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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>-1-<br> No inventário facultativo por óbito de A, falecida em 1974, além de dinheiro, descrevem-se 4 imóveis com os valores parcelares de<br> 9000 escudos, 2720 escudos, 7800 escudos e 2200 escudos que foram licitados pela neta B, herdeira do filho C, falecido em 1981, em 560,<br> 205, 205 e 226 contos, respectivamente, e em 9-1-86.<br> Mais tarde, faleceu o herdeiro e filho D, habilitando-se a viúva E e os filhos<br> F e G.<br> Então, requereram eles que as verbas licitadas em excesso fossem "adjudicadas pelo valor da licitação até ao limite do quinhão do falecido" D, seu marido e pai (cfr. artigo 1377).<br> Após largo contencioso sobre o cabimento (temporaneidade) desse requerimento - justo impedimento e multa (id. artigo 145-4 e 5)- este Supremo decidiu definitivamente que, a essa luz, só os filhos F e G ainda o podiam fazer, visto que a mãe caducara esse direito (folhas 192 e verso).<br> Em obediência a essa admissão restrita (folhas 201), foi notificado para os fins do artigo 1377 a licitante excessiva B que, à cautela, escolheu 3 das verbas licitadas por si (4, 2 e 3), embora logo entendendo a inutilidade disso, visto nenhuma adjudicação poder fazer-se a F e G. E em face disso pediram a adjudicação das verbas 2 e 3, respectivamente.<br> Então a Comarca decidiu que a verba 4 seria para a licitante B, ficando ela preenchida no seu quinhão. E que as verbas 2 e 3 se-lo-iam àqueles seus peticionantes atento o "equilibrio de lotes" visado no artigo 1377 n4.<br> Basicamente, é isso que se discute.<br> Sob recurso da licitante excessiva B, a Relação proveu-o. E negou a "composição", anulando o processado seguinte ao despacho agravado, incluindo o mapa da partilha.<br> A sentença apelada, entretanto proferida a homologar a partilha, na mesma foi objecto de apelação viabilizando a subida do recurso.<br> Foi a vez de agravarem os não licitantes F e G (e também a excluída E) fundamentando-o assim: a)- Violação do artigo 1377 ao recusar-se-lhe o preenchimento dos quinhões com bens licitados por outrém. b)- O acórdão intercalar deste Supremo (folhas 190 e seguintes) reconhecer-lhes-ia esse preenchimento efectuado a escolho da licitante. Implicitamente, isso equivalera a violação do caso julgado (cfr. artigo<br> 673).<br> Houve contra alegação. Além de mais, suscitou-se aí a intempestividade do recurso; e, ainda, a ilegitimidade daquela E.<br> Por evidente metodologia de prejudicialidades, inicia-se o exame nestes pontos contra alegada.<br> -2-<br> Legitimam-se para recorrer os litigantes principais vencidos. E, além deles, os directa e efectivamente prejudicados (cfr. artigo 680.1 e 2).<br> Ora, a recorrente Sofia continua parte no inventário enquanto herdeira; mas não é vencida no termo do recurso - a "composição". E por ser parte principal também não cabe nos outros directa e efectivamente prejudicados. De contrário, seria não escrito e inútil o citado acórdão intercalar a folhas 190 e seguintes.<br> Aí, sim, ela foi vencida enquanto arredada desse debate. E a partir daí não o podia questionar mais, sob pena de violação de julgado. E tanto assim que, ao renovarem a "composição" em "adjudicação" de imóveis, os filhos F e G o fazem nessa base, ou seja exclusivamente para si, deixando de fora a mãe<br> Sofia.<br> Ignora-se, deste modo, por que "artes", nos requerimentos de folhas 260 e 262, aparece de novo<br> Sofia. E tanto mais estranhável quando a sua conclusão<br> (folhas 268) é a manutenção da partilha da 1 Instância que, indubitavelmente, a exclui daquelas verbas.<br> Disso não recorrendo porque, é claro, o não podia fazer. Como C.<br> -3-<br> Cinguido o recurso a F e G, passemos à questão da tempestividade.<br> Uma vez mais - sucedera já a propósito do requerimento para os fins do artigo 1377 - os recorrentes salvam-se<br> "in extremis".<br> No prazo do recurso (8 dias), mas fora do da reclamação<br> (5) suscitou-se, embora mal, a questão da ilegibilidade do acórdão recorrido (folhas 251 e seguintes).<br> Esse problema - decisões e documentos (cfr. artigos 254 e 541) - insere-se, quanto às primeiras, na irregularidade da notificação, redundando em nulidade por omissão da formalidade clareza, susceptivel de influir no exame da causa (cfr. artigos 259 e 201). A menos que se verifique a legibilidade.<br> Deixando de lado este último ponto, o prazo de arguição<br> é o geral de 5 dias do artigo 153, pela natureza do vício e sucedido no momento da notificação.<br> Sendo assim, presumida a notificação em 18, o prazo de reclamar (ou como tal entendido) findaria a 23. Então, o requerido em 28 seguinte (folhas 260) encontrava extinto o direito (id., artigo 145.3). Por maioria de razão o estando em 31.5, à interposição do recurso.<br> Sucede, todavia, que de 23 (sabado, alias) a 24 seguinte houve ferias judiciais, neles suspendendo-se o prazo (id. 144.3).<br> Deste modo, o requerimento de 28 foi eficaz. E entendido como arguição (implicita) de nulidade, isso foi benevolamente deferido a folhas 261. A partir daí, nula a primitiva notificação, a diligência veio a realizar-se em 23.5 (folhas 261 verso), presumindo-se conhecida em 27 e ficando em tempo o recurso do dia 31.<br> Pôs-se em dúvida anteriormente a existência da ilegibilidade.<br> Só que o deferimento de folhas 261 implicitamente reconheceu o vício, arredando essa questão por já decidida.<br> Deste modo, é de conhecer do recurso.<br> Mas que recurso?<br> Houve agravo do despacho; e, depois, apelação da sentença homologatória da partilha a dar eficácia ao anterior. Daí, provendo-se o agravo, anular-se o processado incluindo a sentença homologatória.<br> Por outro lado, são adjectivas as normas ditas violadas dos artigos 1377 e 673. E cabe agravo do acórdão da<br> Relação sobre lei de processo (id. 753-b) é certo, mas<br> "salvo quando coube revista ou apelação" (id. 754.h).<br> Ora, no caso, houve apelação (artigo 1382-2) justamente para viabilizar o agravo. E o mérito daquela confunde-se com o deste, englobando-o porém. Mas isso não impede tratar-se de recursos também versando apelação da sentença final, cujo mérito é o da existência de violação adjectiva.<br> Satisfeito assim o pressuposto do artigo 721.1 do CPC,<br> é revista e não agravo a natureza do presente recurso, viabilizado na permissão e no espirito do seu artigo<br> 722.1.<br> -5-<br> Arrumadas estas questões, entremos na do mérito. Ou seja, a violação do artigo 1377 na recusa ao não licitante de verem comportos os quinhões em bens imóveis.<br> A este propósito bastaria citar o acórdão deste<br> Tribunal de 8.11.84 (B. 341 - 422 e seguintes), cuja correcção de entendimento se adapta como uma luva à nossa hipótese.<br> É reconhecível que, pela sucessão, os herdeiros teem direito a bens da herança em primeiro lugar e só depois ao seu valor em dinheiro. E que a licitação, instrumento discutível daquela concretização o afecta pondo-a ao serviço dos mais dotados financeiramente.<br> Permite-lhes decidir sózinhos a sorte dos bens; só assim não sendo se todos estiverem em pé de igualdade. Assim, a licitação ilimitada, é verdade, regime com que uma leonina expropriação das mais débeis<br> (cfr. L. Cardoso, "Partilhas", II, 270). Por isso há até quem pense no seu banimento.<br> A ponderação desses vícios não chegou contudo, para a supressão da licitação como forma de partilha dos bens, embora não a única (cfr. artigo 1363). Em todo o caso, chegam para originar a busca de algum equilibrio e, justamente, através da possibilidade da "composição de quinhões" (cit. 1377.1).<br> Agora, a correcção dos excessos faz-se (ou provam fazer-se) pela adjudicação das verbas excessivas atribuidas "até ao limite do quinhão" mas "pelo valor da licitação" (id. 1377.2).<br> A lei, repete-se, tentar conciliar dois polos antagónicos: O do licitante excessivo e o por diferença ou, até, não licitante. O primeiro fazendo vingar o seu interesse e dinheiro; o segundo, o não desapossamento de bens da herança a que tem direito, também.<br> E, até, a solução (inovação) legal terá em mira mais os segundos que os primeiros, justamente por nascer da ponderação dos seus interesses (cfr. cits. "Partilhas",<br> 405).<br> Mas como não há soluções óptimas, houve que moderar as coisas uma vez mais.<br> A possibilidade do não licitante, digamos, vem da natureza das coisas. A do licitante, do seu interesse e valorização dos bens à sua custa. Então, o primeiro deverá manter-se em certos limites: composição da seu quinhão (n. 1), e até ao seu limite (n. 2 do 1377).<br> Ao segundo, o licitante, e dentro do mesmo principio da composição do seu quinhão - "mais verbas que as necessárias ao preenchimento da quota" (id. 1377.2, 1 parte) - foi concedido um outro direito, de escolha, fundado na valorização por si realizada.<br> Quer dizer: O não licitante, em principio, tem direito a bens determináveis ou em abstracto; mas isso supõe a escolha prévia do licitante.<br> O que sucede, "in casu", é que nem um nem outro se mantiveram nesse condicionalismo. O licitante foi excessivo; o não licitante ultrapassou-os na composição<br> (cfr. o resultante dos números apontados, a propósito no parágrafo 1, supra).<br> E é isso que também diz o acórdão de 8.11.84. na sua parte final. Aí, dado que a verba não podia ser adjudicada ao não licitante por excesso, tinha ela de o ser ao licitante (id. artigo 1374-a), cabendo genericamente aos que o não são, e a coberto da sua alínea h), bens da mesma espécie, havendo-os (ac. p.<br> 444).<br> Finalmente, e sobre o decidido na 1 instância, ainda se dirá não caber aqui, muito claramente, a situação do artigo 1377.4.<br> Efectivamente, a intervenção equitativa do juíz só existe havendo desacordo entre os adjudicatarios. Ora, na hipótese, há-o sim, mas entre o licitante com escolha e os adjudicatários (até, a folhas 209, estes assumem sobre a ampliação concreta desse n. 4).<br> Improcede, deste modo, a conclusão sobre a violação do artigo 1377.<br> -6-<br> A conclusão restante apoiava-se em prejudicialidade do acórdão intercalar a folhas 190 e seguintes.<br> Nada menos acertado, porém.<br> A questão discutida nesse contencioso inicial era sá a da tempestividade do uso do artigo 1377 pelos não licitantes. Só isso e mais nada.<br> E foi isso que, culminando-o, o acórdão de folhas 190 decidiu julgando-o afirmativamente, embora só quanto a<br> F e G. E fê-lo pela via do artigo 145.5 cfr. (pagamento da multa).<br> Ora, isso é alheio à efectiva possibilidade de exercicio desse direito de "composição". Como é evidente. E foi também essa a outra questão depois discutida e objecto das considerações anteriores.<br> De resto, e "ex abundanti", mesmo admitindo que a folhas 105 verso se requereu o pagamento da multa em viabilização do direito - crise discutivel, mas a que as decisões responderam implicitamente ao decidi-la - o que haveria no seguinte despacho de folhas 128 era uma omissão de pronúncia. Julgou-se, na verdade, a pretensão inviável mas só em função do justo impedimento, e nulidade (omissão) praticada na presença conivente do respectivo advogado que a não arguiu (v.<br> Acto a folhas 127).<br> Isso ocorreu em 18.12.86. Em 17.2.87, também nada se disse sobre a nulidade; antes se confirmou o requerido antes "no sentido de as verbas licitadas em excesso lhes serem adjudicadas pelo valor das licitações até ao limite dos seus quinhões" (sic). Igualmente sucedeu em<br> 5.3.87 ao recorrerem, enfim, do despacho de folhas 131 verso sobre o recurso em admitir-lhes o direito de "compor".<br> Logo, não se reclamou da nulidade, nem se recorreu nessa base (cfr. artigo 668.3). Portanto, e segundo esta inapreciada vem (agora ultrapassada), a nulidade da omissão de pronúncia sanar-se, encerrando-se o caminho para apreciação da questão da multa. Chama-se a colação, correspondentemente, o disposto no artigo 205 cfr.<br> Improcede, deste modo e também, a conclusão revidente fundada no acórdão intercalar de folhas 190 e seguintes.<br> -7-<br> Em conclusão: a) Corrigir-se-à a natureza do recurso: Revista e não agravo. b) Julga-se tempestivo o recurso. c) Nega-se a revista com custas pelas revidentes, neles incluida a recorrente E finda de ilegitimidade.<br> 28 de Janeiro de 1992.<br> Brochado Brandão,<br> Cura Mariano,<br> Joaquim de Carvalho.<br> Decisões impugnadas:<br> I- Despacho de 87.04.13 do Tribunal Judicial de Amarante;<br> II- Acórdão de 88.02.25 do Tribunal da Relacão do<br> Porto.</font>
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6zL7u4YBgYBz1XKvUWpO
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - A intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra o Centro Nacional de Pensões, pedindo se declare que vivia há mais de 2 anos com B em condições análogas às dos cônjuges, que carece de alimentos no montante de 40000 escudos mensais e que não tem direito a alimentos da herança da B, por insuficiência de bens, e se lhe reconheça a qualidade de titular da pensão de sobrevivência por morte daquela B.<br> O réu contestou, por impugnação, e procedeu-se a julgamento.<br> Pela sentença de fls. 82 e segs julgou-se a acção procedente, reconhecendo-se "ao autor o direito de obter alimentos da herança aberta por óbito de B..." e condenando-se "a ré a reconhecer que o autor fica com a qualidade de titular da pensão de sobrevivência e, devido à inexistência efectiva de património da referida herança, ... a pagar-lhe, mensalmente, a quantia de 40000 escudos".<br> Em recurso de apelação interposto pelo réu, o acórdão de fls 115 e segs revogou aquela sentença e absolveu o réu do pedido.<div>_ _</div>Neste recurso de revista, o autor pretende a revogação daquele acórdão e a procedência parcial da acção com base, em resumo, nas seguintes conclusões:<br> - não houve condenação além do pedido, porque a acção destina-se a obter a declaração da existência de um direito e a condenação proferida significa essa declaração;<br> - a admitir-se essa nulidade, sempre seria de considerar verificados todos os pressupostos para a concessão da pensão de sobrevivência;<br> - a matéria de facto provada é suficiente para esse efeito;<br> - os tribunais comuns são os competentes para a presente acção;<br> - não tem qualquer contacto com os filhos e o ex-cônjuge, não detendo este qualquer possibilidade de contribuir para as suas despesas, como a não têm os seus irmãos;<br> - foi violado o disposto nos artos 2009º e 2020º do Cód. Civil, 66º do Cód. P. Civil, 8º nºs 1 e 2 do Dec-Lei nº 322/90, de 18-10, e 2º a 4º do Dec. Reg. nº 1/94, de 18-1.<br> O réu, por sua vez, sustenta a improcedência do recurso, designadamente porque "o A. não alegou, como lhe competia, que a sua ex-cônjuge não lhe podia prestar alimentos".<div>— // —</div>II - Factos dados como provados:<br> O autor viveu com B desde 1976.<br> Desde essa data dedicou-se-lhe inteiramente, partilhando a mesma cama, tomando as refeições em conjunto, contribuindo ambos para as despesas domésticas, passeando e saindo juntos.<br> Auxiliavam-se mutuamente nos eventos do dia a dia, amparando-se e protegendo-se um ao outro.<br> Assistiam-se mutuamente na doença, nomeadamente quando ela ficou acamada.<br> O autor atribuiu durante 18 anos à B carinhos próprios de uma verdadeira esposa.<br> Tal ligação era notória e pública, porque conhecida de toda a gente, sendo considerados por vizinhos e outras pessoas como se fossem marido e mulher.<br> Essa ligação, que se iniciou em 1976, perdurou ininterruptamente sem qualquer hiato até 3-8-94, altura em que faleceu a B.<br> O autor, por morte da sua companheira, ficou numa situação de elevada carência económica já que, desempregado, não dispõe de quaisquer meios para fazer face às despesas de renda de casa, luz, água e alimentação, vestuário e saúde, que, dada a idade do autor, 61 anos, são de elevado montante.<br> Assim tem de pagar a renda de casa de 1600 escudos, 3500 escudos de electricidade e água, 30000 escudos com a sua alimentação e uma média de 20000 escudos de vestuário, calçado e medicamentos.<br> À data da sua morte a B auferia a pensão mensal de 26930 escudos e ainda parte da reforma do seu falecido marido na ordem dos 50000 escudos, quantias estas que garantiam o sustento de ambos, e fez ainda despesas com o funeral.<br> Os três filhos e dois irmãos do autor nunca o ajudaram a suportar as despesas, embora o devessem fazer.<br> O autor esteve ausente do país durante dois anos, em Moçambique, no ano de 1979, e por um período de dois anos não viu os seus filhos.<br> Quando regressou ao país foi confrontado com o pedido de divórcio por parte da sua ex-mulher, tendo os seus filhos ficado à guarda desta. Desconhece o actual paradeiro dos filhos.<br> Também os seus irmãos o não podem ajudar: a sua irmã é viúva e tem dois filhos e dois netos a seu cargo, o seu irmão tem igualmente dois filhos e um neto a sustentar, não possuindo ambos rendimentos suficientes que lhes permitam suportar qualquer prestação de alimentos ao seu irmão, o aqui autor.<br> A falecida deixou apenas bens de reduzido valor económico, a maioria dos quais bens de uso pessoal, sendo a sua herança composta apenas de roupas muito usadas e velhas, calçado, objectos de uso pessoal e algumas mobílias, excepção feita a algumas peças de ouro que a B foi entregando a uma sua irmã bem como uma importância em dinheiro cujo valor o autor desconhece.<div></div>III- Quanto ao mérito do recurso:<br> Pelo Dec-Lei nº 322/90, de 18-10, que "define e regulamenta a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social" (artº 1º nº 1), protecção que abrange "a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência e subsídio por morte" (artº 3º nº 1), o direito a essas prestações é extensivo "às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do artº 2020º do Cód. Civil" (artº 8 nº 1), ficando remetido para diploma regulamentar "o processo de prova das situações a que se refere o nº 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações..." (artº 8 nº 2).<br> Esse diploma é o Dec. Reg. nº 1/94, de 18-1, onde se determina que a atribuição daquelas prestações "fica dependente de sentença judicial que ... reconheça o direito a alimentos da herança do falecido, nos termos do disposto no artº 2020º do Cód. Civil" (artº 3 nº 1), que, "no caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social ..." (artº 3º nº 2), e que "o requerimento das prestações ... deve ser acompanhado de certidão da sentença judicial que fixe o direito a alimentos ou declare a qualidade de titular das prestações por morte" (artº 5º).<br> Anota-se ainda que, pelo artº 4º nº 2 do Dec-Lei nº 96/92, de 23-5, "cabe aos órgãos e serviços do CNP deferir e assegurar o cálculo ... de pensões e outras prestações...".<div></div>Do conjunto destas disposições resulta que o direito às prestações por morte de beneficiário, pela pessoa que com ele vivia em situação de união de facto, não depende apenas da prova dessa situação, exigindo-se a prova de todos os requisitos previstos no artº 2020º nº 1 do Cód. Civil: a vivência de duas pessoas de sexo diferente, em condições análogas às dos cônjuges; verificação dessa situação na altura do falecimento do beneficiário das prestações sociais e desde há mais de 2 anos; ser essa pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; e não poder a pessoa sobreviva obter alimentos do seu cônjuge ou ex-cônjuge, descendente, ascendente ou irmãos, para além do requisito geral da carência ou necessidade dos alimentos.<br> Essa prova é exigida em qualquer das acções aludidas no cit. artº 3º do Dec. Reg. nº 1/94,como se conclui da referência feita no cit. artº 8º nº 1 do Dec-Lei nº 322/90 à "situação prevista no nº 1 do artº 2020º ...." e do nº 2 do mesmo artº 3º, uma vez que o não reconhecimento do direito a alimentos "com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança" pressupõe a existência dos demais requisitos ou fundamentos desse direito a alimentos, o que,. aliás, tem sido defendido em diversas decisões deste tribunal (cfr. acórdãos de 29-6-95, na Col. S.T.J., III, 2º, p. 147, e de 25-6-96, no Bol. 458, p. 335).<br> Assim, a distinção entre as duas acções previstas no cit. art. 3º reside apenas em que na do nº 1, intentada contra a herança do companheiro de facto, deve pedir-se o reconhecimento do direito a alimentos e o pagamento da respectiva pensão, o que depende da prova de capacidade financeira dessa herança, e, na do nº 2, proposta contra a instituição de segurança social, deve alegar-se e provar-se a incapacidade da herança para a prestação de alimentos, limitando-se a sentença à declaração da qualidade do autor como titular das prestações por morte de que era beneficiário o companheiro de facto.<div></div>Segundo o acórdão recorrido, a acção contra o Centro Nacional de Pensões só poderia ser intentada depois de julgada improcedente, por inexistência ou insuficiência de bens da herança, uma outra acção proposta contra essa herança.<br> Sem prejuízo de a redacção do cit. artº 3º do Dec. Reg. nº 1/94 se prestar a alguma confusão, entende-se que essa solução não se apresenta como a mais rigorosa: obrigava-se o interessado a excessivo e inútil formalismo; na acção intentada contra a herança, seria contraditória a formulação do pedido de reconhecimento do direito a alimentos e a alegação da insuficiência de bens da mesma herança; o artº 5º do cit. Dec. Reg. manda juntar ao requerimento das prestações apenas certidão de uma sentença, a que fixe o direito a alimentos ou que declare a qualidade de titular; e assim têm entendido diversas decisões, como o acórdão da Relação de Lisboa de 14-5-98, na Col., XXIII, 3º, p. 100.<br> De qualquer modo, esta questão não tinha sido suscitada no recurso de apelação nem foi determinante para a decisão recorrida, como não vem mencionada nas alegações deste recurso, pelo que se deve ter como excluída do seu objecto.<div></div>Alega o recorrente que são os tribunais comuns e não os tribunais administrativos os competentes para a presente acção, mas esta é uma falsa questão.<br> A Relação não declarou a incompetência do tribunal comum para a acção mas apenas que não lhe cabe "fixar o montante da quantia a prestar", e isso resulta, expressamente, do disposto no artº 4º nº 2 do cit. Dec-Lei nº 96/92, onde se atribui ao Centro Nacional de Pensões o poder de "deferir e assegurar o cálculo..." das pensões, não tendo de se apreciar aqui a competência para os litígios porventura resultantes desse cálculo ou fixação das pensões.<div></div>Não merece censura o acórdão recorrido, na parte em que julgou procedente a nulidade da sentença, por condenação além do pedido, prevista no artº 668 nº 1e) do Cód. Proc. Civil.<br> Na verdade, essa sentença condenou o réu a pagar ao autor, mensalmente, a quantia de 40000 escudos, e, na petição inicial, não se formulou esse pedido de condenação e só o de declaração de que "o A. carece de alimentos no montante de 40000 escudos mensais".<br> Tal pedido de declaração não se pode confundir com o de condenação e, de resto, como resulta do acima exposto, nunca se poderia fixar aqui o montante da prestação devida ao autor.<div></div>Em rigor, o único ponto com verdadeira relevância respeita à suficiência da causa de pedir, tendo-se decidido no acórdão recorrido que o autor alegou que sua mulher pediu o divórcio e este foi-lhe concedido mas "não se diz em que termos nem que ao autor ficasse vedado exigir-lhe alimentos ou ela não estivesse em condições de lhos proporcionar ", pelo que se não verifica o requisito da impossibilidade de o autor obter alimentos do seu ex-cônjuge.<br> Tendo sido suscitada e apreciada nesses termos, a questão só pode ser agora conhecida com essa amplitude, ou seja, com referência ao ex-cônjuge do autor, e desde já se nota que não é de manter, nessa parte, a decisão recorrida.<br> Cabia ao autor o ónus da prova daquela impossibilidade de obter alimentos do ex-cônjuge e esse facto não foi por ele directamente alegado.<br> Porém, depois de invocado o divórcio, o autor veio juntar fotocópia autenticada da sentença, de 23-9-91, que decretou o divórcio entre ele e C, da qual consta que o mesmo se baseou no fundamento de separação de facto por seis anos consecutivos, previsto na alínea a) do artº 1781º do Cod. Civil, e que foi declarada a "culpa exclusiva do réu" (docto de fls. 59).<br> Esse facto pode e deve ser aqui considerado pois, além de constar de documento autêntico, cuja junção foi oportunamente notificada ao réu (fls 62), a sua alegação deve ter-se como feita, em complemento do próprio facto do divórcio, através da junção do respectivo documento, indispensável à sua prova (artºs 659º nº 3 e 664º do Cód. P. Civil).<br> Assim, em face daquele fundamento do divórcio e da culpa exclusiva do marido, este não goza, em princípio, do direito de alimentos contra a ex-mulher (artº 2016º nº 1 a, do Cód. Civil).<br> É certo que, pelo nº 2 desse artº 2016º, "excepcionalmente, pode o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito...", mas, para o efeito em causa, deve considerar-se o facto normal de inexistência do direito a alimentos, até porque ao autor apenas cabia o ónus da prova desse facto, como constitutivo do direito invocado na acção (artº 342º nº 1 do cit. Cód. Civil).<br> Deste modo, tendo-se como provada a impossibilidade de o autor obter alimentos também da sua ex-mulher (embora por razões jurídicas diversas das alegadas pelo recorrente), configura-se a causa de pedir invocada e, consequentemente, a acção deve ser julgada procedente quanto ao último pedido formulado pelo autor.<div>— // —</div>Em conclusão:<br> Para acesso às prestações por morte, pela pessoa que se encontre na situação de união de facto, e no caso de a herança do companheiro falecido não ter capacidade para satisfação do direito a alimentos, só há que propor, contra a instituição de segurança social, a acção declarativa prevista no nº 2 do artº 3º do Dec. Reg. nº 1/94, de 18-1 (artº 8º do Dec-Lei nº 322/90, de 18-10).<br> Nessa acção, o autor terá de fazer a prova, além do mais, da impossibilidade de obter alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do artº 2009º do Cód. Civil (seu artº 2020º nº 1).<br> Tal prova deve ter-se como feita, em relação a ex-cônjuge, se, alegado o divórcio, tiver sido junta certidão da sentença que o decretou com fundamento em separação de facto, por culpa exclusiva do autor da acção (artº 2016º nº 1 a) do Cód. Civil).<br> Na referida acção não deve fixar-se o montante da prestação por morte, o que é da competência do Centro Nacional de Pensões (artº 4º do Dec-Lei nº 96/92, de 23-5).<div>— // —</div>Pelo exposto:<br> Concede-se, em parte, a revista.<br> Revoga-se o acórdão recorrido e, na procedência parcial da acção, declara-se que o autor A goza da qualidade de titular do direito à pensão de sobrevivência por morte de B, nos termos e para os efeitos dos artos 8º do Dec-Lei 322/90, de 18-10, e 3º nº 2 do Dec. Reg. nº 1/94, de 18-1.<br> Custas da acção e dos recursos pelo autor, na proporção de metade, sendo o réu isento (artº 2º nº 1 a) do Cód. Custas), com 20000 escudos de honorários ao Exº Advogado oficioso, em relação a este recurso de revista.<br> Martins da Costa,<br> Afonso de Melo,<br> Pais de Sousa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ):<br> I - Relatorio:<br> 1 - A propos contra B e C uma acção com as seguintes pretensões: a)- "declarar-se que o autor e reus são partes do contrato identificado nos artigos 3, 4 e 5 da petição"; b)- declarar-se que o autor e titular do direito aos ganhos e perdas do empreendimento levado a efeito por ele e pelos reus no terreno denominado Vinha do Livramento, na proporção de um terço"; c)- "declarar-se que o autor e titular do direito aos ganhos e perdas do empreendimento a levar a efeito por ele e pelos reus no terreno denominado Alto do Espregalinho, na proporção de tres/dezanove avos"; d)- "condenaram-se os reus a reconhecerem que o autor e titular dos direitos atras referidos".<br> 2 - Os artigos 3, 4 e 5, acima referidos, são deste teor;<br> Artigo 3:<br> "No mes de Julho de 1982, o 2 reu associou o autor e o 1 reu a actividade por ele exercida, visando especificamente a compra de predios rusticos, seus loteamentos urbanos, construção e venda de moradias nos mesmos".<br> Artigo 4:<br> "O fim ultimo do contrato era a participação do autor e reus nos lucros e perdas dos empreendimentos a realizar".<br> Artigo 5:<br> "As proporções dessas participações seriam fixadas ulteriormente, para cada caso".<br> 3 - So o reu B contestou, negando ter associado o autor a qualquer empreendimento, ja que o mesmo se limitou o projecto de loteamento da "Vinha do Livramento", na qualidade de arquitecto.<br> 4 - Organizada especificação e elaborado questionario, procedeu-se ao julgamento dos factos. A sentença julgou procedentes as pretensões do autor, mas o reu B apelou a Relação, por acordão de folhas 229 e seguintes, confirmou o decidido na primeira Instancia.<br> 5 - O demandado pede revista com estas conclusões: a)- As respostas aos quesitos 4 e 16 devem ser alteradas; b)- "A sociedade civil convencionada entre o autor e os reus revertiu a forma verbal" e deveria ter sido titulada por escritura publica; c)- Assim, o contrato e nulo; d)- "Os reus eram os unicos proprietarios dos predios identificados nos quesitos 4 e 16, não tendo o autor sobre eles qualquer dominio"; e)- "Em escritura de 8-8-86 os reus puseram termo a comunhão, por permuta, ficando a pertencer exclusivamente ao recorrente o predio denominado Alto do Espregalinho e a pertencer exclusivamente ao reu A o predio denominado Vinha do Livramento"; f)- "Se o contrato de sociedade civil celebrado entre as partes fosse valido, estar-se-ia, no momento da decisão final, numa situação de imposibilidade definitiva de cumprimento"; g)- "Mostram-se violados, entre outros, os artigos 7 do Codigo do Registo Predial (CRP), 89, alineas a) e f) do Codigo do Notariado (CN), 219, 220 e 289 do Codigo Civil (CC) e 663, n. 1, do Codigo de Processo Civil (CPC)".<br> O recorrido contra-alegou.<br> II - Fundamentos:<br> 1 - Os factos apurados pela segunda Instancia são estes: a)- Atraves dos documentos de folhas 8 a 10 estão assentes a descrição na Conservatoria e a inscrição na matriz do predio denominado Vinha do Livramento; dos documentos de folhas 64 a 66 verifica-se terem sido permutados este ultimo predio e o do Alto do Espragal, permuta esta efectuada entre o primeiro e o segundo reus - alinea A da especificação -; b)- Deram-se como reproduzidos os documentos de folhas 35 e 36 e 44 e 49 (procuração outorgada pelo 1 reu ao autor e respectiva revogação) -<br> - alinea B da especificação-; c)- O autor exerce a profissão de arquitecto em regime livre - alinea C-; d)- No mes de Julho de 1980, o 2 reu associou o autor e o 1 reu a actividade por ele exercida, visando especificamente a compra de predios rusticos, seus loteamentos urbanos, construção e venda de moradias nos mesmos - resposta ao 1 quesito-; e)- O fim ultimo do contrato era a participação do autor e reus nos lucros e perdas dos empreendimentos a realizar - resposta ao 2 quesito-; f)- As proporções dessas participações seriam fixadas ulteriormente para cada caso - resposta ao 3 quesito-; g)- No dominio da execução do contrato, autor e reus acordaram em adquirir por compra o predio rustico denominado Vinha do Livramento, descrito na Conservatoria de Cascais sob o n. 8618, a folhas<br> 4 verso do L.B-26 - resposta ao 4 quesito-; h)- O preço de compra e venda foi de 4500000 escudos -<br> - alinea D da especificação-; i)- Que foi liquidado em dinheiro - alinea E da especificação-; j)- A participação do autor nos ganhos e perdas do empreendimento a realizar neste predio foi fixada por acordo com os reus em um terço (resposta ao quesito 5); l)- A participação de cada um dos reus era identica a do autor - resposta ao 6 quesito-; m)- Todas as despesas com o referido empreendimento seriam repartidas na mesma proporção - resposta ao 7 quesito-; n)- O autor e os reus contribuiram inicialmente em quantias indeterminadas - resposta ao 8 quesito-; o)- Por liquidação do restante preço, os reus contrairam um emprestimo junto do Banco Borges &amp; Irmão no valor de 2864000 escudos- alinea F da especificação-; p)- O autor e os reus acordaram em que aquele contribuiria com o correspondente a um terço das amortizações e encargos desse emprestimo -<br> - resposta ao 9 quesito-; q)- Ainda de acordo com os reus, foi o autor quem elaborou o projecto de loteamento do predio acima mencionado - alinea G da especificação-; r)- No dominio do contrato em causa, no mes de Julho de 1981, autor e reus decidiram adquirir por compra, o predio rustico denominado "Alto do Espregalinho", sito em Caparide, descrito na Conservatoria de Cascais sob o n. 15204, a folhas 72 do L.B - 46 - resposta ao quesito 16-; s)- O autor acompanhou o respectivo processo-relativo e referido na alinea G da especificação - ate a aprovação do mesmo - alinea H da especificação-; t)- O preço da aquisição foi de 4500000 escudos - alinea I da especificação-; u)- O autor e os reus acordaram em que a participação daquele nos ganhos e perdas no empreendimento do "Alto do Espregalinho" seria de 3/19 - resposta ao 18 quesito-; v)- A cada um dos reus caberia a participação de 8/19 - resposta ao 19 quesito-; x)- O autor contribuiu inicialmente com quantia não aprovada - resposta ao 20 quesito-; z)- Os reus contribuiram tambem com quantia não determinada - resposta ao 21 quesito-; a')- Os reus contrairam em emprestimo junto do Banco Borges e Irmão no valor de 3000000 escudos -<br> - alinea J da especificação-; b')- Esta quantia destinava-se a liquidar parte do preço da compra e venda do dito predio do Alto do Espregalinho - alinea L da especificação-; c')- Tambem neste caso ficou assente entre autor e reus que aquele contribuiria para o pagamento de todas as despesas com a amortização e encargos do dito emprestimo e outros referentes ao mencionado empreendimento na proporção de 3/19 - resposta aos 22 e 23 quesitos-; d')- Os reus, apos o recurso do B em aceitar a continuação do autor na associação contratual atras concretizada (respostas aos quesitos 1 a 9, 16 e 18 a 23), acordaram em que os lotes (10) de terreno para construção na Vinha do Livramento ficavam a pertencer metade a cada um - resposta ao quesito 31-; e')- Antes, efectivamente, o reu B tinha-se negado a consentir em que o autor participasse no prosseguimento dos empreendimentos da Vinha do Livramento e do Alto do Espargal ou Espregalinho - resposta ao 30 quesito-; f')- Para o B ficaram os lotes 1, 2, 6, 7 e 9 e para o reu Coelho os restantes (3, 4, 5, 8 e 10) da dita Vinha do Livramento - resposta ao quesito 32-; g')- O reu C, sem conhecimento e consentimento do reu B, apresentou um requerimento a Camara de Cascais para o efeito de alterar o loteamento - resposta ao quesito 33-; h')- Este reu, em 9-2-83, solicitou a mesma Camara informação sobre a facilidade de construção no predio do Espregalinho - resposta ao quesito 43-; i')- A Camara respondeu nos termos referidos no documento de folhas 154/155 - resposta ao quesito 44-.<br> 2 - O Supremo Tribunal de Justiça, a proposito do Assento de 2 de fevereiro de 1988 (Publicado no Diario da Republica, 1 serie, n. 62, de 15 de Março de 1988, corrigido no mesmo Diario, 1 serie, n. 160, de<br> 13 de Julho seguinte, e na Revista "O Direito, ano 122, 1990, II, paginas 381 e seguintes), tem oportunidade de caracterizar o contrato da conta em participação ainda na vigencia dos artigos<br> 224 a 229 do Codigo Comercial (C. Com.), hoje revogados pelo artigo 32 do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho. Ai foram afastadas as qualificações da "conta" como "sociedade" ou como "negocio juridico atipico".<br> Não e sociedade por não satisfazer os requisitos exigidos pelo artigo 980 do CC, ja que na "conta" cada uma das partes não coloca em comum na associação certos bens (artigo 224 do C. Com). Efectivamente, se o associado efectua uma contribuição, ja o mesmo não sucede com o associante, que se limita a interessar aquele nos seus ganhos e perdas. Estes ou estas pertencem ao comerciante que faz interessar neles outra pessoa. Sendo assim, os ganhos e perdas são obtidos por uma qualquer via que permita ao associante considera-los seus e não se esta a ver que esse meio prescinda da titularidade sobre os seus bens patrimoniais (Raul Ventura, Associação em Participação, separata do Boletim do Ministerio da Justiça - BMJ -, n.s 189 e 190, paginas<br> 195 e 196). Acresce que tambem falta a conta em participação outro dos requisitos exigidos por lei para a caracterização do contrato como de sociedade: e o exercicio em comum de certa actividade economica.<br> De facto, não e exercicio em comum, seguramente, o exercicio de uma actividade por uma so pessoa, embora tenha em vista interesses de uma outra ligada aquela por um negocio juridico (Autor e obra citadas, pagina 76).<br> 3 - Excluida a tese da sociedade, vejamos a outra (negocio juridico atipico ou sui generis). Esta não se afasta muito daquela, pois pode resumir-se assim: se a conta em participação não e uma sociedade, tem semelhanças com as sociedades e, em particular com as comerciais, e tanto naquelas como nestas ha mais de uma pessoa com interesse nos resultados aleatorios de uma actividade mercantil, visto que a todos cabera, em termos que podem variar, uma parte desses resultados.<br> Como refere Raul Ventura, quer uma, quer outra das teses não resolve satisfatoriamente o problema ou, antes, não consegue correctamente o citado objectivo (procurar o preenchimento das lacunas da regulamentação legal da "conta" atraves dos preceitos reguladores das sociedades), foi admitida a especialidade da conta em participação relativamente as sociedades, para cada ponto omisso deveria perguntar-se se a especialidade não repela a analogia e assim se voltarão a abrir as questões supostamente fechadas.<br> 4 - Do exposto, parece de seguir, como se fez no referido acordão originador do assento, a tese de Raul Ventura: perante o conceito legislativo de sociedade, a associação em participação não e uma sociedade (tipica ou sui generis). Existem tres elementos para caracterizar este negocio juridico - mercantil: a actividade economica de uma pessoa, participação de outra nos lucros ou perdas daquela actividade e a estrutura associativa. Estes tres elementos respeitam o artigo 224 do Codigo Comercial que procura definir a associação em participação. Esta "conta" identifica-se, assim, com um tipo de contrato de caracter associativo por contraposição ao contrato conutativo. Naquele, como dizia Manuel Andrade (Teoria Geral da Relação Juridica, volume II, edição de 1960, paginas 57/58, as partes tem em vista uma possibilidade de ganho ou perda, no sentido de possibilidade de so receber ou so dar, ou receber mais ou menos do que se da.<br> 5 - Fazendo aplicação ao caso concreto dos principios expostos, verifica-se que entre o autor (por um lado) e os reus (por outro) se celebrou um contrato de conta em participação, tal como resulta das respostas aos quesitos 1 a 9, 16 e 18 a 23, verificam-se os tres requesitos atras apontados: estrutura associativa, actividade economica do 2 reu e participação do autor e do 1 reu nos lucros ou perdas daquela actividade.<br> E por demais imprecisa a resposta ao 1 quesito: "no mes de Julho de 1980, o 2 reu associou o autor e o 1 reu a actividade por ele exercida, visando especificamente a compra de predios rusticos para constituição de loteamento urbanos e consequentes construções seguidas de vendas". Isto, completado pela resposta ao 2 quesito<br> ("o fim ultimo do contrato era a participação de autor e reus nos lucros e perdas dos empreendimentos a realizar"), fecha o ciclo da aplicação do Direito.<br> 6 - Nestes termos, improcedem completamente as 2 e 3 conclusões do recorrente. Por outro lado, das respostas aos 4 e 16 quesitos não resulta ter-se dado como provados contratos de compra e venda de imoveis, mas tão - so que autor e reus concordaram em adquirir uns predios, o que e totalmente diferente. E concordaram em que estas compras se efectuassem para dar execução ou objecto material ao contrato da conta em participação.<br> Finalmente, não interessa a procedencia dos pedidos a circunstancia de os predios, incluidos no objecto material do contrato de associação, pertencerem exclusivamente aos reus (isto resulta do exposto atras quando se caracterizou o contrato celebrado entre autor e reus). Assim, improcedem as restantes conclusões.<br> III - Decisão:<br> Com os fundamentos expostos, nega-se a revista, confirma-se o acordão impugnado e condena-se em custas o recorrente.<br> Lisboa, 11 de Junho de 1991.<br> Meneres Pimentel,<br> Brochado Brandão,<br> Cura Mariano.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Por apenso aos autos de regulação do exercício do poder paternal n. 3/94, do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, 2. Juízo Cível requereu A uma providência cautelar não especificada, que foi liminarmente indeferida, o que foi confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto, que do seu acórdão admitiu recurso para este Supremo Tribunal.<br> Tendo-se, porém, em conta o constante do parecer do relator de folhas 494 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, decide-se: face ao disposto no artigo 1411 n. 2 do Código de P rocesso Civil, que o presente recurso não é admissível pelo que se não conhece do seu objecto, com as custas a cargo do recorrente.<br> Lisboa, 9 de Janeiro de 1996.<br> Fernandes de Magalhães,<br> Machado Soares,<br> Miguel Montenegro. n. 44<br> O recurso interposto por A a folha 367 embora seja o próprio, tempestivo e interposto por parte com legitimidade, não é admissível dado o disposto nos artigos 1411 n. 2 do Código de Processo Civil e 150,<br> 146 alínea e), 186 a 189 da Organização Tutelar de Menores.<br> É que não restam dúvidas de que o presente processo tem natureza de "processo de jurisdição voluntária".<br> E como diz J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 259, neles a decisão jurisdicional tem uma natureza materialmente administrativa.<br> Ou, como se acentua no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-95, in CJSTJ ano III, 1995, Tomo II página 130 (que decidiu em caso semelhante ao presente que em processo de jurisdição voluntária não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que o fundamento seja a violação de caso julgado), os processos de jurisdição voluntária são processos especiais, em que, dentre as várias particularidades, se destaca o poder do Tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações que tiver por convenientes, sendo certo que só são admitidas as provas que o juiz considerar necessárias - Código de<br> Processo Civil, artigo 1490 n. 2 - não se encontrando aquele sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar , em cada caso, a solução que julgue mais útil e oportuna - artigo 1410 do Código de<br> Processo Civil.<br> Destaca o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto neste<br> Supremo Tribunal no seu douto parecer em que levanta a questão prévia do não conhecimento do presente recurso que "in casu" estamos perante uma providência cautelar requerida no Tribunal de Oliveira de Azeméis, por apenso a processo de regulação do poder paternal (seu exercício) na qual o ora recorrente pediu: a) a fixação imediata de novo regime provisório do exercício do poder paternal; b) a entrega imediata da mesma à guarda e confiança dele requerente, seu pai; c) o impedir-se a progenitora do exercício do poder paternal, mesmo provisoriamente.<br> Ou seja, pediu-se nela o mesmo que se podia pedir através de medidas tutelares cíveis concretamente previstas na Lei Tutelar de Menores, e também com cariz acentuadamente provisório e cautelar, e as decisões a proferir poderiam ser provisórias e cautelares, nos termos da mesma Lei Tutelar de Menores, não sendo dispicienda "in casu" a adopção das medidas previstas no artigo 19 da mesma Lei".<br> Tudo isto a significar a desnecessária utilização no caso "sub judice" da apontada providência cautelar não especificada e o infundado da alegação do requerente, ora recorrente, de que o artigo 399 do Código de<br> Processo Civil não é taxativo, nem existe outra providência específica a acautelar os direitos e interesses em causa...<br> E a mostrar também que de todo o modo sempre a dita providência é dependência da acção de regulação de poder paternal relativa a sua filha menor Rita, estando sujeita como ela a especial regime de recurso no respeitante à sua admissibilidade que é o que importa aqui e agora considerar.<br> Repare-se que o Tribunal da Relação do Porto, após negar o agravo, decidiu-se depois pela sua admissão, autonomizando infundadamente, pelo que se deixou já dito, o procedimento cautelar, o que obviamente não vincula este Supremo Tribunal.<br> De referir, por último, que não é de aceitar a afirmação feita no processo pelo recorrente de que:<br> "Uma providência cautelar não é um processo de jurisdição voluntária, nem um acórdão é uma resolução.<br> Por isso não se aplica "in casu" o artigo 1411 n. 2, do<br> Código de Processo Civil", nem a distinção que refere a propósito de resoluções e decisões.<br> Na Revista dos Tribunais, ano 83, n. 1800, Abril de<br> 1965, páginas 158 e seguintes, em comentário ao Assento deste Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de<br> 1965, se afasta aquela distinção (referida no voto de vencido do mesmo Assento), destacando a afirmação de que é inegável que todas as sentenças constituem resoluções e que o n. 2 do artigo 1411 do Código de<br> Processo Civil é genérico pelo que abrange todas as sentenças proferidas nestes processos...<br> Sabe-se que da natureza de alguns processos, a lei extrai consequência sobre o ritualismo que considera adequado e sobre restrição, por vezes, da faculdade de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, independentemente do valor da causa...<br> Como diz o Professor Antunes Varela, in Manual de<br> Processo Civil, edição de 1985, página 72:<br> "Precisamente porque não está em causa na área da jurisdição voluntária, a resolução técnica de questão de direito da competência específica dos tribunais de revista, mas a simples opção pela gestão mais sensata ou conveniente de determinadas situações de facto, das resoluções tomadas nestes processos nunca é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 1411 n. 2)". - v. também Professor A. Reis, Rev. Leg. Jur. ano 81/279, 84/333 e 85/253 e Processos Especiais, II, página 401).<br> Assim, e como também destaca o Ministério Público no seu douto parecer, "se nos processos de jurisdição voluntária não são admissíveis recursos para o Supremo<br> Tribunal de Justiça mesmo que tenham por fundamento a incompetência absoluta do tribunal ou a ofensa de caso julgado, seja qual for o valor da causa (cfr. Assento atrás citado, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1983, Boletins do Ministério da<br> Justiça 328/509, de 3 de Novembro de 1993 e 14 de Junho de 1995, in processos 84448 e 87316, respectivamente, ambos inéditos) por maioria de razão não será admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto do acórdão da Relação proferido na providência cautelar "sub judice", que tinha por objecto questões relacionadas com o exercício do poder paternal regulado ao abrigo da Lei Tutelar de Menores".<br> Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, entendemos que não pode este Supremo<br> Tribunal de Justiça conhecer do recurso.<br> À Conferência.<br> Lisboa, 4 de Janeiro de 1996.<br> Fernandes de Magalhães.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, neste Supremo Tribunal de Justiça:<br> A, na Comarca da Feira, propos acção especial do artigo 68 do Codigo da Estrada, contra B e outros pedindo a condenação solidaria dos mesmos na quantia de 1626447 escudos e cinquenta centavos, a titulo de indemnização, por virtude de acidente de viação.<br> Contestaram os Reus por excepção - prescrição - e por impugnação.<br> Respondeu a Autora.<br> No despacho saneador procedeu a excepção arguida.<br> Sem exito, a Autora recorreu para o Tribunal da Relação do Porto.<br> Novo recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em que a Autora alega:<br> I - o prazo prescricional, no caso em apreço, e de cinco anos:<br> II - este prazo começou a correr apos o despacho que ordenou o arquivamento do processo crime por amnistia:<br> III - como este despacho tem a data de 28-12-82, a recorrente exerceu atempadamente o seu direito.<br> Os recorridos contra-alegaram, defendendo a manutenção do julgado.<br> Tudo visto:<br> As circunstancias factuais a ter em consideração são: o acidente de viação ocorreu em 23-3-1979; a presente acção civel foi proposta em 30-6-1986; na petição inicial a Autora imputa o acidente aos reus a titulo da culpa concorrencial; em consequencia do acidente a Autora sofreu lesões graves, com sequelas permanentes; foi instaurado o respectivo processo correccional que veio a ser arquivado por amnistia, por despacho de 28-12-1982; os Reus foram citados para a acção em Julho de 1986.<br> O acidente ocorreu em 1979, data em que vigorava o Codigo Penal de 1886 que tipicizava no seu artigo 369 o crime de ofensas corporais involuntarias. Para este crime, face a respectiva punição, o prazo de prescrição do procedimento criminal era de cinco anos, nos termos do paragrafo 2 do artigo 125 deste mesmo Codigo.<br> Nos termos do n. 3 do artigo 498 do Codigo Civil, quando o facto ilicito constitua crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo e esse o prazo aplicavel. Pelo que e de cinco anos o prazo prescricional para a propositura desta acção, de harmonia com aqueles dispositivos legais.<br> No entanto, em 1982, foi publicado o novo Codigo Penal que no seu artigo 117 n. 1 encurtou para dois anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal por crimes culposos de ofensas corporais - artigos 117 n. 1, d),<br> 148, n. 3 e 143.<br> Nos termos do artigo 237 n. 1 do Codigo Civil "a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior e tambem aplicavel aos prazos que ja estiverem em curso, mas o prazo so se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falta menos tempo para o prazo se completar".<br> Dai que haja que averiguar se o prazo de prescrição ja estaria iniciado, no momento da publicação da nova lei.<br> Coloca-se o problema da influencia do processo correccional na contagem de tal prazo.<br> Para tanto ha que ter em atenção o disposto nos artigos 29 e 30 do Codigo de Processo Penal e 360 n. 1 do Codigo Civil, ja que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido. E a instauração do processo correccional, pelo menos, antes de decorridos seis meses, constitui obice a tal exercicio.<br> A jurisprudencia vem entendendo que "decorrendo o respectivo processo penal, não pode, enquanto esse processo não for arquivado ou o reu absolvido, ser proposta em separado acção especial nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada. Ate ai existe obstaculo legal ao "exercicio do direito e, portanto, não se inicia o decurso do prazo para a propositura da acção". Entre outros Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-1981 e 4-02-1986, respectivamente, nos B.M.J. 305, pagina 268 e 354, pagina 505.<br> Tambem a doutrina defende que se o crime for entretanto amnistiado, mantem-se a regra do n. 3 do artigo 498 do Codigo Civil, cabendo ao lesado provar que o facto constitua crime - Pires de Lima e Antunes Varela, Codigo Civil Anotado, volume 1, pagina 343.<br> Tendo-se em consideração que a nova lei que estabelece outros prazos e de aplicação imediata - Assento S.T.J. de 19 de Novembro de 1975 - B.M.J. 251, pagina 75 - duvida, não se tem de que ao crime de ofensas corporais de natureza culposa e aplicavel o prazo de dois anos estabelecido pelo Codigo Penal vigente, como referimos.<br> O que conduz a que, nos termos do n. 1 do artigo 498 citado o prazo de tres anos seja o prazo de prescrição aplicavel, irrelevando o disposto no n. 3 do mesmo dispositivo.<br> Ora, a infracção criminal foi amnistiada pela lei n. 17/82, de 2 de Julho e o despacho de 28-12-1982 deu-lhe concretização.<br> E este despacho o marco definidor do inicio do prazo prescricional. E tal despacho e relevante desde que e a partir da notificação ao interessado que, como se refere no mandado de folhas 136, podera dele reclamar para o Excelentissimo Procurador da Republica junto do Circulo Judicial.<br> Tal notificação ocorreu tres dias depois do envio da carta registada, ou seja, tres dias depois de 7-8-1986 - ver folhas 137.<br> Como a acção foi proposta em 30-6-1986 - antes daquela notificação - evidente sera admitir a conclusão de que o prazo de tres anos ainda não havia decorrido.<br> Pelo que a acção foi tempestivamente interposta.<br> Dai conceder-se a revista, revogando-se as decisões das<br> 1 e 2 instancias.<br> Custas pelas recorridas em todas as instancias e neste Supremo Tribunal.<br> Lisboa, 9 de Março de 1991.<br> Cura Mariano,<br> Jorge Vasconcelos,<br> Joaquim de Carvalho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1 - A, como executada na execução que o Banco Nacional Ultramarino, S.A. lhe moveu no Tribunal do Círculo e de Comarca de Vila Real veio deduzir embargos de executado, alegando que a livrança, de que é avalista, dada à execução, não foi subscrita pelos gerentes da firma subscritora, nessa qualidade, a falta de protesto de livrança e o seu preenchimento abusivo por parte do embargado.<br> O embargado contestou, concluindo pela improcedência.<br> No saneador conheceu-se dos dois primeiros fundamentos.<br> Dele foi interposto agravo pela embargante.<br> Realizado julgamento proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente, digo improcedente os embargos.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação do Porto - folhas 149 a 157 - revogando o decidido, julgou procedentes os embargos.<br> Daí a presente revista.<br> 2 - O Banco recorrente conclui nas suas alegações: a) A falta de indicação na livrança dada à execução de que as assinaturas apostas no local da subscrição são dos gerentes da pretendida subscritora "Ecomaco" e de que foram escritos nesta qualidade de "gerentes", apenas gera a invalidade de obrigação da subscritora. b) Esta invalidade não afecta a obrigação da embargante que assinou a livrança na qualidade de avalista da subscritora.<br> Devia, assim, ter-se aplicado o artigo 7 LULL e não o artigo 32 - 2. parágrafo, como se aplicou.<br> A embargante em contra alegação pugnou pela bondade do decidido.<br> 3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4 - Nos termos do n. 6 artigo 713 do actual Código de Processo Civil remete-se para o douto Acórdão recorrido a indicação da matéria de facto aí mencionada.<br> Ou seja, nuclearmente, estamos perante livrança, dada à execução, subscrita pelos gerentes da "C - Empresa Comercial de Materiais de Construção Limitada" sem que dela conste a qualidade em que a subscreveram, apresentando-se a embargante, então executada, como sua avalista.<br> 5 - O que se discute é se a embargante dando o seu aval à entidade subscritora, continua ou não vinculada contrariamente, dado que a sociedade subscritora foi considerada não cambiariamente obrigada.<br> As instâncias julgaram diferentemente.<br> A 1. instância alicerçada no disposto no artigo 7 da LULL, aplicável ex vi do artigo 77 do mesma diploma, julgou que a obrigação de embargante, como avalista, não deixou de ser válida e daí a improcedência dos embargos.<br> Ex adverso, a 2. instância, socorrendo-se do estatuído no artigo 32, 2. parte final, considerando que estamos perante um vício de forma, decidiu pela nulidade do aval, não se mantendo a obrigação cambiária da avalista embargante e daí a procedência dos embargos.<br> 6 - Dos artigos 30 e 31 da LULL resulta que o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores.<br> É garantia não subsidiária: não goza do benefício de execução prévia e responde solidariamente - artigo 47-I.<br> Mas cumulativa.<br> Introduz um novo valor patrimonial que acresce ao valor patrimonial de direito do crédito que é próprio da operação: garantindo-o.<br> É garantia cambiária do pagamento da letra e não obrigação de cumprimento da obrigação avalizada.<br> "Constitui efectivamente uma garantia objectiva, no sentido de que se entende prestado para o pagamento de uma letra objectivamente considerada, e não para cumprimento de uma determinada obrigação cambiária" -<br> Pavone La Rosa, "Cambiale" - Enciclopédia Del Diritto, volume I, Página 364, Mito, 1959.<br> Analisando a situação passiva do avalista temos de interpretar o estatuído nos I e II do artigo 32.<br> No I preceitua-se "O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada".<br> É a consagração do princípio da equiparação entre a obrigação do avalista e a do avalizado.<br> Respondendo "da mesma maneira" significa que ocupa posição igual àquele por quem deu o aval.<br> Mas tal não significa identidade: não é obrigado da mesma maneira.<br> O avalista é, assim, responsável "nos termos da medida típica da operação avalizada, não considerada em concreto, mas de acordo com a sua aparência" - Dr. Pereira de Almeida, Direito Comercial III - Títulos de<br> Crédito 1986/87, Página 222.<br> Com efeito existe autonomia entre a obrigação do avalista e a do avalizado.<br> Ele está no II - artigo 32 "A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma".<br> Mantendo-se a obrigação do avalista "mesmo no caso" de a do avalizado ser nula, tal significa que aquela obrigação se mantém também sempre que a do avalizado sendo válida, é diversa da do avalista.<br> E nula "por qualquer razão" traduz com pouca técnica jurídica a realidade concernente à não existência de obrigação cambiária: "ou porque se constituiu e é nula foi anulada, ou porque nem se chegou a constituir" -<br> Professor Paulo Sendin, Letra de Câmbio, volume II,<br> 1982, Página 781.<br> Como o avalista é responsável, como vimos - artigo 32-I<br> - da mesma maneira típica objectiva em que o é o avalizado, segue-se naturalmente que apresentando-se a obrigação de avalizado nula por vício de forma, não sendo, pois, ele responsável, não se pode manter a obrigação para o avalista.<br> É a essência da 2. parte do II do artigo 32.<br> 7 - Como interpretar a expressão "vício de forma"?<br> Tem-se entendido que ela abarca os vícios revelados objectivamente pelo próprio título.<br> Os Professores F. Correia, Lições de Direito Comercial, volume III, 1975, agora em 1994, Página 526 e Pinto<br> Coelho, Letras volume 2. V, Página 37 ensinam "Esta fórmula é aqui manifestamente empregada no seu sentido jurídico comum, importando referência às condições de forma externa do acto de onde emerge a obrigação cambiária garantido, isto é, aos requisitos de validade extrínseca desta obrigação".<br> Cremos, contudo, que esta designação de "vício de forma" não é técnica, nem precisa.<br> Mas "ampla e compreensível daqueles casos em que a impossibilidade de acessoriedade do aval se comprova, objectivamente e para todos, pelo título da letra ou fora dele" - Professor P. Sendin, obra citada Página<br> 869.<br> E acrescenta a Página 870 "A falta de acessoriedade no aval pode resultar: da própria inexistência do direito de crédito cambiário que, assim, abrange qualquer operação nessa letra ou seu aval; de ser a operação avalizada inexistente; dessa operação não ser cambiária; ou, sendo-o, não poder formar qualquer valor patrimonial".<br> E daí esta página 875 traça uma grande panóplia de hipóteses confirmativas da amplitude de expressão "vício de forma".<br> O que fundamenta a ressalva ao "vício de forma" é a possibilidade de o portador ou adquirente de letra, pela simples inspecção do título, se aperceber da irregularidade formal das assinaturas nele vasadas.<br> Há, assim, que ver, no caso concreto dos autos, se o portador da livrança accionada poderia logo concluir, olhando para ela, que estava perante assinatura de subscritora não facilmente identificável ou até fictícia, ou seja, comportamentos nitidamente grosseiros.<br> O que não é o caso.<br> Dispondo o n. 4 artigo 260 C.S.C. que os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, opondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade, o certo é que tal não aconteceu.<br> Mas isto é questão de fundo.<br> Não de forma.<br> Vamos cair no campo traçado no artigo 7: as assinaturas nulas não prejudicam as válidas.<br> É a independência do aval, traduzido em independência recíproca das obrigações cambiárias.<br> Neste sentido julgou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 1979, Boletim 284, Página<br> 250, onde concluiu que a nulidade do aceite - uma e não duas assinaturas impostas pelo pacto social - não se comunica aos avales prestados à aceitante, visto tal nulidade não provir de um vício de forma.<br> Com comentário favorável Professor Vaz Serra, Rev. Leg.<br> Jurisp. ano 112, Página 234 "O facto de ser falsa a assinatura do avalizado, ou ela ser, por qualquer motivo, insusceptível de criar uma obrigação para a pessoa a quem pertence, ou pareça pertencer, não impede a validade da obrigação do avalista".<br> Paralelamente, Professor F. Correia, obra citada,<br> Página 527.<br> 7 - Termos em que se concede a revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido, confirmando-se o decidido na 1. instância, pelo que se julga improcedente os presentes embargos, deles absolvendo o embargado.<br> Custas pelo recorrido.<br> Lisboa, 14 de Janeiro de 1998.<br> Torres Paulo,<br> Cardona Ferreira,<br> Ribeiro Coelho. (Dispensei visto)<br> Decisões impugnadas:<br> I - Tribunal Judicial de Vila Real - Processo n. 143/95;<br> II - Tribunal da Relação do Porto - 3. Secção - Processo n. 552/97.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A, como administrador do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Lisboa veio propor a presente acção, com processo ordinário contra o Banco Totta &amp; Açores S.A., com sede na Rua ..., em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a retirar o anúncio que colocou na fachada do prédio urbano referido, no prazo de cinco dias a contar do trânsito em julgado da sentença, sob pena de ser condenada em sanção pecuniária compulsória (artigo 829-A do Código Civil) a fixar pelo Tribunal, por cada dia de atraso.<br> Alega em síntese: a Ré ocupa com uma sua dependência bancária, a fracção C do referido prédio constituída por uma loja de r/c; na parte fronteira duma loja já sobre uma parede que integra a estrutura do prédio (parede comum) instalou um anúncio sem estar previamente autorizada pela assembleia de condóminos e contra o que esta tem reagido repetidamente.<br> <br> Na contestação, a Ré opõe, em síntese:<br> O anúncio em apreço foi autorizado pela cláusula 5 do contrato de arrendamento, ao abrigo do qual a Ré vem ocupando a aludida fracção C.<br> Esse contrato de arrendamento foi celebrado antes dos proprietários do prédio em apreço o terem constituído em regime de propriedade horizontal.<br> <br> A culminar o julgamento foi proferida sentença, onde se julgou a acção improcedente absolvendo-se a Ré do pedido.<br> <br> Esta decisão foi confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 1999, constante de folhas 304 e seguintes dos autos.<br> <br> Ainda inconformado o Autor recorreu para o Supremo, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> a) sendo o local onde se encontra colocado o reclame do Banco recorrido parte comum do prédio (artigo 1421 n. 1 alíneas a) e b), n. 2 alínea e) do Código Civil) e estando a administração do mesmo adstrita à assembleia de condóminos (artigos 1430 e 1422 n. 2 alínea d) e n. 3 do Código Civil) sempre teria a mesma colocação de ser autorizada pela assembleia de condóminos - e não o foi;<br> b) Não sendo oponível a estes a autorização dada pelo senhorio antes de constituído o prédio sob o regime de propriedade horizontal, desde logo porque, como direito real que é, a sua oponibilidade e invocação a terceiros depende de registo;<br> c) e os condóminos (recorrente incluído) são terceiros em relação a tal autorização - artigo 5 do Código de Registo Predial;<br> d) sendo que o direito da sequela não abrange a situação de colocação do anúncio em parte comum do prédio, por tal espaço não estar na disponibilidade do senhorio, nem o mesmo se poder sobrepor, em termos de prejudicar ou afastar, as regras inerentes ao registo;<br> e) revelando-se violados pela decisão recorrida os supra-mencionados artigos, bem como o artigo 1057 do Código Civil;<br> f) não ocorrendo, no caso, qualquer comportamento enquadrável no âmbito da definição do abuso do direito, tal como enquadrado no artigo 334 do Código Civil.<br> g) Deve o presente recurso ser julgado precedente, revogando-se a decisão recorrida, com as consequências legais.<br> <br> Na contra-alegação, a Ré sustenta dever manter-se a decisão em crise.<br> <br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:<br> <br> Factos apurados:<br> 1 - O prédio sito na Praça ..., em Lisboa, encontra-se em regime de propriedade horizontal, estando inscrito na matriz predial urbana sob o n. 652, da freguesia do Campo Grande - alínea A) da especificação de folha 69.<br> 2 - A fracção autónoma desse prédio, identificado pela letra "C" é composta por uma loja no r/c, com entrada pelos ns. 2-A e 2-B, é composta por uma loja no r/c, digo, com entrada pelos ns. 2-A a 2-D, composta por uma sala ampla, com sete divisões anexas e três instalações sanitárias, sendo a mesma ocupada por uma dependência bancária da Ré - alínea B) da especificação.<br> 3 - Na parte fronteira da loja, a Ré instalou um anúncio aposto numa parede comum do prédio - alínea C) da especificação.<br> 4 - Por várias vezes a assembleia de condóminos tem reagido contra a existência do citado anúncio - alínea D) da especificação.<br> 5 - A propriedade horizontal do identificado prédio, de que faz parte a loja locada ao Banco, foi constituída por escritura pública de 20 de Setembro de 1974 - alínea E) da especificação.<br> 6 - Nessa escritura, os proprietários do prédio declararam que a loja do r/c com entradas pelos ns. 2 A e B está actualmente ocupada por uma dependência bancária (Letra "C") - alínea F, da especificação).<br> 7 - A constituição da propriedade horizontal foi notificada por escritura de 15 de Novembro de 1974 - alínea G) da especificação).<br> 8 - A constituição da propriedade horizontal foi registada pela apresentação 08/011074 e encontra-se averbada à descrição - alínea H) da especificação.<br> 9 - O Banco Réu é arrendatário, desde 1 de Junho de 1972 da loja esquerda, com os ns. 2 A e B da Praça ... - alínea I) da especificação.<br> 10 - Consta da cláusula 5 da escritura de arrendamento da loja, hoje fracção "C", o seguinte:<br> "O Banco inquilino fica desde já autorizado a colocar letreiros ou reclamos, luminosos ou não, do seu nome e do seu comércio, no exterior do prédio de que faz parte integrante a loja arrendada, desde que a sua localização em altura não ultrapasse os seis metros do solo" - alínea L) da especificação.<br> 10 - A venda das fracções iniciou-se em 1975 - alínea J) da especificação.<br> 11 - O Banco Réu colocou um letreiro ou reclamo, do seu nome e comércio, no exterior do prédio, com os ns. 2 A e B, da Praça ... do questionário.<br> 12 - Não há acesso à pala do terraço onde se encontra fixado o supra - mencionado letreiro - n. 2 do questionário.<br> 13 - Tal reclamo ou letreiro foi desde sempre visível e não ultrapassa os seis metros em altura - n. 5 do questionário.<br> 14 - O mesmo letreiro tem a aprovação da Câmara Municipal de Lisboa, entidade a quem o Banco vem pagando anualmente a respectiva taxa - ns. 6, 7 e 8 do questionário.<br> 15 - Os proprietários que arrendaram o locado (loja) foram os mesmos que posteriormente constituíram a propriedade horizontal - documentos de folhas 148 e 156.<br> <br> Através de contrato celebrado em 1 de Junho de 1972, os proprietários do prédio urbano atrás identificado deram de arrendamento ao Réu a respectiva loja esquerda com os ns. 2 A e B, hoje fracção "C".<br> Em consonância com o estabelecido na cláusula 5 desse contrato, o Banco locatário colocou um letreiro ou reclamo, do seu nome e comércio, no exterior do prédio em apreço.<br> Este mesmo prédio foi constituído em regime de propriedade horizontal por escritura pública de 20 de Novembro de 1974, pelos mesmos proprietários.<br> A assembleia de condóminos tem reagido contra a colocação do reclamo referido, sem êxito, daí o recurso aos Tribunais para dirimir tal questão.<br> A posição do condómino, aqui representado pelo respectivo administrador assenta na ideia de que só com autorização da Assembleia de condóminos poderia ter sido colocado o reclamo em referência, conforme o disposto nos artigos 1430 e 1422 n. 2, alínea d) e n. 3, do Código Civil, sendo inoponível aos condóminos a autorização dada anteriormente pelos senhorios / proprietários, nos termos aludidos.<br> Não sufragamos a tese resumida que é a vinculada pelo recorrente.<br> Como já tem sido entendido neste Supremo Tribunal, o direito do Banco / recorrido à colocação do letreiro, decorrente de consentimento expresso dos locadores, encontra o seu fundamento numa cláusula do contrato de arrendamento, integrando-se neste mesmo contrato e assume a natureza de um direito de crédito referente a uma coisa e não de um direito real sobre uma coisa, como sustenta o recorrente.<br> O que efectivamente existe é um direito pessoal de gozo que se localiza no campo específico das relações obrigacionais.<br> Para assim se caracterizar tal direito, não basta analisar o poder que o respectivo sujeito exerce sobre a coisa. Importa atender também, como justamente observa o Professor Henriques Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, páginas 50 e seguintes) "à fonte de onde promana tal poder e aos efeitos que produz na relação jurídica a que dá origem".<br> O que distingue os direitos pessoais de gozo e lhes confere especificidade, quando confrontados com outros direitos de natureza creditória, "é apenas a circunstância de possibilitarem ao titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa e gozo que ele poderá depender enquanto não se provar que é ilegítimo, contra todas as agressões que o impeçam ou perturbem ... quer sejam cometidos por terceiros, quer pelo sujeito do direito no que se vinculou em consenti-lo" (cfr. quanto à locação, artigo 1037, n. 2 e quanto ao comodato, artigo 1133, n. 2 - normas estas que, como preconiza o Professor Henriques Mesquita, cuja lição vimos decalcando (ob. cit., página 51) devem ser aplicadas por analogia a todas as relações creditórias que confiram o gozo autónomo do respectivo objecto).<br> "O poder de gozo, porém, tem por base ou fundamento uma relação obrigacional, da qual nunca se desprende" (cfr. também, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 14 de Outubro de 1997, Colectânea, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 1997, Tomo III, páginas 80 e seguintes, relatado pelo Conselheiro Torres Paulo).<br> Não há, pois, que esgrimir, aqui com a falta de registo do arrendamento figurado, pelo recorrente, como direito real, e como tal inoponível aos condóminos, como terceiros (artigo 5 do Código de Registo Predial).<br> É que - e tendo em vista sempre a natureza creditória da relação em apreço - o artigo 1057 do Código Civil, confere uma protecção "exceptional" ao locatário, mantendo-o o seu direito, globalmente considerado, eficaz contra os subadquirentes ou condóminos posteriormente constituídos nesta posição (emptio non tollit locatum) independentemente dos direitos destes se apresentarem devidamente registados (cfr. Professor Galvão Telles, Contratos Civis, página 49; Professor Henriques Mesquita, ob. loc. cit.).<br> Doutro modo, o novo senhorio para quem fossem transmitidos os direitos e obrigações do primeiro locador, usufruiria de um expediente fácil, de pôr cobro ao arrendamento ou a qualquer cláusula nele integrada, pois ficaria no fundo com a possibilidade de revogar unilateralmente o contrato ou de provar arbitrariamente o locatário do uso de toda a coisa locada ou parte dela (cfr. artigo 1437 do Código Civil; Professor Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I, 3. edição, página 391).<br> Cumpre agora salientar, tendo em conta o princípio da tipicidade ou do "numerus clausus" que vigora no âmbito do direito registral (Professor Oliveira Ascensão, Direito Civil - Reais, 5. edição, página 342; Monteiro Guerreiro, Noções de Direito Registral, 2. edição, página 46 - só são registáveis os factos e situações enumerados no artigo 2 do Código de Registo Predial - que o arrendamento em causa nunca poderia ser submetido a registo - mesmo que se considerasse, na companhia de alguns dos nossos mais representativos civilistas (Professor Oliveira Ascensão, ob. cit., página 336; Professor Mota Pinto, Direitos Reais, páginas 147 e seguintes; Professor Menezes Cordeiro, Da Natureza Jurídica do Direito do Locatário, página 138, in Direitos Reais, II, página 948) que esta espécie negocial reveste natureza real - pois, nos termos do artigo 2 alínea m) do Código de Registo Predial, só estão sujeitos a registo os arrendamentos por mais de seis anos, o que não é o caso, pois segundo a cláusula 1 do contrato em referencia "o arrendamento é feito pelo prazo de seis meses", sem prejuízo da possibilidade de renovação.<br> Isto, todavia, de per si não obsta a que se possa insistir na natureza real do arrendamento - embora não perfilhemos tal entendimento, como resulta do exposto - pois, como se sabe nem todos os direitos reais são registáveis.<br> Em relação a alguns desses direitos sustenta-se que a publicidade é assegurada, unicamente ou primacialmente, através de posse (Professor Menezes Cordeiro, ob. cit., I, páginas 392 e 396 e seguintes).<br> A publicidade resultante de posse exteriorizável diz-se automática ou espontânea.<br> E o Professor Menezes Cordeiro, não hesita em concluir: - conclusão aqui trazida, mais a título de curiosidade, como demonstrativa das dificuldades que tem como as do recorrente poderão enfrentar, mesmo no reduto onde se escoram - "Sendo a publicidade espontânea, comum a todos os direitos, a presunção derivada da posse pode conflituar com a do registo. Aplica-se então a regra geral da prioridade, vence a presunção mais antiga".<br> Nestes termos, nega-se a revista condenando-se o recorrente nas custas.<br> Lisboa, 23 de Novembro de 1999.<br> Machado Soares,<br> Fernandes Magalhães,<br> Tomé de Carvalho.<br> 15. Juízo Cível de Lisboa - Processo 8776/92 - 2. Secção.<br> Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 73/99 - 2. Secção.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Nos autos de reclamação de créditos n. 3620/A de 1992, da 1. Secção do 13. Juízo Cível da comarca de Lisboa, por apenso aos autos de falência n. 3620/92, em que é falida "A, a reclamante B interpôs recurso da sentença de graduação de créditos proferida nos autos, recebido como apelação.<br> Em essência, as razões justificativas da discordância da recorrente foram as seguintes:<br> - O crédito n. 140 reclamado pela sociedade C - Despachantes Oficiais Associados, Limitada, no montante de 18811018 escudos, é um simples crédito comum, que como tal deve ser graduado, pelo que não pode integrar a classe dos créditos privilegiados, designadamente a dos créditos laborais.<br> - A sentença recorrida reconheceu e qualificou correctamente o crédito n. 75 da recorrente (como, aliás, os dos restantes trabalhadores da falida) como crédito laboral e também considerou acertadamente que o mesmo crédito gozava dos privilégios mobiliário e imobiliário gerais estabelecidos no artigo 12 da Lei n. 17/86 de 14 de Junho (tal como os dos demais trabalhadores da falida).<br> - O crédito da recorrente (e os dos demais trabalhadores da falida) deve pois ser graduado antes dos créditos ns. 11 e 12 pois que os privilégios imobiliários preferem mesmo em relação ao direito de retenção e, ainda que este se tenha constituído anteriormente.<br> - A sentença recorrida, na parte impugnada, violou por errada interpretação e aplicação, entre outros preceitos, o artigo 12 da Lei n. 17/86, de 14 de Junho e os artigos 733 e 751 do Código Civil.<br> <br> D e E responderam, defendendo a manutenção da sentença recorrida.<br> A Relação concluiu que a graduação efectuada na sentença recorrida devia ser elaborada de forma diferente, embora não integralmente como era pretendido pela recorrente. Assim, concedendo parcial provimento ao recurso de apelação, graduou os créditos reconhecidos pela forma seguinte:<br> - Em 1. lugar, os créditos provenientes de custas e despesas de justiça (artigo 746 do Código Civil).<br> - Em 2. lugar, os créditos dos trabalhadores provenientes de salários em atraso (incluindo subsídios de férias e de Natal) - (artigo 12 ns. 1 a 3, da Lei n. 17/86, de 14 de Junho).<br> - Em 3. lugar, os créditos dos trabalhadores, provenientes de indemnização (artigo 737, n. 1, alínea "d", do Código Civil).<br> - Em 4. lugar, os créditos ns. 11 e 12 (provenientes do direito de retenção (artigos 755, n. 1 alínea "f" e 759 ns. 1 e 2 do Código Civil).<br> - Em 5. lugar, os créditos garantidos por hipotecas (artigos 686, n. 1 e 687 do Código Civil).<br> - Em 6. lugar, os créditos garantidos por penhor (artigo 666, n. 1 do Código Civil).<br> - Em 7. lugar, os créditos comuns (designadamente o n. 140).<br> <br> Inconformada com esta decisão dela recorreu de revista, para este Supremo Tribunal, a reclamante "D", bem como o reclamante E e na sua comum alegação de recurso, concluíram do seguinte modo:<br> 1 - Os créditos dos trabalhadores por indemnização têm apenas privilégio mobiliário geral, nos termos do artigo 737, alínea d) do Código Civil, não lhes sendo aplicável o regime da Lei n. 17/86 de 14 de Junho, pelo que não podem ser graduados à frente do direito de retenção sobre bens imóveis, previsto no artigo 755 n. 1, do Código Civil.<br> 2 - Apresentado recurso por um dos reclamantes, somente o seu crédito pode beneficiar da alteração da graduação e não os outros créditos reclamados, uma vez que não existe uma situação de litisconsórcio necessário (artigo 683, n. 1 do Código de Processo Civil) nem estão preenchidos os requisitos do artigo 683, n. 2 do Código de Processo Civil.<br> 3 - O acórdão recorrido violou as disposições legais acabadas de citar.<br> <br> Respondeu a reclamante B, defendendo que não devia ser tomado conhecimento do recurso dos recorrentes, atento o preceituado no artigo 678 do Código de Processo Civil. Ou, se assim não se entendesse, deve ser-lhe negado provimento, com a confirmação do acórdão impugnado.<br> <br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> <br> Como é lógico, tem de se começar pela questão de ser, ou não, admissível o presente recurso, face ao disposto no artigo 678 do Código de Processo Civil. Pois, como alega a ora recorrida, o recurso só seria admissível se o acórdão sob recurso houvesse sido proferido em causa de valor superior à alçada da Relação. Mas sucede que, na data em que apresentou em juízo a sua petição da reclamação de crédito, em 7 de Julho de 1992, a alçada dos Tribunais da Relação era de 2000000 escudos, cifrando-se o valor da sua reclamação de créditos em 1079726 escudos.<br> Na realidade, segundo o n. 1 do artigo 678 do Código de Processo Civil só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnada sejam desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.<br> Levanta-se aqui a já debatida questão do valor da causa nas reclamações de crédito formuladas em processo executivo ou de liquidação de património.<br> O actual Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência não resolveu expressamente o problema (v. artigos 122, 188 a 200, 208 e 228 a 230). No passado, a partir dos ensinamentos do Professor Alberto dos Reis expressos no Comentário ao Código de Processo Civil (volume III, página 658) e na Rev. Leg. Jur. (ano 83, página 268) e do que foi decidido pelos acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1981 (in B.M.J. n. 308 página 170) e da Relação de Coimbra, de 17 de Janeiro de 1989 (in Colectânea de Jurisprudência, ano XIV, tomo 1, página 34) chegou-se à solução que se passa a expor.<br> Até ao trânsito em julgado da sentença de graduação de créditos, a alçada do tribunal é de aferir pelo valor de cada um dos créditos de que se recorra, sem qualquer interferência dos restantes. Depois de graduados os créditos e sempre que não esteja em causa a existência de qualquer crédito, então o valor da causa para efeito de recurso, será o da soma dos créditos verificados e graduados.<br> Solução que se julga correcta e que aqui se adopta. Deste modo, considerando que ainda não transitou a sentença de graduação de créditos em causa, verifica-se que o valor do crédito reclamado pela recorrida no momento da reclamação era inferior ao da alçada da Relação. O mesmo sucedendo agora, já que o valor dessa alçada subiu para 3000000 escudos (v. artigo 24 da L.O.T.J.).<br> E o mesmo se passa com a sucumbência dos recorrentes, já que eles destrinçaram dois valores: 443265 escudos por salários em atraso e 751200 escudos de indemnização por antiguidade. Reconhecendo que o primeiro é que goza de privilégio concedido pela Lei n. 17/86, discordam que o outro tenha sido graduado antes dos seus créditos. Vê-se que o valor desta sucumbência não é superior a metade do valor da alçada da Relação (actual e anterior). Portanto, no respeitante aos créditos reclamados pela ora recorrida, do seu reconhecimento e graduação decididos pela Relação, não podiam os recorrentes interpor recurso para este Supremo Tribunal atento o disposto no n. 1 do artigo 678 do Código de Processo Civil.<br> Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento desta parte do recurso interposto pelos ora recorrentes.<br> Quanto à restante parte do presente recurso, atenta a soma dos valores dos créditos reclamados pelos demais trabalhadores da falida, fica afastada a aplicação do citado n. 1 do artigo 678 do Código de Processo Civil. Portanto, continua-se na apreciação do restante objecto do recurso, independentemente de se considerar ter havido violação de caso julgado.<br> Pretendem aqui os recorrentes que seja revogado o acórdão recorrido na parte em que graduou os créditos dos referidos trabalhadores antes dos seus créditos (com os ns. 11 e 12), alterando sem fundamento a sentença da 1. instância.<br> Na realidade, os referidos créditos ns. 11 e 12 na sentença da 1. instância foram graduados em 2. lugar, pelo produto da venda das fracções prediais aí indicadas.<br> No acórdão recorrido o 2. lugar da graduação passou a ser ocupado pelos créditos dos trabalhadores provenientes de salários em atraso. E o 3. lugar pelos créditos dos trabalhadores, provenientes de indemnização. Só depois, em 4. lugar, é que passaram a ser graduados os ditos créditos ns. 11 e 12, dos recorrentes. Alegam estes que, assim, a Relação efectuou ilicitamente uma nova graduação geral dos créditos, porque apenas a reclamante B, na qualidade de trabalhadora, impugnou a decisão da 1. instância. Daí que só o crédito dela pode ser graduado à frente dos seus créditos ns. 11 e 12, e não também os dos outros trabalhadores que não recorreram, aceitando aquela decisão, formando-se quanto a eles caso julgado.<br> O recurso da B não aproveita aos demais reclamantes trabalhadores, uma vez que não ocorre uma situação de litisconsórcio necessário, nem estão preenchidos os pressupostos do artigo 683, n. 2 do Código de Processo Civil.<br> Concorda-se com os recorrentes porque, na verdade, o recurso interposto da sentença da 1. instância pela reclamante B não aproveita aos seus compartes, porque não se verifica litisconsórcio necessário. Nem, tão pouco, ocorre qualquer dos casos previstos no n. 2 do artigo 683 do Código de Processo Civil, visto não terem dado aqueles a sua adesão ao recurso, nem o seu interesse depende essencialmente do interesse da recorrente, nem foram condenados como devedores solidários.<br> Sucede, também, que a não interposição de recurso da sentença da 1. instância por parte dos demais trabalhadores, permitiu que, em relação a eles, se formasse caso julgado da graduação feita naquela decisão.<br> Nestes termos, decide-se conceder parcialmente a revista, pelo que se revoga na parte em apreço o acórdão recorrido, de modo a que a graduação dos créditos em causa passe a ser a seguinte:<br> Em 1. lugar, os créditos provenientes de custas e despesas de justiça.<br> Em 2. lugar, os créditos reclamados pela trabalhadora B, provenientes de salários em atraso e de indemnização.