não são devedores: são credores. Credores de uma prestação de coisa ou de uma prestação de facto. Os legados constituem um passivo que acresce ao que o de cujus tinha em vida.</font><br> <font>2.3. - Quid juris relativamente à situação - que é a dos presentes autos - em que os legatários são usufrutuários da totalidade dos bens deixados pela E - sendo herdeiros da nua propriedade os seus quatro filhos?</font><br> <font>Diferentemente do que acontecia com o projecto do actual Código Civil - no qual o instituído na universalidade, fosse proprietário pleno, nu proprietário ou usufrutuário, era herdeiro -, entendeu-se, na comissão revisora, que o usufrutuário devia ser sempre qualificado de legatário, solução que veio a ter acolhimento no nº 4 do artigo 2030º.</font><br> <font>Sendo a qualificação do sucessor obra da lei, é esta perfeitamente clara no sentido de considerar o usufrutuário universal, do mesmo modo que o usufrutuário particular, como legatário. Recaia o usufruto sobre o património abstractamente considerado ou sobre bens singulares, é sempre legado em face da lei.</font><br> <font>Trata-se de solução que, se bem que clara no plano do direito constituído, é discutível de jure condendo. Vozes autorizadas entendem, com abundância de fundamentos, que a qualificação do usufrutuário universal como legatário não se justifica (11). Mas se o problema, do ponto da vista da qualificação, não se discute, porque a lei é, nessa sede, rigidamente imperativa (nº 5 do artigo 2030º), já o mesmo não acontece no que se refere ao respectivo "estatuto", o qual também é definido por lei - mas agora através de preceitos em parte imperativos, mas em parte dispositivos que, sendo meramente interpretativos ou supletivos da vontade do de cujus, cedem perante vontade contrária. Ora, o estatuto do legatário universal é praticamente o do herdeiro, ou seja, aquele que a lei associa normalmente ao regime de herdeiro. De acordo com o entendimento que perfilhamos, o estatuto sucessório a que estão sujeitos tanto o titular da raiz como o titular do usufruto é o de herdeiro, "embora com as adaptações impostas pela circunstância de os seus direitos serem complementares e qualitativamente distintos" (12). </font><br> <font>Ou seja, tendo presentes os elementos racional ou teleológico de interpretação da lei, somos levados a concluir que, não obstante a sua qualificação (imperativa) como legatário, o usufrutuário universal do "de cujus" deve ser incluído, a par dos "herdeiros" e "terceiros" no âmbito da norma do nº 1 do artigo 2088º, interpretada extensivamente.</font><br> <font>Mas, aqui chegados, nem por isso entendemos que a revista do recorrente deva merecer procedência.</font><br> <font>Vejamos porquê.</font><br> <br> <font>3 - Lamentavelmente, atenta a resposta negativa dada aos quesitos, não foi possível fazer prova de factualidade mais esclarecedora, uma vez que nenhuma prova testemunhal foi oferecida nem produzida e, em sede de prova documental, apenas foram apresentadas fotocópias de documentos (designadamente, os "escritos particulares" de arrendamento rural e de parceria agrícola, de fls. 56-57 e 58-59) não dotadas de força probatória que permitisse alicerçar, nessa parte, convicção positiva do Tribunal.</font><br> <font>Mesmo assim, é possível, a partir da matéria de facto dada como assente, retirar, no que ora releva, as seguintes ideias essenciais:</font><br> <font>a) O A. é o cabeça-de-casal no âmbito do inventário para partilha da herança aberta por morte do casal inventariado - D e E;</font><br> <font>b) A Herdade das Gamas é um bem relacionado e a partilhar que faz parte da dita herança;</font><br> <font>c) Os RR. vêm ocupando e explorando a Herdade das Gamas;</font><br> <font>d) Os RR. foram instituídos legatários do usufruto sucessivo de todos os bens deixados pela falecida E;</font><br> <font>e) Os RR. residem no Monte da Herdade das Gamas, que foi também o último domicílio da falecida E;</font><br> <font>f) O A. é herdeiro de G, que sucedeu, como herdeiro universal, a sua mulher F, a qual, por sua vez, fora instituída, juntamente com a E, herdeira do D.</font><br> <font>3.1. - A primeira conclusão que importa extrair é a de que não tem fundamento a afirmação do A. segundo a qual os RR. ocupam "injustificadamente" a Herdade das Gamas - cfr. a conclusão 8ª.</font><br> <font>Além de a ocupação e exploração pelos RR. - legatários do usufruto da herança deixada pela E e residentes no Monte da Herdade em apreço - nada ter de abusivo ou injustificado, o Autor, ora recorrente não logrou provar que a herança por ele gerida esteja a sofrer prejuízos, por estar impossibilitada de dar qualquer outro uso aos terrenos ou deles retirar quaisquer rendimentos - resposta negativa ao quesito 2º.</font><br> <font>Do que resulta que a pretensão do A. não pode deixar de soçobrar uma vez que não fez prova, cujo ónus estava a seu cargo, de que a entrega material da Herdade das Gamas era realmente necessária ao exercício da gestão que a lei confia ao cabeça-de-casal. Ora, como acima se disse - cfr. supra, ponto III, 1. -, a primeira ilação que importava retirar do nº 1 do artigo 2088º era justamente a de que se revela essencial que a entrega material dos bens fosse realmente necessária ao exercício da gestão que os artigos 2079º e 2087º confiam ao cabeça-de-casal como administrador da herança (13).</font><br> <font>3.2. - Por outro lado, residindo os RR. na Herdade das Gamas, como foi, desde logo, dito (confessado), pelo A, na petição inicial, a pretendida entrega da referida Herdade (terreno e construções), ao abrigo do nº 1 do artigo 2088º seria susceptível de configurar uma situação de abuso de direito por parte do cabeça-de-casal (14).</font><br> <font>Mas, ainda que assim não se entendesse, uma coisa se tem como certa: interpretado nos termos e em conformidade com o entendimento subjacente ao pedido do A., a referida norma passaria a estar ferida de inconstitucionalidade por violação do direito social à habitação, inscrito no nº 1 do artigo 65º da CRP, segundo o qual "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar".</font><br> <font>Ora, o direito à habitação consiste, desde logo, "no direito de não ser arbitrariamente privado da habitação ou de não ser impedido de conseguir uma", revestindo, por isso, neste sentido, "a forma de "direito negativo", ou seja, de direito de defesa, determinando um dever de abstenção do Estado e de terceiros, apresentando-se, nessa medida, como um direito análogo aos "direitos, liberdades e garantias" (15). Sendo-lhe, nessa medida, aplicável o regime próprios dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17º da CRP), incluindo a sua eficácia imediata, por serem "directamente aplicáveis", bem como a vinculação das entidades públicas e privadas (artigo 18º, nº 1, também do texto constitucional).</font><br> <font>Atento o exposto, improcede a revista do Autor, não ocorrendo violação das normas legais indicadas, designadamente, dos artigos 2079º e 2088º do Código Civil.</font><br> <br> <font>Termos em que se nega a revista.</font><br> <font>Custas pelo Recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br> <font>Garcia Marques,</font><br> <font>Ferreira Ramos,</font><br> <font>Pinto Monteiro.</font><br> <font>-----------------------------------</font><br> <font>(1) Do seguinte teor: "A E e os Réus celebraram um contrato de arrendamento rural há muitos, muitos anos, que, no ano de 1975, por imposição legal, foi reduzido a escrito?"</font><br> <font>(2) Sublinhado agora.</font><br> <font>(3) Neste sentido, cfr., verbi gratia, Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 148.</font><br> <font>(4) Cfr., neste sentido, Oliveira Ascensão, "Direito Civil - Sucessões", 4ª edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 476.</font><br> <font>(5) A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado ("Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, págs, 187 e segs.), uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.</font><br> <font>Ou, como diz Oliveira Ascensão ("O Direito, Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1978, pág. 350), "a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito".</font><br> <font>Como escreveu Francesco Ferrara ("Interpretação e Aplicação das Leis", tradução de Manuel de Andrade, 3ª edição, Coimbra, 1978, págs. 127 e segs. e 138 e segs.), para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios. "Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo".</font><br> <font>Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o "lugar sistemático" que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios. O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar".</font><br> <font>(6) Socorrendo-se dos elementos ou subsídios interpretativos referidos na nota anterior, o intérprete acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades essenciais de interpretação: (a) Interpretação declarativa: nesta o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo; (b) Interpretação extensiva: o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal apontada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, por forma a fazer corresponder a letra da lei ao seu espírito; (c) Interpretação restritiva: outras vezes, pelo contrário, o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis tem uma palavra decisiva. O intérprete, em vez de se deixar arrastar pelo sentido aparente do texto, deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, ou seja, com aquela ratio, em aplicação do brocardo latino cessante ratione legis cessat ejus dispositio.</font><br> <font>(7) Cfr. "Direito das Sucessões - Noções Fundamentais", 6ª edição, Coimbra Editora, 1991, pág. 214.</font><br> <font>(8) Loc cit. na nota anterior, pág. 193.</font><br> <font>(9) Ibidem, pág. 195.</font><br> <font>(10) Cfr. loc. cit. na nota (4), pág. 476.</font><br> <font>(11) É, por exemplo, a posição defendida por Galvão Telles na obra já citada.</font><br> <font>(12) Para maior desenvolvimento, incompatível com a economia da abordagem nesta sede, veja-se Galvão Telles, loc. cit., págs. 246 a 253.</font><br> <font>(13) Os poderes do cabeça-de-casal são os poderes de mera administração, podendo, nomeadamente, utilizar todos os meios conservatórios em relação ao património hereditário; deve, entretanto, satisfazer as despesas do funeral e sufrágio, bem como os encargos da própria administração (artigo 2090º, nº 1), apesar de não responder pelo passivo da herança. Pode receber o pagamento de dívidas activas feito espontaneamente e, excepcionalmente, proceder à sua cobrança coerciva, mas só se a cobrança perigar com a demora. Na verdade, nos termos do artigo 2089º "o cabeça-de-casal pode cobrar as dívidas activas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente".</font><br> <font>(14) O Código Civil fere, no artigo 334º, determinados actos como abusivos. Prevê, para tanto, o titular que exceda manifestamente, no exercício do direito, limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico. O artigo 334º prevê a boa fé objectiva: não versa factores atinentes ao sujeito, mas antes elementos que, enquadrando o seu comportamento, se lhe contrapõem.</font><br> <font>É certo que, para que se verifique abuso de direito, exige-se que o excesso cometido seja manifesto. Como explicam Pires de Lima/ Antunes Varela, os tribunais só podem fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso. Manuel de Andrade refere-se aos direitos "exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça" e às "hipóteses em que a invocação e aplicação se um preceito de lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição". Também Vaz Serra se refere à "clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante".</font><br> <font>Para maior desenvolvimento, em situação, de certo modo, afim, veja-se o Acórdão deste STJ de 11 de Janeiro de 2001, proferido na Revista nº 3344/00-1, de que foi relator o mesmo do presente acórdão.</font><br> <font>(15) Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 344.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No 17º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa foi proposta por A uma acção declarativa pela qual pediu a condenação de B e sua mulher C a pagarem-lhe a quantia de 1.819.038$00, com juros de mora à taxa de 15% sobre 1.523.822$00 desde a propositura e até integral pagamento, tudo na sequência do não pagamento, pelos réus, de fornecimentos feitos pela autora ao réu e em proveito comum do casal.<br> Na contestação os réus impugnaram factos, alegaram outros e pediram a procedência apenas parcial da acção, tendo ainda sido apresentada reconvenção em que, invocando um crédito proveniente de danos patrimoniais, correspondentes a lucros cessantes e a danos emergentes, e também não patrimoniais a que a autora deu causa, o réu pediu a condenação da autora a pagar-lhe, após compensação do crédito da autora com o crédito por ele alegado, a quantia de 1.023.388$00.<br> Na réplica a autora sustentou a improcedência da reconvenção.<br> Após saneamento, condensação e audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção, absolvendo a autora do respectivo pedido, e parcialmente procedente a acção. condenando os réus a, solidariamente, pagarem à autora a quantia de 1.579.313$00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 7% desde a citação e até efectivo pagamento e absolvendo-os do mais pedido.<br> Apelaram os réus, sendo o seu recurso julgado improcedente pela Relação de Lisboa.<br> Do acórdão aqui proferido trouxeram os réus a este STJ o presente recurso de revista em que, alegando, formulam as seguintes conclusões:<br> 1. Verificou-se a existência de omissão de respostas aos quesitos 17º e 37, sendo que a fórmula encontrada para colmatar essa lacuna se mostrou violadora de preceitos legais;<br> 2. Tanto em relação a esses quesitos como a todos os demais da base instrutória o Tribunal da 1ª instância olvidou o cumprimento do disposto no art. 653, n. 2 do CPC, uma vez que o Tribunal Colectivo não analisou criticamente as provas, não especificou os fundamentos que foram decisivos para a convicção dos julgadores no que respeita aos factos provados;<br> 3. No que respeita aos factos não provados as referências contidas em 2. foram completamente omitidas;<br> 4. A decisão do acórdão em recurso que considerou suficiente a fundamentação das repostas aos quesitos da base instrutória viola frontalmente o vertido nos arts. 653, n. 2 e 712 do CPC;<br> 5. A recorrida não alegou factos suficientes para justificar o proveito comum da recorrente mulher em relação aos fornecimentos em causa e, por seu turno, os recorrentes demonstraram que "a recorrente por se dedicar ao comércio, e por ter um estabelecimento comercial próprio, e rendimentos autónomos, o que afasta a presunção contida na al. d) do art. 1691 do CPC" - sic;<br> 6. Tendo em conta a matéria que ficou provada em resposta nomeadamente aos quesitos 7º, 8º, 9º, 10º e 13º, resulta que pelo menos 40% do material fornecido pela recorrida ao recorrente marido não cumpriu o fim a que se destinava, sendo também certo que o recorrente marido era cliente habitual da recorrida, e que a esta incumbia, atentas as regras da boa fé (art. 762, nº 2 do CC), fornecer "tout venant" de boa qualidade, ao que se encontrava vinculada;<br> 7. Existe cumprimento defeituoso da prestação em violação do preceituado no art. 762 do CC, pelo que o Venerando Tribunal ao afastar-se dessa resolução violou o disposto naquele preceito;<br> 8. Não tem aplicação ao caso dos autos o vertido no art. 913 do CC em virtude dos danos provocados com o fornecimento do indicado material;<br> 9. A falta de cumprimento do invocado nas conclusões 1ª a 4ª determina a necessidade de repetição do julgamento;<br> 10. De qualquer modo, o douto Acórdão deve ser revogado e substituído por outro que admita, na íntegra, o pedido reconvencional dos recorrentes;<br> 11. Mostra-se também violado o disposto no art. 762 do CC.<br> Houve resposta em que a recorrida defendeu a improcedência do recurso e, além disso, sustentou que as questões levantadas quanto à omissão de resposta a quesitos e à deficiência da fundamentação das respostas não podem ser conhecidas.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Foram dados como assentes os seguintes factos:<br> 1. A autora exerce, entre outras, a actividade de extracção e comercialização de britas, "tout venant" e outros inertes para a construção civil e obras públicas - A);<br> 2. O réu marido dedica-se à indústria de transportes de mercadorias e comércio por grosso de areias, britas e cimentos - B);<br> 3. No exercício das respectivas actividades a autora vendeu ao réu marido 1198 m3 de "tout venant", ao preço de 1.252$00 por m3, com IVA, e 18 m3 de alvenaria, como consta das facturas nº 134, 224 e 289, emitidas respectivamente em 29/1, 15/2 e 28/2/93, nos valores de 473.558$00, 801.792$00 e 248.472$00 (documentos de fls. 5, 6 e 7, aqui dados por reproduzidos) - C);<br> 4. O réu marido já anteriormente havia adquirido "tout venant" à autora - D);<br> 5. A autora debitou ao réu marido, através dos avisos de lançamento nº 1494, de 4/9/92, e nº 1516 as quantias de 23.704$50 e 31.786$50 de despesas bancárias com letras de seu aceite referentes a fornecimentos anteriores de fls. 8 e 9, aqui dados por reproduzidos - E);<br> 6. O réu marido acordou com D fornecer-lhe cerca de 4.000 m3 de "tout venant" - 3º;<br> 7. Tal fornecimento destinava-se à estrada que na altura se encontrava em reparação entre o cruzamento da Amêndoa e a localidade de Mesão Frio - 4º;<br> 8. E cuja reparação era efectuada por D - 5º;<br> 9. Os réus apresentaram-se em determinada altura na pedreira da autora em Vale dos Ovos, Tomar, para levantar "tout venant" - 35º;<br> 10. Como a autora lhes concedia então crédito, facultou-lhes o volume que eles pretenderam carregar - 36º;<br> 11. Algum do "tout venant" fornecido pela autora apresentava deficiente compactação - 7º;<br> 12. A qual se traduzia na falta de dureza do produto - 8ª;<br> 13. E na falta de solidez e rigidez do piso da estrada após a passagem do cilindro sobre o "tout venant" - 9º;<br> 14. O referido nos quesitos 7º, 8º e 9º era devido ao facto de o "tout venant" ser muito argiloso - 10º;<br> 15. A D foi alertada para o problema por funcionários da Junta Autónoma das Estradas - 11º;<br> 16. Em face do referido nos quesitos 7º a 10º a D fez cessar o acordo com o réu marido - 12º;<br> 17. A D deitou fora pelo menos 40% do "tout venant" já aplicado - 13º;<br> 18. O réu marido reclamou junto do encarregado da pedreira da autora, em Vale dos Ovos, Tomar - 15º;<br> 19. O réu marido contactou pessoalmente o Sr. E, funcionário da autora, com quem conversou sobre essa reclamação - 16º;<br> 20. Em Outubro de 1994 o Delegado Comercial da autora no Departamento de Exploração de Pedreiras sugeriu ao réu marido que o pagamento em falta fosse efectuado mediante serviços de transportes a efectuar pelo réu - 21º e 22º;<br> 21. A "F" facturou a autora por serviços de transportes prestados - 23º;<br> 22. O réu marido debitava cada m3 de "tout venant" a 2.450$00 - 28º;<br> 23. O réu marido gastava com o desgaste do veículo que transportava o "tout venant" e em combustíveis e outros acessórios 599$00 por m3 - 29º;<br> 24. A quantidade de "tout venant" atirada fora pelo cliente do réu marido e o respectivo transporte não foram pagos a este - 30º;<br> 25. O réu marido viu-se preterido na parte restante do fornecimento mencionado no quesito 4º - 31º;<br> 26. Em face do sucedido a D encomendou novo fornecimento à "G" - 32º;<br> 27. Os réus casaram um com o outro em 24/11/79 sem convenção antenupcial (doc. de fls. 50 - certidão de assento de casamento);<br> 28. A ré mulher dedica-se ao comércio de pronto a vestir para crianças - 24º;<br> 29. E tem estabelecimento aberto ao público em Mação com a denominação "......." - 25º;<br> 30. A ré mulher trabalha autonomamente do marido, auferindo rendimentos autónomos - 26º.<br> Impõe-se começar por verificar se este recurso levanta questões subtraídas ao campo de conhecimento que compete ao STJ.<br> Defende-o a recorrida, desde logo, quanto às questões de saber se houve omissão a respostas a quesitos e se houve deficiência de fundamentação das respostas dadas pelo Colectivo, com invocação do nº 6 do art. 712º do CPC - diploma do qual serão as normas que de seguida referirmos sem outra menção de pertença.<br> Nele se diz que não há recurso para o STJ das decisões proferidas pela Relação no âmbito dos nº 1 a 5 do mesmo artigo.<br> Trata-se de disposição que foi introduzida pelo DL nº 375-A/99, de 20/9, e que entrou em vigor trinta dias depois da sua publicação.<br> Prescreve a seu respeito o art. 8º, nº 2 deste diploma que a mesma não terá aplicação aos processos pendentes.<br> A presente acção foi intentada em 6/4/95.<br> Pretender, como pretende a recorrida, que apesar desta indicação do legislador estamos perante norma interpretativa que deve ser aplicada retroactivamente com base no art. 13º, nº 1 do CC é mais do que uma posição ousada e aventureira; é argumentar contra lei expressa, que claramente se assumiu como não interpretativa.<br> Resta, em todo o caso, saber se, como diz também a recorrida, o art. 722, nº 1 impede que as mesmas questões - a omissão de respostas a quesitos e a deficiente fundamentação - façam parte do âmbito deste recurso.<br> Antes da reforma processual de 1995/96 não havia, neste âmbito, qualquer limite à crítica de natureza processual a dirigir cumulativamente em sede de revista ao acórdão da Relação, tal como também o não havia em sede de agravo em 2ª instância, previsto no art. 754º.<br> Com esta reforma deixou, porém, de ser assim.<br> Por um lado, o nº 2 do art. 754º passou a conter uma solução restritiva no tocante à possibilidade de agravo em 2ª instância, sendo de registar que a sua primeira formulação trazida por essa reforma foi depois substituída por uma outra, introduzida pelo DL nº 375-A/99, de 20/9 e que entrou em vigor 30 dias depois.<br> Por outro lado, de acordo com o nº 1 do art. 722, o alargamento do âmbito natural do recurso de revista - que é a violação de lei substantiva, como diz o art. 721, nº 2 - à violação de lei de processo só pode ter lugar quando da mesma fosse possível recurso nos termos do art. 754, nº 2.<br> Assim, para saber se tal invocação em recurso de revista é, em concreto, possível, há que apurar previamente se a mesma poderia ter fundado um recurso de agravo.<br> Pela razão já atrás referida a outro propósito, não é de considerar aqui a redacção dada ao nº 2 do art. 754º pelo DL nº 375-A/99.<br> Apesar da data em que a presente acção foi proposta, o regime de recursos introduzido pela mencionada reforma processual de 1995-96 é aplicável, nos processos pendentes à data em que entrou em vigor, às decisões proferidas após o seu início de vigência - cfr. art. 25º, nº 1 do DL nº 329-A/95, de 12/12, na redacção dada pelo DL nº 180/96, de 25/9.<br> Há, assim, que considerar a versão que do art. 754 ficou a vigorar após essa reforma.<br> No seu nº 1 foi prevista a possibilidade de haver agravo para o STJ para reapreciação de acórdão da Relação recorrível nos termos gerais, salvo se coubesse revista ou apelação.<br> Esse agravo ficou, porém, pelo seu nº 2 excluído nos casos em que o acórdão da Relação confirmasse, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1ª instância, a não ser que aquele estivesse em oposição com outro acórdão do STJ ou de qualquer Relação e não houvesse jurisprudência uniformizada pelo STJ com ele conforme.<br> Mas, por sua vez, o nº 3 do mesmo artigo afasta a aplicabilidade da primeira parte do seu nº 2 - isto é, a exclusão de recurso de agravo quando o acórdão da Relação confirmasse, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1ª instância - em diversos casos, um dos quais é o previsto na al. a) do nº 1 do art. 734 do CPC - agravo de decisão que ponha termo ao processo.<br> A decisão que na 1ª instância foi impugnada, por via de recurso, com fundamento nas aludidas omissão e deficiência não foi, por impossibilidade legal, o acórdão que respondeu ao questionário, mas a sentença.<br> Por se tratar de decisão que põe termo ao processo, o agravo que dela tivesse sido interposto com esses fundamentos daria lugar a um acórdão da Relação que, nos termos das disposições indicadas, poderia ser objecto de agravo em 2ª instância.<br> Deste modo, o art. 722, nº 1 não impede a inclusão destas questões no âmbito da presente revista.<br> E a circunstância de ambas dizerem respeito às respostas dadas pelo Tribunal Colectivo ao questionário não é de natureza a impedir a intervenção pedida ao STJ.<br> O art. 26 da Lei nº 3/99, de 13/1, estabelece que o STJ apenas conhece de matéria de direito, a não ser nos casos em que outra coisa seja prevista na lei.<br> Em consonância com este princípio, os arts. 721, 722 e 755 do CPC prevêem a intervenção do STJ quando lhe é submetida a apreciação de violações de lei substantiva ou de lei de processo ou a existência de nulidades de decisões judiciais.<br> E, expressamente, é-lhe vedado julgar se há erro na apreciação de provas ou na fixação dos factos materiais da causa.<br> Esta última proibição cessa, porém, se esses erros resultarem de ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova.<br> Isto quer dizer que, em suma, o STJ não pode apreciar o valor de provas que sejam livremente valoráveis pelo juiz, nem pode extrair presunções judiciais; mas já poderá intervir directamente no apuramento da matéria de facto se o fizer com recurso exclusivo à interpretação e aplicação de normas jurídicas.<br> E poderá também controlar se o apuramento de factos pelas instâncias foi feito com observância de imposições legais na matéria, pois, como é evidente, a inobservância delas que a esse propósito se registar traduzirá violação de lei, seja substantiva, seja processual.<br> Apreciar se existe essa inobservância é conhecer de matéria de direito.<br> <br> Na conclusão 1ª defende ter havido omissão de resposta aos quesitos 17º e 37º, à qual se terá procurado obviar com procedimento violador de lei.<br> Como dissemos, a acção foi proposta em 6/4/95.<br> Dado o seu valor processual determinado pela reconvenção passou a seguir a forma ordinária, sendo julgada em colectivo.<br> No acórdão que foi proferido a fls. 87-89 a responder ao questionário não figurou a resposta ao quesito 17º nem ao quesito 37º, dos quais se não disse se estavam provados ou não provados.<br> Apesar disso, na respectiva fundamentação referiram-se dois depoimentos de testemunhas como determinantes da convicção formada, entre outros, quanto ao quesito 37º.<br> Veio a ser depois proferido um acórdão em que os mesmos Senhores Juízes preencheram a lacuna, dando a ambos os quesitos 17º e 37º a resposta de "não provado" e considerando não escrita a referência daqueles depoimentos como fundamentando uma resposta, que não fora ainda dada, a este último quesito.<br> Este acórdão não foi proferido em audiência de julgamento - já que esta não foi reaberta para o efeito - e as partes tomaram dele conhecimento por notificação, na sequência da qual nada fizeram.<br> Houve aqui uma irregularidade de tramitação que não foi oportunamente combatida através da competente arguição de nulidade, o que sana o vício, nos termos dos arts. 201 e 205.<br> A circunstância de ter mediado um período de tempo longo entre os dois acórdãos do Colectivo não é, por si só, inviabilizadora deste enquadramento, uma vez que entretanto a marcha do processo não prosseguira efectivamente para uma fase na qual a resposta dada em momento tardio se não pudesse enquadrar.<br> A solução que a Relação consagrou a este propósito não é, pois, afectada pelo teor da conclusão 1ª formulada pelos recorrentes.<br> Nas conclusões 2ª a 4ª os recorrentes reagem contra a fundamentação dada às respostas ao questionário, quer pela falta total de fundamentação quanto às respostas de "não provado", quer quanto à insuficiência da fundamentação dada às respostas que tiveram certos factos como provados.<br> Para isso atêm-se ao disposto no art. 653, nº 2, tal como emergiu da reforma processual citada.<br> O essencial do regime nele consignado fora já introduzido pelo DL nº 39/95, de 15/2 e com entrada em vigor sessenta dias mais tarde, que introduzira, designadamente, a extensão do dever de fundamentação, até aí reservado aos factos provados, aos que assim não foram tidos.<br> No entanto, a redacção aí adoptada não era aplicável nestes autos; por força do art. 12, nº 2 deste DL, o que nele se dispunha apenas seria aplicável em tribunais de ingresso e nos processos de natureza civil instaurados após a sua entrada em vigor; mas o 17º Juízo Cível de Lisboa não era tribunal de ingresso, aí se aplicando, portanto, o direito anterior.<br> E, no tocante à redacção introduzida pela reforma processual de 1995/96, temos que atentar em que, de acordo com o art. 16 do DL nº 329-A/95 na redacção dada pelo DL nº 180/96, as alterações por ele introduzidas no CPC apenas se aplicam, ressalvadas as excepções aí previstas, em processos instaurados após 1/1/97.<br> E, contemplando as excepções previstas nos seus arts. 13º e 17º e segs., conclui-se que nenhuma se refere à fundamentação das respostas dadas aos questionários elaborados em acções já pendentes.<br> Quanto a estas - e, portanto, quanto à presente acção -, o Tribunal Colectivo tinha que observar o disposto no nº 2 do art. 653, na redacção anterior à reforma.<br> Daqui resulta, desde logo, que não merece crítica a falta de fundamentação das respostas de "não provado", que o preceito não exigia, tal como também não exigia a análise crítica das provas - cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pg. 627.<br> Quanto aos restantes factos, tinha o Tribunal Colectivo de especificar os fundamentos decisivos para a sua convicção, expondo as razões da credibilidade dos meios probatórios mais relevantes, mas sem que se lhe exigisse a exposição dos resultados da análise crítica que fizesse a respeito dos diversos meios probatórios que tinha perante si; o art. 712º, nº 3, tal como então regia, chegou a ser tido como a demonstração de que o mínimo indispensável nesta matéria consistia na menção, pelo menos, dos meios concretos de prova que haviam determinado a convicção do julgador.<br> No acórdão em que se respondeu ao questionário lê-se, no que toca a testemunhas, a referência a duas que eram empregadas da autora com menção dos sectores em que trabalhavam - uma no departamento de exploração de pedreiras e outra no departamento de controle de crédito e facturação -, a duas testemunhas dos réus que haviam trabalhado na obra levada a cabo pela D e ainda a mais duas testemunhas dos réus, uma das quais, irmão do réu mas dando mostras de responder com isenção, era gerente desta sociedade, sendo a outra um fiscal da JAE na obra em causa.<br> Compreende-se que com estas menções o Tribunal Colectivo quis exprimir a proximidade das testemunhas em face dos factos discutidos e, com isso, abonar a sua razão de ciência.<br> Indicou, assim, razões da convicção formada.<br> Assim procedendo, agiu, com nítida suficiência, dentro dos moldes em que era de fazer, nesse estádio legislativo, a fundamentação das respostas, moldes esses que não eram tidos como violadores de imperativos constitucionais - cfr. acórdãos do Trib. Constitucional de 24/3/94, BMJ 435-475, e de 23/1/97, BMJ 463-179.<br> Assente isto, o acórdão recorrido não violou as suas obrigações de controlo da fundamentação das respostas tais como as configura agora o nº 5 do art. 712 - este, pelo contrário, emergente da referida reforma processual, "ex vi" do art. 25 do DL nº 329-A/95, na redacção dada pelo DL nº 180/96, mas a aplicar tendo em atenção as regras a que a decisão da 1ª instância estava vinculada.<br> Improcedem, pois, as conclusões 2ª a 4ª.<br> E, porque se disse já improceder também a conclusão 1ª, nenhum êxito tem também o pedido de repetição do julgamento feito na conclusão 9ª.<br> Na conclusão 5ª os recorrentes sustentam que a ré, mulher do réu, deve ser absolvida por estar afastada a presunção contida na al. d) do nº 1 do art. 1691 do CC, dizendo que a recorrida não alegou factos suficientes para demonstrar o proveito comum da ré em relação aos fornecimentos geradores da dívida para com a autora, aqui recorrida.<br> Acontece que a autora nada tinha que alegar a este respeito.<br> A comunicação, em princípio, à ré da dívida contraída pelo réu, seu marido, deu-se por virtude da integração dessa dívida na actividade comercial que este tinha - cfr. factos nº 2 e 3.<br> Provou-se inclusivamente, pela positiva, a integração da dívida nessa actividade comercial, assim se dispensando o recurso à presunção que nesse sentido sempre poderia ser extraída a partir do art. 15º do CCom.<br> A comunicação da dívida só seria afastada se se provasse que não fora contraída em proveito comum do casal.<br> Ou seja, uma vez que, face à lei, os factos reveladores da falta de proveito comum funcionam como impeditivos de tal comunicação, o ónus da respectiva alegação e prova recaía sobre os réus - cfr. art. 342, nº 2 do CC.<br> Terão os recorrentes satisfeito esse ónus?<br> Provou-se, na sequência do que alegaram, o que consta dos factos nº 28 a 30.<br> Sabendo-se que são casados entre si em regime de comunhão de adquiridos - cfr. facto nº 27 e doc. de fls. 50 -, a ambos pertencem, por serem comuns, os rendimentos que a cada um advenham do seu trabalho - cfr. art. 1724, al. a) do CC.<br> A dívida contraída pelo réu e aplicada na sua actividade comercial só se não comunicaria à ré se os réus houvessem provado que, por determinadas circunstâncias, o seu resultado se não destinava a satisfazer interesses do casal - cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª edição, pg. 411.<br> Ao provarem apenas que a mulher tem uma actividade autónoma que lhe proporciona rendimentos autónomos, os réus não esclareceram em que consiste esta autonomia, que não está caracterizada em termos que viabilizem o desligamento de qualquer um deles em relação aos rendimentos auferidos pelo outro.<br> Afirmar, como se afirmou, uma não explicada "autonomia" não pode, manifestamente, chegar para negar a comunhão de interesses que é própria do regime de bens que os liga.<br> Improcede, pois, esta conclusão.<br> Reportando-se as demais conclusões dos recorrentes à matéria da reconvenção, interessa referir mais detalhadamente o conteúdo desta. <br> Alegando a deficiente qualidade do "tout venant" fornecido pela autora e as consequências daí resultantes no âmbito do contrato que ligava o réu à D, o réu invocou dano por lucros cessantes correspondentes ao ganho de 1.701.759$00 que o cumprimento total desse contrato teria proporcionado e pelo prejuízo, no montante de 595.451$20, emergente de não ter sido pago pela mesma sociedade o "tout venant" deitado fora; invocou ainda danos, a ressarcir com 250.000$00, resultantes da má imagem comercial causada junto de clientes.<br> Perante os factos provados a Relação entendeu que, não se tendo provado que a autora se houvesse obrigado a fornecer material com características diferentes do que entregou, se não pode concluir ter havido cumprimento defeituoso; por outro lado, e uma vez que o material em causa, pelas suas características, poderia servir para determinada obra e já não servir para uma outra - e não tendo o réu provado o defeito do mesmo -, não há também venda de coisa defeituosa.<br> Os recorrentes insistem, porém, em que a prestação realizada foi defeituosa e que deve ser enquadrada de acordo com o regime do cumprimento defeituoso, e não o regime da venda de coisas defeituosas, por estarem em causa danos colaterais.<br> Vejamos, antes de mais, as soluções que o direito vigente consagra nesta área.<br> A par do atraso no cumprimento, ou mora, e do não cumprimento definitivo - que o é por razões de impossibilidade física ou jurídica da prestação, ou por o credor se ter validamente desvinculado do contrato -, fala-se ainda no cumprimento defeituoso, que consistirá na efectivação da prestação mas com vícios, defeitos ou irregularidades.<br> A autonomia desta modalidade de não cumprimento existirá apenas quando a prestação não foi rejeitada pelo credor - pois, se o tiver sido, somos remetidos para o regime geral da mora e do não cumprimento - nem por ele tenha sido aceite sem que o defeito da mesma lhe haja causado danos. <br> Ao cumprimento defeituoso o CC - diploma do qual serão, a partir deste momento, os dispositivos legais que iremos referir se outra origem não indicarmos - apenas se refere, em termos gerais, no art. 799, nº 1 - onde o faz equivaler à falta de cumprimento para efeitos de presunção de culpa -, embora dê tratamento, em sede de contratos em especial, a hipóteses especiais verificadas no âmbito da compra e venda, da doação, da locação e da empreitada. <br> Em termos gerais, dir-se-á que a insuficiência da prestação que caracteriza o cumprimento defeituoso tanto pode respeitar à prestação principal - que, em caso de compra e venda e na medida em que o vendedor é o devedor, é a obrigação de entrega da coisa vendida - como a deveres secundários ou acessórios integrados na relação creditória; e, também para além dessas soluções concretas dadas para as espécies contempladas, será de atender a que, em princípio, a consequência do cumprimento defeituoso será o dever de indemnizar os prejuízos dele decorrentes - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pgs. 126-131.<br> Caberá ao credor o ónus de provar a desconformidade entre a prestação feita e aquilo a que o contrato obrigava o devedor, funcionando a partir daí a já mencionada presunção de culpa.<br> Mas, havendo, como se disse, casos especiais para certos contratos, e uma vez que estamos perante um deles - o contrato de compra e venda -, há que analisar, ainda que sumariamente, o regime legal previsto para a venda de coisas defeituosas.<br> Há venda de coisa defeituosa, para este efeito, quando a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada ou quando não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, remetendo a lei para o regime próprio da venda de bens onerados - art. 913, nº 1.<br> Quando o critério aferidor da existência do defeito da coisa for o fim a que esta é destinada, atender-se-á, se esse fim resultar do contrato, ao que foi acordado; no caso contrário - ou seja, no silêncio do contrato a este respeito -, relevará a função normal das coisas da mesma categoria - art. 913, nº 2.<br> Como escreve Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 3º Volume, pg. 79, "... é compreensível que o juízo acerca da idoneidade do objecto vendido se há-de pautar pelas características do género em que ele se integra, já que a vontade presumível das partes irá nesse sentido. ........ Há é, apenas, a adopção de um padrão de normalidade que desonera, nessa medida, o comprador da prova da inclusão, no acordo, das qualidades".<br> Também sobre o comprador recairá o ónus de prova da desconformidade da prestação em relação ao que foi acordado ou em relação a esta função normal, consoante for o caso.<br> A primeira consequência prevista para a existência de coisa defeituosa é o direito, por parte do comprador, a pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, uma vez verificados os respectivos requisitos legais - art. 905.<br> Procedendo esta anulação, o comprador tem ainda direito a ser indemnizado, mas com duas medidas diversas; em caso de dolo será indemnizável todo o dano que não teria sido sofrido se a compra e venda não houvesse sido celebrada; e em caso de erro a indemnização abrangerá apenas os danos emergentes do contrato, dela se excluindo os benefícios que o comprador tiver deixado de obter - arts. 908º e 909º, conjugado este com o art. 564º, nº 1.<br> Poderá haver lugar, em alternativa à anulação, à redução do preço, a par da indemnização que tiver lugar no caso - art. 911º.<br> No entanto, há ainda casos de contratos de compra e venda de coisa defeituosa em que este conjunto de soluções não tem aplicação, valendo antes as regras relativas ao não cumprimento das obrigações, o que envolve o direito, por parte do comprador, a uma indemnização nos termos gerais; não haverá aí, designadamente, a restrição que ao seu âmbito é imposta em casos de erro pelo art. 909º.<br> Sucede isto nos casos em que, depois da venda e antes da sua entrega, a coisa vendida adquire vícios ou perde qualidades, bem como nos casos de venda de coisa futura e nos de venda de coisa indeterminada de certo género - art. 918º. Neste último caso, e se a venda tiver por objecto coisas genéricas, a sua determinação caberá, em princípio, ao vendedor - arts 400º, nº 2, "in fine" e 539º.<br> Finalmente, é de referir que nos casos em que o cumprimento defeituoso se refira a um contrato de compra e venda, sendo-nos deparado um concurso entre um regime decorrente de normas e princípios gerais e outro consubstanciado em normas especiais, haverá que fazer aplicar o regime especial no âmbito que lhe é próprio, apenas sendo de recorrer ao regime geral fora daquele - cfr. Meneses Cordeiro, Violação Positiva do Contrato, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 41º, pgs. 145-147.<br> Uma vez que nesta acção o réu reconvinte pediu a indemnização de danos correspondentes a lucros cessantes, deve ainda salientar-se, como conclusão extraída do que ficou já dito, o seguinte.<br> Tratando-se de venda de coisa específica, o regime especial aplicável à venda de coisas defeituosas pressuporá a verificação dos requisitos do art. 913º e conferirá, em caso de erro, o direito à anulação do contrato e a indemnização por danos emergentes a que se refere o art. 909º; os lucros cessantes só serão então ressarcíveis através do regime, mais exigente, do cumprimento defeituoso.<br> Tratando-se, porém, de venda de coisa genérica, e constatada a existência de defeito nos termos do art. 913º, já o art. 918º manda aplicar o regime geral do não cumprimento, o que permite uma indemnização tanto de danos emergentes como de lucros cessantes e sem necessidade de prova dos requisitos do erro.<br> Vejamos agora o caso concreto.<br> A compra e venda de "tout venant" a que se referem os nº 3, 6, 7 e 9 a 14 supra teve como objecto coisa indeterminada.<br> Se se tratou de coisa defeituosa, a indemnização pedida pelo reconvinte poderá abranger os lucros cessantes.<br> Porém, e ao contrário do que alegou, não fez o reconvinte prova de que tivesse encomendado "tout venant" com determinadas características especiais não satisfeitas pela autora.<br> Nem fez também prova, como lhe competia, da desconformidade entre as qualidades do "tout venant" fornecido e as próprias do destinado à sua função normal.<br> Na verdade, é de subscrever o que no acórdão recorrido se disse a este propósito - que, decorrendo do facto nº 1 que esse material pode ser usado tanto na construção civil como em obras públicas, a sua aptidão para um ou outro destes fins não envolve necessariamente as mesmas características.<br> Poderia relevar, porém, ainda a eventual desconformidade entre as características do "tout venant" fornecido e as próprias do "tout venant" destinado a algum fim constante do contrato.<br> A este respeito o reconvinte alegou nos arts. 3º a 5º da contestação aquilo que, com alteração insignificante, acima consta dos factos nº 6 a 8.<br> Esta sua alegação não basta, a nosso ver, para que se tenha como alegada a inclusão do mencionado fim no contrato, o que exigiria que à autora tivesse sido dado conhecimento do mesmo.<br> Tal fim surge referido como o que o reconvinte lhe iria dar, e não como o fim que o reconvinte tenha comunicado à autora que lhe iria dar.<br> Nem a actividade do reconvinte - facto nº 2 - nem a circunstância de anteriormente este já haver adquirido "tout venant" à autora - facto nº 4 - permitem concluir o contrário.<br> Deste modo, o defeito relevante da coisa vendida, em qualquer dos enquadramentos jurídicos possíveis, ficou por provar.<br> Nega-se a revista.<br> Custas pelos recorrentes.<br> <br> Lisboa, 16 de Abril de 2002<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam na Secção Cível:<br> I) - Relatório.<br> 1 - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, com distribuição ao seu segundo juízo, A propôs contra B e mulher, C, acção de reivindicação com processo ordinário, com os seguintes fundamentos:<br> O autor é dono e legitimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra "C", que constitui o rés-o-chão esquerdo com logradouro, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Damaia , sendo a fracção inscrita na matriz predial sob o artigo 827, descrita na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n. 9255 e inscrita a seu favor sob o n. 32952.<br> Porque tencionava permanecer algum tempo no estrangeiro, acedeu a que os réus, que não tinham onde habitar, utilizassem aquele R/C comprometendo-se os réus a restituir-lhe o andar, logo que solicitado.<br> Ficou ainda acordado que os réus, enquanto permanecessem na casa, tomariam sobre si a responsabilidade das amortizações ao banco do empréstimo que para aquisição da cassa foi concedido pela Caixa Geral de Depósitos.<br> Assim, o autor em Julho de 1985, solicitou aos réus a entrega da casa ou, em alternativa, a sua aquisição.<br> Mas, os réus recusaram-se a entregar a casa, não querendo, também, comprá-la.<br> O autor terminou, pedindo: a) se declare ser o autor único exclusivo proprietário daquela fracção autónoma; b) se declare que os réus não têm qualquer título jurídico válido que lhes permita habitá-la; c) se condenassem os réus a restituir-lhe aquela fracção autónoma, bem como a pagar-lhe uma indemnização por perdas e danos à razão de 15000 escudos por mês desde Julho de 1985, a que acrescerá a quantia de 112950 escudos, correspondente à amortização não paga à Caixa.<br> Contestaram os réus:<br> A cedência da casa foi feita a título oneroso e mediante o pagamento de uma renda, tendo sido acordado que, a esse título, os réus pagariam um valor equivalente ao do custo da amortização a que o autor tinha de fazer face para liquidar o empréstimo bancário a que recorreu para adquirir o dito andar, tendo sido estipulado desde logo o inicio, uma renda equivalente a 4000 escudos por mês.<br> Os réus sempre têm pago a renda devida, procedendo, para tanto, ao depósito ou transferência para a respectiva conta bancária a partir da qual são efectuadas as amortização do empréstimo.<br> Inclusivamente, os réus satisfizeram por conta do autor outros encargos a que não estão vinculados, suportando as despesas de condomínio e encargos fiscais relativos ao andar.<br> O acordado entre autor e réus tipifica um contrato de arrendamento para habitação, não sendo a presente acção o meio próprio para obter a entrega do andar.<br> Pediu a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.<br> Houve réplica do autor.<br> Formado o processo e, organizadas especificações e o questionário, procedeu-se a julgamento. A acção foi julgada parcialmente procedente, declarando-se o autor único e exclusivo dono e proprietário daquela fracção autónoma, sendo julgado improcedente quanto aos outros pedidos.<br> 2 - O autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas ali, foram anuladas as respostas aos quesitos 11 e 18 ordenando-se a baixa do processo à 1 instância.<br> 3 - Repetido o julgamento a nova sentença decidiu a acção de forma idêntica à anterior.<br> 4 - Novamente, o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa. O recurso foi provido em parte, condenando-se os réus a restituir ao autor o andar em causa.<br> 5 - Tanto o autor, como os réus, interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.<br> Na sua alegação de recurso o autor formulou as seguintes conclusões:<br> 1 - Reconhecida a mora na obrigação de restituir o andar e tendo-se condenando os moradores a fazer a restituição ao seu legitimo proprietário, impunha-se, por coerência de aplicação dos seus elementares princípios de direito, que os recorridos fossem igualmente condenados a indemnizar o recorrente pela privação de usufruir desse bem.<br> 2 - O dever de indemnizar, por força do que determina a lei, designadamente o n. 1 do artigo 564 do Código Civil, compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.<br> 3 - No caso dos autos, o lesado consubstanciou-se na impossibilidade do recorrente dispor do apartamento, sendo que o valor locativo é o critério de aferição normal e usual do benefício e utilidade dum imóvel.<br> 4 - Desde Agosto de 1985 que os recorridos estavam em mora na obrigação de restituir o apartamento, mora que terminou em Dezembro de 1991, data em que os recorridos fizeram a devolução voluntária do locado.<br> 5 - Decorrendo da lei a obrigação de indemnizar, definidos a existência da lesão e o seu contorno temporal e, tendo em conta o valor locatário fixado na primeira instância, impõe-se que o acórdão, ora sob crítica, seja alterado por forma a que os réus, e ora recorridos, sejam condenados a pagar, pela privação da disponibilidade de utilização do apartamento, no montante indemnizatório de 1185000 escudos.<br> 6 - Tendo decidido, como decidiu, o tribunal da Relação de Lisboa, por erro de interpretação e aplicação, designadamente o n. 1 dos artigos 564 e 798, do Código Civil.<br> Por sua vez, os réus na sua alegação de recurso formularam estas conclusões:<br> 1 - Dos autos resulta provado que entre as partes foi celebrado um contrato tipificável como de arrendamento, caracterizado pela cedência do uso e fruição do andar com destino para habitação, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal no valor de 4000 escudos.<br> 2 - Tal contrato configura título constante e determinante para o recurso da restituição do andar no âmbito da acção de reivindicação.<br> 3 - O acórdão recorrido, ao ordenar a restituição do andar em causa, violou os artigos 1022, 1095 e 1311, n. 2, do Código Civil.<br> 4 - Nos autos não foi provado, nem sequer alegado, qualquer prejuízo ou dano causado ao autor que legitime o pedido indemnizatório pretendido pelo autor; pelo que deve ser provido o recurso dos réus, não tendo que restituir o andar ao autor; devendo, pelo contrário, ser negado provimento do recurso do autor.<br> II) Fundamentos da Decisão.<br> A) Factos provados:<br> A fracção autónoma "C", rés-do-chão, esquerdo, com logradouro, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Damaia, Amadora, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. 9255, encontra-se inscrito a favor do autor, na mesma Conservatória, por o ter comprado a José Alexandre Malheiro Carreiras, por escritura pública de 9 de Agosto de 1979.<br> Uma parte da quantia do preço da compra e venda havia sido obtida pelo outro através de empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos.<br> O autor acedeu a que os réus passassem a habitar no rés-do-chão em causa, porque tencionavam permanecer alguns tempos no estrangeiro, e por o réu ser seu irmão e não possuir, na altura, local para habitar.<br> Os réus passaram, então, a habitar no referido rés-do-chão, com autorização do autor.<br> Entre o autor e os réus ficou combinado que estes últimos, enquanto permanecessem no rés-do-chão, pagariam as amortizações do empréstimo à Caixa, até ao limite de 4000 escudos por mês, cada uma.<br> O autor propôs-se contribuir até ao montante de 2000 escudos para a liquidação das amortizações, naquilo que excedesse o referido montante de 4000 escudos.<br> Os réus não pagaram a amortização, no montante de 102950 escudos, o que sucedeu por, na altura, não terem sido reclamados os quantitativos devidos, por erro de cálculo dos serviços da própria Caixa.<br> Os réus têm satisfeito outros encargos, não acordados, suportando as despesas de condomínio e encargos fiscais, relativos ao andar.<br> Em Julho de 1985, o autor solicitou aos réus a entrega do rés-do-chão, ou, em alternativa, a sua aquisição por este. Por os réus não estarem dispostos a pagar o preço pretendido pelo autor, este desistiu da proposta de venda, solicitando-lhes a entrega do rés-do-chão, o que os réus recusaram.<br> O referido rés-do-chão poderia ser arrendado, desde Julho de 1985, pela renda mensal de 15000 escudos.<br> B) Aspecto Jurídico.<br> 1 - A questão fulcral posta no recurso dos réus é a de saber se, perante os factos provados, pode considerar-se como de arrendamento o contrato celebrado entre as partes. E teremos que conversar pela solução desta questão, porque a decisão do recurso interposto pelo autor depende também da solução dada ao recurso dos réus. Como vimos já, o autor pretende apenas que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia mensal de 15000 escudos pela ocupação ilícita do andar, o que, segundo ele, se verifica desde Agosto de 1985, quando os réus se recusaram a entregar-lhe o imóvel.<br> 2 - O contrato é o campo de eleição da autonomia privada: os contratos têm o poder de fixarem, em termos vinculativos, a disciplina que mais convém aos seus interesses. O artigo 405 do Código Civil contém o princípio básico da liberdade contratual dispondo o seguinte no seu n. 1: "Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.<br> Entre as limitações da liberdade de contratar contem-se a imposição da renovação e da transmissão do contrato a um dos contraentes e a imposição de certas cláusulas limitativas da livre fixação do conteúdo dos contratos, limitações estas que existem, v. gr., no contrato de arrendamento tudo isto se refere, porque, se se concluísse pela existência de um contrato de arrendamento, as estipulações das partes teriam que se ajustar aos limites apertados do seu regime jurídico.<br> 3 - Portanto, a pretenção que, desde já, cumpre decidir é se, atenta a matéria de facto provada e as referidas limitações legais, estaremos perante um contrato de arrendamento. E, para isso, há que apurar, no caso concreto qual a vontade das partes para, seguidamente, se concluir a que tipo de contrato se ajusta o contrato que elas quiseram celebrar.<br> Durante algum tempo entendeu-se que a intenção das partes ao celebrarem um contrato e a interpretação das suas cláusulas constituía matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, e essa jurisprudência vem referida no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Janeiro de 1985 (Boletim do Ministério da Justiça n. 343, página 320). Este entendimento exprimindo-se em termos vagos quanto à interpretação das cláusulas contratuais, dado que nos termos do artigo 236 do Código Civil, não pode deixar de constituir matéria de direito o sentido relevante que certa declaração negocial tem para o direito (ver o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 6 de Julho de 1989, no Boletim do Ministério da Justiça n. 389 a páginas 556 e seguintes).<br> Já Vaz Serra ensinara: "a interpretação de uma declaração negocial é matéria de direito quando tenha de ser feita segundo critério ou critérios legais (...) e matéria de facto quando efectuada de harmonia com a vontade real do declarante..." (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110, página 40). Também no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 5 de Março de 1985, se lê o seguinte: "A interpretação de cláusulas contratuais só envolve matéria de facto quando importe a reconstituição da vontade real das partes, constituindo matéria de direito, por isso da competência do tribunal de revista, quando, na ignorância de tal vontade, haja de ser feita com termos do artigo 236, n. 1, do Código Civil". Compete a este Supremo Tribunal verificar a correspondência entre as declarações das partes e o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, atribuiria, sem que razoavelmente o declarante lhe pudesse opor qualquer outro.<br> 4 - O contrato de arrendamento é aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante retribuição (artigo 1022 e 1023, do Código Civil).<br> O que está provado é que o autor autorizou os réus a habitarem a fracção autónoma por aquele comprada. Esta convenção tem significado idêntico ao do autor ter proporcionado o gozo temporário daquele andar aos réus.<br> O facto do contrato ter sido celebrado pelo período de tempo em que o autor estivesse ausente no estrangeiro, isso seria irrelevante para efeitos de caducidade a invocar pelo autor, se se tratasse de um contrato de arrendamento, porque, pela norma imperativa do artigo 1195 do Código Civil, considerava-se renovado, findo esse prazo, excepto se o próprio arrendatário o denunciasse nos termos do artigo 1055 do mesmo Código.<br> O que importa, pois, é saber se as partes contratantes estabeleceram uma renda como retribuição do gozo do andar a pagar pelos réus, pois, caso afirmativo, estaríamos perante um contrato de arrendamento.<br> Quanto a isso, ficou combinado entre o autor e os réus que estes, enquanto permanecessem naquele andar, pagariam as amortizações do empréstimo à Caixa, até de 4000 escudos por mês, cada uma.<br> É elemento essencial do contrato de arrendamento a estipulação de uma retribuição e do seu montante, ou do critério que permita a sua fixação.<br> Na vigência da legislação locatária anterior ao novo Código Civil a contrapartida pela cedência do gozo do imóvel devia ser uma certa (artigo 1595 do Código Civil), ou uma determinada retribuição (artigo 1 do Decreto n. 5411) e daí entendiam Galvão Telles ("Arrendamento", página 229) que era necessária a pré-fixação da renda para se poder designar o contrato como de arrendamento, opinião esta que não era perfilhada por Pinto Loureiro, que defendia ser suficiente a estipulação de "um critério apropriado para determinar o montante da renda no momento oportuno, contanto que um tal critério se apresentasse revestido de segurança suficiente para excluir toda a possibilidade de arbítrio e de incerteza" ("Tratado da Locação", I, página 72).<br> Esta última doutrina foi consagrada no novo Código Civil e sobre a questão escreveram Pires de Lima e Antunes Varela: "De qualquer modo, é essencial à perfeição do arrendamento que as partes tenham acordado no montante da retribuição que deve ser paga pelo locatário ou no critério que permita a sua fixação. De contrário, é de concluir, ao invés do que pode suceder na compra e venda (cfr. artigo 883, n. 11, que as partes não chegaram a efectuar o contrato (artigo 232)" ("Código Civil Anotado", Volume II, 3 edição, página 365).<br> O critério para a fixação da renda deve ser objectivo e de molde a que a renda dele resultante seja uniforme e não escalonada. O que é necessário e suficiente é que desse critério resulte com segurança o montante exacto que o arrendatário tem a pagar-lhe, isto não acontece no caso em análise, em que o montante a pagar pelos réus tinha apenas um limite - 4000 escudos mensais - mas que podia variar conforme diferente fosse o montante da amortização a pagar pelos réus à instituição bancária que arrendara ao autor o empréstimo para pagamento ao autor do empréstimo, digo, pagamento de parte do preço da casa.<br> Mas, não é tudo: acabado o pagamento do empréstimo, não havia qualquer outro critério para determinar o que os réus teriam a pagar.<br> Por isso, podemos concluir que as partes não celebraram um contrato de arrendamento, por falta do elemento essencial - a "retribuição" pela cedência do gozo temporário do móvel. É o que resulta da interpretação da referida cláusula contratual, na "teoria da impressão do destinatário" consagrada no referido artigo 236, n. 1, pois é indispensável, como pretendem os réus, que ali se estipulou a retribuição mensal fixa de 4000 escudos.<br> 5 - Estamos, pois, perante a celebração de um contrato inominado, já que a hipótese não configura um contrato de comodato por não ser um contrato gratuito (artigo 1129 do Código Civil).<br> 6 - Não tendo os réus qualquer título que legitime a sua posse da referida fracção autónoma, não podiam recusar a sua restituição ao autor, dado que não foi estipulado qualquer prazo para os réus gozarem aquela fracção autónoma (artigo 134 do Código Civil).<br> 7 - Com o seu recurso, o autor pretende que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia mensal de 15000 escudos desde Agosto de 1985, data em que ficaram em mora quanto à restituição da casa, computando os danos naquela quantia por ser o valor locativo respectivo.<br> Relativamente a esta questão da indemnização devida ao autor, apenas está provado que o referido rés-do-chão poderia ser arrendado, desde Julho de 1985, pela renda mensal de 15000 escudos, Aliás, foi este o único facto articulado pelo autor na petição inicial para fundamentar o seu direito a ser indemnizado pelos réus.<br> Mas, se o autor pretendia ser indemnizado pelo facto do andar poder ser arrendado por 15000 escudos mensais, devia também ter articulado e provado que, efectivamente, quis arrendá-lo e que só não o conseguiu fazer, porque os réus se recusaram a restituí-lo.<br> É que é pressuposto da obrigação de indemnizar a existência de um nexo de causalidade entre a conduta e o dano (artigo 563 do Código Civil), nexo de causalidade que aqui não está provado.<br> O autor veio aqui, em sede de recurso, introduzir um novo fundamento para lhe ser atribuída a indemnização, concretizando o seu prejuízo na impossibilidade que teve de dispor do seu apartamento. Trata-se de uma questão nova, não suscitada no tribunal recorrido, de que este tribunal não pode conhecer, porque os recursos são um reexame de questões decididas no tribunal de que se recorre.<br> Por aqui já vê que o recurso do autor também não merece provimento.<br> III) Decisão.<br> Pelo exposto, negam ambos as revistas.<br> Custas de cada recurso por quem o interpôs.<br> Lisboa, 29 de Junho de 1993.<br> Santos Monteiro;<br> Pereira Cardigos;<br> Machado Soares.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Nos presentes autos de ratificação de embargo de obra nova que A e B moveram em 19 de Fevereiro de 1992, no Tribunal Judicial da Comarca de Almada, contra o Estado Português, foi, por acórdão da 2. Secção deste STJ, de 13 de Março de 1997, no provimento de agravo interposto pelos Requerentes, deferido o aludido requerimento de ratificação de embargo de obra nova - cfr. fls. 290 a 304.<br> Na sequência de tal decisão foi ordenada a elaboração de auto de acordo com o disposto no artigo 418 do CPC, o que foi feito em 27 de Maio de 1997 - fls. 309 e 310.<br> Em 4 de Junho de 1997, vieram os Requerentes pedir que, após vistoria da obra embargada, fosse ordenado:<br> a) O despejo da obra nova, ficando completamente livre e desocupada dos bens e das pessoas que abusivamente a ocupam;<br> b) A reposição das obras no estado anterior, que era o descrito no auto de embargo de 17 de Fevereiro de 1992, fls. ..., sem prejuízo da responsabilidade criminal respectiva do Eng. António Cosme, então Presidente da Comissão Instaladora da Paisagem da Arriba Fóssil da Costa da Caparica (...), procedimento a que deve dar o necessário seguimento o Ministério Público (artigo 388 do CP e artigo 420/2, do CPC) - fls. 324 a 326.<br> Realizada peritagem, a fim de averiguar se houve continuação abusiva da obra entre o embargo extrajudicial e o auto de ratificação, foi, pela 1. instância proferida decisão, em 29 de Outubro de 1998, a indeferir o requerido, com os fundamentos que, no essencial, se passam a enunciar: (1.) Quanto ao peticionado em a), trata-se de decisão que não pode ser tomada no âmbito desta providência ; (2.) Quanto ao pedido em b), "neste momento, é impossível «o Juiz fazer repor a obra no estado anterior», pois desconhece-se aquilo que efectivamente foi demolido após o embargo extrajudicial, bem como as características, dimensões, etc, das construções em causa". Conclui-se, pois, que, por impossibilidade física e material, não há hipótese de dar cumprimento ao disposto no artigo 420, n. 2, do CPC "que aliás está redigido e pensado fundamentalmente na perspectiva da demolição de obra abusivamente construída e não na construção de obra abusivamente demolida" cfr. fls. 349.<br> Inconformados, agravaram os Requerentes, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de Junho de 1999, julgado procedente o agravo, confirmando a decisão recorrida - fls. 381 a 386.<br> Continuando inconformados, trazem os Requerentes o presente Agravo, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1. A deliberação em crise consubstancia o exemplo perfeito de que em Portugal existe o Direito, mas não se faz Justiça: o sistema está embaciado, opaco, com decisões não equitativas, que não tutelam efectivamente contra as violações dos direitos dos cidadãos (artigo 20 n. 4 e n. 5 da Constituição).<br> 2. A deliberação impugnada mantém a paralisação do processo e revela carácter religioso e caritativo relativamente ao Estado destruidor (artigos 933 e segs. do CPC).<br> 3. O Tribunal de 2. instância está a vedar aos exequentes a via da execução para prestação de facto, dando uma interpretação inconstitucional ao artigo 420 do CPC, que fere a norma do artigo 18 da Lei Fundamental.<br> 4. Veja-se que o credor de uma prestação de facto não satisfeita dispõe, por força dos artigos 828 e 804 do CC e 933 n. 1 do CPC, de uma alternativa:<br> a) requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível; ou<br> b) pedir indemnização pelo dano sofrido (artigos 931 e 934 do CPC).<br> 5. A reposição das obras embargadas pressupõe o despejo requerido pelos exequentes.<br> 6. No caso dos autos, há inequívoca possibilidade legal, física e material de dar cumprimento ao disposto no artigo 420/2 do CPC - construindo a obra abusivamente demolida - pelo que a deliberação recorrida enferma de erro dos pressupostos factuais e legais/erro de julgamento.<br> 7. A deliberação recorrida, quanto à matéria da responsabilidade criminal assacada ao Eng. António Cosme, devia dar o necessário seguimento do caso para o MP, e não o tendo feito enferma de erro de julgamento (artigos 241 e 242 n. 1 b do CPC).<br> Pedem, por isso, os Recorrentes a revogação / anulação da deliberação impugnada, "porque ilegal e bloqueadora dos direitos fundamentais dos exequentes consignados nos artigos 18 e 20 n. 4 n. 5 da Constituição. <br> Contra-alegando, o Ministério Público pugna pela confirmação do acórdão recorrido.<br> Corridos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> 1- No âmbito do acórdão recorrido, foi apreciado o agravo interposto da decisão da 1. instância, integrando as três seguintes questões:<br> a) Da possibilidade de decretação do despejo neste autos de embargo de obra nova;<br> b) Da possibilidade, neste mesmo processo, de ordenar a construção de uma obra que foi demolida;<br> c) Da nulidade do despacho impugnado.<br> Depois de ter considerado improcedentes todas as conclusões respeitantes às aludidas questões, o Tribunal a quo negou provimento ao agravo.<br> 2- Antes de nos debruçarmos sobre o objecto do recurso, impõe-se que dediquemos atenção ao próprio acórdão impugnado, na sua própria materialidade, ou seja, na sua estrutura e conteúdo.<br> O artigo 749 do CPC, diploma a que pertencerão os normativos que se indiquem sem menção da origem, manda aplicar ao julgamento do agravo na Relação, tanto quanto for possível, as disposições que regulam o julgamento da apelação.<br> Ora, o n. 2 do artigo 713 estabelece o seguinte:<br> O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, exporá de seguida os fundamentos e concluirá pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 659 e 665.<br> Por sua vez, o n. 2 do artigo 659 prescreve:<br> Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.<br> Ou seja, exigindo a lei que o juiz discrimine "(...) os factos que considera provados (...)", impõe-se concluir que , no acórdão da Relação, deve figurar o elenco dos factos dados como assentes, para que aos mesmos possa ser aplicado o direito pelo STJ.<br> Assim, atento o disposto pelos artigos 713, n. 2, e 659, n. 2, do CPC, deve a Relação, na elaboração do acórdão, discriminar, de forma explícita todos e cada um dos factos que se considerem provados.<br> Como se escreveu em antecedente acórdão, exprimindo jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, "na elaboração do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso de agravo, e como decorre das disposições combinadas dos artigos 749, 713, n. 2, e 659, n. 2, (...), terão que ser discriminados e individualizados, de forma explícita, todos e cada um dos factos provados indispensáveis ao conhecimento de meritis" (1). É que, não estando discriminados os factos provados pela Relação, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, fazer a aplicação definitiva do regime jurídico que julgue adequado à situação concreta, por forma a dar cumprimento ao estabelecido pelo artigo 729, n. 1, do CPC (2).<br> Como tribunal de revista, o STJ não conhece, como regra, de questões de facto, competindo-lhe acatar a decisão da 2. instância nessa matéria, salvo se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de certo meio de prova - cfr. o disposto pelo artigo 722, n. 2, do CPC.<br> Ora, o certo é que, no acórdão recorrido, não estão discriminados os factos provados, nele não se indicando, concretamente, e sem margem para dúvidas, quais os factos materiais que se têm como assentes.<br> Deste modo, se, como é imperativo legal (artigo 729, n. 1, já citado), o STJ aplica definitivamente o direito aos factos materiais fixados pelo tribunal a quo, faltando estes factos, o tribunal de revista fica impossibilitado de cumprir a sua missão.<br> É certo que o Tribunal da Relação podia dispensar-se de enunciar os factos provados, verificados que fossem os requisitos do artigo 713, n. 6, do CPC. No entanto, para assim ser, teria de remeter expressamente, neste ponto, para a decisão da primeira instância, sancionando ou ratificando, desse modo, a bondade da decisão relativa à fixação da prova.<br> Não foi isso que fez o acórdão recorrido. Não o fez nem o poderia ter feito, uma vez que, do despacho da 1. instância, também está ausente a discriminação da factualidade dada como provada.<br> Verifica-se, assim, uma omissão que só poderia ser suprida com a descida do processo ao Tribunal recorrido para a respectiva sanação. Ou seja, para que a Relação fixe a matéria de facto que considere provada de modo a constituir base suficiente para a decisão de direito (3). Com efeito, na falta de fixação dos factos necessários à reapreciação da decisão recorrida, deve o STJ mandar baixar os autos à segunda instância, para aquele fim, devendo o novo julgamento ser feito, se possível, pelos mesmos juízes que intervieram no anterior.<br> Assim, tem o processo que voltar à segunda instância, nos termos do disposto nos artigos 729, n. 3, e 730, considerados aqui aplicáveis, quer directamente, quer por analogia.<br> Impõe-se, porém, atenta a disciplina constante do referido artigo 730, ensaiar a definição do regime jurídico aplicável ao caso sub judice, sem esquecer os condicionalismos decorrentes da referida falta dos elementos de facto.<br> 3- Apreciemos, pois, com a brevidade imposta pela economia da presente abordagem, o conteúdo do acórdão recorrido.<br> Os pontos controvertidos no presente recurso de agravo em 2. instância são essencialmente os mesmos que se perfilaram perante o Tribunal recorrido.<br> 3.1.- Em primeiro lugar, os agravantes - e requerentes da providência cautelar - insistem numa espécie de enxerto de uma acção (incidental?) de despejo nos presentes autos. A solução adoptada no Acórdão recorrido, rejeitando esta pretensão, afigura-se a única possível, em face dos preceitos legais aplicáveis e da natureza cautelar e provisória da providência em apreço.<br> 3.2- Também não assiste razão aos agravantes quanto ao vício imputado à deliberação recorrida em consequência da alegada responsabilidade criminal - por desobediência ao embargo e suposto dano em propriedade alheia -, assacada ao Eng. António Cosme. Com efeito, não estando ainda suficientemente insidiada nos autos a prática de facto penalmente ilícito, até em consequência da já referida omissão de discriminação da factualidade dada como provada, revela-se prematura<br> a pretendida responsabilização criminal.<br> Em qualquer caso, o Ministério Público, como parte no processo, teve conhecimento da pretensão formulada pelos agravantes, podendo estes, se nisso estiverem efectivamente interessados, accionar os mecanismos processuais adequados com vista à dinamização da referida responsabilização criminal.<br> Não podem, porém, pretender, no âmbito de uma providência cível, extrair<br> consequências do ponto de vista processual, com a invocação de eventual erro de julgamento, em virtude de um suposto incumprimento de prescrições de natureza criminal.<br> 3.3- Análise mais detalhada justifica o pedido da construção de obra, ou seja da "reposição das obras ao estado anterior que era o descrito no auto de embargo de 17 de Fevereiro de 1992" - cfr. requerimento de fls. 324 a 326. Tudo de acordo com o disposto no artigo 420, n. 2.<br> Tratando-se da questão central do presente recurso, cumpre reconhecer que aqui se faz sentir a já aludida falta de fixação dos factos provados, a que oportunamente nos referimos.<br> O referido quadro omissivo é agravado por circunstâncias várias de que são de destacar as seguintes:<br> 1. - Em rigor, no mencionado auto de embargo extrajudicial de 17 de Fevereiro de 1992, a fls. 44 e 45, não se lobriga uma descrição do "estado anterior", ao qual seria suposto dever reportar a situação actual das obras.<br> Com efeito, aí apenas se refere que os agravantes, então requerentes, acompanhados por três testemunhas, "procederam ao embargo extrajudicial de obra nova, designadamente para evitarem a demolição do Café e Cervejaria, de 2 armazéns para alfaias agrícolas, de 1 armazém para apoio ao Café e Cervejaria e de 6 casas de habitação (...), conforme consta das fotografias tiradas no referido local (...)".<br> Após o que se acrescenta que "o início da demolição estava a efectuar-se (...)" - cfr. fls. 44, vs.<br> Ora, está bem de ver que a simples referência ao "início da demolição" não é esclarecedora acerca da dimensão física da mesma, de mais a mais quando eram várias as edificações a demolir.<br> Com relevância para esta questão concreta, refere-se ainda no aludido auto que "as obras de demolição estão ainda a ser levadas a efeito (..)".<br> Subsequentemente, pode ler-se no requerimento inicial de ratificação do embargo, cuja entrada em Juízo ocorreu dois dias depois da data do referido auto, ou seja, em 19 de Fevereiro, o seguinte:<br> Sucede, porém, que, em 17 de Fevereiro de 1992, pelas 8h e 30min, segunda-feira, sem qualquer acordo ou mesmo aviso prévio, foram os requerentes surpreendidos, precisamente com o início da demolição do café e cervejaria, 3 armazéns e 1 casa de habitação, assistiram à entrada da escavadora, altura em que os requerentes e populares se colocaram à frente da mesma, dando ordens para não avançar e suspender os trabalhos de demolição.<br> Hoje restam ainda 5 casas de habitação com o respectivo recheio. (4).<br> Ou seja, a referida imprecisão continua a subsistir.<br> Resulta, assim, do exposto que interessaria, sendo possível - e tendo, aliás, presente o disposto no artigo 418, n. 1 -, reconstituir a situação efectivamente existente à data do embargo, isto é, na terminologia do despacho da 1. instância, de 29 de Outubro de 1998, o "estado anterior que era o descrito no auto de embargo de 17 de Fevereiro de 1992". Ou, não o sendo, deixar tal facto consignado com clareza.<br> 2. Acresce que existe uma contradição, ao menos aparente, entre os termos do aludido despacho da 1. instância e a resposta ao quesito 3.<br> Com efeito, lê-se, na referida resposta, a fls. 344, o seguinte:<br> As construções continuaram a ser demolidas, após o auto de embargo constante de fls. 44 e não houve continuação após o auto de ratificação de embargo constante a fls. 310.<br> Não obstante a clareza da resposta, lê-se no despacho da 1. instância o seguinte:<br> Da peritagem resulta que efectivamente terão ocorrido demolições após o embargo extrajudicial e o auto de ratificação (resposta ao quesito 3.).<br> Tratar-se-á, provavelmente, de um mero erro material. No entanto, na sua literalidade, está-se perante declarações de sentido contraditório, que, assim, importa clarificar.<br> 3. - Acresce ainda, o que se lamenta, a existência, nos presentes autos, de erros grosseiros de paginação, que dificultam a identificação das diferentes peças processuais e que importa corrigir, com as necessárias consequências ao nível das remissões efectuadas.<br> Assim: Passa-se de fls. 376 para fls. 277 e ocorrem múltiplos erros de paginação a partir da carta dos peritos de 28 de Maio de 1998 e das respostas aos quesitos. Assim, e a título de exemplo, a fl. 345 corresponde não só à declaração de 5 de Maio de 1998, relativa às despesas efectuadas por um dos peritos, mas também ao despacho da 1. instância de 29 de Outubro de 1998.<br> 4. - Enfim, não se divisa nos autos o conteúdo dos quesitos formulados, o que se revela lacuna de monta para a adequada compreensão das respectivas respostas.<br> Em face destas anomalias, que importa corrigir, mais se impõe, se tal se pode dizer, que os autos voltem ao Tribunal a quo para uma adequada decisão da matéria de facto, susceptível de constituir base suficiente para a decisão de direito.<br> 4 - Importa prosseguir, com vista à definição, com os condicionalismos expostos, do regime jurídico aplicável.<br> Escreveu-se o seguinte, no acórdão recorrido, a fls. 384-384. <br> Ora, não obstante o embargo extra judicial data de 1992, o mesmo só veio a ser ratificado em 13 de Maio de 1997 e efectuado em 27 de Maio de 1997 (5), tendo os mesmos os contornos do auto de fls. 310, o que significa que se demolições houve entretanto as mesmas foram feitas antes da notificação da ratificação do embargo, logo, não são as mesmas, por esse motivo, susceptíveis de integrar o normativo inserto no artigo 420, ns. 1 e 2 do CPC.<br> Discorda-se, com o devido respeito, do entendimento e da fundamentação jurídica constantes, quanto a esta questão, no acórdão recorrido.<br> Vejamos porquê.<br> 4.1 - Estabelece, sob a epígrafe "Como se reage contra a inovação abusiva", o artigo 420 do CPC. (6):<br> 1. Se o embargado continuar a obra, sem autorização, depois da notificação e enquanto o embargo subsistir, pode o embargante requerer que seja destruída a parte inovadora.<br> 2. Averiguada a existência da inovação por meio de arbitramento, ou por<br> testemunhas quando aquele meio não seja suficiente, o juiz fará repor a obra no estado anterior, sem prejuízo da responsabilidade criminal do dono da obra.<br> Ou seja: o n. 1 prevê o modo de reacção contra o comportamento rebelde do embargado ao continuar a obra, sem autorização, depois da notificação.<br> À posição assumida pelo Tribunal recorrido subjaz o entendimento de que esta notificação é a da ratificação e não a que integra o próprio embargo.<br> Entendimento que não podemos acompanhar, revelando-se aqui particularmente relevante o subsídio prestado pelo elemento histórico da interpretação da lei (7).<br> Com efeito, o artigo 420, acabado de reproduzir, tem a mesma redacção que tinha o artigo 428 do CPC de 1939 (8), sendo também a mesma a respectiva epígrafe.<br> Ensinava, a propósito, o Prof. Alberto dos Reis: "Ao facto de o embargado continuar a obra depois do embargo sem a isso ser autorizado davam os nossos praxistas a denominação de atentado".<br> "Segundo o artigo 428 o atentado dá-se se o embargado continuar a obra sem autorização, depois da notificação e enquanto o embargo subsistir".<br> Prosseguindo o raciocínio, interrogava Alberto dos Reis:<br> "Que notificação?"<br> "A notificação verbal a que se refere a 2. alínea do artigo 420 (9), se o embargo for extrajudicial, a notificação ordenada no artigo 426, se o embargo for judicial" (10).<br> Ou seja: De acordo com Alberto dos Reis, a notificação em causa era a do embargo. Logo, a continuação da obra depois deste acto era considerada ilícita.<br> Mantendo-se a redacção da norma e sendo a mesma a finalidade da providência, afigura-se mais correcta a tese do Ilustre Mestre.<br> Em acórdão recente, este STJ perfilhou o entendimento de que "a notificação a que alude o artigo 420, n. 1, do CPC, como referência à posterior continuação da obra embargada, é tanto a ordenada nos termos do artigo 418, n. 1 (no caso de embargo judicial), como a verbal, mencionada no artigo 412, n. 2 (se o embargo for extrajudicial) (11).<br> pode ainda dizer-se, em abono da referida interpretação, que o acto de ratificação, requerido no prazo de três dias (artigo 412, n. 2, 2. parte) (12), consolida os efeitos do embargo extrajudicial, retroagindo aquele à data deste.<br> Resulta do exposto que, tendo havido demolições, ou continuação não autorizada da obra, entre a notificação constitutiva do embargo e a ratificação judicial deste, tais comportamentos integrarão, em princípio, a previsão do artigo 420.<br> 4.2 - A dificuldade, a demandar, uma vez mais o recurso aos subsídios decorrentes da actividade hermenêutica, consiste agora em saber o que se deve entender por "destruição da parte inovada" para os efeitos do artigo 420.<br> O acórdão recorrido, na esteira da decisão da 1. instância, considerou que o referido normativo "tem em vista apenas a feitura de inovações e não as destruições de obras, as quais, a existirem, darão lugar à pertinente responsabilidade civil, maxime por dano em propriedade alheia, o que transcende igualmente o escopo desta providência (...)".<br> Refira-se ainda que, no despacho da 1. instância, a propósito do disposto no artigo 420, n. 2, do CPC, se observou que o mesmo "está redigido e pensado fundamentalmente na perspectiva da demolição de obra abusivamente construída e não na construção de obra abusivamente demolida".<br> Ainda que se aceite que, como regra, ou de um ponto de vista quantitativo<br> (ou estatístico), a generalidade das situações que fazem apelo à aplicação desta norma digam respeito à demolição de obra ilicitamente construída, há-de convir-se que esse não é um argumento dotado da necessária capacidade de persuasão.<br> Por outra palavras: não é um verdadeiro argumento jurídico.<br> É certo que a letra da lei, mormente em face da redacção dada pela reforma processual de 1995/96 ao n. 2 do artigo 420 (13), faz referência a "destruição" - agora, não só no n. 1, mas também no n. 2 -, nunca se referindo à "construção" daquilo que foi demolido.<br> No entanto, a isso pode, por um lado, objectar-se que a letra da lei é apenas um ponto de partida - e um limite a respeitar -, sendo certo que o objectivo que importa prosseguir consiste na determinação do autêntico espírito da lei (14).<br> E, por outro, poderá argumentar-se, sempre com o devido respeito, que a interpretação puramente literal, que encontrou eco nas instâncias, traduz uma visão demasiado simplista das coisas.<br> Com efeito, quantas vezes a continuação (construção) de uma obra não impõe, previamente, v.g., a demolição de paredes e de muros, ou a destruição de um compartimento que se pretende eliminar ou reconstruir em novos moldes ou com diferente aproveitamento do espaço! <br> Por outro lado, não se esqueça que a palavra-chave na economia do artigo 420 é "inovação" - "inovação abusiva" assim reza a epígrafe.<br> Ora, tanto a construção (edificação), como a demolição são subsumíveis ao conceito de "inovação".<br> Uma e outra geram a introdução de inovações no mundo do ser.<br> E, das duas, uma: ou o embargado edificou abusivamente, caso em que será condenado a destruir a inovação; ou abusivamente demoliu, e será condenado a construir o que demoliu, assim repondo a obra no estado anterior à inovação (15). <br> Deste modo, convocando todos os elementos de interpretação da lei, e não apenas o seu elemento literal, alcança-se uma interpretação (extensiva) da norma (16), em termos que levam ao entendimento de que o segmento "expressão da parte inovada", ínsito no artigo 420, deve corresponder ao sentido de "anulação da inovação" ou de "reposição da situação anterior ao embargo".<br> Assim sendo, já poderá fazer sentido a promoção, nos próprios autos, da execução daquela reposição, se o embargo não tiver cumprido a condenação que o obriga a desfazer a inovação.<br> Em todo o caso, porém, importará ter em conta a matéria de facto assente para se avaliar convenientemente a base de incidência do direito a aplicar por este Supremo Tribunal.<br> Termos em que acordam no STJ em ordenar que o processo volte à segunda instância, para ser proferido novo acórdão, sendo possível, pelos mesmos senhores desembargadores, no qual se discrimine a matéria de facto que se julgue provada.<br> Custas pelo vencido a final.<br> <br> Lisboa, 8 de Fevereiro de 2000. <br> <br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.<br> <br> (1) Cfr. o Acórdão de 3 de Julho de 1997, Proc. 468/97, 2. Secção.<br> (2) Cfr., a título de mero exemplo, o Acórdão de 18 de Março de 1997, Proc. 864/96, 2. Secção. <br> (3) Cfr., neste sentido, entre muitos outros que se poderiam indicar, os acórdãos deste STJ de 10 de Abril de 1997, proc. 846/96, de 8 de Maio de 1997, proc. 960/96, ambos da 2. Secção.<br> (4) Cfr. o artigo 11, a fls. 2, vs.<br> (5) Trata-se de imprecisão terminológica. Na verdade, o que teve lugar em 27 de Maio de 1997 foi o "Auto de Ratificação do Embargo" (fls. 310), a cuja elaboração se mandou proceder de acordo com o disposto no artigo 418, "no seguimento da decisão proferida pelo STJ" em 13 de Maio de 1997.<br> (6) Que vai ser reproduzido na redacção que tinha antes da reforma processual civil de 1995/96, por ser a aplicável aos casos dos autos - artigo 16 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro. Anota-se porém, que o n. 1 do artigo 420 não sofreu alterações.<br> (7) Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei. Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás<br> da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva. Como escreveu Francesco Ferrara, para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios. "Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equivocas ou deficientes e não oferecem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo". Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o "lugar sistemático" que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios. O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar" - Cfr. "Interpretação e Aplicação das Leis", tradução de Manuel de Andrade, 3º edição, Coimbra, 1978, págs. 127 e seguintes e 138 e seguintes.<br> (8) Com a única referência de o artigo do CPC de 1939 não estar dividido em dois números.<br> (9) A que corresponde no CPC de 1961 - bem como no actual - o artigo 412º, nº 2, 1ª parte.<br> (10) Crf. "Código de Processo Civil Anotado", volume II, 3ª edição, reimpressão, pp. 96 e seguintes.<br> (11) Cfr. o Acórdão de 30 de Janeiro de 1997, Processo nº 783/96, 2ª Secção.<br> (12) Hoje, no prazo de cinco dias - artigo 412º, nº 3.<br> (13) Que passou a dispor o seguinte: "Averiguada a existência de inovação, é o embargado condenado a destruí-la; se não o fizer dentro do prazo fixado, promover-se-á, nos próprios autos, a execução para a prestação de facto devida".<br> (14) Cfr. supra nota (7).<br> (15) O que corresponde à utilização de um segmento do próprio texto do nº 2 do artigo 420º.<br> (16) Socorrendo-se dos elementos ou subsídios interpretativos supra referidos (cfr. a nota (7), o intérprete acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades essenciais de interpretação:<br> Interpretação declarativa: nesta o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo.<br> Interpretação extensiva: o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal apontada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, por forma a fazer corresponder a letra da lei ao seu espírito.<br> Interpretação restritiva: outras vezes, pelo contrário, o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis tam uma palavra decisiva. O intérprete, em vez de se deixar arrastar pelo sentido parente do texto, deve restringir-se este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, ou seja, com aquela ratio, em aplicação do brocado latino cessante ratione legis cessat ejus dispositio.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <b><font>1. </font></b><font>AA, veio, nos termos do disposto nos artigos 1839º do Código Civil, intentar acção declarativa de impugnação de paternidade, com processo comum, na forma ordinária, contra BB, CC, menor, e DD, pedindo que se declare que o Autor não é pai da menor CC, e que se ordene, em consequência, o correspondente averbamento no assento de nascimento desta, de modo a eliminar a menção da paternidade.</font><br> <font>Para tanto alegou, muito em suma, que, apesar de ter nascido na constância do matrimónio da primeira Ré com o Autor, a menor não foi gerada por este último, mas antes pelo Réu DD.</font><br> <font>A Ré BB, regularmente citada apresentou a contestação de fls. 16 e seguintes, alegando que no período da concepção não teve relações sexuais com outro homem para além do Autor, acrescentando que o Autor apenas pretende furtar-se à obrigação alimentícia à sua filha CC. Pugnou pela improcedência da acção.</font><br> <font> *</font><br> <font>O Réu DD foi citado editalmente. Deu-se cumprimento ao artigo 15º do Código de Processo Civil, citando-se o Ministério Público. Não foi apresentada contestação.</font><br> <font> *</font><br> <font>A Ré menor CC foi citada na pessoa de curadora especial que lhe foi nomeada. Não contestou.</font><br> <font> *</font><br> <font>Foi elaborado despacho saneador, tendo sido declarada a existência dos necessários pressupostos processuais.</font><br> <font>Procedeu-se à organização de Factos Assentes e Base Instrutória, a qual não foi alvo de qualquer reclamação.</font><br> <font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo, a final, o Ex.mo Juiz julgado a acção procedente no que se refere aos dois primeiros Réus, condenando-os nos pedidos contra si deduzidos e improcedente, por não provada, relativamente ao Réu DD que foi absolvido.</font><br> <font>Inconformada a Ré BB interpôs recurso de apelação para a Relação de Évora, tendo vindo o mesmo a ser julgado improcedente.</font><br> <font>De novo, inconformada, veio, agora interpor recurso de revista para este STJ, concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br> <br> <font>A) Ficou por analisar pelo acórdão recorrido a nulidade da sentença de 1.a instancia que não conheceu da caducidade do direito do A. sendo esta caducidade de conhecimento oficioso ( art.° 333.°, n.° 1 do C.C. );</font><br> <font>B ) Ao não o fazer, o acórdão recorrido violou os art.°s 333.</font><b><font>0</font></b><font>, n.° 1, 331.°, n.° 1 ambos do C.C. e o disposto nos art.°s 496.° e 660.° n.° 2 </font><i><font>in </font></i><font>fine, ambos do C.P.C., o que é causa de nulidade do mesmo nos termos do art.° 668.°, n.° 1 al. d ) do C.P.C.;</font><br> <font>C ) O Acórdão recorrido reconheceu razão à apelante quanto à questão da intempestividade da acção, pois declarou que face à factualidade provada, se tem de dar como definitivamente assente que a acção interposta pelo A. o foi fora de prazo, com base no disposto no art.° 490.°, n.° 2 do C.P.C. e 354.° do C.C.;</font><br> <font>D )</font><br> <font> O estabelecimento do prazo do art.° 1842.°, n.° 1 al. a ) do C.C. não representa qualquer limitação intolerável ao direito constitucional à " </font><i><font>identidade pessoal </font></i><font>"nem aos art.°s 25.°, 26.°, n.° 1 e 18.° da CRP;</font><br> <font>E) Legalmente, o prazo estabelecido não limita desproporcionadamente o direito de impugnar a paternidade estabelecida, uma vez que pode ser exercido até à morte do impugnante, representando " </font><i><font>não propriamente a uma restrição, mas a um condicionamento aceitável ao exercício do direito à identidade pessoal `;</font></i><br> <font>F) O estabelecimento de um prazo como é o do art.° 1842.°, n.° 1 al. a ) do C.C. é assim adequado e proporcional ao limitar o exercício do direito à identidade pessoal, colhendo plena e justificada razão, essencialmente, nos perigos de </font><i><font>a ) desaparecimento das provas; b) de potenciação de interesses inconfessáveis por parte de interessados ( caça fortunas e chantagem sobre pretensos pais quando estes se encontravam em fim de vida ); c) mas essencialmente no princípio da certeza e da Segurança Jurídica, corolário do Estado de Direito;</font></i><br> <font>G ) Os ensinamento históricos colhidos no regime da investigação da paternidade, extrapolados para o da impugnação da paternidade, aconselham o estabelecimento de um prazo como o que se encontra estabelecido no art.° 1842.°, n.° 1 al. a ) do C.C., que é de compromisso adequado e proporcional entre o direito à identidade pessoal e o da certeza e segurança jurídica, sob pena de total insegurança social nas relações de paternidade.</font><br> <font>H ) Não existe qualquer imposição constitucional de uma ilimitada averiguação da verdade biológica ( vide p. ex. art.° 1839.°, n.° 3 do C.C. ). O que existe, constitucionalmente imposto é o principio da verdade jurídica corolário intrínseco do Estado de Direito e portanto, o da segurança jurídica.</font><br> <font>I) O valor da certeza e da segurança jurídica não foi devidamente ponderada no acórdão recorrido, não obstante o mesmo ser um corolário intrínseco do Estado de Direito ( art.° 1.° da CRP );</font><br> <font>J) O acórdão recorrido violou assim os art.°s 1842, n.° 1 al. a ) do C.P.C., bem como os art.°s 25.°, 26.° n.° 1, 18.° e 1.° da Constituição da República Portuguesa. </font><br> <br> <font>Nas contra alegações, o recorrido defende a manutenção do julgado.</font><br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <font>Decidindo.</font><br> <br> <b><font>2. </font></b><font>Foi considerada como provada, pelas Instâncias, a seguinte factualidade:</font><br> <br> <font> 1º - O Autor e a Ré BB casaram um com o outro em 29 de Novembro de 1986;</font><br> <font> 2º - CC nasceu no dia 6 de Janeiro de 1997;</font><br> <font> 3º - Consta do assento de nascimento da CC que é filha do Autor e da Ré BB;</font><br> <font> 4º - Autor e Ré namoraram um com o outro;</font><br> <font> 5º - Durante o namoro o Autor e a Ré mantiveram relacionamento sexual;</font><br> <font> 6º - Em Agosto de 1996 a Ré BB comunicou ao Autor que estava grávida dele, de cinco meses;</font><br> <font> 7º - Na altura referida em 6º supra a Ré BB garantiu ao Autor que a menor CC era filha dele porque não tinha tido relações sexuais com outro homem nem nos cinco meses em que estiveram separados;</font><br> <font> 8º - O Autor e a Ré BB, após o referido em 6º supra, reataram o namoro;</font><br> <font> 9º - O Autor e a Ré BB separaram-se definitivamente em Julho de 1997 e desde então vivem em economias separadas;</font><br> <font> 10º - A menor CC não nasceu do relacionamento sexual do Autor com a Ré BB </font><br> <b><font>3. — Análise do objecto da revista — </font></b><font> </font><br> <font>A questão nuclear a decidir no recurso circunscreve-se a indagar se caduca ou não o direito de acção por parte do progenitor, constante do registo de nascimento, pelo decurso do prazo previsto no art. 1842º nº 1 al. a) do C.Civil, quando se encontre cientificamente comprovado que o menor não é descendente do demandante.</font><br> <font>No Acórdão recorrido concluiu-se pela inconstitucionalidade da citada disposição legal, sufragando-se, essencialmente, no argumento que perante a “</font><i><font>verdade biológica”</font></i><font>, trazida aos autos pelo exame de ADN efectuado e que excluiu a paternidade do Autor, não relevam os prazos que a lei imponha para o exercício do direito de acção, constante no mencionado art. 1842º nº 1 al. a) do C.Civil, por ofender o direito com guarida constitucional à </font><i><font>“identidade pessoal”</font></i><font>, constante das disposições dos arts. 25º, 26º nº 1 e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP).</font><br> <font>O Acórdão recorrido no aludido juízo de inconstitucionalidade foi buscar apoio à posição que vem sendo defendida pelo Tribunal Constitucional, no que se refere ao disposto no art. 1817º do C.Civil, no que concerne ao prazo de propositura das acções de investigação de paternidade, tendo sido considerado que os respectivos pressupostos teriam “inteira aplicação ao caso concreto, por tal temática ser muito semelhante à ora em apreciação”.</font><br> <font>Fundou-se, fundamentalmente no Ac. do T.C. nº 486/04 de 7 de Julho, que viria a par de outros arestos no mesmo sentido – Ac. do plenário do T.C. nº 11/2005, de 12 de Janeiro e pelas decisões sumárias nºs 114/2005 e 288/2005 de 9 de Março e de 4 de Agosto, respectivamente a desencadear a declaração com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma constante do art. 1817º nº 1 do C.Civil, aplicável por força do art. 1873º do mesmo Código, enquanto prevê a extinção por caducidade, do direito de investigar a paternidade em regra a partir dos 20 anos de idade do filho (Ac. do T.C. nº 23/2006, de 10 de Janeiro Publicado no DR, I - A, em 28.2.2006.).</font><br> <font>Refira-se, desde já, que o mencionado Acórdão do T.C. acabado de citar apenas declarou a inconstitucionalidade do nº 1 do art. 1817º do C.Civil, tal como ele está formulado, pelo que há que indagar se as razões que levaram à aludida declaração de inconstitucionalidade são as mesmas que deverão, na linha do Acórdão recorrido, a formular idêntico juízo do normativo constante do art. 1842º nº 1 al a) do mesmo Código.</font><br> <font>Ora, as razões que levaram à aludida declaração de inconstitucionalidade constantes no Ac. do T.C. que vimos acompanhando, encontram-se bem equacionadas na doutrina de Guilherme de Oliveira Vide “Caducidade das acções de investigação”, in “Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito de Família”, nº 1, 2004, pag. 7 e segs. que o aludido Tribunal, nesta sede, vem sufragando.</font><br> <font>Com efeito, os desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, têm acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo; e com isto têm sublinhado o desejo de conhecer a ascendência biológica. Nestas condições, refere o Ilustra Autor que estamos a acompanhar, que “o “</font><i><font>direito fundamental à identidade pessoal”</font></i><font> e o </font><i><font>“direito fundamental à integridade pessoal”</font></i><font> ganharam uma dimensão mais nítida, como, ainda, </font><i><font>“o direito ao desenvolvimento da personalidade”, </font></i><font>introduzido pela revisão constitucional de 1997 – um direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais. É certo que tanto o pretenso filho como o suposto progenitor têm direito a invocar este preceito constitucional, mas não será forçado dizer que ele pesa mais do lado do filho, para quem o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família (…) a sua “localização” no sistema de parentesco”.</font><br> <font>Por outro lado, as razões, para além e, previamente ás de índole constitucional, que há muito se ouvem no sentido da imprescritibilidade da investigação costumam ser, em primeiro lugar, a “segurança jurídica” dos pretensos pais e seus herdeiros. A previsão de um prazo de caducidade anda, aliás, sempre ligada à ideia de segurança jurídica, pode não dever quem pode vir a ser onerado com o exercício de pretensões alheias estar sujeito indefinidamente a que essa possibilidade de exercício paire indefinidamente sobre a sua cabeça. Não sendo a acção intentada até aos 20 anos (e passado, assim, o período em que mais falta faz um pai ou uma mãe), não haveria, pois, que permitir o prolongamento da indefinição quanto ao estabelecimento dos vínculos de filiação.</font><br> <font>Em segundo lugar, esgrime-se com o progressivo o ”envelhecimento” ou </font><i><font>perecimento das provas. </font></i><font>Isto, sobretudo, em litígios — como os relativos à paternidade — de prova difícil, relativa a factos íntimos e naturalmente geradores de emoções. Na falta de prova pré-constituída decisiva, a passagem do tempo potenciaria os perigos, designa­damente da prova testemunhal, aumentando a possibi­lidade de fraudes. Assim, mesmo sendo certo que, via de regra, seria sobretudo o próprio investigante retar­datário a suportar a desvantagem da dificuldade acrescida de prova — pelo que não parecia curial limitar-lhe o direito de investigar para lhe garantir o êxito da prova, como já em 1979 referia Guilherme de Oliveira Vide, “Esta­belecimento da Filiação”, Coimbra, 1979, p. 41. —, tal razão não terá deixado de pesar na previsão do prazo em questão.</font><br> <font>Em terceiro lugar, avançava-se com um argumento atinente às finalidades dos investigantes, que frequen­temente seriam puramente </font><i><font>egoísticas, </font></i><font>próximas de sen­timentos de </font><i><font>cobiça, </font></i><font>quando os pretensos pais estavam no fim dá vida. A imprescritibilidade das acções de filia­ção permitia tais “caças à fortuna”, atrasando o esta­belecimento da paternidade da juventude do filho, em que o poder paternal é mais necessário, para a pro­ximidade da morte do pretenso pai Nos três parágrafos que aqui terminam citamos o mencionado Ac. 23/2006 do T.C..</font><br> <font>No entanto, num registo mais recente Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Vide, “Curso de Direito de Família”, vol. II, tomo I, 2006, pag. 139. sustentam que os tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, a propósito da caducidade do direito a investigar a paternidade.</font><br> <font>E, afirmam: “não tem sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas; e não pode atribuir-se o relevo antigo á ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. Diga-se, numa palavra, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade”.</font><br> <font>Já no que se refere à caducidade do direito de impugnar, são conhecidas as razões que se costumam invocar para justificar o direito de agir sobre o estado civil: o perigo do enfraquecimento das provas e o dano resultante de uma insegurança prolongada em matéria tão sensível. No que se refere, especialmente, à impugnação da paternidade do marido, avulta uma outra razão, como seja, a protecção da família conjugal.</font><br> <font>E, nesta sede, vincando, a possibilidade de contrariamente ao defendido no que concerne à caducidade do direito de investigar a paternidade, as pretensões de constituição de vínculos novos poderem merecer um regime diferente da pretensão de impugnar vínculos existentes, defendem os mesmos Ilustres Autores citados Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “ob. citada”, pag. 139. que, as razões levam a defender a imprescritibilidade das acções de investigação não parecerão tão líquidas para as acções de impugnação.</font><br> <font>No entanto, acrescentam “ob. citada”, pag. 137. “ (…) </font><u><font>os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos sedutores, </font></u><font>sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade familiar efectiva, um vínculo de filiação “social” que desempenhe as suas funções, apesar de lhe faltar o fundamento biológico. Na verdade, </font><u><font>a previsão de um prazo com os fins típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco convincente nestas matérias</font></u><font>” (os sublinhados são nossos).</font><br> <font>Julgamos, assim, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do de impugnar.</font><br> <font>Com efeito, o “</font><i><font>direito fundamental à identidade pessoal”</font></i><font> e o </font><i><font>“direito fundamental à integridade pessoal”</font></i><font> ganhando uma dimensão mais nítida, como, ainda, </font><i><font>“o direito ao desenvolvimento da personalidade”, </font></i><font>leva, em si, a que não se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais consubstanciado na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do mencionado art. 1817º nº 1 do C.C. estão, outrossim para a disposição contida no art. 1842º nº 1 al. a) do mesmo Código.</font><br> <font>Na verdade, não pode atribuir-se o relevo antigo á ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade. </font><br> <font>Assim, reitera-se o já afirmado - o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade.</font><br> <font>Essa verdade biológica consubstancia-se num “direito de conformação da própria vida, um direito de liberdade geral de acção cujas restrições têm de ser constitucionalmente justificadas, necessárias e proporcionais”.</font><br> <font>Ora, não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições. </font><br> <font>A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento de filiação.</font><b><font> </font></b><br> <font>Assim, verificada que está o juízo de inconstitucionalidade a incidir sobre o mencionado art. 1842º nº 1 al. a) do C.Civil, pelas razões acabadas de aduzir e, que, se bem que em sede de acções de investigação de paternidade já mereceu semelhante posição por parte deste STJ Vide, Ac. do STJ de 14.12.2006, in </font><u><font>www.dgsi.pt</font></u><font> (net), Proc. 06A2489 (Relator Cons. Alves Velho)., temos que é de negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.</font><br> <b><font>4. </font></b><font>Nestes termos, acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.</font><br> <font>Custas pelos recorrentes.</font><br> <br> <font> Lisboa, 31 de Janeiro de 2007</font><br> <br> <font>Conselheiro Relator - Borges Soeiro</font><br> <font>Conselheiros Adjuntos - Faria Antunes;</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><div><br> </div></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <b><font> I – Relatório</font></b><br> <b><font> </font></b><font>AA e marido, BB, CC, DD, EE, FF e GG intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova Gaia, acção ordinária contra</font><br> <font>AR e Cª Lª, pedindo a sua condenação na reparação do locado ou, em alternativa, a pagar-lhe o valor dos danos causados a liquidar em incidente.</font><br> <font> Para tanto, invocaram danos causados por um incêndio, de origem desconhecida, num prédio seu, sito na Rua ..., nºs 000/007, Vila Nova de Gaia, e que é ocupado pela R., sua actual arrendatária. </font><br> <font>Contestou a R., pedindo a improcedência da acção, fazendo notar que o locado estava degradado e que os AA. nunca cumpriram as suas obrigações correspondentes ao asseguramento do gozo do locado para a sua finalidade.</font><br> <br> <font> Replicaram os AA. a sublinhar que o incêndio não foi causado pelas más condições do edifício.</font><br> <br> <font> Em audiência preliminar, o processo foi saneado e condensado, seguindo, depois, para julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.</font><br> <br> <font> Apelaram os AA., sem qualquer êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.</font><br> <br> <font>Continuaram, em face desta decisão, inconformados e, por isso mesmo, pediram revista do aresto proferido a coberto da seguinte síntese conclusiva.</font><br> <font>- A condensação do processo deve ter em mente a obtenção da justiça, devendo todos os actos ser conformados em ordem ao direito que as partes pretendem ver acautelado com a decisão; Por tal facto, cabe a quem dirige o processo, ao seleccionar a matéria de facto, acautelar que nessa condensação se consideraram todos os factos de cuja prova depende a verificação do direito que as partes pretendem acautelar. </font><br> <font>- Nos presentes autos, não havia na base instrutória qualquer facto cuja prova impendesse sobre os AA., que tivesse o condão de alterar a decisão que veio a ser proferida a final nos autos, razão pela qual, na sua actividade de conformação, ao julgador cabia desde logo, nos termos do artigo 508º do Código de Processo Civil alertar a parte para a necessidade de trazer aos autos novos factos, porquanto se entendia que os alegados levariam a que soçobrasse a acção. </font><br> <font>- Ao assim não proceder, o que resultava para as partes era que na demanda, os factos alegados, a serem dados como provados, seriam os suficientes para a procedência ou improcedência de demanda. </font><br> <font>- Por tal facto a decisão em causa nos presentes autos, e com os argumentos aduzidos, traduz-se numa decisão surpresa, de todo não prevista pelas partes, considerando os factos levados à base instrutória e seleccionados para prova. </font><br> <font>- A presente demanda tem por base uma relação jurídica controvertida que foi trazida aos autos desta forma singela: </font><br> <font>- A R. exerce uma actividade perigosa; </font><br> <font>- Exerce tal actividade sem ter protecção adequada contra o risco de incêndio; </font><br> <font>- Exerce a referida actividade em desobediência à ordem de cessação da entidade administrativa competente; </font><br> <font>- No fim de um dia normal do exercício dessa actividade, ocorreu um incêndio nas instalações da R., e na sequência do qual, o edifício ficou destruído; </font><br> <font>- As causas concretas do incêndio não foram apuradas, mas este teve lugar nas instalações que a R. utilizava para o exercício da actividade perigosa, e em contravenção com as ordens da autoridade administrativa competente; </font><br> <font>- Que por tal facto, se presume culpado pela produção do evento nos termos do artigo 493º, nº 2, do Código Civil. </font><br> <font>- Ora, salvo o devido respeito, os AA. provaram esta relação assim trazida aos autos, razão pela qual a acção deveria ter sido julgada como procedente, para os devidos e legais efeitos. </font><br> <font>- O exercício da actividade em concreto como actividade perigosa, não se reporta apenas ao período de actividade, mas sim a todo o conjunto da actividade em causa, compreendendo esta os tempos mortos de trabalho, dado que em tal período, a actividade não deixa de ser exercida. </font><br> <font>Toda a organização de factores se mantém, como se mantém o armazenamento das mercadorias, a guarda das máquinas, dos materiais inflamáveis, etc., e que determinam assim a manutenção do factor de risco acrescido. </font><br> <font>- Com efeito, é precisamente para proteger os cidadãos dos factores de risco acrescidos do exercício de determinadas actividades, que se instituiu o regime de presunção de culpa previsto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil. </font><br> <font>- Com efeito, quando perante actividades perigosas, a lei estabelece uma presunção de culpa pelo exercício da actividade, cabe ao lesante demonstrar a relevância negativa da causa virtual como forma de exoneração da sua responsabilidade, ou seja, o que estabelece em concreto a presunção de culpa é o exercício da actividade perigosa, no caso, da indústria exercida pela R., sem protecção pelo risco de incêndio, e contra a ordem da autoridade pública que determinou a cessação da actividade. </font><br> <font>- Aliás, o que sucedeu nos autos, foi apenas e só que o risco que pretendia ser prevenido pelas autoridades, veio a verificar-se em concreto – a produção do incêndio nas instalações fabris da R.. </font><br> <font>- Deve ainda referir-se que no caso em concreto, a prova efectuada pela R. é de todo insuficiente para demonstrar que o evento se teria produzido sem a sua intervenção, ou que empregou todos os esforços para que o evento se não produzisse, o que se afigurava desde logo contrariado pelo facto de a R. estar a laborar contra a ordem de suspensão que lhe tinha sido dada pela autarquia. </font><br> <font>- A decisão em recurso viola assim o disposto no artigo 493º, nº 2, do Código Civil, e 508º do Código de Processo Civil. </font><br> <br> <font> A parte contrária não apresentou contra-alegações.</font><br> <br> <b><font>II – As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br> <font>1º Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano sito na Rua ..., nºs 000/000, Vila Nova de Gaia, o qual, por escritura pública datada de 30/12/63 e outorgada no 3º Cartório Notarial do Porto, o anterior proprietário do imóvel deu de arrendamento à R. o r/c do referido prédio para que esta nele instalasse uma indústria de reparação, transformação e recuperação de desperdício, o que este efectivamente efectuou.</font><br> <font>2º A R. continuou a sua laboração no locado após 17/12/02, continuando a utilizar aquele para a sua actividade industrial. </font><br> <font>3º Em 14/03/03, pelas 20.30 horas, e após um dia normal de laboração, um incêndio veio a ter lugar no referido estabelecimento industrial por causas ainda não apuradas resultando, por força deste incêndio a destruição parcial do imóvel com queda e destruição da cobertura, pilares, suportes e vigas, reduzindo todo o r/c a escombros e apenas restando as paredes-mestras.</font><br> <font>4º Os danos causados são susceptíveis de reparação necessitando dos seguintes trabalhos: remoção do entulho, remoção das paredes não seguras, construção de novas paredes, construção de nova cobertura, reparação do pavimento atingido. </font><br> <font>5º Tais danos têm um valor estimado de reparação de cerca de € 184.560,00. </font><br> <font>6º O valor final dos trabalhos apenas será possível após a realização efectiva dos mesmos.</font><br> <font>7º Contra os AA. está pendente na 1ª Vara Mista deste tribunal a acção ordinária nº 383/02, intentada pela aqui R. e na qual é peticionado, além do mais, que sejam os ora AA. condenados no pagamento e execução de obras consistentes na reparação de todo o telhado e respectivo forro em madeira, reparação de todas as portas e janelas, reparação e pintura do reboco interior das paredes, reparação e reboco exterior das paredes. </font><br> <font>8º A acção mencionada foi intentada em 29/04/02 e contestada pela R. AA no dia 14/06/02. </font><br> <font>9º A R. estava licenciada desde há mais de 18 anos para exercer a sua actividade no locado. </font><br> <font>10º O local trata-se de uma instalação industrial e as intervenções de manutenção da mesma realizadas pela R. não foram suficientes nem aptas a impedir que a instalação se viesse a degradar ao longo do tempo. </font><br> <font>11º Em 17/10/02, ocorreu uma vistoria pelo serviço de bombeiros através dos competentes serviços de inspecção tendo este concluído em relatório que a indústria em causa carecia de condições de segurança contra incêndios. </font><br> <font>12º Por força de tal relatório, por despacho de 17/12/02, do vereador do pelouro de fiscalização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foi ordenada a cessação da utilização do referido r/c.. </font><br> <font>13º Tal ordem foi transmitida à R.. </font><br> <font>14º As chamas tiveram pasto fácil nos materiais existentes no locado atenta a natureza da indústria exercida pela R. e de manuseamento de materiais altamente inflamáveis. </font><br> <font>15º Os AA. na sua qualidade de donos e senhorios do imóvel arrendado à R. nunca curaram da sua conservação. </font><br> <font>16º A R. enviou carta à A. datada de 01/10/02 em que requeria que a senhoria mandasse fazer reparações urgentes para evitar a infiltração de água no locado já que o imóvel se vinha degradando por acção do tempo e pela sua já vetusta idade sem que qualquer proprietário executasse qualquer obra nos últimos trinta anos e até mais. </font><br> <font>17º O travejamento em madeira estava apodrecido, o telhado estava abatido e ameaçava ruir em algumas partes, em consequência do que as telhas se deslocavam e outras partiam, tudo provocando infiltrações de humidade de água pluviais pelo que o forro interior do telhado, sendo em madeira, como era, apodreceu totalmente. </font><br> <font>18º As portas exteriores e janelas, com mais de quarenta anos de idade e sem qualquer conservação, estavam igualmente podres e incapazes de segurar os vidros já que os caixilhos «ripes» desapareceram. </font><br> <font>19º A R. foi obrigada, pelo referido em 18º, a tapar algumas janelas com plásticos para tentar impedir a entrada de água o que não foi conseguido e outras janelas e portas com tijolos como forma de impedir assaltos. </font><br> <font>20º As caleiras apodreceram e ruíram em parte contribuindo quer para o apodrecimento do suporte e travejamento do telhado e seu forro quer para o apodrecimento e deterioração das paredes do imóvel cujo reboco, tanto interior como exterior, caiu em grande parte o que provocou a constante infiltração de água pluviais e humidades o que igualmente se verifica pelo telhado com o consequente perigo de incêndio provocado por curto-circuito na instalação eléctrica.</font><br> <font>21º Em consequência dos danos que sofreu pelas apontadas circunstâncias causais, parte da instalação eléctrica teve de ser reparada ou substituída. </font><br> <font>22º A R. executou algumas obras tendentes à conservação interior do imóvel. </font><br> <font>23º Em 11/04/00, em consequência da recusa de os senhorios procederem a obras de conservação do imóvel, a R. solicitou à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia que compelisse os senhorios a executarem as obras reputadas pela requerente de necessárias e urgentes. </font><br> <font>24º Em 01/06/00, a R. deu conhecimento à AA. do requerimento apresentado na Câmara. </font><br> <font>25º Em 01/10/02, a R. reiterou junto dos senhorios a sua exigência de obras urgentes.</font><br> <br> <font> </font><b><font>III – </font></b><b><i><font>Quid iuris? </font></i></b><br> <font>Da leitura das conclusões com que os recorrentes fecharam a sua minuta, resulta que colocaram à nossa consideração duas questões: a primeira relativa à forma como a base instrutória foi organizada, a outra respeitante à aplicação ao caso da regra contida no artigo 493º, nº 2, do Código Civil.</font><br> <font>Estas mesmas questões foram colocadas em sede de apelação e receberam por parte do Tribunal da Relação do Porto respostas que não foram satisfatórias para os recorrentes.</font><br> <font>Cabe-nos, assim, a tarefa de verificarmos se tais respostas estão ou não conformes com a Lei à luz da factualidade apurada.</font><br> <font>E é precisamente por este ponto que a nossa análise deve começar: a razão lógica das coisas assim o impõe.</font><br> <font>Antes, porém, importa que se diga, que, vistas bem as cousas, esta questão surge-nos colocada ao abrigo do que preceitua o artigo 722º, nº 2 do Código de Processo Civil, o que nos permite dizer que se nos apresenta como agravo continuado encapotado que, como tal, não é admissível nos termos do nº 2 do artigo 754º do mesmo Código.</font><br> <font>O certo, porém, é que, como diremos mais à frente, ao Supremo cabe sempre, em última análise, a verificação da conformação da matéria de facto alegada com vista a emitir juízo sobre a “questão-de-direito” (só resolvida a “questão-de-facto” pode o Tribunal decidir da “questão-de-direito”), não enjeitamos conhecer e decidir o problema em apreciação. É o que passaremos a fazer.</font><br> <font>Saber se a base instrutória está ou não bem elaborada é questão que as partes podem colocar ao Tribunal logo em sede de reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 511º, nº 2, do Código de Processo Civil.</font><br> <font>A decisão proferida sobre as eventuais reclamações contra a elaboração da base instrutória não forma caso julgado: isso mesmo é patente no nº 3 do artigo citado – “o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final”.</font><br> <font>A própria feitura da base instrutória não retira ao juiz a faculdade de, em sede de julgamento, aditar novos quesitos, ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 650º do mesmo código.