<br> Em 3. lugar, os créditos ns. 11 e 12, provenientes do direito de retenção.<br> Em 4. lugar, os créditos dos demais trabalhadores provenientes de salários em atraso (incluindo subsídios de férias e de Natal).<br> Em 5. lugar, os créditos dos mesmos trabalhadores, provenientes de indemnização.<br> Em 6. lugar, os créditos garantidos por hipotecas.<br> Em 7. lugar, os créditos garantidos por penhor.<br> Em 8. lugar os créditos comuns (designadamente o n. 140).<br> Os recorrentes pagarão as custas devidas pelo não conhecimento do recurso que interpuseram contra a graduação do crédito reclamado pela trabalhadora B.<br> As demais custas ficam a cargo da massa falida.<br> <br> Lisboa, 21 de Setembro de 2000.<br> <br> Pais de Sousa,<br> Afonso de Melo,<br> Fernandes Magalhães.<br> <br> 13. Juízo Cível de Lisboa - Processo n. 3620-A/92 - 1. Secção.<br> Tribunal da Relação de Lisboa - Processo 7667/99 - 8. Secção. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - A propôs esta acção de despejo, distribuída ao 16. Juízo Cível de Lisboa, contra B e C.<br> Basicamente, a autora alegou arrendamento e que os réus, arrendatários, haviam feito obras ilícitas (fls. 2 e seguintes), e pediu que fosse declarado resolvido o arrendamento em causa e os réus fossem condenados a despejar o local respectivo, imediatamente, sendo entregue devoluto, à autora.<br> Os réus contestaram (fls. 15 e seguintes).<br> A fls. 63 e seguintes, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.<br> A autora apelou (fls. 70).<br> A Relação de Lisboa emitiu o Acórdão de fls. 99 e seguintes, revogando a sentença e optando pela resolução, despejo e indemnização, a favor da autora, a liquidar em execução de sentença.<br> Foi a vez de os réus ficarem insatisfeitos, tendo recorrido, de revista, para este Supremo (fls. 108).<br> Entretanto, faleceu a ré (fls. 112). Na 2. instância, decidiu-se admitir habilitação e foram declarados habilitados, no lugar da primitiva ré, B, C e D, E e, marido, F, G e H (fls. 31 do apenso).<br> Os recorrentes alegaram e concluiram (fls. 128 e seguintes):<br> 1) Os recorrentes-inquilinos arguiram excepção peremptória de caducidade;<br> 2) Os elementos de facto fixados nas instâncias não são suficientes para dilucidar a questão de saber se procede, ou não, a excepção de caducidade relativamente à construção de nova parede de alvenaria na casa de banho;<br> 3) Os recorrentes-inquilinos reclamaram do questionário relativamente à balização no tempo, oportunamente alegada (ns. 3 e 4 da contestação), de construção da tal parede; neste particular, a reclamação foi desatendida, só agora podendo ser impugnada dada a improcedência da acção na 1. instância e o disposto no artigo 511 n. 5 do Código de Processo Civil;<br> 4) Compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar se são, ou não, suficientes os elementos de facto para se conhecer do mérito;<br> 5) Entendimento diverso estaria em contradição lógica com o poder que incumbe a este Alto Tribunal de mandar ampliar a decisão de facto, nos termos do artigo 729 n. 3 do Código de Processo Civil;<br> 6) Assim, o processo deve voltar à 2. instância;<br> 7) À cautela, discorda-se, frontalmente, que as obras que levaram a casa de banho a aumentar 90 cm em profundidade, o equivalente à diminuição da marquise, alterem substancialmente a estrutura interna do locado, único fundamento do douto Acórdão recorrido;<br> 8) À semelhança das outras obras realizadas no locado que a Relação - aqui, bem - não considerou susceptíveis de desencadear a "sanção" do artigo 64 n. 1 alínea d) do R.A.U., as referidas na conclusão anterior devem ter o mesmo tratamento legal;<br> 9) Sendo pacífico que a realização de obras sem consentimento do senhorio, como fundamento de despejo, é questão que só causuisticamente se pode decidir, no caso em apreço as obras consideradas pela Relação, as referidas na conclusão 7 precedente, não são consideráveis, não modificaram profundamente ou de forma fundamental o prédio e tão-pouco o desfiguraram;<br> 10) As mesmas obras não afectaram a aparência e a funcionalidade do locado, mantendo-se a essência da planificação interna das divisões;<br> 11) Ressalta, das respostas aos quesitos 8, 9 e 20, que a parede substituta e deslocada 90 cm é do mesmo material da anterior, e que não houve alteração do número de divisões;<br> 12) É pública e notória a fácil reparabilidade dessas obras;<br> 13) O quesito 12 é meramente conclusivo, pelo que não pode ser considerada a respectiva resposta;<br> 14) Não houve qualquer deterioração, degradação ou desvalorização do locado; ao invés, o locado está mais acolhedor e adequado à realidade sociológica actual em que 90 cm são mais necessários numa casa de banho do que numa marquise;<br> 15) Dentro do critério da razoabilidade que deve presidir ao arbítrio judicial e considerando, ainda, a boa fé dos inquilinos marido e falecida mulher, impõe-se a continuação do contrato de arrendamento, que equivale à manutenção do "habitat" de toda uma já longa vida do recorrente B;<br> 16) Decidindo de forma diversa, o douto Acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 64 n. 1 alínea d) do R.A.U. e 712 n. 2 do Código de Processo Civil.<br> Os recorrentes finalizam dizendo que "deve ser dado provimento ao recurso, com todas as legais consequências".<br> Em sentido contrário se manifestou a recorrida, nas suas ontra-alegações (fls. 146 e seguintes).<br> Foram colhidos os vistos legais (fls. 149/149 v.).<br> II - A 2. instância baseou-se no seguinte circunstancialismo, dito assente na 1. instância (fls. 100):<br> 1) A autora é, desde 7 de Maio de 1986, por herança, proprietária do 3. andar esquerdo do prédio sito na Rua ..., em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 894 da freguesia de São João de Brito;<br> 2) Pelos, então, donos do prédio, foi cedido o gozo do andar, aos réus, por escrito subscrito em 15 de Julho de 1951, pela retribuição mensal de 800 escudos;<br> 3) O inquilino obrigou-se a conservar bem a casa, sem deteriorizações, e responsabilizou-se pelos danos causados que não sejam inerentes ao seu uso;<br> 4) A autora reside no Algarve e a renda (retribuição) do locado é paga, pelos réus, através de Banco;<br> 5) Em 9 de Dezembro de 1991, o réu escreveu à autora, a solicitar-lhe autorização para proceder à substituição das janelas de madeira por alumínio;<br> 6) A autora respondeu, ao réu, que não se opunha, mas não gostaria que o alumínio fosse "normal ou cinzento metalizado";<br> 7) Sugeriu-lhe que não fizesse até 3 de Janeiro de 1992, altura em que viria a Lisboa;<br> 8) Em 4 de Janeiro de 1992, a autora deslocou-se a Lisboa para falar com o réu e saber o que este pretendia efectivamente;<br> 9) Em 10 de Janeiro de 1992, a autora, acompanhada de duas "testemunhas", voltou ao seu apartamento para ver todas as obras que os réus, ali, levaram a efeito;<br> 10) A autora verificou, quando entrou no apartamento, que os réus estavam a levar a efeito obras, sendo visível o cimento fresco nas paredes;<br> 11) A autora saiu do apartamento e disse que voltava outro dia;<br> 12) As obras efectuadas no apartamento da autora foram feitas sem qualquer conhecimento ou autorização desta;<br> 13) Os réus, na despensa existente entre os quartos assinalados no escrito de fls. 7, construiram roupeiros da parede;<br> 14) Entre os dois quartos assinalados, abriram uma nova porta de comunicação entre eles, sem acordo da autora;<br> 15) E derrubaram a parede da alvenaria existente na casa de banho;<br> 16) Construíram uma nova parede de alvenaria na casa de banho por forma a aumentar as suas dimensões, reduzindo o tamanho da marquise;<br> 17) As janelas originais da marquise foram substituídas por janelas de alumínio, cuja cor a autora não havia permitido, nem a substituição;<br> 18) Uma parte da parede de alvenaria existente entre a sala e o escritório, sem o consentimento da autora, foi demolida;<br> 19) As obras realizadas pelos réus, no andar da autora, modificaram a divisão interna do mesmo, demoliram paredes de alvenaria, construíram outras, fizeram divisões com novas áreas, sem consentimento ou conhecimento da autora;<br> 20) A autora apenas tomou conhecimento das obras em 4 e 10 de Janeiro de 1992;<br> 21) Os roupeiros referidos no quesito 16 foram construídos há mais de 10 anos;<br> 22) A parede de alvenaria existente entre a sala e o escritório foi, parcialmente, demolida;<br> 23) Foi, apenas, estabelecida uma comunicação entre as duas salas - o chamado arco, à altura de uma porta e cerca de metade da largura da mesma parede;<br> 24) A casa de banho aumentou 90 cm em profundidade, o equivalente à diminuição da marquise;<br> 25) O senhorio I, avô da autora, esteve no locado a observar as obras efectuadas nele;<br> 26) E, isso, ocorreu há mais de um ano;<br> 27) A autora, em fins de 1990, em Novembro ou Dezembro, esteve no locado a preencher recibos de renda;<br> 28) E esteve no "hall" do locado;<br> 29) As janelas da marquise dão para as traseiras e a substituição foi de ferro por alumínio, mas mantiveram-se as mesmas dimensões das janelas.<br> III - Dos limites da questão:<br> Antes de mais, é preciso ter bem claro qual é o problema que nos é colocado.<br> Entre tudo aquilo de que se fala no processo, aqui e agora, o problema está reduzido às paredes da aludida casa de banho.<br> Foi, apenas, com base nisto que, ao arrepio do que fizera a 1. instância, a 2. instância decretou a resolução contratual.<br> A este respeito, os recorrentes esgrimem com duas ordens de considerações: caducidade e, de todo o modo, não integração no "tatbstand" do artigo 64 n. 1 alínea d) do R.A.U.<br> Vejamos.<br> IV - Da caducidade.<br> É seguro que o Supremo Tribunal de Justiça, por princípio, não se introduz na elaboração da especificação e questionário.<br> Isso concerne ao apuramento fáctico, da competência das instâncias, sem prejuízo da hipótese excepcional ressalvada pelo artigo 729 n. 2 do Código de Processo Civil que, ao caso, não vem.<br> Contudo e independentemente daquela elaboração, o Supremo Tribunal de Justiça pode mandar ampliar a decisão de facto quando tal seja possível e necessário para se decidir juridicamente: n. 3 daquele artigo 729 do Código de Processo Civil.<br> Para tanto, os recorrentes entendem que seria necessário averiguar a matéria que ficou explicitada nos ns. 3 e 4 da contestação.<br> Isso reporta-se a alegada época de alteração da referida parede da casa de banho, dita na 1. metade da década de 60.<br> Ora, isso, só por si, não resolveria a situação, sabido como é que o termo "a quo" do prazo de caducidade do direito de acção, para a hipótese vertente, não está na data da obra mas, sim, na do conhecimento pelo senhorio (artigo 65 n. 1 do R.A.U.; e, antes, artigo 1094 do Código Civil).<br> Mas, mesmo quando essa alegação fosse útil, ela sempre seria desnecessária, porque os recorrentes têm, a nosso ver, razão quanto à questão de fundo.<br> V - Do tipo de obra:<br> O problema tem de ser visto à luz da doutrina da norma, anteriormente do artigo 1093 n. 1 alínea d) do Código Civil, hoje do artigo 64 n. 1 alínea d) do R.A.U., quanto a este segmento:<br> "... obras que alterem substancialmente a sua - do prédio - estrutura externa ou a disposição interna das suas divisões...".<br> Desde logo, há que constatar que o advérbio "substancialmente" tanto se reporta à alteração da estrutura externa como à disposição interna das divisões.<br> Não só é este o alcance da redacção em Português, como não teria sentido e, portanto, contrariaria o n. 3 do artigo 9 do Código Civil uma maior exigência quanto à relevância de obras externas do que internas, o que valeria dizer que se poderia mais facilmente alterar a estrutura externa do que aquilo que apenas atingiria os utentes do prédio.<br> Veja-se, a este respeito, v.g., o Acórdão deste Supremo de 31 de março de 1977, in B.M.J. n. 265, 227.<br> Aliás, este mesmo aresto é relevante no que concerne ao critério a concretizar a propósito de paredes de instalação sanitárias.<br> Estamos à beira do século XXI.<br> Tudo o que é instalação sanitária ou casa de banho vem sendo assumido como indispensável à qualidade de vida, à higiene e, até, à saúde das pessoas.<br> Desde a antiguidade, já os Caldeus conheceram edifícios para banhos públicos. Depois de todo o progresso grego e, especialmente, romano, inclusive na Lusitânia, tivemos o medievismo contrário por razões moralistas ("Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura", III, 530).<br> E surgem, nos tempos modernos, primeiro paulatinamente, hoje com toda a segurança, a indispensabilidade das instalações de banho privadas, conjugando aquela necessidade com a adequada privacidade. Hoje, já não se concebe, sequer, um quarto em hotel sem casa de banho própria.<br> Mas nós vivemos numa cidade com um parque habitacional, em parte, inadequado para aquilo que hoje são fins do arrendamento habitacional: artigo 1031 alínea b) do Código Civil.<br> Quantas vezes os próprios arrendatários têm, ou tiveram, de improvisar ou fazer casas de banho a partir do zero?<br> E nem é disto que versa este caso. Em rigor, é do simples "deslocamento" de uma parede de alvenaria uns simples<br> 90 cm, aumentando uma casa de banho e diminuindo uma marquise.<br> Repare-se: parede do mesmo tipo, menos de um metro afastada da anterior, entre a mesma casa de banho e a mesma marquise, tanto quanto se infere, diminuindo esta e revalorizando aquela.<br> Alteração substancial?<br> Seguramente, não.<br> Aliás e quando muito, na devida altura, a dona do prédio poderá exigir a reposição da parede no local anterior, o que, na medida dos factos disponíveis, não aparenta dificuldade e, aliás sempre teria de ser visto à luz da normatividade pertinente (artigo 1043 e seguintes do Código Civil), conforme os factos, e quando tal fosse o "thema decidendum".<br> Mas, estando em causa, como nesta acção, eventual conduta justificativa da resolução contratual, temos por indubitável que a ampliação de 90 cm da casa de banho, à custa de uma marquise, no caso vertente, não revela elementos que permitam considerar a existência de alteração substancial.<br> Nem há qualquer problema relativo ao ponto 19 da matéria circunstancional descrita, porque o facto de ter havido modificação na divisão interna não significa, sem o devido relevo, modificação substancial.<br> VI - Resumindo, para concluir:<br> 1) Embora o Supremo Tribunal de Justiça não se imiscua na elaboração da especificação e do questionário, pode mandar ampliar a matéria de facto, mas apenas quando isso se manifeste possível e necessário para uma concreta decisão jurídica.<br> 2) A expressão "... alterem substancialmente...", constante do artigo 64 n. 1 alínea d) do R.A.U. e, antes, do artigo 1093 n. 1 alínea d) do Código Civil, abrange tanto a estrutura externa como as divisões internas de um prédio urbano.<br> 3) Tal não acontece quando o inquilino como que "empurra" uma parede de alvenaria, 90 cm, entre uma casa de banho e uma marquise, revalorizando aquela e diminuindo esta, através da substituição de uma parede por outra idêntica, com aquele afastamento.<br> VII - Donde, concluindo:<br> Ressalvando o devido respeito pelo entendimento em contrário, acorda-se em conceder provimento ao recurso, na medida em que se revoga o Acórdão recorrido, para que subsista a sentença absolutória.<br> Custas pela recorrida.<br> Lisboa, 12 de Novembro de 1996.<br> Cardona Ferreira.<br> Herculano Lima.<br> Figueiredo de Sousa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- Pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, A propôs esta acção declarativa ordinária contra Dr. B e C, aliás, D.<br> Basicamente, o autor disse que, enquanto empreiteiro, celebrou com o réu um contrato de empreitada, de que os réus desistiram, devendo indemnizar o autor (fls. 2 e seguintes). E pediu a condenação dos réus a: a) pagarem, ao autor, 1493431 escudos; b) pagarem, ao autor, 962343 escudos; c) pagarem ao autor, 1781201 escudos (IVA); d) pagarem, ao autor, indemnização em quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença; e) restituírem, imediatamente, ao autor, 2187480 escudos, retidos pelos réus como caução ou restituirem essa quantia em 31 de Agosto de 1990 (a acção entrou em 17 de Maio de 1990<br> - fls. 2); f) restituirem, de imediato, ao autor, cheque pertença deste, de 500 contos.<br> Os réus contestarem e reconvieram (fls. 38 e seguintes).<br> No concertante à reconvenção, os reconvintes alegaram, essencialmente, incumprimento pelo autor e prejuízos próprios; admitindo, porém, que a acção procederia em 2472004 escudos, pediram a condenação do reconvindo a pagar-lhes 12286050 escudos.<br> O autor replicou e contestou a reconvenção (fls. 71 e seguintes).<br> Mais tarde, foi proferida sentença (fls. 344 e seguintes), julgando a acção parcialmente procedente e condenando os réus a pagarem, ao autor, 5361682 escudos (1781201 escudos mais 2187480 escudos mais 430658 escudos mais 962343 escudos), bem como a restituirem-lhe o falado cheque de 500000 escudos; e julgando a reconvenção improcedente.<br> Os réus recorreram (fls. 351).<br> Consequentemente, a Relação do Porto proferiu o Acórdão de fls. 397 e seguintes: absolvendo os réus quanto ao pagamento de 962343 escudos; condenando o reconvindo a pagar, aos reconvintes, o total de 6045976 escudos; e, em resultado de compensação, ficando o autor-reconvindo condenado a pagar 1646457 escudos aos réus-reconvintes.<br> Foi a vez de o autor recorrer, de revista, para este Supremo (fls. 408). E, alegando, concluiu (fls. 423 e seguintes): a) Está provado que o recorrente executou obras a mais no montante de 962343 escudos; b) Os recorridos não lograram provar que procederam ao pagamento desse montante ao recorrente; c) Compete ao devedor, no caso, os recorridos, ónus de prova de pagamento; d) Por outro lado, da resposta negativa ao quesito 13 não resulta que os recorridos tenham efectuado aquele pagamento; e) Pelo que deve considerar-se que a referida quantia de 962343 escudos não foi paga pelos recorridos, ao recorrente, e aqueles serem condenados a pagarem, ao recorrente, esse montante; f) A quantia de 1545976 escudos não é devida, pelo recorrente, aos recorridos; g) Com efeito, tal quantia corresponde aos trabalhos que o recorrente não chegou a executar, no âmbito do referido contrato de empreitada e, por isso, nunca recebeu dos recorridos o montante, a eles, respeitante; h) Nesta conformidade, o recorrente nunca poderá ser condenado a pagar tal quantia aos recorridos, por inexistir qualquer causa de pedir de que resulte tal obrigação; i) Por outro lado, nunca os recorridos interpelaram o recorrente para executar quaisquer obras de reparação das anomalias ou defeitos verificados na obra; j) E aceitaram a obra executada pelo recorrente sem terem dado cumprimento ao artigo 1218 do Código Civil, pois nunca procederam à verificação da obra nos termos aí estatuídos; k) Acresce que a não interpelação do empreiteiro para a correcção e reparação dos defeitos impede o dono da obra de exigir uma indemnização pelos mesmos ou de proceder à resolução do contrato, em conformidade com os artigos 1221, 1222 e 1223 do Código Civil; l) Os recorridos não concederam prazo razoável ao recorrente para este concluir a obra, pelo que a resolução do contrato de empreitada, pretendida e operada por aquele, não foi eficaz nem válida juridicamente; m) Assim sendo, a reconvenção deve improceder totalmente e, assim, o recorrente ser absolvido de pagar qualquer quantia aos recorridos, nomeadamente os referidos 4500 contos.<br> Finalizando, o recorrente pede a revogação do Acórdão recorrido e reposição da sentença, bem como correcção monetária do montante em que os recorridos foram condenados, em função da desvalorização da moeda entretanto verificada.<br> Os recorridos contra-alegaram (fls. 453 e seguintes), propugnando a subsistência do Acórdão da 2. instância.<br> Foram colhidos os vistos legais (fls. 456/456 v.).<br> II- O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 399 e seguintes): a) Autor e réu marido celebraram, em 1 de Novembro de 1986, um contrato pelo qual o autor construiria duas moradias geminadas na Av. Pedro Nunes - Miramar - Vila Nova de Gaia, sendo a obra executada de acordo com o projecto e caderno de encargos, pelo preço de 19717015 escudos, acrescido de IVA, devendo a madeira de mutene ser substituída por carvalho francês e o tecto exterior em Kambala; a obra seria executada no prazo de 18 meses e, por cada dia de atraso na sua conclusão, imputável ao autor, este incorreria na multa de 0,5% do valor total da empreitada. b) O pagamento do preço referido em a) seria efectuado em prestações mensais de acordo com o valor dos trabalhos executados, mediante nota visada pelo arquitecto autor do projecto, sendo retidos 10% para constituir um fundo de garantia. c) Sendo certo que a recepção definitiva da obra seria feita um ano após a recepção provisória, ocasião em que seria devolvido, ao empreiteiro, o fundo de garantia ou a garantia bancária se a obra não revelasse defeitos de construção. d) Por outro lado, os trabalhos a mais e a menos seriam objecto de acordo prévio de preços ou avaliados pela série de preços fornecida pelo empreiteiro, aqui autor, em anexo<br> à sua proposta. e) Acresce que, por contrato adicional àquele contrato de empreitada, os réus, em 10 de Julho de 1987, adjudicaram, ao autor, a construção de dois anexos a edificar nos respectivos terrenos das duas moradias, devendo os trabalhos da sua construção ser executados de harmonia com o projecto e descrição técnica da obra, segundo os elementos fornecidos pelo arquitecto Arnaldo Brito e nas condições do "documento junto". f) O prazo para a conclusão dos aludidos anexos expirava a "30 de Abril", tendo o réu marido adjudicado essa obra ao autor pelo preço de 4449470 escudos e sessenta centavos, acrescido de IVA. g) Pelas obras referidas em a) e f), acordaram autor e réu o montante global de 24166485 escudos, mais IVA. h) Em Agosto de 1989, o réu marido enviou, ao autor, uma carta na qual declarava resolvido o contrato celebrado entre ambos, com efeito a partir de 31 de Agosto de 1989. i) Por carta de 28 de Fevereiro de 1988, o autor solicitava prorrogação do prazo para acabar a obra contratada, por 3 meses, prometendo a conclusão dos trabalhos para 30 de Julho de 1988. j) O autor entregou, ao réu marido, diversos cheques, os quais se destinavam a "caucionar os réus" pela aquisição de alguns materiais aplicados na obra, mantendo o réu, na sua posse, um cheque no valor de 500000 escudos. l) Os réus mantêm em seu poder, pelo menos, 2041346 escudos relativos a décimos da garantia referidos em b). m) E, ainda, 430658 escudos, correspondentes à factura n. 609, a uma factura sem número e à diferença de preço na louça sanitária. n) A ré mulher beneficiou de todos os trabalhos executados pelo autor, no terreno do casal, tendo enriquecido o seu acervo patrimonial. o) O réu marido, por carta de 14 de Março de 1989, fixou ao autor o prazo de dois meses e meio para conclusão das obras. p) Além das obras referidas em a) e e), e a solicitação do réu marido, o autor efectuou um aumento das fundações e da profundidade destas em 20 cms; alterou para mais na secção e ferro das vigas V25, V27, V28, V29, V37; alterou as vigas do suporte da escada, em ambas as habitações, de acesso ao 1. andar. q) As obras referidas na "resposta ao quesito n. 1" implicaram que as obras constantes de a) e e) se prolongassem por mais um mês. r) O autor, além das obras referidas em a), e) e p), executou as obras referidas nos pontos 2, 4, 10, 15 e 16 do n. 23 da petição, a saber: colocação de duas tomadas e de dois pontos de luz e montagem de 20 projectores eléctricos no exterior, modificação em acabamentos em paredes interiores de areado fino para estanhado, alteração nas cozinhas em pavimentos deficientes que o proprietário escolheu, alteração das redes de água e esgotos, por duas vezes, por diferença de escolha de louças sanitárias e por introdução, nas casas de banho, de duas banheiras de hidromassagem de equipamento próprio, incluindo alteração eléctrica, modificação de esgotos e de rede eléctrica para um novo enquadramento dos móveis da cozinha. s) Nas obras referidas na resposta "ao quesito n. 3", o autor gastou mais cerca de 3 semanas. t) No início da obra e por questões relacionadas com a licença da mesma, houve que proceder à demolição de um muro já construído. u) O autor não realizou os trabalhos referidos no n. "47 da petição", cuja redacção "factual" foi dada "por reproduzida". v) Os "trabalhos referidos na resposta dada ao quesito n. 10 "importaram em 986496 escudos no respeitante às moradias e em 559480 escudos no tocante aos anexos. x) Os trabalhos a mais efectuados pelo autor importam em 962343 escudos. y) Os décimos referidos em b) e que os réus detêm em seu poder ascendem a 2187480 escudos. w) Os réus, pelo preço de g), entregaram ao autor 23081000 escudos. z) Os réus não pagaram, ao autor, 1781201 escudos, relativos a IVA de diversas facturas. z1) Na reparação das anomalias e defeitos nas obras executadas pelo autor, os réus tiveram de despender 4500000 escudos. z2) Devido ao facto referido na alínea h), os réus tiveram necessidade de contratar com a "Sofoz" a conclusão das obras. z3) Com a conclusão das obras levadas a efeito pela "Sofoz", os réus despenderam 2500000 escudos.<br> III- Da questão dos 962343 escudos (acção):<br> No âmbito do contrato de empreitada em causa (qualificação indiscutida e que leva à ponderação, especialmente dos artigos 1207 e seguintes do Código Civil<br> - redacções anteriores ao Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, que, aliás, nada tem a ver com o caso) - a primeira questão colocada pelo recorrente, o empreiteiro, reporta-se a uma verba de 962343 escudos em que a<br> 1. instância condenara os recorridos e de que o Acórdão da<br> 2. instância os absolveu.<br> Não se discute que essa verba se reportava a trabalhos que acresceram a contrato-base.<br> A este respeito nem se discute que os donos da obra deviam pagar; até porque, se o não fizessem, além de incumprirem o sinalagma correspondente, teriam um locupletamento indevido.<br> Como assim, o que se discute é se os recorridos pagaram; e, se a dúvida subsiste, quem tinha ónus de provar o quê.<br> Com efeito, a artigo 516 do Código de Processo Civil dizia e diz:<br> "A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem aproveita".<br> Ora, sabe-se da existência do dever de pagar tal verba (repete-se: nem se discute, em sede deste recurso), mas não se sabe se os recorridos a pagaram.<br> Toda a questão arranca dos quesitos 12 e 13, o primeiro respondido positivamente e, o segundo, negativamente (fls.<br> 101 v. e 341/342), o que a 2. instância não alterou:<br> "Os trabalhos a mais efectuados pelo autor importaram em 962343 escudos?"<br> "O réu não pagou a quantia de 12)?".<br> Não cremos que se justifiquem ou, sequer, que haja margem para grandes considerações.<br> Em verdade, se o quesito 13, salvo o devido respeito, é paradigmático de termos inadequados para um quesito, não pode, a resposta, ser determinante da solução.<br> Com efeito, a quesitação (ou elaboração da base instrutória, como passou a dizer-se) deve seguir o que releva, conforme os segmentos legais pertinentes e os ónus de prova.<br> Naturalmente, se se provasse, "expressis verbis", que não houvera pagamento, maior segurança teria o Tribunal.<br> Mas isso não colide com a circunstância de, face à resposta negativa ao quesito 13, apenas se ter ficado em branco sobre se houve pagamento ou não.<br> Decerto não vamos voltar à questão ultrapassada sobre o significado de resposta negativa: tal só significa que não ficou provado o que se perguntava; não significa que haja prova do contrário.<br> Consequentemente, há que retomar a linha enunciada e perguntar quem tinha ónus de provar o quê.<br> Tudo isto é, aliás, incontroverso. O pagamento é um acto que extingue o direito do credor; como tal, a respectiva factualidade integra excepção peremptória e, assim, corresponde a ónus da prova dos devedores: artigos 493 n. 2 e 487 n. 2 do Código de Processo Civil; artigo 342 n. 2 do Código Civil.<br> Logo, não tendo o credor ónus de alegação e prova de não pagamento mas, sim, o devedor ónus de alegação e prova de que pagou; no caso vertente, não se sabendo se houve pagamento; e visto o transcrito artigo 516 do Código de Processo Civil; neste ponto tem razão o recorrente, havendo de concluir-se pela subsistente obrigação dos recorridos de pagarem aqueles 962343 escudos.<br> IV- Da reconvenção:<br> Ao contrário do que fizera a 1. instância (que julgara improcedente a reconvenção), o Acórdão da 2. instância deu parcial acolhimento à reconvenção dos donos da obra e considerou-os credores de 4500000 escudos mais 1645976 escudos (respectivamente, reparação de anomalias e defeitos dos trabalhos do reconvindo; e realização dos trabalhos a que o reconvindo não deu cumprimento - aqui, respectivamente, z1 e u/v).<br> Vamos por partes.<br> IV-1. Como se disse, os 4500000 escudos reportam-se à reparação de anomalias e defeitos de trabalhos que o reconvindo efectuara mal.<br> A base nuclear em que assenta esta pretensão dos reconvintes está no artigo 1223 do Código Civil:<br> "O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais" (o dono da obra).<br> O Acórdão recorrido assentou em que o dono da obra resolveu, justificadamente, a empreitada, ultrapassados que foram os prazos contratados, pedido e concedido.<br> Portanto, a regra do prazo razoável do artigo 808 n. 1 do Código Civil foi observada.<br> Ou seja, houve incumprimento definitivo e extinção da relação contratual (v.g. Acórdão deste Supremo de 3 de Outubro de 1995 - C.J., S.T.J., III, 3, 42).<br> Posto que não existe simples mora mas, radicalmente, incumprimento pelo empreiteiro e comprovado cumprimento defeituoso; não tendo o empreiteiro utilizado adequadamente, quer o prazo contratado, quer o que pediu, quer o que lhe foi concedido; extinta a relação contratual por resolução; sendo certo que direito a indemnização prescrito pelo artigo 1223 do Código Civil segue as regras gerais; e - "the last but not the least" - sendo certo que o princípio da boa fé deve estar presente na vivência das relações jurídicas contratuais como no que, delas, é consequência (artigo 762 n. 2 do Código Civil); temos por relevante que é susceptível de indemnização o que, segundo o que vem provado, os donos da obra tiveram de desembolsar para corrigirem as anomalias e defeitos da responsabilidade do empreiteiro (cfr. artigos 483 e 562 do Código Civil); tanto mais quanto é certo que nada demonstra tratar-se de verba exagerada para o efeito.<br> De resto, nada demonstra que os donos da obra a tenham aceite como o empreiteiro a deixou. Isso é, até, contraditado pela resolução operada.<br> Repare-se, designadamente, na lógica do artigo 1222 do Código Civil, viabilizando resolução se a correcção dos defeitos não for feita.<br> Mas, efectuada resolução, por ultrapassagem, sem resultado, dos prazos contratados, pedido e proporcionado, assim, reflectindo-se uma perda de confiança, o princípio da boa fé justifica, em consonância, a correcção efectuada pelos donos da obra através de outrem. Ou seja: neste caso concreto, a situação tem dados inversos aos do artigo 1222 do Código Civil. Em boa verdade, interpretação lógica dos artigos 1220 e seguintes do Código Civil evidencia que os respectivos prazos (curtos) não têm, no seu "tathstand", a não conclusão da obra (cfr. Acórdão deste Supremo de 25 de Julho de 1985, in B.M.J. n. 349,<br> 512). Aliás, sobre oportunidade, tratando-se de prazos de caducidade, sempre haverá ónus de prova, ainda que negativa, do devedor (cfr. P. Lima e A. Varela, "Anotado",<br> II, 3. ed., 820; princípio reflectido nos artigos 343 n. 2 e 342 n. 2 do Código Civil).<br> Repete-se que a questão tem a cobertura directa do artigo 1223 do Código Civil, não excluído e residual, relativamente à vivência mais normal da empreitada. Aliás, na comprovada carta de 28 de Agosto de 1989 (fls. 57/58), o dono da obra até referenciou acentuado número de deficiências.<br> Portanto, é de manter a procedência do pedido reconvencional de 4500000 escudos.<br> IV-2. E o caso dos 1545976 escudos?<br> Aqui, a situação é diversa.<br> Trata-se do que os donos da obra gastaram não para que fosse corrigido o que o empreiteiro fizera mas, sim, para que fosse feito o que ele não fizera.<br> Considerando que não pode dizer provado que os donos da obra pagaram ao empreiteiro, o que ele não fez; ponderando que os donos da obra - "et pour case" - inseriram no seu património aquilo que lhes custou 1545976 escudos; não está provado que esta verba tenha sido um prejuízo mas, apenas, a contrapartida do que receberam, embora através do serviço de terceiro.<br> Portanto, trazendo à colação os termos gerais do instituto da indemnização mas, também, o princípio da boa fé, não se encontra motivo para ser o recorrido a pagar isto - a menos que se tivesse provado que embolsara o respectivo dinheiro, e tal não se pode dizer provado, conforme já aludido.<br> Claro que poderia haver algum prejuízo emergente de injustificada diferença de preços. Mas isso exigiria uma causa de pedir orientada nesse sentido e uma consonante comprovação, o que não aconteceu.<br> De tudo isto resulta que, relativamente às 3 verbas em causa neste recurso, o recorrente tem razão quanto às de 962343 escudos e 1545976 escudos; e não tem relativamente aos 4500000 escudos.<br> V- Da correcção monetária.<br> O recorrente pede correcção monetária, de acordo com a desvalorização da moeda verificada após a sentença da<br> 1. instância.<br> O pedido é inócuo porque, mesmo considerando as verbas de 962343 escudos e de 1545976 escudos, ainda assim a soma de ambas é inferior a 1646457 escudos, em que o recorrente foi condenado a pagar na 2. instância (agora, serão 138138 escudos).<br> Mas, mesmo que assim não fosse, o recorrente fez um pedido tarde e a más horas. Deveria tê-lo feito na petição inicial ou, pelo menos, até ao encerramento da discussão na 1. instância (ver artigo 273 do Código de Processo Civil e uniformização da jurisprudência nos Diários da República, 1. série, de 26 de Novembro de 1996 e 13 de Janeiro de 1997).<br> VI- Resumindo, para concluir:<br> 1. Não comprovado que os donos de uma obra pagaram determinada verba que era devida ao empreiteiro, e embora também não se tenha provado que não pagaram, não podem deixar de ser condenados a pagar.<br> 2. Provado que, após a resolução de um contrato de empreitada não concluída e tendo o dono da obra protestado por defeitos praticados pelo empreiteiro, este deve indemnizar, correspondentemente, o dono da obra, nos termos do artigo 1223 do Código Civil.<br> 3. Resolvido o contrato de empreitada, o empreiteiro não deve o custo do que não realizou, ao dono da obra, se não se provou que este lhe fizera correspondente pagamento, ficou com o património imobiliário enriquecido e não se provou que isso lhe tivesse trazido dano relativamente a preços.<br> VII- Donde, concluindo:<br> Ressalvando o devido respeito por outro entendimento, concede-se parcial provimento ao recurso, com parcial revogação do Acórdão recorrido, na medida em que se condenam os réus a pagarem novecentos e sessenta e dois mil trezentos e quarenta e três escudos ao autor; e se absolve o reconvindo do pagamento de um milhão quinhentos e quarenta e cinco mil novecentos e setenta e seis escudos aos reconvintes; no mais se mantendo o Acórdão recorrido; tudo com consequente reflexo no saldo final emergente do encontro de contas.<br> Custas em igualdade pelas partes.<br> Lisboa, 4 de Março de 1997.<br> Cardona Ferreira.<br> Aragão Seia.<br> Herculano Lima.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I. A, requereu, pelo Tribunal Judicial de Alvaiázere, a instauração de processo especial de recuperação de empresa, que fora de seu marido, entretanto falecido e que, após isso, passara a gerir sob a designação de "B," e a gerência da requerente, tudo conforme deliberação dos herdeiros de C.<br> Citados os indicados credores, houve várias reclamações de créditos.<br> Posteriormente, o Mto. Juiz proferiu o despacho a que se reporta o artigo 25 do Código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril.<br> E, designadamente, tendo reconhecido personalidade e capacidade judiciária e legitimidade às partes; fundamentou fáctica e juridicamente e, concluindo que inexiste situação de "insolvência", determinou o arquivamento do processo (fls. 245 e segs.).<br> Interpôs recurso, recebido como agravo, apenas, a requerente (fls. 251/252).<br> A recorrente discutiu, exclusivamente, a questão da situação de fundo (fls. 255/256).<br> Mas a Relação de Coimbra, através do Acórdão de fls. 270 e segs., entendeu dever confirmar a decisão de arquivamento, mas sem entrar no objecto do recurso e apenas porque entendeu que a requerente carece de personalidade jurídica e judiciária e de direito de acção.<br> Novamente inconformada, a requerente interpôs recurso para este Supremo, recebido como revista (fls. 275/276).<br> O S.T.J. mudou a espécie de recurso para agravo pelas razões que indicou no Acórdão de fls. 284/285.<br> Alegando, a recorrente concluiu (fls. 288 e segs.):<br> 1) Nos autos, está a recorrente A, legitimada por "assembleia geral" de 26 de Julho de 1994 e em representação de "B,";<br> 2) O estabelecimento comercial do falecido, ou a sua empresa, independentemente de integrar o património da herança ilíquida e impartilhada do falecido e poder vir a ser, em processo próprio, partilhado, tem direito a continuar a ter vida própria e, consequentemente, a exercer o comércio - ou a produzir bens - nos mesmos termos o vinha sendo pelo falecido;<br> 3) A nova alma da empresa ou estabelecimento é, certamente, dada "pelo gerente nomeado" pelos herdeiros do falecido, como é o caso da recorrente A;<br> 4) Para efeitos do Decreto-Lei 132/93, "empresa é toda a organização dos factores de produção destinada ao serviço de qualquer actividade agrícola, comercial industrial ou de prestação de serviços",<br> 5) É em representação desta empresa, núcleo próprio do património do "de cujus", que a recorrente, legitimamente e, "por isso", dotada de personalidade jurídica e judiciária, se apresentou em Juízo, sendo detentora do direito de acção "peticionado", nos termos do Decreto-Lei 132/93;<br> 6) Assim, o douto Acórdão recorrido violou, abertamente, os artigos 1 e 2 do Decreto-Lei 132/93 (decerto se quis referir o código aprovado pelo artigo 1 do Decreto-Lei 132/93) e, consequentemente, o artigo 25 n. 2 do mesmo diploma.<br> Finalizando, a recorrente pede a revogação do Acórdão recorrido.<br> O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do S.T.J. manifestou-se em sentido oposto (fls. 293 e segs.).<br> Foram colhidos os vistos legais (fls. 296/296 v.).<br> II. O Acórdão recorrido não elencou o circunstancialismo fáctico assente; mas, porque recusamos jurisprudência formalista, não será por aí que vamos enveredar no sentido da não subsistência do mesmo Acórdão.<br> Antes temos admissível que a 2. instância não alterou a fundamentação fáctica que a 1. instância indicara nestes termos (fls. 247):<br> 1) Em 25 de Junho de 1994, ocorreu o óbito de C, o qual desempenhava a actividade de comerciante de compra e venda de materiais de construção;<br> 2) No exercício da sua actividade, como resultantes desta,<br> à data da sua morte, ficaram diversas dívidas com o valor de cerca de 24000000 escudos;<br> 3) Os herdeiros do falecido, em 26 de Julho de 1994, deliberaram prosseguir a actividade comercial que foi deixada por aquele, em nome de "B,", nomeando "gerente" A;<br> 4) A requerente apenas apresentou, como bens do activo, uma carrinha Ford, matrícula ..., um jeep Toyota, matrícula ..., uma carrinha Mercedes, matrícula ..., um veículo ligeiro Mercedes, matrícula ..., um reboque de tractor, 2 moto-serras, uma máquina de lavar carros e um compressor, sendo certo que o património existente é bastante superior já que, em nome do falecido, existem bens imóveis rústicos com os ns. 1209, da freguesia de Alvaiázere, 589, 1292, 2735 e 15841, da freguesia de Maçãs de D. Maria, tendo ainda sido vendidos respectivamente, em 15 de Julho de 1994, a casa de habitação, prédio urbano inscrito na matriz sob o n. 1803, e os prédios rústicos ns. 3040 e 3039, este descrito "na Conservatória", com o n. 2400, pelo preço global de 18000000 escudos e, em 17 de Outubro de 1994, pelo preço de 200000 escudos, um prédio rústico com o n. 662 da matriz respectiva;<br> 5) A folha de caixa encerrada em 31 de Dezembro de 1994, relativamente à empresa, apresenta um saldo positivo de 3586331 escudos.<br> III. Este processo torna-se estranho a partir do momento em que a 2. instância, doutamente mas ao arrepio total da motivação do recurso interposto na 1. instância, não decidiu a problemática desse recurso mas, sim, manteve a decisão de arquivamento por razões opostas às que a 1. instância dera por assentes.<br> Isto é: a confirmação da decisão da 1. instância não resultou das razões invocadas por esta, nem de razões não discutidas pela 1. instância; resultou de uma fundamentação que começou por ser oposta à que a<br> 1. instância dera por assente e não era tema do recurso.<br> Independentemente disso, este é mais um caso que nos aparece em que se podem apontar, juridicamente, dois tipos de perspectivas: uma mais tecnicista, mas apegada aos conceitos e às formas; outra, mais virada para os valores e interesses, para a verdadeira causa-final da existência dos Tribunais e que consiste na resolução dos litígios, em prazo tão razoável quanto possível, nunca contra as prescrições legais mas, decerto, dando a estas o entendimento mais adequado, quanto possível, àquele desiderato.<br> São, aliás, perspectivas que, há muito, já foram objecto de um virar de página na Doutrina jurídica e que, finalmente, a jurisprudência assumiu.<br> E é por aí que vamos.<br> IV. Em Direito, tudo ou quase tudo, é discutível.<br> E, portanto, tudo ou quase tudo, é defensável.<br> Naturalmente, a construção do Acórdão recorrido insere-se nessa perspectiva.<br> Mas temos de integrá-la no plano concreto deste processo.<br> V. Por entre a argumentação que é feita, resultam duas conclusões, aliás faces da mesma moeda, que serviram à 2. instância para confirmar a decisão da 1. instância, mas fora do contexto que o recurso inicial veícula: a requerente do processo carece de personalidade jurídica e judiciária; como não dispõe de direito de acção (fls. 272 v./273).<br> Conforme já referimos, nada disso era tema do recurso para a 2. instância.<br> Pelo contrário, a decisão da 1. instância fora expressa ao reconhecer, além do mais, personalidade judiciária às partes, o que não suscitou qualquer impugnação (fls. 247).<br> Para a 2. instância, só houve recurso da requerente, limitado à problemática de fundo, sem nada a ver com os pressupostos, como resulta do já exposto.<br> VI. Não se ignora que há discussão à volta do alcance da decisão sobre pressupostos processuais, no que concerne a caso julgado formal.<br> Mas, também aqui, se é exacto que a 1. instância não discutiu essa problemática, o Acórdão recorrido também não enfrentou a questão jurídica de haver, ou não, caso julgado.<br> Uma coisa é certa: houve decisão pertinente na 1. instância; o recurso para a 2. instância não a abrangeu mas, sim, outra problemática do mesmo despacho (um despacho pode ter várias decisões). Aliás, nem a recorrente teria legitimidade para recorrer de decisão que lhe fora favorável.<br> Poderia a 2. instância "redecidir", oficiosamente, a questão da personalidade judiciária.<br> Pode haver personalidade judiciária, sem personalidade jurídica (artigo 5 do CPC; Prof. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, "Manual de Processo Civil", 2. ed., 110).<br> Decerto é matéria de conhecimento oficioso.<br> Só que o problema não está aí.<br> O problema está em saber se havia, ou não, caso julgado formal (artigo 672 do CPC).<br> VII. E, aqui, retornamos ao velho problema do alcance do Assento do S.T.J. de 1 de Fevereiro de 1963 (BMJ 124, 414); tirado embora sobre, especificamente, legitimidade, o Assento referido uniformizou jurisprudência prescrevendo a imutabilidade da decisão, salvo superveniência de facto contrário relevante.<br> Mesmo quem discorda daquele Assento, reconhece manifesta possibilidade de aplicação analógica; e é por razão de discordância de fundo que generaliza não a doutrina do Assento mas, sim, a do n. 2 do artigo 104 do CPC, acerca da incompetência absoluta (Prof. A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, "Manual de Processo Civil, 2. edição, 395).<br> Simplesmente e pese embora todo o respeito que a douta opinião em contrário nos merece, não podemos segui-la, principalmente por isto:<br> Exactamente porque se deve entender que o legislador reflecte, adequadamente, o seu pensamento (embora pensamento legislativo seja mais do que pensamento do legislador), não seria razoável que pretendesse a generalidade de uma norma que só prescrevera a propósito de um tipo de competência.<br> Outrossim, no concernente às questões a que se reporta a sua injunção, como é a hipótese vertente, mormente acerca da personalidade judiciária, o julgador está a decidir. E é da decisão que nasce o caso julgado, quando não impugnada. Pode não ter fundamentação mas, isso, é outra questão, ultrapassada exactamente por falta de impugnação subsequente.<br> Finalmente e só para dizer o essencial, nós somos os primeiros a dever respeito à uniformização da jurisprudência, naturalmente até haver outra. Daí que o S.T.J. tenha assumido o sentido abrangente do Assento de<br> 1 de Fevereiro de 1963, e nenhuma razão temos para inverter a orientação (só a título de exemplos: Acórdãos do S.T.J. de 14 de Junho de 1983, in BMJ 328, 593, e de 19 de Junho de 1984, in BMJ 338, 391).<br> Isto, que é matéria de Direito (artigo 664 do CPC), praticamente chegaria para se ver que o Acórdão recorrido não pode ser mantido.<br> VIII. Mas não queremos deixar de abordar outro ângulo, ainda que da mesma questão.<br> Diz-se, conforme já aludido, que a requerente carece de direito de acção.<br> Aliás, perspectiva também ao arrepio do recurso da 1. instância.<br> E, em verdade, isto não é mais que uma vertente da problemática que tem tradução adjectiva, principalmente, na personalidade judiciária.<br> E, naturalmente, não seria adequado que entrasse "pela janela" o que não pode entrar "pela porta".<br> Mas, não querendo deixar também esta questão sem análise e porque é, aqui, que mais se reflecte a perspectiva que temos por adequada acerca da causa-final da Jurisprudência, algo acrescentaremos.<br> O que vem a ser o direito de acção?<br> Importa saber do que estamos a falar, já que o Acórdão recorrido nega esse direito à requerente-recorrente.<br> O direito de acção é o direito a obter uma decisão de um Tribunal ou dos Tribunais, acerca de um alegado litígio. É algo que tem por objecto o exercício do poder jurisdicional e, assim, reveste-se de cariz processual "versus" Estado, distiguindo-se dos direitos que se reportem, directamente, à relação jurídica substancial.<br> Não se trata, aliás, de direito a obter uma decisão favorável mas, sim, direito a obter uma decisão. É, pode-se dizer, relativamente ao Estado, o "preço" da proibição, em princípio, da "justiça" privada: artigos 1,<br> 2 e 3 do CPC; Prof. A. Varela, RLJ 116,379; Prof. Anselmo de Castro, "Lições de Processo Civil", 1964, 1, pág. 40 e 163 e seguintes.<br> Como assim, este chamado direito de acção vem, por um lado, a decorrer da personalidade judiciária - e, sobre isto, já a situação ficou explicitada; e, por outro lado, a identificar-se, no concreto da situação, com a evidência da problemática acerca da qual um autor pretende um pronunciamento jurisdicional, o que foi objecto de decisão da 1. instância, mas não tanto na 2. instância.<br> Tudo isto compagina-se com o sentido específico do código dos processos especiais de recuperação da empresa e da falência, hoje decorrente da aprovação pelo Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, na linha aberta, designadamente, pelo Decreto-Lei 177/86, de 2 de Julho e pelo Decreto-Lei 10/90, de 5 de Janeiro; sendo certo que, antes de nos preocuparmos com regras gerais, temos de atender à normatividade específica.<br> Esta vai tão longe que afasta a velha distinção entre insolvência e falência e privilegia a recuperação das empresas, designadamente atento o significado social que têm, em desfavor da decisão falimentar: v.g. artigo 1 n. 2 do código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93.<br> Ou seja, este processo justifica-se, hoje, à luz de valores e interesses eminentemente sociais face à carência de postos de trabalho e ao significado económico global; muito mais do que como simples meio de divisão de restos por credores, as mais das vezes, quando isso acontece, insatisfazendo todos os interessados.<br> IX. Nesta linha de pensamento, mais do que radicar-se em pessoas singulares ou colectivas, este tipo processual é, hoje, objecto de direito de acção de empresas, excepto daquelas a que se refere o artigo 2 do Decreto-Lei 132/93<br> - o que não é o caso vertente.<br> E, pesem embora todas as construções conceptuais, mesmo quem tenha uma noção mais rigorista da realidade jurídica empresa, não pode deixar de reconhecer que, para efeitos deste processo, releva uma noção pragmática e económica, segundo o artigo 2 do código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93:<br> "Considera-se empresa, para o efeito do disposto no presente diploma, toda a organização dos factores de produção destinada ao exercício de qualquer actividade agrícola, comercial ou industrial ou de prestação de serviços".<br> Sobre este assunto, v.g.: Carvalho Fernandes e João Labareda, "Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, Anotado", 2. ed., 61; Cons. Gama Prazeres, "Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, Anotado e Actualizado", 31.<br> Portanto, do que se trata é de realidades económico-sociais, inseridas na perspectiva deste artigo 2.<br> Outra realidade - que parece ter estado subjacente na orientação das instâncias, desde logo na da 1. - reporta-se ao conjunto patrimonial que poderá responder pelos débitos, e que já terá que ver com a pessoa ou as pessoas titulares da empresa; mas isto será matéria de fundo, na questão prévia como foi aquilo que o Acórdão recorrido tratou.<br> Ora, o artigo 5 do código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93<br> é explícito no sentido de conferir personalidade judiciária e, na perspectiva enunciada, direito de acção às empresas, facilitando o desencadear do processo, ainda que aquelas ajam através do seu titular ou orgão respectivo.<br> X. "Ex abundanti", ainda acrescentaremos o que segue.<br> Sendo explicitado que a empresa em causa pertencia a uma pessoa singular, naturalmente ela inseriu-se na respectiva herança. Mas não se pode dizer que o seu titular está, ainda, indeterminado, por isso que foi documentada e constitui aquisição processual a escritura notarial da habilitação de herdeiros e o mesmo acontece com a unânime atribuição da gestão à aludida A; sendo, ainda, certo que, se ninguém é obrigado a permanecer em indivisão, também nada impede que os herdeiros habilitados, por unanimidade, fiquem titulares em comum.<br> Independentemente de irregularidade formal inócua da forma de apresentação da referida A e, mesmo, de eventual inadequação da junção do termo "Herdeiros", ao nome do falecido titular da empresa (ainda que isso até possa significar intenção de veracidade perante o mercado, aliás na lógica de preceito como o n. 2 do artigo 9 do Decreto-Lei 42/89, de 3 de Fevereiro); em termos de valores e de interesses, o que deve relevar é que a empresa é a mesma que foi e os seus titulares de agora são os herdeiros habilitados do anterior titular e, por unanimidade, no pleno gozo dos seus direitos, encarregaram a aludida A, da gestão, dita "gerente".<br> Tudo isto - repete-se - não prejudica o problema de fundo, nem sequer a definição dos bens que devem responder pelos débitos.<br> E significa que, na perspectiva específica dos valores e dos interesses prosseguidos pelo código aprovado pelo Decreto-Lei 132/93; reconhecendo, embora, alguma falta de rigor formal no petitório; não se justifica que não se prossiga na análise de fundo, na medida em que, efectivamente, foi objecto do recurso para a 2. instância.<br> Consequentemente, não pode subsistir o Acórdão recorrido mas, apenas, para que a 2. instância julgue a problemática do recurso que, efectivamente, lhe foi apresentada.<br> XI. Resumindo, para concluir:<br> 1. Se a 1. instância declarou as partes dotadas de personalidade judiciária e, sobre essa decisão, não houve recurso, não pode a 2. instância, sob pena de ofender caso julgado formal, decidir, oficiosamente, em sentido diferente, ao julgar um recurso que não incida sobre aquela decisão.<br> 2. O direito de acção constitui a faculdade de conduzir os Tribunais a pronunciarem-se e a decidirem um litígio; tem cariz processual, com uma vertente que é um corolário da personalidade judiciária, e um aspecto ligado ao fundo da causa, na caracterização do litígio.<br> 3. O código dos processos especiais de recuperação da empresa e de falência (1993) simplifica os rigores tecnicistas a favor de uma intervenção tendente à recuperação de organizações económicas, independentemente da sua titularidade singular ou colectiva.<br> 4. Isto compagina-se com a personalidade judiciária das empresas, ainda que sem personalidade jurídica.<br> 5. As empresas podem e devem apresentar-se a Juízo, através dos seus titulares ou representantes, quando se encontrem na perspectiva daquele diploma legal.<br> 6. Não estão indeterminados os titulares de uma empresa ou dos bens que a integram, quando todos os conhecidos herdeiros assumem, por habilitação, essa qualidade e cometem, a um deles, a função de dirigir aquela actividade.<br> 7. Não se justificando o não conhecimento do objecto de um recurso pela 2. instância, face a questões que seriam prévias, não pode deixar de revogar-se o Acórdão da 2. instância, para que esta julgue a problemática do recurso que lhe foi endereçado.<br> XII. Donde, concluindo:<br> Ressalvando o devido respeito pela opinião em contrário, acorda-se em conceder provimento ao recurso, na medida em que se revoga o Acórdão recorrido e se determina o retorno dos autos à 2. instância para que esta julgue, se possível com os mesmos Exmos. Desembargadores, o tema do recurso que lhe foi endereçado.<br> Recurso, este, sem custas por, delas, estar isento o Ministério Público, contra-alegante.<br> Lisboa, 23 de Abril de 1996.<br> Cardona Ferreira,<br> Oliveira Branquinho,<br> Herculano Lima.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> <br> A intentou a presente acção com processo ordinario, pelo 2 Juizo da comarca de Ponta Delgada, contra B, C e o Excelentissimo Notario do 2 Cartorio da Secretaria Notarial daquele concelho pedindo se declare a nulidade: da escritura publica celebrada no dia 19 de Fevereiro de 1982 naquele cartorio, constante do documento de folhas 4, e na qual foram outorgantes o autor bem como o reu Antonio; e dos registos referidos na inscrição 79986, a paginas 147 do Livro g-100 da Conservatoria do Registo Predial de Ponta Delgada; subsidiariamente formulou o pedido de inexistencia ou nulidade do negocio, por falta de consciencia da declaração, por parte do procurador do autor nessa escritura publica, de nome D, e a consequente nulidade e cancelamento dos registos acima referidos.<br> A sentença de 15 de Janeiro de 1988 da primeira instancia julgou a acção procedente, declarando nula essa escritura, certificada a paginas 22, dado o seu vicio de forma; e consequentemente declarou nulo o contrato a que ela se refere, com os efeitos de cancelamento dos registos a que tenha dado lugar, e da restituição de tudo o que tiver sido prestado (pagina 108).<br> Os reus apelaram (pagina 110) e a Relação de Lisboa, por acordão de 11 de Outubro de 1990, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença mencionada (paginas 161 a 164 e verso).<br> Os reus recorrem de revista (pagina 166) do acordão da Relação, tendo formulado estas conclusões na sua alegação (pagina 190):<br> I- Em 19 de Fevereiro de 1982, o procurador do autor outorgou, em nome e em representação deste, a escritura objecto deste processo.<br> II- o procurador usou para tanto, uma procuração na qual se especifica o contrato exarado na escritura referida.<br> III- a procuração esta redigida em portugues.<br> IV- o procurador foi portador da procuração e dos demais documentos para a escritura, e deles fez entrega ao ajudante do notario, que lavrou a escritura.<br> V- o procurador ouviu ler a escritura, que o notario lhe explicou na presença de todos os intervenientes, recebeu e compreendeu as leituras e explicação, deu-lhe o assentimento expresso, e assinou a escritura, tudo com consciencia plena.<br> VI- o notario recebeu a declaração de vontade do procurador, o seu assentimento e assistiu a assinatura do procurador, que tudo se passou na sua presença.<br> VII- em 11 de Novembro de 1981, o mesmo procurador outorgou noutra escritura, perante o mesmo notario.<br> VIII- em nenhuma das escrituras o notario entendeu ser necessaria a intervenção de interprete, por o procurador não compreender o portugues.<br> IX- em nenhuma dessas escrituras o procurador mostrou ser necessaria tal intervenção.<br> X- não ficou provado que o procurador so mais tarde teve consciencia do acto praticado.<br> XI- o artigo 79 do Codigo do Notariado exige apenas que o estrangeiro compreenda o portugues bastante para saber o acto que praticara.<br> XII- o procurador sabia e sabe portugues bastante para construir frases e apreender o seu sentido, que não vão para alem do trivial.<br> XIII- o contrato de compra e venda e o mais trivial de todos os contratos da vida actual.<br> XIV- nem o autor nem o procurador arguiram com este fundamento - não compreensão bastante de portugues - ou outro, a validade da escritura de 11 de Novembro de 1981.<br> XV- a qual titula um contrato de sociedade, acto este que nada tem de trivial.<br> XVI- o procurador era e e o dono das outras metades dos predios vendidos - especifica.<br> XVII- todos estes factos constam dos autos, esta acção e o incidente de falsidade que faz parte dela, e são portanto do conhecimento de ambas as instancias, pelo exercicio das suas funções.<br> XVIII- tais factos deviam e podiam ter sido utilizados para a decisão, em ambas as instancias.<br> XIX- o acordão recorrido indicou um facto, que não ficou provado, como fundamento da sua decisão.<br> XX- esta indicação equivale a falta de fundamentação.<br> XXI- e constitui nulidade - artigos 716,I, e 668, I, b, do Codigo de Processo Civil.<br> XXII- a não se entender assim, tal indicação constitui uma irregularidade que influiu directamente na decisão do recurso;<br> XXIII- Tal irregularidade constitui causa de nulidade, nos termos do artigo 201 do Codigo de Processo Civil.<br> XXIV- o acordão recorrido passou em claro a alegação dos recorrentes, dando em resultado que;<br> XXV- não fez o exame e a interpretação do artigo 79 do Codigo do Notariado - o unico ponto em discussão;<br> XXVI- o acordão recorrido esta atingido por nulidade;<br> XXVII- e a sua decisão e contraria aos factos averiguados e provados, e a lei, artigo 79 do Codigo do Notariado.<br> Nestas bases, os unicos reus recorrentes, B e C, pediram (pagina 192):<br> I- seja declarada a nulidade do acordão recorrido;<br> II- se este Supremo Tribunal conhecer do objecto do recurso, seja julgada valida a escritura em referencia bem como o contrato por ela titulado;<br> III- e revogado o acordão recorrido.<br> Não houve outra alegação , na revista.<br> Mantem-se a inexistencia de questões, que obstassem ao seu conhecimento.<br> O acordão da Relação de Lisboa considerou provada a seguinte materia factual, vinda;<br> Da especificação (paginas 162, verso):<br> A - em 19 de Fevereiro de 1982, na Secretaria Notarial de Ponta Delgada - 2 Cartorio - foi lavrada escritura de compra e venda, cuja fotocopia se encontra junta a paginas 22 a 26.<br> B - nela intervieram como outorgante comprador o reu, outorgando D na qualidade de procurador do autor, como vendedor.<br> C - o autor e o referido Lawrence eram donos dos predios descritos na Conservatoria do Registo Predial de Ponta Delgada sob o n. 42031, a paginas 127, verso, do livro B-116, e 39402, a paginas 37, verso do livro<br> B-110, sitos na rua Ernesto do Canto e Estrada da Ribeira Grande, nessa cidade, respectivamente.<br> D - pela dita escritura, o Lawrence, pelo preço global de quatrocentos setenta mil escudos vendeu ao reu a metade de cada um dos dois aludidos predios, de que o autor era dono.<br> E - na escritura não interveio qualquer interprete, que transmitisse ao D verbalmente a tradução da escritura e a sua declaração de vontade ao notario.<br> F - esta dado como reproduzido o Jornal Oficial de paginas 33 a 36 da Região Autonoma dos Açores, no qual se da publicidade a escritura de constituição da sociedade D, Limitada.<br> Do questionario:<br> 1 - o D so sabia e sabe algumas, poucas palavras de portugues, insuficientes para a construção e apreensão do sentido de frases completas com conteudo e alcance para alem do trivial.<br> 2 - o Excelentissimo Notario não dominava, nem domina, a lingua inglesa - a do outorgante - a ponto de lhe fazer tradução verbal do instrumento, como não fez.<br> 3 - não houve escolha nem intervenção de interprete, a traduzir o instrumento, e a transmitir ao Excelentissimo Notario a declaração de vontade do outorgante.<br> 5 - a escritura acima aludida não e a primeira em que intervem o D lavrada pelo Doutor E.<br> 6 - nessa escritura, como na lavrada em 19 de Novembro de 1981 (pagina 34), o referido Excelentissimo Notario não entendeu ser necessaria a intervenção de interprete, nem esta dificuldade foi lembrada pelo D.<br> Quanto a alinea F supra, vinda da especificação na acção principal, consideramos apenas que o Jornal Oficial de paginas 33 a 36 da apontada Região Autonoma deu publicidade a escritura, que refere e não tambem que esse periodico seja tido como base reproduzido, pois o seu conteudo ultrapassa largamente os factos alegados, unicos que podem ser atendidos agora - artigos 226; 713 II; e 669 do Codigo de Processo Civil.<br> As respostas ao questionario, acima referidas, foram dadas na acção principal em 6 de Abril de 1984 (pagina 100), ou seja precisamente no mesmo dia em que se iniciou o incidente de falsidade da apontada escritura de 19 de Fevereiro de 1982,como se constata do processo apenso, cujo desenvolvimento ultrapassa o ambito deste recurso.<br> Apenas cabe referir que o despacho de 26 de Junho de 1984 (a pagina 104 da acção principal) determinou a suspensão desta, ate decisão do incidente de falsidade, e que o apontado despacho transitou em julgado.<br> Não obstante, o Excelentissimo Juiz da primeira instancia proferiu sentença na acção, no dia 15 de Janeiro de 1988, nos moldes mencionados no n. 1 anterior, cerca de um ano antes do acordão de 9 de Fevereiro de 1989 da Relação de Lisboa, que julgou a final o incidente, no sentido da sua improcedencia (pagina 115 e verso do apenso), tendo transitado em julgado.<br> E neste acordão de 9 de Fevereiro de 1989, a Relação de Lisboa julgou provados, entre outros, estes factos (pagina 113 e verso):<br> 1 - ambos os outorgantes da apontada escritura de 19 de Fevereiro de 1982 assinaram-na com completo conhecimento do seu conteudo.<br> 2 - o D usou para a escritura em causa uma procuração redigida em portugues... com menção expressa dos poderes conferidos e indicação do objecto do contrato a realizar, g - o D assistiu a leitura da escritura a explicação do seu conteudo - tudo em portugues - e assinou-a. h - na mesma ocasião, esse procurador assinou uma procuração, que lhe foi lida e especialmente explicada, dada a extensão dos poderes conferidos, tambem sem interprete, por o procurador compreender perfeitamente o portugues.<br> O artigo 84, I, b do Codigo do Notariado afirma que o acto material e nulo, por vicio de forma, quando nele falte (entre outros requisitos): b - a declaraçãodo cumprimento das formalidades previstas nos artigos 79 e<br> 80.<br> Por sua vez, esse artigo 79, n. 1, exige que quando algum outorgante não compreende a lingua portuguesa, intervira com ele um interprete da sua escolha, o qual transmitira, verbalmente, a tradução do instrumento ao outorgante, e a declaração da vontade deste ao notario.<br> Os recorrentes indicam, como fundamento especifico de revista, a violação destes artigos 79, I, por erro de interpretação "... que a sentença cometeu e o acordão sancionou..." (paginas 187 e 190), na medida em que atribuiram a palavra "compreender", o significado de "dominar", a respeito da previsão "...quando algum outorgante não compreende a lingua portuguesa..."<br> Seguindo o mesmo "Novo Dicionario da Lingua Portuguesa" de Candido de Figueiredo", 4 edição, volume I, que os recorrentes usaram (pagina 183), temos que "compreender" bem, entre outros significados aqui sem interesse directo, os de "perceber" "entender" (pagina 497), enquanto que "dominar" significa "exercer dominio sobre; ser senhor de" entre outros sentidos sem aplicação agora (pagina 676).<br> Na essencia, a tese dos recorrentes e esta, neste particular: a sentença da primeira instancia, e o acordão recorrido que a confirmou, deformaram o espirito do artigo 79, I, apontado, ao exigirem um conhecimento mais profundo do idioma portugues - que deveria ser dominado - do que aquele que esse preceito efectivamente fixou, na medida em que se limitou ao "entendimento" do portugues - pagina 187.<br> Se esta critica poderia ter algum cabimento relativamente a sentença da primeira instancia, onde se exigiu que a compreensão da lingua portuguesa pelo outorgante seja de modo a ter o dominio dela, tal como sucede com o notario na situação do artigo 79, III, Codigo do Notariado (pagina 108), o mesmo ja não ocorre com o acordão da Relação o qual, apoiando-se na resposta ao quesito 1 (pagina 163) entendeu logo na folha imediatamente seguinte (pagina 164) estarem provados pontos dos quais resultava que "...o procurado Autor não sabia portugues, em termos de compreender o alcance, o significado e os efeitos e consequencias da escritura sub judice..." (pagina 164); e isto ja que a situação atendivel era a resultante da "...materia de facto atras descrita...", na acção principal.<br> Houve aqui, não obstante a confirmação da sentença da primeira instancia em globo, uma inequivoca atenuação no grau de exigencia do conhecimento do portugues, por parte do outorgante no acto notarial, na interpretação do artigo 79, I, referido, que releva razão a critica dos recorrentes, na medida em que eles colocam em questão agora o acordão da segunda instancia (ver apontada pagina 187).<br> Pelo que temos como não verificado o apontado fundamento especifico da revista: violação da lei substantiva (artigo 79, I, do Codigo do Notariado), por parte do acordão da Relação.<br> Acessoriamente os recorrentes alegaram a nulidade do acordão, dos artigos 668, I, b - 716 do Codigo de Processo Civil, na medida em que o acordão recorrido assentou num facto que não ficou provado: que o procurador do autor não sabia portugues, nos moldes constantes das quatro primeiras linhas desta pagina; tendo sucedido portanto, que esse acordão invocou um fundamento de facto, que não existe nos autos (pagina<br> 189, referido a passagem do acordão recorrido, a pagina 164, linhas 16 a 19), pelo que lhe falta fundamentação.<br> Ora, ai a segunda instancia limitou-se a transpor, para o condicionalismo deste caso concreto, o facto vindo da resposta ao artigo 1 do questionario da acção principal (pagina 100), que mencionara expressamente a paginas 163, 1); pelo que não ocorreu a nulidade arguida, a qual julgamos improcedente.<br> A circunstancia de paradoxalmente a mesma Relação ter julgado como provados (ver apenso da falsidade, pagina 113 e verso, alineas d e h) factos que não se ajustam a apontada passagem de pagina 164 do acordão recorrido, não pode ser encarada no ambito da alegada nulidade de acordão, ja que não retira a inequivoca especificação do fundamento de facto, invocada.<br> Entendem os recorrentes que, mesmo se não vingar a arguição de nulidade dos artigos 716, I, e 668, I, b, a mesma situação e enquadravel no artigo 201, I, do Codigo de Processo Civil, na medida em que o acordão recorrido deu "...o demonstrando como demonstrado, sem qualquer justificação ou demonstração..."; o que "...foi determinante para a decisão e como tal constitui nulidade - Codigo Processo Civil artigo 201 n. 1..." (pagina 189, pagina 191, conclusão 23).<br> Ora,isto não e exacto, pois o acordão recorrido apoiou-se confessadamente nas respostas dadas ao quesito 1 da acção principal, como ficou ja referido; pelo que temos como não verificada esta nulidade de processo, arguida subsidiariamente.<br> E fundamento acessorio da revista a violação de lei processual, que não se traduza em nulidade de sentença ou acordão - A Reis, "Revista de Legislação, 86, pagina 24; Palma Carlos "Recursos", pagina 102; Castro Mendes, "Recursos", pagina 96.<br> Nesta orientação, baseada no artigo 722, I, do Codigo de Processo Civil, enquadra-se o reparo das recorrentes de o acordão da Relação não haver considerado os factos dados como provados no apenso de falsidade e constantes das respostas aos quesitos 1 a 5 respectivos (pagina 186 - 187 - 190 da acção). Aqui e de estranhar que os recorrentes não tenham tambem invocado a resposta dada ao quesito 6º do apenso, segundo a qual, na ocasião da leitura da escritura de 19 de Fevereiro de 1982, em referencia, o procurador Lawrence compreendia perfeitamente o portugues (paginas 32 verso; 55; 59 e 113 verso do mesmo apenso). Essa não invocação ressalva da pagina 186, da acção. Seja como for, o caso e que a Relação ao proferir o seu acordão nesta acção principal, devia ter considerado tambem os factos que ela propria entendera como provados (paginas 113 e 113 verso do apenso em referencia), e que são agora objecto da alegação dos recorrentes, como vimos, e vem de paginas 186 - 187 em especial.<br> Com efeito, tratava-se de factos não provados como os que foram tidos como tal na acção, com interesse para a decisão da causa, e que portanto deviam ter sido discriminados e atendidos na aplicação subsequente do direito - arts. 659, II,e 713, II do Codigo de Processo Civil, e isto tanto mais quanto a sentença da primeira instancia não devia ter sido proferida sem que estivesse decidido transitadamente o incidente da falsidade - artigo 364, I, C, e despacho ja referido de pagina 104 e verso neste processo principal.<br> Na medida em que assim não procedeu, com o pretexto de que o incidente de falsidade improcedera, e que tudo devia passar-se como se não tivesse sido deduzido<br> (pagina 164), e inegavel que a Relação violou, e gravemente, o disposto nos artigos 659, II, e 713, II, indicados. Com efeito, o acordão que proferiu atendeu so a parte dos factos provados, deixando de fora outra muito importante, e de conciliação melindrosa com a primeira.<br> Nesta medida, os recorrentes tem razão, e o acordão da Relação não pode ser mantido, impondo-se a sua revogação.<br> Termos em que concedemos revista, e revogamos o acordão da Relação de Lisboa desse objecto, para que seja proferido outro, no qual se considere toda a materia de facto dada como provada não so na acção, como tambem no apenso de falsidade, e que esteja abrangida pela alegação dos recorrentes de pagina 182.<br> Custas por quem decair afinal.<br> Lisboa, 27 de Novembro de 1991.<br> Beça Pereira,<br> Martins da Fonseca,<br> Vassanta Tamba.<br> Decisões impugnadas:<br> Sentença de 15 de Fevereiro de 1988 de Ponta Delgada;<br> Acordão de 19 de Fevereiro de 1989 da Relação de Lisboa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> O autor A accionou os réus B e mulher C, à sombra dos fundamentos em resumo, os seguintes:<br> Por contrato reduzido a escrito particular em 21-8-86, os réus prometeram vender ao autor o prédio (fracção autónoma para habitação) identificado no contrato pelo preço de 3800000 escudos do qual o autor passou aos réus a título de sinal e principio de pagamento a quantia de 500000 escudos em 22-8-86 e de 300000 escudos em 23-12-86, sendo o restante a pagar no momento da outorga da escritura de venda; tal escritura foi marcada para o dia 22 de Maio de 1987 no 5 Cartório Notarial de Lisboa, à qual os réus não compareceram, pois que em data de 15-5-87 o réu marido enviou carta ao autor comunicando-lhe que desistia da venda e se prontificava a devolver-lhe o dobro do sinal prestado.<br> Concluiu pedindo, com assento e incumprimento definitivo, por parte dos réus, da obrigação de celebrarem o contrato definitivo: a) se produza sentença que produza os efeitos da declaração notarial do faltoso (execução especifica), e subsidiariamente, b) se condenem os réus a pagarem-lhe a quantia de 1600000 escudos (dobro de sinal), ou e também subsidiariamente, c)- a pagarem-lhe a quantia de 800000 escudos (sinal em singelo).<br> Excepcionaram os réus, em contestação, a falta de validade do contrato promessa por quanto a ré mulher o assinou sem consciência do que fazia, acrescendo a falta de reconhecimento presencial das assinaturas e ausência de certificação, pelo notário, da existência de licença de construção do prédio; e impugnando aduzem haver o réu marido resolvido o contrato através de comunicação que faz ao autor, e, de qualquer modo faltam a interpelação dos réus para a escritura; mais acrescentando ser de 5200000 escudos o valor actual do prédio prometido vender.<br> Terminaram por solicitar: a)- a procedencia de falta de validade do contrato; declarando-se a resolução do mesmo na data em que o réu o comunicou ao autor, ou, b)- a improcedência da acção; ou, c)- se altere para 5200000 escudos o preço do negócio.<br> Seguiu o processo os demais trâmites.<br> No despacho saneador, foi considerado como reconvenção a parte da contestação referente à declaração da resolução do contrato e o pedido de fixação em 5200000 escudos, do valor do prédio.<br> O autor veio a agravar desse saneador na medida em que esta admitiu tal pedido reconvencional, como ainda os réus também desse despacho (saneador) apelaram, recursos estes julgados desertos por falta de correspondente apelação, a folhas 192 verso do acórdão recorrido.<br> Afinal e após o julgamento foi ditada a devida sentença que:<br> 1- julgou procedente a acção quanto ao pedido principal considerando transmitida para o autor a propriedade do prédio questionado, pelo preço de 3800000 escudos; b)- julgou improcedente a reconvenção, decisão esta que via recurso dos réus obtem a confirmação da competente<br> Relação.<br> Novamente e por inconformados recorrem os réus para este Supremo Tribunal, aliás concluindo uma capaz celebração: a)- o acórdão recorrido faz incorrecta interpretação e aplicação da cláusula 4 do contrato promessa, além de ter incorrido em erro de julgamento; b)- o pedido de execução especifica foi introduzido em juizo sem obediência ao formalismo legal, por não ter havido, por parte dos recorrentes o incumprimento definitivo; c)- de acordo com a cláusula 4 do contrato a escritura deveria ter tido lugar até 1.2.86; d) a transformação do prazo incerto em prazo certo dependia, conforme o contrato, de acordo a celebrar entre as partes. e)- o recorrido, ao marcar a escritura, fê-lo contra o contrato; f)- o comportamento dos contraentes revela existencia de incumprimento bilateral, pelo que estara excluido o direito a execução especifica ou a resolução do contrato; g)- o comportamento culposo das partes reflectira-se de forma negativa na esfera económica dos recorrentes, beneficiando por duas vias o recorrido; h)- como consequência do incumprimento bilateral deverá aplicar-se o artigo 570 do Código Civil, com a consequente restituição do sinal em singelo; i)- a mesma conclusão ia chegando por aplicação dos artigos 805 n. 2 a) e 804 n. 2 do Código Civil, dado que o prazo para a celebração da escritura era incerto e nenhuma das partes interpelou a contraparte; j)- a quando do acto resolutório de 15-5-87 o recorrente marido agiu legitimamente ao abrigo dos artigos 801 n. 2, 802 e 793 do Código Civil, dada a inexistência de interpelação valida, por força do artigo 436 n. 1 daquele Código; k)- a resolução por parte do recorrente foi legitima; l)- o comportamento das partes deverá caracterizar-se como incumprimento bilateral e perca de interesse mútuo na realização da prestação, a dos recorrentes manifestada no acto rescisório, e a do recorrido por inércia; m)- a violação bilateral do contrato exonerou os contraentes; n)- quanto ao pedido alternativo deverá aplicar-se o artigo 437 n. 1 do Código Civil, dada a alteração desproporcionada das circunstâncias que levaram as partes aos contratos; o)- o preço fixado deverá ser alterado tendo em conta os juízos de equidade e vontade insita das partes, no contrato; p)- o acórdão recorrido contém nulidades insanáveis.<br> Contra alegando defende o autor, o julgado.<br> Corridos os vistos, há que decidir.<br> Frise-se antes de mais a matéria fáctica assente nos autos e que é a seguinte:<br> 1- mostra-se inscrita a favor dos réus sob o n. 30225 a folhas 2 do Livro g.49 da 7 Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a aquisição por compra, da fracção E correspondente ao 2 andar esquerdo do prédio urbano com os ns....., sito na Rua ..., Lisboa, e descrito sob o n. 1658 a folhas 57 do Livro B-6 da mesma Conservatória;<br> 2- mostra-se inscrito sob o n. 3863 a folhas 180 do Livro F-8 da mesma Conservatória a constituição da propriedade horizontal do prédio referido;<br> 3- por contrato reduzido a escrito celebrado em 21 de<br> Abril de 1985, os réus prometeram vender ao autor a fracção autónoma acima referida inteiramente livre e desembaraçada de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de 3800000 escudos;<br> 4- nos termos da cláusula 3 do contrato promessa, do preço acordado devia o autor pagar aos réus no acto da entrega do dito contrato promessa, a titulo de sinal e principio de pagamento, 500000 escudos, e a restante parte do preço, 3300000 escudos, no momento de outorga de escritura pública de compra e venda;<br> 5- foi expressamente acordado na cláusula 5 do contrato promessa que em caso de não cumprimento deste por causa ou causas impensáveis aos ora réus, o autor poderia, em alternativa, exigir dos ditos réus o dobro do que houvesse prestado como sinal e principio de pagamento, ou requerer a execução especifica do contrato nos do artigo 830 do Código Civil;<br> 6- o autor entregou aos réus em 22 de Abril de 1986 a quantia de 500000 escudos, a título de sinal e principio de pagamento , tendo os réus dado a correspondente quitação;<br> 7- o autor entregou ainda aos réus em 23-12-86 como reforço de sinal, a quantia de 300000 escudos;<br> 8- em 22 de Maio de 1987 os réus não compareceram no 15<br> Cartório Notarial de Lisboa, para nessa data celebrarem com o autor (que para isso ali compareceu) a escritura de compra e venda da fracção autónoma E em causa, que não foi celebrado por motivo de os réus não terem comparecido;<br> 9- com data de 15 de Maio de 1987, recebida pelo autor em 18 desse mês, o réu marido enviou ao autor a seguinte carta:<br> "Exmo. Senhor Dr. A:<br> Venho por este meio comunicar-lhe que por assuntos familiares desisto da venda do meu andar pelo qual já tinha feito ao senhor Dr. um contrato promessa de compra e venda e que me foi prestado como sinal, pela 1 vez, 500000 escudos, e pela 2 vez 300000 escudos;<br> 10- e acrescentava:<br> "uma vez que desisto da venda do mesmo, obrigar-me-ei a respeitar a cláusula 6 do mesmo que é devolver-lhe o dobro do sinal que me foi prestado:<br> 11- ainda antes de ter recebido do réu marido a carta de 15-5-87 acima referida, o autor avisou os réus para comparecerem no dia marcado, para celebrarem, digo, marcado para a escritura, pelas 11h e 30 no 15 Cartório<br> Notarial de Lisboa, para o efeito de celebrarem o contrato de compra e venda da fracção autónoma em causa:<br> 12- os réus não compareceram nesse dia, hora e local para a celebração da escritura, apesar de o autor o ter feito.<br> Posta esta factualidade há que avançar para o derimir do litígio.<br> Através do contrato base do pleito os réus prometeram vender ao autor o objecto da promessa a que respeita o documento respectivo de folhas 21 (a fracção autónoma aí individualizada).<br> O autor nesse contrato nada prometeu comprar, embora, para ulteriores efeitos houvesse passado sinal a favor dos réus.<br> Consubstancia por isso o contrato, simples promessa unilateral de venda, por parte dos réus, cujo beneficiário contraposto seria o autor.(cf. acórdãos do S.T.J. in Bol. 244 pág. 253 e Bol 268 pág. 211).<br> Evidente será que o autor como dito beneficiário de promessa de venda, poderá extrair os devidos reditos da vinculação a que os réus se submeteram através do dito contrato.<br> E porque tal pretender via principal a execução especifica do contrato.<br> Vem este autor a referenciar incumprimento em que teriam incorrido os réus por não se haverem apresentado<br> à escritura designada pelo autor (para delimitação do contrato).<br> Só que será preciso atentar na cláusula 4 desse contrato, onde se dispõe:<br> "a escritura de compra e venda será celebrada em data a acordar pelas outras partes.... até ao dia 1 de Fevereiro de 1987".<br> Significa isto que não impendia sobre qualquer deles a obrigação de presidenciar sobre a realização de escritura, nem que ficasse ao arbitrio de qualquer deles, mas apenas que a sua realização deveria ter lugar após marcação por acordo. E se acordo não houvesse, então a parte interessada haveria que recorrer aos devidos meios legais (nomeadamente fixacção judicial de prazo para o efeito).<br> Disto deriva ser inócua e sem consequências para os réus a marcação que para a escritura faz o autor, já que para tal lhe falharam os legais e contratuais poderes.<br> A escritura tinha prazo determinado para a sua efectivação (conforme cláusula 4 do contrato).<br> Porém tal prazo decorreu sem que a mesma houvesse lugar.<br> Ora, e neste ponto, tendo a obrigação determinado prazo para cumprimento, a sua não realização nesse prazo poderia conduzir à ideia de caducidade do contrato, se tomado ele como fixo ou absoluto e no entendimento de que decorrido ele, o negócio ficaria sem efeito.<br> Contudo, no caso presente tal entendimento não é de acolher, não só porque não foi alegado nesse sentido, mas ainda porque e na dúvida, se deve considerar que, esgotado o prazo, o contrato não caducou, acrescendo ainda a circunstância de o autor pugnar pelo seu cumprimento, e os réus não praticarem desinteresse pelo mesmo (em moldes objectivos, que não alicerçados apenas em razões subjectivas de querer ou não querer).<br> Daí conclusão da manutenção da vitalidade do contrato.<br> Mas o réu marido, através de escrito que dirigiu ao autor (folhas 26), desiste pura e simplesmente do contrato. Quer dizer, não se apresenta a dar-lhe concretização, disto derivando à sociedade não ter o autor que impulsionar qualquer actividade interpelatória dos réus, para tal concretização; na verdade, tal traduzir-se-ia em mera redundância uma vez que se não compreenderia que se tentasse colocar em situação de incumprimento aquele que antecipadamente disse ou declarou não querer cumprir.<br> A final e em sequência de tudo o explanado, o autor enveredou directamente e em via principal, pela execução especificando contrato promessa.<br> Tal lhe é permitido desde já, atenta a recusa dos réus ao cumprimento.<br> Refere o Professor Galvão da Silva, in Sinal e execução especifica do contrato promessa - Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial, II, 1989 a página 365 e seguintes:<br> "o recurso à execução especifica que não passa do direito ao cumprimento (realização de prestação pelo devedor), através dele se obtendo o seu resultado prático com a sentença (constitutiva) a produzir efeitos de declaração negocial do faltoso - por parte do credor só tem sentido quando perdure o interesse deste na execução (ainda) possivel, embora retardada, do contrato promessa.