</font><br> <font>Que a decisão sobre a matéria de facto nunca transita verdadeiramente (ou, melhor, só transita quando passa pelo crivo final do Supremo) é a ideia que ressai da leitura não só do artigo 712º, nº 4 (poderes da Relação no sentido de ordenar a ampliação da matéria de facto), como também do artigo 729º, nº 3 (poderes do Supremo para ordenar a ampliação da matéria de facto), ambos do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Mas, em todos estes poderes de ampliação da matéria de facto (desde o juiz que preside ao julgamento, passando pela Relação e até ao Supremo) a ideia que subjaz é esta: só pode ser ampliada a base de instrução desde que as partes tenham alegado a factualidade atinente, em homenagem ao princípio dispositivo consagrado no artigo 264º do diploma adjectivo citado.</font><br> <font>Ora, como foi salientado no aresto impugnado, os AA., aqui recorrentes, limitaram-se a pedir a condenação dos RR. em virtude dos danos alegados, fazendo crer que os mesmos se ficaram a dever à actividade da R.-recorrida.</font><br> <font>Tudo o que, com interesse para a decisão da causa foi seleccionado, em respeito absoluto pela regra do nº 1 do artigo 511º citado. Vale por dizer que a peça base instrutória foi elaborada, tendo em devida conta a factualidade alegada e as várias soluções plausíveis do ponto de vista do direito.</font><br> <font>Não tendo o juiz da 1ª instância, fazedor do saneador, olvidado qualquer dado de facto relevante, carecem os AA. de razão para continuaram a dizer que a base instrutória deveria ter contemplado outros factos.</font><br> <font>Mas, quais factos, se outros, para além dos contemplados, não foram alegados?</font><br> <font>Com esta pergunta queremos ter respondido à questão da necessidade (desnecessidade, neste caso) de ordenar a ampliação da base instrutória, o mesmo é dizer da total falta de razão em relação à crítica que os recorrentes vieram, desde a decisão final da 1ª Instância, a fazer até aqui.</font><br> <font>Mas a nossa intenção vai mais longe. Com ela queremos enfatizar um facto que é deveras importante e que se tivesse sido levado em conta em sede de saneador poderia, desde logo, ter determinado a sorte da lide.</font><br> <font>Com efeito, tendo os AA. alegado na petição inicial que o acidente ocorreu por causas não apuradas, isso significaria que a acção, tal como foi desenhada, estava, desde então, condenada ao insucesso.</font><br> <font>As pertinentes considerações tecidas na sentença pelo Juiz da 1ª Instância a respeito da falta de prova de um facto voluntário imputável ao agente (à aqui R.), as quais mereceram inteira concordância por parte do Tribunal da Relação, bem poderiam ter sido proferida em tempos anteriores, precisamente em sede de saneador. É que, à míngua de factos alegados no que concerne à imputação do facto ao agente (foram os próprios AA. que alegaram desconhecer as razões pelas quais o incêndio teve lugar), impunham, desde logo, uma decisão </font><i><font>de meritis</font></i><font>.</font><br> <font>Em boa verdade, estando as partes de perfeito acordo que “no dia 14 de Março de 2003, pelas 20,30 horas, após um dia normal de laboração, um incêndio veio a ter lugar no referido estabelecimento industrial, por causas ainda não apuradas” (facto constante da alínea C dos factos assentes), não descortinamos a razão pela qual a acção se eternizou ao longo de todo este tempo com sucessivos actos, todos eles inúteis, precisamente porque, faltando um dos pressupostos constitutivos da responsabilidade civil (certo que era aos AA. que competia a sua alegação e subsequente prova), tudo o mais estava prejudicado.</font><br> <font>Ao longo do processo, tanto na apelação como ora na revista, insistem os AA. em violação do artigo 508º do Código de Processo Civil. Sem qualquer razão, porém.</font><br> <font>Na verdade, o nº 3 deste preceito legal permite que o juiz convide as partes a suprir irregularidades dos articulados, mas não cabe aqui a sua aplicação. Para além de consagrar um mero poder discricionário do juiz, o mesmo é dizer que nada o obrigava ao convite para aperfeiçoamento, é importante dizer que está apenas dirigido para “as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto”, o que torna evidente a sua inaplicabilidade ao caso a partir do momento em que são os próprios AA. a alegar desconhecerem as causas do incêndio. Vale por dizer que ignoram se o mesmo foi provocado pela R.. Ora, não podendo ser imputada a esta a prática dos actos causadores do incêndio, a tese dos AA. estava, </font><i><font>ab initio,</font></i><font> naturalmente, condenada ao fracasso.</font><br> <font>Dever-se-á, no entanto, dizer que, mesmo na perspectiva (errada) que os recorrentes parecem defender (tradutora de poder vinculado do juiz no convite ao aperfeiçoamento dos articulados e não meramente discricionário) a omissão cometida teria gerado nulidade, entretanto definitivamente sanada não só por terem sido eles próprios a darem causa à mesma, mas também pelo decurso do tempo (artigos 203º, nº 2 e 205º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil).</font><br> <font>Aqui chegados, poderíamos terminar, dizendo que a pretensão dos recorrentes não pode proceder, ancorando-nos, para tanto no disposto no nº 2 do artigo 660º, </font><i><font>ex vi</font></i><font> artigos 713º, nº 2 e 726º, todos do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Diremos, no entanto, algo (pouco mesmo) sobre a outra questão que nos foi colocada com o intuito apenas de ajudar a esclarecer as partes da bondade da decisão recorrida.</font><br> <font>A decisão da 1ª Instância, considerando a falta de factos que permitissem imputar à R. a responsabilidade na produção do acidente (“há um facto – incêndio -, cuja voluntariedade não logramos imputar à R.”) e que só a culpa não integrava o seu ónus probatório, rematou pela improcedência da acção.</font><br> <font>A Relação pouco ou nada acresceu a estes considerandos e limitou-se a confirmar o julgado.</font><br> <font>Insistem, no entanto, os AA. em violação do disposto no artigo 493º, nº 2 do Código Civil.</font><br> <font>Mas também aqui a razão não está do seu lado.</font><br> <font>Vejamos. </font><br> <font>O nº 2 do artigo 493º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa na produção dos danos causados por alguém no exercício de uma actividade perigosa. Nesta hipótese, ao contrário do que os recorrentes pretendem fazer crer, não releva negativamente a causa virtual, o mesmo é dizer que “o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I – 4ª edição -, pág. 496).</font><br> <font>Compreende-se que assim seja: “se a responsabilidade assenta, …, sobre a ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, a presunção recai em cheio sobre a pessoa que detém a coisa” com dever de a vigiar (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol. I – 8ª edição -, pág. 604 e 605).</font><br> <font>Mas, mesmo que se considere que a R. exercia uma actividade perigosa – (</font><i><font>quod erat demonstradum</font></i><font>…) apenas ficou provado que exercia a indústria de reparação, transformação e recuperação de desperdício (alínea A dos factos assentes) e que as chamas tiveram pasto fácil nos materiais existentes no locado atenta a natureza da indústria exercida pela R. e do manuseamento de materiais altamente inflamáveis (resposta ao ponto 5º) –, e que a R. não cumpriu o seu ónus de alegação com vista a exonerar-se da responsabilidade, nos termos supra referidos, o certo é que, como o afirmaram as instâncias, não lograram os AA. provar dos demais elementos constitutivos da responsabilidade da R., o que, como já ficou dito e redito, afasta definitivamente a responsabilidade desta.</font><br> <br> <font>Em suma, não assiste aos recorrentes a mínima razão na queixa apresentada: por um lado, foram considerados os factos alegados (certo que só estes podiam e deviam ser considerados); por outro, não foram sequer provados os que a eles, enquanto autores e portadores do ónus correspondente, competia provar.</font><br> <font>Bem andou, portanto, o Tribunal da Relação do Porto ao confirmar a absolvição da R. decretada pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.</font><br> <br> <b><font>IV – Decisão</font></b><br> <font>Nega-se a revista e condenam-se os recorrentes no pagamento das custas devidas.</font><br> <br> <font> Lisboa, aos 22 de Abril de 2008</font><br> <font> Urbano Dias (relator)</font><br> <font> Paulo Sá</font><br> <font> Mário Cruz</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :</font><br> <br> <font>AA, residente na Rua ..., Póvoa de Varzim, propôs a presente acção declarativa comum ordinária, contra BB, residente na Praça ..., Póvoa de Varzim, pedindo que, na sua procedência, seja decretada a anulação da escritura pública celebrada, na Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, no 1o Cartório Notarial, em 8 de Junho de 2000, na parte em que se faz a partilha dos bens de CC, ordenando-se que tais bens sejam divididos entre os seus três filhos, sendo 7/18 avos para DD, 7/18 para o réu e 4/18 avos para a autora [a], seja ordenada a anulação do registo, na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, e efectuado outro, nos termos e proporções acima mencionados [b] sejam remetidos aos Serviços de Finanças da Póvoa de Varzim, para tomarem conhecimento desta inicial e da aludida escritura, as respectivas cópias destas [c] e sejam notificados o 1o Cartório da Secretaria Notarial e a Conservatória do Registo Predial, ambos da Póvoa de Varzim [d], invocando, para o efeito, como causa de pedir, que DD e o réu BB são filhos de CC e de sua mulher, EE, os quais eram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão geral de bens.</font><br> <font>Por outro lado, a autora AA é filha de CC e de FF</font><br> <font>EE faleceu, em 24 de Maio de 1999, e CC, em 7 de Agosto de 2003.</font><br> <font>A autora soube, em 27 de Outubro de 2003, que foi lavrada a escritura pública corporizada no documento junto aos autos, sem que, intencionalmente, tenha sido informado o Notário de que existia uma irmã, ou seja, a aqui autora, procedendo-se à partilha dos bens comuns do casal e não apenas dos bens da herança.</font><br> <font>Com efeito, na mencionada escritura e, após a habilitação de herdeiros, CC e o réu BB, seu filho, este intervindo por si e na qualidade de procurador de seu irmão, DD, e mulher deste, GG, declararam ir proceder à partilha dos bens do casal e da herança de EE, passando a fazê-lo, mediante a adjudicação ao réu de uma sepultura com o n°41, na secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, com o valor atribuído de 10 000$00, e de uma sepultura com o n°40, na 1a secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B29, com o valor atribuído de 5000$00, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B29, com o valor atribuído de 25 252$00, sendo a restante metade indivisa deste prédio urbano adjudicada a DD, e ao viúvo, CC, da torna de 26 834$66, que o mesmo declarou ter já recebido dos filhos BB e DD, mas sem que na referida escritura tivesse sido feita qualquer referência à autora.</font><br> <font>Na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, o prédio urbano outrora sob o n°11.107, do Livro B29, da freguesia de Aver-O-Mar, encontra-se descrito sob o n°01868/011031, aí constando que o mesmo corresponde ao artigo matricial 336º e que, por força de averbamento efectuado em 24 de Maio de 2005, o respectivo valor patrimonial é de €1. 448,76.</font><br> <font>A aquisição do imóvel em causa encontra-se inscrita, na Conservatória do Registo Predial, a favor do réu BB e de DD e mulher, GG, constando como sua causa aquisitiva a sucessão deferida em partilha, por morte de EE, que foi casada com CC, segundo o regime da comunhão geral, representando a partilha uma venda do património imobiliário de seu pai, CC, aos filhos, BB e DD.</font><br> <font>Na contestação, o réu defende-se, na parte que ainda interessa considerar, por impugnação, contradizendo, no essencial, toda a factualidade invocada pela autora.</font><br> <font>Na réplica, a autora conclui como na petição inicial e o réu, na tréplica, como na contestação.</font><br> <font>DD, por si e em representação de sua mulher, GG, depois de ter revogado o mandato conferido à Exª Advogada constituída pela autora, desistiu do pedido que, conjuntamente com esta, inicialmente, formulara contra o réu, bem assim como de todos os articulados subsequentes e do pedido de cancelamento do registo da acção.</font><br> <font>Foram admitidos, a requerimento da autora, como intervenientes principais provocados, associados do réu, os aludidos DD e sua mulher, GG.</font><br> <font>Posteriormente, “A... – Gestão Imobiliária, SA”, na qualidade de cessionária da posição dos intervenientes DD e mulher, GG, foi jugada habilitada para os ulteriores termos da acção principal e, em substituição dos mesmos, prosseguir na sua tramitação processual.</font><br> <font>A sentença julgou a acção, parcialmente, provada e procedente e, em consequência, declarou a anulabilidade da escritura pública em causa, na parte em que se faz a partilha da meação e do quinhão hereditário dos bens pertencentes a CC, ordenando-se que os mesmos bens sejam divididos, igualitariamente, pelos três filhos, DD, BB e a autora, e ainda o cancelamento do registo feito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, e, em conformidade, absolveu o réu e interveniente DD do demais pedido.</font><br> <font>Desta sentença, o réu BB e a habilitada “A...-Gestão Imobiliária, SA” interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação, declarando a nulidade do negócio.</font><br> <font>Do acórdão da Relação do Porto, o réu BB e a habilitada “A...-Gestão Imobiliária, SA” interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, proferindo-se decisão que, declarando, totalmente, válida a escritura, decrete a improcedência da presente acção, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br> <font> O RÉU:</font><br> <font>1ª – O douto acórdão recorrido deve ser revogado, visto que a partilha em causa nos presentes autos observou toda a legislação que lhe é aplicável, nenhuma censura lhe podendo validamente ser feita. Na verdade,</font><br> <font>2ª - Através da referida escritura procedeu-se à partilha dos bens que constituíam o acervo patrimonial da herança da falecida EE, tendo-se previamente procedido à habilitação dos herdeiros da falecida, e, de seguida, observando a legislação aplicável, os herdeiros desta, e só estes, pois só estes tinham legitimidade para intervir na escritura, procederam à partilha dos bens, da herança daquela falecida, fazendo as respectivas adjudicações. Deste modo,</font><br> <font>3ª - E contrariamente ao defendido no douto acórdão recorrido, nenhuma violação ocorreu de qualquer norma legal, não podendo, portanto, a escritura em causa, ser objecto de qualquer censura, nomeadamente da nulidade decidida no acórdão recorrido. Com efeito,</font><br> <font>4ª - A escritura em causa, o experiente e ilustre (e, infelizmente saudoso) notário que a elaborou, observou, como era seu timbre, toda a legislação aplicável, e</font><br> <font>5ª - Procedeu como sempre o fez em centenas de partilhas notariais em que interveio: atribuindo aos bens imóveis a partilhar os respectivos valores matriciais e respeitando a vontade de todos os outorgantes, a quem sempre explicava, como nesta explicou, tal como se refere na parte final da escritura, o seu conteúdo, que todos os outorgantes, maiores e capazes, acharam conforme a sua vontade. Em suma:</font><br> <font>6ª - Todos os contraentes, viúvo da falecida e filhos desta, quiseram que o prédio urbano pertencente à herança da falecida </font><b><font>EE </font></b><font>fosse adjudicado aos dois filhos desta, e, com toda a legitimidade, os herdeiros da falecida, e só eles, porque só eles poderiam intervir na escritura, assim o fizeram, na observância e respeito por toda a legislação aplicável. Por conseguinte,</font><br> <font>7ª - E por não ter havido violação de qualquer preceito legal, não pode a escritura em causa ser declarada nula, pois a ser declarada nula esta escritura, com fundamento de que a partilha foi efectuada, como praticamente todas o são, com base no valor matricial dos imóveis a partilhar, então aplicando este perigosíssimo critério, muito poucas das milhares de escrituras de partilhas se salvarão, o que acarretaria uma totalmente inaceitável insegurança no seio de todo o notariado e do universo de pessoas que, necessariamente, a ele se socorre, dada a segurança e solidez que todos associam aos actos notariais, em que, mais uma vez se repete, a lei é observada e respeitada.</font><br> <font> A HABILITADA A... – GESTÃO IMOBILIÁRIA, SA</font><br> <font>1ª - Assertivamente, na sua parte decisória, começa o Acórdão revidendo, por reconhecer expressamente, o erro da aplicação do direito, à matéria de facto dada como assente;</font><br> <font>2a - Apesar do assertivo reconhecimento, de que não se tratou de uma partilha em vida, com as inerentes doações, condição sine qua non</font><i><font> </font></i><font>daquela, o Acórdão revidendo, já influenciado pelo seu pensamento e decisão final, continua a referir-se a uma "partilha em vida";</font><br> <font>3ª - O contrato, que está em causa e que resulta da matéria de facto assente é, uma "Partilha por morte", da cônjuge mulher, daquele CC, à qual, são habilitados, e nela intervêm como interessados, o cônjuge viúvo e os herdeiros legitimários da de cujus,</font><i><font> </font></i><font>aquele cônjuge e os filhos desta;</font><br> <font>4a - A qual respeita o disposto nos artigos 2010º, a), n°1, 2133º, n°1, 2139º, 2157º e 2159º todos do C.C.;</font><br> <font>5a - Partilha essa por óbito da de cujus,</font><i><font> </font></i><font>cônjuge mulher daquele CC, EE, da qual a A./Recorrida, não é filha, e por isso não é, nem herdeira legítima, muito menos legitimaria, e portanto não é interessada;</font><br> <font>6a - Porém, a reminiscência de "partilha em vida", na conclusão da não aceitação da solução jurídica da sentença apelada da 1a instância, conduziu os Srs Juízes Desembargadores, por caminhos ínvios, na busca de uma solução de direito, que ao fim e ao cabo, desse o mesmo resultado, ou seja, a anulação da partilha;</font><br> <font>7ª - Não se descortina, no emaranhado, quer da causa de pedir, quer dos pedidos constantes da p.i., qualquer fundamento, que pudesse ter em vista, o almejado objectivo que o Acórdão revidendo, num lampejo inóspito, vislumbrou ou vislumbra;</font><br> <font>8a - A A. Recorrida nunca perspectivou tal solução jurídica, como, bem pelo contrário, reduziu-a e circunscreveu-a objectivamente, à situação de "partilha em vida" e de "ter sido preterida enquanto herdeira legitimaria, daquele CC";</font><br> <font>9a - Os herdeiros, daquela falecida EE ...porque estavam de acordo, procederam estes, nos termos do art. 2102º do C.C. e do Cod. do Notariado, à partilha extrajudicial, conforme resulta da escritura pública a que se referem os n°s ... da matéria de facto dada como assente;</font><br> <font>10a - Prevê a lei, em secção específica, a "V", os meios relativos à impugnação da partilha, a que se referem os arts 2121º, 2122º e 2123º do CC;</font><br> <font>11ª - Nenhuma outra norma havendo, sobre a impugnação da partilha, temos de nos cingir, no presente caso, ao disposto no art. 2121º do C.C., que nos remete para a parte geral, da impugnação dos contratos;</font><br> <font>12a - Regressivamente, e em inequívoca demonstração, do pensamento da afinal "partilha em vida", exarou-se erradamente, no Acórdão, o seguinte preconceito, que de legalidade, nada possui: "Com a escritura titulando a partilha do património do casal composto pelo CC e pela então falecida EE, ficou totalmente fora da herança, a filha do 1o, ora autora e sua herdeira legitimaria, conhecia de todos os intervenientes, dado que o CC veio entretanto a falecer"</font><b><font>;</font></b><br> <font>13a - Decidiu o Acórdão revidendo, com base nas ditas reminiscências e confusão da "partilha em vida" que: "Se o negócio realizado entre as partes se mostra formalmente válido, o seu conteúdo, atenta não só contra a ordem pública mas também contra os bons costumes ";</font><br> <font>14a - Serve de justificação a tal falsa conclusão, obviamente resultante de falsa premissa, no silogismo que compõe o raciocínio, ao concluir-se:</font><i><font> </font></i><font>"A questão sombria reside justamente no valor (irrisório) atribuído aos imóveis e no facto de as tornas terem sido "atribuídas" ao meeiro CC, pessoa de 87 anos e, que viria a falecer com a idade de 90 anos.";</font><br> <font>15a - Com a morte do CC, o que está em causa é uma nova relação jurídica, ou seja, a sucessão hereditária deste e a partilha do seu acervo patrimonial;</font><br> <font>16a - Recusando essa realidade jurídica, e de caso pensado, o Acórdão revidendo trouxe à colação uma "questão sombria", ou seja, o valor atribuído aos bens, no contrato de partilha por óbito daquela EE;</font><br> <font>17a - De acordo com os usos e costumes, por ser facto público e notório, que seguramente os Senhores Juízes Desembargadores, subscritores do Acórdão não ignoram, cem por cento das escrituras de doação, partilha em vida e partilha post mortem</font><i><font>, </font></i><font>realizadas antes de 1 de Janeiro de 1989, eram feitas com base nos valores mínimos passíveis de serem atribuídos aos bens, ou seja, com base nos valores matriciais;</font><br> <font>18ª - A comprová-lo estão, milhões de escrituras dos séculos XIX e XX, quer no Arquivo do Tombo, quer nos Arquivos Distritais, a demonstrar essa realidade tal como o estão, as sisas pagas pelas diferenças de tornas, tudo, com o mero intuito, de todos os interessados intervenientes em pagarem o menor valor de sisa, de imposto de selo e de emolumentos notariais;</font><br> <font>19a – Era público e notório e fazia parte dos usos e costumes que, na realidade, e para efeitos do negócio da partilha entre os interessados, os prédios fossem avaliados pelos louvados, pelo seu valor real e os interessados, na partilha entre si, atribuíssem os valores reais e pagassem as tornas realmente devidas para preenchimento dos quinhões e meações, pelos referidos valores reais, que nada tinham a ver, com os valores declarados nas escrituras, e que titulavam quer as doações, quer as partilhas em vida, quer as partilhas post mortem;</font><br> <font>20a - Muitos, se não todos, os Venerandos Juízes Conselheiros serão testemunhas, dos acordos feitos nos inventários, então orfanológicos, depois de menores, e até nos facultativos, da procura intensa, do acordo extrajudicial, para evitar as custas elevadas, as sisas e os impostos sucessórios;</font><br> <font>21ª - Durante os séculos XIX e XX, ninguém se lembrou que, fazer isso, ou seja, atribuir os valores matriciais, atentava contra a ordem pública, a moral ou fosse ofensivo dos bons costumes;</font><br> <font>22a – Dúvidas não há, como resulta expressamente do teor da escritura pública, que titula o contrato de partilha por óbito daquela EE, que para efeitos da outorga da mesma, as partes quiseram, de livre e espontânea vontade, atribuir ao imóvel, o respectivo valor matricial, para, com base no mesmo e no atribuído aos demais procederem à celebração daquela escritura;</font><br> <font>23a - E, ao contrário do referido no Acórdão revidendo, fizeram-no apenas e tão só, para efeitos formais, ou seja, para efeito da escritura, para pagarem os mínimos valores de sisa, imposto de selo, emolumentos notariais e registrais;</font><br> <font>24a - No princípio legal da liberdade contratual, as partes celebraram o negócio jurídico relativo ao contrato de partilha por óbito da falecida EE, pelo seu valor real e justo, mas formalmente, ou seja, no título formal do mesmo, declararam os valores mínimos legais;</font><br> <font>25ª - Estamos perante uma simulação relativa dos valores atribuídos, com a única intenção de lesar o Estado, que não qualquer terceiro, que pudesse ter interesse no indicado negócio, mormente qualquer credor daquele CC, muito menos qualquer interessado na partilha, pela simples razão de não haver, nenhum outro interessado na partilha por óbito daquela EE;</font><br> <font>26a - Não está determinado, nem consta da matéria de facto, dada como provada, qual o valor que os interessados, no negócio da partilha por óbito da EE, atribuíram ao bem imóvel em causa, já que, o que temos, é apenas o valor atribuído na escritura pública, que formalizou aquele negócio do contrato de partilha, o que, salvo melhor opinião, são coisas completamente diferentes;</font><br> <font>27a - Decidiu o Acórdão revidendo, "entrar em seara alheia" e fazer a prova que aquela não fez, tecendo as seguintes considerações: "O imóvel composto por casa destinada a habitação, com dependências e quintal, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-o-mar, concelho da Póvoa de Varzim, foi atribuído o valor de vinte e cinco mil e duzentos e cinquenta e dois escudos, ou seja cerca de €125, o que não podem restar dúvidas não corresponde ao seu valor real, principalmente se tivermos em conta que a freguesia de Aver-o-mar, se situa na orla marítima, no enfiamento da praia da Póvoa de Varzim, onde os prédios de construção são de sobremaneira valorizados, como é do conhecimento público";</font><br> <font>28a - Ao Supremo Tribunal cabe sindicar e ajuizar, sobre a leitura que o Tribunal recorrido fez da mesma, para fazer o seu enquadramento, na solução de direito aplicável, ou que entendeu ser a aplicável;</font><br> <font>29a - O Tribunal recorrido, alegando tratar-se de facto de conhecimento público, atribuiu faculdades, ou, se não mesmo, aditou matéria de facto, que não só não foi dada como provada, e que, nem sequer pode subsumir, àquilo que entende ser de conhecimento público, e aplicável ao caso concreto;</font><br> <font>30a - A pronúncia constante do Acórdão revidendo, na parte acima transcrita, em que se estriba em generalidades, que justifica como sendo do conhecimento público, não as pode sufragar, como sendo aplicáveis ao imóvel em causa, por não conhecer a realidade física do mesmo;</font><br> <font>31ª - Da matéria de facto provada, sob o n°8, resulta que o imóvel composto de "casa de habitação com dependências e quintal"</font><i><font> </font></i><font>tem a mísera área coberta de 34m2 - equivalente a um T-O, dependências com 18m2, e um quintal com 133m2, ou seja, estamos a falar de uma parcela de terreno com apenas 185m2;</font><br> <font>32a - Como se tal não bastasse e ao contrário do referido Acórdão, tal prédio, não se situa junto à praia, antes confronta, pelo Nascente, com a EN 13 - Porto - Valença, pelo que está sujeita a uma faixa non aedificandi</font><i><font>, </font></i><font>que abrange a totalidade da área do prédio, ou seja, não tem, face à lei das servidões, de protecção das Estradas Nacionais e Internacionais, qualquer capacidade construtiva;</font><br> <font>33a - A "casa" e "anexos", só existem, por já serem muito antigos - art.336 - inscrito na matriz em 1937, para além de distar da orla marítima cerca de 1 km;</font><br> <font>34a - O Acórdão revidendo, no seu fértil imaginário, sobrevaloriza, intencional e artificialmente, o imóvel, para um valor indefinido que o mesmo, não tem, com único objectivo de fazer aplicar, como aplicou, o disposto no n°2 do art. 280º do C.C., quando, na realidade, não há no aludido contrato de partilha, qualquer violação da ordem pública ou qualquer ofensa aos bons costumes;</font><br> <font>35a - Não se vislumbra, onde, quando e como, a partilha por óbito daquela EE, pode atentar contra os bons costumes, e muito menos porque é que as pessoas dos filhos daquela, por lhes ter sido adjudicado o imóvel e terem pago as tornas devidas ao seu pai, cônjuge meeiro e herdeiro e o terem deixado continuar a viver na casa, tenham, por esses factos, deixado de ser pessoas honradas, integras e bem intencionadas.</font><br> <font>36a - O Acórdão revidendo, na sua fundamentação é ofensivo da honra e consideração seja daquele falecido CC, seja dos filhos interessados na partilha por óbito daquela EE, porquanto nenhum nexo de causalidade adequada existe entre o negócio subjacente àquela partilha e a expectativa da autora à legítima por óbito daquele CC;</font><br> <font>37a - Não é pelo facto de os interessados naquela partilha por, óbito da mulher e mãe EE, terem feito constar do título formal, ou seja, a escritura pública, a declaração de atribuir ao bem imóvel, o seu valor matricial e terem procedido às operações da partilha com base nesse valor, à semelhança dos milhares de escrituras iguais, outorgadas antes de 1 de Janeiro de 1989 que daí decorre que na realidade os interessados não tenham procedido á partilha pelo valor real e efectivo do imóvel;</font><br> <font>38a - O acto é verdadeiro e foi o livremente querido pelas partes, quanto ao seu conteúdo material. Porém, simultaneamente quiseram simular os valores declarados, para prejudicar o Estado, que não diminuir, fosse por que meio fosse, o valor real dos direitos daquele CC;</font><br> <font>39a - Todos os intervenientes quer em escrituras de partilha por morte, quer em escritura de partilha em vida, quer em escrituras de doação, nas quais declararam atribuir aos imóveis partilhados e doados os valores matriciais, são pessoas desonestas, incorrectas e de má fé, que, por esse facto atentaram contra a ordem pública e os bons costumes;</font><br> <font>40a - O Acórdão revidendo, introduziu ao abrigo do instituto do conhecimento oficioso, matéria de facto nova, que está em contradição com a matéria de facto dada como assente e provada e atenta contra a matéria de facto dada como não provada violando literalmente as regras da repartição do ónus da prova, nos termos do art. 342 do C.C. e subtraindo aos recorrentes o direito ao contraditório nos termos do n° 3 do art. 3º e do princípio da igualdade das partes nos termos do art. 3-A, ambos do C.P.C.;</font><br> <font>41a - O Acórdão revidendo, ao usar como usou, o instituto do conhecimento oficioso relativamente a factos que não constam dos autos e que estão em oposição à matéria de facto dada como provada, não só proferiu decisão que está em oposição àquela matéria de facto, como conheceu de questão (de facto) de que não podia tomar conhecimento e proferiu condenação em objecto e por fundamentação que está em total divergência com a dos pedidos formulados pela autora pelo que é nulo nos termos das als. c), d) e e) do n°1 do art.668º do C.P.C..</font><br> <font>Nas suas contra-alegações, a autora sustenta que os recursos apresentados pelo réu e pela habilitada devem improceder, na sua totalidade, condenando-se os recorrentes, por abuso de direito e objectiva má fé, em multa e indemnização, reconhecendo-se a efectiva responsabilidade pessoal e directa dos respectivos mandatários nos actos correspondentes, com conhecimento à Ordem dos Advogados, e oficiando-se à Conservatória do Registo Predial e à Câmara Municipal.</font><br> <font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br> <font>1. CC e EE casaram um com o outro, no dia 21 de Agosto de 1936, segundo o regime da comunhão geral de bens – A).</font><br> <font>2. Os réus DD e BB são filhos de CC e de EE, tendo nascido, respectivamente, em 16.11.1937 e, em 21.08.1936 – B).</font><br> <font>3. A autora AA nasceu, em 13 de Setembro de 1946, sendo filha de CC e de FF - C).</font><br> <font>4. EE faleceu, em 24 de Maio de 1999, data em que se dissolveu o casamento, referido em A) - D).</font><br> <font>5. CC faleceu, em 7 de Agosto de 2003, no estado de viúvo de EE - E).</font><br> <font>6. No dia 8 de Junho de 2000, foi outorgada a escritura pública de habilitação e partilha, exarada de folhas 1 verso a folhas 4 do Livro de notas para escrituras diversas n° E – 153, do 1o Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim, na qual CC, na qualidade de cabeça de casal da herança de sua mulher, EE, declarou o falecimento da esposa e que sucederam a esta, como únicos e universais herdeiros, ele próprio e os filhos: BB e DD - F).</font><br> <font>7. Na escritura, mencionada em F), e após a habilitação de herdeiros, acima descrita, CC e BB, este intervindo por si e na qualidade de procurador de DD e mulher, GG, declararam ir proceder à partilha dos bens do casal e da herança de EE, passando a fazê-la mediante:</font><br> <font>a) - a adjudicação a BB de uma sepultura com o n°41, na secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, e de uma sepultura com o n° 40, na 1a Secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n° 11.107, do Livro B29;</font><br> <font>b) - a adjudicação a BB de uma sepultura com o n° 41, secção F, 1o talhão, do cemitério municipal da Póvoa de Varzim, com o valor atribuído de 10 000$00, e de uma sepultura com o n° 40, 1a. Secção, no cemitério paroquial de Aver-O-Mar, com o valor atribuído de 5.000$00, e ainda de metade indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n° 11.107, do Livro B 29, com o valor atribuído de 25 252$00;</font><br> <font>c) - a adjudicação a DD da outra metade</font><br> <font>indivisa do prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do Livro B 29;</font><br> <font>d) - a adjudicação ao viúvo CC da torna de 26834$66,</font><br> <font>que o mesmo declarou ter já recebido dos filhos BB e DD de asílio - G).</font><br> <font>8. DD e mulher, GG</font><br> <font>Basílio, em 15 de Maio de 2000, haviam nomeado e constituído seu bastante procurador, BB, conferindo-lhe, entre o mais, poderes para os representarem em inventários e com os demais interessados proceder à partilha extrajudicial dos bens da sua mãe e sogra, EE, recebendo o quinhão que lhes ficar a pertencer em quaisquer espécies, receber a primeira citação e quaisquer notificações, concordar ou não com a partilha, formação de lotes e respectivos valor e tudo o mais que consta no artigo 1352°, do Código do Processo Civil Português, pagar ou receber tornas - H).</font><br> <font>9. Na escritura, referida em F) e G), não é feita qualquer referência à</font><br> <font>autora AA - I).</font><br> <font>10. Na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, o prédio urbano outrora sob o n°11.107, do Livro B 29, da freguesia de Aver-O-Mar, encontra-se descrito sob o n°01868/011031, aí constando que o mesmo corresponde ao artigo matricial 336º e que, por força de averbamento efectuado em 24 de Maio de 2005, o respectivo valor patrimonial é de €1. 448,76 - J).</font><br> <font>11. A aquisição do prédio, identificado em J), encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial, a favor dos réus, BB e DD e mulher, GG, através da cota G-1 (ap.9/011031), ali constando como causa aquisitiva a sucessão deferida em partilha, por morte de EE, que foi casada com CC, na comunhão geral - L).</font><br> <font>12. Na escritura, mencionada em F) e G), não interveio a filha legitimaria de CC, AA – 1º.</font><br> <font>13. O prédio urbano, sito no lugar de Fontes Novas, freguesia de Aver-O-Mar, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n°11.107, do livro B 29, aquando da celebração da escritura, mencionada em F) e G), era no valor aqui não concretamente apurado, de cerca de €50 000,00 - 2º.</font><br> <font>14. O que consta da escritura, mencionada em F) e G), cujo teor no mais se dá aqui por reproduzido – 3º.</font><br> <font> </font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br> <font>I – A questão da nulidade ou da anulabilidade da escritura de habilitação e partilha. </font><br> <font>II – A questão da condenação dos recorrentes em litigância de má-fé.</font><br> <br> <font> I. DA INVALIDADE DA PARTILHA</font><br> <br> <font>A autora, com a presente acção, pretende que se decrete a anulação da escritura pública em que se fez a partilha dos bens do casal constituído por CC, seu pai, e sua esposa, EE, juntamente com os bens deixados pelo falecimento desta, ordenando-se que tais bens sejam divididos entre os três filhos daquele, incluindo a autora, sua filha, mas não da esposa, invocando como causa de pedir que os réus e seu pai procederam à partilha dos bens de sua mãe e esposa e, seguidamente, à partilha da meação dos bens do casal do pai da autora e dos demais réus com a esposa daquele e mãe destes, omitindo, intencionalmente, e, de má fé, a existência da pessoa da autora e, sem o seu consentimento, adjudicaram as respectivas verbas e o pai recebeu tornas, o que consubstancia uma venda de pais para filhos, que é anulável, nos termos do disposto pelo artigo 877º, nºs 1 e 2, do Código Civil (CC).</font><br> <font>Assim sendo, na presente acção de anulação, a autora invocou como causa de pedir a anulação da venda de pai para filhos, sem o consentimento dos demais, e a preterição da sua presença na partilha extrajudicial realizada, atento o preceituado pelos artigos 877º, nºs 1 e 2 e 2102º, nº 1, do CC, e 498º, nº 4, do CPC.</font><br> <font>A anulação da partilha extrajudicial pode ser alcançada, por meio de acção judicial instaurada por algum dos interessados contra os restantes, julgada procedente, por sentença transitada em julgado.</font><br> <font>Neste caso, a partilha é declarada inválida, na sua totalidade, ficando destruída RLJ, Ano 82º, 409.. </font><br> <font>Mas, sendo a partilha extrajudicial um verdadeiro contrato (2) , “só é impugnável nos casos em que o sejam os contratos”, por força do disposto pelo artigo 2121º, do CC.</font><br> <font>Assim sendo, esta norma do artigo 2121º, do CC, remete para a teoria geral dos contratos, nomeadamente, para as regras sobre a nulidade e a anulabilidade dos negócios jurídicos em geral, constantes dos artigos 285º e seguintes, do CC, e não para as regras estabelecidas para qualquer contrato em especial (3) .</font><br> <font>Dispõe o artigo 877º, do CC, no seu nº 1, que “os pais… não podem vender a filhos…, se os outros filhos… não consentirem na venda;..”, acrescentando o respectivo nº 2 que “a venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos… que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes”.</font><br> <font>O artigo 877º, acabado de transcrever, constitui uma ressalva à regra geral da liberdade da venda, ou seja, da liberdade contratual, contida no artigo 406º, nº 1, o que inibe, dada a sua natureza excepcional, a sua aplicação analógica ao contrato de partilha extra-judicial, mas não fecha as portas à respectiva interpretação extensiva, atento o preceituado pelo artigo 11º, todos do CC.</font><br> <font>Consistindo a razão justificativa do artigo 877º, do CC, a previsão da existência de simulação na venda de pais a filhos, com a consequente exigência do consentimento do outro ou dos outros filhos, sob pena da presunção «iuris et de iure» da existência de simulação (4) , esta só se verifica, no caso do contrato de compra e venda, sendo certo que, em qualquer outra hipótese negocial, devem ser articulados os respectivos factos integradores e formulado o correspondente pedido, o que não chegou a acontecer, de modo completo e satisfatório, na presente acção.</font><br> <font>A isto acresce que, quer na hipótese da partilha efectuada com adjudicação de todas as verbas aos filhos matrimoniais do viúvo, cujo direito de tornas foi, totalmente, preenchido em dinheiro, como aconteceu, quer na hipótese conjecturável da venda do direito e
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>Empresa-A - Projectos, Gestão e Fiscalização de Empreendimentos, Lda., instaurou acção ordinária contra Empresa-B, S.A., pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 36.965,00, acrescida dos juros a contar da citação. </font><br> <font>Alegou que: no exercício da sua actividade de realização de estudos e projectos de engenharia, pretendendo apresentar-se ao concurso público para a Gare Marítima Internacional do Porto do Funchal, contratou com a R., em 27 de Outubro de 2004, a expedição de uma encomenda, através do serviço EMS 12, com a garantia de que a mesma chegaria ao Funchal até ao fim do segundo dia útil posterior ao do despacho; essa encomenda, contendo a sua proposta de candidatura ao concurso, cujo prazo de apresentação terminava às 17.00 horas do dia 2 de Novembro de 2004, não foi entregue dentro do prazo, ficando a A. afastada do concurso; com o incumprimento da R., sofreu um prejuízo patrimonial no valor de € 11.965,00, e um dano não patrimonial estimado em € 25 000,00. </font><br> <font>Contestou a R. aduzindo que a sua responsabilidade civil estava limitada ao valor da taxa paga e concluindo pela sua absolvição do pedido.</font><br> <font>A final foi proferida sentença que condenou a ré a pagar à autora a indemnização de € 11.965,00, acrescida dos juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a citação.</font><br> <font>A ré apelou para a Relação de Lisboa, mas a decisão foi mantida.</font><br> <font>Recorre agora de revista, concluindo:</font><br> <font>1º- A Portaria 1036/83, de 13 de Dezembro, criou o serviço público de Correio Acelerado – Express Mail, mantendo este até hoje o carácter de serviço público universal – artºs 6º, 7º e 11º da Lei 102/99, de 26 de Julho;</font><br> <font>2º- Os CTT só estão legalmente autorizados a contratar com o utilizador as condições de aceitação e entrega dos objectos, não a matéria respeitante à responsabilidade civil - artºs 3º, 4º e 5º do Anexo II à Portaria 1036/83;</font><br> <font>3º- A matéria da responsabilidade civil, atendendo à proporcionalidade entre o interesse colectivo a acautelar e o interesse privado a satisfazer, está estipulado no artigo 5º do Anexo II da Portaria 1036/83 e no Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo DL nº 176/88, de 18 de Maio;</font><br> <font>4º- A cláusula 12 em crise, inserida no Contrato de Transporte é um decalque das normas sobre responsabilidade civil do operador público de correios plasmada na lei, tratando-se de uma cláusula típica aprovada pelo legislador;</font><br> <font>5º- Esta cláusula delimita negativamente o âmbito de aplicação do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, com posteriores alterações – resulta do seu artº 3º, alínea a);</font><br> <font>6º- Não se aplicando a disciplina das Cláusulas Contratuais Gerais e respeitando o conteúdo da cláusula, atentos os valores em presença, o artº 60º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, deve a mesma ser considerada válida;</font><br> <font>7º- Ainda que assim se não considerasse e fosse considerada nula, a lacuna resultante, havendo lei especial que regula integralmente a matéria – a Portaria 1036/83 e o Regulamento do Serviço Público de Correios – é esta que se aplica e não o regime geral da responsabilidade civil;</font><br> <font>8º- Se declarada nula a cláusula 12 do Contrato, deve aplicar-se aos factos, subsidiariamente, o artº 5º, nº 2 do Anexo II da Portaria 1036/83;</font><br> <font>9º- Estipulada uma exclusão de responsabilidade por culpa leve, o incumprimento integrar-se-á na </font><i><font>fattispecie</font></i><font> constitutiva do direito à indemnização, a cláusula de irresponsabilidade configurar-se-á como facto impeditivo desse direito e a existência de dolo ou de culpa grave como causa impeditiva desse facto impeditivo;</font><br> <font>10º- O ónus da prova da existência de causa de exclusão, entendida como causa impeditiva do direito alegado pelo credor, recairá sobre o devedor; o ónus da prova da existência do dolo ou culpa grave, entendida como causa impeditiva do facto impeditivo alegado pelo devedor, recairá sobre o credor;</font><br> <font>11º- Cabia, pois, à autora/recorrida o ónus da prova da existência de dolo ou culpa grave, entendida como causa impeditiva do facto modificativo alegado pela ré/recorrente - a causa de exclusão por culpa leve;</font><br> <font>12º- Em momento algum, a autora/recorrida alegou factos ou fundamentou como causa de pedir a actuação com culpa grave por parte da ré/recorrente;</font><br> <font>13º- Não podendo o julgador aplicar regras de direito sobre factos que não foram articulados pelas partes (artº 664º do CPC), e não qualificando a culpa o facto objectivo do objecto ter sido entregue 3 dias após o prazo pretendido;</font><br> <font>14º- É manifestamente abusiva e ilegal a qualificação da ré/recorrida como tendo actuado com culpa grave, fazendo uma interpretação errada da conjugação dos artºs 799º, nº 1 e 342º, nº 2 do CC, invertendo o ónus da prova a favor da autora;</font><br> <font>15º- Não tinha, pois, a ré/recorrente que afastar a culpa grave quando esta não foi alegada e provada pela autora/recorrida (negligência grosseira é a qualificação da autora na PI).</font><br> <font>Contra-alegou a autora/recorrida, pugnando pela manutenção do decidido.</font><br> <font>Após os vistos, cabe decidir.</font><br> <font>A Relação deu como provados os seguintes factos:</font><br> <i><font>1. A Autora é a mesma sociedade que, até ao 1º trimestre de 2005, circulava com a denominação ... – Gestão, Coordenação e Projectos de Engenharia, Ldª;</font></i><br> <i><font> 2. A Autora tem como objecto social a gestão, coordenação e projectos de engenharia em qualquer dos seus ramos;</font></i><br> <i><font>3. No exercício da sua actividade, em Outubro de 2004, a Autora pretendeu apresentar-se ao concurso público para a Gare Marítima Internacional do Porto do Funchal;</font></i><br> <i><font>4. O prazo para a apresentação das propostas de candidatura terminava no dia 2 de Novembro, pelas 17.00 horas;</font></i><br> <i><font>5. Para se candidatar ao referido concurso, a Autora teve que adquirir o caderno de encargos;</font></i><br> <i><font> 6. Teve de mandar elaborar estudos, utilizando uma equipe de engenheiros ao seu serviço;</font></i><br> <i><font>7. Teve de encomendar estudos de arquitectura a terceiros;</font></i><br> <i><font>8. Despendeu em todos estes trabalhos a quantia de € 11 965,00;</font></i><br> <i><font>9. A A., no dia 27 de Outubro de 2004, fez deslocar um colaborador seu à estação de correios dos Restauradores, para despachar para o Funchal, pela via mais rápida e segura, um volume contendo a sua candidatura;</font></i><br> <i><font>10. O funcionário que atendeu o colaborador da Autora sugeriu-lhe que escolhesse o serviço EMS 12, o que lhe garantia que a encomenda chegasse ao destino, até ao fim do segundo dia útil posterior ao do despacho;</font></i><br> <i><font> 11. Assim, a Autora adjudicou os serviços oferecidos pelos Empresa-B: serviço EMS 12 para o Funchal, o qual tomou o nº ED 16108591 2 PT;</font></i><br> <i><font> 12. O serviço foi prestado por Postlog EMS, agora CTT Expresso, uma empresa do Grupo CTT, conforme consta do cabeçalho do modelo de adesão contratual, e do seu verso, onde consta o resumo das condições gerais de transporte aplicadas ao contrato (fls. 30);</font></i><br> <i><font> 13. A encomenda foi recepcionada a 27 de Outubro de 2004 e expedida para o Funchal a 28 de Outubro de 2004, onde chegou (recepção nacional) a 2 de Novembro de 2004, às 9.57 horas;</font></i><br> <i><font>14. A Postlog só procedeu à entrega da mercadoria às 9.45 horas do dia 5 de Novembro de 2004;</font></i><br> <font> </font><i><font>15. Em consequência disso, a Autora ficou excluída do concurso.</font></i><br> <font>Resulta do nº 5 do artº 713º, aplicável por força do artº 726º, ambos do CPC, que quando for de confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado pela Relação, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão do Supremo limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada. </font><br> <font>Ora, escalpelizando os autos, nomeadamente o </font><i><font>“Resumo das Condições Gerais de Transporte Aplicadas ao Presente Contrato”,</font></i><font> constante de fls. 30, incluindo da sua cláusula 12ª, bem como a legislação avocada pela recorrente, desenha-se precisamente uma situação igual à acima referida, pelo que bem se poderia negar desde já provimento ao recurso, remetendo pura e simplesmente para os fundamentos do acórdão recorrido.</font><br> <font>Não se deixará no entanto de tecer breves considerações, apenas com o intuito de acentuar o bem fundado do decidido e a sem razão da recorrente. </font><br> <font>É de realçar, desde logo, que em lado algum das condições gerais do contrato se faz menção a que foram redigidas em conformidade com a Portaria nº 1036/83, de 13/12, e seu Anexo II, com a Lei nº 102/99, de 26/7, e com o DL nº 176/88, de 18/5, não sendo exigível à recorrida adivinhar que as condições de serviço oferecidas pela recorrente não eram regidas pela lei geral vigente no país, mas por aquela legislação, com destaque para a Portaria.</font><br> <font>Ao contratar com a recorrente, estava naturalmente a recorrida convencida de que se vinculava de acordo com as cláusulas gerais oferecidas pela primeira, às quais aderiu.</font><br> <font>Devem por isso as condições gerais em referência reger-se também pelo disposto no DL nº 446/85, de 25/10, que regula as cláusulas contratuais gerais, não sendo convocável – </font><i><font>ao invés do que sustenta a recorrente</font></i><font> – o disposto na al. a) do artº 3º desse diploma, que exceptua da sua aplicação as cláusulas típicas aprovadas pelo legislador.</font><br> <font>Resulta da cláusula 12ª só se responsabilizar a recorrente por prejuízos sofridos em consequência do atraso na entrega, </font><u><font>quando imputáveis a título de</font></u><font> dolo ou </font><u><font>culpa grave</font></u><font>, e pelo </font><u><font>valor correspondente ao preço do serviço</font></u><font>.</font><br> <font>Ora a recorrida no dia 27.10.2004 fez deslocar um colaborador à estação de correios, para despachar para o Funchal, pela via mais rápida e segura, um volume contendo a sua candidatura, o funcionário da recorrente sugeriu-lhe que escolhesse o serviço EMS 12, que lhe garantia que a encomenda chegaria ao destino até ao fim do segundo dia útil posterior ao do despacho, a recorrida adjudicou esse serviço para o Funchal, a encomenda foi recepcionada ainda naquela data e expedida para o Funchal no dia seguinte, onde chegou a 2.11.2004, às 9.57 horas, mas em vez de ser logo levada ao seu destino só foi às 9.45 horas do dia 5 de Novembro de 2004, três dias depois de expirar o prazo de entrega da candidatura, que terminava às 17 horas do dia em que a encomenda chegou ao Funchal.</font><br> <font> Tendo a recorrida articulado na petição inicial os factos dados como provados, e dito que não aceita tamanha negligência e incúria por parte dos CTT, cujo incumprimento grosseiro redundou no prejuízo directo de € 11.965,00 </font><i><font>(cfr. designadamente os itens 23º e 24º daquela peça)</font></i><font>, mal se compreende que a recorrente ouse concluir que aquela não alegou ter ela actuado com culpa grave.</font><br> <font>Aconselhar um determinado tipo de serviço, garantir que seria tempestivamente cumprido, e executá-lo apenas 3 dias após o prazo pretendido, quando podia ter sido tempestivamente realizado </font><i><font>(a encomenda até chegou ao Funchal várias horas antes do termo do prazo)</font></i><font>, revela na verdade uma grave ou grosseira negligência, que a recorrente não afastou minimamente, como lhe competia </font><i><font>(artºs 799º, nº 1 e 342º, nº 2 do CC, aplicáveis à culpa </font></i><i><font>stricto sensu</font></i><i><font>, que, </font></i><i><font>ut </font></i><i><font>Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição Revista e Actualizada, pág. 349, abarca as modalidades grave, leve e levíssima).</font></i><br> <font>Os factos revelam que a culpa da recorrente foi grave ou grosseira, por ser demais evidente que não consubstanciaram apenas um mero lapso que qualquer </font><i><font>bonus pater familias </font></i><font>podia ter cometido, mas um excepcional descuido particularmente censurável por ter sido consumado por uma empresa vocacionada para cumprir escrupulosamente aquele tipo de contrato, que aconselhou e a que se encontrava vinculada a cumprir pontualmente.</font><br> <font>Bem andaram por conseguinte as instâncias ao considerar nula a cláusula 12ª, por, </font><i><font>ex vi </font></i><font>artº 18º, c) do DL 446/85, de 25/10, serem em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que… limitam a responsabilidade por… mora, em caso de dolo ou culpa grave.</font><br> <font>É aplicável </font><i><font>in casu </font></i><font>o regime geral da responsabilidade civil, pois foi nessa base que a recorrida contratou, confiando na boa fé a que a recorrente igualmente se encontrava obrigada, sabido que é que a boa fé deve presidir tanto às negociações preliminares como à formação e à execução dos contratos, sob pena de responder pelos danos culposamente causados à outra parte (artºs 227º, nº 1 e 762º, nº 2 do CC).</font><br> <font>Se a recorrente pretendesse que o público anónimo – </font><i><font>no caso a recorrida </font></i><font>– soubesse que as condições contratuais por ela preestabelecidas se regiam, para além do clausulado oferecido, por lei especial, disso deveria ter feito menção expressa no contrato de adesão.</font><br> <font>Em plena concordância com a decisão e a fundamentação do acórdão recorrido – </font><i><font>para a qual se remete ao abrigo dos artºs 713º, nº 5 e 726º do CPC</font></i><font> </font><i><font>juntamente com as brevíssimas considerações que antecedem</font></i><font> – acordam em </font><b><font>negar a revista</font></b><font>, condenando a recorrente nas custas. </font><br> <br> <font>Lisboa, 24 de Maio de 2007</font><br> <font>Faria Antunes (Relator)</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: <p><b>1. </b>A decisão do Juiz-relator de não admissão do recurso de agravo interposto para o S.T.J. do acórdão do Tribunal da Relação de 3-4-2008 (fls. 1414/1431) que ordenou a suspensão da instância por existência de causa prejudicial foi objecto de reclamação para a conferência. </p><p><b>2. </b>Pretende o recorrente (ora reclamante) que o recurso de agravo seja admitido pois considera ocorrer contradição entre as seguintes decisões. </p><p>-&nbsp; o acórdão de 3-4-2008 do Tribunal da Relação de Lisboa em que se decidiu suspender a instância do pedido de inquérito judicial visando determinadas informações respeitantes ao período em que o interessado era ainda sócio por lhe ser prejudicial a acção de impugnação judicial da decisão que o destitui de sócio; </p><p>- a decisão liminar de 16-12-2006 do S.T.J. (decisão fundamento) que julgou não ocorrer inutilidade superveniente do pedido de inquérito judicial visando a prestação de contas respeitante a período em que o interessado era ainda sócio da sociedade. </p><p><b>3. </b>O reclamante sustenta o seguinte: </p><p>1.º- Que não obsta à admissibilidade do recurso o facto de a contradição ocorrer entre um acórdão e uma decisão liminar. </p><p>Em seu entender a boa interpretação da lei impõe que se considere o seguinte: </p><p>a) Que o termo “acórdão” a que se refere o artigo 754.º do C.P.C. seja lido como “ decisão do tribunal superior” pois o&nbsp; que importa é que a decisão proferida esteja em oposição com outra provinda de qualquer tribunal superior, ainda que se trate de mera decisão liminar, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro. </p><p>b) Que a pedra de toque que está na base da ressalva a que alude o artigo 754.º/2 do C.P.C.&nbsp; está no facto de uma decisão judicial de um tribunal superior estar em contradição com outra, o que prejudica a segurança jurídica e a boa aplicação do Direito. </p><p>c) Que a decisão liminar e o acórdão têm exactamente o mesmo valor e dignidade das decisões tomadas colectivamente, nada as distinguindo uma da outra logo que transitadas em julgado. </p><p>2.º - Que a parte decisória das decisões judiciais não se pode dissociar, por completo, da sua fundamentação e, assim sendo,&nbsp; importa atentar nos pressupostos que serviram de base às decisões tomadas pelos Tribunais. </p><p>3.ª - Que o objecto dos dois processos judiciais é substancialmente idêntico na medida em que em ambos está em causa o pedido de obtenção de informação a que os sócios têm direito relativos a factos societários ocorridos em momento anterior à sua destituição </p><p>Apreciando: </p><p><b>4. </b>Obsta à admissibilidade do recurso de agravo a interpor para o S.T.J. nos termos do artigo 754.º/2 do C.P.C. que a invocada contradição ocorra entre acórdão e decisão liminar. </p><p><b>5. </b>A lei é claríssima: “2- Não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão de 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em contradição com outro […]” (artigo 754.º/2 do C.P.C.). </p><p><b>6. </b>A lei não diz, e podia dizer se tal fosse o seu propósito, que “não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição <b>com outra decisão</b>, proferida no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme”. </p><p><b>7. </b>Se a lei quisesse alargar o âmbito das decisões em oposição às decisões liminares, tê-lo-ia dito, o que não sucedeu. As decisões liminares são sempre passíveis de reclamação para a conferência a fim de se conseguir a prolação de acórdão e, pela sua natureza, têm carácter excepcional, reservando-se para casos em que o recurso é manifestamente infundado ou a questão já foi objecto de decisões uniformes e reiteradas. </p><p><b>8. </b>Será, assim, situação rara a decisão liminar que escape a tais parâmetros legais; e, naturalmente, não será difícil à parte que pretenda interpor recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça encontrar os acórdãos que uniforme e reiteradamente estão na base das decisões liminares. </p><p><b>9. </b>Ora, o artigo 9.º/2 do Código Civil exige que o intérprete indague o pensamento legislativo apoiando-se na letra da lei que não pode deixar de ter um “ mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. </p><p><b>10. </b>A necessidade de se limitar a contradição aos acórdãos compreende-se pois estamos face a decisões colectivas de tribunais superiores que implicam, pela colegialidade e pelo nível do órgão decisório na hierarquia dos tribunais judiciais, uma&nbsp; intensa força persuasiva. </p><p><b>11. </b>Não releva argumentar com a força idêntica das decisões transitadas em julgado. Não é disso que se trata. Uma decisão de 1ª instância, transitada em julgado, não tem força executiva diversa de um acórdão e a lei não considerou que pudesse constituir decisão fundamento, para efeitos de admissibilidade do recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça. </p><p><b>12. </b>Também não releva o facto de o preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, não falar em contradição de acórdãos. Os preâmbulos dos diplomas legais são inegavelmente elementos importantes para a interpretação das leis. Mas não é aceitável&nbsp; o entendimento de arvorar dizeres amplos e não inequívocos do preâmbulo em elemento interpretativo decisivo a ponto de valer&nbsp; contra o termo jurídico rigoroso, mais restrito, o vocábulo “ acórdão”&nbsp; que consta do próprio texto legal. </p><p><b>13. </b>O vocábulo “decisão” não compromete, não exclui, contrariamente ao vocábulo “ acórdão” que, esse sim, exclui, delimita, restringe, compromete. </p><p><b>14. </b>Se se desse a hipótese contrária, referindo-se o preâmbulo a “acórdão” e o texto da lei a “ decisão”,&nbsp; o que seria surpreendente, nesse caso a argumentação do reclamante que pretendesse limitar o sentido do termo “ decisão”, utilizado no texto da lei, ao vocábulo “acórdão” talvez merecesse acolhimento. Não encontraria pelo menos a objecção a que alude o artigo 9.º/2 do Código Civil. </p><p><b>15. </b>Repare-se ainda que não é apenas no artigo 754.º/2 do C.P.C que a lei se refere, para efeitos de admissibilidade de recurso com base em contradição jurisprudencial, à contradição entre acórdãos: veja-se, por exemplo, o artigo 678./5 do C.P.C. </p><p><b>16. </b>É evidente que o objectivo da admissibilidade de recursos em casos como os assinalados destina-se a procurar garantir segurança jurídica e boa aplicação do direito. </p><p><b>17. </b>Mas a lei processual não tem por objectivo&nbsp; um sistema que vise imperiosamente a uniformidade de jurisprudência. Se assim fosse, então não se compreenderiam as limitações à admissibilidade de recursos seja em razão do valor, seja em razão do Tribunal que os profere. </p><p><b>18. </b>Se o objectivo da lei fosse o de assegurar <b>obrigatoriamente</b> o recurso quando ocorra contradição entre decisões, desde logo as decisões proferidas em 1ª instância que contrariassem jurisprudência dos tribunais superiores deveriam ser sempre recorríveis e isso não acontece salvo quando proferidas contra jurisprudência uniformizada (artigo 678.º/6 do C.P.C.) </p><p><b>19. </b>A lei satisfaz-se com uma recorribilidade limitada, confiando, nos outros casos, na força persuasória das decisões dos tribunais superiores. </p><p><b>20. </b>Aliás, nem mesmo a contradição entre jurisprudência ao nível do Supremo Tribunal impõe a prolação de acórdão uniformizador. E este nem sequer tem força vinculativa obstativa de decisão que lhe seja desconforme, encontrando-se hoje erradicados os assentos depois da revogação do artigo 2.º do Código Civil. </p><p><b>21. </b>Confia-se, como se disse, na força <b>persuasiva</b> da jurisprudência dos tribunais superiores em ordem a evitar que os tribunais de 1ª instância dela se afastem sem apresentarem uma argumentação ou motivação suficientemente válidas. </p><p><b>22. </b>Não se defendeu que para se determinar se ocorre contradição das decisões se prescinda da respectiva fundamentação, pois, como é evidente, só à luz da fundamentação, se pode decidir se ocorre ou não contradição entre as decisões. Defende-se, e isso é diferente, que o caso julgado opera ao nível da decisão e não da fundamentação, ou seja, a contradição é sempre entre decisões e não entre uma decisão e os fundamentos de outra (artigo 675.º do C.P.C.) </p><p><b>23. </b>Por isso, no caso, foi referido que estamos face a decisões diferentes, uma&nbsp; que não julgou a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, a outra que suspendeu a instância por prejudicialidade. </p><p><b>24. </b>Se considerarmos que as razões argumentativas que justificam a decisão de prejudicialidade se impõem ao juiz que vier a proferir decisão na acção suspensa, então poderá efectivamente dizer-se que o poder do juiz é um poder decisório vinculado, estando obrigado a respeitar, por força do caso julgado, não apenas a decisão de suspensão da instância por ocorrer causa prejudicial, como ainda a reconhecer inexoravelmente o sentido dado por essa decisão à prejudicialidade. Por exemplo, decidindo-se que a acção em que B. invoca a qualidade de arrendatário constitui decisão prejudicial da acção de reivindicação movida por A. contra B. porque o arrendamento obsta à procedência do pedido de entrega do imóvel, o Tribunal, finda a acção prejudicial que reconheceu a existência de arrendamento, não poderia julgar a reivindicação procedente considerando que afinal o arrendamento não era vinculístico, mas por termo certo, não renovado. </p><p><b>25. </b>A resposta estará afinal no âmbito do caso julgado. O Tribunal está vinculado à decisão prejudicial proferida, ou seja, o Tribunal tem de acatar a prejudicialidade, não podendo ordenar o prosseguimento da acção suspensa enquanto a prejudicial não for julgada. Não está, porém, vinculado, quando tiver de&nbsp; decidir a acção suspensa, às razões que determinaram a prejudicialidade. A decisão que, na acção,&nbsp; ordenou a suspensão da instância por considerar erradamente que determinada causa era prejudicial, constitui caso julgado formal (artigo 672.º do C.P.C.) que obsta à alteração da decisão de suspensão de instância. Ainda assim, o Tribunal Constitucional não considerou que entendimento contrário seja inconstitucional: ver Ac. n.º 61/2003 do Trib. Const. de 4-2-2003, DR,II Série, n.º 94, de 22-4-2003, pág. 6118/6121. No entanto, para além deste âmbito, o Tribunal, quando decidir o processo que foi suspenso, pode considerar que afinal a procedência (ou improcedência) da causa prejudicial não originava as consequências que tinha determinado a decisão de suspensão da instância. O juiz da causa não estaria impedido por força do caso julgado formal (artigo 672.º do C.P.C.), assim sendo e&nbsp; aproveitando o exemplo dado, de julgar improcedente a acção de reivindicação.&nbsp;&nbsp; </p><p><b>26. </b>No caso em apreço nem sequer ocorre contradição a este nível substancial. </p><p><b>27. </b>A decisão liminar considerou que a perda da qualidade de sócio, derivada de cessão da posição social, não obsta a que o sócio requeira inquérito judicial para prestação de contas respeitantes ao período em que ele ainda era sócio da sociedade. </p><p><b>28. </b>Nos autos a que respeita o acórdão recorrido está em discussão saber se o sócio que foi destituído mantém ou não interesse em inquérito judicial a fim de obter esclarecimentos e informações respeitantes a actos anteriores à sua destituição apesar de se ter conformado com a prestação de&nbsp; contas de exercício. </p><p><b>29. </b>Logo por aqui se vê que, sem contradição nenhuma, pode entender-se que no primeiro caso se justifica o inquérito judicial (decisão fundamento), mas não no último. </p><p><b>30. </b>Não está em causa em ambas as acções a mesma questão substancial: o pedido de prestação de informações ao sócio destituído respeitantes a actos anteriores à destituição. </p><p><b><font>31. </font></b><font>Por isso se escreveu no despacho objecto da presente reclamação:</font> </p><p><b>“</b>12.<b> </b>Repare-se que não está em causa saber se (a) um ex-sócio pode <b>sempre</b> exigir inquérito judicial relativamente a actos ocorridos em período em que ainda era sócio e isto independentemente de quaisquer circunstâncias;&nbsp; está em causa saber, porque assim está delimitada a causa, e é à luz da causa de pedir que se deve considerar o âmbito do caso julgado, se (b) <b>nestas concretas condições, deve ou não deve considerar-se o interesse do ex-sócio na realização do inquérito.</b> </p><p>13<b>. </b>Foi nesta base, nestes delimitados termos, que o Tribunal julgou justificada a suspensão da instância por entender que, comprovada a destituição, não se justificaria o prosseguimento do inquérito. </p><p>14<b>. </b>Esta decisão não colide com a outra que também é restrita nos seus termos relativamente à hipótese mencionada em (a) e diferente da mencionada em (b). Restrita porque a referida decisão liminar formula este juízo: (c) o ex-sócio mantém interesse em inquérito para efeito de prestação de contas respeitantes ao exercício ( ou exercícios) em que era sócio. </p><p>15<b>. </b>Não estamos, portanto, face a questões substancialmente iguais, o que já sucederia se a decisão liminar fosse no sentido referido em (a) porque tal sentido consumiria os casos restritos mencionados em (b) e em (c). Só que&nbsp; entre (b) e (c) não há colisão”. </p><p><b>32. </b>Não ocorrendo contradição entre acórdãos e não ocorrendo contradição ao nível substancial entre as decisões proferidas, a reclamação improcede. </p><p><b>33. </b>Improcede sempre, ainda que se considere, o que não se nos afigura, que o juiz da causa, quando decidir, não o pode fazer de modo a considerar procedente a pretensão do reclamante no caso de ele ficar vencido na acção prejudicial ( a acção em que ele impugnou a sua destituição de sócio) por estar o Tribunal vinculado ao sentido substancial da decisão que julgou a prejudicialidade. </p><p><font>Concluindo:</font><a></a> </p></font><p><font><a></a><font>I- Não é admissível o recurso por não ter sido invocada uma oposição entre acórdãos, como expressamente prescreve o artigo 754.º/2 do C.P.C., mas entre acórdão e decisão liminar.</font><br> <a></a><font>II-&nbsp; A contradição que releva é a contradição entre decisões e não a contradição entre uma decisão e a fundamentação de outra.</font><br> <a></a><font>III- Não há contradição substancial ao nível da fundamentação entre as seguintes decisões:</font><br> <a></a><font>- A decisão liminar do S.T.J. que decidiu não dever julgar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, impondo-se, por conseguinte, o prosseguimento da lide,&nbsp; por&nbsp; considerar que o sócio, que entretanto cedeu a sua quota, tem legitimidade para exigir inquérito tendo em vista a prestação de contas de exercício respeitantes ao período em que era sócio.</font><br> <a></a><font>- A decisão que suspende a instância por prejudicialidade da acção de impugnação da destituição de sócio, constituindo fundamento da prejudicialidade a ideia de que o sócio que foi destituído e que se conformou com a prestação de contas de exercício respeitante ao período em que era sócio, não mantém interesse em inquérito judicial a fim de obter esclarecimentos e informações relativos a actos anteriores à sua destituição</font><br> <a></a><font>IV- É que estamos face a realidades diferentes: num caso tem-se em vista a necessidade do inquérito para prestação de contas e no outro a necessidade do inquérito para prestação de informações a favor de quem se conformou com a prestação de contas, introduzindo-se, assim,&nbsp; um elemento restritivo, de particular realce, que não envolveria sequer contradição se esta se verificasse ao próprio nível da decisão.</font><br> <br> <font>Decisão: não se conhece do agravo interposto</font><br> <br> <font>Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 4 UC</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 17 de Fevereiro de 2009</font><br> <br> <font>&nbsp;</font><br> <font>Salazar Casanova (relator)</font><br> <font>&nbsp;</font><br> <font>Azevedo Ramos</font><br> <font>&nbsp;</font><br> <font>Silva Salazar</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>A C. P. - Caminhos de Ferro Portugueses, E.P. intentou, na comarca de Abrantes, acção sumária contra Fundições do Rossio ao Sul do Tejo e Phoenix Assurance Public<br> Limited Company, pedindo a condenação solidária de ambas no pagamento da quantia de 12788498 escudos e 60 centavos com juros desde a citação, como indemnização pelos prejuízos que sofreu em resultado do condutor do veículo BR-51-28 pertença da 1 ré e seguro na 2, ter dado causa por sua culpa exclusiva a um acidente de viação ao atravessar uma passagem de nível ao quilómetro 141.020 da linha do leste e embater no comboio Expresso Fer n. 331 que circulava no sentido Lisboa-Madrid.<br> As rés contestaram por impugnação defendendo não ter havido qualquer culpa por parte do condutor do pesado BR-51-28.<br> Seguiu a acção seus trâmites normais e, após o julgamento da matéria de facto, foi dada sentença que julgou a acção totalmente improcedente, sendo as rés absolvidas do pedido.<br> Recorreu a autora e o recurso foi julgado parcialmente procedente, graduando-se em 70% a culpa do condutor do pesado, condenando-se as rés a pagar à apelante a quantia de 8951949 escudos.<br> Do decidido pedem a revista a ré seguradora e a autora.<br> Na sua minuta formula aquela as seguintes conclusões:<br> 1 - No local em que se deu o acidente não existia a zona de visibilidade imposta - para as P.N. de tipo D, como a dos autos - pelo artigo 11 do Decreto-Lei<br> 156/81;<br> 2 - Assim, o comboio só era visível para o condutor do camião quando estava a 4 metros da via férrea;e, como é evidente, nenhum veículo - e muito menos um pesado - consegue parar ou estacar em 4 metros pelo que quando o dito condutor viu (podia ver) o comboio já não lhe era possível evitar o choque;<br> 3 - Além de não ter a zona de visibilidade e violando, também aqui, a lei e todas as regras de segurança, a<br> P.N. não tinha qualquer sinalização designadamente a<br> Cruz de Santo André, pois a que existia estava colocada do lado contrário, destinando-se por isso a quem circulava em tal sentido, e não existindo para o camião; o mesmo se diga em relação à tabuleta "Pare,<br> Escute e Olhe", que, aliás, se destina aos peões;<br> 4 - Era obrigatório também a existência de um sinal de stop que não existia - pois a via em que circulava o camião ou era municipal ou continuava como nacional, não sendo, óbviamente, nem particular nem um caminho vicinal, o que aliás a autora não alegou.<br> 5 - Aliás e neste particular, o acórdão recorrido também violou a lei, ao admitir (certidão da Câmara de Abrantes) o documento, extemporâneo e injustificadamente junto com a alegação - o qual de resto nada prova;<br> 6 - Assim, além da culpa ou negligência geral que existe por parte dos autores ao manterem uma passagem de nível sem guarda nem barreira, acresce a sua culpa grave, pela falta de visibilidade e de sinalização;<br> 7 - Ao invés, ao condutor do veículo seguro nenhuma conduta culposa pode ser assacada, quer pela aludida falta de sinalização quer porque quando o comboio lhe era visível - apenas a 4 metros da linha - já não tinha possibilidade de travar evitando atravessá-la;<br> 8 - Pelo exposto o acidente ocorreu com culpa exclusiva e grave da autora e da autarquia (ou da J.A.E.) e o acórdão recorrido violou os artigos 11, 12 e 15, n. 4 do Decreto-Lei 156/81, artigo 6, n. 1, do Código da<br> Estrada e os artigos 483, 487, 1 e 2, 503, 1 e 3 do<br> Código Civil devendo ser revogado e a ré absolvida.<br> As conclusões da autora, ao alegar são as seguintes:<br> 1 - A recorrente não infringiu o disposto no artigo 11 n. 1 e 6 do Regulamento das Passagens de Nível;<br> 2 - Não existem elementos nos autos que possam levar à conclusão de que não existe na PN a zona de visibilidade a que se refere essa disposição legal;<br> 3 - Todavia, mesmo que assim não fosse, a infracção dessa disposição regulamentar não constituíria causa adequada do acidente pois;<br> 4 - A visibilidade que se provou existir na P.N. permitia ao motorista do veículo pesado avistar o comboio antes de transpôr a mesma;<br> 5 - O acidente ocorreu por exclusiva culpa do motorista do veículo pesado pelo que ao decidir que houve concorrência de culpa da recorrente nesse acidente, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483, n.<br> 1 e 487, n. 2 do Código Civil, devendo ser revogado nessa parte.<br> Houve contra-alegação em relação ao recurso da seguradora por parte da autora.<br> Na Relação foram dados como provados os seguintes factos:<br> No dia 20 de Setembro de 1984, cerca das 9 horas e<br> 22-25 minutos circulava na linha férrea do Leste no sentido Lisboa-Madrid, o comboio Expresso Fer n. 331, composto pela automotora VDD Fiat n. 9720 e pelo seu reboque;<br> Ao quilómetro 141;020 da referida linha, no lugar de<br> Mirinho, freguesia de S. Miguel do Rio Torto, desta comarca (Abrantes) existe uma passagem de nível que atravessa a via férrea, que, pela sua classificação não tem guarda nem cancelas, sendo do tipo D;<br> Junto à referida passagem de nível existia um sinal com a indicação "Pare, Escute e Olhe";<br> E a mesma passagem destina-se a permitir o atravessamento da via férrea às viaturas que circulam na via pública em que está inserida;<br> A mencionada composição ferroviária, tripulada pelo maquinista Duarte Lourenço Antunes, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em A) aproximava-se da passagem de nível;<br> Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, transpunha a passagem de nível o veículo pesado de mercadorias BR-51-28, seguro na Phoenix ré pela apólice M.P-7874 de montante ilimitado;<br> Tendo ocorrido um violento embate do comboio no<br> BR-51-28 (artigos A) a H) da especificação),<br> A passagem referida em B) estava sinalizada com a "Cruz de Santo André", com a indicação referida em E) (resposta ao quesito 1);<br> E no troço de via em questão a velocidade máxima permitida é de 120 quilómetros por hora (resposta ao quesito 2);<br> Circulando o comboio a velocidade inferior (resposta ao<br> 3);<br> Ao aproximar-se da passagem de nível, o maquinista da composição accionou a buzina para avisar da presença do comboio, sinais esses cuja emissão prolongou até chegar a poucos metros da passagem de nível e que eram bem audíveis junto da mesma (respostas aos quesitos 4, 5 e<br> 6);<br> O veículo BR-51-28 surgiu a transpô-la quando a composição ferroviária se encontrava a cem metros dela (resposta ao quesito 7);<br> Quer a passagem de nível quer o comboio são visíveis a pelo menos 1500 metros para quem circula na via pela qual seguia o veículo pesado mas, quanto ao comboio tal visibilidade só existe quando se está a cerca de quatro metros da linha férrea (resposta ao quesito 8);<br> O maquinista do comboio ao aperceber-se da entrada do veículo pesado na passagem de nível imediatamente accionou o freio mas todavia, devido à distância referida em 7 não lhe foi possível evitar a colisão (resposta ao quesito 9);<br> O BR, antes de chegar à passagem de nível, circulava pela via que liga o Rossio ao Sul do Tejo a Meirinha e neste sentido (resposta ao quesito 31);<br> Na zona da passagem referida em B) as bermas da via encontravam-se com arbustos altos e árvores (resposta ao 32);<br> No sentido da marcha referida em 31 não existia nenhuma sinalização de aproximação de passagem de nível sem guarda ou de perigo e a indicação referida em b) constava de uma tabuleta (resposta aos quesitos 34 e<br> 35);<br> Tal tabuleta encontrava-se do lado oposto ao sentido de marcha do BR (resposta ao quesito 36);<br> Algum tempo após o acidente foi mandado colocar no local, um sinal de Stop fornecido pela Câmara Municipal (resposta ao quesito 35);<br> Após a colisão o comboio imobilizou-se a cerca de 400 metros (resposta ao quesito 44);<br> As respostas aos quesitos 11 a 30, respeitam aos danos causados pelo acidente, cujo montante não é objecto dos recursos pelo que não tem interesse reproduzi-las. Tal montante é de 12788498 escudos e 60 centavos.<br> Vistos corridos cumpre apreciar e decidir.<br> Sabido que o recurso de revista tem como fundamento específico a violação da lei substantiva - n. 2 do artigo 721 do Código de Processo Civil - e que o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa não pode constituir objecto do mesmo recurso - n. 2 do artigo 722, há, apenas que apreciar se, de tais factos, resulta a concorrência de culpas que o acórdão recorrido disse existir.<br> Tem-se entendido que a culpa fundada na inobservância dos deveres gerais de diligência envolve únicamente matéria de facto, mas que já constitui matéria de direito a culpa decorrente da inobservância de um preceito regulamentar que imponha determinada conduta.<br> Na decisão recorrida reconheceu-se, por um lado, que a autora tinha infringido o artigo 11 n. 1 do Regulamento das passagens de nível - Decreto-Lei n. 156/81, de 9 de<br> Junho - e, por outro, que o condutor do pesado contribuiu decisivamente para o acidente.<br> Revista da ré Phoenix Assurance.<br> Na 5 conclusão diz-se que o acórdão violou a lei por ter admitido um documento extemporâneamente.<br> A verdade é que não houve tal violação pelo acórdão, visto que tal documento foi admitido por despacho do Excelentíssimo Relator, o qual não foi impugnado pela recorrente nos termos legais - n. 3 do artigo 700 do<br> Código de Processo Civil - pelo que transitou em julgado (caso julgado formal) não podendo agora ser trazido à colação.<br> O que se diz na 1 conclusão e parte inicial da 2 até<br> "via férrea" deu-se como provado no acórdão recorrido.<br> No que respeita a não ter a autora C.P. qualquer sinalização e de ser obrigatória a existência de um sinal de STOP, já se viu que a passagem de nível em causa é do tipo D.<br> Segundo dispõe o n. 4 do artigo 15 do Regulamento de Passagens de Nível, as passagens de nível de tipo "D" terão o sinal previsto na alínea f) do n. 3 do artigo<br> 13 e, eventualmente, outros previstos nas alíneas g) e b).<br> Tratando-se de estradas nacionais ou municipais, deve ser colocado no mesmo suporte o sinal atrás referido -<br> (Cruz de Santo André (conf. alínea f) do n. 3 do artigo<br> 13) e deve ser marcada no pavimento linha de passagem com a inscrição de STOP.<br> Dada a classificação da passagem de nível, a conclusão<br> é a de que o único sinal obrigatório seria a Cruz de<br> Santo André.<br> Provou-se que existia este sinal e com a indicação de<br> "Pare, Escute e Olhe", mas do lado oposto ao sentido de marcha do veículo pesado.<br> Tal sinal, segundo dispõe o n. 2 do artigo 12 do Regulamento, devia estar colocado do lado direito do sentido de marcha e a sua implantação não cabia à C.P.<br> - artigo 12, n. 1.<br> A via onde se encontra a passagem de nível, não se provou, nem foi alegado, que estivesse classificada como municipal ou nacional.<br> E não há elementos agora para a classificar.<br> Não se provando a classificação da via, não era obrigatória a marcação no pavimento com a inscrição<br> STOP.<br> A conclusão do acórdão recorrido, de que o motorista teve culpa no acidente em grau elevado, baseada nos factos novados, não nos merece censura e é de subscrever, atento o seguinte:<br> Dispõe o artigo 3 do Regulamento das Passagens de Nível que "Os veículos ferroviários gozam de prioridade absoluta de passagem nas Passagens de Nível" e o artigo<br> 24 estipula o dever, para os que atravessam as Passagens de Nível, de só efectuarem a travessia depois de terem tomado as precauções necessárias para se certificarem de que o podem fazer sem perigo, para si, ou para terceiros.<br> Não se provou a que velocidade era conduzido o veículo pesado, mas o certo é que não foi alegado nem portanto, se provou, que o motorista do pesado tivesse abrandado ao aproximar-se da passagem de nível ou, até, parado como é de norma fazê-lo qualquer condutor prudente, quando se lhe depara uma passagem de nível aberta e sem guardas.<br> Há que não olvidar que a passagem de nível era visível, para o condutor do pesado a, pelo menos, 1500 metros e que, se ele fosse atento, teria visto a "Cruz de Santo<br> André" embora esta indevidamente, estivesse colocada do lado oposto ao seu sentido de marcha.<br> Por outro lado, o maquinista do comboio accionou os sinais sonoros, de forma prolongada, até chegar a poucos metros da passagem de nível, sinais que eram bem audíveis perto da mesma.<br> Tais sinais - e é do conhecimento geral como são potentes - a não ser surdo o motorista do pesado, teriam, por força, de ser ouvidos por este.<br> Em resumo: o motorista do pesado viu, ou devia ter visto, que se aproximava de uma passagem de nível, e embora a composição ferroviária só pudesse ser vista por ele quando estava a 4 metros da via férrea, devia ter agido como age qualquer condutor com uma prudência normal, ao deparar-se-lhe uma Passagem de Nível, ou seja, devia, antes de iniciar a travessia da via férrea, certificar-se de que o podia fazer em segurança e sem perigo; e tal não fez, violando o artigo 24 do Regulamento das Passagens de Nível.<br> A culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - artigo 487 ns. 1 e 2 do Código Civil - e, a sua prova incumbe ao lesado, salvo havendo presunção legal da mesma.<br> No caso dos autos, e por força do n. 3 do artigo 503 do Código Civil e Assento de 14 de Abril de 1983, havia uma presunção legal de culpa do condutor do pesado que não foi ilidida.<br> De qualquer modo, dos factos novados, resulta indubitável que o motorista do pesado não tomou os cuidados e diligências que tomaria um homem normal, nas condições factuais que àquele se depararam havendo, portanto e repetindo, culpa daquele no evento.<br> Revista da autora C.P..<br> No Acórdão recorrido incluiu-se perante os factos novados - na zona da passagem de nível as bermas da via encontravam-se com árvores e arbustos altos e, quanto ao comboio, a visibilidade só existe quando se está a cerca de 4 metros da linha férrea - que não existia uma zona de visibilidade com as características que a lei define e impõe.<br> E, tal conclusão, não merece censura, dado o disposto no artigo 11 do Regulamento e seus números 1 a 4.<br> Por outro lado, a C.P. não providenciou como se lhe impunha - ns. 5 a 9 do citado artigo 11 - pela criação e manutenção de tal zona de visibilidade.<br> Entendeu-se, assim, que a falta da zona de visibilidade foi uma das causas concorrentes para o acidente.<br> A autora ora recorrente entende, ao contrário, que a infracção por si cometida do dever de manter uma zona de visibilidade junto da passagem de nível, não constitui causa adequada do evento.<br> Interessa, antes de mais referir o seguinte:<br> Existe uma tipologia das Passagens de Nível - artigo 9<br> - e o tipo de cada Passagem de Nível é estabelecido aplicando os critérios indicados no artigo 10.<br> Já se viu que foi dado como provado que a passagem de nível em causa nestes autos era do tipo D.<br> Mas, estando provado que tal passagem de nível, de facto não tem a zona de visibilidade regulamentar, exigida pelos ns. 1 a 4 do artigo 11, está posta em causa a classificação feita do tipo daquela.<br> Com efeito, para que uma Passagem de Nível seja classificada do tipo D é necessário, além do mais, que a mesma reúna as condições regulamentares de visibilidade (ver n. 4 do artigo 10).<br> Se a Passagem de Nível não reunir tais condições de visibilidade, terá de ser classificada do tipo E, conforme dispõe a alínea b) do n. 3 do referido artigo<br> 10.<br> E, sendo do tipo E, devia estar equipada com um sinal de Luz Vermelha intermitente ou de duas luzes vermelhas, acendendo alternadamente (ver artigos 15, n.<br> 3 e 13 alíneas a) e d) do n. 3).<br> Atenhamo-nos, porém, à falta da zona de visibilidade,<br> (que, como se viu acima, justificaria que a passagem de nível fosse do tipo E) sem mais, e vejamos se a mesma foi uma das causas do acidente.<br> A importância da visibilidade numa Passagem de Nível é, quanto a nós indiscutível, pois que permite, a quem circule pela via rodoviária, ver, ao aproximar-se da via férrea, que esta não está livre mas, antes, com uma composição ferroviária que irá atravessar aquela<br> Passagem de Nível; ou ver, pelo contrário, que pode avançar e atravessar, sem perigo, a Passagem de Nível, por não se estar a aproximar nenhuma composição ferroviária.<br> Não havendo visibilidade na Passagem de Nível, como não havia naquela em que ocorreu o acidente é evidente que o motorista do pesado devia ter usado da maior cautela ao iniciar a travessia da via férrea.<br> E já se viu que assim não sucedeu.<br> Porém há a notar o seguinte: não foi alegado, nem resulta da prova, que aquele motorista já tivesse, antes, passado por aquele local.<br> É de presumir que o mesmo, não vendo sinais luminosos, ao aproximar-se da passagem de nível, estivesse convencido de que podia atravessá-la por as composições ferroviárias circularem ali devagar.<br> Na verdade tal não sucedia, pois que, naquele troço de via, a velocidade máxima permitida para os comboios era de 120 quilómetros/hora.<br> Sendo certo que o maquinista da composição ferroviária<br> ía, com esta, a velocidade inferior a 120 quilómetros/hora e accionou a buzina para avisar da aproximação da mesma, o que fez prolongadamente, razão que levou a concluir-se, e bem, que nenhuma culpa teve no evento, a verdade é que naquele local da Passagem de<br> Nível, sem visibilidade, a C.P. devia cuidar de sinalizar melhor a dita Passagem de Nível e ou estabelecer que as composições ferroviárias circulassem a velocidade reduzida naquele local.<br> Se tal tivesse sido feito, certamente que o veículo pesado, apesar da falta de cuidado do seu motorista, teria conseguido atravessar a via férrea antes do comboio lhe embater, pois estava distante cem metros (resposta ao quesito 7).<br> Tal distância leva a concluir que a velocidade do comboio não seria muito inferior à máxima permitida.<br> Em resumo e concluindo: A autora, na sua magestática posição, mantinha aquela passagem de nível (e quantas não haverá nas mesmas condições) classificada como sendo do tipo D, apesar da mesma não ter uma zona de visibilidade de harmonia com o Regulamento das Passagens de Nível não cuidando de colocar sinais luminosos, nem de estabelecer uma velocidade reduzida, para os comboios que da mesma passagem se aproximam, escudando-se no facto de ter a seu favor uma prioridade absoluta para os seus veículos ferroviários.<br> É evidente que não pode, nem deve ser assim.<br> É evidente que, à culpa do motorista do pesado no acidente, se alia o facto da autora não ter, como devia ter, a passagem de nível em causa, nas condições legais previstas no Regulamento.<br> De onde se extrai a final conclusão de que a autora contribuiu directamente para o evento.<br> Não merece censura o grau de culpa atribuído ao motorista do pesado.<br> Por todo o exposto nega-se a revista à autora e à ré.<br> Custas pelas recorrentes.<br> Lisboa, 16 de Fevereiro de 1993.<br> Carlos Caldas,<br> Sampaio da Silva,<br> Roger Lopes.<br> Decisões Impugnadas:<br> I - Sentença de 90.06.13 do 1 Juízo, 3 Secção da comarca de Abrantes;<br> II - Acórdão de 91.06.06 da Relação de Évora.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, por si e em representação do seus cinco filhos menores, B, C, D, E e F, e com os sinais dos autos, propuseram no Tribunal Judicial da Comarca da Anadia acção emergente de acidente de viação contra o J, pedindo, além de apoio judiciário, que o R. fosse condenado a pagar-lhes a quantia global de 14412382 escudos e juros à taxa legal, como indemnização pela morte de seu filho e irmão H, em consequência de acidente de viação ocorrido em 5 de Agosto de 1994, perto das 07.00 horas, na E.N. nº 1, em Avelãs do Caminho, Anadia, e que imputam a culpa exclusiva do condutor não identificado de um veículo pesado TIR, o qual embatera na vítima que transitava num velocípede sem motor, no sentido Sul-Norte e pelo lado direito da estrada, pondo-se, acto contínuo, em fuga.<br> Subsidiariamente, formularam um pedido de condenação em sede de responsabilidade objectiva.<br> O I veio igualmente deduzir pedido de reembolso da quantia de 25890 escudos pagos a título de subsídio de funeral.<br> Após contestação do Fundo, e concedido o apoio aos AA., foi o processo saneado e condensado.<br> E, depois de julgamento, foi proferida sentença que absolveu o R. dos pedidos formulados pelos AA. menores, tendo-o, no entanto, condenado a satisfazer à A. A e ao I os montantes de danos apurados, ainda que dentro dos limites da responsabilidade objectiva, atribuindo-se à mãe da vítima a verba de 3974110 escudos, acrescida de juros às taxas legais sucessivas de 15 e 10% e ao Centro Regional a quantia de 25890 escudosa.<br> Inconformada, a A. A interpôs recurso de apelação.<br> Através de acórdão de 27 de Maio de 1997, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu dar provimento ao recurso, alterando a sentença da 1ª instância por forma a condenar o R. Fundo a pagar à A. A a indemnização global de 8283550 escudos, acrescida de juros legais pelas taxas e nos termos legalmente estabelecidos, confirmando a sentença em tudo o mais.<br> O Fundo, agora, por sua vez, inconformado, interpôs recurso de revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1. A tese do risco social pelo qual responderia a colectividade, sustentada pelo acórdão recorrido, não tem cobertura legal.<br> 2. Pelo menos, não foi cometida ao ora recorrente a cobertura de tal risco social.<br> 3. Com efeito, é da competência legal do ora recorrente, segundo o artº 21º do DL 522/85, de 31/12:<br> a) satisfazer as indemnizações decorrentes de acidentes de viação originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório mas que não beneficiem de qualquer seguro;<br> b) satisfazer as mesmas indemnizações, nos casos de morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido.<br> 4. Citando o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15/5/97, relatado pelo Ilustre Conselheiro Senhor Doutor António Pais de Sousa, proferido em caso semelhante, "para que haja obrigação de indemnizar por parte do Fundo de Garantia Automóvel é necessário que se verifiquem os aludidos pressupostos previstos no DL 522/85, bem como os demais pressupostos da responsabilidade civil com base na culpa ou no risco. Sem que tal se verifique, não se pode apontar um "responsável" pelo acidente. E de forma alguma se pode entender que esse "responsável" referido no citado artº 21º do DL 522/85 seja a colectividade, a sociedade".<br> 5. Por outro lado, o acórdão recorrido viola o princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente.<br> 6. É que, em acidente em tudo semelhante ao dos autos mas em que o veículo tivesse sido identificado, embora não beneficiasse de seguro, o ora recorrente responderia solidariamente com os eventuais responsáveis civis, que seriam obrigatoriamente demandados consigo (artº 29º, nº 6, do DL 522/85) e sobre os quais teria direito de regresso no caso de condenação (artº 25º do citado DL), caso em que a solução do acórdão recorrido seria impossível.<br> 7. E o mesmo se diga se o veículo, devidamente identificado, possuísse seguro válido e eficaz.<br> 8. Uma seguradora nunca seria responsável por um risco social.<br> 9. E o Fundo de Garantia Automóvel também o não seria no caso de os responsáveis civis serem conhecidos mas não beneficiarem de seguro.<br> 10. O acórdão recorrido, a vingar, constituiria uma inconstitucional discriminação do ora recorrido.<br> 11. Mas, pelo lado dos "lesados",também o acórdão recorrido violaria o princípio constitucional da igualdade, já que a recorrida sairia beneficiada sem qualquer fundamento.<br> 12. Um lesado em acidente de viação como o dos autos, em que interviesse um desconhecido, sairia sempre beneficiado relativamente a outro lesado em que o veículo fosse identificado ou beneficiasse de seguro válido.<br> 13. O primeiro teria direito a uma indemnização pela totalidade dos seus prejuízos, ao passo que o segundo não teria direito a indemnização alguma, já que não foi apurada a responsabilidade do condutor desse veículo.<br> 14. Não foi, na verdade, apurado qualquer facto que indiciasse culpa do condutor desconhecido pelo embate.<br> 15. Nenhum comportamento culposo ou transgressivo é assinalado ao condutor desconhecido.<br> 16. Por isso, jamais o acidente dos autos pode ser imputado a esse condutor desconhecido.<br> 17. O acórdão recorrido violou, pois, os artºs 21º do DL 522/85, de 31/12, 9º e 483º do Código Civil e 13º da Constituição da República.<br> Contra-alegando, a Autora/recorrida A pugna pela manutenção do acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> É a seguinte a matéria de facto dada como provada:<br> - A A. A é mãe e os restantes AA. são irmãos do falecido H, o qual nasceu no dia 11/12/77 e faleceu no dia do acidente (als. a) e b) da especificação);<br> - Os AA. já receberam o montante de 654960 escudos da Companhia de Seguros Assicurazione Generali, a título de pensão fixada pelo Tribunal de Trabalho de Aveiro (al. c));<br> - O falecido era beneficiário do C.R.S.S. do Centro com o nº 116500095 (al. d));<br> - O dito C.R.S.S. pagou à Licínia subsídio de funeral no montante de Esc. 25890 escudos (al. e));<br> - O H no dia 5/8/94, pelas 06.50 horas, circulava na E.N. nº 1 no sentido Coimbra-Porto, conduzindo o velocípede sem motor de matrícula 2-AND-49-66 (resp. ao quesito 1º);<br> - Pelo lado direito da sua faixa de rodagem, junto à berma da estrada (quesito 2º);<br> - Dirigia-se para uma serração, propriedade da Empresa de Madeiras Bairradense, Ldª, com sede em Avelãs do Caminho, onde trabalhava (quesito 3º);<br> - E onde, extraordinariamente, supria a falta de um colega (quesito 4º);<br> - A solicitação de um serrador da referida empresa e a entrar mais cedo do que o normal (quesito 5º);<br> - Ao Km 221.800 em Avelãs do Caminho, a cerca de 100 metros da referida serração, o velocípede sem motor conduzido pelo H foi embatido por um veículo pesado TIR não identificado (quesito 6º);<br> - O H, em consequência desse embate, foi projectado para fora da faixa de rodagem, caindo junto da berma da estrada (quesito 7º);<br> - O pesado seguiu viagem, sem contudo ter parado junto do ciclista (quesito 8º);<br> - Como consequência directa e necessária do referido embate, o H sofreu lesões que lhe causaram a morte (quesito 9º);<br> - E trabalhava, na altura, como aprendiz de serrador, mediante a remuneração mensal de 36975 escudos (quesito 10º e 11º);<br> - Acrescida de subsídios de férias e de Natal, de igual montante e, ainda, subsídio de alimentação anual de 52030 escudos (quesito 12º e 13º);<br> - O H entregava à mãe todo o dinheiro que recebia, dando-lhe esta pequenas importâncias para os seus gastos pessoais (quesito 14º);<br> - O dinheiro entregue à A. era gasto em despesas do seu agregado familiar, constituído por mais cinco filhos (quesito 15º);<br> - As despesas de funeral efectuadas pela A. somam 83550 escudos (quesito 17º);<br> - Os laços de afecto entre a A. e a vítima eram muito fortes e o desaparecimento deste acarretou para aquela um grande desgosto (quesitos 18º e 19º);<br> - A vítima ainda foi transportada pelos Bombeiros Voluntários de Anadia para o respectivo Hospital, onde deu entrada (quesito 20º) ( ) Conforme ofício do Hospital Distrital de Anadia, dirigido ao Senhor Delegado do Procurador da República no respectivo Tribunal Judicial, constante de fls. 4 dos Autos de Inquérito nº 906/94, que correram termos pela Delegação do Mº Pº deste Tribunal, e que se encontram apensos a este processo, o corpo do H deu entrada no S. Urgência daquele Hospital pelas 07.10 horas, já cadáver.);<br> - A A. já recebeu da seguradora de acidentes de trabalho a quantia de 53927 escudos de subsídio de funeral (quesito 22º).<br> Deixa-se consignado que se encontra apenso aos presentes autos o processo de inquérito nº 906/94, a que se refere a nota (1). <br> 1 - Antes de se entrar no cerne da questão concreta colocada pelo caso em presença, convirá analisar os normativos aplicáveis no domínio da intervenção do Fundo da Garantia Automóvel, e a respectiva evolução.<br> 1.1. - Estabelecia o artigo 20º do Decreto-Lei nº 408/79, de 25 de Setembro, diploma que instituíu as linhas fundamentais por que se passou a reger o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, o seguinte:<br> Os direitos dos lesados por acidentes ocorridos com veículos sujeitos ao seguro obrigatório poderão ser efectivados, nos termos que legalmente vierem a ser estabelecidos, contra o fundo de garantia automóvel, a instituir no âmbito do Instituto Nacional de Seguros, nos seguintes casos:<br> a) Quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz;<br> b) Quando for declarada a falência da seguradora.<br> Na mesma data da publicação do Decreto-Lei nº 408/79 foi também publicado o Decreto Regulamentar nº 58/79, cujas normas são aplicáveis ao seguro obrigatório de responsabilidade civil derivada da circulação terrestre de veículos a motor - cfr. artigo 1º. Foi este o diploma que instituíu o G (FGA), integrado no Instituto Nacional de Seguros - artigo 2º, nº 1.<br> Prescreve o nº 2 do referido artigo 2º:<br> Compete ao G satisfazer as indemnizações de morte ou lesões corporais consequentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, nos casos previstos no artigo 20º do Decreto-Lei nº 408/79, desta data.<br> Também com interesse para o caso sub judice, estabelece o nº 1 do artigo 5º do referido Decreto Regulamentar que, satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança.<br> 1.2. - Entretanto, Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, que revogou o Decreto-Lei nº 408/79 e o Decreto Regulamentar nº 58/79 - cfr. artigo 40º - reviu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.<br> Um dos aspectos enfatizados no relatório preambular deste diploma diz respeito à deterioração no valor das indemnizações, -que se revela incompatível com o justo ressarcimento dos prejuízos sofridos-.<br> A tal propósito, escreve-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 522/85, o seguinte:<br> Esta situação torna-se ainda mais grave com a alteração dos limites máximos das indemnizações devidas por acidentes quando não há culpa do responsável e no momento em que Portugal adere às Comunidades Europeias.<br> Com efeito, o Decreto-Lei nº 190/85, de 24 de Junho, deu nova redacção ao artigo 508º do Código Civil, passando a indexar os limites da responsabilidade civil pelo risco à alçada da Relação, pelo que tais valores são consideravelmente elevados a partir de 1 de Janeiro de 1986 ( ) Data da entrada em vigor do citado Decreto-Lei nº 522/85 - cfr. o artigo 41º, nº 1.).<br> Sendo certo que o capital obrigatoriamente seguro fixado pelo Decreto-Lei nº 408/79, de 25 de Setembro, se situa em valores muito mais baixos dos que foram estabelecidos para o artigo 508º do Código Civil, é manifestamente imperiosa a sua adequação a tais valores.<br> Quer isto dizer que ressalta expressamente do preâmbulo do Decreto-Lei nº 522/85 a intenção de adequar o seguro obrigatório à redacção dada ao artigo 508º do C.C. pelo Decreto-Lei nº 190/85, de 24 de Junho.<br> Preocupação que, como é natural, também se encontrava presente neste diploma de revisão do Código Civil, como se retira dos trechos que se passam a reproduzir:<br> (...); uma responsabilidade objectiva ilimitada poderia conduzir a consequências menos certas, até porque não será, pelo menos nas actuais circunstâncias, de figurar um seguro obrigatório de responsabilidade também ilimitado. Daí a necessidade de encontrar uma solução que leve a compatibilizar os dois tipos de interesses.<br> Reflectindo a propósito do critério adequado para proceder à actualização dos valores monetários até então estabilizados e objecto da erosão da moeda, escreve-se ainda no relatório preambular do Decreto-Lei nº 190/85:<br> Tudo ponderado, optou-se por escolher um padrão de referência que, sendo periodicamente actualizado, não o tem sido em ritmo para o presente caso inadequado: as alçadas da Relação. Trata-se de uma referência que envolve, na sua modificação, o próprio sistema judiciário e que é dotada do evidente mérito da fácil cognoscibilidade.<br> A propósito das relações de estreita vizinhança entre a responsabilidade e o seguro, observa-se, no preâmbulo do diploma em referência, o seguinte:<br> É hoje um dado adquirido a cada vez mais premente contiguidade entre a responsabilidade e o seguro; tudo faz, assim, preconizar que devem ser actualizados, como decorrência do presente diploma, os valores do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.<br> Justifica-se, assim, e agora, ver por que forma o diploma de revisão do Código Civil operou, no aludido circunstancialismo, a alteração dos limites máximos e, em seguida, atentar nos termos em que o Decreto-Lei nº 522/85 alterou o limite do capital seguro.<br> O artigo 508º do CC passou a estabelecer, no seu nº 1, o seguinte:<br> A limitação fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da Relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da Relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da Relação: no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, o montante correspondente à alçada da Relação.<br> Prescrevia, por sua vez, o nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 522/85, na sua redacção originária, que o capital obrigatoriamente seguro era de 3000 contos por lesado, com o limite de 5000 contos no caso de coexistência de vários lesados.<br> No entanto, este limite foi sucessivamente alterado pelos Decretos-Leis nºs 436/86, de 31 de Dezembro, 394/87, também de 31 de Dezembro ( ) Ambos publicados no 2º Suplemento.), e 18/93, de 23 de Janeiro.<br> Por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 18/93, o capital obrigatoriamente seguro passou a ser de 35000000 escudos por lesado, com o limite de 50000000 escudos no caso de coexistência de vários lesados - cfr. o artigo 1º do D/L nº 18/93, que deu nova redacção ao artigo 6º do D/L nº 522/85. Tratava-se do valor que se encontrava em vigor à data do acidente sub juditio. Anote-se, no entanto, que o Decreto-Lei nº 18/93 foi revogado pelo Decreto-Lei nº 3/96, de 25 de Janeiro - cfr. o artigo 5º deste diploma -, tendo -o capital mínimo obrigatoriamente seguro, nos termos e para os efeitos das alíneas a) e c) do artigo anterior ( ) Veja-se a redacção dada ao artigo 5º do Decreto-Lei nº 522/85 pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 122-A/86, de 30 de Maio.), passado a ser de 120000000 escudos por sinistro, para danos materiais e corporais, seja qual for o número de vítimas ou a natureza dos danos" - cfr. a redacção dada ao artigo 6º do Decreto-Lei nº 522/85 pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 3/96. No entanto, repete-se, o valor vigente à data do acidente dos autos era o fixado na redacção dada ao artigo 6º em apreço pelo D/L 18/93, ou seja, de 35000000 escudos por lesado.<br> 1.3. - É o Capítulo III - artigos 21º a 28º, distribuídos por três Secções - que regulam a matéria respeitante ao FGA.<br> <font>Disposição nuclear, que o recorrente considera violada pelo acórdão recorrido é o artigo 21º, que, no seu nº 1, dispunha, na redacção originária, o seguinte:</font><br> <font>O G garante, nos termos das disposições do presente capítulo, por acidente ocorrido em território nacional e até ao montante obrigatoriamente seguro, relativamente aos danos originados por veículos abrangidos por este diploma, a satisfação das indemnizações por:</font><br> <font>a) Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz ou for declarada a falência da seguradora;</font><br> <font>b) Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido mas não beneficiando de seguro válido ou eficaz, revele manifesta insuficiência de meios para solver as suas obrigações.</font><br> <font>O artigo 21º foi, no entanto, significativamente, alterado pelo Decreto-Lei nº 122-A/86, de 30 de Maio, e, mais tarde, pelo Decreto-Lei nº 130/94, de 19 de Abril, que modificou a alínea b) do nº 2 e aditou o nº 5.</font><br> <font>Justifica-se, pois, reproduzir o texto em vigor do nº 2 do citado artigo 21º, norma que substituíu o precedente nº 1 da versão originária:</font><br> <font>2 - O Fundo (...) garante, por acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação das indemnizações por:</font><br> <font>a) Morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz ou for declarada a falência da seguradora;</font><br> <font>b) Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz (</font> ) A redacção da alínea b) resultou da alteração introduzida pelo D/L nº 130/94, de 19.05.<font>).</font><br> <br> Dos artigos 21º, 23º e 25º, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 122-A/86, retiram-se ainda alguns princípios sobre o funcionamento do FGA que convirá sumariar. São essencialmente os seguintes:<br> - Só aproveitam do benefício do FGA os lesados por acidentes ocorridos em Portugal continental e nas Regiões Antónomas da Madeira e dos Açores - artigo 21º, nº 4;<br> - Compete ao Fundo satisfazer, nos termos previstos no artigo 21º, as indemnizações decorrentes de acidentes, até ao limite, por acidente, das quantias fixadas no artigo 6º (quantia que era, à data do acidente, como já se disse, de 35 mil contos por lesado) - artigo 23º;<br> - Satisfeita a indemnização, o FGA fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança - artigos 25º, nº 1, e 21º, nº 5, este aditado pelo D/L nº 130/94.<br> <br> 2 - Em face da factualidade dada como provada, e tendo presente o grau elevado de desconhecimento acerca da forma como os factos se passaram, concluiu-se na 1ª instância pela ausência de culpa de ambos os condutores, tendo-se considerado, ademais, que o condutor do veículo pesado TIR não identificado, foi o causador dos prejuízos, pelo que seria responsável pelo risco, à luz do artigo 506º, nº 1, do C.C. No entanto, por ser desconhecido, quem responde é o FGA.<br> Todavia, considerando, embora, que a A. sofrera danos no montante global de 8283550 escudos, foi feita aplicação do limite constante do nº 1 do artigo 508º do C.C., <br> <font>- Ao Km 221.800 em Avelãs do Caminho, a cerca de 100 metros da referida serração, o velocípede sem motor conduzido pelo H foi embatido por um veículo pesado TIR não identificado (quesito 6º);</font><br> <font>- O H, em consequência desse embate, foi projectado para fora da faixa de rodagem, caindo junto da berma da estrada (quesito 7º);</font><br> <font>- O pesado seguiu viagem, sem contudo ter parado junto do ciclista (quesito 8º).</font><br> <font>Tendo presente o valor da alçada da Relação, entendeu-se na 1ª instância que a indemnização a pagar não poderia exceder o máximo de 4000000 escudos.</font><br> <font>Diferente foi o juízo da Relação, com o qual se mostra inconformado o Recorrente.</font><br> <font>Adiantamos, desde já, ser nosso entendimento o de que não é de aplicar, in casu, o limite do artigo 508º, nº 1, do Código Civil.</font><br> <font>3. - Para sustentar a sua tese, o recorrente FGA cita o acórdão deste STJ de 13.05.97 (e não, como refere, de 15.5.97), sumariado nos seguintes termos:</font><br> <font>Para que haja obrigação de indemnizar por parte do G, é necessário que se verifiquem os pressupostos previstos no artigo 21º do DL nº 522/85, de 31-12, bem como os demais pressupostos da responsabilidade civil com base na culpa ou no risco.</font><br> <font>No caso concreto, a decisão da 1ª instância considerou que haveria lugar a responsabilidade pelo risco.</font><br> <font>O que está em causa é resolver o problema que consiste em saber se, nos casos em que o FGA é chamado a responder, está, ou não, em causa a adequação da responsabilidade indemnizatória do Fundo às regras comuns da responsabilidade civil, tenham elas por fundamento a culpa ou o risco.</font><br> <font>4 - No nosso direito civil, no tocante à responsabilidade civil extra-contratual, a regra é a da responsabilidade com base na culpa (nº 2 do artigo 483º, do C.C.), sendo a responsabilidade objectiva, de que a responsabilidade pelo risco constitui modalidade, excepcional relativamente àquela. Não obstante, o seu campo de </font>aplicação tem-se vindo a alargar, o que acontece, designadamente, no domínio dos acidentes de viação, para não falar agora noutras áreas temáticas, como é o caso do Direito do Ambiente.<br> O aumento sem controlo do parque automóvel e o volume crescente dos acidentes de viação criaram a consciência de que os riscos estradais são, cada vez mais, um problema social, que respeita a toda a colectividade e não apenas um problema a dirimir nas relações lesante-lesado - cfr., neste sentido, Sinde Monteiro, Revista de Direito e Economia, Ano IV, 2, pág. 332.<br> Daí que os Estados procurem, fora dos esquemas tradicionais da responsabilidade individual, encontrar formas de ressarcimento dos danos resultantes dessa fonte de perigos que é a circulação rodoviária, criando o seguro obrigatório e outras formas de assegurar o ressarcimento dos danos, como é justamente o caso dos fundos de garantia.<br> O cerne do problema que está em análise consiste em saber se o FGA, ao satisfazer as indemnizações, o faz no respeito pelas normas da responsabilidade civil por factos ilícitos ou pelo risco. A resposta afirmativa é a que decorre do citado Acórdão de 13 de Maio de 1997 e é sustentada pelo recorrente. A resposta negativa encontrou eco no acórdão recorrido, na esteira, aliás, do entendimento já vertido no Acórdão de 25 de Junho de 1996, da Relação de Coimbra, publicado na C.J., Ano XXI, Tomo III, págs. 27 e segs.<br> Sem prejuízo do tratamento da matéria, que se vai seguir, ver-se-á que o mesmo não é decisivo para a solução do caso sub judice.<br> 5 - A ratio social da intervenção do FGA é por demais evidente. Basta atentar no elenco de acidentes que o Fundo garante - cfr. o artigo 21º, nº 2, do D/L nº 522/85 - para o constatar.<br> O FGA desempenha um papel de repartição colectiva do risco de circulação automóvel, dando protecção às vítimas de acidentes, as quais, de outro modo, ficariam sem qualquer indemnização, por falhar aqui totalmente o binómio da responsabilidade individual: -lesante/lesado (cfr. Sinde Monteiro, "Reparação de Danos em Acidentes de Trânsito", Coimbra, págs. 50-51).<br> E, se há campo privilegiado a concitar a "obrigação social" de garantia dos danos, esse é justamente o caso dos acidentes de viação em que, por desconhecimento do veículo interveniente e fisicamente causador do desastre, não é possível carrear elementos suficientes em sede de matéria de facto para estabelecer um juízo em termos de culpa (ou, sequer, de risco).<br> De mais a mais quando essa impossibilidade de identificação do condutor de tal veículo resultou do facto de o mesmo ter seguido viagem, revelando-se infrutíferas as diligências efectuadas no sentido de lograr aquela identificação.<br> Daí a intervenção, em tais situações do FGA, a garantir a satisfação das indemnizações que forem devidas - cfr. os citados artigos 21º e seguintes do D/L nº 522/85. Num caso como o presente, o FGA responde directamente perante o titular do direito de indemnização.<br> Como escreve Sinde Monteiro, trata-se de um caso em que a própria colectividade assume o peso dos danos, dando cobertura a uma indemnização que, de outra sorte, não poderia ser feita valer. "Aqui, prossegue o autor que ora se acompanha, a intervenção da garantia colectiva, isto é, do particular mecanismo de reparação colectiva que o fundo de garantia constitui, desempenha um papel de complemento colectivo da responsabilidade individual que falha, tendo carácter semi.autónomo em relação às regras da responsabilidade civil" - cfr. Revista de Direito e Economia, Ano IV, 2, pág. 343.<br> Como se escreveu no Acórdão já citado da Relação de Coimbra, de 25.06.96, sendo o FGA instituído para desempenhar uma forma de reparação colectiva dos danos, não parece serem de exigir os pressupostos da responsabilidade civil, tenham eles como fundamento a culpa ou o risco. E isto porque se tais pressupostos fossem exigidos, nunca, ou dificilmente, o FGA seria condenado a pagar a indemnização pelos danos resultantes de acidentes causados por desconhecidos, uma vez que a fuga do causador do acidente - que só acontece, em regra, em casos em que o acidente não foi presenciado - leva ao desconhecimento da forma como o acidente ocorreu e à impossibilidade de os titulares do direito à indemnização provarem os pressupostos da responsabilidade por facto ilícito e, até, pelo risco.<br> Ponderou-se no citado aresto que os autores nada mais teriam que provar, em tais acções, do que o acidente, os danos e o nexo de causalidade. Depois, no exercício dos direitos de sub-rogação - artigo 25º, nº 1, do D/L nº 522/85 - é que entram em jogo as ditas regras de responsabilidade civil.<br> Ou seja, a aplicar-se tal entendimento, num caso como o dos autos, estaria ultrapassada a própria responsabilidade pelo risco.<br> Provado o acidente e os danos daí resultantes, o FGA deveria suportar a indemnização devida, provando-se, ou não, os requisitos da responsabilidade civil (acrescidos a estes).<br> Trata-se, como observa A. Pinto Monteiro, "de um mecanismo de reparação colectiva complementar à individual" - cfr. "Cláusulas Limitativas de Exclusão da Responsabilidade Civil", 1985, Coimbra, pág. 60.<br> O único limite que, neste caso, relevaria seria o do montante obrigatoriamente seguro, que era, no que à situação concreta dos presentes autos diz respeito, de 35 mil contos - cfr. os artigos 6º e 21º, na redacção actualmente em vigor, do D/L nº 522/85. <font>O elemento literal corroboraria o sentido para que apontavam os argumentos extraídos da análise dos demais elementos hermenêuticos. Recorde-se, com efeito, que, nos termos do artigo 23º do D/L nº 522/85, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 122-A/86, o FGA satisfaz, nos termos do artigo 21º, as indemnizações decorrentes de acidentes originados pelos veículos no mesmo referidos e até ao limite, por acidente, das quantias fixadas no artigo 6º.</font><br> 6 - Poder-se-ia questionar se, do entendimento esboçado, não resultaria, porém, violação do princípio constitucional da igualdade - cfr. artigo 13º da CRP.<br> É certo que a igualdade perante a lei reclama, não que todos sejam tratados, em quaisquer circunstâncias, por forma idêntica, mas sim que recebam tratamento semelhante os que se acham em condições semelhantes ( ) Cfr., nesta matéria, além de Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", Coimbra Editora, 3ª edição revista, anotação ao artigo 13º, págs. 124 e segs., o volume I dos "Pareceres da Procuradoria-Geral da República", págs. 183 e segs.).<br> A proibição de discriminações (nº 2 do citado artigo 13º) não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proibe diferenciações de tratamento. <br> Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, - o que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no nº 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo".<br> Todas estas condições justificativas da diferenciação de regimes poderão encontrar paradigmática ilustração no caso que ora nos ocupa.<br> Poder-seia, nesta óptica, dizer-se que se trata de um exemplo capaz de ilustrar a afirmação produzida pelos referidos constitucionalistas, segundo a qual: "A obrigação de diferenciação para se compensar a desigualdade de oportunidades significa que o princípio da igualdade tem uma função social , o que pressupõe o dever de eliminação ou atenuação, pelos poderes públicos, das desigualdades sociais, económicas e culturais, a fim de se assegurar uma igualdade jurídico-material" - cfr. loc. cit, anotações VI e VII ao artigo 13º, págs. 127 e 128.<br> O que se deixou escrito acerca do regime jurídico do FGA, e a propósito das particularidades resultantes da produção de prova no caso de desconhecimento do condutor da viatura causadora do sinistro, é bem esclarecedor, por um lado, da especificidade objectiva desta situação, e, por outro, dos escopos de justiça e de solidariedade social que estão ínsitos ao referido regime, bem como da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, bem realçada, até, pelo mecanismo da sub-rogação do FGA nos direitos do lesado.<br> 7 - Recordem-se os elementos recolhidos em sede de matéria de facto acerca do acidente de que resultou a morte do H;<br> - O H no dia 5/8/94, pelas 06.50 horas, circulava na E.N. nº 1 no sentido Coimbra-Porto, conduzindo o velocípede sem motor de matrícula 2-AND-49-66 (resp. ao quesito 1º);<br> - Pelo lado direito da sua faixa de rodagem, junto à berma da estrada (quesito 2º);<br> - Ao Km 221.800 em Avelãs do Caminho, a cerca de 100 metros da referida serração, o velocípede sem motor conduzido pelo H foi embatido por um veículo pesado TIR não identificado (quesito 6º);<br> - O H, em consequência desse embate, foi projectado para fora da faixa de rodagem, caindo junto da berma da estrada (quesito 7º);<br> - O pesado seguiu viagem, sem contudo ter parado junto do ciclista (quesito 8º).<br> <font>Destes factos provados é possível dizer-se que decorre a total ausência de culpa do jovem sinistrado. Mas já não se pode afirmar o mesmo relativamente ao condutor do veículo pesado causador do embate mortal.</font><br> <font>O sinistrado, que era um jovem na flor da idade, seguia na sua bicicleta, a hora matutina, para o seu local de trabalho, </font>pelo lado direito da sua faixa de rodagem, junto à berma da estrada, quando foi embatido pelo veículo pesado, que o ultrapassava.<br> <font>Da sua parte não houve qualquer responsabilidade para a verificação do acidente que lhe roubou a vida.</font><br> <font>Foi ele que foi embatido, em circunstâncias de muito difícil apuramento em consequência do desaparecimento do condutor do TIR e da morte do sinistrado.</font><br> <font>O que se deixa dito não deve, assim, ser esquecido, ao lerem-se as conclusões 14ª e 15ª apresentadas pelo recorrente. É que a circunstância de o condutor ser desconhecido - cfr. conclusões 15ª e 16ª - deveu-se ao facto de o pesado ter seguido viagem, "sem contudo ter parado junto do ciclista" em que embateu (quesito 8º) e que, "como consequência directa e necessária do referido embate (...) sofreu lesões que lhe causaram a morte" (quesito 9º).</font><br> <font>Tal facto - o desconhecimento do condutor do TIR - alterou obviamente o cenário da recolha da matéria de facto, com vista ao apuramento da totalidade dos elementos susceptíveis de fazer luz definitiva, verbi gratia, em sede de produção de juízo de culpa.</font><br> <font>Mas uma coisa é certa: provou-se ter sido o veículo pesado que embateu na bicicleta do sinistrado. Sem querer, aqui e agora, chamar à ribalta depoimentos, alguns bem impressivos, prest
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font></b><br> <br> <b><font>A e mulher B, e C e mulher D movem a E e mulher F, e G, todos com os sinais dos autos, acção de preferência afim de, reconhecido o direito de haverem para si o prédio rústico identificado no art. 11 da pet. in., alienado pelos 1º réus à 2ª ré, porque comproprietários de prédio rústico referido no art. 1, com área inferior à unidade de cultura confinante com aquele e lhes não ter sido comunicado o projecto de venda, dando-se-lhes a preferência, condenando-se a 2ª ré a dele abrir mão a favor, em comum e partes iguais, dos autores.</font></b><br> <b><font>Contestando, a ré G excepcionou destinar-se a fim diferente do de cultura (para habitação própria) e impugnou.</font></b><br> <b><font>Prosseguindo até final seus normais termos, improcedeu a acção em sentença que a Relação confirmou por proceder a excepção.</font></b><br> <b><font>Mais uma vez inconformados, recorrem os autores que, defendendo a procedência da acção, concluíram, em suma e no essencial, em suas alegações -</font></b><br> <b><font>- porque comproprietários de prédio rústico com área inferior à da unidade de cultura que confina com o rústico alienado, venda de que não tiveram conhecimento, gozam do direito de preferência ao qual nunca renunciaram:</font></b><br> <b><font>- a ré G não é e nunca foi confinante com este prédio rústico que adquiriu aos 1º réus;</font></b><br> <b><font>- no acto de pagamento do imposto da sisa, a ré G, através do seu gestor de negócios, declarou expressamente que o prédio que ia comprar não se destinava a construção urbana </font></b><br> <b><font>- nem das declarações prestadas na escritura de compra e venda se infere tal destino, e </font></b><br> <b><font>- do mesmo de todas as negociações prévias que houve na compra de tal prédio os autores, por qualquer modo, não tiveram conhecimento da sua existência, mormente da intencionalidade da compradora.</font></b><br> <b><font>Contraalegando, a ré G pugnou pela confirmação do julgado.</font></b><br> <b><font>Colhidos os vistos.</font></b><br> <b><font>Matéria de facto que as instâncias deram como provada - </font></b><br> <b><font>a) - por escritura de partilha celebrada em 13-12-93, no Cartório Notarial de Barcelos, os autores adquiriram a propriedade do prédio composto por pinhal, eucaliptal e mato, sito no lugar de Paranho, freguesia de Remelhe, Barcelos, com a área de 11900 m2, a confrontar do norte com H e outro, do sul com I, do nascente com J e do poente com estrada municipal, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. 437, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n. 309;</font></b><br> <b><font>b) - por si e antepossuidores, os autores vêm afrutando e desafrutando, roçando mato, cortando pinheiros e eucaliptos, cortando lenhas e plantando eucaliptos em tal prédio, bem como pagando as contribuições que sobre o mesmo recaem, o que sucede há mais de 10, 20 e 30 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem qualquer interrupção e na convicção de serem os seus proprietários;</font></b><br> <b><font>c) - através da escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Barcelos, em 26-05-94, os 1º réus venderam à 2ª ré um prédio composto de terreno de mato, com a área de 4800 m2, sito no lugar Monte ou Paranho, freguesia de Remelhe, Barcelos, a confrontar do norte com L e caminho público, do sul com M, do nascente com N e do poente com O, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n. 191 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 433, pelo preço de 2000000 escudos;</font></b><br> <b><font>d) - os prédios referidos nas als. a) e c) confrontam entre si numa extensão de cerca de 115m;</font></b><br> <b><font>e) - os autores depositaram a quantia de 2206990 escudos na Caixa Geral de Depósitos, referente ao preço devido e demais acréscimos;</font></b><br> <b><font>f) - teor dos documentos de fls. 45 a 50 (através da sua consulta verificou a Relação que, ««muitos meses antes da escritura de compra e venda, já a ré G vinha diligenciando junto da Câmara Municipal de Barcelos pela viabilidade da construção de uma casa de habitação no terreno que pretendia adquirir»»);</font></b><br> <b><font>g) - os réus não deram conhecimento aos autores da venda aludida na al. c), designadamente do seu objecto, preço, forma e condições de pagamento;</font></b><br> <b><font>h) - os autores apenas tiveram conhecimento dessa venda, bem assim, como do preço e condições de pagamento, a meados de Julho de 1994;</font></b><br> <b><font>i) - a 2ª ré adquiriu o prédio para nele edificar uma casa de habitação para si;</font></b><br> <b><font>j) - e, ainda em data anterior à da celebração da escritura, contratou um técnico para lhe tratar de toda a documentação necessária para esse efeito junto das várias entidades;</font></b><br> <b><font>l) - esse mesmo técnico encontra-se a ultimar o projecto de arquitectura e engenharia da aludida casa;</font></b><br> <b><font>m) - os documentos mencionados na al. f) referem-se ao terreno indicado na al. c).</font></b><br> <b><font> Decidindo: -</font></b><br> <b><font>1- Sistemática e uniformemente, se vem afirmando que o Supremo Tribunal de Justiça não é uma terceira instância mas um tribunal de revista.</font></b><br> <b><font>Por outro, ao tribunal ad quem é vedado o conhecimento de questões novas salvo se a sua apreciação se impuser oficiosamente.</font></b><br> <b><font>Por fim, a matéria de facto de que o tribunal pode conhecer é, fora a ressalva do art. 664 CPC, a carreada pelas partes nos respectivos articulados.</font></b><br> <b><font>Porque o constante das conclusões 3ª e 5ª desrespeita tudo o que acabou de se referir, não há que delas conhecer.</font></b><br> <b><font>2 - As instâncias reconheceram deterem os autores uma situação que, salvo se procedesse a excepção invocada, lhes conferiria a possibilidade de relevantemente exercerem o direito de preferência (CC-1380).</font></b><br> <b><font>As 2 primeiras conclusões são concordes com o decidido sem impugnação da recorrida (não se pronunciaram as instâncias sobre a questão colocada no final da 1ª conclusão, mas isso irreleva aqui).</font></b><br> <b><font>3 - Pese embora o que ficou referido sob o ponto n. 1, a simples enunciação das conclusões 3ª e 5ª, a par da 4ª, revela que os autores aceitam o que foi enunciado pelas instâncias - destinar o comprador o prédio que está ou vai adquirir a fim diverso do de cultura não tem de constar de escritura e é passível de prova a produzir pelo adquirente.</font></b><br> <b><font>E, na realidade, assim o vem entendendo a jurisprudência deste STJ (vd., por todos, os acs. de 18-01-94 e 21-06-94 in CJ STJ 94/I/46 e 94/II/154) e a doutrina (por todos, P. Lima-A. Varela in CCAnot - III/276), e não se descortina razão para alterar esse enendimento.</font></b><br> <b><font>O fim que releva para integrar a situação excepcionada no art. 1381 a) CC não é o que tem ou ao qual está afectado no momento da alienação mas aquele que constitui a finalidade da compra, caso essa seja legalmente admissível.</font></b><br> <b><font>Vem provado que a 2ª ré destinava o prédio rústico a adquirir a construção da sua própria habitação e que, com vista a tal objectivo, não só indagara - e obtivera resposta afirmativa - da admissibilidade legal de a concretizar naquele prédio como ainda iniciara, com um técnico, a sua efectiva materialização.</font></b><br> <b><font>Provado também que essa finalidade permanecia no momento da aquisição do prédio e dela foi determinante.</font></b><br> <b><font>Demonstrada, assim, uma situação que impedia o surgimento do direito de preferência por banda dos autores e, consequentemente (porque o não têm), que o pudessem exercer relevantemente.</font></b><br> <br> <b><font>Termos em que se nega a revista.</font></b><br> <b><font>Custas pelos recorrentes.</font></b><br> <b><font>Lisboa, 31 de Março de 1998.</font></b><br> <b><font>Lopes Pinto,</font></b><br> <b><font>Garcia Marques.</font></b></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font></b><br> <br> <b><font>I - A intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra B, Lda, pedindo que,</font></b><b><font> «</font></b><b><font>declarado nulo o trespasse realizado» entre esta e a sociedade «viúva C, Lda.», relativo «ao imóvel identificado no art. 1 do p.i.», registo ordenado a reconhecer-lhe o direito de propriedade sobre esse imóvel e a restituir-lho, livre e desocupado.</font></b><br> <b><font>II - Após contestação - da Ré e dos chamados à autoria (D, E e F) - e resposta, foi proferido saneador-sentença a decretar a improcedência da acção.</font></b><br> <b><font>III - Inconformada, a Autora apelou.</font></b><br> <b><font>E com êxito, pois a Relação de Lisboa, revogando a decisão da 1ª instância, condenou a Ré a «entregar à A, que é proprietária do andar dos autos, o mesmo livre e desocupado».</font></b><br> <b><font>IV - Irresignada com tal Acórdão, a Ré recorreu de revista, com fundamento na violação do disposto nos arts. 115 do RAU e 668 e 716 do C.P.Civil.</font></b><br> <b><font>V - A Autora contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado.</font></b><br> <b><font> Foram colhidos os vistos.</font></b><br> <b><font>VI - Da conjugação dos arts.659 n. 2 e 713 n. 2 do CPC (são deste Diploma todos os preceitos que se citarem sem menção de proveniência), resulta que, na elaboração do acórdão, o Tribunal da Relação deve discriminar os factos que considere provados.</font></b><br> <b><font>E só perante a enunciação completa de factualidade provada é que este Supremo Tribunal está apto a entrar na apreciação e julgamento do recurso que, porventura, seja interposto desse acórdão.</font></b><br> <b><font>É que, como tem sido repetidamente afirmado, este Supremo, como tribunal de revista, apenas conhece, em regra, de matéria de direito, razão por que só pode ser chamado a intervir, em via de recurso, para reparar qualquer violação de lei, aplicando «definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» aos factos materiais (arts. 721 n. 2, 722 n. 2, 729 ns. 1 e 2, 730 ns. 1 e 2 e 755 n. 1).</font></b><br> <b><font>Na definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio, cabe à Relação, pois, a última palavra.</font></b><br> <b><font>VII - Simplesmente, na situação vertente, o Acórdão impugnado, ao enunciar a matéria de facto que reputava assente, deu «como reproduzidos no seu teor os documentos de fls. 19 a 69 e 97 a 103».</font></b><br> <b><font>Ora, sabendo-se que os documentos não são factos - mas, antes, meios de prova dos factos - tal remissão não tem qualquer sentido útil.</font></b><br> <b><font>O que significa, no fim de contas, que o Tribunal de Relação não deferiu, como lhe competia, a factualidade assente e relevante.</font></b><br> <b><font>VIII - Sendo incompleta, assim, a enunciação do elenco factual provado, impõe-se que a Relação proceda à sua integral concretização de modo explícito.</font></b><br> <b><font>Estamos, por conseguinte, diante de situação que reclama a ampliação da matéria de facto, ao abrigo dos arts. 729 n. 3 e 730 n. 1, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, sendo de salientar que, por falta de tais elementos factícios, não é possível a fixação, com a necessária precisão, do regime jurídico aplicável ao caso (art. 730 n. 2).</font></b><br> <br> <b><font>IX - Em face do exposto, acorda-se em ordenar que o processo volte ao Tribunal de Relação de Lisboa, para, em ampliação da matéria de facto, julgar novamente a causa, com a intervenção, se possível, dos mesmos Exmos. Juízes.</font></b><br> <b><font>Custas pela parte vencida a final.</font></b><br> <b><font>Lisboa, 31 de Março de 1998.</font></b><br> <b><font>Silva Paixão,</font></b><br> <b><font>F. Fabião. </font></b></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. A intentou acção declarativa, com processo ordinário, em 21 de Setembro de 1995, no 1. Juízo Cível do Porto, contra:<br> B, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 2750101 escudos, acrescida de juros vincendos, para o que alegou:<br> "Através de um Consórcio entre a A., a C e a D - em que ficou acordado que "a facturação aos clientes será levada a cabo pela A." -, elaborou o estudo de diagnóstico da Ré, com base em contrato de prestação de serviços que com ela celebrou, cujo preço, a ser pago dentro de 15 dias contados da apresentação do relatório, seria de 2096000 escudos, acrescidos de IVA à taxa de 17 por cento, num total de 2431360 escudos.<br> Apresentado o relatório e entregue à Ré a respectiva factura em 12 de Outubro de 1994, esta nunca pagou, ascendendo os juros legais vencidos à data da propositura da acção, a 318741 escudos.<br> 2. Sem contestação da Ré, a acção foi julgada improcedente, por sentença de 8 de Outubro de 1997.<br> Inconformada, a Autora apelou.<br> A Relação do Porto, por Acórdão de 12 de Outubro de 1998, revogando, embora, a decisão da 1. instância, absolveu a Ré da instância, por ilegitimidade activa, atenta a "falta de intervenção das demais consociadas".<br> 3. Ainda irresignada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal - pugnando pela revogação do Acórdão recorrido, com a consequente condenação da Ré ou, então, com "o prosseguimento dos autos, com marcação de audiência de julgamento, permitindo-se à Recorrente que esta faça prova do facto alegado no artigo 3 da p.i." -, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:<br> I - Sendo o contrato de consórcio um contrato comercial, "o regime das obrigações daquele emergente é o da solidariedade", que, "no caso, é activa", pelo que "cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a questão integral".<br> II - Foi confiada à Recorrente "a posição de chefe" do consórcio externo, pelo que "no exercício das suas funções lhe coube proceder a toda a facturação dos serviços prestados à Recorrida".<br> III - Emergindo o direito de crédito em causa - que não foi contestado pela Ré - "dessa facturação", sempre assistia à Recorrente o exercício dos poderes que o artigo 14 n. 1, alínea d), do Decreto-Lei n. 231/81<br> "reconhece ao chefe do consórcio, "facto esse que decorre do alegado" no artigo 3 da petição inicial.<br> Foram colhidos os vistos.<br> 4. Na medida em que o Acórdão impugnado resolveu com acerto as questões que foram submetidas à apreciação da Relação, justificar-se-ia que, para a confirmação do mesmo, nos limitássemos a remeter para os seus fundamentos - de facto e de direito -, à sombra do disposto no artigo 713 n. 5, aplicável ex vi do artigo 726, ambos do Código de Processo Civil.<br> Sempre adiantaremos, no entanto, as breves considerações que seguem.<br> Não tendo a Ré contestado, apesar de pessoalmente citada, nunca o processo poderá prosseguir "com marcação de audiência de julgamento", para produção de prova - como alvitra a Autora -, atento o preceituado no artigo 484 do referido Código.<br> Por outro lado, conhecendo este Supremo, como tribunal de revista, apenas da matéria de direito, ao menos em regra (cfr. artigo 26 da actual LOFTJ), tem de acatar a matéria fáctica definida pela Relação, uma vez que não se verifica, aqui, nenhuma das excepções previstas nos artigos 722 n. 2 e 729 ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil.<br> O que significa que está arredada a possibilidade de se dar como provado que ficou "acordado entre todos os intervenientes que a facturação aos clientes será levada a cabo pela Autora".<br> Tal, aliás, aparece desmentido pelos documentos juntos aos autos, porquanto, apesar de ter ficado clausulado no contrato em que foram outorgantes a A, a C e a D que a primeira seria "chefe do consórcio", consignou-se, também, que a "facturação ao cliente" seria "efectuada pela consociada D".<br> 5. Perante o complexo factual considerado assente pela Relação - que, assim, permanece inalterado -, nenhumas dúvidas se suscitam sobre a qualificação do contrato ajuizado como contrato de consórcio externo.<br> Neste capítulo, reina a unanimidade de pontos de vista.<br> É contrato de consórcio aquele "pelo qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas que exerçam uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte" (artigo 1 do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho).<br> O consórcio pode ser interno ou externo, consoante, nas relações estabelecidas com terceiros, os seus membros ocultam ou invocam essa qualidade.<br> Realmente, o consórcio diz-se externo - modalidade que aqui importa considerar -, "quando as actividades ou os bens são fornecidos directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, com expressa invocação dessa qualidade" (n. 2 do artigo 5 do citado DL).<br> No contrato de consórcio externo, frise-se, é obrigatória a designação de um dos seus membros como "chefe do consórcio", incumbindo a este o exercício das funções internas e externas que contratualmente lhe forem atribuídas (artigo 12 do mesmo Diploma).<br> De realçar, contudo, que, como resulta do artigo 14 desse Decreto-Lei, ao contrário do que ocorre com as funções internas, não há funções externas do chefe do consórcio atribuídas directamente pela lei.<br> As funções externas do chefe do consórcio são exercidas, isso sim, no uso de poderes representativos atribuídos mediante procuração dos membros do consórcio.<br> A procuração é, pois, um "acto jurídico separado e distinto do contrato de consórcio, embora ligado a ele", podendo, todavia, "materialmente", o contrato de consórcio e a procuração constar do mesmo documento<br> (cfr. Raul Ventura, "Primeiras Notas Sobre o Contrato de Consórcio, Rev. da O. dos Advogados, Ano 41, Setembro/Dezembro de 1981, página 672, e M. António Pita, "Contrato de Consórcio", Rev. de Dir. e Estudos<br> Sociais, XXX, n. 2, página 223).<br> Ora, na situação em apreço não foi alegada nem ficou provada a existência de poderes de representação, conferidos à Autora, mediante procuração dos membros do consórcio, para individualmente cobrar da Ré quaisquer importâncias.<br> 6. Defende a Autora, ainda, que, no contrato de consórcio vigora o regime de solidariedade activa, invocando, para tanto, o disposto no artigo 100 do Código Comercial. Daí que lhe assistisse o direito de reclamar da Ré, desacompanhada das demais consociadas, o montante de factura.<br> Sem razão, no entanto.<br> É que, desde logo, este normativo, ao prescrever que "nas obrigações comerciais os co-arguidos são solidários, salvo estipulação contrária", consagra apenas o regime-regra da solidariedade passiva. Mas já não o da solidariedade activa.<br> Nas obrigações comerciais, por conseguinte, diferentemente do que se verifica nas obrigações civis, se existiu pluralidade de sujeitos passivos, a regra é a solidariedade: cada um dos devedores responderá, ressalvada cláusula em contrário, pela totalidade da prestação.<br> E compreende-se que em comércio se haja adoptado como regra a solidariedade passiva, porque esta funciona em reforço do crédito que é essencial para a vida mercantil e que não pode existir nem desenvolver-se se não for particularmente protegido (cfr. Fernando Olavo,<br> "Direito Comercial", 1970, volume I, páginas 203/204).<br> 7. Simplesmente, ao invés do propugnado pela Autora, no contrato de consórcio não só não vigora o regime da solidariedade activa, como regra, como nem sequer rege o próprio princípio da solidariedade passiva.<br> Com efeito, com vista a afastar o preceituado no artigo 100 do Código Comercial, quando este pudesse ser aplicável no âmbito do contrato de consórcio, estabeleceu-se no artigo 19, ns. 1 e 2, do Decreto-Lei n. 231/81 que nas relações contratuais dos membros do consórcio externo com terceiros "não se presume solidariedade activa ou passiva" entre outros membros do consórcio.<br> 8. Em face do exposto, soçobrando as conclusões da alegação da Recorrente, nega-se provimento ao recurso.<br> Custas pela Recorrente.<br> Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça,<br> Francisco Lourenço.<br> 1. Juízo Cível do Porto - Processo n. 896/95<br> Tribunal da Relação do Porto - Processo n. 887/98 - 5.<br> Secção.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No tribunal judicial do Funchal, em 25 de Novembro de 1996, A. requereu a declaração de falência de B e mulher, C e de D.<br> Dispensando-se a citação dos requeridos, foi proferida sentença que declarou a requerida falência.<br> Os requeridos deduziram embargos, que foram julgados improcedentes por sentença de 26 de Janeiro de 1999.<br> Inconformados, apelaram os embargantes.<br> O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de folhas 358 e seguintes, datado de 16 de Março de 2000, julgando improcedente o recurso, confirmou aquela sentença.<br> Ainda não conformados, os embargantes recorreram de revista, em cuja alegação dizem ter a decisão recorrida violado o disposto nos artigos 1º, nºs 2 e 3, 20º, nº 4, e 126º do C.P.E.R.E.F. e 20º da Constituição, pois, além do mais, "a falta de citação inicial dos requeridos antes da sentença constitui nulidade, que foi arguida desde o momento em que os requeridos intervieram no processo, torna nulo todo o processado posterior a tal omissão (artigo 194º do Código de Processo Civil)".<br> O recorrido não contra-alegou.<br> Cumpre decidir.<br> A matéria de facto a ter em conta é a constante do acórdão da Relação, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto nos artigos 713º, nº 6, e 726º do Código de Processo Civil.<br> A primeira, e fulcral, questão a decidir consiste em saber se se justifica ou não a citação, ou a sua falta, dos requeridos para os termos da acção falimentar, pois se se concluir que os requeridos deviam ter sido citados, e como não o foram, a consequência é a nulidade de todo o processo, salvando-se apenas a petição inicial (artigo 194º - alínea a) do Código de Processo Civil).<br> Princípio basilar de todo o processo é o do contraditório.<br> Nos termos do nº 1 do artigo 3º do Código de Processo Civil, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.<br> E acrescenta o nº 2 do mesmo preceito que só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.<br> Face ao referido princípio há, pois, que averiguar se no caso concreto dos autos a lei consagra ou não alguma excepção.<br> O autor, ora recorrido, pediu que fosse decretada a falência dos réus, ora recorrentes e requereu, "pelos graves inconvenientes que se suscitariam ao decretar-se a sua audição, a não citação dos requeridos no início da presente acção, ao abrigo do nº 4 do artigo 20º do C.P.E.R.E.F.".<br> Tais inconvenientes, segundo alegou o autor, resultariam do facto de os requeridos não terem deduzido qualquer oposição a uma execução contra eles instaurada e de o requerido D ainda não ter sido citado nessa execução, ao que acresce ainda a razão de este requerido ser actualmente deputado do Parlamento Europeu.<br> Face a tal requerimento, foi proferido o seguinte despacho:<br> "Atentas as razões invocadas no requerimento inicial quanto aos inconvenientes resultantes da audição dos requeridos, não se ordena a sua citação - artigo 20º, nº 4 do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril".<br> Nos termos do artigo 20º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (C.P.E.R.E.F.), aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, o juiz, como regra, deve mandar citar o devedor. Consagra-se, porém, uma excepção. De harmonia com o nº 4 do referido artigo 20º, "o devedor só não é citado, no início da acção, se tiver sido requerida a declaração de falência e for considerada inconveniente a sua imediata audição".<br> Consagrará este normativo um poder discricionário do juiz, insindicável pelo tribunal hierarquicamente superior?<br> Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a resposta é negativa.<br> Numa acção tão importante como é a falimentar, não é razoável que o legislador tenha atribuído ao juiz o poder discricionário de dispensar a citação do devedor, retirando-lhe o direito de deduzir oposição ao pedido formulado pelo autor.<br> O juiz pode dispensar a citação do devedor, no início da acção. É, porém, obrigado por lei a referir os motivos por que considera inconveniente a sua imediata audição.<br> Efectivamente, de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 158º do Código de Processo Civil, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. E, acrescenta o nº 2 do mesmo artigo, a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.<br> Do texto da lei (artigo 20º, nº 4, do C.P.E.R.E.F.), "for considerada inconveniente a sua imediata audição", resulta com segurança que ao juiz não foi dado um poder discricionário para dispensar a citação do devedor. Tal dispensa só pode ser concedida se for considerada, fundamentalmente, inconveniente a sua audição.<br> Percebe-se que haja casos em que se verifique tal inconveniência. Basta considerar a hipótese de o devedor procurar desfazer-se, apressadamente, do seu património, o que inviabilizaria o pedido de declaração de falência.<br> Isto posto, vejamos o que sucedeu no caso dos autos.<br> Decidiu-se pela não citação dos devedores pelas razões invocadas no requerimento inicial.<br> Já se disse que a citação ou não citação do devedor numa acção falimentar não consubstancia um poder discricionário do juiz.<br> Resta, agora, ver se há ou não razões que justifiquem a não citação.<br> Quanto aos requeridos B e mulher o fundamento invocado e considerado consiste apenas no facto de eles não haverem deduzido qualquer oposição a uma execução instaurada pelo requerente.<br> Este motivo não constitui qualquer fundamento para ser dispensada a não citação dos requeridos para a presente acção falimentar. Se eles não deduziram oposição à falada execução é porque reconheceram o crédito de exequente. Simplesmente, ser devedor não é sinónimo de estar em situação de falência.<br> Relativamente ao requerido D foram invocados e considerados dois fundamentos: o não ter sido ainda citado na falada execução e ser deputado no Parlamento Europeu.<br> Tais fundamentos também não relevam para a sua não citação na presente acção.<br> Em primeiro lugar, desconhece-se a razão por que o requerido não foi ainda citado naquela execução.<br> Depois, o facto de este requerido ser deputado do Parlamento Europeu, se não lhe dá qualquer direito nos presentes autos, não o onera com qualquer dever especial.<br> Não há, pois, razão para ser considerada inconveniente a imediata audição dos requeridos nos autos falimentares.<br> Como se deixou dito, a falta de citação dos requeridos acarreta a nulidade de todo o processo, salvando-se apenas a petição inicial.<br> Nestes termos, concedendo-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e, com ele, a decisão da 1ª instância, e anula-se tudo o que se processou a partir da petição inicial da acção para a declaração de falência, baixando os autos ao tribunal de 1ª instância para ser ordenada a citação dos devedores.<br> Custas pelo recorrido.<br> <br> Lisboa, 13 de Dezembro de 2000.<br> <br> Tomé de Carvalho,<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, intentou a presente acção declarativa de condenação contra B, pedindo: (a) seja o Autor reconhecido como dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Rua ..., descrito no artigo 1º da p.i.; (b) seja decretada a caducidade do contrato de arrendamento do rés-do-chão do mesmo prédio; (c) seja ordenada a sua entrega imediata, livre de pessoas e bens; (d) seja a Ré condenada no pagamento de 300 escudos por cada dia de ocupação e até efectiva entrega.<br> Alegou, para tanto, e em síntese, que é dono e legítimo proprietário do referido prédio por o ter comprado aos anteriores proprietários e que estes haviam dado de arrendamento, por escrito particular, o rés-do-chão desse prédio à Ré para armazém de produtos agrícolas ou agro-pecuários e materiais de construção de utilização própria, contrato de arrendamento esse por si denunciado para o termo do prazo de renovação, por notificação judicial avulsa, não tendo a Ré procedido à entrega do espaço em causa na data devida.<br> Contestando, a Ré invocou erro na forma de processo, uma vez que, considerando o A. o contrato de arrendamento como já não existente, a forma processual a seguir seria a do processo comum e não os termos do artigo 55º do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, que se destinam a fazer cessar a situação jurídica de arrendamento. Mais alegou que a ocupação da loja em causa resultou de uma permuta, efectuada em 1992, entre a R. e o anterior proprietário da mesma, o qual, em 1988, lhe havia arrendado uma loja na Rua ..., em Tabuaço, e que, por necessitar de fazer obras no prédio onde esta se situava, propôs trocar esta loja pela ora em causa, o que a R. aceitou, do que retira que o arrendamento em causa remonta a 1988.<br> Mais alega que tomou de arrendamento a primitiva loja por a mesma ser imprescindível à exploração agro-pecuária que exerce em imóveis próprios, o que era do conhecimento do senhorio de então e que foi essa imprescindibilidade, também conhecida do posterior senhorio, que esteve na base da troca já referida.<br> No despacho saneador foi decidido considerar improcedente a nulidade resultante de erro na forma de processo e, inexistindo outras excepções ou questões prévias a apreciar, decidiu-se, em virtude de o estado da causa o permitir, a acção de mérito, dando-se total procedência ao pedido formulado pelo Autor - fls. 111 a 117.<br> Inconformada, apelou a Ré, tendo, porém o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 21-06-2000, julgado improcedente o recurso e confirmado a decisão recorrida - fls. 133 a 138.<br> Continuando inconformada, traz a Ré a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> <br> 1. Os documentos nºs 6 e 7, conjugados com os artºs 22º a 25º da contestação, sugerem ter havido um acordo da troca de uma loja por outra, uma loja arrendada em 1988.<br> 2. Quer aquando do contrato de 1988, quer aquando do contrato de 1992, foi combinado que, enquanto a Ré mantivesse no seu seio os seus sócios fundadores, que ainda mantém, as respectivas lojas nunca lhe seriam retiradas.<br> 3. Estamos em presença de 2 contratos inominados (atípicos) que serão de respeitar;<br> 4. E de cláusulas acessórias de uma relevância extraordinária como se vê do ac. da Relação de Évora, acima citado e sua fundamentação;<br> 5. E de liberdade de forma - artº 219º do C. Civil;<br> 6. E da liberdade negocial - artº 405º do C. Civil;<br> 7. O contrato de arrendamento remonta ao ano de 1988 (em 1992, a pedido do Senhorio, foi pedida a troca de um local por outro) o que a Ré aceitou de boa fé;<br> 8. E, sendo assim, a alínea e) do artº 5º da RAU não poderia ser aplicada a este caso controvertido nos autos por a isso se opor o princípio da irrectroactividade das leis consagrado no artº 12º do C. Civil - vide acórdão da Relação do Porto, de 4-5-95, in C.J., tomo III, pág. 198.<br> 9. O arrendamento versado nos autos destinou-se a fins de suporte de uma actividade comercial e industrial e, face ao artº 10º do C. Civil, sugere por analogia um tratamento semelhante ao da última parte da alínea e) do artº 5º em causa; vide também acórdão do T.R. Porto de 6 de Janeiro de 1994 acima melhor identificado.<br> 10. E também nos autos não se deixa de detectar uma inconstitucionalidade orgânica da dita alínea e) do artigo 5º da RAU, por desrespeito por parte do Governo do disposto na alínea h) do nº 1 do artº 168º da C. R., inconstitucionalidade que contrapomos.<br> 11. Os autos estão em condições de prosseguirem com sujeição ao despacho saneador e indagação da matéria de facto;<br> 12. Ou também de a acção vir a proceder em benefício da Ré face às regras de analogia e da constitucionalidade;<br> 13. O acórdão recorrido violou, além do mais, as seguintes disposições substantivas: artºs 219º, 405º, 10º e 12º do C. Civil, alínea e) do artº 5º da RAU e artº 168º, nº 1, alínea h) da C.R.<br> 14. E por isso deverá ser revogado e substituído por outro para os fins já consignados e para que a Justiça seja reposta.<br> <br> Notificado, o A./Recorrido não contra-alegou.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>São os seguintes os factos que, no saneador, foram dados como provados:<br> 1. O A. é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano sito na R...., em Tabuaço, composto de casa de rés-do-chão sem divisões, primeiro andar com 7 divisões e águas furtadas com 4 divisões, com a superfície coberta de 132 metros quadrados, a confrontar de norte com a R...., do nascente e sul com C e do poente com D, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 350 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tabuaço sob o nº 00140/290389 e inscrito a favor do A. pela inscrição G3 de 24-09-97 - doc. de fls. 9 a 12 dos autos.<br> 2. Este prédio veio à posse do A. por compra efectuada a E e mulher, F, titulada por escritura pública outorgada em 23-01-95 no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira - doc. de fls. 13 a 15 dos autos.<br> 3. Por escrito celebrado em 2 de Outubro de 1992 os anteriores proprietários deram de arrendamento à R. a loja sita no rés-do-chão do prédio identificado em 1), pelo prazo de uma ano, com início naquele dia e pela renda mensal de 1000 escudos que, por força das sucessivas actualizações anuais, se cifrava à data da propositura da acção, em 1190 escudos - doc. de fls. 16 dos autos e acordo.<br> 4. O objecto do arrendamento era a armazenagem de produtos agrícolas ou agro-pecuários e materiais de construção de utilização própria - doc. de fls. 16 dos autos.<br> 5. Em 10 de Julho de 1997, por notificação judicial avulsa, cujos termos correram por este Tribunal, o A. notificou a R., na pessoa do seu sócio-gerente - G, denunciando o contrato de arrendamento para o termo do prazo de renovação - 2 de Outubro de 1997 - e para que se procedesse à entrega da referida loja, bem como da respectiva chave, devoluta de pessoas e bens - doc. de fls. 17 a 19 dos autos.<br> 6. Por escrito datado de 2 de Outubro de 1992 a R. declara resolvido o contrato de arrendamento relativo a um armazém sito na Rua ...... e que faz parte do prédio inscrito na respectiva matriz sob o nº 363 da freguesia de Tabuaço pelo que o entrega livre e devoluto ao senhorio, declarando este que aceita a resolução - doc. de fls. 47 dos autos.<br> 7. A R., por intermédio dos seus mandatários, dirigiu ao A. a carta cuja cópia se junta a fls. 49 dos autos.<div>III</div>1 - Consideraram as instâncias que, ao arrendamento da loja sita no rés-do-chão a que se referem os presentes autos, destinada a armazenagem de produtos agrícolas ou agro-pecuários e materiais de construção de utilização própria - cfr. facto 4º e documento de fls. 16 -, se aplica o regime da liberdade de denúncia pelo senhorio, findo o prazo do contrato ou da respectiva renovação, tudo de harmonia com o artigo 5º, nº 2, alínea e) do Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.) e com o artigo 1055º do Código Civil.<br> Em conformidade com esse entendimento, que, diga-se, desde já, merece a nossa concordância, foi decretada, no Saneador, a caducidade do contrato de arrendamento, mais se condenando a Ré na entrega imediata, livre de pessoas e bens, do referido rés-do-chão.<br> Discorda a Ré que, no essencial, suscita, nas conclusões, as seguintes questões essenciais:<br> a) o contrato de arrendamento remontaria ao ano de 1988, pelo que o citado artigo 5º, nº 2, alínea e), não se aplicaria à situação controvertida, uma vez que o R.A.U. foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro;<br> b) o arrendamento dos autos destinou-se a fins de suporte de uma actividade comercial e industrial, pelo que, em face do disposto pelo artigo 10º do C. C., lhe deveria ser aplicada, por analogia, a ressalva constante da parte final da referida alínea e) do nº 2 do artigo 5º do R.A.U.;<br> c) a referida alínea e) do nº 2 do artigo 5º estaria ferida por uma inconstitucionalidade orgânica, por alegado desrespeito do disposto na alínea h) do nº 1 do artigo 168º da C.R.P.<br> <br> A solução das questões acabadas de enunciar nas alíneas a) e b) passa pela interpretação e pela aplicação ao caso dos autos da norma da mencionada alínea e) do nº 2 do artigo 5º do R.A.U.<br> Nestes termos, depois da interpretação do citado normativo e da realização de uma breve incursão em redor da problemática da aplicação das leis no tempo, e uma vez solucionada a questão ora em equação, terminar-se-á com uma breve referência à (insólita) questão da inconstitucionalidade orgânica, agora invocada pela Recorrente.<br> Vejamos, pois, pela ordem enunciada.<br> 2 - O artigo 5º do R.A.U. prescreve o seguinte, na parte que ora releva, em face da economia do presente recurso:<br> 1 - O arrendamento urbano rege-se pelo disposto no presente diploma e, no que não esteja em oposição com este, pelo regime geral da locação civil.<br> 2 - Exceptuam-se:<br> (...)<br> e) Os arrendamentos de espaços não habitáveis, para afixação de publicidade, armazenagem, parqueamento de viaturas ou outros fins limitados, especificados no contrato, salvo quando realizados em conjunto com arrendamentos de locais aptos para habitação ou para o exercício do comércio.<br> (...).<br> 2.1. - Anotando o presente artigo, escreve Aragão Seia ( ) Cfr. "Arrendamento Urbano", 5ª edição, Almedina, 2000, págs. 153 e segs.): <br> "Espaços não habitáveis são aqueles em que não é possível estabelecer habitação: uma parede, um telhado , um terraço, uma varanda, um armazém, uma garagem, um lugar para estacionamento de carro, etc".<br> Ou, como refere Menezes Cordeiro ( ) Cfr. "Revista da Ordem dos Advogados", 54, pág. 848, em anotação ao Ac. da Relação de Lisboa de 31-05-83, sumariado no B.M.J., nº 335, pág. 329.), "o espaço não habitável é, antes de mais, aquele que não é tratado pelas partes em termos e habitação (...). A lei vigente permite, pois, às partes, através da estipulação de "fins limitados" para o arrendamento, regressar ao esquema puro da locação, como hipótese, designadamente, de livre denúncia pelo senhorio. Os "fins limitados" serão todos aqueles que não possam reconduzir-se aos fins habitacionais ou comerciais que informam o arrendamento comum ( ) Tal será, segundo Menezes Cordeiro, o caso dum arrendamento feito a um partido político, para o exercício da sua actividade. O senhorio de um partido político pode, assim, denunciar o arrendamento nos termos gerais do artigo 1055º do CC.<br> O conteúdo do conceito de "fins limitados" é questão controvertida na doutrina. Assim, enquanto Pinto Furtado ("Manual do Arrendamento Urbano", 2ª ed., pág. 143) entende que na alínea e) estão ressalvados apenas os "fins limitados" aí exemplificados, ou seja, os arrendamentos de espaços não habitáveis que se destinem à afixação de painéis de publicidade, ao estacionamento de viaturas ou a armazenagem - e quer tenham, ainda, quer não tenham um fim comercial ou industrial, de exercício de profissão liberal ou outro, já Carneiro da Frada é de parecer que a ratio do artº 5º, nº 2, al. e), abarca certamente todos os arrendamentos de fins limitados, na multiplicidade e variedade das suas manifestações ("O Novo Regime da Arrendamento Urbano: Sistematização Geral e Âmbito Material de Aplicação", Revista da Ordem dos Advogados, 51, pág. 169)).<br> Fins limitados são, segundo Aragão Seia, os que, com limitação especificada no contrato, não consubstanciam os habituais fins do normal arrendamento para habitação ou para o exercício do comércio, indústria ou profissões liberais.<br> <br> 2.2. - Debruçando-nos agora sobre a ressalva final constante da referida alínea e) do nº 2 do artigo 5º - "salvo quando realizados em conjunto com arrendamentos de locais aptos para habitação ou para o exercício do comércio" -, cumpre reconhecer que, tal segmento também não é passível de interpretação linear.<br> Como salienta Pereira Coelho, trata-se de um enunciado obscuro, que tem suscitado dúvidas na doutrina e certamente as suscitará na jurisprudência. A doutrina tem entendido que, apesar de tal ressalva abranger apenas, literalmente, os arrendamentos de espaços não habitáveis realizados em conjunto com arrendamentos de locais aptos para habitação ou para o exercício do comércio, a mesma solução valerá quando o arrendamento daqueles espaços seja realizado em conjunto com o de locais aptos para o exercício de indústria ou profissão liberal. Este é também o entendimento de Pereira Coelho, uma vez que o regime do arrendamento "para comércio ou indústria" é um só, sem que a lei atribua relevância ao facto de a actividade do arrendatário ser comercial ou industrial. Por outro lado, as normas sobre arrendamento para comércio ou indústria são aplicáveis ao arrendamento para exercício de profissão liberal - cfr. o artigo 121º do R.A.U. Vai mesmo mais longe e entende que o regime geral do RAU também deve valer para os arrendamentos de espaços não habitáveis realizados em conjunto com arrendamentos de locais aptos para outros fins. Assim, se o princípio da renovação obrigatória - para nos cingirmos ao aspecto fundamental da questão vale para estes arrendamentos, também deve valer para os arrendamentos de espaços não habitáveis realizados em conjunto com eles ( ) Cfr. "Revista de Legislação e de Jurisprudência", Ano 125º, págs. 261 e 263..<br> <br> 2.3. - Em conjunto não pretende significar o mesmo momento temporal, mas sim uma acessoriedade que pode acontecer em momentos distintos, desde que passe a integrar o mesmo todo.<br> Tem sido discutida na doutrina a eventual natureza interpretativa da alínea e), ora em referência. Compreende-se facilmente o alcance prático da questão, tendo presente o disposto pelo artigo 13º do Código Civil, nos termos do qual a lei interpretativa se integra na lei interpretada, aplicando-se, por isso, imediatamente às situação jurídicas já constituídas.<br> Não acompanhamos, porém, esse entendimento, uma vez que consideramos que a referida norma tem carácter inovador.<br> Isso não impede, no entanto, a sua aplicação aos contratos já existentes à data da sua entrada em vigor, por força do disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 12º do C. Civil, uma vez que, dispondo directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.<br> Em face da problemática em apreço, justifica-se, no entanto, que procedamos a uma incursão de contornos teóricos, com vista à dilucidação da matéria da aplicação da lei no tempo.<br> <br> 3 - Discorrendo acerca do assunto, escreve Baptista Machado:<br> "Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis" ( ) Ob. cit., pág. 230.<br> Veja-se também, acerca da problemática do "direito transitório", Oliveira Ascensão, loc.cit., págs. 416 e segs.).<br> Os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma lei nova podem, ao menos em parte, ser directamente resolvidos por essa mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas "disposições transitórias".<br> No entanto, a maior parte das vezes ou para a grande maioria dos casos o legislador nada diz em especial sobre a lei aplicável a situações em que se suscita um problema de conflitos de lei no tempo. Deverá então o intérprete socorrer-se dos princípios vertidos no artigo 12º do Código Civil.<br> Como escreve Menezes Cordeiro, ( ) "Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias", "Cadernos de Ciência de Legislação", INA, nº 7, Abril - Junho de 1993, pág. 7 e seguintes, maxime, págs. 20 e 22.), o direito transitório formal dispõe hoje de um regime geral, inserido no artigo 12º do Código Civil, preceito que funciona "como uma autêntica bitola profunda da ordem jurídica, dando uma medida de valor que se deve ter sempre em conta".<br> <br> 3.1. - Prescrevendo acerca da aplicação das leis no tempo, dispõe o artigo 12º do Código Civil:<br> <br> 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.<br> 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.<br> Do preceito reproduzido ressaltam dois princípios: o da não retroactividade da lei () Mas é sabido que o princípio da irretroactividade da lei não é absoluto, não tendo, de há muito, assento constitucional entre nós.<br> A aplicação retroactiva da lei penal mais favorável está mesmo consagrada no artigo 29º, nº 4, da CRP e no artigo 2º do Código Penal. O nº 1 do artigo 12º do Código Civil admitiu igualmente, como se viu, a eficácia retroactiva de lei, quando dela claramente resulte.<br> Acontece, por outro lado, que a determinação do que seja eficácia retroactiva não é questão pacífica.) e o da sua aplicação imediata.<br> A lei nova, em princípio, só tem eficácia para o futuro, pelo que, como regra, apresenta eficácia prospectiva, constituindo excepção os casos de eficácia retroactiva. O fundamento do princípio da não retroactividade é geralmente encontrado na necessidade de segurança jurídica, na protecção da confiança, na estabilidade do direito, podendo também encontrar apoio na ideia de que a lei só é obrigatória depois de regularmente elaborada e publicada.<br> "Destruir o passado, fazer com que aquilo que existiu não tenha existido, é feito que, manifestamente, ultrapassa em muito as forças do homem" () E. Pires da Cruz, "Da aplicação das leis no tempo", 1940, págs. 200 e segs.).<br> Para o princípio da aplicação imediata da lei nova também se invocam vários fundamentos. Desde o império que dimana da lei nova, como a única vigente no momento da aplicação, passando pela superioridade das leis novas sobre as leis antigas (pelo progresso que, em princípio, revelam), pelo facto de a lei apenas proteger no presente os direitos dos indivíduos, de modo algum os garantindo no futuro, até à razão, decisiva para Paul Roubier, da unidade da legislação num dado país, sob pena de tudo se saldar numa confusão inextricável nas relações jurídicas () "Le Droit transitoire", Dalloz e Sirey, 1960, 2ª edição, pág. 223.).<br> Os grandes escolhos na aplicação das leis que se sucedem no tempo levantam-se nos casos de situações jurídicas duradouras, que perduram, de "trato sucessivo", como lhes chama A. Rodrigues Queiró () "Lições de Direito Administrativo", Coimbra, 1976, vol. I, págs.516 e segs.).<br> Escreve, a esse propósito, Galvão Telles:<br> "Sucede porém que a lei nova não raro encontra diante de si situações da vida, relações sociais, que vêm já do passado, nele lançam as suas raízes. Isto pode pôr limites e condições à imediata aplicação da lei publicada, a fim de que se não perturbe a necessária estabilidade daquelas situações ou relações. Daí a possível sobrevivência do Direito anterior, que se prolonga na sua aplicação mesmo para além do momento em que foi revogado.<br> "É o problema extremamente difícil do Direito intertemporal, ou da aplicação da lei no tempo, problema que consiste em saber, publicadas sucessivamente duas leis a segunda das quais revoga a primeira, qual delas é a que se aplica às situações que se colocam por assim dizer na fronteira temporal entre as duas" () "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1988, vol. I, pág. 209.).<br> <br> 3.2. - Vejamos qual o entendimento que resulta, para tais situações, do disposto no nº 2 do artigo 12º do Código Civil.<br> Nesse nº 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor)... .<br> Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela nova lei, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência da unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações duradouras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito abrogada; por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos" () Veja-se também BAPTISTA MACHADO, págs. 233 e segs. Para maiores desenvolvimentos, cfr., do mesmo autor, "Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil", Livraria Almedina, Coimbra, 1968, págs. 95 e segs.).<br> <br> 4 - É evidente o alcance das considerações oportunamente formuladas nos pontos 2 e 3 para a solução do caso sub judice.<br> Na verdade, a Recorrente alega, por um lado, que o arrendamento já vinha de 1988, aplicando-se-lhe o regime então em vigor do Código Civil, que apenas excluía da proibição de denúncia as quatro situações previstas no nº 2 do artigo 1083º, que não abrangia o caso dos autos, isto é, a hipótese aditada pela alínea e) do nº 2 do artigo 5º do RAU.<br> Por outro lado, a Recorrente pretende ainda, socorrendo-se da analogia, estender ao caso dos autos a situação excepcional prevista na ressalva final da referida alínea e).<br> <br> 4.1. - Assim, e quanto à primeira questão.<br> Mesmo que se aceitasse que o contrato de arrendamento remonta ao ano de 1988, sempre tal alegação se revelaria irrelevante para a solução jurídica do caso sub judice.<br> Na verdade, como já se disse, o regime aplicável a este arrendamento é o da liberdade de denúncia pelo senhorio, uma vez findo o prazo do contrato ou da respectiva renovação, nos termos do artigo 1055º do C. Civil.<br> Assim, ainda que o contrato de arrendamento dos autos fosse anterior à data de entrada em vigor do RAU (cfr. o artigo 2º do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro), o que sempre estaria longe de se poder retirar, com segurança, da matéria de facto alegada pela Ré/Recorrente, ainda assim tal se revelaria irrelevante, uma vez que sempre seria de aplicar ao caso o princípio da liberdade de denúncia pelo senhorio inscrito no artigo 5º, nº 2, alínea e), do RAU e do artigo 1055º do C. Civil.<br> Isto porque, como já se explicou com cópia de detalhes, a referida norma da alínea e) do nº 2 do artigo 5º, não obstante o seu carácter inovador, é imediatamente aplicável às relações jurídicas já constituídas, nos termos do nº 2 do artigo 12º do C. Civil.<br> Só assim não seria se o contrato em causa tivesse sido realizado "em conjunto com arrendamento de locais para habitação ou para exercício do comércio", podendo aditar-se, em face do entendimento doutrinário acima exposto: "ou para o exercício da indústria ou profissão liberal".<br> Mas não é esse o caso. Não resultando das alegações das partes que, nem antes nem depois, ou em conjunto, com a celebração deste contrato, fora celebrado qualquer outro para qualquer daqueles enunciados fins, é de concluir que se está perante um contrato autónomo de espaço não habitável.<br> Refira-se, a propósito, que os arestos citados pela Recorrente não se referem a situações idênticas ou similares à dos presentes autos, sendo inteiramente incorrecto e falho de rigor jurídico pretender - de tais situações - extrair consequências com recurso à analogia, de todo improcedente, in casu.<br> Não há, na celebração deste contrato dos autos, qualquer ligação a outro contrato, a partir do qual fosse possível derivar para o regime jurídico dos arrendamentos vinculísticos, ao abrigo do RAU. É que, em face do alegado pela Ré, nem o anterior contrato (de 1988) poderia alguma vez ser subsumível à ressalva final da alínea e) do nº 2 do artigo 5º do RAU.<br> Trata-se, com efeito, da celebração de um contrato autónomo, cujo objecto é destinado a armazém de produtos agrícolas ou agro-pecuários e materiais de construção de utilização própria. E nem sequer se alegou que tal arrendamento tenha sido realizado em conjunto com arrendamentos de locais aptos para habitação ou para o exercício dos demais fins já referidos.<br> Cai-se assim na órbita de aplicação do preceituado pela referida alínea e) do nº 2 do artigo 5º. Ora, em face do disposto no artigo 6º, nº 1, do RAU, aos arrendamentos urbanos referidos naquela alínea e) aplica-se o regime geral da locação civil, sendo aqui especialmente convocável o disposto no artigo 1055º do C. Civil.<br> Sendo o contrato em causa livremente denunciável, e tendo a denúncia sido feita tempestivamente, nos termos dos artigos 1054º e 1055º do C.Civil, é a mesma válida e eficaz.<br> Improcedem, assim, as conclusões 8ª e 9ª, não assistindo qualquer relevo concreto ou significado prático às conclusões 1ª a 7ª.<br> <br> 5 - Levanta, por fim, a Recorrente, em desespero de causa, a questão de uma eventual inconstitucionalidade orgânica da alínea e) do artigo 5º do RAU (sic).<br> Sem qualquer razão, porém.<br> O Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, tendo por objecto matérias incluídas na área da reserva relativa de competência da Assembleia da República (artigo 165º, nº 1, alínea h), da CRP, após a revisão constitucional de 1997), foi publicado na sequência do necessário procedimento de credenciação e da obtenção da adequada autorização legislativa, concedida pela Lei nº 42/90, de 10 de Agosto.<br> Nada diz a Recorrente de relevante acerca da questão suscitada, nas presentes alegações de recurso. Faz, isso sim, afirmações assaz emaranhadas, estabelecendo confusões, que se lamentam, entre referências a uma eventual - mas inexistente - inconstitucionalidade orgânica e o ataque a um disposição concreta de lei, sem que lhe aponte, porém, qualquer vício de desconformidade material com o texto constitucional.<br> Improcedem, pois, as restantes conclusões, não tendo ocorrido a violação dos normativos legais citados.<br> Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br> Custas pela Recorrente.<br> Lisboa, 3 de Abril de 2001.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No 14 Juízo Cível da Comarca de Lisboa, o Dr. A, alegando ser arrendatário de um gabinete de escritório de advogados, sito em Lisboa, requereu contra os senhorios Doutores, B e C, procedimento cautelar de restituição provisória de posse, visto o terem impedido de entrar no gabinete locado, recusando-lhe a entrega nova chave do mesmo, após terem substituído a respectiva fechadura, o que obsta ao livre acesso do requerente ao seu local de trabalho.<br> Face à prova que considerou apurada, o Meritíssimo Juiz da 1 instância julgou procedente a providência, ordenando que o requerente fosse restituído à posse do referido gabinete, através da entrega pelos requeridos de uma chave da nova fechadura do aludido escritório.<br> Desta decisão agravaram os requeridos, mas a Relação negou provimento ao recurso.<br> Continuando inconformados, os requeridos voltaram a recorrer, agora para este Supremo Tribunal.<br> Na sua alegação de recurso, concluem em essência o seguinte:<br> 1 - Para obter a restituição de posse, o requerente da providência tem de alegar e provar factos que constituam a posse da coisa, o esbulho e a privação da posse por meio de violência e pedir a entrega de coisa concreta, individualizada; ora no caso "sub índice" o requerente não alegou nem provou factos demonstrativos da posse sobre o escritório onde os recorrentes exercem advocacia, mas apenas sobre um gabinete.<br> 2 - Deu-se como provado que os doutores B e D se obrigaram a proporcionar o gozo temporário e renovável de 5 gabinetes a outros tantos advogados, entre os quais o recorrido, sendo certo que este não articulou tal matéria.<br> 3 - Dizer que alguém ocupa ou passou a exercer uma actividade profissional num gabinete mediante certa retribuição, não é o mesmo que dizer que alguém se obriga a proporcionar a outrém o gozo temporário e renovável de um gabinete mediante retribuição.<br> 4 - A mera mudança da fechadura de uma das portas de acesso a um escritório de vários advogados, não se demonstrando que tenha sido efectuada para obstar à entrada do recorrido, que continuou com acesso, embora não livre, e operando-se sem o uso da força, e sem coacção física ou moral, não pode, segundo a experiência comum, considerar-se um acto violento.<br> 5 - Não é violenta a posse que começa sem coacção física ou moral sobre o antigo possuidor, como aconteceu no caso "sub índice".<br> 6 - O requerente pediu que fosse provisoriamente restituído à posse do escritório, mas não o identificou nem demonstrou qualquer direito exclusivo sobre ele, pelo que a sentença confirmada pelo acórdão recorrido, não podia condenar que o requerido fosse restituído provisoriamente à posse do seu gabinete, coisa que ele não pediu.<br> 7 - Porque o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1251, 1257, 1259, 1279 e 1261, n. 2, do Código Civil e 393, 394, 467 e 664 do Código d Processo Civil, deve ser revogado e substituído por outro em que se absolvam os recorrentes do pedido.<br> O recorrido não contra-alegou.<br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> A Relação confirmou os factos que a primeira instância deu como provados, não obstante a oposição dos recorrentes. Essa factualidade é a que se passa a descrever.<br> - Em 1974, o requerido Dr. B e o Dr. D tomaram de arrendamento o 5 andar direito do prédio urbano situado em Lisboa o qual se destinava a escritório forense.<br> - A partir de então os Doutores B e D obrigaram-se a proporcionar o gozo, mediante retribuição temporária e renovável dos cinco gabinetes daquele andar, a outros tantos advogados, entre os quais o requerente.<br> - A retribuição paga pelo requerente é constituída por uma quantia fixa e uma comparticipação variável nas despesas do escritório.<br> - O requerente, desde então (1976), passou a exercer a sua profissão de advogado, de forma permanente e ininterrupta, num dos referidos gabinetes.<br> - Para esse efeito, o requerente tinha em seu poder, desde então, uma chave do seu gabinete, uma chave de acesso ao escritório sito no referido 5 andar, direito e uma outra da porta do prédio.<br> - Em 23 de Novembro de 1983, os Doutores, B e D adquiriram, em compropriedade, o aludido 5 andar direito.<br> - Passando o requerente e os restantes quatro advogados a liquidar a retribuição fixa e a comparticipação nas despesas.<br> - Em 1988, a quota parte do Dr. D no andar, foi transferida para o recorrente Dr. C.<br> - Em princípios de Abril de 1992 os requeridos mudaram a fechadura da porta de acesso ao 5 andar direito, referido, (escritório), recusando-se a entregar ao requerente um exemplar da nova chave.<br> - Por virtude disso, o requerente ficou privado do livre acesso ao seu gabinete de trabalho.<br> - Nesse gabinete tem o requerente, pelo menos, livros de trabalho e legislação.<br> Os recorrentes insurgem-se contra esta factualidade dizendo que ela contem factos que não foram alegados nem provados. Mais concreta e fundamentalmente, alegam eles, que limitando-se o requerente a articular que ocupou e passou a exercer uma actividade profissional num gabinete, mediante certa retribuição, não pode dar-se como provado que eles requeridos se obrigaram a proporcionar-lhe o gozo temporário desse gabinete, mediante retribuição. O que constitui a violação do disposto no artigo 664 do Código de Processo Civil, porque o julgador, para decidir, só pode socorrer-se de factos articulados pelas partes.<br> Mas esta crítica pode ser considerada? Repara-se que o n. 2 do artigo 729 do Código de Processo Civil, refere que a decisão da 2 instância quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n. 2 do artigo 722 do mesmo Código. De harmonia com este preceito, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br> Manifestamente que a invocação, feita pelos recorrentes, de violação do disposto nos artigos 467 e 664 do Código de Processo Civil na previsão do citado n. 2, do artigo 722. Mas esta conclusão não pode levar a que se dê este assunto por encerrado. A questão decorrente do preceituado nos referidos artigos 729, n. 2 e 722, n. 2, pressupõe que se trata de factos de que o tribunal se podia servir para proferir a decisão.<br> Portanto, a apontada falta constituiria uma nulidade prevista na 2 parte da alínea d), do n. 1, do artigo 668, com referência aos artigos 716, 726 e 731, n. 1, todos do Código de Processo Civil, na medida em que o acórdão recorrido conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento. Mas será assim? Responde-se negativamente.<br> O recorrido ao formular a petição inicial, não deixou inocentemente de fora, os recorrentes. Para além desse requerimento ser dirigido contra eles, articulou que foi um deles e o antecessor do outro que, na qualidade de arrendatários, lhe cederam o gabinete esbulhado, mediante retribuição. Ora o Juiz, e voltando de novo ao preceituado no artigo 664 do Código de Processo Civil, não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Assim julga-se correcto que, a partir dos factos articulados no requerimento inicial, se possa ter concluído, após produção de prova testemunhal, que tal cedência dos arrendatários tenha constituído um subarrendamento, agindo os recorrentes, digo, os cedentes como sublocadores.<br> Não houve, portanto, violação do disposto no artigo 664 do Código de Processo Civil.<br> Face ao exposto tem de aceitar-se que o recorrido tinha a posse de um gabinete num escritório de advogados, devidamente identificado. E, ainda, que foi impedido de entrar nesse gabinete pelos recorrentes, por terem mudado a fechadura da porta de entrada desse escritório e não lhe darem um exemplar da nova chave.<br> Entendem os recorrentes que, mesmo com esta factualidade não se devia ter ordenado a questionada restituição provisória de posse, por ausência do elemento esbulho violento.<br> É pacífico que a restituição provisória de posse tem lugar quando haja posse, seguida de esbulho, com violência (V. artigos 393 e 394 do Código de Processo Civil). Por conseguinte, discute-se agora, se a conduta dos recorrentes integra o conceito legal de esbulho violento, também prevista no artigo 1279 do Código Civil. Perante o que dispõe o n. 2 do artigo 1261, também do Código Civil, todos estão de acordo de que existe violência, quando o novo possuidor usou de coacção física ou moral. Quanto a esta última, atenta a definição constante do artigo 255, ainda do Código Civil, "in casu", não se põe o problema da sua existência. No que toca à verificaação da violência física, por causa da mudança da fechadura, a doutrina concretamente pouco ajuda e a jurisprudência tem tido decisões divergentes.<br> Segundo o sumário do acórdão da Relação do Porto de 20 de Abril de 1982, publicado no Boletim do Ministério de Justiça n. 316, página 275, constitui violência, para o efeito de privação da posse, a mudança da fechadura da única porta de acesso ao prédio, com recusa de entrega de uma chave da nova fechadura.<br> No mesmo sentido os acórdãos da Relação de Lisboa de 10 de Julho de 1979 e de 27 de Julho de 1979, publicados na colectânea de Jurisprudência, ano IV, respectivamente a página 1169 e 1198, bem com os referidos no acórdão recorrido.<br> Fundamentalmente, pensa-se que os citados acórdãos partem do princípio de que há o emprego da força física, sobre a coisa (porta) que faz obstáculo ao esbulho.<br> Diferentemente desta jurisprudência da 2 instância, este Supremo Tribunal tem julgado o contrário.<br> Segundo o acórdão de 15 de Março de 1983 (in Boletim do Ministério de Justiça n. 325, página 578) mesmo que a entrada numa casa se tenha verificado por meio de arrombamento, não se encontrando nela qualquer pessoa, inexiste coacção física ou moral necessária à configuração de violência. E ainda que se admitisse equivaler o arrombamento à violência, esta cessa logo que a casa é ocupada.<br> No mesmo sentido de que não há violência quando se ocupe uma coisa, mesmo com danos, sem que nela esteja o anterior possuidor, pode ver-se o acórdão de 2 de Maio de 1978, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n. 277, página 168.<br> Também o acórdão de 13 de Novembro de 1984 (in Boletim do Ministério de Justiça n. 341, página 401) julgou que a mudança da fechadura de uma porta para impedir a entrada de alguém, não objectiva o requisito violência.<br> Então, face a esta divergência, porque corrente se deve de optar?<br> Já acima se referiu que há posse violenta quando ela é obtida através de coacção física. E aceita-se que o resultado dessa coacção se possa verificada tanto em pessoas como em coisas. Mas é em relação ao uso da força contra às coisas, que surge a divergência em análise. Entendem uns que o emprego da força sobre as coisas que fazem obstáculo ao esbulho, tornam-no sempre violento, mesmo que a pessoa desapossada não esteja presente. Outros julgam indispensável essa presença.<br> Inclinamo-nos para esta última posição. Na verdade, o conceito comum de violência define-se como o constrangimento exercido sobre uma pessoa para a obrigar a fazer ou deixar de fazer um acto qualquer.<br> Portanto e de acordo com o exposto, se uma pessoa não está presente quando mudam a fechadura da porta de acesso ao local que lhe foi arrendado, sem o seu conhecimento ou autorização, não pode dizer-se que ela esteja a ser constrangida ou ameaçada fisicamente.<br> Mesmo de forma indirecta não pode considerar-se que se processa qualquer coacção física contra o desapossado.<br> Tanto assim que este para defender a sua posse ou recuperá-la, pode tornar a mudar a fechadura, sem chegar a haver qualquer confronto físico com o esbulhador. O que se força a ideia de que consumada a ocupação, sem estar presente o esbulhado, termina a coacção física sobre as coisas, se ela foi necessária.<br> Deste modo e dando razão ao voto de vencido expresso no acórdão da 2 instância, temos de julgar que, no caso "sub índice", não houve esbulho violento, pelo que não devia ordenar-se a questionada restituição provisória de posse a favor do recorrido.<br> Termos em que se decide, conceder provimento ao agravo, revogar o acórdão recorrido e, em sua substituição julgar improcedente a providência em causa, porque o requerente não provou a existência de esbulho violento.<br> Custas em todas as instâncias e a deste recurso a cargo do recorrido.<br> Lisboa, 29 de Setembro de 1993.<br> Pais de Sousa;<br> Santos Monteiro;<br> Pereira Cardigos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: <br> <br> "A" propôs contra B acção a fim de se o condenar, por incumprimento do contrato de utilização de um cavalo de alta competição, denominado <b>Nacar de Tupot</b>, e sua revogação sem justa causa, a lhe pagar a indemnização de 6.297.000$00, acrescida de juros de mora desde a citação.<br> Contestando, o réu excepcionou o cumprimento defeituoso do contrato, a mora e perda de interesse, o incumprimento - como causas justificativas para a revogação (unilateral) - e a alteração anormal das circunstâncias, e impugnou.<br> Após réplica, prosseguiu o processo até final, tendo improcedido a acção (por o autor não ter provado os danos).<br> Apelou o autor tendo a Relação revogado a sentença e condenado o réu a lhe pagar a indemnização, a liquidar em execução de sentença, relativa ao incumprimento do contrato no respeitante à não repartição dos lucros pela utilização do cavalo como garanhão e pelo impedimento, por facto ao réu imputável, da sua participação em diversos concursos em que estava inscrito.<br> Pediu revista o réu, por entender que foram violadas as normas dos arts. 798 CC e 661 n. 2 CPC, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br> - sobre o autor recaía o ónus de prova do prejuízo efectivo e não o satisfez; com efeito,<br> - a resposta ao quesito 6º é clara no sentido de não se ter provado o valor de cada cobrição,<br> - e a resposta ao quesito 9º (face à conduta do réu, o autor não participou em concursos desportivos, deixando de ganhar 200.000 FF) também foi a de "não provado",<br> - ou seja, em sede de julgamento, não ficou provada a existência de prejuízos nem os montantes ou critérios para definir tais valores,<br> - e não é possível, em execução de sentença, apurar a verificação de um pressuposto fundamental da responsabilidade contratual (a existência de um prejuízo).<br> Contraalegando, defendeu o autor a confirmação do acórdão.<br> Colhidos os vistos.<br> Matéria de facto que as instâncias deram como provada -<br> a) - em 85.02.05, autor e réu celebraram entre si um contrato para utilização de um cavalo de alta competição, denominado Nacar de Tupot, nos termos do documento de fls. 32 a 33, de que ressaltam as cláusulas das alíneas seguintes:<br> o objectivo do contrato era a rentabilização do cavalo através de uma maior projecção nacional e internacional, a repercutir-se quer ao nível genético, quer ao nível da valorização comercial - cl. 3;<br> todos os lucros emergentes da execução do contrato pelo autor seriam divididos, em partes iguais, pelo autor, como utilizador, e pelo réu, como proprietário - cl. 5 al. c); assim, seriam divididos pelo autor e pelo réu os prémios obtidos em provas desportivas, os lucros obtidos na utilização do cavalo como garanhão, e no caso de ser vendido o cavalo, seria dividida a parte correspondente à valorização do cavalo, ou seja a diferença entre o valor atribuído ao cavalo no acto da celebração do contrato e o valor da venda - cl. 5 als. c) e d);<br> no acto da celebração do contrato foi atribuído ao cavalo o valor comercial de 170.000 francos franceses - cl. 1;<br> b) - o autor desde 1985 teve sempre o cavalo consigo, com excepção de pequenos períodos em que era entregue ao réu para fazer a cobrição das éguas deste;<br> c) - o autor utilizava o cavalo em competições internacionais;<br> d) - em 87.10.07, o autor conseguiu que o cavalo fosse aceite como garanhão junto ao Haras da Circunscrição de Saint-Lo, do Ministério da Agricultura de França;<br> e) - o réu remeteu ao autor a carta que constitui o documento de fls. 18;<br> f) - logo a seguir o réu passou a inscrever o cavalo em concursos hípicos e fê-lo montar por cavaleiros por si escolhidos;<br> g) - o autor remeteu ao réu as contas cujas fotocópias constituem os documentos de fls. 57, 71 e 78;<br> h) - em carta de 88.07.27 - doc. de fls. 71 a 72 - após os concursos de Wiesbaden e Wolfsbourg, por decisão sua (do autor) e do major C, o Nacar de Tupot deixou de ser considerado em preparação olímpica;<br> i) - a mera inscrição de um cavalo nos Jogos Olímpicos constitui factor de valorização;<br> j) - em 1989 houve um corte de relações pessoais entre o autor e o réu;<br> k) - no Verão de 1988, o autor enviou de França para o réu em Portugal, o cavalo para fazer a cobrição das éguas deste,<br> l) - após o que o réu o deveria entregar no aeroporto de Lisboa para ser reenviado para o autor em França;<br> m) - o réu fazia cobrir éguas de terceiros pelo cavalo referido, sem dar ao autor conhecimento, nem repartir os lucros resultantes dessa utilização;<br> n) - foram registadas no Serviço Nacional Coudélico, duas cobrições pelo cavalo em questão de éguas pertencentes a D e E;<br> o) - as cobrições do cavalo atingiram as 10;<br> p) - o autor face à recusa do réu em enviar-lhe o cavalo para França foi impedido de participar em diversos concursos internacionais em que estava inscrito;<br> q) - o autor tinha programada a utilização do cavalo em diversos concursos hípicos em que estava inscrito e que vêm referidos no art. 25 da petição inicial;<br> r) - face à conduta do réu, o autor não participou em alguns dos referidos concursos;<br> s) - à data em que o réu remeteu ao autor a carta de fls. 18, o cavalo valia 400.000 francos franceses;<br> t) - o franco francês valia nessa data 25$80;<br> u) - um cavalo de obstáculos atinge o máximo das suas potencialidades entre os 6 e os 13 anos;<br> v) - o cavalo dos autos nasceu em 28 de Abril de 1979;<br> x) - o cavalo, a partir de 1988, longe de melhorar, como seria natural, dado encontrar-se no auge das suas faculdades físicas, o que se devia prolongar, pelo menos até 1991, e porque certamente aumentara a sua experiência como concursista, apresenta uma clara curva descendente no que se refere a resultados desportivos, como se deduz de fls. 58 a 65;<br> y) - pelos resultados (prémios) conquistados em 1987, o Nacar de Tupot tinha sido considerado pela Federação Equestre Portuguesa, como um dos dois cavalos merecedores de representar o país nos Jogos Olímpicos de Seul-88,<br> w) - chegando a ser celebrado um contrato pelo qual o réu autorizava o autor a administrá-lo com vista à preparação e participação nesses Jogos Olímpicos,<br> z) - esperando assim uma valorização do cavalo desde que fosse inscrito nos Jogos olímpicos;<br> a -1)- a inscrição como reprodutor está dependente de o cavalo ter, ou um índice genético de 15 (0,40), ou um índice de resultados desportivos de 135;<br> b -1)- e tinha atingido o índice de resultados próprios de 135 em 1986/87;<br> c -1)- a inscrição como garanhão é anual;<br> d -1)- o autor recusou qualquer contacto pessoal com o réu;<br> e -1)- a remessa do doc. de fl. 18 ao autor (al. e)) ficou a dever-se ao corte de relações entre o autor e o réu.<br> <br> Decidindo: -<br> <br> 1 - O réu aceitou (a sentença julgou improcedente toda a defesa por excepção e o réu, enquanto apelado, não requereu a ampliação do âmbito do recurso) o decidido pelas instâncias, excepto no tocante à existência de danos e à possibilidade legal de quantificar a indemnização.<br> A sentença procedeu à decomposição dos danos - os valores respeitantes às cobrições e os lucros cessantes que o autor, onerado com a sua prova, não conseguiu fossem quantificados, quando já os eram, além de os últimos serem aleatórios, razão para os não ter como verificados nem considerar; a mais valia decorrente da valorização do cavalo, não concedida por este não ter sido vendido.<br> O acórdão, por sua vez, concordou no tocante à mais valia, mas dissentiu no restante e, julgando verificados os danos, condenou o réu a indemnizar o autor no que em execução de sentença for liquidado.<br> Em discussão, portanto, apenas os dois primeiros.<br> 2 - O réu aceita que incumpriu culposamente o contrato celebrado com o autor.<br> Não se compreende, à face da contestação, como o réu, aceitando que incumpriu, quer que o tribunal não o condene a pagar ao autor metade do lucro obtido com as cobrições.<br> Apesar de ter negado que, nesse tocante tivesse violado o contrato (contudo, ficaram provadas as cobrições - vd. als. m) e o) - e competia ao réu provar, se alegado tivesse, o que não sucedeu, que cumprira o contratado; mais, provou-se que não repartiu, apesar de ter recebido os valores - al. m)), aceitou que cada cobrição era, então, cobrada em Portugal, num máximo de 60.000$00.<br> Por outras palavras, aceitou que o valor recebido por cada uma tinha de ser repartido, em partes iguais, entre autor e réu e contrapôs ao valor indicado pelo autor (150.000$00) um outro assaz inferior.<br> Defender agora que «não existe nos autos qualquer elemento do qual se possa retirar o prejuízo efectivo» (art. 6 das alegações a fls. 422) é, no mínimo, esquecer-se do seu articulado de defesa e do valor e função que a lei reconhece à contestação.<br> A condenação podia ter sido mais concretizada - fixando limites máximo e mínimo ou recorrendo, a entender-se que não era caso de se relegar, à equidade. Porém, não há que conhecer disso, na medida em que não houve recurso subordinado nem pedido de ampliação do âmbito do recurso.<br> 3 - Como se assinala no acórdão, o objectivo do contrato residia na rentabilização do cavalo Nacar de Tupot, através de uma maior projecção nacional e internacional, a repercutir-se quer ao nível genético quer ao nível da valorização comercial.<br> Foi clausulada a repartição, em partes iguais entre autor e réu, dos prémios obtidos em provas desportivas.<br> Provou-se que o autor inscreveu aquele cavalo em diversos concursos internacionais e que se viu impedido de o utilizar face à recusa do réu em lho enviar para França (als. p) a r)) quando ele fora enviado ao réu para fazer a cobrição das suas éguas (al. k)) com a obrigação de o reenviar (al. l)).<br> O réu não só o não enviou para França ao autor como passou a inscrever em concursos hípicos, fazendo-o montar por cavaleiros por si escolhidos (al. f)).<br> Com este cavalo foram conquistados prémios (al. y)) e face à sua idade e progressão (als. u) e v)) havia a expectativa de serem obtidos idênticos resultados desportivos (o facto descrito na al. x) tem de ser conjugado temporalmente com o envio, sem o devido e esperado retorno - als. k), l), p) e r), - e com os factos constantes da al. y)).<br> O réu rescindiu unilateralmente e sem causa, por carta de 89.08.01, o contrato que com o autor celebrara.<br> 4 - Estamos no domínio da responsabilidade contratual.<br> Um dos pressupostos da responsabilidade civil é o dano, a existência de um dano, como afirmou o ac. STJ de 96.07.02, recurso 226/96, 1ª sec. «existência e não mera hipótese (mesmo quanto a danos futuros, a lei não se contenta com meras hipóteses - art. 564, n. 2 CC)».<br> O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (CC- 564, n. 1).<br> A. Varela refere (Das Obrigs. em Geral - I, p. 620) que o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado - ou diminui o valor de um património ou impede-o de aumentar. Aqui o dano é concebido como uma diferença de valor patrimonial, pelo que, quando não seja possível a reparação in natura, a indemnização se deve reduzir a cobrir essa diferença mediante uma soma em dinheiro, o que o direito não considera geralmente reparação perfeita (Gomes da Silva).<br> Castro Mendes, estudando o conceito de «dano» (Do Conceito Jurídico de Prejuízo in Jornal do Foro, 1953), manifestou a sua preferência pelo termo «prejuízos» e chama a atenção para as duas vias usadas para o definir, conduzindo uma a "prejuízo em si" e a outra a "prejuízo reparável".<br> O prejuízo em si é um mal, um evento nocivo, surge como o género, a categoria de que o prejuízo jurídico faz parte. A <i>differentia specifica</i> deste em relação ao género é a sua relevância jurídica e não a sua reparabilidade. O prejuízo jurídico é um mal causado a algo que a lei protege. Este "algo" é o chamado "objecto do facto danoso" e constitui a diferença específica do dano (p. 9).<br> O dano não pode ser concebido como uma diferença de valor patrimonial (a defeituosa tradução da definição de Paulus induziu a tal - damnum et damnatio ab ademptione et quase diminutione patrimonii dicta sunt), para o direito o dano não interessa apenas no seu aspecto de ‘diferença’, aspecto matemático ou abstracto; mas interessa toda a individualização do objecto efectivamente lesado, a qual será a base da reparação futura (p. 14 e 15). E porque o direito não tutela bens, mas interesses (hominis causa omne ius constitutum est, segundo Modestino) e o interesse, grosso modo, é a reacção ou posição da pessoa perante o bem, o dano não é a subtracção pura e simplesmente, mas a subtracção, enquanto priva o homem de uma utilidade, como escreveu von Tuhr (p. 16 e 17).<br> O dano como lesão dum interesse, o dano não é a ofensa mas a consequência nociva da ofensa.<br> Gomes da Silva com razão separa do objecto do prejuízo a causa da relevância jurídica do mesmo e esta, a causa da relevância jurídica é a frustração dum fim humano, entendendo-se "certo fim" como "todos os fins lícitos que se podem alcançar mediante a utilização do bem em causa" (in O dever de prestar e o dever de indemnizar, p. 123).<br> <br> 5 - Transcreve-se, <i>cum data venia</i>, do ac. STJ de 94.10.11 in BMJ 440/437, parte que, pela clareza da exposição e precisão de conceitos, bem justifica a extensão da citação, dela decorrendo a pertinência e relevância para o caso sub judice.<br> «Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.<br> Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.<br> O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência.<br> No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível (desconsidera-se o juízo do timorato).<br> De harmonia com o disposto naquele preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.<br> Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais.<br> Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.<br> Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.<br> Este carácter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor.<br> Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio.<br> Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.<br> Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efectiva ocorrência).<br> Não é possível, nem conveniente, avançar mais neste caminho: só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente. Há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar.<br> Por sua vez, o dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável.<br> Determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante.<br> Indeterminável é aquele cujo valor não é possível ser fixado antecipadamente à sua verificação. Nesta classificação o respectivo critério já é diverso, em sua natureza, do que presidiu às classificações anteriores; agora, o que está em causa é tão somente a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realização do evento.<br> Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável. A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável; ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução da sentença, nos termos do disposto nos artigos 564, n. 2, do Código Civil e 661, n. 2, do Código de Processo Civil.<br> Condenar quem haja ofendido o direito de outrem a indemnizar o ofendido, ainda não lesado, por um mero receio cuja imediata concretização é meramente hipotética, carece de sentido, de justificação prática, de utilidade, uma vez que sempre seria necessário que, em futura acção, se viesse a determinar se o receio, se a eventualidade se transformou em realidade; e esta acção não poderia ser a executiva, visto que no incidente de liquidação só é possível fixar a quantidade da obrigação, mediante incidente de liquidação e, no incidente a que se refere o artigo 804 do Código de Processo Civil, só cabe provar se a sua condição suspensiva ou uma prestação do credor ou de terceiro se verificou; e nunca conhecer da existência da própria obrigação do executado (devedor). Por isto, tal acção teria que ser declarativa.<br> Isto quer dizer que a condenação de alguém a pagar indemnização por simples receios não teria qualquer valor, seria perfeitamente inútil. Tal sentença não serviria de título executivo, nem seria capaz de dar força executiva contra o réu a futura sentença condenatória do autor, proferida em acção que lhe fosse movida por terceiro, onde o aqui réu não fosse parte».<br> Ainda da mesma data, outro ac. do STJ nesse sentido (recurso 4154/90) - «é futuro, previsível, eventual, mas de um grau de menor incerteza, o dano que, segundo a Relação, "acontecerá seguramente", ainda que só no futuro. Tal dano é equiparável ao dano certo e é, consequentemente, indemnizável logo que aquele acontecimento ocorra».<br> 6.- O autor, alegando que da não participação nos concursos, deixou de obter um lucro de aproximadamente 200.000 FF, de que resultaria um crédito a seu favor de 2.580.000$00, peticionou-o como dano (pet. in.- 26 e 27).<br> Não se trata de verba pedida a título de inscrições feitas e perdidas por culpa do réu.<br> Também se não trata de verba pedida a título de metade de prémios obtidos mas em que o cavalo foi utilizado por terceiro (porque não era o utilizador, a tanto não tinha direito).<br> Os termos do contrato - e é concretamente a esses que se tem de atender (não a outros que poderiam ter sido estabelecidos melhor acautelando situações de ruptura - v.g., indemnização pelo dano da confiança, o interesse contratual negativo) - são os referidos na cl. 5ª als. c) e d) (cfr. al. a) da matéria de facto).<br> O dano que alega é futuro e eventual, a sua produção era meramente possível, incerta, hipotética. Porque, desde logo pressupunha a obtenção de prémios, depende de, concorrendo, os obter, o que já de si era aleatório, não se podia prognosticar que o seu suporte (a obtenção dos prémios) viesse a acontecer, num forte grau de previsibilidade, num futuro imediato. Trata-se de meras hipóteses e mesmo quanto a danos futuros a lei não se contenta com estas (CC - 564, n. 2).<br> Este maior grau de incerteza implica que não seja indemnizável antecipadamente.<br> Por outras palavras, neste campo, o autor apresentou-se como ofendido mas ainda não como lesado (sofreu o incumprimento do contrato mas não alegou que daí resultasse prejuízo que pudesse caracterizar como dano indemnizável).<br> Termos em que se concede parcialmente a revista, absolvendo-se o réu do pedido de, ao autor, pagar 50% dos lucros cessantes e, no mais, se mantendo o acórdão.<br> Custas por autor e réu, na proporção de ¾ e ¼ respectivamente.<br> <br> Lisboa, 23 de Abril de 2002<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A, propôs contra B, sua mulher C e D uma acção declarativa pela qual pediu que se decretasse a execução específica de um contrato-promessa de compra e venda de três prédios urbanos, que identificou, contra o pagamento, pela autora, da importância ainda em dívida; subsidiariamente, pediu que os réus fossem condenados, em solidariedade, a restituírem-lhe o dobro dos 12000000 escudos que lhes pagou deduzido da quantia de 10000000 escudos que já lhe entregaram; ainda subsidiariamente, pediu a condenação dos réus a restituírem-lhe os 2000000 escudos, que ainda conservam, de sinal; pediu ainda a sua condenação a pagarem-lhe o montante que em liquidação em execução de sentença vier a apurar-se a título de enriquecimento sem causa e as despesas que fez com vista à reconstrução do imóvel, não inferiores a 755300 escudos.<br> Após os demais articulados, saneamento e condensação, a autora requereu a realização de prova pericial, o que veio a ser indeferido por despacho de que agravou.<br> Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente quanto à ré D e que condenou os restantes réus a pagarem à autora a quantia de 2000000 escudos, absolvendo-os do restante pedido.<br> Improcedeu na Relação de Coimbra o recurso de apelação interposto pela autora, bem como o recurso de agravo que subiu arrastado por aquela.<br> Ainda inconformada, esta trouxe a este STJ o presente recurso de revista em que diz terem sido violados os arts. 388º, 410º, 442º e 473º do CC e os arts. 577º, nº 2 e 578º do CPC e defende as seguintes teses:<br> - o despacho que indeferiu o pedido de prova pericial violou caso julgado formal por ter sido proferido já depois de as partes terem sido notificadas nos termos do art. 578º do CPC e de ter sido dado prazo para a designação de perito - conclusões 1ª a 7ª;<br> - deve ser admitida a prova pericial por ser pertinente e adequada aos factos a provar - conclusões 8ª a 15ª;<br> - o documento junto aos autos constitui o escrito onde se acha escrito o contrato-promessa, não sendo afectado pela falta de assinatura do comprador, pelo que, não tendo ele sido cumprido, deve o sinal ser restituído em dobro - conclusões 16ª a 25ª;<br> - a não se entender assim, deve haver condenação dos réus a indemnizar a autora com base no enriquecimento sem causa pelo período de tempo em que retiveram o sinal recebido - conclusões 26ª a 33ª;<br> - a autora deve ser indemnizada das despesas que fez na convicção de que o contrato seria cumprido - conclusões 34ª a 36ª.<br> <br> Termina pedindo que se admita a prova pericial e se anulem os termos posteriores do processo, ou que se substitua a sentença recorrida por outra que condene os réus nos termos indicados acima.<br> <br> Os recorridos B e mulher responderam no sentido da improcedência do recurso.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> As duas primeiras questões acima enunciadas respeitam ao que será, na tese da recorrente, violação de lei de processo cometida no acórdão recorrido.<br> A sua cumulação com as questões de violação de lei substantiva que são o fundamento primário do recurso de revista é possibilitada pelo art. 722º, nº 1 do CPC - diploma ao qual pertencerão as normas a seguir indicadas sem outra menção -, mas condicionada à possibilidade virtual de a violação de lei de processo fundar um recurso de agravo autónomo para o STJ.<br> É isto que resulta da referência que na sua parte final se faz ao art. 754, n. 2.<br> Antes da reforma processual de 1995/96 não havia, neste âmbito, qualquer limite à crítica de natureza processual a fazer em sede de agravo em 2ª instância.<br> Com esta reforma deixou, porém, de ser assim, pois o nº 2 do art. 754º passou a conter uma solução restritiva no tocante à possibilidade de agravo em 2ª instância, sendo de registar que a sua primeira formulação trazida por essa reforma foi depois substituída por uma outra, introduzida pelo DL nº 375-A/99, de 20/9 e que entrou em vigor 30 dias depois mas que, no tocante ao art. 754º, não teve aplicação aos processos já pendentes - cfr. os seus arts. 8º, nº 2 e 9º.<br> Assim, para saber se a invocação de violação de lei de processo em recurso de revista é, em concreto, possível, há que apurar previamente se a mesma podia fundar recurso de agravo.<br> Tendo a presente acção sido proposta em 7/1/97, há que atender à redacção dada ao art. 754º, nº 2 pelo conjunto legislativo formado pelos DL nº 329-A/95, de 12/12, e nº 180/96, de 25/9.<br> Aí se diz: "Não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme".<br> Há que atender ainda ao seu nº 3, onde se diz o seguinte: "O disposto na primeira parte do número anterior não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do artigo 678º e na alínea a) do nº 1 do artigo 734º:"<br> Por força deste nº 3, conjugado com o nº 2 do art. 678º, pode concluir-se, desde já, que a questão de caso julgado foi legitimamente levantada nesta revista.<br> Mas a outra questão suscitada quanto ao indeferimento de prova pericial, decidido na 1ª instância pelo despacho aí agravado e que foi confirmado pelo acórdão recorrido, surge, face à primeira parte do nº 2 do art. 754º, como insusceptível de recurso, uma vez que na Relação não houve voto de vencido.<br> Só uma eventual oposição do acórdão recorrido, nesse particular, com outra jurisprudência nos termos definidos pela sua segunda parte poderia conduzir a outra solução.<br> Mas nas alegações oferecidas pela recorrente neste recurso não é referida qualquer oposição que possa relevar para esse efeito, pelo que importa concluir que, no tocante ao que é versado nas conclusões 8ª a 15ª, não pode este STJ considerar e julgar a questão levantada.<br> <br> Assim fica restringido o âmbito objectivo deste recurso.<br> <br> Vejamos a matéria das conclusões 1ª a 7ª.<br> No decurso da audiência preliminar a autora disse pretender requerer a realização de prova pericial mas não estar ainda habilitada a indicar os respectivos quesitos, pelo que requereu prazo para o efeito.<br> Perante a não oposição dos réus, o Meritíssimo Juiz concedeu o prazo de dez dias para o efeito de a autora "... requerer a pretensa prova pericial, com subsequente indicação da respectiva composição e da matéria sobre a qual há-de recair."<br> Em requerimento subsequente a autora veio indicar as questões de facto por si articuladas a submeter à perícia, pedindo ainda prazo, nos termos do art. 569, nº 3, para indicar o seu perito.<br> Seguiu-se despacho em que foi, para esse efeito, concedido novo prazo de dez dias.<br> A autora indicou, depois, o seu perito.<br> Em novo despacho mandou-se que os réus fossem notificados para requererem o que tivessem "... por conveniente designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 578º e para indicação do respectivo perito de harmonia com o preceituado no nº 4 do art. 569º, ambos do CPC revisto."<br> A ré D veio opor-se à realização da perícia requerida por entender que as questões levantadas pela autora não respeitam à matéria levada à base instrutória, por isso sendo inútil.<br> Foi então proferido despacho que, avaliando da utilidade da diligência e dizendo estar respeitado o princípio do contraditório - a propósito do que aludiu ao nº 3 do art. 3º do mesmo diploma -, indeferiu o pedido de realização da perícia em causa.<br> <br> Na sequência destes factos a recorrente defende que a notificação ordenada para os efeitos do art. 578º, nº 1 e a concessão de prazo para nomeação de perito significaram que o Meritíssimo Juiz já havia decidido da pertinência da prova pericial em causa, tendo as partes tacitamente recebido e aceite tal despacho.<br> Daí, em seu entender, decorre a violação do caso julgado formal assim estabelecido.<br> <br> O art. 577º, nº 1 manda que a parte que requeira a realização de perícia indique logo o respectivo objecto, enunciando as questões de facto a esclarecer por esse meio. E, ao mesmo tempo, deve, de acordo com o art. 569º, nº 1, al. b) e nº 3, indicar o seu perito.<br> O art. 578º, nº 1 dá, então, ocasião para que o juiz avalie se a diligência é impertinente ou dilatória.<br> Se entender que o não é, o juiz ouvirá a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.<br> E o subsequente nº 2 tem a seguinte redacção: "Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade."<br> A análise do sistema anterior à reforma de 1995/96 mostra-nos que, então, o requerimento da perícia era feito por uma das partes com simultânea apresentação dos quesitos para resposta dos peritos, sob pena de indeferimento - art. 572º, nº 1 -, seguindo-se a avaliação pelo juiz da natureza impertinente ou dilatória da diligência e, não sendo formulados estes juízos, a ordem de notificação da parte contrária para apresentar os seus quesitos - art. 572º, nº 2 -, seguindo-se então o despacho destinado à designação de dia e hora para a nomeação dos peritos, sendo nesse despacho que o juiz poderia dar como não escritos os quesitos incidentes sobre factos insusceptíveis de prova - art. 575º.<br> O juízo sobre a natureza impertinente ou dilatória a que se referia o art. 572º, nº 1 poderia ocorrer se, respectivamente, o juiz verificasse que os quesitos do requerente respeitavam a factos não compreendidos no questionário ou que a diligência não era possível por os quesitos respeitarem a factos insusceptíveis de serem captados pela perícia - cfr. José Alberto dos Reis, Anotado, Vol. IV, pg. 195.<br> À não rejeição da diligência nesta fase contrapunha-se a sua admissão, por despacho do qual se disse já ser proferido normalmente de modo indirecto, através da referida ordem de notificação da parte contrária - cfr. Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pg. 386.<br> <br> Mas o sistema mudou.<br> Continua, como se viu, a dever o pedido de uma das partes no sentido da realização da diligência ser acompanhado da indicação do seu objecto.<br> Continua a haver lugar a uma apreciação imediata da sua natureza impertinente ou dilatória, que pode conduzir a uma imediata rejeição da diligência - cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, pg. 504.<br> Mas, se tal não tiver lugar, deve entender-se que esta não fica logo admitida, ao contrário da opinião acima referida e formulada a propósito do regime anterior.<br> A ordem de notificação da parte contrária corresponde ao estabelecimento do contraditório, dando ocasião a que ela se pronuncie sobre o objecto proposto para a diligência, o que não pode deixar de abranger, para além das hipóteses, previstas no art. 578º, nº 1, de adesão ou de proposta de ampliação ou restrição, a possibilidade de oposição integral à mesma.<br> E o nº 2 do mesmo artigo alude à prolação - obviamente após a audição da parte contrária ao requerente, como se vê, não só do contexto da disposição, mas também do facto de aí se falar da apreciação das questões suscitadas "pelas partes" - de um despacho em que se ordene a realização da diligência, o que não pode deixar de significar que nesse despacho pode suceder exactamente o contrário, ou seja, que se indefira a sua realização.<br> Esta sequência de trâmites legais mostra, de forma clara, que a ordem de notificação da parte contrária nos termos do art. 578º, nº 1 não pode mais ser entendida como um deferimento tácito da diligência, a qual, a ser de realizar, há-de ser ordenada mais tarde, já com o juiz numa posição que lhe dá uma compreensão mais abrangente da situação, ponderadas que estejam as posições contraditoriamente manifestadas por todas as partes.<br> Aliás, sempre haverá que admitir que, podendo o juiz indeferir nesse momento as questões de facto suscitadas pelas partes que tiver como inadmissíveis ou irrelevantes, venha ele a entender que esse juízo deverá formular-se em relação a todas elas, assim se esvaziando por completo todo o objecto requerido.<br> <br> Daí que a tese da recorrente tenha de ser rejeitada, por não haver qualquer caso julgado formal que haja sido violado.<br> As restantes questões que a recorrente levanta nas suas alegações deste recurso foram já, todas elas, apreciadas pelo acórdão recorrido no âmbito do recurso de apelação a cuja apreciação foi chamado.<br> A solução que aí lhes foi dada decorreu de uma análise correcta dos factos provados e de uma acertada qualificação e valoração jurídicas dos mesmos, pelo que, nessa parte, para esse acórdão remetemos ao abrigo do disposto nos arts. 713º, nº 5 e 726º.<br> Limitar-nos-emos a salientar algumas notas ainda oportunas.<br> <br> A redução de um contrato a escrito obriga à elaboração de um documento de onde constem as declarações negociais emitidas pelas partes.<br> No que toca ao documento junto com a petição com o nº 7 - só por manifesto lapso a recorrente se lhe refere como sendo o documento com o nº 5 -, a sua deficiência de conteúdo para poder titular o invocado contrato-promessa radica, além do mais que no acórdão recorrido se afirma, na ausência de identificação dos prédios que seriam seu objecto.<br> <br> No tocante ao invocado enriquecimento sem causa, em nada poderia aproveitar à recorrente dizer, como faz agora, que o alegado enriquecimento dos recorridos não tem causa justificativa por o contrato prometido não ter chegado a realizar-se.<br> Isto é irrelevante.<br> O enriquecimento que terá resultado da circunstância de os recorridos terem conservado durante anos consigo a importância do sinal recebido teve a sua causa no contrato-promessa realizado, embora nulo por falta da forma legal.<br> Foi este, e não o contrato prometido, a causa da entrega da respectiva quantia pela recorrente.<br> <br> Quanto às despesas cujo ressarcimento a recorrente pede, as mesmas nada têm que ver com o que foi acordado no âmbito do contrato-promessa, pelo que, ainda que pudesse falar-se de não cumprimento deste por parte dos recorridos - mas não pode, desde logo por virtude da sua nulidade -, tal não daria direito ao seu reembolso.<br> Num plano de pura especulação teórica pode admitir-se que o instituto da responsabilidade pré-contratual poderia, em certas circunstâncias, obrigar os recorridos a procederem à respectiva compensação.<br> Falta, porém, todo o enquadramento fáctico que para tanto seria indispensável.<br> <br> Nega-se, pois, a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> <br> Lisboa, 5 de Março de 2002<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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IzL5u4YBgYBz1XKvgWh9
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A, B, C, D, E,F, cidades comerciais italianas e G, sociedade com sede no Luxemburgo, intentaram acção com processo ordinário contra H, pedindo a condenação da ré a pagar:<br> 1) à 1. autora a quantia de Lit 11190000, acrescida de juros vencidos, no montante de Lit 2843486, e vincendos até efectivo e integral pagamento;<br> 2) à 2. autora a quantia de Lit 19980650, acrescida de juros vencidos, no montante de Lit 4893900, e vincendos;<br> 3) à 3. autora a quantia de Lit 7010250, acrescida de juros vencidos , no montante de Lit 1465814, e vincendos;<br> 4) à 4. autora a quantia de Lit 4627250, acrescida de juros vencidos, no montante de Lit 967539, e vincendos;<br> 5) à 5. autora a quantia de Lit 30785500, acrescida de juros vencidos, no montante de Lit 6437122 , e vincendos;<br> 6) à 6. autora a quantia de Lit 22412500, acrescida de juros vencidos, no montante de Lit 4686362, e vincendos;<br> 7) à 7. autora a quantia de Lit 106300000, acrescida de juros vencidos, no montante de Lit 44530963, e vincendos.<br> Alegaram, para tanto, e em, resumo, que venderam diversas mercadorias à ré que esta não pagou.<br> Na sua contestação, a ré impugnou parcialmente os factos narrados na petição inicial. Deduzindo reconvenção, por a autora B, que representava todas as outras autoras, haver revogado sem qualquer pré-aviso um contrato de representação comercial que celebrara com a ré, pediu se reconheça o crédito da ré sobre a 2. autora no montante de Lit 277602213 e 2322253 escudos e vinte centavos, condenando-se a autora no seu pagamento e compensando-se, a final, as duas dívidas.<br> Na réplica, as autoras impugnaram os factos vertidos na reconvenção pedindo ainda a condenação da ré como litigante de má fé.<br> Sem mais articulados, pois a tréplica foi mandada desentranhar, a acção prosseguiu seus termos, vindo a ser proferida sentença que:<br> a) julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar às autoras as quantias de Lit 11190000, 19980650, 7010250, 4627250, 30185000, 22412500 e 106300000, abatidas as devoluções efectuadas de Lit 360000 e 1476000, acrescidas de juros vincendos no mercado da lira;<br> b) julgando procedente o pedido reconvencional , condenou a autora B em quantia a liquidar em execução de sentença.<br> Inconformadas, apelaram as autoras.<br> O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 490 e segs., datado de 18 de Março de 1997 (por mero lapso referiu-se 18 de Março de 1996), revogou parcialmente a sentença, condenando a ré a pagar à 2. autora a quantia de Lit 361476000 de mercadorias vendidas que haviam sido devolvidas sem qualquer deficiência, confirmando a sentença na parte restante.<br> Não conformados com esta decisão, dela recorreram de revista a autora B - a ré H.<br> Neste Supremo Tribunal , por decisão do relator de fls. 563, transitada em julgado, o recurso da ré foi julgado findo, pelo não conhecimento do seu objecto.<br> Na sua alegação, a autora recorrente formula as conclusões seguintes:<br> 1.- O acórdão recorrido julgou totalmente procedente o pedido reconvencional e condenou a autora, ora recorrente, na mesma, baseando-se no artigo 31 do DL 178/86, de 3 de Julho, que exige para a resolução do contrato uma declaração escrita;<br> 2.- Tal solução carece de suporte factual, assim como de qualquer suporte jurídico;<br> 3.- Uma vez que os elementos tipificadores do contrato de agência, contrato que se define por aquele pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta de outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes, não estão presentes na relação aqui em causa;<br> 4.- De facto, não ficou provado ou sequer alegado que a ré tenha obrigação de promover a celebração de contratos ou de fazer prospecção de mercado, bem como a de angariar clientes;<br> 5.- No entanto, e em desabono da tese da aplicação do regime jurídico do contrato de agência, ficou provado que a ré era uma mera importadora, que agia por sua conta e risco, e que não auferia qualquer remuneração da ora recorrente;<br> 6.- Como tal, à relação comercial existente entre as partes, se é que existia alguma para além de meros contratos de compra e venda, nunca poderia ser aplicável o regime do contrato de agência;<br> 7.- Também, atento à matéria de facto, a relação existente entre as partes não poderia ser enquadrada no regime jurídico do mandato comercial ou do contrato de comissão, pois também aqui faltaria o elemento tipificador, comum a estes dois contratos: a actuação em nome de outrem;<br> 8.- A relação existente entre as partes também não pode ser definida como um contrato inominado de concessão comercial, ao qual alguma doutrina e jurisprudência aplica por analogia o regime jurídico do contrato de agência, uma vez que, também aqui, faltam os seus elementos caracterizantes;<br> 9.- O artigo 31 do DL 178/86, de 3 de Julho, nunca poderia, portanto, ser aplicado ao caso em apreço;<br> 10.- A ré era, como ela própria se define, uma mera importadora dos produtos da ora recorrente, que pagava directamente à ora recorrente o preço dos produtos adquiridos, os quais ficavam a pertencer à recorrida, que aos mesmos podia dar o destino que quisesse;<br> 11.- Em face da matéria de facto apurada, bem se conclui que a aquisição de produtos (pela ré à autora recorrente se fazia, como sempre se fez, através de um contrato pelo qual se transmitia a propriedade das coisas, mediante o pagamento de um preço, ou seja, por contrato de compra e venda, nos termos do qual a autora recorrente entregava à ré os seus artigos e desta recebia o respectivo preço;<br> 12.- A própria decisão recorrida se contradiz, pois nela se reconhece que "entre a 2. autora e a ré se estabelece um contrato de compra e venda e que aquela cumpriu a sua obrigação enviando a esta as mercadorias objecto do contrato".<br> 13.- A douta decisão padece também de outras contradições, pois reconhece o incumprimento da ré, ao condená-la a pagar à recorrente o preço devido pelas mercadorias que lhe adquiriu e dá como matéria provada que a empresa holandesa Stork, concorrente da autora recorrente, adquiriu o capital da ré, mas no entanto conclui que improcede a conclusão de justa causa de rescisão;<br> 14.- A mesma decisão confunde ainda a figura jurídica da resolução com a denúncia, ao concluir que a falta de formalização escrita da resolução acarreta para a recorrente o dever de indemnizar;<br> 15.- estando provada a justa causa de resolução pela falta de cumprimento das obrigações da "ré, de modo a tornar inexigível a subsistência da relação contratual, a inexistência de declaração escrita por parte da recorrente ao resolver o contrato com a recorrida não tem a mesma consequência que a falta de pré-aviso estabelecido no artigo 29 do DL 178/86, de 3 de Julho;<br> 16.- Ainda que, na tese do acórdão recorrido, se considere aplicável ao caso em apreço, o regime legal do contrato de agência, a não formalização escrita da resolução não acarreta, quando haja justa causa de rescisão, para aquele que rescinda o contrato, o dever de indemnizar a outra parte;<br> 17.- A douta decisão recorrida parece ter "esquecido" que os prejuízos alegados pela ré não foram provados, agindo antes como se estivessem provados, faltando apenas a sua quantificação.<br> Não houve contra-alegações.<br> Cumpre decidir.<br> A matéria de facto a ter em conta é a fixada pela Relação no acórdão recorrido, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto no artigo 713, n. 6, aplicável ex vi do artigo 726, ambos do CPC.<br> Com interesse para a decisão do presente recurso destacam-se os seguintes factos provados:<br> A 2. autora nomeou a I, sua representante exclusiva em Portugal para venda dos seus equipamentos;<br> A empresa J, é agente de máquinas e produtos da B para o norte do País;<br> Anteriormente a 1977, os então gerentes da ré celebraram um acordo verbal com a B, 2. autora, que se representava a si e a todas as outras empresas ora autoras, nos termos do qual a ré ficou com os direitos de comercializar em exclusivo em Portugal os equipamentos fabricados e comercializados pelo referido grupo;<br> De acordo com o então convencionado a ré ficou com esses direitos de representação;<br> A ré importava equipamentos e revendia-os em nome próprio, sendo ela quem os facturava; embora agindo como representante dos produtos B;<br> Em Setembro de 1989, a B, sem qualquer explicação, rompeu o contrato de representação exclusiva que tinha com a ré;<br> A ré viu-se impossibilitada de vender as peças ou equipamentos do B que tinha em armazém;<br> A margem de lucro da ré rondava os 30% e 40%;<br> A empresa L comprou o capital da ré.<br> Apurados os factos, entremos na apreciação do recurso, sabido que o objecto deste é delimitado pelas conclusões insertas na respectiva alegação.<br> A questão colocada consiste em saber se o pedido reconvencional deduzido pela ré contra a autora B pode ou não ser julgado procedente nos termos em que o foi pelas instâncias.<br> As instâncias, julgando o pedido reconvencional, condenaram a autora B a pagar (à ré) uma quantia a liquidar em execução de sentença por aquela haver rompido o acordo verbal de representação exclusiva.<br> O acórdão recorrido, para assim decidir, lançou mão do artigo 31 do DL 178/86, de 3 de Julho, que, em, seu entender, não foi observado pela recorrida.<br> Entendeu, assim, a Relação que entre a autora e a ré se havia constituído um contrato da agência, regulado pelo DL 178/86, posteriormente alterado pelo DL 118/93, de 13 de Abril.<br> A verdade é que dos factos apurados não pode concluir-se pela existência de tal contrato de agência. <br> Nos termos do artigo 1 do citado DL 178/86, agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo autónomo e estável e mediante retribuição.<br> Como diz Maria Helena Brito, em Novas Perspectivas do Direito Comercial, Almedina 1988, págs. 114, "são, assim, elementos tipificadores do contrato:<br> - "a obrigação do agente de promover a celebração de contratos;<br> - a actuação do agente por conta da outra parte, isto é, defendendo interesses, portanto, na categoria dos contratos de cooperação;<br> - a actuação do agente numa certa zona geográfica ou num determinado<br> círculo de pessoas;<br> - a autonomia do agente - apesar de integrado na rede de distribuição do principal, o agente tem a possibilidade de organizar livremente a sua própria actividade e o seu próprio trabalho;<br> - o carácter de estabilidade da relação contratual entre as partes - o contrato de agência é um contrato duradouro e a actividade desenvolvida pelo agente tem natureza empresarial;<br> - a remuneração paga pelo principal agente - o contrato de agência tem carácter oneroso".<br> Face aos factos provados, logo se vê que tais elementos tipificadores do contrato de agência não estão presentes no caso dos autos.<br> Efectivamente, a ré não só não actuava por conta da autora como desta não recebia qualquer remuneração.<br> Por outro lado, também não se vê que entre a ré e a autora tenha sido celebrado um contrato de concessão comercial.<br> Consoante se decidiu no acórdão deste Supremo de 22 de Novembro de 1995, "Col. Jur., ano III, tomo 3., pág. 116," como elementos individualizadores do contrato de concessão comercial temos os seguintes:<br> a) Carácter duradouro do contrato;<br> b) Actuação do concessionário em nome próprio e por conta própria;<br> c) Ter como objecto bens produzidos ou distribuídos pelo concedente;<br> d) Obrigação do concessionário de promover a revenda dos produtos que constituem o objecto do contrato, na zona a que o mesmo se refere;<br> e) Obrigação do concessionário de celebrar, no futuro sucessivos contratos de compra;<br> f) Obrigação de o concedente celebrar, no futuro, sucessivos contratos de venda;<br> g) Obrigação do concessionário de orientar a sua actividade empresarial em função da finalidade do contrato;<br> h) Obrigação do concedente de fornecer aos concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade".<br> No caso que nos ocupa faltam os elementos referidos nas anteriores alíneas e), g) e h). Daí que não possa falar-se em contrato de concessão.<br> Os elementos de facto contidos nos autos também não apontam no sentido da existência de um contrato de comissão, tal como é definido no artigo 266 do CCOM. Nos termos desta disposição legal dá-se contrato de comissão "quando o mandatário executa o mandato mercantil sem menção ou alusão alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como principal e único contraente". Desta norma resulta que o comissário é um mandatário sem representação, não obstante praticar os actos no interesse e por conta do mandante, actuando em seu próprio nome (cfr. António Pinto Monteiro, "Contrato de Agência", pág. 22).<br> No contrato de mandato, uma das partes obriga-se a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra - artigo 1157 do CCIV.<br> No caso dos autos, a ré não se obrigou a praticar qualquer acto jurídico por conta da autora.<br> Daí que o regime legal do mandato seja inaplicável ao caso sub judice.<br> Pelo acordo estabelecido entre autora e ré, aquela apenas ficou<br> obrigada a vender a esta, em exclusivo, os seus produtos, obrigando-se a ré a comprá-los à medida que os encomendava.<br> Entre as partes foram celebrados diversos contratos de compra e venda.<br> Se a autora estava obrigada a vender à ré, em exclusivo, os seus produtos, esta estava obrigada a pagar o respectivo preço.<br> Devendo as partes proceder de boa fé (artigo 762, n. 2, do CCIV), a ré, não pagando o preço de vários artigos comprados à autora, não podia esperar que esta continuasse a vender-lhe em exclusivo os seus produtos, já que o respectivo preço não lhe era pago nas condições contratadas. A autora tinha, pois, justa causa para cancelar as suas relações comerciais com a ré. O que retira a esta qualquer direito de indemnização.<br> Nestes termos, concedendo-se a revista da autora B, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido e, julgando-se improcedente o pedido reconvencional, dele se absolve a autora recorrente.<br> Custas deste recurso pela ré recorrida.<br> Lisboa, 8 de Junho de 1999.<br> Tomé de Carvalho,<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> A e mulher B vieram propor a presente acção de reivindicação com processo ordinário contra C e mulher D, pedindo que <br> - se declare serem os Autores legítimos proprietários do terreno identificado na petição e ser a posse dos Réus insubsistente, ilegal e de má fé;<br> - se condenem os Réus a reconhecer aos Autores aquele direito de propriedade e a lhes restituírem o terreno livre de pessoas e bens.<br> - e se condenem ainda os Réus a pagar aos Autores, pelos danos sofridos, a quantia total de 1000000 de escudos, sendo o montante de 600000 escudos, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e 6 de 400000 escudos a título de compensação pelos danos não patrimoniais.<br> Posteriormente os Réus deduziram o incidente de chamamento à Autoria de Luciano Augusto Marques da Silva Cruz, alegando que foi a ele que compraram, por 45000 escudos, a parcela de terreno em causa.<br> Apesa da oposição dos Autores, o chamamento foi admitido, tendo o chamado declarado aceitar a autoria<br> Na contestação, os Réus para além de pugnarem pela improcedência, deduziram reconvenção pedindo que<br> -se declare que eles adquiriram o direito de propriedade da parcela reivindicada por acessão industrial imobiliária;<br> -e se condenem os Autores a reconhecerem tal direito, mediante o pagamento do valor do terreno na altura em que as obras foram efectuadas e com a correcção monetária do mesmo valor, de acordo com os índices de preços ao consumidor determinados pelo Instituto Nacional de Estatística, relativamente à data em que foi reconhecido aos Réus o direito de propriedade sobre a parcela.<br> A folha 60, o chamado à autoria requereu a sua intervenção como assistente ao lado dos Réus, o que foi definido, sem oposição dos Autores.<br> Seguiram-se a réplica e tréplica onde as partes reapreciaram as suas anteriores posições.<br> Durante a audiência de discussão e julgamento os Autores requereram a ampliação do pedido no sentido de, sobre as indemnizações peticionadas, incidissem juros de mora, à taxa legal, desde a citação.<br> Tal pedido apenas foi atendido relativamente à indemnização pelos danos patrimoniais.<br> Por fim foi proferida sentença onde se considerou:<br> a acção parcialmente procedente e, condenando-se os Réus a pagarem aos Autores a quantia de 400000 escudos e se declarou terem os Réus adquirido, por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno aí identificada;<br> e a reconvenção procedente, condenando-se os Autores a reconhecerem esse direito, mediante o pagamento pelos Réus da quantia de 45000 escudos, actualizada de acordo com o índice dos preços ao consumidor, obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística.<br> Ambas as partes apelaram para a Relação do Porto.<br> Todavia aí foi negado provimento ao recurso dos Autores.<br> Quanto ao recurso dos Réus, foi concedido provimento, revogando-se a sentença recorrida na parte em que as condenou a pagar aos Autores a indemnização de 400000 escudos por danos não patrimoniais, confirmando-a no demais.<br> Inconformados os Autores recorreram para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> I - A factualidade alegada pelos Réus e dada como assente nos autos não integra o Instituto da acessão imobiliária,<br> II - O artigo 1340 do C.Civil faz depender a acessão da unificação de vários requisitos, entre os quais se incluiu a boa fé do autor da incorporação e caracteriza esta, taxativamente, no seu n. 4 ou pelo desconhecimento de que o terreno era alheio, ou pela autorização dada à incorporação pelo dono do terreno.<br> III - No caso em apreço não se verifica nem uma coisa, nem outra; os Réus até admitem que não desconheciam que o terreno no qual levaram a cabo a obra era alheio (nem, adiante-se, o podiam ignorar!) e a autorização que obtiveram foi dada por quem não tinha qualquer vínculo jurídico com a coisa, isto é, nem foi dada pelos donos do terreno.<br> IV - A sentença da 1. Instância e o Acórdão recorrido, ao darem relevância a uma autorização prestada por quem os Réus, subjectivamente, estavam convencidos que era o dono, sacrificaram sem apoio legal, e de modo intolerável, o direito e interesse dos legítimos proprietários da parcela em causa, isto é, dos Autores recorrentes.<br> V - Contrariamente ao perfilhado no Acórdão recorrido, o conceito de boa fé, na acessão industrial imobiliária é o que vem consagrado e taxativamente caracterizado no n. 4 do artigo 1340 do C. Civil e não a noção consagrada para o efeito do instituto da posse no artigo 1260 do C.Civil.<br> VI - Entre as duas formas de aquisição originária do direito de propriedade, a usucapião e a acessão industrial imobiliária não há qualquer paralelismo que justifique a aplicação analógica ou extensiva do conceito de boa fé plasmado para a primeira situação , à segunda.<br> VII - De resto, se assim não fosse, não se entenderia a razão pela qual o legislador teve o cuidado de caracterizar a boa fé no n. 4 do artigo 1340, onde consagrou o instituto da acessão industrial imobiliária, o qual constitui um instituto verdadeiramente excepcional.<br> VIII - A alteração da reforma de 1966, a que o Acórdão recorrido faz apelo teve em vista tão só e apenas, dispensar a anterior exigência da posse com "justo título" em ordem a permitir a inclusão, na previsão do instituto da acessão industrial imobiliária (artigo 1340) daquelas situações em que, a pesar de não existir uma válida transmissão do direito, um justo título , situação de um contrato promessa ou de um contrato nulo por falta de forma) os incorporantes tinham sido autorizados a realizar a obra pelos donos do terreno, o que se afigura justo e razoável.<br> Mas tal não é o caso dos autos.<br> IX - E é com esse apontado sentido que alguns dos nossos melhores Autores, têm defendido que o legislador não se afastou, ao definir o requerente de boa fé no n. 4 do artigo 1340, da noção psicológica de boa fé plasmada ao artigo 1260, qual seja a ignorância de se lesar o direito de outrem.<br> X - Sem prescindir, afigura-se que os autos não contem concretos factos de onde se depreenda a alegada e conclusiva afirmação de que os Réus estavam convictos de que o terreno era do chamado Luciano, por o ter herdado de seus pais (e que, por isso, ignoram que lesassem alguém) pois que não se encontra alegado e provado de que o mesmo Luciano fosse o único e universal herdeiro dos pais, resultando até dar razão ou ciência da primeira testemunha inquirida que a viúva do pai do Luciano era ainda viva ao tempo da realização das obras .<br> XI - Quer dizer, os autos não contem elementos, de onde resulte que os Réus tivessem sequer diligenciado em tentar averiguar seriamente a quem pertencia o terreno. Tratou-se de uma mera convicção e, por isso, é também a mera convicção que vem dada como provada e assente nos autos.<br> XII - E, por alguma motivo, os Réus realizaram as obras clandestinamente, apenas tendo conseguido a sua legalização em momento posterior (cfr. ponto 2.2-18 da sentença da 1. instância) através de uma falsa declaração em que o Réu marido se intitulou proprietário do terreno, conforme processo de Obras Clandestinas junto aos autos.<br> XIII - E é para proteger esse comportamento dos Réus recorridos que na sentença e Acórdão recorrido, não se limita em sacrificar o interesse e legítimo direito dos Autores que, após terem emigrado, vêm a verificar que o terreno que haviam, legítima e tituladamente adquirido, havia sido ocupado pelos seus vizinhos, dele fazendo autêntico logradouro da sua, deles, habitação.<br> XIV - Dúvidas haverá ainda , por último em saber se o tipo de construção levada a cabo (uma garagem e um muro de vedação) constituirá a unidade económica susceptível de integrar o conceito de obra - construção urbana - protegido pelo instituto em causa (artigo 1340 do C.Civil).<br> XV - O Acórdão recorrido fundamenta, afinal, a sua decisão do seguinte modo: "Os Réus incorporantes (e, passa-se a citar) no momento da realização da obra ignoravam que o terreno era alheio.<br> XVI - Deste modo decide-se no Acórdão recorrido, em contradição absoluta com a matéria de facto alegada e dada como assente, pois que sempre os Réus afirmaram que não ignoravam que o terreno era alheio, de tal modo que procuraram negociar com quem presumiam que fosse o seu dono, o chamado Luciano, com vista à sua aquisição, e colheram, junto dele, a autorização para a realização das obras.<br> XVII - Desconhecer que o terreno é alheio é pensar que é seu, e os Réus não ignoravam (como admitem nos autos) nem podiam ignorar, que não haviam adquirido o terreno, isto é, que se propuseram realizar, e realizaram, uma obra num terreno alheio. Quer dizer, ainda, os Réus, não ignoravam que o terreno era alheio, sabiam que era! Sabendo que se tratava de terreno alheio, dir-se-á, correram o risco.<br> XVIII - Ao decidir que, na altura da incorporação os Réus recorridos ignoravam que o terreno era alheio, o Acórdão recorrido subverte totalmente a matéria alegada e dada com assente nos autos, o que apenas se pode entender por manifesto lapso do julgador, na qualificação jurídica dos facto.<br> XIX - O Acórdão recorrido violou, pois, entre outros os artigos 1340, 483 e 496 do C.Civil.<br> XX - Declarando-se a ocupação do terreno dos Autores, por parte dos Réus, ilícita, devem estes ser condenados a indemnizar aqueles pelos danos morais sofridos, dados como assentes no ponto 2.2.8 da sentença de 1. instância, em quantia não inferior a 700000 escudos, dado o tempo decorrido e o que ainda decorrerá desde a data daquela sentença até à decisão final.<br> XXI - Isto posto, a Jurisprudência do Supremo tem-se pronunciado, pelo não reconhecimento de aquisição originária, por força, da acessão industrial imobiliária, em situações que configuram uma factualidade semelhante à dos autos.<br> XXI - É o caso nomeadamente do Acórdão de 25 de Julho de 1975 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Boletim n. 249, a págs. 489 e seguintes.<br> XXII - Na busca a que procederam, os recorrentes não encontraram decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sentido contrário ao que vem defendendo.<br> XXIII - Deve ser revogado o Acórdão recorrido.<br> Aventando a possibilidade de se vir a sufragar no Supremo a solução adoptada pela Relação, a qual conflituaria com a tomada pelo Supremo, no Acórdão de 25 de Julho de 1975 já citado, os recorrentes requereram a ampliação da revista nos termos do artigo 732-A do Código de Processo Civil, com vista a uniformização de jurisprudência sobre o tema em discussão.<br> Esta pretensão não foi, porém, atendida, como se vê do despacho do Excelentíssimo Presidente do Supremo exarado a folhas.<br> Na contra-alegação, os recorridos sustentam dever manter-se o Acórdão em crise.<br> As instâncias consideraram como provados os seguintes factos: (...)<br> Perante a facticidade apurada, entenderam as instâncias que os Réus adquiriram a parcela de terreno em apreço, por acessão industrial imobiliária.<br> Os Autores manifestam a sua discordância desta posição, por, segundo eles, não se verificar o requisito da boa fé, exigido, para tanto, pelo n. 4 do artigo 1340 do Código Civil.<br> Dispõe este normativo que, para efeitos de acessão, "Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra ... desconhecia que o terreno era alheio ou se fora autorizada a incorporação pelo dano do terreno".<br> Sustentam os recorrentes que nenhuma destas duas modalidades de boa fé tem apoio na matéria factual apurada a, por isso, estaria prejudicada a verificação do requisito enfocado, tanto mais que, segundo alegam, a enunciação feita naquele preceito, é taxativa, excluindo, assim, a possibilidade de se alargar os conceitos nele definidos.<br> Nenhuma indicação, a nível literal, há na disposição em análise que nos leve a pensar estarmos perante uma enunciação taxativa.<br> Quando o legislador tipifica, maxime quando enumera, e não esclarece, como é o caso, se a tipologia é taxativa ou enunciativa, deverá, em princípio, entender-se, como bem adverte o Professor Oliveira Ascensão, in O Direito, Introdução e Teoria Geral, págs. 406 e seguintes) pelo carácter enunciativo e não taxativo da enumeração.<br> Não existe, pois, obstáculo a que se possa ampliar o conceito de boa fé, para efeito de acessão, de modo a abranger outras situações semelhantes às hipotizadas na lei, igualmente dignas e carenciadas da mesma protecção jurídica.<br> E é assim que o Professor Menezes Cordeiro, cônsio desta realidade, entende dever aplicar-se à acessão, por analogia, o conceito de boa fé definido no artigo 1260 do Código Civil, (Direitos Reais, II, 719, nota 1118).<br> Nesta perspectiva, também agirá de boa fé quem construir obra em terreno alheio ignorando que lesa o direito de outrem.<br> Nesta orientação, manifestou-se também o Professor Quirino Soares (in Colectânea 1996, I, págs. 19 e seguintes), ao considerar que age de boa fé aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro.<br> Ora, vertendo esta lição no caso sub judice não podemos deixar de concluir que os Réus ao identificarem a obra em apreço, no terreno dos Autores, agiram de boa fé, para efeitos de acessão industrial imobiliária, pois, como resulta, ex abundantis da factualidade fixada, estavam convencidos, ao assim procederem, de que não lesavam o direito de outrem (pontos indicados nos ns. 11, 12, 13, 14 e 19).<br> A este propósito cumpre ainda, aqui, invocar a lição do Professor Menezes Cordeiro (ob. loc. cit.) ao responder - reportando-se à primeira modalidade de boa fé prevista no n. 4 do cit. artigo 1340 - que, nessa hipótese, o autor da incorporação actuará nessa situação (de boa fé) se ignorar ser o terreno alheio, o que acontece se ele julgar seu "ou melhor" - e é para este excerto do seu ensinamento que chamamos particularmente a atenção - " se julgar que tinha direito bastante para justificar" a incorporação.<br> Não vale a pena insistir em que os Réus ao procederem à obra em causa estavam convencidos que a podiam realizar, por estarem autorizados por quem pensavam ser o dono do terreno.<br> É sabido, ainda, que o n. 4 do artigo 1340 do Código Civil, ao definir boa fé, não se afastou do conceito de boa fé, em matéria possessória, expresso no artigo 1260 n. 1 do mesmo Diploma.<br> Isto significa que tal conceito tem, ainda ao nível da acessão, uma natureza psicológica, embora sem deixar de mergulhar também num fundamento ético (cfr. Professor Pires de Lima, Antunes Varela, Anotado, III, 2, edição, pág. 164 e pág. 20; cfr. Professor Carvalho Martins, Acessão, pág. 125).<br> Está de boa fé, na verdade, quem ignora que está a lesar os direitos de outrem, "sem que a lei entre em indagação sobre a desculpabilidade ou censurabilidade da sua ignorância..." (Professor Pires de Lima, Antunes Varela, ob. cit., pág. 20).<br> Por isso se afiguram descabidas as considerações tecidas pelos recorrentes e que se reporta a conclusão XV das suas alegações, tendentes a inculcar não terem os Réus diligenciado em tentar averiguar, seriamente, a quem pertencia o terreno.<br> É que o que importa aqui realçar para alcançar uma posição de boa fé é a convicção deles de que o terreno pertencia a quem autorizou a obra, e que, com a realização desta, não lesavam o direito de outrem.<br> Nestes termos, nega-se a revista, condenando-se os recorrentes nas custas.<br> Lisboa, 5 de Novembro de 1998.<br> Macha do Soares,<br> Fernandes de Magalhães,<br> Tomé de Carvalho.</font>