<br> Isto é, o recurso à execução especifica pressupõe um atrazo no cumprimento, ou provisório cumprimento<br> (simples mora, recusa do cumprimento de promessa) a que o credor lança mão para evitar o incumprimento definitivo ou falta definitiva de cumprimento, justamente porque ainda é possivel e útil para si o resultado prático do cumprimento (de execução) retardado.<br> Sempre que haja incumprimento definitivo ou falta de cumprimento definitivo, não tem cabimento a execução especifica, recorrendo o credor à resolução (extinção) do contrato, com a indemnização compensatória determinada nos termos do artigo 442".<br> Contudo os réus contrapõem que através do escrito de folhas 26 o réu marido enveredou pela resolução do contrato, o qual assim teria ficado desfeito.<br> A resolução pode, é certo, fazer-se mediante declaração<br> à outra parte (artigo 436 n. 1 do Código Civil).<br> Só que a tal declaração unilateral pode a parte contraria fazer oposição (não aceitando) ao infundado da resolução (cf. Prof. Vaz Serra, Resolução do contrato pág. 227 e seguintes; Prof. Pires de Lima e A. Varela in Código Civil anotado, em comentário ao artigo 436).<br> O autor não aceita a resolução, como decorre do conjunto do seu petitório, e os réus não a praticam devidamente e sem imputação ao autor de qualquer situação (por parte deste) que a legitimasse.<br> Logo a pretensão de resolução do contrato, por banda dos réus, carece de fundamentos.<br> Assim e pelo que se deixa dito, a pretensão do autor<br> (pedido principal), tem foros de êxito.<br> Isto quanto à acção.<br> No que respeita à reconvenção.<br> O pedido de resolução do contrato, que os réus formularam, improcede pelas razões acima deixadas ditas.<br> No que toca à alteração do preço do objecto prometido vender, dir-se-á não ser de considerar verificada a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão do contrato, pois que as condições em que negociaram se tornaram firmes e certas no momento da contratação. A pretensão do preço, em geral, das coisas, não contende com a base do negócio que fizeram e que quiseram.<br> Admitir-se o contrário seria lançar grave incerteza na segurança e estabilidade da contratação.<br> Assim fica afastada, no caso, a precisão do artigo 437 do Código Civil.<br> Demais o valor dado à reconvenção (despacho de folhas<br> 90 verso), foi precisamente o mesmo que consta do contrato promessa.<br> Pelo exposto se acorda em negar a revista.<br> Custas pelos reus recorrentes.<br> Lisboa, 4 de Fevereiro de 1992.<br> Miguel Montenegro,<br> Rui de Brito,<br> Fernando Fabião.<br> Decisões impugnadas:<br> I- Sentença de 89.10.06 do 15 Juízo Cível de Lisboa;<br> II- Acórdão de 90.11.15 do Tribunal da Relação de<br> Lisboa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> I. Pela Comarca de Santo Tirso, "A, Lda" propôs esta acção declarativa ordinária contra "B, Lda". A autora pediu a condenação da ré a pagar-lhe 1514752 coroas suecas, bem como juros vincendos.<br> Através do saneador-sentença de fls. 187 e segs., a acção foi julgada improcedente, por se ter entendido que a causa de pedir não poderia conduzir ao pedido.<br> A autora apelou.<br> E a Relação do Porto, em 22 de Abril de 1996, proferiu o Acórdão de fls. 227 e segs., revogando o saneador-sentença e determinando o prosseguimento do processo, designadamente com elaboração de especificação e questionário.<br> Recorreu a ré, de revista (fls. 234).<br> No S.T.J., o relator emitiu o parecer de fls.244, no sentido de que não poderia conhecer-se deste recurso.<br> A recorrente manifestou-se em contrário (fls.245 e segs.).<br> Foram colhidos os vistos legais.<br> II. Em 13 de Abril de 1994, este Supremo emitiu o seguinte Assento (n. 10/94 - D.R., 1. Série, de 26 de Maio de 1994):<br> "Não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que, revogando saneador-sentença que conhecera do mérito da causa, ordena o prosseguimento do processo, com elaboração da especificação e questionário".<br> Sem qualquer sombra de dúvida, tal é, essencialmente, a hipótese vertente.<br> Daí que a posição da recorrente se baseie em contraditar que este Assento como quaisquer Assentos, seja motivo de decisão, hoje.<br> Decerto nós não vamos entrar, aqui e agora, na discussão da problemática de fundo, para se saber se o Assento deve, ou não, ser respeitado. Isso equivaleria à inversão da ordem dos problemas, fazendo levar o entendimento das regras do enquadramento nuclear conforme o resultado da situação casuística. Seria desconcerto a mais.<br> III. Tudo se reduz, assim, à nova perspectiva do valimento dos Assentos.<br> Para tanto dilucidarmos, não vamos sequer discutir dúvida séria sobre a constitucionalidade do n. 2 do artigo 17 do Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro de 1995 ("Os Assentos já proferidos têm o valor dos Acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732-A e 732-B" - do CPC).<br> Sobre este aliciante tema, chamamos a atenção para um douto trabalho do Professor Menezes Cordeiro, na Revista da Ordem dos Advogados, ano 56, Janeiro de 1996, páginas<br> 309 e segs.<br> Para além dessa discutibilidade constitucional de norma que, no terreno da separação de poderes, veio atingir Jurisprudência transitada e situações constituídas sob o seu abrigo, atenhamo-nos a algo mais simples e mais incontroverso.<br> IV. A recorrente parte de uma forma de entendimento do Tribunal Constitucional, acerca do artigo 2 do C.CIV., que já temos ouvido e que, salvo o devido respeito, transmite uma perspectiva que não é a do Tribunal Constitucional cuja concepção, nessa específica matéria, tem de ser sopesada, face ao seu Acórdão com força obrigatória geral n. 743/96, processo 240/94, de 28 de Maio de 1996, publicado no D.R., 1. Série, de 18 de Julho de 1996.<br> E este Acórdão é tão actual que até foi ao ponto de se reportar à recente reforma processual civil.<br> Ao contrário do que se tem lido e ouvido, este Acórdão não declarou inconstitucionalidade do normativo viabilizador dos Assentos. "Expressis verbis", só declarou inconstitucionalidade do segmento generalista do artigo 2 do C.CIV., que viabilizava a força obrigatória para fora da orgânica judicial.<br> Clara e abertamente, esse entendimento constitucional manteve a obrigatoriedade na pirâmide dos Tribunais Judiciais, inclusive o S.T.J., e até que este mesmo emita algo com a mesma força em sentido contrário.<br> Veja-se esta frase que deveria ser, genericamente, lida e meditada:<br> "Mas, neste quadro de caracterização normativo-processual do instituto, o facto de os Juízes dos Tribunais integrados na ordem do Tribunal emitente do Assento (até mesmo os deste Tribunal enquanto não se operar a sua reversibilidade) ser imposta a aplicação da doutrina nela contida não apresentará violação da sua independência decisória?<br> Tem-se por seguro que não".<br> Decerto a lei poderia, pura e simplesmente ter acabado com a uniformização de Jurisprudência da competência do S.T.J.<br> E os Juízes deste Supremo, excessivamente assoberbados com processos, com a orgânica e os processamentos que existem, até poderiam ficar menos preocupados. Mas, a clareza e a segurança que resultam dessa uniformização são importantes para os cidadãos e, naturalmente por isso, a uniformização foi mantida, embora se tivesse eliminado a palavra Assento. Só que não é das palavras que o Direito vive, é do seu conteúdo.<br> E embora o Decreto-Lei 329-A/95 tivesse criado algumas dúvidas - não obstante a clareza do condicionante artigo 7 alínea e) da Lei 33/95, de 18 de Agosto (autorização legislativa) e, ainda, a circunstância objectiva, ilustrativa do pensamento legislativo, demonstrar que não estaria em causa o simples instituto do julgamento por secções reunidas, atenta a revogação do n. 3 do artigo 728 do CPC; certo é que as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, repondo a publicação na 1. Série do D.R. (o que não pode ser aparência de nada) e tornando sempre passível de recurso o não cumprimento da uniformização - artigo 732-B n. 4 e<br> 678 n. 6 do CPC - tudo isto só pode ser a evidência de que fixar e uniformizar Jurisprudência, em Direito, ainda continuam a significar o que a língua Portuguesa indica.<br> V. Tudo isto leva a que a orientação do aludido Assento continue vinculativa, até que o próprio S.T.J., em tramitação processual adequada e por razões que sejam ponderosas, decida alterar essa doutrina. Mas isso só deverá ser feito perante razões muito firmes, genéricas, sob pena, quando assim não fosse, de se desrespeitar a própria segurança que é a raiz de qualquer uniformização.<br> Aliás, no caso vertente, o Acórdão de que resultou o Assento 10/94 explica, claramente, a orientação assumida.<br> IV. Resumindo, para concluir:<br> 1. Através de Acórdão com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional não definiu inconstitucionalidade dos Assentos, mas, apenas do segmento do artigo 2 do C.CIV. que extravasava da ordem judicial.<br> 2. Uniformizar ou fixar Jurisprudência tem o mesmo significado na ordem judicial, até revisão da cada Assento ou nova uniformização de Jurisprudência pelo próprio STJ (não vem ao caso alteração da lei interpretada ou interpretanda).<br> 3. Neste contexto, continua vinculativo, na ordem judicial, o Assento do STJ 10/94, não viabilizando recurso, para o STJ, de Acórdão da 2. instância que revoga saneador-sentença e se limite a mandar prosseguir o processo.<br> 4. Donde, concluindo:<br> Acorda-se em não tomar conhecimento deste recurso.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 4 de Março de 1997.<br> Cardona Ferreira.<br> Aragão Seia.<br> Herculano Lima.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- No 3. Juízo Cível de Oeiras A, casada, frente a mandado de despejo relativamente à casa de morada de família, onde vive com o executado, seu marido, deduziu embargos de terceiro, por não ter intervido na respectiva acção de despejo.<br> Houve oposição à dedução dos embargos, dado que a embargante não outorgou o contrato de arrendamento discutido na acção de despejo, não se lhe tendo comunicado a posição de arrendatária, sendo ainda certo que o artigo único da Lei n. 35/81, de 27 de Agosto, não atribui ao cônjuge não arrendatário qualquer direito de natureza substantiva.<br> Por sentença os embargos foram julgados improcedentes.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação de Lisboa - folhas<br> 170 a 175 - confirmou o decidido.<br> 2- Daí a presente revista.<br> A embargante recorrente nas suas alegações conclui, em resumo: a) Para a recorrente, que não foi demandada na acção de despejo, como devia ser para a decisão lhe ser oponível<br> - Lei n. 35/81 ao instituir um litisconsórcio necessário passivo de ambos os cônjuges - o arrendamento de casa de morada de família continua a subsistir. b) A recorrente tem um direito subjectivo a fazer valer os poderes de gozo e uso inerente a esse arrendamento iguais aos conferidos ao próprio cônjuge arrendatário.<br> Em contra alegação os embargados pugnam pela bondade do decidido, estibando-se no carácter excepcional do n. 2 do artigo 1037 do CPC.<br> 3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4- Está provado pela Relação: a) B, por contrato de 1 de Abril de 1969 cedeu a C o uso e fruição para habitação do prédio urbano designado por M-3-A, sito na Rua ..., em Laveiros, freguesia de Paço de Arcos, concelho de Oeiras, mediante a contrapartida monetária mensal de 2200 escudos b) C e A casaram um com o outro em 22 de Junho de 1969 c) A partir de 22 de Junho de 1969 e até hoje a embargante e o C fazem naquele prédio o centro da sua vida doméstica, aí dormindo todos os dias, aí tomando as suas refeições e aí recebendo amigos e familiares ininterruptamente. d) B instaurou acção de despejo contra o C, sendo então, na altura, aquela dona e senhoria do prédio convertido e) Na referida acção veio a ser proferida, em 3 de Outubro de 1985, sentença a julgar procedente e provada tal acção e o Réu condenado a despejar o aludido prédio, vindo depois tal decisão a ser confirmada por Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Novembro de 1987 f) A referida B instaurou execução da referida sentença contra o C e tendo aquela falecido na sua pendência vieram os ora apelados no competente incidente a ser habilitados a intervir em tal processo executivo na qualidade de sucessores da exequente g) Transitado em julgado o Acórdão de 24 de Novembro de 1987 e instaurada a aludida execução foi passado o competente mandado de despejo, que viria a dar origem aos presentes embargos de terceiro.<br> 5- Discute-se tão somente se em execução de mandado de despejo - artigo 59 do R.A.U. - o cônjuge não accionado na respectiva acção de despejo, onde não se levantou qualquer questão sobre ilegitimidade - pode ou não deduzir embargos de terceiro contra tal execução.<br> É problema largamente controverso na doutrina e na jurisprudência, embora a do Supremo Tribunal de Justiça apoie a tese defendida pelas instâncias.<br> A dificuldade reside nuclearmente no facto de não haver disposição legal que contemple tal situação.<br> Assim por desnecessidade de interpretação de norma, há que surpreender o sistema.<br> O douto Acórdão recorrido ao confirmar a sentença que julgou improcedentes os embargos sentiu que "pode ser, eventualmente imoral e injusta tal solução jurídica, no entanto e nos termos do n. 2 do artigo 8 do Código Civil o juiz não deve eximir-se, ao cumprimento da lei com tais fundamentos" - fls. 175.<br> Só que outra poderia e deveria ter sido a decisão.<br> 6- É o que vamos procurar demonstrar ainda e sempre dentro do sistema.<br> A acção de despejo referida foi intentada só contra o arrendatário C, pessoa que outorgou o respectivo contrato de arrendamento, quando ainda era solteiro, mas que já estava casado com a ora embargante no momento em que ali foi accionado.<br> A embargante nunca teve intervenção naquela acção de despejo.<br> Ficou de fora daquele quadro mínimo de requisitos, girando em volta da relação processual, a ser conhecido pelo tribunal por forma a ulteriormente poder habilitá-lo a conhecer a relação jurídica substantiva em questão.<br> É sabido que muito se discutiu na vigência do Código de Processo Civil, actualizado em 1995, se a falta, no caso em apreço, da mulher do arrendatário, se situaria a nível da capacidade ou da legitimidade.<br> "A capacidade é um modo de ser ou qualidade do sujeito em si.<br> A legitimidade supõe uma relação entre o sujeito e o conteúdo do acto e, por isso, é antes um modo de ser para com os outros" - Prof. M. Pinto, Teoria Geral, Pág. 255.<br> Ali o sujeito é considerado menos apto ou até inapto e nesta natural deficiência está a ratio da protecção do seu próprio interesse.<br> Aqui, na legitimidade, o sujeito é plenamente apto, mas a tutela de interesse alheio impõe o chamamento do seu titular.<br> A casa de morada da família recebeu protecção com a Reforma de 77 com a introdução no Código Civil dos artigos 1682-A n. 2; 1682-B; 1775; 1778; 1793; 2103-A e 2103-C.<br> Procurou-se a defesa do direito à habitação do cônjuge e respectivo agregado familiar, em projecção ao princípio constitucional vasado no artigo 65.<br> Interligando-o à ideia de família fundada no princípio da igualdade entre os cônjuges e com direito à protecção da sociedade e do Estado - artigo 65, 36 n. 3 e 67.<br> Pena é que tenham sido factores políticos e económicos que ocasionalmente tenham adaptado a nossa legislação aos padrões constitucionais.<br> Impõe-se uma estabilidade jurídica que encerre em si equilíbrio e eficácia.<br> Atenta a protecção à casa de morada de família, frente aos artigos 18 e 19 do Código de Processo Civil actualizado em 85 sempre defendemos que a falha de presença do cônjuge na acção de despejo implicaria um problema de ilegitimidade e não de incapacidade.<br> Há capacidade.<br> O que falta é a possibilidade de sózinha tomar posições para proteger a estabilidade e a unidade da família.<br> Daí o aparecimento natural da Lei n. 35/81, de 27 de Agosto, em defesa da igualdade dos cônjuges em acção que implique perda de direitos.<br> No seu artigo único, n. 1, preceitua-se "sem prejuízo do disposto no artigo 19 do Código de Processo Civil e no artigo 1682-B do Código Civil, devem ser propostas contra marido e mulher as acções... designadamente as que tenham por objecto directa ou indirectamente a casa de morada da família".<br> O Parecer do Sr. Deputado, Dr. Jorge Sampaio - Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias - sobre o projecto que esteve na base daquela lei, é elucidativo quanto à intenção clarificadora desta lei, frente aos artigos 18 e<br> 19 do Código de Processo Civil e 1682-B do Código Civil, sem que, contudo, se possa dizer que estamos perante uma lei de carácter interpretativo "a resolução do arrendamento pedida pelo senhorio não pode ser decidida sem a intervenção do cônjuge não titular do direito ao arrendamento".<br> Estamos, pois, perante um caso de litisconsórcio legal passivo.<br> Semelhantemente no Código de Processo Civil novo que, revogando os citados artigos 18 e<br> 19, manteve no artigo 28-A n. 3, em referência ao n. 1, a necessidade legal de semelhante acção dever ser proposta contra marido e mulher.<br> Protecção à casa de morada de família ainda vasada nos artigos 64 n. 2 alínea c), 84 e 85 do R.A.U.<br> A assinalada imposição processual de litisconsórcio passivo, ao proporcionar a defesa do arrendamento da casa de morada da família visando assegurar a continuidade do seu uso e fruição pelo casal e família que os cônjuges constituiram, terá de ter reflexo na dinâmica de defesa do arrendamento.<br> E tem, como veremos.<br> No douto Acórdão recorrido critica-se a recorrente de não ter deduzido, no momento oportuno, o competente incidente para intervir na acção de despejo ao lado de seu marido.<br> Não é correcta esta crítica: a recorrente com a sua passividade poderia pensar que, na pior das hipóteses, sempre oportunamente poderia socorrer-se, como se socorreu, dos embargos de terceiro.<br> 7- Analisemos, pois, os embargos.<br> No nosso direito os embargos de terceiro são um meio de tutela da posse.<br> Foram-no sempre, ensina o Prof. Anselmo de Castro, Acção<br> Ex. Sing. Comum e Especial, Pág. 347.<br> Cremos que tal não é inteiramente exacto, pois nas Ordenações Filipinas tinham por base a propriedade ou a posse causal.<br> Mas o certo é que como meio de tutela da posse foram considerados, reconhecidos e regulados na Lei de 23 de Dezembro de 1761 e daí passaram para Novíssima Reforma Judiciária - artigo 635.<br> Eram, contudo, um incidente de execução destinado a obter o levantamento de penhora ou da apreensão de bens já efectuada (entrega judicial e arresto) - artigo 922 e 378 do Código de 1876.<br> Posteriormente, Decreto de 15 de Setembro de 1892, artigo<br> 91 e 153, e o Decreto n. 21287 e o artigo 20 do Decreto 5411, foram estendidos: ao arrolamento, à posse judicial e ao acto executivo de despejo.<br> Agora têm a categoria de processo especial, englobando todos aqueles e ainda "qualquer outra diligência ordenada judicialmente" - artigo 1037 n. 1.<br> O novo Código de Processo Civil revogou este artigo e tratou os embargos de terceiro, como incidente da instância, consignando no n. 1 do artigo 351 que o embargante, além da posse, pode través deles, defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num acto de agressão patrimonial.<br> Quanto aos embargos de terceiro a nível de direito comparado - espanhol, italiano, francês, alemão e brasileiro - ver Dra. Maria do Rosário Palma Ramalho - ROA, 1991, Dezembro, Ano 51, Pág. 653 e 662 e 663.<br> 8- Sabido que é a situação possessória do terceiro que fundamenta os embargos, há que surpreender o regime traçado pelos artigos 1251, 1252 e 1253, todos do Código Civil.<br> Ao separarem a posse da detenção estariam, em princípio, a afastar a tutela possessória a situações qualificadas como de detenção - situações onde enquadram os embargos de terceiro - por simplesmente faltar a posse.<br> Pelo artigo 1253 do Código Civil são havidos como detentores ou possuidores precários, alínea c) "os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuam em nome de outrem".<br> E aqui estão, entre outros, o locatário, o comodatário, o parceiro pensador e o depositário.<br> E estes gozam de tutela possessória: artigo 1037 n. 2;<br> 1125 n. 2; 1133 n. 2 e 1188 n. 2 do Código Civil.<br> E porquê?<br> A resposta a esta pergunta é uma das chaves que abre a solução da questão em apreço.<br> 9- Pelo n. 2 do artigo 1037 do Código Civil o locatário "privado da coisa ou postulado no exercício dos seus direitos" pode recorrer aos meios possessórios.<br> Onde se incluem os embargos de terceiro - artigo 1285.<br> Visa-se a defesa da coisa locada frente a actos que vão impedir ou diminuir o gozo pelo locatário, mesmo praticados pelo locador.<br> Choca-se a posse formal do locatário por ser em nome alheio, em primazia, com a posse causal e daí própria do locador.<br> O mesmo se passa com a sublocação lícita, ao estabelecer relações directas entre o sublocatário e o locador.<br> Com efeito, na vigência do contrato, ao sublocatário são facultadas acções possessórias - artigo 1276 e seguintes - mesmo contra o locador.<br> Tem-se julgado:<br> - em face do contrato de arrendamento que dá poderes de fruição e uso à coisa locada pelo arrendatário;<br> - em face da posse real e efectiva do locador exercida em seu nome pelo locatário.<br> Qual é então a natureza da norma do n. 2 do artigo 1037 do Código Civil?<br> Dizem uns - Prof. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, anotação ao artigo 1251 "A aceitação desta concepção subjectiva da posse - exigência do animus - levou o legislador, por motivos de equidade, a conceder excepcionalmente a defesa possessória em casos em que não existe posse por parte do detentor, por falta do animus possidendi (cfr. artigo 1037 n. 2, 1125 n. 2, 1133 n. 2 e 1188 n. 2)".<br> Esta tese de excepcionalidade é paralelamente defendida pelo Prof. Orlando Carvalho, RLJ ano 122, Pág. 69.<br> E encontra apoio jurisprudencial, por todos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 1986, Bol. 356, Pág.<br> 291.<br> Ela é, assim, consequentemente um dos sustentáculos para fundamentar a tese da impossibilidade dos presentes embargos.<br> Tudo partindo da ideia que o artigo 11 do Código Civil, permitindo a analogia legis, só não permite a analogia iuris, proibindo, assim, transformar a excepção em regra, ou seja, tomando como ponto referenciável os casos taxativamente enunciados pela lei, deles induzir um princípio geral que venha abarcar os não previstos.<br> Dizem outros - Prof. O. Ascensão, Direitos Reais, 1971,<br> Pág. 284 e 285 que tais situações são tuteladas pelos meios possessórios por precisamente serem susceptíveis de posse, posse causal do sujeito: tudo "por mera interpretação extensiva, a integrar estas hipóteses na previsão do artigo 1251".<br> Recurso a interpretação extensiva, mas do artigo 1037 n. 2, levou o Ac. da Relação de Lisboa de 14 de Julho de 1987, C.J. XII, 1987, Tomo 4, Pág. 134 a formar doutrina que levaria à procedência destes embargos.<br> Na mesma linha, Prof. M. Cordeiro, D. Reais, Pág. 996 e 1001 e da Natureza do Direito do Locatário, vendo a situação abrangida pelo próprio artigo 1251 - posse causal - e não no artigo 1253 alínea c).<br> Dirão ainda outros - Dra. Maria do Rosário Palma Ramalho R.O.A., Dezembro 1991, Ano 51, Pág, 683, que as situações em apreço, sendo de simples detenção, cabem na alçada da<br> 2. parte da alínea c) do artigo 1253.<br> Aqui se defende um interesse próprio do possuidor em nome alheio, interesse que se repercute na possibilidade de uso e fruição do bem, objecto do contrato "É pois um interesse que tem subjacente a existência de uma relação própria e individualizada do seu titular com a coisa, um poder directo e imediato sobre ela, dentro dos limites do próprio contrato - fonte e dos direitos que dele emanam".<br> Daqui, com toda a naturalidade, afastada a tese da excepcionalidade, conclui, Pág. 695, que a tutela possessória será admitida, por analogia, "a situações de detenção não titulada, mas correspondentes a um interesse garantido legalmente", como seria o do cônjuge ou pessoas que tenham um direito legal à transmissão de arrendamento.<br> 10- Tal significa, em resumo, que os embargos poderiam ser deduzidos não só através de interpretação extensiva, por forma a estender a aplicação de norma a casos não previstos pela sua letra, mas compreendidos pelo seu espírito, como também por via analógica, levando agora a aplicar a norma a situações nem sequer abrangidas pelo seu espírito.<br> Perante estas duas vias escolheríamos preferencialmente esta.<br> Estaríamos perante uma lacuna a ser preenchida por analogia, nos termos do n. 1 e 2 do artigo 10 do Código Civil.<br> "Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante, de modo a que o critério valorativo adaptado pelo legislado para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (n. 2 do artigo 10)" - Prof. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador - Pág. 202.<br> Tudo baseado no princípio material da igualdade e no da coerência legislativa.<br> A aplicabilidade do n. 2 do artigo 1037 do Código Civil à mulher do arrendatário legitimar-se-ia pela identidade conflitual de interesses em jogo frente à mesma estrutura relacional.<br> Seria, pois, uma lacuna da lei, teleológica, "imanente" e na linguagem alemã "patente", uma vez que este n. 2 do artigo 1037, segundo "a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo próprio" deveria conter tal regulamentação, tendo em consideração a explicação evolutiva do Direito a partir de si.<br> 11- No caso em apreço tudo emerge de um contrato de arrendamento.<br> O locatário, executado, é um simples detentor, um possuidor precário.<br> Por isso ele pode usar "os meios facultados ao possuidor"<br> - n. 2 do artigo 1037.<br> Logo cai sob a alçada da 2. parte da alínea c) do artigo 1253 "e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem".<br> Ele tem um direito pessoal de gozo, gozo legítimo a ser defendido contra todas as agressões que o impeçam ou o perturbem, agressões cometidas por terceiro ou pelo próprio proprietário, que se obrigou a consentir aquele gozo - artigo 1037 n.2.<br> Tudo visando a satisfação do seu interesse legalmente protegido no gozo directo e autónomo da coisa locada.<br> Cimentado no contrato de arrendamento.<br> O mesmo se passa pela análise da tutela possessória conferida ao parceiro pensador, ao comodatário e ao depositário.<br> Tais tutelas são conferidas em termos idênticos, pressupondo uma autonomização diferenciada dos direitos sobre o bem e exercidas similarmente.<br> Poderíamos acrescentar - dentro da 2. parte da alínea c) do artigo 1253 - outras situações que teriam, por via analógica, solução idêntica, sempre haja "relações creditórias que confiram o gozo autónomo do respectivo objecto (v.g. ao contrato promessa de alienação de coisa, quando esta seja entregue ao promitente adquirente antes da celebração do negócio definitivo)" - Prof. M. Mesquita, Obr. Reais e Ónus Reais, Pág. 50 e 51.<br> Sempre, tendo como denominador comum, o interesse tutelável do possuidor.<br> Semelhantemente, recusando a tese de excepcionalidade,<br> Lopes Cardoso - Manual de Acção Executiva, reimpressão,<br> Lisboa, 1987, Pág. 385 e Palma Carlos - Acção Executiva,<br> Lisboa, 1970, Pág. 163, admitem a extensão da tutela dos possuidores nomine alieno para além dos casos expressamente previstos na lei, desde que haja um "título semelhante" ao daqueles casos.<br> Tese acolhida pelo novo Código de Processo Civil - artigo<br> 351 n. 1.<br> Aqui permite-se que o embargante, além da posse, possa, através de embargos, defender "qualquer outro direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência judicial" agressiva.<br> 12- Por aqui se caminharia, em primeiro passo, para a procedência da acção.<br> Só que outras e graves barreiras se levantam: a incomunicabilidade do arrendamento.<br> Daqui dir-se-à que a embargante, não arrendatária, e a quem não se comunica a posição do cônjuge arrendatário, executado, não pode embargar de terceiro à execução do mandado de despejo.<br> Isto porque "não sendo terceiro, não lhe é lícito defender por meio de embargos de terceiro, nos termos do n. 1 do artigo 1038, remissivo ao n. 2 do artigo 1037, ambos do Código de Processo Civil, a posse ou composse derivada do mesmo contrato, por a não possuir. É certo que no tocante<br> à casa de morada de família o cônjuge não arrendatário deve ser também demandado na acção de despejo, face ao disposto na alínea a) do artigo 1682-B, do Código Civil (Prof. A. Varela, Rev. Leg. Jur. 120, 50).<br> Mas a sua não intervenção é questão que interessa à acção de despejo e não aos embargos, na medida em que essa intervenção não lhe conferiria a posição de arrendatário (Ac. da Relação do Porto de 18 de Março de 1980, C.J., 2,<br> 116 e do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 1986, Bol. 356, 291 e Prof. Pereira Coelho, Rev. Leg. Jup.<br> 122, 142).<br> A violação do preceituado na referida alínea a) do artigo 1682-B do Código Civil tem apenas, como sanção, a especial anulabilidade prevista no artigo 1687 daquele Código, não se justificando qualquer outro procedimento (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1986, Bol.<br> 356, 291 e 29 de Junho de 1989, Bol. 388, 467)" - Cons.<br> Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 2. edição, 1996, Pág.<br> 274.<br> Citação aparentemente longa, mas que encerra em si concisa e fundamentalmente uma posição jurídica bastante seguida, mas que não se aceita.<br> Efectivamente não há comunicabilidade - artigo 83 do R.A.U., reproduzindo o artigo 1110 n. 1 do Código Civil (Quando à evolução histórica, Prof. P. Coelho, Obr. Cit.,<br> Pág. 134 e seguintes).<br> Só que o alcance prático deste princípio sofreu fortes limitações:<br> - artigo 84 do R.A.U. (n. 2 a 4 do artigo 1110 do Código Civil) - transmissão por divórcio;<br> - artigo 85 do R.A.U (41 e 3 alínea a) do artigo 1111 do Código Civil) - transmissão por morte;<br> - artigo 1682-B do Código Civil;<br> - artigo único da Lei n. 35/81.<br> Dir-se-á que ainda restam malefícios de incomunicabilidade, sendo um deles o do artigo 1038 n. 1 do Código de Processo Civil, onde o cônjuge do arrendatário, não tendo posse não se pode defender por embargos de terceiro.<br> Semelhantemente - artigo 352 do novo Código de Processo Civil.<br> Só que, como vimos, o meio de tutela de posse (incluindo os embargos de terceiro - artigo 1285) do locatário - artigo 1037 n. 2 - não é excepcional.<br> Não lhe é conferido exclusivamente a si - 2. parte da alínea c) do artigo 1253.<br> É certo que não há disposição legal que expressamente consagre à embargante a defesa por embargos de terceiro da sua situação.<br> Mas também não há que expressamente a repudie.<br> 13- O legislador sentiu que o problema estava por resolver e pretendeu dar-lhe solução.<br> Com efeito a Comissão de Revisão do Código Civil, presidida pelo Prof. A. Varela debruçou-se sobre tal, por iniciativa do Cons. Cardona Ferreira, então Desembargador<br> - ver actas no Bol. 402, Pág. 47 e 51; 404, Pág. 10; 414,<br> Pág. 25 e 415, Pág. 8 e 15.<br> Na redacção do artigo 986 - casos de sustação da execução - no seu n. 5 estipulava-se "Fica salva a possibilidade de oposição de terceiro, nos termos gerais, inclusive do cônjuge do executado, se não tiver sido parte na acção declarativa".<br> Mas a solução não veio.<br> O que implica a sua construção neste momento em preenchimento de real lacuna.<br> 14- Uma interpretação actualista do sistema iniciada pelos focados preceitos constitucionais - artigo 65 e 36 n. 3 e<br> 67, passando depois pelos artigos 1682-B do Código Civil e artigo único da Lei n. 35/81, visando a protecção da casa de morada da família, levará a dar igualitária relevância<br> à posição do cônjuge arrendatário e à do não arrendatário.<br> Paralelamente Ac. da Relação de Lisboa de 9 de Fevereiro de 1988, C.J. XIII, 1988, Tomo I, Pág. 125.<br> É incompreensível que o sistema imponha, em defesa da família, o dever de demandar ambos os cônjuges - litisconsórcio necessário passivo - e depois, em plena quebra da sua unidade, venha, pelo silêncio, ou por meios indirectos, a obstacular à ulterior defesa do não demandado em violação daquele dever.<br> Esta é a lei de vida onde se desenham as actuais relações familiares.<br> O Direito tem de servir de ponte entre a idealidade de justiça e a vida real vivida pela comunidade.<br> Neste seu compromisso frente a uma lacuna de direito a questão jurídica em apreço que não pode ser resolvida nem<br> "no plano da interpretação, nem no plano de explicação da lei a partir da sua teleologia imanente "terá de ser resolvida" de forma a dar satisfação a necessidades inexcusáveis do comércio jurídico, a existência da praticabilidade do Direito, de "natureza" da instituição jurídica ou dos princípios ético-jurídicos que formam o substrato do ordenamento"<br> - Prof. B. Machado, Obra cit., Pág. 199.<br> De acordo com a consciência jurídica geral.<br> Assim, não se encontrando no sistema norma aplicável a caso análogo, sustenta-se - Dr. Salter Cid, Protecção da Casa de Morada de Família, 1996, Pág. 263 - que estamos em presença de uma lacuna, artigo 10 n. 3 do Código Civil, a ser resolvida segundo a norma a criar pelo intérprete, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.<br> Correctamente.<br> E daí a admissibilidade dos embargos de terceiro.<br> Identicamente concluem os Srs. Cons. Pais de Sousa e Cardona Ferreira e o Dr. Lemos Jorge - Arrendamento Urbano, Pág. 202 "Não se trata de problema de comunicação patrimonial da situação de arrendatário (o que acontece no arrendamento de cariz material, como é o caso do arrendamento comercial ou semelhante; trata-se de especial protecção de casa de morada de família, na linha do direito (constitucional) à habitação (artigo 65 da Constituição) e à protecção da família (artigo 67))".<br> 15- A matéria provada preenche os requisitos dos embargos de terceiro.<br> Termos em que, concedendo-se a revista, se julgam procedentes os presentes embargos de terceiro, mantendo-se a embargante na posse do local arrendado, com a correlativa imediata suspensão da execução.<br> Custas pelos recorridos.<br> Lisboa, 28 de Janeiro de 1997.<br> Torres Paulo,<br> Ferreira Vidigal,<br> Cardona Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Talho de ..., de A, Limitada, intentou a presente acção ordinária contra "B, S.A." alegando, em síntese, que lhe entregou um seu identificado veículo para revisão dos 10000 quilómetros, e que feita esta a Ré lhe comunicou que aquele podia ser levantado na 6. feira imediata, ficando combinado por conveniência da A. que esta só iria buscá-la na 2. feira seguinte.<br> E que na noite de Sábado para Domingo dessa semana na oficina da Ré, o veículo incendiou-se devido a curto circuito, tendo este resultado de a vistoria não ter sido efectuada com o necessário cuidado, ficando, como consequência necessária e directa disso, totalmente inutilizado, o que causou à A. um prejuízo de 7541775 escudos, quantia em que ela pede seja condenada a Ré, com juros de mora desde a citação.<br> O processo correu seus termos regulares, com contestação da Ré, vindo, após audiência de julgamento a ser proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente.<br> A Ré recorreu de tal decisão, que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.<br> Continuando inconformada a Ré recorreu de revista para este Supremo Tribunal, e na sua alegação de recurso concluiu que:<br> 1 - A recorrente considera que a subsunção dos factos ao direito não foi correctamente realizada.<br> 2 - Nomeadamente quanto à aplicação ao caso concreto do preceituado no artigo 799 n. 1 Código Civil e à consequente inversão do ónus da prova.<br> 3 - Na medida em que à data da ocorrência do incêndio a devedora não era devedora de qualquer tipo de prestação.<br> 4 - Não existiu, por isso, da sua parte, incumprimento de qualquer contrato.<br> 5 - Nem era exigível à recorrente fazer a prova de que a "falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua".<br> 6 - Em função de tais argumentos o caso "sub judice" não se enquadra na responsabilidade civil contratual.<br> 7 - Poderia a situação enquadrar-se quando muito, na responsabilidade civil por factos ilícitos, aplicando-se nesse caso os artigos 483 e seguintes do Código Civil.<br> 8 - Caberia nesses termos ao A. a prova de que o sucedido se deveu a qualquer facto ou omissão imputável à Ré (cfr. artigo 487 do Código Civil).<br> 9 - Ora não se provou qualquer nexo de causalidade entre alguma acção ou omissão atribuível a Ré, e o incêndio, pelo que a mesma não pode ser responsabilizada pela ocorrência do sinistro, nem pelas suas consequências.<br> 10 - O risco pelo perecimento da coisa cabe, neste caso, ao proprietário, bem como as suas consequências, como é de direito.<br> 11 - Tendo julgado a acção procedente, o douto Acórdão recorrido violou as normas legais de aplicação do direito, nomeadamente o artigo 659 do Código de Processo Civil ao fundamentar a responsabilidade da R. em norma não aplicável ao caso concreto.<br> 12 - O n. 1 do artigo 799 do Código Civil e a consequente inversão do ónus de prova foi incorrectamente aplicada.<br> 13 - Mesmo que se entenda que o contrato em causa, qualificável como empreitada ou misto de empreitada e depósito, só finde com a efectiva entrega da obra pelo empreiteiro, não se concorda com a interpretação e aplicação dos artigos 1207, 799, 487, 1218, 815 e 1228 do Código Civil.<br> 14 - Assente como está que a recorrida efectuou a obra que consistia numa primeira revisão da viatura, denominada dos 10000 quilómetros, de âmbito numérico.<br> 15 - Revisão executada com celeridade, já que a viatura foi entregue à recorrente em 23 de Março de 1988 e logo em 24 de Março de 1988 foi o recorrido informado que podia levantar o veículo no dia 25 de Março de 1988, não tendo então, por motivos que lhe são próprios e não apurados, procedido ao levantamento e exame da viatura e aceitação da obra nesse dia, incorreu o recorrido em mora.<br> 16 - Com efeito, o dono da obra tem o dever de a verificar, aceitar e receber logo que o empreiteiro lhe comunique ter concluído a obra e disponibilizado a entrega da coisa.<br> 17 - Atento o género de serviço ou obra e o bem em que a mesma foi realizada (veículo automóvel ligeiro de mercadorias destinado a satisfazer o escopo da sua proprietária, que é uma sociedade comercial) a recorrente usou da diligência e celeridade habituais e que lhe são exigíveis e tem por seu turno o direito de exigir igual diligência no cumprimento dos deveres a que a recorrida estava vinculada.<br> 18 - Não tendo sido fixado prazo, este considera-se em benefício do devedor - empreiteiro -, não havendo lugar à fixação, judicial do mesmo pelo facto de as prestações, quer da realização da obra, quer e até, da entrega da coisa, terem sido concluídas e oferecidas.<br> 19 - A entrega deveria ocorrer nas instalações do recorrente por ser o local onde a obra foi realizada e ser até o domicílio do devedor.<br> 20 - O incumprimento no prazo usual e razoável, até no interesse de ambos, do dever de exame e levantamento do veículo constituiu a recorrida em mora:<br> 21 - A mora do credor consiste na omissão do dever de cooperação.<br> 22 - A mora do credor acarreta entre outras consequências o abrandamento da responsabilidade debitória e a inversão do risco.<br> 23 - O perecimento da coisa, sem nexo causal com a revisão efectuada, como de resto consta da douta sentença proferida em 1. instância, e sem ocorrência de comportamentos dolosos ou até negligentes da recorrida,<br> é da responsabilidade do dono da obra e proprietária, isto é, da recorrida.<br> 24 - Não há, pois, obrigação de indemnizar.<br> 25 - Termos em que concedendo provimento ao recurso e à revista, absolvendo a recorrente do pedido se fará justiça.<br> A A. contra alegou concluindo que o recurso não merece provimento.<br> Corridos os vistos cumpre decidir:<br> Vejamos antes de mais a matéria de facto provada,<br> 1 - A A. é dona do veículo ligeiro de mercadorias<br> RP "Nissan", de caixa fechada isotérmica, com sistema de frio para o transporte de carnes verdes.<br> 2 - A A. confiara tal veículo à guarda da Ré em 23 de Março de 1988, para que fosse feita a revisão (vistoria) dos 10000 quilómetros, nas suas oficinas à R. Delfim Ferreira, na cidade do Porto.<br> 3 - A Ré procedeu à revisão solicitada, após o que comunicou à A. que o veículo podia ser levantado no dia 25.<br> 4 - Como a A. não tivesse possibilidade de se deslocar ao Porto nesse dia, ficou de ir levantar o veículo no dia 28 (uma 2. feira).<br> 5 - Durante o fim de semana o veículo ficou guardado dentro das oficinas da Ré, que se encontravam encerradas.<br> 6 - Tendo então o veículo da A. sofrido um incêndio e, por virtude dele, ficado completamente destruído.<br> 7 - Na altura do incêndio não havia ninguém a guardar as instalações da Ré.<br> 8 - A Ré só comunicou o facto dito em 6. no dia 28.<br> 9 - O incêndio foi devido a curto-circuito após a Ré ter feito a vistoria solicitada pela A. no veículo.<br> 10 - O incêndio deu-se em 26 de Março de 1988 perto das 10 horas.<br> 11 - O incêndio foi detectado cerca de 1 hora depois, tendo de imediato sido avisados o chefe das oficinas da Ré, os bombeiros e a polícia, que logo chegaram ao local.<br> 12 - A caixa isotérmica com sistema de frio, que equipava o veículo da A., não é montada pela Ré.<br> 13 - Os prejuízos sofridos pela A. ascendem a 4800000 escudos, correspondendo 2100000 escudos ao custo do veículo, 1500000 escudos à caixa isotérmica e 1200000 escudos ao motor frigorífico e respectiva montagem.<br> 14 - A A. tem pago trimestralmente o imposto de circulação, no montante de 5775 escudos e o de compensação de 36000 escudos.<br> 15 - A A. utilizava diariamente o dito veículo no transporte de carnes para a indústria hoteleira, bem como no transporte de carnes do matadouro para os diferentes estabelecimentos comercias dela, o que lhe acarretou já um prejuízo de 2700000 escudos.<br> 16 - À data do acidente a Ré transferira para a Companhia de Seguros Mundial Confiança a sua responsabilidade civil, por contrato de seguro.<br> Enumerados assim os factos provados e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente por uma questão metodológica há que ver antes de tudo qual o tipo de contrato celebrado entre A. e Ré.<br> Como é sabido, a existência de tipos contratuais legais, de catálogos de modelos contratuais consignados na lei e aí regulamentados de modo tendencialmente completo ou pelo menos suficiente, suscita a questão da qualificação dos contratos que são celebrados na vida de relação. A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constituiu o modelo regulativo do tipo. Como direito injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico - v. P. Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 1995, página 160, que acrescenta que na doutrina tipológica a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato a um tipo. A qualificação é um juízo predicativo que tem como objecto um contrato concretamente celebrado e que tem como conteúdo a correspondência de um contrato a um ou mais tipos, bem como o grau e o modo de ser dessa correspondência.<br> Feitas estas considerações, diremos nesta sede e no que concerne ao caso "sub judice" que A. e Ré celebraram entre si um contrato de empreitada nos termos do artigo 1207 do Código Civil que o define como sendo aquele pelo qual uma parte se obrigar em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.<br> Aqui o trabalho a realizar mediante uma remuneração foi a "revisão" do dito automóvel, com todos os trabalhos (designadamente a reparação de deficiências) a executar no mesmo, assim se consubstanciando a obra, empregada esta palavra na acepção de resultado material (v. Acórdão deste S.T.J. de 10 de Abril de 1980, B.M.J. 296/273).<br> Não se está aqui em presença de um contrato misto de empreitada e depósito.<br> De salientar também que a obrigação da Ré em face do contrato de empreitada que celebrou com a A. era a de lhe entregar a viatura convenientemente revista e reparada (com a obrigação acessória da guarda do veículo) no lugar onde o trabalho ou obra teve lugar, ou se efectivou, mantendo-se o seu estado igual em relação aos pontos onde a reparação não incidiu, isto é, a coisa tem que ser entregue ao dono melhorada findo o trabalho.<br> Ora no que respeita à entrega do veículo há que concluir que do facto provado referido sob o n. 4 se constata que foi tacitamente acordado entre A. e Ré que a entrega do veículo àquela ficava adiada para o dia 28<br> (primeiro dia útil seguinte àquele 25 de Março de 1988, numa 6. feira em que o veículo, por estar concluída a revisão e conforme a Ré lhe comunicara, podia ser levantado).<br> Nada de anormal a verificar-se nesta parte e que possa conduzir à constituição do credor em mora, que a Ré recorrente alega.<br> É que esta mora, como resulta do disposto no artigo 813 do Código Civil, supõe uma omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor da sua cooperação necessária para o cumprimento (v. Professor Vaz Serra,<br> R.L.J. 103, 543).<br> A mora a que se refere este artigo 813 consiste na não aceitação ou não cooperação do credor, e não no facto de a esta omissão se seguir uma simples situação de retardamento em que o devedor continua vinculado... (v. Professor Batista Machado, R.L.J. 117, 43).<br> Nenhuma mora do credor a existir no caso presente, sendo também de ter em conta que o devedor pode fixar ao credor num prazo razoável para este cooperar no cumprimento (v. Menezes Cordeiro, Obrigações, 1980, 2,<br> 453)...<br> Mas como já se deixou dito ao enumerar a matéria fáctica considerada como provada o veículo acabou por não ser entregue pela Ré à A. por ter ficado destruído nas oficinas daquela devido a um curto circuito que se deu no mesmo após a realização da vistoria já referida.<br> Tal significa, como é óbvio, que não foi proporcionado à A. que esta procedesse à verificação da obra, nos termos que lhe são facultados pelo artigo 1218 do Código Civil.<br> É nesta tónica de razoabilidade que deve presidir à vida de um contrato como o que aqui está em causa, é pertinente salientar, como o faz Pedro Martinez, in Contrato de Empreitada, 1994, página 150, que "o prazo para efectuar a verificação, não estando estipulado no contrato nem nos usos, deve ser determinado pelo tribunal, tendo em conta o circunstancionalismo de cada caso. O lugar da verificação, em princípio, deverá ser aquele onde a obra se encontra ao tempo em que ela vai ser feita, lugar esse que, na maioria dos casos, coincide com o da sua execução. Para as coisas móveis, o lugar da verificação será, supletivamente, o local onde foram realizados os trabalhos.<br> Houve assim uma violação objectiva do dever da Ré, inerente ao contrato de empreitada em análise, de entregar à A. o veículo no estado em que ele se encontrava quando esta o entregou nas oficinas para os trabalhos de revisão dos 10000 quilómetros, com as necessárias reparações das deficiências encontradas e existentes, isto é, melhorado no seu estado e funcionamento.<br> E não pode falar-se lógico juridicamente em qualquer recepção provisória ou aceitação presumida da obra - cfr. artigos 813 e 1218 n. 5 do Código Civil e A. Pereira de Almeida, Direito Privado II, O Contrato de<br> Empreitada páginas? 37 e seguintes?.<br> Tem assim de entender-se sempre no campo da responsabilidade civil contratual, contrariamente ao pretendido pela recorrente, que cabe ao credor, isto é, ao lesado demonstrar ter ocorrido a violação objectiva dum dever, ou seja, a contrariedade objectiva do comportamento danoso ao direito do credor e ao devedor o encargo de provar a ausência de culpa.<br> E é uma verdade fundamental jurídica que, quem pode demandar outrém, por perdas e danos, com fundamento num contrato, está em vantagem sobre quem demanda "ex delicto", pois, tem de provar menos. Esta velha sabedoria aplica-se à violação contratual positiva (v. Professor Mota Pinto, Cessão de Posição Contratual, página 410).<br> Ora a A. logrou nessa conformidade provar a ocorrência da apontada violação objectiva do dever de entrega do veículo por parte da Ré.<br> E evidente se torna, que demonstrada tal violação à Ré, para não ser responsabilizada, como pretende, competia provar que a falta de cumprimento desse dever ou obrigação não precedeu de culpa sua, como o impõe o n. 1 do artigo 799 do Código Civil (anote-se que a presunção de culpa estabelecida nesta disposição legal é também aplicável à culpa na impossibilidade de cumprimento a que se reporta o artigo 801, Professor Galvão Teles, Obrigações, 3., 313).<br> "O devedor terá que provar que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família. Ou, pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa diligente", como diz o mesmo Professor Galvão Teles, a página 310 da mesma citada obra.<br> A lei presume aqui a culpa do devedor, e para afastar necessita obviamente este de alegar e provar a existência no caso concreto de circunstâncias, especiais ou excepcionas, que eliminem a censurabilidade da sua conduta.<br> Ora a matéria de facto provada não nos leva a concluir pela existência de particulares circunstâncias da situação concreta capazes de ilidir tal presunção de culpa (v. Professor A. Varela, R.L.J., 119, 126).<br> Saliente-se a este propósito que a Ré não logrou provar a por si alegada matéria de facto constante do quesito 6, isto é, que o incêndio a dever-se a curto circuito, terá tido origem no motor frigorífico da caixa isotérmica directamente ligado à bateria.<br> E isto sempre sem esquecer que a revisão compreendeu o exame eventual reparação de possíveis deficiências do veículo, nomeadamente no seu sistema eléctrico (v. doc. de folha 53).<br> Ora assim sendo nada afasta que esses trabalhos tivessem sido efectuados sem o cuidado e zelo supra referidos (cf. artigos 799 n. 2 e 487 n. 2 do Código Civil), isto é, nada afasta a culpa da Ré, pelo que é ela responsável pelos prejuízos que do incumprimento da obrigação contratual em litígio resultaram para a A., nos termos do artigo 798 do Código Civil (cf. ainda Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Março de 1973, B.M.J. 225/210, e P. Martinez Contrato de Empreitada, página 193) e Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, páginas 300 e seguintes e 305 e seguintes?).<br> Por tudo o exposto há que concluir que carece de razão a recorrente, sendo de manter a decisão recorrida que se norteou por critérios de justiça concreta, justificada posteriormente por argumentos sistemáticos e jus-científicos, que a legitimam e persuadem àcerca da sua bondade (cf. P. Vasconcelos, Contratos Atípicos, página 202, que aí cita Baptista Machado, Introdução).<br> Decisão: Nega-se a revista.<br> Condena-se a recorrente nas custas.<br> Lisboa, 24 de Outubro de 1995.<br> Fernandes Magalhães.<br> Machado Soares.<br> Silva Montenegro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> A instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra B, C, D, E e F. <br> 1. Por apenso a essa acção, os executados deduziram, em 24.5.94, no Tribunal Cível de Lisboa, embargos, pedindo a sua procedência e a consequente declaração de improcedência da execução.<br> Saneado e condensado o processo - a especificação e o questionário, bem assim as resposta aos quesitos, não sofreram reclamação alguma -, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida, a 20.12.95, sentença que julgou os embargos improcedentes, decisão confirmada pelo acórdão da Relação de Lisboa, de 27.1.98.<br> 2. Inconformados, os executados/embargantes pedem revista a este Supremo Tribunal, alegando e concluindo:<br> "1 - Não contendo a LULL qualquer preceito que regule a forma, impressão e cores que hão-de revestir o documento comprovativo da livrança, isso só pode significar que não entendeu dever considerar tal questão como essencial; daí, cada Estado contraente da Convenção Internacional poderá determinar essas questões na sua legislação nacional.<br> 2 - O Estado Português ao regular tal matéria por Portarias não acrescentou novos requisitos às livranças mas apenas regulamentou os requisitos formais externos que os documentos deveriam conter para valer como livranças.<br> 3 - O modelo uniforme da Livrança é de utilização obrigatória a partir de 1 de Janeiro de 1991.<br> 4 - A emissão de uma livrança em 20.12.91 num impresso de letra acrescentando "aliás livrança" não incorpora uma obrigação cambiária, sendo apenas um mero escrito por inobservância de requisito extrínseco essencial à livrança".<br> Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.<br> Cumpre decidir, uma vez colhidos os vistos.<br> II<br> O acórdão recorrido deu como assente a matéria de facto que a 1ª instância considerou provada, e que é a seguinte:<br> "a) Dou aqui por reproduzido o documento de fls. 5 da execução apensa, na qual os embargantes apuseram as suas assinaturas, a seguir à expressão "Assinatura do subscritor" (Al. A) da Esp.).<br> b) O exequente, G e H eram os únicos sócios da sociedade comercial por quotas denominada "I", Ldª., cujo objecto consistia no comércio e indústria de gravatas, suspensórios, ligas e artigos congéneres, sendo a confecção dos artigos comercializados pela referida sociedade feita no estabelecimento sito na Rua Augusto Costa (Costinha), Lote 7, loja, em Benfica (Al. B.) da Esp.).<br> c) O exequente e seus sócios, em 18 de Julho de 1989, prometeram ceder as quotas de que eram detentores no capital social da mencionada sociedade, e os executados prometeram adquirir as quotas, pelo preço global de 20000 contos, pagos em prestações mensais desde a data da celebração do contrato até meados de 1994 (Al. C) da Esp.).<br> d) Os executados obrigaram-se, através do contrato-promessa, a pagar as dívidas da sociedade à Segurança Social e à Banca no valor aproximado de 72863425 escudos, e mais se comprometeram a subrogar-se nos avales pessoais prestados à "Imoleasing, S.A." e à Banca, pelos cessionários (AL. D) da Esp.).<br> e) Os executados cumpriram todas as obrigações assumidas com a celebração do contrato promessa, celebrando acordos de pagamento com a Segurança Social e com a Banca e, em 20 de Dezembro de 1991, foi celebrada a escritura pública de cessão de quotas, mas, como ainda não estavam pagas as prestações vincendas do ano de 1992, 1993 e 1994, os executados emitiram o documento junto aos autos para pagamento de parte do preço ainda em dívida. (Al. E) da Esp.).<br> f) Dou aqui por reproduzido o documento de fls. 21 a 32 destes embargos (Al. F) da Esp.).<br> g) Foi comunicado aos embargantes pela Câmara Municipal de Lisboa que nunca tinha sido dada autorização camarária e consequentemente nunca tinha sido emitido um alvará que permitisse a instalação de uma indústria no local referido em B), pelo que os executados, tentando solucionar o problema, solicitaram à Câmara uma autorização para instalar um estabelecimento industrial destinado ao exercício de indústria de gravataria na Rua Augusto Costa (Costinha) Lote 7, Freguesia de Benfica. Porém, o pedido foi indeferido com o fundamento de que num prédio de habitação não pode funcionar um estabelecimento industrial (Al. G) da Esp.).<br> h) Foi prática corrente utilizar para a emissão de livranças os impressos próprios para letras, substituindo a palavra "letra" pela palavra "livrança", por meio da expressão "aliás livrança" (resposta ao quesito 1º).<br> i) Tais impressos para livrança passaram a existir no mercado (resposta ao quesito 2º).<br> j) Os executados pretenderam dar de garantia para pagamento de dívidas à Segurança Social o imóvel sito na Rua Augusto Costa (Costinha) lote 7, na Freguesia de Benfica, em Lisboa (resposta ao quesito 3º).<br> k) Essa garantia não foi aceite pela Segurança Social (resposta ao quesito 4º).<br> l) Os executados foram avisados pela Câmara Municipal de Lisboa de que não podiam laborar naquele local e mudaram as instalações (resposta ao quesito 7º).<br> m) Os factos descritos em G) e nas respostas aos quesitos 4º e 7º causaram aos embargantes prejuízos de valor não apurado (resposta ao quesito 8º).<br> n) Provado o que consta do teor dos documentos de fls. 54 a 57 e 61 a 80 (resposta ao quesito 14º)". <br> III<br> 1. A livrança é, como a letra, um título de crédito em sentido estrito e à ordem, mas, diferentemente da letra, não enuncia uma ordem de pagamento de uma pessoa a outra, mas simples e directamente uma promessa de pagamento (Ferrer Correia, "Lições de Direito Comercial - Letra de Câmbio", vol. III, 1966, pp. 22-23; José Gabriel Pinto Coelho, "Lições de Direito Comercial", 2º vol., "As Letras", 1ª Parte, 1942, pp. 27-29; Miguel Pupo Correia, "Direito Comercial", 5ª ed., 1997, p. 120).<br> Autores estes que são unânimes em proclamar que a livrança é um título formal, cuja validade obedece a determinados requisitos definidos pela própria lei (veja-se, o acórdão do Supremo de 19.3.98, Proc. nº 683/97, 2ª Secção), distinguindo entre requisitos ou menções essenciais, condição de existência ou de eficácia (sobre este ponto específico, há divergências na doutrina) do próprio título (artigos 1º e 75º da LULL, respectivamente para a letra e livrança), e não essenciais.<br> A consequência da falta de um ou mais dos requisitos essenciais do título, é a sua nulidade (ou ineficácia, segundo alguns autores - cfr. Abel Delgado, "LULL", anotada, 7ª ed., p.83, e Eduardo Marques Ralha, "Lições de Direito Comercial", 2ª ed., 1973, pp. 289-290), ou melhor, o documento não produz efeito como letra ou livrança - respectivamente, artigos 2º e 76º (Ferrer Correia, ob. cit., pp. 98-123, Pinto Coelho, ob. cit., pp. 44-50, Pupo Correia, ob. cit., pp. 147-155).<br> Tal não significa, porém, que o documento que, por falta de um ou mais desses requisitos, seja nulo (ou ineficaz) como letra ou livrança, não possa ter algum valor: terá sempre o valor probatório que porventura lhe couber como documento particular, ou seja, como quirógrafo da obrigação nele mencionada (Pupo Correia, loc. cit., p. 154).<br> Ou, como diz Pinto Coelho, na falta de requisitos reputados essenciais não pode o título produzir efeito como letra ou livrança, mas valerá como quirógrafo duma obrigação não cambiária, isto é, como título ou escrito comprovativo de qualquer obrigação, de natureza diferente, existente entre as pessoas que propunham figurar na letra, e que devia dar origem à obrigação cambiária (loc. cit., p. 26).<br> 2. A livrança está regulada nos artigos 75º e ss. da LULL.<br> Os seus requisitos essenciais estão enunciados no artigo 75º, que estabelece:<br> "A livrança contém:<br> 1. A palavra "livrança" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título;<br> 2. A promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada;<br> 3. A época de pagamento;<br> 4. A indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento;<br> 5. O nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga;<br> 6. A indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada;<br> 7. A assinatura de quem passa a livrança (subscritor)".<br> <br> Nos termos do artigo 76º, "O escrito a que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como livrança, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes" (alíneas que contêm as regras supletivas para colmatar a falta de indicação da época e local de pagamento e do local onde o escrito foi passado, bem como do domicílio do subscritor da livrança, não deixando o escrito de ser considerado por lei como livrança nos casos em que faltem essas indicações - acórdão do Supremo de 13.1.97, Proc. nº 393/97, 2ª Secção).<br> Por seu turno, o acórdão, também do Supremo, de 11/7/89 (Actualidade Jurídica, ano I, nº 1, p. 12), considerou que, da conjugação dos artigos 75º e 76º resulta que nem todos os requisitos são essenciais à existência da livrança - indispensável é, para além da assinatura do subscritor, dois outros requisitos, a saber, a palavra "livrança" inserta no próprio texto do título, e a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada com o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga.<br> 3. O artigo 118º do Regulamento do Imposto de Selo (RIS) prescrevia que as livranças são passadas no papel para letras.<br> Por força do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 387-G/87, de 30 de Dezembro, aquele artigo passou a dispor que "O modelo das letras e livranças e suas características serão estabelecidos em Portaria do Ministro das Finanças". <br> Nesta conformidade, e tendo presente que adopção dos novos impressos, a partir de 1.4.1988, impunha se definisse o modelo e fixasse as respectivas características, foi publicada, a 4 de Março, a Portaria nº 142/88, de que interessa destacar este passo preambular:<br> "A normalização da letra e livranças concretizada pelo Decreto-Lei nº 387-G/87, de 30 de Dezembro, teve por objectivo possibilitar o respectivo tratamento informático, realidade que determinou a eliminação do impresso actual e de alguns dos elementos que dificultavam o seu tratamento físico".<br> Enquanto o nº 1º dispunha sobre as letras, o nº 2º dispunha sobre livranças, distinguindo entre as "Tomadas por instituições bancárias" (nº 2.1) e as "Não tomadas pelas instituições bancárias" (nº 2.2 - nestes casos serão utilizados os impressos de letra referidos em 1.2.1 e 1.2.2).<br> Este nº 2.2 foi, porém, eliminado pela Portaria nº 545/88, de 12 de Agosto (em cujo preâmbulo se reconheceu ser desejável que a livrança normalizada fosse um documento preferencialmente de produção bancária, disponível para a clientela dos seus balcões), a qual, do mesmo passo, deu nova redacção ao nº 2º da anterior Portaria.<br> Finalmente, a Portaria nº 233/89, de 27 de Março, considerando não ter sido prevista a inserção da designação da entidade fabricante nos impressos de letras de emissão particular e nas livranças, determinou essa inserção (nº 1º), acrescentando o nº 2º que "Os impressos ainda existentes que não obedeçam aos requisitos referidos no número anterior poderão ser utilizados até 31 de Dezembro de 1990". <br> 4. Do excurso efectuado conclui-se que, até à publicação das citadas Portarias, não havia em Portugal um modelo oficial de impressos para livranças (embora o nº 3 da Portaria nº 709/81, de 20 de Agosto, previsse já a existência de impressos privativos).<br> Aliás, como vimos, a primitiva redacção do artigo 118º do RIS estabelecia mesmo que as livranças eram passadas no papel das letras.<br> "Em Portugal não existem impressos próprios de livranças, pelo que se utilizam os impressos da letra, escrevendo no texto, imediatamente a seguir à palavra "letra", a expressão "aliás livrança" e assinando o subscritor no espaço reservado à assinatura do sacador" (José Augusto Gaspar e Mário Martins Adegas, "Operações Bancárias", pp.178-179).<br> E não só, acrescentamos nós.<br> Na verdade, também a fórmula verbal "pagará" ("pagarão") era riscada/apagada e substituída por "pagarei" ("pagaremos"), querendo significar que, assim, deixava de traduzir uma ordem de pagamento - letra -, para passar a incorporar uma promessa de pagamento - livrança. <br> Dir-se-á, ainda, que o subscritor assinava no espaço reservado à assinatura do sacador, palavra esta que era riscada.<br> 5. Eram fundamentalmente duas as situações que vinham sendo submetidas a decisão dos tribunais.<br> A primeira, nunca foi de molde a provocar dissidências.<br> Na verdade, se as partes aditavam (entenda-se, no impresso privado para letra) a locução "aliás livrança", a seguir à palavra "letra" (porventura melhor, a seguir à expressão "por esta minha única via de letra"), entendia-se que o título satisfazia os requisitos formais, valendo como livrança (assim decidiram os acórdãos do STJ, de 18.2.86, e da Relação de Coimbra, de 27.9.88, no BMJ, nº 354-467 e nº 379-656, respectivamente; cfr., também, Oliveira Ascensão, "Direito Comercial", vol. III, 1992, p. 239).<br> 6. As dúvidas que dividiam a doutrina e jurisprudência radicavam, antes, numa outra situação, que, embora próxima, se apresenta como substancialmente diferente daquela outra: qual seja, determinar o valor do título em cujo impresso se não riscou a palavra "pagará", substituindo-a por "pagarei" (muito embora se tenha aditado a expressão "aliás livrança", após a palavra "letra").<br> 6.1. O acórdão da Relação de Coimbra de 1.7.86 (cfr., também, o acórdão da mesma Relação de 7.7.92, no BMJ, nº 419-837) entendeu que um tal escrito não obedece aos requisitos do formalismo cambiário.<br> Esta solução mereceu anotação favorável de Vasco Lobo Xavier e Maria Ângela, que puseram o acento tónico na promessa de pagamento, como requisito essencial da livrança (Revista de Direito e Economia, ano XIII, 1987, pp. 313 e ss.).<br> Compreende-se, com efeito, que a utilização do verbo na primeira pessoa do futuro ("pagarei") aponta ou sugere uma promessa de pagamento, enquanto a terceira pessoa ("pagará") aponta para uma ordem de pagamento.<br> Não obstante, Oliveira Ascensão considerou essa solução "altamente duvidosa" (loc. cit., p. 240).<br> 6.2. Assim, não pode surpreender que outros arestos - aliás, em maioria significativa - se tenham pronunciado em sentido oposto.<br> Desde logo, o acórdão da Relação de Lisboa de 16.7.76, na CJ, 1973, tomo III, p. 779 (cfr., também, o citado acórdão da RC, de 27.9.88).<br> E a nível do Supremo Tribunal de Justiça, cumpre reconhecer que se trata da orientação dominante, como decorre dos acórdãos de 4.7.75 ( BMJ, nº 249-512), de 11.7.89 (Actualidade Jurídica, 1º, nº 1, p. 12), de 30.1.96 (BMJ, nº 453-509) - justificar-se-á sublinhar que o Conselheiro relator deste processo, como o próprio reconhece, entendeu mudar o seu pensamento sobre esta questão, já que havia intervindo como adjunto no acórdão de 29.9.93, a seguir referido, e de 5.11.97, Proc. nº 719/97, 2ª Secção, decidiram em diferente sentido, dando prevalência à vontade real das partes, em desfavor do rigor formal dos títulos de crédito.<br> Desta orientação afastou-se o já aludido acórdão de 29.9.93 (CJ, ano I, tomo III - 1993, pp. 34-35), no qual se considerou que a utilização, numa livrança, da expressão "pagará", torna-a ineficaz como título de crédito.<br> 6.3. No caso em apreço, como adiante melhor se verá, não há qualquer dissensão no que concerne à vontade real das partes, que foi claramente a de constituírem uma livrança e não uma letra (significativamente, a conclusão 4. das alegações dos recorrentes começa assim: "A emissão de uma livrança"!).<br> No entanto, o verdadeiro problema que, nesta sede, cumpre resolver não é propriamente este, como se reconheceu e demonstrou no citado acórdão de 30.1.96: a questão surgiu e surge quando se procura saber e decidir se a sua resolução há-de ser procurada, tão-só, no âmbito do direito cambiário e do seu formalismo muito próprio, ou se se deverá, antes, dar prevalência à vontade real das partes, conforme o estipulado nos artigos 236º e 238º do Código Civil.<br> Esse acórdão (como os demais antes citados) optou pelo segundo termo da alternativa, considerando, nomeadamente, que nos negócios formais, se as declarações não podem valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, esse sentido pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a essa validade (artigo 238º do CC).<br> Ou seja, "quando o sentido da declaração corresponde à vontade real das partes, esse sentido deve valer entre estas, mesmo nos negócios formais como os cambiários, mormente quando, como também sucede, a modificação omitida no título, porque irrelevante, já que esclarecida de outro modo, não contende com as razões determinantes da sua forma e com as suas características, de segurança e de uniformidade".<br> IV<br> As considerações que expendemos terão trazido alguma luz à temática que, em geral, se discute neste domínio.<br> Importa, porém, reconhecer que é outra a verdadeira questão que há que dirimir no presente recurso.<br> Sabido que são as conclusões do recorrente que delimitam o âmbito e objecto do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC), percebe-se facilmente que a questão nuclear e decisiva se prende com a conclusão 4., e se reconduz, na sua essência, em saber se é válida como livrança e, portanto, como título executivo (cfr. artigo 46º, alínea c), do CPC, na anterior redacção), "a emissão de uma livrança em 20.12.91 num impresso de letra" (cfr. referida conclusão 4.; o sublinhado é de nossa autoria), em que:<br> - o local e data de emissão, bem como a data de vencimento, se encontram devidamente preenchidos;<br> - é indicada uma quantia determinada;<br> - está riscada a palavra "sacador" e substituída por "tomador" (no canto superior esquerdo, contendo, por baixo, o seu nome e morada - no caso, do recorrido), e por "subscritor" (ao centro, em baixo, com as assinaturas dos aqui recorrentes);<br> - por cima da palavra "pagará(ão)" está manuscrito "emos" (o que significa, sem discussão, a inserção de "pagaremos");<br> - se aditou, a seguir a "letra", a locução "aliás livrança" (cfr. documento de fls. 144). <br> Interessa também recordar que este documento "foi emitido para pagamento de parte do preço ainda em dívida" (alínea E) da Especificação).<br> 1. Como é bom de ver, trata-se, aqui e agora, de questão substancialmente diversa daquela outra que suscitou a apontada divergência, nomeadamente na jurisprudência do STJ (sem embargo de se dever reconhecer que a orientação maioritária é claramente no sentido da validade da livrança).<br> Na verdade, no caso dos autos, como acabamos de ver, estão preenchidos todos os elementos que assinalamos, de tal modo que a questão que ora se põe se resume em saber se deve ser recusada a validade como livrança, e título executivo, a um escrito pelo simples facto de ter sido utilizado um modelo de impresso das letras.<br> 1.1. Respondem afirmativamente os recorrentes, que invocam em abono da sua tese os acórdãos da Relação de Lisboa de 23.4.96, na CJ, ano XXI, 1996, tomo II, p. 113, e de 30.10.97, inédito, e Miguel Pupo Correia,<br> "Lições de Direito Comercial", 4ª, edição, p. 556.<br> Cumpre referir desde já que, no lugar citado destas "Lições", não se contém referência alguma a esta matéria.<br> Certo que, na mesma obra, mas na sua 5ª edição, 1997, escreve-se, a p. 148: "Aliás, com o mesmo objectivo de tornar inequívoca a natureza do documento como letra [e também para a livrança - nota 130], no nosso País foram aprovados modelos uniformes, de utilização obrigatória, pela Port. nº 142/88, de 4/3, que foi alterada pela Port. nº 545/87, de 12/8".<br> Todavia, se bem se pensa, este trecho não legitima imputar ao seu Autor o entendimento segundo o qual, a não utilização desses modelos, implica, necessariamente, que o documento não possa valer como livrança.<br> E esta é, como se disse, a verdadeira e única questão que aqui está em causa.<br> 1.2. Decidiu a 1ª instância que o escrito em causa possui "todas as características que permitem qualificá-lo como livrança" (fls. 102).<br> Entendimento também perfilhado pelo acórdão recorrido que, a propósito, ponderou:<br> "o desrespeito das regras sobre o formato e modelo das letras e livranças está contido na LULL (").<br> "Por outras palavras, os modelos uniformes criados pelas Portarias citadas não constituem elementos essenciais da letra ou da livrança, nem o seu desrespeito acarreta as sanções dos artigos 2º e 76º da LULL.<br> "A admitir-se o contrário, teríamos então que as Portarias teriam criado novos requisitos essenciais das letras e livranças para além dos previstos na Lei Uniforme, o que é insustentável por se tratar de uma Convenção Internacional que vincula o Estado Português.<br> "No caso dos autos, o título que serve de base à execução, embora não observe o modelo imposto pelas Portarias acima citadas, contém os requisitos essenciais da livrança previstos no artigo 75º da LULL e, como tal, reveste a qualidade de título executivo".<br> 1.3. É também este o nosso entendimento, cumprindo referir que, no essencial, são de acolher os argumentos acabados de reproduzir.<br> Em boa verdade, e porque decisivo é a data da emissão do título, não podemos invocar a favor da nossa posição os acórdãos do Supremo antes citados, mormente os de 30.1.96 e de 5.11.97, por se desconhecer aquela data.<br> No entanto, impõe-se reconhecer que as considerações neles desenvolvidas, e por nós atrás retomadas, para demonstrar que se deve conferir prevalência à vontade real das partes, em desfavor do rigor formal dos títulos de crédito, não deixam de apontar com vigor para o entendimento por nós sustentado.<br> Como vimos oportunamente, a criação de um modelo próprio para as livranças, e a consequente aprovação de impressos específicos, ou seja, a normalização da livrança, teve por objectivo possibilitar o respectivo tratamento informático, na constatação de que o impresso actual dificultava o seu tratamento físico (preâmbulo da Portaria nº 142/88), acrescentando o relatório da Portaria nº 545/88 que a criação de um modelo próprio se justificava pelo facto de se tratar de um documento essencialmente utilizado pelas instituições de crédito, sendo, assim, desejável que a livrança normalizada seja um documento preferencialmente de produção bancária, disponível para a clientela dos seus bancos.<br> Foi este, confessadamente, o objectivo que determinou a publicação das referidas Portarias.<br> Este, e apenas este.<br> Pensa-se, na verdade, que os modelos e impressos assim criados não podem ser considerados requisitos legais, essenciais, da livrança, de tal modo que a utilização dos impressos das letras, nos termos atrás explicitados, em conformidade com a prática sempre seguida, determine necessariamente a nulidade (ou ineficácia) do documento, isto é, não pode ele valer como livrança.<br> Tal significaria erigir esses impressos, contra o objectivo da sua criação, numa condição da própria "existência" do título enquanto tal e como tal, condição não prevista na LULL; isto é, teríamos, para além dos requisitos enunciados no artigo 75º desta Convenção, um novo requisito legal e essencial da livrança (e se bem se pensa, a aceitar-se o entendimento contrário, sempre seria de questionar da constitucionalidade das citadas normas das Portarias, por eventual violação do disposto nos artigos 8º - sabido que hoje se conclui, pacificamente, pelo princípio da primazia do direito internacional sobre o direito ordinário interno - e 112º da CRP, preceito este com virtualidade para chamar a terreiro a complexa problemática da deslegalização). <br> Por último, não será despiciendo apelar, neste momento, para o que antes se disse (cfr. ponto III, nº 2.), invocando o acórdão do Supremo de 1.7.89: da conjugação dos artigos 75º e 76º resulta que nem todos os requisitos são essenciais à existência da livrança - indispensável é, para além da assinatura do subscritor, dois outros requisitos, a saber, a palavra "livrança" inserta no próprio texto do título, e a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada com o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga.<br> Mas se assim é em relação a estes requisitos, por maioria de razão deve sê-lo no tocante à situação que nos ocupa, em que apenas não foi utilizado o impresso próprio da livrança, mas antes o impresso da letra, com todos os dizeres neste caso exigidos.<br> Em face do exposto, impõe-se concluir que aos recorrentes falece toda a razão, não tendo o acórdão recorrido violado qualquer norma jurídica (aliás, nenhuma foi invocada nas conclusões).<br> Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. <br> Custas a cargo dos recorrentes.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1998.<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro,<br> Lemos Triunfante.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> 1. A e B movem a Fundação C, pelo Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, execução para o pagamento de quantia certa, com processo sumário, dando a execução o acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Julho de 1979, transitado em julgado, que confirmou a sentença de 31 de Julho de 1978, proferida na acção de restituição de posse, processo principal, e na parte em que condenou a executada em obrigações líquidas de indemnização de que são dotados os exequentes, cuja liquidação não depende de simples cálculo aritmético. No requerimento inicial, os exequentes especificam os valores compreendidos na prestação devida a cada um deles e concluem por um pedido de 1468770 escudos, acrescido de juros à taxa legal contados desde a citação, sendo 376970 escudos a prestação devida à exequente A e 1091800 escudos a prestação devida ao exequente B.<br> A executada deduziu oposição por embargos à execução, que cumulou com oposição à liquidação deduzida, concluindo nesta por nada dever aos exequentes.<br> Os embargos foram logo rejeitados por despacho de folha 26, confirmado por acórdão da Relação de Lisboa de folhas 70 e seguintes, por sua vez confirmado por acórdão deste Supremo de folhas 90 e seguintes.<br> Foi depois proferido despacho a sanear o processo e a condenar a matéria de facto no litígio relativo à liquidação, sendo a organização da especificação e do questionário reclamado, sem êxito, pelos exequentes.<br> 2. Na abertura da audiência final, após ter sofrido um adiamento foi dada a palavra ao Excelentíssimo Advogado da executada para se pronunciar acerca da falta de duas testemunhas e da não presença de outra, todas identificadas na acta de folha 140, que, no uso desta, disse não prescindir do depoimento dos mesmos, requerendo que sejam inquiridas.<br> Sobre esse requerimento recaiu do despacho do Excelentíssimo Juiz, ditado para a acta, a decidir que, não obstante a falta das testemunhas arroladas e não prescindidas pela executada, se procedia ao julgamento, admitindo-as contudo a depor se comparecessem no decurso de audiência, antes de iniciada a produção de prova testemunhal arrolada pelos exequentes.<br> Este despacho foi impugnado mediante agravo da executada, admitido com subida diferida.<br> 3. Realizada a audiência final, o Excelentíssimo Juiz proferiu sentença liquidando as prestações devidas aos exequentes A e B nos montantes, respectivamente, de 227370 escudos e 1091800 escudos.<br> As decisões assim proferidas, impugnadas mediante recursos de apelação da executada e dos exequentes, foram confirmadas pelo acórdão de folhas 194 e seguintes da Relação de Lisboa, que também julgou o agravo interposto pela executada, negando-lhe provimento.<br> Deste acórdão pedem revista a executada, 1. recorrente, e os exequentes, 2. recorrentes.<br> A recorrente/executada, alegando a sisão da anulação do processado posterior ao despacho de que agravou ou, se assim não se decidir a revogação do acórdão, conclui afinal:<br> 1 - O douto acórdão recorrido não teve em consideração que a audiência de discussão e julgamento foi suspensa em 22 de Abril de 1993 para continuar em 27 de Abril de 1993, o que permitiria sem qualquer estrago ou inconveniente que tivessem sido ouvidas nessa data as duas testemunhas arroladas pela ora recorrente, conforme documentos de folhas 147 e 149;<br> 2 - A ora recorrente não requereu conforme acta de folha 140 o adiamento de audiência de discussão e julgamento, mas sim a possibilidade de inquirir as testemunhas arroladas, o que teria sido possível em 27 de Abril de 1993;<br> 3 - O douto acórdão recorrido não teve em consideração as disposições sobre a instrução do processo, não tendo em conta o dever de prestar a boa colaboração para a descoberta da verdade, artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil;<br> 4 - Fez errada interpretação dos ns. 1, 2 e 3 do artigo 651 do Código de Processo Civil, uma vez que não foi pedido qualquer adiamento da audiência, mas apenas a sua suspensão ou interrupção, o que, foi feito por iniciativa do Meritíssimo Juiz, tendo todavia recusado a audição das testemunhas;<br> 5 - A audiência de discussão e julgamento deverá ser repetida e anulado todo o processado a partir daí;<br> 6 - Meramente à cautela e caso assim se não entenda, a Fundação, ora recorrente, apenas poderá ser condenada a pagar a indemnização pelos danos provados e constantes dos ns. 1 a 8 do questionário;<br> 7 - A ora recorrente, como locadora, não violou os direitos do subarrendatário que ocupava totalmente o locado;<br> 8 - A ora recorrente só tem obrigação de indemnizar o subarrendatário pela importância de 1700 escudos mensais (preço da renda) e não de 10000 escudos mensais, conforme consta do quesito 9.<br> 9 - O exequente não tem direito a haver da ora recorrente qualquer qualitativo a título de danos não patrimoniais, nem a resposta ao quesito 10 permite intervir, por carência de factos, que o exequente tem direito a haver da executada a quantia de 100000 escudos a título de indemnização de danos morais;<br> 10 - A executada em nada tem de indemnizar a arrendatária que não habitava o andar quando da ocupação selvagem e, se fez obras no andar, foi em benefício do sublocador e à revelia da ora recorrente, que delas não teve qualquer conhecimento e, muito menos, consentidas por escrito;<br> 11 - Decidindo-se com fez o douto acórdão em revista fez tábua rasa dos preceitos legais sobre responsabilidade civil, sublocação e benfeitorias, artigos 483 e seguintes, 1060, 1036 e 1273, todos do Código Civil;<br> 12 - O douto acórdão recorrido não teve em consideração a causalidade adequada entre evento e lesão e ignorou que a responsabilidade da ora recorrente só lhe pode ser imputada por força do contrato de locação.<br> Por sua vez, as recorrentes/exequentes alegam a sisão a revogação parcial do acórdão, concluindo:<br> 1- Os encargos das rendas pagas durante o período de privação de uso e fruição do andar constituem um prejuízo da exequente e recorrente, como arrendatária, que está incluído na condenação proferida na douta sentença, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e que constitui título de execução e liquidação;<br> 2 - Estando provado que a exequente dispendeu, a esse título e nessas circunstâncias, a quantia de 149600 escudos, tal representa um prejuízo que deve ser considerado na liquidação e que compete à executada pagar;<br> 3 - Competia à executada (e não à exequente) o ónus de alegação e quais os factos que afastassem ou impedissem esse direito, nomeadamente o de alegar e provar que a exequente recebeu por outra via ou a outro título aquela quantia à compensação desses prejuízos;<br> 4 - A indemnização por factos ilícitos é calculada por forma a repor os lesados na mesma situação em que estariam se não tivesse ocorrido a lesão, pelo que estas tem direito a reclamar a correcção dos valores dos bens ao tempo da lesão ou das inerentes despesas, por aplicação dos juros legais desde a citação, até ao momento do pagamento das indemnizações em dinheiro.<br> 5 - No caso, a executada está constituída na designação de pagamento de indemnizações em dinheiro, por facto ilícito, pelo que se constituíu em mora desde a citação na execução (cfr. n. 3 do artigo 805 do Código Civil).<br> 6 - A executada devedora, em mora desde a citação, está obrigada ao pagamento dos respectivos juros, como indemnização nos termos dos artigos 804 e 806 do Código Civil, até ao pagamento efectivo das quantias indemnizatórias;<br> 7 - A indemnização com o valor correspondente aos juros moratórios legais, pedidos desde a citação, está incluída dentro dos limites do título executivo (artigo 45 do Código de Processo Civil);<br> 8 - Portanto, o pedido de juros sobre 1468770 escudos, à taxa legal e desde a citação, tem pleno fundamento, pelo que o acórdão recorrido violou as citadas deposições legais;<br> 9 - O acórdão recorrido fez errada aplicação do direito, designadamente dos artigos 342, 473, 483, 561, 562, 564, 566, 804, 805, 806, 1022 e 1040, do Código Civil e dos artigos 45 e 663 do Código de Processo Civil;<br> 10 - Deve ser rectificado o lapso de escrita apontado na Capitulo III, substituindo-se a locução "dado" pela preposição "desde", na última linha do verso da 3. folha do acórdão recorrido (cfr. artigo 667 do Código de Processo Civil).<br> A executada não impugnou os fundamentos da 2. revista.<br> Corridos os vistos legais, cumpre decidir.<br> 4. A matéria de facto fixada pela Relação, com interesse para o julgamento de ambos os recursos, é a seguinte:<br> 4.1 - Dão-se como integralmente reproduzidos o teor da sentença proferida em 31 de Julho de 1978, nos autos de restituição de posse que A e B instauraram contra a Fundação C, bem como o acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Julho de 1979, que confirmou tal sentença, na parte em que condenou a dita Fundação em indemnização, a favor dos exequentes, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por estes sofridos, em virtude de privação de uso e fruição do local arrendado e subarrendado, bem como dos móveis e utensílios neste existentes, desde 2 de Outubro de 1975 (Esp. A);<br> 4.2 - Os exequentes foram reinvestidos na posse do 6. andar, porta 4 do prédio sito na Avenida de Roma, n. 24, em Lisboa, a 10 de Fevereiro de 1983 (Esp. B);<br> 4.3 - Desde que ocorreu a ocupação do andar a que se alude em 4.2 (Esp. B), até ao momento citado também em<br> 4.2 (a 10 de Fevereiro de 1983), a exequente continuou a pagar à executada a respectiva renda, no montante de 1700 escudos mensais (Esp. C);<br> 4.4 - No momento em que se alude em 4.2 (10 de Fevereiro de 1983), foi verificada a falta dos seguintes bens, pertença do exequente B, e descriminados na nota junto a página 12 dos autos a que se alude em 4.1 (Esp. A) e que são: um sofá cama, um cabide de parede metálico, um porta guarda-chuvas, uma cama de casal com colchão de arame e colchão de espuma, um maple de orelhas, um espelho de parede, uma prateleira de vidro, dois toalheiros, um porta-rolos, um banco e vários utensílios de cozinha (resposta ao quesito 1.);<br> 4.5 - Os bens a que se alude na resposta ao quesito anterior (referido em 4.4) encontravam-se no andar citado em 4.2 (Esp. B), quando ocorreu a ocupação do mesmo, no dia 2 de Outubro de 1975, cerca das 10 horas e 30 minutos (resposta ao quesito 2);<br> 4.6 - O valor dos bens citados na resposta ao quesito 1 (4.4) é de 40800 escudos (resposta ao quesito 3);<br> 4.7 - O esquentador, fogão e frigorífico a que se alude na relação junto a folha 12 dos autos (referida em 4.4) encontravam-se no andar referido em 4.2 (Esp. B), quando ocorreu a ocupação do mesmo, no dia 2 de Outubro de 1975, cerca das 10 horas e 30 minutos (resposta ao quesito 4);<br> 4.8 - O armário de farmácia a que se alude na relação junta a folhas 12 dos autos citados em 4.1 (Esp. A) encontravam-se no andar referido em 4.2 (Esp. B), quando ocorreu a ocupação do mesmo, em 2 de Outubro de<br> 1975, cerca das 10 horas e 30 minutos (resposta ao quesito 5);<br> 4.9 - Os bens citados nas respostas as quesitos 4 e 5, pertença do exequente, encontravam-se destruídos quando ocorreu o referido em 4.2 (Esp. B), tendo ficado sem qualquer proveito (resposta ao quesito 6);<br> 4.10 - Os bens citados na resposta aos quesitos 4 e 5 tinham o valor de 46000 escudos (resposta ao quesito 7);<br> 4.11 - Importa em 25000 escudos a conta de reparação do mobiliário do exequente que se encontrava em mau estado quando ocorreu o citado em 4.2 (Esp. B) (resposta ao quesito 8);<br> 4.12 - Desde que ocorreu a ocupação a que se alude no quesito 2, até 10 de Fevereiro de 1983, a exequente, para ocorrer às suas necessidades de habitação, teve de suportar uma renda mensal de 10000 escudos (resposta ao quesito 9);<br> 4.13 - O assalto e ocupação do andar, a que se alude na resposta a quesito 2, abalou fortemente o exequente, que pelo vexame a que foi sujeito, quer pela angústia da privação da casa e demais pertences nela existentes até 10 de Fevereiro de 1983 (resposta ao quesito 10);<br> 4.14 - A exequente dispendeu 1120 escudos com o arrombamento e substituição da fechadura da porta do andar a que se alude na alínea B da especificação, quando ocorreu o citado nesta alínea (resposta ao quesito 11);<br> 4.15 - O telefone existente no andar, a que se alude na alínea B da especificação, foi retirado após a ocupação citada na resposta ao quesito 2 (resposta ao quesito 12);<br> 4.16 - Por força do citado na resposta ao quesito anterior, após o referido na alínea B da especificação, a exequente teve de requerer nova instalação de telefone para o andar citado nesta alínea (resposta ao quesito 13);<br> 4.17 - A exequente despendeu 6250 escudos, por força do referido na resposta ao quesito anterior (resposta ao quesito 14);<br> 4.18 - Durante o lapso de tempo compreendido entre o momento da ocupação citada na resposta ao quesito 2 e o referido na alínea B da especificação, as pinturas do andar a que se alude nesta alínea B, ficaram em péssimo estado (resposta ao quesito 15);<br> 4.19 - Durante o lapso de tempo a que se alude na resposta ao quesito anterior, as alcatifas do andar, a que se alude na alínea B da especificação, ficaram em péssimo estado (resposta ao quesito 14);<br> 4.20 - Por força do referido nas respostas aos quesitos 15 e 16, a exequente mandou proceder a pinturas e substituição de alcatifas, no andar a que se alude na alínea B da especificação (resposta ao quesito 17);<br> 4.21 - Durante o lapso de tempo citado na resposta ao quesito 15, os estores do andar, a que se alude na alínea B da especificação ficaram a carecer de restauro (resposta ao quesito 18);<br> 4.22 - A exequente mandou proceder ao restauro dos estores a que se alude na resposta ao quesito anterior (resposta ao quesito 19);<br> 4.23 - Durante o lapso de tempo a que se alude na resposta ao quesito 15, partiram-se e foram arrancados alguns azulejos na cozinha e casa de banho do andar em causa (resposta ao quesito 20);<br> 4.24 - A exequente mandou proceder à colocação dos azulejos citados na resposta ao quesito anterior (resposta ao quesito 21);<br> 4.25 - Durante o lapso de tempo a que se alude na resposta ao quesito 15, a instalação eléctrica, canalização, torneira, portas e fechaduras do andar em causa danificaram-se (resposta ao quesito 22);<br> 4.26 - A exequente mandou proceder à revisão e concerto do referido na resposta ao quesito anterior (resposta ao quesito 23);<br> 4.27 - Durante o lapso de tempo a que se alude na resposta ao quesito 17, partiram-se vidros da porta da sala (resposta ao quesito 24);<br> 4.28 - A exequente mandou proceder à colocação dos vidros a que se alude na resposta ao quesito anterior (resposta ao quesito 25);<br> 4.29 - Quando ocorreu o citado na alínea B da especificação, o andar a que nesta alínea se alude encontrava-se com muito lixo e pó (resposta ao quesito 26);<br> 4.30 - Por força do referido na resposta ao quesito anterior, a exequente, após o citado na alínea B da especificação mandou proceder à limpeza geral do andar a que se alude nesta alínea (resposta ao quesito 27);<br> 4.31 - A exequente despendeu 220000 escudos com o referido nas respostas aos quesitos 17, 19 23, 25 e 27 (resposta ao quesito 28);<br> 5. Começando pelo conhecimento do objecto do recurso de revista interposto pela executada, 1. recorrente, nele é posta para resolver a questão da não suspensão da audiência final realizada em 27 de Abril de 1993, o que impossibilitou a inquirição de duas testemunhas por si arroladas que faltaram naquela data e de cujo depoimento não prescindiu.<br> Esta suspensão da audiência, que a recorrente diz ter requerido, traduzir-se-ia, pois, no adiamento parcial da inquirição de testemunhas cujos depoimentos não tinham de ser reduzidos a escrito.<br> E, no artigo 630, n. 2, do Código de Processo Civil contempla-se como regra o adiamento parcial da inquirição de testemunhas quando os depoimentos tenham de ser escritos, o que na realidade da vida judicial é verdadeira excepção, como observa o Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, Notas, vol. III, página 186, nota 3, esclarecendo:<br> "Em tal hipótese o que acontece é que o tribunal colectivo tendo, em regra, que responder à matéria de facto logo após a produção de prova testemunhal, terá de considerar inconveniente grave ouvir umas testemunhas num dia e as restantes noutro dia; praticamente o adiamento parcial de inquirição sem registo por escrito dos depoimentos só será de admitir quando o tribunal, usando da faculdade prevista no n. 1 do artigo 628, já esteja procedendo à inquirição parcelar".<br> Não era seguramente este caso verificado sem que fosse de admitir o adiamento parcial da inquirição, sendo que o adiamento total não foi referido e nem um nem outro seria admissível por a audiência já ter sido adiada uma vez (cfr. artigo 651, n. 2, do Código de Processo Civil).<br> Daí o acerto da decisão ao não suspender a audiência para efeitos de possibilitar a inquirição das testemunhas faltosas, confirmada pelo acórdão recorrido.<br> Acresce que o que o Excelentíssimo Mandatário da executada requereu foi a inquirição de testemunhas faltosas de cujo depoimento não prescindiu, sem referir para tanto necessária a suspensão da audiência.<br> E esse requerimento, bem vistas as coisas, foi atendido no despacho que sobre ele recaiu, ao admitir a inquirição de testemunhas se comparecessem no decurso da audiência que mandou prosseguir, antes de iniciada a produção da prova testemunhal arrolada pelos exequentes.<br> Por outro lado, não consta das actas de audiência final, a folhas 140 e seguintes e 143, que as testemunhas tenham comparecido no decurso dessa audiência, que teve lugar em 22 de Abril de 1993 e prosseguiu em 27 de Abril 1993, e tenha sido recusada a sua inquirição. improcede, pois, este fundamento do recurso.<br> 6. Nas conclusões da alegação da 1. recorrente são ainda postas para resolver estas outras questões: a executada apenas é responsável pela reparação dos danos a que se reportam as respostas aos quesitos 1 a 8, de que é lesado o exequente B; o dano deste executado, no que respeita à renda, é de 1700 escudos mensais e mais de 10000 escudos por mês; o exequente B não sofreu qualquer dano não patrimonial ressarcível; a executada não é responsável por qualquer dano sofrido pela arrendatária, que não habitava o andar ocupado.<br> Porém, destas questões só a enunciada em último lugar foi resolvida no acórdão recorrido, por só esta ter sido posta na apelação.<br> E a decisão que lhe foi dada pela Relação, de que tal obrigação de indemnização se encontra definitivamente apurada no acórdão que serve de título executivo, faltando apenas liquidar o seu "quantum", não é passível de reparo.<br> Com efeito, o acórdão da Relação transitado em julgado e contendo na sua parte dispositiva a decisão condenatória da executada em indemnização, também a favor da exequente Júlia, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em virtude da privação do uso e fruição do local arrendado e subarrendado, bem como dos móveis e utensílios nestes existentes, desde 2 de Outubro de 1975, dado à execução, é título executivo - artigos 46, alínea a) e 47, n. 1, do Código de Processo Civil.<br> É através do título executivo, que serve de base à execução, que se determinam os fins e os limites desta - artigo 45, n. 1, do mesmo Código.<br> Assim, é pelo título executivo que se mede a extensão do pedido, pois, como escreve o Professor Antunes Varela, na Rev. de Leg. e Jurisprudência, ano 121, página 147, e se depreende do disposto no artigo 46 citado, o título executivo é "o documento (título Hoc sensu) donde consta (não donde nasce) a obrigação cuja prestação se pretende obter por via coactiva (por intermédio do Tribunal).<br> Deverá, por isso, haver harmonia ou conformidade entre o pedido e o direito do credor constante do título.<br> Ora, a conformidade ou harmonia entre o pedido na acção executiva e o direito de crédito da exequente Júlia constante do título é patente, como se viu.<br> Daí a improcedência de mais este fundamento do recurso.<br> Quanto às demais questões postas pela recorrente, elas não foram resolvidas no acórdão recorrido e não constitui fundamento do recurso de nulidade desse acórdão por omissão do seu conhecimento. São pois questões novas.<br> E os recursos, por definição e como resulta disposto no artigo 676, n. 1, do Código de Processo Civil, visam a reapreciação pelo tribunal ad quem das questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e a pronúncia sobre questões novas, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso do tribunal, o que não é aqui o caso, como é orientação pacífica dos tribunais superiores (cfr., por todos, o Acórdão deste Tribunal, de 15 de Abril de 1993, na Col. Jurisp., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo II, página 62).<br> Donde não se conhecer agora das demais questões postas pela recorrente.<br> 7. Passando ao conhecimento do objecto da revista interposta pelos exequentes, 2. recorrentes, a primeira questão aí posta é a do ressarcimento do dano sofrido pela exequente A decorrente do pagamento das rendas que efectuou durante o período da ocupação da casa arrendada, em que esteve privada do seu gozo.<br> Assim, para o caso de a privação ou diminuição do gozo da coisa locada ser imputável ao locador ou a familiares seus, confere o artigo 1040, n. 1, do Código Civil o direito do locatário à redução da renda, proporcional ao tempo da privação ou diminuição desse gozo (cfr. Professor Vaz Serra, na Rev. de Leg. e Jurisp., Ano 110, página 169 e Professor Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3. edição, página 397).<br> E, no acórdão dado à execução pode ler-se que "se declarou provado que na ocupação do andar em litígio - ocupação que foi levada a efeito com o emprego de meios violentos - intervieram dois representantes da Ré:<br> Martins de Carvalho e Correia Varela".<br> A privação do gozo da casa arrendada sofrido pela exequente, locatária, foi, por isso, imputável à locadora, a aqui executada, razão porque tem aquela direito a ser ressarcida pelo dano que sofreu decorrente do pagamento das rendas que efectuou durante o tempo de privação (de 2 de Outubro de 1975 a 10 de Fevereiro de 1983), a que corresponde o montante de 149600 escudos, valor que a exequente especificou como compreensivo na prestação de que é credora e que não foi atendido pelas instâncias.<br> A prestação devida à exequente A deve assim ser liquidada no montante total de 376970 escudos.<br> 8. Uma outra e última questão posta na revista pedida pelos exequentes, 2. recorrentes, é a dos juros que eles pretendem ver contados desde a citação sobre os montantes liquidados.<br> E, apreciando-a, haverá que remeter para o que ficou dito, no conhecimento da revista pedida pela executada, sobre a harmonia ou conformidade que deve haver entre o pedido na acção executiva e o direito do credor constante do título, por aqui ter plena validade.<br> Daí que, à parte do pedido que exceda o constante do título falte título executivo.<br> É a lição do Professor J. A. Reis, Anotado, vol. I, página 151, assim expressa:<br> "Desde que a execução não é conforme no título na parte em que existe a divergência tudo se passa como se não houvesse título: nessa parte a execução não encontra apoio no título".<br> Ora, os juros pedidos pelas exequentes, a deverem ser contados desde a citação, correspondem a uma indemnização para reparação dos prejuízos por eles sofridos e decorrentes da mora da executada no pagamento da prestação pecuniária exequenda - artigos 804, n. 1 e 806, n. 1, do Código Civil.<br> Portanto os juros moratórios pedidos, como indemnização que são, constituem um crédito diverso dos exequentes, como se observa, para situação idêntica, no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Janeiro de 1984, no B.M.J. 333, página 380.<br> A autonomia do crédito de juros relativamente ao crédito principal está, de resto, afirmada no artigo 561 do Código Civil.<br> Mas a condenação da executada no pagamento dos juros moratórios pedidos não consta do acórdão que serve de base à execução.<br> Há, deste modo, falta de título quanto à prestação de juros moratórios pedidos, pelo que não é admissível a execução por tal prestação.<br> 9. Termos em que, negando a revista da executada, 1. recorrente, e concedendo parcialmente a revista dos exequentes, 2. recorrentes, se revoga em parte o acórdão recorrido, ao liquidar-se aqui a prestação devida à exequente A no montante de 376970 escudos (trezentos e setenta e seis mil novecentos e setenta escudos), mas confirmando-o no mais decidido.<br> As custas da revista da executada são da responsabilidade da recorrente. As custas da revista dos exequentes, neste Supremo e nas instâncias, são da responsabilidade dos recorrentes e da recorrida, na proporção do vencimento.<br> Lisboa, 9 de Novembro de 1995.<br> Costa Marques.<br> Joaquim de Matos.<br> Costa Soares.<br> Decisões:<br> I - Sentença de 7 de Maio de 1993 do 6. Juízo - 1. Secção de Lisboa;<br> II - Acórdão de 13 de Outubro de 1994 da Relação de Lisboa;</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. A e mulher B, o primeiro hoje substituído pelos seus sucessores B (sua mulher), C e marido D, E e mulher F, G e mulher H, I e mulher J, L, M,<br> N e O pedem revista do acórdão da Relação de Évora que, confirmando, nessa parte, a sentença do Círculo Judicial de Santiago do Cacém, julgou improcedente a acção por eles intentada contra vários réus, dos quais se mantêm na instância, neste momento, apenas P e mulher Q.<br> Pretendiam e pretendem ser investidos na propriedade e posse dos prédios indicados no artigo 1 da petição inicial, vendidos aos referidos réus, com desrespeito da preferência legal resultante da sua situação de arrendatários (artigo 29 da Lei 76/77, de 29 de Setembro).<br> Nas conclusões da sua alegação de recurso dizem os recorrentes:<br> 1. - É evidente a divergência entre o teor da comunicação para preferência de 15 de Fevereiro de 1985 - que exclui do projecto de compra e venda a cortiça a extrair no Verão de 1985 - e a escritura de 28 de Fevereiro do mesmo ano, perfeitamente omissa relativamente ao destino da cortiça;<br> 2. - É legalmente impossível a conclusão constante do acórdão recorrido nos termos da qual a cortiça teria sido vendida na árvore a terceiros no dia 14 de Fevereiro de 1985, véspera da comunicação para preferência; na verdade.<br> 3. - A cortiça naquelas condições - a extrair no Verão de 1985, - assume a natureza de coisa imóvel - alínea c) do n. 1 do artigo 204 do Código Civil, só podendo a sua propriedade ser transferida por escritura pública - artigo<br> 875 do C.Civil e 89 do Código do Notariado - fulminando a lei de nulidade o negócio jurídico se nãotiver sido<br> - como manifestamente não foi - utilizada a forma legalmente prescrita - artigo 220 do Código Civil; também,<br> 4. - A coberto da escritura de compra e venda de 28 de Fevereiro de 1985 transferiu-se para o comprador P a propriedade da cortiça existente nas árvores àquela data, por aplicação dos comandos legais contidos nos ns. 1 e 2 do artigo 882 do Código Civil, uma vez que a escritura é completamente omissa relativamente ao destino da cortiça, como claramente se apurou nos autos;<br> 5. - Tendo a venda sido concretizada em condições seguramente menos onerosas do que as anunciadas na comunicação para preferência - o preço incluiu o valor da cortiça, expressamente excluído da comunicação - deve decidir-se não terem os recorrentes perdido o direito de preferência cujo reconhecimento pedem nesta acção.<br> Os recorridos pronunciam-se pela negação da revista.<br> Cumpre apreciar e decidir.<br> 2. Vem pelo tribunal recorrido fixada a matéria de facto que a seguir se descreve.<br> A) O prédio misto denominado "Codeços", sito na freguesia e concelho de Grândola, inscrita a parte rústica na matriz cadastral da freguesia de Grândola sob o artigo 71, da secção CC, índice 1, e inscrita a parte urbana sob o artigo 671, da matriz predial urbana da freguesia de Grândola, sob o n. 676, do livro B-2 e o prédio misto denominado "Codeços", sito na freguesia e concelho de Grândola, inscrita a parte rústica na matriz cadastral da freguesia de Grândola sob o n. 67 da secção CC, índice 1 e a parte urbana inscrita na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 672, descritos na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o n. 6593 do livro B-19, estão registados em nome de R e marido e S e mulher e o usufruto em nome de T.<br> B) O falecido autor A era arrendatário dos referidos prédios.<br> C) S, R e T enviaram a A a carta datada de 15 de Fevereiro de 1985 e constante de folhas 15, comunicando-lhe a intenção de vender os dois prédios ao réu P pelo preço de 4500000 escudos, a pagar no momento da escritura, que se realizaria no dia<br> 28 do mesmo mês, ficando excluída da transacção a venda de toda a cortiça a extrair dos prédios, no Verão de 1985, e convidando-o a exercer o seu direito de preferência como rendeiro, no prazo de oito dias.<br> D) Em 25 de Fevereiro de 1985, A escreveu a S a carta junta a folhas 59, declarando não estar interessado na compra dos prédios nas condições expostas na carta do anterior dia 15.<br> E) Por escritura pública de 28 de Fevereiro de 1985, outorgada no cartório notarial de Santiago de Cacém, R e S venderam a nua propriedade dos dois prédios mencionados na alínea A) ao réu P pelo preço global de 4000000 escudos e T vendeu ao mesmo réu o usufruto dos mesmos prédios pelo preço global de 500000 escudos, não aludindo a escritura ao destino a dar à cortiça das árvores dos referidos prédios.<br> F) Foi intenção das partes, ao celebrarem a escritura da alínea anterior, dela excluirem a venda da cortiça.<br> G) A cortiça existente nos prédios vendidos tinha, no ano de 1985, a idade legal da extracção, com um valor da ordem das centenas de contos.<br> H) A cortiça mencionada na alínea anterior foi vendida nas árvores, em 14 de Fevereiro de 1985, pelos outorgantes vendedores à sociedade "Alfredo, Estêvão e Correia, Lda".<br> I) Por vezes, é vendida na árvore a cortiça a extrair em determinado ano e com algum tempo de antecedência.<br> J) Na região, o valor do prédio é sempre calculado em função das idades da cortiça.<br> L) No dia 14 de Fevereiro de 1988, R e S, por si e na qualidade de herdeiros de T, celebraram a escritura pública constante de folhas 130 a 133, de rectificação da escritura de 28 de Fevereiro de 1985, no sentido de esclarecerem que a venda então efectuada tinha sido feita com exclusão da cortiça a extrair nesse ano de 1985 dos prédios rústicos transaccionados.<br> 3. Nas 2. e 3. conclusões da sua alegação sustentam os recorrentes a impossibilidade legal de a cortiça ter sido vendida na árvore a terceiros no dia 14 de Fevereiro de 1985, véspera da comunicação da preferência, e isto por a transacção não se ter efectivado por meio de escritura pública, nos termos dos artigos 875 do CC e 89 do Código do Notariado.<br> Sabe-se que a cortiça, por ser a produção periódica de uma coisa que não afecta a sua substância, integra o conceito jurídico de fruto natural, tal como se encontra definido nos ns. 1 e 2 do artigo 212 do CC. E os frutos naturais são de considerar coisas imóveis, como se refere na alínea c) do n. 1 do artigo 204 do mesmo Código. Contudo, apenas pertencem a essa categoria enquanto ligados ao solo.<br> Assim, se o terreno for vendido, a menos que haja declaração em contrário, a venda abrangerá a cortiça dos sobreiros do terreno. E também a cortiça será coisa imóvel se a venda separada dos sobreiros do terreno se compadecer com a continuação da sua ligação ao solo (constituição duma situação de direito de superfície, artigo 1528 do CC). (1)<br> Mas, se os frutos forem objecto de um negócio que envolva a sua desligação do prédio, como no caso dos autos (venda da cortiça nas árvores, meses antes da sua extracção), a transferência da sua propriedade para o adquirente só ocorrerá no momento da separação material, como expressamente consta do n. 2 do artigo 408 do CC. Até esse momento, o adquirente terá um mero direito de crédito - o direito de exigir que o vendedor lhe permita apartar do prédio os frutos objecto do contrato. O vendedor, por sua vez, fica obrigado a exercer as diligências necessárias para o comprador distrair do prédio os frutos vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato, nos termos do n. 1 do artigo 880 do CC.<br> Incide, assim, a alienação sobre coisas móveis futuras, por ser essa a natureza jurídica que os frutos objecto do contrato adquirirão após a separação material do prédio.<br> Donde os contraentes considerarem as coisas alienadas (v.g., a cortiça dos autos), não no seu estado actual de coisas imóveis, mas antes no seu estado futuro, resultante da separação, ou seja, no estado de coisas móveis.<br> Destarte, a alienação da cortiça das árvores de determinado prédio não está sujeita a escritura pública, por fora do âmbito do artigo 875 do CC e 89, alínea a) do Código do Notariado então vigente, que se reportam a bens imóveis. (2)<br> Improcedem, assim, as 2. e 3. conclusões da alegação.<br> 4. Nas demais conclusões da sua alegação continuam a sustentar os recorrentes apesar da matéria de facto fixada pelas instâncias e que este Supremo Tribunal, como tribunal de revista tem de acatar, de harmonia com os cânones dos ns. 1 e 2 do artigo 729 do CPC, que a coberto da escritura de compra e venda de 28 de Fevereiro de 1985 se transferiu para o comprador P a propriedade da cortiça existente nas árvores àquela data, em desconformidade com o conteúdo da comunicação para a preferência de 15 de Fevereiro de 1985.<br> E invocam o disposto no n. 2 do artigo 882 do CC, onde se estabelece que a obrigação de entregar a coisa abrange<br> "as partes integrantes e os frutos pendentes" a ela pertencentes.<br> Mas, segundo este normativo, o fenómeno será diferente se houver estipulação em contrário.<br> Ora, o tribunal recorrido deu como apurada essa estipulação em contrário.<br> Com efeito, o aresto sob censura deu como assente, não obstante nada constar sobre isso na escritura pública de<br> 28 de Fevereiro de 1985, ter sido intenção das partes excluirem da venda dos prédios a cortiça neles produzida, tendo sido esta vendida, nas árvores, à sociedade "Alfredo, Estêvão e Correia, Lda., em 14 de Fevereiro de 1985.<br> Daí corresponder à verdade a comunicação para preferência de 15 de Fevereiro de 1985 feita pelos vendedores ao arrendatário José Francisco Amaro, titular de preferência real, ao tempo reconhecida pelo artigo 29 da Lei 76/77, de 29 de Setembro.<br> Ao declarar não querer preferir, perdeu o arrendatário o direito de haver para si os prédios alienados, sendo injustificável que, em recurso de revista, pretendam os seus sucessores ver alterada a matéria de facto a fim de o adquirente abrir mão dos prédios em seu favor, incluindo o preço a pagar, em contrapartida, e da responsabilidade dos ora recorrentes, o valor da cortiça, contra o apurado nos autos, em matéria de facto.<br> 5. Termos em que se nega a revista, com custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 28 de Maio de 1996.<br> Amâncio Ferreira.<br> Machado Soares.<br> Fernandes Magalhães.<br> (1) Cf. João Castro Mendes, "Teoria Geral do Direito Civil", Vol.I, 1978, pp. 398 e seg.<br> (2) Cf.: Acórdão do STJ de 23 de Novembro de 1976, BMJ,<br> 261, p.165: Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", Vol.I, 4. edição, p. 197: Manuel Henrique Mesquita, "Direitos Reais", 1967, pp. 25 e segs; e Pessoa Jorge, "Obrigações", 1966, p. 66.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A requereu contra B procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar de acção de divórcio.<br> O arrolamento foi decretado, abrangendo os rendimentos de um prédio urbano.<br> Posteriormente foi decretado o divórcio, tendo a sentença transitado em julgado.<br> O requerido pediu então o levantamento do arrolamento e a entrega das rendas do prédio, entretanto depositadas, o que foi indeferido pela primeira instância e confirmado pelo Tribunal da Relação.<br> Subiram os autos ao Supremo, tendo sido decidido que não tinha ocorrido a caducidade do arrolamento e ordenada a baixa dos autos à Relação afim de se proceder à reforma da decisão no que toca à pretensão do levantamento dos rendimentos do prédio.<br> O Tribunal da Relação decidiu que enquanto se mantiver o arrolamento, não poderão os rendimentos ser levantados.<br> Inconformado, recorre o requerido para este Tribunal.<br> Formula as seguintes conclusões:<br> - Tendo em atenção o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal da Relação, e tendo o agravante requerido a cessação do depósito das rendas vincendas e sua respectiva entrega, na qualidade de cabeça de casal, o arrolamento decretado não poderá sustar os requeridos levantamentos;<br> - Pois, quer por aplicação analógica do n. 2 do artigo 382 do Código de Processo Civil, ao abrigo do disposto no artigo 10 do Código Civil, já decorrem mais de 6 meses sem que tenha havido promoção do processo de inventário; quer, ao abrigo do disposto no artigo 291, a instância iniciada com o arrolamento está interrompida há mais de 5 anos, sem que a parte que a promoveu tivesse interposto o processo de inventário subsequente ao divórcio;<br> - Os bens resultantes da dissolução do casamento constituem, tal como a herança, um património autónomo; a autonomia manifesta-se quer na actividade da defesa da herança, quer no exercício de direitos, quer na respectiva administração (artigo 2087 a 2091 do Código Civil);<br> - Sendo que este património autónomo se constitui com a decisão que julgou o divórcio (artigo 2031 do Código Civil);<br> - A administração deste património e o direito à disponibilidade dos rendimentos, desde que não afecte a respectiva administração, está consagrado no artigo 2092 do Código Civil, pelo que, também por este motivo, há lugar à distribuição dos rendimentos na parte que excede as despesas da administração;<br> - O não reconhecer o direito à livre disponibilidade, ainda por cima quando os ex-cônjuges desertaram da instância ou se desinteressaram da sua partilha seria reconhecer à providência cautelar o mesmo efeito que se reconhece à decisão de uma acção definitiva;<br> - O acórdão recorrido violou os acima citados preceitos legais.<br> Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido ou então o levantamento dos rendimentos por recorrente e recorrida em partes iguais.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vem dado como provado:<br> A, requereu, como preliminar da acção de divórcio, arrolamento, oportunamente efectivado, veio a ser ordenado no dia 17 de Junho de 1991;<br> Entre os bens arrolados figuram as rendas relativas ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de<br> Rio Tinto, Gondomar, sob o artigo..., que passaram a ser depositadas, pelos inquilinos, na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Tribunal;<br> Em 16 de Setembro de 1991, A instaurou divórcio litigioso contra o seu marido B, divórcio que veio a ser decretado, com culpa exclusiva deste, por sentença de 12 de Novembro de 1993, transitada em julgado em 16 de Novembro de 1995;<br> Nenhum dos interessados - agravante e agravada - requereu inventário subsequente ao divórcio, nem existe partilha extra-judicial do património do casal.<br> Após vicissitudes várias (o arrolamento foi requerido em 1991) o processo chega novamente a este Tribunal com um âmbito delimitado.<br> Por Acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1997 foi decidido que não ocorreu a caducidade, mantendo-se por isso o arrolamento e foi ainda determinado que os autos baixassem<br> à Relação para esta se pronunciar sobre a pretensão do requerente de proceder ao levantamento dos rendimentos do prédio arrolado.<br> A Relação desatendeu a referida pretensão.<br> Daí o presente recurso.<br> A questão de fundo que se coloca é a de saber se, decretado o divórcio mas ainda não efectuada a partilha dos bens do casal, os ex-cônjuges podem dispor dos rendimentos de um seu prédio urbano arrolado.<br> As providências cautelares visam obter uma composição provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, a efectividade da tutela jurisdicional, o efeito útil da acção, a que se refere o artigo 2 n. 2 do CPC.<br> São meios de tutela do direito que carecem de autonomia, dependendo de uma acção já intentada ou a intentar.<br> Dessa justificação e finalidade decorre a caracterização das providências cautelares; a provisoriedade; a instrumentalidade; a "sumaria cognitio"; o carácter urgente, a estrutura simplificada.<br> Assim sucede com o arrolamento que, como é o caso, seja preliminar de acção de divórcio e que tem por finalidade prevenir o perigo de extravio ou dissipação dos bens (artigos 1413 e 421 do Código de Processo Civil).<br> Mas, as referidas provisoriedade e instrumentalidade prendem-se com a acção de que depende o arrolamento, ou seja, o divórcio.<br> Decretado que se encontra o divórcio, a razão de ser que levou ao deferimento da providência mantém-se até que exista descrição de bens no inventário. De facto, o arrolamento incide sobre os bens que devam vir a ser partilhados e tem como finalidade essencial garantir que tais bens existam no momento em que se efectue a partilha.<br> O auto de arrolamento servirá de descrição no inventário a que venha a proceder-se (artigo 426 n. 3 do Código de Processo Civil).<br> Como escreve Lopes Cardoso - "Partilhas Judiciais" III, pág.360: "Daí que o arrolamento em causa subsista e firme a sua eficácia para além da decisão que julgou procedente a causa de que foi preliminar ou incidente. Dá-se, por assim dizer, como que uma "extensão" dos seus efeitos, na certeza de que a "partilha" é uma das consequências necessárias da causa em que foi decretada".<br> É certo (como já está dito neste processo), que o arrolamento não deve necessariamente abranger também os rendimentos dos bens arrolados, colocando-se os cônjuges, eventualmente, numa situação de carência económica - Ac.<br> STJ de 23 de Julho de 1981, BMJ n. 309, pág. 310.<br> A verdade, porém, é que tal foi ordenado por sentença transitada em julgado.<br> O arrolamento dos rendimentos deve, pois, em princípio, manter-se.<br> Não há nos autos elementos bastantes sobre o inventário, que aparece referido nas alegações, mas não concretizado documentalmente.<br> Certo é, porém, que sendo o aqui recorrente o cabeça de casal a ele compete fazer prosseguir o inventário. De um eventual e intencional desinteresse processual do cabeça de casal no inventário não poderá resultar o levantamento do arrolamento, sob pena de se cair numa situação de abuso de direito, de um "venire contra factum proprium" (artigo<br> 334 do Código Civil).<br> Não é assim aqui legítima a analogia com a situação do arresto, prevista no artigo 382 n. 2 do Código de Processo Civil.<br> A questão, pensamos, tem que se colocar noutra sede.<br> O cerne do problema é este: ficarão as partes indefinidamente impossibilitadas de dispor dos rendimentos depositados?<br> Recorrente e recorrida têm, obviamente, forma de pôr fim ao arrolamento e situação de indisponibilidade que daí resulta. Mas não se vê que concretizem essa faculdade.<br> Sustenta o recorrente que após o divórcio os bens deixaram de estar sob o regime de comunhão geral e passaram a constituir um património autónomo, de que o mesmo pode dispor.<br> A autonomia patrimonial traduz-se na existência de uma massa de relações patrimoniais, pertencentes ao mesmo sujeito do património geral, com um tratamento jurídico particular. Poderá também utilizar-se a expressão património autónomo para os patrimónios transitoriamente sem sujeito, como é o caso da herança jacente (artigo 2046 do Código Civil), usando-se o conceito de património separado para a primeira das situações.<br> Um dos critérios do reconhecimento da autonomia ou separação de patrimónios é o da responsabilidade por dívidas. Património autónomo será o que responde por dívidas próprias, ou seja, só responde e responde só ele por certas dívidas - Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral do Direito Civil" - 3. edição, pág. 345/349.<br> Se, claramente, a herança é um património autónomo, já o mesmo não se poderá concluir no que toca aos bens a partilhar após o divórcio.<br> Mas, se é assim no campo dos conceitos, nada parece, porém, obstar a que se invoque a analogia com a herança, para recorrer ao artigo 2092 do Código Civil, dentro do contexto de integração das lacunas da lei (artigo 10 do Código Civil).<br> Determina-se naquele artigo que qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro têm o direito de exigir que o cabeça de casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhe caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração.<br> Os rendimentos aí referidos dizem respeito aos bens da herança que o cabeça-de-casal administra e a distribuição dos rendimentos deverá ser feita na proporção das quotas dos interessados.<br> Partindo do princípio de que é o cabeça de casal que retém todos os rendimentos, Lopes Cardoso - "Partilhas Judiciais" 2. edição, II, pág. 564/570, sustenta que a norma foi estabelecida contra o cabeça de casal, visando impedir que este, dilatando o inventário, colocasse os interessados na situação de não receberam coisa alguma enquanto não findasse o processo.<br> Não é esta, claramente, a situação aqui em causa.<br> Os rendimentos estão arrolados e têm sido depositados, estando o cabeça de casal e a ex-cônjuge impedidos de os utilizarem.<br> Atente-se que o ora recorrente, em 19 de Abril de 1996, requereu o levantamento das rendas e a recorrida já em 15 de Abril de 1996 pretendia que as quantias depositadas a título de rendimentos fossem levantadas pelos dois em partes iguais (fls. 347 e 336).<br> O requerimento do recorrente foi indeferido o que deu causa, em primeira linha, ao presente recurso e sobre o da recorrida não houve pronúncia expressa.<br> Atente-se ainda às alegadas insuficiências económicas, à necessidade de conservar o bem arrolado, de pagar impostos e outras e aos anos que poderão ainda faltar para o inventário atingir o seu termo útil.<br> Veja-se finalmente que as partes, não obstante esgrimirem argumentos diferentes e defenderem soluções opostas, estão de acordo quanto à necessidade de levantamento dos rendimentos.<br> A existência de um direito recto, justo, passa, muitas vezes, pela razoabilidade das soluções encontradas.<br> Por tudo isso se entende que é aqui aplicável o disposto no artigo 2092 do Código Civil, quer quanto ao recorrente quer quanto à recorrida, como únicos interessados que são do inventário.<br> Poderá, assim, cada um deles, levantar 1/4 do total dos rendimentos já depositados e dos que venham a ser depositados, enquanto, por força do inventário, persistir o arrolamento.<br> Assim, pelo exposto dá-se provimento parcial ao recurso, podendo recorrente e recorrida proceder ao levantamento das importâncias depositadas, pela forma descrita.<br> Custas em partes iguais.<br> Lisboa, 25 de Novembro de 1998.<br> Pinto Monteiro,<br> Lemos triunfante,<br> Torres Paulo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- A Companhia de Seguros "Mundial Confiança" intentou a presente acção de processo Comum, na forma ordinária, contra A, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 3124610 escudos, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, em exercício de direito de regresso da indemnização paga por motivo de acidente de viação causado pelo réu, com fundamento em ter havido abandono dos sinistrados.<br> Houve contestação.<br> No despacho saneador, de folhas 38 e seguintes, julgou-se a acção improcedente.<br> Em recurso de apelação interposto pela autora, o acórdão da Relação, de folhas 61 e seguintes, revogou aquela sentença e condenou o réu no pedido.<br> Neste recurso de revista, o réu pretende a revogação daquele acórdão e a subsistência da sentença da<br> 1. instância, com base nas seguintes conclusões:<br> - não abandonou os sinistrados, pelo que não pode haver direito de regresso;<br> - foi violado o disposto no artigo 19 alínea c) do Decreto-Lei 408/79, de 25 de Setembro, e nos princípios fundamentais de direito substantivo, bem como no artigo 12 do Código Civil, por se ter feito aplicação do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, posterior à data do acidente.<br> A ré, por sua vez, sustenta dever ser negada a revista.<br> II- Factos dados como provados:<br> No exercício da sua actividade de seguradora, a autora celebrou com o réu um contrato de seguro, titulado pela apólice n. 0008892, pelo qual assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo ..., propriedade do réu, contrato esse que estava em vigor no dia 23 de Setembro de 1984.<br> Em 23 de Setembro de 1984 ocorreu, na Estrada Nacional n. 13, em Vilar do Pinheiro, Vila do Conde, um acidente de viação em que interveio o veículo ..., na altura conduzido pelo réu.<br> Em consequência desse acidente, resultaram lesões para diversas pessoas, tendo corrido termos o respectivo processo correccional em que o réu foi arguido e condenado como autor de um crime de homicídio involuntário, agravado por outros males para além do mal do crime (ofensas corporais por negligência em quatro pessoas), tendo-se considerado que o acidente se ficou a dever a culpa única e exclusiva dele.<br> Nesse processo, foram também demandados civilmente o réu e a autora, vindo a ser condenados, solidariamente, a pagar a indemnização global de 3124610 escudos.<br> Por via do mesmo acidente, foi o réu condenado ainda, já em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 1991, pela prática de quatro crimes de falta de prestação de socorros por negligência, previstos no artigo 60 n. 3 do Código da Estrada.<br> A autora pagou aos titulares do direito às indemnizações, lesados no acidente ocorrido, aquela quantia de 3124610 escudos.<br> III- Quanto ao mérito do recurso:<br> Pelo artigo 19 alínea c) do Decreto-Lei 408/79, de 25 de Setembro (que instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel e é aqui directamente aplicável, por estar em vigor na data do acidente em causa, mas que vem reproduzido em idêntico preceito do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro, que reformulou o regime daquele seguro, sendo por isso de todo irrelevante a referência, feita no acórdão recorrido, ao segundo desses diplomas), é concedido à seguradora, "satisfeita a indemnização", o direito de regresso, em diversas hipóteses, entre elas o de exercer esse direito "contra o condutor... quando haja abandonado o sinistrado".<br> Na sentença da 1. instância, teve-se como excluído o peticionado direito de regresso essencialmente porque este só abrange os "danos emergentes do abandono", cabia à autora a alegação" da adequação dos danos a tal conduta" e não houve sequer tal alegação.<br> No acórdão recorrido, concluiu-se, por diversas razões, que "o simples facto de o condutor de veículo automóvel ter abandonado, após o acidente, o sinistrado, permite que a seguradora exerça, contra ele, o direito de regresso..., independentemente de tal conduta ter ou não agravado, em concreto, as lesões causadas às vítimas".<br> Desde já se nota que se adere à fundamentação e conclusão do acórdão recorrido mas este deverá ser revogado por outro fundamento, não apreciado nas decisões das instâncias.<br> As considerações que se seguem são extraídas do acórdão deste tribunal de 4 de Abril de 1995, subscrito por dois dos signatários e publicado na Colectânea... - Acórdãos S.T.J., Ano III, 1., pág. 151, embora com um sumário não correspondente ao seu texto.<br> O seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel visa, em primeira linha, um fim social, que é o de "garantia do ressarcimento dos danos injustamente causados", num sector "em que os danos se repetem e assumem uma expressiva amplitude", de modo que "seja certa e quanto possível célere a reparação dos lesados" (relatório do Decreto-Lei 165/75, de 28 de Março).<br> Com a obrigação de efectuar esse seguro, imposta a certas pessoas, pretende-se ainda acautelar os seus interesses, na medida em que a sua situação económica poderia ficar seriamente afectada com o pagamento da indemnização devida aos lesados, e, na ponderação desses fins, excluem-se da garantia do seguro certos danos ou os causados a determinadas pessoas.<br> O direito de regresso concedido à seguradora pelo citado artigo 19 deixa incólume aquele objectivo social do seguro obrigatório e apenas atinge o património de certas pessoas cuja responsabilidade civil estaria, em princípio, garantida pelo seguro.<br> Pela análise das diversas hipóteses previstas nesse artigo 19, verifica-se que a exclusão de tal garantia é determinada, nuns casos, por elementares princípios de justiça, e em outros motivos de ordem moral, de tal modo que o legislador não teve como razoável que, nessas situações, os seus autores beneficiassem da existência do seguro.<br> Trata-se pois de norma moralizadora que "é, a um tempo, dissuasora e repressiva, punindo civilmente, sem daí se afectarem os lesados, os que deixaram de merecer a protecção concedida pelo seguro" (cfr. ac. R.P. de 1 de Junho de 1993, no Col. XVIII, 3., pág. 223).<br> O caso de o condutor ter "abandonado o sinistrado", previsto na alínea c), só pode justificar-se por razões de ordem moral e não se afigura haver fundamento para que o direito de regresso apenas se reporte aos danos acrescidos ou directamente resultantes desse abandono: a prática do crime de abandono de sinistrado não depende de agravamento dos resultados, o qual só influi na medida da pena (artigo 60 n. 1 do Código da Estrada de 1954); para a sanção civil em causa, pela sua razão de ser, basta a prática dessa infracção; de outro modo, seria nos acidentes mais graves, com morte imediata, que o condutor ficaria liberto dessa sanção; a solução da 1. instância implicaria a interpretação restritiva da alínea c), o que se não justificaria; essa interpretação não seria ainda válida para as outras hipóteses da mesma alínea c), designadamente a de falta de habilitação legal para a condução.<br> O citado artigo 60 do Código da Estrada de 1954, ainda que sob a epígrafe "abandono de sinistrados", prevê dois tipos de infracções imputáveis aos condutores de veículos: o abandono voluntário - "os condutores que abandonarem voluntariamente as pessoas vítimas dos acidentes..."<br> (n. 1); e o abandono negligente - "a falta de prestação de socorros, por negligência" (n. 3).<br> Em bom rigor, só no primeiro caso há efectivo "abandono", pois este conceito pressupõe uma conduta voluntária ou consciente de afastamento ou repúdio de alguém, deixando-o desamparado ou "abandonado", e certamente por isso é que aquele preceito usa as aludidas expressões.<br> Assim, a previsão da citada alínea c) do artigo 19 de o condutor haver "abandonado o sinistrado" deve ser interpretada, literalmente, no sentido de abranger apenas aquele abandono voluntário.<br> No mesmo sentido concorre, decisivamente, a razão de ser da lei: a grave sanção civil de reembolso da indemnização<br> à seguradora não teria um mínimo de justificação no caso de a falta de socorro à vítima ter resultado de simples negligência do condutor do veículo; ainda que lhe seja imputável um juízo de censura, por desatenção ou imprevidência, ele não assume relevância que possa ser incluída nos motivos de ordem moral que estão na base do preceito em causa; e a sua equiparação às outras hipóteses previstas no citado artigo 19 resultaria de todo desproporcionada e sem qualquer razoabilidade, tanto nos aspectos da sua gravidade objectiva como subjectiva.<br> Aliás, o citado artigo 60 do Código da Estrada de 1954 (cuja subsistência se discutiu com a entrada em vigor do Código Penal de 1982) está actualmente revogado pelo artigo 2 do Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio (que aprovou o novo Código de Estrada), pelo que aquele crime de abandono de sinistrado, com a designação de "omissão de auxílio", é agora punível apenas com base em dolo (artigos 13 e 219 do citado Código Penal e artigos 13 e 200 do Código Penal de 1995; essa descriminalização do "abandono" negligente vem reforçar aquela falta de censurabilidade, mesmo para efeitos civis, designadamente o previsto na citada alínea c) do artigo 19.<br> No caso presente, o réu foi condenado pelos crimes de "falta de prestação de socorros, por negligência", previstos no n. 3 do citado artigo 60, não ocorrendo assim o fundamento invocado pela autora.<br> Em conclusão:<br> O direito de regresso concedido à seguradora contra o condutor que "haja abandonado o sinistrado" não se limita aos danos acrescidos ou resultantes do próprio abandono (alínea c) do artigo 19 do Decreto-Lei 408/79, de 25 de Setembro, bem como o Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro).<br> A existência desse direito pressupõe, porém, que tenha havido o abandono doloso ou voluntário da vítima, não bastando a falta de prestação de socorros, por simples negligência.<br> Pelo exposto:<br> Concede-se a revista.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, subsistindo a sentença da<br> 1. instância no sentido da improcedência da acção e da absolvição do réu do pedido.<br> Custas dos recursos pela autora.<br> Lisboa, 13 de Fevereiro de 1996.<br> Martins da Costa.<br> Pais de Sousa.<br> Machado Soares.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A veio propor a presente acção, com processo sumário contra "Seguradora B, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 8003000 escudos, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos em consequência de um acidente de viação, devido a culpa exclusiva do seu segurado C.<br> Contestou a Ré, admitindo a culpa do seu segurado, mas afirmando ignorar a existência e o montante dos danos invocados.<br> Na sequência do julgamento, foi proferida sentença, onde se julgou a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 453000 escudos, acrescida de juros a taxa legal, desde a citação.<br> Esta decisão veio a ser alterada pela Relação do Porto, para onde o Autor apelou, a qual, através do Acórdão de<br> 22 de Abril de 1996, constante de folhas 93 e seguintes, condenou a Ré a pagar ao Autor: a) a quantia de 3753000 escudos, a título de indemnização pelos danos patrimoniais já quantificados e por danos não patrimoniais; b) a quantia que se liquidar em execução de sentença, como indemnização pela perda de salários que, relativamente ao período decorrido entre 4 de Maio de<br> 1992 e 9 de Outubro de 1992, inclusivé, o Autor efectivamente sofreu, tendo-se em conta, designadamente, os correspondentes subsídios que ele haja porventura, recebido da Segurança social; c) os juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre estas quantias, contados desde a citação da Ré (14 de Maio de<br> 1993) até efectivo e integral pagamento.<br> Inconformada a Ré recorreu da Revista para este<br> Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br> A) Nos termos do artigo 664 do Código de Processo<br> Civil, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, salvo se constituírem facto notório ou de que o Tribunal deva ter conhecimento em virtude das suas funções.<br> B) A idade do recorrido, não constituindo qualquer daquelas previsões, deveria ter sido alegada pelo mesmo para poder ser conhecida pelo Tribunal.<br> C) Nos termos dos artigos 5 e 211 do Código de Registo<br> Civil, a idade prova-se através de certidão de nascimento, independentemente de tal constituir o<br> "Thema decidendum" da acção.<br> D) Nos termos do artigo 483 n. 1 do Código Civil, aquele que violar ilicitamente o direito de outrém fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, e não por quaisquer outros que este, pelo menos, não tenha alegado.<br> E) Ao actuar em manifesta usurpação de poderes da parte, excedendo ao conhecimento factos por estes alegados, admitindo meio de prova não idóneos, friccionando montantes não correspondentes àqueles que a própria parte calcula, decidem - Venerando Tribunal da Relação do Porto, em clara violação da Lei, devendo, por isso, merecer forte censura a douta decisão proferida.<br> F) O Acórdão recorrido violou os artigos 664 (parte final), 661 n. 2 e 513, todos do Código de Processo<br> Civil, bem como o artigo 483 n. 1 do Código Civil e os artigos 5 e 221 do Código de Registo Civil.<br> G) Pelo que deve ser revogado.<br> Na sua contra-alegação, o Autor sustenta que deve manter-se o Acórdão em crise.<br> Os factos considerados como provados pelas instâncias são os seguintes:<br> 1 - No dia 3 de Maio de 1992, cerca das 23 horas e 15 minutos, o Autor seguia como passageiro, no lugar do lado direito do condutor do veículo IQ-..., conduzido pelo seu proprietário D, ... circulando em veículo na E.N. n. 1, no sentido<br> Sul-Norte, pela direita da faixa de rodagem (relativamente a esse sentido) a uma velocidade de cerca de 50 k/hora, conduzindo-o o dito condutor com atenção (alínea A) da especificação).<br> 2 - Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, circulava na mesma via, em sentido contrário, o veículo automóvel de passageiros ZE-..., conduzido pelo seu proprietário C (alínea B) da especificação).<br> 3 - Ao Km 286,2, na freguesia de Lourosa, o condutor do veículo ZE pretendeu voltar à sua esquerda, para seguir numa via que naquele local entronca com a E.N. n. 1 e que liga esta à freguesia de Fiães (alínea B), da especificação).<br> 4 - Fê-lo o condutor do ZE, porém, sem atender ao trânsito que se fazia sentir em sentido contrário, indo colidir com a frente do lado direito do ZE na parte lateral esquerda da frente do IQ (alínea C) da especificação).<br> 5 - A Estrada, no local, tem 7 metros de largura e forma uma recta com mais de 100 metros de extensão para cada lado, tendo o entroncamento visibilidade (alínea<br> D) da especificação).<br> 6 - O veículo IQ ficou parado na metade direita da faixa de rodagem (relativamente ao seu sentido de marcha), a 3,5 metros da berma esquerda, considerando esse mesmo sentido (alínea E) da especificação).<br> 7 - O tempo estava bom e os órgãos de travagem, direcção e sinalização acústica estavam em bom funcionamento (alínea F) da especificação).<br> 8 - Em consequência do acidente, o Autor foi transportado para o Hospital de Vila Nova de Gaia, onde foi operado ao fígado, pé direito e nariz, bacia pélvica e lesões no rosto (resposta ao quesito 1.).<br> 9 - No dia seguinte (4 de Maio) foi o Autor transportado para o Hospital Santos Silva, onde esteve internado 15 dias, em tratamento (resposta ao quesito<br> 2.).<br> 10 - No dia 28 de Setembro de 1992, o Autor foi operado ao nariz na Ordem do Carmo (resposta ao quesito 3.).<br> 11 - Depois de ter tido alta do Hospital Santo Silva, o<br> Autor continuou em tratamento ambulatório no Porto, na<br> Companhia de Seguros aqui Ré (alínea H) da especificação).<br> 12 - Em 28 de Dezembro de 1992, o Autor apresentava as seguintes sequelas das lesões que sofreu no acidente: - cicatriz viciosa ao nível da face (asa esquerda do nariz, pálpebra superior esquerda e queixo);<br> - Assimetria ao nível da sífise púbico, deformação do púbis, deformação do ramo ílio-púbico e ísquio-púbico esquerdos; e, à direita, acentuada deformação e alteração da estrutura óssea na asa do ilíaco, com sinais de disjunção sacro-ilíaca e artrose da articulação sacro-ilíaca;<br> - deformação de 1/3 proximal da diáfise do 5. metacarpiano, com sequela de lesão fracturária;<br> - sequela de lesão fracturária viciosamente consolidada na base do 2. e 3. metacarpianos e deformação ao nível do bordo superior e posterior do escafóide do pé direito;<br> Estas lesões, nomeadamente as da bacia e pé direito, poderão evoluir, com consequente diminuição da função, para artrose e diminuição da capacidade para o trabalho<br> (resposta ao quesito 4.).<br> 13 - O Autor ficou com uma incapacidade parcial permanente (i.p.p.) de 22 por cento (resposta ao quesito 5.).<br> 14 - Aquando do acidente o Autor auferia o vencimento mensal líquido de 39400 escudos (resposta ao quesito<br> 6.).<br> 15 - O Autor dispendeu numa consulta médica 3000 escudos (resposta ao quesito 8.).<br> 16 - O Autor esteve impossibilitado para o trabalho desde a data do acidente até 9 de Outubro de 1992<br> (resposta ao quesito 7.).<br> 17 - O Autor sofreu dores (resposta ao quesito 9.).<br> 18 - No processo clínico do Autor, no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia consta que, após estudo radiológico, se verificaram as seguintes lesões ósseas: fractura do ramo ísquio-público esquerdo, fractura da apófise transversa esquerda, 14, fractura da base do 2. e 3. metatarsianos direitos e laceração dos 4. e 5. metatarsianos direitos.<br> Mais consta que, submetido o Autor a intervenção cirúrgica se constatou laceração hepática (resposta ao quesito 10. e certidão de folha 9).<br> 19 - O proprietário do veículo ZE transferiu para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice<br> 0940634727, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por aquele veículo (alínea G) da especificação).<br> Na sentença proferida na 1. instância, não se valorizou, em termos indemnizatórios, a incapacidade parcial permanente de que ficou afectado o Autor, em consequência do acidente em causa, a pretexto de se desconhecer a idade deste, visto, segundo aí se pondera, não ter sido por ele alegada, nem se mostrar junta aos autos a respectiva certidão de nascimento, sendo que, sem esse elemento, não seria possível quantificar o dano em referência.<br> A Relação não enveredou, porém, por esse caminho, entendendo, antes, que a indicação da idade do Autor<br> (19 anos) constante da certidão de folha 9, proveniente do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, se devia considerar como facto integrado na petição, funcionando, portanto, como "facto articulado" para todos efeitos, inclusivé, para os fins do artigo 664 do<br> Código de Processo Civil.<br> Por outras palavras: as afirmações contidas nos documentos juntos com os articulados, na medida em que podem completar as alegações neles contidas, devem, logicamente, ser consideradas como compreendidas nesses mesmos articulados.<br> É esta, aliás a hermenêutica que decorre do pensamento de Alberto dos Reis, vertido no Comentário ao Código de<br> Processo Civil, volume II, página 364 e que tem sido adaptado em numerosos arestos dos nossos Tribunais<br> Superiores (cfr., v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de<br> Justiça de 8 de Fevereiro de 1994, Col. Acórdãos do<br> Supremo Tribunal de Justiça de 1994, I, página 85, da<br> Relação de Évora de 25 de Junho de 1986, Boletim 368, página 632).<br> Ora, uma vez que, na contestação, se não impugnou a afirmação contida no doc. de folha 9 de que o lesado tem 19 anos - que se deve considerar como integrada na petição - impõe-se concluir que esse facto ficasse assente, não havendo razão para não se poder lidar com ele no cálculo da indemnização a arbitrar pelo dano ora em referência.<br> Só na hipótese de se ter posto em dúvida tal afirmação,<br> é que se afiguraria necessária a prova documental da idade exigida pelos artigos 5 e 211 do Código de<br> Registo Civil; ou então nos casos em que o próprio estado civil representa ou constitui o "Thema decidendum".<br> Como o Prof. Anselmo Castro, também entendemos que as relações jurídicas prejudiciais ou condicionantes, isto<br> é, as relações que sejam elementos da própria hipótese do facto da norma devem considerar-se como "factos" susceptíveis de ingressar na especificação. Estaria nessas condições o próprio "estado civil". O exemplo é avançado por aquele mesmo ilustre processualista<br> (Direito Processual Civil Declaratório, III, página<br> 259).<br> No âmbito aqui considerado, a idade do Autor é apurada como qualquer outro facto.<br> A exigência de prova documental só surge quando esse facto for posto em dúvida, pela parte contrária, ou quando constitua o própria "Thema decidendum". (Cfr.<br> Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Janeiro de 1995,<br> Colectânea de 1995, Tomo 1, página 105).<br> É esta, de resto, a solução que deflui do princípio da confiança, que se tem como emanante no nosso sistema jurídico, a todos os níveis.<br> Trata-se, como se sabe, de um princípio ético jurídico fundamentalíssimo, pois "a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrém".<br> "Assim tem de ser, pois ... poder confiar, é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens.<br> Mais ainda: esse poder confiar é logo condição básica da própria possibilidade da comunicação dirigida ao entendimento, ao consenso e à cooperação (logo, da paz jurídica). Note-se que, independentemente do preceito<br> ético, pensado como regra geral da conduta, a não correspondência sistemática à confiança inspirada tornaria insegura ou paralisaria mesmo a interacção humana".<br> São as palavras sábias do Professor Baptista Machado, insertas no seu notável estudo "Tutela da Confiança e<br> Venire Contra Factum Proprium" in Obra Dispersa, volume<br> I, páginas 345 e seguintes, em especial, página 352) onde este tema é desenvolvido com a eloquência e profundidade próprias deste insigne Autor (cfr. também o Professor Menezes Cordeiro, in Da Boa Fé no Direito<br> Civil, volume II, páginas 243 e seguintes).<br> Portanto: ao entrar em linha de conta com a idade do lesado, encontrada do modo referido, no cálculo da indemnização pelo dano decorrente da incapacidade parcial permanente, por aquele sofrida, a Relação agiu correctamente, não tendo cometido qualquer ilegalidade.<br> Também se não afigura pertinente a crítica de que a<br> Relação, em ordem à determinação do quantum indemnizatório, tenha desprezado o facto alegado e provado de que o Autor auferia, aquando do acidente, o vencimento mensal líquido de 39400 escudos (resposta ao quesito 6.), passando a esgrimir, arbitrariamente, com outro vencimento mensal líquido, em substituição daquele, agora valorado em 60000 escudos, sem qualquer alicerce no material probatório assente.<br> É que subjacente à evidenciação desta última verba está, como base de raciocínio, a focagem da primeira importância referida. É a partir da ponderação desta<br> (39400 escudos) que o Acórdão recorrido, atendendo ao tempo provável da vida activa profissional do Autor, e recorrendo a diversos factores, do conhecimento geral - como a subida dos salários, a inflação, as promoções profissionais ou progressão na carreira etc - sem esquecer a humanização desses factores e a necessária intervenção da equidade, vai optar, como elemento basilar, válido para o futuro, por um vencimento médio mensal de 60000 escudos. E daqui evoluiu, tendo em conta, ainda, "uma taxa de juros de 9 por cento ao ano, em que se baseou a tabela financeira elaborada pela<br> Faculdade de Economia do Porto", para uma quantificação global do dano em causa, que fixou em 3000000 escudos.<br> Ao discorrer deste modo, a Relação não excedeu, como é<br> óbvio, os seus poderes, pois apenas se valeu - para além da facticidade apurada - por um lado, de factos que são do conhecimento geral (cfr. artigo 514 n. 1 e<br> 664, do Código de Processo Civil) e, por outro, de ilações, deles decorrentes, que resultam da experiência, do andamento natural das coisas ou da normalidade dos factos (artigos 349 e 351 do Código<br> Civil, cfr. Professor Manuel de Andrade, Noções<br> Elementares de Processo Civil, página 200).<br> Terá sido, por isso - cremos - que o recorrente não criticou minimamente, a validade e eficácia dos factores de cálculo de que lançou mão o Acórdão recorrido, para chegar às conclusões a que chegou, ao nível indemnizatório.<br> Nestes termos, nega-se a revista, condenando-se a recorrente nas custas.<br> Lisboa, 13 de Maio de 1997.<br> Machado Soares,<br> Fernandes de Magalhães,<br> Tomé de Carvalho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> D. A recorre de revista (pagina 151) do acordão da Relação de Evora (paginas 143, seguintes; 195) que, revogando o despacho saneador-sentença, proferido pela comarca de Santiago do Cacem (pagina 113 e seguintes), julgou improcedente esta acção com processo ordinario, que a ora recorrente intentou contra a Universidade de Evora, pedindo: o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o predio misto denominado Herdade da Daroeira (abaixo identificado), por parte da re; a sua restituição imediata a demandante; e o pagamento a esta de uma indemnização pelos prejuizos, que sofreu com a ilegal e abusiva ocupação desse imovel pela re, em montante a ser liquidado em execução de sentença (pagina 6v.)<br> A recorrente formulou estas conclusões na sua alegação<br> (pagina 165 v).<br> I- verificam-se os pressupostos legais da procedencia da acção: o direito de propriedade da ora recorrente sobre o predio reivindicado, e a inexistencia de caso previsto na lei, em que a restituição do predio possa ser recusada.<br> II- a propriedade do predio encontra-se registada a favor da ora recorrente, que goza assim da presunção do direito respectivo (artigo 7 Codigo de Registo Predial), não tendo tal direito sido questionado, pondo em crise a referida presunção, pelo que não pode deixar de reconhecer-se o direito da propriedade sobre o predio.<br> III- nem se diga que a declaração da utilidade publica da expropriação do predio afectou esse direito, em termos de ter produzido a sua transferencia para o<br> Estado, pois tal transferencia não pode legalmente fazer-se decorrer de tal declaração, antes exige um acto distinto de adjudicação da propriedade ao Estado, nos termos dos artigos 43 da Lei de Bases da Reforma<br> Agraria, e artigo 9, II, do Codigo das Expropriações<br> (de futuro, C.E.) de 1976.<br> IV- este diploma e aplicavel, por remissão expressa, aos casos em que e omissa essa lei de bases, em materia de Expropriações; e um desses casos e precisamente o da adjudicação da propriedade a entidade expropriante,<br> V- a qual não e regulada por qualquer lei, não podendo designadamente entender-se que tal adjudicação fica regulada atraves de disposições como a que manda integrar os predios expropriados no dominio privado indisponivel ao Estado; ou a que faz decorrer a investidura do estado, na posse administrativa, da declaração de utilidade publica da expropriação; ou as que admitem que a transferencia da propriedade para o<br> Estado tenha lugar antes da determinação e pagamento da indemnização.<br> VI- resulta expressamente do artigo 46 da lei de bases que o efeito da declaração de utilidade publica da expropriação e apenas a investidura do estado na posse administrativa do predio a expropriar, pois que, se o legislador tivesse querido atribui-lhe o efeito translativo de propriedade não teria, por certo, deixado de dize-lo expressamente, alem de que a qualificação dos predios como "a expropriar" so pode significar que a expropriação não fica feita, antes depende de actas subsequentes.<br> VII- a declaração de utilidade publica da expropriação apenas inicia o processo expropriativo, não transfere a propriedade e e, consequentemente, susceptivel de caducar, por aplicação do artigo 9, II, C.E., plenamente abrangido pela remissão do artigo 43 da Lei de Bases da Reforma Agraria, por se tratar de materia omissa nas respectivas disposições especiais.<br> VIII- este regime legal resulta de alterações legislativas impostas pela propria Constituição, e seria inconstitucional, por violação do artigo 62, II, do diploma fundamental, se admitisse, mesmo no ambito da Reforma Agraria, a expropriação sem indemnização, isto e, a transferencia da propriedade para o Estado sem indemnização, designadamente por mero efeito da declaração de utilidade publica da expropriação.<br> IX- O acordão recorrido violou o disposto nos artigos<br> 1311, Codigo Civil; 43-46 da apontada Lei de Bases; e<br> 9; II, C. E.<br> Nestes termos, pediu a procedencia da acção, reconhecendo-se o direito de propriedade da recorrente sobre o predio, e ordenando-se a respectiva restituição a demandante (p. 167).<br> A recorrida alegou no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acordão recorrido (paginas<br> 172 a 177).<br> Continua a não haver questões que obstem ao conhecimento da revista.<br> A Relação considerou provado que (pagina 195):<br> - existe o predio rustico denominado Herdade da Daroeira, sito na freguesia de Alvalade-Sado, concelho de Santiago do Cacem, com a area total de 1244975 ha, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 2, Secção<br> E-E1, e na matriz urbana sob os artigos 250 a 252, descrito na Conservatoria do Registo Predial de<br> Santiago do Cacem sob o n. 216, com a inscrição de aquisição a favor da autora, por sucessão.<br> - por despacho de 31 de Janeiro de 1977 do Sr.<br> Secretario de Estado da Estruturação Agraria, foi determinada a transferencia para a re da gestão da<br> Herdade da Daroeira.<br> - a portaria n. 87/78 de 15 de Fevereiro declarou a utilidade publica, nos termos do artigo 44 da Lei n.<br> 77/77 de 29 de Setembro, da expropriação do predio rustico, denominado Herdade da Daroeira.<br> - no processo de expropriação apenas foi declarada a utilidade publica do predio.<br> - a re vem ocupando essa herdade, desde aquele despacho de 31 de Janeiro de 1977.<br> - em 16 de Julho de 1987, e apos o respectivo processo judicial, foi a autora restituida a posse do mencionado predio.<br> Ja com o processo neste Supremo Tribunal, foi junta fotocopia do Diario da Republica, II Serie, de 2 de<br> Julho de 1990 na qual vem publicada a portaria de<br> 19/6/90 dos Excelentissimos Primeiro Ministro, e<br> Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (paginas<br> 222 - 224), na qual se reconhece estarem verificados os requisitos do artigo 30, b da Lei 129/88 (na redacção primitiva), ou seja a nova Lei de Bases da Reforma<br> Agraria, e consequentemente mandou o governo a reversão da expropriação, em favor da autora da totalidade da area excedentaria (para alem da reserva, que lhe fora atribuida) do predio Herdade da Daroeira, com a consequente derrogação da portaria 87/78.<br> Fora a D. A quem tomara a iniciativa de invocar este diploma legislativo, afirmando estar essa Herdade de facto na posse da recorrente, pelo que afirmou deixar de ter esta lide qualquer utilidade, no que respeita aos pedidos de reconhecimento do direito de propriedade e restituição do predio, "...devendo assim os autos prosseguir tão somente para conhecimento do pedido de indemnização, a liquidar, alias, em execução de sentença..." (pagina 212).<br> Ouvida a re, esta pronunciou-se no sentido de não haver "...qualquer razão para se subtrair ao presente pleito a questão do reconhecimento da propriedade, pelo menos ate a citada portaria de 1991. (sic).<br> O requerimento em questão deve por isso ser indeferido, não se decidindo a inutilidade superveniente da lide apenas parcial que a recorrente parece agora pretender, e prosseguindo o processo quanto a todo o seu conteudo..." (pagina 219).<br> A re assenta a sua defesa por impugnação em dois pontos principais:<br> I- o despacho governamental de 31 de Janeiro de 1977<br> (acima precisado) transferiu para si a gestão da herdade reivindicada.<br> II- cuja expropriação por utilidade publica foi declarada pela Portaria n. 87/78 do Ministro da Agricultura e Pescas, datada de 18 de Janeiro de 1978.<br> Nestas bases, a re afirma ter-se limitado a aguardar o que fosse decidido pela autoridade administrativa<br> (artigo 29), fazendo uma gestão prudente e avisada da herdade, ate que esta foi mandada entregar a autora<br> (artigos 45 a 48 da contestação). E concluiu pedindo a sua absolvição da instancia, ou não sendo assim, de todo o pedido (pagina 86).<br> Portanto, o unico obice que surge relativamente aos pedidos de reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre a Herdade em referencia, e a sua restituição imediata (reportada a 14 de Agosto de 1987, data da apresentação da petição inicial em Juizo) e o que resulta daqueles despacho e portaria, no ponto de vista da re.<br> Sucedeu que, entretanto, a autora foi investida na posse provisoria desse predio em 16 de Julho de 1987, como se verifica do apenso respectivo, pagina 22; a portaria n. 87/78 de 15 de Fevereiro foi derrogada; e ordenada a reversão da totalidade da area excedentaria<br> (a reserva instituida, de permeio) da Herdade da Daroeira, em favor da autora.<br> Devendo entender-se a reversão como uma condição resolutiva tacita da expropriação por utilidade publica<br> (Manuel Gonçalves Pereira, "Expropriações por Utilidade Publica", em "Boletim", 109, pagina 271), temos que ruiram todas as bases que serviram de apoio a re, na sua defesa de fundo, pelo que nada impede a procedencia da acção, no que respeita aos primeiros pedidos da autora, relativamente aos quais não se verifica a inutilidade superveniente da lide, dado que não foram decididos ainda.<br> O artigo 9 do Decreto-Lei 406-A/75 de 29 de Julho estabeleceu que: "A publicação do auto de expropriação tem por efeito imediato a nacionalização da area abrangida e a investidura do Instituto de Reorganização<br> Agraria na posse administrativa da mesma, independentemente da previa fixação no pagamento de indemnizações".<br> Deixando de passagem a simples referencia de a expropriação poder constituir um dos processos ou instrumentos pelos quais a nacionalização pode ser realizada (Marcelo Caetano, "Manual", 9 edição, II, pagina 1070), convem salientar as diferenças grandes entre essa norma, e o artigo 46 da Lei 77/77 de 29 de Setembro, em vigor quando da publicação da declaração da utilidade publica, na expropriação da Herdade da Daroeira: deixou de mencionar-se qualquer efeito imediato, designadamente a nacionalização, e de se estabelecer a independencia da previa fixação ou pagamento de indemnização: com efeito, tal artigo 46 apenas refere (num presente historico, dada a revogação da Lei n. 77/77, pelo artigo 51 da Lei n. 109/88 de 26 de Setembro) que: "A declaração de utilidade publica importa a investidura administrativa na posse dos predios a expropriar", acrescentando o seu artigo 40:<br> "Os predios expropriados passam para o dominio privado indisponivel do Estado, não podendo ser alienados salvo a outras entidades publicas, e para fins de utilidade publica".<br> Em toda a Lei n. 77/77, designadamente na sua secção<br> II, "Expropriações" do capitulo IV, não ha qualquer preceito legal que afirme expressamente que, nas expropriações por utilidade publica, decorrentes na zona de aplicação da Reforma Agraria, a mera publicação da declaração da utilidade publica na expropriação de determinado predio, acarretava o termo do direito de propriedade do respectivo titular, e o nascimento de novo direito paralelo, na esfera juridica privada do<br> Estado.<br> Se essa fosse a realidade, não se compreenderia a omissão de um preceito taxativo, e claro, nesse sentido, em tal diploma integrador das bases da<br> Reforma Agraria (ver artigo 1), pois o legislador bem sabia que a regra, na materia, exigia um despacho judicial expresso, para atribuir ou adjudicar o direito de propriedade do predio ao expropriante - artigos<br> 44-70 - 100 do C.E.; e isto tanto mais quanto os artigos 43 da Lei n. 77/77 afirmam ser esse Codigo o pano de fundo supletivo das expropriações resultantes de tal Lei de Bases.<br> O acordão recorrido defendeu ponto de vista oposto, com base em preceitos legais que indicou (paginas 148 -<br> 149), nos quais ha (no maximo) referencias inconclusivas a ex-titulares de direitos expropriados<br> (Lei n. 80/77 de 26 de Outubro, artigo 1); a avaliação de predios expropriados, ao mesmo nivel de outros nacionalizados, ou tão so ocupados (Decreto-Lei n. 2/79 de 9 de Janeiro); a treze anos decorridos sobre expropriações ao abrigo de legislação sobre a Reforma<br> Agraria, sem que as correspondentes indemnizações hajam sido pagas; a igual periodo sobre a data da privação da posse (note-se, que não propriedade...) do titular do predio; a perda do direito de propriedade (sem se indicar quando ocorreu) sobre predios rusticos expropriados; a varias equiparações dos terrenos expropriados, aos nacionalizados, ou so ocupados (Decreto-Lei n. 199/88, de 31 de Maio, estabelecendo normas relativas indemnização sobre reforma agraria).<br> Tudo isto, e demasiado pouco para aceitarmos a tese da<br> Relação de Evora, no acordão recorrido, e em outros no mesmo sentido, como - para alem dos apontados nessa decisão - os de 21 de Abril de 1983 (sumariado no "Boletim" 328, pagina 658); 14, e 28 de Junho de 1984, respectivamente publicado em "Colectanea", tomo 3, pagina 332, e sumariado em "Boletim", 340, pagina 455; tese que cremos ser dominante no Supremo Tribunal Administrativo, mas do qual apenas encontramos o acordão de 15 de Dezembro de 1988, em "Acordãos Doutrinais", ano 28, n. 330. paginas 784 a 794, com esta passagem: "...Se a terra não estiver nacionalizada ou expropriada o direito do Estado advira somente da declaração de utilidade publica, subsequente a demarcação da reserva (artigo 44, I, da Lei n. 77/77), seguida da expropriação..." (pagina 790).<br> Curiosamente encontramos, no processo, uma referencia a esta tese, no despacho do Excelentissimo Secretario de<br> Estado da Estruturação Agraria de 31 de Janeiro de<br> 1977, fotocopiado a pagina 8, quando afirmou que um outro predio, a Herdade de Almocreva, "... entrou na propriedade do Estado por força do acto expropriativo publicado pela portaria n. 492/76, de 6 de Agosto...".<br> Ela e combatida por Oliveira Ascenção, no douto parecer de folhas 10, desenvolvido em trabalhos posteriores do mesmo autor, como "Expropriação e Direitos Privados", edição 1989, e "Expropriações e Nacionalizações", ambos editados por Imprensa Nacional - Casa da Moeda; e não tem apoio de Fernando Alves Correia em "As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Publica", em<br> "Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra", edição<br> 1982, pagina 114; e de Menezes Cordeiro, em "Direitos<br> Reais, edição de 1979 (onde se reconhece autonomia das expropriações no dominio da Reforma Agraria, relativamente ao seu regime geral - II volume, paginas 811-812).<br> Estas considerações levam-nos a aceitar as conclusões I a VII da recorrente, com uma referencia expressa do artigo 9, II, C.E., pois o Estado Portugues veio derrogar a portaria n. 87/78 (como vimos), que declara a utilidade publica da expropriação da Herdade da Daroeira, antes que este Supremo Tribunal pudesse reconhecer que o respectivo direito de expropriação se extinguira por caducidade.<br> E vemos, portanto, que da portaria 87/78 de 15 de Fevereiro, que declarou a utilidade publica da expropriação da Herdade da Daroeira, não vem qualquer obstaculo a procedencia da reivindicação dela.<br> Conforme se mencionou no anterior n. 1, a autora pediu tambem a condenação da re a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuizos que sofreu com a ocupação da Herdade da<br> Daroeira pela requerida, a qual impugnou os factos em que este pedido assenta, na sua contestação (paginas 83 e seguintes).<br> Trata-se, portanto, de materia sobre a qual o processo deve prosseguir, com a organização da especificação e do questionario.<br> Termos em que, concedendo revista, revogamos o acordão recorrido, e condenamos a re Universidade de Evora a reconhecer o direito de propriedade da autora D.<br> A, sobre o predio rustico Herdade da Daroeira, inscrito na Conservatoria do Registo Predial competente, em seu nome; e mantemos definitivamente a sua restituição a essa Senhora; bem como determinamos o prosseguimento do processo, nos moldes do anterior n.<br> 6, quanto ao pedido de condenação da re a pagar uma indemnização a demandante.<br> Custas, nas Instancias, e agora, pela re, que delas deixou de estar isenta (ver "Codigo das Custas Judiciais", por Salvador Costa, edição 1990, pagina<br> 22).<br> Lisboa, 7 de Janeiro de 1992.<br> Beça Pereira,<br> Joaquim de Carvalho,<br> Martins da Fonseca.<br> Decisões impugnadas:<br> I- Sentença de 89.05.27 do Tribunal de Santiago do<br> Cacem;<br> II- Acordão de 89.03.09 do Tribunal da Relação de<br> Evora.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam em plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <font>1- O Ministério Público junto da Relação do Porto interpôs recurso ampliado de revista - art 678 nº4 CPC - dada a oposição sobre a mesma questão fundamental de direito proferido no Ac. Relação do Porto, de 12-03-98 - o dos presentes autos - e no Ac. Relação do Porto, no processo 98/97, devidamente certificado, sendo certo que no caso em apreço não é admissível recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, em virtude da jurisprudência uniformizada pelo Ac. S.T.J. nº 10/97, de 30-05-95, publicado no D.R. I Série-A, de 15-5-97.</font><br> <font>Neste decidiu-se:</font><br> <font>"O Código das Expropriações, aprovado pelo D.Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, consagra a não admissibilidade do recurso para o S.T.J. que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida".</font><br> <font>E o objecto do recurso circunscreve-se à fixação do valor da indemnização devida, projectada na interpretação da al. h) do nº 3 art 25 do D.Lei 438/91, que aprovou o Cod. das Expropriações.</font><br> <font>Nela estatui-se:</font><br> <font>"Localização e qualidade ambiental - 15%".</font><br> <font>como percentagem a acrescer - nº3 art 25 - à referida no número anterior.</font><br> <font>A contradição interpretativa passaria por:</font><br> <font>- No Ac. recorrido decidiu-se que aquela percentagem de 15%, para o factor de "localização e qualidade ambiental", seria uma percentagem fixa</font><br> <font>- No Ac. certificado tal coeficiente "constitui um limite máximo a aplicar de acordo com a valoração que se faça da localização e qualidade ambiental do bem expropriado e não um valor fixo a aplicar em todos os casos".</font><br> <font>2- O M. Público recorrente nas conclusões das suas alegações afirma, em resumo:</font><br> <font>a) É possível aceitar que sejam fixas as percentagens previstas nas alíneas a) a g) do nº3 art 25, na medida em que têm a ver com infraestruturas físicas</font><br> <font>b) O parâmetro inserto na al. h), por ser de natureza variável, terá de receber diversos juízos ou graus</font><br> <font>c) Tudo porque não pode o legislador - art 9 nº3 CC - valorizar fixamente um factor necessariamente variável</font><br> <font>d) Daí ser de fixar a percentagem de 10%, conforme laudo dos peritos do tribunal.</font><br> <font>Pedindo, por isso, a procedência do recurso, com revogação do Ac. recorrido, com uniformização de jurisprudência da seguinte forma:</font><br> <font>"A percentagem de 15%, estabelecida na al. h) do nº3 do art 25 do Código das Expropriações aprovado pelo Dec.Lei nº 438/91, de 09 de Novembro, constitui um limite máximo a aplicar de acordo com a valoração que se faça da localização e qualidade ambiental do bem expropriado".</font><br> <font>Não houve contra alegação.</font><br> <font>3- O Exmº Presidente do Supremo Tribunal de Justiça concordou com o sucinto parecer do relator e determinou o julgamento ampliado.</font><br> <font>O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer na linha do pugnado pelo recorrente.</font><br> <font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font><br> <font>4- A expropriação por utilidade pública é, classicamente, entendida, como a "relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória" - Prof. M. Caetano, Manual, vol. III, 10ª edição, Pg 1020.</font><br> <font>Daqui resulta que nela há uma extinção de direitos e uma constituição de um direito novo - Prof. M. Cordeiro, Direitos Reais, 2º vol., 1979, Pág. 802.</font><br> <font>Há que surpreender como tal se dinamiza.</font><br> <font>5- O art 1 do D.Lei 438/91, 9 de Novembro, que aprovou o Cod. Exp. estatui:</font><br> <font>"Os bens imóveis e direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública, compreendida nas atribuições da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização".</font><br> <font>São, assim, pressupostos de legitimidade de expropriação:</font><br> <font>- O princípio da legalidade</font><br> <font>- O princípio de utilidade pública</font><br> <font>- O princípio de proporcionalidade</font><br> <font>- A justa indemnização.</font><br> <font>Esta justa indemnização é a garantia económica que o art 62 da Constituição - o cerne da presente questão - concede ao direito de propriedade.</font><br> <font>No nº2 deste art 62 estatui-se:</font><br> <font>"A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização".</font><br> <font>A indemnização constitucionalmente qualificada de "justa" é, assim, pressuposto de legitimidade do exercício do direito do expropriante, "elemento integrante do próprio conceito de expropriação" - Dr. Alves Correia, Garantia do Particular ..., Pg. 156.</font><br> <font>O Tribunal Constitucional tem considerado que o direito à justa indemnização se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que as suas restrições deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - Ac. 131/88, publicado em 29/6; 52/90, de 30-3-90, Bol. 395, Pg. 91 e 210/93, de 16-3-93, Bol. 245, Pg. 160.</font><br> <font>Neles consignaram a correcta ideia no sentido de o legislador constitucional - não tendo estabelecido critérios concretos integradores do conceito de "justa indemnização", deixando essa tarefa ao legislador ordinário - veio impor a este, como directiva, o respeitar sempre a observância dos princípios materiais da Constituição de igualdade e de proporcionalidade.