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IzLzu4YBgYBz1XKvvWFS
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa A e B pediram contra C, D, E e sua mulher F, G e sua mulher H e ainda I e sua mulher J o arresto das fracções autónomas designadas pelas letras C e E do prédio urbano sito em Lisboa, para garantia de um crédito seu sobre o anterior proprietário do prédio, por terem impugnado judicialmente a transmissão feita por este a favor da primeira requerida através de contrato de compra e venda, sendo que esta, subsequentemente, prometeu vender, com eficácia real, a totalidade das fracções autónomas do prédio e o direito de uso do respectivo logradouro aos restantes requeridos.<br> Houve despacho de indeferimento liminar, do qual os requerentes agravaram, tendo a Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou improcedente o recurso.<br> Daqui foi interposto recurso de agravo em 2ª instância no qual os agravantes formulam conclusões com o seguinte teor:<br> 1- Os recorrentes analisaram cada um dos fundamentos da decisão da 1ª instância e alegaram, relativamente a cada um desses fundamentos, as razões da sua discordância, assim pondo em crise toda a decisão.<br> 2- Os recorrentes formularam conclusões nas suas alegações de recurso, nas quais indicaram de forma sintética os fundamentos por que pediram a revogação da decisão e que antes desenvolveram.<br> 3- A requerente é beneficiária de um arresto que incide sobre todo o prédio em que se integram as fracções autónomas a arrestar.<br> 4- Os negócios jurídicos celebrados entre os requeridos visam afastar o ónus real que constitui aquele arresto, assim diminuindo a garantia patrimonial do crédito de ambos os requerentes da providência.<br> 5- Os negócios jurídicos celebrados pelos requeridos, se pontualmente cumpridos, visam não só diminuir mas sim excluir a garantia patrimonial do crédito dos requerentes.<br> 6- A requerente mulher tem, por isso, manifesto e directo interesse na causa, sendo por isso parte legítima.<br> 7- Ao decidirem como decidiram, as instâncias violaram o disposto no art. 26º do CPC.<br> 8- Por outro lado, os direitos reais adquiridos pelos 2º, 3º, 4º e 5º requeridos oneram, necessariamente, o direito de propriedade do prédio e por isso, também necessariamente, diminuem a garantia patrimonial do crédito dos requerentes, que consiste nesse mesmo prédio.<br> 9- Acresce que ressalta cristalinamente dos autos, nomeadamente das relações existentes entre os requeridos, a probabilidade séria, senão a certeza, de que os negócios jurídicos entre eles celebrados tendo por objecto o prédio de Lisboa, se destinam a afastar ou dificultar seriamente a satisfação do crédito dos requerentes.<br> 10- Por isso mesmo, os requerentes chamaram à acção principal os 2º, 3º, 4º e 5º requeridos, assim impugnando as respectivas transmissões de direitos reais sobre o prédio que constitui a garantia patrimonial do seu crédito.<br> 11- O nº 2 do art. 619º do CC não pode ser interpretado no sentido de aludir unicamente aos adquirentes da plena propriedade dos bens do devedor, devendo ao invés ser interpretado no sentido de permitir que o arresto seja requerido contra adquirentes de direitos reais sobre os bens do devedor.<br> 12- Só assim se acautelam os direitos dos credores, assegurando-lhes um meio cautelar de conservação da garantia patrimonial dos respectivos créditos.<br> 13- Ao considerarem que os 2º a 5º requeridos não eram partes legítimas, as instâncias violaram o disposto nos arts. 619º do CC e 26º do CPC.<br> 14- De todo o modo, sempre a presente providência cautelar deveria prosseguir e proceder relativamente à 1ª requerida.<br> 15- Acresce que está demonstrada nos autos a probabilidade séria de existência do crédito dos requerentes.<br> 16- Aliás, o facto de existir uma decisão judicial que considera provável a existência de determinado crédito é, por si só, suficiente para demonstrar a probabilidade séria de existência desse mesmo crédito.<br> 17- Por outro lado, o montante do crédito não releva para efeitos de fundamentar um arresto e o crédito dos requerentes é ainda ilíquido, dependendo o seu montante da avaliação judicial do prédio, a efectuar na respectiva acção de indemnização.<br> 18- Finalmente, o prédio em que se integram as fracções a arrestar constitui, por decisão judicial, a garantia patrimonial do crédito dos requerentes e o receio que os mesmos têm de perder essa garantia patrimonial funda-se no facto de a 1ª requerida ter celebrado contratos-promessa de compra e venda, com eficácia real, relativamente a todas as fracções autónomas do prédio.<br> 19- Estão reunidos todos os pressupostos de decretamento da providência cautelar requerida.<br> 20- Quer a 1ª quer a 2ª instâncias negaram aos recorrentes o direito a acautelar a garantia patrimonial de um seu crédito, cuja probabilidade de existência já foi decidida a seu favor, assim violando o disposto no art. 406º e 408º, nº 1 do CPC.<br> <br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vejamos os fundamentos em que assentou o indeferimento da providência.<br> Como o acórdão recorrido foi proferido com o uso da faculdade concedida pelo art. 713º, nº 5 do CPC, nada acrescentando ao constante do despacho de indeferimento proferido pelo Senhor Juiz do 4º Juízo Cível, há que fazer aqui uma síntese dos fundamentos deste.<br> Como fundamentos de facto, compreensivelmente - dado que se trata de um despacho liminar, anterior a qualquer apreciação de prova - encontra-se apenas um resumo do que foi alegado no requerimento inicial, com o seguinte teor:<br> a) Em 10/2/98 o requerente marido e o procurador do proprietário do prédio onde estão integradas as fracções arrestandas fecharam verbalmente a compra e venda do mesmo pelo preço de 110000000 escudos, comprometendo-se ambos a celebrar até 13/2/98 o contrato-promessa;<br> b) Em 13/2/98 aquele procurador informou o requerente marido de que tinha instruções do proprietário para celebrar contrato com I;<br> c) Alegando ter sofrido danos por quebra injustificada das negociações, os requerentes pediram e viram deferido arresto contra L para garantia e pagamento da indemnização de 50000000 escudos;<br> d) Em 26/3/98 os requerentes informaram a 1ª requerida do decretamento do arresto e no dia imediato informaram o proprietário do imóvel;<br> e) Não obstante isso, aquela e este celebraram em 20/4/98 uma escritura de compra e venda do prédio em questão;<br> f) Aquela registou provisoriamente a aquisição do prédio em data anterior ao registo do arresto e deduziu embargos de terceiro ao arresto, pretendendo que lhe não é oponível;<br> g) A mesma celebrou com terceiros contratos-promessa de compra e venda com eficácia real tendo por objecto a totalidade do prédio e vendeu aos seus sócios o direito de uso do logradouro;<br> h) O prédio tem duas fracções devolutas que os requeridos tencionam ocupar, o que diminui ou afasta mesmo a garantia patrimonial do crédito dos requerentes.<br> E os fundamentos jurídicos foram os seguintes:<br> A) A requerente é parte ilegítima porque, sendo casada com o requerente em regime de separação de bens, não se invocaram factos de onde se possa inferir ser ela contitular do direito a acautelar, emergente de negociações que só a ele diziam respeito;<br> B) O nº 2 do art. 619º do CC não pode valer, nem por interpretação extensiva nem por aplicação analógica, de forma a abranger, além do adquirente do prédio, os promitentes compradores do mesmo, o que exclui a possibilidade de o arresto ser pedido contra os 2º, 3º, 4º e 5º requeridos;<br> C) A simples circunstância de, após ter sido ajustada - o que é duvidoso ter sucedido efectivamente - a compra do prédio entre o requerente e o procurador do proprietário, o negócio ter sido celebrado com a 1ª requerida não basta para configurar a existência de um abuso de direito, sem o qual se não verifica a responsabilidade pré-contratual;<br> D) O requerente não alega um único facto que justifique o por si alegado receio de insatisfação do seu alegado crédito.<br> <br> Ao primeiro destes fundamentos respeitam as conclusões 3ª a 7ª acima transcritas.<br> Ao segundo respeitam as conclusões 8ª a 13ª.<br> Ao terceiro respeitam as conclusões 15ª a 17ª.<br> Ao quarto respeita a conclusão 18ª.<br> <br> I - Os requerentes, segundo alegam, são casados em regime de separação de bens.<br> Neste regime não há bens comuns; cada um conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros - art. 1735º do CC -, sem prejuízo de haver situações de compropriedade sobre coisas ou de contitularidade de outros direitos, designadamente direitos de crédito, se o respectivo facto aquisitivo a ambos respeitar.<br> O crédito invocado resulta, de acordo com o alegado nos arts. 4º, 5º, 7º e 10º a 20º do requerimento inicial, do seguinte conjunto de factos:<br> - ter havido um compromisso para venda do prédio, na sequência de contactos entre o procurador do proprietário e o requerente marido, a concretizar num contrato-promessa de compra e venda, não sendo alegado quem neles figuraria, respectivamente, como comprador e promitente comprador;<br> - terem os requerentes feito despesas por confiarem na celebração do contrato verbalmente fechado;<br> - terem resultado para ambos danos não patrimoniais por não poderem ter passado a residir no 1º andar do prédio em causa e por terem perdido tempo com a obtenção de crédito bancário e com a colocação no mercado da sua actual casa;<br> - terem perdido a mais valia de 21000000 escudos, pelo menos, que para eles representaria a compra frustrada.<br> <br> Embora só a respeito desta terceira e última componente do seu crédito os requerentes invoquem a responsabilidade pré-contratual, decorrente da ruptura das negociações aludidas, não se encontra no requerimento inicial, a respeito das duas primeiras, menção de outro facto ilícito que pudesse responsabilizar por elas o então proprietário do prédio, sendo, por isso, de as reconduzir também, naturalmente àquela ruptura e àquele instituto.<br> De acordo com Vaz Serra, Rev. Leg. Jur., ano 110º, pgs. 277-278, e Mota Pinto, Cessão de Posição Contratual, pgs. 350-353, a esta responsabilidade é de atribuir natureza obrigacional, pela sua origem na violação de deveres de boa fé e de consideração pela confiança da outra parte, resultantes, para quem nelas tenha intervindo, da entrada em negociações contratuais.<br> Os seus sujeitos activo e passivo serão, pois, aqueles entre quem as negociações foram estabelecidas em nome próprio ou com invocação de vínculo representativo.<br> Não se tendo invocado que o requerente marido nelas tivesse intervindo também em representação de sua mulher, e não podendo relevar aqui o facto de em anterior arresto requerido contra o então proprietário ter sido dado como provada - provavelmente na sequência do que nesse processo terá sido alegado para além do que consta do requerimento inicial que deu origem ao presente - a intervenção da requerente mulher nas negociações havidas, só aquele foi, com o então proprietário, sujeito da relação jurídica assim nascida. <br> O direito eventualmente emergente da ruptura imputada ao então proprietário não pode, pois, ter por credora a requerente mulher, quer porque não participou nos factos que o originaram, quer porque o mesmo não pode, dado o regime de bens do casamento, ter-se-lhe comunicado.<br> E sempre poderá dizer-se que, a reconhecer-se natureza extra-contratual à responsabilidade pré-contratual - o que é defendido entre nós por Almeida Costa, Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato, pg. 93-95 -, sempre escasseariam decisivamente, no presente caso, factos integradores de um adequado nexo causal conducente à produção de danos em que fosse lesada a requerente mulher.<br> Com o que, concluindo-se ser-lhe alheia a relação jurídica em causa, não é de lhe reconhecer legitimidade activa, à luz do critério legal - cfr. art. 26º, nº 3 do CPC.<br> Invocam os agravantes ser ela já beneficiária de um arresto para garantia de um crédito de que é titular e que parece evidente que ao fechar o negócio o requerente marido agiu em seu próprio nome e também em nome de sua mulher.<br> Esta última consideração não colhe; se tal se passou dessa forma, trata-se de facto que não foi oportunamente alegado e que, por isso, não podemos considerar.<br> Por outro lado, não se discute nestes autos a subsistência desse arresto; pretende-se neles que se decrete um outro, que só poderá ter como sujeito activo quem for credor na relação creditícia que lhe servirá de fundamento; e nela, como se viu, não participa a requerente mulher.<br> <br> II - Interessa saber, no âmbito da segunda questão a tratar, se os requeridos mencionados nos 2º a 5º lugares têm legitimidade passiva.<br> Como se disse, eles são promitentes compradores, com eficácia real, do prédio - caso dos referidos nos 2º e 5º lugares - e adquirentes de um direito de uso sobre o logradouro do mesmo - caso dos referidos nos 3º e 4º lugares.<br> Os seus direitos emergem de negócios jurídicos em que foi sujeito passivo a 1ª requerida, adquirente do prédio por compra e venda outorgada com L - o proprietário que, através de procurador, teve negociações com o primeiro requerente.<br> Embora o arresto apenas seja possível, em princípio, sobre bens do devedor por força do nº 1 do art. 619º do CC, permite o nº 2 deste preceito que a mesma medida seja requerida contra o adquirente dos bens do devedor caso a transmissão tenha sido judicialmente impugnada.<br> Suscita-se, pois, a questão da legitimidade passiva neste procedimento cautelar.<br> Uma primeira observação se impõe.<br> Quando o art. 406º, nº 2 do CPC diz que valem para o arresto, em princípio, as disposições relativas à penhora não faz uma remissão para todas as regras relativas à execução, designadamente as constantes dos arts. 55º e 56º do mesmo diploma.<br> Assim, a legitimidade passiva no arresto não coincide com a posição de devedor num título executivo - o qual até nem existirá na maior parte dos casos - nem com a titularidade de bens onerados com garantia real que beneficie uma dívida de outrem.<br> Sem necessidade de recorrer à regra geral contida no já citado art. 26º, nº 3 do CPC e ao critério do encabeçamento da relação jurídica de que é conteúdo o direito a acautelar, devemos atentar nas indicações que a própria lei civil dá a este respeito.<br> Por um lado, o art. 619º, nº 1, em linear coerência com o art. 817º do CC, diz que o arresto pode ser requerido sobre bens do devedor, no que é secundado pelo nº 1 do citado art. 406º; assim sucedeu no arresto decretado já sobre o prédio, na medida em que pertenceria ao aludido L.<br> Por outro lado, o nº 2 do mesmo art. 619º prevê ainda o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, se a respectiva transmissão tiver sido judicialmente impugnada. Esta hipótese pode verificar-se, não só quando essa transmissão for objecto de impugnação pauliana - que, como se lê em Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pg. 637, é o caso directamente previsto -, mas também quando for arguida de nula ao abrigo do art. 605º do mesmo Código. <br> Quem é, neste caso, o adquirente contra quem pode ser requerido o arresto?<br> Por comodidade referir-nos-emos apenas, doravante, ao caso directamente previsto e em causa nestes autos, que é, como se disse, o da impugnação pauliana.<br> A procedência desta envolve, desde logo, em relação ao credor impugnante a ineficácia do acto impugnado e a possibilidade de execução do bem transmitido para o terceiro - se transmissão tiver havido, o que não é indispensável, já que se não exige a venda, mas tão somente um acto que envolva diminuição de garantia patrimonial, como será a constituição de qualquer direito real menor - como se tivesse retornado ao património do devedor transmitente.<br> Daí que o arresto pudesse ter sido requerido contra a C, compradora do prédio - e cuja legitimidade passiva se não pôs em dúvida.<br> Porém, o art. 613º, nº 1 do CC permite que a impugnação pauliana seja estendida a transmissões posteriores, possibilidade esta que é alargada, no seu nº 2, à constituição de direitos a favor de terceiro e que tenham como objecto o bem transmitido.<br> Esta hipótese valerá, pois, no tocante a direitos reais que não sejam o direito de propriedade; alude-se a este propósito, exemplificativamente, a hipotecas, usufrutos e servidões - cfr. autores e obra citados, pg. 631 -, mas a mesma razão de ser leva a que a este regime fiquem também sujeitos o direito de uso e habitação e os próprios direitos reais de aquisição; trata-se de direitos que, por força dos efeitos da procedência da impugnação pauliana, verão a sua existência ou alcance postos em crise.<br> Uma vez que, no caso do citado nº 2 do art. 619º, o arresto visa acautelar os efeitos da impugnação, designadamente a pauliana, a legitimidade passiva para o respectivo processo terá que coincidir com a legitimidade passiva para a acção de impugnação. É o que decorre da instrumentalidade substantiva da providência face ao direito subjectivo a proteger e da dependência do procedimento cautelar face à acção onde ele é discutido.<br> Logo, os adquirentes aí referidos serão todos os primeiro e subsequentes compradores, mas também todos os primeiros e subsequentes adquirentes de outros direitos reais menores; ao dizê-lo não se está a fazer, contra o que as instâncias supuseram, quanto ao preceito aqui em vista uma interpretação extensiva nem, muito menos, uma aplicação analógica, mas antes a reconstituir o pensamento legislativo nele directamente expresso.<br> <br> Assim se conclui pela legitimidade passiva dos 2º, 3º, 4º e 5º requeridos.<br> As decisões das instâncias, aliás, não atentaram em que a afirmação, que fizeram, de que os promitentes compradores não eram, para este efeito, adquirentes as não habilitava a também excluir do campo da legitimidade passiva os subsequentes adquirentes de um direito de uso, assim resultando infundamentadas as suas decisões quanto a estes.<br> <br> III e IV - Com os terceiro e quarto argumentos as instâncias afirmaram não estarem configurados, ao nível do alegado no requerimento inicial, os requisitos necessários para o decretamento do arresto.<br> São eles habitualmente designados como o "fumus boni juris" - requisito substantivo da procedência dos procedimentos cautelares em geral e que consiste na probabilidade séria da existência do direito ameaçado, sem o que, de acordo com o art. 387º, nº 1 do CPC, a providência não será decretada - e o "periculum in mora" - ou seja, como diz o art. 381º, nº 1 do mesmo diploma, o risco de ser causada ao direito uma lesão grave e dificilmente reparável, a evitar mediante uma providência conservatória ou antecipatória que assegure a efectividade desse direito.<br> Por força da regra geral segundo a qual cabe a quem invoca um direito alegar e provar os respectivos elementos constitutivos - art. 342º, nº 1 do CC -, recai sobre o requerente do arresto o ónus da demonstração da verificação destes requisitos.<br> Há, porém, razões para entender que nesta modalidade específica de providência a lei é menos exigente do que na generalidade dos restantes casos.<br> O nº 1 do art. 619º do CC condiciona o arresto comum à existência do justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito, o que faz recair sobre o credor o ónus de alegar e provar, com suficiente grau de probabilidade, que o crédito existe e que a sua efectivação prática, ou cobrança, corre risco se não for decretado o arresto. O art. 407º, nº 1 do CPC é espelho fiel deste encargo.<br> Mas o nº 2 daquele art. 619º estatui, de modo mais sumário, que o arresto pode ser requerido pelo credor contra o adquirente de bens do devedor, caso tenha sido judicialmente impugnada a transmissão.<br> Não se afirma aqui, designadamente, que esta segunda modalidade de arresto está condicionada à verificação da viabilidade da impugnação nem da necessidade da apreensão do bem transmitido para acautelamento da eficácia prática do direito de crédito invocado.<br> E o nº 2 do citado art. 407º confirma esta diferença, na medida em que, alargando a possibilidade de ser requerido o arresto aos casos em que ainda não tiver sido impugnada a aquisição - com o que excede aquela previsão do CC -, manda que nestes casos - e, naturalmente, só neles, ao contrário do que se passa na primeira hipótese visada - sejam deduzidos os factos que tornem provável a procedência da impugnação.<br> Nada disto tem lugar quando já tiver sido intentada a acção de impugnação, ficando o requerente dispensado de alegar e provar os factos reveladores da viabilidade desta, o que bem se compreende se atentarmos no regime especial que quanto ao ónus da prova consta do art. 611º do CC.<br> Nem tem que provar a impossibilidade de satisfação do seu direito de crédito por parte do devedor, nem tem que provar o risco de que o adquirente do bem transmitido o faça sair do seu património; o risco de perda da garantia patrimonial é de aferir face ao património do devedor transmitente - e não face ao do adquirente - e é evidenciado pela procedência da impugnação.<br> Caberá apenas ao requerente o encargo de demonstrar, sempre com atenção à menor exigência de certeza própria dos procedimentos cautelares, que é credor.<br> <br> É altura de apreciar os fundamentos substanciais determinantes da solução adoptada pelas instâncias, os quais são os que no resumo do despacho de indeferimento liminar constam de C) e D).<br> O que acabámos de dizer sobre o que se exige, nestes casos, do requerente do arresto basta para mostrar a nossa discordância quanto ao que consta de D).<br> E quanto à invocada falta de requisitos indispensáveis para a configuração da responsabilidade pré-contratual?<br> Prevê expressamente o art. 227º, nº 1 do CC que a inobservância, por um dos contraentes, das regras da boa fé, tanto nos preliminares de um contrato como na formação deste, pode fazer incorrer na obrigação de reparar os danos causados à outra parte.<br> Trata-se de uma boa fé em sentido ético, que se não limita a uma atitude psicológica, antes tem como critério o que de justo ou injusto se faz recair sobre a outra parte.<br> Um dos campos de aplicação deste princípio é o da ruptura de negociações entabuladas, sem que se conclua o contrato tido em vista<br> Atende-se, aqui, a que "... o interesse do contratante em face do qual a ruptura se produza consiste em que seja poupado ao máximo a actividades e a dispêndios inúteis" - cfr. Almeida Costa, estudo citado, pg. 52.<br> E, versando especialmente a hipótese de essa ruptura ocorrer, não durante o processo negocial, mas já com o negócio fechado e faltando apenas a sua formalização, aí se lê, a pgs. 65-66: "A forma é apenas exigida para a celebração do contrato, envolvendo o encontro definitivo da proposta e da aceitação. Nada impede que decorra um anterior processo negociatório, em função do qual surjam, nos termos gerais, os problemas da confiança e da ruptura ilegítima. ............ Pode mesmo verificar-se a hipótese de o negócio se haver realizado «de facto», quer dizer, não revestido da forma jurídica exigida. Pense-se que A e B ajustaram verbalmente um contrato para ser reduzido a escrito, como a lei impõe; se A depois desiste desse contrato, antes de subscrevê-lo, responde, em princípio, pelos danos causados a B, tais como os derivados de despesas feitas com a preparação do documento, o pagamento do imposto de transmissão, a obtenção da sua contrapartida a entregar no acto da assinatura."<br> Estas considerações retratam, de modo muito próximo, o quadro descrito no requerimento inicial e concorrem no sentido da viabilidade da pretensão formulada, pelo que o despacho de indeferimento liminar não é de manter nos precisos termos em que foi proferido; dele apenas é de manter, como resulta do que se disse acima, a exclusão da requerente mulher, por ilegitimidade activa.<br> Em face do exposto concede-se provimento parcial ao agravo, mantendo-se o indeferimento liminar no tocante à requerente mulher e, no mais, deixando-se afirmada a legitimidade passiva dos requeridos indicados em 2º, 3º, 4º e 5º lugares e determinando-se o prosseguimento dos autos na 1ª instância com vista ao apuramento dos factos pertinentes e prolação de decisão que, conforme for devido, conceda ou negue o arresto pedido.<br> Custas a suportar definitivamente pelos requerentes na proporção de 1/5; o restante, a atender na acção, será por eles adiantado.<br> Lisboa, 8 de Fevereiro de 2001.<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra a B, formulando um pedido indemnizatório no valor de 4800000 escudos, acrescido dos juros moratórios vencidos, à taxa legal, desde a notificação judicial avulsa, ou seja, 14 de Maio de 1992, no valor de 348960 escudos e vincendos até efectivo e integral pagamento, decorrente de danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de acidente de viação.<br> Alega culpa exclusiva do segurado da Ré na verificação do acidente de viação.<br> Citada, contesta a Ré dizendo, no essencial, que a ocorrência do acidente se ficou a dever à conduta do A. que violou o disposto no artigo 8º, nº 1, do Código da Estrada à data em vigor.<br> Proferido despacho saneador e elaborados a especificação e o questionário, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença em 16 de Julho de 1996, que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a Ré ao pagamento total da quantia de 1805014 escudos, sendo 1000000 escudos a título de danos morais e o restante (805014 escudos) por danos materiais, assim distribuídos: (a) Quantitativo de 176610 escudos (actualizado para o montante de 205014 escudos, em consequência da desvalorização monetária de 16,1% entre a data do acidente e Maio de 1992) referente a deslocações, alimentação (60000 escudos), honorários médicos, medicamentos, meios auxiliares de diagnóstico (87500 escudos) e reparação do velocípede (29110 escudos); (b) Quantitativo de 600000 escudos, referente a danos patrimoniais futuros, em resultado da desvalorização advinda da incapacidade parcial permanente sofrida. Mais foi decidido que sobre o montante devido a título de danos materiais - ou seja, 805014 escudos - incidem juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral e efectivo pagamento.<br> Apelaram ambas as partes.<br> Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de Março de 1998, foi decidido julgar improcedente o recurso interposto pala Ré Seguradora e julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo A., elevando-se de 600000 escudos para 800000 escudos o montante indemnizatório por danos patrimoniais futuros, mantendo-se, no mais, inalterada a decisão da 1ª instância.<br> Inconformadas, recorreram ambas as partes, vindo, no entanto, por falta de alegações, a ser julgado deserto o recurso interposto pela Ré - cfr. fls. 167.<br> Ofereceu o Autor, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1º - O douto Acórdão recorrido não tomou, salvo o devido respeito, na devida consideração os métodos utilizados para determinação do montante a atribuir, a título de frustração da capacidade de ganho.<br> 2º - Ainda que se admita como referência para o futuro o salário mínimo nacional como remuneração mensal e ficcionando o final da sua vida activa com o advento da idade da reforma, não poderá deixar de se concluir por uma indemnização inferior a 1500000 escudos (um milhão e quinhentos mil escudos).<br> 3º - Não obstante haver que considerar, como vai sendo entendimento corrente da jurisprudência dos Tribunais superiores, no montante a indemnizar a este título diversos factores, como sejam, modificações nos valores inflacionários e previsíveis evoluções nos salários.<br> 4º - Daí que, perante a impossibilidade de calcular com certeza bastante todos esses elementos, se procure, por recurso à equidade, encontrar uma quantia que satisfaça tais desideratos, colocando o lesado na situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.<br> 5º - Qualquer dos métodos pelos quais é usual o cálculo da frustração da capacidade de ganho, devidamente temperado pelo sempre prudente juízo equitativo, conduzirão a uma indemnização não inferior a 1500000 escudos (um milhão e quinhentos mil escudos), que se reputa de justa e equilibrada e se reclama.<br> 6º - Conjugando todos os critérios definidores da indemnização que deverá ser atribuída a título de danos não patrimoniais e demonstrados nos autos, tem-se por justo e equitativo o montante de 1200000 escudos (um milhão e duzentos mil escudos).<br> 7º - Sendo certo que o normativo previsto no artigo 496º do Código Civil tem, não só por finalidade compensar o lesado, mas também sancionar a conduta do lesante.<br> 8º - A contagem dos juros de mora, à taxa legal, deverá ter início a partir da data da notificação judicial avulsa, por esta exprimir, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito.<br> 9º - Dado equiparar-se, para efeitos de interrupção da prescrição, à citação ou notificação, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito possa ser exercido.<br> 10º - Através da notificação judicial avulsa o obrigado tomou conhecimento de que o titular pretende exercer o direito, bem como do montante em que se constituiu devedor.<br> 11º - Pelo que constitui, para efeitos de juros moratórios legais, uma verdadeira interpelação judicial para cumprimento, nos precisos termos do nº 1 do artigo 805º do Código Civil.<br> 12º - "Sobre o quantum indemnizatório são devidos juros desde a citação" (ou da notificação judicial avulsa, se existir) "nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, quer se trate de danos patrimoniais, quer de danos não patrimoniais" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, Col. De Jur., Ano V, Tomo I, pág. 163).<br> 13º - Porque, quer num caso, quer noutro, se trata de quantias devidas ao lesado que não lhe foram pagas no momento próprio, não estabelecendo o corpo do nº 3 do artigo 805º do Código Civil qualquer distinção entre uns e outros.<br> 14º - Sendo certo que a actualização de qualquer das quantias devidas só ocorrerá até à data da interpelação judicial para pagamento (notificação judicial avulsa), momento em que se inicia a contagem dos respectivos juros, revogando-se nesta parte a douta decisão recorrida.<br> 15º O douto Acórdão recorrido violou os artigos 483º, 494º, aplicável "ex vi" do artigo 496º, 562º, 563º, 566º e 805º do Código Civil.<br> Notificada, a Ré não contra-alegou.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>1 - Não surge impugnada, na presente revista, a matéria de facto dada como provada pelas instâncias, nem há lugar a qualquer alteração a introduzir-lhe. Pelo exposto, e atento o estabelecido pelo artigo 713º, nº 6, do CPC, remete-se para os termos da decisão da 1ª instância que decidiu aquela matéria.<br> 2 - São duas as questões suscitadas: (a) a primeira tem que ver com a determinação do "quantum" indemnizatório, estando em causa, por um lado, o montante correspondente aos danos patrimoniais futuros, como consequência da diminuição da capacidade de ganho resultante da incapacidade parcial permanente de 5% sofrida pelo Autor e, por outro, o montante indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais; (b) a segunda prende-se com o pagamento dos juros moratórios, desdobrando-se também em duas sub-questões - uma sobre a data do início da contagem dos juros de mora que, segundo o recorrente, deverá ser a da notificação judicial avulsa; outra, acerca da incidência dos mesmos sobre o montante indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais.<br> III<br> 1 - A primeira questão suscitada neste recurso respeita ao montante da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, resultantes da limitação da incapacidade parcial permanente sofrida, com um coeficiente de desvalorização de 5%. <br> Recorde-se que o Recorrente pretende que, a esse título, lhe seja atribuído um montante indemnizatório não inferior a 1500000 escudos (cfr. conclusões 1ª a 5ª), tendo-lhe sido atribuída, na 1ª instância, a quantia de 600000 escudos, a qual foi elevada pelo acórdão recorrido para 800000 escudos.<br> Trata-se, pois, de danos futuros, a que o nº 2 do artigo 564º do Código Civil (diploma a que pertencerão as disposições que vierem a ser citadas sem indicação de referência) manda atender desde que sejam previsíveis.<br> Considerando, porém, que os danos patrimoniais futuros estão tantas vezes estreitamente associados com os danos não patrimoniais, recorda-se, desde já, que o montante indemnizatório atribuído a este título pelas instâncias foi de 1000000 escudos, pretendendo o Recorrente que o mesmo seja elevado para 1200000 escudos (cfr. conclusão 6ª).<br> Seleccionemos, de entre a factualidade dada como provada, os factos relevantes para a ponderação do "quantum" indemnizatório devido a ambos os títulos indicados - danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais.<br> Assim:<br> - O Autor apresenta actualmente como consequência do acidente: ligeira sintomatologia dolorosa do ombro esquerdo; dores à pressão de longa porção do bicípede esquerdo; cicatrização a nível da região maleolar externa à esquerda;<br> - Os exames radiográficos actuais confirmam sinais de fractura antiga da omoplata esquerda;<br> - Como decorrência das lesões sofridas o A. apresenta ligeira sintomatologia dolorosa do ombro esquerdo;<br> - Essa sequelas conferem-lhe uma incapacidade parcial permanente com um coeficiente de desvalorização de 5%;<br> - O A. teve ainda de suportar em resultado do acidente fortes dores e incómodo e as sequelas das lesões repercutir-se-ão e permanecerão na pessoa do A. para o futuro.<br> Analisando os factos elencados, pode sublinhar-se o seguinte:<br> a) As dores e sequelas que, do ponto de vista da perda de alguma qualidade de vida, irão prolongar-se pelo resto da vida, são padecimentos subsumíveis à categoria dos prejuízos não patrimoniais; <br> b) Da incapacidade permanente parcial de 5% resulta obviamente uma limitação da capacidade de ganho, com tradução provável no trabalho actual e futuro do Autor. <br> c) As dores, o incómodo e o mal-estar que o acompanharão para o resto da vida poderão, com probabilidade, ter reflexos ao nível da sua produtividade, abrangendo o que se refere à respectiva efectividade e assiduidade ao serviço. <br> d) Factores que, quando determinantes de faltas ao trabalho ou de redução da quantidade de serviço prestado, poderão ser, naturalmente, causa de descontos de salários ou de outras consequências no plano remuneratório ou de carreira - eventual redução de prémios ou subsídios, perda ou atraso na ascensão profissional, etc.<br> Isto quer dizer que tais danos, de natureza patrimonial, se encontram estreitamente ligados com os antecedentemente referidos, de carácter não patrimonial.<br> Como "pauta" tendencialmente normalizadora, tendo em vista uma apreciação mais objectiva, no caso de perda de capacidade laboral do lesado, a indemnização é frequentemente calculada tendo em atenção o tempo provável de vida activa dele, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao seu esgotamento, a vítima dos ganhos do trabalho que perdeu ou pode perder - veja-se, a propósito, e a título de exemplo, o acórdão do STJ de 12-06-1997, Processo nº 95/97, 2ª Secção. Critério de que devem estar, no entanto, ausentes espartilhos inviabilizadores de uma ponderação com base na equidade.<br> Mas, como se reconheceu no acórdão deste STJ de 28-05-1998, Processo nº 337/98, 2ª Secção, "por vezes, a incapacidade parcial permanente resultante de acidente de viação não se traduz, ao menos em face dos factos alegados e provados nos autos, num dano de natureza patrimonial".<br> Danos patrimoniais e não patrimoniais devem, então, ser ponderados num juízo prudente com recurso à equidade, mais não sendo o salário do que uma referência quantitativa indiciadora de rendimentos auferidos e de prejuízos sofridos ou a sofrer em consequência de uma IPP de 5%.<br> Como se escreveu no acórdão deste STJ de 28 de Setembro de 1995, Recurso nº 87092, 2ª Secção, in C.J., Acórdãos do STJ, Ano III, 1995, Tomo III, págs. 36 e seguintes, "depois de um período de entusiasmo por, ao que julgámos, ter encontrado um método certo, seguro e justo para o cálculo da indemnização a arbitrar pelos danos futuros, inclinamo-nos para pôr de parte as respectivas tabelas e confiarmos preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade (artigos 564º, nº 2, 566º, nº 3, e 496º, nº 3)".<br> É que, como se ponderou nesse acórdão, "é notório que a incapacidade parcial não está relacionada directamente com a remuneração auferida", embora possa ser determinante, indirectamente, do montante da remuneração. Ou seja, não se verifica qualquer relação proporcional necessária entre a incapacidade funcional e o salário auferido pelo exercício profissional.<br> Outro aspecto que não é, por vezes, devidamente considerado na determinação do "quantum" indemnizatório por danos futuros, é o de que, finda a vida activa do lesado, não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado.<br> Quanto aos danos não patrimoniais, o artigo 496º, nº 3, manda fixar o montante da respectiva indemnização equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, ou as flutuações do valor da moeda (cfr. o acórdão do STJ de 26 de Maio de 1993, in C.J. Acórdãos do STJ, Ano I, 1993, Tomo II, págs. 130 e seguintes) (1) Cfr. também, acerca deste ponto, os Acórdãos do STJ de 23-10-1979, na R.L.J., Ano 113º, pág. 91, e de 18-03-1997, na C.J. Ano V, Tomo I, 1997, págs. 163 e segs., e Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., pág. 629).<br> Deverá ter-se ainda presente que a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu recentemente neste STJ, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar - cfr. Acórdão de 28-05-1998, Revista nº 337/98, já citado.<br> <br> Ora, tendo presente o quadro fáctico acima reproduzido, o (reduzido) coeficiente de desvalorização - de 5% -, os padecimentos sofridos e as sequelas apresentadas - fortes dores, aquando do acidente e da respectiva recuperação, ligeira sintomatologia dolorosa actual do ombro esquerdo -, sem esquecer os demais parâmetros a considerar, já elencados - têm-se como ajustados os montantes indemnizatórios atribuídos pelo acórdão recorrido, respectivamente, nas quantias de oitocentos mil escudos por danos patrimoniais futuros e de um milhão de escudos, pelos danos não patrimoniais, com a diferença, que se sublinha, em relação à sentença da 1ª instância, de que tais montantes se reportam à data em que foi levada a efeito a notificação judicial avulsa da Ré, ou seja, 14 de Maio de 1992, em conformidade, aliás, com o pedido formulado pelo Autor - cfr. fls. 9 -, ao que acresce que, sendo tal indemnização fixada com recurso à equidade, não seria caso de fazer funcionar a correcção monetária.<br> <br> 2 - Passemos à segunda questão, relativa ao pagamento dos juros moratórios.<br> Nos casos de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco são devidos, ao menos em princípio, juros legais desde a citação, pois só então o devedor fica constituído em mora - artigos 804º, nº 1, 805º, nº 3, e 806º, nº 1).<br> E diz-se "em princípio", porque haverá constituição em mora antes da citação se o crédito se tiver tornado - e a partir do momento em que se tornou - líquido, ou se, continuando ilíquido, a falta de liquidez for imputável ao devedor - cfr. 1ª parte do nº 3 do artigo 805º.<br> Se bem se atentar no disposto pelo artigo 805º, nº 3 (2) (Norma que, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho, passou a dispor o seguinte: "Se o crédito for líquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número"), tal norma não estabelece distinção entre a indemnização por danos patrimoniais e a indemnização por danos não patrimoniais.<br> E nenhuma razão há para distinguir, na medida em que, em qualquer dos casos, estamos perante quantias devidas ao lesado que não lhe foram pagas no momento próprio (3) Cfr., a título de exemplo, o acórdão deste STJ de 18 de Março de 1997, já citado.<br> A diferença de critérios na fixação dessas indemnizações não implica que a contagem de juros deva obedecer a regime diverso. Com efeito, em ambos os casos o crédito era "ilíquido" e só posteriormente se tornou "líquido".<br> Trata-se de orientação que tem vindo a ser sufragada por forma largamente maioritária por este Supremo Tribunal. Quer isto dizer que sobre o "quantum" indemnizatório correspondente aos danos não patrimoniais também são devidos juros moratórios. <br> Mas ... desde quando?<br> <br> 3 - Como escreve Correia das Neves ("Manual dos Juros - Estudo Jurídico de Utilidade Prática", 3ª edição, pág. 317): "O facto de se concluir por um pedido líquido, específico, não é o mesmo que se dizer nem significa que a obrigação é ou está líquida". "(...) na grande maioria dos casos de obrigação por danos, especialmente no campo da responsabilidade extracontratual, é praticamente impossível ao devedor saber com precisão quanto deve indemnizar. Todos sabemos como é difícil calcular os danos decorrentes de um acidente de viação, onde, além do mais, intervirão ou poderão intervir, danos morais ou perdas de ganho ou incapacidades, mais ou menos duradouras, mais ou menos profundas. Não se deve, pois, aí considerar o devedor culpado da iliquidez, como regra".<br> Embora no domínio da redacção do artigo 805º anterior à entrada em vigor do DL nº 262/83, de 16 de Junho, escreveu-se em acórdão da Relação de Évora de 12/01/1978 (4) (Cfr. "Colectânea de Jurisprudência", Ano III, Tomo I " 1978, pág. 206), o seguinte: "(...) os autores em acidente de viação são credores duma indemnização ilíquida - só o pedido é líquido - e, por isso, apenas a partir do momento em que o Tribunal fixou o montante da indemnização é que esta se tornou líquida".<br> A obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo ou, como se extrai do sumário de acórdão deste STJ de 18/12/1990 "(...) quando não estiver fixada predeterminadamente nem houver critérios rígidos ou facilmente contabilizáveis para a sua determinação".<br> O crédito que advém da obrigação de indemnização por danos decorrentes de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, designadamente, por danos morais ou por danos patrimoniais por diminuição permanente, parcial, ou total, da capacidade de ganho, emergentes de acidente de viação, não é um crédito líquido (5) (Cfr. Correia das Neves, op. cit., pág. 308), nem o passa a ser face à circunstância de o respectivo titular o avaliar em determinada quantia.<br> Significa isto que, ainda que o devedor venha a ser interpelado pelo credor através de notificação judicial avulsa (ou extrajudicialmente) para proceder ao pagamento, do facto não resulta necessariamente que o referido devedor possa ser considerado em mora desde a data da interpelação, uma vez que o crédito pode continuar ilíquido, não obstante a quantificação global "arbitrariamente" efectuada pelo credor.<br> Pode ler-se em sumário de Acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/1995: "Os juros de mora legais são devidos desde a citação e não desde a notificação judicial avulsa em que a Autora fez notificar a Ré para pagar a indemnização a que se arrogou ter direito".<br> Ou seja, em face da economia do nº 3 do artigo 805º, o cômputo dos juros apenas teria lugar a partir da data da notificação judicial avulsa, se da mesma resultasse a liquidez do crédito, assim se constituindo o devedor em mora. De outro modo, o devedor constitui-se em mora efectivamente desde a citação. Parece ser esta a lição a extrair do Acórdão deste STJ de 17/06/97, processo nº 47/97, da 1ª secção.<br> O ora recorrente cita, nas suas conclusões, dois Acórdãos: O Ac. do STJ de 18/03/97 (in C.J. - Acórdãos do STJ - Ano V, tomo I, 1997, pág. 163 e seguintes) e o Ac. do STJ de 20/04/94 (in Acórdãos Doutrinais", Ano XXXIII, Agosto/Setembro de 1994, nºs 392/393, págs. 1051 e segs.), de modo a poder inculcar a ideia de que os mesmos estabelecem a notificação judicial avulsa como definindo o momento do início do cômputo dos juros moratórios.<br> Mas assim não é. É certo que o segundo dos citados arestos trata da notificação judicial avulsa. Fá-lo, no entanto, a propósito da aptidão de tal notificação para interromper a prescrição, não se debruçando sobre a questão do início da contagem dos juros moratórios como ocorrendo no momento em que essa notificação judicial teve lugar.<br> O Ac. do STJ de 18/03/97, por sua vez, nem sequer foca problemática decorrente da notificação judicial avulsa.<br> Que a notificação judicial avulsa é meio adequado à interrupção da prescrição do direito que através dela alguém manifesta a intenção de exercer, é matéria que não se discute, perante o Acórdão deste STJ nº 3/98, de 26/03/98, para uniformização de jurisprudência (6) Publicado na I Série-A do D.R. nº 109, de 12.05.98. Também ninguém duvida que a notificação judicial avulsa constitui uma das formas de interpelar o devedor. Daí não resulta, porém, que, em todos os casos em que se efectua a notificação judicial avulsa do devedor, intimando-o a pagar determinada quantia, se deva considerar esse como o momento em que se inicia a contagem dos juros de mora.<br> 4 - Revertendo ao caso sub judice: O Autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré em 24/04/92, tendo a mesma sido levada a efeito em 14/05/92.<br> Ora, os termos do requerimento para notificação judicial avulsa da Ré - cfr. fls. 29 e 30 - reforçam a ideia de que não se pode considerar a mesma em mora desde a data em que tal notificação judicial se efectuou. Com efeito, nesse requerimento, o ora recorrente, pedindo a notificação judicial avulsa da Ré para lhe pagar, de imediato, a quantia de 4800000 escudos (acrescida de juros desde a interpelação), diz respeitar tal quantia ao cômputo global dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, sem indicar concretamente os danos sofridos, e sem distinguir naquele montante global as parcelas correspondentes aos diferentes tipos de danos (em função das suas distintas naturezas), não destrinçando sequer aqueles danos materiais desde logo quantificáveis.<br> Assim, através da notificação judicial em apreço, não ficou a Ré habilitada a ponderar, por não dispor, designadamente, da informação relativa aos montantes autonomizados dos danos patrimoniais e dos danos não patrimoniais, sobre se a pretensão do recorrente era de aceitar, ainda que parcialmente, v. g. no concernente aos danos patrimoniais.<br> Diz o Recorrente na conclusão 10ª o seguinte: Através da notificação judicial avulsa o obrigado tomou conhecimento de que o titular pretende exercer o direito, bem como do montante em que se constituiu devedor.<br> A verdade, porém, é que, como se viu, através da notificação judicial avulsa não foram definidos os quantitativos correspondentes às parcelas da indemnização global. Nessa medida, desconhecendo a requerida os montantes imputados aos diferentes tipos de danos sofridos, inclusivamente o "quantum" correspondente aos danos patrimoniais cuja quantificação era, desde logo, possível efectuar - caso das despesas médicas e medicamentosas bem como das resultantes da reparação do velocípede -, ficou a mesma impossibilitada de, ainda que parcialmente, aceitar a pretensão (porque desconhecida) do ora requerente. Ou seja, o crédito manteve-se ilíquido, não obstante a notificação judicial avulsa.<br> Do exposto resulta que as quantias a atribuir ao recorrente como indemnização pelos danos sofridos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, deverão vencer juros de mora, não desde a data em que se efectuou a referida notificação judicial avulsa da ora recorrida, mas sim a partir da citação desta.<br> Em suma: Mantendo-se os montantes indemnizatórios atribuídos pelo acórdão recorrido, respectivamente, nas quantias de oitocentos mil escudos por danos patrimoniais futuros (7) (Nada se diz, por não se tratar de matéria que caiba no âmbito da presente revista, acerca do "quantum" indemnizatório relativo aos restantes danos materiais.) e de um milhão de escudos pelos danos não patrimoniais, decide-se, no entanto, que qualquer dos referidos quantitativos vencerá juros de mora nos termos legais desde a data da citação.<br> No demais improcede o recurso.<br> Termos em que se concede parcialmente a revista.<br> Custas pelas partes na proporção de dois terços para o Recorrente e um terço para a Recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.<br> Lisboa, 5 de Novembro de 1998.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A - Sociedade Imobiliária, S.A., deduziu embargos de executado, contra B - S.A., relativos à execução que esta lhe move para pagamento da quantia exequenda de 30503000 escudos.<br> Alega, para tanto, que a execução embargada se funda na fotocópia (certificada por notário) de uma letra, não valendo tal fotocópia como título executivo, que o original da letra foi entregue espontaneamente pela embargada à embargante, o que significa que aquela renunciou à sua utilização como título executivo e, que a dívida exequenda, se existisse, era inexigível pois a letra ainda não está vencida.<br> Conclui pela procedência dos embargos, com a consequente extinção da execução.<br> Contestou a embargada, pronunciando-se pela exequibilidade da fotocópia do título e pela exigibilidade da obrigação, considerando que a letra está vencida.<br> Conclui pela improcedência dos embargos.<br> Logo a seguir aos articulados foi proferida sentença onde, julgando-se procedentes os embargos, se julgou extinta a execução, entendendo-se para esta decisão que a fotocópia da letra não é título executivo.<br> A embargada apelou.<br> No Tribunal da Relação de Lisboa, conhecendo desse recurso veio a ser proferido Acórdão, então a dar provimento à apelação, com revogação da sentença recorrida, por se haver entendido que a fotocópia autenticada da letra vale neste caso como título executivo, e devendo os autos prosseguir para a resolução das restantes questões suscitadas, que envolvam factos controvertidos.<br> Desse Aresto, inconformada, recorreu, então, a dita embargante, o que constitui o objecto da presente revista para este STJ.<br> Alegando para o efeito, foram formuladas as seguintes conclusões:<br> A) - Foi instaurada pela B uma acção executiva contra a A (na qualidade de avalista), nos termos da qual foi dada à execução uma fotocópia notarial de uma letra de câmbio;<br> B) - Ora, atento o princípio da incorporação que caracteriza o regime cambiário, a regra é a de que a posse da letra é condição necessária para o exercício do direito nela mencionado;<br> C) - Pelo que, sendo a posse da letra condição indispensável ao exercício do direito nela mencionado, com vista à efectivação do seu direito cambiário, os exequentes carecem de estar na posse da respectiva letra, não bastando, pois, a sua fotocópia, ainda que certificada notarialmente;<br> D) - Um dos caracteres que dominam as obrigações cambiárias e que lhes dão fisionomia própria é a incorporação da obrigação no título, ou seja, ainda que a fotocópia seja certificada pelo notário, não tem incorporada, ao invés da própria letra, a obrigação cambiária, na medida em que a letra é um documento comercial que constitui o próprio fundamento do direito nela mencionado;<br> E) - Sendo esse o princípio geral que decorre do direito cambiário, aquele que dá à execução uma fotocópia notarial deve sempre encontrar-se na posse do respectivo original, o que não se sucede no caso "sub-judice";<br> F) - Ou seja, só o portador do original da letra é que pode obviamente reclamar o pagamento da mesma;<br> G) - Mesmo que se considere a possibilidade de situações excepcionais em que se justifica o uso de cópia autenticada da letra como título executivo - o que se não admite - nunca o âmbito dessas situações abarcaria o caso "sub-judice";<br> H) - Com efeito, tais situações excepcionais, de força maior alicerçam-se no facto do exequente não dispor do original por razões que lhe não podem ser imputáveis, como seja o caso do original do título se encontrar junto a outro processo judicial;<br> I) - Ora, a B não foi "desapossada do original da letra, tendo-o, ao invés, entregado espontaneamente à A;<br> J) - Com efeito, a apresentação a pagamento de uma letra não é um acto que se consuma pela entrega do título, mas antes pela sua simples apresentação, na posse do apresentante;<br> L) - A entrega do título pela B, de sua livre e espontânea vontade, envolveu - óbvia e necessariamente - a renúncia ao uso da letra, como título abstracto e literal que é, não estando desta forma a mencionada letra "indevidamente" na posse da Recorrente;<br> M) - Entregue a letra à A nas condições acima mencionadas, não pode a B exigir àquela sociedade a restituição do mencionado título ou mesmo exercer quaisquer direitos cambiários que emergem da sua posse;<br> N) - A decisão recorrida viola de forma clara, o princípio básico de que a posse da letra é condição necessária para o exercício do direito nela mencionado - o princípio da incorporação caracterizador do regime cambiário - princípio esse concretizado, nomeadamente, nos artigos 39º, 45º, 46º e 50º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças;<br> O) - Deve, em conformidade, revogar-se a sentença recorrida que permitia o uso de uma fotocópia autenticada da letra como título executivo, mantendo-se assim a decisão da 1ª Instância, a qual julgou procedentes os embargos deduzidos e declarou extinta a execução.<br> A recorrida, embargada não usou da faculdade de contra-alegação.<br> Neste Supremo, o Ilustre Procurador-Geral, Adjunto, na sua vista nada se lhe ofereceu requerer.<br> Foram recolhidos os vistos, dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos.<br> Apreciando:<br> Como constitui entendimento genérico e pacífico, são as conclusões dos recorrentes que delimitam, em princípio, o âmbito e o objecto dos recursos, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso.<br> Tal no quadro dos artigos 684º, n.ºs 3 e 4 e, 690º, n.º 1, do CPC.<br> Nesse sentido, também e designadamente, os Acórdãos deste STJ, de 18 de Outubro de 1986, BMJ, 360º, 354, e da Relação de Lisboa de 12 de Abril de 1989, Colectânea Jurisprudência, 1989, 2º, 143, entre outros.<br> Assim como, já e outrossim, os Professores A. dos Reis, CPC, Anotado, 5ª, 308, 309 e 363 e, Castro Mendes, Direito Processual Civil, 3º, 65 e ainda o Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 286 e 289.<br> Todavia, tal não significa nem impõe que cumpra conhecer de todos os argumentos produzidos nas alegações, mas apenas e somente das questões, essenciais, suscitadas.<br> Nesse alcance e significado, o referido Dr. Rodrigues Bastos, também, na ora já mencionada obra, 3º, 147, assim como, entre outros, o Acórdão deste STJ, de 15 de Setembro de 1989, BMJ 280º, 496.<br> Por sua vez, em termos fácticos, foram considerados provados os seguintes pontos, com relevância para a decisão:<br> 1. B, S.A., instaurou uma execução para pagamento da quantia de 30503000 escudos contra A - Sociedade Imobiliária S.A., (anteriormente denominada A - Sociedade Imobiliária, Ldª), conforme documento de folhas 62 e 63 (certidão do requerimento da execução).<br> 2. Serve de título a esta execução a fotocópia autenticada de uma letra no valor de 30000000 escudos, sacada pela exequente e aceite pela Sociedade C, e avalizada pela executada (com efeito, consta do verso do título a expressão "Por aval do aceitante" tendo aposta por baixo a firma "A - Sociedade Imobiliária, Ldª", e duas assinaturas da gerência), conforme documentos de folhas 65, 66 e 67 (que são certidão da fotocópia autenticada da letra, junta com o requerimento da execução).<br> 3. Por carta de 29 de Novembro de 1994, a embargada enviou o original da letra à embargante para pagamento do seu montante até ao dia 20 de Dezembro de 1994, conforme documento de folhas 58 (que é certidão do documento n.º 2 junto com o requerimento da execução, o qual não foi impugnado).<br> 4. Por carta de 26 de Dezembro de 1994 (enviada por carta registada com aviso de recepção) a embargada solicitou à embargante a devolução da referida letra em virtude de não ter recebido o respectivo pagamento, conforme documento de folhas 70 e 71 (que são certidão dos documentos de folhas 10 e 11 juntos com o requerimento da execução, os quais não foram impugnados).<br> 5. A A, embargante não devolveu o original da letra, mantendo-o na sua posse.<br> 6. A fotocópia da letra não indica a pessoa em cuja posse se encontra o título original nem a exequente fez constatar por um protesto que o original da letra lhe não foi entregue a seu pedido.<br> Ponderando, ora, sobre a "inteligibilidade", do Acórdão recorrido, desde logo, frisou-se no mesmo que a questão levantada se traduzia em conhecer-se se, na situação em concreto, a fotocópia autenticada da letra pode valer, ou não, como título executivo.<br> No caso, constata-se que a execução "sub-judice", foi movida pelo sacador contra o avalista da letra, servindo de base a essa execução uma fotocópia autenticada daquela<br> Conhece-se, porém, que no artigo 67º da LULL, o direito de extrair cópias da mesma, podendo estas ser endossadas e avalizadas, da mesma forma, e produzindo os mesmos efeitos que o original, como se destacou na Relação.<br> Ainda que, no artigo 68º, daquele diploma, se exija que na cópia se aponte a pessoa, em cuja posse se encontra o título original, e sendo esta vinculada a remeter o original ao portador legítimo da cópia.<br> E se ocorrer a recusa a fazê-lo, dispõe-se, ainda nesse comando 68º, e como, também, se pôs em destaque, no Acórdão "sub-judicio", o portador só pode exercer o seu direito de acção contra as pessoas que tenham endossado ou avalizado a cópia, após, ter feito constatar, por um protesto que o original não lhe foi entregue a seu pedido.<br> "In casu", contudo, o aval não foi prestado na cópia, mas sim, no título original.<br> Concomitantemente, e como se pôs em relevo na Relação o referido dispositivo 68º não é cominável, posto que lhe é pressuposto, que o aval tenha sido dado, na cópia.<br> Daí que à B estivesse vedado exercer o seu direito de acção, com arresto nesse preceito, e como se estimou, também, no Aresto recorrido.<br> Com efeito, a regra, nesse campo, é a de que a posse da letra, envolve condição necessária para o exercício do direito nela integrada, em conexão com o princípio da incorporação, o que é característica do regime cambiário.<br> Nessa expressão também, o ensinamento expandido, pelo Professor Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, 38, assim como, o Acórdão deste STJ, de 10 de Novembro de 1993, BMJ, 431º, 495, já referenciados na Relação.<br> Na verdade, e outrossim, já o Professor Pinto Coelho, Lições, 2º, Fascículo II, sobre as Letras, considerava que, o texto das duas primeiras alíneas desse dispositivo 68º, devia, só por si ser entendido como suficiente no prisma de que o possuidor da cópia, apenas, com o original podia reclamar o pagamento.<br> Contudo e, caso já se equacionou no Acórdão, em apreço, existem casos excepcionais, em que é justificado o uso da cópia autenticada da letra como título executivo.<br> É o que sucede, designadamente, quando ao exequente está vedada a disponibilidade do original, por razões a que é alheio.<br> Ou seja, as situações que não lhe podem ser imputáveis.<br> Situações, essas, que foram contempladas, entre outros, nos Acórdãos deste STJ de 27 de Setembro de 1994, BMJ, 439º, 510, e da Relação do Porto, de 15 de Junho de 1998, Col. Jur. Ano de 1998, Tomo 3, a página 196, Arestos, que na Relação, aliás, se frisaram.<br> Isto é, e ainda que excepcionalmente, se ao exequente se tornar impossível, utilizar o original do título executivo, não deve deixar de ser considerável a utilização de documento de idêntico, ou igual valor probatório.<br> Dentro, contudo, de não se operar à "quebra do princípio da boa fé e da segurança devida ao devedor, e de que é exemplo, nomeadamente, a situação porventura conexa com o facto de o original se achar em outro processo judicial.<br> Com efeito, importará e sempre, acautelar ou ressalvar, aquelas situações em que se prove um caso de força maior, e que justifique a utilização da fotocópia certificada do título cambiário.<br> Isto é, em tais situações excepcionais, e como se salientou no Acórdão "sub-judicio", nas quais se recorte a impossibilidade a um exequente do uso do original do título executivo, será de todo recomendável e, portanto, deve viabilizar-se o uso da fotocópia autenticada do mesmo.<br> Na verdade, ao fim e ao resto, trata-se, apenas e só de sancionar uma permissão, de um documento que, substantivamente, assume um valor que é paritário.<br> "In casu", e como, se explicitou, já na Relação, será notória a verificação de uma situação, análoga.<br> Com efeito, quer no requerimento de execução como na contestação aos embargos, a B invocou, e para justificar o uso da fotocópia autenticada como título executivo, que enviou o original da letra à A unicamente para obter o pagamento.<br> E bem assim, que esta não só não operou aquele como ficou com a letra, não obstante ter sido solicitada a sua devolução.<br> Sendo certo, que a A, no petitório dos embargos sustenta que a B não foi desapossada do original da letra, renunciando antes, ao seu uso, e mediante a sua entrega espontânea.<br> Todavia, e como se assumiu na Relação, a prova documental operada pela B, inculca a configuração da tese desta.<br> Na verdade a B terá enviado à A, o original da letra, com o exclusivo e preciso fim de visar a obtenção do respectivo pagamento.<br> E como será de deduzir, do documento inserido a folhas 68.<br> Neste quadro e, dado que a A não operou o pagamento, nem a devolução do original de letra, a B solicitou este, através da carta registada com aviso de recepção, como se alcança da documentação junta de folhas 70 e 71.<br> O que não obstante, não conduziu à devolução pretendida pela B, pela troca do aludido original.<br> Daí, portanto e assim, e como legitimamente, já se concluiu no Aresto "sub-judice", que não seja sustentável a versão da A, no prisma da ocorrência, espontânea, da entrega pela B, do original da letra, com a inerente renúncia ao uso daquela, como título executivo.<br> E neste contexto, como por igual modo se pôs em relevo na Relação, é notório que somente se a A houvesse satisfeito o montante da letra, é que se encontrava justificado que ficasse com ela, e por deixar de ter utilidade para a B.<br> Na verdade, apenas nessa ocorrência, é que esta não carecia da letra para lograr a satisfação do crédito que na mesma se encontra incorporado.<br> Neste quadro, pois, verifica-se toda uma situação em que se justifica que a B faça uso, da fotocópia autenticada da letra como título executivo.<br> Na exacta medida em que se constata a impossibilidade da mesma poder utilizar o original e, por este se encontrar, indevidamente, na posse da A.<br> Daí, pois, a legitimidade da assunção do Aresto sob censura, ao revogar a decisão da 1ª Instância, por no caso, a fotocópia autenticada da letra, deve valer como título executivo.<br> E concomitantemente, o decretado prosseguimento do processo, com o fim de serem solucionadas, ou resolvidas, as restantes questões levantadas e, por envolverem factos que se acham, controvertidos, surge, de todo como sustentável ou razoável.<br> Por todo o exposto, assim, o Acórdão recorrido, não merece qualquer reparo, ou censura.<br> Com efeito, na essência, o que se verifica, é a existência da dita situação de excepção e perante a qual surge como, justificado, o uso da fotocópia, em causa.<br> O que constitui, e integra, pois, uma ressalva, à condição necessária da posse da letra para o exercício do direito nela incorporado.<br> Ou seja, pela via dessa excepção, não se viola o princípio da incorporação, que é característica do regime cambiário.<br> Acresce, que no caso vertente, o protesto surge como uma mera formalidade dispensável, e já que a executada era, e é a detentora do original do título, que não foi devolvido.<br> Por outro, a A avalizou o dito original, e tem o mesmo em seu poder, não por o ter pago, mas porque o mesmo lhe foi enviado para cobrança.<br> Delimitando-se, assim, um caso de não disponibilidade do original, por razões que não são imputáveis à B, é recomendável a via de excepção, contemplada na Relação, com o prosseguimento dos autos, além ordenada.<br> E, onde, nomeadamente se realizem os factos controvertidos, que, ainda se acham por elucidar.<br> Importa, pois, concluir pela improcedência genérica das conclusões alegativas veiculadas pela recorrente A.<br> Com efeito, e no alcance que se deixou descrito, inexiste, a violação normativa, pretendida e indicada naquelas.<br> Face portanto, a essa improcedência, nega-se a revista, confirmando-se, consequentemente o Acórdão recorrido.<br> Custas, pela recorrente A.<br> <br> Lisboa, 8 de Fevereiro de 2001.<br> <br> Lemos Triunfante,<br> Torres Paulo,<br> Reis Figueiredo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A, veio, por apenso à execução que a ele e outros move a União de Bancos Portugueses S.A., deduzir embargos de executado, alegando, por um lado, que o exequente peticiona juros moratórios em montante superior àquele que seria devido, por outro, que quando assinou como avalista as livranças dadas à execução, as mesmas não possuíam data de vencimento, a qual foi aposta posteriormente pela exequente, sem autorização do embargante, sendo que, em tais circunstâncias, as livranças se deveriam considerar pagáveis à vista (artigo 76 da L.U.L.L.) e ter sido apresentadas a pagamento no prazo de um ano, a contar das suas datas - 4 de Março de 1987 e 17 de Abril de 1987 - o que não se verificou, pelo que, segundo o requerente, teria operado a prescrição, não podendo, assim, fundamentar a execução.<br> Na contestação, o embargado opôs, além do mais que o preenchimento das datas do vencimento foi feito em sintomia com o convencionado entre as partes.<br> Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente os embargos, no que se refere aos juros peticionados, e improcedente quanto ao mais.<br> Tendo em conta que o embargante havia oportunamente reclamado da especificação na medida em que não se incluía nesta a matéria constante do artigo 7 da petição de que, por insucesso da reclamação, voltou a colocar esta questão, em sede de recurso, perante a<br> Relação do Porto, esta, através do Acórdão de 28 de<br> Maio de 1995, constante de folha 91, ordenou o aditamento daquela matéria, tendo, todavia, desde logo, confirmado as sentença apeladas.<br> Inconformado, o embargante recorreu para este Supremo<br> Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> 1 - Não existe livrança em branco sem que tenha havido contrato de preenchimento.<br> 2 - A existência de tal contrato é critério de distinção entre livrança em branco e livrança incompleta.<br> 3 - Ao embargante competia provar que a livrança não se encontrava totalmente preenchida, o que foi aceite pelo embargado.<br> 4 - Tal prova basta para que se tivesse de socorrer dos critérios respectivos do artigo 76 do L.U., sendo a livrança havida como à vista.<br> 5 - O ónus da prova da existência de contrato de preenchimento das livranças competia ao Banco embargado, seu portador.<br> 6 - Não existe presunção legal ou judicial de que a simples entrega de livrança não completa faça presumir a existência de contrato de preenchimento.<br> 7 - Os factos dados como assentes não são de molde a fazer funcionar qualquer presunção judicial que, porventura, se admitisse existir.<br> 8 - O Banco embargado não fez, como podia e devia, prova da existência de tal contrato.<br> 9 - A prova do conteúdo de tal contrato de preenchimento igualmente compete ao possuidor de título, ou seja, o embargado.<br> 10 - O apelante não responde pelas alterações posteriores ao momento em que subscreveu os títulos.<br> 11 - Tais livranças deverão ser havidas como pagáveis à vista, encontrando-se, assim, prescrita a responsabilidade cambiária do embargante.<br> 12 - O Acórdão recorrido, violou o disposto nos artigos<br> 75, 76, 77, 69 e 34 da L.U.L.L..<br> 13 - E ainda o disposto nos artigos 342, 349, 350 e 351 do Código Civil.<br> 14 - Deve ser revogado, julgando-se os embargos procedentes.<br> Na sua contra-alegação, o embargado sustenta que deve manter-se o Acórdão recorrido.<br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> Os factos considerados como assentes pelas instâncias são os seguintes: a) A embargada instaurou uma execução contra a embargante e outros, apresentando como título executivo, duas livranças, fotocopiadas a folhas 67 e<br> 68 dos autos, nas quais o embargante apôs a sua assinatura, como avalista (alínea h) da especificação). b) As datas dos vencimentos das livranças foram colocadas pela exequente - embargada. c) Nessa execução, a embargada peticionou, de juros vencidos, desde 12 de Maio de 1994, a quantia de<br> 23917378 escudos (alínea c) da especificação). d) Quando o embargante subscreveu as livranças como avalista, estas não possuíam data de vencimento.<br> Problema de assinalável melindre e dificuldade que aqui se suscita é o de saber se para a existência de uma letra (ou livrança) em branco é necessário que o seu subscritor tenha dado ao credor autorização para a preencher.<br> O artigo 10 da L.U.L.L. só lateralmente poderá contribuir para uma resposta a esta questão, pois o que nele realmente se prevê são as consequências da inobservância do facto de preenchimento, quando exista.<br> E a doutrina também não aponta inequivocamente, num só sentido.<br> Cremos, porém, que o fiel da balança, na avaliação das duas correntes principais que se perfilam, a este respeito, pende significativamente para a posição dos que sustentam que sempre que é emitida uma letra em branco tem que ter havido prévia ou simultaneamente à emissão um acordo quanto ao critério do preenchimento, acordo esse que se traduz numa convenção extracartular, que "pode ser verbal ou meramente consensual, embora seja aconselhável que revista a forma escrita, para evitar dificuldades da prova (Pais de Vasconcelos, in<br> Direito Comercial - Títulos de Crédito, 1990, páginas<br> 105 e seguintes; ainda: Professor Ferrer Correia, Letra de Câmbio, 1975, página 131; Prof. Oliveira Ascensão,<br> Direito Comercial, III, Títulos de Crédito, 1992, páginas 112 e seguintes; Conde Rodrigues, A Letra em<br> Branco, 1989, páginas 81 e seguintes; Professor Romano<br> Martinez e Ferreta da Ponte, Garantias de Cumprimento,<br> 1914, página 18).<br> Não falta, porém, quem entenda poder existir letra em branco sem ter havido contrato de preenchimento (Abel<br> Delgado, "Lei Uniforme ...", Anotada, 6. ed., página<br> 73). Nesta hipótese, o preenchimento estará sujeito a limites "derivando uns da relação fundamental que determina a criação cambiária e outros da lei respectiva e dos usos da praça".<br> E a questão assume particular dificuldade e interesse, precisamente quando está em causa, como é o caso, o preenchimento da data do vencimento, como minuciosamente nos dá conta o Professor Vaz Serra, no seu alargado estudo sobre "Títulos de Crédito", inserido nos Boletins do Ministério da Justiça ns. 60 e<br> 61, designadamente no n. 29, em especial a página 267 do Boletim 261.<br> Antes, porém, de se tomar posição sobre a problemática equacionada há que ajuizar das potencialidades factuais<br> - decorrentes de todo o material trazido aos autos pelas partes - com interesse para a solucionar.<br> Neste propósito foi, porém, integrado no questionário, um único preceito, extraído do artigo 8 da petição, que aparece assim redigido: "O embargante não autorizou o<br> Banco embargado a que este preenchesse as livranças com qualquer data de vencimento?".<br> A este quesito, respondeu o Colectivo: "Não provado".<br> Simplesmente esta resposta não invalida a possibilidade de ter, porventura, existido facto de preenchimento, conforme foi alegado nos artigos 4 e 7 da contestação.<br> Por isso mesmo, a matéria factual carreada nestes artigos, devia ter sido quesitada, dado o fundamental interesse que, perante a eventualidade de uma resposta negativa ao quesito formulado - como efectivamente sucedeu - poderá vir a ter, para a sorte da acção.<br> Impõe-se, portanto, ampliar a matéria de facto no sentido indicado, "em ordem a se obter base suficiente para a decisão da causa (artigo 729 n. 3 do Código de<br> Processo Civil).<br> Assim, manda-se julgar novamente a causa, para os fins referidos, se possível pelos mesmos juizes que intervieram na 2. instância e, claro está, sem prejuízo do n. 2 do artigo 712 do Código de Processo Civil.<br> Custas pela parte vencida, a final.<br> Lisboa, 12 de Março de 1996.<br> Machado Soares,<br> Fernandes Magalhães,<br> Fernando Fabião (dispensei o visto).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No 12º Juízo Cível de Lisboa A e B demandaram em acção declarativa de condenação com processo sumário a C para dela haverem, com juros legais desde a citação e até integral pagamento, a quantia de 165000000 escudos, como ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por virtude da morte de sua filha menor D, na sequência de acidente de viação que foi produzido por culpa exclusiva de E, conduzindo o veículo automóvel DR-01-43, cujos riscos de circulação se encontravam cobertos por seguro contratado com a ré.<br> Na contestação a ré impugnou factos e pediu a absolvição do pedido.<br> Saneado e condensado o processo, prosseguiram os autos até à audiência de discussão e julgamento, após a qual foi proferida sentença que condenou a ré a pagar aos autores a quantia de 10000000 escudos, com juros de mora desde a data da sentença.<br> Em apelação dos autores, concedida em parte pela Relação de Lisboa, a ré ficou condenada a pagar aos autores, em partes iguais, a quantia de 25000000 escudos, com juros de mora a contar da citação.<br> Inconformada, por sua vez, com esta decisão, dela trouxe a ré o presente recurso de revista em que pugna pela reposição do decidido pela 1º instância, oferecendo conclusões onde defende, em síntese nossa, o seguinte:<br> - É doutrinariamente controversa a ressarcibilidade do direito à vida, havendo decisões recentes que apontam para a orientação negativa;<br> - Diferente entendimento conduz a injustiças flagrantes por tratamento desigual de situações idênticas;<br> - A indemnização que vem concedida a esse título é manifestamente exagerada se confrontada com as que vêm sendo concedidas em decisões recentes;<br> - O acórdão recorrido não atendeu ao desconhecimento das situações económicas dos lesados e do lesante, sendo que é a deste último, e não a da sua seguradora, que deve ser considerada;<br> - O valor indemnizatório em causa não tem que ser fixado a partir do valor de um veículo automóvel, como o fez o acórdão recorrido;<br> - Também é exagerado o montante fixado a título de danos não patrimoniais sofridos pelos autores, que são iguais aos de todos os outros pais que perdem os filhos devido a acidentes de viação; <br> - A decisão proferida quanto aos juros de mora traduz uma cumulação de actualizações da indemnização, não sendo a obrigação ilíquida susceptível de gerar mora.<br> <br> Houve contra-alegações onde se defendeu o decidido no acórdão sob recurso.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vêm dados como assentes os seguintes factos:<br> 1- Em 12/1/93, cerca das 15 horas e 40 minutos, E, conduzindo o veículo ligeiro misto DR-01-43, pela Av. Norton de Matos, em Lisboa (2ª Circular), no sentido Aeroporto - Benfica, colheu D, que se encontrava sentada no interior de uma construção destinada ao abrigo de passageiros, aguardando a chegada do autocarro;<br> 2- Os autores são pais da dita D, nascida em 10/10/77 e falecida no dia imediato ao do acidente;<br> 3- Achava-se transferida para a ré, até ao limite de 250000000 escudos, a responsabilidade emergente dos danos causados pelo veículo DR-01-43, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº 92041372;<br> 4- Ao chegar próximo da referida paragem de autocarros, que antecede uma passagem aérea para peões, servindo a Escola Alemã, a dita E perdeu o controle da sua viatura, que, desgovernada, galgou o passeio, derrubando, arrancando pela base e arrastando, por uma distância de 5 metros, a aludida construção;<br> 5- Em resultado da colisão, a D sofreu fractura do crânio, com contusão do encéfalo, e demais lesões descritas no relatório da autópsia;<br> 6- E, transportada de imediato ao Hospital de Sta. Maria, em estado de coma profundo, veio aquela aí a falecer em consequência das lesões sofridas;<br> 7- A D praticava hipismo desde os 9 anos de idade, estando inscrita na Federação Equestre Portuguesa;<br> 8- Em Abril de 1990 e em Setembro de 1991 frequentou no Centro Hípico da Eira o curso de saltos de obstáculos elementar, o estágio de aperfeiçoamento de ensino e obstáculos e o curso de aperfeiçoamento de obstáculos;<br> 9- Devido às suas boas classificações, incluindo 1ºs lugares, obteve várias referências em órgãos da comunicação social da especialidade como sendo a "futura estrela" do hipismo português;<br> 10- Face às suas excepcionais qualidades de atleta beneficiou a D da subida antecipada de escalão etário concedida pela Federação Equestre Portuguesa,<br> 11- Devido ao choque sofrido com os factos descritos ficou o autor incapacitado de trabalhar durante cerca de 7 meses, tendo necessidade, que ainda se mantém, de acompanhamento médico do foro psiquiátrico;<br> 12- Face ao abalo e desequilíbrio emocional sofrido abandonou a autora a actividade de esteticista por conta própria em que à data trabalhava.<br> <br> Vêm postas questões que respeitam ao montante da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais - as quais respeitam à própria ressarcibilidade do dano de perda de vida, ao montante ajustado para esse fim e ao atribuído para compensar os desgostos sofridos pelos recorridos - e à determinação da data a partir da qual devem ser contados os juros de mora.<br> Tratá-las-emos por esta ordem.<br> Na 1ª instância a indemnização atribuída respeitou apenas a danos não patrimoniais, foi fixada globalmente - sem discriminação do quantitativo referente aos diversos danos apontados - e foi destinada em partes iguais a ambos os autores.<br> Na 2ª instância também se considerou não haver danos patrimoniais a indemnizar e apurou-se uma indemnização global pelos danos não patrimoniais, também a receber em partes iguais por ambos os autores, no montante de 25000000 escudos, decompostos em 15000000 escudos pelo dano da perda da vida e os restantes 10000000 escudos pelos desgostos e desequilíbrios emocionais por eles sofridos. <br> A recorrente critica a indemnização fixada no acórdão recorrido em duas vertentes: a do cabimento da consideração da perda da vida e a dos próprios montantes concedidos.<br> <br> Quanto à perda da vida, a recorrente cita um recente acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 26/6/97, onde se aderiu à ideia segundo a qual é um impossível lógico ver na morte da vítima, que extingue a sua personalidade jurídica, um evento capaz de fazer nascer na sua esfera jurídica um direito a uma indemnização susceptível de ser transmitido aos seus familiares.<br> Esta visão não é nova; mas há já muito tempo que tem vindo a ser rejeitada por dever a questão ser encarada, não em termos de estrita lógica, mas de sentimento de justiça - cfr. Pereira Coelho, Direito das Sucessões, 4ª edição, lições de 1966-67, pg. 144 -, ou de interpretação valorativa, e não por um esquema próximo da jurisprudência dos conceitos - cfr. Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, pgs. 294-295, que diz: "O Direito Civil que tem como fulcro fundamental a pessoa humana individualmente considerada não pode deixar de sancionar o dano morte". Na mesma linha se argumentou no acórdão deste STJ proferido em 17/3/71, BMJ nº 205, pg. 150, onde se salienta a imoralidade que existiria se fosse "... possível a afirmação de que, para os responsáveis, seria «mais barato» matar do que apenas aleijar".<br> Também Vaz Serra, RLJ, ano 103º, pgs. 174-175, e ano 105º, pgs. 63-64, aderindo a esta ideia, se pronunciou no sentido de que, mesmo no caso de morte instantânea, a perda da vida dá lugar a um direito a indemnização que se transmite, não aos herdeiros nos termos gerais, mas aos familiares indicados no art. 496º, nº 2, do CC - diploma ao qual pertencerão as normas que de seguida referirmos sem outra identificação.<br> E podem ainda ser citadas as opiniões de Galvão Telles, Direito das Sucessões, 6ª edição, pgs. 96-97 - para quem, na esteira de Ferrara, "... o momento da morte é o último momento da vida. Se pois um direito nasce ao tempo da morte, pode ainda ser adquirido pelo que falece, ingressando na sua esfera jurídica ..." -, e de Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, pgs. 170 e segs., para quem "... Só preconceitos de raiz positivista têm perturbado a doutrina nesta matéria que não se compadece com frios esquemas de pura indução ou dedução mas com a aceitação de postulados e corolários ditados pela especial natureza do direito de personalidade." <br> Estas opiniões, que têm de comum a aceitação de que o direito à indemnização pela perda da vida é, em primeira linha, adquirido pela vítima e depois se transmite para outras pessoas - que serão, consoante o que tem sido defendido, os seus herdeiros ou, antes, os familiares referidos no art. 496º, nº 2 -, não se afiguram inteiramente satisfatórias, pois, procurando fugir à injustiça a que conduz a tese estritamente lógica a que a recorrente se acolhe, caem em argumentações que também extravasam do campo da lógica para conseguirem ficcionar a aquisição, pelo próprio lesado, do direito que depois se transmite.<br> Mais objectiva e pragmática, porém, parece ser a opinião defendida por Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição, pgs. 630 e segs., e RLJ, ano 123º pgs. 189-192, 251-256 e 278-281, Oliveira Ascensão, Sucessões, 4ª edição, pgs. 49 e segs., e Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, 3ª edição, pgs. 292-304.<br> Assenta esta opinião na ideia mestra segundo a qual o direito a uma indemnização pela perda da vida não é um direito próprio da vítima e por esta adquirido, mas, pelo contrário, um direito próprio dos familiares a quem o art. 496º, nº 2, o atribui. Deste modo se superam as dificuldades lógicas levantadas pela tese que viemos referindo; diz Oliveira Ascensão, a reconhecê-las, que "... uma indemnização pela morte nunca poderia funcionar como equivalente ou compensação para o lesado; por natureza, ele nunca poderia disfrutar desse bem." <br> Trata-se de uma ideia que os trabalhos preparatórios do CC confirmam, pois mostram ter sido abandonada a orientação propugnada no Anteprojecto de Direito das Obrigações de Vaz Serra, cujo art. 759º, nº 4, falava expressamente em danos não patrimoniais sofridos pela vítima em caso de morte instantânea, geradores de direito a indemnização que se transmitiria aos seus herdeiros; a mesma orientação constava do projecto resultante da 1ª revisão ministerial, onde a certos familiares se reconhecia direito a indemnização por danos não patrimoniais próprios, a par da transmissão, aos herdeiros da vítima, da satisfação de danos não patrimoniais causados a esta; diversamente, o art. 496º acabou por falar apenas na indemnização que cabe àqueles familiares, seja pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, seja pelos que eles próprios sofreram directamente, e omitiu qualquer referência a um eventual direito transmitido para os herdeiros.<br> Neste sentido se tem pronunciado em tempos recentes este STJ - cfr. os acórdãos de 15/4/97, em que foi adjunto o relator do presente, e de 24/4/97, ambos publicados na Col. Jur. - STJ, 1997, Vol. II, pgs. 42 e 186, e o de 29/1/98, Col. Jur. - STJ, 1998, Vol. I, pg. 46.<br> Distinguindo entre os danos não patrimoniais a indemnizar, Antunes Varela - Revista citada, pg. 278 - fala nos sofridos pela vítima antes da morte, nos sofridos especialmente pelos familiares (crise de nervos, depressão psicológica, incapacitação para o trabalho) e no que consiste no dano especificamente constituído pela perda da vida da vítima. E deste último diz o mesmo autor ser influenciado, no sentido da sua redução, se se provar que os familiares dele beneficiários nenhum desgosto sério sofreram, já que tal desgosto seria abrangido pelo dano da morte, mas não o esgotando.<br> A exemplo, porém, do que foi já dito no citado acórdão de 15/4/97, será preferível retirar do dano da morte o desgosto sofrido (ou não) pelos familiares; não só esse desgosto se reconduz, naturalmente, aos danos não patrimoniais sofridos por estes, com ou sem a simultânea ocorrência daqueles danos especiais, como também será esta a mais fácil maneira de conseguir que familiares nessa situação - de falta de desgosto - sejam diferenciados face aos restantes.<br> Será, pois, esse dano uma componente específica dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima - a violação do direito de personalidade de maior dignidade e merecedor de maior respeito, tutelado pelo art. 70º do CC -, o que o torna alheio às contingências do maior ou menor sofrimento experimentado pelos seus familiares.<br> Com tudo o que ficou dito se conclui pela ressarcibilidade do dano de perda da vida, que, com uma ou outra das explicações que têm sido usadas, tem vindo a ser recentemente aceite pela melhor e mais difundida jurisprudência.<br> É também defendido pela recorrente que haverá violação do princípio constitucional da igualdade quando situações de facto idênticas recebem tratamento desigual por virtude de diferentes de interpretações judiciais produzidas sobre a mesma questão de direito.<br> Mas é para nós evidente que não há aqui qualquer inconstitucionalidade.<br> A CRP garante, no seu art. 13º, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.<br> Como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República portuguesa Anotada, 3ª edição, pg. 129-130, a jurisdição, tal como as restantes funções do Estado, está vinculada a este princípio, designadamente na perspectiva em que se contempla a igualdade da aplicação do direito aos cidadãos pelos tribunais.<br> Isto aponta para que haja uma igualdade de critérios também no exercício de poderes que visam a adequação da providência judicial ao caso concreto a que se destina, o que será, exemplarmente, o caso da indemnização.<br> Mas não há possibilidade de exigir o tratamento igual de todas as situações, sempre portadoras de diferenças que podem justificar e impor diferenças que, por sua vez, também são mais ou menos marcantes consoante a personalidade do julgador, o que é, aliás, garantido pela própria independência que caracteriza a sua actividade e o seu estatuto.<br> A igualdade possível é obtida pela autovinculação de cada juiz às orientações que já seguiu, ressalvada a existência de motivos que o façam repensá-las e inflectir a linha anterior, e pelos mecanismos legais tendentes a assegurar a uniformização da jurisprudência.<br> Pretender ir mais longe é negar toda uma vida judiciária de séculos, em que as divergências de entendimento foram importante motor do desenvolvimento do direito.<br> E é, além disso, esquecer que a indemnização em causa deve ser fixada equitativamente tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º, o que é factor irrecusável de diferenças caso a caso.<br> Aqui chegados, é altura de apreciar os montantes indemnizatórios atribuídos pelo acórdão recorrido.<br> São duas as ópticas a observar: a indemnização referente à perda do direito à vida e a que compete aos recorridos, esta última respeitante aos seus danos não patrimoniais próprios.<br> Em qualquer dos casos, e como acabou de ser dito, a fixação deve ser feita com recurso à equidade, mas com consideração dos critérios constantes do art. 494º.<br> Assim, releva a gravidade do dano causado, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.<br> Deverá ter-se em conta, desde logo, que estes factores apontam, no seu conjunto, para um duplo objectivo: o da reparação dos danos causados e o da sanção ou reprovação do agente - cfr. Antunes Varela, obra citada, pg. 630.<br> De esclarecer é, igualmente, que não interessa a situação económica da seguradora, ora recorrente, visto que não foi ela quem praticou a acção danosa, sendo apenas a entidade que suporta a responsabilidade que for de atribuir ao agente desta acção - neste sentido, claramente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pg. 497.<br> E é também uso referir-se a conveniência de atender aos padrões indemnizatórios geralmente adoptados e às flutuações do valor da moeda, bem como a necessidade de estas indemnizações não serem miserabilistas, antes devendo proporcionar um sucedâneo significativo de danos que são, por sua natureza, irreparáveis. Neste plano tem sido notada uma constante tendência para a subida das indemnizações a arbitrar em casos similares, por forma a superar a timidez que começou por se revelar na prática judiciária e a acompanhar também a evolução positiva da situação económica da sociedade e a consequente tendência para a generalização de hábitos de consumo que satisfazem necessidades materiais e espirituais que contribuem para um maior bem estar e para uma maior realização pessoal.<br> No que toca à gravidade dos danos, ela tem que ser avaliada como verificada em alto grau.<br> A falecida D era uma jovem com 15 anos de idade que se dedicava habitualmente a uma actividade desportiva onde havia revelado já méritos destacados e obtido êxitos assinaláveis, com reconhecimento adequado dentro das próprias estruturas oficiais dessa actividade.<br> Quanto a seus pais provaram-se os factos constantes acima sob os nº 11 e 12, evidenciadores, não só do profundo desgosto que compreensivelmente sofrem os pais que, especialmente em circunstâncias trágicas e imprevistas, perdem os seus filhos, mas também dos traumas e perturbações que ficaram nas suas vidas como sequelas do drama.<br> Nada se provou quanto à situação económica dos interessados - da condutora do veículo atropelante, por um lado, da vítima e dos seus pais, por outro.<br> No tocante ao grau de culpa da condutora do veículo, que é matéria que não vem discutida neste recurso, vem dito no acórdão recorrido que houve negligência grosseira e imprudente por parte da mesma.<br> A partir destas constatações, há que dizer que se nos afigura ter sido um tanto excessiva a fixação da indemnização pela perda da vida em 15000000 escudos.<br> E que mais prudente e equitativa será a sua fixação em 10000000 escudos, valor que em caso com alguns pontos de contacto - a vítima era um jovem estudante de 12 anos - foi acolhido por este STJ no acórdão proferido em 26/3/98 na revista nº 104/98, desta 1ª secção.<br> Quanto aos danos não patrimoniais próprios dos recorridos, na sua qualidade de familiares da falecida D, considerando a descrição e valoração dos mesmos que acima se deixou, os mesmos critérios aplicáveis justificam, em nosso entender, uma indemnização de 7000000 escudos.<br> Do total de 17000000 escudos assim encontrado são credores, em partes iguais, os recorridos.<br> Na petição inicial, entrada em juízo em 3/10/94, os autores pediram que sobre a indemnização a arbitrar fossem contados juros de mora desde a data da citação.<br> Na sentença da 1ª instância, proferida em 7/10/97, a indemnização foi fixada tendo em conta a desvalorização monetária ocorrida desde 1993 e os juros arbitrados a partir da data da sua prolação.<br> No acórdão recorrido aceitou-se o critério do tempo actual na fixação da indemnização mas entendeu-se que, apesar disso, os juros seriam contados desde a citação.<br> A recorrente, discordando desta opção, pede que de novo se reporte o vencimento dos juros de mora à data da sentença, pois "... Não é susceptível de gerar mora a obrigação ilíquida ..."<br> Esta última afirmação tem de ser liminarmente rejeitada, para o que basta chamar a atenção da recorrente para o disposto no art. 805º, nº 3, parte final.<br> No entanto, e não obstante a sem razão deste seu argumento, a essência da sua crítica que neste campo dirige ao acórdão recorrido tem toda a razão de ser.<br> A indemnização em dinheiro deve ser fixada, face ao disposto no art. 566º, nº 2, por forma a anular a diferença que na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal se registar existir entre a situação patrimonial do lesado e a que teria nessa data se não existissem danos.<br> Esta data, sendo judicial a liquidação da indemnização, é a do encerramento da discussão na 1ª instância, para o que concorre o disposto no art. 663º, nº 1, do CPC - cfr. Antunes Varela, obra citada, pg. 937, nota 3.<br> Como é evidente, este critério, na medida em que compara situações patrimoniais (a real e a virtual) só pode ser aplicado directamente à problemática inerente a danos patrimoniais; mas a ideia que lhe subjaz - e que é a de a consideração da data mais recente possível contribuir para uma mais ajustada fixação do "quantum" indemnizatório - vale também para os danos não patrimoniais.<br> Este sistema estava coerentemente articulado, na versão inicial do CC, com o regime estabelecido quanto a juros de mora, designadamente o decorrente do art. 805º, nº 3, pois a obrigação de indemnizar, sendo ilíquida, não venceria esses juros.<br> Com a redacção dada a este normativo pelo DL nº 262/83, de 16/6, passou a ficar consignado que o devedor de indemnização emergente de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco se constitui em mora desde a citação.<br> Tal regime não se coaduna com a teoria da diferença consagrada no art. 566º, nº 2, pela simples razão de que esta contém em si mesma um princípio de actualização da indemnização que vem a ser fixada, depois - e, geralmente, muito depois - da citação, num montante superior ao que teria se fosse atendida para o efeito a data deste acto.<br> Por isso, a razão de ser da indemnização pela mora, que é o ressarcimento dos prejuízos causados pelo atraso no pagamento, cede nestes casos perante as realidades práticas, visto que o lesado, embora receba mais tarde, também recebe mais.<br> O que faz desaparecer o prejuízo pressuposto por esta indemnização.<br> Assim, havendo que conciliar estas duas disposições legais, dir-se-á que deve ser dada prevalência, em princípio, ao art. 566º, nº 2, mas antecipando para a data da citação o momento atendível nos casos em que o lesado pede, como lhe é lícito, juros de mora desde a citação, ao abrigo do art. 805º, nº 3, a fim de evitar a sobreposição entre a actualização e os juros de mora.<br> No entanto, e apesar daquele pedido de juros de mora a partir da citação, a sentença optou por um critério indemnizatório temporalmente actualizado, mas com a consequente e lógica recusa do pedido de juros tal como fora formulado.<br> O acórdão recorrido aceitou o mesmo critério de actualização da indemnização no tempo, mas entendeu - a nosso ver, contraditoriamente - que o mesmo era compatível com o pedido de juros formulado na petição inicial.<br> Não vem discutido neste recurso se o critério indemnizatório com actualização temporal deve, ou não, ser alterado; daí que deva o mesmo ser aceite nos termos em que foi adoptado nas decisões anteriormente proferidas, o que, aliás, se tomou já em consideração quando atrás se apuraram os montantes adequados.<br> Sendo assim, apenas há que, quanto aos juros, tirar daí as ilações necessárias - isto é, não poderem os autores, agora recorridos, receber os juros nos termos do art. 805º, nº 3.<br> E os mesmos, na linha do resulta do exposto, correrão a partir da data da sentença da 1ª instância, como pretende a recorrente.<br> Nestes termos, e concedendo parcialmente a revista, revoga-se o acórdão recorrido e condena-a a recorrente Global - Companhia de Seguros, SA, a pagar aos autores, que a receberão em partes iguais, a quantia de 17000000 escudos (dezassete milhões de escudos), com juros de mora desde 7/10/97.<br> Custas, aqui e nas instâncias, por ambas as partes na proporção do vencimento, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que os recorridos beneficiam.<br> Lisboa, 17 de Novembro de 1998.<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</div>1- No 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, A e mulher B, como proprietários de fracção autónoma, que identificaram, accionaram C atinente a obter a sua condenação a entregar-lhes de imediato, livre e desembaraçada, a sala C instalada naquela fracção, dado que a ocupa abusivamente, sem qualquer título que tal legitime, bem como no pagamento de 54263 escudos por cada mês que decorrer desde a propositura desta acção até à efectiva entrega, acrescida de juros vencidos e vincendos.<br> A Ré alegou que tem a seu favor um contrato de arrendamento relativo à sala em apreço.<br> Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente.<br> Em apelação o douto Ac. Relação de Lisboa - fls. 186 a 196 - confirmou o decidido.<br> Daí a presente revista.<br> 2-A Ré recorrente nas suas conclusões das alegações afirma, em resumo:<br> a) A cedência do gozo temporário de prédio urbano, ou de parte dele, para fins comerciais, em que o cedente se constitui também na obrigação de fornecer ao cessionário determinados serviços (água, energia eléctrica, telefone e limpeza) não constitui um contrato atípico, como se decidiu, mas um contrato de arrendamento.<br> b) Daí manter-se no uso do local arrendado ao abrigo de um contrato de arrendamento válido.<br> c) O depósito das rendas não foi validamente impugnado.<br> Os AA. recorridos contra alegaram, pugnando pela bondade do decidido.<br> 3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4- Nos termos do art 713 nº6 do CPC remete-se para o douto Ac. recorrido a matéria fáctica aí dada como provada.<br> Discute-se tão somente a natureza jurídica do contrato celebrado pelas partes.<br> Por isso será útil realçar o que quanto a tal se provou, sumariamente:<br> a) Os AA. compraram, em 13-1-94, a fracção "G", correspondente ao 1º andar direito do prédio, que identificaram.<br> b) Quando adquiriram aquela fracção já nela funcionava, há mais de 10 anos, um centro de escritórios em cinco salas - numeradas de A a E - para cedência de espaços livres para prossecução de actividades comerciais e de profissões liberais.<br> c) A Ré celebrou, em 15-5-89, com a anterior proprietária da fracção, acordo intitulado "Contrato de Prestação de Serviços" onde constava, em resumo:<br> 1- O 1º contratante autoriza a utilização da sala designada pela letra "C" ao 2º contratante, pelo período de 180 dias, prestando-lhe ainda os serviços:<br> - recepção através de recepcionista que prestará serviços de registo e transmissão de mensagens recebidas pelo telefone comum ao serviço exclusivo da recepção e de recepção de correspondência e entrega da mesma ao utente.<br> - fornecimento de electricidade gratuita para iluminação da sala e uma máquina de escrever<br> - pagamento integral das despesas de limpeza das partes comuns e de água, salvo quando se verificarem excessos abusivos.<br> - pagamento das despesas de telefone comum - serviço de recepção - o qual apenas admite a recepção de chamadas.<br> - o 2º contraente tem ainda direito a utilizar a sala de recepção para espera de seus visitantes e utilizar a casa de banho comum, bem como os corredores.<br> 2- O 2º contraente pagará ao 1º contratante o preço de 34572 escudos mensais.<br> 3- No caso de segunda renovação do presente contrato, o preço estabelecido será elevado na percentagem correspondente aos índices de agravamento de preços divulgado pelo I.N.E..<br> 4- O presente contrato será renovado por períodos sucessivos de 180 dias, mediante acordo expresso de ambos os contratantes nos seguintes termos:<br> -o pedido de renovação será endereçado pelo 2º contratante ao 1º até 60 dias do fim do contrato.<br> - o 1º contratante dará o seu acordo expresso e por escrito nos 15 dias seguintes à data de pedido, podendo o mesmo 1º contratante não aceitar a renovação<br> d) O valor mensal é de 54263 escudos.<br> e) Em 24-1-94 o A. endereçou à Ré carta referindo o celebrado contrato de prestação de serviços caducaria em 30-4-94 e propunha-lhe a sua renegociação de acordo com minuta anexa.<br> f) A Ré não concordou.<br> g) Entre Junho de 1989 e Julho 1991 foram emitidos pela anterior proprietária da fracção "recibos de aluguer" da sala "C" pelo seu aluguer, juntos pela Ré.<br> h) A Ré juntou documento referente a renda - mês de Maio - sala C.<br> i) Juntaram-se "guias de depósito de renda" reportadas à renda referida à sala "C" - meses de Maio, Junho de 1994, por o senhorio se ter recusado a receber a renda.<br> 5- Como qualificar o contrato?<br> A 1ª instância decidiu tratar-se de um misto de contrato de arrendamento e de prestação de serviços e interpretando - art 236 CC - o clausulado concluiu por afastar a tese do arrendamento e, considerando-o atípico sem ocorrência de renovação, fez triunfar o peticionado pelos AA.<br> A Ré sempre o qualificou como de arrendamento, com a correlativa renovação forçada e os AA., como de pura prestação de serviço.<br> A 2ª instância qualificou-o como contrato simultaneamente misto e inonimado e interpretando o clausulado concluiu que os contratantes expressamente afastaram o princípio da renovação automática, conferindo ao proprietário a faculdade de se opor à sua renovação no fim do respectivo prazo, o que aconteceu.<br> Daí a confirmação do decidido.<br> 6- Que dizer?<br> A vida suscita uma infinidade de factos.<br> O Direito tem de servir de ponte entre a idealidade da Justiça e a vida real vivida pela comunidade de acordo com a consciência jurídica geral.<br> Para aplicar o direito de facto é necessário qualificar o facto, isto é, determinar a categoria ou natureza jurídica em que ela entra.<br> A Justiça é o fundamento necessário da interpretação jurídica.<br> Assim para qualificar - para saber qual a regra aplicável - há que interpretar o contrato em apreço.<br> Contrato que funciona como norma de repartição (vertrilungsnorm) ao regular a afectação do escritório, intervindo como sua causa e também como norma do comportamento (verhaltensnorm) que assegura a efectivação dessa distribuição patrimonial.<br> Aponta-se o negócio jurídico como instrumento principal da realização da autonomia privada.<br> Nesta existem duas valorações jurídicas e normativas diferentes: uma correspondente à valoração pelo legislador acerca do comportamento das partes e outra anterior que as partes fazem os seus próprios interesses.<br> Há que explicar o aspecto dinâmico e funcional de autonomia privada.<br> Trata-se de princípio tutelado constitucionalmente.<br> Princípio que se liga ao valor de auto determinação da pessoa, à sua liberdade, como o direito de conformar o mundo a conformar-se a si próprio.<br> Internamente ligado à ideia de auto-responsabilidade.<br> Como princípio não tem valor absoluto: há que combiná-lo com outros, quando entrem em oposição consigo, tendo de se ajustar a estes, quando na ponderação dos interesses apresentem peso igual ou superior.<br> Entre estes termos o princípio da protecção das expectativas, de confiança do destinatário.<br> Funcionalmente o Direito pretende estabilizar e assegurar expectativas na vertente social.<br> Mas outro princípio se move: protecção de segurança no tráfego jurídico.<br> Aqui já não se perspectiva uma relação em concreto, um declaratário individual, mas a globalidade das relações, visando a certeza das transacções.<br> Em parêntesis diremos que estamos a escrever autonomia "privada" com o propósito firme de afastarmos expressão que é tida como sinónima "autonomia de vontade".<br> Com efeito esta expressão Kantiana, tradutora do seu personalismo ético era reflexo do jusracionalismo iluminado do século XVIII: a liberdade do homem impunha que só por sua vontade ele poderia assumir obrigações (voluntas facit legem).<br> Daí o seu afastamento actual.<br> Mas retomemos o fio à meada.<br> A autonomia privada traduz-se no poder criativo dado ao particular de se vincular em disciplina dos seus interesses.<br> É o poder "de auto regulamentação de interesses e relações exercido pelo próprio titular deles" a ser exercido nos limites e com as finalidades assinadas pela junção social do contrato - Betti, teoria geral, Pg. 97.<br> 7- Desdobra-se em liberdade de celebração ou conclusão dos contratos - liberdade a contratar, como faculdade de realizar ou não determinado contrato (Alschlmfreibeit) e liberdade de modelação do conteúdo contratual - liberdade contratual (Gestaltungspeiheit), perspectivando a escolha do tipo de negócio atinente à melhor e mais eficaz satisfação dos seus interesses e à maneira de preencher o seu conteúdo concreto.<br> Por isso o legislador atento à evolução histórica e à relevância prática da dinâmica da vida acolhe certos negócios e sua regulamentação em normas jurídicas.<br> Cria tipos de negócios, oferecendo o seu regime legal à iniciativa das partes.<br> Por isso tradicionalmente diz-se que os contratos típicos seriam aqueles para os quais existe uma disciplina legal e os atípicos aqueles onde tal disciplina não existe.<br> Estes seriam construídos pela liberdade das partes, tradutora da sua iniciativa económica - art 405 CC.<br> Da leitura deste art 405 resultam quatro faculdades:<br> - livre opção de escolha de qualquer tipo contratual, com submissão às suas regras imperativas - 1ª parte do nº1<br> - livre opção de celebrar contratos diferentes dos típicos, designados por contratos atípicos - 2ª parte do nº1<br> - possibilidade de introdução no tipo contratual de cláusulas defensivas dos interesses das partes, mas que não quebram a função sócio económica assumida pelo respectivo tipo - 3ª parte do nº1.<br> Ou seja, cláusulas que "não prejudicam a causa do contrato típico (ou seja, a função económico-social própria do contrato que a lei tem diante dos olhos ao fixar o seu regime) em que ele se integra" - Prof. A.Varela, Centros Comerciais, 1995, Pg. 47.<br> Poder qualificado por Gorla - Il potere della volontá nella promessa com negozio giurídico - Bolonha, 1971, Pg. 306 e 307 - como o "poder do credor in fieri".<br> - Reunião no mesmo contrato de dois ou mais contratos típicos "sem embargo da eventual existência de normas imperativas próprias, no regime de ambos ou de um deles apenas" - Prof. A.Varela, ob. cit. Pg. 46 e na globalidade das anteriores considerações - Rev. Leg. Jup. 128, Pg. 370 e seg.<br> Estes contratos mistos - nº2 art 405 - podem, assim, dentro dos quadrantes vertidos no nº1 do art 405, ser nominados ou inominados, consoante "as tais regras dos dois ou mais negócios típicos, que os contraentes reúnem na mesma convenção negocial unitária, respeitam a causa (stricto sensu) de um dos contratos típicos ou escapam, na sua conjunção, à causa própria de cada um deles". Prof. A. Varela, ob. cit., Pg. 47.<br> Posições defendidas, seguindo Messineo e Tabucchi, como afirma em nota (1), Pg. 43.<br> É sabido que o CC Português não inclui expressamente a "causa" entre os requisitos do contrato.<br> Ao contrário do Italiano.<br> Aqui a discutidíssima noção de "causa" foi primeiramente acolhida através da concepção subjectivista francesa, como reveladora da posição das partes ao contratar, passando depois pela recepção objectivista germânica, como função económico-social determinante ao sancionamento da vontade das partes pelo Direito.<br> Entre nós, Prof. M. Andrade considera a causa de um contrato um "conceito dispensável" - vol II, Pg. 349 e M. Cordeiro "a causa do contrato não tem lugar no Direito Civil" - Obrig. vol I, Pg. 527.<br> Não acompanhamos estas considerações.<br> Poderá ser uma posição subjectiva de causa, norteada por um subjectivismo típico: fim proporcionado pelo tipo contratual utilizado emergente da lei - Betti, Teoria II, Pg. 373 e seg.<br> Poderá ser uma posição objectiva de causa: interesse prosseguido pelo negócio jurídico, atendível pelo Direito - Prof. C. Mendes.<br> Poderá ser uma posição eclética: as partes ao escolherem determinado tipo contratual integram, no seu processo volitivo, a causa função tutelada pelo Direito - Prof. G. Telles, Manual, Pg. 253 e seg.<br> Posição mais defensável.<br> Causa, como função do negócio, que se distingue da declaração, exprimindo a força dinâmica do acto, uma força que, embora gerando-se nele, se desenvolve e se realiza em momento posterior, acabando por adquirir vitalidade autónoma e valor objectivo no mundo das relações sociais.<br> Assim, e concluindo, na estrutura do negócio jurídico temos de considerar a vontade, a declaração e a causa.<br> 8- Posto isto, voltemos aos factos.<br> No contrato em apreço, a cedência da sala "C", "por períodos múltiplos de um dia mediante contrapartida pecuniária" - doc. fls. 28, é elemento típico do contrato de locação - art 1022 CC.<br> Na locação em causa está na concessão do gozo temporário de uma coisa mediante retribuição - Prof. A. Varela, Obrig., vol I, Pg. 273, 6ª ed.<br> No mesmo contrato o dono da sala obrigou-se perante a Ré a proporcionar-lhe uma multiplicidade de serviços: recepcionista (com o dever de receber, registar e transmitir mensagens telefónicas e correspondência recebidas pelo utilizador), fornecimento de electricidade gratuita, limpeza das partes comuns, sala de espera e casa de banho.<br> Tal actividade tipifica contrato de prestação de serviço - art 1154 CC.<br> Aqui a causa está na promessa por parte do dono - prestador - em proporcionar à Ré o resultado do exercício daquelas actividades, livremente por si realizadas, visando alcançar os fins esperados pela Ré.<br> Relativamente à contrapartida económica, a ser suportada pela Ré, os contraentes estabeleceram um preço unitário.<br> Não distinguiram, assim, a "parte dele que se destina a remunerar a utilização da sala e a parte que se reporta ao pagamento dos serviços prestados" - Ac. recorrido fls. 194, último período.<br> 9- A Ré, como se disse, sempre sustentou que estamos perante contrato de arrendamento.<br> E nas suas alegações invoca, agora, o Ac. S.T.J. de 16-04-85, Bol 346, Pg. 229, em socorro da sua posição.<br> Não foi feliz.<br> Neste Ac., facticamente, para além da cedência do gozo temporário de andar, mediante retribuição, havia o fornecimento de água quente para consumo do inquilino e aquecimento - ambiente em determinados meses do ano, serviço que tinha retribuição própria, específica e variável, para além da renda.