</font><br> <font>Paralelamente - Prof. G. Canotilho e V. Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, em comentário ao referido art 62 nº2, da Constituição.</font><br> <font>Princípio da igualdade de cidadãos perante os encargos públicos frente à expropriação: perda patrimonial emergente da expropriação ser equitativamente repartida entre todos os cidadãos.</font><br> <font>Igualdade perspectivada sob dois ângulos: relação interna por forma a igualar tratamentos entre os expropriados; e relação externa, visando tratamento jurídico não desigual entre expropriados e não expropriados.</font><br> <font>Nesta linha já no Assento do S.T.J. de 22-11-95, sob o seu nº 14, se escrevia que a indemnização "será justa se respeitar os princípios materiais da Constituição da igualdade e proporcionalidade".</font><br> <font>E paralelamente - Prof. M. Cordeiro, ob. cit. Pg. 804.</font><br> <font>Igualdade tradutora de uma igualdade social efectiva, no sentido axiológico-jurídico, "conectado com a Justiça" - na expressão de Del Vecchio.</font><br> <font>Aqueles assinalados dois princípios serão o eco de "cláusulas gerais políticas", potenciando assegurar os objectivos últimos do sistema.</font><br> <font>Em plena recepção de valores éticos e sociológicos e daí de origem extra-jurídica.</font><br> <font>As cláusulas gerais, oriundas do Digesto "clausula generalis" apresentam-se como verdadeiros "órgãos respiratórios do sistema", como regulação de comportamentos, que permitem ao juiz realizar uma justiça materialmente fundada.</font><br> <font>Desta forma a "justa indemnização" será cláusula "indeterminada e normativa" na linguagem de Engisch, aplicável a um número incerto de casos, pensamento formulado pela recepção de alguns casos típicos, base que permite ao aplicador do direito a sua individualização, ao preencher, no concreto, definindo os seus contornos, a sua congénita generalidade e elevado grau de abstracção.</font><br> <font>É na aplicação do direito, no jogo do binómio "vinculação e liberdade" que se vai esvaziando a sua indeterminalidade.</font><br> <font>6- Surpreende-se, assim, uma interdependência, uma sinalagmaticidade entre expropriação e o pagamento de justa indemnização - Dr. Osvaldo Gomes, Expropriações, 1997, Pg. 145.</font><br> <font>Tudo em afloração do princípio da protecção jurídica, que ornamenta o Estado de Direito, atribuindo indemnização total ou integral ao garantir ao expropriado uma compensação plena de perda patrimonial, que lhe foi imposta e por si sofrida, a ser equitativamente repartida entre os cidadãos, compensação que se traduz em colocar o expropriado na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor.</font><br> <font>Só assim o expropriado, que começou por ser colocado numa posição de desigualdade perante os restantes cidadãos, consegue obter a justa compensação pelo especial sacrifício, que lhe foi imposto.</font><br> <font>O acto expropriatário, apresentando-se, desta forma, como violador do princípio da igualdade perante os encargos públicos, será posteriormente compensado com a obrigação de indemnizar justamente.</font><br> <font>Esta obrigação emerge de conduta lícita do agente: aquilo que a literatura italiana designa por "dano antijurídico".</font><br> <font>Mas ela é diferente do dever de indemnizar emergente de responsabilidade civil contratual ou extracontratual.</font><br> <font>Com efeito, a "justa indemnização" não visa compensar o benefício alcançado pelo expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, medida pelo valor do bem expropriado, fixado por acordo ou determinado objectivamente pelos árbitros ou por decisão judicial, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública - nº2 art 22 do Dec.Lei 438/91, de 9 de Novembro.</font><br> <font>Não se trata, pois, de uma verdadeira indemnização, "uma vez que não deriva do funcionamento do instituto da responsabilidade civil" - Prof. M. Cordeiro, Parecer, CJ XV, 90, tomo V, Pág. 25.</font><br> <font>A compensação integral representa o valor de mercado, venda ou de compra e venda do bem expropriado, como valor "normativamente entendido" - na linguagem alemã - Ac. Trib. Const. 210/93, atrás citado - no sentido de "valor mercado normal ou habitual".</font><br> <font>E, por isso, não especulativo.</font><br> <font>Valor sujeito a correcções ditadas pela exigência de justiça que, assim, pode ser diverso do resultado do jogo da oferta e da procura.</font><br> <font>É o acolhimento da teoria da substituição.</font><br> <font>7- Foi tendo presente este quadro constitucional que o legislador de 91 corrigiu o de 76, afastando disposições aqui tidas por inconstitucionais.</font><br> <font>Desta forma a al. e) do art 2 da lei 24/91, de 16 Julho que autorizou o governo a legislar sobre esta matéria, impunha:</font><br> <font>"Consagração da JUSTA INDEMNIZAÇÃO devida por expropriação por utilidade pública, a qual visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advenha da expropriação, sendo a indemnização calculada, nomeadamente, em função de bem expropriado e da aptidão do solo, tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública de expropriação".</font><br> <font>Assim para o efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o legislador de 91 - art 24 - classificou o solo em: a) apto para construção b) apto para outros fins.</font><br> <font>O douto Ac. recorrido classificou - definitivamente - o solo em apreço, como apto para construção.</font><br> <font>8- Entremos, pois, de pleno na interpretação do art 25, que trata do cálculo do valor de tal solo.</font><br> <font>Pelo seu nº1, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental.</font><br> <font>Apontando para o "valor da construção", enquanto que no Cod. de 76 - art 33 nº1 - se referia ao "custo provável de construção", está a seguir o critério do "valor corrente do mercado", critério que é seguido pela quase generalidade dos ordenamentos jurídicos - Ver Dr. Alves Correia, ob. cit. Pag. 129 - com referência aos direitos espanhol, italiano, francês e alemão.</font><br> <font>Determina, logo no nº2, que, num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento nem calçada, betuminoso ou equivalente.</font><br> <font>Só que depois no seu nº3 estabelece acréscimos percentuais, que podem atingir 34%, escalpelizados em índices valorativos do terreno frente às características próprias de cada caso, distribuídos pelas alíneas a) a h).</font><br> <font>9- Discute o Dr. Osvaldo Gomes, ob. cit, Pag. 197, se há ou não arbitrariedade na fixação daquelas alíneas.</font><br> <font>Não concorda com a relatividade de atribuição das percentagens nelas inseridas.</font><br> <font>Afirma que se a pavimentação - al. a) - e as redes de águas - al. b) - e de energia eléctrica - al. d) - estão valoradas em 1%, não se pode justificar a valoração de 1,5% à rede de saneamento - al. c) - e de 2% à estação depuradora e à rede distribuidora de gás - al. f) e g) - em face da carência de saneamento básico e de a rede distribuidora de gás só existir em áreas restritas do país.</font><br> <font>Mas a sua sensibilidade jurídica fica chocada com o facto de a al. h) - a que nos directamente interessa - fixando o limite "rígido" de 15% para a "localização e qualidade ambiental" poder impedir, em alguns casos, que o dano sofrido pelo expropriado seja integralmente ressarcido.</font><br> <font>Desta forma o analisado art 25 nº2 e 3, fixando máximas percentuais iguais para todos os casos "rigorosos e inultrapassáveis", impede que se atinja a justa indemnização.</font><br> <font>Por isso sustenta a sua inconstitucionalidade, por violação dos art 62 nº2 e 13 nº1 da lei fundamental.</font><br> <font>10- Debrucemo-nos mais de perto na interpretação da discutida al. h).</font><br> <font>O douto Ac. recorrido, na esteira do julgado em 1ª instância, decidiu que os aí assinalados 15% referidos à "localização e qualidade ambiental" são fixos e daí não graduáveis.</font><br> <font>Fundamenta-se no facto de "não dizer a lei que a localização e qualidade ambiental valem até 15%, sendo certo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art 9 nº3 do Código Civil".</font><br> <font>Agarra-se aqui à intencional significatividade e à lógica de não se ter inserido a preposição "até".</font><br> <font>Parte certamente de um tecnicismo de linguagem, por o direito ser formulado por juristas, próprio dos Cod. Civis Português e Alemão e não já do Suíço.</font><br> <font>A racionalidade de semelhante julgamento é analítico--linguística, dedutivista e de carácter semântico.</font><br> <font>Dá prioridade ao teor literal.</font><br> <font>Daí toda a sua fragilidade.</font><br> <font>Com efeito a letra da lei só tem valor heurístico e não normativo.</font><br> <font>É acompanhado pelos Ac. da Relação do Porto de 3-12-96 - Proc. 991/96; de 13-1-97, Proc. 1067/97 e de 3-2-97, Proc. 1147/96, como consta do Parecer do M. Público - fls. 172.</font><br> <font>E na doutrina pelo Dr. Melo Ferreira, C.E. Anotado, 1997, Pg. 85 "A letra da lei, neste caso concreto, não permite outra interpretação, os 15% pela localização e qualidade ambiental são um factor fixo e não gradativo".</font><br> <font>E pelo Dr. Osvaldo Gomes, ob. cit. Pag. 197 "a fixação de limites rígidos nas diversas alíneas, nomeadamente de 15% para a localização e a qualidade ambiental ...".</font><br> <font>Ex adverso, o Ac. em oposição, decidiu "que a percentagem de 15% referida na al. h) do nº3 art 25 do C.E. constitui um limite máximo a aplicar de acordo com a valoração que se faça da localização e qualidade ambiental do bem expropriado e não um valor fixo a aplicar em todos os casos".</font><br> <font>Decidiram semelhantemente os Ac., também da Relação do Porto, de 6-12-94; de 4-5-95; 29-6-95; 21-11-97, 20-11-97 e da Relação de Lisboa de 29-3-98.</font><br> <font>No mesmo sentido opina Dr. Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 1992, Pag. 93, em comentário ao art 25 em análise.</font><br> <font>11- A interpretação dogmática, pressuposto de um sistema jurídico dogmático - direito como ordem só objectiva - filtrada por uma dimensão hermenêutica, como condição de possibilidade de compreender o texto legal, visava veicular o pensamento dirigido à sua compreensão e interpretação, dentro de determinado círculo.</font><br> <font>Apoiava-se em elementos que não tinham entre si prevalência hierárquica, abstractamente, mas que para a solução do caso concreto um seria o que efectivamente potenciava uma maior força argumentativa, o que significaria o seu carácter tópico - Coing, Esser e Zippelius. </font><br> <font>Está ultrapassada.</font><br> <font>Hoje "a linha de orientação exacta só pode ser, pois, aquela em que as exigências do sistema e de pressupostos fundamentos dogmáticos não se fechem numa auto-suficiência, a implicar também a auto-subsistência de uma hermenêutica unicamente explicitante, e antes se abram a uma intencionalidade materialmente normativa que, na sua concreta e judicativo-decisória realização, se oriente de certo por aquelas mediações dogmáticas, mas que ao mesmo tempo as problematize e as reconstitua pela sua experimentação concretizadora" - Prof. C. Neves, Metodologia, 1993, Pág. 123.</font><br> <font>Na interpretação estão, assim, presentes as duas grandes coordenadas da realização jurídica: o sistema e o problema.</font><br> <font>A certeza do direito e a segurança jurídica são valores superiores e traves mestras que pautam a realidade normativa geral e abstracta.</font><br> <font>No direito norma apura-se o interesse tutelado, a ratio legis, aferidos os valores.</font><br> <font>Mas o que as partes querem é a Justiça, ao seu caso concreto, o que não é, necessariamente, coincidente com aquele valor.</font><br> <font>Aqueles válidos princípios não podem impor-se com sacrifício das elementares exigências do "justo".</font><br> <font>Por isso, agora, no direito judiciário, na aplicação do direito ao caso concreto, há que alargar o campo de sensibilidade axiológica de direito ao facto concreto, com características naturalísticas, históricas, sociológicas e culturais próprias, numa apreciação dialéctica do facto à norma.</font><br> <font>Indutivamente.</font><br> <font>É, pois, sempre o Direito, em conjunto, que se aplica.</font><br> <font>"O direito será um contínuo problematicamente constituendo" - Prof. C. Neves, Rev. Leg. e Jup. ano 131, Pág. 11: "dialéctica entre sistema e problema num objectivo judicativo de realização normativa"</font><br> <font>Tal impõe que a "ratio legis" se dialectize e se veja superada pela "ratio iuris".</font><br> <font>A hermenêutica será um normativo encontrar o direito em concreto.</font><br> <font>E a jurisprudência - e com maior relevância, a uniformizadora - como ciência interpretativa, encerra em si pensamento normativo de realização do direito, correspondente às expectativas prático-sociais dos sujeitos, realizando o direito na solução do caso concreto com a consciência jurídica geral, com as expectativas jurídico-sociais de validade e justiça.</font><br> <font>Só, assim, a Justiça será o fundamento necessário da interpretação jurídica.</font><br> <font>Com efeito a solução injusta no resultado não pode ser entendida como vontade da lei - art 9 nº3 CC.</font><br> <font>Por isso desde Esser e Zippelius, o primeiro índice a observar na interpretação circunscreve-se às valorações expressas pelo legislador constitucional: sentido de cada norma em referência ao "ordenamento jurídico global", na expressão de Engisch.</font><br> <font>Ou seja, há que interpretar a norma em referência à "unidade do sistema jurídico" - art 9 nº1 CC -, frente ao "princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica" - Dr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Pág. 191.</font><br> <font>Unidade intrinsecamente coerente a ser interpretada em projecção da ideia de Direito, tradutora de uma concebida ordem social justa, que a fundamenta.</font><br> <font>E o legislador constitucional valorou a indemnização devida ao expropriado de "justa", com os parâmetros atrás assinalados.</font><br> <font>Sempre a respeitar.</font><br> <font>12- O legislador de 91, sensível às aludidas decisões do Tribunal Constitucional, no que concerne ao direito à "justa indemnização" (basta ler o preâmbulo do D.Lei 438/91), procurou veicular a indemnização, tida constitucionalmente, como "justa", através de mecanismos de avaliação do solo expropriado apto para construção, no caso em apreço.</font><br> <font>Tendo, como denominador comum, sempre "em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública" - nº2 art 22.</font><br> <font>A versatilidade destas circunstâncias e condições determina, necessariamente, que os mecanismos de avaliação sejam maleáveis, adaptáveis.</font><br> <font>Daí que os tivesse maleabilizado através das diferentes alíneas do nº3 art 25, sendo certo que umas podem encerrar em si um maior campo de elasticidade.</font><br> <font>Decisivamente é o caso da al. h).</font><br> <font>Pretendeu dar ao julgador um método de uniformização de critérios de avaliação, para que os expropriados não corressem o risco de serem sujeitos a critérios diversos.</font><br> <font>Mas não teve por objectivo limitar a indemnização, como sucedia nos art 30 nº2 e 33 nº1, do anterior CEXP de 76 "não poderá exceder".</font><br> <font>Estes sim feridos, por isso, de inconstitucionalidade.</font><br> <font>Na sua elasticidade visou uma igualação da situação concreta frente às demais expropriações.</font><br> <font>E pretendeu garantir, por outro lado, que a indemnização a fixar não entre em desequilíbrio com a fixar para um não expropriado.</font><br> <font>A meta é, como anteriormente vimos, uma "compensação séria e adequada", "correctiva de qualquer facto especulativo que mine o mercado".</font><br> <font>Tudo trabalhado indutivamente.</font><br> <font>Para o Dr. Perestrelo de Oliveira, ob. cit. Pág. 93, até</font><br> <font>"Essas percentagens são, antes, referenciais para os peritos, configurando um padrão de cálculo não necessariamente vinculante".</font><br> <font>O legislador de 91 traçou, desta forma, "momentos racionais e de objectividade", na linguagem do Prof. Mota Pinto, Teoria Geral, Pág. 45, como via a seguir pelo tribunal para adequar a justiça concreta ao valorado pelo legislador.</font><br> <font>13- Impõe-se concluir que é o valor "Justiça" - justiça comutativa - pautada pelos princípios constitucionais de proporcionalidade e igualdade, que fundamenta a interpretação da al. h), em apreço, no sentido da sua elasticidade, atentas as características específicas de cada caso concreto, visando uma indemnização integral, a adequada reconstituição da lesão patrimonial infligida ao expropriado.</font><br> <font>E daí "justa".</font><br> <font>O núcleo normativo, fixo e determinante do conceito-cláusula "justa indemnização", fundante da "estrutura óssea" da ordem jurídica e caução da sua estabilidade, é alargado na viabilização da sua concretização para uma área difusa e discutível, que o legislador de 91 achou por bem drená-la por índices orientadores e necessariamente maleáveis, sob pena de se negar logicamente a sua congénita indeterminação.</font><br> <font>Tal está integralmente respeitado no art 25 DL 438/91, em plena recepção da "ratio iuris" do sistema.</font><br> <font>Em concretização da função estabilizadora do Direito, garantindo a continuidade da vida social e os direitos e expectativas legítimas das pessoas.</font><br> <font>Nesta abertura do sistema, na sua dinamização, assenta o actual papel de Direito como instrumento de modelação da sociedade pluralista.</font><br> <font>Garantindo e facilitando a missão de julgar, consistente na descoberta de uma decisão justa e justificada pela lei, segundo o Direito em vigor.</font><br> <font>14- Para efeitos da L.B.A. - art 5 nº2 a) "ambiente" é o conjunto de sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida dos homens.</font><br> <font>São componentes do ambiente o ar, a luz, a água, o solo vivo e o subsolo, a flora e a fauna - art 6.</font><br> <font>Estamos perante realidades fácticas complexas integradoras daquele conceito.</font><br> <font>As múltiplas coordenadas fácticas em que se desdobra o factor "ambiente" terão de ser protegidas, indutivamente, pela norma com a necessária elasticidade, para que o Direito se realize justamente - art 9 nº3 CC.</font><br> <font>Só que o douto Ac. recorrido, na esteira do decidido em 1ª instância, julgando que a percentagem referente à "localização e qualidade ambiental" inserta na al. h) do nº3 art 25 do C.E. é fixa em 15%, acabou, quanto a tal, por não apreciar e valorar a matéria de facto.</font><br> <font>Não sendo aquela percentagem fixa, como não é, a matéria de facto terá de ser previamente apurada e surpreendida, quanto a este ponto, tendo ainda em consideração, não só os relatórios dos Srs. peritos - fls. 82 e 83 - como também as realidades fácticas complexas integradoras do conceito de "ambiente".</font><br> <font>15- Termos em que, concedendo a revista, acordam no S.T.J.:</font><br> <font>a) Firmar jurisprudência, nos termos seguintes:</font><br> <font>"A percentagem de 15% estabelecida na al. h) do nº3 do art 25 do Código das Expropriações, aprovado pelo Dec-Lei nº 438/91, de 09 de Novembro - elemento uniformizador de critério de avaliação - perderá a sua fixidez, passando a maleabilizar-se no momento da sua aplicação, a cada caso concreto, de acordo com a avaliação que se faça da "localização e qualidade ambiental" do bem expropriado, visando alcançar a constitucional justa indemnização".</font><br> <font>b) Ordenar a descida dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para apuramento da matéria de facto que constitua base suficiente para integrar decisão de direito, em face da jurisprudência agora firmada.</font><br> <font>Custas a final.</font><br> <font>Lisboa, 12 de Janeiro de 1999.</font><br> <br> <font>Torres Paulo,</font><br> <font>Roger Lopes,</font><br> <font>Martins da Costa.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A intentou, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, a presente acção, que se iniciou sob a forma sumária, prosseguindo mais tarde sob a forma ordinária, contra B e mulher C, todos com os sinais dos autos, pedindo a resolução do contrato de arrendamento respeitante a uma loja que identifica nos autos, com a inerente entrega imediata desta, livre e desembaraçada.<br> Fundamentando o pedido, alegou, em síntese, factos integradores da afectação do locado a fim diverso do pactuado - comércio de leitaria - e da alteração substancial da disposição interna das divisões do arrendado, como consequência de obras aí realizadas pelo arrendatário/Réu, sem consentimento do senhorio/Autor.<br> Contestando, vieram os RR. pugnar pela improcedência da acção, impugnando a factualidade aduzida pelo A., ao mesmo tempo que, em reconvenção, pediram a condenação do A./reconvindo no pagamento da quantia de 2224953 escudos, em consequência de prejuízos que teriam sofrido em consequência da conduta omissiva do A. (2000000 escudos) e, bem assim, de melhoramentos por eles realizados (179953 escudos) ou a realizar (45000 escudos) no arrendado, geradores do direito à correspondente indemnização. Tudo sem prejuízo da condenação do A./reconvindo como litigante de má fé em multa e indemnização, não devendo esta ser inferior a 2000000 escudos.<br> Na réplica (resposta), o A./reconvindo sustentou a improcedência da reconvenção, mantendo, no mais, o inicialmente alegado e pedindo, por seu turno, a condenação dos RR./reconvintes como litigantes de má fé, em multa e indemnização, esta em montante não inferior a 3000000 escudos.<br> Proferido despacho saneador, que conheceu das questões processuais suscitadas, foi elaborada a especificação e o questionário que não sofreram reclamações.<br> Procedeu-se à realização da audiência e julgamento, sendo julgada a matéria de facto quesitada - cfr. acórdão de fls. 96 e 97.<br> Em 6 de Março de 1998 foi proferida sentença (fls. 100 a 111) que:<br> a) Julgando procedente a acção, com fundamento na primeira das referidas causas de resolução - afectação do arrendado a fim diverso do convencionado -, condenou os RR. no despejo imediato do locado, a entregar, livre e desembaraçado ao A.;<br> b) Julgando parcialmente procedente a reconvenção, condenou o A./reconvindo a pagar aos RR./reconvintes a indemnização que se liquidar em execução de sentença quanto às obras referidas na resposta ao quesito 12º, até ao montante máximo de 179953 escudos, do mais se absolvendo o reconvindo.<br> c) Não condenou qualquer das partes como litigante de má fé.<br> <br> Inconformados, apelaram os RR.<br> Por acórdão de 29 de Abril de 1999, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, no entanto, julgar improcedente a apelação, assim confirmando, na parte impugnada, a sentença recorrida - fls. 148 a 156.<br> Continuando inconformados, trazem os RR. a presente revista, pedindo a revogação da sentença e do acórdão recorrido no que ao despejo se refere, visando, pois, a manutenção do arrendamento. Oferecem, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> <br> 1. A fundamentação do douto Acórdão recorrido, a qual, aliás, se limita, no essencial, a louvar a sentença apelada, não se enquadra, tal como esta, na previsão da al. b) do artº 64º, nº 1, e 65º do D.L. 321-B/90, bem como o artº 802º, nº 2, do C.C., pelo que estes terão sido violados;<br> 2. Na verdade, à sua subsunção, tal como a entendemos, os RR. só podiam dela terem sido absolvidos;<br> 3. Sobretudo tendo em conta o disposto nos artºs 8º a 13º do C.C.;<br> 4. Além de que terá ofendido os preceitos relativos ao abuso de direito e à caducidade, artºs 333º e 334º C.C. e ex nº 1 al. c) do artº 474º C.P.C.;<br> 5. Bem como as al. c) e d) do nº 1 do artº 668º do C.P.C.;<br> 6. Sobretudo, se imperarem, como devem, os critérios de bom senso e razoabilidade;<br> 7. Pelo que a solução da não resolução do contrato é a que se nos afigura ser a mais adequada, justa e conforme ao espírito da Lei porque, por um lado, não dispersa os valores e, por outro, não despreza o sistema legal estatuído;<br> 8. Daí decorrendo a inevitabilidade do afastamento da resolução do contrato.<br> <br> Contra-alegando, o Recorrido pugna pela manutenção do julgado.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>A matéria de facto dada como provada pelas instâncias é a seguinte:<br> a) O A. deu de arrendamento ao R. marido a loja "D", integrada no prédio urbano designado pelo Lote 140-A, sito na R. Fernão Mendes Pinto da freguesia da Brandoa, concelho da Amadora, com início em 1 de Julho e 1991, pela renda mensal de 20000 escudos, actualmente de 24095 escudos, com destino ao comércio de leitaria - al. A) (e única) da especificação;<br> b) Os RR. vendem no locado, entre outros produtos, cerveja, vinhos, aguardentes, licores, whisky e refeições ligeiras ali confeccionadas - resposta ao quesito 1º;<br> c) O locado tinha uma divisão ampla e uma casa de banho - resp. ao quesito 2º;<br> d) Os RR. fizeram obras no locado de forma a que o mesmo passou a ter uma divisão mais reduzida, uma cozinha, duas casas de banho e um lavatório - resp. ao quesito 3º;<br> e) As alterações foram feitas através de paredes de alvenaria, uma das quais tapa metade da montra que dá para a rua - resp. ao quesito 4º;<br> f) O A. autorizou os RR. a executar todas as obras de adaptação do locado ao fim pretendido e teve conhecimento e também autorizou as obras que os RR. vieram a efectuar - resp. aos quesitos 6º e 7º;<br> g) As situações referidas nas alíneas b), d) e e) verificam-se desde o início do arrendamento - resp. ao quesito 8º;<br> h) As estruturas das instalações eléctricas do locado eram de reduzida potência e, por isso, rebentavam por vezes - resp. ao quesito 9º;<br> i) O A. não atendeu o aviso que a EDP lhe fez para realizar os trabalhos relativos à instalação comum de todo o prédio (coluna montante) resp. ao quesito 11º;<br> j) O que determinou os RR. a proceder às obras discriminadas nos documentos de fls. 35, 36 e 37, no valor de 179953 escudos - resp. ao quesito 12º.<br> <br> Pode acrescentar-se que, não só nos termos do ponto 4º do contrato de promessa de arrendamento celebrado em 23-01-92 entre o A. e o R. marido, "a loja arrendada destina-se a LEITARIA" - cfr. o original do referido contrato, a fls. 11, mas também na sentença homologatória da transacção que pôs termo ao processo nº 7770 do 6º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, 1ª Secção, certificada a fls. 13, ficou expressamente consignado que o arrendado se destina "ao comércio de leitaria". <div>III</div>1 - Como é por demais sabido, as conclusões da alegação do Recorrente delimitam, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso, o âmbito objectivo do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC).<br> Não obstante o estilo peculiar e, por vezes, quase telegráfico adoptado na redacção das conclusões supra transcritas, considerou-se conterem as mesmas, na sua generalidade, os elementos de inteligibilidade mínima indispensável para, tendo presente, sempre que possível, o arrazoado que as precede - redigido em termos bem diversos -, ser possível identificar a problemática que cumpre apreciar e decidir no âmbito do presente recurso.<br> Refira-se, todavia, que a conclusão 5ª aponta para uma nulidade de sentença praticamente inexplicável e que não encontra o mínimo suporte no corpo das alegações, configurando-se, pois, como uma afirmação sem fundamento na economia da presente revista e tendo presente o conteúdo do acórdão recorrido onde não se divisa qualquer causa de nulidade subsumível às alíneas c) ou d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.<br> Atento o que, e sem necessidade de mais delongas a tal respeito, improcede a referida conclusão 5ª.<br> <br> A questão nuclear colocada no presente recurso consiste em saber se, perante a factualidade apurada, se deve, ou não, considerar verificada a causa de resolução do contrato de arrendamento dos autos traduzida na afectação do locado a fim diverso do pactuado. Adicionalmente, caberá apreciar as questões relativas à alegada caducidade do direito de resolução e à eventual existência de abuso do direito por parte do A.<br> Vejamos, pois.<br> <br> 2 - Em causa está a interpretação e aplicação ao caso dos autos da alínea b) do nº 1 do artigo 64º do RAU, que assim dispõe: <br> <br> O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:<br> a) (...);<br> b) Usar ou consentir que outrem use o prédio arrendado para fim ou ramo de negócio diverso daquele ou daqueles a que se destina.<br> <br> Norma lógica e teleologicamente articulada com a da alínea c) do artigo 1038º do Código Civil, que estabelece ser obrigação do locatário não aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina.<br> <br> 2.1. - Procurando resumir o pensamento que, sobre a matéria, se tem como mais adequado, sem a necessidade de longas dissertações teóricas, agora tidas como desnecessárias, dir-se-á, com o Cons. Pais de Sousa, citando um Acórdão da Relação do Porto, que não há grande dificuldade em concluir pela verificação do fundamento de resolução em apreço, se o arrendatário passou a utilizar o prédio para um fim ou ramo de negócio absolutamente distinto do convencionado, havendo substituição total de um pelo outro ( ) Cfr. "Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.), Rei dos Livros, 5ª edição actualizada, pág. 189.).<br> As dificuldades surgem quando o fim pactuado é idêntico ou muito semelhante ao efectivamente praticado no prédio.<br> A fonte mais frequente de conflito deriva dos casos em que o arrendatário usa o locado não só para a destinação convencionada, mas também para outra ou outras finalidades.<br> Entende-se não dever perfilhar, se levada às últimas consequências, a solução radical, filha daquilo a que Pais de Sousa chama "a corrente rigorista", segundo a qual haverá fundamento para a resolução quando o locatário, mantendo embora o destino convencionado, lhe acrescenta outro.<br> Mas também não se pode perfilhar, sem mais, a "corrente benévola", para a qual é irrelevante a finalidade resultante do uso acessório, desde que o uso convencionado subsista como principal.<br> Além de ser fundamental que, no arrendado, se continue a exercer a actividade prevista no contrato, será necessário, para que não exista fundamento de resolução do contrato pelo senhorio, que a actividade adicional reúna determinados requisitos ou características e respeite certos parâmetros e critérios.<br> Socorrendo-nos do pensamento de Autores que têm teorizado acerca do tema - como é o caso de Vasco Gama Lobo Xavier, António Pais de Sousa e de Jorge Alberto Aragão Seia - e da análise da jurisprudência das Relações e deste Supremo Tribunal de Justiça, podemos enunciar os seguintes princípios:<br> É essencial que a actividade adicional não cause ao prédio maior desgaste do que o previsto com o uso que representa a realização do arrendamento; que não diminua a segurança dos utentes do prédio e das suas estruturas; que não desvalorize o valor locativo do imóvel em maior grau do que o expressamente consentido.<br> É ainda necessário que seja de presumir, à luz da razoabilidade, da boa-fé ou dos usos comuns, que o locador podia e devia contar com o exercício adicional da outra actividade.<br> Em Acórdão de 15-12-1992, a Relação do Porto decidiu que "é lícito ao arrendatário explorar, em via secundária, um ramo de negócio que, embora diverso do literalmente fixado no contrato, apresenta com este uma determinada conexão, sempre que as circunstâncias permitam inferir que o locador podia e devia contar com o exercício adicional de outra actividade".<br> "Para que exista conexão relevante entre essas diferentes actividades é exigível:<br> a) Que estejam ligadas por uma relação de instrumentalidade necessária ou quase necessária, sendo lícita a actividade que se mostre indispensável ou especialmente conveniente para que no prédio arrendado se possa exercer, em boas condições, o ramo do negócio objecto do contrato;<br> b) Ou que as actividades adicionalmente exercidas acompanhem, segundo os usos comuns, a exploração de determinada modalidade de comércio, configurando uma prática constante ou quase constante" (Cfr. pontos I e II do sumário do Acórdão de 15 de Dezembro de 1992, Recurso nº 1247/89 - 5ª Secção, in BMJ, nº 422, pág. 425.).<br> <br> Pode rematar-se este breve excurso teórico, dizendo que, na aferição do uso do arrendado para fins diversos dos contratualmente acordados, a jurisprudência tem experimentado algumas dificuldades em estabelecer uma orientação bem definida. <br> Daí a abordagem casuística, bem expressa em diversos acórdãos, que seria fastidioso e desnecessário agora recensear. <br> Em todo o caso, perante o exercício, no locado, de actividades secundárias em que exista conexão relevante com a actividade principal, em conformidade com os critérios e requisitos acima mencionados - instrumentalidade necessária ou quase necessária ou acompanhamento como prática constante ou quase constante, de acordo com os usos comuns -, deve concluir-se no sentido da existência de fundamento para a resolução do contrato pelo senhorio (Veja-se ainda o Acórdão do STJ de 21-05-98, Revista nº 254/98 e de 17-04-1997, 2ª Secção.).<br> <br> 2.2. - Os traços essenciais da matéria de facto relevante do caso sub judice podem enunciar-se nos dois pontos seguintes:<br> <br> - "O A. deu de arrendamento ao R. marido a loja "D" (...),com início em 1 de Julho e 1991 (...), com destino ao comércio de leitaria - al. A) da especificação. Isso mesmo foi entre eles convencionado no contrato de promessa de arrendamento subscrito em 23 de Janeiro de 1992, com confirmação posterior na sentença homologatória da transacção judicial de 31 de Março de 1993 - cfr. fls. 11 e 14.<br> - Provou-se, no entanto, que os RR., desde o início do arrendamento, vendem no locado, entre outros produtos, cerveja, vinhos, aguardentes, licores, whisky e refeições ligeiras ali confeccionadas - respostas aos quesitos 1º e 8º.<br> <br> Apreciando a matéria em apreço pode ler-se no acórdão impugnado o seguinte: "Em suma, face a todo o expendido, de concluir é que os RR. desde 1 de Julho de 1991 e com carácter duradouro e permanente, vêm afectando o arrendado a ramo de negócio diverso do pactuado - mediante a venda de bebidas alcoólicas e refeições ligeiras, aí confeccionadas -, sucedendo que tal conduta dos RR., para além de não subsumível ao fim contratual, mesmo perante a formulação mais liberal da teoria do acessório, também não pode ser havida como implicitamente admitida pelo senhorio, segundo critérios de razoabilidade e de boa fé, indemonstrado como ficou que tal conduta acompanhe, segundo os usos comuns, a exploração de leitaria, configurando uma prática constante ou quase constante".<br> Na sequência do que o acórdão recorrido, na esteira do já decidido pela 1ª instância, entendeu ocorrer o fundamento de resolução contratual previsto no artigo 64º, nº 1, al. b), do RAU - cfr. fls. 154, vs. e 155.<br> <br> 2.2. - Contra este entendimento reagem os Recorrentes, argumentando, no arrazoado das respectivas alegações, que "o acórdão da Relação de Lisboa faz letra morta dos textos legais que preceituam a inexistência da denominação de Leitaria".<br> Trata-se de imputação que, além do mais, não é correcta nem justa. Na verdade, o acórdão recorrido explica com clareza, a quem o queira ler, as razões da decisão a que chegou. Ali se escreve, designadamente, que "as classificações legais das actividades económicas não podem sobrepor-se à vontade negocial do senhorio, explicitamente manifestada e apurada nos termos que ficaram referidos. E tal vontade também não pode estar à mercê e ser dependente dos designativos atribuídos aos estabelecimentos comerciais pelos respectivos proprietários-inquilinos. Além do que a concessão de alvarás é mera função de condicionantes de natureza administrativa que não podem sobrepor-se ou extinguir a liberdade contratual das partes quanto à atribuição de um fim específico - desde que legal, como no caso dos autos - ao contrato de arrendamento (cfr. arts. 405º e 1027º, ambos do C.C.".<br> Tem razão o acórdão recorrido.<br> Com efeito, são distintos os planos do interesse privado e do interesse administrativo.<br> O primeiro subjaz à livre escolha, de acordo com o exercício da liberdade contratual, do fim de cada concreto contrato de arrendamento. O segundo está presente na actividade administrativa correspondente à prática de actos permissivos, como é próprio da concessão de autorizações ou licenças. (Em sentido rigoroso, a autorização é o acto administrativo que permite a alguém o exercício de um seu direito ou de poderes legais. A licença é o acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou o exercício de uma actividade relativamente proibidos - cfr. Marcello Caetano, "Manual de Direito Administrativo, Almedina, 10ª edição (reimpressão), vol. I, pág. 459.).<br> E não é a circunstância de um particular comerciante lograr obter da Administração uma autorização ou uma licença, tituladas por um alvará a conceder-lhe o direito de exercer a actividade assim autorizada, que "obriga" outro particular, seu senhorio, a ter de aceitar os termos e condições da referida licença relativa a matéria que se insere na livre disponibilidade dos seus interesses privados, porque correspondente ao domínio da sua liberdade de contratar. (Com efeito, a par da hipótese, na prática, mais frequente, que consiste em o fim livremente pactuado entre as partes para o arrendamento poder ser, na prática, reduzido ou limitado por imposição administrativa, pode também verificar-se a situação inversa, ou seja, a de, do ponto de vista administrativo, ter sido obtida autorização para a prática de actividades mais amplas do que aquelas que são convencionadas em termos contratuais entre senhorio e inquilino. Basta figurar a hipótese de obtenção de autorização administrativa para a exploração de um "restaurante", mas de, em termos contratuais, apenas ser possível usar o locado para fins de "take-away". Ambas as hipóteses são possíveis. ).<br> A circunstância de, na tabela correspondente da classificação de actividades económicas anexa ao Decreto-Lei nº 182/93, de 14 de Maio (Secção H - Alojamento e restauração (restaurantes e similares), não figurar, no item "estabelecimentos de bebidas" a referência à espécie "leitarias", não significa obviamente que o "comércio de leitaria" tenha sido ilegalizado ou tenha desaparecido.<br> Era o que faltava que, em consequência de uma alteração da nomenclatura das "actividades económicas", tivesse que ser necessário promover a alteração do fim que, livre e licitamente, fora acordado entre as partes para utilização dos imóveis arrendados. Ou, pior ainda, que uma das partes ficasse sujeita a ter de aceitar a modificação dessa finalidade por decisão unilateral da outra com o argumento da inexistência - ou da omissão -, no léxico das novas categorias, da denominação correspondente à utilização pretendida e pactuada para o arrendado ( ) Em termos de acto administrativo permissivo, inexistindo, no Grupo "Estabelecimentos de bebidas", a categoria correspondente à finalidade da destinação do locado - "Leitaria" -, é manifesto que o licenciamento a obter deveria fazer apelo à categoria materialmente mais próxima (ou similar) daquela, de entre as que constam do léxico correspondente. Ora, é manifesto que, além de categorias residuais como "Outros estabelecimentos de bebidas (...)", existem, na nomenclatura categorial constante da tabela anexa ao DL nº 182/93, outras bem mais próximas do fim "comércio de leitaria" do que a de "cervejaria", a que se refere a declaração de fls. 122.<br> Refira-se, ainda, nesta matéria, a publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho, que estabeleceu o novo regime jurídico da instalação e funcionamento dos estabelecimentos de restauração e de bebidas, bem como do subsequente Decreto Regulamentar nº 38/97, de 25 de Setembro. Ora, do artigo 2º deste diploma resulta a enumeração, a título exemplificativo, das seguintes denominações de estabelecimentos de bebidas : "bar", "cervejaria", "café", "pastelaria", "confeitaria", "boutique de pão quente", "cafetaria", "casa de chá", "gelataria", "pub" ou "taberna".).<br> <br> 2.3. - Assim sendo, como não pode deixar de ser, tudo está em saber se a utilização do locado para venda, entre outros produtos, de cerveja, vinhos, aguardentes, licores, whisky e refeições ligeiras ali confeccionadas, é, ou não, subsumível ao fundamento de resolução pelo senhorio a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 64º do RAU.<br> Concorda-se genericamente, neste ponto central, com a posição das instâncias.<br> Com efeito, não pode sustentar-se a existência de conexão, nos termos acima assinalados, entre o comércio de leitaria e a venda de bebidas alcoólicas e de refeições ligeiras confeccionadas no local. Conexão que, como se viu, para ser relevante, deveria traduzir-se numa relação de instrumentalidade necessária, ou quase necessária, entre o comércio de leitaria e a venda de bebidas alcoólicas, bem como a confecção e venda de refeições ligeiras, actividade esta que, por natureza, é mais própria de estabelecimentos de restauração (cfr. artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 38/97) e não, especificamente, dos estabelecimentos de bebidas, onde, sem dúvida, se integra aquele a que se reporta a situação sub judice (cfr. o artigo 2º do mesmo diploma).<br> Algo de similar se pode dizer da venda de bebidas alcoólicas, actividade própria de outros estabelecimentos de bebidas diversos daqueles em que a destinação acordada para o arrendado foi o "comércio de leitaria" e que, por isso mesmo, implicam um perfil bem diferente de clientela, horários de funcionamento e "picos" de serviço bem distintos, com as consequentes diferenças em matéria de ambiente e de ruído.<br> Tudo a projectar nos demais utentes do imóvel onde o estabelecimento se encontra situado e na vizinhança uma imagem menos tranquila, logo, de pior qualidade, com inevitável repercussão na deterioração do valor locativo do arrendado, no âmbito do sector de mercado escolhido pelo senhorio, ora recorrido.<br> Atenta a economia do caso sub judice, não se torna necessário, nem isso cumpre a este Supremo Tribunal, referir quais os produtos, para além do leite e seus derivados, cuja venda seria compatível, dentro dos parâmetros expostos com o fim convencionado para o arrendamento.<br> O que se tem como indiscutível é que a venda de bebidas alcoólicas e a confecção e venda de refeições ligeiras não se situam numa relação de instrumentalidade necessária ou quase necessária com o fim estipulado nem acompanham, segundo os usos comuns, a exploração da modalidade de comércio pactuada, configurando uma prática constante ou quase constante.<br> <br> 2.4. - Atento o exposto, fácil é concluir a respeito da irrelevância, não só de uma pretensa evolução do conceito económico e jurídico de "comércio de leitaria", bem como do apelo que se pretende fazer a uma interpretação actualista do mesmo à luz de diplomas que têm por objecto a classificação de actividades económicas ou a definição do regime jurídico dos estabelecimentos de restauração ou de bebidas.<br> Também não é, de modo algum, aceitável, a referência à área urbana de localização do imóvel onde se situa o estabelecimento, com a intenção de afirmar que, por se tratar da Brandoa, "tem toda a pertinência o serviço de bebidas alcoólicas (...)". Em matéria similar o que merece tutela é o cumprimento dos termos livremente acordados entre as partes, na adequada interpretação do regime legal. A eventual consideração de circunstâncias "regionais" ou "locais" só se justificaria se tivesse sido feita alegação e prova - o que não aconteceu - acerca da existência de especificidades ou peculiaridades locais, a merecerem atenção no plano da interpretação e aplicação da lei ou do convencionado entre os outorgantes.<br> Uma nota ainda: Sem que, no arrazoado da alegação algo se diga a tal propósito, invocam-se inopinadamente, na conclusão 3ª, em termos pretensamente reforçativos do sentido da conclusão anterior, mas sem qualquer tentativa de fundamentação, os artigos 8º a 13º do C.C. Trata-se, até pela diversidade das previsões dos normativos elencados, e atenta a omissão de qualquer explicitação quanto à sua invocação, de afirmação manifestamente deslocada e sem fundamento, que, como não pode deixar de ser, de todo improcede.<br> <br> Por outro lado, não assiste razão aos Recorrentes quando pretendem que , "no locado em causa, a venda de pequenas refeições ou de algumas bebidas (sic), surgiram como actos isolados, esporádicos ou acidentais, susceptíveis de serem considerados como englobando uma actividade meramente transitória".<br> Trata-se de uma afirmação que, a par de outras, constantes das alegações, se considera, com o devido respeito, marcada por manifesta ligeireza, posto que, além do mais, nos termos da factualidade dada como assente, se apurou que a venda, pelos RR., no locado, de, entre outros produtos, cerveja, vinhos, aguardentes, licores, whisky e refeições ligeiras ali confeccionadas, se verificou desde o início do arrendamento.<br> Com efeito, em face da falta de alegação e prova, pelos RR., da natureza esporádica ou fortuita dessa actividade, não pode deixar de se concluir, com o acórdão recorrido, no sentido do carácter continuado e duradouro da mesma.<br> Também, por identidade de razões, ou seja, porque os Recorrentes nada alegaram ou provaram a tal respeito, como lhes cumpria, improcede a afirmação constante do arrazoado segundo a qual a actividade desenvolvida para além do pactuado seria de escassa importância, atendendo ao interesse do credor, apreciado objectivamente, por aplicação do artigo 802º, nº 2, do C.C. ( ) Cfr. o Acórdão do STJ de 11-02-1999, Revista nº 25/99, 2ª Secção.). <br> Posto o que irrelevante se torna que os Recorrentes possam ter continuado a praticar, no locado, actos subsumíveis ao conceito de comércio de leitaria ou que, com tal fim, se encontrem conexionados, nos termos oportunamente expostos.<br> De quanto se disse não pode deixar de se concluir que os factos dados como provados integram a causa de resolução pelo Senhorio a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 64º do RAU, não fazendo qualquer sentido a alegada violação do nº 2 do artigo 802º do C.C., uma vez que não se verifica a situação correspondente à respectiva previsão - escassa importância do cumprimento parcial.<br> <br> 3 - Passemos à questão da alegada existência de abuso de direito imputada pelos Recorrentes ao Recorrido, cujo conhecimento oficioso as instâncias não contestam. (Cfr., verbi gratia, o Acórdão do STJ de 14-10-1997, processo nº 540/97, 2ª Secção.). Só que, como bem entendeu o acórdão recorrido, não foram, pelos RR., articulados factos idóneos que permitam chegar a tal conclusão.<br> Ora, se é verdade que, por um lado, o exercício abusivo de um direito é do conhecimento oficioso do Tribunal, também é certo que, nessa apreciação, o Juiz se encontra vinculado, atento o disposto pelo artigo 664º do C.P.C., pelo alegado pelas partes ( ) Cfr. o Acórdão do STJ de 14-10-1997, in CJ, Acórdãos do STJ, Ano V, Tomo III, pp. 71. e seguintes.).<br> Ora, o que dos autos resulta é o legítimo exercício, pelo Recorrido, do seu direito. Na realidade, "não há abuso de direito se o Autor pede a resolução com fundamento na utilização do locado para outra actividade" (Cfr. loc. cit. na nota anterior, ponto III do sumário.).<br> Improcede, pois, a imputada existência de abuso de direito por parte do Autor.<br> <br> 4 - Passemos, por fim à questão da caducidade.<br> A caducidade tem por objectivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado. Prevalecem considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Estão em causa prazos peremptórios de exercício do direito ( ) Cfr. o Acórdão do STJ de 09-12-1999, Revista nº 854/99, 1ª Secção.).<br> Prescreve o artigo 333º do C.C.:<br> 1 - A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes. (Lamenta-se, a propósito, a incorrecta transcrição, porque parcelar, feita pelos Recorrentes, nas alegações do presente recurso, do nº 1 do artigo 333º do C.C., eliminando da referida reprodução o segmento supra sublinhado - cfr. fls. 164, vs. e 165).<br> 2 - Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º.<br> <br> E, como resulta do artigo 303º que o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição.<br> Quer isto dizer que, estando-se em face de matéria manifestamente não excluída da disponibilidade das partes, a caducidade agora em discussão não é de conhecimento oficioso; necessitando, pelo contrário, para ser eficaz, de ser invocada pela parte a quem aproveitava - os RR/Recorrentes.<br> Ora, estes não alegaram nem provaram que o senhorio tinha conhecimento do uso que era dado ao arrendado, sendo certo que lhes cabia o respectivo ónus.<br> Pelo contrário, na sua contestação/reconvenção, os ora Recorrentes, adoptando uma bem diferente estratégia processual, alegaram que, no arrendado, só se praticavam os actos a que alude o DL nº 382/86, "designadamente, café, leite e seus derivados, águas e outras bebidas inócuas, bolos, salgadinhos, sandes e conexos" - cfr. artigo XXV da referida peça processual, a fls. 28, vs.<br> Tendo presentes os referidos antecedentes processuais, "mudar de agulha", nos termos em que os Recorrentes o fazem, representa uma forma de litigância, no mínimo, passível de ser qualificada como "ousada".<br> Diga-se, por fim que, em qualquer caso, esta questão estaria votada ao insucesso, uma vez que, tratando-se de actividade continuada ou duradoura, o prazo de caducidade se conta a partir da data em que o facto tiver cessado - artigo 65º, nº 2, do RAU, em ligação com a natureza e características dos factos em causa - cfr. supra, ponto 2.4.<br> <br> Resulta do exposto que improcedem, na totalidade, as conclusões dos Recorrentes, não tendo sido violados os normativos ali indicados.<br> <br> Termos em que, na improcedência da revista, se confirma o acórdão recorrido.<br> Custas pelos Recorrentes.<br> Lisboa, 16 de Dezembro de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A veio deduzir embargos de executado, por apenso à execução com processo ordinário que, para pagamento de quantia certa, B (em liquidação) movera contra si no 17º Juízo Cível de Lisboa. Alegou, em resumo, por excepção, a ilegitimidade da exequente e a caducidade da cláusula de que emerge a obrigação exequenda e ainda, por impugnação, a não verificação do facto alegado pela exequente de o embargante estar em dívida para com ela.<br> Notificada a embargada, contestou os embargos, alegando, em suma, a não verificação da ilegitimidade e da caducidade e reafirmando o alegado no requerimento inicial da referida acção executiva.<br> Após audiência preparatória, foi proferido despacho saneador onde se apreciaram as alegadas questões da ilegitimidade e da caducidade.<br> Elaborou-se a especificação e organizou-se o questionário, em relação aos quais houve reclamação, decidida por despacho de fls. 21.<br> Do despacho saneador agravou o embargante, tendo o recurso sido recebido para subir em diferido.<br> Na audiência de discussão e julgamento foi julgada a matéria de facto, tendo, em seguida, sido proferida sentença pela qual os embargos foram julgados improcedentes - cfr. fls. 52 a 54.<br> Inconformado, dela apelou o embargante.<br> Por acórdão de 28 de Maio de 1998, a Relação de Lisboa negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, confirmando, em consequência, o despacho saneador agravado e a sentença recorrida.<br> Do referido acórdão traz o embargante a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> <br> 1ª - A recorrida foi dissolvida por escritura pública de 17 de Junho de 1993 e apresentou-se à falência, correndo tal processo os seus termos pelo 12º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, 1ª secção, sob o nº 2732/93 que, em 26 de Maio de 1995, se encontrava na fase de reclamação de créditos, não se encontrando ainda dia designado para a venda do seu activo social;<br> 2ª - Compete ao liquidatário instaurar acção destinada a exigir as dívidas dos sócios resultantes de prestações de entrada, nos termos do artigo 153º do CSC. Ora, no caso dos presentes autos, é a sociedade que requer a execução e bem assim que emite o mandato forense e não o seu liquidatário, pelo que se verifica excepção de ilegitimidade activa;<br> 3ª - A excepção de ilegitimidade activa referida na conclusão anterior não é sanável pela compreensão quer do executado/recorrente quer do seu mandatário;<br> 4ª - Sendo procedentes as conclusões anteriores deve ser julgada procedente a excepção de <font>ilegitimidade</font> e em consequência, ser o recorrente absolvido da instância executiva;<br> 5ª - Após a dissolução de uma sociedade só pode ser exigido dos sócios as dívidas de prestação de entrada social quando tiver sido esgotado o activo social e ainda existam dívidas sociais e despesas de liquidação por satisfazer, nos termos do nº 3 do artigo 153º do CSC. Ora, a recorrida não alegou ou provou que já houvesse esgotado o seu activo social e que este fora insuficiente para satisfazer as suas dívidas sociais e despesas de liquidação, sendo que a ela competia o <font>ónus da prova</font> de tais factos, por serem factos constitutivos do seu direito, pelo que a obrigação do recorrente é inexigível, devendo ser julgados procedentes os embargos à execução deduzidos pelo embargante;<br> 6ª - Ainda que se entenda que a dívida do recorrente era exigível, dispõe a lei que só o será na medida das necessidades da sociedade, para satisfação do seu passivo e das despesas de liquidação. Ora, a recorrida não alegou nem provou o "quantum" necessário, sendo que a ela competia o <font>ónus da prova</font> de tal facto, pelo que a obrigação do recorrente é ilíquida, devendo em consequência serem julgados procedentes os embargos;<br> 7ª - Assim deve ser revogado o douto acórdão recorrido, por violação do nº 1 do art. 153º do CSC e em consequência deve ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade activa e em consequência ser o recorrente absolvido da instância executiva ou, caso assim se não entenda, deve ser revogado o douto acórdão recorrido por violação do nº 3 do artigo 153º do CSC, julgando-se procedentes os embargos deduzidos pelo recorrente (...).<br> Nas suas contra-alegações a embargada/recorrida pugna pela manutenção da decisão recorrida.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>1 - São os seguintes os factos dados como provados pelas instâncias:<br> 1. A exequente foi constituída por escritura pública de 25.10.89, com um capital social de 40 milhões de escudos correspondentes à soma de duas quotas, uma de 24 milhões de escudos pertencente ao sócio C, e uma de 16 milhões de escudos pertencente ao sócio A, ora embargante.<br> 2. Cada um dos sócios realizou nessa data a sua quota em dinheiro quanto a 50%, devendo cada um deles realizar os restantes 50%, também em dinheiro, logo que o mesmo fosse necessário na sociedade, mas no prazo máximo de dois anos, que começou a correr na data da escritura.<br> 3. O embargante, apesar dos documentos da exequente darem por realizada a totalidade do capital social, não procedeu ao pagamento da entrada em falta que lhe competia.<br> 4. No 12º Juízo Cível de Lisboa, 1ª Secção, sob o nº 2731/93, pendem autos de falência da exequente, em que a mesma é requerente.<br> 5. A embargada - exequente no requerimento inicial da execução aqui em causa, de fls. 75 e segs., identifica-se como "B" (em liquidação).<br> <br> 2 - Sendo certo que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente - artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil -, são duas as questões que cumpre apreciar:<br> a) É a exequente-embargada parte ilegítima para a execução de que os presentes embargos são dependência?<br> b) Competia à exequente-embargada o ónus de alegar e provar que a <br> <br> obrigação exequenda é exigível, em virtude de se encontrar preenchido o condicionalismo referido na segunda parte do nº 3 do artigo 153º do Código das Sociedades Comerciais?<br> Por razões de método, analisar-se-á, em primeiro lugar, e numa perspectiva teórica, a temática correspondente às duas questões enunciadas, após o que, com a brevidade consentida pela abordagem previamente efectuada, se dará resposta concreta às referidas questões.<br> 2.1 - Depois de o nº 1 do artigo 146º do Código das Sociedades Comerciais - diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem menção da respectiva origem -, estabelecer que, salvo disposição em contrário, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, os nºs 2 e 3 do referido artigo prescrevem o seguinte:<br> 2. A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade de liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.<br> 3. A partir da dissolução, à firma da sociedade deve ser aditada a menção "Sociedade em liquidação" ou "Em liquidação".<br> 2.2. - A dissolução da sociedade não só não afecta a personalidade jurídica, mas também não extingue os vínculos sociais resultantes do contrato.<br> Com efeito, como observa Raúl Ventura, contra a doutrina contrária deve notar-se que, se, em pura teoria, se concebe que a personalidade jurídica da sociedade se extinga antes da extinção do vínculo social, a inversa já não é verdadeira. Uma pessoa colectiva de tipo associativo não pode existir sem membros e sem relações entre estes. Relações que têm necessariamente de provir do contrato de sociedade. Por outro lado, a doutrina que sustenta que a dissolução, não afectando, embora, a personalidade social, extingue o vínculo social, não se compatibiliza com a possibilidade, admitida pelo artigo 152º, nº 2, alínea a), de o liquidatário continuar temporariamente a actividade anterior da sociedade, se para tal autorizado por deliberação dos sócios. Por outro lado, se o vínculo social se extinguisse pela dissolução e, portanto, não vigorasse na altura da partilha, os sócios não teriam - como têm - direito a uma parte dos lucros, nem estariam - como estão - sujeitos a sofrer parte das perdas.<br> Escreve, a este propósito, o Autor que agora se acompanha:<br> <br> Na verdade, a vontade dos sócios ao criarem uma sociedade, não consiste simplesmente em criar um ente e administrar este, mas também em estabelecer recíprocos direitos e deveres acerca das consequências - favoráveis ou danosas - das relações criadas entre eles ( ) Cfr. Raúl Ventura, "Comentário ao Código das Sociedades Comerciais - Dissolução e Liquidação de Sociedades", Coimbra, 1987, págs. 209 e segs. Já na vigência do Código Comercial, este Autor sustentava que, durante a fase de liquidação, a sociedade mantém a personalidade jurídica e esta personalidade tem a mesma natureza antes e depois da dissolução. Também para Carvalho de Mendonça, com cuja posição estava de acordo, a sociedade dissolvida, entrando em liquidação, não se transforma em comunhão de bens ou de interesses, não passa a sociedade fictícia nem é sociedade especial.).<br> <br> Pelo facto de ser dissolvida e entrar em liquidação, não ocorre nem modificação do objecto social, nem de causa nem de fim: há apenas uma alteração da importância relativa dos elementos do contrato, na medida em que o exercício do objecto social, que, durante a fase activa tem a prevalência, cede o passo à realização do fim da repartição dos resultados, que passa a dominar a vida da sociedade.<br> Voltando ao nº 2 do artigo 146º supra transcrito, dele se retira que: (a) a sociedade em liquidação goza de personalidade colectiva; (b) a personalidade da sociedade em liquidação é a mesma de que gozava a sociedade antes de ser dissolvida.<br> Ao dizer que "a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica", o nº 2 do artigo 146º repudia a teoria que sustenta a ideia de que a sociedade em liquidação sucederia à sociedade quando esta se dissolve, na medida em que esclarece que não há nova sociedade e nova personalidade.<br> 2.3. - A dissolução - e consequente entrada na fase de liquidação - importa uma mudança na orgânica da sociedade. Em vez do anterior órgão de administração - gerência, conselho de administração, administrador único, direcção - passa a existir um órgão de liquidação ( ) Neste sentido, cfr. Raúl Ventura, op. cit., pág. 306. Atento o disposto no nº 1 do artigo 151º, "Salvo cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida".).<br> A norma geral do nº 1 do artigo 152º transpõe para os liquidatários os deveres, os poderes e a responsabilidade que, em geral, têm os memebros do órgão de administração da sociedade, mas fá-lo com ressalva das disposições legais que lhes sejam especialmente aplicáveis e das limitações resultantes da natureza das suas funções. Fica-se, portanto, por uma equiparação genérica, limitada por um condicionalismo também genericamente enunciado.<br> Como ensina Raúl Ventura, cuja lição continuamos a acompanhar, este artigo 152º, nº 1, não distingue conforme se trate de poderes representativos ou de poderes administrativos stricto sensu, sendo que aos administradores competem os poderes das duas naturezas.<br> Os liquidatários (ou o liquidatário singular, como acontece no caso sub judice) são os únicos representantes legais da sociedade em liquidação. Como observa o citado Autor, visto que a sociedade continua a poder ser representada por procuradores, quer estes tenham sido constituídos antes da dissolução - a qual não faz caducar as procurações - quer sejam constituídos depois dela (com necessária intervenção dos liquidatários, a representar a sociedade nos contratos de mandato) - ( ) Cfr. loc. cit., págs. 331 e 332.).<br> A representação pertencente ao liquidatário tanto é judicial como extrajudicial. Judicialmente, ele representa a sociedade activamente.<br> Os actos praticados pelos liquidatários, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam a sociedade para com terceiros - cfr. também os artigos 260º e 408º.<br> No artigo 152º existem duas espécies de limitações aos poderes do liquidatário: a limitação genérica resultante da natureza das suas funções (nº 1) e a limitação resultante da necessidade de autorização dos sócios (nº 2).<br> Com efeito, o nº 2 do referido artigo sujeita a autorização, por deliberação dos sócios, a prática, pelo liquidatário, de certos actos e a realização de certas operações.<br> O nº 3 do artigo 152º atribui ao liquidatário cinco deveres - alíneas a) a e) -, dos quais se retira a finalidade da liquidação, por eles se apreendendo o processo normal que deve conduzir àquela finalidade. Entre os referidos deveres inscreve-se o de "cobrar os créditos da sociedade" - cfr. a alínea c).<br> 2.4. - O artigo 153º, nº 2, estabelece, por seu turno, o seguinte:<br> Os créditos sobre terceiros e sobre sócios por dívidas não incluídas no número seguinte devem ser reclamados pelos liquidatários, embora os prazos tenham sido estabelecidos em benefício da sociedade.<br> Prescreve, por sua vez, o nº 3:<br> As cláusulas de diferimento da prestação de entradas caducam na data da dissolução da sociedade, mas os liquidatários só poderão exigir dessas dívidas dos sócios as importâncias que forem necessárias para satisfação do passivo da sociedade e das despesas de liquidação, depois de esgotado o activo social, mas sem incluir neste os créditos litigiosos ou considerados incobráveis.<br> Justifica-se, atenta a particular saliência, na economia do presente recurso, das normas ora reproduzidas, fazer um breve comentário às respectivas prescrições.<br> Assim:<br> O artigo 153º, nº 2, trata de créditos da sociedade sobre terceiros ou sócios, ressalvadas, quanto a estes, as obrigações referidas no nº 3, para estabelecer um princípio quanto à sua exigibilidade antecipada. O legislador estabeleceu, pois, um dever do liquidatário - e não um simples poder, como fizera no nº 1, quanto aos débitos sociais.<br> Quanto ao nº 3, Raúl Ventura observa que se trata de uma norma imperativa, no sentido de que, nem o contrato de sociedade nem deliberações dos sócios podem dispor que as cláusulas de diferimento da prestação de entradas não caducam na data da dissolução da sociedade ou que os liquidatários não poderão exigir, dessas dívidas dos sócios, as importâncias tornadas exigíveis por esse preceito. Acrescenta, porém, que se trata de uma norma dispositiva quanto à segunda parte, no sentido de poder o contrato de sociedade tornar essas dívidas exigíveis, a partir da dissolução da sociedade, em medida restritiva da ali preceituada. Exemplificando, esclarece: "O contrato poderá, por exemplo, permitir que os liquidatários procedam à cobrança dessas dívidas na totalidade, em qualquer momento, sem esperar pelo esgotamento do activo (restante) social" ( ) Cfr. loc. cit., pág. 359.).<br> Na verdade, o dever de os liquidatários exigirem aos sócios as dívidas de entradas está consignado no artigo 152º, nº 3, alínea c), quando atribui aos liquidatários o dever - acompanhado dos poderes necessários para o efeito - de cobrar os créditos da sociedade, sem distinguir se se trata de créditos contra terceiros ou contra sócios e, quanto aos últimos, sem distinguir as respectivas causas.<br> A essa cobrança poderia eventualmente ser oposto o impedimento relativo ao tempo de exigibilidade estipulado no contrato de sociedade. Ora, é justamente esse impedimento que a primeira parte do nº 3 do artigo 153º afasta, pelo que, depois disso, está o liquidatário habilitado a cumprir quanto a estas dívidas de sócios o poder-dever geral de cobrança dos créditos da sociedade ( ) Cfr., neste sentido, Raúl Ventura, op. cit., pág. 360.).<br> Quer na sua primeira parte, relativa à caducidade das cláusulas de diferimento, quer na segunda, relativa à limitação da exigibilidade, o nº 3 do artigo 153º refere-se às prestações de entradas devidas pelos sócios.<br> Por força do artigo 26º, as entradas dos sócios devem ser realizadas no momento da outorga da escritura do contrato de sociedade, sem prejuízo de estipulação contratual que preveja o diferimento da realização das entradas em dinheiro, nos casos e termos em que a lei o permita. Para as sociedades por quotas, atento o disposto pelos artigos 202º e 203º, só pode ser diferida de metade a efectivação das entradas em dinheiro.<br> Atento o teor das conclusões da alegação da presente revista - e a supressão do âmbito do "thema decidendum" da questão relativa à caducidade da cláusula de diferimento -, apenas interessa analisar a segunda parte da norma do nº 3, relativa à limitação da exigibilidade.<br> Terminada a fase activa da sociedade, desaparece a finalidade da obrigação dos sócios de efectuarem entradas. Em princípio seria, pois, concebível que a parte ainda não realizada das entradas prometidas deixasse de ser exigível. Como observa Raúl Ventura, pouco sentido faria que os sócios fossem forçados a satisfazer tais dívidas, depois da dissolução, para as respectivas importâncias lhes serem restituídas quando, satisfeito o passivo social, se procedesse à partilha do saldo de liquidação.<br> A segunda parte do nº 3 do artigo 153º, ao limitar a exigibilidade dessas dívidas dos sócios às importâncias que forem necessárias para a satisfação do passivo da sociedade e das despesas de liquidação, reconhece, pois, o interesse do sócio em não efectuar um desembolso desnecessário.<br> Embora, numa interpretação que ligasse muito estreitamente as primeira e segunda partes do nº 3 do artigo 153º se pudesse pensar que a limitação da exigibilidade apenas ocorreria quando houvesse cláusulas de diferimento que caducassem na data da dissolução, propende-se antes para o entendimento segundo o qual a segunda parte do referido nº 3 se aplica, quer a dívida da entrada já esteja vencida, quer ainda o não esteja.<br> Os liquidatários só podem exigir, dessas dívidas dos sócios, as importâncias que forem necessárias para satisfação do passivo da sociedade e das despesas de liquidação, depois de esgotado o activo social ( ). Não releva, neste momento, o segmento final "mas sem incluir neste (activo social) os créditos litigiosos ou considerados incobráveis".).<br> A necessidade apura-se depois de esgotado o activo social e, portanto, apenas quando não existam bens que, reduzidos a dinheiro, bastem para a satisfação do passivo da sociedade.<br> Detendo-se sobre o problema relativo ao modo de fundamentação pelos liquidatários da exigência dessas dívidas dos sócios, questão central no âmbito do presente recurso, escreve Raúl Ventura, depois de ter exposto as diversas teses em confronto:<br> Afigura-se que devem distinguir-se duas questões. Quando se trata de saber se a exigência pelo liquidatário tem um objecto e um tempo definidos, a resposta tem de ser afirmativa (...); deve, pois, ser repudiada qualquer tese que, directa ou indirectamente, conduza à licitude da reclamação pelo liquidatário de mais do que o necessário para os referidos fins ou antes de, segundo o critério da lei, o pagamento se tornar necessário. Assente este princípio, pode abrir-se uma questão de ónus da prova, a resolver nos termos gerais. O liquidatário não está a exercer um direito pessoal, mas sim um direito da sociedade, pela qual actua; compete-lhe, portanto, fazer a prova dos factos constitutivos do direito da sociedade à entrada diferida do sócio - artigo 342º, nº 1, CC; se há, porém, um facto impeditivo do direito invocado, a prova cabe àquele contra quem a invocação é feita - artigo 342º, nº 2, CC. Parece neste caso ser impeditiva a inexigibilidade do direito e a prova dever ser feita pelo sócio ( ) Cfr. op. cit., pág. 369.).<br> 3 - Munidos com os subsídios teóricos recolhidos, é agora possível resolver as questões acima apresentadas.<br> 3.1. - Comecemos pela questão da legitimidade.<br> A legitimidade processual distingue-se dos requisitos que interessam à procedência do pedido, com eles não se confundindo. Como pressuposto processual, constitui um dos requisitos necessários para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, mas não envolve o conhecimento de mérito, ou seja, das circunstâncias de facto e de direito necessárias para que a acção seja julgada procedente.<br> No campo do direito processual, a legitimidade é uma certa posição de um sujeito - a parte processual - face a um certo objecto - o objecto processual exigido pelo direito ( ). Neste sentido, Rui Pinto, "Problemas da Legitimidade Processual à luz das reformas introduzidas pelos Decretos-Leis nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e nº 180/96, de 25 de Setembro", in "Aspectos do Novo Processo civil", Lex, Lisboa, 1997, págs. 157 e segs., que ora se acompanha.).<br> Sabe-se como, na vigência do Código de Processo Civil de 1961, atento o disposto nos nºs 1 e 2 do seu artigo 26º, o critério principal aferidor da legitimidade processual era o do interesse. Mas, fosse por que razão fosse, logo o nº 3 do mesmo artigo 26º previa paralelamente um segundo critério, o da titularidade da relação material controvertida.<br> É bem conhecida a querela doutrinária, polarizada por Alberto dos Reis e por Barbosa de Magalhães, a propósito da questão de saber que situação jurídica ou "relação material controvertida" é aquela por que se afere a legitimidade processual. Se a alegada, pretendida pelo autor; se a efectivamente existente, ou seja, a determinada pelo juiz, após a contestação do Réu.<br> Não é obviamente esta a sede para o tratamento histórico-dogmático do problema, que veio a conhecer, após a reforma processual de 1995/96, e com a nova redacção dada ao nº 3 do artigo 26º, solução normativa no sentido favorável à tese que fora defendida por Barbosa de Magalhães.<br> Dir-se-á apenas que, para quantos seguiram a construção de Barbosa de Magalhães ( ). Seguem a tese de Barbosa de Magalhães, autores como Sampaio e Nora, in ROA, ano 5º, nºs 1 e 2 (1945), págs. 327-328 e 334, Palma Carlos (BMJ nº 102, pág. 55 e 72-73); Castro Mendes, "Direito Processual Civil", II volume, edição da AAFDL, págs. 208 e segs., e Miguel Teixeira de Sousa, "A legitimidade singular em processo declarativo", in Estudos de processo civil, Lisboa, 1979, págs. 80-83 e BMJ nº 292 (1980), págs. 53-113.), a relação material à luz da qual se afere a legitimidade é a fixada pelo autor na petição inicial à semelhança do que sucede com todos os demais pressupostos processuais. Em consequência, toda a impugnação do réu a esse objecto respeita já à questão de fundo e não à discussão de uma excepção dilatória. Ou seja, a legitimidade é de averiguar em face da relação jurídica controvertida, tal como a desenha o autor.<br> O entendimento perfilhado por Barbosa de Magalhães correspondia à corrente jurisprudencial maioritariamente adoptada neste STJ, ainda antes da reforma processual de 1995/96.<br> <br> Assim, e a título de exemplo, em acórdão de 15 de Junho de 1994, da 1ª Secção deste STJ, defendeu-se que "ante a polémica que Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães travaram, nós seguimos a orientação deste último, segundo a qual a legitimidade se deve aferir pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor", mais se afirmando que "a averiguação da existência da legitimidade não cura da existência efectiva do direito em que as partes fundam a sua pretensão" () Cfr. "Colectânea de Jurisprudência", Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo II, pág. 148.).<br> Ou seja, a legitimidade é um pressuposto processual que visa colocar no processo quem tem interesse no seu desfecho mas dela não depende a decisão de fundo, o mérito da causa, pelo que, se a legitimidade das partes dependesse de elas serem titulares da real relação jurídica controvertida, só a final poderia ser a questão solucionada e, nesses casos, equivaleria a decidir sobre o mérito da causa.<br> Já no acórdão deste Supremo Tribunal de 02-11-1989, proferido no processo nº 77761, se escrevera o seguinte : "Na legitimidade adjectiva está apenas em causa a qualidade que o autor se arroga para fazer valer a sua pretensão e, se, em princípio, a qualidade arrogada for susceptível de o colocar na situação de titular do invocado direito - o que depende do prosseguimento da acção e da prova a produzir - ele tem legitimidade activa para o desencadear da acção".<div></div>A Revisão do Processo Civil, Projecto de 1995 propôs a modificação da parte final do nº 3 do artigo 26º, ao estabelecer que "na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor". O aditamento do segmento final ao referido nº 3 pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 representou a consagração de tal solução.<br> Esclarecedora a referência feita ao tema na Exposição de Motivos, onde se escreve o seguinte: "decidiu-se (...), após madura reflexão, tomar posição expressa sobre a "vexata quaestio" do estabelecimento do critério de determinação da legitimidade das partes", fonte de "uma querela jurídico-processual" sobre a qual não tinha ainda "alcançado um consenso". E logo aí se diz que "partiu-se, para tal, de uma formulação de legitimidade semelhante à adoptada no Decreto-Lei nº 224/82 ( ) Com efeito, o Decreto-Lei nº 224/82, de 8 de Junho,, ratificado pela Lei nº 3/83, de 26 de Fevereiro, ao introduzir diversas alterações ao CPC de 1961, alterou o nº 3 do artigo 26º em termos em tudo semelhantes à solução que agora vingou. Mas, como explica Rui Pinto, "os anticorpos a tal agente de mudança foram tão fortes que levaram à suspensão do Decreto-Lei nº 224/82 e da Lei nº 3/83, por via do Decreto-Lei nº 356/83, de 2 de Setembro, alegando-se a necessidade de «maior ponderação», voltando a vigorar a redacção antiga" - cfr. loc. cit. na nota (1), pág. 165.) e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães".<br> Só que, conforme resulta não só dos trechos acabados de reproduzir da "exposição de motivos", mas também dos antecedentes legislativos, é possível concluir que a nova redacção dada pela reforma processual de 1995/96 ao nº 3 do artigo 26º não assume natureza de norma interpretativa, pelo que, não se integrando na lei interpretada - artigo 13º do Código Civil - apenas vigora para o futuro - artigo 12º do mesmo Código.<br> Assim sendo, e porque ao caso sub judice se aplica a anterior redacção do nº 3 do referido artigo 26º do CPC - cfr. artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro -, justifica-se questionar quais as consequências a retirar no âmbito da solução do caso em apreço. <br> A resposta encontra-se contida no que acima se disse, a propósito do sentido da jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal, com que se concorda, o qual já vinha acompanhando, na vigência do nº 3 do artigo 26º anterior à última reforma processual, a tese protagonizada por Barbosa de Magalhães.<br> 3.2. - Acresce, em qualquer caso, que, ao contrário do que o recorrente parece entender, a dissolução da sociedade não transforma o liquidatário em titular do crédito da ora recorrente.<br> Recordem-se duas proposições, já oportunamente reproduzidas, da lição de Raúl Ventura:<br> 1ª - A dissolução importa uma mudança na orgânica da sociedade; em vez do anterior órgão de administração (...) passa a existir um órgão de liquidação";<br> 2ª - O liquidatário não está a exercer um direito pessoal, mas sim um direito da sociedade, pelo qual actua".<br> Como vimos o liquidatário dispõe do poder-dever de cobrar os créditos da sociedade (artigo 152º, nº 3, alínea c)), competindo-lhe, em representação da sociedade, na qualidade de seu órgão de liquidação, e de acordo com o condicionalismo descrito no artigo 153º, nº 3, exigir o pagamento aos sócios de dívidas de entradas.<br> Foi nesses termos que o liquidatário da ora recorrida agiu, tendo interpelado o recorrente acerca da correspondente falta de subscrição do capital e constituindo mandatário forense.<br> Decorre, assim, do exposto que não procede a excepção de ilegitimidade activa alegada pelo recorrente, improcedendo as conclusões 1ª a 4ª.<br> 3.3. - Quanto à alegação, pela recorrente, de que competia à recorrida o ónus de alegar e provar que a obrigação exequenda é exigível, em virtude de se encontrar preenchido o condicionalismo referido na segunda parte do nº 3 do artigo 153º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, de que o seu activo social se encontrasse esgotado e que o mesmo fora insuficiente para satisfazer as suas dívidas sociais, também não lhe assiste razão.<br> Concordando-se com o ensinamento de Raúl Ventura, supra reproduzido - cfr. ponto 2.4., in fine -, considera-se, salvo o devido respeito por diverso entendimento, que à recorrida apenas cabia fazer a prova da existência do crédito da sociedade, em virtude de não haver sido integralmente realizada a entrada devida pelo recorrente - cfr. o artigo 152º, nº 3. Ao fazê-lo, como o fez, a recorrida cumpriu o ónus que lhe competia, nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil, de fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, do direito da sociedade à entrada do sócio.<br> Mas não era à recorrida que competia alegar e provar a inexistência de fundamento de exigibilidade da obrigação por parte do sócio. Com efeito, tendo o recorrente alegado a inexigibilidade da obrigação exequenda, a ele competia produzir a correspondente prova. Tratando-se de um facto impeditivo do direito contra ele invocado, competia-lhe o ónus da respectiva prova - cfr. o nº 2 do citado artigo 342º do CC.<br> Improcede, pois, a conclusão 5ª.<br> O mesmo se diga quanto à matéria da conclusão 6ª. Não era à recorrida que incumbia o ónus de alegar e provar o "quantum" necessário para a satisfação do seu passivo e das despesas de liquidação. A existir desnecessidade da totalidade da entrada para aqueles fins, competia ao recorrente fazer a correspondente prova. Com efeito, tal facto apresentar-se-ia com a natureza de facto modificativo do direito invocado, inscrevendo-se, pois, na órbita da previsão do nº 2 do artigo 342º.<br> Improcede, assim, a conclusão 6ª, e também, como consequência de todo o exposto, a conclusão 7ª.<br> Termos em que, na improcedência da revista, se confirma, ainda que, em parte, com diversa fundamentação jurídica, a decisão recorrida.<br> Custas a cargo do recorrente.<br> Lisboa, 12 de Janeiro de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ)<br> I - Relatorio:<br> 1 - A, B, C, D, E, F, G, H, I, J e marido L, M, N, O e mulher P e Q propuseram contra R; S e mulher T uma acção declarativa na qual formularam estas pretensões: a) a primeira demandada ser condenada a fazer cessar a utilização que vem sendo feita da fracção g do predio situado na Praceta ..., em entrada pelo n. 35, limitando-a ao funcionamento de "escritorio"; b) os segundos demandados condenados "e, na qualidade de proprietarios e comproprietarios, assegurarem a cessação da utilização que vem sendo feita da aludida fracção G) nos moldes ja referidos".<br> 2 - Os autores alegados e provaram serem os segundos reus donos de uma propriedade sobre a citada fracção e ser a primeira demandada titular do respectivo usufruto. Tambem atraves de documento autentico provaram ser (o andar em causa) destinado a escritorios (titulo constitutivo da propriedade horizontal. E depois de terem alegado - e provado - serem donos de outras fracções autonomas (estas destinadas pelo citado titulo a habitação) do mesmo predio urbano, acrescentaram - e provaram - ter a primeira re dado de arrendamento o andar em referencia (fracção g) a sociedade "Malcom, Stephen e Nicolas, Priest, Lda, que se dedica "a exploração de um estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras". Articulando outros factos, tendentes a demonstração da impossibilidade do referido estabelecimento se identificar como escritorio, os outros concluem encontrarem-se lesados os seus direitos, designadamente o da "tranquilidade na fracção dos bens proprios e comuns".<br> 3 - Na contestação, os segundos reus entenderam improceder o pedido, contra eles formulado, por "ilegitimidade de fundo", ou "em derradeira analise", por carecem de legitimidade (esta ultima hipotese conduziria a respectiva absolvição da instancia). Para alem disto, todos os demandados entenderam que as pretensões improcediam.<br> Depois da resposta, o Excelentissimo Juiz, no despacho saneador, decidiu nestes termos:<br> "O Tribunal e competente em razão da nacionalidade, da hierarquia e da materia".<br> "O processo e o proprio e não sofre de nulidade total".<br> "As partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciaria".<br> "Pelos reus foi arguida a ilegitimidade dos 2 reus, por não terem qualquer relação com o contrato de arrendamento. Responderam os autores que o que esta em causa e a delimitação entre o usufruto e a propriedade, pelo que os segundos reus tem interesse em contradizer o pedido".<br> "Decidindo: nos termos do artigo 26 do Codigo de Processo Civil, a legitimidade dos reus afere-se pelo interesse que tenham em contradizer o pedido dos autores. Ora estes dizem ter existido uma violação do estipulado no titulo constitutivo da propriedade horizontal, pelo que são responsaveis ambos os reus. Logo, tal como os autores desenharam a acção, os 2 reus tem interesse em contradize-la, pelo que são partes legitimas, então como as restantes partes".<br> "Não existem quaisquer outras nulidades, excepções dilatorias ou questões previas a conhecer e que obtem ao conhecimento do merito da acção".<br> Logo de seguida, o Excelentissimo Juiz conheceu do pedido formulado contra os segundos demandados, tendo-o julgado improcedente. Relativamente a pretensão deduzida contra a re, organizou especificação e elaborou questionario.<br> 4 - O despacho saneador transitou em julgado. Depois do julgamento dos factos, foi proferida sentença nestes conclusivos termos: " (...) condeno a re a fazer cessar a utilização para estabelecimento de ensino da fracção g do predio situado (...), limitando-a ao fim estatuido na constituição de propriedade horizontal - o escritorio".<br> 5 - Todavia, a re apelou e obteve ganho de causa, pelo que os autores pedem revista com este quadro conclusivo: a)- "Uma das obrigações do ins fruendi e do ins utendi na propriedade horizontal e a de não dar uso diverso do fim a que e destinada "(artigo 1422, n. 2, alinea c) do Codigo Civil - -cc-); b)- "A tutela deste fim convencionado pelos condominos ou pelos outorgantes do titulo de constituição da compropriedade e tutelada de modo absoluto -<br> - Assento do STJ, de 10.5.89"; c)- "Atenta a utilização que se faz, normalmente, de um escritorio, demais que ele se integra num edificio com parte habitacional", não se podera falar em utilização normal para aquele fim em uma situação como a provada no processo; d)- "Pretender valer-se o usufrutuario desse ambito de fruição, em indiferença com o incomodo que causaria aos demais, seria exceder manifestamente os limites impostos pela boa fe"; e)- Violou-se o disposto no artigo 1422 do Codigo Civel, bem como o artigo 1419 do mesmo Codigo, alem do Assento de 10.5.89 e dos artigos 514 e 659 do Codigo de Processo Civil.<br> A recorrida contra-alegou e, a dado passo, refere ser impossivel evitar a utilização dada a fracção por a arrendataria não ter sido demandada.<br> II - Fundamentos:<br> 1 - Para alem de se ter dado como provado, com base em escrituras publicas, ser a re usufrutuaria da fracção referenciada (g), destinarem-se certos andares (entre eles e o da re) a "escritorios"; ter sido aquela fracção autonoma dada de arrendamento a sociedade identificada em 2 no "Relatorio" e esta dedicar-se "a exploração de um estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras", tambem a Relação fixou estes outros factos: a)- "a exploração desse estabelecimento de ensino conduz a utilização dos espaços comuns por um numero de pessoas superior a 20, em simultaneidade "(resposta ao 1 quesito); b)- "o elevador e raramente utilizado por quem se dirige a esse estabelecimento de ensino "(resposta ao 3 quesito).<br> 2 - De acordo com o artigo 28 do Codigo de Processo Civil, existe litisconsorcio necessario sempre que a lei ou o negocio juridico exijam a intervenção de todos os interessados, seja para o exercicio do direito, seja para reclamação do dever correlativo. Contudo, para alem destes casos, nos termos da mesma disposição legal, o litisconsorcio torna-se ainda necessario sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão a obter produza o seu efeito util normal (1). Segundo os autores referidos em nota, ha realmente situações em que, pela natureza da relação substantiva sobre a qual recai a acção, a falta de algum ou alguns dos interessados impede praticamente a decisão que nela se proferisse de produzir qualquer efeito util.<br> O caso em exame para concretizar tipicamente a referida inutilidade de efeitos, ja que, julgada procedente contra a re a pretensão dos autores, a decisão parece tornar-se inutil, atenta a falta da arrendataria na lide (a identificada sociedade podera eventualmente opor-se ao decidido, invocando, para tanto, o contrato do arrendamento). Isto, independentemente de o contrato ser ineficaz (por hipotese) perante os condominos restantes. So que, nos termos do Assento do STJ, de<br> 1 de Fevereiro de 1963 (2), "e definitiva a declaração nos termos genericos no despacho saneador transitado relativamente a legitimidade, salvo a superveniencia de factos que neste se representam". Ora esta declaração existe no despacho transcrito em 3 do "Relatorio" e, em caso de litisconsorcio necessario, a falta de qualquer dos interessados determina a ilegitimidade dos intervenientes na acção (artigo 28 do Codigo de Processo Civil). Por isto, estamos impedidos de conhecer oficiosamente desta questão. Anote-se, no sentido da existencia de litisconsorcio necessario passivo, e acordão do STJ, de 24.5.1977 (3).<br> 3 - Relativamente ao fundo da questão, importa, em primeiro lugar, referir notar o Codigo Civil de 1966 considerado relevante para efeito de constituição de propriedade horizontal a destinação do predio a determinado fim, como tambem não exigiu a menção obrigatoria no titulo constitutivo dessa utilização.<br> No caso concreto, como se viu, essa menção existe: para certas fracções (as dos autores) especificou-se a habitação e para a da re (e outros) a instalação de "escritorios". Por outro lado, não foi alegado que esta ultima utilização estivesse vedado no respectivo projecto aprovado pela camara municipal, e que logo retira qualquer tentativa de interpretação extensiva ou de aplicação analogica do Assento do STJ, de 10 de Maio de 1989 (4).<br> 4 - Tudo estara em ver se a "exploração de um estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras "pode, ou não, integrar um "escritorio" com objectivo declarado de se ver se se respeitavam os limites ao exercicio do direito por parte da senhoria (a re, usufrutuaria da fracção autonoma (g). Refira-se, entretanto, não constituir causa de pedir da presente acção o comportamento da locataria susceptivel de fundamentar a resolução do contrato, mas antes e apenas a desconformidade deste com o estatuto do condomino(5).<br> Esta referencia anula a argumentação dos recorrentes quando pretende estabelecer um paralelo entre a situação trazida ao processo com a da resolução de um contrato de arrendamento.<br> Regressando, porem, ao argumento da essencia da questão, ou seja, o de a re ter ultrapassado os limites ao exercicio do seu direito de arrendar a fracção autonoma que usufrui. Neste aspecto, os autores fazem um apelo ao principio da boa fe no direito civil, atraves da vertente do abuso de direito, mas sem razão. Não e possivel, ao mesmo tempo, dizer que a re deu uso diverso a fracção daquele para o qual estava destinado (escritorio) e que, apesar de ter tal direito, o exerceu ilegitimamente: ou tem ou não tem esse direito; se o tem não derespeitou o limite consagrado na alinea c) do n. 2 do artigo 1422 do Codigo Civil e se o não tem não o pode exercer. Sera, no entanto, faltar a verdade afirmar que somente e utilizado este argumento quanto a questão nuclear.<br> Não. Os recorrentes não identificam o referido estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras com o conceito de "escritorios". So que, para tanto, esgrimem com conceitos e não descem a realidade concreta. E esta e bem simples: fundamentalmente a fracção em causa não pode ser destinada a habitação nem tão pouco a qualquer actividade que nada tenha a ver com um escritorio. A primeira hipotese esta naturalmente excluida, mas a segunda não o esta. As limitações contidas no artigo 1422, n. 2, alinea c), do Codigo Civil, tem de ser claras e inequivocas no plano do concreto, sob pena de se cair no reino do arbitrio. Como exemplos de tal clareza, podem citar-se os acordãos do STJ, de 22 de Fevereiro de 1974, de 7 de Junho de 1979 e de 29 de Janeiro de 1974 (6). Em todos estes casos o uso dado as fracções nada tinha a ver com o estabelecido no titulo constitutivo da propriedade horizontal. No presente recurso o fim indicado no respectivo titulo (escritorios" tem evidente ligação com a actividade exercida na fracção g.<br> III - Decisão:<br> Com os fundamentos expostos, nega-se a revista, confirma-se o acordão impugnado e condenam-se os recorrentes das custas.<br> Notas:<br> (1) - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nova, Manual de Processo Civil, 2 edição, pagina 166.<br> (2) - Publicado no Diario do Governo, 1 serie, de 21.2.63, na Revista de Legislação e Jurisprudencia, 96, pagina 139, na Revista dos Tribunais, 81, pagina<br> 63 e no BMJ, 224, paginas 414 e seguintes.<br> (3) - BMJ, 267, paginas 152 e seguintes.<br> (4) - Publicado no Diario da Republica, 1 serie, n. 161, de 15.7.89.<br> (5) - Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboracção de Henrique Mesquita, Anotado, Volume III, 2 edição, pagina 427.<br> (6) - BMJ, 234, pagina 241; 288, pagina 403 e 233, pagina<br> 201, respectivamente.<br> Lisboa, 25 de Junho de 1991<br> Meneres Pimentel,<br> Brochado Brandão,<br> Cura Mariano.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>Relatório</font><br> <br> <font>No Tribunal Judicial do Círculo de Pombal, AA e esposa, BB, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra:</font><br> <font>1 – CC e esposa, DD </font><br> <font>2 – EE e marido, FF</font><br> <font>3 – GG e marido, HH, </font><br> <font>4 – II e marido JJ e</font><br> <font>5 – KK e marido, LL, pedindo que se lhes reconheça o direito de adquirirem, por acessão, todo o terreno do prédio aonde construíram a sua casa de habitação, constituída de rés-do-chão e 1º andar, mediante o pagamento do valor que vier a ser fixado para esse prédio à data da incorporação, ou subsidiariamente, que se lhes reconheça o direito de adquirirem, pela mesma via a parte do terreno onde foi implantada a mencionada casa de habitação, mediante o pagamento do respectivo valor à data da incorporação.</font><br> <font>Invocaram em fundamento e resumidamente que, em 1977, construíram no prédio rústico sito em Chã, limites dos Casais de Além, freguesia de Louriçal, Pombal, inscrito na matriz respectiva, sob o artigo 29178º, a sua casa de habitação, construção essa autorizada pelos pais do A. marido, então donos desse prédio.</font><br> <font>Nessas obras gastaram 4.000.000$00, enquanto o prédio não valia mais de 200.000$00, pelo que lhes assiste o direito de o adquirirem por acessão, o que não é aceite pelos RR, seus irmãos e cunhados, que são agora juntamente com os A.A., comproprietários do referido prédio.</font><br> <br> <font>Citados os RR. Apenas os 1.ºs contestaram ( tendo os restantes junto as respectivas procurações forenses) alegando, por um lado, que, sendo os A.A. comproprietários do prédio não podem adquiri-lo por acessão e por outro, que o valor do prédio é superior ao valor das obras, o que igualmente impossibilita a acessão.</font><br> <br> <font>Houve resposta</font><br> <br> <font>Após a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador- sentença. Que apreciando do mérito, julgou a acção improcedente, por entender que, sendo os A.A. comproprietários do prédio não podiam adquiri-la por acessão.</font><br> <font>Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra revogou o saneador- sentença e determinou o prosseguimento dos autos, com a elaboração da especificação e questionário, por considerar que, na altura da incorporação, os A.A. não eram ainda comproprietários, qualidade que só posteriormente adquiriram, pelo que nenhum obstáculo existia à pretendida aquisição desde que verificados os respectivos requisitos.</font><br> <br> <font>Elaborou-se, então, especificação e questionário e procedeu-se a julgamento após o que foi lida a decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de reclamações.</font><br> <br> <font>De seguida foi proferida sentença final, a qual, julgando a acção parcialmente procedente, reconheceu aos A.A. o direito de adquirirem apenas os 162 m2 de terreno ocupado pela sua casa, bem como o terreno correspondente ao logradouro da mesma, área esta a determinar em execução de sentença.</font><br> <br> <font>Inconformados, apelaram os A.A. visando a revogação da sentença recorrida na parte em que desatendeu o pedido principal formulado, ou seja, o direito de adquirirem por acessão a totalidade do prédio em que implantarem a sua casa de habitação.</font><br> <br> <font> e</font><br> <font>Apreciada a apelação pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi esta julgada improcedente, e consequentemente confirmada a decisão recorrida.</font><br> <br> <font>Novamente inconformados recorreu os A.A., agora de revista, para este S.T.J:</font><br> <br> <font>Conclusões:</font><br> <font>Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><br> <font>( juntam-se por fotocópias).</font><br> <br> <font>Assim e EM CONCLUSÃO:</font><br> <font>1.ª – Os recorrentes vieram a juízo exercer o direito potestativo de acessão industrial imobiliária com base no facto de terem feito obras autorizadas e de boa-fé em terreno alheio de valor superior ao valor deste à data da incorporação;</font><br> <font>2.ª – Os recorrentes fizeram prova de todos os factos necessários e suficientes para obter a tutela judicial do direito accionado;</font><br> <font>3,ª – Formularam na acção um pedido principal e um pedido subsidiário;</font><br> <font>4.ª – O pedido principal apontava para a atribuição do direito de propriedade sobre a totalidade do prédio onde construíram;</font><br> <font>5.ª – Por sua vez, o pedido subsidiário, obviamente que deduzido tão-só por mera cautela de patrocínio, cingia-se à atribuição do direito de propriedade sobre a parte ocupada pelas construções;</font><br> <font>6.ª – O tribunal julgou a acção parcialmente procedente, por provada, reconhecendo o direito reclamado em via subsidiária e rejeitando o pedido deduzido em via principal;</font><br> <font>7.ª – Para tanto, o tribunal adoptou um raciocínio que constitui inequívoca petição de princípio, dando por demonstrado aquilo que importava demonstrar;</font><br> <font>8.ª – É o que decorre da circunstância de se ter concluído que a construção, pelos recorrentes, de uma casa e logradouro constitui uma unidade económica;</font><br> <font>9.ª – Em causa na acção está a implantação de construções sobre um prédio rústico sito no distrito de Leiria, de natureza regadio arvense e com área muito próxima, por defeito, dos 10.000 m2;</font><br> <font>10.ª – A unidade de cultura fixada para aquela região e para prédios daquela natureza é de 20.000 m2;</font><br> <font>11.ª – Os recorrentes dispõem no referido prédio de um quinhão abstracto que se traduz em 9/15 do mesmo;</font><br> <font>12.ª – O critério de constituição de unidades económicas, estando em causa prédios de natureza rústica, tem de se aferir pela área respectiva, conjugada com a unidade de cultura em vigor na região para prédios de uma determinada natureza; </font><br> <font>13.ª – Descontados os metros quadrados ocupados pela construção e determinados nos autos e, bem assim, deduzidos os metros quadrados do logradouro envolvente da casa e de área a determinar em execução de sentença, dúvidas não restam de que a área excedente não pode permitir a formação de três unidades económicas viáveis do ponto de vista económico;</font><br> <font>14.ª – Na verdade, os cerca de 8.000 m2 do prédio em causa excedentários em relação à casa e logradouro construídos pelos recorrentes são manifestamente exíguos para comportar os 9/15 pertencentes aos recorrentes por herança da mãe do autor – marido, por permuta efectuada com os primeiros réus e por compra feita aos terceiros e quartos réus, bem como os 4/15 pertencentes aos quintos réus e os 2/15 propriedade dos sextos réus;</font><br> <font>15.ª – Dito de outro modo, necessário era que a área sobrante do prédio rústico em referência fosse de tal maneira avantajada que permitisse a formação de tantos prédios quantos os respectivos comproprietários e devendo ter, todos eles, pelo menos, área equivalente à unidade de cultura que é a medida considerada ideal pelo legislador para viabilizar as explorações agrícolas de uma perspectiva económico-financeira;</font><br> <font>16.ª – Não ficou assim provado que o reconhecimento parcelar do direito dos recorrentes à acessão conduza à formação, no caso concreto, de quatro unidades económicas independentes, a saber, a parte dos recorrentes a destacar por acessão, o quinhão correspondente aos 9/15 de que dispõem no prédio rústico em causa, os 4/15 propriedade dos quartos réus nesse mesmo prédio e os 2/15 desse prédio, pertença dos quintos réus;</font><br> <font>17.ª – Ademais, tratando-se de prédio de natureza eminente e exclusivamente rústica, a sentença sob censura sempre violaria a lei civil substantiva, na parte em que proíbe o fraccionamento de prédios rústicos;</font><br> <font>18.ª – Mas o reconhecimento parcial do direito dos recorrentes à acessão viola também, os ditames da lei administrativa em matéria de loteamentos e destaques para fins de construção;</font><br> <font>19.ª – Desde logo, porque competia aos réus alegar e provar, por se tratar de factos impeditivos ou extintivos dos direitos dos autores que, a proceder parcialmente a acção, como, efectivamente, veio a suceder, o terreno em causa tinha aptidões para viabilizar construções urbanas;</font><br> <font>20.ª – E como não houve uma palavra no articulado de defesa sobre tal matéria , o questionário é também omisso a tal respeito, o mesmo sucedendo à sentença ora em análise;</font><br> <font>21.ª – Mutatis Mutandis, impendia sobre os réus o ónus de alegar e provar que essa eventual procedência do pedido subsidiário não infringia as exigências da lei administrativa em matéria de loteamento e destaques;</font><br> <font>22.ª – Por assim ser, vale aqui, ponto por ponto, o que acima se exarou no nº 20 destas alegações, ora tido por reproduzido e integrado;</font><br> <font>23.ª – E as razões de ordem pública que substratizam a proibição de fraccionamento dos prédios rústicos e condicionam as aprovações dos pedidos de destaques e loteamentos urbanos, sendo, como são, de conhecimento oficioso, deviam ter sido ponderadas pelo tribunal recorrido, à míngua de quaisquer elementos existentes no processo e oriundos, desde logo, da Câmara Municipal de Pombal, assim obstaculizando a decisão que veio a ser proferida, nos precisos termos em que o foi;</font><br> <font>24.ª – Estando assim preenchidos, no caso dos autos, todos os pressupostos de que a lei faz depender o reconhecimento do exercício do direito potestativo de acessão industrial imobiliária, a acção teria necessariamente de proceder;</font><br> <font>25.ª – Mas essa procedência nunca poderia ser decretada quanto ao pedido subsidiário, por isso que o tribunal, que deve obediência à lei, não pode proferir uma decisão que, à partida, vai importar o fraccionamento de um prédio rústico e assim conduzir necessariamente à anulação dessa decisão;</font><br> <font>26.ª – Por conseguinte, a existência dos pressupostos da acessão seria uma razão mais para que se tivesse reconhecido o direito dos recorrentes a ver deferido o pedido principal deduzido no processo;</font><br> <font>27.ª – Não se alegou nem provou que a construção implantada pelos recorrentes seja autónoma em relação à parte sobrante do prédio rústico por ela ocupada;</font><br> <font>28.ª – Aliás, há elementos seus, v.g., a área do logradouro, indeterminados na 1.ª instância e, por isso, relegados para liquidação em execução de sentença;</font><br> <font>29.ª – E a autonomia de um prédio só se pode ter por assente depois da definição de todos os elementos constitutivos, o que, como se disse, não acontece no caso concreto;</font><br> <font>30.ª – Uma vez que a matriz não dá nem tira direitos a ninguém, é irrelevante e despropositado jogar com a inscrição, àquele nível, da casa em apreço dos recorrentes; </font><br> <font>31.ª – O direito de propriedade deve ceder, quanto ao seu exercício, aos limites e restrições decorrentes da lei e, no caso dos autos, desde logo, da proibição de fraccionamento de prédios rústicos de área inferior à da correspondência unidade de cultura;</font><br> <font>32.ª – O caso concreto não se esgota na questão dos loteamentos urbanos e correspondentes licenciamentos;</font><br> <font>33.ª – Na verdade, a questão principal a dirimir, após a da existência ou não de prédios economicamente autónomos, é a do fraccionamento acima referido na conclusão 31ª.</font><br> <font>34.ª – Ademais, a legislação citada sobre loteamentos urbanos e licenciamentos de obras é inaplicável à nossa hipótese, que nada tem a ver com negócios jurídicos, mas sim com a aquisição do direito de propriedade por acessão;</font><br> <font>35.ª – O Acórdão posto em crise fez errada interpretação e/ou aplicação de todas as disposições legais citadas ao longo das presentes alegações e cujo teor aqui se tem por reproduzido e integrado e também dos artigos 1305º, 1340º e 1379º, todos do Código Civil, a Portaria nº 202/70, de 21 de Abril de 1970, do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro;</font><br> <font>36.ª – Deve, pois, porque merece, ser revogado, reconhecendo-se aos recorrentes o direito de haverem para si, por acessão, a propriedade da totalidade do prédio rústico em causa nos autos, mediante o pagamento aos quartos e quintos réus, na proporção em que do mesmo são comproprietários, do valor definido pela sentença e reportado à data da incorporação nele das construções feitas pelos recorrentes,</font><br> <font>O que se pede e espera, em nome do ideal superior da </font><br> <font> JUSTIÇA!</font><br> <font>Junta-se prova do cumprimento do disposto no artigo 229º-A, nº 1, do Código de Processo Civil.</font><br> <br> <font>Nas suas contra- alegações, defendem os recorridos a confirmação do acórdão sob censura.</font><br> <br> <font>Os Factos.</font><br> <font>São os seguintes os factos tidos por provados pelas instâncias:</font><br> <font>1) O A. é irmão do Réu CC e dos Rés EE, GG, II e KK.</font><br> <font>(Alínea A) de esp.).</font><br> <font>2) Todos são filhos de MM e de NN, já falecidos, que, foram casados sob o regime de comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos.( Alínea B) de esp.).</font><br> <font>3) Do casal referido, fazia parte um prédio rústico, composto por terra de cultura, com oliveiras, tanchos, videiras, árvores de fruto e um poço, sito no lugar de Chã, limite dos Casais do Além, freguesia de Louriçal, Pombal, a confrontar do Norte com OO, do Nascente com estrada, do Sul com PP e do Poente com OO, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 29178º.</font><br> <font>( Alínea c) de esp.).</font><br> <font>4) Os A:A., por força dos laços de sangue acima referidos, autorizados pelos progenitores do A. e com o conhecimento e aprovação dos restantes filhos, entre eles as ora RR, construíram no prédio rústico acima referenciado, uma casa de e para sua habitação, com rés-do-chão, 1.º andar, cave e garagem inscrita na matriz sob o artigo 4810º ( alínea D) de esp.).</font><br> <font>5)- Essa autorização foi concedida sem estabelecimento de qualquer contrapartida em dinheiro. ( alínea E) de esp.).</font><br> <font>6) -Por escritura de partilhas celebrada no Cartório Notarial de Ansião, em 29 de Junho de 1990, o prédio rústico acima aludido foi adjudicado nas seguintes proporções:</font><br> <font>5/15 para os A:A., </font><br> <font>2/15 para os 1.ºs RR, </font><br> <font>1/15 para os 2.ºs RR, </font><br> <font>1/15 para os 3.ºs RR,</font><br> <font> 4/15 para os 4.ºs RR e </font><br> <font>2/15 para os 5.ºs RR.</font><br> <font>(alínea F) da esp.).</font><br> <font>7) - Os A.A., por escritura de permuta de 31 de Agosto de 1994, adquiriram aos 1.ºs RR os 2/15 que estes haviam recebido na partilha.</font><br> <font>( alínea G) de esp.)</font><br> <font>8) – A construção da casa de habitação dos A.A. ocorreu entre 1974 e 1977.</font><br> <font>( resposta ao q. 1º)</font><br> <font>9) – A casa tem 160 m2 da área coberta.</font><br> <font>( resposta ao q. 2º).</font><br> <font>10) – Os A.A. despenderam nessas obras, pelo menos 600.000$00.</font><br> <font>( resposta aos q. 3º e 7º ).</font><br> <font>11) – Todo o terreno rústico onde foram realizadas as obras, entre 1974 e 1977, não valia mais de 300.000$00.</font><br> <font>(resposta aos q. 4º e 5º).</font><br> <font>12) – À data em que ocorreu a construção, o terreno por esta ocupado não valia mais de 5.281$00.</font><br> <font>(resposta ao q. 5º)</font><br> <font>13) – O terreno, na sua totalidade tem 9.090 m2 . ( resposta ao q. 9.º).</font><br> <font>14) – No terreno, considerado na sua totalidade existem três marcos. </font><br> <font>( resposta ao q. 12º).</font><br> <font>15) – Ao terem destinado o espaço de terreno necessário para a construção, desde logo ficou tal espaço afecto à mesma. </font><br> <font>(resposta ao q. 13º)</font><br> <font>16) - No terreno, considerado na sua globalidade, há, após a construção, pelo menos uma casa e um logradouro.</font><br> <font>(resposta ao q. 14º).</font><br> <font>17) – Na pendência da acção, os A.A. adquiriram as fracções de que eram titulares os 2.ºs e 3ºs RR.</font><br> <br> <font>Cumpridos os vistos, cumpre decidir.</font><br> <br> <font>Fundamentação</font><br> <br> <font>Como resulta claro das conclusões, a questão suscitada na revista tem a ver exclusivamente com o âmbito da aquisição emergentes da acessão.</font><br> <font>No caso, foi julgado procedente o pedido subsidiário formulado pelos A.A., reconhecendo-se-lhes tão só o direito de adquirirem os 162 m2 de terreno ocupado pela sua casa de habitação incorporada na parcela rústica, mais a área do logradouro que a serve, esta a determinar em execução de sentença.</font><br> <font> Pretendem os A.A., por via deste recurso, conseguir a procedência do pedido principal e assim adquirirem a totalidade do terreno rústico, com a área global de 9090 m2.</font><br> <br> <font>Vejamos:</font><br> <br> <font>Diz o Art. 1340º nº 1 do C.C. que “se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio … e o valor que as obras … tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras… </font><br> <font>A questão que se põe é, pois, a de saber se o autor da incorporação adquire todo o prédio ou apenas, a parte dele em que incorporou a obra.</font><br> <br> <font>Sabemos que a acessão imobiliária é um meio de aquisição originário da propriedade, gizado para solucionar certas situações de conflito resultantes da união ou incorporação de coisas pertencentes a donos diferentes, como resulta do Art. 1325º do C.C.</font><br> <font>Ora, como se observa no trabalho do Cons. Quirino Soares, publicado na Col J.(S.T.J)de 1996 – 1.º -11ºe seg. “ a medida dos interesses em conflito pode reclamar soluções que a letra do preceito não comporta, de modo explícito” como acontecerá em situações como a dos autos, em que os pais do A. marido, donos do terreno rústico aqui em causa, autorizaram o filho a, em parte desse prédio, construir a sua casa de habitação.</font><br> <font>Em tais situações estamos nitidamente perante uma doação informal que visa determinada parcela de “terreno alheio” e não a sua globalidade, mantendo-se distintas a natureza e função das duas partes do prédio.</font><br> <font>Será, pois, atendendo à unidade económica do prédio que terá de definir-se os limites do que se adquire por acessão ( col. P.Lima e A. Varela – col c. anotado – anotação ao Art. 1340º), a que quer dizer que o prédio que o autor da incorporação adquire por acessão há-de ser a unidade económica em que se integra a construção ou a unidade económica distinta que se criou, com a própria construção.</font><br> <font>Portanto, pela acessão pode adquirir-se quer todo o prédio em que a obra foi incorporada, quer parte dele, neste último caso, quando a incorporação da obra fez, ela própria, surgir uma nova unidade económica, distinta da que existe antes da construção.</font><br> <br> <font>De resto, como se diz no douto Ac. de 5/3/96 ( -Col.J./S.T.J - 1996-1.º- 129 - ), representando a acessão uma limitação imposta ao direito de propriedade do dono do terreno, e sendo certo que a lei só excepcionalmente permite limites a esse direito, justifica-se que essa limitação se reduza ao que for estritamente necessário para que o dono da obra adquira a parcela de terreno aonde incorporou as obras, acrescida da zona, envolvente minimamente indispensável, interpretação que até parece ter apoio na letra da lei ( embora não explícito) porquanto “ quando ali se diz « adquirir a propriedade dele», pode aceitar-se perfeitamente que aquele «dele» se refere apenas ao terreno onde estão as obras”.</font><br> <br> <font>É aliás esta a orientação hoje dominante nos nossos tribunais superiores.</font><br> <font>( Col. jurisprudência já citada e ainda entre outros o Ac. da R.R. de 6/12/90 – Col. J. 1990-5-212, Ac. R.C. de 18/3/97 – Col.J. 1997 – 2º - 35, Ac do S.T.J. de 17/2/2000 – Col. J./ S.T.J. 2000, 1.º- 105). </font><br> <font>Aplicando agora os princípios expostos ao caso concreto, verifica-se que o prédio rústico dos pais do A. marido, tem a área global de 1.092 m2 e é composto por terreno de cultura com oliveiras, tanchos, videiras, árvores de fruto e, um poço. Nesse prédio, com a autorização daqueles, os A.A. construíram entre 1994/1997, a sua casa de habitação, com rés-do-chão, 1.º andar, cave e garagem, com a área coberta de 160 m2 , dispondo ainda de logradouro, cuja área não ficou determinada, sendo ainda certo que logo que ficou destinada a construção o espaço respectivo, desde logo ficou afecto a esse fim. </font><br> <font>Por conseguinte, com a incorporação da casa na parcela em questão, os A.A.deram à área da respectiva implantação um destino diferente daquele que era o primitivo, destino do prédio. De facto, na área de incorporação da obra e logradouro, deixou de praticar-se a cultura do terreno, para se implantar uma casa de habitação, o que significa, como decorre do Art. 204º do C.C., que, com a construção da casa os AA. criaram um prédio urbano que inscreveram na matriz urbana sob o artigo 4810º e que passou a existir a par do prédio rústico sobrante.</font><br> <font>Ocorreu assim uma autonomização de facto das duas parcelas de terreno, passando aquela onde os A.A. incorporaram a sua habitação a formar uma unidade económica perfeitamente diferenciada da parte restante do terreno que continuou afecto à cultura, mantendo as suas características rústicas. </font><br> <font>Por conseguinte, de acordo, com os princípios acima expostos, os limites do prédio que os A.A. adquiriram por acessão coincidem com a nova realidade urbana, com a nova unidade económica que criaram com a incorporação da obra e seu logradouro e não como pretendem, com a globalidade do prédio rústico.</font><br> <font>Nem seria razoável que, tendo os pais do A. marido apenas concedido uma pequena área do prédio para a construção da casa de habitação dos AA., pudessem agora estar, contra os interesses de seus irmãos, com os quais até já partilharam o prédio em causa na sequência do óbito dos pais, adquiri-lo na sua totalidade.</font><br> <font>Se não fosse de aceitar os argumentos acima expostos, teríamos, no limite, um caso nítido de abuso de direito, o que sempre impediria o êxito de pretensão dos A.A.</font><br> <br> <font> e</font><br> <font>Alegam os A.A., porém, que o critério da constituição de unidades económicas, estando em causa prédios de natureza rústica, tem de se aferir pela área respectiva, conjugada com a unidade de cultura em vigor.</font><br> <font>Não lhes assiste, porém, razão porque no caso concreto a área global do prédio nem sequer alcança a área correspondente à unidade de cultura em vigor na região e para o tipo de cultura praticada, e, por outro lado, não ocorreu o fraccionamento do prédio em duas parcelas destinadas a aptas, à cultura, antes a parcela fraccionada se destinou à construção de uma casa de habitação ( col. Art. 1377º do C.C.).</font><br> <font>E, por outro lado, não se põe a questão de divisão da parcela sobrante, destinada à cultura, pelos 3 comproprietários.</font><br> <font>Essa parcela sobrante, forma, ela própria uma unidade económica, independentemente de serem 3 os comproprietários, como é evidente.</font><br> <font>Não parece, assim, que a questão tenha a ver com o disposto no Art.1376º do C.C., embora tenha a ver, seguramente, com as regras que disciplinaram os loteamentos ou os destaques, regras essas de natureza administrativa cuja aplicação, por pertencer àquele foro, está subtraída à competência dos tribunais judiciais e que estes devem acatar, não as ignorando.</font><br> <font>( cof. D.L. 448/91 de 29/4 – Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos).</font><br> <font>Concordamos, assim, inteiramente com as considerações que sobre o assunto foram apresentadas pelo Sr. Cons. Quirino Soares no estudo citado, bem como os que, no mesmo sentido constam do voto de vencido do Sr. Cons. Sousa Inês, aposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 17/2/2000, já acima citado.</font><br> <br> <font>Só que, ao contrário do que alegam os A. A. , quem tinha de alegar e demonstrar a legalidade ( administrativa) do loteamento ou do destaque eram, os A.A.e não os RR, pois, se trata, de facto, de fundamento do pedido deduzido, embora a título subsidiário.</font><br> <font>É que, por ser subsidiário o pedido, nem por isso são os R.R. que têm de provar os seus fundamentos…</font><br> <br> <font>Daí que, se não fosse a força do caso julgado, que tem de prevalecer, a alegação volver-se-ia contra os alegantes, que veriam improceder o recurso e a acção.</font><br> <font>Acontece que os RR não recorreram do douto acórdão que confirmou a decisão de 1.ª instância, e, obviamente, sendo essa decisão favorável aos A.A., ainda que a título subsidiário, não está abrangida pelo seu recurso, devendo os seus efeitos de caso julgado serem respeitados como determina o Art. 684º nº 2 ( segunda parte) e nº 4 do C.P.C.</font><br> <br> <font>Só, por isso, se mantém a decisão recorrida.</font><br> <br> <font>Decisão.</font><br> <font>- Termos em que se nega a revista.</font><br> <font>- Custas pelos recorrentes.</font><br> <br> <font>Lisboa, 20 de Maio de 2003 </font><br> <br> <font>Moreira Alves (Relator)</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Moreira Camilo</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam na 2. Secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No Tribunal Judicial de Matosinhos foram deduzidos embargos de executado por A, B, C, D, E, F e G, alegando que prestaram aval de favor à executada, tendo sido a letra preenchida pelo "Banco de Comércio e Indústria, S.A." (BCI) com base em contrato de preenchimento por montante indeterminado e indeterminável no acto de subscrição, por abranger o cumprimento de todas as obrigações , o que torna a garantia nula.<br> Tais embargos, depois de contestados, foram julgados improcedentes por saneador/sentença que a Relação do Porto veio a confirmar.<br> Os embargantes pediram então revista, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação:<br> Os embargantes obrigaram-se ilimitadamente, sem definirem qualquer regra ou critério que limite o objecto negocial, pois fizeram-no por subscrição de título cambiário em branco.<br> O decidido viola o artigo 280 do Código Civil.<br> Pedem que se revogue o acórdão recorrido e se declare nula a garantia prestada pelos avalistas.<br> Contra-alegou por sua vez o BCI em defesa do decidido.<br> A Relação julgou assentes os seguintes factos:<br> Entre "H, Limitada" e o BCI foi acordado um financiamento, tendo sido celebrado um contrato de preenchimento, de onde consta:<br> "Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes do desconto de remessas documentárias de exportação completas e/ou incompletas para carteira, quer por desconto directo ou através da concessão de financiamento externo à exportação (FEARE), à data do seu vencimemto, ou das suas eventuais prorrogações, compreendendo o saldo que foi devido, comissões e juros remuneratórios e de mora, junto remetemos uma livrança por nós subscrita e avalizada por todos os sócios desta empresa... (seguem-se os nomes dos embargantes), livrança esta cujo montante e data de vencimento se encontram em branco, para que esse Banco os fixe, completando o preenchimento do título, quando considerar oportuno, assim como proceda ao seu desconto...".<br> Conforme esse contrato de preenchimento foi pelo referido Banco preenchida a livrança (no acórdão escreveu-se "letra" o que é de atribuir a lapso de escrita) que veio a ser dada à execução.<br> Questão a dilucidar no presente recurso é unicamente a de saber se a obrigação assumida pelos embargantes ao assinarem em branco, como avalistas da subscritora, uma livrança de câmbio cujo valor não estava então determinado, é nula à luz do preceituado no artigo 280 do Código Civil.<br> Discute-se, mais precisamente, uma eventual nulidade do negócio jurídico na medida em que o seu objecto deva ser tido como "indeterminável" (n. 1 do citado artigo 280).<br> Não há dúvida de que através de um contrato de preenchimento celebrado com o Banco exequente, e de declarações expressas numa livrança de câmbio, os embargantes constituíram-se avalistas de uma dívida futura, ou seja da dívida (cambiária) consubstanciada na livrança, a partir do momento em que esta viesse a ser completada em harmonia com o que fora acordado.<br> Se se entender que eles assumiram nesses termos uma obrigação sem objecto determinado nem determinável, ocorre a nulidade estabelecida no artigo 280 n. 1 do Código Civil.<br> Segundo o ensinamento de Vaz Serra, no momento da constituição da obrigação deve ser determinado o título donde a obrigação futura poderá ou deverá derivar, ou, ao menos, saber-se como há-de ele ser determinado - sem o que o objecto do aval seria indeterminado e indeterminável (Rev. Leg. Jur., 107, págs. 255 e 259).<br> Tratando-se de dívidas futuras - vinca o mesmo autor - e não estando a prestação determinada no início da relação, as partes devem, ao menos, estabelecer com clareza o critério ou os critérios da determinação, disso dependendo a validade do contrato (loc. cit. página 260).<br> E outro não é o entendimento de Menezes Cordeiro quando sublinha que o objecto do negócio pode ser indeterminado mas não pode ser indeterminável, explicando a diferença do seguinte modo: a prestação é indeterminada mas determinável quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, mas, não obstante, exista um critério para proceder à determinação; a prestação é indeterminada e indeterminável - dando pois lugar à nulidade da obrigação - quando não exista qualquer critério para proceder à determinação (cfr. Parecer publicado in Col. Jur., XVII, tomo II, a página 61).<br> Explicitando o seu pensamento, escreve o mesmo Professor que seria seguramente nulo o contrato pelo qual uma pessoa se obrigasse a pagar a outra "o que esta quiser", pois haveria uma obrigação incontrolável; que os critérios podem ser mais ou menos vagos, não podem é, "ad putum", deixar tudo ao arbítrio duma parte ou de terceiro; que, tratando-se de fiança por débitos futuros (artigo 628 n. 1 do Código Civil), admitir que uma pessoa possa declarar-se fiadora por todos os débitos que terceiro tenha ou possa vir a ter é tão indeterminado e indeterminável como a hipótese de alguém se obrigar a pagar a outrém (sem limite) o que esta (ou terceiro) quiser, sendo por isso necessário consignar um critério objectivo e limitativo de determinação, o que corresponde a uma natural função moderadora do ordenamento (loc. cit., página 62).<br> Acrescenta ainda o ilustre civilista que, no que toca ao sector bancário, o problema duma fiança geral de conteúdo indeterminável coloca problemas acrescidos, sendo de rejeitar uma hipótese de "relações bancárias complexas" cobertas por um "contrato bancário geral", que apresentaria, por definição, um objecto indeterminável "ab initio", de concretização imprevisível, ditado pela evolução subsequente dos negócios a celebrar (veja-se o estudo "Concessão de Crédito e Responsabilidade Bancária" in B.M.J. n. 357, a página 43).<br> Expostos estes princípios, retornemos agora ao caso "sub judice".<br> O texto do contrato de preenchimento, no qual foi concedida autorização ao Banco para oportuna integração do título, designadamente quanto ao montante, denota claramente que os embargantes pretenderam garantir todas as obrigações emergentes de determinadas operações bancárias: desconto de remessas documentárias de exportação, quer fosse por desconto directo, quer por via da concessão de financiamento externo à exportação.<br> O âmbito da responsabilidade assumida pelos embargantes ficou assim delimitado pela natureza dos títulos de que poderiam derivar as obrigações.<br> Só as dívidas provenientes daquele tipo de descontos ficavam a coberto da garantia.<br> Ora crê-se existir aqui aquele critério mínimo que é exigível para a determinação do objecto.<br> Não obstante uma certa dose de indefinição, no tocante ao número e aos montantes ou valores das aludidas remessas documentárias, não se vai ao ponto de remeter a concretização da prestação para o puro arbítrio de outrem, nem se estendeu a garantia a todos e quaisquer débitos independentemente da sua fonte.<br> É que a determinabilidade de que o sistema legal não prescinde não tem forçosamente que se reconduzir à indicação de uma cifra máxima; apenas terá que existir um critério objectivo para precisar o teor da obrigação, designadamente em função do título donde ela poderá provir, como indubitavelmente ocorre no caso em análise.<br> Daí a inanidade das conclusões formuladas pelos recorrentes.<br> Nos termos expostos decide-se negar a revista.<br> Custas a cargo dos recorrentes.<br> Lisboa, 15 de Novembro de 1995.<br> Metello de Nápoles<br> Nascimento Costa<br> Pereira da Graça<br> Decisões:<br> I - Sentença de 14 de Fevereiro de 1994 do 1. Juízo - 2. Secção de Matosinhos.<br> II - Acórdão de 10 de Janeiro de 1995 da Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> "A" requereu inventário facultativo para ser partilhada a herança aberta por óbito de seu pai B, tendo sido nomeado cabeça-de-casal a sua (deste) viúva C.<br> Tendo o requerente acusado a falta de relacionação de bens e ouvidos os interessados, que nada disseram, pediu aquele "renovação" do prazo para requerer prova do alegado; silenciou, apesar de o ter sido concedido, e o tribunal indeferiu o requerido e recusou recolher oficiosamente a única que antes fora indicada, dado o regime jurídico do sigilo bancário.<br> Notificado, requereu a reforma do despacho e, subsidiariamente, dele interpôs recurso, tendo sido indeferida aquela e, em função do valor da causa, não admitido este.<br> Prosseguindo o inventário, interpôs o requerente recurso do mapa da partilha, o qual, por tão só ser reclamável, não foi admitido.<br> Novo recurso seu agora da sentença homologatória da partilha, sem êxito, todavia.<br> Mais uma vez irresignado, pediu revista, concluindo, em suam e no essencial, em suas alegações -<br> - acusada a falta de relacionação de bens, a falta de resposta equivale a confissão, nos termos do art. 1342 CPC;<br> - não sendo possível ao recorrente pedir ao Banco de Portugal os elementos bastantes à prova do por si alegado, requereu que o tribunal oficiosamente os pedisse, o que foi indeferido, o que se não compreende nem está de acordo com a jurisprudência (ac. STJ de 97.12.19);<br> - os requeridos sempre se negaram a mostrar todos os saldos bancários do falecido e, à pressa, juntaram documentos com valores que tudo indicam estarem longe dos reais;<br> - todas estas questões deveriam ter sido resolvidas no âmbito dos arts. 1348, 1349, 1344 n. 2 e 1335 CPC na justa composição dos quinhões a partilhar;<br> - no processo de inventário, o valor processual não pode ser fixado à partida, torna-se definitivo apenas com o mapa da partilha;<br> - aquando do indeferimento do recurso, o valor dos bens relacionados era de milhares de contos que não de 100.000$00, havendo, pois, valor para a causa de forma a sustentar aquele recurso,<br> - determinando assim uma nulidade invocável a todo o tempo (CPC- 668-1 d)), com fundamento específico no art. 721-2,<br> - de conhecimento oficioso, podendo o tribunal suprir tal nulidade, por força do art. 666 n. 2 CPC;<br> - em inventário, o valor da causa, para o efeito de se conhecer de determinado recurso, é o que, no momento da interposição deste, resulta do processo para os bens a partilhar,<br> - pelo que, ao contrário do afirmado no acórdão, não se verifica trânsito em julgado de qualquer decisão, (do primeiro despacho), devendo pois proceder o presente recurso nos precisos termos alegados.<br> Contraalegando, pugnou o cabeça-de-casal pela improcedência do recurso.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto com interesse para conhecimento do recurso, apenas a constante do relatório supra.<br> Decidindo: -<br> 1 - O processo civil, por mais ou menos apreço que por ele se tenha, é uma disciplina necessária a observar quer na instauração quer no desenvolvimento quer no conhecimento de um pleito.<br> Ainda que sem a rigidez do formalismo e o emperrar burocrático, infelizmente comum a tantos organismos e instituições, há sempre um mínimo a respeitar.<br> É a não aceitação de que tal observância tenha de ocorrer que a prática do recorrente revela.<br> 2 - No inventário que requereu acusou, legitimidade e faculdade que a lei reconhece, a falta de relacionação de bens.<br> Não tendo aceite a correcção do despacho, requereu a sua reforma e, subsidiariamente, dele interpôs recurso (incorrectamente por si tido como de apelação - fls. 113).<br> Negada aquela e não admitido este, não expressou oportunamente qualquer reacção, podendo e devendo-o ter feito.<br> Ao conformar-se, deixou que sobre ele se formasse trânsito o que impede a renovação da pronúncia sobre as questões abrangidas no segmento decisório (CPC - 671 n. 1, 672 e 673).<br> Não se pondo o problema em termos de uma primeira reclamação mas de repetição da anterior é inaplicável o disposto no art. 1348 n. 6 CPC.<br> A previsão do art. 1335 n. 1 CPC não abrange a falta de resposta ao convite para indicar prova a produzir relativamente à reclamação deduzida nem tão pouco contempla a recusa em recolher a prova oficiosamente como fora requerido.<br> Tendo havido uma decisão, dela não se tendo reagido com êxito, nem se tendo reagido contra os valores da posterior relacionação, não havia lugar a deliberação, ao abrigo do art. 1353 n. 4 a) e b) CPC, da conferência.<br> O mapa de partilha não é despacho e, como tal, não é recorrível (se despacho fosse, a espécie de recurso que caberia seria a de agravo e não a apelação, como de novo, o recorrente qualificou). É reclamável (CPC - 1379, 1) e o despacho determinativo da forma da partilha em que aquele assente só pode ser impugnado na interpelação da sentença da partilha (CPC - 1373, 3), o que não sucedeu.<br> 3.- Não oferece qualquer interesse, tal como para a Relação já não tinha, a pronúncia sobre o valor da causa.<br> Porque o recurso sobre o valor da causa é admissível (CPC - 678, 3) nem este podendo ser tido como fixado devia o recorrente ter reclamado do despacho que não lhe admitiu o primeiro recurso que interpôs.<br> Não o tendo feito, não é possível fazer recuar, como que repristinando o conhecimento de uma questão que deveria ter sido colocada num determinado momento já ultrapassado mas que não foi.<br> A não admissão daquele recurso, transitada, impede a reabertura da discussão.<br> 4.- O recorrente agravou da sentença homologatória da partilha (trocando, ainda mais uma vez a espécie própria).<br> O recurso interposto não fez subir qualquer outro.<br> Nas alegações de recurso não se atacou a sentença em si nem se impugnou o despacho determinativo da partilha. Apenas foram questionados, nos seus fundamentos, o despacho que indeferiu o seu requerimento acusando a falta de relacionação de bens e o outro que não admitiu o recurso que deste interpôs.<br> É exactamente isso que mantém no recurso de revista.<br> Não podia a Relação dar procedência ao recurso no qual se pedia que, violando caso julgado, se pronunciasse sobre questões decididas com trânsito.<br> Pode-se dizer que só formalmente a apelação, como agora a revista, tinha objecto, pois que materialmente o não tinha, aquilo que podia ser fundamento próprio do recurso inexistia (e inexiste).<br> <br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> <br> Lisboa, 5 de Novembro de 2002<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>1. A 18.1.96, no Tribunal da Comarca de Lisboa, A, (hoje ....), intentou acção declarativa contra B e C, pedindo a condenação dos réus na restituição do equipamento locado (motociclo Honda de matrícula LX) e, ainda, a condenação da 1ª no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no valor total de 481.275$00 e na indemnização por perdas e danos no montante de 40.306$00, quantias acrescidas de juros de mora vencidos no montante de 92.474$00, e vincendos até integral pagamento.<br> Para tanto, e em síntese, alegou que:<br> - se dedica à actividade de locação financeira mobiliária e que no dia 03-08-92 celebrou com a ré B um contrato de locação financeira mobiliária nos termos do qual se obrigava a adquirir uma viatura de marca Honda, modelo VFR 750F, de matrícula LX e a conceder à ré o gozo da mesma, obrigando-se esta a pagar 12 rendas trimestrais;<br> - a locatária B não pagou as rendas vencidas em 05-08-94, 05-11-94, e 05-02-95, no valor total de 481.275$00, apesar de a autora lhe ter solicitado o pagamento até ao dia 23-02-95, sob pena de resolução do contrato.<br> Contestaram os réus (a reconvenção deduzida pela ré B veio a ser liminarmente indeferida" fls. 234).<br> Por despacho de fls. 171 a 173 foi admitido o chamamento à demanda da D, que dessa decisão agravou (fls. 174).<br> 2. No despacho saneador conheceu-se do mérito:<br> - julgando-se a acção improcedente quanto ao réu C, que foi absolvido do pedido, e procedente quanto à ré B, que foi condenada a entregar à autora o veículo de matrícula LX;<br> - condenando-se a ré B e a chamada a pagarem à autora a quantia de 614.055$00, acrescida de juros de mora sobre a quantia de 521.581$00, à taxa de 15% desde 16-01-96 até 18-04-99 e de 12% desde esta data até integral pagamento (fls. 280).<br> Inconformados, apelaram ré e chamada, mas sem êxito, pois que o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 24-05-01, negou provimento aos recursos (agravo e apelações).<br> 3. Irresignadas, recorreram de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.<br> 3.1. A D, rematou as respectivas alegações com conclusões (fls. 453-457) que podemos assim sintetizar:<br> 1ª Não há comunicabilidade ou solidariedade da dívida em relação à ré D, nem qualquer fundamento legal para o chamamento à demanda e para a condenação da chamada;<br> 2ª A solidariedade é apenas aparente;<br> 3ª A autora poderia ter demandado a chamada - e, se esta fosse condenada, teria direito de regresso contra a devedora principal, a B, mas a B não goza do direito de regresso contra a D, pelo que se não verifica a hipótese da alínea c) do artigo 330 do CPC na anterior versão;<br> 4ª Um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não podia deixar de entender a cláusula das Condições Particulares da apólice do seguro caução como significando que o seguro garante o pagamento das rendas devidas pelo Sr. E (1) à B;<br> 5ª É também esse o entendimento da beneficiária do seguro, bem assim o sentido objectivo que resulta de outros documentos, nomeadamente dos Protocolos de acordo celebrados entre a D e a B;<br> 6ª O sentido acolhido pelo acórdão não tem no texto do documento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso;<br> 7ª Mas mesmo que o convencimento do Tribunal quanto ao objecto do seguro caução fosse o constante do acórdão, o negócio não podia valer com esse sentido, dado o disposto no nº 1 do artigo 238 do CC, pelo que seria nulo;<br> 8ª O Tribunal deve considerar como provado e relevante o sentido segundo o qual o seguro tem por objecto o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração;<br> 9ª Nunca a D poderia responder por qualquer indemnização decorrente da resolução do contrato, e respectivos juros, por não ter sido interpelada para o fazer e por tais obrigações não estarem incluídas no objecto seguro;<br> 10ª A taxa aplicável, de acordo com o artigo 11, n. 6, das Condições Gerais da Apólice, é a taxa de desconto do Banco de Portugal;<br> 11ª O acórdão violou os artigos 330 e 333 do CPC de 1961, 236º, 238º, 364º e 393 do CC, 426 do Código Comercial, e 8 do DL 183/88.<br> <br> 3.2. Por seu turno, das conclusões, extensas e prolixas (fls. 498-505), apresentadas pela ré B, pode extrair-se a súmula que segue:<br> 1ª Face ao incumprimento do contrato de locação financeira e tendo em consideração o contrato de seguro caução directa constante dos autos, a autora deveria ter accionado o mesmo por forma a ressarcir-se das rendas vencidas não pagas e das vincendas e, ao omitir deliberadamente a garantia que é o seguro caução em conluio com a chamada, a autora deveria ter sido condenada como litigante de má fé e bem assim no pagamento do pedido reconvencional deduzido pela ré B;<br> 2ª Ao não accionar o seguro-caução e ao omiti-lo, optando por resolver o contrato, agiu a autora em abuso de direito, pois exerceu-o em contradição com a sua conduta anterior em que a B confiou;<br> 3ª O contrato de seguro caução é uma garantia autónoma e automática independente da obrigação do devedor principal e da subsistência ou impossibilidade da obrigação principal;<br> 4ª Transferida a responsabilidade civil da B para a chamada, tinha ela, B, que ser absolvida do pedido;<br> 5ª Não pode a autora vir exigir da ré B o veículo e ainda as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas do contrato de locação financeira, sob pena de enriquecimento sem causa;<br> 6ª Toda a conduta da autora foi no sentido de fazer confiar a ré B na possibilidade de outorga futura de um contrato de ALD com terceiro alheio ao contrato de locação financeira, pelo que essa confiança impediria a condenação na entrega da viatura;<br> 7ª O acórdão não teve em consideração que o veículo automóvel já em 96-01-24 foi entregue à autora - cfr. fls. 35 e 37 do Apenso A;<br> 8ª Foram violados os artigos 220, 221, 334, 398, 405, 406 e 805 do CC, 426 e 427 do Código Comercial e 510, nº 1, alínea b), 513 a 517, 668, alíneas b), c), d) e e) (2) do CPC, e, ainda, o DL 183/88.<br> A D alegou como recorrida (fls. 519-527).<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II </div>Foram considerados provados os seguintes factos:<br> 1. A autora dedica-se à actividade de locação financeira;<br> 2. A ré B, dedica-se à venda de veículos em regime de aluguer de longa duração;<br> 3. Em 03-08-92, a autora e a ré B celebraram um contrato de locação financeira mobiliária, nos termos do qual a 1ª, além do mais, declarou que se obrigava a adquirir uma viatura de marca Honda, modelo VFR 750F, e a conceder-lhe o seu gozo ou a vender-lha, caso o quisesse, findo o período da locação; declarou a 2ª, além do mais, que pagaria à autora 12 rendas, no montante de 128.864$00 + IVA, cada uma, com periodicidade trimestral;<br> 4. E ficou ainda convencionado entre elas que, em caso de resolução do contrato com fundamento no incumprimento definitivo por parte do locatário, para além da restituição imediata do equipamento e do demais na lei e nesse contrato previsto, o locador terá direito a conservar suas as rendas vencidas e pagas, a receber as vencidas e não pagas, acrescidas da indemnização de 20% da soma das rendas não vencidas com o valor residual;<br> 5. Em relação a tal contrato, a ré B não pagou as 9ª, 10ª e 11ª rendas vencidas em 05-08-94, 05-11-94, e 05-02-95, no valor total de 481.275$00;<br> 6. A autora enviou à ré B a carta datada de 09-02-95 onde, além do mais, refere "para a mesma pagar a quantia em falta até ao próximo dia 23, sob pena de resolução do contrato";<br> 7. A ré B não pagou tal quantia até ao indicado dia 23;<br> 8. A autora enviou à ré B a carta datada de 23-02-95, recebida por esta em 01-03-95, onde refere, além do mais, "considerar resolvido o contrato";<br> 9. A ré B destinou o veículo objecto do contrato de locação financeira a aluguer de longa duração;<br> 10. A chamada D, emitiu o seguro do ramo "caução directa", junto a fls. 78, titulado pela apólice nº 1501044101601, figurando como tomador do seguro B, como beneficiária a autora, e tendo por objecto da garantia o pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao veículo Honda VFR 750F, matrícula LX, pelo prazo de 36 meses, com início em 29-07-92 e termo em 28-07-95;<br> 11. Entre a chamada D, e a B, foram celebrados os protocolos de fls. 197 a 210, em 15-11-91, 07-04-92 e 01-11-93, os quais visavam definir responsabilidades resultantes da emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento das rendas devidas à B pelos locatários de veículos sob o regime de aluguer de longa duração.<div>III</div>Compreende-se, e justifica-se, se comece a apreciação do presente recurso pela questão da admissibilidade do chamamento da recorrente D.<br> O que passa pela averiguação da comunicabilidade ou solidariedade da dívida objecto do contrato de locação financeira.<br> Matéria que se prende com o recurso de agravo interposto da decisão que admitiu o chamamento à demanda (diga-se que, tendo a acção sido proposta em 18.01.96, ao recurso é aplicável o CPC sem as alterações introduzidas pelo DL 329-A/95 de 12 de Dezembro - recurso, portanto, admissível sem as limitações introduzidas no n. 2 do artigo 754).<br> Na vigência da anterior versão do CPC discutiu-se a questão de saber se a obrigação solidária prevista na alínea c) do artigo 330 seria apenas a que tem o regime da solidariedade própria ou perfeita, ou se compreendia, também, a imprópria ou imperfeita (cfr. "assento" n. 3/81, no DR, I série, de 20.11.81, e no BMJ, n. 309-179 (3) <br> Decisivo, porém, é determinar se entre a requerente do chamamento e a seguradora, ora recorrente, existe uma obrigação solidária.<br> Como bem ponderou o acórdão recorrido:<br> - Para se determinar se a hipótese da alínea c) (do antigo artigo 330 do CPC) se verifica, há que ponderar se, em face da versão da requerente, esta e a seguradora são devedoras solidárias. Resulta do artigo 512 do CC que a obrigação é solidária, do lado passivo, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (n. 1) e a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias (n. 2). E o artigo 524 desse diploma estabelece que o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete. Daqui decorre que o direito de regresso do devedor solidário que pague só existe se ele não era devedor da totalidade, o que pressupõe a existência de responsabilidade por quotas, a dividir nas relações entre os devedores.(...) Essencial é que cada devedor responda pela prestação integral e a esta a todos libere em relação ao credor, tendo este o direito de exigir de qualquer dos devedores a totalidade da prestação nos termos do artigo 519, nº 1, do mesmo Código.(...) Ora, na versão da ré - e é a esta que há que atender para se decidir se há lugar ou não ao chamamento - o seguro de caução cobre as rendas, por ela devidas, do contrato de locação financeira".<br> Não custa acompanhar este entendimento" que, por isso, se acolhe.<br> Na verdade, como adiante melhor se demonstrará, no seguro-caução aqui em causa o devedor principal e o garante respondem, solidariamente, perante o credor da obrigação.<br> Conclui-se, assim, pelo acerto da subsunção da situação à previsão do (anterior) artigo 330, alínea c)).<div>IV</div>Do recurso da B:<br> Balizado o âmbito do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 684, nº 3, e 690, nº 1, ambos do CPC), delas flui que as questões suscitadas se reconduzem, no essencial, em saber se:<br> - transferida a responsabilidade civil da B para a seguradora, devia a recorrente ser absolvida?;<br> - ao resolver o contrato de locação financeira, sem que tivesse accionado o seguro-caução, a autora incorreu em abuso de direito, exercendo ilegitimamente o direito de resolução?;<br> - exercido o direito de resolução do contrato de locação financeira por incumprimento da ré B, a restituição do veículo à autora (e a sua condenação no pagamento das rendas vencidas e vincendas) envolve um enriquecimento sem causa?;<br> - o pedido da restituição da viatura é ilegítimo por trair a confiança que a locadora criou na B de que podia dar a viatura a aluguer de longa duração?;<br> - o acórdão recorrido deveria ter levado em consideração a entrega da viatura já constante da providência apensa?;<br> - a autora deve ser condenada no pedido reconvencional?.<br> 1. 1ª e 2ª questões<br> 1.1. O contrato de seguro caução em apreço está regulado no DL 183/88, de 24 de Maio, com as alterações introduzidas pelo DL 127/91, de 12 de Março.<br> O âmbito de aplicação do DL 183/88 estende-se pelo género mais amplo do seguro de riscos de crédito, no qual se distinguem os ramos "Crédito" e "Caução" (artigo 1, nº 1) - o primeiro é celebrado com o credor da obrigação segura, ao passo que o seguro-caução é celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o seu contragarante e a favor do respectivo credor (artigo 9, ns. 1 e 2, respectivamente).<br> O seguro-caução configura um dos casos em que o contrato de seguro "assume a feição típica de um contrato a favor de terceiro" (Almeida Costa, RLJ, ano 129-121).<br> Dele se diz que "cobre directa ou indirectamente o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval" - artigo 6, n. 1.<br> Em qualquer deles deverá constar a identificação do tomador do seguro e o segurado, no caso de as duas figuras não coincidirem na mesma pessoa, e ainda - a obrigação a que se reporta o contrato seguro", - a percentagem ou quantitativo do crédito seguro", e - os prazos de participação do sinistro e de pagamento das indemnizações" - artigo 8, nº 1, alíneas a), b), c) e d).<br> E também a qualquer deles é aplicável o artigo 426 do Código Comercial, com a consequente necessidade de constarem de uma apólice, necessária para a sua validade - são contratos formais, sendo aquela forma exigida ad substantiam (disposições conjugadas dos artigos 5, nº 3, 6, n. 3, 8, n. 2, 11, nº 2, e 13, n. 1, do citado DL n. 183/88, e 364 do CC (4) .<br> Ora, face à matéria de facto provada (cfr., nomeadamente, ponto 10), não merece qualquer censura a qualificação de seguro-caução para o contrato em apreço.<br> 1.2. Questão que sempre teria de ser abordada pela via da interpretação negocial, mediante a aplicação dos princípios constantes do artigo 236 do CC.<br> Ou seja, não sendo conhecida do declaratário a vontade real do declarante, a declaração negocial valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.<br> Ademais, tratando-se de um negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha no seu texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso - artigo 238, nº 1, do CC.<br> Entendeu o acórdão recorrido que um declaratário medianamente instruído e diligente concluiria que o seguro dos autos se reporta às rendas do contrato de locação financeira, sentido que não deixa de ter um mínimo de correspondência no texto da apólice.<br> Entendimento esse que releva de matéria de facto, em que as instâncias são soberanas (a B, aliás, não põe em causa esse entendimento).<br> Na verdade, é orientação pacífica a de que o apuramento da vontade real do declarante e do seu efectivo conhecimento por parte do declaratário cabem dentro da averiguação da matéria de facto, pelo que neste campo se não pode imiscuir este STJ, vocacionado que está a conhecer apenas de questões de direito, ressalvadas as excepções legais (artigo 722, n. 2, do CPC).<br> Como quer seja, sempre seria de concluir que da interpretação acolhida no acórdão não resultou ofensa do disposto nos artigos 236 a 238 do CC.<br> 1.3. Se é verdade que o património do devedor constitui a garantia real das suas obrigações, uma vez que, pelo seu cumprimento, respondem todos os seus bens susceptíveis de penhora (artigo 601 do CC), o certo é que também se encontram legalmente previstas garantias especiais que, podendo ser reais e pessoais, implicam a afectação prioritária de determinados bens ao pagamento de determinada dívida ou responsabilização de um terceiro pelo cumprimento da obrigação do devedor originário.<br> De entre as garantias pessoais destacam-se a fiança, o mandato de crédito e o aval, todas caracterizadas pela acessoriedade em relação á obrigação principal que por elas é garantida, o que significa que as suas validade e eficácia dependem desta última (cfr. artigos 627, nº 1, 632, nº 1, e 637, nº 1, quanto à fiança, 629, nº 1, no respeitante ao mandato de crédito, 32º da LULL quanto ao aval).<br> No entanto, as necessidades do tráfico económico moderno, apoiadas no princípio da liberdade negocial, proporcionaram o aparecimento de figuras convencionadas de garantias pessoais que são autónomas em relação à obrigação garantida na medida em que, através dela, o garante - assegura ao credor determinado resultado, assumindo o risco da não verificação do mesmo, qualquer que seja, em princípio, a sua causa". (5) <br> Como se salientou no já referido acórdão de 22.02.2000, a responsabilidade do garante existe, idónea para satisfazer os interesses do credor garantido, ainda que o não cumprimento do devedor se deva a impossibilidade não culposa ou seja uma consequência da invocação de vícios intrínsecos da sua obrigação.<br> Na verdade, "enquanto a fiança é prejudicada, na sua eficácia, pela característica da acessoriedade, o contrato de garantia, em virtude da autonomia que, por definição, o individualiza, torna inoponíveis ao beneficiário as excepções fundadas na relação principal". (6) <br> Como observa Ferrer Correia - (7), a diferença (entre a "garantia" e a "fiança") "reside no facto de a garantia, diferentemente da fiança, não ter natureza acessória em relação à obrigação garantida: uma certa autonomia em relação a esta obrigação (abstracção hoc sensu) constitui seu traço específico".<br> Assim se chegou à Bankgarantie, a qual, porém, não eliminava todos os riscos inerentes à actividade comercial, pois a descoberto ficava ainda o risco de ter de se provar a ocorrência dos pressupostos que condicionam o direito do beneficiário.<br> Precisamente com o objectivo de obviar a esse inconveniente, foi concebida a cláusula do pagamento à primeira solicitação.<br> 1.4. Os elementos recenseados permitem se conclua que nada obsta a que o seguro-caução seja o meio usado para a concessão de uma garantia com este alcance.<br> Posto é que se verifique uma de duas circunstâncias.<br> Ou ser esse o meio típico em face da lei - o que não sucede no nosso ordenamento jurídico (DL 183/88).<br> Ou ser convencionado - o que não ocorreu no caso em apreço, tal como decorre das cláusulas do respectivo contrato.<br> Como assim, o seguro-caução com que aqui deparamos reconduz-se á natureza de uma garantia simples, parcialmente dependente do negócio fundamental.<br> Donde, a conclusão de que a outorga do contrato não envolveu uma assunção da dívida da B pela D, em termos que excluíssem a responsabilidade da ré para com a autora - o que esta, aliás, nunca disse aceitar, como exige o artigo 595 do CC.<br> Não colhe, portanto, a tese da recorrente no sentido de que a autora estava obrigada a accionar o seguro-caução, antes de resolver o contrato" nos termos da lei e do contrato de locação financeira, a autora podia declarar, como declarou, resolvido esse mesmo contrato.<br> E, diferentemente do que se pretende, essa resolução não traduz, ou envolve, abuso de direito, o qual, como se sabe, só pode ser afirmado quando são manifestamente excedidos os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334 do CC).<br> Nem se diga que a autora se vinculou perante ela a não resolver o contrato celebrado, em caso de incumprimento, já que tal não foi dado como provado e, sendo matéria de facto, nela se não pode este STJ intrometer.<br> "O fim a que normalmente se destina a concessão de uma garantia de bom cumprimento de determinada obrigação é o de reforçar esta pela acumulação de meios para esse cumprimento, e não o de substituir por uma garantia especial a garantia geral que é o património do devedor principal. Logo, o exercício cumulativo de ambas as garantias nada tem, em princípio, de errado" (acórdão de 11.07.2000, Proc. nº 1630/00, que temos vindo a acompanhar de perto, por vezes textualmente).<br> 2. 3ª e 4ª questões<br> A autora tinha o direito de exigir a entrega do veículo, face ao incumprimento contratual da B e ao consequente direito de resolução do contrato de locação.<br> "Isto é, a restituição do veículo é uma consequência natural da resolução do contrato, quer por efeito da aplicação conjugada dos artigos 433 e 289, quer por força do artigo 24, alínea f), do DL nº 171/89. (...) Assim, a restituição do veículo, ainda que acumulada com o pagamento das rendas vencidas e não pagas, nunca pode traduzir um enriquecimento sem causa, justamente porque tem causa legalmente bem definida" (citado acórdão de 11.07.2000).<br> E também não colhe dizer-se que a autora teria actuado por forma a que a B confiou em que poderia outorgar um futuro contrato de ALD com um terceiro, assim gerando na B uma confiança que impediria a resolução do contrato - desde logo, e decisivamente, porque nada se provou sobre essa matéria.<br> <br> 3. 5ª questão:<br> Demonstrado que a autora tinha o direito de exigir a entrega da viatura, fácil é concluir, agora, que também sobre esta questão não assiste razão à B" ademais, do Apenso não resulta que a viatura já lhe tenha sido entregue (dele consta, sim, um ofício da PSP, datado de 24.1.96, a informar o juiz do processo de que apreenderá a viatura quando ela for detectada).<br> <br> 4. 6ª questão:<br> Os elementos atrás recenseados para responder às duas primeiras questões, permitem se responda do mesmo passo, e também negativamente, à questão do pedido reconvencional deduzido pela B" a qual, aliás, não invocou quaisquer factos que, provados, permitissem concluir pela procedência de semelhante pedido (aspecto já salientado no despacho que liminarmente indeferiu o pedido).<div>V</div>Do recurso da D:<br> Para além da inicialmente abordada, neste recurso são, ainda, suscitadas questões que respeitam aos seguintes pontos:<br> - natureza jurídica do contrato de seguro-caução celebrado entre a B e a D, importando saber se ele garante o cumprimento do contrato de locação ou o contrato de aluguer de longa duração celebrado entre a B e o réu C;<br> - concluindo-se que garante o contrato de locação, saber se o mesmo é nulo;<br> - pode a seguradora ser condenada a pagar as quantias correspondentes à indemnização e aos juros resultantes da resolução contratual?;<br> - qual a taxa de juros aplicável?.<br> 1. 1ª e 2ª questões<br> Aquando da apreciação do recurso da ré B foi esta matéria objecto de análise bastante.<br> Acrescentar-se-á, agora, o seguinte.<br> Entende a recorrente D que, não estando especificado no objecto das condições particulares da apólice a que rendas a mesma se refere, deve lançar-se mão dos protocolos juntos com a contestação (docs. 1, 2, 3, 4, 5), que tiveram por finalidade definir as relações comerciais entre a B e a D. Para acrescentar, de seguida, que os protocolos devem ser entendidos como contratos-quadro e as apólices emitidas no seu âmbito como contratos de aplicação, pelo que, na interpretação destas últimas, não pode buscar-se um sentido espelhado nas Condições Gerais que esteja em oposição como o teor dos contratos-quadro.<br> Certo é, porém, que mesmo sem pôr em causa a qualificação dos protocolos como contrato-quadro, se tem de reconhecer que o facto de se ter estabelecido um determinado quadro de acção por via protocolar, tal não significa ou implica, necessariamente, que o contrato seja outorgado em termos correspondentes.<br> Considerou o acórdão recorrido, na linha da decisão da 1ª instância, que do Protocolo então em vigor resulta que eram emitidos dois tipos de apólice: um, em benefício da B, em que seriam tomadores os clientes desta para garantia das prestações dos ALD, e outro, em benefício da locadora financeira, em que a B poderia ser tomadora.<br> E dos pontos 10 e 11 da matéria de facto não resulta, ao menos de forma inelutável, que o contrato de seguro-caução aqui em causa tenha sido emitido no âmbito dos mencionados protocolos e com o fim referido no ponto 11 da matéria de facto - a circunstância de, no objecto das condições particulares, não se fazer referência ao tipo de rendas era quanto a isso impeditivo (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 04-11-99, CJSTJ, ano 1999, tomo III-140, de 22-02-00, Proc. nº 995/99, de 16-05-00, Proc. nº 134/00, e de 27-11-01, Proc. nº 2480/01).<br> <br> 2. 3ª questão:<br> <br> A autora pediu a condenação no pagamento:<br> - das rendas vencidas e não pagas, no total de 481.275$00;<br> - de uma indemnização por perdas e danos no montante de 40.306$00;<br> - de juros de mora, vencidos e vincendos, sobre essas quantias.<br> Ré e chamada foram condenadas a pagar, solidariamente, a quantia global de 614.055$00, em que se inclui a indemnização de 40.306$00 e correspondentes juros.<br> Vem a recorrente suscitar a questão da sua responsabilidade pelo pagamento dessa indemnização e juros respectivos.<br> E tem razão, segundo nos parece.<br> 1. O contrato de seguro teve por objecto a garantia do pagamento de 12 rendas trimestrais, pelo prazo de 36 meses, com início em 29-07-92 e termo em 28-07-95 (ponto 10 da matéria de facto).<br> Das Condições Gerais do contrato de seguro-caução (cfr. fls. 79-80) - documento que não foi impugnado pela seguradora ou pela autora e que integra o seguro em causa - consta que a D, com base na proposta subscrita pelo tomador do seguro e de acordo com o convencionado nas Condições Gerais, Especiais e Particulares do contrato, garante ao beneficiário pela presente apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro, em caso de incumprimento, por este último, da obrigação garantida, conforme se expressa nas Condições Particulares (artigo 2º).<br> Também da cláusula 11ª, nº 5, das Condições Gerais do contrato de seguro-caução resulta que, havendo direito à indemnização, o beneficiário tem o direito de ser devidamente indemnizado pela D no prazo de 45 dias a contar da interpelação.<br> 2. Ora, dúvidas não há de que a seguradora nunca antes da citação para a presente acção foi interpelada para pagar.<br> Como assim, face ao clausulado no contrato de seguro - e, sabendo-se que a apólice de seguro constitui um documento ad substantiam, a declaração dela constante não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do CC -, a responsabilidade da seguradora resume-se às rendas devidas pelo contrato de locação financeira e não também à indemnização e juros decorrentes da sua resolução (neste sentido, o acórdão do STJ de 18-01-01, Proc. nº 3749/00; também no acórdão de 16.12.99, Proc. nº 883/99, este Supremo entendeu que, sendo a obrigação da seguradora uma obrigação própria, não pode responder por qualquer indemnização decorrente da resolução do contrato).<br> Nesta parte, a revista merece, pois, proceder.<br> <br> 3. 5ª questão:<br> Estamos perante questão nova, não submetida aos tribunais de instância, pelo que está vedado a este Supremo Tribunal dela conhecer.<br> Além de que sempre estaria, de algum modo, prejudicada face à solução dada à questão precedente.<br> <br> Termos em que se nega a revista da ré B e, na parcial procedência da ré D, se revoga o acórdão recorrido na parte respeitante à sua condenação na indemnização de 40.306$00 (201,05 Euros) e juros correspondentes, em tudo o mais se confirmando o acórdão.<br> Custas a cargo das rés B (a quem, no apenso, foi negado o apoio judiciário) e D (esta, na proporção do respectivo decaimento).<br> Lisboa, 23 de Abril de 2002<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro,<br> Lemos Triunfante.<br> ------------------------------------------<br> (1) Lapso?<br> (2) Estas causas de nulidade não têm no corpo das alegações o necessário suporte, pelo que delas não há que cuidar<br> (3) Para maiores desenvolvimentos sobre a matéria, veja-se Lopes do Rego, - Os incidentes de Intervenção de Terceiros em Processo Civil", Revista do Ministério Público, ano 5º, vol. 17, pp. 81 e ss.<br> (4) Cfr. acórdão de 22.02.2000, Proc. nº 995/99.)<br> (5) António Pinto Monteiro, - Cláusula Penal e Indemnização", 1990, p. 265.<br> (6) Almeida Costa e Pinto Monteiro, Parecer publicado na CJ, ano XI, 1986, tomo 5, pp. 15 e ss.<br> (7) Notas para o estudo do Contrato de Garantia Bancária", Revista de Direito e Economia, 1982, separata, pp. 247 e ss.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> "A" propôs contra B acção a fim deste prestar contas da sua administração, relativamente aos anos de 1984 a 1998, do estabelecimento comercial "........." que a ambos foi deixado por testamento, de 84.06.06, seu pai C, falecido em 84.10.13.<br> O réu contestou a obrigação de as prestar - por, até ao trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha, em 97.02.13, o deverem ser pelo cabeça-de-casal (a mãe de ambos, D), e por, após o trânsito, autor e réu serem comproprietários, situação em que ao comproprietário não assiste o direito a exigir a prestação de contas aos demais -, além de que o autor sempre teve acesso à contabilidade e respectivos documentos e lhe foram prestadas as informações que pediu, sendo ainda que o estabelecimento está inactivo (sem receitas nem despesas) desde 1997.<br> Prosseguiu o processo, tendo sido proferida sentença a julgar procedente a contestação (por se não ter provado que se tenha negado a prestá-las ou que ao autor tenha sido vedada a consulta da contabilidade, além de se ter provado que o estabelecimento em causa há muito não apresenta quaisquer receitas, sendo que a partir de 1997 deixou de apresentar também despesas, estando há muito inactivo).<br> Apelou, com êxito, o autor.<br> Inconformado agora o réu, pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br> - desde a morte do pai do autor e do réu, que em testamento a cada um deixou o direito a metade do estabelecimento comercial, até 97.02.13 foi responsável pela herança o cabeça-de-casal, mãe de ambos, só a esta podendo o autor pedir contas;<br> - partilhada a herança, o estabelecimento passou a ser objecto de compropriedade na proporção de metade para cada um;<br> - o comproprietário não tem direito a exigir a prestação de contas aos demais;<br> - provou-se que desde 1995 o estabelecimento deixou de auferir quaisquer receitas e que desde Agosto de 1997 passou a não ter despesas, pelo que desde então deixaram de existir quaisquer contas a prestar,<br> - e, em consequência, não há obrigação de tanto;<br> - cabia ao autor a prova de que não aprovou as contas oferecidas extrajudicialmente pelo réu, pois que é facto constitutivo do seu direito a pedir a prestação judicial;<br> - pelo contrário, provou-se, com aceitação do autor, que até 97.07.18, acompanhado do seu oficial de contas, que teve acesso às contas do estabelecimento, com exame de todos os elementos que pretendia e, ainda, que a partir de Agosto de 1997, este, que já não tinha quaisquer receitas desde 1995, passou também a não ter quaisquer despesas, pelo que,<br> - enquanto houve contas a prestar, a elas teve acesso não lhes deduzindo oposição alguma;<br> - porque deduz pretensão, cuja falta de fundamento bem conhecia, omitindo factos essenciais, deve o autor ser condenado como litigante de má fé, em multa e indemnização que inclua os honorários dos mandatários do réu, a fixar pelo tribunal;<br> - violado o disposto nos arts. 2093, 1407 n. 1 e 342 n. 1 CC.<br> Contraalegando, defendeu o autor a confirmação do acórdão.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto que as instâncias deram como provada: <br> a) - autor e réu são filhos do falecido eng. C;<br> b) - por testamento de 84.06.06, o pai do autor e réu deixou, a cada um deles, o direito a metade do estabelecimento comercial "......", com sede na Rua .........., ..... - 1°, Lisboa;<br> c) - o eng. C faleceu em 84.10.13;<br> d) - desde então e até ao presente, o réu tem exercido a administração efectiva do referido estabelecimento comercial;<br> e) - o autor deslocou-se várias vezes à sede do estabelecimento, acompanhado pelo seu técnico oficial de contas, E;<br> f) - a mesma herança foi objecto de partilha através de inventário facultativo que, sob o n° 5467, correu seus termos pela 2ª secção do 6° Juízo Cível da Comarca de Lisboa, e terminou por ac. do S.T.J. de 30.01.97, transitado em 13.02.97, que, revogando ac. da Relação, confirmou a sentença homologatória da partilha;<br> g) - efectuada a partilha, o estabelecimento coube, na proporção de metade, para autor e réu;<br> h) - no dito inventário foi cabeça de casal a mãe do réu e do autor, D;<br> i) - em vida do pai, eng. C, o estabelecimento tinha duas máquinas - uma retro-escavadora e um cilindro - que alugava principalmente à "H", de que era sócio maioritário também o falecido eng. C, sendo os outros sócios a mulher, Judith, e os dois filhos, os ora autor e réu;<br> j) - o estabelecimento "........." tinha pelo menos 2 empregados - F e o mecânico G - que também cedia a "H";<br> l) - após a sua morte as coisas continuaram a processar-se do mesmo modo, acabando a retro-escavadora por se inutilizar e deixou de ter valor até como sucata, e sendo em 1994 o cilindro vendido para sucata;<br> m) - a partir de 1995 inclusive, o estabelecimento deixou de ter receitas e passou a ter apenas despesas, consistentes nas remunerações do dito mecânico e respectivos encargos sociais;<br> n) - à data em que deixou de haver herança indivisa após a partilha, o estabelecimento apresentava um saldo negativo que se manteve;<br> o) - o autor foi gerente da "H" até 97.07.18, deslocando-se ao respectivo escritório, onde a escrita do estabelecimento dos autos era feita por empregados da sociedade, com quem o autor falava e que o informavam do que se passava e lhe davam todos os elementos que pretendia;<br> p) - o mecânico G reformou-se em Agosto de 1997, e a partir de então o estabelecimento, que já não tinha quaisquer receitas desde 1995, passou também a não ter quaisquer despesas;<br> q) - o gabinete da contabilidade do escritório de "H" foi fechado à chave por ordem do réu que não facultou o duplicado ao autor.<br> <br> Decidindo: <br> <br> 1 - Na sentença, decidiu-se que quem administra bens em parte próprios e em parte alheios é obrigado a prestar contas dessa administração ao titular dos bens ou negócios e que foi o réu quem efectivamente administrou o estabelecimento desde a morte do pai de ambos.<br> Porém, analisando a questão sob o prisma «da necessidade de prestação de contas por parte do réu» (fls. 228), o tribunal concluiu «no sentido da não obrigatoriedade» uma vez que esta «tem como fundamento a existência de verbas que hajam sido recebidas, sem que fosse dado conhecimento do seu valor e destino, pelo que ficando demonstrado que não houve recusa de prestação de contas, não sendo recebidas quaisquer quantias, nem exercendo o estabelecimento actividade não se justifica o prosseguimento destes autos» (fls. 231).<br> Da sentença apelou o autor, contestando esta perspectiva da fundamentação.<br> O réu, vencedor, não requereu a ampliação do âmbito do recurso muito embora tivesse decaído num fundamento da defesa - o principal - inexistência da obrigação de prestar contas uma vez que, num primeiro período, só ao cabeça de casal poderiam ser pedidas e, para o segundo, não estabelece a lei tal obrigação pelo comproprietário.<br> À Relação bastaria, para decidir a apelação, afastar, como fundamento da solução de direito, a «necessidade de prestação de contas por parte do réu». Porém, não foi esse o caminho seguido pelo acórdão recorrido - antes e apenas, afirmou que o réu tinha a obrigação de as prestar e que, caso as tivesse prestado extrajudicialmente, não provou, como lhe cumpria, que o autor as aprovara.<br> O problema tal como é posto na petição inicial não é de legitimidade processual, antes surge como questão de fundo - ter quem administra bens alheios, independentemente da causa para tanto, a obrigação de prestar contas ao titular ou co-titular desses bens.<br> As instâncias concordam na existência dessa obrigação. A divergência reside em que, na sentença, a decisão final passou a depender da «necessidade» em as prestar e, no acórdão, se as não tiveram por prestadas na medida em que o réu não provou que tivessem sido aprovadas pelo autor, caso as tivesse apresentado.<br> Não se tendo o réu socorrido do disposto no nº 1 do art. 684-A CPC, não pode agora suscitar essas questões (a elas se referem as 3 primeiras conclusões), não tem legitimidade para tanto. Não há que delas conhecer, portanto.<br> 2 - A distinção entre obrigação (jurídica) em prestar contas e necessidade em as prestar é o suficiente para tornar irrelevantes as duas conclusões seguintes.<br> Mas o efeito pretendido com elas revela-se desde logo incongruente com a contestação - aí se afirma não só um saldo negativo do estabelecimento quando «deixou de haver herança indivisa» (art. 14), ou seja, em 97.02.13, acumulado com as despesas entre essa data e 97.08.31 (arts. 22 e 24) e que o réu é credor do autor por um determinado valor (art. 25).<br> Indirectamente se está a reconhecer a obrigação de prestar contas em qualquer dos dois períodos e de que, julgadas prestadas, o autor será convencido que é devedor do réu.<br> O resultado da prestação de contas, ainda que a sua expressão possa eventualmente vir a ser nula, em nada interfere com a obrigação de as prestar - esta é decidida em momento anterior e é dela (da decisão sobre a existência da obrigação) que a prestação em si depende.<br> 3 - Apesar de na sentença se considerar que o autor sempre teve acesso à contabilidade do estabelecimento, nela não se deu como provado que o réu tivesse apresentado as contas ao autor.<br> A idêntica conclusão chegou a Relação, que, contudo, chamou a atenção para um outro aspecto - a prestação não se satisfaz com a mera apresentação de contas, requerendo também a prova da sua aprovação e essa não foi feita.<br> Na medida em que a prova da sua aprovação é a prova do cumprimento da obrigação, a alegação da aprovação constitui a alegação de um facto extintivo da obrigação e, como tal, onerado com a sua prova estava o réu (CC- 342, n. 2).<br> Defende o réu que houve aprovação (a existir, ter-se-ia manifestado de forma tácita).<br> Ter acesso à contabilidade e examinar documentos é diverso de apresentar as contas.<br> Todavia, não tendo sido apresentadas as contas, não poderiam ter sido aprovadas, o que é claro.<br> Ainda que a intenção do réu pudesse eventualmente ser a de que, na prestação, quando muito se pudesse considerar ter havido irregularidade ou defeito da prestação que diz realizada, a questão assim posta só teria razão de ser se colocada relativamente à segunda fase deste processo especial.<br> A obrigação de prestação de contas decorre de uma outra de carácter mais geral, a de informar (ac. STJ in B. 340/400), e, por isso, ao seu credor é lícito recorrer a este processo especial quando a tenha por incumprida.<br> Se o incumprimento fosse integrado não pela sua falta, e sim, pelo que o autor tivesse como defeito, teria o tribunal, a quem a resolução do conflito é pedida, de se pronunciar a fim de determinar se haveria lugar à abertura da segunda fase.<br> A pronúncia do tribunal assenta em critério objectivo, não na subjectividade da apreciação apresentada pelas partes - irá definir se o alegado "defeito" da prestação prejudica ou não o fim da obrigação, sem que, com isso, se esteja a imiscuir no conhecimento que é próprio dessa segunda fase do processo.<br> Afigura-se assim errado pretender-se que a primeira fase possa ser decidida em função da acessibilidade do autor à contabilidade e exame de documentos, sem qualquer outro facto a revelar a prestação - a questão nesta fase não se coloca em termos de saldo nem dos itens (receitas obtidas e despesas realizadas) para se o alcançar, não havendo que nesta os discutir.<br> <br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 23 de Abril de 2002<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques.</font>