<br> Julgou tratar-se da união ou junção de contratos de arrendamento e de prestação de serviço, dado que no contrato de arrendamento o marido da A. e a Ré fizeram depender as obrigações relativas àqueles fornecimentos prestados "da manutenção e validade do contrato de arrendamento no seu todo" - Pg. 231.<br> Ora realidade jurídica bem diversa é a do contrato misto.<br> A doutrina portuguesa, seguindo de perto Enneceerus - Kipp Wolf, Tratado, II, I, Pg. 7 a 18, distingue o contrato misto da união de contratos.<br> Na união há uma pluralidade de contratos, mantendo cada negócio jurídico a sua autonomia.<br> Aí não é possível fazer vigorar separadamente contratos internamente unidos, sem desrespeitar a vontade negocial.<br> Nela há uma finalidade económica comum - os contratos completam-se na obtenção desse objectivo comum - e uma subordinação que implica que as vicissitudes de um se repercutem no outro.<br> No contrato misto, pelo contrário, há uma unidade contratual: um só negócio jurídico, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais distintos, como já assinalámos.<br> Como claramente afirma Dr. Pais de Vasconcelos Contratos Atípicos, Pg. 221:<br> "Se o relacionamento entre os tipos for tal que ambos possam subsistir e vigorar como contratos completos e separados, não obstante o vínculo que os liga, a classificação é de união de contratos.<br> Se o relacionamento entre os tipos não permitir a separação, o contrato é classificado como misto".<br> 10- As regras, que dinamizam os contratos típicos, que se entrecruzam na essência do contrato misto, revertem estruturas diferentes.<br> Há, pois, ao interpretar o contrato em apreço tomar em consideração ainda os já assinalados factos:<br> 1- o contrato será renovado por períodos sucessivos de 180 dias, mediante acordo expresso de ambos os contratantes nos seguintes termos:<br> - O pedido de renovação será endereçado pelo 2º contraente ao 1º até 60 dias do fim do contrato<br> - O 1º contratante dará o seu acordo expresso e por escrito nos 15 dias seguintes à data do pedido, podendo o mesmo 1º contratante não aceitar a renovação.<br> 2-As partes não acordaram na renovação do contrato.<br> 11- Interpretar de acordo com o estatuído no nº1 art 236 CC, redacção na esteira da solução do Anteprojecto do Prof. Rui Alarcão, com a limitação final pugnada pelo Prof. Ferrer Correia - erro e interpretação ..., Pg. 185 e seg. e 194 e seg. e 201, ao aproximar-se criticamente de Larenz.<br> Ou seja "o declarante responde pelo sentido que a outra parte pudera atribuir à sua declaração, enquanto esse seja o conteúdo que ele próprio devia considerar acessível à compreensão dela" - ob. cit. Pg, 199.<br> Isto é, na 1ª parte do nº1 art 236 termos "de figurar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento, diligência medianos, considerando as circunstâncias em que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição real do destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu e o modo como aquele concreto destinatário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo" - Dr. Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita - 1995, Pg. 208.<br> Toma-se, assim, o declaratário efectivo, nas condições reais em que se encontra e presume-se ser ele uma pessoa normal e razoável, mediamente instruída e diligente.<br> Apela-se à figura do bonus pater familias.<br> Desta forma o nº1 art 236 assenta em três grandes linhas, que o fundamentam:<br> - Defesa do interesse do declaratário, inspirada pela tutela das expectativas, de confiança legítima<br> - Segurança do comércio jurídico<br> - Imposição ao declarante de um ónus de clareza.<br> Em projecção da dinâmica aplicação dos já assinalados princípios da autonomia privada, de confiança do destinatário e de segurança no tráfego jurídico, em pleno sistema aberto, não hierarquizado.<br> Tudo porque, sendo o Direito um sistema social aberto, é subsistema da sociedade global, recebendo desta os elementos que constituem os inputs que alimentam o sistema jurídico, devolvendo-lhe depois instrumentos de mudança, produtos do sistema jurídico, que em linguagem sistémica se chamam outputs.<br> Inputs e outputs se entrelaçam (feedback) numa relação de permanente interacção.<br> Pretende-se através de uma justa ponderação de interesses encontrar a mais justa solução, em cada situação.<br> 12- Frente à hipotética possibilidade de estarmos perante um contrato misto de arrendamento e de prestação de serviços, não há facticamente elementos que permitam estabelecer qualquer prevalência entre eles.<br> Com efeito, entre as várias prestações componentes do contrato em apreço, não se vê que as partes tivessem tido a intenção de destacar, de considerar uma como a principal.<br> Trata-se de um pequeno centro de cinco salas de escritório, com organização própria, fornecedora dos assinalados serviços, com a indispensável prévia cedência temporária do gozo da respectiva sala.<br> Esta é a economia do contrato.<br> Daí a impossibilidade da aplicabilidade da teoria da absorção para discipliná-lo, de modo a submetê-lo às normas legais concernentes ao tipo dominante.<br> Desta forma está, desde já, recusada a tese da Ré, ao pretender aplicar o regime vinculístico do contrato de arrendamento, através da imperatividade da norma da renovação automática - art 1095 CC.<br> Poderia, assim, parecer, que não sendo, como não é, possível determinar o elemento principal do contrato, se deveria aplicar a cada um deles o regime próprio correspondente à matriz - teoria da combinação - nº1 art 1028 CC.<br> Agora as tarefas, que os AA. estão obrigados perante a Ré, tipificariam um contrato de prestação de serviço, que ficaria submetido, em princípio, ao regime do mandato, com as necessárias adaptações - art 1156.<br> Neste regime inscreve-se a livre revogabilidade por qualquer das partes - nº1 art 1170 - em contraditoriedade plena com o regime do arrendamento.<br> Em projecção da obtenção da solução mais justa, devendo, para tanto, ser orientada por uma jurisprudência ética, na medida em que a Moral, como cultura, é valor que tem de estar presente na aplicação do Direito e pela cinética, onde se tomam em consideração as consequências da decisão, ponderação dos efeitos da decisão - Ac. S.T.J. de 29-10-96, Proc. 429/96, por nós relatada - haveria que perspectivar as "necessárias adaptações".<br> Nesse sentido "o mínimo é que a cessação da prestação dos serviços prometidos, com base na revogação parcial do contrato, fosse efectuada com o mínimo de antecedência necessária para que a arrendatária pudesse tomar providências para obtenção dos serviços de que carecia" - Prof. A. Varela, Rev. Leg. Jup. ano 129, Pg. 60.<br> 13- Só que há circunstâncias a considerar:<br> a) Os contraentes adoptaram o princípio da unidade da contraprestação, em lugar da pluralidade de remuneração.<br> Tal afasta, desde logo, a existência de um contrato de arrendamento,<br> b) As partes tentaram - conforme o clausulado que conferia ao proprietário a faculdade de se opor à sua renovação no fim do respectivo prazo - a renovação do acordado.<br> Tal afasta, igualmente, a existência de contrato de arrendamento.<br> c) Clausulou-se exigência de manifestação de vontade ou parte do utilizador para a renovação do contrato.<br> O que tem igualmente aquela consequência.<br> d) Possibilitou-se a não aceitação por parte do dono da fracção da solicitada renovação.<br> Tal colide com a livre revogabilidade do mandato - nº1 art 1170 - e afasta a tipicidade do contrato de prestação de serviço.<br> e) As partes não chegaram a acordo, quanto à renovação.<br> f) À Ré foi proporcionado o gozo temporário da sala "C", acompanhado do benefício concernente a usufruir serviços, dentro de uma organização própria, fornecidos pelos donos da fracção, onde se inseriu aquela sala, mediante retribuição única e global.<br> Esta fixação globalizante comporta riscos para os AA, na medida em que os serviços, que se comprometeram a prestar, terão um custo variável e aleatório, que irá colidir contra a manutenção da rigidez da retribuição.<br> A contrapartida deste risco está na possibilidade dada aos AA. de se recusarem a aceitar a renovação do contrato.<br> Com efeito as partes são os melhores juízes dos seus próprios interesses.<br> Presumindo que o contrato é justo são as partes que estão em melhores condições para avaliar se a prestação e a contraprestação se equilibram, se ónus e riscos estão divididos de forma equitativa, em obediência ao princípio da distribuição equitativa, e daí justa, de ónus e riscos.<br> Tudo porque a Justiça substancial ou material ou "compensatório", na linguagem de Larenz, busca assegurar, nos contratos de intercâmbio de bens e serviços, efectivo equilíbrio entre direitos e obrigações de cada um, dentro das exigências Justiça comutativa: recebimento de benefício em adequada contrapartida do sacrifício que assume.<br> 14- Daqui se infere, concluindo, que no contrato em apreço a sua causa, a função económico-social que visa preencher, afasta-se das causas que tipifiquem os contratos de arrendamento e de prestação de serviço.<br> Estamos, pois, perante um contrato fusão, um todo orgânico, unitário e complexo.<br> Um contrato atípico.<br> Ou melhor um contrato socialmente típico, mas legalmente atípico: contrato efectivamente não tipificado na lei, mas que é na realidade social típico.<br> A tipicidade social supõe "a consciência de que os tipos assim criados venham a adquirir validade geral e justifica-se pela importância que os tipos em causa revistam na realidade social, atendendo à sua difusão e à função económico-social que desempenham".<br> A tipicidade social "remetendo para as valorações económicas ou éticas de consciência social, só pode justificar-se se existirem, subjacentes aos contratos realizados e modo típico, interesses merecedores de tutela, segundo a ordem jurídica" - Dr. Maria Helena Brito, Contrato Concessão Comercial, 1990, Pg. 168 e 169.<br> E paralelamente, o Dr. Pais Vasconcelos, ob. cit. Pg. 321.<br> 15- O contrato caducou em 30-04-94, dado que as partes não acordaram na sua renovação, pelo que a Ré recorrente não tem título justificativo para utilizar a sala.<br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pela Ré.<br> Lisboa, 9 de Julho de 1998.<br> Torres Paulo,<br> Aragão Seia,<br> Lopes Pinto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1- No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, o Banco Nacional Ultramarino, SA, como credor de A, por ter avalizado livrança não paga, accionou este e sua mulher B por, anteriormente ao vencimento da livrança, terem doado com o fim de dolosamente subtraírem do seu património bens, prejudicando o Autor, impedindo-o de satisfazer aquele seu crédito e os donatários C e D, menores, representados pelos seus pais, Réus donatários que são netos dos Réus doadores.<br> Pede a condenação dos Réus a: <br> a) Verem declarada nula e sem efeito a escritura lavrada a 4 de Fevereiro de 1991 no 2. Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão e anulada a doação da mesma constante.<br> b) Verem a restituição dos bens identificados nesta escritura na medida do crédito do Autor ao património dos primeiros recorrentes para serem executados nesse património pelo Autor.<br> c) E para tanto, sendo declarada nula e anulada a transmissão constante da aludida escritura e ordenados os cancelamentos de todos os registos praticados na Cons. Reg. Pred. com base na mesma e após a data dessa escritura com as consequências legais.<br> Os Réus citados não contestaram.<br> Por sentença a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo sido os Réus condenados a reconhecerem ao Autor o direito de se pagar do seu crédito pelas frações dos prédios objecto da doação em apreço, podendo, para tal, executá-los no património dos segundos Réus e praticar os actos de conservação de garantia patrimonial autorizados por lei - artigo 616 n. 1 CC.<br> E absolvidos do pedido quanto ao mais.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação do Porto fls. 176 a 182 declarou nula aquela sentença e em sua substituição - artigo 715 CPC - julgou improcedente a acção, absolvendo os Réus apelantes do pedido.<br> Daí a presente revista.<br> 2- O Autor recorrente nas sua alegações conclui:<br> a) A sentença proferida em 1. instância considerada nula não viola os artigos 264 n. 1 e 664 CPC, bem como os artigos 661 n. 1 e 618 CC.<br> b) Deverão os Réus reconhecer ao Autor o direito de se pagar do seu crédito pela força, dos prédios objecto da doação.<br> Pelo que a sentença deve ser confirmada "in toto".<br> Em contra alegação pugnou-se pela bondade do decidido.<br> 3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4- Nos termos dos citados artigos 713 e 726, ambos do actual CPC, remete-se para o douto Acórdão recorrido a enunciação da matéria de facto nela assente.<br> 5- As instâncias concordam que os factos articulados na petição inicial integram como causa de pedir uma impugnação pauliana, mas os três pedidos formulados integram uma acção de anulação, sem suporte naqueles factos.<br> Frente a esta incoerência julgaram diferentemente.<br> 6- Os Autores efectivamente instalaram uma acção de impugnação pauliana.<br> Basta atentar no último artigo -033- da sua petição inicial, antes de formularem os três assinalados pedidos.<br> "Assiste assim ao Autor o direito de impugnar o acto de transmissão consubstanciado na aludida escritura, obtendo a declaração da respectiva nulidade dos termos do disposto no artigo 616 e segs. do<br> CCIV ."<br> Achamos correcta a 1. parte e errada a 2.<br> 7- É sabido que a mera ineficácia se autonomiza por a inviabilidade de produção dos efeitos não ter na sua origem factos que determinem a imperfeita génese do negócio, nos eventos extrínsecos.<br> Agora, pressupostos, elementos e requisitos de validade existem concretamente, nas circunstâncias externas àqueles opõem-se à praticabilidade do acto. <br> Como uma das modalidades desta ineficácia, ela poderá ser total ou parcial, quanto aos efeitos abrangidos, e absoluta ou relativa, quanto à pessoa a que respeita.<br> Ora é precisamente nestes aspectos de parcialidade e de relatividade que surgem, como figuras autónomas, a inoponibilidade e a impugnabilidade.<br> Inoponibilidade como situação de inobservância jurídica perante certas pessoas, que a correlativa relevância para outros, certos e determinados.<br> Impugnabilidade que se fundamenta na existência de um facto que faz nascer um outro direito inconciliável com os direitos originados naquele acto jurídico, a impugnar.<br> Tendo em consideração um prejuízo emergente da prática do acto que se quer impugnar, prejuízo esse que fere interesses tutelados pelo direito.<br> É o que se passa, de pleno, na impugnação pauliana: verificados os requisitos - que aqui não se discutem - a lei impõe uma restituição que foge à produção normal dos efeitos das doações em apreço, tudo de acordo com o estatuído no n. 1 do artigo 616 CCIV.<br> E deste resulta:<br> - O acto sujeito à impugnação pauliana não tem nenhum vício juridico.<br> - É total válido.<br> - E eficaz: não há perca de disponibilidade.<br> - Respondendo os bens transmitidos pelas dívidas do alienante, agora no património do adquirente - terceiro -, na medida do interesse do credor, <br> após providência da impugnação.<br> - Mantendo-se o acto - aqui doação - na sua pujança jurídica em tudo quanto exceda a medida daquele interesse.<br> Este poder - artigo 616 n. 1 e 818 - do credor de agredir o património do adquirente, quanto ao objecto transmitido, é excepção à regra de que só o património do devedor responde pelas respectivas obrigações.<br> É certo que doutrina e jurisprudência qualificam a situação de "ineficácia".<br> Nós temos julgado que a figura própria é a "impugnabilidade", que se apresenta como caso específico, frente ao assinalado hibridismo de "ineficácia" - Ac. STJ de 25 de Fevereiro de 1997, Proc 834/96 e 496/97, de 30 de Setembro de 1997.<br> Sendo as consequências desta "impugnabilidade" precisamente as normas do traçado "ineficácia", face à praticabilidade decisória há que manter, nesta parte, o decidido.<br> 8- É hoje ponto assente - doutrina e jurisprudência - que a impugnação pauliana só é uma acção de anulação (ver fundamentação do Ac. recorrido e ainda Ac. STJ Proc 688/96, por nós relatado) de 14 de Janeiro de 1997.<br> É uma acção pessoal, onde se faz valer apenas um direito de crédito do<br> Autor.<br> Trata-se de "uma acção de responsabilidade de indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante" - Prof. H. Mesquita, Rev. Leg. J. ano 128, pág. 223.<br> Com todos os desvios é, no fundo, uma acção independente, fundada directamente na lei, em face de equidade e boa fé.<br> 9- Ora os pedidos formulados pelo Autor integram os de uma acção de anulação; como ele próprio na 2. parte do invocado artigo 33 da petição inicial.<br> Pediu mal:<br> - Quando invocou a anulabilidade da doação para justificar a substituição dos bens, pois, como vimos, a impugnação pauliana pressupõe a validade da alienação.<br> - Quando, na sequência da pressuposta nulidade, requereu o cancelamento dos registos efectuados a favor dos Réus adquirentes.<br> Mas pediu muito mal, irremediavelmente mal, quando pretende a restituição dos bens doados ao património dos primeiros Réus doadores, para serem executados nesse património pelo Autor.<br> Tudo porque, como vimos, o acto impugnado ou é, na impugnação pauliana anulado como regresso à titularidade do devedor alienante.<br> A restituição que resulta da providência de impugnação pauliana tem o significado de permitir que sejam executados bens alienados pelo devedor no património do terceiro adquirente.<br> Tal não é simples qualificação jurídica diferente; não estamos perante errada qualificação jurídica atribuída ao Autor.<br> O que o Autor pretende é efeito que a impugnação pauliana não suporta: destituição do acto de alienação com regresso do seu objecto à titularidade do alienante.<br> Há contradições entre o pedido e a causa do pedir, apresentando-se a petição viciada de ineptidão - artigo 193 n. 1 alínea c) CPC.<br> Estamos perante "uma questão de pedido substancial" - Prof. M. Cordeiro, Pareceres, CJ XVII, 1992, Tomo III, pág. 63.<br> E a sentença só pode condenar em objecto diverso do que se pediu - n. 1 do artigo 661 CPC.<br> Em projecção do princípio do contraditório.<br> A acção tem de improceder.<br> 10- Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelo Autor recorrente.<br> Lisboa, 4 de Abril de 1997.<br> Torres Paulo,<br> Ramiro Vidigal,<br> José Saraiva.</font>
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6jLru4YBgYBz1XKv8Vix
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> No Tribunal Judicial de Aveiro foi instaurado inventário para partilha dos bens deixados por óbito de A e de sua esposa B, residentes que foram na Rua Cândido dos Reis, n.º ...., em Aveiro, em que é inventariante o filho de ambos C.</font><br> <font>No momento próprio, tanto o inventariante como a herdeira testamentária D se pronunciaram sobre a forma da partilha, se bem que em sentidos divergentes.</font><br> <font>De seguida, foi proferido despacho determinativo da forma da partilha, não concordante com a forma dada por aquela interessada E.</font><br> <font> Elaborado que foi o mapa da partilha e proferida a respectiva sentença homologatória, a interessada E apelou para a Relação de Coimbra, insistindo pela revogação, por inoficiosidade, da doação pelo inventariado, por conta da quota disponível, a favor de seus filhos, por forma a manter a eficácia do testamento da inventariada. Mas sem êxito, pois a Relação manteve inteiramente a decisão recorrida.</font><br> <font> Ainda inconformada, a E pede revista, pugnando pelo reconhecimento do seu direito, enquanto herdeira da falecida, a obter a redução da doação inoficiosa feita pelo falecido marido da inventariada aos filhos de ambos e, em qualquer caso, o direito a haver o remanescente da quota disponível da testadora. </font><br> <font>Como se vê da alegação que coroou com as seguintes </font><br> <br> <b><font>Conclusões</font></b><br> <br> <br> <font>1 - Instaurou-se inventário por óbito de A, e, depois, cumulativamente, por óbito da mulher, B, falecida mais tarde, sendo ambos casados no regime de comunhão geral de bens.</font><br> <font>2 - Na respectiva relação de bens figura a verba 49, um prédio doado pelos inventariados, por conta da quota disponível, aos Recorridos, únicos filhos que tiveram, o qual, em licitações atingiu o valor de 21.256.000$00, somando os restantes bens o valor de 23.943.531$00.</font><br> <font>3 - O inventariado instituiu os filhos, ora Recorridos, herdeiros da quota disponível, e a inventariada, depois de, por conta da quota disponível, instituir um legado de 500.000$00, instituiu a Recorrente herdeira do remanescente dessa quota.</font><br> <font>4 - O, aliás, douto acórdão recorrido entendeu que a Recorrente nada tem a receber por virtude de tal testamento, uma vez que, não sendo herdeira legitimária dos doadores, nem descendente da testadora, a inventariada, que, em vida, não obteve a redução por inoficiosidade da doação feita pelo inventariado a seus filhos, não tem o direito de obter a redução da referida doação por conta da quota disponível, fundando tal decisão no disposto nos art.s 2168, 2156, 2157, 2161 no. 2, 2160 e 2169 C.C.</font><br> <font>5 - Assim, implicitamente, nos termos do art. 660 n.º 2 considerou prejudicada, dela não conhecendo, a questão por que os Recorridos se opõem à pretensão da Recorrente herdar da inventariada: ter esta esgotado a quota disponível na doação que, em conjunto com o inventariado, fez aos Recorridos da verba n.º 49 da relação de bens (art. 2171 C.C.).</font><br> <font>6 - Reservando para último o conhecimento desta pretensão, acerca da qual o, aliás, douto acórdão recorrido não se pronunciou, ainda que fosse exacto não ter a Recorrente como sucessora da inventariada, direito à redução da doação feita pelo inventariado aos Recorridos (meia conferência), teria direito, depois de pago o legado de 500.000$00, ao remanescente da quota disponível da inventariada nos restantes bens, no valor, como se viu (conclusão 2ª), de 23.943.531$00, o qual resulta da sua meação nesse valor (11.971.765$00) mais a sua legitima na herança do inventariado (2.666.392$00), o que totaliza 14.638.157$00.</font><br> <font>7 - Nesta conformidade, nos termos do disposto nos art.os 1732, 2161 n.º1, 2179, 2024 e 2025 n0. 1 C.C., que o, aliás, douto acórdão recorrido violou, a Recorrente, como herdeira do remanescente da quota disponível, teria a receber 4.379.385$00 (QUATRO MILHÕES TREZENTOS E SETENTA E NOVE MIL TREZENTOS E OITENTA E CINCO ESCUDOS) - 14.638.157$00: 3 - 500.000$00.</font><br> <br> <font>8 - Mas a Recorrente tem, ainda, o direito, como sucessora da inventariada, por virtude do testamento, de obter a redução por inoficiosidade, da doação que ofendeu a legítima desta, direito esse que, nem por lei, nem por sua natureza, caducou com a sua morte, e direito esse de que a inventariada podia dispor por acto inter vivos ou por testamento, sucedendo mais que, em sua vida, corria termos o processo de inventário, em que a inventariada podia exercer esse direito - art.s 2168, 2156, 2157, 2161 n.º 2, ,2169, 405 n.º 1, 2179 e 2025 n.º 1 C.C.</font><br> <font>9 - A questão que ficou por decidir (conclusão 5ª) não pode deixar de ser resolvida favoravelmente à Recorrente.</font><br> <font>10 - A doação pela qual os inventariados doaram aos Recorridos, únicos filhos que tiveram, por conta da quota disponível, a verba 49 da relação de bens, nunca poderia ofender, nos termos do art. 2168 C.C., a legitima destes, dado dela serem os beneficiários, mas a legítima de um dos doadores, que, por morte do outro com eles concorresse à herança.</font><br> <font>11 - A quota disponível é, apenas, a outra face da legítima, e a lei o que protege é a legitima, e não a quota disponível.</font><br> <font>12 - Mas se se desse o caso de os donatários serem titulares do direito de obter essa redução e os sujeitos passivos desse direito (o que sucederia se lhes fosse transferido tal direito pelo herdeiro cuja legítima foi ofendida por essa liberalidade), tal direito e sujeição extinguir-se-iam por confusão (art. 868 C.C.).</font><br> <font>13 - Por outro lado, a referida doação, feita aos únicos herdeiros legitimários dos doadores, somente pode produzir o efeito de sacrificar o segundo doador, na partilha por morte do primeiro, (que é o caso vertente), mas não pode produzir o efeito de renúncia ao direito de testar, porque a tanto impede o disposto nas disposições conjugadas dos art.s 69 e 2179 CC.</font><br> <font>14 - Pelo exposto, o, aliás, douto acórdão recorrido, não reconhecendo, apesar do testamento quer a instituiu como tal, à Recorrente a qualidade de herdeira do remanescente da quota disponível da inventariada, inclusive, de obter a redução por inoficiosidade da doação que afecta a legítima da Autora da herança, violou o disposto nos art.s 2168, 2156, 2157, 2161 n.º 2, 2160, 2169, 1732, 2161 n.º 1, 2179, 405 n.º 1, 2024, 2025 n.º 1, 2168, 868 e 69 C.C., pelo que deve ser revogado.</font><br> <br> <font>Temos, pois, para decidir as questões de saber se:</font><br> <br> <font> I - A recorrente, enquanto herdeira testamentária do remanescente da disponível da falecida, tem legitimidade para requerer a redução, por inoficiosidade, da metade da doação feita por seu defunto marido, na medida em que ofende a sua legítima de cônjuge sobrevivo - conclusões 4ª e 8ª; e se, mesmo em caso negativo e sem atender ao bem doado,</font><br> <font> II - sempre a Recorrente tem direito a haver o remanescente da quota disponível da falecida - conclusões 6ª e 7ª, </font><br> <font> III - sob pena de esta ficar privada do direito de testar - conclusões 9ª a 13ª.</font><br> <font> </font><br> <font>Mas antes hemos de ver que a Relação teve por assentes, sem qualquer oposição, os seguintes </font><br> <b><font>Factos</font></b><br> <br> <font>1 - O inventariado A faleceu em 27-6-96;</font><br> <font>2 - A inventariada B faleceu em 15-7-98;</font><br> <font>3 - Os inventariados eram casados em únicas núpcias de ambos, segundo o regime da comunhão geral de bens;</font><br> <font>4 - O inventariado A, por testamento público de 2-10-92, deixou a sua quota disponível aos seus únicos filhos C e E;</font><br> <font>5 - Por doação de 16-9-94, os ora inventariados A e esposa B doaram, em comum, àqueles já referidos e únicos seus filhos C e E, a raiz do prédio urbano inscrito na freguesia de Cacia sob o art.º 2723, reservando para eles o usufruto do mesmo prédio que nos autos constitui a verba n.º 49;</font><br> <font> 6 - Por sua vez, a inventariada B, por testamento de 12-12-97 e para pagamento dos serviços que lhe prestaram em vida, legou a quantia de 500.000$00 a F e deixou o remanescente da sua quota disponível à ora Recorrente D, com o encargo de lhe fazerem e suportarem os custos do funeral.</font><br> <br> <font> O Recorrido C respondeu em defesa do decidido.</font><br> <font> Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões acima elencadas, para o que veremos o aplicável </font><br> <font> Direito</font><br> <font> Com os factos agora vistos, o Ex.mo Juiz mandou proceder à partilha pela forma seguinte:</font><br> <font> «Somam-se os valores dos bens não doados com os aumentos resultantes das licitações, e o total assim obtido divide-se em duas partes iguais, constituindo uma a meação do inventariado e a outra a da inventariada.</font><br> <font>À que constitui a meação do inventariado, adicionada da meia conferência dos bens doados, subtrai-se o respectivo passivo e o produto assim obtido divide-se, por seu turno, em três partes iguais, constituindo uma delas a sua quota disponível, na qual se imputará a meia conferência do bem doado aos referidos filhos e o excedente, se o houver, será adjudicado aos mesmos filhos, por força do testamento; a soma das outras duas partes constituem a sua quota indisponível e divide-se em três partes iguais, adjudicando-se uma a cada um dos referidos filhos e a outra, que constituiu a legitima da inventariada, somar-se-á à sua referida meação acrescida da restante meia conferência dos bens doados e à qual se deduzirá o respectivo passivo; o total assim obtido divide-se em três partes iguais, constituindo uma delas a quota disponível dos seus bens, na qual se imputará a restante meia conferência do bem doado; se a não exceder, dela sairá o referido legado e o remanescente, se o houver, será adjudicado à herdeira testamentária; as outras duas, que constituem a legítima dos filhos será divida por ambos em partes iguais».</font><br> <br> <font>A Secretaria elaborou o mapa de partilha em conformidade: encontrou a herança da inventariada somando a sua legítima de cônjuge sobrevivo (5.002.392$00), a meação (10.099.765$50) e a meia conferência dos bens doados (12.500.000$00), tudo deduzido do passivo (181.100$00). A quota disponível era de 9.140.352$50, tal como a legítima de cada um dos filhos.</font><br> <font>Numa destas três partes, a disponível, imputou-se a meia conferência do bem doado aos filhos, não restando qualquer excedente para adjudicar quer à legatária quer à herdeira testamentária aqui recorrente.</font><br> <font>Por isso esta herdeira pretende se reduza a doação de metade do prédio da verba n.º 49 feita pelo seu defunto marido aos filhos do casal na medida em que ofende a legítima dela cônjuge sobrevivo, e se mantenha intacta a doação de metade dela inventariada por não poder afectar a legítima dos donatários, seus únicos herdeiros legitimários.</font><br> <font>A Relação decidiu que a Recorrente não tinha legitimidade para assumir a defesa da legítima da falecida e requerer agora em seu benefício a redução, por inoficiosidade, da doação feita pelo falecido A.</font><br> <br> <font>Cremos que bem se decidiu.</font><br> <font>Consabido é que a sucessão legitimária, a que se impõe mesmo contra a vontade do de cuius, corresponde a interesses tão imperiosos aos olhos do legislador que este transforma as respectivas normas num verdadeiro ius cogens, inderrogável pela vontade do de cuius.</font><br> <font> De entre essas normas destacam-se as que definem e quantificam a legítima - art. 2156º e 2158º a 2162º CC - e a que reconhece a qualidade de herdeiros legitimários ao cônjuge, aos descendentes e ascendentes - art. 2157º CC.</font><br> <font> Claro que os proprietários dos bens são inteiramente livres de, em vida e a título oneroso, dispor deles como entendam, sem necessidade de se preocuparem com as simples expectativas dos que serão os seus herdeiros legitimários.</font><br> <font> Mas já não é assim no tocante a doações, pois a lei - art. 2162º CC - manda atender, para o cálculo da legítima, ao valor dos bens doados pelo autor da sucessão, dispõe que, sendo a doação de bens comuns feita por ambos os cônjuges, conferir-se-á metade por morte de cada um deles (art. 2117º, n.º 1) e classifica de inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos legitimários (art. 2168º CC).</font><br> <font> As razões que justificam a instituição da legítima não são bastantes para impor a redução ipso jure das doações inoficiosas, antes tal redução só pode verificar-se a requerimento do interessado cuja legítima seja ofendida. </font><br> <font> É quanto dispõe o art. 2169º do CC: as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tudo quanto for necessário para que a legítima seja preenchida.</font><br> <font> Claro que o herdeiro testamentário é sucessor do de cuius, nos termos dos art. 2024º, 2026º e 2030º, n.os 1 e 3, do CC.</font><br> <font> Não quer isto dizer, porém, que o herdeiro testamentário possa exercer todos os direitos que cabiam ao falecido pois, como diz o art. 2025º do CC, não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que, em razão da sua natureza ou por força da lei, devam extinguir-se por morte do respectivo titular.</font><br> <font> Atento o regime e natureza da sucessão legitimária e os interesses que vimos estarem-lhe subjacentes, temos por seguro que o direito de pedir a redução das liberalidades inoficiosas apenas cabe ao sucessor do herdeiro legitimário que seja, ele próprio, também herdeiro legitimário de quem se finou sem exercer tal direito. É que o herdeiro testamentário da quota disponível não tem qualquer legítima a defender se o de cuius não lhe transmitiu tal direito.</font><br> <font> Por isso os Prof. Pires de Lima e A. Varela (CC Anotado, VI, 374) lêem assim este art. 2169º: «as liberalidades inoficiosas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus descendentes ...».</font><br> <font> Nem se diga que se a falecida tivesse vendido o seu direito à herança indivisa de seu falecido marido e a sua meação no casal igualmente indiviso, ninguém poria em dúvida o direito da adquirente a obter a redução da doação inoficiosa.</font><br> <font> São diferentes as situações, a requerer tratamento diferenciado. Na venda do quinhão hereditário vai incluído tudo quanto integra a herança da cedente, seja a legítima seja a disponível; na deixa testamentária da quota disponível o de cuius dispõe apenas da parte do seu património que a lei lhe permite distribuir como entender. </font><br> <font> Termos em que se decide a I questão e se desatende o concluído em 4ª e 8ª.</font><br> <font> Carece a Recorrente de razão quando pretende receber a quantia de 4.379.385$00, mesmo sem direito a obter a redução da doação, por inoficiosa. </font><br> <font> O mapa de partilha foi elaborado de acordo com o despacho que a determinou e deu pleno cumprimento ao disposto no art. 2162º, n.º 1, do CC, o que não acontece com as contas elaboradas pela Recorrente. Como do mapa se vê, a legítima da falecida na herança do pré-defunto marido era de 5.002.392$00 e a sua disponível ascendia a 9.140.352$50. Porque nesta se imputa a meia conferência do bem por si e marido doado por conta da disponível, no valor de 12.500.000$00, é claro que nada sobrava da disponível para que o testamento produzisse qualquer efeito.</font><br> <font> Pelo que improcede o concluído em 6ª e 7ª.</font><br> <br> <font> Por último, dir-se-á que o facto de se não reconhecer à herdeira testamentária o direito de pedir a redução da doação ou o de haver o remanescente da quota disponível, apesar do testamento que como tal a instituiu, nada tem a ver com a protecção da legítima do doador sobrevivo ou com o seu direito de testar a que se referem os art. 69º e 2179º e ss, maxime 2188º, todos do CC.</font><br> <font> O doador sobrevivo que, juntamente com seu cônjuge, doou aos filhos, por conta da disponível, bem que a excede, continua a ter capacidade pata testar. O que não tem é bens de que possa dispor, sob pena de afectar a legítima dos legitimários.</font><br> <font> De resto e como resulta do art. 2171º do CC, se houvesse lugar a redução, cairiam primeiramente a deixa à recorrente e o legado, só depois sendo atingida a liberalidade feita em vida do autor da sucessão. O que demonstra proteger a lei a doação em vida em detrimento das disposições testamentárias.</font><br> <font> Assim se decide a III questão e se desatende o mais concluído.</font><br> <br> <font> </font><b><font>Decisão</font></b><br> <br> <font> Termos em que se nega a revista e se condena a Recorrente nas custas.</font><br> <br> <font> Lisboa, 29 de Outubro de 2002</font><br> <font> Afonso Correia,</font><br> <font> Afonso de Melo,</font><br> <font> Fernandes Magalhães.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - A intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra B e outros, pedindo a condenação solidária dos réus B e C no pagamento da quantia de 3680800 escudos e, de todos os réus, no pagamento da quantia de 2500000 escudos, por motivo de diversos danos relacionados com o arrolamento de bens móveis, requerido pela B contra a A.<br> Houve contestação e procedeu-se a julgamento.<br> Pela sentença de fls. 357 e seguintes, julgou-se a acção improcedente.<br> A autora interpôs recurso de apelação da sentença, com o qual subiu o recurso de agravo por ela interposto do despacho de fls. 291, em que se designou dia para continuação do julgamento, sem se ordenar a repetição dos actos já praticados, requerida pela autora, mas o acórdão da Relação, de fls. 408 e seguintes, negou provimento a ambos os recursos.<br> Neste recurso de revista, a autora formula as seguintes conclusões:<br> - por virtude de impossibilidade temporária de um dos membros do tribunal colectivo, mediaram 2 meses e 12 dias entre a produção oral da prova testemunhal oferecida pela autora e a da oferecida pelos réus;<br> - pedida a repetição de todos os actos de julgamento, foi indeferida essa pretensão;<br> - deve ordenar-se a repetição integral do julgamento;<br> - foi violado o disposto nos artigos 654 n. 2 e 656 n. 2 do C.P.Civil e 13 n. 1 da Constituição.<br> Os réus, por sua vez, sustentam a improcedência do recurso.<br> <br> II - Situação de facto:<br> Tanto neste recurso de revista como nos recursos para a Relação, a autora não pôs em causa o mérito da sentença que julgou a acção improcedente mas só o despacho de fls. 291, por se não ter ordenado a repetição dos actos de julgamento, e , quanto a este ponto, importa salientar o seguinte:<br> Após a produção de prova por cartas precatórias, o presidente do tribunal colectivo designou para a audiência de discussão e julgamento o dia 25 de Outubro de 1993 (fls. 185 v.).<br> Nesse dia, adiou-se o julgamento para 14 de Fevereiro de 1994, por falta do advogado da autora (fls. 199).<br> Em 14 de Fevereiro, iniciou-se o julgamento, com depoimento de parte e inquirição de testemunhas indicadas pela autora, tendo a audiência sido suspensa, pelo adiantado da hora, e designado para a sua continuação o dia 23 de Fevereiro de 1994 (fls. 220).<br> Nesse dia, designou-se para tal continuação o dia 2 de Março de 1994, por motivo de falta, por doença, de um dos vogais do tribunal colectivo (fls. 227), e, naquela data, foi a audiência adiada, "sine die", por igual fundamento (fls. 273).<br> Em 11 de Abril de 1994, a autora apresentou o requerimento de fls. 281 e seguintes em que refere, além do mais que "decorridos já cerca de 2 meses sobre a produção de prova..., afigura-se que deverão ser repetidos os actos de julgamento já praticados ..., que se requer ... se digne ordenar".<br> Na sequência desse requerimento, em 19 de Abril de 1994, o presidente do tribunal colectivo proferiu o despacho recorrido, de fls. 291, nos seguintes termos: "para continuação do julgamento, designo o próximo dia 26 de Abril, pelas 9h 30m."<br> Nesse dia, foram inquiridas testemunhas indicadas pelos réus, os mandatários das partes fizeram alegações orais e o tribunal proferiu decisão sobre a matéria de facto, não tendo havido qualquer reclamação (fls. 293 a 295).<br> Em 2 de Maio de 1994, a autora arguiu a nulidade do despacho de fls. 291, por falta de fundamentação (fls. 296).<br> Em 5 de Maio de 1994, a mesma autora veio interpor recurso de agravo do despacho de fls. 291 (fls. 301).<br> Em 23 de Maio de 1994, o presidente do tribunal colectivo proferiu o despacho de fls. 306, de que consta, no essencial, que: o objectivo do despacho de fls. 291 foi dar prosseguimento a um julgamento que havia sido suspenso ...; o tempo decorrido ... não afectou a apreciação da prova produzida ; o colectivo apreciou os elementos de prova; a arguida falta de fundamentação não teve qualquer influência na decisão da causa;<br> indeferiu-se a nulidade e não se admitiu o recurso interposto.<br> Esse recurso veio a ser admitido em reclamação dirigida ao Presidente da Relação (fls. 351).<br> <br> III - Quanto ao mérito do recurso:<br> No artigo 654 do C.P.Civil estabelece-se o "princípio da plenitude da assistência dos Juízes", segundo o qual "só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final" (n. 1); nessa conformidade, manda-se repetir os actos já praticados, no caso de impossibilidade definitiva ou permanente de algum dos juízes, e, "sendo temporária a impossibilidade, interromper-se-à a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem, de preferência, a repetição dos actos já praticados, o que será decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência ou à nova audiência" (n. 2).<br> Esse preceito deve conjugar-se ainda com o do artigo 656 do citado Código, onde se determina a regra da continuidade da audiência, mas esta pode ser afastada em hipóteses especiais, como a da impossibilidade prevista no n. 2 do cit. artigo 654.<br> Tudo isto se reconduz a princípios destinados a que entre o início e o termo da audiência decorra o menor período de tempo possível, de modo a não ser prejudicada a apreciação da prova produzida, e, em particular no que respeita à interrupção da audiência por impossibilidade temporária de algum dos juízes ou à realização de nova audiência com repetição dos actos já praticados, a opção deverá basear-se em todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente a previsível duração da causa da impossibilidade, o volume dos actos anteriores, a natureza do processo e a urgência na sua conclusão.<br> Por outro lado, o "despacho fundamentado", previsto no cit. artigo 654 n. 2, tanto se reporta à interrupção da audiência, por motivo de impossibilidade temporária, como à realização de nova audiência, com repetição dos actos já praticados, e tal fundamentação apenas se dirige à decisão tomada; ou seja, na hipótese de se decidir pela interrupção da audiência, só cabe indicar o motivo desta, não sendo então necessário referir as razões de se não optar pela outra solução, de-resto, como decorre do citado preceito, a regra é a interrupção, só havendo lugar à repetição dos actos já praticados quando "as circunstâncias aconselhem, de preferência", essa repetição, pelo que apenas nessa hipótese deverá o despacho conter a respectiva fundamentação.<br> Acresce que a falta dessa fundamentação não implica verdadeira nulidade processual, pois a lei não lhe estabelece essa cominação e, dado o seu objectivo, ela não é sequer susceptível de influenciar o exame ou a decisão da causa, tratando-se assim de simples irregularidade, sem quaisquer consequências (artigo 201 n. 1 do C.P.Civil).<br> No caso presente, a suspensão da audiência teve lugar, em 23 de Fevereiro de 1994 e 2 de Março de 1994, por motivo de doença de um dos juízes do tribunal colectivo, e as respectivas decisões encontram-se devidamente fundamentadas.<br> O despacho recorrido, de fls. 291, limitou-se a designar novo dia "para continuação do julgamento" e, com esse âmbito, como despacho de mero expediente, não era susceptível de recurso (artigo 679 do cit. Código).<br> Porque a autora tinha requerido que deveriam "ser repetidos os actos de julgamento já praticados...", poderia sustentar-se que tal despacho deveria pronunciar-se sobre esse requerimento, tendo havido então falta de pronúncia, ou melhor, falta de fundamentação, por se ter apenas como implícita nesse despacho a desnecessidade daquela repetição.<br> Apesar disso, continua a entender-se que não era admissível recurso do aludido despacho.<br> Por um lado, a audiência de discussão e julgamento realizou-se, normalmente, sem a repetição da prova anteriormente produzida e sem qualquer reclamação do mandatário da autora.<br> Assim, a ter havido a apontada nulidade do despacho de fls. 291, teria ocorrido renúncia tácita à sua arguição, com a intervenção do mandatário da autora na audiência sem formulação de alguma objecção (artigo 203 n. 2 do cit. Código).<br> Por outro lado, a arguição da nulidade, após a audiência de julgamento, implicaria que o recurso só deveria ter sido interposto depois da sua apreciação (por analogia com o disposto no artigo 670 n. 2 do cit. Código), mas, não sendo admissível recurso do "despacho fundamentado", previsto no cit. artigo 654 n. 2, pela mesma razão ele não seria admissível depois de proferido o despacho de fls. 306, onde se indicaram as razões da desnecessidade de repetição da audiência.<br> De resto, como já se notou e se salientou no acórdão recorrido, apenas se teria cometido uma simples irregularidade, sem influência relevante para a decisão da causa, pelo que nunca haveria lugar à anulação do processado posterior ao despacho de fls. 291.<br> Ainda que se considerasse ter sido cometida uma nulidade, a este tribunal apenas caberia ordenar o seu suprimento, mas ele já teria sido feito pelo aludido despacho de fls. 306.<br> <br> Em conclusão:<br> <br> O "despacho fundamentado", previsto no artigo 654 n. 2 do C.P.Civil, tanto se reporta à interrupção da audiência, por impossibilidade temporária de algum dos juízes, como à realização de nova audiência, com repetição dos actos já praticados.<br> A respectiva fundamentação apenas se dirige à decisão efectivamente tomada e a sua falta não constitui nulidade mas simples irregularidade (artigo 201 n. 1 do cit. Código).<br> Realizada a audiência de julgamento, sem repetição dos actos anteriores e sem qualquer reclamação, já não é admissível a arguição de nulidade do despacho que designou dia para continuação dessa audiência (artigo 203 n. 2 do cit. Código).<br> Pelo exposto:<br> <br> Nega-se provimento ao recurso.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 4 de Fevereiro de 1997.<br> Martins da Costa.<br> Pais de Sousa,<br> Machado Soares. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>"A" veio, ao abrigo do artigo 129º do CPEREF, deduzir embargos à sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa, de 20 de Outubro de 2000, que declarou a sua falência no processo nº. 139/98, em que foram requerentes "Banco B, S.A."; "Banco C, S.A." e "D, S.A." tendo o embargante sustentado, em síntese, o seguinte: (a) necessidade de suspender a presente instância em virtude da pendência dos processos de falência instaurados contra as empresas "E, S.A." e "F, S.A.", cujos débitos foram garantidos pelo requerido e que servem de causa de pedir à presente acção; (b) omissão de pronúncia pela sentença que decretou a falência a respeito da questão da ilegitimidade activa suscitada em requerimento apresentados nos autos em 28-07-2000; (c) a circunstância de a referida sentença ter declarado a falência do embargante prescindindo da audiência de julgamento prevista no artigo 123º do CPEREF; (d) omissão de pronúncia pela sentença embargada quanto à invocada falta de interesse em agir e contradição insanável no tratamento ali dado à questão do alegado abuso de direito por parte dos requerentes da falência; (e) não conhecimento da questão da invocada nulidade das garantias prestadas por indeterminabilidade do objecto das fianças.<br> As questões enunciadas foram objecto de apreciação no saneador/sentença de 24 de Janeiro de 2001, que julgou improcedentes os embargos deduzidos à falência- cfr. fls. 78-80.<br> Inconformado, veio o requerido/embargante interpor recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo mas suspendendo a liquidação do activo (fls. 83). Entretanto, por se considerar verificarem-se os respectivos pressupostos, foi determinado o recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça (artigo 228º, nº 3, do CPEREF), tendo o recurso passado à espécie de "revista" - cfr. fls. 156 e 471.<br> Ao alegar, ofereceu o recorrente as seguintes conclusões:<br> <br> 1. A sentença recorrida entendeu não suspender a instância no presente processo devido à pendência de causa prejudicial, porque entendeu que a suspensão da instância não é compatível com a natureza urgente dos processos de recuperação e falência.<br> 2. Ora, é entendimento jurisprudencial unânime que os processos de recuperação e falência podem ser suspensos, podendo sê-lo na pendência de causa prejudicial.<br> 3. A sentença entendeu ainda, embora não justificasse esse seu entendimento, que o recorrente deveria ter agravado da decisão proferida quanto à suspensão da instância, em lugar de a ter atacado por via de embargos.<br> 4. A sentença proferida violou, assim, por erro de interpretação, o artº. 279º do CPC e o artº. 10º do CPEREF, na medida em que estes permitem a suspensão da instância em processo falimentar e ainda o artº. 129º do CPEREF, na medida em que este impõe que toda a oposição à sentença declaratória de falência seja formulada por via de embargos e não por via de recurso.<br> 5. Indeferindo a arguição de ilegitimidade dos recorridos, suscitada pelo recorrente nos seus embargos, a sentença recorrida decidiu que os mesmos eram partes legítimas, fundamentando esta sua decisão que terá sido proferida em 29 de Setembro de 1999 mas que ainda não se mostra notificada ao recorrente.<br> 6. A sentença é como tal nula, nos termos do artº. 668º, nº 1, alíneas b) e d), do CPC, por não conter os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão tomada (sendo certo que a remissão para uma decisão que o recorrente desconhece não pode obviamente ser levada em consideração), nulidade que se invoca para todos os devidos efeitos legais.<br> 7. Sem prejuízo da nulidade invocada, refira-se que ao decidir em matéria de legitimidade, a sentença recorrida violou o artº. 30º, nº. 4, do CPC, em vigor à data da interposição do requerimento de falência e aplicável aos autos, porquanto os recorridos não fizeram prova de se encontrarem numa situação de legitimidade activa ao abrigo de tal artigo.<br> 8. E violou ainda o artº. 1º, nº 3, do CPEREF, porquanto, ainda que este artigo fosse aplicável (o que não se concede), ainda assim a sentença não conheceu de factos que era mister que conhecesse e que levavam a concluir pela ilegitimidade dos recorridos ao abrigo deste mesmo artigo.<br> 9. Por outro lado, a sentença recorrida dispensou a audiência de julgamento da oposição deduzida pelo recorrente por considerar que o processo já continha todos os elementos de facto necessários à decisão da causa.<br> 10. No entanto, a própria sentença recorrida veio a proferir as suas decisões com base em juízos fácticos contrários aos factos invocados pelo recorrente, quer na sua oposição quer posteriormente nos embargos.<br> 11. Ao que acresce que mesmo que as questões a resolver fossem apenas de direito, sempre teria que ser facultada às partes a possibilidade de previamente as discutirem em audiência de julgamento da oposição, desenvolvendo e aprofundando o exposto nos seus articulados, mediante alegações.<br> 12. A sentença em causa violou, pois, o disposto no artº. 123º, nºs 1 e 2 do CPEREF, conjugado com o seu artº. 124º, bem como o princípio fundamental do contraditório, consagrado no artº. 3º do CPC, ao impedir a apresentação das provas prevista no nº 2 do citado artº. 123º e ao não permitir a observância deste princípio em audiência de julgamento.<br> 13. A sentença recorrida não se pronunciou quanto à falta de interesse em agir invocada pelo recorrente nos seus embargos, o que consubstancia nulidade por omissão de pronúncia, que expressamente se invoca (artº. 668º, alínea d), do CPC).<br> 14. A sentença recorrida entendeu não existir abuso de direito dos recorridos, ao virem requerer a falência exclusivamente com base em actos impugnáveis e que se presumem celebrados de má fé pelos próprios recorridos.<br> 15. Com o entendimento expresso na precedente conclusão, a sentença recorrida violou o artº. 156º, alínea e), do CPEREF, e o artº 334º do Código Civil.<br> 16. Ao contrário do invocado pelo recorrente, a sentença ora recorrida considerou que as fianças prestadas pelo mesmo não eram nulas, porque, nas mesmas, o recorrente apenas tinha garantido as obrigações derivadas dos acordos de consolidação e reestruturação do passivo em que interveio e não quaisquer outras.<br> 17. Na sua fundamentação a sentença invoca uma conclusão de facto oposta aos factos invocados pelo recorrente nos seus embargos, quando, simultaneamente, vedou o julgamento dos próprios embargos por considerar que as questões a resolver nos mesmos se restringiam a meras questões de direito, assim violando o artº. 280º do Código Civil.<br> 18. Como se referiu na conclusão precedente, a sentença ora recorrida não procedeu à audiência de julgamento de embargos prevista no artº. 130º, nº 4, do CPEREF, alegadamente porque as questões a resolver se restringiam a meras questões de direito.<br> 19. Paradoxalmente, a mesma sentença decidiu determinadas matérias dos embargos interpostos pelo recorrente exclusivamente com base na apreciação de matéria factual, cujo julgamento contraditório previsto na lei coarctou.<br> 20. Razão pela qual a sentença recorrida violou o artº. 130º, nº 4, do CPEREF, conjugado com o seu artº. 124º, bem como o princípio fundamental do contraditório consagrado no artº. 3º do CPC, ao impedir a apresentação das provas prevista no nº 3 do citado artº. 130º e ao não permitir a observância deste princípio em audiência de julgamento de embargos.<br> 21. Por força do referido na precedente conclusão, a sentença é além disso nula, o que expressamente se invoca, na medida em que consubstancia a omissão de um acto previsto na lei e passível de influenciar a decisão da causa (cfr. artº. 201º, nº 1, do CPC).<br> Termos em que o recorrente pede a anulação da decisão recorrida, em substituição da qual deverá ser proferida sentença que o absolva do pedido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> <div>II</div>Na sentença que decretou a falência foi, "atenta a prova documental e testemunhal produzida, bem como a confissão quase integral dos factos alegados na petição inicial", considerada assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão final, a qual, todavia, não viria a ser reproduzida na sentença que conheceu dos embargos:<br> a) em Maio de 1997, a requerente "Banco B, S.A." acordou com o requerido A na consolidação e reestruturação do passivo deste então existente e que ficou fixado na quantia global de 52.590.958$00, a pagar à requerente em 10 prestações mensais acrescidas de juros remuneratórios diários até integral pagamento, sob pena de resolução do acordo e de exigência imediata de todas as prestações em dívida;<br> b) ficou igualmente acordado que seria considerado como incumprimento o não pagamento de qualquer das obrigações assumidas perante a requerente pelas empresas "G, Lda.", "F, S.A.", "H, Lda." e "E, S.A.";<br> c) o requerido e as aludidas empresas não cumpriram pontualmente as suas obrigações de pagar;<br> d) o requerido ficou então a "dever" à requerente, por conta do acordo referido em a), a quantia global de 27.721.434$00, a título de capital e de juros vencidos;<br> e) igualmente no mês de Maio de 1997, a requerente também celebrou acordos de consolidação e reestruturação do passivo com as aludidas empresas;<br> f) naqueles acordos, o requerido constituiu-se solidariamente fiador, com renúncia ao benefício da prévia excussão, do cumprimento das obrigações assumidas pelas referidas empresas;<br> g) as empresas "F, S.A.", "H, Lda." e "E, S.A." não cumpriram pontualmente as suas obrigações;<br> h) estas empresas e o requerido ficaram então a "dever" solidariamente à requerente a quantia global de 1.277.080.378$00 a título de capital e de juros vencidos;<br> i) em Abril de 1989, a requerente "Banco C, S.A." acordou com a empresa "E, S.A." a abertura de crédito em conta corrente até ao limite máximo de 50.000.000$00 pelo período de um ano e três meses;<br> j) mercê do incumprimento daquela, a requerente denunciou aquele contrato e a quantia em dívida por conta deste acordo ascende a 51.687.505$00 a título de capital e de juros;<br> k) em Janeiro de 1989, a requerente "Banco C, S.A." acordou com a empresa "F, S.A." a abertura de crédito em conta corrente até ao limite máximo de 100.000.000$00 pelo período de um ano e nove meses;<br> l) mercê do incumprimento daquela, a requerente denunciou aquele contrato e a quantia em dívida por conta deste acordo ascende a 111.545.365$00 a título da capital e juros;<br> m) a requerente "D, S.A." é portadora de uma livrança subscrita por "F, S.A." e avalizada pelo requerido, no valor de 5.570.256$00, vencida em 16.1.98;<br> n) a referida livrança não foi paga até ao momento e os juros de mora vencidos ascendem a 740.043$00;<br> o) em Outubro de 1997, a requerente "D, S.A." celebrou, por escrito, um contrato de mútuo com "F, S.A." no âmbito do qual emprestou a esta a quantia de 64.130.194$00 pelo período de 24 meses;<br> p) o requerido declarou naquele instrumento que, para garantia daquele mútuo, prestava fiança renunciando ao benefício de excussão prévia;<br> q) o referido contrato de mútuo não foi cumprido pontualmente pela mutuária e a requerente "D, S.A." rescindiu aquele;<br> r) a mutuária e o requerido "devem" à requerente "D, S.A.", por conta daquele contrato de mútuo, a quantia global de 67.640.598$00 a título de capital e de juros;<br> s) em Setembro de 1997, a requerente "D, S.A." celebrou, por escrito, um contrato de mútuo com "E, S.A." no âmbito do qual emprestou a esta a quantia de 210.642.009$00;<br> t) o requerido declarou naquele instrumento que, para garantia daquele mútuo, prestava fiança renunciando ao benefício de excussão prévia;<br> u) o referido contrato de mútuo não foi cumprido pontualmente pela mutuária e a requerente "D, S.A." rescindiu aquele;<br> v) a mutuária e o requerido "devem" à requerente "D, S.A.", por conta daquele contrato de mútuo, a quantia global de 222.156.390$00 a título de capital e de juros;<br> w) a requerente "D, S.A." é ainda portadora de uma livrança subscrita por "E, S.A." e avalizada pelo requerido, no valor de 19.352.747$00, vencida em 16.1.98;<br> x) a referida livrança não foi paga até ao momento e os juros de mora vencidos ascendem a 2.571.133$00;<br> y) o requerido "deve" às requerentes a quantia global de 1.755.377.168$00;<br> z) em 1996, o requerido alienou dois prédios urbanos, com valor global superior a 90.000 contos, a favor da empresa "G, Lda.";<br> aa) não se conseguiu apurar a existência de bens pertencentes ao requerido;<br> bb) o requerido exerce funções de administração e gerência nas aludidas empresas;<br> cc) entretanto, o requerido pagou - recorrendo a recursos financeiros de origem não apurada - integralmente a dívida emergente do acordo referido em a) e ainda pagou a quantia de 32.662.250$00 por conta da dívida emergente dos acordos referidos em e);<br> dd) o credor "I" declarou nos autos que o requerido tem vindo a regularizar o respectivo crédito justificado;<br> ee) os créditos justificados - deduzidas as quantias referidas na alínea anterior, ascendem ao montante global de 8.805.323.807$00.<div>III<br> Questão de método</div>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº. 1, do CPC), importando, por isso, cuidar da apreciação e da decisão de tais questões (e, bem assim, das que sejam de conhecimento oficioso), excepção feita àquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, 1ª parte, do CPC).<br> Dito isto, são as seguintes as questões constantes nas conclusões do recorrente:<br> a) da não suspensão da instância alegadamente devida à pendência de causa prejudicial - conclusões 1ª a 4ª;<br> b) da ilegitimidade activa dos requerentes da falência e eventuais nulidades da sentença em consequência da decisão de indeferimento de tal ilegitimidade - conclusões 5ª a 8ª;<br> c) da dispensa da audiência de discussão e de julgamento alegadamente violadora de diversos normativos do CPEREF e do princípio do contraditório - conclusões 9ª a 12ª e conclusões 17ª a 21º;<br> d) da omissão de pronúncia pela sentença recorrida quanto à invocada falta de interesse em agir - conclusão 13ª - e da ocorrência do alegado abuso de direito por parte dos requerentes da falência - conclusões 14ª e 15ª;<br> e) da nulidade das fianças prestadas pelo recorrente, em virtude da indeterminabilidade do respectivo objecto - conclusão 16ª.<br> <br> 1 - A diversidade - e interdependência - das questões suscitadas, a par da existência de questões de natureza prejudicial, a justificarem, assim, na medida do possível, tratamento prévio, aconselham a que, antes do mais, se trace um breve "ponto de situação" relativamente à questão da invocada ilegitimidade activa dos requerentes da falência.<br> 1.1. - Nesta sede, são os seguintes os marcos mais relevantes:<br> a) Por despacho intercalar de 10-03-2000, no processo de falência, decidiu-se, conhecendo da excepção suscitada em oposição ao requerimento de falência, que os requerentes da falência, são parte legítima naquele processo - cfr. fls. 434 e seguintes, maxime, fls. 439 (de acordo com a repaginação efectuada na certidão junta aos presentes autos);<br> b) Desse despacho recorreu, através de requerimento entrado em 29 de Março de 2000, o ora recorrente - cfr. fls. 965 (ou fls. 448 repaginadas) -, recurso que foi admitido como de agravo, a subir em separado, com o primeiro que haja de subir imediatamente e com efeito devolutivo, para o Tribunal da Relação de Lisboa - cfr despacho de 01-08-2000, a fls. 460 (primitivas fls. 997);<br> c) Em 28 de Julho de 2000, o embargante, ora recorrente veio requerer a sua absolvição da instância com base em ilegitimidade activa dos requerentes da falência - cfr. fls. 449 a 451 de acordo com a repaginação;<br> d) Na sentença que decretou a falência - de 20-10-2000 -, sob a rubrica "Saneamento", decidiu-se: "As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente patrocinadas" - cfr. fls. 1044, a que correspondem fls. 480;<br> e) Na sentença que decidiu os embargos - de 24-01-2001 - pode ler-se, a este propósito, o seguinte: "A sentença embargada datada de 20 de Outubro de 2000, não se pronunciou quanto à questão da ilegitimidade activa dos Requerentes da falência suscitada por requerimento apresentado nos autos de 28 de Julho de 2000 porque este requerimento foi apreciado por anterior decisão proferida aos 29 de Setembro de 1999 (fls. 1021) (1) que ainda não se mostra notificado ao Embargante. A decisão em causa indeferiu a pretensão de conhecimento reiterado da excepção da ilegitimidade activa por constituir então e agora matéria sob recurso" - cfr. fls. 78, vs. e 79.<br> <br> 1.2. - Encontrando-se o conhecimento da excepção dilatória da ilegitimidade activa no processo falimentar pendente de recurso (2), a declaração genérica constante da sentença que decretou a falência, mais concretamente a decisão positiva acerca de tal legitimidade, não forma caso julgado, uma vez que a questão concreta da legitimidade já fora apreciada, não tendo transitado - em virtude da interposição do recurso de agravo - a respectiva decisão. Acresce que, conforme o disposto pelo nº 3 do artigo 510º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, agora aplicável, o caso julgado formal, em matéria de excepções dilatórias, apenas se forma relativamente à questão concretamente apreciada.<br> Resulta, com evidência, do exposto que não ocorreu, na decisão dos embargos, verdadeira omissão de pronúncia quanto à questão da ilegitimidade. Na verdade, entendeu-se em tal decisão que, estando a matéria a ser objecto de recurso, não havia que a conhecer ou pronunciar-se sobre ela.<br> Poderia colocar-se a questão de saber se a sentença recorrida não deveria ter-se pronunciado sobre o requerimento de 28-07-2000, apresentado pelo embargante, ora recorrente - cfr. supra, ponto 1.1., alínea c). Não o fez, porém, pelas razões (sobre cujo fundamento não há, aqui a agora, que tomar posição) constantes de tal despacho proferido aos 29-09-2000 (3), que se passa a reproduzir, na parte que ora releva - cfr. fls. 1021, a que correspondem, na repaginação da certidão, fls. 461:<br> Fls. 986:<br> I - A questão da legitimidade activa ora suscitada já foi apreciada pelo Tribunal e encontra-se pendente de recurso de agravo - estando a correr o prazo para a apresentação das alegações.<br> II - A colocação da mesma questão no contexto descrito constitui actuação processual notoriamente destituída de fundamento e deu origem a um processado inútil.<br> III - Porquanto, indefiro a pretensão da requerente.<br> <br> Trata-se do despacho que não se mostrava notificado ao recorrente, à data da sentença que decidiu os embargos - cfr. supra, ponto 1.1., alínea e). Não sendo de excluir que, uma vez notificado, venha a suscitar a interposição de novo recurso.<br> De qualquer modo - e é isso que agora está em questão -, o certo é que a sentença recorrida não tinha que se pronunciar sobre o aludido requerimento de 29 de Setembro de 2000, ao qual, aliás, como se viu, expressamente se refere, nos seguintes termos: "A decisão em causa indeferiu a pretensão de conhecimento reiterado da excepção da ilegitimidade activa por constituir então e agora matéria sob recurso".<br> Não ocorreu, assim, a alegada nulidade por omissão de pronúncia.<br> Também é manifesto não proceder a alegada nulidade resultante de não especificação dos fundamentos que justificam a decisão - alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC.<br> Na verdade, ao remeter para a anterior decisão de 29-09-2000, cujo sentido fundamental também enunciou, a sentença recorrida não deixou de especificar tais fundamentos. Da circunstância de tal decisão de 29 de Setembro de 2000 poder não ter sido ainda notificada ao Recorrente não resulta que os seus fundamentos não sirvam de suporte, por remissão, a uma outra decisão.<br> E, quanto ao facto de a notificação não se mostrar efectuada, o certo é que não vem suscitada a nulidade processual resultante da respectiva falta, o que está na disponibilidade das partes - cfr., verbi gratia, o artigo 210º do CPC.<br> <br> 1.3. - Quid juris quanto à questão suscitada nas conclusões 6ª e 7ª acerca da eventual violação, pela sentença recorrida, dos artigos 30º, nº 4, do CPC, e 1º, nº 3, do CPEREF?<br> Uma vez que a questão da legitimidade está a ser objecto de um agravo que incidiu sobre o despacho intercalar de fls. 434 a 446 (repaginadas da certidão de falência), agravo que, por força do despacho de fls. 460, terá subido à Relação, não pode este Supremo Tribunal de Justiça conhecer da mesma excepção, sob pena de se poderem vir a alcançar julgados contraditórios sobre a mesma questão.<br> <br> Se é exacto que a decisão que vier a transitar em julgado sobre a legitimidade dos requerentes da falência pode prejudicar o conhecimento de todas as demais questões aqui em recurso, se a mesma vier a ser no sentido da ilegitimidade, o facto é que não se afigura razoável que a presente instância de recurso fique a aguardar uma tal decisão, cujo desfecho temporal é necessariamente imprevisível. Tanto mais que se entende que ocorre, quanto a uma das questões inseridas no âmbito objectivo deste recurso, uma nulidade processual principal de que importa, desde já, passar a conhecer, nos termos do artigo 660º, nº 2, do CPC, por se afigurar prejudicial em relação às restantes <br> <br> 2 - Constitui entendimento doutrinária e jurisprudencialmente consagrado aquele segundo o qual das nulidades processuais se reclama e dos despachos judiciais se recorre (desde que a lei o consinta). Mas também tem vindo a entender-se que, tendo ocorrido irregularidade processual eventualmente fundante de nulidade principal, se a mesma vier a ser expressamente "confirmada" - ou, de alguma forma, sancionada por despacho judicial posterior, poderá recorrer-se do despacho que sancionou essa nulidade.<br> Dito isto, aproximemo-nos da questão que ora importa apreciar e decidir, ou seja, da dispensa da audiência de julgamento em sede de oposição e em sede de embargos - cfr. supra "questão de método", alínea c).<br> <br> 2.1. - E, à imagem do que fizemos no ponto anterior, justificar-se-á, para maior clareza na exposição, traçar um sucinto "ponto de situação", enunciando sistematicamente os fundamentos explanados nos antecedentes processuais.<br> Na sentença que decretou a falência escreveu-se o seguinte:<br> Finalmente, a oposição deduzida pelo requerido e por alguns dos credores poderia suscitar, em abstracto, a marcação da audiência de julgamento nos termos do nº 1 do artº. 123º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência. Contudo, entendo que aquela norma deve ser interpretada de forma sistemática e no sentido de apenas haver lugar a julgamento no caso de subsistir ainda matéria de facto controvertida com relevância para a decisão em causa. Efectivamente, se o processo já contém todos os elementos de facto necessários à decisão da causa, a audiência de julgamento surge como um acto processual inútil e como tal censurado pela lei adjectiva.<br> Ora, no caso concreto, o conteúdo das oposições apresentadas no processo não se reconduz a nenhum fundamento de facto que careça de produção e prova e que justifique, assim, a designação de data para a realização de audiência de julgamento para efeito de fixação de base instrutória, produção de prova e alegações sobre o julgamento da matéria de facto.<br> Adicionalmente, invocou-se ainda, no sentido de sufragar tal entendimento, a circunstância de "nos movermos no âmbito de um processo com carácter urgente".<br> Termos em que, por entender que não havia qualquer base instrutória a fixar, considerou o Mmº Juiz que se impunha declarar imediatamente a falência do requerido, o que fez - cfr. fls. 484, e verso.<br> Em sentido oposto, o embargante sustenta a necessidade da audiência de julgamento, invocando, para o efeito, os argumentos constantes dos artigos 36º a 50º da sua petição de embargos - fls. 11 a 14.<br> Contrariamente, na contestação de embargos, defende-se o bom fundamento da decisão que decretara a falência - fls. 66 a 68.<br> Decidindo os embargos, o Mmº Juiz mantém a posição já anteriormente exposta na sentença falimentar- cfr. fls. 79.<br> Nas alegações de recurso da decisão dos embargos, o recorrente reitera o entendimento a respeito da necessidade da audiência de discussão e julgamento em sede de oposição, repetindo os argumentos constantes do requerimento de embargos, acrescentando ter sido cometida também a nulidade resultante da não realização da audiência de julgamento prevista no artigo 130º, nº 4, do CPEREF, uma vez que, segundo alega, os embargos não foram decididos exclusivamente com base em questões de direito, assentando ainda em matéria de facto controvertida - cfr. artº.s 48º a 66º e 95º a 100º das alegações, a fls. 93 a 96 e 101 e 102, respectivamente.<br> <br> 2.2. - Sob a epígrafe "Declaração imediata da falência", estabelece o artigo 122º do CPEREF (4) o seguinte:<br> Ordenado o prosseguimento da acção, nos termos do artigo 25º, deve o juiz, no caso de apresentação do devedor à falência , sem oposição de qualquer dos credores, bem como no caso de requerimento de falência por parte de qualquer dos credores, também sem oposição, declarar no mesmo despacho a falência do devedor.<br> Entretanto, os artigos 123º e 124º do mesmo Código foram alterados pelo Decreto-Lei nº 315/98, de 20 de Outubro. Subordinado à epígrafe "Oposição à apresentação ou ao requerimento de falência", prescreve o artigo 123º, nos seus dois primeiros números, o seguinte:<br> 1 - Tendo havido oposição à apresentação ou ao requerimento de falência e não se verificando a situação prevista no nº 3 do artigo 25º (5) é desde logo marcada audiência de julgamento para um dos cinco dias subsequentes ao despacho de prosseguimento da acção.<br> 2 - Para a audiência são notificados o devedor insolvente, os requerentes da falência e os credores que hajam deduzido oposição podendo todos eles juntar documentos até à audiência de julgamento e apresentar testemunhas, nos termos do artigo 789º do Código de Processo Civil (6).<br> <br> Epigrafado "Audiência de julgamento", o artigo 124º dispõe, por sua vez, o seguinte:<br> 1 - Na audiência de julgamento, deve o juiz fixar a base instrutória sendo imediatamente decididas as respectivas reclamações; produzida a prova, terão lugar as alegações.<br> 2 - Em seguida, o tribunal decidirá sobre a matéria de facto; se a sentença não puder ser logo proferida, deverá sê-lo no prazo de cinco dias.<br> 2.3. - Resulta do cotejo das normas dos artigos 122º e 123º supra reproduzidas, que o requisito de que o legislador faz depender a realização de audiência de julgamento é a existência de oposição à apresentação ou ao requerimento de falência. Inexistindo oposição, haverá lugar à declaração imediata de falência (artigo 122º); no caso de haver oposição, é marcada audiência de julgamento (desde que não ocorra a situação do nº 3 do artigo 25º) - artigo 123º, nº 1.<br> A questão que se coloca é, assim, a seguinte: Quid juris, tendo havido oposição, no caso de o juiz entender que pode conhecer logo do mérito?<br> É certo que, no Código de Processo Civil, se poderá, então, chamar á ribalta a norma do nº 1 do artigo 508º-B, que assim dispõe:<br> 1 - O juiz pode dispensar a audiência preliminar, quando:<br> a) Destinando-se à fixação da base instrutória, a simplicidade da causa o justifique;<br> b) A sua realização tivesse como fim facultar a discussão de excepções dilatórias já debatidas nos articulados ou do mérito da causa , nos casos em que a sua apreciação revista manifesta simplicidade.<br> <br> Mas será que este normativo é aplicável ao processo especial aqui em causa?<br> Entendemos que o resultado de uma adequada actividade hermenêutica nos deve conduzir a uma resposta negativa, como melhor se compreenderá atentas as razões que passamos a expor.<br> 2.4. - Justifica-se, assim, e antes de se prosseguir, recordar alguns princípios sobre interpretação da lei.<br> O artigo 9º do Código Civil prescreve, sobre a interpretação da lei, o seguinte:<br> 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. <br> 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. <br> 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.<br> Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (7).<br> Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (8).<br> Quer dizer, o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.<br> A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado (9), uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.<br> Ou, como diz Oliveira Ascensão (10), "a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito".<br> Como escreveu Francesco Ferrara (11), para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios.<br> "Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equivocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo".<br> Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. <br> O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o "lugar sistemático" que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.<br> O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.<br> O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar".<br> Socorrendo-se dos elementos ou subsídios interpretativos acabados de referir, o intérprete acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades essenciais de interpretação:<br> a) Interpretação declarativa: nesta o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo.<br> b) Interpretação extensiva: o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal apontada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, por forma a fazer corresponder a letra da lei ao seu espírito.<br> c) Interpretação restriti
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br> <br> A e B propuseram contra C, D e mulher E acção pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na "reunião" de 97.06.18 e da escritura e registo comercial em sua execução e se condenem os réus D e mulher no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e morais causados, alegando que para a mesma não foram convocados, dela só tendo tido conhecimento 5 dias antes da propositura da acção nem ter sido respeitado o quorum necessário às mesmas deliberações.<br> Contestando, excepcionaram os réus terem os autores recusado receber a convocatória enviada e impugnaram, concluindo pela sua absolvição do pedido.<br> Após réplica, não admitida, prosseguiu, até final, o processo, tendo improcedido por sentença que a Relação de Coimbra revogou em parte - declaradas nulas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 97.06.18 e ordenado o cancelamento do respectivo registo; absolvidos do pedido os réus D e mulher.<br> Por pretenderem a manutenção da sentença, pediram revista os réus, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações<br> - o fundamento para revogar a sentença - o aviso convocatório não conter a hora da reunião - não é subsumível quer no conteúdo quer no espírito do art. 56-1 a) e 2 CSC<br> - pois aí apenas se prevê a falta absoluta de convocatória ou de nela se não indicar o dia, hora e local da reunião;<br> - aqui apenas faltou a indicação da hora, o que constitui mera irregularidade geradora de anulabilidade;<br> - violado o disposto nos arts. 56-1 a) e 2 e 57 CSC.<br> Contra-alegando, defenderam os autores a confirmação do acórdão.<br> Proferido despacho a julgar os réus D e mulher partes ilegítimas no recurso.<br> Colhidos os vistos.<br> Matéria de facto que as instâncias deram como provada -<br> a) - autores e réus eram os únicos sócios da sociedade por quotas "C", pessoa colectiva nº 502906367, com sede na E.N. n... freguesia de S. Vicente da cidade da Guarda, matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Guarda sob o nº 941;<br> b) - a actividade da dita sociedade resume-se à exploração do conhecido restaurante "C" sito no lugar referido na al. anterior;<br> c) - o réu outorgou escritura pública na qual disse não só que ficava alterada a gerência mas também que era aumentado o capital social com a subscrição de uma nova quota de 2500000 escudos por sua esposa e que era dada nova redacção aos arts. 3 e 4 do pacto social;<br> d) - as deliberações referidas na al. c) foram objecto de registo no Registo Comercial;<br> e) - para tanto o réu havia reunido sózinho em 97.06.18;<br> f) - o réu detinha metade do capital social da sociedade;<br> g) - os autores tiveram conhecimento em 97.12.14 que teria havido uma alteração na gerência da sociedade da qual fazia parte o autor A;<br> h) - o gerente da sociedade ré, F, enviou aos autores as cartas registadas, com aviso de recepção, juntas a fls. 66 e 67, para a morada "rua .... 6300 Guarda", as quais não foram reclamadas, apesar de naquela morada ter sido deixado aviso para o efeito pelos serviços postais em 97.06.04;<br> i) - das cartas juntas a fls. 66 e 67 não consta a hora mas apenas o dia e local onde a assembleia geral iria ter lugar;<br> j) - o afastamento da gerência do autor A causou aos autores sofrimento e incómodo;<br> l) a presente acção foi proposta em 97.12.19.<br> <br> <br> Decidindo: -<br> 1.- Dispõe o art. 56-1 a) CSC que são nulas as deliberações dos sócios tomadas em assembleia geral não convocada; se irregularmente convocadas, são meramente anuláveis (CSC- 58-1 a)).<br> Todavia, a omissão de certas formalidades que a convocação deve conter (CSC- 377 e 248-1 e 3) constitui não apenas irregularidade, gerando anulabilidade, mas causa de nulidade por ausência de convocação (no art. 56-2 a lei indica as situações que considera equivalentes à ausência muito embora não se trate de falta absoluta de convocação; a Relação subsumiu o caso a esta norma).<br> É o que sucede quando, ao que interessa ao caso, do aviso convocatório não constem o dia, hora e local da reunião.<br> Compreende-se que tal irregularidade mereça um tratamento mais rigoroso já que isso implica o inviabilizar do exercício do direito de voto e contraria o princípio da boa fé.<br> Se se articular este comando com uma outra irregularidade que gera também nulidade (são, em qualquer dos casos, irregularidades que a lei trata como ausência de convocação) - reunião em dia, hora e local diversos dos constantes do aviso convocatório - observa-se que subjazem os mesmos princípios. A lei quis que a vida societária se desenvolva dentro da boa fé e na possibilidade de exercício dos direitos que a cada sócio cabem.<br> Ao omitir-se o dia ou a hora ou o local da reunião ou ao se reunir um dia, uma hora ou um local diverso do indicado na convocatória, adopta-se um comportamento nada claro e coarcta-se ao sócio assim convocado a possibilidade de exercer os seus direitos, maxime o de voto. A sociedade não age de boa fé e com a lealdade e correcção que para com o sócio deve ter.<br> O sócio deve poder disponibilizar a sua vida de modo a estar presente na altura e local assinalados, não tem de ficar a aguardar indefinidamente, tal não lhe pode ser «imposto» - v.g., estar no local no dia para que foi convocado desde as 0 horas até às 24 horas. Merece da parte da sociedade, que haja boa fé e lisura de comportamento, além de respeito pela sua vida pessoal.<br> A omissão dessa menção traduz um vício no processo de formação, sanável nos termos da parte final da al. a) do nº 1 e do nº 3 do art. 56 CSC. Invalidade mista, pois.<br> In casu, não se mostra sanada.<br> <br> 2.- Não contendo a convocatória a menção da hora da realização da assembleia geral, causa de nulidade de deliberações sociais, importa saber se isso é aplicável ao concreto caso sub judice. Por outras palavras, se o accionar a nulidade por sócio que efectivamente recebeu a convocatória e dela conheceu o seu conteúdo pode eventualmente configurar um comportamento abusivo e sancionado nos termos do art. 334 CC, tal solução poderá colocar-se quando apenas se presuma (presunção ilidível) que o sócio recebeu a convocatória?<br> Vejamos, antes de mais, a concreta situação de facto, tendo presente o seguinte - embora a réplica não tenha sido admitida, afirmando-se nada ter sido excepcionado, e na sentença se tenha concluído se dever considerar terem sido os autores convocados para a assembleia geral, o que não foi objecto da apelação, importa ter presente, sem que tal envolva violação do julgado, outros elementos de facto constantes do processo e das decisões das instâncias<br> - a morada dos autores constante do pacto social é diferente da constante das cartas juntas a fls. 66 e 67;<br> - confirmado testemunhalmente que os autores tinham residência no local indicado nas cartas, ninguém atendeu nessa morada, tendo sido deixado aviso para se as reclamar;<br> - não reclamadas, foram devolvidas ao remetente que as recusou receber;<br> - foram depois reclamadas pelo réu D.<br> <br> 3.- Resulta claro dos factos que os autores apenas tomaram conhecimento do conteúdo da convocatória no decurso da presente acção (as cartas apenas foram juntas na audiência de julgamento, pelos réus - fls. 71) e que a sociedade ré bem como o sócio D que compareceu à assembleia geral (único que compareceu) sabiam que os autores não conheciam o seu conteúdo, além de que a este sócio era fácil e manifestamente perceptível a omissão, na carta convocatória, da hora para a realização da assembleia.<br> Se a isso se acrescentar que aqueles eram detentores de quotas no valor percentual dos restantes 50% e que na convocatória se apresentava uma «justificação» na qual ao sócio-gerente e autor A eram imputados factos graves, era do interesse da sociedade que a assembleia se realizasse apenas depois de lhe ter sido dada oportunidade de defesa, além de que a boa fé aconselhava, no mínimo, o diligenciar pelo concreto recebimento da convocatória ou pela certificação de uma efectiva situação de recusa do seu recebimento.<br> Se tal tivesse sucedido, poder-se-ia questionar se não seria abusivo o comportamento de invocar a nulidade por omissão da indicação da hora quando tiveram oportunidade de, exercendo o seu direito à informação (a ter-se como exigível a adopção de uma tal conduta e que apenas não a obtiveram por culpa sua), a indagarem e dela ficarem cientes.<br> Essa eventualidade não sucedeu no caso presente, dele está arredada.<br> Um dos fundamentos alegados pelos autores para a nulidade das deliberações foi terem sido tomadas em assembleia geral para a qual não foram convocados.<br> A sentença teve-os por (presuntivamente) convocados.<br> Provado que na altura da propositura da acção desconheciam o conteúdo da carta que os convocava, só dela tendo tomado conhecimento na audiência de julgamento, através da sua junção.<br> Ao produzirem as suas alegações de direito, nos termos do art. 657 CPC, arguiram (fls. 79) a omissão da menção da hora e a nulidade daí resultante.<br> Além de aos réus ser facultado, de seguida, alegar de direito (não o fizeram) e contrariar a arguição - pelo que o factor surpresa inexiste, sucede que a invocação da causa de nulidade derivou de acto praticado pelos réus - junção de documentos de que se quiseram aproveitar, e consequente exame no exercício do direito do contraditório.<br> Requerendo a nulidade das deliberações sociais agora por esta causa, revelada pelos réus, sem que antes, devido à actuação da ré, pudessem ter exercido o direito à informação, não se pode colocar, sequer eventualmente, a hipótese de a actuação dos autores ser abusiva (CC- 334).<br> Razão assistiu à Relação para subsumir o caso ao disposto no art. 56-2 CSC.<br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pela sociedade ré.<br> <br> Lisboa, 16 de Janeiro de 2001.<br> Lopes Pinto,<br> José Saraiva,<br> Garcia Marques.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br> <br> <font>A, deduziu embargos de terceiro à execução por quantia certa que B move a "C - Cerâmica Internacional, Lda.", para defesa do direito de propriedade que sobre os bens penhorados adquiriu, alguns dos quais já possui, em venda por negociação particular na execução que ele embargante moveu à ora executada.</font><br> <font>Contestando, o exequente impugnou os factos por só formalmente se poder falar em venda extrajudicial, nada tendo adquirido naquela outra execução a ora embargante.</font><br> <font>A final, improcederam os embargos por sentença que a Relação confirmou.</font><br> <font>Novamente inconformada e pretendendo a procedência dos embargos, a embargante pediu revista concluindo em suas alegações -</font><br> <font>- o acórdão não acolhe, em sede de interpretação e apreciação da prova, o suporte documental constante dos autos, não o aferindo de acordo com o que se estabelece no art. 659 n. 3 CPC;</font><br> <font>- na sequência e para além da má integração da prova documental, ainda contemplou pedido que se não encontrava no âmbito com que se configurava a instância, em contrariedade com o que estatuem os arts. 660 n. 2 e 661 n. 1 CPC.</font><br> <font>Contra-alegando, pugnou o exequente pela confirmação do julgado.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <b><font>Matéria de facto</font></b><font> que as instâncias consideram provada -</font><br> <font>a)- nos autos da acção executiva sob a forma de processo ordinário movidos por B contra ‘C - Cerâmica Internacional, Lda’, a correr termos no Tribunal de Círculo desta Comarca sob o nº 398/97/A, actualmente redistribuído sob o n.º 746-A/99 do mesmo juízo, para garantia de 2.442.102 escudos, em 98.07.14 foi efectuada a penhora do ‘estabelecimento industrial da executada, C-Cerâmica Internacional, Lda. (...) composto pelos seguintes bens: todos os bens constantes na cópia da certidão que se junta, no total de 28 verbas, das quais fica fiel depositária D, residente no lugar da Póvoa, ...., Paços de Brandão’;</font><br> <font>b)- a cópia aludida na al. a) corresponde ao auto de penhora de bens móveis efectuado em 97.03.11 nos autos de acção executiva sob a forma de processo ordinário, que correu termos pelo 3º Juízo Cível desta comarca sob o nº 24/97, tendo vindo a ser vendidos por negociação particular em 98.05.18 à ora embargante pelo preço de 5.000.000 escudos, a qual foi dispensada do depósito do preço ao abrigo do disposto no art. 887 n. 1 CPC;</font><br> <font>c)- a embargante tem a sua sede em Rua ...., da freguesia de Paços de Brandão, concelho de Santa Maria da Feira;</font><br> <font>d)- os bens penhorados aludidos na al. b) correspondem à totalidade das máquinas e bens de equipamento de escritório, mercadorias e produtos acabados existentes no estabelecimento comercial da executada;</font><br> <font>e)- a embargante apenas levantou tais bens muito após ter sido lavrado o instrumento de venda constantes de fls. 8 e datado de 98.5.18;</font><br> <font>f)- a embargante tomou conhecimento da penhora e da sua extensão no próprio dia da sua realização;</font><br> <font>g)- aquando da realização da penhora referida na al. d) a empresa ora executada encontrava-se em plena laboração, com trabalhadores ao seu serviço,</font><br> <font>h)- e transaccionando matéria prima e a mercadoria fabricada com os bens móveis penhorados,</font><br> <font>i)- nunca o tendo deixado de fazer;</font><br> <font>j)- na mesma altura o exequente, ora embargado, o oficial de justiça e o agente da G.N.R. que os acompanhava, chegados à sede da executada, foram recebidos por uma funcionária desta que, depois de os atender, disse que ia chamar a ‘patroa’, D, representante legal da executada;</font><br> <font>l)- o referenciado na al. b) não passou de um expediente de que a executada C, Lda, se serviu para não pagar ao embargado;</font><br> <font>m)- a referida C, Lda, serviu-se da embargante, com a concordância desta, para realizar tal expediente.</font><br> <br> <font>Decidindo:</font><br> <br> <font>1. O Supremo Tribunal de Justiça não é uma instância de facto, estruturalmente e por natureza apenas julga de direito aplicando aos factos fixados pelas instâncias, maxime pela Relação, o regime jurídico adequado. Em sede de matéria de facto, os seus poderes são limitados e confina-os a lei ao disposto no art. 722 n. 2 e 729 n. 2 e 3 CPC.</font><br> <font>A Relação desmontou a argumentação da embargante e os documentos que esta invoca como suporte para a sua tese não gozam de força probatória plena nem a realidade fáctica considerada provada só poderia ser documentalmente demonstrada.</font><br> <font>2.- As instâncias consideraram que na execução 24/97, movida pela ora embargante à ora executada, houve entre ambas acordo simulatório com o objectivo de obstarem ao pagamento ao ora exequente, pelo que fizeram uso anormal de processo daquele processo executivo; por isso, a propositura destes embargos constitui abuso de direito - pela sua procedência seria tutelada a situação jurídica em que ilicitamente se colocou em virtude do acordo simulatório, obstando a que o exequente fosse pago.</font><br> <font>3.- É efeito essencial do contrato de compra e venda a transmissão da propriedade (CC - 879 a) e 408 n. 1).</font><br> <font>Independentemente das considerações que possam ou devam ser produzidas sobre a natureza da venda extrajudicial por negociação particular, o certo é realizar-se através dela uma compra e venda pelo que importa a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do respectivo direito (CC - 824,1).</font><br> <br> <font>O regime dos vícios da venda - judicial e extrajudicial - consta, como referia Castro Mendes, dos arts. 908 e 909 CPC, sendo diferente do regime civil.</font><br> <font>Logo no art. 909 se procede a uma enumeração taxativa se bem que, com A. de Castro, se deva proceder a uma interpretação extensiva deste artigo o que permitirá a aceitação da aplicabilidade das causas gerais de nulidade indicadas nas normas de direito substantivo.</font><br> <font>Foi eliminada do art. 909 CPC a al. e) que se referia ao conluio entre os concorrentes à hasta pública. In casu, a concertação não se estabelece entre os que se apresentam a adquirir mas entre o proprietário dos bens penhorados e o adquirente. Por outro lado, o acordo é bilateral, não envolve terceira pessoa - o encarregado da venda.</font><br> <br> <font>Acordo de vontades.</font><br> <font>A. de Castro define a venda por negociação particular como venda privada e E. Lopes Cardoso tem-na como realizada através de mandatário (cfr., CPC95 - 905, n. 2 e CPC67- 887,1).</font><br> <font>Não é pacífica, a construção dogmática da venda executiva quer quanto à sua estrutura quer quanto à sua natureza, como escreveu Castro Mendes.</font><br> <font>No caso dos autos, temos uma particularidade - o adquirente foi a própria exequente, a ora embargante.</font><br> <font>A construção a ser feita sobre os vícios da venda não pode ser casuística, tornando-a diferenciada consoante haja ou não essa coincidência e há que distinguir entre essa construção e a eficácia que o tribunal reconheça ao vício (pode o tribunal ver-se impedido de a declarar em determinado processo no seu efeito típico por, v.g., não estarem presentes todos as pessoas que pela declaração poderiam ser afectadas - por ex., ter havido, além das pessoas contra quem os embargos têm de ser dirigidos - art. 357-1 CPC95, credores graduados a serem preferencialmente pagos pelo produto daquela venda; pode suceder que a nulidade, embora lhes aproveite - arts. 605-2 e 286 CC, lhes cause, na prática, prejuízo).</font><br> <font>O executado mantém o seu direito de propriedade sobre os bens conquanto o poder de os fruir e de deles dispor lhe seja retirado (CC- 819) e seja posto nas mãos do órgão executivo (o juiz) para que este possa realizar o objectivo da execução (CPC 821, n. 1 e CC 817).</font><br> <font>O encarregado da venda - é designado pelo juiz - recebe a incumbência de efectuar a venda pelo preço mínimo que lhe é fixado (CPC 905,1).</font><br> <font>A venda executiva não é realizada directamente entre o executado e o adquirente, pois aquele não tem o poder de disposição da coisa que lhe foi penhorada (os actos de disposição que realize são ineficazes em relação ao exequente e aos credores graduados).</font><br> <font>Para que se pudesse considerar a hipótese de simulação (absoluta) seria insuficiente um acordo simulatório apenas entre exequente e executado.</font><br> <font>O encarregado da venda, dada a qualidade em que actua, tem a obrigação de adoptar um comportamento que não pactue com um tal acordo entre exequente e executado. Além de ilícita, a sua conduta seria passível de ser criminalizada.</font><br> <font>Por outro lado, para o tribunal poder oficiosamente declarar a nulidade necessário seria que presentes estivessem todos aqueles a quem a declaração pudesse prejudicar ou alegar que não havia esses terceiros. In casu, este problema estaria ultrapassado na medida do referido in fine na al. b).</font><br> <font>Não decorre daqui uma impunidade da actuação concertada exequente/executado em prejuízo de terceiros.</font><br> <font>Se for levado ao conhecimento do tribunal ou este se aperceber que entre exequente e executado se estabeleceu conluio, maxime em prejuízo de terceiros, deve o mesmo, à sombra do disposto no art. 665 CPC, obstar a que dele possa resultar qualquer efeito. Actuação a tomar no processo onde se verifique uma tal situação.</font><br> <font>Tanto quanto consta da execução ora embargada por A (a exequente na outra execução), não se socorreu o tribunal - quer quanto à execução em si (a nº 24/97) quer quanto ao acto executivo de venda aí ocorrido - do disposto no art. 665 CPC nem a decisão respectiva veio a ser impugnada em recurso de oposição de terceiro (CPC 778,1).</font><br> <font>Relativamente ao presente processo de embargos de terceiro não há elementos que nos autorizem a socorrer-nos do disposto naquele art. 665.</font><br> <br> <font>4.- A embargante viu transmitido para si o direito de propriedade por força da venda por negociação particular.</font><br> <font>Assiste-lhe o direito de o defender.</font><br> <font>Ao exequente assiste direito de adquirir os bens do executado que penhorados tenham sido.</font><br> <font>Todavia, o exercício de um direito pode ser ilegítimo se manifestamente exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito (CC- 334).</font><br> <font>Constituindo o património do devedor garantia comum dos credores, a aquisição de bens daquele com o objectivo de inviabilizar o pagamento de outro credor que se conhece e que, tal como aquele, está a executar o património do devedor configura comportamento que se opõe ao citado princípio geral (CC 601 e 817) afrontando o fim do direito.</font><br> <font>Provou-se que a embargante quando adquiriu o fez não para satisfazer o seu crédito e sim para impedir que um outro credor, exequente noutro processo, pudesse ver liquidado o seu crédito.</font><br> <font>Para o efeito, a executada acordou com a então exequente que a venda por negociação particular materializaria o desiderato daquela, usando-a uma e outra como expediente, o qual explica (e outra não foi demonstrada) que os bens não tenham sido levantados e continuassem na posse e fruição da aqui e ali executada. Não se provou que tivesse havido uma venda fictícia mas sim que a embargante se prestou, enquanto credora, a colaborar na frustração de um direito que legitimamente cabia ao exequente de um outro processo que ele conhecia e a pedido da executada.</font><br> <br> <font>Na sequência do acordo firmado, surgem os presentes embargos.</font><br> <font>Assiste-lhe o direito a embargar mas o exercício que dele faz excede manifestamente os limites da boa fé, representando o pedido o acto final revelador não só do prejuízo que ao exequente a sua (dele, embargante) conduta causou e causa como o aproveitamento do comportamento censurável que na execução 24/97 adoptara. No ensinamento de M. de Andrade, é exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça.</font><br> <font>Venire contra factum proprium.</font><br> <font>Não pode prevalecer-se da situação que injusta e ilicitamente criou e com a qual sabia ir concretamente prejudicar este exequente e assim o quis.</font><br> <font>A ilegitimidade do exercício impede-o in casu de ver proceder o seu pedido de tutela do direito de propriedade - nada há nos autos que permita concluir representar isto um total esvaziamento prático do direito (desconhece-se qual o valor por que efectivamente venham a ser vendidos e se o serão todos bem como se os eventualmente sobrantes não serão suficientes para liquidar a dívida para consigo; nada impede que uma actuação sua na fase da venda reponha a aquisição nos limites donde não deveria ter saído); a sua consequência mais se assemelha in casu à eficácia de uma impugnação pauliana.</font><br> <font>Termos em que se nega a revista.</font><br> <font>Custas pela embargante.</font><br> <br> <font>Lisboa, 24 de Setembro de 2002</font><br> <font>Lopes Pinto, </font><br> <font>Ribeiro Coelho,</font><br> <font>Ferreira Ramos. (Dispensei o visto).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <div><b><font>I</font></b></div><b><font>A, intentou, no tribunal judicial da comarca de Almada, acção, com processo especial de divórcio litigioso, contra sua mulher, B ambos com sinais dos autos, pedindo seja a mesma julgada provada e procedente, decretando-se o divórcio, por culpa exclusiva da Ré.</font></b><br> <b><font>Na contestação, a Ré impugnou a factualidade alegada pelo Autor, tendo deduzido pedido reconvencional.</font></b><br> <b><font>O processo seguiu seus regulares termos, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção e procedente a acção, decretando a dissolução, por divórcio, do casamento celebrado entre o A, e a R., com culpa principal desta.</font></b><br> <b><font>A Ré recorreu, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.</font></b><br> <b><font>De novo inconformada, a Ré trouxe o presente recurso de revista, alegando em termos que, substancialmente, nada apresentam de inovador em relação às alegações produzidas na antecedente apelação. E conclui nos seguintes termos:</font></b><br> <b><font>1 - O acórdão recorrido não teve em conta o estipulado no art. 1786 n. 2, a contrario, e 333 do C. Civil e houve assim violação do estatuído no art. 1786 n. 2 a contrario e 333 do C. Civil.</font></b><br> <b><font>2 - Havendo de igual forma violação da lei do processo pois que o acórdão recorrido não teve em conta o estatuído no art. 651 n. 1 b) do C.P.Civil.</font></b><br> <b><font>Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em que a recorrente não seja considerada única exclusiva e principal culpada.</font></b><br> <br> <b><font>O recorrido não contra-alegou.</font></b><br> <b><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font></b><div><b><font>II</font></b></div><b><font>1. A, e R, casaram, um com o outro, em 13-01-1962 (A);</font></b><br> <b><font>2. No Verão de 1980, a R, resolveu mudar a fechadura da casa (3º) e, num dia desse Verão, quando o A, regressava da praia com o filho mais velho e quis entrar em casa, não o conseguiu, porque a R, mudara tal fechadura (4º);</font></b><br> <b><font>3. Após aquela data, o A, esteve a viver em casa dos sogros (5º);</font></b><br> <b><font>4. Desde há cerca de 5 anos, (1987), o A, vive, em comunhão de mesa, leito e habitação, com uma senhora, C, residente em Almada (9º).</font></b><br> <br> <b><font>Também deve considerar-se assente, por confissão (arts. 352, 355 e 356) - cfr. arts. 10 da petição inicial e 1º da contestação -, o facto segundo o qual, desde o Verão de 1980, "A, e R, estão separados de facto, ou seja, estão separados de facto há mais de 10 anos consecutivos", afirmação reportada à data da propositura da acção, em Janeiro de 1991.</font></b><br> <br> <b><font>O âmbito do recurso é determinado em face das conclusões da alegação do recorrente.</font></b><br> <b><font>Ressalvadas as que sejam de conhecimento oficioso, no julgamento de um recurso apenas há que considerar as que são colocadas pelo recorrente no requerimento de interposição ou nas conclusões que formular - arts. 684, ns. 1 e 3, e 690, n. 1, do CPC.</font></b><br> <b><font>Vejamos, então, sem necessidade de vinculação a ordem por que foram enunciadas, as três questões que a recorrente vem suscitar. São as seguintes:</font></b><br> <b><font>a) Por um lado, considera que não lhe foi possibilitado fazer prova dos factos por ela alegados a respeito das circunstâncias em que teria ocorrido a mudança da fechadura, uma vez que, em virtude do atraso horário verificado na realização do julgamento nem a Ré nem as suas testemunhas teriam sido ouvidas - cfr. arts. 13 e 16 das alegações em apreço.</font></b><br> <b><font>b) Adicionalmente, a recorrente entende, perante a factualidade apurada, não haver fundamento jurídico para invocar a aplicação da parte final do n. 2 do art. 1786 do CC, segundo o qual "tratando-se de facto continuado, (o prazo de caducidade) só corre a partir da data em que o facto tiver cessado".</font></b><br> <b><font>c) Por fim, embora não expressamente levada às conclusões, perpassa como motivo determinante da interposição da presente revista a questão da declaração da culpa dos cônjuges no divórcio decretado.</font></b><br> <br> <b><font>Apreciemo-las pela ordem por que acabam de ser sumariadas, começando, portanto, pela questão da eventual violação da alínea b) do n. 1 do art. 651 do CPC.</font></b><br> <b><font>A recorrente já alegara no mesmo sentido perante a relação, que considerou a questão improcedente por razões que não merecem reparo.</font></b><br> <b><font>Com efeito, não tendo a recorrente arguido a falsidade da acta da audiência de julgamento em referência - fls. 53-54 -, e atento o respectivo conteúdo, não tem fundamento a argumentação por ela desenvolvida em contrário - cfr art. 371 do CC -, devendo considerar-se, no contexto global da referida acta, constituir lapso manifesto a alusão feita, a fls, vs., à falta da testemunha da Ré, a qual estava presente e prestou depoimento, conforme resulta inequivocamente do teor de fls. 54.</font></b><br> <b><font>Como ensina Alberto dos Reis, a falta de pessoa convocada não determina o adiamento se puder prescindir-se da pessoa que faltou ou se parecer provável o comparecimento dela no decurso da audiência e não houver inconveniente em que seja ouvida na altura em que comparecer - "Código de Processo Civil Anotado", vol. IV, pág. 403.</font></b><br> <b><font>Acresce que a eventual ausência das pessoas indicadas pela recorrente seria da iniciativa das mesmas, pelo que só a elas - e não ao funcionamento do Tribunal -, a recorrente poderia responsabilizar. Mas não deixa de ser estranho, como anota o acórdão recorrido, que o mesmo não tivesse acontecido com o mandatário forense e com as testemunhas do Autor.</font></b><br> <b><font>Pelas razões expostas, e reiterando os fundamentos constantes do acórdão da Relação, não contraditados pela recorrente, improcede a alegação em apreço, por não se divisar violação do disposto no art. 651, n. 1, al. b), do CPC.</font></b><br> <br> <b><font>Passemos à apreciação da questão relativa à eventual caducidade da acção, que nos aproxima da problemática do fundamento do presente divórcio litigioso.</font></b><br> <b><font>Ensina Antunes Varela, "Direito de Família, I vol. 4ª edição, págs. 482 e segs., que após o divórcio sanção, que se reflectia não só na legitimidade - para a propositura da acção (que só poderia ser instaurada pelo cônjuge inocente), mas também nas consequências (geralmente de carácter patrimonial) que a decretação do divórcio acarretava para o cônjuge culpado, surgiu no espírito das legislações modernas, primeiro a ideia de divórcio remédio e, depois, a ideia do divórcio-consumação (divórcio-falência). Sob o primeiro prisma, o divórcio deixou de ser considerado como uma sanção (contra o cônjuge infractor) e passou antes a ser olhado como a terapêutica jurídica adequada às situações anómalas em que a sociedade conjugal já não podia funcionar, independentemente da culpa de qualquer dos seus sujeitos; na segunda perspectiva, que a a partir de 1965 foi pouco a pouco dominando as legislações europeias, o divórcio passou a ser tido como um corolário normal das situações de fracasso ou de falência do casamento, sendo o princípio clássico subjectivo da culpa sucessivamente substituído, numa larga percentagem de situações , pela ideia de ruptura objectiva do casamento como fundamento substancial do divórcio.</font></b><br> <b><font>Após o 25 de Abril a legislação nacional sobre o instituto do divórcio acompanhou esta evolução, ficando o direito português com um sistema híbrido, podendo os cônjuges interessados no divórcio recorrer ao divórcio litigioso baseado na culpa, ao divórcio litigioso fundado na ruptura ou no fracasso objectivo do casamento, ao divórcio consensual ou ao divórcio por conversão.</font></b><br> <b><font>A separação de facto, como fundamento do divórcio, integra-se no denominado divórcio - remédio - cfr. anotações de Pereira Coelho aos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 14-03-78 e de 13-05-80, BMJ, n. 285, pág. 335, e n. 297, pág. 348, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 112, págs 341 e segs. e Ano 114, pág. 182, respectivamente.</font></b><br> <b><font>É a própria separação de facto por mais de seis anos consecutivos (art. 1781, al. a), do Código Civil - diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem referenciação da origem), independentemente da culpa dos cônjuges, que serve de fundamento ao divórcio - cfr., verbi gratia, o acórdão do STJ de 04-12-86, no BMJ 362, pág. 541. Todavia, a culpa, quando a haja, deve ser declarada nos termos do art. 1787, n. 1 - cfr. art. 1782, n. 2.</font></b><br> <br> <b><font>Ocorre, na situação dos autos, a verificação incontroversa, porque reconhecida por ambas as partes, da separação de facto para os efeitos da alínea a) do art. 1781 - art. 1782, n. 1. Aliás, recordar-se-á que a Ré se limita a pedir que não seja considerada "única exclusiva e principal culpada", não questionando a decisão de decretar o divórcio.</font></b><br> <b><font>Pretende, no fundo, a recorrente que, considerando o prazo decorrido desde a efectivação da mudança da fechadura - facto que seria de produção instantânea -, já teria ocorrido a caducidade da acção de divórcio - art. 1786, n. 1.</font></b><br> <b><font>Esquece, porém, que o fundamento do divórcio consiste na separação de facto, situação de duração continuada que, tendo tido a sua génese causal na mudança de fechadura e na consequente impossibilidade, por parte do recorrido, de entrar em casa, se prolongou no tempo ao longo de muitos anos, revestindo os requisitos exigidos para os efeitos do art. 1781, al. a).</font></b><br> <b><font>Anotando o art. 1786, escreve Antunes Varela, a respeito da caducidade do direito ao divórcio, que a aplicação do prazo de caducidade previsto no n. 1 do art. 1786 não suscita nenhuma dificuldade especial, quando o fundamento de que se trata consiste num facto instantâneo, como sucede com a generalidade das violações de deveres conjugais, a que se refere o n. 1 do art. 1779. Mas, prossegue aquele Autor, já não se dá o mesmo com os fundamentos que consistem em factos que se repetem (factos de trato sucessivo ou reiterado), como sucede em geral com as ligações adulterinas de um dos cônjuges, ou em factos de duração continuada (abandono completo do lar conjugal) - "Código Civil Anotado", Vol. IV, pág. 551.</font></b><br> <b><font>Já era esse o entendimento de Pereira Coelho, no estudo "Caducidade do direito ao divórcio ou à separação de pessoas e bens", desenvolvido nas colunas da Revista de Legislação e de Jurisprudência - Ano 104, págs 51 a 54, 67 e 68, 84 a 86, 102 a 107, e 134 a 136 -, a propósito da inovação do Código Civil de 1966, em matéria de caducidade do direito ao divórcio, constante do art. 1782, na sua primitiva redacção.</font></b><br> <br> <b><font>É certo que a caducidade é de conhecimento oficioso, podendo ser alegada em qualquer fase do Processo - art. 333.</font></b><br> <b><font>No entanto, em face das considerações expostas, importa concluir pela improcedência da invocada excepção de caducidade do direito ao divórcio.</font></b><br> <b><font>Confrontamo-nos, na presente acção, com um facto de duração continuada - separação de facto há mais de seis anos consecutivos -, separação que subsistia à data da instauração da acção, não tendo sido feita prova da cessação de tal situação.</font></b><br> <b><font>Aplica-se, pois, a previsão da segunda parte do n. 2 do art. 1786.</font></b><br> <b><font>Não ocorre, em consequência, qualquer violação do disposto nesse normativo ou no art. 333.</font></b><br> <b><font>Vejamos, por fim, a questão que, embora não autonomizada nas conclusões, representa a razão de ser do presente recurso, questão essa respeitante à atribuição, feita à recorrente, da culpa principal do decretado divórcio.</font></b><br> <b><font>A recorrente não invoca qualquer fundamento novo, relativamente ao alegado na apelação que deu origem ao acórdão recorrido.</font></b><br> <b><font>Mais uma vez, somos levados a concordar com a Relação.</font></b><br> <b><font>Com efeito extrai-se da matéria de facto dada como provada que a mencionada separação de facto foi directamente causada por um facto praticado pela recorrente que mudou, na ausência temporária do marido, a fechadura da casa da residência do casal, assim o impedindo de nela entrar.</font></b><br> <b><font>Ou seja, a separação de facto foi determinada por conduta da responsabilidade da recorrente.</font></b><br> <b><font>O facto de o recorrido, largos anos após o início da separação de facto, mais concretamente a partir de 1987, ter passado a viver em comunhão de mesa, leito e habitação com outra senhora não é passível de alterar as conclusões alcançadas no que se refere à determinação do cônjuge principal culpado - art. 1787, n. 1.</font></b><br> <b><font>É que tal facto ocorreu após o decurso de mais de seis anos sobre a separação de facto verificada em consequência de evento imputável à Ré mulher, ora recorrente. Por outro lado, o decurso de um longo período de tempo de separação não pode deixar de ter influência na atenuação do imperativo ético do cumprimento de deveres conjugais.</font></b><br> <br> <b><font>Termos em que se nega a revista.</font></b><br> <b><font>Custas pela recorrente, sem prejuízo, no entanto, do benefício de apoio judiciário de que goza.</font></b><br> <b><font>Lisboa, 10 de Março de 1998.</font></b><br> <b><font>Garcia Marques,</font></b><br> <b><font>Lemos Triunfante,</font></b><br> <b><font>Torres Paulo.</font></b></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A e B, menor representado por seus pais, intentaram, em 15.7.94, acção sumária contra a C, pedindo a condenação desta a pagar-lhes, a título de danos patrimoniais, lucros cessantes e danos morais, a indemnização de 9932000 escudos, bem como o mais que se apurar, na acção, e em execução de sentença, com juros. <br> Alegaram, em resumo, que, em 28.7.1989, ocorreu um acidente de viação, cuja responsabilidade coube ao condutor do veículo NF, cuja responsabilidade civil havia sido transferida para a ré, e do qual resultaram prejuízos patrimoniais e não patrimoniais para os demandantes, em consequência de lesões corporais e incapacidade sofridas, o que tudo discriminaram. <br> Contestou a ré, invocando a prescrição do direito dos autores, aduzindo que o acidente se ficou a dever à conduta negligente e ilícita do autor A e impugnando os danos articulados, pedindo a improcedência da acção e a condenação dos AA como litigantes de má fé. <br> Responderam estes, pugnando pela improcedência da excepção da prescrição.<br> No saneador, julgou-se improcedente a prescrição em relação ao autor B, relegando-se para final o conhecimento de tal excepção relativamente ao autor A.<br> Condensado e instruído o processo, procedeu-se à audiência de julgamento, posto o que foi proferida sentença, na qual se considerou improcedente a invocada prescrição quanto ao autor A e se julgou parcialmente procedente a acção, condenando-se a ré a pagar:<br> a) Ao autor A, a quantia de 520283 escudos, por danos patrimoniais;<br> b) Ao mesmo autor, a quantia de 1120000 escudos, por danos não patrimoniais;<br> c) Ao autor B, a quantia de 1120000 escudos, por danos não patrimoniais;<br> d) A ambos os autores, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, relativa aos gastos efectuados com tratamentos e deslocações ;<br> e) A ambos os autores, juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 15%, sendo à taxa de 10% ao ano a partir de 1.10.95 e à taxa de 7% ao ano a partir de 17.4.99, a contar da data da citação quanto aos danos patrimoniais, e a contar da data da sentença, quanto aos danos não patrimoniais, absolvendo a ré do mais peticionado.<br> Apelou a C, tendo a Relação de Évora, por acórdão de 7.6.01, revogado a sentença e absolvido a ré do pedido.<br> Inconformados, interpuseram os demandantes o presente recurso de revista, fechando a minuta recursória com as seguintes<br> Conclusões:<br> 1- É verdade que o condutor do veículo automóvel se apresentava pela direita do ciclomotor;<br> 2- Contudo, isso não basta para concluir que foi o condutor do ciclomotor o único culpado do acidente; <br> 3- Com efeito, teria sido preciso provar a simultaneidade de chegada ao cruzamento, e tal não está provado; <br> 4- Teria sido preciso provar, para se aferir desse direito à prioridade, a velocidade a que seguia o veículo automóvel e se havia visibilidade entre os dois condutores, enquanto circulavam nas vias, antes destas se cruzarem, e isto não está provado; <br> 5 - Apenas está provado que o condutor do ciclomotor tinha visibilidade a uma distância de 50 m à sua frente (e nada está provado quanto à visibilidade que tinha para a sua direita); <br> 6 - Teria sido preciso provar que o veículo automóvel quis imobilizar o veículo para impedir o embate; e isto não ficou provado;<br> 7 - Apenas se provou que o condutor do automóvel o quis imobilizar para deixar passar o ciclomotor, mas não o conseguiu pelo que o automóvel invadiu repentinamente a faixa de rodagem por onde circulava o ciclomotor;<br> 8 - O que quer dizer que o automóvel circulava a uma velocidade que não lhe permitia o domínio da marcha do mesmo, já que quis deixar passar o ciclomotor, criando até no condutor deste a convicção de que iria parar, não o conseguiu fazer;<br> 9 - E porque, tal como se encontra provado, ambos os condutores circulavam pela faixa direita da via, a conclusão que daí se retira é a de que, quando o ciclomotor embateu no automóvel, já tinha passado o eixo do cruzamento;<br> 10 - Pelo que, do facto de ter sido ele a embater não pode tirar-se a conclusão de que o automóvel chegou primeiro ao cruzamento;<br> 11 - Nos termos do artº 8º do Código da Estrada então em vigor, os condutores com prioridade de passagem têm de tomar as devidas precauções para não modificarem a sua velocidade, estando a regra da prioridade de passagem submetida ao dever geral de condução prudente em todas as circunstâncias;<br> 12 - E uma das regras que caracteriza o dever geral de condução prudente é a de poder ser dominada a marcha do veículo em qualquer circunstância - art. 7 do Código da Estrada;<br> 13 - Os factos provados indicam que o condutor do veículo automóvel não usou das devidas precauções;<br> 14 - O acórdão decidiu como se do facto de o veículo automóvel se apresentar pela direita, se pudesse tirar uma presunção legal de culpa contra o condutor do ciclomotor, baseando a maior parte das suas conclusões em factos que não constam da matéria provada; <br> 15 - Assim, o acórdão violou os artigos 8, n. 1 e 7 do Código da Estrada; <br> 16 - Deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão e proferindo-se outro que condene nos precisos termos em que se condenou na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.<br> Contra-alegou a ré C, contrabatendo a tese dos recorrentes.<br> Correram os vistos legais.<br> Apreciando e decidindo.<br> Considerando que nas conclusões da minuta de revista apenas se trata da questão da culpa no eclodir do sinistro estradal, são os seguintes os factos assentes pelas instâncias e que interessam à solução dessa questão:<br> No dia 28.7.89, pelas 15.30 horas, D conduzia o veículo pesado de matrícula EJ, pela Estrada Municipal que dá acesso ao apeadeiro de Venda do Alcaide, da freguesia do Pinhal Novo, em Palmela (A)); <br> Mais à sua frente, seguia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula NF, conduzido por E, ambos conduzidos pela faixa direito, atento o seu sentido de marcha, e no sentido da Venda do Alcaide à Estrada Municipal n° 533-1, que faz a ligação Pinhal Novo à Palhota (B)); <br> Quando o NF chegou junto do cruzamento com a referida Estrada n° 533-1 pretendeu imobilizar-se a fim de deixar passar o motociclo de matricula LR que circulava pela faixa da direita, atento o seu sentido de marcha, naquela via, conduzido por A (1º); <br> No motociclo seguia como pendura o autor B (C)); <br> O E não conseguiu imobilizar o veículo que conduzia, indo invadir, repentina a faixa de rodagem da dita E. Municipal n° 533 (2º); <br> Por forma a ser embatido pelo motociclo que circulava no sentido Pinhal Novo - Palhota (3º); <br> O motociclo apresentava-se pela esquerda em relação ao NF (13º);<br> O NF estava praticamente imobilizado quando foi embatido pelo motociclo (14º); <br> Para além dos autores, circulava na "Vespa" um neto do A, Igor, que viajava de pé, entre o 1° autor e a frente do motociclo (16º); <br> O motociclo circulava a cerca de 60 Km/hora (17º);<br> A configuração do local do acidente permitia ao condutor do motociclo ver a 50 metros de distância para a sua frente (18º). <br> Em presença deste circunstancialismo, entendeu a Relação de Évora que não pode ser retirada a conclusão de que o condutor do NF tenha agido com culpa, quer por ter violado qualquer norma estradal, quer por ter agido de forma negligente, imprevidentemente ou com falta de cuidados que lhe fossem exigíveis, devendo a culpa na produção do acidente ser atribuída apenas ao condutor do motociclo, o autor A.<br> Diga-se desde já que a Relação decidiu acertadamente.<br> Nos termos do nº 1 do artº 487º do CC, recaía sobre os autores / lesados o ónus da prova da culpa do condutor do NF.<br> Essa prova não se mostra feita.