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IjL0u4YBgYBz1XKv8WJu
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A embargou, com base em ilegitimidade do exequente e aquisição de má fé, a execução para pagamento de quantia certa que B lhe move, pedindo, além da procedência dos embargos, a condenação deste como litigante de má fé.<br> Contestando, o exequente impugnou os factos e pediu a condenação do embargante, como litigante de má fé, na indemnização de 400000 escudos.<br> No saneador improcedeu a excepção de ilegitimidade e, prosseguindo o processo até final, improcederam os embargos.<br> Apelou, sem êxito, o embargante.<br> Novamente inconformado e pretendendo ou a anulação do acórdão, a fim de ser ampliada a matéria de facto, ou, mantendo-se inalterável a dada por provada em 1ª instância, se declare nulo o título executivo, concluiu, em suma e no essencial, em suas alegações:<br> - alegou nos artigos 4º a 18º matéria de facto conducente à prova que o recorrido adquiriu, de má fé ou com falta grave, a letra, o que, de todo, foi ignorado na Base Instrutória;<br> - pois apenas quesitou factualidade referente à sacadora C, irrelevante aqui, quando o que alegou, nos embargos, foi a referida ao sacador D, única que interessava;<br> - a factualidade assente em 1ª instância foi alterada pela Relação passando a considerar o D como sacador, quando ali fora dado como assente que sacadora era C;<br> - não a tendo assinado, a letra não chegou a ser emitida, inexistindo e não produzindo os efeitos próprios desta;<br> - não podia a Relação modificar/alterar a matéria de facto, devendo o título ser declarado nulo por ser sua sacadora a C;<br> - violado o disposto nos artigos 264, 511, 712-1 e 4 do CPC e 1-8 e 2 da LULL.<br> Sem contra-alegações.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto considerada provada:<br> A) Pela Relação:<br> 1) - o embargado é portador de uma letra de câmbio no valor de 2700000 escudos, datada de 12 de Agosto de 1997, vencida em 20 de Setembro de 1997, assinada pelo embargante no espaço destinado ao aceite e na qual C vem referida como sacadora;<br> 2) - do verso da mesma constam a menção dactilografada "sem despesas" e uma assinatura semelhante à aposta no espaço destinado á assinatura do sacador, sem qualquer outra referência;<br> 3) - quando o embargante aceitou a letra, devia cerca de 5000000 escudos a D, cuja assinatura vem no rosto da letra, no lugar destinado á assinatura do sacador.<br> B) Pela 1ª Instância:<br> 1) - o embargante/exequente é portador de uma letra de câmbio, ora junta a fls. 26, emitida em Macedo de Cavaleiros, em 12 de Agosto de 1997, com vencimento em 20 de Setembro de 1997, com o valor de 2700000 escudos, em que figura como sacadora C e como sacado A, que também assinou no local destinado ao aceite, constando ainda do seu verso a menção, dactilografada "sem despesas" e uma assinatura similar à aposta no local destinado à assinatura do sacador, sem qualquer referência;<br> 2) - quando o embargante/executado aceitou a letra, referida em 1), devia ao D, cuja assinatura figura na referida letra, no lugar destinado à assinatura do sacador, cerca de 5000000 escudos.<br> <br> Decidindo:<br> 1. - Por uma questão de prioridade lógica cumpre começar pela acusação de modificação da matéria de facto dada como provada sem que o disposto no artigo 712º do CPC desse cobertura a tanto e, apenas depois, conhecer-se da necessidade de ampliação da decisão de facto (CPC - 729,3).<br> A conclusão 3ª desdobra-se em dois planos que o recorrente pretende confundir num só.<br> Assiste à Relação, a quem compete a fixação da matéria de facto sobre que será traçado e aplicado o direito, o poder-dever de alterar a decisão de facto da 1ª instância nos casos em que os elementos de prova imponham, sem possibilidade de destruição por outra prova, a fixação de diferente factualidade.<br> In casu, a relação procedeu a uma precisão clarificadora de acordo com o teor da letra, no que respeitou a sua literalidade - nada alterou relativamente ao fixado pela 1ª instância (um simples confronto é suficiente para o evidenciar). Não merece, pois, qualquer censura a decisão de facto proferida pela Relação.<br> A discordância do recorrente situa-se já não no plano de facto mas de direito, todavia não é deste que tem de curar a fixação da factualidade provada e, na realidade, qualquer das instâncias respeitou o limite que lhe é traçado na respectiva decisão.<br> Não havia que aí se definir quem era o sacador e sim que fixar os factos para, de direito, o julgador dever definir quem foi o sacador e qual a relevância de uma tal conclusão para o caso sub judice.<br> Foi quanto a este aspecto jurídico que as instâncias divergiram, escudando-se o recorrente na decisão da 1ª instância (embora fazendo tábua rasa da análise e conclusão sobre o problema do endosso e que lhe foi desfavorável).<br> <br> 2. A necessidade (ou não) de ampliação da matéria de facto depende da conclusão sobre quem foi sacador.<br> Na realidade, e como salientou a Relação, o que o recorrente articulou tomou por base que o sacador, quem ele próprio tinha e teve como sacador, o exequente. Nessa medida, a versão que apresentou ficou prejudicada pela resposta ao quesito 1º (a al. 3 da matéria de facto).<br> Oportunamente salientou ainda a Relação que, embora o questionário estivesse deficiente, não reagiu o recorrente quer quanto a tal quer quanto ao facto de a resposta ao quesito 1º ser completamente diferente do que se perguntava (analisando o processo, acrescente-se que tal resposta respeita o que em tempo fora alegado no artigo 10º da contestação a fls. 15 impugnando o expresso no artigo 15º da petição de embargos).<br> A concluir-se que sacador foi D e não C desinteressa a requerida ampliação.<br> <br> 3. Entendeu-se, na sentença, que à divergência entre a pessoa identificada na letra como sacadora e a que a, como tal, a assina se deve aplicar, por analogia o que, quanto às sociedades comerciais, se verifica em termos de a vincular, pelo que há vício de forma do saque, o que o torna nulo (fls. 62-63).<br> Por seu turno, a relação resolveu a divergência a favor de quem, intervindo na letra, emite a declaração de vontade cambiária que, in casu, foi o D que, assinando, deu ao sacado a ordem de pagamento (fls. 81).<br> Interessa analisar a questão primeiramente pelo aspecto formal que aqui foi esquecido.<br> A letra é de 1997 e o seu impresso (a fls. 26) é aquele que a Portaria 142/88, de 4 de Março, no seu nº 1.2.2. define como "letras destinadas a utilização geral, avulsa".<br> Lendo-se essa portaria observa-se que se trata do único modelo em que o "nome e morada ou carimbo do sacador" aparece.<br> Inseriu-se ela no objectivo de possibilitar o tratamento informático da letra e livranças que teve início do DL 387-G/87, de 30 de Dezembro que visou a normalização deste títulos cambiários.<br> O seu escopo não foi definir quais os requisitos - essenciais e não essenciais - das letras e livranças, definidos estes pela LULL, que por ela não podia ser revogada nem alterada já que lei superior.<br> Sendo assim, a concreta divergência surgida - e a que se presta este novo modelo de letra - tem de ser resolvida face à LULL.<br> <br> 4. A letra é essencialmente uma ordem de pagamento que o sacador dá ao sacado, em seu favor ou de terceiro (tomador), ficando responsável pelo próprio pagamento caso o sacado a não aceite ou o não efectue (se tomador for o próprio sacador, não existirá qualquer obrigação cambiária antes de o sacado aceitar a letra ou antes de o sacador a endossar - com o aceite surge a obrigação cambiária do aceitante para com o tomador ou para com o portador a quem a letra for endossada; se o endosso for anterior ao aceite, é a obrigação do sacador que surge, para com o portador do título, de fazer aceitar e pagar a letra pelo sacado e, na sua falta, de ele próprio a pagar).<br> A Conferência de Genebra não sentiu necessidade de, relativamente ao sacador, exigir como elemento essencial da letra mais que a sua assinatura, tendo a discussão girado em torno do que se deve entender como "assinatura" (essencial que, com a assinatura, se possa individualizar a pessoa do sacador, sem possibilidade de equívocos e sem necessidade de recorrer a elementos estranhos ao título, como assinalaram Marnoco e Sousa e J. G. Pinto Coelho).<br> A eficácia da letra depende de certos requisitos e um deles é a assinatura do sacador, pois que, ao emitir a letra, garante a sua aceitação e o pagamento e, assinando-a, determina a criação de um título considerado pela lei.<br> Daí. os artigos 1-8, 2-1 e 9-I da LULL (já antes da LULL, o CCom888 se limitava, quanto ao emitente da letra, a exigir a sua assinatura).<br> Porque a letra é uma ordem de pagamento é indispensável que, de modo inequívoco, seja designada no título a pessoa a quem essa ordem é dada.<br> Dada a característica da literalidade, a identificação dessa pessoa há-de ser feita no título e apenas e sempre com o nome da pessoa a quem a ordem é dada (a sua morada ou domicílio, se bem que seja mais um elemento para a sua identificação, ganha maior relevo na indicação, muito importante mas que não constitui requisito essencial da letra, do lugar de pagamento).<br> O sacado, pelo facto de exprimir o aceite - o que faz apondo a sua assinatura, obriga-se a pagar a letra à data do seu vencimento. Requisito essencial, pois.<br> Tal diferença de posição e de responsabilidade justifica a maior exigência na identificação do sacado e que quanto ao sacador seja suficiente a sua assinatura.<br> Daí, os artigos 1-3 e 5, 2-III, 4-I, 25-I e 28-I da LULL (como J.G.Pinto Coelho observou, a LULL sancionou aqui a doutrina que o nosso CCom888 consignava).<br> <br> 5. A concreta divergência que, no presente caso, surgiu irrelevante à face da LULL.<br> Não afecta quer a existência, quer a validade, quer a eficácia da letra ajuizada.<br> Apenas constitui, para a Portaria 142/88, uma irregularidade com efeitos que não afectam a constituição da obrigação cambiária (o facto de apenas nas alegações escritas, a fls. 56-57, ter sido suscitado o problema não impedia o seu conhecimento pois que o fora como nulidade do título dado à execução e esta, a nulidade, é de conhecimento oficioso).<br> Para a definição de quem foi o sacador desinteressa, porque elemento estranho ao título, o reconhecimento feito pelo recorrente nos embargos que deduziu e que a Relação chamou à colação (fls. 81).<br> Recorrendo-se ao título, observa-se que quem deu a ordem de pagamento ao sacado (que, aceitando-o, se obrigou ao seu pagamento), quem, assinando, o emitiu produzindo a declaração de vontade nesse sentido foi o D. Este, portanto, o sacador.<br> <br> 6. A defesa consistente em o exequente ser portador de má fé parte do facto de o sacado nada dever ao sacador, antes dele sendo credor, o que bem conhecia quando, por endosso, do mesmo recebeu a letra no propósito de impossibilitar que o executado lhe pudesse opor, com êxito, a respectiva excepção.<br> Embora o recorrente não tenha reagido contra o questionário (por formulação deficiente), o que lhe retirou a legitimidade para discutir essa elaboração em sede de recurso da decisão final (ac. STJ de 17 de Junho de 1997 in CJSTJ V/2/126), pode o STJ fazer, oficiosamente, baixar o processo se entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (CPC - 729, n. 3).<br> Todavia, porque a base em que tal defesa assentou não se provou, bem pelo contrário (cfr. al. 3 da matéria de facto), desnecessária se torna a ampliação da decisão de facto - os embargos sempre iriam improceder.<br> <br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> <br> Lisboa, 06 de Junho de 2000.<br> Lopes Pinto,<br> José Saraiva,<br> Garcia Marques.</font>
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IjL5u4YBgYBz1XKvgGiv
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, por si, e como cabeça de casal das heranças indivisas deixadas por Manuel Ribeiro e Corálio Pinto Cardoso, intentou contra B e mulher C, todos com os sinais dos autos, a presente acção com processo ordinário, pedindo: <br> 1º - Que os RR. sejam condenados a restituírem à A. os seguintes bens: <br> a) Um prédio rústico denominado "Lama Grande", sito nos limites de Temonde, freguesia de S. Martinho de Mouros, concelho de Resende, composto por terra de cultura, regadio, sequeiro, oliveiras, cerejeiras, fruteiras e pastagem, com a área de 13200 m2, o qual está, hoje, integrado no prédio rústico inscrito na matriz sob o artº 341, sendo que aquela área antes correspondia às antigas inscrições matriciais sob os artºs 1501, 1502 e 1503 daquela freguesia e tinha primitivamente as seguintes confrontações: do nascente com a estrada, do poente e norte com herdeiros de António Gonçalves e Abel Pereira Cardoso, do poente, também com o rego de consortes e do sul com o caminho;<br> b) Um prédio rústico de vinha denominado "Capuchinha", com a área de 250 m2, sito no lugar do mesmo nome, da freguesia de S. Martinho de Mouros, que confronta do norte com José Teixeira Duarte, do nascente com Osório Vieira, do sul com o caminho e do poente com José Teixeira Duarte, inscrito na matriz sob o artº 346 rústico;<br> c) Uma casa de habitação de rés-do-chão e um andar, sita na Lama Grande, limite de Temonde referido, que confronta de todos os lados com o proprietário tem a área coberta de 73 m2 e está inscrita na matriz sob o artº 877.<br> 2º - Que sejam ainda condenados a indemnizarem a A., enquanto cabeça de casal das citadas heranças, pelos prejuízos que estas estão a ter por não receberem rendimentos gerados por aqueles prédios rústicos, respeitantes aos três últimos anos e aos que ocorrerão até à entrega efectiva dos terrenos, a liquidar em execução de sentença.<br> 3º - Posteriormente, na audiência de discussão e julgamento, foi admitida a ampliação do pedido por forma a que se declare que as heranças deixadas por Manuel Ribeiro e Corálio Pinto Cardoso são comproprietárias, na proporção de 17/18 e 1/18, respectivamente, dos referidos bens.<br> A A. alegou, em resumo o seguinte: (a) As heranças deixadas por Manuel Ribeiro e Corálio Pinto Cardoso são comproprietárias dos prédios supra referidos na proporção de 17/18 e 1/18, respectivamente, por os haverem adquirido por usucapião e por sucessão; (b) Há cerca de oito anos, os RR. estão a deter tais prédios sem qualquer título e contra a vontade da A., arrogando-se donos dos mesmos; (c) Desta actuação derivam prejuízos para as heranças, correspondentes aos rendimentos líquidos dos referidos prédios rústicos, de valores não apurados.<br> Citados, os RR, após deduzirem o chamamento à autoria dos irmãos e filhos da A.- fls.38 e 39 -, contestaram e deduziram reconvenção - cfr. fls. 98 e segs.<br> Impugnando parte dos factos, alegaram, resumidamente, que: (a) O cabeça de casal da herança aberta por óbito de Manuel Ribeiro foi o filho Manuel de Almeida Ribeiro, o qual foi incumbido por todos os irmãos e pelo marido da A. de vender alguns prédios da herança do Manuel Ribeiro, entre os quais os referidos na petição inicial; (b) Em 25-03-1981, o Manuel de Almeida Ribeiro, em nome de todos os herdeiros, prometeu vender ao R., que prometeu comprar, os prédios denominados "Lama Grande" e "Capuchinha" pelo preço de 2000000 escudos, que pagou, tendo a A. e o seu falecido marido recebido a sua parte; (c) A partir da data do negócio, os RR. entraram na posse daqueles prédios, comportando-se como seus donos, sem oposição de ninguém; (d) De imediato fizeram obras, tendo aumentado o valor dos imóveis em mais de 4000000 escudos.<br> Mais alegaram continuar interessados na formalização do negócio.<br> Concluem, pedindo:<br> A) Que se declare que os prédios identificados nas als. a), b) e c), formando este com o primeiro um prédio misto sem qualquer autonomia, são declarados vendidos aos RR. pela A. e irmãos, mediante o preço de 2000000 escudos, que já receberam;<br> B) Subsidiariamente, que se declare que aqueles mesmos prédios são propriedade dos RR., por os haverem adquirido por acessão imobiliária, com dispensa de pagamento de qualquer preço, por já se encontrarem pagos;<br> C) Ou que se efectue a redução do contrato promessa, por forma a considerar-se vendidos aos RR. o direito e acção que os restantes oito irmãos têm nos mesmos imóveis, tendo em conta que nenhuns outros há para partilhar;<br> D) Ou, ainda subsidiariamente, que se condene a A. e os chamados, solidariamente, a devolver aos RR. o sinal e o preço entregue em dobro, e ainda a indemnização de 4000000 escudos, valor das obras feitas e valorização do imóvel, e juros legais a partir da citação ( ) Presume-se que se quis dizer da notificação daquele pedido.), acrescida de outra indemnização, a liquidar em execução de sentença, por responsabilidade pré-negocial da A.;<br> E) E que se reconheça aos RR. o direito de retenção sobre os ditos imóveis até integral reembolso da importância ou importâncias em que a A. vier a ser condenada a pagar-lhes.<br> Replicando, a A. aceitou que o cabeça de casal da herança deixada por Manuel Ribeiro foi Manuel de Almeida Ribeiro, facto que não lhe retira legitimidade para desencadear e sustentar a presente acção, uma vez que age por si, enquanto comproprietária de um dos prédios e como cabeça de casal da herança deixada por seu marido. Negou ter incumbido o Manuel de Almeida Ribeiro de vender quaisquer bens da herança e ter recebido qualquer preço e alegou que ela e seu marido sempre manifestaram ao cabeça de casal e aos demais herdeiros o desejo de adquirirem os prédios em causa. Mais alegou que a pretensa venda é nula por falta de forma e que a promessa de venda não lhe é oponível visto não ter assinado o respectivo documento cujo teor não corresponde à matéria alegada; que os RR. sempre souberam da oposição da A. e de seu marido a que eles tomassem posse dos prédios e que nunca deram consentimento para a realização das obras que diz desconhecer.<br> Foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a legitimidade da A. e se absolveu a mesma da instância reconvencional na parte referente aos pedidos A), B) e C). Foram organizados especificação e questionário de que não houve reclamação.<br> Os RR., inconformados com a decisão de absolvição da A. da instância reconvencional na parte referente aos referidos pedidos, interpuseram recurso do despacho saneador, que foi admitido como de agravo a subir com o primeiro que, depois dele, houvesse de subir imediatamente - fls. 122 e 135.<br> Realizado o julgamento com observância das formalidades legais, foi decidida, por forma a não merecer qualquer reparo, a matéria do questionário.<br> Proferida sentença em 24-11-97, foi decidido julgar a acção improcedente, absolvendo-se os RR. dos pedidos, mais se declarando inútil a reconvenção - fls. 217-231.<br> Inconformada, apelou a A., tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16-11-98, decidido: (a) não conhecer, por prejudicado, do recurso de agravo interposto pelos RR.; (b) e julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida - fls 255-263, vs.<br> Ainda inconformada, traz a A. a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> <br> 1. Os RR. adquiriram os prédios descritos na alínea C) e G), o R. marido pagou o preço e os RR., a partir de 25/3/81, entraram no uso e fruição dos referidos prédios e passaram a comportar-se, em relação a ambos, como seus donos - Quesitos U), V), W) e X).<br> 2. Os RR., nos termos do nº 1 do artº 1260º estavam na posse de boa fé. O fenómeno da acessão não tem lugar quando o incorporante não é estranho aos terrenos que estavam na sua posse.<br> 3. "Acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto com ela; esse terceiro pode ser simples detentor ocasional" - Prof. Vaz Serra, in R.L.J., Ano 106, pág. 109.<br> 4. Um dos meios pelos quais se pode adquirir por acessão é o de o agente incorporador ter realizado a incorporação com autorização do dono da obra - nº 4 do artº 1340º do Cód. Civ.<br> 5. A autorização referida nos autos foi concedida pelo cabeça-de-casal (quesito ww).<br> 6. Mas o cabeça-de-casal não é dono dos terrenos em causa. Ele é um mero administrador cujos poderes lhe não conferem aquele direito de autorizar.<br> 7. A autorização duma incorporação, em terrenos de herança, só pode ser autorizada por todos os herdeiros - S.T.J., 16/6/1972 - BMJ nº 218, pág. 252.<br> 8. Assim, faltando aquela autorização, a acessão não pode ter lugar por carecer de autorização legal.<br> 9. O douto Acórdão, ora recorrido, confundiu o custo das incorporações feitas com o valor que aquelas tivessem trazido à totalidade do prédio.<br> 10. É do conhecimento vulgar que aqueles custos raramente coincidem com os valores referidos na disposição citada.<br> 11. O que importa avaliar não é o somatório dos custos mas antes que valor acrescentado trouxeram aos terrenos descritos nas alíneas C) e G), nos termos dos três primeiros números do artº 1340º.<br> 12. Por outro lado, a douta decisão recorrida não tomou em consideração que se trata de dois terrenos distintos embora pertencentes à mesma herança.<br> 13. Não se procedendo à avaliação do valor acrescentado no primeiro e segundo prédios, ofende-se o preceituado nos três primeiros números do artº 1340º.<br> 14. De resto, não se sabe se a incorporação se verificou apenas quanto a um dos prédios ou a ambos e em que medida.<br> <br> Contra-alegando, os Recorridos pugnaram pela manutenção do julgado e, nos termos do artigo 684º-A, do Código de Processo Civil, requereram que o Tribunal ad quem conheça do fundamento do alegado "abuso de direito" por parte da A., caso seja necessário.<br> <br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>É a seguinte a matéria de facto dada como provada:<br> A) A A. é filha de Manuel Ribeiro e de sua mulher Laura Lacerda de Almeida.<br> B) A referida Laura faleceu em 25 de Maio de 1954.<br> C) Por seu óbito correu termos pelo Tribunal Judicial de Resende o processo de inventário nº 22/54, onde, entre outros bens, foi descrita uma propriedade denominada "Lama Grande", nos limites de Temonde, freguesia de S. Martinho de Mouros, Resende, que parte do nascente com a estrada, do poente com herdeiros de António Gonçalves e de Abel Pereira Cardoso e rego de consortes, do norte com herdeiros de António Gonçalves e de Abel Cardoso e do sul com o caminho, não descrita na Conservatória do Registo Predial, e inscrita na matriz urbana sob o artº 877 e na rústica sob os artºs 1501 (1/2), 1502 ((1/2) e 1503 (1/2), sendo a parte rústica composta de terra de alqueva com vinha e oliveiras e a parte urbana constituída por casa de habitação de rés-do-chão e um andar com a área de 73 m2.<br> D) Na partilha a que se procedeu nesse inventário veio a caber à A. 1/18 daquela propriedade.<br> E) Em 18 de Outubro de 1977 faleceu o pai da A.<br> F) A metade daquele mesmo prédio que não foi inventariada por óbito de Laura Lacerda de Almeida foi relacionada para efeitos de liquidação do imposto sucessório devido em razão do óbito de Manuel Ribeiro.<br> G) Neste acervo hereditário integra-se uma terra de vinha denominada "Capuchinha", com a área de 250 m2, sita no lugar do mesmo nome da freguesia de S. Martinho de Mouros, actualmente inscrita na matriz sob o artº 346 rústico, que confronta de norte e poente com José Teixeira Duarte, do nascente com Osório Vieira e do sul com o caminho.<br> H) O Manuel Ribeiro deixou como únicos herdeiros seus nove filhos, a saber: a A., e os chamados Maria Teresa, José Manuel, Deolinda, Joaquim, Manuel, Maria Laura, António Maria, e Luís Duarte, todos com os apelidos Almeida Ribeiro.<br> I) A A. foi casada com Corálio Pinto Cardoso, no regime de comunhão geral de bens.<br> J) Este faleceu em 13 de Novembro de 1986, na constância do matrimónio.<br> L) O Manuel Ribeiro esteve a cultivar o terreno denominado "Capuchinha", nele fazendo as plantações adequadas, nomeadamente, de vinha e os actos de granjeio necessários e, na época própria, colheu os respectivos frutos.<br> M) Esta sua actuação desenvolveu-se continuadamente desde, pelo menos, 25/5/54 até 18/10/1977.<br> N) O dito Capuchinho era pertença dos antepassados do Manuel Ribeiro, que lho transmitiram por herança.<br> O) Os prédios referidos em C) e G) estiveram inscritos na matriz em nome do Manuel Ribeiro e, antes, dos seus antecessores, durante mais de trinta anos.<br> P) Os RR., aproveitando a organização de novas matrizes levadas a cabo pela Repartição de Finanças de Resende, fizeram inscrever aqueles terrenos rústicos em seu nome, através de declaração feita à brigada que procedia ao cadastro.<br> Q) Da matriz rústica da freguesia de S. Martinho de Mouros consta o seguinte: terra de cultura, regadio e de sequeiro, com 98 oliveiras, 10 cerejeiras, fruteiras, pastagem e uma dependência agrícola, sita em Pera Longa ou Lama Grande; confronta do norte com José da Silva Roleta, do nascente com a estrada nacional nº 222 e Manuel Cardoso Ribeiro (Herd.º), do sul com António Miranda e Manuel Miranda e do poente com caminho de consortes, António Pereira e outros; tem a área de 32.930 m2; está inscrita na matriz sob o artº 341 e não se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial de Resende.<br> R) Este prédio tem esta definição e estas características desde que, há menos de cinco anos, entraram em vigor as novas matrizes rústicas da feguesia de S. Martinho de Mouros.<br> S) Nele está integrada a parte rústica do prédio referido em C).<br> T) O cabeça de casal da herança aberta por óbito de Manuel Ribeiro foi Manuel de Almeida Ribeiro, por ser o filho que com ele vivia há muitos anos aquando da sua morte.<br> U) Em 25 de Março de 1981, o cabeça de casal declarou vender ao R. os prédios referidos em C) e G) pelo preço global de 2000000 escudos, conforme documento de fls. 40, aqui dado por reproduzido.<br> V) Nessa data, o R. entregou ao Manuel Almeida Ribeiro 1300000 escudos, como início de pagamento.<br> W) Em 12-06-1981, o R. pagou mais 700000 escudos ( ) Cfr. documento de fls. 41.).<br> X) Os RR. entraram no uso e fruição dos prédios referidos em C) e G) a partir de 25/3/81 e passaram a comportar-se em relação a ambos como seus donos.<br> Y) Nunca nenhuma parte exigiu à outra a outorga de escritura para formalização do negócio.<br> Z) Os prédios especificados em C) e G) não foram partilhados pelos herdeiros do Manuel Ribeiro.<br> AA) Quando a Laura Lacerda de Almeida faleceu, ela e seu marido cultivavam o prédio referido em C) há, pelo menos, vinte anos.<br> BB) E já antes deles, por mais de vinte anos, o tinham feito os avós da A., de quem os seus pais herdaram.<br> CC) Uns e outros procederam ao respectivo granjeio directamente ou através de pessoal por si contratado.<br> DD) Nele fizeram plantações de vinha, oliveiras, cerejeiras e outras árvores de fruto.<br> EE) Demarcaram-no.<br> FF) E, na época própria, colheram os respectivos frutos que fizeram seus.<br> GG) A casa inscrita sob o nº 877 sempre foi por eles utilizada para recolher alfaias agrícolas, adubos e outros fertilizantes, bem como para habitação ou permanência de pessoas que estavam dedicadas ao cultivo do terreno rústico.<br> HH) Depois da morte da Laura, o seu viúvo e os seus filhos, entre eles a A., continuaram a providenciar pelo granjeio daquele terreno rústico e a colherem os respectivos frutos na época própria.<br> II) E continuaram a destinar a casa aos fins referidos em GG).<br> JJ) Todos estes actos desenrolaram-se continuadamente desde antes de 1940 até 25 de Março de 1981.<br> LL) Agiram todos, desde o princípio, por estarem convictos de serem donos daquele terreno e casa e de não lesarem o direito de outrem.<br> MM) Nunca alguém pôs em causa esta actuação da A. e seus antepassados.<br> NN) A actuação referida em L) foi prosseguida pelos herdeiros do Manuel Ribeiro até 25/3/81.<br> OO) Todos eles estiveram convictos, desde o início, de serem os donos da terra referida em G).<br> PP) E sempre consideraram que, com aquela actuação, não lesavam interesse ou direito de quem quer que fosse.<br> QQ) Todas as pessoas do local, nomeadamente os vizinhos do "Capuchinho", sempre respeitaram aquela actuação do Manuel Ribeiro, dos seus antepassados e depois dos seus herdeiros.<br> RR) O Manuel de Almeida Ribeiro foi incumbido por todos os irmãos de vender os prédios mencionados em C) e G).<br> SS) O Manuel de Almeida Ribeiro sempre declarou agir em nome e no interesse de todos os interessados e dentro dos limites dos poderes que lhe conferiram.<br> TT) O preço do negócio foi o pretendido por todos os interessados.<br> UU) Todos acordaram a modalidade de pagamento e a entrega dos prédios aos RR.<br> VV) A totalidade do preço foi distribuída, em partes iguais, pelos nove herdeiros, incluindo a A.<br> WW) Em Março de 1981, autorizados pelo cabeça de casal, os RR. efectuaram nos prédios referidos em C) e G) as seguintes obras:<br> - construíram um tanque de pedra e tijolo com capacidade de 18 m3, no que despenderam 200000 escudos;<br> - repararam outro tanque, no que gastaram 46000 escudos;<br> - surribaram 2200 m2 de terreno para plantação de cerejeiras e pessegueiros, despendendo 400000 escudos;<br> - construíram 500 m2 de ramadas de bordadura em pedra e arame, no que despenderam 100000 escudos;<br> - desobstruíram uma mina com 32m de comprimento e colocaram três metros de capelos, no que despenderam 120000 escudos;<br> - plantaram 120 videiras, no que gastaram 12000 escudos;<br> - plantaram 45 pessegueiros, no que gastaram 22000 escudos;<br> - plantaram 33 cerejeiras, no que despenderam 15500 escudos;<br> - drenaram 40m com manilhas de cimento, no que gastaram 48000 escudos;<br> - construíram 20m de parede em pedra para suportar o terreno, no que despenderam 100000 escudos;<br> - e transportaram 250 carradas de aterro para regularização do terreno, no que despenderam 2000000 escudos.<br> XX) Todas as plantações e obras efectuadas destinaram-se a evitar a deterioração e destruição daqueles prédios.<br> YY) Nenhuma delas pode ser levantada sem detrimento dos mesmos.<div>III</div>1 - Tendo presente que as conclusões da alegação do Recorrente definem o objecto do recurso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C.P.C.), são duas as questões centrais que cumpre decidir, ambas relativas aos requisitos da acessão.<br> A primeira prende-se com o conceito de boa fé, a que se refere o nº 4 do artigo 1340º do Código Civil, reportando-se a segunda à problemática relativa ao conceito de valor acrescentado, ou seja, o diferencial entre o valor do novo conjunto, após a incorporação, e o de antes da incorporação - cfr. os nºs 1 a 3 do referido artigo 1340º do Código Civil, diploma a que pertencem os normativos que se venham a indicar sem menção da respectiva origem.<br> Adicionalmente, importará, se tal se revelar necessário, analisar a questão do "abuso de direito" da A., alegado pelos Réus/Recorridos.<br> 2 - Sob a epígrafe "Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa fé em terreno alheio", o artigo 1340º prescreve o seguinte:<br> 1. Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.<br> 2. Se o valor acrescentado for igual haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do artigo 1333º.<br> 3. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.<br> 4. Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.<br> <br> Considerou o acórdão recorrido, em sintonia com a decisão da 1ª instância, que no presente caso, como resulta da matéria de facto dada como provada (ver alíneas u), v), w), x), z), rr), ss), tt), uu) e vv) e ww)), a conduta dos RR. preenche o requisito da boa fé , não só porque realizaram as obras, reparações e plantações devidamente autorizados pelo cabeça de casal da herança, mas também porque o mesmo lhes prometeu vender os prédios em causa em representação de todos os herdeiros, incluindo a A., a qual recebeu a parte que lhe coube do preço acordado.<br> Passando à apreciação dos demais requisitos da acessão, mormente do respeitante ao "valor acrescentado", mais entendeu o acórdão recorrido não assistir razão à apelante, por, desde logo, em face da matéria de facto dada como provada (alíneas u), x), y), z), ww), xx) e yy)), estar demonstrada "a valorização dos prédios em causa e consequente aumento do valor dos prédios".<br> Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar, na totalidade, o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido.<br> Vejamos porquê, para o que se impõe fazer um breve excurso acerca dos pontos relevantes do instituto da espécie de acessão industrial imobiliária a que se refere o artigo 1340º, já transcrito ( ) Para o efeito, acompanhar-se-á de perto, além de outras fontes oportunamente citadas, o estudo de Quirino Soares, "Acessão e Benfeitorias", Separata dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, 1996.).<br> <br> 3. - Nas hipóteses contempladas no artigo 1340º, o elemento material subjacente é, obrigatoriamente, uma benfeitoria, uma vez que uma obra, sementeira ou plantação que acrescenta valor ao prédio onde é realizada, mais não é do que "uma despesa feita para (o) melhorar" - artigo 216º, nº 1.<br> Como afirmam Pires de Lima/ Antunes Varela, a diferença mais significativa entre o regime vertido no artigo 1340º e o do artigo homólogo do Código Civil de 1867 - o artigo 2306º - consistiu na omissão, no novo Código, da parte final do corpo daquele artigo 2306º, ou seja, da referência ali feita à posse em nome próprio, de boa fé e com justo título, por parte do interventor ( ) Cfr. "Código Civil Anotado", 2ª edição, III, pág. 162. ).<br> Com efeito, o actual Código não reserva o direito de acessão ao possuidor em nome próprio (o mero detentor não está excluído), nem faz depender tal direito de a posse do interventor ser titulada. Nessa medida os próprios conceitos de boa fé adoptados pelo dois códigos são substancialmente diferentes, uma vez que o nº 4 do artigo 1304º não condiciona a boa fé à existência de justo título.<br> Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, o legislador não quis, neste capítulo dedicado à aquisição da propriedade, desviar-se da ideia de boa fé que adoptou em matéria possessória (nº 1 do artigo 1260º).<br> Como escreve Quirino Soares, "dizer-se que age de boa fé, para efeitos de acessão, o que desconhecia que o terreno onde produziu a intervenção era alheio, ou o que interveio debaixo de autorização do dono do terreno, é, pois, o mesmo que dizer que assim age (de boa fé) aquele que ignorava, ao intervir em terreno alheio, que lesava o direito de terceiro".<br> O conceito estritamente psicológico de boa fé adoptado pelo actual Código simplificou a tarefa do intérprete e aplicador da lei, mas não deixam de se pôr, com alguma frequência, dúvidas, sempre que aquele estado psicológico é referido a uma autorização e não ao desconhecimento de que o objecto da intervenção é alheio.<br> Trata-se de situação que importa aprofundar por ter correspondência no caso dos autos. Com efeito, e tal como resulta das próprias contra-alegações oferecidas na presente revista, "os Recorridos sabiam que juridicamente os prédios não eram seus por inexistência de qualquer vínculo jurídico válido que os ligasse a eles".<br> Ora, para o caso de prédios no regime de compropriedade, deve entender-se que a autorização cabe a todos os contitulares, sob pena de má fé ( ) Cfr., neste sentido, Quirino Soares, loc. cit., pág. 20 e, bem assim, o Acórdão da Relação do Porto de 29-10-71, in BMJ nº 210, pág. 179, e Acórdãos do STJ de 16-06-72, in BMJ nº 218, pág. 252; de 14-12-94, Procº. nº 85943, 1ª Secção; e de 16-04-96, Procº nº 88403, 1ª Secção.) ( ) Sendo o terreno propriedade comum de um casal, também não basta ao autor da obra, para efeitos da boa fé a que se refere a parte final do nº 4 do artigo 1340º, obter autorização de incorporação por parte de um dos cônjuges, sendo-lhe necessário obter a autorização, expressa ou tácita, do outro - cfr. o Acórdão do S.T.J. de 6 de Março de 1986, publicado na R.L.J., Ano 125º, nº 3819, págs. 183 e segs.).<br> Perante isto, qual a conclusão a tirar no caso sub judice?<br> É certo que apenas o cabeça de casal, Manuel de Almeida Ribeiro, autorizou os RR. a realizarem as obras elencadas supra em ww).<br> Poderá extrair-se desse facto a conclusão de que houve má fé da parte dos RR. para os efeitos do nº 4 do artigo 1340º?<br> Entendemos que, para o caso concreto que nos ocupa, a resposta deve ser negativa, pelo que se acompanha, neste ponto, a conclusão extraída no acórdão recorrido.<br> Na verdade, resulta da matéria de facto dada como provada que:<br> a) O referido Manuel Almeida Ribeiro foi incumbido por todos os irmãos de vender os prédios em apreço - cfr. supra alínea rr);<br> b) O mesmo Manuel Almeida Ribeiro sempre declarou agir em nome e no interesse de todos os interessados e dentro dos limites dos poderes que lhe conferiram - cfr a alínea ss);<br> c) O preço do negócio foi o pretendido por todos os interessados - cfr. a alínea tt);<br> d) Todos acordaram a modalidade de pagamento e a entrega dos prédios aos RR. - cfr. a alínea uu);<br> e) A totalidade do preço foi distribuída, em partes iguais, pelos nove herdeiros, incluindo a A. - cfr. a alínea vv);<br> f) Todas as plantações e obras destinaram-se a evitar a deterioração e destruição daqueles prédios - cfr. a alínea xx).<br> Torna-se manifesto que a autorização concedida pelo cabeça de casal aos RR. no sentido de efectuarem as obras e plantações a que se refere a alínea ww) não pode deixar de ser vista em conjunto com os antecedentes acabados de enunciar, pelo que, tendo presente aquele quadro global, parece claro que os RR. se sentiram autorizados por todos os interessados, incluindo a A., a realizarem tais obras e plantações, aliás, destinadas a evitar a deterioração e destruição dos prédios.<br> Com efeito, a autorização não precisa, como é óbvio, de provir de uma manifestação de vontade expressa. Ela, as mais das vezes, insere-se ou resulta de um negócio que pretende envolver a disposição ou oneração do prédio a favor do autor da incorporação.<br> Exemplos de situações de autorização deste tipo são os citados por Pires de Lima e Antunes Varela: contratos de compra e venda envolvendo a entrega imediata do prédio, para que o promitente comprador dele se sirva como dono.<br> Tendo os RR. negociado sempre - e só - com o cabeça de casal no convencimento legítimo de que ele agia em nome e no interesse de todos os irmãos, tendo com ele acordado o preço a pagar, tendo-lhe efectuado o pagamento do preço, é manifesto que, quando o cabeça de casal os autorizou a realizarem as obras e plantações em causa, os RR. se consideraram autorizados por todos os interessados a fazê-lo.<br> Nestes termos, temos como verificado o requisito da boa fé a que se refere o nº 4 do artigo 1340º.<br> Improcedem, por isso, as conclusões 5ª a 8ª.<br> 4. - Passemos, então, agora, à questão relativa ao "custo acrescentado" trazido à totalidade dos prédios pelas obras e plantações efectuadas - cfr. nº 1 do artigo 1340º. A esta matéria referem-se as conclusões 9ª a 14ª.<br> A temática relativa ao "valor acrescentado" configura-se como nuclear do conjunto das soluções contidas no artigo 1340º. Com efeito, conforme tal valor seja superior ou inferior ao que o prédio tinha antes da incorporação, assim o direito de adquirir, por acessão, pertencerá ao interventor ou ao dono do terreno (neste caso, em aplicação do princípio superficies solo cedit). Se o valor acrescentado for igual, determina o nº 2 que se abra licitação entre ambos.<br> Não tendo a Recorrente levado às conclusões a questão relativa ao funcionamento (automático ou potestativo) da acessão, não se coloca agora a necessidade de abordar tal problemática com desenvolvimento. Limitamo-nos, por isso, a dizer que, a esse propósito, aderimos à tese defendida no referido estudo de Quirino Soares, que se pode sintetizar do seguinte modo: O momento da aquisição do direito de propriedade, com fundamento nas hipóteses do artigo 1340º, é o da verificação dos actos materiais de incorporação, nos termos da alínea d) do artigo 1317º, não sendo, porém, tal aquisição, nas hipóteses dos nºs 1 e 2, uma consequência forçada e automática da referida incorporação, dependendo antes do exercício do correspondente direito potestativo, pelo que é, nesse sentido, uma aquisição voluntária. Já, porém, no caso do nº 3, relativo ao direito de acessão do dono do solo, a aquisição do direito é automática, coincidindo com o acto material de incorporação.<br> <br> 4.1. - Voltemos, pois, à questão do valor acrescentado, sobre a qual, depois de algumas considerações de ordem geral, será tomada a decisão imposta pela situação de facto do caso sub judice.<br> Como escreve o referido Autor, "valor acrescentado" não é o mesmo que valor dos materiais, das sementes ou das plantas, nem sequer, a mesma coisa que valor da obra, da sementeira ou da plantação.<br> Após o que acrescenta o seguinte:<br> "A expressão, que é quantitativa, de "valor acrescentado", é dada pela diferença entre o valor da nova realidade económica resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes.<br> "O valor dessa diferença pode, muito bem, ser maior ou menor que o dos materiais, sementes ou plantas, ou, até, que o da obra, sementeira ou plantação.<br> "A incorporação pode, pois, produzir uma mais valia relativamente à soma do valor do terreno com o das obras, sementeiras ou plantações; mas também, pode saldar-se em menos valia, na medida em que aquela soma (a do valor do terreno mais o das obras, sementeiras ou plantações) seja superior ao da nova realidade económica resultante da incorporação.<br> "O que conta, em qualquer caso, para a determinação do beneficiário da acessão (conforme os nºs 1, 2 e 3 do artigo 1340º), é o "valor acrescentado" em comparação com o valor do prédio, antes da incorporação".<br> Fácil é, assim, concluir serem insuficientes as petições iniciais que, fundadas na disciplina do artigo 1340º, se limitam a alegar o valor dos actos materiais de incorporação, o do prédio, antes destes, e a comparar um com o outro. São, de igual modo, insuficientes os arbitramentos cujos quesitos se limitem à indagação desses mesmos valores.<br> O que interessa alegar (no articulado) e quesitar (no arbitramento) é o valor da nova realidade predial resultante da incorporação e o valor que o prédio tinha antes dela; a diferença entre esses dois valores dará ao julgador a medida do "valor acrescentado" que é necessária à determinação do beneficiário da acessão.<br> Ora, quanto ao caso em presença, verifica-se, da matéria de facto, que não se consegue apurar qual o "valor acrescentado" a um e outro dos prédios em causa. Como se disse, é de valor trazido pelas obras, sementeiras ou plantações que se trata; não de valor investido ou despendido. Ora, os valores supra discriminados na alínea ww) referem-se às despesas efectuadas nas obras e plantações e não ao "valor acrescentado" do conjunto em resultado dessa obras e plantações.<br> Com efeito, não basta apurar quais as despesas que os RR. fizeram com as obras; o que importa, como requisito da acessão, é saber em quanto é que o valor dos prédios foi aumentado. Como já se disse, a despesa realizada não se repercute necessariamente - e muito menos, na mesma proporção - no consequente acréscimo da primitiva valorização do prédio.<br> Acresce, como refere a Recorrente, que não foi, sequer, alegada, pelos RR./Recorridos a "distribuição" das despesas efectuadas com a as obras e as plantações nos dois prédios ora em causa - denominados "Lama Grande" e "Capuchinha".<br> Nestes termos, a decisão recorrida não tomou em consideração que se trata de dois terrenos distintos, pelo que não se sabe se a incorporação se verificou, e em que medida, apenas num dos prédios ou em ambos. Por outro lado, não se tendo apurado o valor acrescentado em cada um dos prédios ofendeu-se a disciplina constante do citado artigo 1340º.<br> Extrai
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A veio propor a presente acção, com processo ordinário, com vista a obter a condenação da Sociedade Comercial de Papelarias Rabelo da Beira Douro, Limitada, no pagamento da quantia de 7000000 escudos, acrescidos de juros de mora, reclamada a título de indemnização, pelos prejuízos decorrentes de ter sido destituído de gerente da Ré, sem justa causa.<br> Na contestação, a Ré apôs ter o Autor, no exercício das suas funções de gerente, praticado culposamente actos e omissões violadores dos deveres inerentes ao seu cargo, inclusivé desviando dinheiros da sociedade em proveito próprio, o que não só justificaria não só a sua destituição, mas também a dedução de pedido reconvencional, com vista a indemnizar a Ré - em montante a apurar em execução de sentença - pelos prejuízos que originou com tal gestão.<br> Na réplica o Autor, para além de negar a actividade que lhe é imputada, pede, ainda, a condenação da Ré como litigante de má fé.<br> Após a prolação do despacho saneador e da organização da especificação e questionário, a Ré apresentou articulado superveniente, alegando que o Autor se apoderou de cheques emitidos a favor dela.<br> O Autor contrapôs a essa alegação que tais cheques lhe foram entregues, com conhecimento da Ré, por conta de empréstimos que esta havia feito.<br> Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes quer a acção, , quer a reconvenção.<br> Ambas as partes apelaram.<br> A Relação, negando provimento ao recurso interposto pelo Autor, confirmou a decisão tomada pela 1. Instância, quanto à acção; mas já quanto ao recurso da Ré, ponderando existir contradição entre as respostas aos quesitos 15 e 16, decidiu anular o julgamento a fim de ser sanado o vício inerente a tal contradição.<br> Deste Acórdão, interpôs recurso o Autor para este Supremo Tribunal.<br> Eis as conclusões das suas alegações:<br> 1- Os comportamentos imputados ao recorrente que resultaram apurados e em que assenta o Acórdão recorrido não constituem violação dos deveres de gerente do recorrente na sociedade recorrida.<br> 2- Também não resulta de nenhum dos factos provados que o comportamento do recorrente seja censurável, grave e culposo, como entendeu o douto Acórdão recorrido.<br> 3- Do facto constante da alínea c) da especificação resulta que a sociedade recorrida não entendeu os factos e comportamentos imputados ao recorrente como causa da sua destituição, pois bem ao contrário, propôs ao recorrente a sua transferência do pelouro, mantendo-se este nas funções de gerente.<br> 4- De nenhum facto provado resulta, como se entende no Acórdão recorrido, que o recorrente haja subtraído ou procurado subtrair à contabilidade da recorrida receitas desta no montante de 13188235 escudos.<br> 5- Existe contradição no douto Acórdão recorrido quando reconhece que não foi apurado o escopo do comportamento do recorrente e, por outro lado, clarifica tal comportamento de censurável, grave e culposo.<br> 6- Assim o Acórdão recorrido ao decidir que o recorrente havia sido destituído com justa causa desrespeitou o disposto no artigo 257 n. 6 do C.S.C. e por fundamentar a sua decisão em factos que não resultaram provados - e a que dizem respeito as conclusões ns. 4 e 5 - padece da nulidade do artigo 668 n. 1, alínea d), 2. parte, do Código de Processo Civil.<br> 7- A resposta negativa ao quesito 15 apenas significa que não se provou o facto quesitado, pelo que o mesmo deve ser tido como não articulado.<br> 8- Não se verifica qualquer contradição entre o facto de que o recorrente não fez entrar os recebimentos das facturas referidas nos quesitos 11 e 13 na contabilidade da sociedade recorrida e o facto de não ter sido provado que a sociedade nada recebeu e que os clientes desta afirmaram já terem pago.<br> 9- Na verdade a resposta ao quesito 16 está em concordância com as respostas dadas aos quesitos 11 e 13 e não está dependente ou interligada da matéria constante do quesito 15, não provada.<br> 10- Deve assim ser declarado nulo o Acórdão recorrido, nos termos do artigo 668 n. 1, alínea d), 2. parte - e a que se refere as conclusões 4, 5 e 6 - ordenando-se que o processo baixe à Relação, nos termos do artigo<br> 731 n. 2 a fim de se fazer a reforma da decisão e, caso assim se não entenda, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que julgue que o recorrente foi destituído sem justa causa e que julgue não haver contradição entre as respostas aos quesitos 15 e 16 por inadequada aplicação do disposto no artigo 712, todos do Código de Processo Civil.<br> Na contra-alegação, a Ré sustenta que deve manter-se o Acórdão recorrido.<br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:<br> Os factos considerados como provados pelas instâncias são os seguintes:<br> A Ré tem por objecto social o comércio de artigos de papelaria e escritório e na sua actividade dedica-se à comercialização de artigos de papelaria destinados a escritórios (alínea a) da esp.).<br> O Autor é sócio da Ré, possuindo uma quota no valor nominal de 12500000 escudos, no seu capital social que soma 50000000 escudos, pertencendo as restantes quotas a B, C e D, no valor de 12500000 escudos cada uma (alínea b) da esp.).<br> Nos termos do artigo 5 do pacto social da Ré, a gerência desta com ou sem remuneração, conforme foi deliberado em Assembleia Geral, pertence a todos os sócios, os quais foram nomeados por tempo não determinado, como se vê do referido artigo (escritura de página 6 e seguintes) (alínea c) da esp.).<br> Como gerente da Ré, o Autor recebia, pelo menos, uma remuneração mensal liquida de 90000 escudos, paga 14 vezes por ano (alínea d), da esp.).<br> Em 3 de Maio de 1991, teve lugar uma Assembleia Geral da sociedade Ré com a seguinte ordem de trabalhos. a) análise global dos negócios nacionais; b) ponderar sobre o comportamento relativamente à sociedade do sócio gerente sr. A; c) deliberar sobre a destituição do referido sócio, sr. A, das suas funções de gerente da sociedade (alínea e) da esp.).<br> Naquela assembleia foi deliberado destituir o Autor, gerente da Ré, com efeitos imediatos, com base nos seguintes factos a ele imputados:<br> - "teria feito desaparecer ou, pelo menos, deixado desaparecer, diversa documentação relativa aos negócios sociais;<br> - teria mandado ou ao menos consentido que parte importante dos documentos relativos aos negócios sociais ficassem em poder de terceiro-nomeadamente de trabalhadores da empresa fora das instalações sociais e do alcance dos restantes gerentes;<br> - estaria incluído num plano de criação de outra empresa concorrente da Beira Douro e teria tentado aliviar trabalhadores desta para consigo trabalharem naquele projecto da empresa;<br> - recusar-se a exercer tarefas que a sociedade lhe conferiu e a pôr os restantes gerentes ao corrente da forma como encaminham os assuntos do pelouro financeiro;<br> - ter vindo a manifestar, por acções, acentuado desinteresse pela evolução dos negócios sociais". (alínea f) da esp.).<br> Com esta decisão, o Autor viu-se privado do exercício das funções de gerente da Ré, que vinha exercendo e do recebimento das correspondentes e inerentes retribuições (alínea g) da esp.).<br> O Autor e as demais pessoas referidas na alínea b) da esp. são os únicos sócios e eram os únicos gerentes de um conjunto de sociedades onde, pelo menos, se integram a sociedade Ré, a "J.A.G" - Artes Gráficas Limitada" , "Do outro lado de cá", "Bar Restaurante lda." e "Texto<br> &amp; Linha Limitada" (alínea h) da esp. e resposta ao quesito 6).<br> Além da remuneração referida na alínea d), da especificação, o Autor recebia ainda, como gerente da Ré, um complemento mensal, no montante de 53369 escudos, pago 14 vezes por ano (resposta ao quesito 1).<br> Em todas as sociedades referidas na alínea h), da esp., com excepção da "Texto &amp; Linha Limitada", nomeadamente na Ré, os pelouros estavam distribuídos em termos tais que ao Autor cumpria gerir o campo administrativo e financeiro das empresas (resposta ao quesito 2).<br> E a um dos outros gerentes cabia o pelouro comercial e aos dois restantes o pelouro do planeamento e produção (resposta ao quesito 3).<br> Enquanto responsável pelo pelouro administrativo e financeiro cumpria ao Autor, além do mais; promover as cobranças das receitas e fazer os recebimentos; fazer os pagamentos a fornecedores e trabalhadores e aos gerentes e pagar todas as demais despesas normais das empresas; controlar todos os dinheiros, movimentar a crédito, as contas bancárias da empresa; superintender nas facturações e contactar com os fornecedores; contactar com as instituições bancárias; superintender sobre o pessoal dos serviços administrativos e dos escritórios; superintender nas contabilidades das empresas velando e zelando pela respectiva documentação, contactando e reunindo com os contabilistas (resposta ao quesito 4).<br> Não houve uma deliberação de distribuição dos pelouros na gerência da Ré (resposta ao quesito 5).<br> Era regra seguida desde sempre que os gerentes laborassem a tempo inteiro, exercendo as respectivas funções, desde as 8 horas da manhã, até ao fim do dia, quantas vezes pela noite dentro (resposta ao quesito 7).<br> O Autor pediu a uma trabalhadora da Ré para levar para casa umas dezenas de facturas que não haviam entrado na contabilidade, como deviam (resposta ao quesito 11).<br> Essa trabalhadora entregou aos demais gerentes da Ré os tais documentos quando estes lhos pediram (resposta ao quesito 12).<br> A sociedade, embora tardiamente, teve que fazer entrar na sua contabilidade todas aquelas facturas que somavam receitas que lhe eram devidas no montante de 13168275 escudos (resposta ao quesito 13).<br> Para regularizar a situação a sociedade pagou de IVA a quantia de 1686579 escudos (resposta ao quesito 14).<br> O Autor não fez entrar os montantes respeitantes às referidas facturas nas contas da Ré (resposta ao quesito 16).<br> Em 14 de Dezembro de 1990, o Autor adquiriu e fez transportar para sua casa um computador Mistation 3165 e uma impressora JKI ML 182 Elite, no valor global de 500175 escudos, incluindo IVA, tendo pedido à vendedora que procedesse venda em nome da Ré e fez entrar na contabilidade desta o documento de aquisição (alínea i) da esp.).<br> O Autor adquiriu para si o computador acabado de referir (resposta ao quesito 17).<br> A aquisição do computador foi paga pelo Autor.<br> No mês de Dezembro de 1990 o Autor mandou fazer diversos documentos destinados à contabilidade nos quais fez constar como despesas de "deslocação e estadas" 4580582 escudos (resposta ao quesito 19).<br> Tais despesas não estão acompanhadas de documentos que as justifiquem e são inventadas (resposta ao quesito 20).<br> A Ré tinha escassas despesas com "deslocações e estadas" dos seus trabalhadores e gerentes e não teve aquela despesa (resposta ao quesito 21).<br> Quando o Autor foi destituído de gerente existiam 8000000 escudos de receitas por cobrar (resposta ao quesito 26).<br> A Ré facturava, em média, por mês, cerca de 12000000 escudos com crédito aos seus clientes de 30 a 90 dias, como é normal em actividades comuns da Ré (resposta ao quesito 27).<br> O Autor e sua mulher, por escritura de 11 de Junho de 1991 adquiriram a totalidade das quotas de "Qualigrafe - Artes Gráficas Limitada" com sede em Lisboa, que tem por objecto a indústria de artes gráficas (alínea j) da esp.).<br> O Autor labora a tempo inteiro na sociedade acabada de referir, dirigindo efectivamente a actividade da empresa e recebendo salário e demais subsídios (resposta ao quesito 30).<br> O Autor em 25 de Março de 1991 fez aos restantes sócios gerentes a proposta constante de folha 65:<br> "1- Cedência da minha posição em: a) cedência da minha posição no estabelecimento da R. João Ortigão Ramos 15 A e B, com trespasse para a IAG, do Sudueste e do trespasse das instalações do Bairro Alto, e da JAG Artes Gráficas.<br> 2- Cedência de vossa posição na Beira Douro e da loja do Bairro Alto: a) Aceito o aval da Beira-Douro IAG, como prova de confiança no projecto IAG. b) Comprometo-me a pedir todos os orçamentos à IAG - Artes Gráficas dos trabalhadores da Beira-Douro", (resposta ao quesito 31).<br> Após esta proposta o Autor foi "destituído" do pelouro administrativo e financeiro da Ré, pelos restantes sócios (resposta ao quesito 32).<br> O Autor negoceia e celebra um contrato-promessa, em 8 de Abril de 1991, em que prometeu comprar as quotas da sociedade "Qualigrafe - Artes Gráficas Limitada" (resposta ao quesito 33 e 34).<br> Entretanto os restantes sócios da Ré mostraram-se desinteressados da proposta feita pelo Autor, pelo que este em 19 de Abril de 1991, comunicou aos restantes promitentes vendedores do contrato-promessa acabado de referir que desistia da respectiva promessa (resposta ao quesito 35).<br> Os restantes sócios da Ré convocaram a Assembleia Geral referida na alínea e), da esp., em 24 de Abril de 1991 (resposta ao quesito 36).<br> Nas restantes sociedades referidas na alínea h) da esp. com excepção da "Texto &amp; Linha Limitada", também foram convocadas Assembleias Gerais com a mesma ordem de trabalhos, referida na alínea e), da esp. onde também o Autor foi destituído da gerência (resposta ao quesito 37).<br> Em face de todas estas destituições e correspondente perda de remuneração, o Autor reatou os contactos com os promitentes vendedores do contrato-promessa referido e efectuou o negócio descrito na alínea f) da esp.) (resposta ao quesito 38).<br> Antes de destituírem o Autor de gerente da Ré os sócios desta e esta ainda quiseram levá-lo a aceitar outro plano, o do planeamento e produção, mantendo aí as suas funções de gerente e auferindo o mesmo vencimento, igual para todos, o que o Autor recusou (alínea l) da esp.).<br> Para pagamento de serviços prestados pela Ré, os serviços do Exercito emitiram a favor dela os seguintes cheques.<br> - em 28 de Setembro de 1990, no montante de 225781 escudos<br> - em 16 de Abril de 1990, no montante de 125408 escudos<br> - em 16 de Março de 1991, no montante de 856309 escudos<br> - em 25 de Março de 1991, no montante de 569638 escudos<br> - em 25 de Fevereiro de 1991, no montante de 198112 escudos<br> - em 20 de Março de 1991, no montante de 618053 escudos (alínea m) da esp.).<br> O Autor apôs nos versos destes cheques o carimbo da Ré e a sua assinatura, como gerente, endossando-os em contas bancárias pessoais de que era titular (alínea n) da esp.).<br> O Autor fez reverter em proveito próprio as quantias referidas na alínea m), da esp.), prejudicando a Ré (resposta ao quesito 41).<br> Como decorre do artigo 257 n. 1 do C.S.C., continua a vigorar, como já anteriormente sucedia, (artigo 28 parágrafo único da L.S.Q.) o princípio da livre destituibilidade do gerente pelos sócios, sem prejuízo de, em certos casos, o gerente destituído ter direito a indemnização pelos prejuízos sofridos, decorrentes de deliberação destituitória, como acontece quando esta é tomada sem justa causa (n. 7 do preceito citado).<br> O Autor sustenta ter sido destituído sem justa causa e, daí, o ter deduzido pedido indemnizatório contra a Ré, pelos prejuízos resultantes de tal deliberação.<br> Esta asserção não vigorou nas instâncias, que entenderam, com base nos factos apurados, ter havido justa causa para a destituição do Autor, o que explica a soçobra da referida pretensão ressarcitória.<br> Como o Autor insiste, no recurso interposto para este Supremo Tribunal, na inexistência de justa causa, interessa, desde já, aprofundar, na medida do necessário, a análise deste conceito, em ordem a uma melhor compreensão da situação e, dest'arte, a se averiguar, com maior rigor, se os factos considerados como denunciadores desse fenómeno impõem realmente a solução adoptada pelo Acórdão recorrido.<br> O artigo 257 n. 6 do C.S.C., embora não defina "justa causa", como bem expende o Professor Raul Ventura (Sociedades por Quotas, III, página 91) considera, todavia "exemplificativa e genericamente, como tal, a violação grave dos deveres dos gerentes e a sua incapacidade para o exercício normal das suas funções".<br> Portanto, este preceito esquiva-se a fornecer uma definição, limitando-se a fornecer dois exemplos, de justa causa, embora esta assuma, indiscutivelmente, um papel de relevo no nosso ordenamento jurídico, pelas múltiplas vezes que a ela recorre e pela importância decisiva que lhe atribui, sempre que isso sucede.<br> Tal omissão explica-se por o conceito de justa causa, como sublinha o Professor Menezes Cordeiro, (Manual de Direito do Trabalho, 1991, página 819), se apresentar como indeterminado: "ele não faculta uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo" "Os conceitos indeterminados põem em crise o método da subsunção: a sua aplicação nunca pode ser automática, antes requerendo decisões dinâmicas e criativas que facultem o seu preenchimento com valorações".<br> Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, II, 3. edição, página 731), enfrentam a dificuldade e procuram solucioná-la do seguinte modo: A lei não define justa causa, devendo, por isso o seu conteúdo ser, em princípio, "apreciado livremente pelo tribunal.<br> Informam, a este respeito, aqueles Mestres de Coimbra que em "Itália é unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva... mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário os interesses do mandante, (no caso de revogação do mandato com justa causa) o prosseguimento da relação jurídica (cfr. Mirabelli...).<br> Em escábrio ao artigo 986 n. 2 do Código Civil já os mesmos Autores (ob. cit. página 320) haviam realçado o prudente arbítrio do Tribunal na apreciação de justa causa, não deixando porém de considerar relevantes, para tal efeito e com inspiração no artigo 1003 do mesmo Código, todos aqueles casos "em que se mostre que, por circunstâncias pessoais ou quaisquer outras, o sócio não está a zelar, ou não pode zelar, os interesses da sociedade como um proprietário prudente".<br> É óbvio que esta directiva reflecte já a preocupação de se limitar a larga margem de arbítrio deixada ao julgador na avaliação da justa causa, na medida em que se apela ao artigo 1003 do Código Civil, onde se prevêem os casos - para além dos contemplados no contrato - de exclusão de sócios que poderiam funcionar, também, certamente por identidade de razão, como causas de destituição do gerente. <br> Partindo desta plataforma, Pinto Furtado (Das Sociedades em Especial, Tomo Vol. II, T. 1, página 70), buscando uma fórmula mais expressiva e prática, reporta a ideia de justa causa a qualquer facto ou comportamento que impeça o exercício da gerência por parte do gerente considerada ou implique um exercício contrário aos interesses da sociedade.<br> Noutro passo da mesma obra (página 378), este mesmo eminente jurista não hesita em recorrer à analogia juris - que considera inegável, neste caso - para justificar o dever, que julga impor-se aos Juizes, de acatarem a ideia subjacente à conceituação de justa causa, fornecida pela lei, a propósito do contrato de trabalho.<br> Nesta perspectiva, por justa causa de exclusão do administrador (ou de destituição de gerente) deverá entender-se, segundo ele, "o comportamento culposo deste que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a sua manutenção em funções.<br> "Mutatis mutandis serão normalmente consideradas como tal, situações comparáveis às enumeradas no artigo 10 n. 2 do Decreto-Lei n. 841-C/76 de 7 de Dezembro".<br> Um avanço significativo na elaboração do conceito de justa causa, afigura-se-nos ter sido dado pelo Professor Baptista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obra Dispersa, I, página 143) enquanto desloca esta questão para o campo da boa fé, se bem que referenciada à problemática da exigibilidade ou inexigibilidade de certos comportamentos.<br> Nesta óptica, será justa causa "qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual". Ainda: "A justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a relação contratual".<br> Enveredando por este caminho, o Professor Menezes Cordeiro, também veio definir os contornos da mesma figura, à luz da boa fé e dando particular ênfase à ideia de exigibilidade/inexigibilidade (A Boa Fé no<br> Código Civil, II, páginas 1020 e seguintes).<br> Visando directamente os casos dos artigos 265 n. 3, 1140, 1170 n. 2 e 1194, que exigem, todos eles, uma auscultação do conceito de justa causa, escreve, em dado momento, aquele ilustre civilista: "Nestes casos a lei remete para o juiz, através de uma cláusula geral, a questão de determinar, na situação concreta, até que ponto a prossecução da situação convencionada é exigível".<br> Este o cerne das ideias mais tarde desenvolvidas, pelo mesmo Professor, nas suas lições de direito laboral (Manual de Direito do Trabalho, 1991, páginas 818 e seguintes), onde procura caracterizar mais detalhadamente a noção de justa causa, partindo da análise de textos inseridos na legislação laboral.<br> Assim - e abreviando a extensa explanação aí inserida a este respeito, do mesmo passo que, atenta a analogia juris salientada por Pinto Furtado, a que há pouco referimos, se vasa, desde já, o sentido da lição nelas colhido, no campo aqui considerado - diremos que a noção de justa causa implica um comportamento ilícito por parte do gerente; censurável em termos de culpa; e em certas consequências gravosas para a sociedade.<br> A lei não refere expressamente a necessidade de ilicitude. Mas ela está subjacente à ideia contida, a título de exemplo, no n. 6 do artigo 257 do C.S.C. de "violação grave dos deveres do gerente".<br> Como expende o Professor Menezes Cordeiro (Manual cit., página 821), ao precisar melhor a ilicitude do comportamento considerado, "a justa causa postula sempre uma infracção, ou seja, uma violação, por acção ou omissão, de deveres legais contratuais".<br> Na determinação de culpa há, antes de mais, que atender ao que pode razoavelmente ser exigido de todas as pessoas que tenham o perfil do agente - no caso o Autor - dentro de uma bitola de normalidade (cfr. Professor Menezes Cordeiro, Manual, páginas 821-822). Mas este tema carece de mais alguns esclarecimentos, ainda que breves.<br> Como acentua o Professor Raul Ventura (ob. cit. páginas 28-33), aderindo à solução proposta pela corrente contratualista, na problemática a que agora nos referirmos, a gerência da sociedade por quotas com base numa dupla relação, com sujeitos diversos - a designação, configurada como um acto jurídico unilateral e a aceitação, também configurada como acto jurídico unilateral, funcionando, todavia, como condição da eficácia do primeiro - como sustenta a corrente uninaturalista, parece não ter sido acatada pela nossa Lei. Efectivamente o artigo 430 da C.S.C., integrado na secção respeitante à direcção das sociedades anónimas - mas cuja lição, quanto ao ponto ora referenciado vale igualmente em relação à gerência da sociedade por quotas - fala em "contrato celebrado com o director. E quanto ao particular aspecto da destituição de gerente - onde a figuração de duas relações, como pretende a aludida corrente unilaturalista, melhor poderiam destacar-se... - o n. 7 do artigo 25 da C.S.C. mostra claramente que se extingue uma única relação.<br> A rematar diremos com o Professor Raul Ventura (ob. cit., página 33): "havendo um só acto, criado duma só relação, a sua natureza contratual é evidente, pois não se concebe outra forma, em direito privado, de as duas vontades se combinarem para produzirem a relação".<br> Temos, pois, que a qualidade dos gerentes advém dum contrato celebrado entre a sociedade e o gerente: o contrato de administração.<br> Como se qualifica, porém, este contrato?<br> Quanto a nós, sufragando a posição tomada a este respeito pelo Professor Duarte Rodrigues, no seu estudo sobre "A Administração das Sociedades por Quotas e Anónimas", onde o tema que vimos abordando é largamente tratado (páginas 260 e seguintes) - "o contrato de administração constituirá um contrato de trabalho sempre que, tendo o administrador direito a retribuição, tenha sido atribuído à sociedade, o poder de organizar a execução do seu trabalho, particularmente pela fixação do tempo de trabalho a prestar e do modo de o executar; constituirá um contrato de prestação de serviço sempre que não seja remunerado ou, sendo-o caiba ao próprio administrador organizar a execução do seu trabalho (cfr. também, Professor Raul Ventura, ob. cit. páginas 28-29).<br> Mas o que nos interessa agora particularmente realçar - e eis a razão do percurso ultimamente seguido - é a natureza contratual da actuação do gerente: é que sendo assim, em caso de imcumprimento, por parte deste, mercê de violação grave dos deveres contratuais, funciona, contra ele, a presunção de culpa, estabelecida pelo artigo 799 n. 1 do Código Civil.<br> Quanto às consequências graves para a sociedade, entende-se que elas só assim serão, quando mercê dos factos praticados, com violação dos deveres inerentes à gerência, não mais possa ser exigida a manutenção do gerente, no seu cargo (cfr. Professor Menezes Cordeiro (Manual cit., páginas 822-823: com interesse para a dilucidação da noção de "justa causa", visando o seu enquadramento no âmbito da boa fé, cfr., por todos; o Acórdão do S.T.J. de 10 de Novembro de 1993, Col. dos Acórdãos do S.T.J. 1993, Tomo 1, páginas 289 e seguintes e a doutrina aí citada).<br> Posto isto, é altura de verificarmos se o comportamento do Autor, considerado pelas instâncias, - e a que reportam as respostas aos quesitos 11 e 16, atrás transcritas - é de molde, à luz das premissas explicitadas, a postular a sua destituição, como gerente da Ré, com justa causa; o mesmo é dizer, se ocorrem neste caso, todos os requisitos exigidos, para se considerar tal deliberação apoiada em justa causa.<br> Cremos que sim.<br> Como se referiu , o Autor subtraiu à contabilidade da Ré, dezenas de facturas que aí deviam ter sido consideradas e que somavam receitas, devidas à sociedade, no montante de 13168275 escudos.<br> A Ré só tardiamente e por iniciativa dos outros sócios, acabou por contabilizar essas facturas. Para regularizar a situação pagou de IVA, 1686579 escudos.<br> O Autor não fez entrar os montantes respeitantes às referidas facturas nas contas da Ré,<br> Pois bem: a subtracção das facturas pelo Autor à contabilidade da Ré, só por si, consubstancia um facto ilícito, dado constituir uma transgressão aos princípios fundamentais que obrigatoriamente presidem a feitura de escrituração comercial.<br> Sem o registo metódico e cronológico das sucessivas transacções efectuadas, não é possível detectar a situação económica e financeira do comerciante, nem os resultados de cada exercício.<br> Mas a escrituração não é só uma necessidade para os comerciantes é também uma garantia para quem com ele contrata.<br> A sua obrigatoriedade é também estabelecida no interesse geral do público, porque demonstra a maneira de negociar do comerciante, o seu procedimento honesto ou a sua má fé, nas transacções.<br> E é ainda na escrituração do comerciante que se encontra a prova da sua inocência ou a das suas faltas.<br> Costuma dizer-se mesmo, e com razão, que "a consciência do comerciante está nos seus livros" e, claro está, na maneira séria e honesta de os escriturar ou arrumar (cfr., sobre toda esta matéria, por todos: Pires Cardoso, Noções de Direito Comercial, 12. edição, páginas 103 e seguintes; ainda, com interesse, Professor Fernando Olavo, Direito Comercial Vol. I, 2. edição, páginas 230 e seguintes).<br> Ora, no caso sub judice, o Autor, ao subtrair, sem qualquer justificação, da contabilidade da Ré, dezenas de facturas, resvala claramente no campo da ilicitude, desprezando todas as razões - e as normas que as veínculam - que impõem veracidade e seriedade na elaboração regular da escrita que deve, por outro lado, abranger toda a actividade comercial da empresa.<br> Nomeadamente violou, de modo frontal, os preceitos que obrigam o comerciante a registar no "Diário", "dia a dia por ordem de datas, em assento separado, cada um dos seus actos que modifiquem ou possam vir a modificar a sua fortuna (artigo 34 do Código Comercial); a escritura na "Razão" "o movimento de todas as operações do Diário, ordenadas por débito e crédito, em relação a cada uma das respectivas contas..." (artigo 35 do Código Comercial); a transladar no "Copiador na integra, cronologicamente, as facturas respeitantes a mercadorias vendidas a prazo (artigo 16 do Decreto 19490; artigo 36 do Código Comercial).<br> Mas a actuação do Autor tem ainda manifesta repercussão negativa no âmbito da fiscalidade, na medida em que se liga a ocultação de valores a declarar para efeitos tributários, (cfr. artigos 32 e seguintes do Código de Processo Tributário).<br> De resto, a sociedade já foi penalizada, por isso.<br> Não pode, portanto, por-se aqui em dúvida a ilicitude do comportamento do Autor ora enfocada, a qual, ao fim e ao cabo, se traduz genericamente na violação, em sentido amplo, dos deveres que lhe são impostos pelo artigo 64 do C.S.C. de actuar com diligência e no interesse da sociedade (cfr. Duarte Rodrigues, ob. cit., páginas 181 e seguintes).<br> Como se acentua no Acórdão recorrido, ao interpretar o sentido da factualidade apurada em análise, da actuação do Autor decorre naturalmente, até como presunção de facto, perfeitamente aceitável, por se integrar no curso normal dos factos (cfr. Professor Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil página 200) uma grave repercussão na credibilidade e na transparência da contabilidade da firma em causa.<br> Recorrendo à noção, que atrás sufragamos, relativa à gravidade das consequências resultantes do comportamento ilícito, diremos, ainda, que, perante os factos praticados, com frontal violação dos deveres inerentes à gestão, prescritos pelo artigo 64 do C.S.C. e total desrespeito pelas normas e princípios que presidem a elaboração da escrita comercial, e à sua repercussão em matéria fiscal, não seria exigível à Sociedade Ré, manter o Autor, como gerente e, por isso, se justifica cabalmente a sua destituição.<br> Quanto à culpa, já há pouco concluimos ser ela de presumir, aqui, nos termos do artigo 799 n. 1 do Código Civil, por se inserir no âmbito da responsabilidade contratual.<br> Há, pois, razões ponderosas para se poder afirmar que, face à matéria apurada, em referência, a actuação do Autor é, além de ilícita, culposa e grave, tomados estes vocábulos no sentido atrás adoptado.<br> Assim, o Acórdão recorrido ao concluir deste modo, não cometeu a nulidade contemplada no artigo 668 n. 1, alínea d), 2. parte, do Código de Processo Civil (exame de pronúncia) já que a factualidade considerada permitia chegar a uma conclusão.<br> E esta postura, como é, aliás, óbvio não é incompatível, ou contraditória, com a afirmação nele contida de que se ignora o escopo do comportamento do Autor, porquanto a gravidade e censurabilidade deste mesmo comportamento, conforme aliás se sublinha no Acórdão, não está dependente do fim visado pelo infractor, quer ele fosse a fuga ao fisco, ou o prejuízo dos restantes sócios, quer fosse qualquer outra.<br> Também não se afigura contraditória com a posição tomada no Acórdão com vista a estruturar a deliberação de destituição em justa causa, o facto dos outros sócios só se terem decidido no assim proceder, depois de terem pretendido deslocar o Autor - sem êxito, pois este recusou-se a aceitar tal sugestão - para outro "pelouro" onde não teria acesso à contabilidade.<br> É que a determinação de exoneração do gerente é livre - como já o era no âmbito do parágrafo único do artigo 28 da L.S.Q. (cf. Raul Ventura; Exoneração de Gerentes, in Ciência Técnica Fiscal, 82, páginas 7 e seguintes) - sendo, por isso, tomada quando os demais sócios o entenderem.<br> Uma hesitação nesta atitude, obviamente que não prejudica o direito de livre destituição, nem os fundamentos da justa causa, se porventura a houver.<br> O recorrente sustenta também não existir contradição entre as respostas aos quesitos 15 e 16, ao invés do que entendeu o Acórdão recorrido, que, por esse motivo, anulou o julgamento, no que respeita ao recurso da Ré reconvinte, a fim de se sanar esse vício, nos termos do artigo 712 n. 2 do Código de Processo Civil.<br> Eis o modo como aí se abordou esta questão:<br> "Do elenco da factualidade aduzida para o efeito de comprovar a existência de prejuízos, para a Ré, advenientes d