<br> Os AA nem sequer lograram uma prova de primeira aparência (prima facie), derivada do curso normal das coisas ou da experiência da vida, através da qual pudessem fazer recair sobre a ré seguradora o ónus da contra-prova, isto é uma prova que crie um estado de dúvida ou incerteza no espírito do juiz, de molde a forçar os AA a demonstrar completamente a culpa. Com efeito, não se vislumbram factos que segundo os princípios da experiência geral tornem muito verosímil a culpa (sobre a prova de primeira aparência e suas implicações, cfr. o acórdão deste Supremo, de 14.5.81, no BMJ 307, pág.191 e segs.).<br> Comparemos os procedimentos de cada um dos intervenientes no acidente, nos momentos que imediatamente o precederam, para se verificar que assim é.<br> Quanto ao condutor do veículo automóvel:<br> - Seguia pela faixa direita - atento o seu sentido de marcha - de uma Estrada Municipal, no sentido da Venda do Alcaide, à Estrada Municipal nº 533-1;<br> - Quando chegou junto do cruzamento com esta estrada, pretendeu imobilizar-se a fim de deixar passar o motociclo que circulava pela E.M. 533-1, apresentando-se pela esquerda e circulando pela meia faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha;<br> - Não conseguiu imobilizar o automóvel, invadiu repentina a faixa de rodagem da E.M. 533-1 e foi embatido, quando estava praticamente imobilizado, pelo motociclo, que se lhe apresentava pela esquerda. <br> Quanto ao A. A, condutor do motociclo, para além do que acaba de se descrever, provou-se que:<br> - Circulava a cerca de 60 Km/hora;<br> - Levava no motociclo, como pendura, o menor e co-autor B, e, ainda, o seu neto Igor, que viajava de pé, entre o condutor e 1º autor, e a frente do motociclo;<br> - A configuração do local do acidente permitia-lhe ver a 50 metros de distância para a sua frente.<br> Ora, segundo o artº 8º, nº 1 do Código da Estrada em vigor à data do ajuizado acidente, a prioridade de passagem permitia aos condutores que dela gozassem, uma vez tomadas as indispensáveis precauções, não modificar a sua velocidade ou direcção e obrigava todos os outros a abrandar ou a parar, por forma a facultar-lhes a passagem.<br> O autor A estava obrigado, nas descritas circunstâncias, a abrandar a marcha ou mesmo parar, a facultar a prioridade de passagem ao condutor do automóvel.<br> Em vez disso, circulava a cerca de 60/km/hora!<br> Sendo certo que se podia aperceber com antecedência, de que se aproximava de um cruzamento, já que a configuração do local do acidente lhe permitia ver a 50 metros de distância para a sua frente.<br> Ademais, conduzia em condições altamente censuráveis, pois, para além de levar como pendura o co-autor menor, ainda levava um outro menor, o seu neto Igor, desta feita de pé, entre ele, condutor, e a frente do motociclo.<br> Mas, pergunta-se: não sendo a prioridade de passagem um direito absoluto, será que o segurado na ré tomou as indispensáveis precauções que as condições do local exigiam para que pudesse reivindicar plenamente o direito de prioridade consignado no dito artº 8º nºs 1 e 2, al. a) para os casos de inexistência de sinalização em contrário, como sucede no caso vertente? <br> Entendemos que sim, por isso que ele pretendeu imobilizar o automóvel, para deixar passar o motociclo. Só que não logrou pará-lo completamente, e foi embatido por este quando já estava praticamente imobilizado.<br> Portanto, o automobilista reduziu especialmente a velocidade, e quase parou. Estava praticamente imobilizado quando foi embatido.<br> Consequentemente não se pode afirmar que não tomou as precauções que no caso se impunham, não se afigurando correcto sustentar que seguia com velocidade inadequada e sem dominar a marcha do veículo automóvel.<br> Nesta conformidade, não tendo omitido as indispensáveis precauções, gozava plenamente do direito de prioridade de passagem, centrando-se a culpa exclusiva do sinistro no condutor do motociclo e aqui recorrente A.<br> Ao condutor do veículo segurado não pode ser imputada a violação de qualquer norma legal do Código da Estrada aqui aplicável, nem de qualquer dever de prudência que aos condutores nas vias públicas se imponha observar naquelas circunstâncias. <br> Como muito bem se observou no acórdão da Relação, tendo sido ele o embatido, significa que foi o primeiro a chegar ao cruzamento.<br> Não provando os AA que ele tinha possibilidade de se aperceber mais cedo da necessidade de parar o veículo e que nesse momento ainda tinha a possibilidade de parar por forma a evitar o acidente.<br> Finalmente, não é defensável a tese de que o condutor do automóvel é que estava obrigado a parar atempadamente, pois isso corresponderia a subverter completamente as regras da prioridade. A seguir-se essa postura, deixaria praticamente de haver regras de prioridade. Qualquer condutor que chegasse a um cruzamento teria de parar, deixando passar quem, na letra e no espírito da lei estradal, não tem prioridade de passagem.<br> Sem, necessidade de mais delongas, acordam em <b>negar a revista</b>, com custas pelos AA, sem prejuízo do apoio judiciário em devido tempo concedido.<br> <br> Lisboa, 5 de Março de 2002.<br> Faria Antunes,<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Na Comarca de Setúbal, o Ministério público, nos termos dos artigos 205 da Organização Tutelar de Menores e 1865 e 1866 do Código Civil, instaurou acção, com processo ordinário, contra A, na qual, pedia que judicialmente se reconhecesse que a menor B, registada, unicamente, como filha de C, era também, filha do réu; fundamentando tal pretensão.<br> Houve contestação do réu, que impugnou a factualidade descrita na petição inicial.<br> Seguindo a acção seus tramites normais, foi, a final, proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou a menor B filha do réu.<br> Na Relação de Évora foi confirmada a sentença da primeira instância.<br> Pede revista o réu formulando ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1- A decisão penal proferida contra o investigado sobre as relações deste com a mãe da investigante, vale na presente acção;<br> 2- Tendo-se decidido ali apenas pela prática de relações de sexo exteriores, sem copula, não poderia aqui decidir-se de forma diferente;<br> 3- O que impunha a alteração das respostas aos quesitos<br> 4, 5 e 8, nos termos do artigo 712 do Código de Processo Civil;<br> 4- Por outro lado, provou-se que em parte do período legal da concepção, concretamente entre 1 e 21 de Janeiro de 1987,não houve relações com o investigado;<br> 5- Apesar de ser ter provado que no período legal da concepção a mãe da menor não teve relações sexuais com outros homens, a presunção de paternidade não funciona, relativamente ao aludido período;<br> 6- Por isso,não podia concluir-se pela paternidade;<br> 7- O Acórdão recorrido violou o princípio do caso julgado, o artigo 1712 do Código de Processo Civil e as normas dos artigos 1871, 1798 do Código Civil, devendo ser revogado.<br> Contra alegou o Digno representante do Ministério Público que entende, pelas razões doutamente expostas, que deve ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.<br> Com os vistos corridos, cumpre apreciar e decidir.<br> Estão assentes os seguintes factos:<br> Em 21 de Julho de 1987 nasceu, em Setúbal, B, que foi civilmente registada como filha apenas de C (alínea A) da esp.);<br> Entre a mãe de B e o réu não existem quaisquer relações de parentesco ou afinidade (alínea B) );<br> A presente acção de investigação de paternidade foi julgada viável em processo que correu termos no Tribunal Judicial da comarca de Setúbal (alínea b);<br> O réu e a C conheceram-se no verão de 1985, quando esta se deslocou ao estabelecimento comercial do réu, em Setúbal, á Rua António Maria Eusébio, 46 (respostas aos quesitos 1 e 2,);<br> O réu disse então á C que tinha uma coisa para lhe mostrar, e, para o efeito, levou-a a uma casa anexa que possuía, ao fundo do estabelecimento (resposta ao quesito 3);<br> Aí apalpou-lhe os órgãos genitais e os seios, e colocou-lhe o pénis junto da vagina, introduzindo-lho (resposta ao quesito 4);<br> Tiveram então o réu e a mãe da B relações de cópula completa (resposta ao quesito 5);<br> Deu então o réu à mãe da menor, 500 escudos e disse-lhe para ir ao seu estabelecimento uma vez por semana (resposta ao quesito 6);<br> Passaram o réu e a mãe da menor, desde o verão de 1985 até finais de Dezembro de 1986 a encontrar-se uma vez por semana, no anexo do estabelecimento do réu, aí mantendo relações de cópula completa (resposta aos quesitos 7 e 8);<br> Não teve a mãe da menor relações de sexo com outro homem, que não fosse o réu, durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da menor (resposta ao quesito 10);<br> Consideram as pessoas que conhecem o réu e a mãe da menor que esta é filha daquele (resposta ao quesito 11);<br> No processo correccional 348/87, que correu termos pelo 1 juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi o réu da presente acção de investigação de paternidade, acusado pelo Ministério Público de um crime de atentado ao pudor, sob forma continuada, e isto por via da prática dos seguintes factos:<br> "Em data indeterminada, há cerca de um ano e meio a dois anos, o réu conheceu a menor C nascida a 16 de Novembro de 1971, num dia em que esta se deslocou ao seu estabelecimento de flores, isto na rua dos Marmelinos, em Setúbal. Convidou-a então a "brincar" consigo, ao que a menor acedeu. Assim, levou-a para uma casa que tinha ao fundo do dito estabelecimento. Aí apalpou-lhe os órgãos genitais e os seios e colocou-lhe o seu pénis junto da vagina dela.<br> Após terminar estas práticas, o réu ofereceu 500 escudos á menor e convidou-a para o ir visitar mais vezes.<br> "Assim, e até fins de Dezembro de 1986, o réu e a C passaram a encontrar-se com regularidade no dito estabelecimento, repetindo-se de cada vez que se encontravam actos iguais aos acima descritos.<br> "O réu tinha perfeito conhecimento da idade da C.<br> "Com a sua actuação pôs em causa o sentimento de vergonha da ofendida, relacionado com o instinto sexual nato na generalidade das pessoas.<br> "Aqui, deliberada, livre e conscientemente.<br> "Sabia que tais condutas eram proibidas".<br> Por sentença, de 30 de Maio de 1988, daquele Juízo, já transitada em julgado, foi o mesmo réu condenado então, como autor de um crime de atentado ao pudor, na forma continuada, pelo cometimento dos seguintes factos:<br> " a) Em data indeterminada do verão de 1985 o réu conheceu a menor C, nascida em 16 de Novembro de 1971, num dia em que esta se deslocou ao seu estabelecimento de flores, sitio na rua dos Marmelinos em Setúbal;<br> " b) Disse-lhe então que tinha uma coisa para lhe mostrar e levou-a assim para uma casa anexa que possuía ao fundo do estabelecimento;<br> " c) Aí apalpou-lhe os órgãos genitais e os seios e colocou-lhe o seu pénis junto da vagina dela; d) Após terminar estas práticas o réu entregou 500 escudos á menor e disse-lhe para ir lá ao estabelecimento uma vez por semana;<br> " e) Assim e pelo menos até finais de Dezembro de 1986 o réu a C passaram a encontrar-se com regularidade aproximada de uma vez por semana no anexo daquele estabelecimento, repetindo-se de cada vez que se encontravam actos iguais aos descritos em c) e d) supra;<br> " f) O réu tinha perfeito conhecimento da idade da C;<br> " g) Com a sua actuação colocou o réu em causa o sentimento de vergonha da ofendida, relacionado com o instinto sexual;<br> "h) O réu aqui livre deliberada e conscientemente sabendo não ser permitida a sua conduta".<br> XXX<br> Com base nestes factos se entendeu estar feita prova de que o réu era o pai da menor B.<br> XXX<br> O réu levanta duas questões neste recurso, questões essas que já constavam das conclusões da sua apelação.<br> A primeira respeita á força do caso julgado penal que, segundo ele, impedia, que se desse como provado que teve relações de cópula completa com a mãe da menor, quando, no processo crime, se decidiu que ele praticou com aquela relações de sexo exteriores, sem cópula.<br> A segunda, o facto de o seu relacionamento sexual com a mãe da menor não abranger os derradeiros vinte dias do período legal da concepção, não funcionando a presunção de paternidade relativamente ao referido período de tempo (concretamente, de 1 a 21 de Janeiro de 1987).<br> No Acórdão recorrido ambas as questões foram apreciadas com profundidade e muito doutamente, pelo que não se vê que mais se possa adiantar para demonstrar a falta de fundamento das questões levantadas pelo recorrente.<br> A questão do caso julgado penal tem de ser decidida, depois de apreciada, por referência ao Código de Processo Penal de 1929, dado que a participação-crime deu entrada em 7 de Abril de 1987, quando ainda não estava em vigor o Código de Processo Penal de 1987; e isto por força do disposto no artigo 7 do Decreto-Lei n. 78/87, de 17 de Fevereiro, articulado com o artigo único da Lei n. 17/87, de 1 de Junho.<br> Preceituava o artigo 153 do Código de Processo Penal de 29 que: "A condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto á existência e qualificação do facto punível e quanto á determinação dos seus agentes mesmo nas acções não penais em que discutam direitos que dependam da existência da infracção".<br> Vê-se, assim, que, para o caso julgado penal condenatório ter relevância em outras acções, nomeadamente,em acção cível, se torna necessário que nestas acções sejam discutidos direitos que dependam do crime que na acção penal foi dado como praticado.<br> No caso "sub-judicie", a acção de investigação não se fundamenta num crime de atentado ao pudor, nem nos factos que preencheram este tipo de crime por que o réu foi condenado.<br> Já se viu que nos autos de processo-crime, o ora recorrente foi condenado por repetidamente, ao longo de mais de um ano, e todas as semanas, haver apalpado os seios e os órgãos genitais da C, colocando-lhe o pénis junto da vagina, enquanto que, nesta acção, o direito de reconhecimento judicial de paternidade exercido contra o réu se baseou, não nesses contactos sexuais de cópula completa entre aquele e a mãe da menor, estabelecidas, semana a semana, ao longo do mesmo período de tempo.<br> O facto de no processo-crime o réu haver sido condenado, apenas, por atentado ao pudor sob forma continuada, não obsta a que neste processo cível se desse como provado que ele manteve relações de cópula completa com a mãe da menor, e, não apenas, que manteve contactos sexuais externos com a mesma.<br> Acresce que há que ter em atenção, também, o artigo 154 do Código citado segundo o qual;<br> "A sentença absolutória, proferida em matéria penal e com trânsito em julgado constituirá nas acções não penais simples presunção legal da inexistência dos factos que constituam a infracção, ou de que os arguidos a não praticaram, conforme o que se tenha julgado, presunção que pode ser ilidida por prova em contrário".<br> Face a este preceito é evidente que, se o réu tivesse sido acusado pelo crime de sedução e dele tivesse sido absolvido, por não se terem provado as relações sexuais de cópula, isso não impedia que em processo civil se viessem a dar como provadas tais relações.<br> De igual modo, se o réu fosse acusado daquele crime e, apenas se provasse que ele cometera atentado ao pudor, fazendo-se a convolação, conforme artigos 447 e 448 do citado Código de 29, isso não impedia que, em processo civil se viesse a dar como provado que tinha havido relações sexuais de cópula completa.<br> Por maioria da razão, se no processo-crime o réu foi, apenas, acusado por atentado ao pudor e veio a ser condenado por tal crime, tal não impede que no processo cível de averiguação de paternidade se dê como provado que aquele manteve relações sexuais de cópula completa.<br> A força do caso julgado condenatório não pode obstar a que, no processo cível, sejam dados como provados factos que são um mais, em relação àquilo que se discutiu e provou no processo-crime.<br> Não tinha pois a Relação de alterar as respostas dadas aos quesitos 4, 5 e 8, pois que a força do caso julgado penal não proibia que fossem dadas as mesmas respostas.<br> O que importa actualmente, é a paternidade biológica sendo os casos contemplados no artigo 1871 do Código Civil, simples presunção daquela.<br> Optando-se na acção por não invocar qualquer das presunções daquele artigo 1871, mas, apenas, as relações sexuais entre o investigado e a mãe da investigante no período legal da concepção, caberá ao autor fazer a prova de que a mãe do investigante, no período referido, só com o investigado manteve relações sexuais - Assento deste Supremo Tribunal de 21 de Junho de 1983, in Boletim do Ministério da Justiça 328-297.<br> Na presente acção o Ministério Público baseou o seu pedido de reconhecimento judicial do réu, como pai da menor B, não nas presunções de paternidade do artigo 1871 referido, mas, apenas, e simplesmente, no facto jurídico da procriação, tendo demonstrado que no período legal da concepção indicado no artigo 1798 do Código Civil, ou seja nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento da referida menor, a mãe desta só com o réu manteve relações sexuais de cópula completa.<br> É bem evidente que, face ao artigo 1798, basta que se prove que o investigado teve relações sexuais de cópula completa nos tais primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento e não que se prove que tais relações se prolongaram ao longo desses cento e vinte dias e até ao último desses dias.<br> Bastará que tenha havido essas relações nesse período, nem que seja uma só vez, desde que a mãe do investigante não tenha tido relações sexuais com qualquer outro homem no período legal da concepção.<br> Assim é de todo despiciendo argumentar-se com o facto das relações entre o réu e a mãe do menor terem terminado vinte dias antes do decurso dos cento e vinte dias previstos na lei.<br> Tal facto só teria interesse se o réu tivesse proposto a acção prevista na artigo 1800, do Código Civil com o fim de provar que a concepção se dera nesses tais últimos vinte dias.<br> Em suma: foi feita a prova do facto jurídico da procriação e a exclusividade das relações sexuais da mãe da menor, no período legal da concepção, com o réu.<br> Tanto bastava para a procedência da acção.<br> Pelo exposto, confirma-se o decidido pelas instâncias negando-se a revista.<br> Custas pelo réu.<br> Lisboa, 29 de Setembro de 1993<br> Carlos da Silva Caldas;<br> Cardona Ferreira;<br> Correia de Sousa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A, Ldª, intentou acção executiva sumária para pagamento de quantia certa, contra B, Ldª e C, pedindo a citação dos executados para pagarem a quantia global de 7608750 escudos, mais juros vincendos sobre o capital de 5300000 escudos, até integral pagamento, ou, em alternativa, nomearem bens à penhora, bem como a condenação dos executados a pagar os honorários da mandatária da exequente, de acordo com nota a apresentar a final. <br> Baseou a execução em três letras de câmbio de 1600000 escudos, 1850000 escudos e 1850000 escudos.<br> O executado C deduziu embargos de executado, que foram julgados procedentes na 1ª instância.<br> Apelou a exequente/embargada, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 21.6.01, revogado a decisão da 1ª instância, e julgado improcedentes os embargos de executado do C, devendo a execução prosseguir os seus regulares termos.<br> Inconformado, recorreu o embargante C para este Supremo, formulando as seguintes<br> Conclusões:<br> 1- Para que uma sociedade fique vinculada como aceitante de uma letra de câmbio, é indispensável a assinatura pessoal do gerente e a indicação expressa da qualidade em que o mesmo obriga a sociedade;<br> 2- A falta de indicação da qualidade de gerente, através da qual o subscritor obriga a sociedade, determina a nulidade do aceite, por vício de forma;<br> 3- O aval prestado ao aceitante, quando o aceite seja nulo por vício de forma, padece de nulidade, pelo que não se mantém o aval;<br> 4- Ao decidir de modo diverso, o Tribunal recorrido violou os artºs 264º, nº 4, 409º, nºs 1 e 4 e 431º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, e 32º, § 2º da LULL,<br> Devendo ser concedida a revista, revogando-se o acórdão recorrido.<br> Contra-alegou a A, Lda, pedindo a confirmação do decidido.<br> Correram já os vistos legais.<br> Apreciando e decidindo.<br> A Relação considerou assente o seguinte circunstancialismo:<br> A A, Ldª intentou acção executiva para pagamento de quantia certa contra B, Ldª, e o embargante C;<br> Com tal execução pretende a exequente haver dos executados a quantia de 5300000 escudos titulada por três letras de câmbio de 1600000 escudos, 1850000 escudos e de 1850000 escudos, vencidas respectivamente em 15.10.92, 15.10.92 e 30.10.92, acrescida da quantia de 2308750 escudos de juros vencidos à taxa de 15%, à data da instauração da acção e da quantia resultante dos juros que se vencerem até ao pagamento (doc. fls. 61 e 64 e 68 a 74);<br> Nas três letras de câmbio figura como sacadora a exequente, como sacada a executada B e na face anterior do título onde se encontra impressa a palavra "aceite" foram apostos por meio de carimbo a óleo a firma da sociedade sacada, a sua..., o seu ramo de actividade, os números dos telefones e de fax, o capital social, o nº de contribuinte, duas assinaturas ilegíveis e a assinatura do embargante (doc. de fls. 68 a 74);<br> Não consta dos títulos a qualidade das pessoas em razão da qual foram feitas as assinaturas referidas na al. antecedente (doc. fls. 68 a 74);<br> No verso das letras encontra-se escrita a seguinte frase "dou o meu aval à firma aceitante" a que se segue a assinatura do embargante (doc. de fls. 68 a 74).<br> Entendeu-se no acórdão recorrido, resumidamente, que:<br> - Após a entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais é necessário para a vinculação da sociedade a assinatura pessoal do gerente e a menção da qualidade de gerente;<br> - Segundo o nº 4 do artº 260º do referido Código, os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade;<br> - As letras exequendas não têm a assinatura dos gerentes da executada B, com essa menção;<br> - A assinatura que consta das três letras exequendas a «assinatura da firma social» não é susceptível de vincular a sociedade às obrigações do aceite;<br> - Não vinculando tal assinatura a executada B, mantém-se todavia a obrigação do avalista C, nos termos do artº 32º, § 2º da LULL, por a nulidade da obrigação garantida por aval resultar de um vício de fundo, e não de um vício de forma.<br> Com base nesta fundamentação, revogou a Relação a decisão da 1ª instância, julgando improcedentes os embargos do avalista/executado C, ordenando o prosseguimento da execução.<br> Por seu turno, o recorrente C, sufragando embora a tese da nulidade do aceite, reivindica que esta ocorre por vício de forma, como se entendeu na sentença da 1ª instância, e não de fundo, como entendeu a Relação, pelo que - sustenta o C - não se mantém o aval, nos termos do § 2º do artº 32º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças.<br> Mas, perguntamos nós: será que a obrigação garantida pelo aval é nula, como se considerou nas instâncias e defende o recorrente C?<br> A resposta é negativa, como passamos a justificar.<br> Diz o artº 260º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais que:<br> Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade.<br> Acerca deste comando legal, vejamos o que diz Pinto Furtado (no Curso de Direito das Sociedades, 4ª Edição, pág. 352 e 353):<br> A propósito da firma-assinatura... Cabe agora acrescentar que também relativamente à necessidade de indicação da qualidade de representante da sociedade obrigada se estão formando, por vezes, orientações jurisprudenciais que, na nossa perspectiva, acabam por proteger o devedor relapso, sancionando impugnações reveladoras de afrontamento à boa fé. Isto tem sido particularmente nítido e chocante a respeito de aceites em letras de câmbio através de representantes de sociedades sacadas, que não negam a sua qualidade, antes a confessam, mas se acoitam à mera falta de indicação na letra, a par das suas assinaturas, da qualidade de gerente ou administrador da sociedade sacada.<br> ... Na nossa perspectiva, o entendimento mais razoável é o de que a sociedade sacada fica efectivamente vinculada, apesar da falta de indicação da qualidade de representante do signatário do aceite, por ser a solução mais consentânea com os princípios do direito cambiário, a boa fé e o disposto no art. 6 n. 5 CSC - não havendo que distinguir as relações imediatas e mediatas.<br> A tese da nulidade do aceite tem-se abandonado em meras afirmações doutrinárias de necessidade de identidade formal e efectiva de sacado e aceitante, que também subscrevemos, mas que não conduzem à solução da nulidade... <br> Também no sumário do acórdão da Relação de Lisboa, de 8.7.99, in CJ 1999, IV, 97 se lê que:<br> A assinatura pessoal do gerente "em nome" da sociedade, vincula esta, não sendo necessária a expressa invocação deste nome o qual poderá resultar das circunstâncias em que a assinatura pessoal foi aposta ou o acto foi praticado.<br> E este Supremo, por acórdão de 24.10.96, in CJSTJ, 1996, III, 78, foi do entendimento de que:<br> Um gerente comercial para que responsabilize uma sociedade deve fazê-lo de forma que do documento resulte, em termos aceitáveis, segundo o costume, que assinou tal documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente... (sublinhados da nossa autoria).<br> Finalmente, o plenário das secções cíveis deste Supremo, tirou em 6.12.01 o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2002, publicado no Diário da República - I Série-A, de 24.1.02, de acordo com o qual:<br> A indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artº 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.<br> Ora, está provado que nas três letras de câmbio figura como sacadora a exequente, e como sacada a executada B.<br> E foi considerado também assente, pela Relação, que não consta dos títulos a qualidade das pessoas em razão da qual foram feitas as assinaturas no local onde se encontra impressa a palavra "aceite".<br> Isto, porém, significa apenas que não se menciona neles, expressamente, a qualidade de gerentes.<br> Não afasta, em definitivo, que tenham aposto as assinaturas pelos seus punhos na qualidade de gerentes da sacada.<br> Ora, vem provado que na face anterior das três letras, onde se encontra impressa a palavra "aceite" foram apostos por meio de carimbo a óleo a firma da sociedade sacada, o seu ramo de actividade, os números dos telefones e de fax, o capital social, o número de contribuinte, duas assinaturas ilegíveis e a assinatura do embargante C. <br> Que mais é necessário para se inferir, com um altíssimo grau de verosimilhança, que essas assinaturas foram feitas na qualidade de gerentes da sacada?<br> Nada!<br> O probatório fornece-nos a certeza jurídica de que a sacada aceitou as letras por intermédio das pessoas que escreveram no indicado local os seus nomes, enquanto gerentes dela.<br> Ao ajuizar-se pela forma descrita não se está a alterar a decisão de facto, pois mantém-se a decisão da Relação de que nas letras exequendas não consta expressamente a qualidade das pessoas em razão da qual foram feitas as assinaturas no local do aceite.<br> Não consta expressamente a sobredita qualidade, mas pode e deve ser inferida. Embora não esteja claramente dito no texto das letras que se trata dos gerentes, foi nesta qualidade que as pessoas que assinaram o fizeram.<br> É que - repisa-se - na face anterior dos títulos, onde se encontra impressa a palavra "aceite" , além das duas assinaturas ilegíveis e da assinatura do embargante C, foram apostos por meio de carimbo a óleo a firma da sociedade sacada, o seu ramo de actividade, os números dos telefones e de fax, o capital social e o número de contribuinte.<br> Este quadro factual só pode convencer de que as pessoas que assim assinaram o fizeram na qualidade de gerentes da executada/sacada, que, assim, se acha vinculada, nos termos do artº 260º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais.<br> De acordo com os elementos referidos, não se afigura minimamente viável sustentar que as pessoas que assinaram se queriam vincular individualmente.<br> Tudo aponta para que assinaram na veste de legais representantes da firma sacada, de seus gerentes.<br> E com isto não se está a alterar a decisão de facto da Relação, que apenas deu como provada a ausência de indicação expressa da qualidade de gerentes.<br> O Supremo, deste modo, não está a fazer uma incursão em domínios legalmente reservados às instâncias. <br> Não pode, é certo, em regra, o Supremo alterar a decisão quanto à matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido (nº 2 do artº 729º do Código de Processo Civil).<br> Mas há que reconhecer que a Relação apenas não inferiu da panóplia factual o óbvio - que, apesar de não expressamente consignada na literalidade da letra a qualidade de gerentes, as pessoas que assinaram no lugar normalmente destinado ao aceite eram mesmo gerentes da sacada - porque partiu do princípio de que, para o aceite da sacada não ser nulo era conditio sine qua non que nele se indicasse expressamente a qualidade de gerentes, o que vimos não corresponder à melhor doutrina e à melhor jurisprudência.<br> As instâncias deviam ter inferido, do somatório de factos provados, que as assinaturas no lugar dos aceites foram feitas pelos gerentes da sacada.<br> Não tendo feito essa inferência, não está o Supremo coibido de a fazer.<br> A palavra a Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Edição, pág. 426 e 427, onde expende o seguinte:<br> Importa especificar... o que se deve entender pela exclusão da competência do Supremo sobre a matéria de facto. Ela não significa... que o Supremo possa deixar de considerar os factos apurados nas instâncias, porque é em função deles que deve decidir o caso concreto. O que essa exclusão verdadeiramente significa é que o Supremo não pode censurar a apreciação da prova realizada nas instâncias e não pode investigar ou exigir a produção de prova sobre outros factos. Mas daí não decorre que o Supremo não possa controlar as decisões sobre a matéria de facto (na sua coerência, nomeadamente) ou utilizar essa matéria para deduzir ou inferir outros factos.<br> ... não significa que... não possa utilizar factos que não foram considerados pela Relação... não pode deixar de considerar os factos apurados pela Relação, mas isso não implica que só posa usar esses factos ou que esteja impedido de utilizar outros.<br> Desde logo, é indiscutível que... pode servir-se de qualquer facto que, apesar de não ter sido utilizado pela Relação, deve considerar-se adquirido desde a 1ª instância.<br> Não sendo, pelos motivos expostos, nula a obrigação garantida pelo aval do recorrente, acordam em não conceder a revista, confirmando a decisão, posto que por diversa fundamentação, com custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário em devido tempo concedido.<br> <br> Lisboa, 5 de Março de 2002.<br> Faria Antunes,<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante a Junta Autónoma de Estradas e é expropriada B, os árbitros nomeados para o efeito, pelo acórdão de fls. 40 e segs.; datado de 6 de Fevereiro de 1994, tirado por unanimidade, fixaram em 14899000 escudos a indemnização a pagar pela expropriante.<br> Notificada a decisão arbitral, dela recorreu para o Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia a expropriante, pugnando pela redução da indemnização ao valor matricial do imóvel expropriado.<br> Respondeu ao recurso a expropriada no sentido de àquele ser negado provimento, "actualizando-se o valor da indemnização arbitrada, como determina o artigo 23 do Código das Expropriações, de acordo com a evolução dos preços no consumidor, sem habitação, publicada pelo INE".<br> O Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, por sentença de 21 de Julho de 1999, julgou improcedente o recurso e, consequentemente, fixou em 14899000 escudos o montante da indemnização devida à expropriada, "quantia que deve ser actualizada de acordo com os índices do preço do consumidor, com exclusão da habitação, fornecidas pelo Instituto Nacional de Estatística, até ao trânsito em julgado desta decisão."<br> Ainda inconformada, a expropriante interpôs recurso de apelação.<br> O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 186 e segs., datado de 10 de Abril de 2000, negando provimento ao recurso, confirmou aquela sentença.<br> Continuando inconformada, a expropriante recorreu de revista, por entender que a decisão proferida o foi contra jurisprudência uniformizada por este Supremo Tribunal (artigo 678, n. 6, do Cód. Proc. Civil), concluindo a sua alegação da forma seguinte:<br> 1.- O douto acórdão recorrido consubstanciou violação de jurisprudência uniformizada pelo STJ relativamente à questão aqui em causa (qual seja a de saber se deve ou não entender-se ter o tribunal "a quo" a possibilidade de proceder oficiosamente à actualização de uma dívida de valor em montante superior ao pedido pelos expropriados - v.g., em casos, como o dos autos, em que os expropriados não recorreram da decisão arbitral);<br> 2.- É sabido que, no processo civil, vigora o princípio do dispositivo, segundo o qual não há processo sem iniciativa dos interessados, nem recurso sem a sua iniciativa;<br> 3.- Outra vertente do mesmo princípio traduz-se no facto de o tribunal só poder e dever decidir dentro dos limites quantitativos e qualitativos do que se peticiona (cfr. artigos 3, 661, n. 1, do CPC e acórdão do STJ n. 13/96, in DR, I Série A, de 26 de Novembro de 1996;<br> 4.- Conexo com tal princípio está o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual se as mesmas pedem o que se justifica, quando é caso disso, incorrem no risco decorrente da sua conduta, designadamente quanto aos limites dos seus pedidos, uma vez que as suas omissões não podem ser supridas pela actividade do juiz;<br> 5.- Ora, a arbitragem é hoje unanimemente reconhecida como funcionando enquanto tribunal arbitral necessário, detendo, por isso, os árbitros função decisória, intervindo o tribunal de comarca como tribunal de recurso ou de 2.ª instância;<br> 6.- Nessa qualidade, o seu poder determina-se pelas alegações dos recorrentes, ex vi artigos 684 e 690, n. 1, e 668, n. 1, alínea d), todos do CPC;<br> 7.- A expropriada não interpôs qualquer recurso da decisão arbitral, que, por isso, transitou em relação àquela;<br> 8.- Sendo certo que, pelas razões já antes descritas, a ora recorrente entende que em processo de expropriação não pode o tribunal oficiosamente proceder a qualquer actualização que se traduza na atribuição de montante indemnizatório superior ao pedido ou aquele que tiver transitado em julgado em relação à parte respectiva;<br> 9.- De referir, por último, que entende a expropriante que, para além do mais, o entendimento dado pelo douto acórdão recorrido ao preceito constante do artigo 661 do CPC consubstancia manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio do acesso ao direito - artigo 20 da CRP - e do princípio constitucional da justa indemnização - artigo 62 da lei fundamental - razão pela qual, a vir a confirmar-se tal interpretação sempre tal matéria teria de ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional.<br> Contra-alegando, a recorrida pugna no sentido de ser negada a revista.<br> Cumpre decidir.<br> Os factos considerados assentes pelas instâncias são os seguintes:<br> Por despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas de 28 de Janeiro 1992, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 1992, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas de terreno necessárias à Construção do IC1 - lanço Miramar-Maceda;<br> Dentre as ditas parcelas figura, entre outras, a parcela n. 68, com a área de 1600 m2, situada em Fontinha, Eirado, freguesia de Arcozelo, Concelho de Vila Nova de Gaia, pertencente à expropriada; <br> Em 19 de Julho de 1992 foi efectuada a vistoria "ad perpetuam rei memoriam", na presença de um representante da expropriada; <br> A parcela expropriada confrontava a nascente com a parcela n. 69 A do mesmo proprietário, a qual por sua vez confinava com a travessa do Eirado;<br> A parcela expropriada situava-se a cerca de 20 metros de distância da travessa do Eirado e apenas separada deste arruamento pela dita parcela 69 A;<br> A travessa do Eirado era em macadame e possuía redes de distribuição de energia eléctrica (com iluminação pública), de abastecimento de água e de drenagem de águas fluviais;<br> A parcela situava-se na sua maior parte (aproximadamente 1300 m2) a menos de 50 metros de distância da travessa do Eirado;<br> O terreno era plano, com uma ligeira inclinação no sentido nascente-poente, inserindo-se numa zona residencial em expansão, onde predominam construções do tipo moradias unifamilizares com dois pisos acima do solo (com cave, r/chão e dois andares);<br> A parte poente do prédio expropriado estava a ser utilizada como pastagem e a parte a nascente estava afecta à exploração florestal com pinheiros, eucaliptos e mato.<br> Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.<br> Como é sabido, da decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida ao expropriado não é admissível recurso para o STJ (artigo 46, n. 1, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro e acórdão uniformizador de jurisprudência deste Supremo de 30 de Maio de 1995, publicado, no DR, I-A, de 15 de Maio de 1997, para o Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, e ainda artigo 66, n. 5, do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro).<br> Assim, o presente recurso foi interposto e apenas foi admitido à sombra do n. 6 do artigo 678 do Código de Processo Civil: o acórdão recorrido foi proferido contra jurisprudência uniformizada pelo STJ.<br> Tal jurisprudência, aponta a recorrente, é a consagrada no acórdão deste Supremo com o n. 13/96, publicado no Diário da República, I Série-A, de 26 de Novembro de 1996, que uniformizou a jurisprudência no sentido de : "o tribunal não pode, nos termos do artigo 661, n. 1, do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor".<br> A questão que se coloca é, pois, a seguinte: o acórdão recorrido afrontou esta jurisprudência?<br> A resposta, adiante-se desde já, é negativa.<br> O referido acórdão uniformizador de jurisprudência tem em vista apenas a acção regulada no CPC, ou seja, a acção que se inicia com uma petição, onde se formula um pedido. E o que resulta de tal acórdão é que o tribunal nunca pode condenar o réu em montante superior ao valor do pedido do autor.<br> O caso dos autos é totalmente diferente.<br> Trata-se de um processo de expropriação por utilidade pública, regulado por lei própria, o Código das Expropriações, que se inicia com a fase da arbitragem, isto é, pela constituição de um tribunal arbitral, com a finalidade de encontrar a justa indemnização a atribuir ao expropriado.<br> Só depois dessa fase o processo transita para o tribunal judicial, podendo as partes recorrer da decisão dos árbitros.<br> No caso dos autos, só a expropriante recorreu.<br> Notificada, a expropriada, respondendo aos termos do recurso, defendeu a manutenção da decisão arbitral e logo manifestou a vontade, isto é, assim o pediu, da actualização do valor da indemnização arbitrada, "de acordo com a evolução dos preços no consumidor, sem habitação, publicado pelo INE" (fls. 80 vº.).<br> Sendo esta a sua primeira intervenção no processo na sua fase jurisdicional cumpria ao tribunal atentar neste pedido. Foi o que sucedeu no acórdão recorrido, que manteve a actualização do valor da indemnização.<br> Não se vê, pois, que o acórdão recorrido haja condenado "ultra petitum", violando o disposto no artigo 661 do CPC ou o referido acórdão uniformizador de jurisprudência.<br> Assim sendo, havendo um pedido da expropriada, formulado na altura em que o podia fazer, pois que se conformou em receber a indemnização fixada pela arbitragem se ela lhe fosse paga naquele altura, não há que apreciar a inconstitucionalidade do referido artigo 661 do CPC, invocada pela recorrente, pois não se vê que o mesmo viole o princípio do acesso ao direito ou o princípio da justa indemnização (artigos 20 e 62, n. 2, da Constituição).<br> Por outro lado, ainda que a expropriada não tivesse formulado o referido pedido, sempre haveria que proceder à actualização da indemnização arbitrada à expropriada.<br> O Código das Expropriações de 1976 nada dizia sobre o momento a que se devia atender para calcular o valor da justa indemnização a atribuir ao expropriado nem sobre a actualização da mesma.<br> A jurisprudência, como nos dá nota a sentença da 1. instância, encontrava-se dividida.<br> Tal momento era localizado na data da posse administrativa, na data da arbitragem, na data da avaliação pelos peritos ou na data da sentença.<br> Com o Código das Expropriações de 1991, o legislador indicou o modo de efectuar o cálculo do montante da indemnização. Nos termos do n. 1 do artigo 23 deste Código, "o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação".<br> Tratando-se de lei interpretativa integra-se na lei interpretada (artigo 13, n. 1, do Código Civil), pelo que é de aplicação nos presentes autos.<br> Não merece, pois, qualquer censura a decisão recorrida.<br> Termos em que se nega a revista.<br> Sem custas.<br> <br> Lisboa, 14 de Novembro de 2000<br> Tomé de Carvalho,<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça. <br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A, B e C, intentaram no Tribunal de Círculo de Santo Tirso, acção ordinária contra a Sociedade Agrícola da Casa do Cruzeiro S.A. a pedir a nulidade da deliberação da assembleia geral de 15 de Setembro de 1992, por não ter sido legalmente convocada mediante aviso convocatório devidamente publicado, sendo certo que não estiveram presentes.<br> A ré contestou alegando que enviou uma convocatória a cada um dos sócios e se não compareceram foi porque não quiseram; além da que a assembleia foi encerrada em 15 de Setembro de 1992 e a acção interposta em 2 de Novembro de 1992.<br> Após réplica, foi proferido saneador-sentença julgando a acção procedente e declarando a nulidade da deliberação, por falta de adequada convocação.<br> Sob recurso da sociedade ré, a Relação revogou a decisão e julgou improcedente a acção, por caducidade, visto a deliberação ser simplesmente anulável e não ter sido impugnada como devia no prazo de 30 dias.<br> Os autores interpuseram então revista, formulando as seguintes conclusões:<br> 1) A deliberação tomada na assembleia geral de 15 de Setembro de 1992 é nula.<br> 2) Em virtude de estar compreendida no artigo 56 n. 1 alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.<br> 3) Em consequência disso, aplica-se ao caso "sub iudice" o disposto no artigo 286 do Código Civil, pelo que a acção a pedir a declaração de nulidade da deliberação social referida, podia ser proposta em qualquer momento e por qualquer interessado.<br> 4) Assim, ao decidir de forma diversa, o douto acórdão da Relação violou o entendimento dos artigos 56 n. 1 alínea a), 167 e 377 n. 2 do Código das Sociedades Comerciais, bem como do artigo 303 do Código Civil.<br> Não houve contra-alegações.<br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> Está definitivamente assente:<br> A ré é uma sociedade anónima com sede no lugar da Gandra, da freguesia de Mouquim, concelho de Vila Nova de Famalição, que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial daquele concelho, sob o n. 510 a folhas 94 do livro C-2, com o capital de 9000000 escudos.<br> Os autores são detentores, cada um, de mil e trezentas acções ao portador, do capital social da ré.<br> Em 15 de Setembro de 1992, foi efectuada uma assembleia geral da sociedade ré, em que foi deliberado por unanimidade, revogar expressamente as deliberações tomadas pelo concelho de administração em 28 de Maio de 1992 referentes ao arrendamento das propriedades e à utilização da residência pertencente a esta, autorizar a continuação da actividade da sociedade e que seja levada a cabo uma avaliação cuidada da sociedade, com vista à sua partilha, conforme tudo consta da acta n. 38.<br> Os autores não estiveram presentes nessa assembleia geral.<br> Essa assembleia geral da ré não foi precedida de qualquer publicação no Diário da República nem em qualquer jornal da localidade da sede da sociedade, de aviso convocatório da mesma.<br> A ré enviou a cada um dos sócios uma convocatória por correio, indicando o dia, hora e local da assembleia geral e a respectiva ordem do dia.<br> A referida assembleia geral iniciou-se pelas 15 horas e foi encerrada pelas 17 horas do dia 15 de Setembro de 1992.<br> As questões de direito submetidas à apreciação deste Tribunal resumem-se a duas:<br> 1 - Se a deliberação é nula ou anulável;<br> 2 - Sendo anulável, se foi ou não invocada pela ré a caducidade do direito dos autores.<br> Começando pela primeira, importa referir desde logo que a deliberação social é uma declaração, em regra de vontade, juridicamente imputável à sociedade, que resulta do acordo maioritário dos sócios, sobre assuntos de interesse social, tomada em assembleia geral.<br> Para que essa vontade atinja a sua perfeita expressão, deve formar-se sem deficiências no que respeita ao seu procedimento, de harmonia com um "iter" deliberativo previsto na lei, e sem vícios no que toca ao seu conteúdo.<br> Se a deliberação se forma em contradição com a lei ou o contrato, designadamente por incumprimento das formalidades necessárias, conforme a divergência que esta desconformidade possa assumir, assim ela é nula ou anulável.<br> A primeira sanção recai sobre situações mais graves que acarretam a invalidade a todo o tempo a pedido de qualquer pessoa e até oficiosamente, e a segunda, menos grave, contempla aqueles casos em que essa solução está dependente de requerimento de interessado, em certo prazo sob pena de sanção.<br> O Código das Sociedades Comerciais prevê no artigo 56 a nulidade das deliberações (abstraindo de situações especiais como as dos artigos 27 n. 1, 69 n. 3, entre outros contados casos). E assim, no seu n. 1 alínea a) dispõe que são nulas as deliberações dos sócios tomadas em assembleia geral não convocada (salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados). Assembleia não convocada é reunião com falta absoluta de convocação.<br> O n. 2 equipara a esta falta de convocação, três casos: a) assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência; b) aquelas de cujo aviso convocatório não constem o dia, a hora e local da reunião; c) e as que reúnam em dia, hora e local diversos dos constantes do aviso.<br> Por sua vez, segundo o artigo 58 n. 1 alínea a), são anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei quando ao caso não caiba a nulidade nos termos do artigo 56, quer do contrato de sociedade. A anulabilidade é o caso normal porque do que se trata é em primeira linha da defesa de interesses meramente particulares.<br> Face a este regime, as irregularidades de convocação da assembleia que resultem da falta da sua publicidade quer no Diário da República, quer num jornal local ou aí mais lido, a que se reportam os artigos 377 n. 2 e 167 envolverão mera anulabilidade da deliberação tomada, (cfr. Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios,<br> 1993, páginas 299 e seguintes, e 364; Carneiro da Frada, in Novas Prespectivas do Direito Comercial, 1988, páginas 319 e seguintes). Mesmo a entender-se que tais irregularidades poderão envolver nulidade se a convocação deva ser feita por essa forma e ela não foi desse modo adoptada nem por nenhum outro meio de comunicação (Brito Correia, Direito Comercial III, página 300), a verdade é que no caso dos autos houve convocação de cada um dos sócios pelo correio, e assim a situação não se enquadra no regime da nulidade, mas no da anulabilidade, como concluiu a Relação.<br> Respondida a primeira questão, resta a segunda, sobre se a Relação podia ou não ter conhecido da caducidade da acção. O prazo para a propositura da acção de anulação é de 30 dias contados da data em que foi encerrada a assembleia (artigo 59 n. 2 e alínea a) do C.S.C.).<br> Não há dúvida - nem os recorrentes a suscitam - de que entre a data de 15 de Setembro de 1992 em que decorreu a assembleia, e a de 2 de Novembro de 1992, em que a acção foi proposta, mediaram mais de trinta dias, segundo a contagem dos artigos 297 e 279 do Código Civil.<br> O que os recorrentes pretendem é que não estando essa caducidade subtraída à disponibilidade das partes, a recorrida não a teria arguido na contestação, pois não bastava indicar como elementos de facto aquelas datas e pedir a procedência da excepção. É que a caducidade não seria uma excepção peremptória mas elemento constitutivo do próprio direito.<br> Mas, a ser assim, então aos autores é que incumbiria o ónus da prova de que o direito não teria caducado - o que não fizeram - e não à ré o de demonstrar o contrário, (artigo 342 n. 1 do Código Civil).<br> Sabe-se que esta posição foi assumida por alguma doutrina à luz da lei civil anterior, como em Dias Marques, Teoria GeraL da Caducidade. 1953, página 95, no que foi acompanhado em tese geral, por Aníbal de Castro, A Caducidade na Lei e na Jurisprudência, 3. edição de 1984, página 125.<br> Os tribunais têem entendido por larga maioria, que a caducidade é uma excepção peremptória (vd Assento do S. T. J. de 22 de Março de 1946 e respectivos votos de vencido; e Ac. S. T. J. de 11 de Junho de 1971, no B.M.J. 208, 132).<br> Neste sentido igualmente doutrina da mais autorizada:<br> Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993, (reimpressão), página 137; A Varela Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, página 305, Luso Soares, Processo Civil de Declaração,<br> 1985, página 660. Por sua vez, Anselmo de Castro, Direito Processual Declaratório, III, 1982, página 217, distingue, conforme os factos devam ser prespectivados como negação motivada ou como excepção peremptória.<br> É de notar que, de harmonia com o artigo 493 do Código de Processo Civil, a excepção peremptória importa a absolvição total ou parcial do pedido e consiste na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. E a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, compete àquele contra quem a invocação é feita (artigo 342 n. 2 do Código Civil). A ser assim como é, no caso presente a articulação das datas por parte da ré na contestação e o pedido de procedência da excepção, compreendeu a invocação da caducidade do direito de propôr a acção, como bem sustentou a Relação.<br> Em conclusão, não foram violadas as disposição legais citadas pelos recorrentes, pelo que o Tribunal nega a revista, condenando-os nas custas.<br> Lisboa, 2 de Março de 1995.<br> Ramiro Vidigal,<br> Cardona Ferreira,<br> Oliveira Branquinho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A e mulher B intentaram, em 12-02-96, no Tribunal da Comarca de Vila Real de Santo António, a presente acção especial de fixação judicial de prazo contra C e mulher D na qual alegam que, por contrato-promessa, estes lhes prometeram vender um prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1183, freguesia de Monte Gordo, concelho de Vila Real de Santo António e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00196/070188, composto por casa térrea destinada a habitação com a área de 150 m2 e logradouro de 270 m2, pelo preço de 6500000 escudos, sem que, no entanto, tenham estabelecido prazo para a celebração do contrato prometido.<br> Concluem pedindo a fixação de um prazo de 30 dias para aquele efeito.<br> Contestando, os RR., além de suscitarem a excepção dilatória de incompetência territorial, alegam, em síntese, que os demandantes perderam o direito de obter o cumprimento do contrato uma vez que não procederam ao pagamento do preço em dívida até Novembro de 1992, sendo certo que o imóvel em questão se valorizou muito, valendo presentemente pelo menos 30000000 escudos, tendo, pelo contrário, ocorrido, entretanto, a depreciação do valor do dinheiro.<br> Impugnaram ainda o valor atribuído à causa, concluindo, afinal, que o mesmo deveria ser fixado em 6500000 escudos.<br> Julgada procedente a suscitada excepção dilatória, foram os autos remetidos ao 3º Juízo Cível do Porto, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas arroladas.<br> Também foi decidido, em conformidade com o entendimento dos RR. o incidente relativo ao valor da causa, o qual foi fixado em 6500000 escudos.<br> Saneado o processo e fixada a matéria de facto relevante, foi, em 10-11-2000, proferida sentença que, julgando procedente a acção, fixou em 30 dias o prazo para cumprimento do contrato-promessa documentado a fls. 5 dos autos - cfr. fls. 68.<br> Inconformados, recorreram os RR., tendo, porém, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 01-07-2002, julgado improcedente a apelação, remetendo, ao abrigo do disposto pelo artigo 713º, nº 5, do CPC, para os fundamentos da decisão recorrida - fls. 99.<br> Continuando inconformados, trazem os RR/Recorrentes a presente revista, oferecendo, ao alegar, as conclusões que a seguir se sintetizam:<br> <br> 1. Do contrato promessa junto com a petição e do que neste se articula, não resulta que tenham ocorrido razões (subsumíveis ao disposto no artº 777º, nº 2, do C.C. ou em qualquer outro preceito legal) justificativas do pedido de fixação de prazo para os Requeridos outorgarem no contrato de compra e venda, pelo que a presente acção não tem oportunidade.<br> 2. E tais razões teriam de ser invocadas como causa de pedir - citados artigos 777º, nº 2, do C.C. e jurisprudência.<br> 3. Os factos alegados nos artºs 7 e 8 da petição (não acederem os Requeridos à solicitação dos Requerentes de ser marcada a celebração da escritura) não justificam o pedido de fixação judicial do prazo para o efeito, já que os Requerentes deveriam, então, usar o disposto no nº 1 do artº 777º C.C.<br> 4. Isto mesmo alegam os Requeridos no artº 20º da sua contestação e, se anteriormente, invocam razões objectivas para não outorgarem na escritura, tal recusa, ainda que infundada, não legitimaria o uso da presente acção.<br> 5. Assim, a, aliás, douta sentença da 1ª instância, ao julgar a acção procedente, fixando o prazo pretendido pelos Requerentes, violou o disposto nos artºs 777º, nº 2, do C.C. e 1456º C.P.C. e o, aliás, douto acórdão recorrido, que negou provimento à apelação dela interposta, remetendo para os seus fundamentos, nos termos do artigo 713º, nº 5, C.P.C., ignorando o que consta da minuta de apelação e se sintetiza nas conclusões 7ª e 8ª da mesma, violou os citados artºs 777º, nºs 1 e 2, C.C. e 1456º C.P.C., ou, se assim se entender, cometeu a nulidade prevista nas disposições conjugadas dos artºs 668º, nº 1, al. a) ) Trata-se de lapso manifesto. Pretendia, por certo fazer-se referência, à "nulidade prevista nas disposições conjugadas dos artºs 668º, nº 1, al. d), e 716º do CPC" - cfr. o último período da parte expositiva das alegações, a fls. 112 -, ou, eventualmente, à nulidade a que se refere a alínea b) do mesmo nº 1 do artigo 668º (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão)., e 716º, nº 1, C.P.C., cujo suprimento se requer.<br> <br> Pedem os Recorrentes que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e sendo os requeridos absolvidos do pedido, ou, subsidiariamente, seja ordenado o suprimento da invocada nulidade.<br> Não houve contra-alegações.<div>II</div>É a seguinte a matéria de facto que a 1ª instância considerou relevante e tomou em consideração:<br> 1º - Por contrato documentado a fls. 5, os RR. prometeram vender ao A., que prometeu comprar, uma casa térrea, no lugar de Aldeia Nova, Monte Gordo, Vila Real de Santo António.<br> 2º - O preço convencionado foi de 6500000 escudos, tendo os RR., logo, recebido a quantia de 2000000 escudos, sendo que até Julho de 1990, receberam mais a importância de 1400000 escudos.<br> 3º - No contrato referido em 1. não foi fixado prazo para o seu cumprimento.<div>III</div>1 - Questão prévia<br> Embora não constitua objecto das conclusões da alegação da presente revista, importa considerar preliminarmente a questão da admissibilidade do recurso, quer por se tratar de processo de jurisdição voluntária, em face do disposto pelo artigo 1411º, nº 2, do CPC, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, aplicável, in casu, atento o artigo 25º deste diploma, quer por força do disposto no nº 4 do artigo 678º do CPC.<br> Isto porque, no requerimento de interposição de recurso de fls. 103, os recorrentes alegam que "o recurso é admissível não só porque a decisão se não fundou em critérios de conveniência ou oportunidade (nº 2 do artº 1411º C.P.C.) , mas também porque há contradição entre ela e, v.g., o Ac. Rel. Lisboa, de 26-02-82 (...)".<br> Vejamos, pois.<br> <br> 1.1. - Depois de o artigo 1410º do CPC, diploma a que pertencerão os normativos que, doravante, se indiquem sem menção da origem, prescrever, sob a epígrafe "Critério de julgamento", que, em sede de "processos de jurisdição voluntária", "nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna", o artigo 1411º, nº 2, estabelece o seguinte:<br> "Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça".<br> <br> 1.2. - Recorde-se que, na sua anterior redacção, o nº 2 do artigo 1411º prescrevia que "Das resoluções não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça".<br> Ainda no âmbito dessa anterior redacção foi proferido o Assento de 06-04-1965 ) Publicado no BMJ nº 146, pág. 325., segundo o qual "nos processos de jurisdição voluntária em que se faça a interpretação e aplicação de preceitos legais em relação a determinadas questões de direito, as respectivas decisões são recorríveis para o Tribunal Pleno, nos termos do artigo 764º do CPC".<br> O Relatório preambular do Decreto-Lei nº 329-A/95 não fornece subsídios acerca das razões da alteração ocorrida na previsão da norma do nº 2 do artigo 1411º, limitando-se a constatar que "(...) a preclusão para o Supremo Tribunal de Justiça só ocorre relativamente a resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade (...)". Importa, assim, que, para a aludida interpretação, nos socorramos dos ensinamentos da doutrina) Cfr., neste âmbito, Alberto dos Reis, "Processos Especiais", vol. II, pág. 402; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual do Processo Civil", Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 72. e das achegas que, em sede hermenêutica, têm sido proporcionadas pela jurisprudência deste STJ.<br> No quadro da actual redacção, Miguel Teixeira de Sousa distingue as decisões proferidas nesses processos com base em critérios legais, caso em que se aplicam as regras gerais do recurso, designadamente, se tiverem alçada, das baseadas em critérios de discricionaridade, cujo recurso está vedado pelo artigo 1411º, nº 2, embora seja permitido nas condições previstas pelo nº 4 do artigo 678º. Ou seja, segundo este Autor, uma vez que "actualmente as decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária com base em critérios legais são recorríveis nos termos gerais (cfr. artigo 1411º, nº 2, que só exclui o recurso para o Supremo das decisões proferidas com base em critérios de discricionaridade), (...) não se justifica aplicar-lhes o regime prescrito no artigo 678º, nº 4" ) Cfr. "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, pág. 420..<br> No mesmo sentido, também Amâncio Ferreira sustenta que "(...) são recorríveis, nos termos gerais, logo fora do âmbito de aplicação do nº 4 do artº 678º, as decisões proferidas, nos processos de jurisdição voluntária, com base em critérios legais" ) Cfr. "Manual dos Recursos em Processo Civil", 2ª edição, Almedina, pág. 101, nota (171).<br> Na jurisprudência deste STJ tem-se vindo a entender que, no respeitante à providência propriamente dita, não há, em regra, recurso para o STJ, pois, de contrário, haveria incongruência com as normas dos artigos 1410º e 1411º, nº 2 ) Cfr. os Acórdãos deste STJ de 03-12-98, in Revista nº 520/98; de 03-10-00, in Revista nº 1712/00; de 23-11-99, na Revista nº 562/99; e de 11-04-00, proferido na Revista nº 219/00..<br> Assim, na Revista nº 45/99, de 20-04-99, incidindo em processo de fixação judicial de prazo, no âmbito da qual eram suscitadas diversas questões, conheceu-se da revista e só não se conheceu da bondade do prazo fixado, por, a tanto, obstar o disposto nos citados artigos 1410º e 1411º do CPC.<br> Já no assento de 06-04-65, aresto que, não obstante, tem força de acórdão uniformizador de jurisprudência, se manifestava o entendimento de que nos processos de jurisdição voluntária para cuja decisão ou resolução se convocava a interpretação e aplicação de preceitos legais, a respectiva sindicância devia ser feita pelo Pleno do STJ. E isto porque o STJ, então como hoje, decide de direito.<br> Pode, assim, extrair-se do exposto que, embora a resolução em si - traduzida nos trinta dias de prazo - não deva ser sindicada pelo STJ, posto que proferida segundo o prudente arbítrio do Tribunal, já a verificação, no caso concreto, dos pressupostos do processo de fixação judicial de prazo poderá ser sindicada.<br> <br> 1.3. - Já, no concernente ao artigo 678º, nº 4, não se verificam os respectivos pressupostos, pelo que o recurso, com esse fundamento, não seria admissível.<br> Vejamos porquê.<br> O referido nº 4 do artigo 678º estabelece o seguinte:<br> É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.<br> <br> 1.3.1. - São os seguintes os requisitos da revista ampliada ao abrigo da norma acabada de reproduzir:<br> a) Existência de contradição entre o acórdão de que se recorre e outro acórdão da mesma ou de diferente Relação, proferido sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se esta quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos eles;<br> b) Inadmissibilidade de recurso ordinário dessa decisão por motivo estranho à alçada do Tribunal;<br> c) Inexistência de jurisprudência uniformizada no sentido da decisão recorrida.<br> <br> 1.3.2. - Acompanhemos, por instantes, Teixeira de Sousa, que, acerca do assunto, escreve o seguinte ) Cfr. loc. cit., pág. 420.:<br> Esta revista ampliada cabe, nos termos gerais, de uma decisão da Relação sobre o mérito da causa (artº 721º, nº 1), mas contém um fundamento específico: este não é qualquer violação da lei substantiva, mas apenas a contradição da decisão proferida com a emitida por qualquer Relação sobre a mesma questão fundamental de direito, excepto, claro está, se a orientação perfilhada pelo acórdão for concordante com aquela que o Supremo fixara anteriormente (artº 678º, nº 4). Como igualmente se compreende, o conflito jurisprudencial deve verificar-se quanto à mesma questão fundamental de direito (...), isto é, deve respeitar ao mesmo problema jurídico com relevância determinante para a solução do caso concreto. Tal conflito é, porém, irrelevante, se tiver havido, entre o momento do julgamento do acórdão-fundamento e a do acórdão recorrido, uma alteração legislativa que imponha uma diferente solução da mesma questão jurídica.<br> <br> 1.3.3. - Ora, o acórdão fundamento da Relação de Lisboa de 26-02-1982) Publicado na "Colectânea de Jurisprudência", Ano VII, Tomo I, 1982, págs. 209 e segs. referido no requerimento de interposição de recurso versa sobre um contrato-promessa de compra e venda de certa fracção de um imóvel urbano datada de 13-07-71 em que as partes acordaram que "a escritura seria outorgada logo que a documentação necessária para o efeito se encontre na devida ordem".<br> No caso sub judice, estamos perante um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano datado de 31-01-89, no qual as partes não só não fixam qualquer prazo para a outorga da escritura, mas também não condicionam a outorga do contrato definitivo à verificação de qualquer facto ou evento futuro.<br> Como se pode ler no acórdão-fundamento, "desde que as partes estabeleceram que a escritura seria outorgada «logo que toda a documentação necessária para o efeito se encontrasse na devida ordem», preenchida esta condição (...) qualquer das partes podia exigir da outra a realização do contrato prometido".<br> Importa concluir ser bem diverso o núcleo da factualidade correspondente ao quadro de ambos os acórdãos.<br> Ora, para que seja possível a uniformização de jurisprudência, ao abrigo do nº 4 do artigo 678º, é necessário, como adverte Amâncio Ferreira, que "os dois acórdãos da mesma ou de diferente Relação estejam em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se esta quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos eles" ) Cfr. loc. cit., pág. 101..<br> Em face da diversidade substancial do núcleo da factualidade correspondente a ambos os acórdãos - sem falar da alteração, entretanto ocorrida, no regime legal do "contrato-promessa" - importa concluir que não se verificam os pressupostos do nº 4 do artigo 678º do CPC.<br> Conclusão que também se alcançaria atento o facto de, in casu, não se verificar igualmente, por se tratar de decisão proferida com base em critérios legais, o requisito relativo à insusceptibilidade de recurso ordinário por motivo estranho à laçada do tribunal.<br> Na verdade, como já se disse - cfr. supra, ponto 1.2. -, entendeu-se conhecer do presente recurso nos termos gerais de direito, isto é, em virtude de o valor da causa ser superior à alçada do Tribunal da Relação - artigo 678º, nº 1.<br> <br> 2 - Posto o que passaremos à apreciação das questões colocadas na presente revista.<br> Começando pela questão da alegada nulidade, recorde-se que, na conclusão 5ª, se refere que o acórdão recorrido, que negou provimento à apelação, remetendo para os fundamentos da sentença da 1ª instância, nos termos do artigo 713º, nº 5, "ignorando o que consta da minuta de apelação e se sintetiza nas conclusões 7ª e 8ª da mesma", teria cometido a nulidade prevista nas disposições conjugadas dos artºs 668º, nº 1, al. a), e 716º, nº 1, cujo suprimento se requer.<br> Já, oportunamente, se chamou a atenção para o lapso manifesto da referência à alínea a) do nº 1 do artigo 668º. Na verdade, e tal como se escreveu supra na nota (1), pretendia, por certo fazer-se referência, ou à nulidade prevista no artigo 668º, nº 1, al. d) - cfr. o último período da parte expositiva das alegações, a fls. 112 -, ou, eventualmente, à nulidade a que se refere a alínea b) do mesmo nº 1 do artigo 668º (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão).<br> Em qualquer caso, não assiste razão aos recorrentes.<br> É certo que o acórdão recorrido de fls. 99 diz laconicamente que "(...) a decisão apelada se nos afigura correcta e está devidamente fundamentada. Assim, nos termos do disposto no artº 713º, nº 5, do CPC, julga-se improcedente a apelação, remetendo-se para os fundamentos da douta sentença apelada".<br> Não havendo qualquer declaração de voto no referido acórdão de fls. 99, que está assinado pelos Exmºs Juízes Desembargadores, e uma vez que se confirma inteiramente o julgado da 1ª instância quer quanto à decisão, quer quanto aos seus fundamentos, ainda que as questões suscitadas nas conclusões da apelação aí não venham expressamente enunciadas, tal não constitui nulidade, uma vez que o nº 5 do artigo 713º prescreve, expressis verbis, que pode "o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada".<br> Acresce que os termos da sentença da 1ª instância, para que remete o acórdão recorrido, dão resposta aos falados argumentos constantes das conclusões 7ª e 8ª da antecedente apelação.<br> <br> 3 - Passemos à segunda questão, relativa ao problema de saber se não foram alegadas nem provadas as razões justificativas para o pedido de fixação judicial de prazo (conclusões 1ª a 4ª) Acompanhar-se-á de perto, na análise desta questão, o Acórdão deste STJ de 11-04-2000, 1ª Secção, proferido no Processo nº 219/00.<br> 3.1. - O processo especial de fixação judicial de prazo regulado nos artigos 1456º e 1457º foi introduzido no nosso direito processual civil pelo Decreto-Lei n. 47690, de 11-05-67, em correspondência com o artigo 777º, nº 2, do Código Civil.<br> A acção a propor nos termos dos indicados normativos esgota a sua função jurisdicional no momento em que for fixado o prazo.<br> O requerente terá que justificar o pedido de fixação, mas não de fazer prova dos seus fundamentos.<br> Como se escreve no acórdão acabado de citar, "a lei não exige, efectivamente, a demonstração da causa de pedir, mas apenas que se justifique o pedido".<br> Foi esta a tese das instâncias e que corresponde à jurisprudência maioritária.<br> Em qualquer caso, se os artigos 1456º e 1457º adjectivam o artigo 777º, nº 2, cumpre analisar a lei substantiva.<br> Sob a epígrafe "Determinação do prazo", estabelece o artigo 777º do C.C., nos seus dois primeiros números (11) Já que o nº 3 não releva para o caso em apreciação.:<br> 1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.<br> 2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.<br> <br> Consagra-se no nº 1 o princípio geral das chamadas obrigações puras. Não tendo essa obrigações prazo certo, o seu vencimento fica na dependência da vontade das partes. O credor pode reclamar o cumprimento em qualquer altura, interpelando para tal o devedor. Este, por sua vez, pode oferecer o cumprimento.<br> Há, no entanto, obrigações em que a natureza da prestação ou a finalidade do contrato requerem um prazo para o seu cumprimento. Tornando-se necessário, nesse caso, o estabelecimento de um prazo, a sua fixação é deferida ao Tribunal.<br> Trata-se do que a doutrina chama "obrigações a termo" ou "a prazo" "natural, circunstancial ou usual" Cfr. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 3ª edição, pág. 42 e Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 3ª edição, pág. 730.<br> É evidente que, estando-se no campo dos negócios jurídicos obrigacionais, concretamente dos contratos, vigora o mais amplo princípio da liberdade contratual, só se impondo a fixação do prazo se as partes não acordarem na sua determinação.<br> <br> 3.2. - No contrato-promessa do caso sub judice, nada se disse acerca da outorga do contrato definitivo, nem sobre quem ficaria incumbido da marcação da respectiva escritura, não havendo acordo quanto ao momento do cumprimento dessa obrigação (realização do contrato definitivo).<br> O contrato-promessa tem por objecto a outorga do contrato definitivo de compra e venda, que a boa fé impõe seja realizado em prazo razoável.<br> Estamos perante uma obrigação de prazo natural, uma vez que, só após a fixação desse prazo, é que se poderá dizer que há mora relativamente à realização do contrato definitivo e, só havendo mora, pode haver lugar à execução específica do contrato-promessa.<br> Como se escreveu no acórdão deste STJ de 18 de Junho de 1996, no Processo nº 154/96, citando-se Antunes Varela, "são as chamadas obrigações de prazo natural, circunstancial, que dão lugar à fixação judicial de prazo (artºs 1456º e 1457º, ambos do CPC), sempre que o credor não chegue a acordo com o devedor quanto ao momento do seu cumprimento".<br> No caso dos autos, a realização do contrato prometido não está na disponibilidade dos promitentes compradores, como haveria de se concluir em face da tese dos requeridos/recorrentes, acrescendo até que os mesmos afirmam recusar-se a outorgar na compra e venda.<br> A natureza da prestação e as circunstâncias que a determinaram permitem que os promitentes compradores recorram ao Tribunal para a fixação do prazo (artigo 777º, nº 2).<br> A eventual mora ou incumprimento definitivo do requerente quanto às suas obrigações decorrentes do contrato-promessa aqui em causa, designadamente, quanto ao pagamento do preço, não tem que ser apreciada neste processo. É que, como já se sublinhou, o requerente da fixação judicial de prazo apenas tem que justificar o pedido de fixação, mas já não de fazer prova dos seus fundamentos. Cfr. o citado Acórdão de 11-04-2000, Processo nº 219/00. Sobre a temática da fixação judicial do prazo, vejam-se ainda, além dos citados no texto, os seguintes Acórdãos deste STJ: de 07-06-88, in BMJ, nº 378, págs. 716 e segs; de 24-10-95, na Revista nº 87284, in CJSTJ, Ano III, Tomo III, págs. 79 e segs; de 15-10-98, na Revista nº 661/98..<br> Atento o exposto, improcedem as conclusões dos Recorrentes, não tendo ocorrido a violação das disposições legais citadas.<br> <br> Termos em que se nega a revista, mantendo-se a decisão da 1ª instância confirmada pela Relação.<br> Custas a cargo dos Recorrentes.<br> <br> Lisboa, 5 de Março de 2002.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.<br> Lemos Triunfante.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Para melhor compreensão das questões levantadas neste recurso interessa fazer uma rápida descrição do que consta do acórdão recorrido.<br> Nele se entendeu que as respostas aos quesitos 37°, 38° e 45° estavam viciadas, a primeira por contradição e ambiguidade, as segunda e terceira por deficiência.<br> Decidiu-se igualmente que, com vista à fixação da indemnização por danos não patrimoniais futuros, se mostrava necessária a formulação de um novo quesito.<br> Podem levantar-se dúvidas quanto a dever, ou não, tomar-se conhecimento do presente recurso.<br> Na verdade, o acórdão recorrido determinou a anulação da sentença recorrida e, parcialmente, a da decisão sobre matéria de facto que a antecedeu, a fim de que na 1ª instância se averiguassem os factos que indicou, com vista a ser de novo proferida, com recurso a estes, a decisão de mérito sobre a pretensão da ora recorrida.<br> É orientação constante deste STJ aquela segundo a qual, por ser um tribunal de revista vocacionado apenas para o conhecimento de questões de direito - já que só excepcionalmente versará matéria de facto, como se vê do art. 722°, n° 2 do CPC (diploma ao qual pertencerão as normas que adiante forem mencionadas sem outra identificação) e do art. 26° da Lei n° 3/99, de 13/1 -, lhe não cabe criticar a decisão das instâncias que declare ser insuficiente a matéria de facto já apurada.<br> Esta orientação tem clara manifestação no assento de 13/4/94 - BMJ n° 436, pg. 15 -, hoje com o valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, segundo o qual não cabe recurso para o STJ do acórdão da Relação que, revogando um saneador-sentença que conheceu do mérito da causa, mande prosseguir a marcha do processo com elaboração de especificação e questionário.<br> E extrai-se, por interpretação extensiva, do disposto no art. 510°, n° 4.<br> Assim, o que a Relação julga necessário averiguar, no tocante a matéria de facto, para permitir o proferimento de correcta decisão de mérito, é insindicável em recurso de revista, a não ser na medida em que se haja feito uso ilegal dos poderes conferidos no n° 4 do art. 712°.<br> Na verdade, se tal uso ilegal tiver ocorrido, a ordem de nova averiguação em matéria de facto não merece acatamento, estando o STJ no uso dos seus poderes de julgamento em matéria de direito se decidir no sentido da insubsistência do que fora erradamente determinado; o seu julgamento não incide, neste caso, sobre a suficiência ou a insuficiência dos factos apurados, sendo antes perspectivada na óptica do controlo da legalidade do uso, pela Relação, dos poderes conferidos por aquele artigo.<br> Esta ilegalidade pode consistir em a Relação determinar a anulação de parte não viciada do julgamento - caso em que será possível ao STJ, julgando de direito, conhecer dessa violação de lei processual e reduzir a anulação ao seu âmbito correcto,<br> Mas, se a Relação assinala deficiências, obscuridades ou contradições a diversos pontos de facto, o STJ poderá apreciar se os vícios apontados estão correctamente qualificados; mas, sendo este o caso, já não poderá dizer que os mesmos não existem, pois, ao fazê-lo, estaria a julgar matéria de facto fora dos casos excepcionais, previstos nos arts. 722°, n° 2 e 729°, n° 3, em que tal lhe é consentido,<br> E a ampliação, eventualmente ordenada pela Relação, para que seja averiguada matéria de facto necessária para a decisão não integra juízos de direito, pelo que o ST J não pode discuti-la.<br> Então, vejamos o que se passa no caso concreto em análise.<br> I - Da resposta ao quesito 38º:<br> Esclarece-se, desde já, que não está em causa o que o acórdão recorrido decidiu quanto às respostas aos quesitos 37° e 45°, pois a recorrente não critica estes pontos nas conclusões das suas alegações; e é entendimento constantemente reafirmado aquele segundo o qual o tribunal "ad quem" só tem que tratar das questões que nessas conclusões hajam sido focadas, ressalvada a existência, aqui não verificada, de outras questões de conhecimento oficioso.<br> <br> Este quesito 38° teve a resposta de "não provado"<br> Costuma dizer-se que, perante uma resposta deste teor, tudo se passa como se o quesito não tivesse sido formulado, não podendo, designadamente, alguma vez partir-se dessa ausência de prova para a conclusão no sentido de estar provado o seu contrário.<br> Daí que se não veja como pode de uma tal resposta resultar uma contradição entre factos, já que por ela não foi consagrado qualquer facto que possa colidir com outro.<br> Isto mesmo, aliás, se reconhece no acórdão recorrido.<br> Porém, da não consagração, que esse "não provado" evidenciou, de um tempo de impossibilidade para o trabalho sofrido pela recorrida teria resultado, não obstante e no entender do acórdão recorrido, a contradição e a obscuridade de que atrás se deu conta. Mas há aqui, com o devido respeito, um erro de análise.<br> O acórdão recorrido entendeu que, tendo o CRSS pago subsídio de doença à recorrida, estando esta ainda sem conseguir dobrar a perna ao nível do joelho, tendo-lhe sido reconhecida em perícia médica unânime uma incapacidade para o trabalho avaliada em 15% e sabendo-se que à data do acidente ela trabalhava - o que fora aceite na contestação pela ora recorrente e estava comprovado por documento, não impugnado, emitido pela entidade patronal -, não era aceitável que, com recurso aos documentos existentes nos autos conjugados com os depoimentos das testemunhas, se não tivesse reconhecido a existência de tempo de impossibilidade para o trabalho nem que se não tivesse dado como apurado o que a recorrida ganhava à data do acidente.<br> A Relação invocou, embora sem especificar, os poderes conferidos pelo art. 712°. <br> Como a sentença da 1ª instância foi proferida em 15/7/98, ao recurso de apelação foi já aplicável o disposto neste artigo tal como ficou configurado na sequência da recente reforma processual de 1995/96- cfr. art. 25°, n° 1 do DL n° 329-A/95, de 12/12, na redacção dada pelo DL n° 180/96, de 25/9.<br> O seu n° 4 permite à Relação anular a decisão proferida na 1 instância se houver pontos da matéria de facto respondidos de forma deficiente, obscura ou contraditória ou se for indispensável proceder à sua ampliação.<br> É necessário apurar conceitos.<br> O conteúdo daquelas três hipóteses é fácil de determinar, sendo uniformes as opiniões da doutrina a este respeito - cfr. AIberto dos Reis, Código de Processo Civil - Anotado, Vol. IV, pg. 553 e Antunes Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 24 edição, pg. 656.<br> As respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente; há uma inconciliabilidade que implica a necessidade de derrogar, no todo ou em parte, alguma delas, ou ambas.<br> São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança; o seu sentido será, nesse caso, equívoco e incerto.<br> São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo o que foi quesitado; há, então, factos que, tendo sido objecto de algum quesito, se não acham incluídos no âmbito dos factos dados como provados nem dos factos não provados.<br> A resposta ao quesito 38° não foi de molde a poder gerar qualquer contradição ou obscuridade, face às noções que ficaram explanadas, .sendo que no acórdão recorrido tais vícios vêm caracterizados em termos não consonantes com tais noções - constatação esta que é matéria de direito.<br> Subjacente ao raciocínio feito no acórdão recorrido está, ao que parece, a ideia de que as lesões sofridas pela recorrida não poderiam ter deixado de dar causa a um qualquer período de impossibilidade para o trabalho.<br> Mas, se assim é, outro enquadramento deve ser feito.<br> Ou a Relação, em futura pronúncia sobre o mérito da causa, entende que tal período de impossibilidade para o trabalho é um facto notório, por isso não necessitando de prova - cfr. art. 513° - e não estando prejudicado por aquela resposta negativa; ou o não entende, e haverá que aceitar aquela resposta, enquanto dada na sequência de um poder de livre apreciação da prova - cfr. art. 655°.<br> Não estando, pois, esta resposta ao quesito 38° viciada de contradição ou obscuridade, não podem estes vícios ser invocados para superar o que se percebe, perfeitamente, ter sido sentido pela Relação: ter havido na I" instância uma errada apreciação da prova produzida ou um não aproveitamento de algo que houvesse sido apurado e susceptível de conduzir a uma resposta limitativa, e não pura e simplesmente negativa.<br> Mas, se tal erro ocorreu, está coberto por aquele princípio, conjugado com a impossibilidade de reapreciação dessa matéria, visto se não estar perante qualquer das hipóteses configuradas no n° 1 do art. 712°.<br> Assim, e nesta vertente, o recurso é de conhecer e procede.<br> II- Quanto à ampliação da matéria de facto:<br> A recorrente defende que os autos contêm, já, todos os elementos necessários para que a indemnização dos danos patrimoniais futuros seja imediatamente fixada.<br> O acórdão recorrido entendeu que não.<br> Como ficou dito acima, este é um aspecto que o STJ não pode discutir, tendo que ser acatada neste ponto a decisão recorrida.<br> <br> Por tudo o que fica exposto, concede-se em parte a revista e revoga-se o acórdão recorrido na parte em que anulou o julgamento de facto da 1 a instância para ser novamente julgada a matéria do quesito 38º, confirmando-se no restante.<br> Custas por ambas as partes na proporção de metade, sem prejuízo do apoio judiciário de que a recorrida goza.<br> Lisboa, 8 de Fevereiro de 2000.<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> 1. A apelou da sentença proferida na acção em que foi demandada por B, recurso que subiu ao Tribunal da Relação do Porto.<br> Distribuído o processo, o Excelentíssimo Relator, no exame preliminar a que se reporta o n. 1 do artigo 701 do Código de Processo Civil, consignou que nada parecia obstar ao conhecimento do recurso, após o que os Excelentíssimos Adjuntos apuseram o seu visto.<br> 2. Por Acórdão de 8 de Junho de 1999, o recurso foi julgado deserto, "por falta de tempestiva alegação", com estes sintetizados fundamentos:<br> "Na altura em que o relator se apresentava para elaborar o projecto de acórdão, veio ele a constatar que a alegação da apelante foi apresentada fora do respectivo prazo".<br> "O prazo para alegar" esgotou-se "no dia 29 de Janeiro de 1999", "que coincidiu com uma sexta-feira".<br> "A apelante só apresentou, porém, a sua alegação no dia 3 de Fevereiro de 1999".<br> "Decorre do exposto que a alegação só deu entrada em juízo no 5. dia posterior ao termo do prazo respectivo, pelo que ficou afastada a hipótese de a apelante poder beneficiar do disposto no artigo 145 ns. 5 e 6 do Código de Processo Civil, o que aliás, ela não requereu".<br> 3. Inconformada com tal Acórdão, A Limitada agravou para este Supremo Tribunal, pugnando pela sua revogação, tendo sustentado, resumidamente:<br> I - A alegação foi apresentada no dia 3 de Fevereiro de 1999, correspondente ao 3. dia útil subsequente ao termo do prazo.<br> II - Praticado esse acto sem ter sido paga imediatamente a multa a que alude o n. 5 do artigo 145 do Código de Processo Civil, a ora Agravante devia ter sido notificada para efectuar o pagamento da "multa acrescida", nos termos do n. 6 do mesmo artigo, o que até agora não se fez.<br> 4. Não houve contra-alegação.<br> <br> Foram colhidos os vistos.<br> 5. O Acórdão recorrido não pode subsistir, como se justificará, de seguida.<br> Vejamos.<br> Independentemente de justo impedimento, o acto pode ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo. Os prazos peremptórios têm, pois, o seu último dia diferido para o primeiro, segundo ou terceiro dias úteis posteriores àquele que resulta da respectiva marcação pela lei ou fixação pelo juiz, verificado o condicionalismo prescrito nos ns. 5 e 6 do artigo 145 do Código de Processo Civil (sobre a evolução deste artigo 145, desde 1961 - passando pelas alterações nele introduzidas pelos Decreto-Lei n. 323/70, de 11 de Julho, n. 242/85, de 9 de Julho, e n. 92/88, de 17 de Março - até à sua actual redacção, ver J. Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil - Anotado", volume I, 1999, páginas 253/255).<br> 6. Na situação ajuizada, o prazo legal para a apresentação das alegações - ninguém discute - terminou em 29 de Janeiro de 1999, foi numa sexta-feira.<br> As alegações, todavia, só foram apresentadas em 3 de Fevereiro de 1999, que coincidiu com uma quarta-feira - o que todos aceitam.<br> Logo, é indubitável que o "acto" foi praticado no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo para alegar.<br> Com efeito, tendo o dia 30 de Janeiro de 1999 caído num sábado e o dia 31 de Janeiro de 1999 num domingo, o primeiro dia útil posterior a 29 de Janeiro de 1999 foi 1 de Fevereiro de 1999 (segunda-feira), o segundo dia útil foi 2 de Fevereiro de 1999 (terça-feira) e o terceiro dia útil foi 3 de Fevereiro de 1999 (quarta-feira).<br> 7. A validade do acto, no entanto, ficou dependente do "pagamento imediato de uma multa" de montante igual a metade da taxa de justiça devida a final, mas nunca superior a 5 UC (artigo 145 n. 5).<br> Simplesmente, não tendo sido paga de imediato tal multa, a Agravante (então Apelante) deveria ter sido notificada - logo que verificada a falta - para pagar multa de montante igual à taxa de justiça devida a final (correspondente, pois ao "dobro" da primitiva multa), mas nunca excedente a 10 UC -, "sob pena de se considerar perdido o direito de praticar" (n. 6 desse preceito). Sem prejuízo, porém - acentue-se -, do eventual funcionamento do mecanismo previsto no n. 7 do mesmo normativo.<br> Se a falta de pagamento imediato da multa referida no n. 5 tivesse sido verificada pela secretaria, era esta que deveria, oficiosamente - "independentemente de despacho", diz a lei notificar a Agravante para pagar "multa de montante igual ao dobro" daquela que deixou de ser paga.<br> Todavia, como a secretaria não se terá apercebido da falta, incumbia, então, ao Excelentíssimo Desembargador-Relator, ao detectá-la, ordenar à secretaria que procedesse à liquidação da multa devida é à notificação da Agravante para proceder ao respectivo pagamento.<br> Ora, a verdade é que Agravante nunca foi notificada para pagar essa multa, como o impunha o n. 6.<br> Daí que não pudesse ter sido julgado deserto, sem mais, o recurso de apelação, com fundamento na intempestiva apresentação das alegações.<br> 8. De realçar, entretanto, que, ao invés do preconizado no Acórdão recorrido, a aplicabilidade do disposto nos ns. 5 e 6 do artigo 145 não se encontra subordinada à existência de requerimento do interessado.<br> Mesmo que este não formule o pedido de pagamento imediato da multa, há sempre que colocar em movimento, ex officio, os mecanismos contemplados nesses dispositivos, até porque a lei não exige a apresentação de qualquer requerimento (cfr., neste sentido, expressamente, Abrantes Geraldes, "Temas Judiciários", I volume, 1998, página 353; ver, ainda, J. Lebre de Freitas, ob. cit., e Jacinto Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", volume I, 3. edição, 1999, páginas 213/215, Autores estes que não fazem qualquer alusão à necessidade de requerimento).<br> De modo diferente, diga-se, se passam as coisas quanto ao justo impedimento, em que sempre se exigiu a apresentação de requerimento com o imediato oferecimento da pertinente prova (artigo 146 n. 2 do Código de Processo Civil).<br> Curiosamente, contudo, mesmo neste campo, com o propósito de amortecer a rigidez de tal regra, o n. 3 deste preceito, aditado pelo artigo 1 do Decreto-Lei n. 125/98, de 12 de Maio, veio prescrever que, nos casos nele contemplados, o próprio justo impedimento é de conhecimento oficioso.<br> 9. Pelo exposto, tornando-se desnecessárias quaisquer outras considerações - atenta a singeleza da situação -, revoga-se o Acórdão impugnado e determina-se:<br> - que o Excelentíssimo Desembargador - Relator ordene a notificação da Agravante para pagar a respectiva multa - por ter apresentado a alegação de recurso no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo marcado por lei, sem ter procedido ao pagamento imediato da multa devida, então -, nos termos e sob a cominação referida no n. 6 do artigo 145 do Código de Processo Civil;<br> - e que, efectuado, porventura, o pagamento do que for devido, o Tribunal da Relação, se possível pelos mesmos Excelentíssimos Desembargadores, conheça do objecto da apelação (artigo 762 n. 2 do mesmo Código).<br> Sem custas (artigo 2 n. 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais).<br> <br> Lisboa, 9 de Dezembro de 1999<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça,<br> Fernandes Magalhães (dispensei o visto).<br> <br> 6. Juízo Cível do Porto - P. 727/95 - 2. Secção.<br> Tribunal da Relação do Porto - P. 613/99 - 2. Secção</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.<br> <br> A e sua mulher B, intentaram, no Tribunal Civil da Comarca de Lisboa, a cujo 16 Juízo foi distribuída, esta acção declarativa com processo sumário contra C e seu cônjuge, D, com vista à denuncia do contrato de arrendamento, para habitação, do quinto andar direito do prédio, urbano sito na Travessa..., freguesia de Alcântara, em Lisboa, alegando serem proprietários desse prédio, onde residem nos 6 e 7 andares, e que o arrendamento em causa, celebrado pela anterior usufrutuária do imóvel e que subsistiu após o seu decesso, é susceptível de denúncia, nos termos do artigo 69, n. 1, alínea a) do Decreto-Lei n. 321- B/90, de 15 de Outubro.<br> Mais alegam que necessitam do locado para habitação do seu filho E, que precisa da casa para nela instalar o lar que pretende constituir, esclarecendo que são proprietários do arrendado há mais de cinco anos, e não têm, há mais de um ano, em todo o país, casa própria ou arrendada que satisfaça as necessidades de habitação desse seu filho, que com eles, até agora, tem vivido.<br> Pedem, em consequência, que se decrete o despejo a partir da próxima renovação do contrato (30 de Abril de 1992), mediante a indemnização prevista no artigo 72, n. 1 do Regulamento do Arrendamento Urbano.<br> Os Réus contestaram, arguindo a falsidade do documento que titula o contrato, protestando que se escreveu que o arrendamento "começa no dia 1 de Maio de 1971", quando, na verdade, teve inicio em 1 de Maio de 1970, e se diz também que o escrito foi assinado em 1 de Abril de 1971, quando o certo é que isso ocorreu em 1970 - factos esses essenciais e com repercussões no resultado da acção, pois, iniciando-se o contrato ajuizado em 1 de Maio de 1970, e não de 1971, como pretendem os demandantes, passa a haver um arrendamento mais recente, o do quinto andar esquerdo, iniciado em Novembro de 1970.<br> Mais aduzem em sua defesa que a necessidade invocada pelos autores, não é real nem iminente, pelo que não pode servir de base à denuncia do contrato; aliás, em seu entender, a casa dos demandantes, instalada nos 6 e 7 andares, interligados, com muitas assoalhadas e duas cozinhas, chega bem para albergar o seu filho, mesmo que este venha a casar.<br> Prevenindo a sua sucumbência, formulam o pedido reconvencional de condenação dos autores no pagamento da quantia de 1600000 escudos, alegado montante de benfeitorias necessárias que, pretensamente, fizeram no andar, e na indemnização de 500000 escudos, por danos não patrimoniais, como litigantes de má fé.<br> Na resposta, os demandantes negam a falsidade do documento que titula o contrato de arrendamento e impugnam a factualidade integradora da reconvenção.<br> Atento o valor da reconvenção, foi ordenado que a acção passasse a seguir a forma do processo ordinário.<br> Findos os articulados, foi prolatado o despacho saneador, onde, após se terem apreciado os pressupostos processuais, se conheceu do mérito.<br> Considerando que a prova documental produzida, designadamente os recibos de rendas passados pela anterior senhoria, apontava no sentido de o contrato em causa ter tido o seu inicio em 1970, sendo, consequente falso o documento de folha 12, e ponderando que o quinto andar esquerdo tem a mesma composição que o quinto andar direito, objecto da lide, mas com arrendamento mais recente, e, ainda, que a largueza da casa dos autores permite a seu filho instalar nela o seu eventual e futuro lar, julgou improcedente a acção e condenou os demandantes, como litigantes de má fé, na multa de 100000 escudos, e na indemnização de 200000 escudos, aos demandados.<br> Apelaram os autores, mas o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso e confirmou a decisão da primeira instância.<br> Inconformados, pedem revista.<br> Concluem na sua alegação:<br> 1- Dos autos não resulta provado que o contrato de arrendamento é falso.<br> 2- Os recibos de renda relativos aos meses de Maio de 1970 a Agosto de 1971 foram assinados pela usufrutuária - locadora F, que os manteve em seu poder, não tendo tido os autores nenhuma intervenção na sua emissão.<br> 3- À data da celebração do contrato de arrendamento, 1 de Abril de 1971, também assinado pela usufrutuária, não tinham os autores conhecimento daqueles recibos.<br> 4- Da existência dos recibos de renda assinados pela usufrutuária desde Maio de 1970 e do contrato de arrendamento celebrado em 1 de Abril de 1971 entre a usufrutuária e o Réu inquilino, relativos ao mesmo andar, apenas se pode inferir que o arrendamento teve o seu inicio em Maio de 1970.<br> 5- Mas não pode concluir-se com segurança que o contrato de arrendamento é falso.<br> 6- O contrato de arrendamento que os Réus não juntaram aos autos quando por despacho de folha 66 verso foram convidados a fazê-lo, juntaram-no os recorrentes com a minuta da apelação.<br> 7- O referido contrato de arrendamento foi celebrado entre a usufrutuária F e o Réu C, datado de 1 de Abril de 1971, com inicio em 1 de Maio de 1971 e entregue na Repartição de Finanças em 26 de Maio de 1971, como se vê do carimbo aposto.<br> 8- Não pode, pois, duvidar-se que o contrato de arrendamento foi celebrado no dia 1 de Abril de 1971, com inicio no dia 1 de Maio de 1971.<br> 9- Não é pois falso o mencionado contrato de arrendamento.<br> 10- No mesmo sentido a declaração de voto do acórdão recorrido, quando se escreve: "Entendo que o problema é de impugnação da veracidade e não de falsidade do documento".<br> 11- Os recorrentes sempre actuaram de boa fé.<br> 12- Aceitaram como verdadeiros os recibos de folhas 71- 80 e, por isso, aceitaram como certo o inicio do arrendamento da casa dos autos em 1 de Maio de 1970.<br> 13- Por isso, as decisões impugnadas pelos recorrentes são o incidente de falsidade e a condenação em litigância de má fé.<br> 14- Entendem os recorrentes que não litigaram com má fé.<br> 15- Articularam factos honestamente convencidos da razão e da verdade dos mesmos.<br> 16- Os recorrentes defenderam a sua posição com a consciência de que tinham razão.<br> 17- Por ter confirmado a sentença recorrida e condenado os recorrentes como litigantes de má fé o acórdão recorrido violou as disposições legais dos artigos 365 e 456 do Código de Processo Civil, pelo que deve revogar-se na parte em que julgou procedente o incidente de falsidade e condenou os recorrentes em multa e indemnização como litigantes de má fé.<br> "Ex aderso", e em contra alegação, sustenta-se que as decisões recorridas fizeram uma correcta apreciação da matéria de facto e uma acertada aplicação da lei, merecendo o acórdão da Relação ser confirmado.<br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar.<br> As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto.<br> Os autores são proprietários do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Travessa..., estando a aquisição desse prédio, registada a favor dos demandantes desde 15 de Março de 1966.<br> Por contrato que teve inicio, pelo menos, no dia 1 de Maio de 1970, a então usufrutuária do prédio, F, deu de arrendamento ao Réu marido o 5 andar direito desse prédio, pelo prazo de seis meses, renovável por iguais períodos de tempo, para habitação do inquilino, pela renda de 2300 escudos, actualmente de 7280 escudos, mensais.<br> Falecida a usufrutuária, a 24 de Junho de 1972, subsistiu o contrato de arrendamento, sem oposição dos demandantes.<br> Encontram-se dadas de arrendamento várias fracções autónomas daquele prédio, entre as quais figura o quinto andar esquerdo, dado de arrendamento em 2 de Novembro de 1970.<br> Os autores vivem no 6 e 7 andares do prédio, os quais se encontram interligados.<br> Os demandantes tem um filho, E, nascido a 20 de Julho de 1968, que vive com eles.<br> Para além das fracções autónomas do dito prédio (exceptuadas as correspondentes ao rés do chão direito e primeiro andar direito, vendidas no ano de 1987), os autores não tem, há mais de um ano, em todo o país, casa própria ou arrendada que satisfaça as necessidades de habitação daquele seu filho.<br> O Réu pagou as rendas referentes aos meses de Maio de 1970 e seguintes do andar em causa.<br> Em 29 de Abril de 1970 o demandado contactou com a então Companhia das Águas de Lisboa e com as Companhias Reunidas de Gás e Electricidade, respectivamente, os fornecimentos de gás, digo, os fornecimentos de água e de electricidade para o andar ajuizado.<br> O documento é a expressão gráfica de uma realidade.<br> Se ele for produzido com o propósito de desfigurar a realidade que , em principio, se destina a reproduzir, o documento é falso, ou porque supõe a efectivação de uma ocorrência que se não deu, ou porque, referindo-se embora a um facto sucedido, altera a verdade dele, pela modificação consciente de alguns dos seus elementos.<br> Atendida a factualidade apurada pelas instâncias, o documento de folhas 117/118, que titula o contrato de arrendamento, é um documento falso, materialmente falso.<br> São bem visíveis as rasuras de que foi objecto nas partes em que refere o ano de "1971".<br> A autoria da falsificação e o elemento subjectivo que a determinou, e que a diferenciariam da mera infidelidade, constituem matéria de facto que escapa à cognição deste Supremo Tribunal, que é um Tribunal de Revista (artigo 29 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e artigo 722 do Código de Processo Civil.<br> Tem-se pois, por assente que a viciação do documento é imputável aos recorrentes, tal como decidiram as instâncias.<br> O artigo 365 do Código de Processo Civil estabeleceu uma presunção de litigância dolosa de má fé em relação à parte que fizer uso de documento que venha a ser reconhecido como falso.<br> Esta presunção é "juris tantum"; cede perante a manifesta boa fé da parte que fez uso do documento falso.<br> É que, como nota Rodrigues Bastos (in "Notas ao Código de Processo Civil", volume II, segunda edição, página 191), o que está na base da presunção é o aproveitamento consciente da falsidade.<br> Os recorrentes não ilidiram a presunção, pese, embora, a cópia de argumentos de que se serviram na sua alegação.<br> Pelo contrário, os autos indicam que violaram os deveres de probidade que a lei expressamente lhes impõe (artigo 264, n. 2, do Compêndio Adjectivo), atentando consciente e malevolamente contra a verdade.<br> Agiram com má fé material e instrumental.<br> E reiteraram, contumazmente, a sua reprovável conduta trazendo o pleito até este Alto Pretório.<br> Improcedem, assim, as conclusões da alegação dos recorrentes, não se mostrando violada qualquer norma jurídica.<br> Termos em que deliberam negar a revista e condenar os demandantes na multa de 20 u.c. e na indemnização de 150000 escudos, aos recorridos, nela se incluindo os honorários do seu Excelentíssimo Advogado.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 21 de Abril de 1994.<br> Faria de Sousa.<br> Ferreira da Silva.<br> Sousa Macedo.<br> Sentença de 15 de Setembro de 1992 do 6 juízo Cível - 2 Secção, Lisboa;<br> Acórdão de 1 de Julho de 1993 da Relação de Lisboa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I. A, peticionou esta acção declarativa ordinária, pelo Tribunal de Círculo de Penafiel, contra B.<br> Invocando, basicamente, que tal fora adquirido com dinheiro próprio, o autor pediu a declaração de que o estabelecimento denominado "Restaurante ...", em Marco de Canaveses, é bem próprio do autor, não fazendo parte dos bens comuns do casal que existiu entre o autor e a ré (folhas 2 e seguintes).<br> A ré contestou (folhas 16 e seguintes).<br> A folhas 76 e seguintes, foi proferida sentença, julgando a acção procedente.<br> A ré apelou (folhas 84).<br> A Relação do Porto emitiu o Acórdão de folhas 113 e seguintes, revogando a sentença e julgando a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido.<br> Foi a vez de o autor ficar inconformado, recorrendo, de revista, para este Supremo (folhas 121). E, alegando, concluiu (folhas 133 e seguintes):<br> 1) Não estando em causa interesse de terceiros mas, apenas dos cônjuges, nada impede que a subrogação seja provada por qualquer meio;<br> 2) O preço do trespasse do estabelecimento foi, totalmente, pago pelo autor, com dinheiro próprio dele, ainda no estado de solteiro;<br> 3) A aquisição do referido estabelecimento, pelo autor, já no estado de casado, resultou de direito próprio anterior, decorrente do acordo de trespasse e do respectivo pagamento;<br> 4) O douto Acórdão em recurso violou os artigos 1722 n. 1 alínea c) e 1723 n. 1 alínea c) do Código Civil, pelo que deve ser revogado, julgando-se a acção procedente.<br> A recorrida contra-alegou, defendendo o não provimento do acórdão recorrido (folhas 135 e seguintes).<br> Foram colhidos os vistos legais (folhas 137/137 v.).<br> II. O Acórdão recorrido descreveu o que se assentara na<br> 1. instância (folhas 113 v.):<br> A) Autor e ré contrairam, entre si, casamento em 15 de Agosto de 1981, sob o regime supletivo de comunhão de adquiridos;<br> B) O casamento foi dissolvido, por divórcio, por sentença do T.J. de Vila Verde de 23 de Maio de 1989, já tansitada em julgado;<br> C) Por escritura pública exarada a folhas 74 do livro 114-B do Cartório Notarial de Marco de Canaveses, em 10 de Novembro de 1981, já no estado de casado, o autor declarou tomar de trespasse, a C e, marido, D, um estabelecimento comercial de casa de pasto-confeitaria instalado no prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia de Fornos, Marco de Canaveses, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 384, com todo o seu activo, mas livre de qualquer passivo e que, tendo já antes recebido, os trespassantes, do comprador, o seu preço, dão como efectuado o trespasse do estabelecimento, considerado como universalidade ou unidade económica, com as suas instalações, local, demais direitos e licenças, móveis, utensílios e outros elementos que o integram;<br> D) O estabelecimento referido foi adquirido com dinheiro próprio que o autor tinha já antes do casamento e que angariou como imigrante na Austrália;<br> E) O preço de trespasse foi, totalmente, pago pelo autor, em Julho de 1981.<br> Ao entrar no exame jurídico-crítico da causa, o Acórdão recorrido disse, ainda (folhas 114 v.):<br> "Por documentado nos autos, está irrefutavelmente assente e ter-se-à de considerar provado que<br> - o autor A casou com a ré B, em 15 de Agosto de 1981, tinham eles, respectivamente, 29 e 16 anos de idade;<br> - o seu casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 23 de Maio de 1989; transitada em julgado em 5 de Junho de 1989, do Tribunal de Vila Verde;<br> - em 10 de Novembro de 1981, no Cartório Notarial de Marco de Canaveses, o Autor A, casado no regime de comunhão de adquiridos com a ré B, adquiriu, em escritura pública e por trespasse o estabelecimento comercial de casa de pasto e confeitaria, instalado no prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o n. 384 da freguesia de Fornos, Marco de Canaveses, com todo o seu activo, mas livre de qualquer passivo, tendo, no acto, os trespassantes C e marido D dito que tinham já recebido do comprador o preço convencionado de 300000 escudos, abrangendo o trespasse do estabelecimento ou universalidade ou unidade económica, com as suas instalações, local, demais direitos e licenças, móveis, utensílios e outros elementos que o integram".<br> Do contexto do Acórdão recorrido resulta, muito claramente, que não se considerou, facticamente, não evidenciado que a aquisição fora feita com dinheiro próprio que o autor angariara, fora de Portugal, antes do casamento.<br> O que se considerou foi que esse circunstancialismo era irrelevante por não ter reflexo na escritura de trespasse, tendo inclusive extrapolado, a partir das idades dos esposados, que o autor bem poderia ter querido beneficiar a sua jovem esposa.<br> Ou seja e no que mais interessa, o Acórdão recorrido acabou por colocar a questão, num plano jurídico de interpretação da normatividade aplicável, maxime a partir do que consta e do que não consta da escritura de trespasse, já que, ainda que o dinheiro da aquisição fosse, como se provou, só do autor, a tal não reportava a aludida escritura. Daí que, entendeu a 2. instância, o autor agiu de forma a atribuir-se, ao seu comportamento, a inserção do estabelecimento, juridicamente, no acervo de bens comuns.<br> Será assim?<br> III. Este é dos tais casos em que mais gritantemente se põem em confronto dois tipos possíveis de orientação jurídica, mormente ao nível do concreto, do jurisprudencial: uma orientação mais formalista, literalista, conceptualista; e outra, virada para os interesses e valores, para as realidades, perspectiva mais difícil mas mais aliciante, mais verdadeira e que reflecte um Tribunal não servo da letra da lei e, sim, vivenciador da conexão da lei com a vida.<br> Ninguém mais do que nós, Juízes, é respeitador da lei.<br> Mas respeitar a lei é algo que não pode confundir-se com simples leitura. Ler é uma coisa; interpretar e, mais do isso, aplicar é outra.<br> Outrossim, o pensamento do legislador é respeitável e importante. Mas pensamento do legislador é uma coisa, pensamento legislativo é outra; mormente quando é a própria lei a determinar-nos que não nos cinjamos à sua letra, ponderado um mínimo de correspondência verbal; que compaginemos a unidade do sistema jurídico, que revelemos aquilo a que os Profs. P. Lima e A. Varela chamaram a "nota vincadamente actualista do artigo 9 do Código Civil" ("Anotado" - I, 4. edição, 58); e, acima de tudo, presumindo que a lei consagrou soluções adequadas, e não o seriam se fossem contrárias à verdade - que cumpre respeitar, para que os Tribunais sejam respeitados (tudo isto decorre do referido artigo 9 do Código Civil).<br> Por outro lado e com todo o respeito, é hábito salutar conhecer a Doutrina, ponderá-la e citá-la. Mas pensamos que a Jurisprudência, como acontece noutros Países, mormente dos Tribunais superiores, deve ser também ela própria motor de análise e de extracção das potencialidades das leis, até porque o que mais vem ao caso não é o estudo académico mas, sim, a consideração de situações concretas para as quais consta a análise da vida como ela é e não tanto a abstracção doutrinal.<br> IV. O que está em causa é uma situação concreta de um regime de bens próprios de um casamento que já nem existe, e que era o da comunhão de adquiridos.<br> Ainda que tal aconteça um pouco pela generalidade dos regimes de bens, este é, assumidamente, virado para a distinção entre bens próprios e bens comuns, em homenagem<br> à verdade das suas origens, para que o casamento não seja negócio. Daí que, hoje, desde o Código Civil de 1996, seja o regime desejado pela lei constituída (v.g. Prof.<br> Pereira Coelho, "Direito Matrimonial", tomo 2, páginas 119 e seguintes, ano de 1969).<br> É esta a linha de força que deve orientar o intérprete-aplicador da lei. Tal tem especial reflexo nos artigos 1722 e 1723 do Código Civil, contrastando com a limitação residual dos bens comuns reflectida, designadamente, no artigo 1724 do mesmo código.<br> V. Entre os princípios nucleares, está a potencialidade do que, entre o mais, se sintetiza no artigo 1722 n. 1 alínea c) do Código Civil:<br> "1. São considerados próprios dos cônjuges: a) ... b) ... c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.<br> 2. ... a) ... b) ... c) ... d) ...".<br> E, como é patente, o n. 2, na sua extensão, é meramente exemplificativo de situações derivadas de direito próprio anterior.<br> A "ratio legis" torna-se clara: aquilo que era próprio antes do casamento, deve continuar a sê-lo.<br> E, para que tal desiderato não seja uma simples "boa intenção" subvertida pelas realidades da vida, o que já era próprio deve tansmitir essa qualidade ao que aparecer em seu lugar. Este é um resultado da verdade substancial, em desfavor das simples sombras ou aparências.<br> E é assim que o artigo 1723 do Código Civil tem de ser aplicado em sintonia, tanto quanto possível, com os princípios básicos deste instituto.<br> Daí resulta que, harmónica e razoavelmente, a subrogação real directa ou indirecta, relativamente a bens que eram próprios, deve ter como resultado os bens substitutos dos próprios, próprios devem ser.<br> Ou, então, a lógica, de lógica só tem o nome.<br> VI. Mas, diz-se, e há quem o diga com o peso da sabedoria, para a alínea c) do artigo 1723 do Código Civil, nem sempre assim é:<br> "Conservam a qualidade de bens próprios: a) ... b) ... c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionado no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges".<br> Claro que, literalmente, como este condicionalismo formal não foi cumprido, é simples e tem base literal a conclusão de que o bem adquirido, na circunstância um estabelecimento, três meses após o casamento (que já não existe) passou a ser comum.<br> Mas, não tem de ser sempre assim.<br> Ainda se pode encontrar uma justificação que explique o literalismo daquela norma quando o interesse em causa seja de terceira pessoa e não o do cônjuge não titular do bem subrogado em ficar titular do subrogante, apesar de o regime de bens não ser o de comunhão geral. É que não pode fazer-se entrar pela janela o que não pode entrar pela porta, indo, em verdade, subverter o regime de bens<br> - curiosamente tese admitida, o que se respeita, por ilustres jurista defensores da imutabilidade dos regimes de bens.<br> Em homenagem à verdade, continua a ser mais razoável a tese do tratadista Cunha Gonçalves ("Tratado de Direito Civil", VI, 520), perante textos legais não literalmente iguais aos actuais, mas levantando idênticos problemas v.g. (artigo 1131 - único do Código Civil de 1867).<br> VII. Em rigor, há uma regra de base na alínea c) do artigo 1723 do Código Civil vigente. Mas essa tem de ser aplicada à luz dos princípios nucleares em que se integra e, decisivamente, do que são presunções legais.<br> Lê-se no artigo 350 n. 2 do mesmo Código Civil:<br> "1. ...<br> 2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova do contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir".<br> Ora, sendo praticamente pacífico o entendimento segundo o qual a alínea c) daquele artigo 1723 significa uma presunção legal, trata-se de presunção "juris et de jure" ou "tantum juris"?<br> Designadamente estando em discussão interesse exclusivamente de cônjuge não adquirente, não se antolha proibição legal sobre prova do contrário a efectuar pelo outro cônjuge, naturalmente abrangendo "a origem, o emprego ou reemprego de fundos próprios", conforme já propugnou Cunha Gonçalves (local citado).<br> E esse ónus de prova foi cumprido pelo autor. Este logrou que ficasse provado que havia adquirido o questionado estabelecimento com dinheiro próprio que, antes do casamento, adquirira na longínqua Austrália.<br> Repete-se, aliás, que a 2. instância nem alterou esse factor emergente da prova. Toda a sua tese arranca, sim, juridicamente, da considerada inocuidade desse elemento, perante o silêncio documental.<br> Mas, pelo que já deixámos dito se infere que, embora podendo remar contra a maré douta, não alinhamos nesse entendimento.<br> Antes concordamos com a tese reflectida em sumário de Acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Fevereiro de 1974, em B.M.J. 234, 336.<br> Depois e conquanto o estabelecimento não lhe pertencesse, pode ter acontecido - embora isso não esteja provado - que a recorrida tenha concorrido para o respectivo melhoramento. Se tal tiver acontecido, isso não está, aqui e agora, em causa; e, eventualmente, poderá conferir-lhe algum direito, mas nunca o de propriedade nos termos e para efeitos do actual "thema decidendum".<br> VIII. Resumindo, para concluir:<br> 1. O regime de comunhão de adquiridos parte da clara diferença entre bens próprios e bens comuns, procurando evitar que um casamento se transforme em negócio (artigo 1717 do Código Civil; Prof. A. Varela, "Direito da Família", 2. edição, 432).<br> 2. É a esta luz que o respectivo regime deve ser entendido e aplicado.<br> 3. Como assim e atento, designadamente, o disposto nos artigos 9 e 350 n. 2 do Código Civil, estando em causa, meramente, interesses dos cônjuges, nada impõe a inilidibilidade da 2. parte da alínea c) do artigo 1723 do Código Civil, sendo lícito que o cônjuge adquirente cumpra o seu ónus de prova de utilização de dinheiro ou valores próprios por outros meios que não, apenas, os aí referidos.<br> IX. Donde, concluindo:<br> Ressalvando o devido respeito pelo entendimento em contrário, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, para que subsista a sentença de procedência da acção.<br> Custas pela recorrida.<br> Lisboa, 24 de Setembro de 1996.<br> Cardona Ferreira.<br> Herculano Lima.<br> Oliveira Branquinho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No Tribunal de Circulo de Chaves, a sociedade espanhola<br> "Frigsa, S.A." intentou acção ordinária contra A, B e C, pedindo a condenação dos réus no pagamento de 19076419 pesetas espanholas acrescido de juros vincendos sobre<br> 18391160 pesetas à taxa de 10 por cento , com os fundamentos constantes da petição.<br> Citados os réus, só o A contestou.<br> A autora replicou ampliando o pedido para 30189360 pesetas e juros vincendos, triplicando o réu.<br> Foi dado o saneador e organizados a especificação e questionário.<br> Posteriormente a autora reduziu o seu pedido.<br> Foi designado dia para o julgamento mas a audiência foi adiada, por falta dos mandatários das partes, sendo designado novo dia - 9 de Março de 1992.<br> Em 6 de Março de 1992 o mandatário do réu apresentou um requerimento em que renunciava ao mandato por aquele conferido.<br> Nesse mesmo dia foi dado despacho, ordenando a notificação do mandante e da parte contrária da referida renuncia, notificação essa não efectuada até ao dia designado para a audiência.<br> No dia referido- 9 de Março de 1992 - estavam presentes as pessoas convocadas com excepção do advogado do réu e testemunhas deste que eram a apresentar.<br> O Senhor Juiz Presidente, não obstante a falta do mandatário renunciante (e sem estar presente qualquer outro representante do réu) e a falta das testemunhas a apresentar, entendeu não ser admissível novo adiamento, por falta de advogado e que a renuncia ao mandato não produziu efeitos por se estar perante um caso em que é obrigatória a constituição de advogado, e determinou que se desse início ao julgamento.<br> Fez-se pois, o julgamento, tendo o colectivo respondido aos quesitos a folhas 239.<br> O réu arguiu a nulidade de se ter realizado o julgamento sem ele ter ainda sido notificado da renuncia e nomeado novo advogado e agravou do despacho que ordenou o início da audiência.<br> Por despacho de folhas 249 foi desatendida a arguição da nulidade e admitido o agravo para subir deferidamente.<br> Foi proferida sentença julgando procedente a acção condenando os réus no pedido.<br> Da mesma recorreram todos os réus.<br> O réu A agravou ainda, do despacho que indeferiu a arguição de nulidade.<br> Por Acórdão da Relação do Porto foi negado provimento aos agravos e julgada improcedente a apelação.<br> Dai a presente revista cuja minuta tem as seguintes conclusões:<br> 1 - A Lei impõe que seja dado imediato conhecimento ao mandante da renúncia do mandatário por si constituído e, só após demonstrada a notificação, a Lei permite que o processo siga seus termos não bastando que esteja ordenada a notificação.<br> 2 - Ao entender que a notificação do artigo 39, n.1, se encontrava cumprida, apesar de o mandante, ora recorrente, não ter sido notificado da mesma, violou o<br> Acórdão os mais elementares princípios de direito processual.<br> 3 - Da omissão daquela notificação decorreu que o réu<br> A enfrentou a audiência de julgamento desconhecendo que o mandatário por si constituído tinha renunciado ao mandato;<br> 4 - Decorreu ainda que com tal omissão se não deu oportunidade ao réu de constituir novo mandatário, violando-se o princípio do contraditório e esta situação implicou uma desigualdade, processual do réu em relação à parte contrária;<br> 5 - Tal omissão, embora não fosse causa de adiamento da audiência, implicava que a marcação da mesma fosse dada sem efeito, designando-se data posterior, a fim de se cumprir a efectiva notificação ao recorrente da renúncia do seu mandatário.<br> 6 - Decidindo, como decidiu, o Acórdão interpretou erradamente os artigos 39, n.1 e 201 do Código Processo Civil.<br> 7 - Não se pode, confundir a circunstância de a Lei transferir os efeitos da renuncia para o momento da constituição de novo mandatário, com a negação do direito de o mandante constituir no mais curto prazo patrono da sua confiança;<br> 8 - O entendimento do Acórdão recorrido, ao sancionar a omissão cometida, prefilhou toda a situação de desigualdade e desfavorecimento dela decorrente, e violou o disposto nos arts. 39 n.1 e 3 do Código de<br> Processo Civil e o artigo 13 da constituição e artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.<br> 9 - Deve pois ser revogada a decisão recorrida e declarar-se procedente a arguida nulidade;<br> 10 - A fiança prestada pelas rés B e C tem um conteúdo indeterminado e indeterminável, pois não se referem quais as fontes das obrigações de onde as mesmas possam surgir no futuro:<br> 11 - Não tem, pois, a mesma qualquer critério que permita proceder á sua determinação;<br> 12 - O adjectivo demonstrativo "todas" nunca poderá ser utilizado para determinar o conteúdo da fiança, já que o mesmo contém em si próprio um alcance indeterminado e ilimitado,sendo pois inepto para o estabelecimento de qualquer critério; entendimento este que tem sido perfilhado em recentes arestos desse Supremo Tribunal:<br> 13 - Ao decidir como decidiu, o Acórdão violou o disposto no artigo 280, n.1 do Código Civil pelo que deve ser revogado declarando-se a nulidade da fiança e a consequente absolvição da ré C e a Alteração, da sentença na parte que responsabiliza a ré B com base na referida fiança.<br> Não houve contra alegações.<br> Cumpre apreciar e decidir.<br> São duas as questões a apreciar e decidir : a primeira, de natureza processual, consiste em saber se, tendo o patrono do réu renunciado ao seu mandato, se podia proceder ao julgamento sem aquele réu ter ainda sido notificado da renuncia; a segunda de natureza substantiva, a de saber se é, ou não, válida a fiança prestada, pelas rés face ao disposto no artigo 280, n.1 do Código Civil.<br> Vejamos quanto á primeira questão.<br> Dispõe o n.2 do artigo 651 do Código de Processo Civil que "Não é admissível o adiamento (da audiência de julgamento) por acordo das partes nem pode adiar-se a audiência mais do que uma vez, a não ser no caso de impossibilidade de constituição do Tribunal Colectivo".<br> Como se viu acima, tinha havido uma audiência de julgamento adiada por terem faltado os advogados das partes.<br> Foi designado novo dia para a audiência, sendo os faltosos notificados disso.<br> No novo dia marcado, o patrono do réu e as testemunhas deste que eram a apresentar, não compareceram.<br> Havia pois, que realizar-se o julgamento sem a presença do patrono do réu, por não ser legalmente admissível um novo adiamento, dado o disposto no preceito legal acima citado.<br> Sucede porém, que tal patrono do réu havia apresentado três dias antes um requerimento em que renunciava ao seu mandato. Sobre tal requerimento foi logo, no próprio dia da sua junção, dado despacho a mandar notificar o réu e a parte contaria da renuncia.<br> No dia 9 de Março foi cumprido o despacho sendo pois certo que o réu só veio a ter conhecimento legal da renúncia, já depois do julgamento se ter realizado.<br> Porque não foi notificado da renuncia do seu advogado antes do dia da audiência do julgamento - 9 de Março - pretende o réu recorrente que, antes da realização daquela, o Senhor Juiz devia ter proferido despacho a dar sem efeito a marcação de tal audiência, designando data posterior, a fim de permitir o cumprimento efectivo da notificação dele recorrente da renuncia do seu mandatário.<br> Será, porém, assim?<br> Dispõe o n.1 do artigo 39 do Código de Processo Civil que "A revogação e a renuncia de um mandato devem ser requeridas no próprio processo e notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária".<br> E, na sequência, dispõe o n.2, que "Os efeitos da revogação e da renuncia produzem-se a partir da data da junção ao processo da certidão da notificação, salvo nos casos em que é obrigatório a constituição de advogado, porque nestes a renuncia só produz efeito depois de constituído novo mandatário".<br> De onde decorre que o mandatário que vem aos autos renunciar ao seu mandato judicial, não fica desonerado das obrigações decorrentes do seu cargo a partir do momento em que manifestou a vontade de renunciar.<br> Com efeito a renuncia só produzirá efeitos a partir da data da junção ao processo da notificação prevista no n.1 do artigo 39 do Código de Processo Civil, ou mais tarde, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, em que a renuncia só produz efeitos depois de constituído novo mandatário pelo notificado mandante.<br> No caso sub Júdice, sendo obrigatório a constituição de advogado, o renunciante só ficaria desonerado após o réu ter constituído novo mandatário.<br> Assim sendo é bem evidente que à data da audiência de julgamento o renunciante ainda era o patrono do réu e devia ter comparecido na mesma.<br> Não o tendo feito, nenhuma razão havia para adiar de novo a audiência de discussão e julgamento ou, como pretende o recorrente, a dar sem efeito, ou até, suspender a instância, a fim de ser feita a sua notificação da renúncia.<br> Nada legalmente impunha que o mandatário fosse notificado da renuncia do seu patrono antes de se realizar a audiência de discussão e julgamento, visto que, legalmente, aquele patrono tinha de continuar a representar o mesmo mandatário réu até este ter constituído novo advogado.<br> A urgência da notificação da renuncia ao mandante, observada nos autos tem em vista o interesse do mandatário em ficar desobrigado do seu mandato e não o interesse do mandante.<br> Assim, se este depois de notificado da renuncia,demorar a constituir novo mandatário pode o mandatário renunciante requerer que se fixe prazo para esse fim - n.3 do artigo 39 do Código de Processo Civil. E, findo esse prazo, sem a parte ter provido, considera-se então extinto o mandante, seguindo-se o mais previsto no preceito.<br> Mas, realizando-se a audiência sem o réu, ou recorrente ter nomeado novo patrono teriam sido violados os princípios do contraditório e da igualdade processual das partes?<br> Como se refere no Acórdão recorrido, o princípio do contraditório está genericamente consagrado na segunda parte do n. 1 do artigo 3 do Código de Processo Civil e consiste em ninguém dever ser julgado sem previamente ter sido ouvido, ou de lhe ser dada a oportunidade de se poder defender.<br> Princípio esse que pode ser atenuado ou ter excepções que se impõem.<br> Veja-se, por exemplo, logo o n. 2 do citado artigo 3.<br> Se a parte demandada foi previamente ouvida e lhe foi dada a oportunidade de se defender, o princípio contraditório foi, respeitado.<br> Ao réu foi dada a oportunidade de se defender, como ele fez.<br> As testemunhas do réu, que eram a apresentar, podiam ter sido ouvidas pelo Tribunal, uma vez que o patrono daquele não compareceu em audiência como lhe competia.<br> O que a Lei não permite, como já se viu, são os adiamentos sucessivos, o que em nada ofende o princípio em causa.<br> A situação do réu em nada se destinge daquela em que, tendo já havido um adiamento falta a segunda audiência o patrono de uma das partes.<br> A Lei não permite que se volte a adiar aquela audiência, por falta de advogado que não tenha renunciado ao mandato, como não permite o adiamento pelo facto de faltar um advogado que manifestou a vontade de renunciar mas que se mantém como patrono até ser substituído (nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado) ou estar junta aos autos a certidão da notificação da renuncia quando não é obrigatório a constituição de advogado.<br> Quanto ao princípio da igualdade das partes, consagrado no artigo 13 da constituição, visa-se com ele o tratamento igualitário de todos os cidadãos que se encontram na mesma posição perante o Estado e o<br> Direito.<br> No Processo Civil ele traduz-se em, quer o autor, quer o réu, estarem subordinados às mesmas obrigações e terem os mesmos direitos processuais.<br> Ora os normativos dos artigos 39 e 651 do Código de<br> Processo Civil tanto são aplicados a um réu, como a um autor.<br> Fez-se o julgamento, apesar da falta do patrono do réu, como se faria se tivesse faltado o patrono do autor.<br> Não foi, assim, violado o principio da igualdade das partes.<br> O prejuízo que, porventura, o réu sofreu só pode ser devido à actuação não do Tribunal, mas, sim do seu patrono.<br> No que respeita á fiança há que descrever os factos dados como provados. São eles os seguintes:<br> <br> A sociedade autora dedica-se ao abate de animais e comercialização de carnes verdes;<br> O réu A dedica-se ao comércio de venda de carnes verdes;<br> No exercício da sua actividade e nos meses de<br> Fevereiro, Março, Maio, Julho e Agosto de 1989 a outora vendeu e entregou ao réu as partidas de carne verde discriminadas nas facturas de folhas 8 a 59, na importância global de 28796434 pesetas;<br> O réu afectou esta quantidade de carne ao seu comércio, de cuja actividade retira os proventos necessários ao sustento do seu lar.<br> Foi acordado que as sucessivas partidas de carne seriam pagas pelo réu no prazo de 30 dias após o seu recebimento por este, e em moeda espanhola.<br> Em 24 de Agosto de 1989, o réu entregou à autora, por conta das importâncias em dívida a quantia de 681720 pesetas.<br> Mediante escritura de compra e venda outorgada no 7 Cartório Notarial do Porto, em 25 de Outubro de 1989, foi vendido a D que representava os interesses da autora, com terreno destinado a construção urbana, sito no lugar de Romariz, freguesia de Munedo, concelho de Lousada, descrito na C. de Registo Predial de Lousada sob n. 257, certidão a folhas 61 a 63;<br> Essa escritura foi efectuada com o objectivo de autora e réu promoverem, nos seis meses subsequentes a venda do respectivo terreno por um preço correspondente em escudos a sete milhões de pesetas.<br> Se o terreno fosse vendido por um preço equivalente a mais de sete milhões de pesetas, o excedente reverteria para o réu A, abatendo na dívida o correspondente aos sete milhões de pesetas, se fosse vendido por importância inferior aos sete milhões, o réu teria que repôr a diferença até aos aludidas sete milhões; em 4 de Fevereiro de 1991, este terreno foi vendido pela importância correspondente a 5077866 pesetas.<br> O valor da venda do terreno mencionado destinava-se a pagar parte desse débito nos precisos termos acima referidos.<br> Em 21 de Novembro de 1989, o réu entregou à autora o cheque n. 8911040972 sobre a sua conta n. 217 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Montalegre, no montante de 15000000 escudos, correspondente a 10683 pesetas, segundo o câmbio do dia;<br> A autora não logrou obter o pagamento da quantia titulada por esse cheque;<br> Em 23 de Agosto de 1983, perante o notário de Montalegre, as rés e C e B outorgaram o negócio - denominado fiança - constante do documento de folhas 69 e 70.<br> Consta de tal documento, que foi outorgado pelas rés e réu A, o seguinte:<br> "... Primeiro: - As primeiras outorgantes constituem-se solidariamente fiadoras e principais pagadoras pelo integral pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pelo segundo outorgante, filho e marido das primeiras, perante a empresa FRIGSA S.A, com sede em Lamablanca Losio Lanje, Espanha, até à quantia de quarenta milhões de escudos;<br> Segundo: - As fiadoras, renunciam ao beneficio da prévia excussão;<br> Terceiro: - Por esta fiança, respondem, nos termos da Lei todos os bens delas fiadoras, mas em primeiro lugar os bens que constam de uma relação que se encontra já na posse da sociedade;<br> Quarto: - Esta fiança tem a validade de doze meses;<br> As recorrentes entendem que a fiança supra referida é nula por ter um conteúdo indeterminado e indeterminável e, nas suas alegações citam o Acórdão deste Supremo de 21 de Janeiro de 1993 (Col. Jur. Acórdãos do Supremo, ano I tomo II, 1993, pág 70 que, segundo eles viria ao encontro da sua tese.<br> Porém a factualidade apreciada nesse Ac. é diferente da que se verifica no caso sub-judice".<br> <br> Com efeito aí tratava-se de fianças em que os fiadores assumiam a responsabilidade de principais pagadores de uma sociedade por todas e quaisquer responsabilidade que tal sociedade tivesse ou viesse a ter num banco.<br> Porém, nestes autos, as rés constituíam-se fiadoras e principais pagadoras pelo integral pagamento, perante a autora de todas as responsabilidades que o réu tivesse assumido ou viesse a assumir, mas só até à quantia de quarenta mil contos, tendo a fiança validade apenas durante um ano.<br> Existe, assim, na fiança das rés um limite quantitativo da responsabilidade assumida por ela e um limite temporal para o futuro, para a validade da mesma fiança.<br> O artigo 280, n. 1 do Código Civil, considera nulo o negócio cujo objecto seja indeterminável.<br> O que significa que o objecto do negócio embora possa ser indeterminado, tem de ser determinável.<br> O normativo do citado, preceito é aplicável à fiança.<br> A Lei admite a fiança, por débitos futuros - artigo 628 n. 2 do Código Civil.<br> O que a Lei não admite é que uma pessoa possa declarar-se fiadora por todos os débitos que terceiro tenha ou possa vir a ter ou a hipótese de alguém se obrigar a pagar a outros (sem limite) o que este (ou terceiro) quiser (conf. Prof. Menezes Cordeiro - Fiança de conteúdo indeterminado, Col. Jur. XVII - III pág 62)<br> É necessário, quando se presta fiança por débitos futuros,consignar-se um critério objectivo e limitativo de determinação (mesmo autor e local)<br> O fiador não pode ficar à mercê do credor, passando como que um cheque em branco.<br> É, aquando da celebração da fiança, que deve ser determinado o titulo de onde a obrigação futura, poderá ou deverá resultar, ou pelo menos, saber-se como ele há-de ser determinado (conf. Acórdão atrás referido).<br> Ora, na fiança em causa nestes autos está definido que as rés se responsabilizam por todas as dívidas do réu à autora mas, apenas até determinado montante e durante determinado espaço de tempo.<br> Existe assim, um critério objectivo e limitativo para determinar a responsabilidade das rés fiadoras.<br> Estas responderão por todas as dividas do réu;<br> Até ao montante de 40 mil contos;<br> E apenas, até decorrer um ano sobre a data da fiança.<br> Ao prestarem esta fiança, as rés não ficaram à mercê da autora e delimitaram a sua responsabilidade para com ela.<br> Temos, assim, uma fiança de objecto indeterminado mas não indeterminável.<br> A fiança, é pois válida e legal.<br> <br> Por todo o exposto nega-se a revista e confirma-se o<br> Acórdão recorrido.<br> Custas pelos réus sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficiam.<br> Lisboa, 10 de Maio de 1994.<br> Carlos Caldas,<br> Cura Mariano,<br> Correia de Sousa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> Em processo de expropriação por utilidade pública promovida pelo Município de Matosinhos contra A e outros, estes interpuseram recurso da decisão arbitral.<br> No despacho de fls. 136, decidiu-se não conhecer do recurso, o que foi confirmado pelo acórdão da Relação, de fls. 420 e seguintes.<br> Neste recurso de agravo, os expropriados formularam, em resumo, as seguintes conclusões:<br> - apresentaram, em tempo, alegações de recurso referentes ao acórdão arbitral;<br> - não seria necessário apresentar aí conclusões mas, convidados para o efeito acabaram por fazê-lo;<br> - essas conclusões foram reproduzidas e compreendidas no acórdão recorrido;<br> - nelas apresentaram uma verba mínima, a título de indemnização, e, sendo certa a área da parcela, certa é a quantia indemnizatória;<br> - o acórdão recorrido é contraditório, na sua fundamentação e não contém fundamentos de direito relativos à hipotética exigência de conclusões;<br> - mesmo que tais conclusões fossem incompletas, isso só teria efeitos em termos de eventual improcedência;<br> - foi violado o disposto nos artigos 11 do Cod. Civil,<br> 668, 690 e 669 do Cod. P. Civil, 2, 4 a 7, 12, 13 e 14 do Cod. Exp. e 9, 13, 62, 122, 266, 268 e 277 da Constituição.<br> Não houve contra-alegações.<br> II- Situação de facto:<br> No recurso da decisão arbitral, interposto em 18 de Fevereiro de 1992, os expropriados referem, além do mais, a área e natureza da parcela expropriada, os critérios da sua avaliação, em oposição aos usados na arbitragem, e que, de harmonia com esses critérios, ela<br> "tem um valor não inferior a 15000 escudos por metro quadrado" e a indemnização devida ao rendeiro "não deverá ser avaliada em menos de 750000 escudos, requerendo ainda a realização de diversas diligências<br> (fls. 57 e seguintes).<br> No despacho liminar, os expropriados foram convidados a apresentar "as devidas conclusões do recurso" (fls. 114).<br> Em resposta, eles apresentaram as "conclusões" de fls.<br> 124 e seguintes, onde dizem, no essencial, que a parcela "está inserida numa malha urbana de construção intensa", os terrenos dessa zona "assumem valores entre<br> 5000 escudos e mais de 30000 escudos "por m2", o critério seguido pelos árbitros... é arbitrário", "a indemnização que se pretende atribuir ao arrendatário é irrisível" e a avaliação deve "ter em conta uma visão do conjunto", e citam diversas normas jurídicas, como tendo sido violadas.<br> III- Quanto ao mérito do recurso:<br> No despacho da 1. instância, decidiu-se não conhecer do recurso interposto da decisão arbitral "por falta de conclusões", depois de se considerar que nesse, como em qualquer recurso, "é necessário que... os recorrentes concluam pela indicação do pedido indemnizatório a que se julgam com direito", para efeito de delimitação do âmbito do recurso, e que, não o tendo feito, as conclusões apresentadas não podem ser atendidas.<br> O acórdão recorrido manteve esse despacho, com idênticos fundamentos, acrescentando que aquelas conclusões não permitiriam "uma avaliação equilibrada e prudente..." e delas "resultam dificuldades que um mero exercício de cálculo, que até se poderia fazer, não satisfaria e dava tranquilidade... em encontrar um montante indemnizatório ajustado".<br> Salvo o devido respeito, não é de manter essas decisões, sendo de notar desde já que é aqui aplicável o Cod. Exp. aprovado pelo Decreto-Lei n. 438/91, de 9 de Novembro, que estava em vigor na data da interposição do recurso, por estarem em causa apenas normas adjectivas ou processuais, que são de aplicação imediata.<br> O recurso da decisão arbitral para o tribunal de comarca, em processo de expropriação por utilidade pública, tem natureza e regime diversos dos recursos ordinários em processo civil: estes são simples recursos de revisão, em que só excepcionalmente é admissível a apreciação de questões novas e a produção de prova, limitada a certos documentos; aquele, que por sua vez, destinava-se a uma apreciação global da questão da indemnização devida ao expropriado e, nessa conformidade, tem lugar uma ampla fase instrutória e de discussão (artigos 51 e 56 e seguintes do Cit. Cod. Exp.), de tal modo que, apesar de se reconhecer à decisão arbitral natureza jurisdicional e de se deverem ter como assentes as questões que não forem postas em causa pelo recorrente, o requerimento de interposição do recurso tem também afinidades com a petição inicial de uma acção especial.<br> Por outro lado, e embora o cit. Cod. Exp. não preveja a aplicação subsidiária do Cod. P. Civil, deve admitir-se essa aplicação quanto a algumas das suas normas e, em particular, quanto aos princípios essenciais do processo civil, sempre que isso se mostre indispensável e compatível com o regime específico do processo expropriativo, por ser aquele Código a lei fundamental em matéria processual.<br> Pelo cit. artigo 56 do Cod. Exp., "no requerimento da interposição do recurso da decisão arbitral, o recorrente exporá logo as razões da discordância, oferecendo todos os documentos, requerendo as demais provas e designando-se o seu perito".<br> São apenas essas as formalidades exigidas para a interposição do recurso, com especial relevo para a exposição das "razões da discordância" com a decisão arbitral, e, como consequência ou corolário lógico dessa discordância, o recorrente - expropriado - deverá, normalmente, indicar o montante da indemnização a que julga ter direito, em substituição da constante daquela decisão, ou seja, deverá formular o pedido, até para efeito da aplicação do disposto no artigo 661 n. 1 do cit. Cod. P. Civil, segundo o qual o juiz não poderá, na decisão do recurso, condenar o expropriante em montante superior.<br> Isto é assim, em principio, pois não se exclui a hipótese de aplicação analógica do disposto nos artigos 569 do Cod. Civil e 273 n. 2 do Cod. P. Civil, no sentido de o recorrente não ser obrigado a indicar "a importância exacta" em que avalia" a indemnização e não ficar impedido "de reclamar quantia mais elevada", por ampliação do pedido inicial, uma vez que, sendo a indemnização devida ao expropriado uma dívida de valor, devem ser-lhe aplicáveis as regras gerais sobre a obrigação sobre a obrigação de indemnização e a sua actualização.<br> Além disso, aquela indicação do pedido, como consequência da discordância com a decisão arbitral, não está submetida a fórmulas rigorosas ou sacramentais, bastando que se possa deduzir, com suficiente segurança, da argumentação produzida pelo recorrente ou das razões por ele invocadas.<br> De qualquer modo, e na sequência do exposto, entende-se que, no requerimento de interposição deste recurso, o recorrente não está vinculado à formulação das "conclusões" previstas no artigo 690 n. 1 do Cod. P. Civil: essas "conclusões" são uma formalidade específica (e discutível) dos recursos ordinários em processo Civil; os formalismos processuais revestem carácter excepcional, pelo que só devem ser exigidos nos casos previstos na lei; este recurso especial tem uma regulamentação autónoma e suficiente; não se mostra necessária a aplicação subsidiária do cit. artigo 690 n. 1, bastando que as razões da discordância sejam expostas no texto do requerimento; as referidas "conclusões" poderão porventura traduzir melhor aperfeiçoamento ou clareza mas não são um elemento imprescindível daquele requerimento.<br> No caso presente, o recurso interposto pelos expropriados não podia pois ser recusado com o fundamento de falta de "conclusões" no respectivo requerimento.<br> Aliás, tais "conclusões" foram apresentadas pelos recorrentes, depois de convite feito nesse sentido, e, no caso de serem deficientes ou incompletas, a consequência não deveria ser o não conhecimento de recurso mas antes o seu recebimento e posterior decisão, com as limitações decorrentes dessas deficiências.<br> Acresce que, como se salientou na parte inicial da<br> "situação de facto", os recorrentes fornecem elementos suficientes no sentido da "indicação do pedido indemnizatório", ao referirem o valor por metro quadrado da parcela expropriada e o montante que deve ser atribuído ao arrendatário.<br> Assim, além da exposição das "razões da discordância" com a decisão arbitral, os recorrentes não deixam de fazer, embora de modo porventura pouco rigoroso e na medida em que isso se julgue necessário, aquela indicação do montante da indemnização que entendem ser-lhes devida.<br> Em conclusão:<br> Em processo de expropriação por utilidade pública, pode ter lugar a aplicação subsidiária das normas do Cod. P.<br> Civil sempre que se mostre indispensável e compatível com o regime específico daquele processo.<br> No requerimento de interposição de recurso da decisão arbitral, não é obrigatória a formulação de "conclusões", nos termos previstos pelo artigo 690 n. 1 do cit. Cod. P. Civil (artigo 56 do Cod. Exp.).<br> A simples deficiência de "conclusões" não pode equiparar-se à sua falta.<br> Pelo exposto:<br> Concede-se provimento ao recurso.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, bem como o despacho da<br> 1. instância, de fls. 136, o qual deve ser substituído por outro que receba o recurso interposto pelos expropriados.<br> Sem custas, por isenção da recorrida (artigo 3 n. 1 alínea a) do Cod. Custas).<br> Lisboa, 23 de Junho de 1996.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Fernandes de Magalhães.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> I<br> <br> O M.P. intentou contra B acção com processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, tendo formulado os seguintes pedidos:<br> <br> a) Que a Ré seja condenada a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais que constituem os nºs 7 (1ª parte, até "ocorrência"), 17 e 18 das "condições gerais de utilização" dos contratos de emissão e utilização de cartões de débito denominados "Caixautomática/Multibanco", "Caixautomática Electron" e "Eurocheque" em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição;<br> b) Que a a Ré seja condenada a dar publicidade a tal proibição, e a comprová-la nos autos, em prazo a determinar na própria sentença, sugerindo-se que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos.<br> <br> Fundamentando a sua pretensão, o A alegou que as referidas cláusulas foram previamente elaboradas pela R. e são apresentadas, já impressas, aos candidatos à obtenção dos referidos cartões, limitando-se cada candidato a preencher, nos espaços em branco constantes do rosto do impresso, a sua identidade e a assinar o contrato, sem que exista qualquer negociação entre a R. e a contraparte quanto ao teor dessas condições gerais de utilização e condições específicas.<br> E que tais cláusulas são nulas, uma vez que: (a) alteram as regras respeitantes à distribuição do risco, sendo, por isso, absolutamente proibidas em face do artigo 21º, alínea f), do DL nº 446/85; (b) permitem à Ré predisponente denunciar livremente o contrato sem pré-aviso adequado, e resolver o contrato sem motivo justificado previamente conhecido do outro contraente ou fundado na lei.<br> <br> Contestando, a Ré pediu a absolvição do pedido, alegando que, entre a Ré e a contraparte há um acordo de vontades, e que a circunstância de tais cláusulas se encontrarem pré-impressas não retira ao interessado na obtenção do cartão a sua liberdade de contratar. Mais alegou que a cláusula 7ª, a operar uma alteração nas regras relativas ao risco, o faz em sentido contrário ao alegado pelo A, uma vez que a R. aceita, por via dela, suportar o risco no montante que exceder o contravalor de 15o ECU por ocorrência no período anterior à comunicação, no caso de utilização abusiva por terceiro em caso de extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão, quando, se assim não fora, o respectivo titular deveria suportá-lo por inteiro. Mais refere que essa cláusula é imposta à Ré face ao disposto pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 166/95, de 15 de Julho, pelo Aviso nº 4/95 do Ministério das Finanças, de 27.07.95 e pela Instrução do Banco de Portugal nº 47/96 (BNBP nº 1, de 17.06.96), tudo em conformidade com o nº1 do artigo 6º da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias, de 30.07.97, relativa às transacções realizadas através de um instrumento de pagamento electrónico. Alega por fim que também as cláusulas 17ª e 18ª não violam as cláusulas contratuais gerais, devendo ser mantidas, uma vez que, não só há justo motivo para a resolução do contrato (cláusula 17ª), mas também o prazo de três dias para a livre denúncia é hoje suficiente para que o titular do cartão - assim o entendendo - celebre outros contratos e obtenha novos cartões.<br> <br> Proferida, em 23.04.98, sentença no saneador, foi decidido, em síntese: (a) declarar a nulidade das cláusulas 17ª e 18ª, por violação do disposto no artigo 22º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, operando a nulidade da cláusula 18ª apenas na parte em que confere à Ré a possibilidade de denunciar livremente o contrato desde que o comunique, por escrito, à parte contrária, com uma antecedência mínima de três dias; (b) condenar a Ré a abster-se de utilizar tais cláusulas, com o alcance referido, em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar; (c) condenar a Ré a dar publicidade a tal proibição; (d) absolver a Ré do restante pedido.<br> <br> Inconformados, apelaram A. e Ré, na parte que lhes foi desfavorável, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 20.04.99, decidido: (a) julgar procedente a apelação do A em relação à cláusula 7ª e, em consequência, declarar a sua nulidade, de acordo com o pedido; (b) julgar procedente o recurso da Ré quanto à cláusula 17ª e, em consequência, revogar a decisão, quanto a ela, da 1ª instância, não se julgando, pois, tal cláusula proibida; (c) manter a decisão recorrida relativamente aos restantes pedidos, designadamente: (c1) declarando-se a nulidade da cláusula 18ª, com os efeitos constantes do saneador/sentença; (c2) condenando-se a Ré a abster-se de utilizar as cláusulas 7ª e 18ª; (c3) condenando-se a Ré a dar publicidade à decisão.<br> <br> Continuando inconformados, trazem A. e Ré, na parte que lhes foi desfavorável, recurso de revista.<br> <br> A) Conclusões oferecidas pela Ré:<br> <br> 1. Nos contratos de utilização dos cartões, autónomo do contrato de depósito, não há transferência do domínio sobre uma coisa;<br> 2. Para além de que o contrato de depósito se não caracteriza essencialmente pela entrega de uma soma em dinheiro pelo depositante, mas sim pela existência de um crédito sobre um saldo, que pode até resultar de um crédito concedido pelo banqueiro;<br> 3. No contrato de utilização do cartão, o seu titular tem a disponibilidade directa e imediata do crédito sobre o saldo da conta, podendo utilizar o cartão e proceder a levantamentos, mesmo sem a existência de saldo, como sucede nos levantamentos "off-line", e sem qualquer intervenção do depositário;<br> 4. Mais, a utilização fraudulenta do cartão ocorre em circunstâncias tais - através de uma máquina automática - que o depositário fica impossibilitado de obstar à lesão do seu património, enquanto o depositante detém a derradeira oportunidade de evitar a consumação da lesão;<br> 5. Numa altura em que o titular do cartão ainda não comunicou à emitente qualquer facto susceptível de levar à utilização indevida do mesmo, sendo legítima a sua co-responsabilização, até determinado montante, por tal utilização;<br> 6. Assim, a cláusula 7ª das condições gerais de utilização dos cartões não é subsumível ao disposto no nº 1 do art. 796º do CC;<br> 7. A situação em apreço configura um pagamento ao credor aparente, mas subsumível à excepção da al. f) do art. 770º do CC;<br> 8. Trata-se de uma excepção ao regime do pagamento a credor aparente por determinação legal, ou seja, do art. 3º do Decreto-Lei nº 166/95 (...), que manda ter em conta, na situação dos autos, as Recomendações dos órgãos competentes da União Europeia, sendo que o nº 1 do artº 6º da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias, de 30.07.97, tem um conteúdo semelhante ao da cláusula em questão;<br> 9. Mas ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se estivesse perante uma hipótese de repartição do risco, os princípios da boa-fé que estão na base do regime das cláusulas contratuais gerais, consagrado no Decreto-Lei nº 446/85 (...), na redacção de Decreto-Lei nº 220/95 (...), deverão conduzir a uma interpretação restritiva do disposto na al. f) do seu art. 21º, de modo a só actuar nas situações de abuso do contraente que participou na estipulação das cláusulas gerais;<br> 10. Já que a recorrente na elaboração das cláusulas dos contratos de utilização dos cartões respeitou os avisos e instruções do Banco de Portugal, entidade de supervisão e regulamentadora do sistema bancário e actuou conformemente às directrizes do legislador e das Recomendações da Comissão Europeia, não podendo por isso dizer-se que agiu abusando da sua posição de contraente mais forte, já que o conteúdo da estipulação não foi por si determinado, mas pelas autoridades monetárias;<br> 11. De resto, a não ser assim, as instituições de crédito portuguesas ficariam em clara desvantagem face às restantes instituições de crédito da União Europeia, nas quais vigora o regime da citada Recomendação, contrariando a pretendida harmonização normativa, numa área de forte concorrência, o que seria de todo incompreensível e contrário ao interesse nacional;<br> 12. Também o prazo de 3 dias de aviso prévio para a denúncia dos contratos de utilização dos cartões por parte da recorrente, previsto na cláusula 18ª, é adequado, face à existência de diversos meios de levantamento dos fundos depositados, para além do cartão;<br> 13. E face à concorrência bancária, sobretudo tendo em conta a facilidade existente na concessão de cartões de débito, logo, na abertura das contas de depósito;<br> 14. É ainda adequado porque necessário a evitar que, após a denúncia do contrato, o cartão possa ser indevidamente utilizado, com manifestos prejuízos para o recorrente;<br> 15. Logo, a referida cláusula não viola o disposto na al. b) do nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção do Decreto-Lei nº 220/95 (...);<br> 16. Assim, o acórdão recorrido aplicou erradamente o disposto na al. f) do art. 21º e na al. b) do nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção do Decreto-Lei nº 220/95 e violou o art. 3º do Decreto-Lei nº 166/95 (...).<br> <br> B) Conclusões oferecidas pelo Autor<br> <br> a) As cláusulas 17ª das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixa Automática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque"), que estabelecem que "a inobservância, por qualquer das partes, das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei constitui justo motivo de resolução imediata" são cláusulas contratuais gerais sujeitas às regras de Dec. Lei nº 446/85, de 25/10;<br> b) As referidas cláusulas 17ª permite à Ré, segundo o seu exclusivo critério, e sem necessidade de qualquer justificação, retirar imediatamente ao contraente-aderente a possibilidade de utilizar o dito cartão, uma vez que toda e qualquer acção ou omissão deste, intencional ou negligente, pode ser havida por "inobservância" do contrato e constituir "motivo justificável";<br> c) As cláusulas em causa violam em geral o princípio da boa-fé e concretamente o disposto na al. b) do artº 22º do Dec. Lei 446/85 na redacção do Dec Lei 220/95;<br> d) O douto acórdão recorrido violou, por incorrecta interpretação, as cláusulas 17ª das condições gerais de utilização do cartão "Caixautomática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque"), por permitir a resolução sem motivo justificativo e o disposto no art. 22º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei 446/85, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 220/95 (...).<br> <br> C) Disse, em contra-alegações, a Ré:<br> <br> 1. A resolução imediata do contrato, prevista na cláusula 17ª está adequadamente motivada, já que está dependente da violação das obrigações assumidas pelo titular da cartão, constantes das condições gerais, ou da lei, logo, alicerçada em factos suficientemente concretizados;<br> 2. Sendo que as obrigações constantes das condições gerais de utilização do cartão dizem respeito ao dever de colaboração do seu titular, com vista a conseguir-se as condições mínimas de segurança na sua utilização, evitando que o mesmo seja utilizado fraudulentamente, logo, a resolução é suficientemente justificada;<br> 3. Assim, a referida cláusula não viola o disposto na al. b) do nº 1 do artº 22º (...), estando em perfeita harmonia com o disposto no art. 432º do CC.<br> <br> Notificado, o A não contra-alegou.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> As instâncias deram como provados os seguintes factos:<br> <br> 1. A R. é uma sociedade comercial cujo objecto compreende a actividade bancária.<br> 2. No exercício dessa actividade, a R. tem vindo a celebrar, em Portugal, com múltiplos clientes, contratos de emissão e utilização de cartões de débito, denominados "Caixautomática/Multibanco", "Caixautomática/Electron" e "Eurocheque", cujas cláusulas são as constantes dos impressos juntos a fls. 7 e ss.<br> 3. Nos mencionados impressos, sob a epígrafe "condições gerais de utilização", constam cláusulas que foram pela R. previamente elaboradas e que são apresentadas, já impressas, aos candidatos à obtenção dos referidos cartões.<br> 4. Limitando-se, em regra, cada candidato a preencher, nos espaços em branco constantes do rosto do impresso, a sua identidade e a assinar o contrato.<br> 5. Sem que exista, em regra, qualquer negociação entre a R. e a contraparte quanto ao teor das "condições gerais de utilização" e "condições específicas".<br> 6. Tais contratos-tipo destinam-se ainda a ser utilizados pela R. em contratações futuras com quaisquer interessados na obtenção dos referidos cartões.<br> 7. Na cláusula 7ª das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixautomática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque") estabelece-se que:<br> "Provando o titular o extravio, furto, roubo, ou falsificação do cartão, correm por sua conta os prejuízos sofridos em virtude da utilização abusiva do cartão, no período anterior à comunicação a que se refere o nº 6.2. destas condições, até ao montante correspondente ao contravalor em escudos de 150 ECU por ocorrência (...)".<br> 8. Na cláusula 17ª das referidas condições gerais dispõe-se que:<br> "A inobservância por qualquer das partes das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei constitui justo motivo de resolução imediata".<br> 9. E na cláusula 18ª que:<br> "sem prejuízo do estipulado no nº 17, qualquer das partes pode denunciar livremente o contrato desde que o comunique, por escrito, à parte contrária, com uma antecedência mínima de três dias".<br> <br> Mais foram dados como provados os seguintes factos constantes das "condições gerais":<br> a) O cartão é emitido pela B em nome do proponente, destinando-se a movimentar a conta de depósito à ordem indicada nesta proposta de adesão, através da sua utilização nas caixas automáticas (CA), terminais de pagamento automático (TPA) e outras máquinas automáticas.<br> b) O cartão pode efectuar transacções nas seguintes redes (...).<br> c) O cartão é propriedade da B (...).<br> III<br> Tendo sido interposto recurso da totalidade da decisão recorrida, ou seja, estando em questão a apreciação da conformidade legal das três cláusulas a que se refere a p.i., irá proceder-se à análise conjunta de ambas as revistas, seguindo-se, para tal, a ordem correspondente à numeração das referidas cláusulas.<br> Em causa está a validade ou a nulidade das cláusulas 7ª, 17ª e 18ª do contrato de adesão constante de fls. 7 a 10 que a B vem celebrando com clientes seus.<br> Considerando o âmbito do recurso - delimitado, salvo quanto à abordagem de questões de conhecimento oficioso, pelas questões colocadas nas conclusões formuladas pelos Recorrentes, ao alegarem (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC) -, seguir-se-á, na análise subsequente, a seguinte sistematização:<br> Depois de se ensaiar um enquadramento temático das matérias relativas aos cartões electrónicos de movimentação de fundos, com particular realce para os cartões de débito, aos contratos de adesão e às cláusulas contratuais gerais (cfr. infra, pontos 1.1., 1.2., 2.1. e 2.3.), e de se enunciarem as linhas mestras relativas à qualificação e regime jurídico dos contratos de depósito bancário e de utilização do cartão de débito (infra, pontos 2.2., 2.3.,), apreciar-se-á a legalidade das cláusulas 7ª, 17ª e 18ª (infra, pontos 3.1. a 3.6. e 4.1. a 4.3.).<br> <br> 1 - Uma das manifestações mais salientes da revolução tecnológica nos últimos dez/quinze anos refere-se, justamente, à utilização das tecnologias informáticas e das telecomunicações (teleinformática) em matéria de transferências electrónicas de fundos.<br> Expressões como "dinheiro de plástico", "moeda electrónica", "telemática", "caixas automáticas", "porta-moedas electrónico" são exemplos de termos que passaram a fazer parte do léxico corrente dos dias de hoje ( ) Com mais desenvolvimento, cfr. Maria Raquel Guimarães, "As Transferências Electrónicas de Fundos e os Cartões de Débito", Almeida, 1999, pp. 11 e 12.).<br> Integrada num contexto mais vasto de "desmaterialização" dos meios de pagamento, tem-se assistido a uma progressão imparável da utilização de cartões de débito, com o correspondente aumento das transferências de fundos realizadas através de meios electrónicos ( ) Ibidem.).<br> A generalização dos diferentes tipos de cartões bancários, num quadro também caracterizado pelos fluxos transfronteiras de dados através de redes, e pela internacionalização crescente das trocas de informações, veio colocar problemas novos no âmbito do Direito da Informática e das Telecomunicações. Bastará pensar nos complexos problemas de direito probatório - v.g., de repartição do ónus da prova -, bem como no impacto em matéria de distribuição do risco ( ) Para o desenvolvimento da matéria relativa às questões jurídicas, mormente em sede de regime de prova, emergentes da utilização dos novos meios de pagamento, cfr. Jerôme Huet e Herbert Maisl, "Droit de l´Informatique et des Télécommunications"; Litec, Libraire de la Cour de Cassation, 1988.), sem esquecer a problemática relativa à observância de outras cláusulas contratuais gerais constantes de contratos-tipo de adesão, respeitantes, por exemplo, à livre denúncia do contrato ou à sua resolução sem motivo justificativo.<br> A referida internacionalização explica, aliás, a intervenção activa de diferentes organizações internacionais, designadamente, das Comunidades Europeias, na definição de princípios e regras de uniformização da disciplina jurídica das novas formas de pagamento electrónico.<br> É o caso da Recomendação da Comissão de 8 de Dezembro de 1987 (87/598/CEE), relativa a um Código europeu de boa conduta em matéria de pagamento electrónico (Relações entre instituições financeiras, comerciantes-prestadores de serviços e consumidores), ou da Recomendação da Comissão de 17 de Novembro de 1988 (88/590/CEE), relativa aos sistemas de pagamento e, em especial, às relações entre o titular e o emissor dos cartões ( ) Cfr. os respectivos textos na obra "Direito da Informática - Legislação e Deontologia", Edição COSMOS, Direito, Lisboa, 1994, pp. 475 e ss. e 481 e ss., respectivamente.).<br> De referir ainda a Recomendação da Comissão de 30 de Julho de 1997 (97/489/CE), relativa às transacções realizadas através de um instrumento de pagamento electrónico e, nomeadamente, às relações entre o emitente e o detentor.<br> <br> 1.1. - O pagamento electrónico através das caixas automáticas (CD) e dos terminais de pagamento automático (ATM) ( ) ATM: Automated Teller Machines; CD: Cash Dispenser. Ou, na sequência do aportuguesamento de tais expressões, CA (caixas automáticas) e TPA (terminais de pagamento automático).) constitui uma das muitas formas de transferência electrónica de fundos (EFT) ( ) EFT: Electronic Funds Transfer.) ( ) Cfr. Amável Raposo, "Alguns aspectos jurídicos dos pagamentos através das caixas automáticas: Responsabilidade civil e Prova", B.M.J., nº 377, pp. 5 e ss., estudo que, por momentos, vamos acompanhar.).<br> Caracterizam esta forma de pagamento: (a) a natureza das operações - qualquer operação de pagamento, designadamente, os levantamentos, os depósitos e as transferências conta a conta; (b) o processamento automático: as operações são realizadas a partir de um terminal de pagamento electrónico de acordo com programa pré-estabelecido; (c) o meio de acesso ao sistema: um cartão plástico de pista magnética ou incluindo um microprocessador onde se encontra codificado o número de identificação pessoal do titular (PIN) ( ) PIN: Personal Identification Number.).<br> Ou, nas palavras de outro Autor ( ) Cfr. Luís Miguel Monteiro, "A Operação de Levantamento Automático de Numerário", R.O.A., Ano 52, 1992, p. 124.), o acesso ao programa computorizado e, consequentemente, à sua função de transferência de fundos, faz-se através do concurso de dois elementos: (a) um cartão de plástico; (b) um número de identificação pessoal do titular (PIN). Introduzido o cartão e digitado o PIN, a máquina procede à transferência da quantia e, ao mesmo tempo, à emissão de documento contendo o registo da operação.<br> Duas razões fundamentais explicam o impacto destes novos meios de pagamento. Por um lado, o pagamento electrónico através das ATM é a face mais visível e espectacular das transformações que o computador introduziu na banca. Por outro, o sistema desenvolveu uma nova e original relação entre o cliente utilizador e a banca, a qual dispensa a intervenção directa do empregado bancário.<br> Da sua propagação resultam benefícios recíprocos. Os bancos libertam-se de meios humanos, simplificam processos e operações, disponibilizam-se ao cliente em jornada contínua e reforçam o encaminhamento das poupanças para o sistema bancário.<br> Os consumidores desfrutam de um acesso mais continuado, mais rápido e mais fácil, com a disponibilidade acrescida de fundos e a possibilidade de realização de outras operações, bem como a obtenção de uma gama mais vasta de serviços - v.g., depósito de numerário e valores, transferências bancárias, consulta de movimentos, pagamento de serviços, requisição de livros de cheques -, de forma incomparavelmente mais cómoda.<br> Os cartões de débito apresentam-se como cartões de pagamento imediato ( ) Ou quase imediato, consoante o modo como operam - pelo processo tradicional de preenchimento de facturas em triplicado que apresenta semelhanças com o do cartão de crédito, embora o débito se faça de imediato e não diferido (é o caso do "Mastercard") ou através de terminais electrónicos que conferem acesso directo e imediato às contas cos titulares (como sucede com o cartão "Multibanco")), que operam uma mobilização das disponibilidades monetárias do titular através do acesso directo à sua conta bancária ( ) Cfr. Joana Vasconcelos, "Cartões de crédito", in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXIV (Janeiro-Dezembro de 1993), nºs 1-2-3, pp. 305 e ss., maxime, p. 343 e ss., que agora estamos a acompanhar.).<br> Com efeito, o cartão de débito encontra-se associado a uma conta bancária ( ) Ou a várias, determinando então o contrato entre o titular e o Banco emissor do cartão qual a ordem pela qual se deverão processar os débitos em conta.) pertença do titular, permitindo movimentar directamente o seu saldo activo, quer pelo levantamento de numerário, quer pelo pagamento directo das aquisições de bens ou serviços efectuados nos pontos de venda, sem que seja necessário recorrer a qualquer outro meio.<br> Como já se referiu - cfr. nota (8) - certos cartões de débito, como é o caso dos Mastercard, operam segundo esquema próximo do cartão de crédito ( ) O cartão de crédito constitui um instrumento de pagamento e de concessão de crédito a curto prazo que tem vindo a gozar de ampla difusão na sociedade contemporânea, dirigindo-se a segmentos cada vez mais vastos da população - loc. cit., p. 307.), na medida em que envolvem o preenchimento de facturas em triplicado, as quais são seguidamente enviadas pelo comerciante para cobrança.<br> No entanto, o paralelismo com o cartão de crédito acaba aqui, uma vez que, no pagamento ao comerciante, não se verifica qualquer intermediação de terceiro: aquele é satisfeito através das quantias directamente debitadas na conta do titular.<br> Diversamente, outra categoria de cartões de débito - mais próximos da economia da questão sub judice -, de que constitui exemplo paradigmático o cartão Multibanco, "funciona através de meios electrónicos, conferindo acesso directo e imediato à conta bancária do titular, mediante a sua inserção em terminais electrónicos, que procedem à leitura da respectiva banda magnética e pela marcação do número de identificação pessoal (PIN) correspondente".<br> Este mecanismo proporciona um acréscimo de segurança da transacção em que intervenha como meio de pagamento, "já que os termos da ligação efectuada relativamente à conta do titular permitem certificar a existência de provisão em conta, revelando-se o cartão, na sua ausência, inoperante" ( ) Loc. cit. na nota (11), p. 346.).<br> <br> 1.2. - Tendo como ponto de partida o respectivo clausulado, vejamos a que resultados conduz a classificação dos três tipos de cartões, indistintamente tratados nos autos como cartões de débito.<br> Conforme decorre da proposta de adesão de fls. 7-8, o cartão "Caixautomática", permitindo a movimentação da conta de depósitos à ordem através da respectiva utilização nas "caixas automáticas", em "terminais de pagamento automático" e noutras máquinas automáticas - vide a cláusula 1ª -, não se prevendo qualquer utilização de uma função creditícia, é tipicamente um "cartão de débito".<br> Também o cartão "Caixautomática Electron", ao qual se aplicam as condições gerais de utilização do cartão "Caixautomática" e as que lhe são próprias, referidas a fls. 7, vs. e 8, vs., podendo ser ainda utilizado nos "terminais de pagamento automático" da rede Electron e nas "caixas automáticas" da rede internacional Visa/Plus, sem que se faça qualquer referência à possibilidade de utilização de um crédito, será um "cartão de débito".<br> Quanto ao cartão "Eurocheque/B", a fls. 9 e 10, resulta da respectiva proposta de adesão, e mais concretamente da cláusula 6ª, que "a B garante o titular contra a falta, total ou parcial, de provisão dos Eurocheques por ele sacados sobre a conta de depósito à ordem indicada na proposta de adesão (...)". O que significa que este cartão é à partida, e fundamentalmente, um "cartão de garantia de cheques" ( ) O cartão de garantia de cheque (ou simplesmente, "cartão-garantia") não constitui, em si mesmo, um meio autónomo de pagamento, antes funciona em estreita associação com um outro meio de pagamento - o cheque - cuja utilização cauciona - cfr. Joana Vasconcelos, loc. cit. p. 346-347.).<br> No entanto, como resulta dos termos da cláusula 26ª, este cartão também pode ser utilizado nas "caixas automáticas" e nos "terminais de pagamento automático", prevendo-se para este tipo de utilização a aplicação das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixautomática". Nesta medida, tratando-se de um cartão multifuncional, é também um "cartão de débito" ( ) Para o adequado desenvolvimento da temática relativa à classificação dos diferentes tipos de cartões, cfr. Maria Raquel Guimarães, loc. cit., pp. 58 e ss.).<br> <br> 2 - Como explica Menezes Cordeiro, num prisma de Direito bancário, os cartões dependem dum contrato específico, destinado á sua emissão. O regime aplicável aos cartões bancários consta, entre nós, como na generalidade dos países, de cláusulas contratuais gerais ( ) Cfr. Menezes Cordeiro, "Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, p. 521.).<br> <br> 2.1. - Com efeito, em Portugal, como na generalidade dos países, não existe legislação específica na matéria, tendo a outorga de tais meios de pagamento por base uma contrato de cláusulas prefixadas pelos bancos a que os clientes se limitam a aderir - é o contrato de adesão ( ) Amável Raposo, loc. cit., pp. 15 e ss.).<br> É à luz deste contrato que as posições do banco e do cliente deverão ser prioritariamente aferidas, no quadro das normas que disciplinam a actividade bancária, bem como as matérias da responsabilidade civil e da prova e ainda as cláusulas contratuais gerais limitadoras da autonomia das partes - Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.<br> <br> 2.2. - Constitui questão muito debatida na doutrina a de saber se esse contrato específico, que podemos, por facilidade, denominar "contrato de utilização" constitui um tipo contratual autónomo ou se é apenas parte integrante do depósito bancário que, como se viu, está necessariamente subjacente à emissão do cartão de débito.<br> Segundo Maria Raquel Guimarães, cujo discurso, nesta matéria, nos merece acolhimento, o contrato de utilização é um contrato acessório, instrumental, em relação ao contrato de depósito bancário ( ) Loc. cit., p. 107.). Como observa um outro Autor - Luís Miguel Monteiro -, esta acessoriedade revela-se não só pela função do próprio contrato, mas também pelo seu destino, dependente das vicissitudes daqueles tipos contratuais. Assim, v.g., o cancelamento do depósito à ordem importará a caducidade do contrato de utilização ( ) Loc. cit., p. 148.).<br> Segundo uma outra Autora - Gete Alonso y Calera -, citada por Raquel Guimarães, entre o contrato de utilização e o contrato de depósito bancário existe mesmo uma relação de "interdependência jurídica", um "sinalagma funcional e bilateral" que, ao mesmo tempo, separa e individualiza as duas relações contratuais.<br> Assim, e apesar da "vinculação funcional" existente entre estes dois contratos, é possível distinguir dois tipos contratuais distintos, embora coligados. Isto na medida em que, como refere Raquel Guimarães, a influência recíproca dos dois contratos se manifesta sobretudo na sua fase executiva, ao nível dos objectivos que se pretende alcançar, "mantendo os dois contratos em causa, apesar do interesse económico que lhes é comum, a sua individualidade própria" ( ) Loc. cit., pp. 108-109.), salientando-se que essa recíproca influência condiciona os dois contratos, uma vez que não só o cancelamento do contrato de depósito acarreta a extinção do contrato de utilização, mas também a utilização abusiva do cartão pode levar à resolução do contrato de depósito.<br> Resulta do exposto que é possível, aquando da emissão de um cartão de débito, identificar uma verdadeira proposta contratual e a respectiva aceitação, com conteúdos distintos daqueles que originam um depósito bancário, embora proferidas pelos mesmos sujeitos que são partes de um contrato deste tipo - acrescendo que, muitas vezes, tais declarações negociais são também efectuadas no mesmo momento em que o contrato de depósito bancário é concluído.<br> 2.3. - Quer isto dizer que, não obstante o contrato de depósito bancário que lhes subjaz, as operações de levantamento de numerário em máquina de caixa automática e de pagamento automático, são juridicamente fundadas sobre o contrato de utilização - verdadeiro contrato autónomo, querido pelas partes, , em consequência do qual uma instituição bancária emite um "cartão de plástico" em nome de um seu cliente com o objectivo de lhe permitir a realização de um conjunto de operações automatizadas. Todavia, as declarações de vontade conducentes à conclusão do contrato reduzem-se, em regra, à mera assinatura, pelo depositante, de um formulário de onde constam, previamente redigidas e impressas, diferentes cláusulas ( ) Não é esta a sede para cuidar de um outro contrato cuja celebração é também pressuposta pela operação de pagamento. Referimo-nos ao contrato entre a instituição bancária e um estabelecimento comercial, pelo qual este se obriga a aceitar os cartões emitidos pelo banco enquanto meio de pagamento.).<br> Estamos perante um verdadeiro contrato pré-elaborado, cujo clausulado é unilateralmente imposto pela parte contratualmente mais forte, reduzindo-se a liberdade contratual da contraparte à decisão de aderir ou não ao contrato. Situamo-nos, assim, no domínio da contratação massificada, dos contratos de adesão, onde o princípio da liberdade contratual é seriamente afectado e onde o desequilíbrio entre os contraentes põe frequentemente em causa os direitos e as garantias da parte mais fraca.<br> Impõe-se, pois, um controlo a posteriori das condições gerais inseridas em tais contratos, ou então, independentemente da inclusão em concreto de uma cláusula num determinado contrato, o seu controlo preventivo através de uma acção inibitória, em qualquer caso tendo por base o Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, que visou transpor para o direito interno a Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993 ) Publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias nº L 95/29, de 21.04.93..<br> Na verdade, a regulamentação das cláusulas contratuais gerais, também designadas condições negociais gerais, condições gerais dos contratos, insertas em contratos de ou por adesão, contratos de série e contratos standardizados, elaborados de antemão, limitando-se os destinatários indeterminados a subscrevê-los ou aceitá-los, visa a actuação dos imperativos constitucionais de combate aos abusos de poder económico e da defesa do consumidor e a preservação da autonomia privada ( ) Cfr. o Acórdão do STJ de 06.05.93, Processo nº 83348.).<br> Daí que sejam nulas as cláusulas contratuais gerais insertas em contrato-tipo de adesão que violem normas imperativas de ordem pública, designadamente, as que
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - Por apenso a execução ordinária para pagamento de quantia certa, instaurada por "Ribadão - Indústria de Madeiras, Lda." contra A e "Madeifer - Comércio de Madeiras, Ferragens e Ferramentas,<br> Lda.", esta deduziu embargos de executado, com o fundamento de que "os títulos de crédito dos autos são inexequíveis dada a inexigibilidade das obrigações cambiárias que os mesmos titularam, em consequência de sucessivas reformas desses títulos.<br> Houve contestação e procedeu-se a julgamento.<br> Os embargos foram julgados improcedentes pela sentença de fls. 84 e seguintes, confirmada pelo acórdão de fls. 123 e seguintes.<br> Neste recurso de revista, a embargante pretende a revogação daquele acórdão e formula as seguintes conclusões:<br> - as letras foram sendo sucessivamente reformadas e pagas pela recorrente;<br> - essas reformas resultam plenamente provadas por documentos da autoria da recorrida, não impugnados;<br> - houve acordo de reforma destinado a operar a substituição dos títulos;<br> - a recorrida manteve-se ilegitimamente na posse das letras uma vez que já deveria, há muito, tê-las devolvido à recorrente;<br> - por isso, os títulos de crédito são inexequíveis, sendo inexigíveis as obrigações cambiárias que os mesmos titulam;<br> - foi violado o disposto nos artigos 217, 219, 374, e 376 do Código Civil.<br> A recorrida, por sua vez, sustenta dever negar-se provimento ao recurso.<br> II - Factos dados como provados:<br> A exequente é portadora de três letras de câmbio, cada uma no montante de 2560279 escudos, com vencimentos em 23 de Dezembro de 1990, 23 de Janeiro de 1991 e 23 de Fevereiro de 1991.<br> O gerente da executada Madeifer apôs a sua assinatura nessas letras, no lugar destinado ao aceite, em 23 de Outubro de 1990.<br> O executado A apôs a sua assinatura no verso das mesmas letras e, por cima, escreveu "por aval à firma aceitante".<br> Por conta da letra com vencimento em 23 de Dezembro de 1990, a embargante entregou à embargada 760279 escudos e, em momento posterior, mais 800000 escudos.<br> Por conta da letra com vencimento em 23 de Janeiro de 1991, entregou as mesmas quantias.<br> E, por conta da letra com vencimento em 23 de Fevereiro de 1991, entregou 300000 escudos.<br> III - Quanto ao mérito do recurso:<br> A embargante invoca, como fundamentos de oposição à execução, a "inexequibilidade do título" e a "inexigibilidade da obrigação exequenda", previstos nas alíneas a) e f) do artigo 813 do Código de Processo Civil.<br> O título diz-se inexequível quando não reúne as condições externas necessárias para poder servir de base à execução e que são, no que reporta às letras de câmbio, as mencionadas no artigo 1 da L.U.L.L.<br> A exigibilidade da obrigação, por sua vez, consiste na possibilidade legal do seu cumprimento coercivo (artigo 817 do Código Civil).<br> No caso presente, não se configura qualquer desses fundamentos, uma vez que as letras dadas à execução revestem todos os requisitos do citado artigo 1 e estão vencidas, nada se tendo sequer alegado em sentido contrário.<br> Do que se trata antes é do fundamento de extinção da obrigação (artigo 815 n. 1 do Código de Processo Civil), decorrente de alegadas reformas daquelas letras, sendo certo que ao tribunal cabe a aplicação da lei (artigo 664 do citado Código), pelo que esse fundamento deve ser apreciado, apesar de lhe corresponder qualificação jurídica diversa da invocada.<br> A reforma de letra de câmbio "consiste em substituir uma letra antiga por uma letra nova", traduzindo-se "numa espécie de pagamento, porque com a letra nova se amortizou a antiga" (Gonçalves Dias, Da Letra e Da Livrança, I, página 401), ou na "substituição de uma letra por outra de igual montante e com as mesmas assinaturas", em que "tudo se passa como se o devedor pagasse efectivamente a primeira letra, obrigando-se em seguida novamente a uma prestação cambiária idêntica" (Pinto Coelho, Lições Direito Comercial, 2. Vol., fasc. VI, As Letras, 2. parte, pág. 67).<br> Dessas noções resulta que o elemento fundamental da reforma é a substituição de uma letra (letra reformada) por outra (letra de reforma), o que poderá ser motivado por diversas circunstâncias como o simples diferimento da data do vencimento, alteração do montante, a intervenção de novos subscritores ou a eliminação de algum dos anteriores; o caso mais frequente é o de amortização parcial do débito, passando a constar da nova letra o montante ainda em dívida, o que poderia, porém, ser obtido através de um meio mais simples, ou seja, da menção na letra inicial do pagamento parcial (artigo 39 da citada L.U.L.L.).<br> O ponto que tem sido objecto de discussão e divergência, e em que se baseia a recorrente, é o da extinção, por novação, da letra reformada.<br> A novação é uma forma de extinção das obrigações e tem lugar, no aspecto objectivo, "quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga" (artigo 857 do Código Civil), o que pressupõe, em princípio, uma outra e diversa obrigação e não a simples alteração de algum dos elementos da obrigação existente.<br> Exige-se ainda, no artigo 859 do citado Código, que "a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada". Isto significa que a vontade de extinguir a obrigação anterior deve ser declarada de modo directo, inequívoco ou terminante, não se tendo mesmo considerado suficiente a formulação proposta por Vaz Serra no sentido de essa vontade ser "claramente manifestada", pelo que não basta uma declaração tácita ou presumida (cfr. A. Varela, Das Obrigações..., II, pág. 235).<br> Ora, a reforma de letras, no caso mais vulgar de simples redução do seu montante, por amortização parcial, reconduz-se melhor ao conceito de alteração do que ao de novação e, de qualquer modo, não é suficiente o elemento objectivo de substituição de uma letra por outra, sendo ainda indispensável a declaração de vontade de extinção da primitiva obrigação cambiária, manifestada pelo modo expresso já apreciado (neste sentido, acórdão deste tribunal de 22 de Novembro de 1990, no Bol. 401, pág. 599, voto de vencido no acórdão de 12 de Janeiro de 1984, no Bol. 333, pág. 476, e, para hipótese semelhante, Vaz Serra, na Rev. Leg. J., 110, pág. 376).<br> Um meio directo de manifestação daquela vontade é a devolução dos títulos reformados pois, se ela não ocorrer, justifica-se mesmo a presunção de as partes se quererem manter vinculadas por esses títulos. Tal presunção tem ainda lugar, e mais vincadamente, na hipótese de esses títulos conterem assinaturas de outros obrigados cambiários, mesmo de simples garantes, não reproduzidas nas letras de reforma, por não ser normal que o seu portador queira prescindir das garantias dadas por tais assinaturas.<br> Também o facto de ter havido pagamento parcial de uma letra, acompanhado ou não de reforma ou de menção nela expressa, não lhe retira a força de título executivo, por não poder o portador recusar esse pagamento (cit. artigo 39 da L.U.), sem prejuízo de, no domínio das relações imediatas, o devedor poder livremente invocar essa amortização e de o credor a dever considerar no requerimento inicial da execução (assim, acórdão deste tribunal de 12 de Março de 1989, no Bol. 386, pág. 473).<br> No caso presente, a embargante alegou, na petição dos embargos, e no essencial, que as letras dadas à execução "foram objecto de sucessivas reformas", algumas delas acompanhadas de cheques "para amortização da reforma", e concluiu que "seria apenas devedora das letras que por último reformaram cada uma das letras dos autos", por serem elas "que titulariam presentemente o que resta pagar...", e que as letras anteriores "deviam há muito ter sido devolvidas...", mas a embargada "estranha e inexplicavelmente não a devolveu".<br> E disse a embargada, também no essencial, que aquela "apenas se limitou a fazer as entregas que foram creditadas por conta..., não tendo remetido novos títulos com a garantia inserta nos primeiros - aval".<br> A "reforma de letras" não é um puro facto mas um conceito de direito e a embargante não alegou factos concretos que o possam integrar, como os elementos ou requisitos das novas letras, nem nas respostas aos quesitos se deram como provadas as "reformas" aí mencionadas, apenas se tendo provado a entrega de diversos montantes "por conta" das letras dadas à execução e já referidos, aliás, no respectivo requerimento inicial.<br> Isto bastaria, em rigor, para não poder este tribunal considerar as pretensas "reformas de letras" invocadas pela recorrente, uma vez que apenas cabe ao tribunal de revista, em princípio, a aplicação do regime jurídico adequado aos factos fixados pelo tribunal recorrido (artigos 722 n. 2 e 729 do Código de Processo Civil).<br> Alega porém a recorrente que, em face dos documentos de fls. 5 a 36, da autoria da recorrida, que não impugnou a sua letra e assinatura, há prova plena das sucessivas reformas das letras e dos respectivos pagamentos parciais bem como, consequentemente, do acordo de reforma destinado à substituição dos títulos e da posse ilegítima das letras reformadas.<br> Alguns daqueles documentos são efectivamente da autoria da recorrida e estão assinados por ela, que não impugnou a sua letra e assinatura, pelo que fazem prova plena "quanto às declarações atribuídas ao seu autor" (artigos 374 e 376 do Código Civil) e, nesta medida, podem ser atendidos por este tribunal (cit. art. 722 n. 2).<br> Desses documentos não resulta, porém, que a embargante tenha efectivamente entregue à embargada, em pagamento das letras accionadas, quantias superiores àquelas que foram dadas como provadas e reconhecidas no requerimento inicial da execução, por não haver neles qualquer declaração da segunda nesse sentido.<br> Para além desses pagamentos, consta da tais documentos a referência a juros de mora, diversas despesas com encargos bancários, expediente, protesto e outras, como "despesas da letra reformada" ou "reforma debitada", e, por diversas vezes, a n/saque... para reforma...".<br> De tais elementos, conjugados com a posição repetidamente assumida pela embargada de que a embargante não remeteu "novos títulos com a garantia inserta nos primeiros - aval", pode reconhecer-se que houve diversas "reformas" das letras subscritas inicialmente, no sentido da emissão de novas letras aceites pela embargante, mas sem a assinatura do avalista que constava das letras iniciais.<br> Apesar disso, não procede a argumentação da recorrente de que a recorrida se tenha mantido, ilegitimamente, na posse daquelas letras.<br> Como se notou, a simples substituição de uma letra por outra não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária, dado ser ainda indispensável uma expressa ou inequívoca manifestação de vontade nesse sentido.<br> Ora, a embargante não alegou sequer a existência de tal declaração de vontade, como lhe competia (art. 342 n. 2 do Código Civil), e o momento processual adequado era a petição dos embargos, os quais se destinam à impugnação dos requisitos do título executivo e do direito substancial do exequente, em termos idênticos aos da contestação no processo de declaração (artigos<br> 812 e seguintes do Código de Processo Civil).<br> Nesse articulado, limitou-se a embargante a alegar que as letras reformadas "deviam há muito ter sido devolvidas..." e que a embargada "estranha e inexplicavelmente não as devolveu...", mas isso não é suficiente como manifestação daquela declaração de vontade, não se tendo sequer alegado que alguma vez a primeira houvesse pedido a restituição dos títulos e a segunda a tivesse recusado.<br> De resto, contendo aquelas letras uma garantia de aval que não constava das pretensas letras de reforma, nunca seria legítimo presumir que o seu portador prescindisse de tal garantia, aceitando as novas letras em efectiva ou definitiva substituição das primeiras.<br> De qualquer modo, não se tendo provado (nem alegado) o pagamento integral dos montantes das letras dadas à execução ou a novação das respectivas obrigações, a exequente manteve-se na posse legítima desses títulos executivos e não se configura o fundamento de extinção da obrigação exequenda.<br> Em conclusão:<br> A simples reforma de letra de câmbio, por substituição de uma (letra reformada) por outra (letra de reforma) não implica a extinção, por novação, da primitiva obrigação cambiária.<br> É indispensável, para esse efeito, a alegação e prova de expressa ou inequívoca manifestação de vontade no sentido de se contrair uma nova obrigação em substituição da antiga (artigos 857 e 859 do Código Civil).<br> Tal declaração negocial não se presume, designadamente se não houve restituição do título inicial ou se este contém alguma garantia especial não incluída no novo título.<br> Pelo exposto:<br> Nega-se a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 26 de Março de 1996.<br> Martins da Costa.<br> Pais de Sousa.<br> Amâncio Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:</div>I- O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo reclamou, em execução pendente no tribunal comum, um seu crédito contra o executado Clube de Futebol A.<br> Houve impugnação e resposta.<br> Na sentença de fls. 25 e segs, o crédito reclamado foi reconhecido e graduado.<br> Em recurso de apelação, essa sentença veio a ser confirmada pelo acórdão de fls. 68 e segtes.<br> Neste recurso de revista, o executado pretende a revogação daquele acórdão e a improcedência da reclamação, com base nas seguintes conclusões:<br> - o Dec-Lei nº 124/96, de 10.8, abrange as reclamações de créditos fiscais deduzidas em processos comuns, obstando à sua procedência;<br> - foi violado o disposto no artº 665º do Cod.P.Civil e nos artºs 1º, 2º nº 1 a), 3º nº2, 5º e 7º nº1 e 2 do cit. Dec-Lei.<br> Em contra-alegações, o Centro Regional sustenta a improcedência do recurso.<br> II - Situação de facto:<br> Por apenso à execução de sentença em que são exequente B, e executado Clube de Futebol A, veio o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, atempadamente, reclamar o crédito de 159064413 escudos, acrescido de juros de mora já vencidos até Fevereiro de 1997, no valor de 77153377 escudos, e vincendos.<br> Aquele crédito diz respeito a contribuições devidas pelo executado ao reclamante, correspondentes às remunerações pagas aos trabalhadores daquele.<br> Admitido o crédito liminarmente e cumprido o disposto no artº 866º nº2 do Cód. P. Civil, veio o executado contestar a reclamação.<br> O executado requereu o pagamento fraccionado do crédito reclamado, ao abrigo do Dec-Lei nº 124/96 de 10 de Agosto estando autorizado a pagar a dívida em prestações e estando a sua situação perante a Segurança Social, em 15.05.98, regularizada.<br> III - Quanto ao mérito do recurso:<br> A questão suscitada consiste em determinar se um crédito da segurança social, abrangido pelo benefício de pagamento em prestações previsto no Dec-Lei nº 124/96, de 10.8, pode ser objecto de reclamação em processo de execução pendente, no tribunal comum, contra o mesmo devedor.<br> Nas decisões das instâncias adoptou-se essa solução e considerou-se, no essencial, que: pelo citado diploma "não se criou ou instituiu ... uma causa ou fundamento extintivo ou suspensivo em relação às dívidas existentes ..."; no seu artº 14º nº 10 apenas se prevê "a suspensão dos processos de execução fiscal..."; com aquela reclamação, o credor só visa "garantir o pagamento e o valor da dívida"; seria necessário que o referido diploma dissesse que o "crédito ... não pode ser reclamado"; de outro modo, o credor correria o risco de perder a garantia real do seu crédito e de não "poder fazer valer o seu direito".<br> Salvo o devido respeito, não é de seguir essa orientação.<br> O regime jurídico do cit. Dec-Lei nº 124/96, vulgarmente designado por "Plano Mateus", traduz-se, em geral, no seguinte: diferimento do pagamento dos créditos, através do pagamento em prestações mensais (artºs 1º nº1 e 5º); exigência de certas condições de acesso (artº 3º nº1); as dívidas "tornar-se-ão exigíveis" quando "deixe de ser efectuado o pagamento integral e pontual das prestações", além de outras hipóteses aqui sem interesse (artº 3º nº2); a administração fiscal e as instituições de previdência e de segurança social podem, em certos casos, "constituir penhor ou hipoteca legal ..." ou "efectuar nova penhora ..." (artº 6º nºs 2 e 4); e o deferimento do pedido de adesão determina "a suspensão dos processos de execução fiscal ... quando não se tornem necessários para garantir o valor da dívida, nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 6º" (artº 14º nº 10).<br> O objectivo deste plano caracteriza-se por um compromisso entre a recuperação de créditos do Estado e a viabilização económica das entidades devedoras, sendo de destacar, como ponto fundamental, a inexigibilidade da dívida enquanto o devedor efectuar o oportuno pagamento das prestações ajustadas ou cumprir certas outras obrigações. Com este regime, o Estado assume certamente alguns riscos quanto à possibilidade de futura cobrança dos créditos mas eles têm-se como compensados com as vantagens obtidas.<br> Daqui decorre que, enquanto se mantiver a aludida inexigibilidade, o crédito não pode ser objecto de reclamação em execução pendente no tribunal comum: a admissibilidade dessa reclamação redundaria na possibilidade de se obter, por via indirecta, aquilo que se não reconhece, em princípio, o que seria contraditório; a constituição das garantias a que se referem os citºs artºs 6º e 14º nº10 não se pode confundir com o pagamento coercivo visado por aquela reclamação; ao conceder um prazo prolongado para o pagamento (que pode atingir 150 meses), o Estado não ignora a eventualidade de futuras crises financeiras do devedor e assume os inerentes riscos; e afigura-se irrelevante a circunstância de o artº 865º nº3 do Cod.P.Civil permitir a reclamação "ainda que o crédito não esteja vencido", pois não se trata aqui de falta de vencimento mas de uma causa específica de inexigibilidade, ajustada entre credor e devedor.<br> Poderia porventura dizer-se que o legislador terá partido do pressuposto da impenhorabilidade dos bens já apreendidos em execuções fiscais, prevista no art. 300 nº1 do Cod. Proc. Trib., como garantia suficiente para se dispensar a reclamação do crédito em execução pendente nos tribunais comuns, e que, afastado esse pressuposto pela declaração de inconstitucionalidade constante do acórdão do T.C. de 6-7-95 (no D.R. 1ª Ser., de 3-8-95), a questão deveria ser objecto de nova apreciação, mas o certo é que o acórdão tem data muito anterior à do cit. Dec-Lei nº 124/96, não se justificando pois tal pressuposto.<br> No caso presente, foi concedido ao devedor o benefício de pagamento da dívida em 150 prestações, ao abrigo do regime previsto no cit. Dec-Lei nº 124/96.<br> Não se alega sequer que ele tenha deixado de pagar alguma prestação ou de cumprir alguma das outras obrigações impostas por esse diploma, tendo-se mesmo dado como provado que, em 15-5-98, a sua situação perante a Segurança Social estava "regularizada".<br> Deste modo, não era admissível a reclamação de crédito apresentada pelo recorrido Centro Regional da Segurança Social.<br> Em conclusão:<br> O crédito da Segurança Social que estiver abrangido pelo benefício de pagamento em prestações, previsto no Dec-Lei nº 124/96, de 10-8, e enquanto se mantiver essa situação jurídica, não pode ser objecto de reclamação em execução pendente, no tribunal comum, contra o mesmo devedor.<br> Pelo exposto:<br> concede-se a revista.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, bem como a decisão da 1ª instância, e declara-se não admissível a reclamação de crédito apresentada pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo.<br> Sem custas (artº 2º nº1 g), do Cod. Custas).<br> Lisboa, 1 de Junho de 1999.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Machado Soares.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, neste Supremo:-<br> A, solteiro, ajudante de tecelão, residente na Rua de Salazares, 768, Porto, propos acção contra o Estado Portugues para obtenção do estatuto de objector de consciencia que o dispense do serviço militar obrigatorio.<br> Não houve contestação. Prosseguiu o processo e foi proferida a sentença, julgando improcedente a acção com denegação do pretendido estatuto.<br> Recorreu o Autor, mas a Relação não o atendeu, confirmando a sentença recorrida.<br> E agora recorre o mesmo Autor, pedindo revista do Acordão da Relação, para se julgar procedente a acção.<br> Com a defesa do principio afirmativo de que "a lei não impede que os tribunais decretem o estatuto (de objector de consciencia) a todas as testemunhas de Jeova que o requeiram e que pelo seu curriculo demonstrem sem sombra de duvidas que não são movidos por oportunismo facil", conclui que os factos provados sustentem bem a atribuição do estatuto do objector de consciencia, so que as Instancias inobservaram o disposto no artigo 24 n. 4, da Lei n. 6/85, de 4 de Maio, ao submeter-lhe aqueles factos.<br> Pelo contrario, o Ilustre Representante do Ministerio Publico neste Supremo defende a negação de revista, por nenhuma lei substantiva se mostrar ofendida nas decisões da Instancia.<br> Nada obsta a que se decida.<br> Para todo o cidadão se impõe o dever, constitucionalmente consagrado, de defesa da patria. E dai que tambem para todos a Constituição estabeleça a sujeição ao Serviço Militar Obrigatorio. Tão interligados estão, que bem podera dizer-se que este serviço emana daquele dever.<br> Estabelece tambem a Constituição a igualdade de tratamento e de posições entre todos os cidadãos.<br> E e conhecida a penosidade ligada, para o comum dos cidadãos, ao cumprimento do serviço militar obrigatorio.<br> Preve, no entanto, o diploma constituicional a dispensa, em certos casos e para certos cidadãos, deste serviço.<br> E um deles e a objecção de consciencia, cujo exercicio comporta "a isenção do serviço militar, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra", mas "implica para os respectivos titulares o dever de prestar um serviço civico adequado a sua situação e de duração e penosidade equivalentes as do serviço militar armado - artigos 41 n. 6, da Constituição, e 1 e 5, da Lei n. 6/85, de 4 de Maio.<br> Definem-se no artigo 2 desta lei, e para este efeito, os objectores de consciencia. E regula-se nos artigos 16 e seguintes o processo judicial adequado a obtenção do respectivo estatuto, fixando-se no n. 4 do artigo<br> 24 o condicionalismo cuja verificação e exigida para isso.<br> E so pode ser concedido tal estatuto a quem, cumulativamente, prove factos que demonstrem:- a)- A sinceridade de convicção pessoal - note-se pessoal - acerca da ilegitimidade do uso de meios violentos de qualquer natureza, ainda que para fins de defesa nacional, colectiva ou pessoal; b)- por motivos de ordem religiosa, moral ou filosofica, e c)- com comportamento anterior em coerencia com tal convicção, designadamente com filiação em associações ou confissões religiosas cuja doutrina seja contraria ao uso daqueles meios violentos.<br> Ve-se, assim, que o legislador aceitou, para este efeito, a objecção de consciencia, mas não facilitou a concessão do respectivo estatuto; ou seja, não facilitou a dispensa do serviço militar obrigatorio.<br> Revelou-se cauteloso, acolhendo-se a via do processo judicial, e exigente, pelo rigor da situação de facto em que tem de apoiar-se a decisão judicional que o concede. Numa palavra:- foi prudente jurisdicionalizando a sua concessão.<br> E compreende-se. Ha que não agravar os que se submetem ao cumprimento do serviço militar, nem criar situações de inconstitucionais desigualdades.<br> Mas sem desrespeitar os autenticos - repete-se, autenticos - objectores de consciencia.<br> Por isso, enquanto a lei não for alterada e esta materia se mantiver afecta ao poder judicial, mantendo-se tambem, e por outro lado, a obrigatoriedade do serviço militar, os tribunais não podem obviar ao rigor da lei.<br> Considerou a Relação provar apenas o seguinte:- Nascido em 4-7-70, o Autor foi recenseado em 1988, com inspecção militar marcada para 28-11-89.<br> Desde tenra idade que ele, autor, assiste, com os pais, as reuniões e assembleias das Boas Novas do Reino das Testemunhas de Jeova; e,<br> nunca se envolveu em actos de violencia, defendendo uma visão pacifica para solucionar os conflitos entre os homens.<br> Foi ele ordenado como ministro pregador do Reino de Deus da Congregação do Pereiro das Testemunhas de Jeova.<br> Destes factos apenas se pode deduzir seguramente que o Autor milita nas Testemunhas de Jeova, cuja desenfreada oposição ao serviço militar e conhecida. E ate se não foi esta a principal, foi sem duvida, e pelo menos, uma das grandes razões de sua publicidade.<br> Na jurisprudencia deste Supremo tem-se entendido, pelo menos predominantemente, que não basta a filiação ou militancia em qualquer associação filosofica e (ou) congregação religiosa, designadamente naquelas "Testemunhas", para obtenção do estatuto de objector de consciencia.<br> E que a lei exige mais que isso. Para alem dos principios e ideias defendidas por qualquer associação em que se colabore e (ou) milite, exige-se a "convicção pessoal", cuja sinceridade tem que ser provada e para isto (prova de sinceridade) e que podera servir a filiação em associações ou confissões religiosas.<br> A prova dessa "convicção pessoal" falha, não existe.<br> Mas considerando o que se revela no interrogatorio, sobre o serviço civico, mais parece e que o Autor, mais que com a "ilegitimidade de uso de meios violentos" se preocupa com a obrigatoriedade, imposta pelo Estado, de prestação de serviços civicos a sociedade.<br> Obedecer, sim, as imposições da sua confissão religiosa, não as obrigações civicas impostas pelo Estado. O que nada tem com a objecção de consciencia que ora nos acupa.<br> O fervor e adesão militantes, por um lado, e a personalidade do individuo, por outro, não se confundem. Aqueles traduzem, quando muito, um estado tendencial que se não confunde com uma segura convicção pessoal. Ha diferença entre o ser e o dever ser. Os homens falham, nem sempre existe coincidencia entre a posição ideologica e o comportamento do individuo e as regras de doutrina a cuja sombra se acolhem.<br> No fundo todos seremos pacifistas e adeptos do não uso das armas. Em condições normais, ninguem sera contra a paz. E facil, pois, aceitar o não uso de meios violentos e considerar o seu uso ilegitimo. Mas dai ate criar uma sincera convicção pessoal, por formação moral, religiosa ou filosofica, de ilegitimidade de defesa de patria, com armas se necessario, vai ainda um largo percurso mental. E para corre-lo não basta a filiação numa qualquer associação religiosa.<br> Pelo exposto, nega-se a revista.<br> Sem custas - artigo 16 n. 5 da citada Lei (neste ponto o relator reve, apos estudo, posição contraria seguida noutro acordão que relatou).<br> Lisboa, 21 de Maio de 1991.<br> Joaquim de Carvalho,<br> Marques Cordeiro,<br> Leite Marreiros.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> D. A solicitou a concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização ao abrigo do disposto nos artigos 6 e 7 da Lei n. 37/81, de 3 de Outubro.<br> Instruido o processo, foi o pedido rejeitado por despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Interna, de 23 de Outubro de 1991, em virtude de os rendimentos apresentados pelo requerente "não serem suficientemente sólidos por forma a garantir uma subsistência segura e efectiva, de acordo com o que estipula a alín. e) do n. 1 do art. 6, da Lei n. 37/81, de 3 de Outubro".<br> A Relação de Lisboa, porém, baseando-se em documento junto por D. A com a petição de recurso daquele despacho, revogou-o para ser substituído por outro "considerando que a requerente - recorrente possui capacidade económica para reger a sua pessoa e assegurar sua subsistência".<br> Recorreu o Ministério Público e nas suas alegações o Excelentíssimo Procurador-Geral Distrital conclui assim:<br> - Foi denegada pela Administração a concessão da nacionalidade por naturalização à ora recorrida, A, por se haver entendido que os rendimentos mensais por ela alegados (41250 escudos) não eram suficientemente sólidos por forma a garantir uma subsistência segura e efectiva (v. a alínea e) do artigo 6 da Lei n. 37/81);<br> - Apreciando o recurso por ela interposto, entendeu a<br> Relação de maneira diversa, pois que teve em conta, invocando para o efeito o disposto no artigo 358, n. 1, do Código do Registo Civil, um outro rendimento, bem mais elevado (100000 escudos), apenas alegado pela interessada na minuta de recurso;<br> - Mas tal não era nem é legal, atentos os princípios que regem os actos administrativos e por, ao contrário do que se pretendeu, o referido artigo 358, n. 1, apenas se reportar a apresentação de documentos mas não<br> à adução de factualidade inovadora;<br> - Foi, por isso, e pelo menos, infringido tal preceito por erro de interpretação e aplicação;<br> - Deve, em consequência, revogar-se o acórdão impugnado a fim de a Relação, de novo, conhecer do recurso com base tão só no rendimento mensal de 41250 escudos.<br> A recorrida alegou em defesa do julgado.<br> O ilustre representante do Ministério Público neste<br> Tribunal declarou acompanhar as alegações de recurso do Excelentissimo Procurador - Geral Distrital junto da<br> Relação de Lisboa.<br> Cumpre decidir.<br> Quanto à única questão que aqui interessa analisar (verificação ou não do requisito mencionado na segunda parte da alínea e) do n. 1 do artigo 6 da Lei n. 37/81, de 3 de Outubro) o Tribunal da Relação de Lisboa deu como provado que:<br> - a ora recorrida juntou documento da sua entidade patronal de então, comprovando ser trabalhadora por conta de outrem auferindo o vencimento mensal de 41250 escudos;<br> - estava inscrita no respectivo Centro Regional de Segurança Social;<br> - desde 1 de Novembro de 1991 trabalha como secretária na "Sulemanos", auferindo a remuneração mensal de<br> 100000 escudos;<br> - o agregado familiar da recorrida apenas abarca sua filha com 14 anos, estudante do ensino preparatório.<br> Considerou o Tribunal da Relação que a recorrente possui capacidade económica para reger a sua pessoa e assegurar a sua subsistência, estando, por isso, preenchido também o requisito a que alude a alínea e) do n. 1 do artigo 6 da Lei n. 37/81.<br> E para assim julgar teve em linha de conta que o seu rendimento mensal é de 100000 escudos, assim acolhendo, confessadamente, ao abrigo do artigo 358, n. 1, do Código do Registo Civil, alegação e documento produzidos pela primeira vez na respectiva petição de recurso, pois até à decisão do Senhor Secretário de Estado sobre a requerida naturalização, o rendimento mensal alegado e provado era de apenas 41250 escudos.<br> Ora pergunta-se:<br> Podia o Tribunal da Relação ter em conta a alegação e documento a que nos referimos?<br> Respondemos afoitamente que não.<br> Na verdade, como bem diz o Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, está em causa um acto administrativo do governo e a apreciação da sua legalidade conducente ou não à sua anulação.<br> Não podia, pois, o Tribunal introduzir elementos novos no seu julgamento, o que conduziria a uma reapreciação do caso, que só à Administração cabe.<br> Nem o artigo 358, n. 1, do Código do Registo Civil, tal permite.<br> Efectivamente, aquele preceito - "... o recorrente deve apresentar ... a petição de recurso ... acompanhada da exposição do funcionário e dos documentos que pretenda oferecer" - sugere apenas a possibilidade de apresentação de elementos de prova e não a invocação de factos novos. Assim, o Tribunal da Relação não podia atender ao rendimento de 100000 escudos, uma vez que só na petição de recurso a ele se faz apelo.<br> Relevante, a tal respeito, é o rendimento de 41250 escudos, pois foi sobre ele que a Administração trabalhou.<br> Na realidade, foi esse e não outro o rendimento alegado por D. A e depois aceite no despacho em crise.<br> Aliás, a decisão a indeferir o pedido de atribuição de nacionalidade por naturalização tem a data de 3 de Outubro de 1991 e só a partir de 2 de Novembro seguinte é que a recorrida, segundo a declaração datada de 25 daquele mês, passou a ter a categoria profissional de secretária na sociedade comercial "Sulemanos - Comércio de Representações, Importação e Exportação, Limitada".<br> E o conteúdo dessa declaração nem ao menos pode ser objecto de inquérito por parte da Administração, tendente a averiguar da sua conformidade com a verdade material, como é legítimo direito da mesma Administração, segundo decorre do preceituado no artigo<br> 18, n. 3, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei n. 322/82, de 12 de Agosto.<br> Repare-se ainda em que o dito documento nem se mostra ao menos confirmado pela competente Inspecção do Trabalho, nem é complementado por qualquer outro do<br> Centro Regional de Segurança Social relativo aos descontos legais, ao contrário do que acontece com os de folhas 43 e 48.<br> Mas para além disso, sendo subsidiáriamente aplicável o<br> Código de Processo Civil, como expressamente decorre do n. 6 do artigo 38 do falado Regulamento, é uma sua regra de oiro que se houver factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito (e poderá ser considerado como facto modificativo a nova situação profissional da recorrida e o seu novo vencimento?) eles só podem ser invocados até ao encerramento da discussão - conferir artigo 506, n. 1.<br> No caso em análise, como se viu, até já havia sido proferida a decisão! ...<br> Concluímos, pois, que não podia o Tribunal da Relação basear o seu juízo no facto novo alegado por D. A pela primeira vez na petição de recurso, constante do documento então junto, e antes se devia ter cingido tão só ao vencimento que, na petição, inicialmente afirmou receber: 41250 escudos mensais.<br> Em consequência, decide-se anular o acórdão recorrido para que a Relação conheça do recurso interposto mas tão só com base no rendimento mensal de 41250 escudos.<br> Custas pela recorrida.<br> Lisboa, 19 de Janeiro de 1993.<br> Eduardo Martins,<br> Olímpio da Fonseca,<br> Carlos Caldas.<br> Decisão Impugnada:<br> - Acórdão de 92.06.09 da Relação de Lisboa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> I<br> 1. Em 21.5.96, no Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, A e mulher, B propuseram acção com processo ordinário contra:<br> - C e mulher, D; e E <br> pedindo que os réus sejam condenados a reconhecerem que:<br> a) o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial é única e exclusivamente propriedade dos autores; <br> b) os autores gozam do direito de preferência sobre o prédio vendido por escritura de 28.11.95, identificado no artigo 8º da mesma petição, e, em consequência, que os autores substituam a ré E., ocupando o lugar actual desta na referida escritura, cancelando-se todo e qualquer registo feito com base nessa escritura.<br> <br> 2. Na contestação, os réus negaram aos autores a titularidade de qualquer direito de preferência, concluindo pela sua absolvição do pedido; subsidiariamente, para o caso de procedência da acção, deduziram pedido reconvencional.<br> Na réplica e tréplica sustentaram as partes, no essencial, o já alegado na petição inicial e contestação, respectivamente. <br> Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida, a 29.10.97, sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se os réus a reconhecerem o direito de propriedade do prédio identificado na alínea A) da Especificação (aspecto sobre o qual se não suscitou litígio entre as partes, o que determinou a que as custas ficassem a cargo exclusivo dos autores), e absolvendo-os quanto à parte restante (preferência) do pedido.<br> <br> 3. Inconformados, recorreram os autores para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 7.5.98, julgou improcedente a apelação, confirmando inteiramente a sentença recorrida, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, para que remeteu. <br> Não se conformando com o decidido, trazem os autores a presente revista, extraindo das alegações oferecidas as seguintes conclusões:<br> "A) A adquirente do prédio (2ª recorrida) não teve o propósito sério de o destinar a fim diferente da cultura, pois, <br> B) Decorridos anos da sua aquisição, nada foi feito, a não ser limpar a Ribeira e construindo um muro de betão, na extensão da Ribeira;<br> C) A finalidade dos terrenos não pode depender da mera declaração escritural, tendo de ser integrada com as infra-estruturas de aptidão de construção; <br> D) Mesmo que o P.D.M. considere a zona apta para construção, a efectiva realização fica condicionada aos requisitos técnicos e económicos, do aproveitamento do solo, e, <br> E) O terreno vendido não tem nem tinha tais aptidões, não podendo ser destinado à construção urbana; <br> F) Sobre o prédio dos recorrentes, encontra-se constituída uma servidão legal de passagem, por usucapião, a favor do prédio comprado pela 2ª recorrida; <br> G) E esta servidão, não tendo sido declarada extinta, mantém-se, podendo voltar a ser exercida, mesmo que o não seja há cerca de 10 anos, nem nada garante que a servidão possa vir a ser declarada extinta por desnecessidade; <br> H) A extinção das servidões é taxativa, não impondo a lei a sua extinção ipso jure, apenas admitindo a faculdade de requerer a extinção; <br> I) Deviam ter sido alegados factos pelos recorridos que, com segurança, pudessem levar à conclusão de que a servidão existente, podia vir a ser declarada extinta; <br> J) A douta sentença recorrida, permite o sério risco de, por um lado não ser atribuído o direito de preferência aos recorrentes, e por outro, na falta de requisitos, manter-se eternamente a servidão existente; e, <br> L) O legislador, homem prudente e sensato, não pode dar com uma mão, aquilo que retira com a outra; seria a atribuição de todos os direitos a uma parte e a nula salvaguarda de direitos à parte contrária; <br> M) A confinância não significa (com a via pública), que o prédio dominante (sic) deixou de ter necessidade de passar pelo prédio serviente dos recorrentes, visto que a desnecessidade tem de ser apreciada objectivamente e caso a caso, pelos Tribunais; <br> N) A douta sentença ou Acórdão recorridos, fizeram incorrecta aplicação do disposto nos artigos 1381º, 1550º, 1569º e 342º nº 2 do Cód. Civil e 7º do Dec-Lei 576/70 de 24/11 e 14º do Dec-Lei 56/75 de 13/2". <br> <br> 4. Os recorridos pugnam pela confirmação do acórdão recorrido, apresentando contra-alegações em que concluíram:<br> "1º- Não existe qualquer violação de lei substantiva por erro de interpretação ou aplicação, tendo o dito acórdão recorrido julgado de harmonia com a lei e a prova dos autos; <br> 2º- De resto o prédio vendido o foi, à arrendatária, e para ser afecto à sua actividade industrial, e como tal, desfasada está a alegação primeira dos recorrentes; <br> 3º- Bem como se não está na presença de prédio encravado; <br> 4º- Acresce que os recorrentes não alegam nem demonstram a existência de uma servidão legal, condição sine qua non para a pretendida procedência do seu pedido; <br> 5º- A aquisição de tal prédio vem permitir pôr fim às questões de índole ambiental, resultantes da laboração da dita unidade fabril, interesse este de ordem pública, que, odiernamente deve ser cimeiro a qualquer interesse individual, nos termos em que a pretensão dos recorrentes o é meramente excepcional, face ao princípio constitucional de livre disposição da propriedade". <br> II<br> A decisão recorrida emerge da seguinte fundamentação de facto, considerada provada pela sentença da 1ª instância e que aquela decisão teve por fixada: <br> "1. Os AA. são donos do prédio denominado "Regadas" ou "Ribeiro do Mota", sito no lugar de Riomaior / Paços de Brandão, inscrito na matriz rústica sob o artº 72º, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00339/240822, estando a respectiva propriedade inscrita a favor dos A.A.; <br> 2. Os primeiros R.R. eram donos de um prédio contíguo ao dos A.A., inscrito na matriz rústica sob o artº 71º, descrito na Conservatória sob o nº 00481/160393, estando a respectiva propriedade inscrita a favor dos primeiros R.R. desde 16/10/93; <br> 3. Integral conteúdo do contrato de arrendamento de fls. 40 e ss., outorgado por escritura pública em 14/05/93 entre os 1ºs RR. e a 2ª ré, e particularmente o seguinte elemento: "o local arrendado destina-se a estaleiro, logradouro e local de instalação de tratamento das águas das instalações fabris da arrendatária" (artº 3º); <br> 4. Por escritura pública de 28 de Novembro de 1995, outorgada no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, os 1ºs R.R. declararam vender à 2ª Ré o prédio de que eram proprietários e que já se mencionou, pelo preço de 3000000 escudos; <br> 5. A 2ª Ré pagou também a quantia de 300000 escudos de Sisa e 50660 escudos pela realização da escritura; <br> 6. Os 1ºs RR., antes de realizarem a venda do seu prédio à 2ª Ré, nunca ofereceram ou indicaram aos AA., por qualquer meio, as condições do negócio; <br> 7. Quer o prédio dos AA. quer o objecto de venda entre os RR. são terrenos lavradios e até há cerca de 10 anos sempre se destinaram ao cultivo do milho, feijão e verduras, tendo o primeiro uma parte de mato; <br> 8. O prédio dos AA. não é cultivado há cerca de 10 anos; <br> 9. O prédio dos AA. tem a área de 4969 m2 , e o vendido pelos 1ºs RR. à 2ª Ré a de 2200 m2 ; <br> 10. A 2ª Ré não tem qualquer prédio destinado a cultura que confine com o prédio transaccionado na escritura de 28/11/95; <br> 11. Na escritura de 28/11/95 foi declarado que o prédio em causa se destinava a construção urbana; <br> 12. Ao outorgar em tal escritura, a 2ª Ré fê-lo com o objectivo de afectar o prédio à sua actividade industrial de transformação de papel; <br> 13. A zona em que se situam os dois prédios é considerada pelo PDM como apta para construção; <br> 14. O prédio transaccionado é encharcado, húmido e encontra-se junto a um regato; <br> 15. O prédio transaccionado desde há cerca de 10 anos confina com uma estrada municipal infra-estruturada; <br> 16. Desde há mais de 50 anos e até há cerca de 10 anos que a passagem ou acesso da via pública, de pé, bois, carro de bois e de tractor para o prédio transaccionado se faz através do prédio dos A.A. ; <br> 17. Passagem ou acesso que nunca sofreram qualquer oposição ou violência, sempre foi exercida à vista de toda a gente e à luz do dia, sem qualquer interrupção, e estando bem assinalados no solo do terreno quer as marcas dos pés das pessoas, quer os rodados dos carros de bois, quer as patas dos animais, quer os rodados dos tractores; <br> 18. Após 28/11/95 e até 4/6/96, a 2ª Ré procedeu a trabalhos de construção civil no prédio que adquirira, limpando a ribeira de Paramos e regularizando o seu curso na estrema do prédio, e construindo um muro de betão em toda a extensão da ribeira, num comprimento de 50 metros e altura de 3".<br> III<br> O acórdão recorrido confirmou a sentença da 1ª instância, considerando que as questões a decidir na apelação são as mesmas que aquela sentença equacionara.<br> Questões que se traduzem em saber se os autores gozam do direito de preferência, seja em virtude da confinância dos prédios (artigo 1380º do Código Civil), seja porque foi alienado prédio encravado (artigo 1555º do Código Civil).<br> Por unanimidade, o acórdão recorrido decidiu confirmar inteiramente o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer no que concerne aos respectivos fundamentos, para os quais se limitou a remeter.<br> Não obstante entendermos que estão reunidos os pressupostos de aplicação do disposto no artigo 713º do CPC, e que na decisão da presente revista também seria compreensível lançarmos mão do mesmo mecanismo, aplicável por força do que se estabelece no artigo 726º do mesmo Código, não deixaremos de produzir algumas considerações, ainda que breves, acerca das duas questões atrás enunciadas.<br> <br> 1. Segundo o nº 1 do artigo 1380º:<br> "Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante".<br> Por seu turno, prescreve o artigo 1376º:<br> "1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País".<br> <br> 1.1. Não foi por acaso que transcrevemos estas duas normas.<br> Ao invés, fizemo-lo intencionalmente, tendo em conta a unidade do sistema jurídico - como o exige o artigo 9º do CC -, uma vez que ambas traduzem a mesma intenção legislativa de evitar e combater, por razões de ordem económica, a pulverização da propriedade rústica.<br> Assim, enquanto o direito de preferência consignado naquele artigo 1380º arranca da constatação de que a exploração agrícola encontra o seu nível satisfatório de rentabilidade a partir de uma determinada área mínima, variável em função das características dos solos e do tipo de culturas que se praticam, o artigo 1376º, ao proibir a divisão dos terrenos em parcelas de área inferior a essa área mínima, traduz essa mesma preocupação - ambas as normas têm, pois, a finalidade de garantir a melhor rentabilidade da propriedade rústica (cfr. acórdão do Supremo de 26.11.96, Proc. nº 293/96, 1ª Secção, e Henriques Mesquita, parecer de Janeiro de 1990, in CJ, ano XVI, tomo II, 1991, pp. 36-39).<br> <br> 2. Não se questiona que, no caso dos autos, se mostram preenchidos todos os pressupostos a que o citado artigo 1380º condiciona o direito de preferência com base na confinância dos prédios.<br> Por isso que o cerne da questão se traduza antes em saber se se verifica a excepção peremptória prevista no artigo 1381º: <br> "Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:<br> a) Quando algum dos terrenos ...se destine a algum fim que não seja a cultura".<br> <br> 2.1. Tal como em relação aos artigos 1380º e 1376º, também aqui se justifica fazer apelo, por razões de unidade sistemática, à alínea a) do artigo 1377º do mesmo Código, que se harmoniza logicamente, com a transcrita alínea a) do artigo 1381º (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. III, 1972, p. 249). <br> Compreende-se, com efeito, que não haja lugar à preferência quando algum dos terrenos se não destine a cultura, pois aí cessa a apontada ratio legis - o direito de preferência previsto na norma antecedente visa, como se disse, obviar aos inconvenientes derivados da exploração agrícola em áreas fragmentadas com superfícies inferiores à unidade de cultura fixada para a respectiva zona, favorecendo a recomposição das áreas mínimas para esse efeito (sumário do acórdão do Supremo de 11.7.91, no BMJ, nº 409-803).<br> <br> 2.2. Cabia, sem dúvida, aos autores a prova dos factos constitutivos do alegado direito de preferência (artigo 342º nº 1, do Código Civil).<br> Do mesmo modo, há uniformidade doutrinal e jurisprudencial quanto a fazer recair sobre o réu/adquirente o ónus de provar a referida excepção, como facto impeditivo do direito do autor (nº 2 do artigo 342º do CC); ou seja, cabe-lhe alegar e provar que o terreno adquirido se destina a um outro fim, que não a cultura (cfr., para além do já ditado acórdão de 26.11.96, os acórdãos de 18.1.94, na CJ, ano II, tomo I, . 46, e de 23.5.96, Proc. nº 39/96, 2ª Secção).<br> Cumpre, todavia, salientar que nem todos os aspectos que se prendem com esta matéria do ónus da prova colhem unanimidade na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.<br> É o que sucede, nomeadamente, com a necessidade de fazer incluir na escritura o fim da aquisição, e com a possibilidade legal de afectação a fim diferente da cultura, sem embargo de se reconhecer que a orientação francamente maioritária vai, por um lado, no sentido daquela desnecessidade (acórdãos de 18.1.94, já citado, e de 12.5.98, Proc. nº 400/98, 1ª Secção), e, por outro, faz impender sobre os réus/adquirentes a prova da aludida possibilidade (para além dos já citados acórdãos de 11.7.91, 18.1.94 e 26.11.96, vejam-se os de 31.1.80, 5.7.88 e 22.11.88, respectivamente no BMJ, nº 293-358, nº 379-576 e nº 381-592, e mais recentemente os de 21.6.94, na CJ, ano II, tomo II, p. 154, e de 19.3.98, Proc. nº 9/98, 2ª Secção; em sentido contrário, cfr. o citado acórdão de 23.5.96).<br> <br> 2.3. Em breve súmula, salientar-se-á:<br> - por um lado, que decisivo é o fim que o adquirente pretende dar ao terreno, isto é, que a aquisição se destine a qualquer outro fim que não seja a cultura (sem que tal signifique exigência de que o terreno seja, de imediato, utilizado nesse outro fim, bastando que "o seu destino posterior passe a ser outro" - Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits. p. 240);<br> - por outro lado, que é necessário que este facto psicológico tenha reflexo na conduta fáctica apurada, ou seja, que a intenção de se dar determinado destino, diferente da cultura, tenha nos autos concretização e prova bastante. <br> <br> 3. Entendeu o acórdão recorrido (por remissão para a decisão da 1ª instância) que, no caso vertente, se verificam os factos integradores da excepção estatuída na parte final da alínea a) do artigo 1381º, entendimento que faz repousar e arrancar "nos factos, conjugados, de a 2ª ré ter outorgado a escritura de compra e venda do prédio em discussão, com o objectivo de o afectar à construção de uma estação de tratamento de águas para a sua actividade industrial de transformação de papel e de a zona ser considerada pelo PDM local como apta a construção" (fls. 114 e 115).<br> Entendimento e conclusão que merecem o nosso acolhimento, embora consideremos que há outros factos que podem ser chamados à colação, dos quais também resulta, corroborando, que a aquisição teve por finalidade dar ao terreno finalidade diferente da cultura, e que essa intenção obteve suficiente concretização. <br> A saber:<br> - antes da compra e venda, ocorrida em 28.11.95, já a adquirente tomara de arrendamento, por escritura de 14.5.93, o prédio em causa, constando expressamente dessa escritura que "o local arrendado destina-se a estaleiro, logradouro e local de instalação das águas residuais fabris da arrendatária" (nº 3 da matéria de facto);<br> - na escritura de compra foi declarado que o prédio se destinava a construção urbana, sendo objectivo da 2ª ré afectar o prédio à sua actividade industrial de transformação de papel (nºs 11 e 12 da matéria de facto);<br> - após 28.11.95 e até 4.6.96 (num prazo de pouco mais de 6 meses, sublinhe-se), a 2ª ré procedeu a trabalhos de construção civil no prédio, limpando a ribeira de Paramos e regularizando o seu curso na estrema do prédio, e construindo um muro de betão em toda a extensão da ribeira, num comprimento de 50 metros e altura de 3 - nº 18 da matéria de facto (e não de 25 e 2 metros, respectivamente, como alegaram os autores no artigo 28 º da réplica, a fls. 49 v.);<br> - enfim, por último, sempre interessará atentar na natureza jurídica da 2ª ré - uma sociedade por quotas, a cujo objecto social (indústria de transformação de papel), será estranho a utilização do prédio para a cultura (aliás, conforme consta do nº 10 do quadro factual assente, a 2ª ré não tem qualquer prédio destinado a cultura...).<br> <br> Da conjugação de todos estes elementos - e não se estranhe o relevo acabado de conferir a alguns pontos da matéria de facto, pois cumpre reconhecer que a questão ora em causa passa também pelo quadro factual apurado nas instâncias, nomeadamente para integração da excepção em apreço) - resulta, sem margem para dúvidas, não só que o prédio foi adquirido para fim diferente da cultura (em consonância, aliás, com a finalidade para que já vinha sendo utilizado, desde o seu arrendamento), mas também que esse outro fim está já suficientemente definido e concretizado.<br> Uma última nota para referir que ao entendimento dos autores parece, de algum modo, estar subjacente a ideia de que o fim diverso da cultura só pode ser a construção urbana (cfr. as alegações da apelação, a fls. 125, e da revista, a fls. 160).<br> O que, manifestamente, não colhe pois, como por várias vezes dissemos, o que aqui importa é qualquer outro fim que não seja a cultura, podendo o terreno "destinar-se, por exemplo, a um campo de jogos, a um fim acessório de qualquer indústria" (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits. , p. 241).<br> <br> Por todo o exposto, improcedem, nesta parte, as conclusões dos recorrentes.<br> IV<br> 1. A segunda questão suscitada nas alegações dos recorrentes, prende-se com o direito de preferência outorgado pelo artigo 1555º do CC ao "proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo".<br> Instituído o direito de preferência, em matéria de servidão legal de passagem, pelo Decreto de 23.5.1911 e, posteriormente, pela Lei nº 1621, de 5.7.1924, a Reforma de 16.12.1930 (Decreto nº 19126) resolveu expressamente uma questão até então discutida, proclamando o direito de preferência seja qual for o título de constituição da servidão.<br> Ponto é que se trate de uma servidão legal de passagem, consideração que reclama se chame a terreiro o que se dispõe no artigo 1547º do CC:<br> "1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.<br> 2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos".<br> Bem assim, o preceituado no artigo 1550º:<br> "1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. <br> 2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio". <br> <br> 1.1. Nos termos deste último normativo, gozam de um direito potestativo (ou faculdade) de constituir uma servidão de passagem os proprietários de prédio encravado, como tal sendo considerado "não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona" (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits, pp. 585-586; Henriques Mesquita, RLJ, ano 129º-191 e ss.).<br> <br> 2. Permita-se um breve parêntesis para assinalar que a questão a decidir na presente revista se revelaria particularmente facilitada se se adoptasse a posição de António Menezes Cordeiro ("Servidão legal de passagem e direito de preferência", na Revista da Ordem dos Advogados, 50º, 1990, III, pp. 574 e ss., e Parecer de 8.8.88, na CJ, 1992, 1º- 63), segundo o qual as servidões legais não podem constituir-se por usucapião, não sendo aplicável / alargado o regime das servidões legais, com a preferência a elas inerente, às servidões constituídas por usucapião.<br> Porém, já Henriques Mesquita (RLJ, ano 129º, pp. 189-190) afirma que, "segundo entendimento pacífico da doutrina (cita Pires de Lima, "Lições de Direito Civil-Direitos Reais", publicadas por David Augusto Fernandes, 4ª ed., p. 368, e Oliveira Ascensão, "Direito Civil-Reais, 5ª ed., 1993, pp. 258-260) e da jurisprudência (cita os acórdãos do STJ de 20.12.74, no BMJ, nº 242-295, e da RE de 16.5.91), o direito de opção que o artigo 1555º atribui ao proprietário do prédio serviente pressupõe apenas a existência de uma servidão legal de passagem - isto é, de uma servidão estabelecida em benefício de um prédio encravado, seja qual for o título por que se tenha constituído".<br> Não se apresentando como essencial tomar aqui posição sobre este dissídio, não deixaremos de consignar que se trata de matéria acerca da qual se regista significativa divergência, nomeadamente a nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. acórdãos de 15.12.72, no BMJ, nº 222-402, de 1.2.94, na CJ, 1994, 1º-75, de 16.1.96, Proc. nº 87.824, de 2.10.97, Proc. nº 708/96, de 26.2.98, Proc. nº 780/97, da 2ª Secção, e Revista nº 517/98, 1ª Secção).<br> <br> 3. Foi outro o caminho percorrido pelo acórdão recorrido, por remissão para a sentença da 1ª instância, na qual se alcançou a conclusão de que o artigo 1555º não confere aos autores o direito de preferência, arrancando e assentando nas seguintes premissas fundamentais:<br> - aquisição, por usucapião, de uma servidão legal de passagem (em que é prédio dominante o adquirido pela 2ª ré e serviente o dos autores), que permanece ainda hoje, apesar de o prédio não estar já encravado, facto este que não importa ipso jure a extinção da servidão, a qual tem de ser declarada judicialmente extinta;<br> - esta permanência não conduz, porém, à afirmação de um direito dos autores a preferirem no contrato de compra e venda em causa, porquanto "o legislador, ao instituir um direito de preferência nesta matéria, fê-lo supondo que onde houvesse uma servidão legal de passagem haveria também um prédio encravado", pelo que, a partir do momento em que o prédio deixe de ser encravado, desaparece o referido fundamento material da servidão, que decorre do disposto nos citados artigos 1550º e 1555º.<br> Em abono do entendimento perfilhado, a sentença que temos vindo a acompanhar invoca, decisivamente, o seguinte passo de Henrique Mesquita: "para obter judicialmente o reconhecimento do direito de preferência conferido pelo nº 1 do artigo 1555º, torna-se necessário alegar e provar que o prédio em cuja alienação se pretende preferir é um prédio encravado - absoluta ou relativamente encravado - e, além disso, que a comunicação com a via pública se faz através de uma servidão de passagem constituída, coerciva ou voluntariamente, sobre um prédio pertencente ao autor da acção" (RLJ, ano 129º, p. 217).<br> <br> 4. Embora não acompanhemos em toda a sua extensão o raciocínio desenvolvido, e acabado de sintetizar, até porque pensamos que ele não encontra grande arrimo no trecho transcrito de Henriques Mesquita, aceitamos, no essencial, a conclusão alcançada.<br> 4.1. O enquadramento jurídico do quadro factual apurado, consubstanciado nos seus nºs 16 e 17, permite afirmar que bem andaram as instâncias ao concluírem pela aquisição de uma servidão legal de passagem, em que é dominante o prédio objecto da venda em apreço, e serviente o dos autores.<br> E também se não suscitam dúvidas de que essa servidão ainda subsiste, apesar de o prédio confinar, desde há cerca de 10 anos, com uma estrada municipal infra-estruturada (cfr. nº 15 da matéria de facto). <br> Assim, o prédio deixou de ser encravado, pois outro significado não pode, razoavelmente, deixar de se atribuir a esse facto provado, sobretudo quando inserido num contexto global, sem esquecer que os autores tinham alegado que o prédio em causa não tem comunicação alguma ou acesso directo com a via pública (cfr. artigos 15º da petição inicial e 2º da réplica, e resposta ao quesito 2º).<br> <br> 4.2. Assim sendo, o núcleo essencial da questão traduz-se em saber se continua a haver lugar ao direito de preferência no descrito circunstancialismo: venda do prédio dominante - em benefício do qual se constituiu, por ser encravado, a servidão -, ocorrida já depois de esse prédio ter deixado de ser encravado, por ter passado a ter comunicação com a via pública.<br> A esta questão respondeu negativamente o acórdão do Supremo de 26.4.78, no BMJ, nº 276-272 (cfr. o ponto IV do respectivo sumário), considerando, decisivamente, que não se justificaria que a inércia do dono do prédio serviente em requerer a extinção do encargo fosse premiada com o direito de preferir na venda do prédio dominante.<br> Esta decisão mereceu anotação favorável de Vaz Serra (RLJ, ano 111º. pp. 319-320 e 321-322), justificando-se, pela sua pertinência e justeza, a transcrição de alguns passos mais significativos:<br> "É certo que a servidão fora constituída e que o direito de preferência representa, de algum modo, uma compensação do encargo respectivo; mas também parece que essa compensação depende de ainda subsistir a servidão e de, quanto a esta, se verificar ainda o seu pressuposto, isto é, a sua necessidade, pois, de contrário, teria o dono do prédio serviente o direito de preferência na venda do prédio dominante apesar de lhe ser lícito obter a declaração judicial de extinção da servidão: esta deixou de lhe ser imposta, ele deixou, por isso, de ser compelido a sujeitar-se-lhe, parecendo, consequentemente, que não deve ter o direito de preferência. Uma das finalidades do direito de preferência previsto no artigo 1555º é, como se disse, atribuir ao dono do prédio serviente uma compensação do encargo que lhe é imposto: desde que, porém, pode ele requerer a declaração judicial de extinção da servidão, por esta se ter tornado desnecessária, não está sujeito a tal encargo imposto (nem o exercício do direito de preferência é preciso para operar a supressão do encargo)".<br> Ou seja, "cessada a necessidade da servidão, deixa esta de ser imposta, passando a ter o carácter de uma servidão que, se não for requerida, pelo proprietário do prédio serviente, a declaração judicial da sua extinção, apenas poderá subsistir como servidão voluntária e portanto, não como servidão legal, deixando, assim, de poder fundar o direito de preferência".<br> Em suma: tendo desaparecido o pressuposto que condicionou a constituição da servidão legal de passagem, qual seja, não ter o prédio comunicação com a via pública (artigo 1550º), essa servidão perdeu a sua razão de ser a partir do momento em que o prédio deixou de estar na situação que justificava a constituição da servidão.<br> Por outras palavras: mantendo-se a servidão porque o proprietário do prédio serviente não requereu a declaração judicial da sua extinção por desnecessidade (artigo 1569º, nº 3, do CC), não parece razoável, antes se configura como excessivo, que lhe seja permitido exercer direito de preferência na alienação do prédio dominante.<br> <br> Face ao exposto, impõe-se concluir pela improcedência, também nesta parte, das conclusões dos recorrentes, e, do mesmo passo, pela não verificação da violação de qualquer norma jurídica, nomeadamente das indicadas na conclusão N).<br> <br> Termos em que se nega a revista, e se confirma o acórdão recorrido. <br> Custas a cargo dos recorrentes.<br> Lisboa, 15 de Dezembro de 1998.<br> Ferreira Ramos,<br> Lemos Triunfante,<br> Pinto Monteiro.</font>
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KTL6u4YBgYBz1XKv02rP
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - A intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra B, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 2400000 escudos, com juros desde a citação, com base em contrato de seguro do Ramo Vida.<br> Houve contestação e réplica.<br> Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 140 e seguintes, julgou-se a acção procedente.<br> Em recurso de apelação, o acórdão de fls. 168 e seguintes revogou essa sentença e absolveu a ré do pedido.<br> Neste recurso de revista, o autor pretende a revogação daquele acórdão com base, em resumo, nas seguintes conclusões:<br> - a matéria de facto provada é suficiente para tipificar o contrato de seguro celebrado entre ele e a ré;<br> - o capital subscrito foi alterado e aceite pelo autor para 1200000 escudos;<br> - ficou esclarecido que o autor exercia a profissão de bate-chapas e pintor e que a ré sempre disso teve conhecimento;<br> - a má fé da ré é evidente e manifesta quer nos preliminares quer na efectivação do contrato;<br> - não há falsas declarações do autor;<br> - a declaração do seguro só será equívoca por culpa exclusiva da ré, que manteve o autor na obscuridade, não o esclarecendo ou informando sobre cláusulas primordiais do contrato;<br> - foi violado o disposto nos artigos 426 e 429 do C. Comercial e 334, 406 e 425 a 428 do C.Civil e nas normas dos Decretos-Lei 446/85, de 25 de Outubro, e 220/95, de 31 de Agosto.<br> A ré, por sua vez, sustenta a improcedência do recurso.<br> II - Factos dados como provados:<br> Em 26 de Agosto de 1983 o Autor - A - subscreveu boletim de adesão n. 966 à apólice n. 72700, para ter efeitos a partir de 1 de Setembro de 1983, tipo ramo vida grupo, com capital base de 1000 contos, tipo 2 OP, classe 5. (alínea a) da especificação).<br> Em Outubro de 1985, a Ré teria proposto ao Autor que o capital-base passasse para 1200000 escudos (alínea b)).<br> O Autor não pagou nem devolveu a nova ordem de transferência bancária assinada para o montante do novo prémio, relativa à proposta referida em b) (resposta ao quesito 20).<br> No documento referido em a) consta carimbo com os dizeres "Auto-Chapa de A".<br> O Autor exercia a sua profissão de bate-chapas e pintor de automóveis. (alínea f)).<br> Em 9 de Maio de 1988 o Autor enviou à Ré declaração - participação de sinistro, do qual consta que o segurado sofre de bronquite asmática causada pelo tipo de profissão (pintor de automóveis e chapeiro).<br> O Autor começou a sentir dificuldades de ordem física, a nível pulmonar, com dificuldades respiratórias e perda de vigor físico, o que o impedia de exercer as funções de mecânico e pintor de automóveis.<br> Após ter recorrido aos serviços médicos do centro de saúde, que o obrigaram a abandonar o trabalho, mantendo-o de baixa e vigiado pelos serviços médicos durante vários meses, foi reformado e, em consequência da sua doença, ficou com impossibilidade total de exercer funções de bate-chapas e pintor.<br> No exercício desta actividade aplicava produtos tóxicos contidos nas tintas para automóveis, sofria cheiros e fazia esforços quando reparava as viaturas.<br> O exercício continuado das funções de pintor e bate-chapas... agravaria, dia a dia, o... estado de saúde do autor (15).<br> À Ré não era indiferente o exercício da profissão de "gerente" ou de "bate-chapas" e pintor de automovéis (17).<br> Estes foram os factos considerados no acórdão recorrido como assentes "inquestionavelmente".<br> Porém, e além de outros dados como provados na 1. instância, consignou-se ainda naquele acórdão que:<br> - o autor declarou no documento referido em A, que era de profissão "Gerente-Industrial sec. autom" (alínea D);<br> - o autor agia como dono da oficina onde trabalhava, o que sempre - e desde que efectuou o contrato de seguro com o A. - foi do conhecimento da ré, a qual "nas visitas que... fez à oficina do A., sempre viu este a trabalhar em fato de macaco, sujo de óleo e tinta" (quesitos 23 a 25).<br> III - Quanto ao mérito do recurso:<br> O acórdão recorrido fundamentou a absolvição da ré do seguinte modo: houve falsidade nas declarações do autor, quanto à sua profissão; o seguro enferma, por isso, da invalidade prevista no artigo 429 do C.Comercial; não se provou que "a ré tomasse conhecimento dos riscos profissionais do autor" porque "não se sabe quando visitou ... a oficina ... nem se tal ocorreu antes da declaração da incapacidade do autor".<br> Salvo o devido respeito, não é de manter essa decisão.<br> Pelo cit. artigo 429 do C. Comercial, "a declaração inexacta", constante de proposta do segurado, torna "o seguro nulo".<br> Como se reconhece no acórdão recorrido e não vem questionado, não se trata aqui, em rigor, de verdadeira nulidade mas de simples anulabilidade, uma vez que os interesses em jogo não justificam sanção tão grave como a da nulidade, o uso desta expressão pode atribuir-se a simples lapso ou imperfeição terminológica e, pelo regime geral do C. Civil, o próprio dolo só gera anulabilidade (neste sentido, acórdão da R.P. de 14 de Junho de 1988, na Col. XII, 3., pág 238).<br> Na proposta de seguro assinada pelo autor, em 26 de Agosto de 1983, consta a profissão de "gerente / industrial Sec. Autom." e, na apólice, de 1 de Setembro de 1983, mencionou-se "industrial do sector automóvel", tendo-se provado que o autor "exercia a sua profissão de bate- -chapas e pintor de automóveis" e "agia como dono da oficina" em que trabalhava.<br> Sem prejuízo de possível discussão sobre o modo como são, em regra, preenchidas e assinadas as propostas de seguro, e da qualificação profissional que possa ser atribuída a quem trabalha em oficina de que é dono, admite-se que tenha havido "declaração inexacta" do autor sobre a sua profissão.<br> Provou-se, porém, que a ré tinha conhecimento, desde a celebração do contrato de seguro, da situação de facto correspondente à profissão do autor: sempre, desde então, soube que ele agia como dono da oficina onde trabalhava e, nas visitas que aí fez, sempre o viu a trabalhar "em fato de macaco, sujo de óleo e tinta"; a ré sempre soube, pois, que o autor não era um "gerente/industrial", no sentido comum, mas um simples trabalhador da oficina de automóveis de que seria dono.<br> Apesar disso, a ré permitiu a subsistência do contrato durante cerca de 5 anos, só o vindo a denunciar, por nulidade, em 29 de Julho de 1988, depois da "participação do sinistro" (docs. de fls. 16 a 19).<br> Pelo artigo 334 do C.Civil, "é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé...".<br> Este exercício excessivo de um direito pode revelar-se por diversas formas, a apreciar em cada caso concreto, como o seu não exercício durante longo período de tempo ou a conduta anterior do titular do direito, incompatível com o seu exercício.<br> No caso presente, o imediato conhecimento que a ré teve da invocada inexactidão sobre a profissão do autor não a impediu de manter o seguro com as cláusulas iniciais nem de receber os respectivos prémios, durante vários anos, e, nestas circunstâncias, considera-se que a sua pretensão de anulação do contrato integra abuso de direito, por ser manifestamente incompatível com a sua conduta anterior.<br> Deve pois revogar-se o acórdão recorrido, que absolveu a ré com o fundamento de invalidade do contrato de seguro.<br> O processo, porém, terá de voltar à Relação, uma vez que aí não foram apreciadas questões de que lhe cabe conhecer, alegadas no recurso de apelação, designadamente a respeitante a contradições na decisão de facto (artigos 726 e 729 n. 3 do C.P.Civil).<br> Em conclusão:<br> Integra abuso de direito a invocação, pela seguradora, da invalidade prevista no artigo 429 do C.Comercial, por "declaração inexacta" da profissão do segurado, se aquela teve conhecimento, desde a data da celebração do contrato, da efectiva actividade profissional exercida pelo segurado e só invocou a invalidade depois de decorridos cerca de 5 anos e da participação do sinistro (artigo 334 do C.Civil).<br> Pelo exposto:<br> Concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido.<br> O processo deve voltar à Relação para apreciação das demais questões suscitadas no recurso de apelação.<br> Custas deste recurso pela ré.<br> Lisboa, 11 de Março de 1999.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Afonso de Melo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, neste Supremo:<br> <br> A e sua mulher B, naturais, ele de Sobreiro de Baixo, Vinhais, e ela de Murtede, Cantanhede, e ambos emigrantes em França, vieram, em processo comum de justificação judicial nos termos do artigo 299 e seguintes do Código do Registo Civil e tendo como demandada C, casada, doméstica, residente naquela freguesia de Sobreiro de Baixo, requerer que seja declarado nulo, o registo de casamento católico, lavrado por transcrição do respectivo assento em 27 de Abril de 1984, na Conservatória do Registo Civil de Vinhais, onde tem o n. 26, maço 2, e relativo a A, e aquela demandada C, casamento que foi celebrado às 19 horas do dia 23 de Abril de 1984 na casa de habitação dos nubentes, e que se ordene o cancelamento de tal registo.<br> Citada, opôs-se a requerida C, limitando-se a dizer que o seu primeiro marido, D faleceu em Setembro de 1949, pelo que nada obstava à transcrição do seu segundo casamento católico com o A em 1984.<br> Foi o processo instruido na Conservatória do Registo Civil de Vinhais, tendo sido remetido ao tribunal daquela comarca com informação desfavorável do Ajudante em exercício, que defende o indeferimento.<br> E o Senhor Juiz indeferiu as pretensões dos requerentes.<br> Agravaram estes, mas a Relação do Porto negou-lhes provimento ao recurso mantendo o indeferimento do pedido, embora por razões diversas das invocadas pelo Senhor Juiz da 1 Instância.<br> Por isso agravaram os mesmos requerentes do Acórdão da Relação, solicitando a sua revogação, para ser substituida a decisão de improcedência por outra que julgue a acção procedente, declarando nulo o registo, porque o acórdão viola os artigos 1588, 1651, 1652, 1654, 1657 e 1601, do Código Civil, e 1 a 5, 110 d), 210 d), 289, 291, 231, 232, 233, 238 e 302 do Código de Registo Civil, pois:- quando a C casou com o Amândio Morais e foi feita a transcrição do casamento católico em causa, subsistia o anterior casamento, civil e católico, dela com o D, cuja morte não pode ser provada testemunhalmente neste processo. Por isso, tal transcrição deveria ter sido recusada; não o tendo sido, deve ser declarado nulo o registo.<br> Não alegou a Recorrida.<br> O Excelentíssimo Representante do Ministério Público neste Supremo, como aliás, havia feito o seu colega na Relação, entende que o recurso deve ser provido.<br> Decidindo, colhidos que foram os vistos:-<br> A nossa lei reconhece valor e eficácia de casamento ao matrimónio católico e equipara-o nos efeitos civis ao casamento civil - artigo 1587 n. 2 e 1588, do Código Civil (a que pertencerão todos os que forem citados sem referência).<br> Por isso, os assemelha também quanto à exigência de requisitos e de capacidade matrimonial para validamente serem contraidos - artigo 1596.<br> O que igualmente acontece quanto à obrigatoriedade do registo, único meio de prova do casamento a permitir a invocação deste e a produção de seus efeitos civis - artigos 1651-1 a), 1669 e 1670-1.<br> Quanto à forma do registo é que já há diferenças entre os dois casamentos:- enquanto o do civil não urgente é feito por inscrição (artigo 64 d) do Codigo de Registo Civil) o do católico é sempre por transcrição - artigo 1654 a) (e artigo 65-1 b) do Código de Registo Civil).<br> E desta diferença surge uma outra a que se ligam consequências que podem vir a revelar-se importantes:-<br> é que enquanto no assento do casamento civil feito por inscrição não há lugar a recusa, a transcrição do casamento católico deve ser recusada nos casos mencionados nas várias alíneas do n. 1 do artigo 210 do<br> Código de Registo Civil.<br> E entre os fundamentos da recusa de transcrição encontram-se, para além de razões formais ou processuais, motivos também ligados à validade substancial do próprio acto do casamento. E entre estes<br> últimos interessa-nos aqui focar especialmente o mencionado sob a alinea d) do n. 1 daquele artigo 210, que se refere à existência, no momento da celebração, de algum impedimento dirimente oponível ao casamento, notando-se, por conjugação com a sua alínea e), que isto respeita mesmo aos casamentos celebrados com precedência do processo de publicação e certificado de autorização a que se refere o artigo 178 do Código de Registo Civil.<br> E a consequência registral de inobservância do disposto nesta alinea d) é altamente penalizante. Exactamente a de nulidade do próprio registo, nos termos da alinea d) do artigo 110 do mesmo Código do Registo Civil.<br> Neste ponto detecta-se realmente uma sensivel diferença entre os regimes ou tratamento registral do casamento civil e o do católico.<br> É que, enquanto no primeiro as causas de invalidade do acto nunca conduzem à nulidade do seu registo, nem sequer ao seu cancelamento (artigos 110 e 114 - 1 b) do Código de Registo Civil), mas apenas ao seu averbamento ao registo, depois do seu reconhecimento por sentença em acção especialmente intentada para isso (uma das chamadas acções de estado) - artigos 87 do Código de Registo Civil e 1632 no segundo, o católico, já a existência de impedimento dirimente (causa de invalidade - 1631 a)) leva à nulidade do próprio registo, como vimos, independentemente de se manter inatacada a validade do acto, pois tal nulidade pode ser declarada judicialmente em mera acção de registo - conforme artigos 113 e 299 - 1, do Código de Registo Civil - como é o caso desta.<br> Ou seja, enquanto no casamento civil há sempre concomitância entre a realidade registral e a do acto, no católico isso pode não se verificar pois é possivel manter-se inatacada a validade do acto (a invalidade não opera ipso jure) e não haver nota sua (válida) no registo (desde que este é declarado nulo).<br> A isto não será certamente estranho o facto de aos tribunais eclesiásticos ser atribuida, em exclusividade, a competência para conhecimento das causas respeitantes à invalidade do casamento católico, matéria subtraída à jurisdição civil - artigo 1625.<br> Assim, embora respeitando tal competência e a validade do casamento católico enquanto não fôr anulado pelos tribunais competentes, cabe já aos tribunais judiciais, através de declaração de nulidade do registo, evitar que tais casamentos produzam os efeitos civis dependentes do mesmo registo.<br> A explanação que acaba de fazer-se teve em vista salientar o enquadramento desta problemática de nulidade do registo do casamento católico no sistema do registo civil e na essencialidade dos contactos desse casamento com o nosso regime civil, procurando tornar mais compreensivel e "aparentemente menos chocante" a solução legalmente imposta, e que se repete, frisando:-<br> é nulo o registo do casamento católico quando a transcrição de que resultou respeite a casamento celebrado quando lhe era oponível algum impedimento dirimente - artigos 110 d) concessionado com o artigo<br> 210-1 d), do Código do Registo Civil.<br> E os registos judicialmente declarados nulos serão cancelados - 114-1 a) deste código.<br> Vem provado que:<br> 1- a) No dia 30 de Março de 1932, casaram civilmente, um com o outro, na Conservatória do Registo Civil de Mirandela, a requerida C e D - assento n. 52 de 1932 daquela Conservatória<br> - documento de folhas 6. E estes mesmos nubentes celebraram casamento católico, perante o pároco de S. Pedro Velho, Mirandela, em 13 de Abril do mesmo ano. E, b) Nestes registos não consta o averbamento de qualquer facto relativo à sua validade e subsistência.<br> 2- a) No dia 23 de Abril de 1984, a mesma requerida C contraiu casamento católico, perante o pároco da freguesia de Sobreiro de Baixo, concelho de Vinhais, com A. b) Este casamento foi registado por transcrição, sob o assento n. 26, daquele ano, na Conservatória do Registo Civil de Vinhais - documento de folhas 12. E<br> 3- a) foi precedido do processo preliminar de publicações, tendo sido emitido o certificado de autorização. b) estando já dissolvido por morte do cônjuge Amândio, ocorrida em 10 de Abril de 1988 - documento de folhas<br> 13.<br> 4- No registo de nascimento daquele D não consta averbamento relativo à sua morte.<br> 5 - Ao registo de nascimento da falada C não consta ter sido averbado o casamento que contraiu com o D, embora tenha sido averbado o 2 casamento e a respectiva dissolução por óbito do cônjuge marido.<br> Perante estes factos é manifesto que a C contraiu segundo casamento com o A quando o seu anterior casamento com o D não estava ainda dissolvido, face aos registos, e subsistia.<br> E a oposição por ele deduzida não pode proceder porque aqui não é admissivel prova testemunhal da morte do D - artigos 1 a 5, do Código de Registo Civil, tendo de aceitar-se a derivada dos registos e aquela morte só com certidão do respectivo registo se provaria.<br> A falta deste, se a houver, so atraves de autorização judicial obtida em processo de instificação pode ser suprida - artigos 238 e 299, do Codigo de Registo Civil. E nesse processo, especificamente a isso destinado, e que sera permitida a prova testemunhal a que se refere o artigo 302, entre outros.<br> Temos assim que no momento da sua celebração era oponivel a esse segundo casamento impedimento dirimente derivado de casamento anterior não dissolvido - artigo 1601 c).<br> Pelo que a transcrição deste segundo casamento catolico devia ter sido recusada, nos termos do citado artigo 210 - 1 d).<br> E não o foi certamente, tanto no processo preliminar, digo, certamente por o 1 casamento não ter sido averbado ao registo de nascimento de C, sendo assim silenciado tanto no processo preliminar, como posteriormente. O que impossibilitava, era falta de denuncia por quem disso tivesse conhecimento, a sua descoberta pelo encarregado da transcrição.<br> Mas isso, ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido, não significa que a transcrição não tenha sido feita com infracção do disposto na alínea d) do n. 1 do artigo 210, como se diz na alínea d) do artigo 110, referidos já.<br> É que a expressão "infracção" não está ali para significar delito ou violação culposa de lei; infracção no sentido subjectivo do autor da transcrição. Mas apenas com o sentido objectivo de ter sido a transcrição feita contra, ou a despeito do disposto, nas alineas d) e e) do n. 1 do artigo 210, seja qual fôr a causa de não recusa e apesar da perfeita inocência do seu autor.<br> De outra forma, a lei tinha necessariamente que fazer a distinção entre a não recusa culposa e a inocente, de boa fé.<br> Não deixa de haver infracção à lei pelo facto de o encarregado da transcrição a fazer por desconhecer, justificadamente, a existência de fundamento legal para a recusar. E não há qualquer dificuldade com a justificação da recusa, pois naturalmente ela tem que ser justificada e sem dificuldade já que só terá lugar quando o recusante conhece ou se apercebe de fundamento para isso.<br> Por outro lado, não pode dizer-se, contra o que se nota no acórdão recorrido, que assim se coloca o casamento católico em claro desfavor face ao civil. Não há, neste aspecto, comparação.<br> É que o impedimento dirimente é no casamento civil causa de anulabilidade - artigo 1631. E pode, se accionados tempestivamente os mecanismos legais, levar à anulação do casamento. Porém, a nulidade do registo a que o mesmo impedimento conduz no casamento católico, deixa intacta a validade do mesmo casamento até ser discutida nos tribunais competentes.<br> Isto é, no casamento civil o impedimento actua no plano de validade substancial, no católico só no plano registral. O que é diferente, e não um mais ou menos dentro do mesmo plano.<br> Pelo exposto, pode já concluir-se que a transcrição do casamento católico de C com o A infringiu o disposto na alínea d) do n. 1 do referido artigo 210, pelo que o registo do mesmo casamento é nulo por imposição do disposto na alinea d) do artigo 110, também já citados.<br> E o reconhecimento e declaração dessa nulidade importa o seu cancelamento - mencionado artigo 114 - 1 a).<br> Procedem, pois, os fundamentos do recurso.<br> Termos em que se concede provimento ao agravo, revogando-se o acórdão recorrido e a decisão da 1 instância que ele confirmou, para que esta seja substituida por outra em que, na procedência da acção, se declare a nulidade do registo de casamento em causa e ordene o seu cancelamento.<br> Custas pela recorrida C, aqui e nas Instâncias.<br> Lisboa, 19 de Novembro de 1991.<br> Joaquim de Carvalho<br> Beça Pereira<br> Martins da Fonseca<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 90.04.06 do Tribunal Judicial de Vinhais;<br> II - Acórdão de 91.01.15 da Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível:<br> A e B intentaram a presente acção ordinária contra<br> C, D,E e marido F e G pedindo sejam declaradas filhas de H, já falecido, e lhes seja reconhecido o direito de sucederem como tal na herança deste, condenando-se as rés, irmãs do mesmo, a abrirem mão de tal herança.<br> O processo correu seus termos com contestação das Rés, vindo após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção procedente.<br> As Rés, inconformadas, apelaram, sem êxito, recorrendo agora de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: a) As respostas conjugadas aos quesitos 6, 7 e 8, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, só podem ser interpretadas como referindo o espaço temporal do ano de 1951 e o espaço temporal do ano de 1956/57. b) Não está provada a exclusividade de relações sexuais entre o investigado e a mãe das Autoras. c) O porte moral da mãe das Autoras, comprovadamente irregular também não indicia essa exclusividade, antes pode indiciar o contrário. d) Não resulta dos autos a presunção invocada do n. 1 alínea a) do artigo 1871 do Código Civil, pois, não se provou a reputação pelo público de que as Autoras eram filhas do H, nem sequer que este as reputasse como tais, nem que lhe dispensasse tratamento adequado à situação de "filhas". e) O certo é que as Autoras nenhuma prova fizeram da sua filiação em relação ao investigado. f) O acórdão recorrido violou o artigo 668 alínea c) do<br> Código de Processo Civil e 1871 do Código Civil, pelo que deve ser revogado, julgando-se a acção improcedente.<br> Houve contra-alegação defendendo o acórdão recorrido.<br> Corridos os vistos, cumpre decidir:<br> Vejamos antes do mais a matéria de facto dada como provada:<br> 1- H faleceu, no estado de solteiro com 71 anos, em Leal, Gandra, Valença.<br> 2- A Autora A, nasceu em 22 de Junho de 1955 em Gandra, tendo sido registada apenas como filha de I.<br> 3- A Autora B nasceu em 2 de Julho de 1952, no mesmo lugar tendo sido registada apenas como filha de I.<br> 4- J, L, M N, nasceram, respectivamente, em 18 de Novembro de 1939, 30 de Maio de 1942, 20 de Junho de 1948 e 18 de Março de 1945, e encontram-se registados como filhos de I, sem menção de paternidade.<br> 5- Em 1951 H e I iniciaram trato carnal sexual um com o outro.<br> 6- A I foi fiel ao H desde que com ele se relacionou sexualmente (entre os anos de 1951 e 1956/57).<br> 7- Só com ele manteve relações de sexo.<br> 8- Após o nascimento da Autora B, fruto dessas relações, o H continuou a prometer à I que casava com ela (entre os anos de 1951 e 1956/57).<br> 9- Parte das pessoas das relações do H e da I e os seus familiares sempre tiveram aquele como pai das Autoras.<br> 10- Algumas pessoas da freguesia de Gandra conheciam e conhecem as Autoras como "as filhas do H".<br> 11- Até 1956/57 o H manteve sempre relações amorosas contínuas e exclusivas com a I.<br> 12- O H foi para a França em 1963, emigrado.<br> 13- Entre 1973 e 1979 a Autora A manteve correspondência com o H.<br> 14- O H escreveu à Autora A as cartas de folhas 14 a 20.<br> 15- O H, em França, falava a conterrâneos emigrados das Autoras, dando a entender que eram filhas dele.<br> 16- Uma vez o H mandou dinheiro para as Autoras por um conterrâneo que, de França, veio passar férias a<br> Portugal.<br> 17- O H disse ao portador que o dinheiro era "para as filhas".<br> 18- Em meados de Fevereiro de 1987 o H veio de férias a Portugal e pediu ao sobrinho O que chamasse a Autora A junto dele ao<br> "Hotel Rio Minho".<br> 19- Quando a A chegou o H e ela cumprimentaram-se.<br> 20- Após conversarem, decidiram efectuar um depósito bancário numa conta em nome de ambos, com quinhentos contos do H.<br> 21- Mais tarde, a A levantou esse dinheiro e gastou-o.<br> 22- Em Junho de 1988 o H voltou a Portugal.<br> 23- Em 1976 o H mandou à Autora A as fotografias de folhas? 23 a 24.<br> 24- No dia 14 de Agosto de 1991 o H foi almoçar a casa da Autora A na presença da Autora B e de outras pessoas.<br> 25- E aí entregou à Autora B uma quantia em dinheiro.<br> 26- O H teve na mesinha de cabeceira as fotografias das Autoras.<br> 27- O H esteve de relações cortadas com a A em 1989.<br> Enumerados assim os factos provados e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações das recorrentes começaremos por salientar que as Autoras fundaram o seu pedido na posse de estado - v. artigo 1871 n. 1 alínea a) do Código Civil, que estabelece que a paternidade se presume quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público.<br> E porque assim é, se acrescentará que os conceitos de reputação e tratamento como filho pelo pretenso pai e reputação como filho pelo público, integradores do referido conceito de posse de estado, se podem ter uma conotação meramente fáctica, por fazerem parte da estrutura da norma, incorporam um juízo de valor de ordem jurídica, isto é, consubstanciam pura matéria de direito (cfr. Duzi, Della Filiazioni e Dell Adizione, página 302).<br> Tal significa, que pode este Supremo Tribunal de<br> Justiça conhecer em sede de revista do objecto do presente recurso.<br> Feitas estas considerações impõe-se averiguar se os factos considerados provados no acórdão recorrido consubstanciam o dito fundamento invocado pelas Autoras para a atribuição da paternidade que invocam e reclamam.<br> Anote-se também que já foi decidido por este Supremo<br> Tribunal (Acórdão de 3 de Novembro de 1994, constante de folhas 223 e seguintes?) da tempestividade da presente acção.<br> Ora no que importa aqui considerar para a solução do caso "sub judice" se destacará que a Reforma de 1977 do<br> Código Civil alterou o regime geral da acção de investigação de paternidade fora do casamento, e, assim, nas acções de investigação em que o autor afirme a existência de alguma das presunções destacadas no artigo 1871, cabe a ele apenas o ónus de alegar (e provar) os factos correspondentes à presunção especificamente invocada, de acordo com os ensinamentos da teoria "rosenberguiana" da norma sobre o "ónus probandi".<br> Ao réu caberá, por seu turno, alegar e provar que, não obstante a verificação dos factos concretos, que constitui a base de presunção legal (a posse de estado...), o investigado não teve relações com a mãe do investigante no período da concepção ou que, tendo-as tido, não foram elas a causa geradora da procriação ou da fecundação do óvulo materno (que a coabitação não foi causal, usando a terminologia do<br> Professor Guilherme de Oliveira, Estabelecimento de<br> Filiação, página 154) - v. Código Civil Anotado,<br> Professor? Pires de Lima e Antunes Varela, volume V, página 305.<br> Em suma, hoje reconhece-se em qualquer caso, o direito do filho ao estabelecimento da paternidade por via da acção judicial, mas, em certos casos, mais do que admitir livremente a prova da filiação biológica, a lei dispensa o autor de provar o facto constitutivo, ou seja, o vinculo biológico, ou, por outras palavras, a lei inverte o ónus da prova, dá como provada a filiação biológica, e é o réu que tem de ilidir a presunção favorável ao autor (v. Professor Guilherme de Oliveira, obra citada página? 153).<br> Mas há também uma outra nota digna de registo com relação nos casos em que o autor, como no caso presente, afirma a existência de uma das presunções legais de paternidade, taxativamente estabelecidas no artigo 1871, já que no n. 2 deste mesmo artigo, se dispõe que a presunção se considera ilidida quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado, criando-se, deste modo, um grau intermédio de convicção do julgador, situado entre a simples contraprova e a prova do contrário (cfr. artigos 346 e 347 do Código Civil).<br> O n. 2 do artigo 1871 do Código Civil prevê, pois, o modo de afastar a presunção de paternidade - cabe ao réu investigado alegar e provar factos capazes de suscitar "dúvidas sérias" sobre a paternidade presumida, e se o conseguir, retira ao autor o benefício da inversão do ónus probatório, colocando-o na necessidade de convencer o juiz da existência do vinculo biológico, isto é, na necessidade de provar o facto constitutivo do seu direito (v. Professor Guilherme de Oliveira, obra citada, página? 156).<br> Por último, há que pôr em destaque que o tratamento do filho havido fora do casamento se revela, em regra, por actos menos ostensivos ou transparentes e de carácter menos continuado do que os demonstrativos do tratamento como filho nascido dentro do casamento, e que a reputação e tratamento como filho por parte do pretenso pai para efeitos de posse de estado têm que ser apreciados no seu conjunto, numa perspectiva global e não separadamente - v. Acórdão do S.T.J. de 19 de<br> Fevereiro de 1984, B.M.J. 333/471.<br> Ora de tudo o que acaba de ser exposto resulta que no caso "sub judice" as autoras demonstraram e provaram a existência de actos de tratamento por parte do falecido H como filhas dele.<br> Isto é, provaram um comportamento do pretenso pai que exteriormente criou uma aparência da filiação biológica<br> (cfr. J. Costa Pimenta, Filiação, página 161).<br> Na verdade, como bem se salienta no acórdão recorrido, actos do investigado como os de falar das Autoras, quando emigrado em França a conterrâneos dando a entender serem elas suas filhas, de mandar dinheiro de<br> França para as mesmas, de ter na mesinha de cabeceira as suas fotografias, expressam de forma concludente a convicção interna do investigado de serem as Autoras suas filhas, para além de depósito em dinheiro e de envio de cartas e fotografias para elas e convívio, ainda que com natural limitação, com elas.<br> Foram elas reputadas e tratadas como filhas pelo falecido H, que era reconhecido pelo público em geral como pai das mesmas.<br> Resta depois disto dizer que não é defensável a posição das recorrentes no sentido de que a exclusividade das relações entre o investigado e a mãe das Autoras se deu apenas nos anos de 1951 e nos anos de 1956/57.<br> É manifesto que das respectivas respostas aos quesitos relacionados com esta questão se tem de concluir: de<br> 1951 a 1957 a mãe das autoras só com o investigado manteve relações de sexo, sendo-lhe fiel desde que com ele se relacionou sexualmente.<br> E assim não lograram as recorrentes provar, como lhes competia factos conducentes à existência de dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado - citado n. 2 do artigo 1871 do Código Civil.<br> Em suma, o falecido H tratava as autoras como filhas, assim as reputando o público, e a paternidade biológica daquele em relação a elas ficou demonstrada, pelo que não há que censurar o acórdão recorrido quando decidiu, confirmando o entendimento da 1. instância, que as autoras são filhas do H, julgando, assim procedente a acção por elas intentada com o fim desse reconhecimento.<br> Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, se consideram totalmente improcedentes todas as conclusões das alegações das recorrentes.<br> Decisão.<br> 1- Nega-se a revista.<br> 2- Condenam-se as recorrentes nas custas.<br> Lisboa, 6 de Maio de 1997.<br> Fernandes de Magalhães,<br> Tomé de Carvalho,<br> Silva Paixão.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam na Secção Cível:<br> </font><br> <font>I)- Relatório 1- No Tribunal Judicial da Comarca de Sintra, Verilta<br> A propôs contra B, acção de divórcio litigioso, pedindo que seja decretado o divórcio entre ela e o réu, seu marido, por este ter violado culposamente de forma reiterada os seus deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência, violação essa que compromete definitivamente a possibilidade de vida em comum do casal.<br> Frustrada a conciliação, contestou o réu, excepcionando, impugnando e deduzindo reconvenção.<br> Com excepção, articulou o seguinte:<br> No dia 16 de Junho de 1989 realizou-se na Igreja de S.<br> Lucas, Nova Delli, Estado da India, uma cerimónia de casamento católico entre a autora e o réu, mas esse casamento não produziu quaisquer efeitos para a Ordem<br> Jurídica do Estado da India.<br> Tratou-se de um casamento entre estrangeiros, realizado no estrangeiro, dado que a autora era indiana e o réu<br> Holandês.<br> A norma de conflitos aplicável à forma de casamento celebrado entre dois estrangeiros é o artigo 50 do<br> Código Civil e, nos termos desta disposição a forma de casamento é regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado, ou seja na India.<br> Há porém, autores que consideram que os casamentos de estrangeiros realizados no estrangeiro serão tidos como válidos, desde que satisfaçam os requisitos de forma de uma das seguintes leis: a do Estado da celebração, a do<br> Estado da nacionalidade dos nubentes (India e Holanda); e a do Estado da sua última residência (India e Suiça).<br> </font><br> <font>Ora, sucede que o casamento celebrado entre a autora e o réu não é o considerado válido para qualquer destas leis.<br> Por isso, o casamento não poderia ter sido transcrito em Portugal, mesmo atendendo a que a autora obteve a nacionalidade portuguesa em 7 de Março de 1986, porque o artigo 11 da Lei da Nacionalidade (Lei n. 37/81, de 3 de Outubro); ao preceituar que a atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, exclui desses efeitos a validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base em outra nacionalidade.<br> Para possibilitar a transcrição do registo do casamento aplicou-se o artigo 51 do Código Civil e não o seu artigo 50.<br> Mas, a atribuição da nacionalidade portuguesa não pode validar relações jurídicas anteriormente inexistentes.<br> Não sendo válido o casamento, nunca poderia ter sido transcrito com base na certidão do registo paroquial, pelo que tal registo é nulo de nenhum efeito.</font><br> <font>De qualquer modo, o registo de transcrição devia ter obedecido às disposições dos artigos 1664 a 1667 do<br> Código Civil. Sendo o casamento católico, a transcrição será recusada nos mesmos termos em que o pode ser a transcrição dos casamentos católicos celebrados em<br> Portugal (artigo 1667 Código Civil e artigo 214 Código de Registo Civil).<br> Segundo os artigos 1657, n. 1, alínea b), do Código<br> Civil e 210, n. 1, alínea b) do Código de Registo<br> Civil, a transcrição do casamento católico deve ser recusado se a certidão do assento paroquial não contiver as indicações exigidas na lei; entre as quais se conta a declaração prestada pelos nubentes de que realizaram o casamento por sua livre vontade.<br> Como o assento paroquial não contem tal declaração, a transcrição é nula, por ofender um preceito de carácter imperativo (artigos 295 e 294, do Código Civil).<br> A transcrição é ainda nula pelo facto do assento paroquial não conter o nome completo, idade, estado e naturalidade dos nubentes (alínea c) do n. 1 do artigo 201 do Código Registo Civil).<br> Seguidamente, o réu deduziu o incidente de falsidade dos documentos juntos sob os números 3 a 6 com a petição inicial. Deduziu também o réu a excepção da caducidade quanto aos factos referidos nesses documentos.<br> O réu impugnou os factos articulados pela autora e com os quais esta fundamentou o pedido de divórcio.<br> Finalmente, o réu deduziu reconvenção, articulando factos pelos quais pediu que fosse decretado o divórcio, com culpa exclusiva da autora.<br> Houve, ainda, réplica da autora.<br> 2- Foi proferido o despacho saneador, no qual: </font><br> <font>a) - se julgou incompetente, em razão da matéria, o tribunal para conhecer da nulidade do casamento católico entre a autora e o réu </font><br> <font>b) - se julgou improcedente a excepção da nulidade da transcrição do assento desse casamento, </font><br> <font>c) - não foi admitido o incidente de falsidade deduzido pelo réu, </font><br> <font>d) - foi julgada improcedente a excepção da caducidade.<br> Foram, organizadas a especificação e o questionário.<br> Entretanto o réu interpôs recurso de agravo do despacho saneador, recurso esse que foi admitido com subida diferida e efeito devolutivo.<br> Depois de se ter procedido a julgamento, a acção e a reconvenção foram julgados procedentes, sendo o divórcio decretado com culpas iguais de ambos os cônjuges.<br> 3- Então o réu interpôs recurso de apelação para o<br> Tribunal da Relação de Lisboa.<br> Quanto à matéria do agravo, considera-se no acórdão recorrido que o artigo 1625 do Código Civil não é institucional e que,assim, nos termos dessa disposição legal, os tribunais cíveis portugueses são incompetentes em razão da matéria, para se pronunciarem sobre a inexistência jurídica, ou a nulidade dos casamentos católicos. Também ali se considerou que o agravante não alegou factos bastantes que permitissem detectar qualquer fundamento legal relevante para que se declarasse a inexistência ou ineficácia jurídica do casamento, quer face à lei indiana (competente para decidir sobre a sua nulidade formal, segundo a lei de conflitos portuguesa - artigo 50 do Código Civil) ou qualquer outra que possua conexões relevantes juridicamente com o casamento.<br> Também ali se decidia que a transcrição do assento do casamento não é inexistente ou inválida juridicamente, em face do artigo 1651, n. 1, alínea c), do Código<br> Civil e dos artigos 65, n. 1 alínea c), 108, n. 1 alínea d), 195, 210, n. 1, 214, n. 2, 222, n. 2, 225, n. 1, alínea b), do Código Registo Civil e ainda dos artigos 49 e 50 do Código Civil.<br> Decidiu-se ali ainda que o registo do casamento não está ferido de nulidade, em face dos artigos 110, n. 1 e 112, do Código Registo Civil e dos artigos 50 e 51, n. 3, do Código Civil.<br> Por tudo isso, foi negado provimento ao agravo.<br> Depois de apreciar o objecto da apelação, a Relação de<br> Lisboa negou-lhe também provimento, confirmando a sentença da primeira instância.<br> 4- Inconformado, o réu interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse recebido com efeito suspensivo.<br> Na sua alegação de recurso o recorrente formulou as seguintes conclusões:<br> 1 a) - Em violação do artigo 50 do Código Civil, a cerimónia na India entre indiana e holandês foi registada em Portugal, ignorando o registo civil competente; assim o objecto do registo pode apenas ser o que foi constituído pela lei portuguesa nessa cerimónia.<br> 2 a) - Na cerimónia externa a essa lei, não foi declarada a vontade sob lei portuguesa, antes há casamento inexistente, cominado pelo vício de falta de declaração de vontade (artigo 1628 do Código Civil).<br> 3 a) - Porque a assim não ser reconhecido, qualquer estrangeiro corre o risco de ver atribuído por Portugal um estatuto e consequências jurídicas que são "ex novo" e com fraude à lei foram assegurados.<br> 4- a) - Os tribunais, reconfirmando a fraude à lei da recorrida, contradizem-se, confirmam de dois modos que o objecto do registo é um casamento inexistente; no entanto, admitem "um casamento" apenas com respeito à recorrida, não com respeito ao recorrente.<br> 5 a) - A recorrida era, de facto, indiana no momento da cerimónia e não portuguesa, e a lei indiana e holandesa competente para o acto, o que os tribunais confirmam; </font><br> <font>assim a "competência" da lei portuguesa para admitir o<br> "casamento" apenas com respeito à recorrida, não existia na altura, mas só conseguiu três anos mais tarde, quando a recorrida se tornou portuguesa.<br> 6 a) - É impossível que a recorrida actuou retroactivamente como sendo portuguesa invisível e sob lei portuguesa invisível, violando os artigos 110 da Lei da Nacionalidade de 21 do Código Civil, ou que ela obteve no momento da naturalização o direito que, como indiana, não tivera, violando os artigos 49, 1617, 1691 e 1628 (3) do Código Civil.<br> 7 a) - A "competência" assumida pela lei portuguesa para admitir um "casamento" apenas com respeito à recorrida, é o resultado de interpretações equivocas, dos termos "casamento católico" da lei portuguesa, tornando o Código Civil, Código Registo Civil, anotados, e a Constituição da República Portuguesa válidos para uma lei antes e mera indiana, e declarando que qualquer esquema de cerimónia estrangeira é um «casamento católico: e todos os padres autoridade civil competente, independentemente dos direitos dos estrangeiros.<br> 8 a) - É arbitrário admitir um "casamento" assimétrico apenas com respeito à recorrida, mantendo o casamento inexistente verdadeiro apenas com respeito ao recorrente; é arbitrário basear a "competência" para criar esse "casamento" assimétrico com violação flagrante da lei portuguesa, na ausência de prova impossível de obter, de que o "casamento" não existe no estrangeiro.<br> 9 a) - O registo é juridicamente inexistente e deve ser anulado por razões constantes do artigo 108 do Código<br> Registo Civil - o casamento inexistente é objecto único do registo.<br> 10 a) - O casamento assimétrico é resultado de fraude à lei sob o artigo 21 do Código Civil, obtido secretamente e só com o fim e de obter os bens e património do recorrente.<br> 11 a) - Lesando e prejudicando devido ao arrolamento que acompanhou o pedido de "divórcio" - vida e saúde do recorrente. 12 a) - O processo foi marcado pela violação do direito à defesa do recorrente sob convenções internacionais; tornando todos os factos acima mencionados admissíveis nesse recurso, e marcado pela violação sistemática das normas de conflitos que deveriam proteger os direitos dos estrangeiros, tendo o recorrente vindo para Portugal residir na expectativa da segurança jurídica e judiciária - além de criar jurisprudência perigosa para casos futuros e para os Direitos do Homem dos Estrangeiros em Portugal.<br> </font><br> <font>13 a) - Nos outros países comunitários era impossível que essa fraude persistisse e que, violando os Direitos do Homem, destrói a vida e a pessoa dum estrangeiro desde há cinco anos, desculpado pela lentidão e estrutura formal do sistema de justiça.<br> 14 a) - É impossível que um estrangeiro que nunca declarou a sua vontade sob alguma lei seja unilateralmente e secretamente "casado" contra a sua vontade, sem testemunhas, assinaturas ou autoridades reconhecidas a presidir ao acto, em violação da lei portuguesa e das Convenções de Direitos do Homem, para favorecer uma portuguesa fraudulenta, cujo único feito<br> é o locupletamento à custa dum estrangeiro, e que defendeu o Estado Português, contudo actuando de forma culposa e dolosa.<br> 15 a) - Nesses termos, deve ser declarado nulo o registo do "casamento" e anuladas as sentenças anteriores de Sintra e da Relação de Lisboa.<br> Não houve contra-alegação.<br> </font><br> <font>II) - Fundamentos da decisão.</font><br> <br> <font>A) - Factos provados:</font><br> <font>A autora e o réu casaram um com o outro, na igreja católica de São Lucas, em Nova Delli, União Indiana, no dia 16 de Junho de 1983.<br> O casal tem um filho, de nome C, nascido em 2 de Janeiro de 1986.<br> Em fins de 1986 o réu propôs à irmã da autora, D, viverem os três juntos, com contactos sexuais pretendendo superar os problemas sexuais do casal.<br> No mês de Janeiro de 1987, o réu viajou para o estrangeiro e não deixou dinheiro à autora, motivo pelo que ela pediu dinheiro emprestado a parentes e amigos.<br> Em 4 de Fevereiro de 1987, a autora saiu de casa, levando o filho e depois procurou trabalho.<br> Cerca de três anos após o casamento, a autora recusou-se a manter relações sexuais como o réu dizendo que tinha nojo dele.<br> A autora deixou de dormir na cama do casal.<br> Em 27 de Março de 1988 foi publicado, em nome de P.F.R. no jornal "The Anglo Portuguese News" um anúncio em que se procurava mulher para companheira, a quem se prometia, eventualmente, o casamento.<br> O réu tem nacionalidade holandesa e nasceu em 4 de<br> Janeiro de 1927 (folhas 240 e 241).<br> A autora nasceu no dia 23 de Agosto de 1955 (folhas 20 e 194 a 198).<br> A autora tinha nacionalidade indiana e obteve a nacionalidade portuguesa (folhas 20, 47, 14 e 243).<br> </font><br> <font>B) - Aspecto jurídico.</font><br> <font>1- Há que apreciar, agora, o recurso, começando pela matéria de agravo.<br> No acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa decidiu-se que os tribunais cíveis portugueses são incompetentes em razão da matéria para se pronunciarem sobre a inexistência jurídica ou a nulidade dos casamentos católicos; que a transcrição do assento do casamento no registo civil português não é inexistente ou inválido juridicamente; e que o registo do casamento não está ferido de nulidade.<br> Portanto, são estas as questões a decidir neste recurso, no que concerne à matéria de agravo.<br> 2- a) - Como vimos, ficou provado que a autora e o réu casaram um com o outro na Igreja Católica de São Lucas, em Nova Delli, União Indiana, no dia 16 de Julho de<br> 1983. Esse casamento está transcrito na Conservatória dos Registos Centrais, assento n. 4997, de 6 de<br> Dezembro de 1987.<br> O recorrente pretende que não houve qualquer casamento entre ele e a autora, tendo-se limitado a mera cerimónia naquela igreja católica, não tendo ele prestado o seu consentimento para a celebração de qualquer casamento, pelo que tal casamento é inexistente.<br> Dispõe o artigo 1625 do Código Civil que o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.<br> Este artigo 1625 corresponde ao primeiro parágrafo do artigo XXV da Concordata com a Santa Sé, de 7 de Maio de 1940 e ao artigo 24 do Decreto-Lei n. 30615, de 25 de Julho de 1940.<br> O capítulo V do Titulo I do Livro IV do Código Civil, que se estende até ao artigo 1646, trata da invalidade do casamento, para abranger as hipóteses da ineficácia, da nulidade e da anulabilidade do casamento católico, que tem um regime totalmente distinto da invalidade do casamento civil. É o que se proclama no cânone 1671 do<br> "Codex Juris Canocini". Este diploma não admite a figura da inexistência jurídica do casamento, tendo-se confinado ao regime da nulidade.<br> São aplicáveis ao casamento concordatário as normas de direito canónico sobre a capacidade matrimonial dos nubentes, a falta e os vícios da vontade e ainda sobre a forma do contrato, embora só possa ser celebrado o casamento católico por quem tiver a capacidade matrimonial exigida na lei civil.<br> Mas, são ciosas diferentes, a celebração do casamento católico pelos ministros respectivos e a sua transcrição no registo civil português, cuja regularidade já está sujeita à competência dos tribunais comuns. b)- Com a publicação da Constituição Política de 1976, discutiu-se na doutrina e na jurisprudência se o seu artigo 36, n. 2, tinha revogado ou não aquele artigo<br> 1625 do Código Civil, porque naquele se dispõe que "a lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução por morte ou divórcio, independentemente da forma da celebração".<br> O artigo 2 do Protocolo adicional de 15 de Fevereiro de<br> 1975 expressamente manteve em vigor o primeiro parágrafo do artigo XXV da Concordata, ao qual corresponde o citado artigo 1625 do Código Civil, e segundo Antunes Varela não é credível "que os constituintes, um ano volvido sobre a assinatura do<br> Protocolo que solucionou uma questão particularmente delicada entre o governo português e a Santa Sé, pretendessem alterar unilateralmente posição tão nevrálgica como a da jurisdição dos tribunais eclesiásticos em matéria de casamento (católico)<br> (Direito de Família", edição de 1987, páginas 151 e<br> 152).<br> Por outro lado, a reforma do Código Civil, operada pelo<br> Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, teve em vista harmonizar esse diploma legal com os princípios da Constituição da República Portuguesa, e essa reforma deixou intacto aquele artigo 1625, indício de que o legislador continuou a considerá-lo em vigor. Apenas<br> Gomes Canotilho e Vital Moreira consideraram que o texto constitucional tinha revogado aquele artigo 1625 ("Constituição da República Portuguesa anotada", 1980, página 106).<br> A jurisprudência conhecida deste Supremo Tribunal de<br> Justiça tem decidido pela manutenção em vigor de tal preceito (Acórdãos de 29 de Junho de 1978, Boletim do<br> Ministério da Justiça n. 278 - 228; e de 22 de<br> Fevereiro de 19833, Boletim do Ministério da justiça n.<br> 324-540) - Também é essa a nossa opinião.<br> No caso concreto, o casamento católico foi celebrado no estrangeiro, na India, entre uma indiana e um holandês, não tendo, como é obvio, sido passado o certificado da capacidade matrimonial 1598 do Código Civil, mas o artigo 209 do Código de Registo Civil prevê a hipótese de o casamento não haver sido precedido do processo de publicações, caso, porém em que a transcrição só se efectuará depois de organizado o processo, nos termos dos artigos 164 e seguintes do mesmo Código Registo Civil, substituindo-se a declaração dos nubentes pelo duplicado ou certidão do assento canónico (n. 1 daquele artigo 209). c) - Poder-se-ia dizer que o artigo 1625 apenas se refere aos casamentos católicos celebrados nos termos da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e que o casamento católico da autora e do réu é-lhe alheio, porque celebrado no estrangeiro entre estrangeiros.<br> Contudo, a letra do artigo 1625 não distingue entre as duas situações matrimoniais; e alei portuguesa reconhece a existência dos casamentos católicos celebrados entre estrangeiros no estrangeiro, quando eles, ou um deles, vem posteriormente a adquirir a nacionalidade portuguesa na alínea c) do artigo 65 do<br> Código do Registo Civil se dispõe que são lavrados por transcrição os assentos de casamentos católicos celebrados no estrangeiro perante as autoridades locais competentes por estrangeiros que adquiram a nacionalidade portuguesa.<br> O artigo 11 da Lei n. 37/81, de 3 de Outubro (Lei da Nacionalidade) em nada contende com o reconhecimento do casamento católico celebrado no estrangeiro por estrangeiros, quando eles, ou um deles, adquire a nacionalidade portuguesa. Antes pelo contrario, porque nos termos dessa disposição legal, se atribui validade<br> à relação jurídica matrimonial anteriormente estabelecida. d)- Tudo isto serve para dizer que, excepto o que concerne à capacidade matrimonial dos nubentes, a decisão sobre as questões da existência e nulidade do casamento católico e da sua forma, mesmo celebrado no estrangeiro por estrangeiros, quando eles, ou um deles, posteriormente adquirir a nacionalidade portuguesa, é da competência dos tribunais eclesiásticos e não dos tribunais comuns portugueses.<br> Portanto, ao recorrente não resta outra alternativa senão, se assim o entender, propor no tribunal eclesiástico a acção relativa à inexistência ou à nulidade do casamento católico celebrado com a autora.<br> 3-a) - É, porém, da competência dos tribunais civis portugueses o conhecimento da inexistência jurídica ou da nulidade da transcrição do assento do casamento católico celebrado pela autora e pelo réu (artigo 299 e seguintes do Código do Registo Civil).<br> Os vícios do registo, segundo o Código do Registo Civil são a inexistência jurídica e a nulidade (seus artigos<br> 108 e seguintes), o n. 1 desse artigo 108 indica os quatro casos em que ocorre a inexistência jurídica dos registos.<br> Nos termos da alínea d), do n. 1 desse artigo 108, o registo é juridicamente inexistente, quando, tratando-se de assento de casamento, não contiver a expressa menção de os nubentes haverem manifestado a vontade de contrair matrimónio.<br> Segundo o recorrente, o assento paroquial que serviu de base à transcrição do casamento na Conservatória dos<br> Registos Centrais não continha tal declaração, pelo que a transcrição deveria ter sido recusada. Ora, consta do assento de casamento n. 499-F lavrado na Conservatória dos Registos Centrais que os nubentes declararam celebrar de livre vontade o seu casamento perante o Padre George Koreethra, Pároco.<br> Desconhecemos quais os documentos que a requerente da transcrição apresentou na Conservatória dos Registos<br> Centrais e só em face desses documentos é que poderia concluir-se se no assento do casamento católico celebrado pela autora e pelo réu houve ou não a omissão dos nubentes terem manifestado a sua vontade de contrair matrimónio.<br> Como já vimos antes, são lavrados por transcrição os assentos de casamentos católicos celebrados no estrangeiro perante as autoridades locais competentes por estrangeiros que adquiram a nacionalidade portuguesa (artigo 65, alínea c), do Código do Registo<br> Civil). Porem este Código não regula de forma expressa os requisitos a que deve obedecer a transcrição desse casamento católico celebrado por cidadãos estrangeiros no estrangeiro, como sucede, v. g. , com os requisitos exigidos para o assento do casamento católico celebrado por cidadãos portugueses no estrangeiro (artigo 214 do<br> Código do Registo Civil).<br> Sabemos apenas que, previamente à transcrição do assento do casamento católico celebrado pela autora e pelo réu; foi organizado na Conservatória dos Registos<br> Centrais num processo nos termos do artigo 209 do<br> Código do Registo Civil, que remete para o seu artigo<br> 164 (folha 481, do acórdão recorrido da Relação de<br> Lisboa). Aí se deu como provado o seguinte: A Conservatória dos Registos Centrais organizou, no<br> âmbito do processo de transcrição do casamento, a afixação dos editais referidos nos artigos 111 e seguintes, considerando a indicação da existência de quaisquer impedimentos matrimoniais, relativamente ao casamento da autora e do réu. Não foi indicada a existência de qualquer impedimento ao casamento. A Excelentissíma Conservadora adjunta daquela Conservatória lavrou despacho naquele processo do seguinte teor: "... concluo pela inexistência de qualquer impedimento matrimonial, pelo que autorizo a transcrição do casamento católico dos Autora e Réu". b) - Teria sido útil que o recorrente, em vez de se opor na contestação desta acção a inexistência jurídica da transcrição do seu casamento católico, sem que fornecesse os elementos necessários para nova pronúncia sobre tal matéria, se tivesse socorrido da acção prevista nos artigos 299 e seguintes do Código do<br> Registo Civil, onde com a intervenção da Conservatória que lavrou o assento, se teriam obtido os elementos necessários à decisão sobre a inexistência jurídica da transcrição do assento paroquial do casamento; embora a inexistência do registo possa ser invocada a todo o tempo pelo interessado, independentemente de declaração judicial (artigo 109 do Código do Registo Civil), ao contrário do que sucede com a declaração da nulidade do registo (artigo 113 desse Código).<br> Era ao réu que incumbia o ónus da alegação e prova dos factos necessários para se poder concluir acerca da inexistência jurídica do assento do casamento transcrito na Conservatória dos Registos Centrais; como facto extintivo do direito da autora a requerer o divórcio relativamente a um casamento que não existiu ( artigo 24, n. 2, do Código Civil).<br> Como o réu não fez essa alegação e prova, tudo se passa como a autora e o réu tendo declarado celebrar de livre vontade o seu casamento perante o Padre George<br> Korrethra, Pároco, como consta do assento do casamento lavrado na Conservatória dos Registos Centrais. c) - Quanto às outras menções que o recorrente diz em falta no assento paroquial do casamento, há que ter em conta o disposto no n. do artigo 68 do Código do<br> Registo Civil, do seguinte teor: "Se do titulo passado por autoridade estrangeira não constarem todas as menções previstas neste Código, a transcrição pode ser completada, por meio do averbamento, em face das declarações prestadas pelos interessados e dos documentos comprovativos, se as menções omissas não interessarem à substância do acto".<br> Das menções omissas referidas pelo recorrente só interessa à substância do acto a declaração dos nubentes de celebrarem de livre vontade o seu casamento.<br> Desconhecemos como foram supridas as outras omissões, se é que houve suprimento.<br> Essas outras omissões não integram nenhum caso de nulidade do registo (artigo 110 do Código do Registo<br> Civil) e, por isso, trata-se de irregularidades, cuja rectificação deveria ser feita nos termos do artigo 115 desse Código.<br> Daqui já se vê que o agravo não merece provimento quanto à inexistência jurídica e à nulidade da transcrição do assento paroquial do casamento na Conservatória dos Registos Centrais.<br> 4- Quanto à matéria do recurso de apelação, o recorrente, invocando o artigo 21 do Código Civil, alegou que a recorrida naturalizou-se portuguesa, para depois fazer transcrever o casamento católico com a recorrida, como único fim de obter os bens do recorrente.<br> Esse artigo 21 diz o seguinte: " Na aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente".<br> Segundo J. Baptista Machado, a noção de fraude à lei no<br> DIP (Direito Internacional Privado) mais não é do que a extensão, a esse domínio jurídico, da noção geral de fraude à lei (Lições de Direito Internacional Privado, segunda edição, página 281). Esta fraude não se configura como uma fraude a uma norma de DIP, pois a norma de conflitos apenas desempenha a função de norma instrumental, e o objecto da fraude será sempre uma norma de direito interno.<br> A reacção da lei contra a fraude impede a consecução dos fins prosseguidos pelo agente e tudo se passa como se os actos fraudulentos não existissem (Pires de Lima e Antunes Varela, " Código Civil Anotado", volume I terceira edição, página 68).<br> No caso concreto, se estivesse provado o que o recorrente alega, tudo se passaria como se a recorrida não estivesse naturalizada como portuguesa e, assim sendo, o casamento católico celebrado pela autora e pelo réu na India não poderia ser transcrito em<br> Portugal e não poderia ter quaisquer efeitos quanto a qualquer comunhão da autora nos bens do réu.<br> Mas, não se provou o alegado pelo recorrente quanto à invocada fraude à lei e a ele cabia o ónus dessa prova (artigo 342, n. 1, do Código Civil)<br> </font><br> <font>III) - Decisão:</font><br> <font>Pelo exposto, negam a revista.</font><br> <font>Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 22 de Fevereiro de 1994<br> Santos Monteiro (Relator)</font><br> <font>Pereira Cardigos</font><br> <font>Machado Soares</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>Por apenso à acção especial de venda de penhor que o A moveu à Firma B, feita a convocação dos credores, veio o Ministério Público, tempestivamente, em representação da Fazenda Nacional, reclamar os seguintes créditos, liminarmente admitidos e não impugnados:<br> - 357550 escudos de I.V.A., de 1.7.92 a 30.9.92, a vencer juros de mora desde 27.07.93;<br> - 319537 escudos de I.V.A., de 1.10.92 a 31.12.92, a vencer juros de mora desde 17.11.93;<br> - 133923 escudos de I.V.A., de 1.1.92 a 31.1.92, a vencer juros de mora desde 1.7.93;<br> - 356346 escudos de I.V.A., de 1.4.92 a 30.6.92, a vencer juros de mora desde 1.7.93.<br> No processo principal foi ordenada a venda do penhor mercantil constituído pela Ré a favor do A., por contrato celebrado em 7 de Janeiro de 1993, sobre os maquinismos descritos a fls. 8 do mesmo processo.<br> O Mmº Juiz da 1ª instância, por sentença de 29-10-97 (fls. 6, vs. e 7), graduou os créditos reclamados da seguinte forma:<br> 1º - Os créditos da Fazenda Nacional e respectivos juros;<br> 2º - O crédito pignoratício.<br> Inconformado, apelou o A, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 28-09-98, a fls. 18 e segs., negado provimento ao recurso, confirmando a decisão impugnada.<br> Ainda inconformado, traz o A. o presente recurso, o qual, embora inicialmente não admitido, o viria, posteriormente a ser, na sequência de deferimento de reclamação apresentada pelo A, tendo presente que o valor do crédito pignoratício é superior à alçada da Relação, e em homenagem ao princípio "favorabilia amplianda" - cfr. despacho de fls. 45.<br> Alegando, oferece o Recorrente as seguintes conclusões:<br> 1. O artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, aplica-se apenas aos créditos da Previdência, como, aliás, decorre do seu preâmbulo e de todo o seu articulado;<br> 2. Nem o Acórdão recorrido, nem a decisão da primeira instância podiam assim ter em consideração tal norma ao graduar os créditos do Estado (da Fazenda Nacional por IVA e juros) com preferência ao crédito pignoratício;<br> 3. Não existe qualquer lei especial que atribua aos créditos do Estado (por impostos) prevalência sobre os créditos garantidos por penhor;<br> 4. Havendo que graduar em primeiro lugar o crédito pignoratício e depois os créditos do Estado, conforme dispõe o artigo 749º do Código Civil;<br> 5. A graduação de créditos, quando concorram créditos do Estado, créditos da Previdência e os créditos garantidos por penhor deve ser a seguinte: em primeiro lugar, o crédito pignoratício, depois o crédito por impostos e, em terceiro lugar, o crédito da segurança social;<br> 6. O Douto acórdão recorrido - secundando a decisão da primeira instância - violou assim e fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto nos artigos 666º e 749º do Código Civil e no artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que gradue em primeiro lugar o crédito do Recorrente, com preferência ao crédito da Fazenda Nacional, por IVA.<br> <br> Contra-alegando, o Mº Pº conclui pela improcedência da revista.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>1 - Na apreciação da presente revista ter-se-ão presentes os factos constantes da decisão recorrida, correspondentes à matéria anteriormente relatada, a qual não foi objecto de impugnação, não havendo lugar a qualquer alteração - artigo 713º, nº 6, e 726º, do CPC.<br> <br> 2 - A questão ora em causa respeita à graduação de créditos na fase executiva da acção especial de venda de penhor, traduzindo-se no problema de saber se o penhor deve ser graduado antes ou depois dos créditos do Estado por imposto de IVA.<br> Ponderando acerca da questão, o acórdão recorrido, reconhecendo, embora, a sua delicadeza, "em face da contradição, pelo menos aparente, entre as normas legais aplicáveis", propendeu para a solução alcançada na 1ª instância, que fez prevalecer os créditos do Estado sobre o crédito garantido por penhor.<br> Inversamente, sustenta o Recorrente que, na concorrência do seu crédito garantido por penhor mercantil e os créditos do Estado por impostos, o seu crédito deveria ser graduado em primeiro lugar. <br> <br> 2.1. - Apesar de, nos presentes autos, não terem sido reclamados créditos da Segurança Social, o Recorrente, hipotizando tal situação, pronunciou-se, na conclusão 5ª, no sentido de que "a graduação de créditos, quando concorram créditos do Estado, créditos da Previdência e os créditos garantidos por penhor deve ser a seguinte: em primeiro lugar, o crédito pignoratício, depois o crédito por impostos e, em terceiro lugar, o crédito da segurança social".<br> 2.2. - Por se tratar de hipótese-tipo, justificar-se-á começar a partir dela a nossa indagação. <br> Figure-se, pois, uma ordem de graduação de créditos quando estejam em causa créditos do Estado por impostos e créditos da Segurança Social, uns e outros fruindo do privilégio mobiliário geral - artigo 736º, nº 1, do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a citar sem indicação da origem " e de créditos pignoratícios" artigo 666º.<br> A questão surge em consequência da oposição entre o regime vertido nas disposições aplicáveis do Código Civil e a disciplina específica constante de alguma legislação avulsa. Mais concretamente, e simplificadamente, o problema coloca-se, em face do disposto pelo artigo 749º, tendo presente o estabelecido pelos artigos 1º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, e 10º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio.<br> Cumpre reconhecer que o nº 2 do artigo 10º, ao conferir aos créditos da segurança social prevalência sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior, estabelece um regime específico, particular , que entra em oposição com o regime geral comum e normal de ordenação das garantias reais e privilégios gerais constantes do Código Civil.<br> 2.3. - Com efeito, o artigo 749º dispõe:<br> O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.<br> Por sua vez, na sequência do que já estabelecia o artigo 1º do Decreto-Lei nº 512/76, prescreve, sob a epígrafe "Privilégio mobiliário", o artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80:<br> 1 - Os créditos das caixas de previdência por contribuições e os respectivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil.<br> 2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.<br> Como se refere no acórdão recorrido, sobre esta matéria têm-se esboçado três posições:<br> A primeira considera que deve graduar-se, em primeiro lugar, o crédito por impostos, depois o crédito da Segurança Social e, em terceiro lugar, o crédito garantido por penhor.<br> A segunda entende que a ordem de preferência deve ser a seguinte: em primeiro lugar, o crédito garantido por penhor, em seguida o crédito por impostos e, em terceiro lugar, o crédito da Segurança Social.<br> A terceira posição sustenta a seguinte ordem de preferências: primeiro, o crédito da Segurança Social, depois o crédito garantido pelo penhor e, por último, o crédito de impostos.<br> <br> 2.4. - Apreciando este leque de posições, torna-se evidente que a enunciada em terceiro lugar não dispõe de condições de êxito, uma vez que não tem correspondência, nem na letra nem no espírito, com qualquer das formulações normativas em confronto, não se conformando quer com a disciplina do artigo 749º, quer com o regime especial dos artigos 1º e 10º dos Decretos-Leis nºs 512/76 e 103/80.<br> Quedam, por isso, frente a frente, as duas primeiras posições.<br> Em defesa do segundo entendimento, que, recorde-se, corresponde à posição do ora Recorrente, tem-se sustentado que só ele respeita o propósito do legislador. Argumenta-se, designadamente, com o facto de a norma do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, apenas incluir, no âmbito da respectiva previsão, os créditos da Segurança Social, dela estando excluídos os créditos da Fazenda Pública - matéria esta sobre a qual não se teria pretendido legislar.<br> Tratar-se-ia, assim, de uma norma excepcional, não podendo, pela sua própria natureza, valer fora da sua específica previsão, sem exportar reflexamente o seu regime excepcional para outras situações, que, assim, ficariam também, como que por efeito de "ricochete" ou de "carambola", em oposição com o regime geral vertido no Código Civil.<br> Assim sendo, não seria possível, quanto a outros créditos, que não os da segurança social - e muito menos em situações em que estes nem sequer se apresentam em concurso -, inverter a regra da prevalência dos direitos do credor pignoratício quanto ao valor das coisas ou direitos objecto do penhor.<br> Foi esta, no essencial, a posição adoptada no Acórdão deste STJ de 28-11-1990, Procº nº 2783 (1) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 401, págs. 585 e segs.), na esteira, verbi gratia, do Acórdão da Relação do Porto de 12 de Janeiro de 1984 (2) Publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1984, tomo I, pág. 213.), onde, depois de se observar que o Decreto-Lei nº 103/80 visa defender as garantias de cobrança das contribuições da Previdência e não dos impostos, se escreve o seguinte:<br> <br> O entendimento dos preceitos no sentido de, por arrastamento, colocar os créditos da Fazenda Nacional à frente dos créditos garantidos por penhor excede o propósito do legislador. Não representa matéria sobre a qual se tenha pretendido legislar.<br> Por outro lado, o nº 1 do artigo 747º do Código Civil coloca em primeiro lugar para efeitos de graduação em concurso, entre os créditos com privilégio mobiliário, os créditos por impostos.<br> O nº 1 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80 deve entender-se como oferecendo aos créditos da Previdência o segundo lugar na graduação em concurso, mas representa também um limite na preferência sobre os outros créditos - não devem ultrapassar os créditos por impostos.<br> Destas duas proposições - prevalência sobre o penhor, mas sem preferir sobre os créditos por impostos - só resulta uma leitura coerente possível: a prevalência dos créditos da Previdência sobre o penhor está condicionada a não concorrerem créditos por impostos.<br> <br> Ou seja: os normativos em causa dos Decretos-Leis nºs 512/76 e 103/80 deveriam sofrer uma interpretação restritiva, em consequência da qual o crédito garantido pelo penhor era postergado pelo crédito da segurança social quando apenas este com ele concorresse à graduação de créditos; mas já perderia a prevalência quando também interviessem créditos por impostos.<br> <br> 2.4. - Apreciando a construção do citado acórdão de 28-11-90, escreveu-se no acórdão de 4 de Março de 1992, Processo nº 13.857, do Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário) (3) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 415, pág. 359.):<br> <br> Deve desde já declarar-se que tal interpretação (restritiva) contraria os mais elementares princípios da interpretação das leis.<br> Com efeito, não pode aceitar-se uma interpretação que varia conforme o crédito da Segurança Social fosse ou não acompanhado por um crédito de imposto.<br> Sobreleva o crédito pignoratício quando concorrer sózinho, mas é relegado para terceiro lugar quando também concorrer com um crédito por impostos.<br> (...) os artigos 1º do Decreto-Lei nº 512/76 e 10º do Decreto-Lei nº 103/80 determinam expressamente que os créditos da Segurança Social são graduados logo a seguir aos créditos de impostos por força do artigo 747º, nº1, al. a), do Código Civil, por força do privilégio mobiliário geral.<br> Este privilégio de que gozam os créditos por contribuição à Segurança Social e respectivos juros de mora prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior (artigos 1º, nº 2, e 10º, nº 2, dos diplomas citados).<br> <br> Em consequência do exposto, considerou o aresto do STA que ora se acompanha que a interpretação que está em consonância com a letra e o espírito da lei é a primeira posição. Ou seja, a lei estabelece que, relativamente ás garantias dos três mencionados créditos, deve dar-se preferência aos créditos de impostos, depois graduar-se os créditos da segurança Social e, em terceiro lugar, os créditos garantidos por penhor.<br> Com efeito, como se observa no referido acórdão, o legislador não desconhecia o disposto nos artigos 666º e 749º, tendo sido, justamente, sua intenção dar a tais créditos prevalência sobre os créditos garantidos pelo penhor.<br> Aqueles diplomas vieram estabelecer um sistema especial de graduação entre aquelas três espécies de créditos, com prejuízo do disposto nos artigos 666º e 749º do Código Civil.<br> Ou seja: aqueles normativos constituem lei especial face á lei geral (4) Cfr. loc. cit.na nota (3), pág. 366. Como se refere no citado acórdão, o que se diz no texto corresponde à jurisprudência corrente do S.T.A., profusamente citada naquele local. No mesmo sentido, podem ver-se também, entre outros, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, "Código de Processo Tributário", Coimbra, Almedina, 1991, págs. 691/693; A. Luís Gonçalves, "Privilégios Creditórios: Evolução histórica. Regime. Sua inserção no tráfico creditício"; e o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nº 40/90, de 7 de Novembro de 1991, in BMJ, nº 415, págs. 55 e segs., estudo que, a espaços, ainda se irá acompanhar.).<br> Concorda-se com o entendimento acabado de expor, acompanhando-se, assim, a primeira das posições supra enunciadas em 2.2.<br> Posição que corresponde, aliás, ao entendimento largamente maioritário da jurisprudência deste STJ, na esteira de arestos como, por exemplo, o Acórdão de 29 de Novembro de 1989, Procº 78145 (5) Publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 391, pág. 618.), onde se concluiu que "o que aquele artigo 10º (do Decreto-Lei nº 103/80) quis dizer foi que em caso de concorrência de créditos a graduar, os créditos da Previdência sê-lo-ão logo a seguir aos créditos do Estado e das autarquias locais e sempre antes do crédito penhoratício".<br> 3. - É agora chegado o momento de nos interrogarmos se, no caso de concurso restrito entre o crédito do Estado e o crédito pignoratício - situação correspondente ao caso sub judice -, deve continuar a dar-se preferência ao primeiro. <br> Escusado será dizer que, para os defensores da segunda posição acima sumariada, e por maioria de razão, no caso de apenas concorrerem créditos do Estado por impostos com créditos pignoratícios, seriam estes os prevalentes como aplicação do princípio geral do artigo 749º. Em tal situação, nem seria de chamar à aplicação o nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, normativo exclusivamente gizado para defender os créditos da segurança social em concorrência com outros.<br> Diga-se, a título de preâmbulo, que a conjugação de normativos de sentido oposto dá inevitavelmente origem a um "regime" complexo e algo confuso, sendo causa de entendimentos de sentido discrepante na jurisprudência e na doutrina. <br> Tudo a recomendar uma intervenção legislativa clarificadora.<br> 3.1. - Digamos, desde já, que acompanhamos o entendimento que vem das instâncias, segundo o qual, na concorrência exclusiva do crédito garantido pelo penhor e do crédito do Estado por impostos, deve ser dada preferência a este último, graduando-o em primeiro lugar.<br> Vejamos porquê.<br> Vimos que o artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80 configura, na concorrência de créditos do Estado, da Segurança Social e de instituição de crédito detentora de penhor, a seguinte graduação: primeiro, o Estado; depois a Segurança Social e finalmente a instituição de crédito.<br> Haverá justificação para que as coisas se modifiquem quando, abstraindo da intervenção da Segurança Social, se considere o concurso limitado a reclamações do Estado e da instituição de crédito detentora do penhor?<br> A resposta deve ser negativa. Acompanhemos, a propósito, o estudo desenvolvido no âmbito do já citado parecer do Conselho Consultivo da P.G.R.:<br> Julgamos ter ficado esclarecido que o regime definindo a geral prevalência do penhor, normas tais como os artigos 666º, nº 1, e 749º do Código, eram sobrepujadas, na sua generalidade, pelas especialidades consubstanciadas (...) no artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80.<br> E parece inconcebível que a teleologia e as conexões sistemático-normativas reveladoras de uma certa escala de valores na perspectiva do interesse público, possam sofrer modificação essencial pela circunstância, aleatória, de os respectivos intértres - mutáveis - entrarem em cena simultânea ou alternadamente.<br> Pode, no entanto, objectar-se que o concreto tipo de concurso de que agora curamos - crédito do Estado e crédito pignoratício - não se inscreve na previsão do artigo 10º em apreço, pelo que não se poderia aí recortá-lo sem um inadmissível - salto lógico -.<br> Mais precisamente, tratar-se-ia de que o nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80 apenas aos créditos privilegiados da Segurança Social, e não aos do Estado, atribui preferência sobre os créditos garantidos pelo penhor.<br> Acompanhemos, de novo, o discurso lógico do parecer nº 40/90:<br> É inquestionável que o artigo 10º define posições relativas de categorias de créditos nele configuradas.<br> Neste sentido se estabelece - embora a pretexto da salvaguarda de interesses da Segurança Social - que os créditos desta cedem perante os créditos do Estado, mas preferem aos penhores.<br> Ora, perante esta ordem de preferências, não pode duvidar-se da prevalência de semelhante regime sobre a normação geral dos artigos 666º, nº 1, e 749º do Código Civil - prioridade do penhor sobre o privilégio mobiliário -, que, de outro modo, seria aplicável.<br> Foi, justamente, por se ter presente o regime geral que se quis um regime especial de sinal contrário.<br> (...).<br> Para nós o preceito (artigo 10º) analisa-se (...) na seguinte estrutura: concorrência de créditos do Estado, da Segurança Social ou dotados de penhor (previsão); preferência dos créditos pela referida ordem (consequência jurídica).<br> Ora, no plano lógico-formal, não pode pura e simplesmente negar-se que a previsão se integre quando concorram em concreto tão-só créditos da primeira e terceira categorias.<br> Concorda-se com o entendimento formulado no parecer, aceitando-se que corresponderia a deformar a previsão da norma limitá-la às situações de concreto concurso das três categorias de crédito.<br> Poderá, no entanto, recordando-se a objecção já formulada, repetir que o nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80 ao atribuir prioridade sobre os penhores, o faz tão-somente para o privilégio da Segurança Social, e não relativamente o do Estado.<br> Responder-se-á, no entanto, na esteira do brilhante parecer que, ora, se acompanha que não se pode pretender dissociar o nº 1 do nº 2 do artigo 10º, dedicando a cada um dos segmentos leituras parcelares e herméticas.<br> 3.2. - Recorde-se a norma do nº 2 do citado artigo 10º:<br> Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.<br> Trata-se obviamente de uma norma incompleta, cuja previsão vai buscar o seu núcleo essencial à disciplina do antecedente nº 1.<br> Como se escreve no parecer nº 40/90: "dizer este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior carece de todo o sentido se não se souber que privilégio é esse que sobre qualquer penhor prevalece".<br> A tal interrogação responde o nº 1, nessa medida integrando a previsão do nº 2.<br> E o nº 2 recebe do nº 1, além dos atributos da natureza - privilégio mobiliário geral - e da titularidade da garantia - créditos das caixas de previdência por contribuições e respectivos juros de mora - ainda, necessariamente as coordenadas - as primeiras coordenadas - da sua localização na topografia das garantias concorrentes: privilégio mobiliário geral com graduação logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º dio Código Civil.<br> Em resultado da remissão para o nº 1, operada com o conteúdo indicado, a incompletude do nº 2 preencher-se-á do seguinte modo:<br> 2 - Este privilégio (mobiliário geral dos créditos das caixas de previdência com graduação logo após os créditos referidos na alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil) prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior".<br> Ora, se apenas a Segurança Social - não o Estado - preferisse ao credor pignoratício, então, por força do disposto do regime geral previsto nos artigos 666º e 749º, o crédito detentor de penhor preferiria ao do Estado. Mas não se compreenderia então que, nos concursos restritos entre a Segurança Social e o Estado, aquela não preferisse a este.<br> Todavia, o facto é que é o Estado que prefere à Segurança Social, como indiscutivelmente resulta do nº 1.<br> Tudo a levar a concluir que, nas relações limitadas ao concurso do Estado e da instituição de crédito detentora do penhor, aquele prefere a esta.<br> Tem, por isso, razão o acórdão recorrido, nada justificando que se interprete restritivamente o artigo 10º, em termos que conduzissem a sua previsão a esgotar-se na concorrência dos créditos pignoratícios e os da Segurança Social.<br> O respeito pelo princípio da unidade do sistema jurídico não se alcança por outra via diferente da apontada.<br> Improcedem, pois, as conclusões da alegação da revista, não tendo ocorrido violação dos normativos indicados.<br> Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 20 de Abril de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> A, intentou, no 3. Juízo Cível da Comarca de Oeiras, acção declarativa, com processo ordinário, contra B e mulher, C, pedindo a sua condenação a celebrarem com ela escritura de venda da fracção "U", do prédio urbano lote ..., do Espargal, Paço d/Arcos, concelho de Oeiras, a ela prometido vender pelo réu ou, em alternativa, serem condenados a pagar-lhe a quantia de 4750000 escudos, com juros vincendos, sendo declarada sem efeito a resolução do contrato de arrendamento entre o autor e o réu, relativo a tal fracção.<br> Antes de concretizada a citação dos réus, tendo junto certidão da escritura da venda do andar a terceiros, veio pedir a redução do pedido à indemnização e à declaração de ter ficado sem efeito a resolução do contrato de arrendamento, pedido que foi atendido pelo despacho de folhas 53.<br> Os réus vieram chamar à autoria D, interveniente num termo de transacção e no contrato-promessa, em representação do réu.<br> O chamado contestou, tendo a autora respondido.<br> Os réus contestaram, tendo pedido a condenação da autora, como litigante de má fé, e a pagar-lhes a quantia de 500000 escudos, com juros vincendos desde a notificação do pedido reconvencional.<br> A autora respondeu.<br> No despacho saneador-sentença foram julgados improcedentes os pedidos e considerou-se não ter havido litigância de má fé.<br> Tendo a autora apelado desta decisão, e os réus subordinadamente, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão recorrida, julgando improcedentes a acção e a reconvenção.<br> Novamente inconformada, recorreu a autora para este Tribunal e, subordinadamente, os réus.<br> A autora formulou nas suas alegações as conclusões seguintes:<br> 1. ao julgar a acção improcedente não obstante o recorrido não ter cumprido o contrato-promessa que fizera com a recorrente, ao fazer novo contrato-promessa sobre o mesmo objecto com o E, o acórdão recorrido violou o artigo 442 n. 2, este, como os demais a citar sem menção expressa, do Código Civil;<br> 2. não houve novação, como dá a entender esse mesmo acórdão;<br> 3. para que a obrigação primitiva seja extinta por outra que a substitua é preciso que assim se declare terminantemente ou que a antiga e nova obrigação sejam de todo o modo incompatíveis;<br> 4. no caso, da declaração de folhas 64 bem parece resultar o contrário ao afirmar-se que "as condições da transacção judicial, nomeadamente o pagamento descrito no seu n. 3 alínea d) se mantêm em vigor...";<br> 5. o contrato de folhas 13 e 14 não é aquele que a autora pediu ao chamado Dr. D, para elaborar, mas sim um outro, no qual a autora figuraria como promitente-vendedora;<br> 6. tal é que parece resultar da afirmação contida no documento de folhas 64;<br> 7. ao basear-se na renúncia da recorrente ao exercício dos direitos emergentes do contrato-promessa, para decidir que não houve incumprimento, por parte dos recorridos, do contrato-promessa que celebrou com a recorrente, o acórdão recorrido violou o artigo 809;<br> Por sua vez, os réus formularam as conclusões seguintes:<br> 1 - a autora, aqui recorrida, recebeu dos compradores a quantia de 500000 escudos, que eram parte do preço do andar que os réus, ora recorrentes, lhe venderam:<br> 2 - quem deveria ter recebido tal quantia eram os recorrentes (artigo 879 alínea c));<br> 3 - porém, os recorrentes apenas receberam dos compradores a quantia de 5500000 escudos;<br> 4 - por isso, sofreram uma diminuição patrimonial de 500000 escudos;<br> 5 - tal prejuízo correspondeu a locupletamento da recorrida em igual montante;<br> 6 - o locupletamento da recorrida foi, por isso, obtido à custa dos recorrentes;<br> 7 - para que haja obrigação de restituir não é necessário que o locupletamento se tenha verificado directamente à custa dos recorrentes;<br> 8 - é, isso sim, necessário ter sido o património de terceiro, neste caso, os recorrentes o que ficou empobrecido com o enriquecimento do recorrido;<br> 9 - os ora recorrentes podem demandar a recorrida com base no enriquecimento sem causa, uma vez que o acto que gerou o enriquecimento desta foi o mesmo donde procedeu o prejuízo deles;<br> 10 - ao assim entender, violou o acórdão recorrido, por erro de interpretação, o n. 1 do artigo 473 e artigo 479.<br> Foram apresentadas contra-alegações, mantendo as posições respectivas.<br> O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, ouvido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 707 n. 1, do Código de Processo Civil, emitiu douto parecer no sentido de se não justificar a pedida condenação da autora como litigante de má fé.<br> Foram colhidos os vistos legais.<br> Tudo visto. Cumpre decidir.<br> E decidindo.<br> As instâncias deram por provados os factos seguintes:<br> 1- na Conservatória do Registo Predial de Oeiras foi inscrita, desde 23 de Julho de 1973, a favor do réu a aquisição, por compra, da fracção "U" - 5. piso esquerdo centro (4. andar) - do prédio urbano no regime de propriedade horizontal, sito no Espargal, lote ..., freguesia de Paço d/Arcos, concelho de Oeiras, ali descrita sob o n. 00058061184U;<br> 2- em 9 de Dezembro de 1975, tal fracção foi dada de arrendamento à autora, com efeitos desde 1 de Dezembro de 1975, para habitação, pelo prazo renovável de seis meses, sendo, então, a renda mensal de 2600 escudos;<br> 3- o réu intentou contra a autora acção de despejo, que correu termos no 1. Juízo Cível de Lisboa, com o n. 142/84, onde se chegou a transacção em 6 de Maio de 1991, nos termos seguintes:<br> 1<br> "Autor e ré acordam a resolver o contrato de arrendamento em apreço nestes autos (...), com efeitos a partir de 30 de Novembro de 1991.<br> 2<br> O autor promete vender à ré e esta promete comprar-lhe a fracção identificada em 1, pelo preço de 4200000 escudos, cuja escritura de compra e venda será outorgada até 29 de Novembro de 1991, em data a indicar pela ré ao autor ou ao seu mandatário, com pelo menos oito dias de antecedência.<br> 3<br> O pagamento da importância de 4200000 escudos acima referida proceder-se-á do seguinte modo: a) foi já entregue pela ré ao autor durante o ano de 1990 a quantia de 750000 escudos; b) na presente data a ré entregou ao autor através do cheque n. 022/18301/000.1, do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa - Paço d/Arcos, cujo titular é F, a quantia de 200000 escudos; c) a ré entregará ao autor até ao dia 15 de Julho de 1991 a quantia de 500000 escudos; d) Na data da escritura será entregue os restantes 2750000 escudos;<br> 4<br> O contrato de arrendamento ficará também resolvido, nos termos acordados em 1. caso a ré não cumpra quaisquer das cláusulas referidas nos ns. 2 e 3 que antecedem; o incumprimento de quaisquer das cláusulas por parte do autor não implicará resolução do contrato de arrendamento.<br> 5<br> O acordo que antecede considera-se não cumprido pela ré, no caso de qualquer das importâncias referidas nas alíneas b), c) e d) não forem efectivamente pagas ao autor, até às datas acordadas, salvo recusa deste.<br> 6<br> O incumprimento pela ré de quaisquer das cláusulas que antecedem, implica a perda de todas as importâncias já entregues ao autor; a recusa do autor em receber quaisquer das quantias acima referidas ou em celebrar a escritura de compra e venda, confere à ré o direito de haver daquele o dobro das importâncias que lhe tiver pago.<br> 7<br> As partes acordam em fazer cessar os efeitos do contrato-promessa junto aos autos e que constitui o documento de folhas 76 a 77 dos autos.<br> 8<br> As custas serão suportadas pela ré. Autor e ré prescindem de procuradoria, dão por compensadas as custas de parte, excepto quanto ao depósito efectuado a folhas 236 pelo autor. O autor prescinde ainda da indemnização de 20000 escudos que lhe foi arbitrada a folhas de 222/v. dos autos.<br> 9<br> Todos os depósitos relativos à fracção e comprovados nos autos, pertença do autor que os poderá levantar quando entender, assim como a indemnização relativa a depósitos efectuados fora de prazo".<br> 4- em 10 de Setembro de 1991, o recorrido, tendo como procurador D, prometeu vender a E e este prometeu comprar-lhe o andar em causa por 6000000 escudos;<br> 5- a recorrente já entregou ao recorrido as quantias referidas nas alíneas a), b) e c) da cláusula 3 da mencionada transacção;<br> 6- em 15 de Maio de 1992, os recorridos, através do seu procurador D, venderam tal fracção a E e mulher, G, representados pela sua procuradora H;<br> 7- em 6 de Dezembro de 1991, o mandatário da recorrente expediu ao mandatário dos recorridos, o mencionado D, o fax fotocopiado de folhas 63.<br> 8- a recorrente emitiu a "declaração" fotocopiada a folhas<br> 64, onde refere que, na sequência da aludida transacção judicial, prometeu vender a E, emigrante no Brasil, a fracção por 6000000 escudos, tendo, a seu pedido e no seu interesse, pedido ao procurador dos proprietários da fracção, que assinasse contrato-promessa da fracção, sem ter existido qualquer negociação ou intervenção dos proprietários ou do procurador deles, não indo assacar a este último ou a eles qualquer responsabilidade quanto ao cumprimento ou incumprimento de qualquer das cláusulas do contrato-promessa, mantendo-se em vigor as condições da transacção judicial, nomeadamente o pagamento descrito no n. 3 da alínea d), tendo a declarante a receber a diferença que resultar do pagamento final do E;<br> 9- a recorrente não interpelou os recorridos para a outorga da escritura de compra e venda até 21 de Novembro de 1991,<br> 10- os recorridos outorgaram, em 28 de Maio de 1990, no<br> 2. Cartório Notarial de Braga, procuração a favor do Chamado, com poderes especiais para vender ou vender pelo preço e nas condições que entendesse por convenientes a fracção em causa, podendo assinar o respectivo contrato-promessa, receber sinais e dar quitação;<br> 11- em 27 de Abril de 1992, outorgaram nova procuração a favor dele, indicando E como promitente comprador ou comprador.<br> Este o quadro factual fixado pelas instâncias, a partir do qual devem ser apreciadas as questões suscitadas pelos recorrentes, tendo sempre presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas nas respectivas alegações.<br> Quanto ao recurso principal, fácil é constatar que apenas vem posto em causa o pedido de indemnização formulado pela autora, ora recorrente, pelo não cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, relativo ao imóvel supra identificado.<br> Na sua tese, os recorridos, ao celebrarem novo contrato-promessa de compra e venda do mesmo imóvel a terceiros, teriam, culposamente, faltado ao cumprimento do contrato que, com ela, tinham celebrado.<br> Entretanto, as instâncias entenderam que esse incumprimento é imputável à recorrente por não ter respeitado integralmente as cláusulas estabelecidas nesse mesmo contrato.<br> Para uma melhor compreensão do problema trazido à nossa consideração, importa, antes do mais, recordar o quadro factual em que se insere aquele problema.<br> A recorrente, na qualidade de inquilina do prédio em causa, foi accionada pelos recorridos, proprietários do mesmo prédio, em acção de despejo, visando, obviamente, a resolução do respectivo contrato de arrendamento e consequente desocupação daquele prédio.<br> A fim pôr termo a este litígio, acordaram os litigantes em celebrar contrato-promessa de compra e venda do arrendado, nos termos que deixamos expostos.<br> Deste contrato ressaltam, como essenciais, para os efeitos agora em causa, as cláusulas relativas ao pagamento e à data da celebração da escritura de compra e venda.<br> Quanto ao pagamento, este seria efectuado em quatro prestações, a última das quais na data da escritura e esta deveria ser outorgada até 29 de Novembro 1991, em data a indicar pela ora recorrente aos recorridos ou ao seu mandatário, com pelo menos oito dias de antecedência.<br> Da matéria de facto fixada nos autos verifica-se que a recorrente respeitou as cláusulas relativas ao pagamento, mas, até à data convencionada, não tomou as providências estipuladas quanto á outorga da escritura que, assim, não veio a ser celebrada.<br> Com base neste incumprimento, as instâncias entenderam que a responsabilidade do incumprimento do contrato-promessa cabia à recorrente e daí a improcedência do seu pedido de indemnização.<br> Vejamos se é de manter esta conclusão das instâncias.<br> De acordo com o preceituado na segunda parte do n. 2 do artigo 442, nos contratos-promessa, quando haja sinal constituído, e o promitente-vendedor não cumpra a obrigação que sobre ele impenda, por causa que lhe seja imputável, o promitente-comprador poderá exigir daquele o dobro do sinal do que prestou.<br> O normativo citado não esclarece totalmente se a obrigação de restituir o sinal em dobro exige a simples mora do promitente-vendedor, ou se é essencial que se verifique incumprimento definitivo do contrato.<br> Na vigência da primitiva redacção do aludido dispositivo, era entendimento pacífico, tanto na jurisprudência como na doutrina, que a mencionada sanção só era aplicável no caso de incumprimento definitivo.<br> Posteriormente às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro, a questão deixou, porém, de ser pacífica, tendo o prof. Antunes Varela defendido que a simples mora é bastante para desencadear o mecanismo da restituição em dobro do sinal ou a sua perda quando o atraso no cumprimento seja imputável ao promitente-comprador (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág.423, 4. ed. e Sobre o Contrato- -Promessa, 2. ed., pág.149).<br> Entretanto, tanto a jurisprudência como a doutrina dominantes entendem que só o inadimplemento definitivo do contrato é relevante para este efeito (acórdãos deste Tribunal de 2 de Novembro de 1989, Bol. n. 391 e 375 de 25 de Fevereiro de 1993, Bol. 424, 654, Galvão Telles,<br> Direito das Obrigações, 6. ed., 112 e seguintes).<br> Afigura-se-nos que é esta a orientação a seguir, uma vez que o sinal não tem a natureza de cláusula penal moratória desempenhando antes uma função específica idêntica à cláusula penal (compensatória), qual seja a de constituir a prefixação convencional da indemnização, a satisfazer pela parte que deixe de cumprir (definitivamente) o contrato.<br> Ora, é isso que resulta da lei, na medida em que as expressões "deixar de cumprir" e "não cumprimento" constantes do citado n. 2 do artigo 442 devem ser entendidas como equivalentes ao incumprimento definitivo.<br> Por outro lado, não se divisa justificação para, nos contratos-promessa, se não aplicar as disposições dos contratos em geral, na parte em que não briguem com o seu regime específico, e, nos termos do n. 1 do artigo 804, a simples mora não dá origem à resolução do contrato, constituindo, apenas, o devedor na obrigação de reparar os danos ao credor.<br> Qualquer que seja o entendimento a adoptar, que se mostra indiscutível é que os recorridos, tendo cumprido todas as cláusulas do contrato-promessa que celebraram com a recorrente, não se constituiram em mora, nem deixaram de cumprir aquilo a que se obrigaram. Óbvio é, assim, que o pedido de indemnização contra eles deduzido pela recorrente não tem fundamento legal, nomeadamente o resultante do artigo 442 n. 2.<br> O que se evidencia dos autos é precisamente o contrário, isto é, que foi a recorrente a constituir-se em mora, não cumprindo a cláusula respeitante às providências necessárias para a celebração da escritura de compra e venda.<br> Com efeito, obrigou-se ela a indicar, com oito dias de antecedência e até 29 de Novembro de 1991, a data da outorga daquela escritura, o que não cumpriu.<br> Aliás, podendo o prazo estabelecido para cumprimento do contrato-promessa ser fixo ou absoluto, também chamado de essencial, ou relativo, simples ou não essencial, no caso em análise tudo indica que estamos perante um prazo essencial.<br> Na verdade, do contrato-promessa, agora em causa, ficou claramente estabelecido, por um lado, que "o incumprimento pela ré (ora recorrente) de quaisquer das cláusulas que antecedem implica a perda de todas as importâncias já entregues ao autor (ora recorrido)" e por outro que "a recusa do autor em receber quaisquer das quantias acima referida ou em celebrar a escritura de compra e venda, confere à ré o direito de haver daquele o dobro das importâncias que lhe tiver pago".<br> Deste clausulado é legítimo concluir que o prazo foi estabelecido com a finalidade de tornar bem explícito que as obrigações emergentes do contrato não poderiam ser cumpridas para além do seu decurso.<br> Tratando-se, como parece resultar do contrato, de um prazo essencial, a circunstância da recorrente não ter tomado as providências a que se obrigou para a celebração da escritura de compra e venda implica que ela se tivesse colocado em situação de mora, que, no caso, poderia equivaler a incumprimento definitivo (artigo 808 n. 1).<br> Mas ainda que se tratasse de prazo não essencial, o certo<br> é que os recorridos, como se disse, cumpriram todas as obrigações para eles decorrentes do contrato-promessa e a recorrente deixou de cumprir a cláusula que lhe impunha a iniciativa das diligências necessárias para a celebração da escritura definitiva de compra e venda.<br> O que significa que foi a recorrente que deu causa ao incumprimento definitivo do contrato ou, pelos menos, se constituiu em mora, e não os recorridos.<br> Não tendo estes deixado de cumprir aquilo a que se obrigaram, não pode a recorrente fazer-se valer do disposto no citado artigo 442 n. 2.<br> Daí que o pedido de indemnização que a recorrente formula não tenha suporte legal, como decidiram as instâncias.<br> Entretanto, importa salientar que as considerações precedentes não esgotam o problema posto pela recorrente.<br> Com efeito, alega esta que não respeitou o prazo fixado, por, ainda dentro desse prazo, os recorridos terem celebrado novo contrato-promessa de compra e venda a terceiros do mesmo imóvel, o que teria inviabilizado aquele em que tinha estabelecido o referido prazo.<br> No seu entender, a celebração deste novo contrato-promessa traduziria uma vontade clara e inequívoca, da parte dos promitentes-vendedores, de não desejarem cumprir o contrato que com ela haviam celebrado.<br> Temos por inaceitável esta argumentação.<br> Vejamos.<br> Este novo contrato-promessa foi celebrado em 10 de Setembro de 1991 e, antes desta data, já a recorrente prometera vender, aliás, ao mesmo interessado, E, o mesmo prédio, que havia prometido comprar aos recorridos.<br> Ambas estas promessas de venda revelam que nem a promitente compradora, nem os promitentes vendedores se mostravam dispostos a concretizar o contrato que haviam celebrado na transacção supra referida, estando muito mais interessados em retirar da venda do andar em causa o maior benefício, o que nos poderia conduzir a uma situação de distrate, como doutamente se refere na decisão da 1. instância.<br> Mas o que neste momento importa salientar é que a nova promessa de venda a terceiros do prédio em questão, feita ainda no decurso do prazo fixado no primeiro contrato-promessa, não constituia obstáculo legal a que a recorrente cumprisse aquilo a que se obrigara naquele contrato.<br> Mais. Se era seu desejo e vontade vender o prédio, que prometera comprar, ao citado E, impunha-se, obviamente, concretizar a sua compra, indicando aos recorridos a em data que pretendia celebrar a respectiva escritura.<br> Por outro lado, sendo terceiro em relação ao novo contrato-promessa celebrado entre os recorridos e o mencionado E, a recorrente era absolutamente alheia às eventuais consequências do incumprimento desse contrato, da inteira responsabilidade dos recorridos.<br> Não se divisam, assim, razões juridicamente válidas para que a recorrente deixasse de cumprir as obrigações para ela decorrentes do contrato-promessa que celebrou com os recorridos.<br> Não as tendo cumprido, constituiu-se em mora, não podendo, agora, pedir uma indemnização pelo incumprimento do contrato em causa, que só a ela pode ser imputado.<br> Bem andaram as instâncias ao afirmar que o pedido de indemnização, formulado pela recorrente, e o único agora em causa neste recurso, carece de fundamento legal.<br> Improcede, pois, o recurso principal.<br> Quanto ao recurso subordinado, também se nos afigura que não pode ser atendido.<br> Com efeito, o eventual pagamento de 500000 escudos feito pelo citado E à recorrente é absolutamente alheio ao contrato-promessa celebrado entre esta e os recorridos e só este está em causa nestes autos.<br> Trata-se, deste modo, de matéria estranha a este processo, nada tendo a ver quer com o pedido formulado, quer com a respectiva causa de pedir.<br> Por outro lado, se o referido E pagou à recorrente aquela quantia que devia ter sido pago aos recorridos, tal constitui problema que só a eles diz respeito. E se pagou mal à recorrente, só ele é o lesado e não os recorridos.<br> Assim, a ter existido enriquecimento sem causa por parte da recorrente, o único lesado é o citado E, que não é parte nestes autos.<br> É, pois, manifestamente improcedente o pedido reconvencional e, consequentemente, o recurso subordinando que visa a declaração da sua procedência.<br> Quanto ao pedido de condenação da recorrente como litigante de má fé, acompanhamos o parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, entendendo que se trata de uma lide temerária, mas não dolosa, que não justifica uma tal sanção.<br> Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e julgar improcedente o recurso subordinado, confirmando-se inteiramente o acórdão recorrido.<br> Custas dos dois recursos pelos respectivos recorrentes.<br> Lisboa, 19 de Março de 1996.<br> Herculano Lima.<br> Aragão Seia.<br> Lopes Pinto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo tribunal de Justiça: <br> I- A intentou acção com processo ordinário contra B, C, D e E, pedindo que os réus sejam condenados a proceder a obras na casa de que é inquilina e condenados na sanção pecuniária compulsória de 20000 escudos por dia.<br> Alega que a casa de que é inquilina precisa de urgentes obras de conservação, que os réus se recusam a fazer, apesar das várias interpelações feitas.<br> Contestando, os réus sustentaram que não se trata de obras de conservação ordinária, mas sim de conservação extraordinária e que se está perante uma situação de abuso de direito.<br> O processo prosseguiu termos, tendo sido proferido saneador-sentença onde se julgou a acção procedente.<br> Apelaram os réus.<br> O Tribunal da Relação confirmou o decidido.<br> Inconformados, recorrem os réus para este Tribunal.<br> Formulam as seguintes conclusões:<br> - Deverá considerar-se abusivo o exercício do direito do arrendatário à execução de obras pelo senhorio quando as atribuições patrimoniais das partes no contrato de arrendamento (as que se traduzem, do lado do senhorio, na obrigação de realizar as obras e do lado do arrendatário, na obrigação de pagar a renda) são desiguais ou desequilibradas, de tal modo o sendo que, a admitir-se o exercício daquele direito, o arrendatário se locupletaria injustamente à custa do senhorio;<br> - Ora, a exigência de proporcionalidade entre o custo das obras e as rendas pagas não se verifica na situação de que é objecto dos presentes autos; constata-se, sim, uma gritante desproporção ou desequilíbrio entre o valor das obras reclamadas pela recorrida e as rendas que esta paga aos recorrentes;<br> - Se é verdade que a questão em apreciação se colocou com maior premência na "época em que as rendas se encontravam congeladas", daí não resulta que os efeitos desse congelamento não se tivessem continuado a fazer sentir mesmo depois da eliminação do fenómeno em causa;<br> - Com efeito, é sabido que a introdução da possibilidade de actualização das rendas, na enorme maioria dos casos, não foi mais do que um gesto<br> simbólico destinado a atenuar (embora de forma diminuta) os efeitos perniciosos que decorriam da situação, de manifesto locupletamento do arrendatário à custa do senhorio, a que o bloqueio das rendas conduzia; a actualização das rendas permitida a partir de 1986 não veio pois repor a correspondência ou coincidência entre o valor das rendas e o valor locativo, definido segundo critérios objectivos, dos imóveis arrendados;<br> - No caso subjudice, considerando o custo orçamentado para as obras ( 8645000 escudos) e o valor mensal da renda paga ( 27042000 escudos), a desproporcionalidade entre aquele e esta continua a ser manifesta: basta pensar que o custo das obras equivale, ao valor actual, a mais de 319 meses de renda (um pouco mais de 26 anos);<br> - Por outro lado, embora tal não tenha sido ponderado na decisão recorrida, parece igualmente evidente que o valor de renda actualmente praticado está muito aquém do valor locativo do imóvel;<br> - Em suma, admitir que a recorrida, no caso concreto, possa impor aos recorrentes, nos termos que as reclama, a execução de obras no prédio dos autos, significa permitir o exercício de um direito com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, estando esse exercício abusivo do direito vedado pela previsão do artigo 334 do CCIV, que acolhe, na sua concepção objectiva, a figura do abuso de direito;<br> - Como tal, ao considerarem legítimo o exercício do direito accionado pela recorrida na presente acção, o Tribunal de 1. instância e o Tribunal da Relação de Lisboa não fizeram uma correcta interpretação e aplicação da norma do artigo 334 do CCIV, pelo que se requer a alteração das respectivas decisões no sentido supra alegado, com todas as consequências legais como a absolvição dos recorrentes do pedido;<br> - No limite, caso os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros entendam fazer depender a decisão da presente causa da determinação do real valor locativo do prédio arrendado (o que não sucedeu em sede de 1. instância), devem o saneador-sentença e o acórdão recorrido ser revogados, ordenando-se que, nos termos dos artigos 729 n. 3 e 730 n. 1 do CPC, os autos baixem à 1. instância para o efeito de se proceder a essa averiguação, de modo a que o Tribunal de 1. instância possa rever o juízo formulado tendo em conta os elementos entretanto apurados;<br> - No tocante à aplicação da sanção pecuniária compulsória, apoiando o Tribunal da Relação o entendimento da 1. instância segundo o qual essa sanção é razoável por "ficar ainda assim abaixo do montante da renda mensal pago" e sendo as unidades de cálculo da sanção e das rendas distintas (uma diária, outra mensal) é inexacto dizer-se que aquela fica "abaixo" desta: reconduzidas uma e outra a uma unidade de conta comum, será fácil concluir que o montante da sanção proposto pela recorrida é manifestamente superior ao da renda mensal (enquanto aquele se cifra em 600000 escudos mensais - 20000 escudos x 30 dias - este limita-se a 27042 escudos mensais);<br> - O Tribunal de 1. instância e o tribunal da Relação de Lisboa não se basearam pois em critérios de razoabilidade para fixar o montante da sanção pecuniária compulsória a aplicar em caso de incumprimento da condenação principal;<br> - Acresce que, independentemente dos critérios seguidos para a fixação desse montante, o mesmo deve, em todo o caso, reputar-se manifestamente excessivo se tomarmos em consideração as finalidades que a sanção visa garantir e os rendimentos que os recorrentes retiram do bem locado;<br> - Verificou-se, assim, a violação, por parte do Tribunal da Relação de Lisboa (como já antes se verificara por parte do Tribunal de 1. instância) do disposto do n. 2 do artigo 829-A do CC, pelo que se requer igualmente (na hipótese de raciocínio, que se invoca sem conceder, de a condenação principal ser confirmada pelos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros) a alteração do saneador-sentença e do acórdão recorrido na parte que diz respeito à condenação em sanção pecuniária compulsória e a consequente substituição do montante aí fixado por outro que obedeça aos "critérios de razoabilidade" a que se refere o n. 2 do artigo 829-A do CCIV.<br> Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II- Vem dado como provado:<br> Em Julho de 1966, por escrito particular dessa data, F e G ajustaram entre si o arrendamento da casa sita na Rua Sanfré, n. 1 - Monte Estoril, destinando-se o arrendamento a habitação;<br> A renda mensal foi fixada em 4250 escudos, tendo sido aumentada para 8925 escudos em Agosto de 1986 e é actualmente, de 27042 escudos;<br> Em 10 de Novembro de 1983, faleceu G, o marido da autora;<br> Em 30 de Outubro de 1987, foi celebrado um aditamento ao acordo supra referido em que H e a autora, reconhecem que o arrendamento se transmitiu a esta "nos termos do disposto no artigo 1111 do CC e que, em consequência, os recibos de renda passarão a ser emitidos em nome da autora;<br> Desde a celebração do arrendamento, em 1966, jamais foram feitas na casa dos autos quaisquer obras de conservação, designadamente pinturas exteriores, conservação de rebocos, conservação e reparação do telhado e algerozes;<br> A casa apresenta-se actualmente em estado de acentuada degradação, quer nas pinturas e rebocos exteriores, quer no telhado;<br> A então senhoria, H sempre se recusou a proceder a obras de conservação da casa, não obstante os pedidos da autora;<br> Por carta de 23 de Setembro de 1987 (cuja cópia se encontre fls. 16 dos autos) a autora, por intermédio do seu advogado, interpelou a senhoria para que fizesse as obras de conservação e manutenção da casa, principalmente do respectivo telhado e algerozes, chaminé, revestimento exterior, janelas, canalizações e instalação eléctrica;<br> Essa carta foi recebida pela senhoria, H, em 25 de Setembro de 1987;<br> A dita senhoria respondeu, por carta de 9 de Fevereiro de 1988, que iria tomar providências para viabilizar as obras;<br> Por carta de 22 de Fevereiro de 1988, a autora, por intermédio do seu advogado, respondeu à senhoria, pedindo-lhe que efectuasse as obras urgentemente;<br> Na sequência de deliberação de 5 de Junho de 1990 na Câmara Municipal de Cascais, foi a H notificada para, no prazo de 30 dias, mandar proceder às reparações discriminadas no documento de fls. 193, ou seja "reparação de estrutura da cobertura e beirados que ameaçam ruína;<br> reparação do sistema de escoamento de águas fluviais de modo a conter infiltrações de água que inclusivamente afectam o sistema eléctrico do edifício, com todos os riscos daí decorrentes; reparação de rebocos exteriores e estuques interiores danificados pelas infiltrações atrás referidas";<br> Em 21 de Dezembro de 1993, a autora interpelou, de novo, a senhoria por carta recebida em 29 de Dezembro de 1993, fixando-lhe um prazo até final do mês de Janeiro de 1994, para o início da execução das obras;<br> A senhoria não respondeu a esta última carta, nem procedeu a quaisquer obras;<br> Em 25 de Maio de 1995, a requerimento da autora, foi feita uma vistoria à casa, pelos serviços competentes da Câmara Municipal de Cascais, tendo, então, sido detectado:<br> "As telhas encontram-se num estado de deterioração muito avançado; degradação do sistema de drenagem de águas fluviais, nomeadamente caleiras partidas e ou fissuras, roturas em tubos de queda, obturação ou outras formas de mau funcionamento;<br> A estrutura da cobertura apresenta pontos de franco apodrecimento devido às elevadas infiltrações;<br> Deslocamento e riscos de colapso de diversas áreas de reboco; grandes infiltrações ao nível do tecto e paramentos do 1. andar.<br> Generalidade de tectos e paredes apresentando avançado grau de deterioração (paredes com estuque/tectos com placas de estuque);<br> Generalidade dos beirados em estrutura da madeira em risco de colapso";<br> Ainda segundo os mesmo serviços da Câmara, as obras de que a casa dos autos necessita são, entre outras, as seguintes:<br> "Substituição quase total do revestimento (do telhado);<br> Substituição completa da rede de drenagem;<br> Reparação de fendas, picagem de rebocos, execução de novos revestimentos e pinturas;<br> Substituição e reparação de revestimentos tais como estuques, rebocos, azulejos, revestimentos de pavimentos, etc., incluindo todos trabalhos de acabamento e limpeza necessários;<br> Substituição e reparação de beirados, platibandas, guardas de varandas e portadas de janelas";<br> Tais obras foram orçamentadas pelos serviços da Câmara em 8645000 escudos;<br> Em 30 de Agosto de 1995, a autora, por intermédio do seu advogado, enviou à ré D, na qualidade de cabeça de casal na herança aberta por óbito de H , a carta cuja cópia se acha junta a fls. 22, na qual lhe deu conhecimento de a falecida ter já sido interpelada para fazer as obras, bem como do estado de degradação em que a casa se encontrava, do carácter urgente das obras e do orçamento feito pelos serviços da Câmara Municipal de Cascais;<br> Nessa mesma carta, a autora interpelou aquela ré para a execução "Urgentíssima das obras";<br> Tal carta foi recebida pela ré em 31 de Agosto de 1995;<br> A ré respondeu através da carta de 26 de Setembro de 1995;<br> No "Processo de Imposto Sucessório n. 5504", instaurado pelo óbito de H, constam como herdeiros os aqui, réus.<br> III- A autora, na qualidade de inquilina, pediu que os réus, como proprietários do prédio urbano arrendado, fossem condenados a proceder a obras no locado e condenados ainda em sanção pecuniária compulsória.<br> As instâncias julgaram procedente a acção e daí o recurso.<br> São duas as questões que os recorrentes colocam a este Tribunal; saber se existe uma situação de abuso de direito; saber se é correcto o montante fixado a título de sanção pecuniária compulsória.<br> O artigo 1031 do CCIV estipula que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para o fim a que esta se destina.<br> O senhorio deve actuar por forma a que o gozo do arrendatário não seja significativamente diminuído - Prof. Pereira Coelho - "Arrendamento" pág. 108. <br> A lei põe, por isso, a cargo do senhorio as obras de conservação ordinária, como são as que aqui estão em causa (artigo 16 da Lei 46/85, de 20 de Setembro - artigos 11 e 12 do RAU).<br> Dúvidas não se colocam sobre a necessidade de realização das obras pretendidas, para que a casa reúna as condições de habitabilidade indispensáveis a assegurar o fim a que se destina e que levou as partes a celebrar o contrato de arrendamento.<br> Trata-se, efectivamente, da reparação de estrutura da cobertura e beirados que ameaçam ruína, da reparação do sistema de escoamento de águas pluviais, de modo a conter infiltrações de água que, inclusivamente, afectam o sistema eléctrico, da reparação de rebocos exteriores e estuques interiores, danificados pelas infiltrações.<br> A inquilina, como lhe competia (artigo 1038, alínea h) do CCIV), avisou o locador das carências do locado e pediu repetidamente, sem sucesso, a realização de obras. A Câmara Municipal notificou também sem êxito o senhorio.<br> Torna-se óbvio que o arrendamento necessita de obras para prestar a utilidade a que se destina e que a realização de tais obras impende sobre o senhorio.<br> O cerne do problema suscitado, pelos recorrentes situa-se, porém, noutro plano.<br> O custo orçamentado para as obras é do montante de 8645000 escudos e o valor mensal da renda é de 27042 escudos. Daqui deriva, na tese dos recorrentes, uma falta de proporcionalidade que deverá levar a considerar como abusivo o exercício do direito do arrendatário à realização de obras pelo senhorio.<br> A questão não é líquida e tem tido tratamento diverso na doutrina e na jurisprudência.<br> Desde a defesa extrema de que para assegurar o gozo do prédio, tendo em vista o fim a que se destina, incumbe ao senhorio promover as obras necessárias, independentemente do seu preço e seja qual for a renda paga pelo arrendatário, até à tese de que a ausência de uma certa proporcionalidade entre os valores em causa significa uma quebra do princípio do equilíbrio das prestações, que é um princípio geral de direito, passando pela teoria do limite do sacrifício, várias posições têm sido assumidas - Prof. Antunes Varela - "Revista de Legislação e Jurisprudência" 119 - 276; Cons. Pinto Furtado - "Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos" pág. 222; Cons. Aragão Seia - "Arrendamento Urbano" 4. edição, pág. 170; Ac. RL de 12 de Dezembro de 1985 CJ 5, pág. 106; Ac. RL de 25 de Fevereiro de 1986 CJ I, pág. 104; Ac. RP de 1 de Junho de 1993 CJ 3, pág. 220; Ac. RP de 10 de Julho de 1997 BMJ n. 469, pág. 649; Ac. RP de 28 de Novembro de 1996, CJ 5, pág. 200, entre vários.<br> Sem esquecer que hoje a legislação em vigor (designadamente com as actualizações permitidas) pode atenuar a problemática, pensamos que não há uma solução única, uma vez que o direito não se rege por estereótipos rígidos, já que a diversidade e complexidade das situações não o permite.<br> Como escreveu o Prof. Batista Machado - "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador" pág. 308, os princípios jurídicos gerais carecem sempre de "concretização" para se tornarem aplicáveis às situações da vida.<br> O artigo 334 do CCIV diz que é legítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.<br> Aceita o legislador a concepção objectivista.<br> Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que o acto se mostre contrário, exigindo-se contudo, que o titular do direito tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício - Prof. Almeida Costa - "Obrigações" pág. 52 seguintes.<br> A figura do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida. Por um lado, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico, por outro evitando que observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se exceda manifestamente os limites que se devem observar, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo.<br> A jurisprudência tem exigido que o exercício do direito tenha sido feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça - Por todos, o AC. STJ de 8 de Novembro de 1984, BMJ n. 341, pág. 418.<br> Existirá tal situação no caso em apreço?<br> A autora-recorrida pede a realização de obras absolutamente necessárias para o locado ter condições de habitabilidade, sendo certo que desde a celebração do contrato de arrendamento em 1966 jamais foram realizadas quaisquer obras, apesar das variadas insistências da inquilina e até notificação camarária.<br> Não fora essa atitude do senhorio e é evidente que as obras não teriam hoje o custo que foi orçamentado.<br> Já Cunha Gonçalves - "Tratado" IX, pág. 11, escrevia que a obrigação do senhorio de manter a fruição normal da coisa pelo locatário é uma obrigação contínua ou sucessiva "que se renova em cada dia até ao fim do arrendamento. Não basta que o prédio seja arrendado em bom estado, é preciso mantê-lo em bom estado fazendo as precisas reparações ou conserto".<br> Por outro lado, há a considerar que se a renda se mostra hoje desajustada, já assim não era aquando da celebração do arrendamento, sendo certo que têm sido aplicadas as actualizações fixadas por lei.<br> Deixando o senhorio intencionalmente degradar o locado, para depois invocar os altos custos da reparação e assim forçar o inquilino a sair ou, eventualmente, originar a demolição do prédio, estar-se-ia perante um "venire contra factum proprium", se o senhorio viesse então invocar abuso de direito por parte do locatário.<br> Há ainda a ter em conta que a reparação do edifício implicará necessariamente a sua valorização. Tal como se encontra terá o seu valor altamente diminuído quer para venda quer para arrendamento. Só assim não será se aquilo que se tiver em vista for a demolição, mas não há nos autos elementos que permitam extrair tal conclusão.<br> O mecanismo de abuso de direito não contém uma limitação do acesso ao direito, antes procura dar ao juiz um instrumento que, ao serviço da justiça do caso concreto, procure evitar a desigualdade de tratamento que os conceitos indeterminados adoptados pela nossa lei civil tantas vezes permitem.<br> O acordo recorrido mostra-se a tal respeito bem fundamentado, pelo que não se justifica que mais se acrescente acerca da matéria de facto apurada e conclusões daí extraídas.<br> Face à factualidade apurada nas instâncias, correctamente se decidiu que no caso concreto não se verifica o abuso de direito.<br> A outra questão prende-se com a sanção pecuniária compulsória.<br> A autora requereu a aplicação de tal medida e as instâncias fixaram o seu montante em 20000 escudos dia. Os recorrentes defendem ser exagerada<br> tal verba.<br> A sanção pecuniária compulsória foi introduzida pelo DL 262/83, de 16 de Junho, através do aditamento do artigo 829-A do CCIV.<br> Pretende-se obter um meio que simultaneamente assegure o cumprimento das obrigações e o respeito pelas decisões judiciais.<br> Segue-se o caminho correspondente, grosso modo, aos meios de constrangimento indirecto dirigidos a provocar o cumprimento voluntário do devedor, mediante uma ameaça de consequências mais ou menos graves em caso de incumprimento. Adoptou-se um sistema que tem ligações à "astreinte" em França, à sanção pecuniária ou ameaça de prisão do ordenamento alemão ou austríaco e ao sistema anglo-americano do "contempt of court".<br> Cabe ao Tribunal decidir quanto ao montante da sanção segundo critérios de razoabilidade, a fixar por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção do devedor.<br> O Juiz não poderá deixar de ponderar para o efeito, as possibilidades económicas do devedor e o real interesse do credor ao cumprimento, isto sem esquecer que o credor além da parte a que tem direito, poderá ainda ver acrescida uma indemnização nos termos gerais, se a ela houver lugar - Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil" 3. edição, pág. 186; Prof. António Pinto Monteiro - "Cláusula Penal e Indemnização" págs. 124/133; Prof. Calvão da Silva - "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória" pág. 452.<br> Tudo ponderado, afigura-se-nos algo exagerada a verba fixada. Os elementos assentes nos autos (ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, julgar questões de direito - artigo 729 do CPC) mostram a existência de um prédio que necessita de obras, mas sem esquecer que a realização das mesmas limitará ainda mais o uso e fruição do locado pelo inquilino. Desconhecendo-se a capacidade económica dos réus, terá que se ter em conta que na qualidade de proprietários do imóvel em questão auferem dele um rendimento limitado.<br> Entende-se por tudo isso como correcta a quantia de 5000 escudos por dia.<br> Assim, pelo exposto altera-se parcialmente o acórdão recorrido, fixando-se em 5000 escudos a sanção pecuniária diária, mantendo o restante.<br> Custas na proporção do vencido.<br> <br> Lisboa, 26 de Outubro de 1999.<br> Pinto Monteiro,<br> Lemos Triunfante,<br> Torres Paulo. </font>
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