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - Em inventário facultativo instaurado para partilha dos bens das heranças de A e mulher B, os interessados C e mulher declararam, oportunamente, que pretendiam licitar sobre o prédio urbano constante da verba n. 5, doado à interessada D, a qual se opôs, tendo os primeiros requerido a avaliação desse prédio.<br> Procedeu-se a essa avaliação, por um perito, e, notificado da junção do respectivo relatório, aquele interessado C veio, "nos termos dos artigos 1369 e 589 e segs. do C.P.Civil requerer a realização de segunda avaliação ou perícia ao prédio urbano", alegando diversos motivos de discordância em relação à avaliação efectuada (fls. 62).<br> Esse requerimento foi indeferido, pelo despacho de fls. 65, com o fundamento de ter sido apresentado para além do prazo de 10 dias previsto no citado artigo 589 n. 1.<br> Os interessados C e mulher interpuseram recurso de agravo e, subsidiariamente, requereram a rectificação de lapso daquele despacho.<br> O depacho de fls. 71 rectificou o lapso, considerando que o requerimento foi apresentado no prazo do citado artigo 589 n. 1, teve "como prejudicado o recurso interposto" mas indeferiu o pedido da nova avaliação, com o fundamento de esta não ser admissível.<br> Foi interposto novo recurso de agravo pelos interessados C e mulher, os quais interpuseram também recurso de apelação da sentença homologatória do mapa de partilha.<br> O acórdão de fls. 121 e segs. negou provimento ao agravo e teve como "precludido" o recurso de apelação.<br> Neste recurso de agravo, os interessados C e mulher pretendem a revogação daquele acórdão e formulam as seguintes conclusões:<br> - a decisão de fls. 65 "já transitou em julgado, na parte em que admitiu a segunda avaliação...";<br> - é admissível essa segunda avalição, que foi requerida;<br> - foi violado o disposto nos artigos 671, 672, 675, 668 n. 1, alínea d), 589, 1369, 1382, 563, n. 4 e 712, n. 1,alínea b), do C.P.Civil.<br> Em contra-alegações, os interessados D e marido sustentam a improcedência do recurso.<br> II - Quanto ao mérito do recurso:<br> São suscitadas duas questões: a ofensa de caso julgado formal; e a admissibilidade de segunda avaliação de bens doados, no caso de o donatário se ter oposto à licitação sobre esses bens.<br> O C.P.Civil é aqui aplicável, salvo quanto à generalidade das normas respeitantes à tramitação do recurso, sem as alterações de 1995/96 (artigos 16 e 25 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro).<br> De resto, essas alterações não assumem relevo, no processo de inventário, o qual tinha sido já alterado pelo DL 227/94, de 8 de Setembro, e serão daquele Código, na versão anterior a 1995/96, as normas que forem citadas sem outra indicação.<br> Uma decisão "constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga" (artigo 673) e por isso, como em geral se tem sustentado na doutrina e na jurisprudência, o caso julgado só se forma, em princípio, sobre a própria decisão e não sobre os respectivos fundamentos.<br> Assim, o despacho de fls. 71 não ofendeu o caso julgado constituído pelo de fls. 65, pois entre eles há identidade de decisão (não admissão da segunda avaliação), só divergindo na fundamentação.<br> Acresce que, quando foi proferido o segundo despacho, o primeiro não tinha ainda transitado em julgado, porque estava dependente de recurso, e do que se tratou foi apenas de falta de rigor formal: no despacho de fls.71, depois de se proceder à rectificação do lapso do de fls. 65, não haveria que julgar-se "prejudicado" o recurso mas que manter-se o primeiro despacho, por outro fundamento, e admitir-se o recurso; porém, não pode, neste momento, atribuir-se qualquer relevância a esse aspecto formal.<br> O acórdão recorrido manteve a inadmissibilidade da segunda avaliação com os seguintes fundamentos: o relatório do citado DL 227/94, na parte em que refere que "eliminou-se a 1ª avaliação", as avaliações surgem "como forma de evitar que a base de partida das licitações se apresente falseada...", manteve-se a "avaliação incial baseada no valor matricial e não no respectivo valor real" e, "no que respeita às avaliações, prevê-se a sua realização, em regra, por um único perito designado pelo Tribunal..., sendo certo que as possibilidades de contraditório... serão suficientes para assegurar os legítimos direitos dos interessados na partilha"; a letra do artigo 1369 "é explícita e clara"; não se pretende uma avaliação rigorosa porque "aos interessados fica livre corrigi-la ou por acordo ou por licitação"; as licitações e reclamações são os "meios que a lei põe à disposição dos interessados para corrigir os exageros ou defeitos que estejam na base dos valores antes atribuídos"; e a remissão feita no artigo 1369 apenas se destina "a esclarecer o regime a que fica sujeita a única avaliação de bens aí prevista".<br> Salvo o devido respeito, não são procedentes os fundamentos invocados, não sendo de manter a decisão recorrida.<br> Não resulta do relatório do DL 227/94 que tivese havido a intenção do legislador de não permitir a segunda avaliação: a "primeira avaliação" que se diz ter sido eliminada era a relativa aos bens cujo valor não tinha de ser indicado pelo cabeça de casal, o que não abrangia sequer os prédios inscritos na matriz, e a lei processual designava como segunda avaliação aquela que, em rigor, era a primeira (artigo 1347 e 1364 e segs. do C.P.Civil, na redacção anterior a 1994, e M. Flamino Martins, nos Proc. Suc., p. 530); com referência aos bens doados, não está em causa "a base de partida das licitações" porque tais bens estão normalmente excluídos da licitação; a alusão à avaliação "em regra, por um único perito", significa que ela pode ser também realizada por vários peritos, como é o caso da segunda avaliação; e "as possibilidades de contraditório" exigem, em princípio, a admissibilidade de segunda avaliação, por ser o meio mais directo e eficaz de reacção contra os resultados da primeiro (artigo 609).<br> A letra do artigo 1369 é inteiramente compatível com aquela admissibilidade da segunda avaliação: quando menciona "a avaliação", a lei refere-se sempre à primeira (artigo 568 e segs.); e a remissão para o "preceituado na parte geral do Código" não deve ter o sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime dessa primeira avaliação mas o sentido mais amplo e normal de aplicação das regras gerais sobre avaliação, em que se inclui a segunda.<br> Nâo está aqui em causa a possibilidade de correcção do valor dos bens "por acordo ou por licitações", uma vez que, como já se notou, os bens doado só excepcionalmente podem ser objecto de licitação (artigo 1365).<br> Não é pois exacto que se não pretenda "uma avaliação rigorosa e segura", bastando "uma estimação aproximada", dado que só essa avaliação rigorosa, dependente da admissibilidade da chamada segunda avaliação, permite um juízo fundamento sobre as diversas consequências dos valores atribuídos aos bens doados, designadamente sobre a inoficiosidade das doações e a sujeição desses bens a licitação.<br> Deste modo, tanto pela letra da lei como pelo seu espírito (o interesse em procede-se a uma partilha justa) deve ser admitida a segunda avaliação de bens doados.<br> Em conclusão:<br> Em processo de inventário, se for requerida a avaliação de bens doados, por motivo de oposição do donatário a licitação sobre esses bens, é admissível segunda avaliação de tais bens ( artigo 1356, 1369 e 609 do C.P.Civil, na redacção anterior a 1995/96).<br> Pelo exposto:<br> Concede-se provimento ao recurso.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, bem como o despacho de fls. 71, o qual deve ser substiuído por outro em que se admita a segunda avaliação requerida a fls. 62.<br> <br> Fica sem efeito o processado, respeitante à partilha, posterior àquele despacho de fls. 71.<br> <br> Custas dos recursos pelos recorridos.<br> Lisboa, 6 de Junho de 2000.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Afonso de Melo. </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>A e mulher B, a prosseguir por C e marido D e E, seus herdeiros, em acção que a F e G e mulher H instauraram, pediram a condenação dos réus no pagamento de 9370000 escudos, acrescidos de juros de mora desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados com a não entrega tempestiva do estabelecimento comercial identificado no art. 1º da pet. in. nem dos objectos nele existentes e pela deterioração provocada no mesmo e respectivo imóvel onde se situava.</font><br> <font>Contestando, os réus excepcionaram a ilegitimidade da ré F e impugnaram, concluindo pela absolvição da instância daquela e do pedido quanto aos restantes.</font><br> <font>Após réplica, foi, no saneador, julgada parte legítima aquela ré e, condensando-se, foi elaborada a base instrutória.</font><br> <font>A final, procedeu em parte a acção - na base da responsabilidade civil extracontratual, foram os réus condenados a pagar aos autores a indemnização de 1100000 escudos (600 mil pelos materiais e 500 mil pelos morais), acrescida de juros de mora desde a citação, e a restituírem-lhes certos bens que têm em seu poder (uma medidora de petróleo, 5 tulhas em madeira e armários).</font><br> <font>Sob apelação dos autores e réus, a Relação alterou a decisão - condenados os réus (a ré F com fundamento em responsabilidade contratual e os co-réus com base em enriquecimento sem causa) a indemnizar os autores em 4350000 escudos e a ré F ainda em 500000 escudos, referentes a danos não patrimoniais, ambas as somas acrescidas de juros de mora desde a citação, absolvendo-os, no mais.</font><br> <font>Pediram revista os réus, pretendendo que se mantenha o decidido na sentença, salvo quanto à indemnização por danos morais que entendem dever ser reduzida a 200000 escudos, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br> <font>- a ré F não deve ser condenada com base em responsabilidade contratual, já que desde 1972, quando trespassou o estabelecimento aos co-réus, está dele desligada, o que os autores conhecem,</font><br> <font>- estando convicta, de plena boa fé, até ao julgado da sentença que declarou ineficaz o trespasse, de ter deixado de ser parte contratante no contrato que havia celebrado e de não poder restituir aos autores a posse de uma coisa que não detinha;</font><br> <font>- aliás, uma tal condenação consagraria um abuso de direito, pois que tinham perfeito conhecimento de que esta ré não estava na posse do estabelecimento;</font><br> <font>- os co-réus não podem ser condenados com base em enriquecimento sem causa dado o carácter subsidiário do instituto e haver um meio jurídico de responsabilização que é a responsabilidade civil extracontratual, este o que deve ser invocado;</font><br> <font>- os autores apenas lograram provar a culpa dos co-réus a partir do conhecimento da sentença de 1ª instância proferida na acção de despejo;</font><br> <font>- o facto de só se provar a culpa a partir de certa altura não tem como consequência a aplicação de outro princípio responsabilizador mas sim a condenação a partir dela;</font><br> <font>- o montante em que foi fixada a indemnização por danos morais deve, tomando-se em consideração a nossa jurisprudência, ser reduzido a 200000 escudos;</font><br> <font>- violado, por errada interpretação e aplicação / desaplicação, o disposto nos arts. 1038 al. i), 799 n. 1, 334, 483, 473, 474 e 496 n. 3 CC.</font><br> <font>Contra-alegando, defenderam os autores a confirmação do julgado e consideraram ser questão nova a do exagero da indemnização pelos danos não patrimoniais.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -</font><br> <font>1) - entre A e mulher B, como autores, e I e mulher F, G e mulher H, como réus - tendo entretanto falecido o referido I, sucedendo-lhe a Ré F- correram termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Torres Vedras - 2°Juízo, 2ª Secção, os autos de acção sumária nº 140/94, nos quais foi decidido por sentença transitada em julgado, datada de 95.12.11, condenar os réus a reconhecerem os autores proprietários do estabelecimento comercial de mercearia, algodões, vinhos mercador instalado no prédio sito na Maceira, freguesia de A-dos-Cunhados, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº 29460, a fls. 166 do Livro 8-75 e inscrito na matriz urbana de A-dos-Cunhados sob o art. 477, e a devolverem-lhe o mesmo, nos termos em que lhes foi entregue, nomeadamente as respectivas instalações com seus anexos e toda a utensilagem;</font><br> <font>2) - os primitivos autores - A e mulher B - foram donos de um estabelecimento comercial de mercearia, algodões e vinhos mercador, instalado no prédio sito na Maceira, freguesia de A-dos-Cunhados, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº 29460, a fls. 166, do Livro B-75, e inscrito na respectiva matriz urbana de A-dos-Cunhados sob o art. 477;</font><br> <font>3) - em 60.09.19, por escritura pública, cuja cópia dactilografada consta de fls. 64 e 65, outorgada no primeiro Cartório Notarial de Torres Vedras, a fls. 26 vº a 27 vº do Livro de Notas para escrituras diversas nº C-1, o primitivo autor, com o consentimento da sua mulher, declarou que cede a I, o qual declarou aceitar o contrato nos precisos termos exarados, a exploração do estabelecimento referido em 2) e lhe dá de arrendamento para esse efeito as respectivas instalações com seus anexos e toda a utensilagem do mesmo estabelecimento, pelo período de 29 anos, com início na data da entrega do estabelecimento, entrega que, com todos os anexos e toda a utensilagem do estabelecimento, teve lugar no próprio dia da escritura;</font><br> <font>4) - em 72.12.29, por escritura pública, denominada de «trespasse», outorgada no 2º Cartório Notarial de Torres Vedras, a fls. 86 vº a 87 vº do Livro de Notas para escrituras diversas nº A-42, a ré F e seu marido transferiram para os segundo e terceiro réus, G e H, a exploração do estabelecimento comercial referido em 2);</font><br> <font>5) - na sentença referida em 1), foi decidido que o segundo contrato celebrado entre, por uma parte, a primeira ré e seu marido, e, por outra parte, os segundo e terceiro réus, está ‘ferido de nulidade’ e ‘é ineficaz em relação aos proprietários do estabelecimento’, pelo que, em razão do contratado pela primeira ré e seu marido com os primitivos autores, o estabelecimento deveria ter-lhes sido devolvido findo o prazo de 29 anos ajustado, isto é, em 89.09.19;</font><br> <font>6) - durante o período de tempo que durou a acção referida em 1), foram os segundo e terceiro réus que exploraram o estabelecimento, seus anexos e utensilagem, como se lhes tivesse sido cedida, sem qualquer contrapartida para os autores, os quais só por via da execução da sentença referida em 1) obtiveram a devolução do estabelecimento, em princípios de Janeiro de 1997, após a entrega da chave da porta de acesso ao mesmo estabelecimento;</font><br> <font>7) - aquando da entrega referida em 6), a balança marca Avery ficou dentro do estabelecimento;</font><br> <font>8) - aquando da devolução do estabelecimento aos autores, os réus não entregaram os seguintes utensílios que constituíam o acervo da referida utensilagem do estabelecimento:</font><br> <font>- uma medidora de petróleo;</font><br> <font>- uma medidora de azeite;</font><br> <font>- uma balança decimal;</font><br> <font>- um aparelho de telefonia da marca "Grundig";</font><br> <font>- um conjunto de medidas de capacidade em inox;</font><br> <font>- um conjunto de pesos da balança decimal;</font><br> <font>- os balcões em madeira com envidraçados;</font><br> <font>- cinco tulhas em madeira;</font><br> <font>- armários em madeira com envidraçados e prateleiras;</font><br> <font>- duas mesas rectangulares em madeira;</font><br> <font>- quatro bancos compridos em madeira;</font><br> <font>- um lava-copos em marmorite e seu balcão;</font><br> <font>- um pio grande em cimento;</font><br> <font>- dois barris ovais de 50 litros de casco de carvalho;</font><br> <font>9) - quando foi celebrado o contrato referido em 3), em 1960, o estabelecimento encontrava-se em plenas condições de funcionamento para o fim a que se destinava;</font><br> <font>10) - o primitivo autor A faleceu em 98.12.11, com 90 anos de idade;</font><br> <font>11) - a primitiva autora B faleceu em 99.12.26 com 89 anos de idade;</font><br> <font>12) - na escritura de 72.12.29 referida 4) outorgou como testemunha a filha dos primitivos autores, E (ora Autora);</font><br> <font>13) - em consequência do contrato referido em 4, o entretanto falecido I e sua mulher F entregaram ao segundo réu G o dito estabelecimento e o imóvel onde ele estava instalado;</font><br> <font>14) - aí passaram este G e sua mulher a exercer a actividade comercial de mercearias e diversos;</font><br> <font>15) - o réu G inscreveu-se de seguida nas Finanças como comerciante, para efeitos de contribuição industrial;</font><br> <font>16) - também se inscreveu no Grémio de Retalhistas do Sul;</font><br> <font>17) - na escritura referida em 4) foi pago um ‘selo de trespasse devido pelo arrendamento’;</font><br> <font>18) - após a celebração da escritura referida em 4), o réu G passou a exercer, no dito estabelecimento a sua actividade comercial em nome próprio;</font><br> <font>19) - o primitivo autor A, depois da escritura que celebrou a favor da ré F e seu marido I, deu baixa da sua actividade comercial;</font><br> <font>20) - o I, após a mesma escritura, referida em 3), obteve as licenças e alvarás necessários à exploração do dito estabelecimento, todos em seu nome;</font><br> <font>21) - a referida E mantinha com os seus pais laços estreitos e permanentes de convivência;</font><br> <font>22) - a celebração do contrato referido em 4) foi do conhecimento dos primitivos autores por lhes ter sido comunicado, passando a saber que eram os ora réus G e mulher que estavam a explorar comercialmente o estabelecimento;</font><br> <font>23) - pouco depois, estes réus decidiram fazer obras no prédio; </font><br> <font>24) - em 1973, a casa era velha, com paredes e telhado em completa decadência, com piso e tecto em madeira de sobro;</font><br> <font>25) - os réus G e mulher demoliram totalmente a parede da frente, avançaram a fachada um metro, construíram nova parede em tijolo, onde rasgaram duas montras comerciais (que não existiam) e duas portas inteiramente novas;</font><br> <font>26) - o piso de madeira foi arrancado e totalmente substituído por ladrilho;</font><br> <font>27) - os segundo e terceiro réus altearam de um metro todas as paredes;</font><br> <font>28) - o telhado antigo, armação e telhas, tudo foi retirado e, em sua substituição, os segundo e terceiro réus colocaram nova armação em madeira e telhas novas;</font><br> <font>29) - para sustentação do novo telhado, colocaram uma placa de pré-esforçado com vigas de ferro, assim substituindo o antigo tecto de madeira;</font><br> <font>30) - o novo tecto foi rebocado;</font><br> <font>31) - as restantes paredes, quer interiores, quer exteriores, foram rebocadas, passadas a massa de areia afagada e pintadas;</font><br> <font>32) - além disso, os ditos réus protegeram exteriormente a casa com um rodapé em mármore de meio metro de altura;</font><br> <font>33) - também revestiram a entrada em mármore, bem como o piso das montras;</font><br> <font>34) - em todas estas obras, gastaram os referidos réus na altura, 1973, a quantia global de quinhentos mil escudos;</font><br> <font>35) - os primitivos autores, então proprietários, tiveram inteiro conhecimento das obras e a elas deram o seu consentimento;</font><br> <font>36) - por exigência do primitivo autor A, o réu G assinou uma declaração em que renuncia a qualquer indemnização por essas obras;</font><br> <font>37) - nesse documento, redigido em colaboração com o primitivo autor A, fala-se em ‘trespasse’, ‘local arrendado’, ‘senhorio’ e ‘terminus do referido arrendamento’;</font><br> <font>38) - os primitivos autores receberam este documento e conservaram-no em seu poder até virem a juntá-lo ao referido processo judicial;</font><br> <font>39) - o Tribunal veio a decidir, na sentença referida em 1), que referindo-se as partes, na escritura referida em 3), a dois contratos distintos - a cessão de exploração e o arrendamento - a sua vontade se tinha dirigido apenas à celebração de um contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, contrato que cessava ao fim dos ditos 29 anos;</font><br> <font>40) - os réus foram obrigados a devolver aos autores o prédio sem receberem qualquer indemnização pelas descritas obras que aí realizaram;</font><br> <font>41) - os primitivos autores desde 83.02.09 passaram a ser usufrutuários do prédio referido em 2) em razão da doação da nua propriedade que fizeram a seus filhos;</font><br> <font>42) - em 98.02.23, foi celebrada no 1º Cartório Notarial de Torres Vedras escritura de renúncia de usufruto e compra e venda exarada de fls. 47 vº a 49 vº do Livro nº 56-E nos termos da qual os primitivos autores renunciaram ao usufruto referido em 41) e o prédio urbano referido em 2) foi vendido pelo preço de 4000000 escudos;</font><br> <font>43) - em valores actuais, ou seja, à data da propositura da acção, a contrapartida monetária correspondente ao valor mensal de cessão de exploração do estabelecimento comercial referido em 2) seria de 50000 escudos;</font><br> <font>44) - em 1957 os autores haviam feito obras no estabelecimento, designadamente, procedendo a pintura geral do imóvel e reparando quanto então demandava manutenção;</font><br> <font>45) - quando lhes foram entregues as chaves de acesso ao estabelecimento - facto referido em 6) - os autores constataram, desde logo, que a fechadura não funcionava;</font><br> <font>46) - ao aceder ao interior do estabelecimento, os autores verificaram que as paredes do imóvel apresentavam uma deterioração geral, incluindo falhas de reboco e arrancamento de coberturas;</font><br> <font>47) - as pinturas estavam degradadas;</font><br> <font>48) - em 60.09.19, o estabelecimento comercial referido em 2) era uma das melhores casas comerciais da Maceira;</font><br> <font>49) - durante vários anos, antes de cederem a sua exploração, haviam os autores e o seu agregado familiar vivido também da exploração do estabelecimento;</font><br> <font>50) - sempre tiveram os autores especial cuidado e brio com tal estabelecimento;</font><br> <font>51) - a longa demanda a que os réus os obrigaram para obter a devolução do estabelecimento e o estado em que vieram a receber o mesmo causaram aos autores, até pela especial estima que a ele os ligava e a sua avançada idade, preocupações, incómodos, angústias, aborrecimentos, tristeza e desolação;</font><br> <font>52) - os réus sempre pensaram que, por via da celebração da escritura referida em 3), o I e mulher tinham passado a ser arrendatários do prédio referido em 2);</font><br> <font>53) - os factos referidos em 3), 4), 14) a 20) e 24) a 37), levaram os réus a pensar que eram titulares de um arrendamento comercial,</font><br> <font>54) - estando convencidos de que esse arrendamento se renovaria automaticamente para além dos 29 anos estipulados no contrato;</font><br> <font>55) - foi por isso que se recusaram a entregar o prédio aos autores;</font><br> <font>56) - consultaram, nessa altura, um advogado que foi de parecer que o contrato celebrado entre os primitivos autores e o falecido I se tratava de um arrendamento comercial e que, portanto, se renovava automaticamente de harmonia com a lei então em vigor;</font><br> <font>57) - mais se arreigou no espírito dos réus a sua convicção de que beneficiavam efectivamente de um arrendamento renovável, que tinham o direito de permanecer no locado como arrendatários e por isso lutaram em juízo para fazer valer esse direito;</font><br> <font>58) - a medidora de petróleo, as cinco tulhas em madeira e os armários com prateleiras referidos em 8), estão numa arrecadação dos réus, que se disponibilizam a entregá-los aos autores;</font><br> <font>59) - os factos referidos em 46) e 47) deveram-se ao arrancamento de adornos de corticite que estavam colados às paredes e, por outro lado, às infiltrações de águas por entupimento dos algerozes, o que, aliás, sucedia frequentemente.</font><br> <font>Decidindo: -</font><br> <br> <font>1 - Sendo as conclusões que delimitam, em princípio, o objecto do recurso, há que dar prioridade à questão prévia suscitada pelos recorridos.</font><br> <font>Não lhes assiste razão.</font><br> <font>Com efeito, bastará ler a conclusão 16ª nas alegações da apelação dos réus, para se ver que defenderam não ser devida quaisquer indemnização por estes e, em consonância, pediram fossem do pedido absolvidos (fls. 300).</font><br> <font>2 - Divergiram as instâncias no tratamento jurídico dos factos. Enquanto a sentença os subsumiu unicamente ao regime da responsabilidade civil extracontratual, diferentes, consoante cada réu, foram os regimes em que a Relação fez assentar a sua condenação (responsabilidade contratual, para a ré F e enriquecimento sem causa para os co-réus).</font><br> <font>Para o efeito, há a considerar nuclearmente -</font><br> <font>I - do pedido global, as parcelas assim justificadas -</font><br> <font>a)- por não terem podido dispor do estabelecimento desde o momento em que devia ter sido entregue, por caducidade do contrato (em 89.09.19), da exploração beneficiando exclusivamente os réus até à sua devolução em Janeiro de 1997, sem contrapartida alguma, a sua condenação no pagamento de indemnização, correspondente ao valor mensal da cessão, estimado em 50000 escudos;</font><br> <font>b)- por não ter sido restituída a utensilagem, em contrário do contratado e julgado, a condenação dos réus em 970000 escudos;</font><br> <font>c)- pelos danos causados no estabelecimento, existentes à data da sua devolução, a condenação dos réus na indemnização de 1000000 escudos;</font><br> <font>d)- pelos danos não patrimoniais sofridos pelos primitivos autores, a compensação de 1500000 escudos, para cada um;</font><br> <br> <font>II - e os seguintes factos -</font><br> <font>a) - em 60.09.19, o primitivo autor cedeu a I, casado com a ré F, a exploração do seu estabelecimento comercial, com sede em imóvel seu, pelo prazo de 29 anos;</font><br> <font>b) - em 72.12.29, o I e mulher «trespassaram» o estabelecimento comercial aos co-réus;</font><br> <font>c) - por sentença de 95.12.11, transitada em julgado, proferida na acção movida pelos aqui primitivos autores aos ora réus (e àquele I) foi decidido que o contrato referido na al. a) é só de cessão de exploração de estabelecimento e que o referido na al. b) está ferido de nulidade sendo ineficaz em relação aos autores, proprietários do estabelecimento, e condenados os réus a devolvê-lo, bem como às instalações com anexos e todo a utensilagem, àqueles;</font><br> <font>d) - o estabelecimento em causa foi devolvido aos autores em princípios de Janeiro de 1997, sem certos utensílios e havendo deteriorações;</font><br> <font>e) - entre 72.12.29 e a restituição a que se refere a al. anterior, quem ocupou o imóvel e explorou o estabelecimento foram os réus G e mulher.</font><br> <font>A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe (CC- 473,1) que, cumulativamente se verifique, um enriquecimento de alguém, sem causa justificativa, obtido à custa de quem requer a restituição.</font><br> <font>Os réus G e mulher com a exploração do estabelecimento e fruição do imóvel onde o mesmo estava instalado uma vantagem patrimonial mas esta assentou num contrato que em relação aos autores foi tido, definitivamente, como ineficaz e, porque tal, era-lhes inoponível.</font><br> <font>Proprietários do estabelecimento comercial em causa continuaram a ser os autores (ou os seus antecessores, os primitivos autores); cessionários do mesmo e arrendatários do imóvel perante os autores eram a ré F e seu marido (após a morte deste, só a ré F), explorassem-no ou não.</font><br> <font>Os réus G e mulher apenas tinham contratado com os cessionários; a vantagem patrimonial daqueles tem uma causa e a ela não corresponde perda de crédito dos autores, não tem como efeito o empobrecimento destes.</font><br> <font>Enquanto o contrato de 1960 vigorou, aos autores poderiam assistir certos direitos mas contra os cessionários como consequência de o de 1972 - inoponível para eles, ter sido celebrado. Porém, a sua celebração não resulta empobrecimento dos autores nem enriquecimento dos réus G e mulher à custa dos autores.</font><br> <br> <font>Tendo caducado o contrato de 1960, tinha a ré F (e o seu marido, então ainda vivo) a obrigação de restituir quer o imóvel (contratual - art. 1.038 al. i) CC) quer o estabelecimento (CC- 405-1 e 406-1) nele instalado (mais rigorosamente - face ao facto 39º, a obrigação de restituição decorre do clausulado, é global e assenta nas duas últimas normas citadas).</font><br> <font>O enriquecimento real é dado pela renda normal que pela cessão seria percebida. Esta renda seria prestada pelos cessionários e não pelos réus G e mulher.</font><br> <font>A exploração do estabelecimento dos autores, instalado em imóvel destes, pelos réus G e mulher viola, a partir da caducidade do contrato de 1960 (só há que conhecer da violação desde esse momento, não há que emitir pronúncia em relação ao período compreendido entre 1972 e 89.09.19), o direito daqueles - constitui um acto ilícito (CC- 483,1).</font><br> <font>A condenação destes últimos não encontra apoio na responsabilidade contratual nem no instituto do enriquecimento sem causa (aliás, recorde-se a natureza subsidiária da obrigação - art. 474 CC) mas na responsabilidade civil por factos ilícitos (no que assiste razão à sentença e aos réus).</font><br> <font>A ré F (e ainda o seu falecido marido) incumpriu o contrato numa das suas cláusulas, a que respeitava ao termo (final) do contrato e, consequentemente, lhe impunha a obrigação de restituição do estabelecimento e do imóvel onde ele estava instalado. Responsabilidade contratual.</font><br> <font>A violação presume-se culposa (CC- 799,1) e a presunção não foi ilidida.</font><br> <font>3 - A referida restituição deveria ter ocorrido quando o contrato que ligava os autores à ré F e seu marido caducou. A partir daí deixou de ter título para dele usufruir ainda que através de terceira pessoa.</font><br> <font>O dano corresponde, mede-se pelo rendimento mensal que a cessão de exploração do estabelecimento permitiria. As instâncias fixaram-no em 50.000$00 mensais e a privação reporta-se a 87 meses.</font><br> <font>Os co-réus questionam o pressuposto da culpa, recusando-o. As instâncias deram-lhes razão por concluírem dos factos sob os nº 52 a 57 que agiram na convicção de que eram arrendatários.</font><br> <font>A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, este devia e podia ter agido de outro modo.</font><br> <font>O que os factos 52 a 57 poderiam autorizar concluir seria haver ou ignorância ou uma má interpretação a lei; porém, nem uma nem outra justifica a falta do seu cumprimento nem isenta os co-réus das sanções nela estabelecidas (CC- 6).</font><br> <font>A circunstância de ter sido consultado um causídico não autoriza qualquer conclusão no sentido de o juízo de reprovabilidade não dever ser emitido em sentido afirmativo.</font><br> <font>A circunstância de em juízo ter sido deduzida defesa no sentido de uma posição mais não significa que o exercício de um direito de defesa - daí não se deduz quer a justeza dessa posição quer a convicção da parte na bondade dessa mesma posição. Não afasta a possibilidade de aquele juízo dever ser emitido em sentido afirmativo.</font><br> <font>Uma das obrigações do arrendatário é pagar a renda ao senhorio (CC- 1.038 a)) e, em ponto algum da sua contestação, afirmaram (e o ónus da afirmação era seu) que as pagavam e que esse pagamento era feito aos primitivos autores, como senhorios. A relação sempre afirmada e reconhecida por sentença transitada foi estabelecida entre, por um lado, a ré F e seu marido e, por outro, os réus G e mulher.</font><br> <font>Datando esta de 1972 e não tendo sido alegado que o contrato com a ré F e marido fosse, desde então (1972), incumprido quanto à obrigação do pagamento mensal da contrapartida nem havendo que presumir a violação contratual, a conclusão é de que, a partir de 89.09.19 (como se disse, não há lugar a aqui nos pronunciarmos sobre o período anterior), os co-réus, tendo caducado o contrato em que tinham feito assentar a sua relação com aquela ré e seu marido, não tinham título algum que justificasse a sua permanência no estabelecimento comercial e no imóvel; deviam e podiam tê-los, de imediato, entregue de modo a que os autores, através da ré F e marido, os pudessem retomar.</font><br> <font>Agiram com culpa.</font><br> <font>Se os tivessem entregue, independentemente do comportamento que a ré F e marido viessem a adoptar, não poderiam ser responsabilizados pelos danos decorrentes da privação nem havia que questionar da (i)licitude da exploração (em causa para esta acção, apenas a posterior a 89).</font><br> <font>Continuando a possuí-los, privaram ilicitamente os autores e, com aquela ré e marido, causaram-lhes danos ressarcíveis.</font><br> <font>Estes têm a expressão pecuniária já aludida acima.</font><br> <font>4 - A ré F aceitou a sua condenação em compensar aos autores os danos não patrimoniais (concluindo, não a pôs em crise).</font><br> <font>Agora só discute o montante da compensação que têm por excessivo (não levou às conclusões das suas alegações na revista o que escreveu a fls. 363 e vº - «no nosso entender estes danos não existiram, ou pelo menos tão intensamente» e, a entender-se o contrário, os réus «não seriam por eles responsáveis, atento o facto de não existir sequer negligência ou má fé no comportamento dos RR» (aqui, há a notar que a Relação manteve a condenação desta ré e não a sentença que a todos condenava).</font><br> <font>Nada alegaram para o efeito da sua redução.</font><br> <font>Tendo defendido, no geral, que a responsabilização apenas se poderia reportar ao lapso de tempo posterior ao trânsito da sentença referida no facto 1º, mas outro tendo sido o entendimento do Supremo a redução mostra-se desadequada.</font><br> <br> <font>Termos em que, embora por fundamentação diversa, se nega a revista.</font><br> <font>Custas pelos réus.</font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br> <font>Lopes Pinto,</font><br> <font>Ribeiro Coelho,</font><br> <font>Garcia Marques.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> "A", propôs contra B, C e D, acção a fim de se condenar os réus a solidariamente lhe pagarem a quantia de 3.207.220$00 (soma da renda vencida e não paga com parte das rendas vincendas e do valor residual, e dos juros de mora vencidos até 94.09.05), acrescida de juros à taxa de desconto do Banco de Portugal, que, de então até 95.09.15, sobre aquela quantia, ascendiam a 304.466$00, e a 1ª ré ainda a lhe entregar o veículo de matrícula BX alegando resolução, por incumprimento, do contrato de locação financeira que com esta celebrou em 93.01.12 e garantido pelas co-rés.<br> As rés seguradoras chamaram à autoria E, incidente que foi admitido, o qual não aceitou a autoria.<br> Contestando, a 1ª ré, confessou o incumprimento e excepcionou o enriquecimento sem causa à sua e do locatário em ALD custa, o abuso de direito e a nulidade da cláusula 11ª do contrato de locação financeira, concluindo pela absolvição dos pedidos.<br> Na sua contestação, as rés seguradoras, além de impugnaram os factos, excepcionaram a nulidade do referido contrato de locação financeira e o abuso de direito, concluindo pela improcedência da acção.<br> Após réplica a cada uma das contestações, prosseguiu o processo até final, tendo sido proferida sentença a condenar a ré no pagamento da renda vencida e não paga de 468.994$00, acrescida de juros desde a data da resolução, reconhecendo-se o direito da autora em reaver o veículo, e a absolver as rés seguradoras do pedido, declarando-se ainda a nulidade da cláusula 11ª, 4.1, por se considerar uma cláusula penal desproporcionada.<br> Apelaram, sem êxito, autora e ré B.<br> Interpuseram recurso de revista a autora (ora, ....) e a ré B, tendo o desta ré ficado deserto.<br> Pretendendo a revogação do acórdão e a condenação das rés no pedido ou, no mínimo, no pagamento solidário da diferença entre o resultado líquido da venda do veículo pela autora e a soma dos montantes em dívida (renda vencida) acrescidos do valor do capital das rendas vincendas e do valor residual, além dos respectivos juros, concluiu a autora, em suas alegações-<br> - entre a autora e a ré B foi celebrado um contrato de locação financeira de um veículo automóvel, pelo período de 36 meses, sendo as rendas pagas em 12 prestações trimestrais, o qual não é um contrato de adesão;<br> - em garantia do pontual cumprimento desse contrato à autora, tal como foi exigido, foi apresentado por essa ré um seguro-caução emitido pelas co-rés;<br> - o seguro caução tinha a natureza de garantia autónoma à primeira interpelação e cobria, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas bem como as vincendas;<br> - a autora resolveu o contrato e exigiu a indemnização por danos patrimoniais prevista no nº 4.1 da cláusula 11 do contrato, contratual e legalmente admissível, e pela qual pretende apenas reaver o capital que desembolsou para financiar a ré B,<br> - cláusula que não obriga o locatário a adquirir a viatura locada,<br> - nem viola qualquer disposição legal imperativa nem se mostra desproporcionada face aos danos a ressarcir, previsíveis no momento da sua estipulação;<br> - a autora é terceiro de boa fé em relação ao contrato de seguro celebrado entre a ré B e as co-rés;<br> - a apólice ajuizada garante o pagamento à autora das rendas devidas pela locação à ré B do veículo em causa e, segundo declaração prévia prestada pelas co-rés tinha a natureza de garantia autónoma à primeira interpelação e cobria, em caso de indemnização, o conjunto das rendas vencidas e não pagas bem como das vincendas, e<br> - a referência a aluguer de longa duração que consta da apólice foi entendida e aceite pela autora como a explicitação do fim a que o veículo foi destinado;<br> - esta interpretação tem correspondência no texto da apólice e a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa deduzir do comportamento do declarante;<br> - pelo que as rés são solidariamente responsáveis pelo pagamento à autora dos valores peticionados ao abrigo daquela cláusula;<br> - ainda que assim se não entendesse, deveriam ser solidariamente condenadas no pagamento da renda vencida acrescida da indemnização por perdas patrimoniais fixada na cláusula 11, ponto 4.2;<br> - ainda que alguma cláusula fosse nula, a nulidade não aproveitaria às rés seguradoras por força da garantia autónoma prestada a fls. 25 e por litigarem em manifesto abuso de direito;<br> - o acórdão fez errada interpretação da matéria de facto e má aplicação do direito, violando o disposto nos arts. 236-1, 238, 243-1 e 2, 244, 334, 405, 564, 798, 801, 1.041 e 1.045 CC, 426 e 427 CCom, e 8-1 a) e 9-2 do dec-lei 183/88, de 24.05, com as alterações introduzidas pelo dec-lei 127/91, de 22.03.<br> Contraalegando, as rés seguradoras defenderam a confirmação do julgado.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto que as instâncias consideraram provada-<br> a)- a autora dedica-se habitualmente e com fins lucrativos à actividade de locação financeira mobiliária;<br> b)- no exercício dessa actividade e em 93.01.12 e 93.04.16, a autora e a ré B acordaram nos precisos termos de fls. 8 a 19 dos autos;<br> c)- tal acordo tinha como objecto o veículo automóvel de marca Land Rover, modelo Discovery Style, matrícula BX, mantinha-se pelo prazo de 36 meses, mediante a satisfação pela ré à autora de 12 retribuições trimestrais, no montante unitário de 408.767$00 (sem IVA), tendo a B destinado o veículo a aluguer de longa duração;<br> d)- entre a ré B e a ré C foi celebrado o acordo de fls. 20 a 24;<br> e)- entre as rés foi celebrado o protocolo de fls. 53 a 60;<br> f)- a ré B, em 93.03.30, por escrito obrigou-se a proporcionar ao chamado o gozo do veículo referido na al. c), pelo prazo de 36 meses, mediante a satisfação de 36 rendas mensais;<br> g)- a ré B deixou de satisfazer à autora a retribuição referente a 94.07.10 no montante de 468.994$00;<br> h)- a autora enviou à ré B, e esta recebeu-a, as cartas cujas cópias se encontram a fls. 26, 27, 29, 31 e 32;<br> i)- a autora deu conhecimento à ré C, através de carta que esta recebeu, da carta enviada à ré B cuja cópia se encontra a fls. 29;<br> j)- a ré C enviou à autora a carta cuja cópia se encontra a fls. 25, que aquela recebeu;<br> l)- o acordo aludido na al. d) entre as rés B e C;<br> m)- a autora não acordaria com a ré nos precisos termos da al. b) se esta não acordasse com a ré C o seguro-caução;<br> n)- a ré B, paralelamente ao acordo aludido na al. f), efectuou um outro de promessa de transmissão do veículo e tal transmissão teria lugar no final daquele;<br> o)- a autora tinha conhecimento desta situação e consentiu-a;<br> p)- a ré D avisou a autora da falta de satisfação do ‘prémio de seguro’ pela ré B;<br> q)- a autora procedeu a tal satisfação, com aceitação da ré D.<br> <br> <br> Decidindo: -<br> 1 - Na sentença, após se reconhecer que o contrato de locação financeira não viola o disposto no art. 2 do dec-lei 171/79 (o veículo automóvel, uma vez que afecto à actividade empresarial da ré B, é um bem de equipamento, e o dá-lo de aluguer de longa duração é a forma desta utilizar o bem que tomou de locação à autora), vigente á data da celebração do contrato, concluiu-se que defender a ré seguradora a tese da nulidade do contrato constitui um venire contra factum proprium (válido para a celebração do seguro-caução e receber os prémios, nulo uma vez que se verificou o sinistro que justifica ser demandada); incumprido o contrato pela ré B, podia a autora resolver esse contrato de locação e o seguro-caução não a exonera do cumprimento das suas obrigações, podendo a mesma demandar, em regime de solidariedade, esta ré e as co-rés, uma vez que se não provou a excepção oposta pela primeira; por fim, concluindo pela nulidade da cláusula 11-4.1 do contrato de locação financeira (não pretendendo a autora obter o cumprimento do contrato, visando a indemnização fundada na resolução do contrato o ressarcimento do interesse contratual negativo e tendo aquela cláusula a natureza de cláusula penal, é ela desproporcionada, pelo que a indemnização não pode abranger as rendas vincendas e o valor residual) e que os autos não contêm elementos que permitam quantificar o prejuízo sofrido com a resolução, apenas condenou a ré B no pagamento da renda vencida e não paga, acrescida de juros de mora, não se ordenando a restituição do veículo dado em locação, a autora tinha direito, por já estar na sua posse.<br> E, quanto às seguradoras, absolveu-as por ter concluído que o contrato de seguro teve por objecto garantir o cumprimento do ALD.<br> Por seu turno, o acórdão recorrido confirmou a sentença mantendo a argumentação da sentença com os seguintes aditamentos e esclarecimentos - a autora, replicando, não invocou a existência do ‘acordo comercial’ quando negociou o contrato com a ré B e nada disse sobre a inaplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais pelo que é questão nova não cognoscível; é incompatível com o pedido de resolução do contrato simultaneamente pedir as rendas vincendas, o que pressupõe interesse no cumprimento do contrato; só poderia exercer os seus direitos de crédito em alternativa; inexiste nos autos, tanto mais que não houve contactos directos entre a locadora financeira e as seguradoras, qualquer elemento de facto de que a vontade real da seguradora, quando outorgou o contrato de seguro-caução com a ré B, fosse a de garantir as rendas de locação financeira e não as rendas do ALD.<br> 2.- Segundo a pet., o pedido contra a ré B assenta no incumprimento do contrato de locação financeira, o que lhe permitiu resolvê-lo e peticionar as consequências advindas da resolução, e o pedido contra as co-rés em, tendo-se como beneficiária do contrato de seguro-caução que, a seu ver, garantia o risco de incumprimento daquele, accionar a garantia que cobria as rendas vencidas e vincendas.<br> Decorre daqui que, tal como é configurada a acção, surge um núcleo comum de factos sendo que é dele (incumprimento da locação financeira e acerto da resolução) que a autora parte para uns outros, estes directamente relacionados com o seguro-caução.<br> Saber se o contrato celebrado entre as rés efectivamente garante o incumprimento do contrato de locação financeira é questão de fundo, de mérito da acção contra as co-rés.<br> A procedência do pedido quanto às co-rés- se antes não houvesse esse núcleo comum - passou a depender da apreciação de factos em que assentava o pedido formulado contra a ré B (o incumprimento do contrato de locação financeira e acerto da resolução). Isso era essencial para se poder entrar na causa de pedir (passada a considerar como accionada) quanto às co-rés (o incumprimento da garantia do interesse contratual negativo ou de confiança).<br> 3.- Contraalegando, as co-rés mantêm a tese da nulidade da locação financeira.<br> Os factos revelam a existência de 4 contratos - o primeiro, celebrado entre a autora e a ré B, o contrato de locação financeira; ao celebrar este, a autora exigiu que a B prestasse garantia e daí o contrato de seguro-caução entre as rés, sendo tomadora a ré B, beneficiária a autora e seguradoras as co-rés; tendo como objecto o mesmo veículo (Land Rover, matrícula BX), entre a B e F, foi celebrado um contrato de aluguer de longa duração (ALD), e um contrato-promessa, pelo qual prometia vender-lhe e este comprar o referido veículo no termo do contrato de ALD.<br> As co-rés invocam a nulidade deste contrato por ter como objecto um bem de consumo e não um bem de equipamento, como à data da sua celebração, era exigido, pelo dec-lei 171/79, de 06.06, para a locação de bens móveis (art. 2º).<br> Recapitulemos os factos-<br> - a autora é uma empresa que tem como actividade a locação financeira de bens móveis;<br> - a ré B tem por actividade a celebração de contratos de aluguer, de veículos, de longa duração;<br> - no exercício da sua actividade, a autora celebrou com a ré B, em 93.04.16, o contrato de locação financeira titulado pelos documentos de fls. 8 a 19;<br> - o veículo BX destinava-se a ser cedido, como foi, pela ré B ao F;<br> - a autora sabia que esse veículo se destinava a ser dado de aluguer pela ré B a um particular.<br> Não define a lei o que entende por bens de equipamento (ou de investimento).<br> A doutrina define-os (definição que a jurisprudência acolhe- cfr. ac. STJ de 99.12.16 in rec. 883/99, 1ª sec) como os necessários ao desenvolvimento da actividade de uma empresa do sector terciário da actividade económica, são aqueles que se destinam à actividade produtiva.<br> Como referem os acs. STJ de 00.02.22 e 00.07.11 in recs. 995/99 e 1630/00, ambos da 1ª sec., «é manifesto que o veículo objecto do contrato de locação financeira - bem como os demais cujo uso e fruição temporários foram cedidos à ré B no mesmo regime, não só pela autora, mas também pelas demais locadoras financeiras que operam no mercado e com ela contrataram -, destinaram-se a satisfazer as necessidades da sua actividade, constituindo, assim, bens de equipamento. Dedicando-se a ... B à actividade empresarial de aluguer de veículos, as viaturas por ela dados de aluguer constituem (para ela) verdadeiros bens de equipamento».<br> O facto de a B possibilitar, através do contrato-promessa, que o F, adquirisse, no fim do contrato de ALD, o veículo não significa que para ela, B, o bem deixasse de ser de equipamento, não lhe altera essa qualidade.<br> A autora sabia que o referido veículo se destinava a ser cedido pela locatária financeira a um particular.<br> Certo, mas daí não se retira a existência de um conluio entre a autora, a B e F no sentido de fazer intervir um testa de ferro para iludir, contornando-a, a norma que proibia a locação financeira de bens de consumo.<br> Este teria de ser alegado e provado a fim de quer os negócios simulados (CC- 240,2) quer o negócio real (CC- 241) serem declarados nulos por infracção à lei.<br> Finalmente, para concluir esta matéria, são pertinentes duas observações consideradas naquele ac. de 00.07.11- <br> «A concluir-se que o contrato de seguro-caução garante o cumprimento do contrato de locação financeira celebrado entre a A e a B, representará, com muita probabilidade, abuso de direito por parte da recorrente/seguradora, na modalidade venire contra factum proprium, invocar agora, depois de verificado o condicionalismo para accionamento da garantia, a nulidade do contrato de locação financeira que aceitou garantir.<br> Por outro lado, se se viesse a entender que tal seguro-caução reveste a natureza de garantia autónoma e automática à primeira interpelação, sempre teria de se concluir que a seguradora teria assumido a obrigação de garantir o pagamento da dívida ao beneficiário, independentemente da validade ou eficácia da relação contratual que serve de base ao crédito».<br> Improcede a arguição de nulidade do contrato de locação financeira.<br> <br> 4.- A locação financeira é um contrato a médio ou longo prazo pelo qual uma empresa visa financiar o locatário através do uso de um bem que ele poderá, findo o contrato, adquirir e ficando o locador adstrito a então lho vender (dec-lei 171/79 - arts. 1, 19 c) e 22 e)).<br> A locadora (aqui, a autora) exigiu que a locatária (aqui, a ré B) apresentasse uma caução que assegurasse o pagamento da totalidade das rendas referidas no contrato de locação financeira.<br> Para pagamento dessas rendas à autora foi celebrado um contrato de seguro-caução entre as rés.<br> O dec-lei 183/88, de 24.05, disciplina o seguro de créditos de que o seguro-caução é uma modalidade (este «assume a feição típica de um contrato a favor de terceiro» - Almeida Costa in RLJ 129/21).<br> O seu art. 3-1 indica quais os riscos que podem ser cobertos pelo seguro de créditos e o art. 4 quais os factos geradores do sinistro.<br> Em consonância com o disposto para o seguro de créditos, o seguro-caução cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento de obrigações ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval (art. 6-1).<br> Destes contratos de seguro deve constar a identificação do tomador do seguro (art. 8-1 a)), sendo o seguro de créditos celebrado com o credor da obrigação segura e o seguro-caução com o devedor da obrigação a garantir ou com o contra-garante, a favor do respectivo credor (art. 9-1 e 2) e a obrigação a que o seguro se reporta (art. 8-1 b)).<br> Pelo seguro-caução, o segurador garante ao segurado, até ao limite do capital seguro, em caso de incumprimento pelo tomador do seguro da obrigação assumida, o pagamento da importância que deste devia receber (art. 7-2; cfr., art. 2-1 das condições gerais da apólice junta a fls. 26).<br> Tomador do seguro, aquele que com a seguradora contrata e que paga o respectivo prémio, é o devedor, que pretende garantir a obrigação, podendo ser a pessoa que age por conta dele; segurado, aquele que é o beneficiário do seguro, quem é o credor da obrigação a garantir, a entidade a favor de quem reverte o direito a ser indemnizada; segurador é a companhia de seguros que garante o cumprimento da obrigação, o pagamento da quantia em dívida.<br> Face a estes elementos - de facto e de direito, temos que a garantia prestada se refere a um crédito de um terceiro alheio ao contrato. A figura é, pois, a de contrato de seguro-caução e não a de contrato de seguro de crédito.<br> Contrato formal, por força do disposto no art. 426 CCom, sendo aquela forma exigida ad substantiam (CCom- 426 e CC- 364,1). «Esta conclusão é reforçada pela circunstância de várias disposições do dec-lei 183/88- nomeadamente os seus arts. 5-3, 6-3, 8-2, 9-2, 11-2 e 13-1- se referirem à apólice emitida com o teor do seguro convencionado» (do citado ac. de 00.02.22).<br> Porque assim, tendo os elementos que constar da apólice, por esta terá de começar a análise, sendo de ter presente que o seguro-caução resultou de uma exigência da autora à ré B e para sua (dela, autora) garantia.<br> Co-seguradoras, as rés C e D que garantem ao beneficiário, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador, em caso de incumprimento, por este, da obrigação garantida (segundo as condições gerais da apólice).<br> Tomador do seguro, a ré B (segundo as condições particulares da apólice).<br> Beneficiário, a autora (segundo as condições particulares da apólice).<br> Objecto da garantia, pagamento de 12 rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Land Rover- BX (segundo as condições particulares da apólice).<br> Duração da garantia, 36 meses, com início em 93.04.16 e termo em 96.04.15 (segundo as condições particulares da apólice- 8 dias após a recepção da proposta que, se tiver sido feita aquando da celebração do contrato em 93.05.20, dão 93.05.28, cfr. art. 7-1 das condições gerais).<br> O veículo de matrícula BX foi objecto dos contratos de locação financeira (entre a autora e a ré B) e o ALD (entre a ré B e F).<br> Enquanto a autora e a esta ré defendem que o risco garantido foi o do incumprimento do contrato de locação financeira, já as co-rés defendem ter sido garantido o risco relativo ao ALD.<br> Dispõe a lei que a declaração negocial vale de acordo com a vontade real do declarante se ela for conhecida do destinatário (CC- 236,2); não o sendo, vale com o sentido que possa ser deduzido do comportamento do declarante por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (CC- 236,1).<br> Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (CC- 238,1); esse sentido pode valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (CC- 238,2).<br> 6.- Constitui jurisprudência uniforme e constantemente afirmada que o apuramento da vontade real do declarante e do seu efectivo conhecimento por parte do declaratário são insindicáveis pelo STJ por caberem dentro da averiguação da matéria de facto (cfr., por todos, cit. ac. de 00.02.22).<br> Conforme se referiu antes (cfr., ponto 3), ficou demonstrada que as rés manifestaram uma vontade real comum no sentido de o acordo visar a garantia das obrigações assumidas pela B no âmbito do contrato de locação financeira que firmou com a autora.<br> Tal vontade real, comum a ambas declarantes, tem no texto da apólice correspondência embora esta tenha ficado expressa imperfeitamente.<br> A menção «referentes ao aluguer de longa duração» não pode ser lida desligada, como que isolada do texto em que se insere, e tem de ainda de ser entendida atendendo às demais circunstâncias que rodearam as negociações que no seguro-caução desembocaram.<br> Não foi impugnada a sequência cronológica até à formação do concreto contrato de locação financeira e, como facto revelado, plenamente provado, pelos autos pode e deve o STJ tê-lo como adquirido. Interessa ele à interpretação da expressão referida supra e à fixação do sentido da vontade dos declarantes.<br> Esse facto é o seguinte -<br> - em 93.01.12, a autora e a ré B celebraram um contrato de locação financeira mobiliária (de tipo multiuso) e em 93.04.16 celebraram um aditamento ao referido contrato tendo a autora locada à ré o veículo de matrícula BX.<br> No seguro-caução fala-se em ‘rendas trimestrais’ (as do ALD eram mensais) e o início do seguro foi 93.04.16, ou seja, a data da locação financeira do BX.<br> A autora exigiu a prestação de garantia e esta foi dada por seguro-caução e neste surge como seu beneficiário a autora.<br> Se beneficiária, era porque em caso de sinistro o concreto crédito de que passasse a ser titular ficava garantido.<br> Que benefício poderia resultar para a autora, que exigira e condicionara a conclusão do contrato de locação financeira à prestação dessa garantia, se as rendas garantidas fossem as do ALD no qual não intervinha nem interveio?<br> O pagamento pela seguradora à ré B do devido pelo incumprimento do ALD é, sempre o seria, distinto do que se passa nas relações desta com a autora nem faz extinguir o direito dela a resolver ou implica renúncia antecipada (a haver, seria nula - art. 809 CC) ao mesmo. Aliás, embora sob capa diferente, esta ré defendeu, na contestação, a renúncia antecipada (art. 15 - compromisso da autora a abdicar de resolver a locação financeira, mesmo em situação de incumprimento pela ré, se fosse prestado o seguro-caução) - apesar de por aquela norma, um tal acordo ser ferido de nulidade, foi o mesmo levado ao questionário (ques. 1º) não tendo logrado obter prova.<br> A interpretação daquela menção não pode alhear-se do que é função do seguro-caução - o indemnizar o beneficiário e não o exonerar o tomador do seguro; a prestação da garantia constitui um reforço do crédito do beneficiário, não é um instrumento de exclusão da responsabilidade do devedor.<br> Segundo as condições gerais da apólice do seguro-caução junta a fls. 23, a seguradora garantiu ao beneficiário, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador do seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida (art. 2-1) e, por sinistro, entende o incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário (art. 1).<br> Tomador do seguro - a ré B;<br> Beneficiário - a autora;<br> Co-seguradoras (repartindo entre elas diferentemente as quotas) - as co-rés.<br> A autora só aceitava concretizar o contrato tipo celebrado em 93.01.12 quando fosse prestada a garantia e daí que esta fizesse coincidir o seu início com a data da locação financeira, marcasse para seu início a data desta.<br> Aquela menção, se lida isoladamente da anterior (pagamento de 12 rendas trimestrais), seria com ela contraditória na medida em que no ALD as rendas eram em nº de 36 e a sua peridiocidade era mensal.<br> Provou-se que a autora sabia que a ré destinava o veículo locado a ALD.<br> A menção ganha sentido se com ela se pretendeu significar não só veículo e que ele fora objecto, primeiro, de um contrato de locação financeira e, a seguir, de um ALD, o que era conhecido por todos os intervenientes num e noutro contrato (sem que isso, em relação a este último, implicasse o conhecimento dos concretos termos, bastando só saber que o houve ou ter acabado de saber que o houve).<br> Isto encontra-se de acordo com a prova efectuada de que a autora não acordaria com a ré nos precisos termos da al. b) se esta não acordasse com a ré C o seguro-caução e explica como é que ele surge e se integra na economia das negociações que conduziram até à locação financeira, dando assim expressão material e concreta ao contrato tipo à sombra do qual aquele se formou.<br> Como se lê no cit. ac. de 00.02.22 «as restantes coincidências assinaladas são bastantes para se afirmar um nexo umbilical entre o seguro-caução e a locação financeira», conclusão plenamente pertinente também aqui.<br> Desinteressa analisar os chamados «protocolos» - além de neles não intervir a autora e não se ter provado que os conhecesse (resposta o ques. 7º), pelo que lhe são inoponíveis, acresce que só relevariam para a interpretação do contrato de seguro-caução se a interpretação pudesse corresponder ao sentido normal das cláusulas da apólice e nelas encontrasse um mínimo de correspondência (CC- 236-1 e 238), o que não sucede. <br> 7.- No seguro-caução não foi estipulada cláusula respeitante à 1ª interpelação, que, a existir, teria de constar da apólice que titula este contrato.<br> A par da garantia geral das obrigações constituída pelo património do devedor (CC- 601) prevê a lei garantias especiais que, podendo ser reais e pessoais, implicam a afectação prioritária de determinados bens ao pagamento de determinada dívida ou a responsabilização de um terceiro pelo cumprimento de uma obrigação do devedor originário (lê-se no ac. de 00.02.22 que, por obter a nossa concordância resumindo o essencial da questão, passaremos a seguir de perto; o dec-lei 171/79 prevê, no art. 28, a constituição dessas garantias a favor das sociedades de locação financeira).<br> Entre aquelas em que há responsabilização de um terceiro destacam-se as que têm, como traço comum, a sua acessoriedade em relação à obrigação principal que por elas é garantida (quanto à fiança - arts. 627-1, 632-1 e 637-1 CC; quanto ao mandato de crédito- art. 629-1 CC; quanto ao aval- art. 32 LULL).<br> Porém, as necessidades do tráfico económico moderno estimularam, viabilizadas pelo princípio da liberdade negocial (CC- 405), o surgimento de figuras convencionadas de garantias pessoais que são autónomas em relação à obrigação garantida na medida em que o garante assume ao credor determinado resultado, assumindo o risco da sua não verificação, qualquer que seja, em princípio, a sua causa (ainda, pois, que o não-cumprimento do devedor se deva a impossibilidade não culposa ou seja uma consequência da invocação de vícios intrínsecos da sua obrigação).<br> O propósito de libertar a actividade comercial do risco de ter de se provar a ocorrência dos pressupostos que condicionam o direito do beneficiário, o que poderia atrasar o pagamento da soma estipulada, levou a que se concebesse a cláusula do pagamento à primeira solicitação deferindo para o devedor, depois de reembolsar o garante da importância que este pagou, o ónus de accionar, para reaver a soma, caso o beneficiário haja procedido sem fundamento.<br> Nada obsta a que o seguro-caução seja o meio para a concessão de uma tal garantia, o que depende de ou integrar o conteúdo típico em face da lei (e não o integrado dec-lei 183/88, que regulamenta o seguro-caução, nada consta a consagrá-la) ou ter sido convencionada (não o foi, como se disse, nem a comunicação de fls. 27 pode, dada a natureza formal do contrato, prevalecer sobre o contido na apólice, desta se destacando, para o efeito, as cláusulas 2-1, 8-2 e 11-4 e 5).<br> O concreto seguro-caução prestado tem a natureza de garantia simples.<br> Em função disso, a autora tinha de alegar e provar, o que efectivamente sucedeu, que a ré B recusara injustificadamente o pagamento pelo que resolvera o contrato de locação financeira- esse o sinistro com base no qual devia, como o fez, reclamar, nada tendo que ver com o cumprimento pela locatária do ALD.<br> 8.- O seguro-caução garante à autora o recebimento da totalidade das rendas, as 12 do contrato de locação financeira.<br> A responsabilidade da seguradora é, em cada momento, aferida pela medida da dívida (em princípio, pois adiante se verá como e a razão para in casu ter uma expressão inferior) do tomador do seguro para com o beneficiário do seguro.<br> A autora (a locadora), embora pudesse optar pelo cumprimento do contrato, fê-lo pela sua resolução.<br> A resolução opera ex tunc o que, todavia, não impede a restituição do veículo à autora nem implica a devolução das rendas recebidas como também não obsta ao pagamento das vencidas (quer pela natureza do objecto quer pela vertente económica da locação financeira, estabelece-se equivalência entre o valor do uso do bem locado e o montante das prestações vencidas, tenham ou não sido pagas; a justificação que na cláus. 11-6 b) se dá para o aí firmado toma essa equivalência como seu pressuposto).<br> Como se afirma no ac. STJ de 01.01.18, rec. 3749/00, rescindido o contrato o interesse de cumprimento transferiu-se para o direito de indemnização que in casu foi contratualmente fixado nos pressupostos e na medida.<br> Tendo a autora resolvido o contrato, por incumprimento culposo da ré, além do direito a dela exigir a restituição do veículo, tem direito a receber da ré B a prestação vencida e não paga, a indemnização contratualmente fixada, uma e outra acrescida dos juros de mora contratualmente fixados.<br> Porque assim, desinteressa questionar da validade da cláus. 11ª do contrato de locação financeira que as instâncias tiveram por nula. Com efeito, a fundamentação das decisões permite concluir que esse julgamento foi proferido apenas em função de pontos (4.1 e 4.2) os quais aqui não tem aplicação, conforme resulta da justificação exposta antes.<br> Porém, antes de se passar para a expressão da indemnização, uma ligeira consideração sobre a (in)validade da cláusula naqueles pontos.<br> As partes previram, como lhes era lícito, a resolução do contrato com base na simples mora no pagamento das rendas. Uma cláusula que num caso destes estabeleça a exigência das rendas vincendas e juros (quando não ainda, a do valor residual) como indemnização tem a natureza de cláusula penal. Ora, essa mesma exigência se, por um lado, configura uma medida equivalente ao cumprimento do contrato (sem que, todavia, a propriedade do veículo locado passe para a locatária), por outro, revela-se, tanto mais quando se estabeleceu no contrato a restituição do veículo à locadora (o que, inclusive, in casu ocorreu), desproporcionada aos danos a ressarcir, no que viola o disposto no art. 19 c) do dec-lei 446/85, de 25.10 (sobre tal, vd. o que, desenvolvidamente, se escreveu no ac. STJ de 99.02.09, proc. 1/99- 1ª s).<br> A indemnização devida (cláus. 11-1) encontra-se contratualmente fixada na cláus. 6-7, é traduzida pelos juros, sobre o montante em dívida, «à taxa do respectivo contrato acrescida da máxima sobretaxa legalmente admitida para pagamentos em mora».<br> Expressa-se a indemnização pelos juros vencidos entre a data do vencimento da renda (94.07.10) e a data da resolução do contrato (94.08.25 - fls. 31) à taxa de 19,75% (17,75% + 2%).<br> A renda vencida e não paga e a indemnização vencem juros de mora, respectivamente, desde o vencimento da prestação (renda) e da data da resolução.<br> O seguro-caução apenas garante as rendas (art. 2-1 das Condições Gerais conjugado com o constante das Condições Particulares - fls. 23 e 20).<br> À renda vencida e não paga acrescem juros mora.<br> Os juros de mora são devidos à taxa contratualmente fixada, a do desconto do Banco de Portugal que sucessivamente esteve e esteja, até integral pagamento, em vigor.<br> <br> Termos em que, julgando-se parcialmente procedente a revista da autora, se revoga o acórdão e se condena:<br> - a ré B no pagamento da renda vencida e não paga, no valor de 468.994$00, e da indemnização calculada em conformidade com o anterior nº 8;<br> - as rés C, e D, solidariamente com aquela ré, no pagamento da renda vencida e não paga, no valor de 468.994$00;<br> - sobre o valor da renda e da indemnização são devidos, nos termos definidos no nº 8, por todas as rés quanto à primeira e só pela ré B quanto à segunda, juros de mora;<br> No mais se nega a rev
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>1. A 12.1.95, no Tribunal da Comarca de Benavente, A , B , C , D , E , F e G , H ,I e J , K e L , e M e N, intentaram acção com processo sumário contra O e P (1) ., pedindo a denúncia de um contrato de arrendamento rural e a condenação solidária dos réus no pagamento de:<br> - 4.964.338$00, a título de rendas vencidas e não pagas;<br> - 2.744.461$00, correspondente aos juros de mora vencidos até à data da propositura da acção e vincendos;<br> - 1.900.000$00, a título de indemnização (por os réus não terem entregue a parcela de terreno arrendada), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos.<br> Os réus contestaram e deduziram reconvenção, pedindo que os autores sejam condenados a pagar a quantia de 10.716.350$00, a título de indemnização pelas benfeitorias realizadas.<br> Pedido que os autores contestaram, alegando que nunca foi dado qualquer tipo de consentimento para a realização de obras no prédio, além de que são inúteis para os autores.<br> 2. Realizado julgamento, foi proferida, a 03.03.2000, sentença que:<br> - julgou válida e tempestiva a denúncia efectuada pelos autores e declarou extinto o contrato de arrendamento celebrado entre o Estado Português e o réu O, em 12.07.84, respeitante ao prédio rústico denominado "Herdade da Aroeira", sito na freguesia de Santo Estevão, concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1°, secções B, B1 e B2, courela com a área de 204,7150 ha, a partir de 03.06.94;<br> - condenou o réu a entregar aos autores o referido prédio, livre e desocupado;<br> - condenou o réu a pagar aos autores as rendas vencidas nos anos agrícolas de 88/89, 89/90, 90/91, 91/92, 92/93 e 93/94, no valor de 208.400$00, cada uma, com o legal acréscimo, as quais se encontram depositadas nestes autos, com o referido acréscimo;<br> - julgou improcedentes os restantes pedidos formulados pelos autores;<br> - julgou procedente a reconvenção deduzida pelo réu e, em consequência, condenou os autores a pagarem uma indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis efectuadas pelo réu no prédio, pelo valor a apurar em execução de sentença (fls. 347-348).<br> <br> 3. Inconformados, réu e autores (estes, subordinadamente) apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15.05.2001:<br> - julgou improcedente a apelação do réu, confirmando, nessa parte, a sentença;<br> - na parcial procedência do recurso dos autores, condenou o réu a pagar aos autores, a partir do ano agrícola de 1994/95, inclusive, e anos seguintes, até à efectiva entrega do prédio a estes, uma indemnização, com fundamento na sua ocupação indevida, e a título de enriquecimento sem causa, calculada nos mesmos termos das rendas, relativas aos anos de 1988/89, 89/90, 90/91, 91/92, 92/93 e 93/94, neste caso, no valor de 208.400$00 cada uma, com o legal acréscimo, sendo que, a partir da constituição do réu em mora, nos termos do disposto no artigo 1045, nº 2, do Código Civil, essa indemnização é elevada ao dobro;<br> - condenou os autores a pagarem ao réu a quantia correspondente às benfeitorias necessárias e por este realizadas, respeitantes à desmatação da parcela em questão, a que se referem os quesitos 21°, 22°, 23° e 24° (2) e respectivas respostas aos mesmos, neste caso, a liquidar em execução de sentença, com recurso, se vier a mostrar-se necessário e na oportunidade, nos termos do disposto no artigo 809 do CPC, à liquidação por árbitros;<br> - autorizou o réu O a proceder ao levantamento das já supra mencionadas obras (as alegadas "benfeitorias úteis") por ele realizadas na mesma parcela;<br> - decidiu, quanto ao mais, a manutenção da sentença, designadamente quanto à extinção do contrato de arrendamento e à entrega do prédio/parcela pelo réu aos autores, livre e desocupado de pessoas e bens (fls. 433-434).<br> 4. É deste acórdão que o réu interpôs o presente recurso de revista, oferecendo alegações de que extraiu as seguintes conclusões:<br> "1ª O presente recurso versa sobre a validade e tempestividade da denúncia e condenação no pagamento de rendas vencidas referentes aos anos agrícolas de 88/89, 89/90, 90/91, 91/92, 92/93 e 93/94, no valor de 208.400$00.<br> 2ª O douto acórdão recorrido, no seguimento da sentença de 1ª instância, considerou válida e tempestiva a denúncia efectuada pelos autores e declarou extinto o contrato de arrendamento celebrado em 12.7.84 entre o Estado Português e o ora recorrente respeitante ao prédio rústico denominado "Herdade da Aroeira", sito na freguesia de Santo Estevão, concelho de Benavente, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1º, secções B, B1 e B2, courela com a área de 204,7150 ha, considerando válida e tempestiva aquela denúncia a partir de 3.6.94.<br> 3ª Mais se condenou o réu, ora recorrente, a pagar aos autores as rendas vencidas nos anos agrícolas de 88/89, 89/90, 90/91, 91/92, 92/93 e 93/94, no valor de 208.400$00, cada uma, com o legal acréscimo, as quais se encontram depositadas.<br> 4ª Nos referidos autos de 1ª Instância, e no que à denúncia diz respeito, resultou provado que em 12.7.84 o Estado Português deu de arrendamento ao réu a courela com a área de 204,7150 ha do prédio rústico denominado "Herdade da Aroeira", assumindo os réus a posição contratual do Estado no referido arrendamento, tendo o contrato início em 4 de Junho de 1984, pelo prazo de 6 anos, sucessivamente renovável por três anos, enquanto não denunciado.<br> 5ª Por carta registada de Junho de 1990, os autores, através da cabeça de casal, denunciaram o contrato de arrendamento que vigorava para o termo do respectivo prazo, solicitando a sua entrega para 3.6.1993, como vertem na petição inicial.<br> 6ª Os autores sustentam que o contrato de arrendamento teve o seu início em 4.6.1884 (3), renovou-se em 4.6.1990, com o final de prazo de renovação em 3.6.1993.<br> 7ª O prazo inicial de vigência do contrato não terminava em 3 de Junho de 1990, uma vez que em consequência da aprovação do novo Regime do Arrendamento Rural, pelo Decreto-Lei 385/88, de 25 de Outubro, o prazo inicial do arrendamento passou a ser de 10 anos ( art. 5, nº 1), sendo esse regime aplicável aos contratos existentes à data da entrada em vigor do referido diploma (artigo 36, n. 1).<br> 8ª Da conjugação do artigo 12 do Código Civil com o artigo 36 do DL nº 385/88 resulta que este diploma tem eficácia retroactiva, ressalvando-se, no entanto, os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.<br> 9ª O período inicial do contrato passou a ser de 10 anos, terminando portanto em 4 de Junho de 1994.<br> 10ª A carta de denúncia enviada pelos autores para o fim do prazo, que de acordo com a petição inicial era 3.6.1993, era inválida, não estando o réu de modo algum obrigado a cumpri-la.<br> 11ª O direito de denúncia do arrendamento rural é uma causa de extinção do mesmo, extinção que apenas ocorre verificando-se um facto: a própria denúncia.<br> 12ª Dispõe a lei que a denúncia só pode ser efectuada para o termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, pelo que é requisito da denúncia a identificação correcta do termo da renovação.<br> 13ª Até porque, a denúncia ao constituir o arrendatário na obrigação de entrega do arrendado não deixa de ser uma interpelação que condiciona a existência e o vencimento da obrigação, pelo que, como condição de vencimento, tem que indicar correctamente quando ocorre esse vencimento, o que não acontece com a denúncia dos autores.<br> 14ª Os autores, em resultado da denúncia, exigiram ao réu a entrega do prédio para 3.6.1993 como claramente consta da petição inicial.<br> 15ª Tal denúncia pretendia reduzir o arrendamento a prazos inferiores aos previstos na lei pelo que é nula não podendo operar os seus efeitos, só não ficando o réu desapossado da terra em 3.6.1993, com os prejuízos inerentes, porque se recusou a cumprir o constante da denúncia ilegal dos autores.<br> 16ª Não tendo o contrato de arrendamento sido validamente denunciado, não carecia da oposição prevista no artigo 19º da LAR porquanto tal preceito refere-se à oposição à denúncia válida e não à oposição à denúncia nula e inexistente.<br> 17ª Assim sendo, o contrato renovou-se automaticamente em 4 de Junho de 1994, ocupando o ora recorrente, à data da propositura da acção, a parcela dos autos com título para tal: nada mais que o arrendamento plenamente válido.<br> 18ª Mesmo entendendo-se como válida a denúncia, mal decidiu a 1ª Instância ao condenar o réu a pagar aos autores as rendas vencidas nos anos agrícolas de 88/89, 89/90, 90/91, 91/92, 92/93 e 93/94, no valor de 208.400$00, cada uma, com o legal acréscimo, as quais se encontram depositadas.<br> 19ª O valor fixado contratualmente para as rendas é de 38.457$00/ano.<br> 20ª Os autores fixaram rendas que ultrapassavam o quíntuplo do limite legal: 1.023.000$00 (89) e 1.125.000$00 (90, 91, 92, 93 e 94).<br> 21ª O que veio a ser reconhecido na sentença ao condenar-se o réu no pagamento da renda anual de 208.400$00, limite máximo previsto na lei, aceitando a tese do réu.<br> 22ª O senhorio poderá actualizar a renda desde que não ultrapasse os limites máximos fixados nas tabelas referidas no artigo 9º do DL 285/88 (4), estabelecendo o nº 2 do artigo 8 do DL 385/88 que na falta de acordo entre as partes, até decisão final com trânsito em julgado, vigorará a renda fixada pelo senhorio desde que respeite o limite das tabelas em vigor.<br> 23ª Ora, o réu depositou as rendas resultantes da aplicação das tabelas fixadas por Portaria à classe de solos arrendada e fê-lo de acordo com a prudência das cautelas, porque não tinha de o fazer.<br> 24ª O réu quis pagar a renda contratualmente fixada, 38.497$00/ano, o que os autores recusaram.<br> 25ª A renda estabelecida pelos autores ultrapassa os limites máximos legais violando o estabelecido no nº 1 do artigo 8 do DL 385/88, sendo assim inválida.<br> 26ª Não se podendo aplicar o nº 2 do artigo 8 do DL 385/88, como pretendem os autores, porque tal preceito é inconstitucional.<br> 27ª Os Tribunais nos feitos submetidos a julgamento não podem aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados - artigo 204 da Constituição da República Portuguesa.<br> 28ª O Acórdão recorrido ao aplicar o nº 2 do artigo 8 do DL 385/88, ainda que com o limite máximo legal, violou o disposto nos artigos 168, nº 1, al. c), e 204 da Constituição da República Portuguesa.<br> 29ª Tal dispositivo legal, nº 2 do artigo 8 do DL 385/88, enferma de inconstitucionalidade orgânica por incidir sobre matéria reservada da Assembleia da República e o Governo não se encontrar munido de autorização legislativa.<br> 30ª O que foi confirmado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 414/96, de 7 de Março, BMJ 445-133, que julgou a norma inconstitucional por violação do disposto no artigo 168, nº 1, al. c), da Constituição da República Portuguesa.<br> 31ª Mesmo que tal disposição legal, nº 2 do artigo 8º do DL 385/88, não fosse inconstitucional só teria aplicação desde que a renda respeitasse os limites das tabelas em vigor.<br> 32ª Acresce que as Portarias 82/89, 1152/90 e 104/94, que estabelecem os limites máximos das rendas, referem que são nulas e de nenhum efeito quaisquer cláusulas contratuais (e por maioria de razão qualquer imposição unilateral) que contrariem os limites máximos - artigo 2º das referidas Portarias e artigo 294 do Código Civil.<br> 33ª Sendo nula a fixação da nova renda restabelece-se a renda inicialmente em vigor e fixada contratualmente, isto é 38.457$00 anuais.<br> 34ª Assim, até decisão judicial com trânsito em julgado que estabeleça uma renda diferente a renda em vigor será sempre a renda contratual de 38.497$00/ano (5) .<br> 35ª Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido na parte em que se considera válida a denúncia dos autores, considerando-se assim a acção como improcedente e não provada, por violação dos artigos 18, 5, nº 1, e 36, nº 1, do Decreto-lei 385/88, 12 do Código Civil e artigo 661 do C. P. Civil.<br> 36ª Entendendo-se como válida a denúncia, deve também ser revogado o Acórdão recorrido na parte em que a condenação no pagamento das rendas excede o valor contratualmente fixado (38.457$00/ano) e referente aos anos agrícolas de 88/89, 89/90, 90/91, 91/92, 92/93 e 93/94, por violação do disposto nos artigos 168, nº 1 , al. c), e 204 da Constituição da República Portuguesa, artigos 2 das Portarias 82/89, 1152/90 e 104/94 e artigo 294 do Código Civil.<br> 37ª Os autores, recorrentes no recurso subordinado, foram condenados em 1ª Instância no valor das benfeitorias realizas pelo réu, com autorização escrita do Estado Português, decisão revogada pelo douto Acórdão impugnado.<br> 38ª Ficaram provadas em 1ª instância as benfeitorias constantes dos quesitos 9º a 11º, 14º, 16º, 18º, 20º, 21º, 22º, 23º, 25º, 27º a 40º, daí resultando que o réu, recorrido no recurso subordinado:<br> i - Desmatou a parcela arrendada (respostas aos quesitos 21º, 22º, 23º e 24º (6) <br> ii - Vedou o perímetro da parcela arrendada e dividiu-a em sete parques com postes colocados à distância de 3 metros, com arames farpados, no total de cerca de 5 quilómetros;<br> iii - Construiu canalizações ao longo de 3 quilómetros;<br> iv - Construiu 4 tanques e bebedouros para gado;<br> v - Construiu um enjaulamento para gado bravo, uma manga para vacinação, um cais de embarque e mangas de acesso.<br> 39ª A douta sentença recorrida considerou necessárias as benfeitorias de i e úteis as de ii, iii, iv e v.<br> 40ª Aquelas benfeitorias são indemnizáveis nos termos do DL 385/88 e do artigo 1273 do C. Civil, porque necessárias as referidas em i e úteis autorizadas pelo senhorio (Estado) as de ii, iii, iv e v, e também dos artigos 514 e 664 do CPC.<br> 41ª Tal decisão sustenta-se em factos considerados provados: a realização das benfeitorias e a autorização para a realização das mesmas pelo senhorio, que os autores, ora recorrentes no recurso subordinado, impugnaram, sem sucesso, na 1ª Instância.<br> 42ª Ao pedir, exclusivamente, a indemnização por benfeitorias realizadas, o réu pôs de parte a possibilidade das mesmas poderem ser levantadas, facto que jamais mereceu contestação por parte dos autores em 1ª instância, limitando-se os mesmos a impugnarem pela utilidade dessas benfeitorias para o prédio dos autores, utilidade esta que ficou provada em sede própria.<br> 43ª Os autores jamais alegaram que as benfeitorias realizadas pelo réu poderiam ser levantadas, pelo réu, sem detrimento da coisa, nem tampouco ficou provado esse facto.<br> 44ª O douto Acórdão da Relação veio condenar os autores a restituírem as benfeitorias úteis realizadas no prédio dos autores, em substituição da indemnização.<br> 45ª Tal decisão colide, no entanto, com a matéria dada como provada em sede julgamento de 1ª instância.<br> 46ª Na verdade, não pode esquecer-se que os autores pediram a indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas por entenderem não ser possível o seu levantamento, não invocando o réu, ora recorrido, a questão de ser possível levantar essas benfeitorias, pelo que não ficou provado ser possível levantar as benfeitorias sem detrimento da coisa.<br> 47ª O Acórdão da Relação, no que concerne às benfeitorias úteis, assenta em matéria que não foi alegada nos autos nem foi dada como provada, decidindo, assim, sobre matéria em relação à qual não pode tomar conhecimento.<br> 48ª Só ao senhorio pertence dizer se as benfeitorias úteis podem ser levantadas sem detrimento da coisa.<br> 49ª Deverá em sede de benfeitorias revogar-se o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença recorrida".<br> Os recorridos pugnaram pela confirmação do julgado (fls. 463-479).<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>Sendo o âmbito do recurso balizado pelas conclusões do recorrente (artigos 684, nº 3, e 690, nº 1, ambos do CPC), no caso em apreço são três as questões que importa dirimir (7) , e que respeitam:<br> - à tempestividade e validade da denúncia do contrato de arrendamento;<br> - ao montante das rendas vencidas, a cujo pagamento o réu foi condenado;<br> - às benfeitorias.<br> No que às duas primeiras concerne, o recorrente reproduz textualmente as conclusões apresentadas com o recurso de apelação (8), não cuidando de oferecer uma qualquer argumentação no sentido de rebater aquela em que o acórdão fundou a sua decisão, nada inovando, portanto, quanto à posição que defendeu perante o Tribunal da Relação, reiterando assim, neste recurso de revista, as mesmas teses que já antes defendera e que não mereceram acolhimento.<br> Como quer que seja, temos para nós que o acórdão recorrido, na senda da decisão da 1ª instância, abordou e decidiu com acerto essas duas questões - como, aliás, também a terceira -, recenseando elementos doutrinais e jurisprudenciais que suportam a decisão tomada, que se nos afigura juridicamente correcta, não dando azo a dúvidas sérias.<br> O mesmo vale por dizer que julgamos verificados os pressupostos definidos no nº 5 do artigo 713 do CPC - e, também, do nº 6 mesmo artigo, porquanto a matéria de facto dada como provada não vem impugnada, nem é caso de, oficiosamente, nela se introduzir uma qualquer alteração -, que nos permite negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.<br> Não obstante, apontaremos alguns tópicos que reputamos de maior pertinência e significado.<br> 1. 1ª questão<br> O contrato de arrendamento, celebrado no domínio do DL nº 76/77, de 29 de Setembro, teve início no dia 4 de Junho de 1984 e foi efectuado pelo prazo de seis anos, pelo que terminaria, em princípio (salvo renovação), no dia 3 de Junho de 1990.<br> No entretanto foi, porém, publicado o DL nº 385/88, de 25 de Outubro, que ampliou o prazo para dez anos (artigos 5, nº 1, e 36, nº 1 (9)). <br> No caso dos autos provou-se que os autores, em Junho de 1990, dirigiram ao réu o escrito de fls. 45-46, comunicando-lhe, além do mais, que denunciavam o contrato de arrendamento para o termo do prazo.<br> Escrito em que não figurava a indicação de qualquer data, mas que respeitou o prazo legal de 18 meses (artigo 18, nº 1, alínea b)).<br> O acórdão recorrido julgou a denúncia tempestiva e válida, considerando que:<br> "o que, efectivamente, constitui elemento desencadeador da extinção do contrato de arrendamento é a denúncia tempestiva, por parte do senhorio, isto é, com observância do prazo não inferior ao legalmente previsto para tal, sendo que a indicação da data concreta em que opera o despejo constitui apenas um efeito necessário dessa denúncia.<br> Nas acções de despejo, a questão da data em que há-de situar-se o termo do respectivo contrato nada tem a ver com a essência do pedido; por isso, no caso do senhorio pretender fazer cessar o arrendamento em certa data e se verificar que só poderá ser obtido para um momento ulterior, deverá o tribunal julgar em conformidade. Assim, no caso de, por parte do senhorio, se verificar a incorrecção da data por este indicada, quanto à extinção do contrato, por se tratar de matéria de direito e que, por isso, reveste alguma delicadeza, não pode exigir-se daquele (senhorio) que tenha de ‘acertar’ quanto ao momento, precisa e efectivamente, extintivo do contrato".<br> Este passo, decisivo para a questão ora em causa, merece acolhimento.<br> Traduz ele entendimento que tem vindo a ser sufragado por significativa jurisprudência (cfr. acórdãos do STJ de 15.10.80, BMJ, nº 300-378, de 26.9.96, Proc. nº 194/96, da RL de 8.1.80, BMJ, nº 297-397, da RP de 24.5.79, CJ, ano 1979, tomo III-973, da RC de 24.11.92, CJ, ano 1992, tomo V-63, e da RE de 18.2.81, CJ, ano 1981, tomo I -117) e doutrina (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª ed., p. 576; Jorge Aragão Seia, "Arrendamento Rural", 3ª ed., p. 126, citando, em anotação ao artigo 18º, os acórdãos do STJ de 3.11.93, CJSTJ, ano I, tomo 3-88, da RC de 2.11.93, CJ, ano XVIII, tomo 5-23, e da RE de 27.4.95, CJ, ano XX, tomo 2-268; Pinto Furtado,"Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculísticos", 2ª ed., pp. 551-552).<br> E, diversamente do que parece ser a posição do recorrente, a lei não impõe qualquer prazo máximo para a denúncia, a qual pode, portanto, ser feita em qualquer momento- o que se exige é que seja feita com um prazo mínimo que, no caso, foi respeitado.<br> Bem decidiu, assim, o acórdão ao julgar válida e tempestivamente efectuada a denúncia para 3 de Junho de 1994.<br> <br> <b>2. 2ª questão:</b><br> Fixada a renda inicial em 38.457$00 anuais, os autores, socorrendo-se do disposto no nº 1 do artigo 8º do DL nº 385/88 - que veio permitir que as rendas convencionadas fossem actualizadas anualmente, por iniciativa de qualquer das partes, dentro dos limites fixados nas tabelas referidas no artigo 9º -, entenderam que a renda passava a ser 1.023.575$00.<br> Defendeu o réu que a renda máxima permitida era de 208.400$00 anuais e, nessa conformidade, efectuou os correspondentes depósitos, com os acréscimos legais.<br> Ora, porque foi nesse preciso montante que a sentença de 1ª instância condenou o recorrente, a título de rendas vencidas, podemos dizer, acompanhando o acórdão, <br> "que não se compreenderá que, nesta fase de recurso, venha o réu a colocar em causa os montantes respeitantes a tais depósitos. É que o facto do montante exigido ao réu, por parte dos autores, a título de renda, não corresponder à quantia por estes então indicada (1.023.575$00), isso não implica que aquele não tivesse (e não tenha) de pagar o montante legalmente permitido (208.400$00, com os legais acréscimos). (...) Respeitando tal montante a quantia máxima legalmente permitida, nada tem a ver com a alegada inconstitucionalidade do nº 2 do citado artigo 8º do DL nº 385/88".<br> Certo que o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma constante do nº 2 do citado artigo 8º, considerando que a mesma enferma de inconstitucionalidade orgânica por incidir sobre matéria reservada da Assembleia da República e o Governo não se encontrar munido da necessária autorização legislativa (acórdão nº 414/96, de 7.3.96, BMJ, nº 455-133).<br> Mas bem vistas coisas, a norma que, em rigor, está em causa no caso em apreço não é da no nº 2, mas a do nº 1, ao abrigo da qual os autores entenderam actualizar a renda.<br> Como quer que seja, decisivo é que o montante de 208.400$00 não ultrapassa o limite máximo legal - atendendo aos vários tipos de solo (13,4 ha de cultura arvense da classe C, e a restante de montante de sobro, sendo 13,3 ha de prado sob coberto em solo C) e 177,3 ha de prado sob coberto de sobro em solos D)) e ao valor das rendas fixadas na Portaria nº 104/94, de 10 de Fevereiro.<br> Montante que, repete-se, o recorrente depositou (cfr. fls. 131, 139, 279, 284, 287 e 328), após o ter aceite expressamente na sua contestação (cfr. artigos 18º a 22º, onde articula os factos que conduzem à quantia de 208.400$00, apontada no artigo 23º).<br> 3. 3ª questão<br> O réu deduziu reconvenção, pedindo a condenação dos autores numa indemnização de 10.716.350$00 (cfr. fls. 79).<br> Os autores contestaram o pedido reconvencional, pedindo que o mesmo fosse declarado não provado e improcedente (cfr. fls. 105).<br> Divergiram as instâncias em matéria de benfeitorias.<br> 3.1. A 1ª instância, não obstante ter distinguido entre benfeitorias:<br> - necessárias (as provenientes da "desmatação"- respostas aos quesitos 20º, 21º, 22º e 23º (10) e<br> - úteis (as referidas nas respostas aos quesitos 9º, 10º, 11º, 14º, 16º e 18º),<br> a todas considerou indemnizáveis segundo as regras do enriquecimento sem causa, dado que as benfeitorias úteis foram efectuadas com autorização escrita do Estado Português (o qual, na qualidade de senhorio, através do Instituto de Gestão e Estruturação Fundiária, deu de arrendamento o prédio ao réu).<br> E porque não resultou provado nem o custo das obras realizadas nem o custo actual, condenou os autores a pagarem uma indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis efectuadas pelo réu, pelo valor a apurar em execução de sentença.<br> 3.2. Foi diferente o entendimento do acórdão recorrido.<br> Na verdade, quanto às benfeitorias (necessárias) respeitantes à desmatação (quesitos 20º, 21º, 22º e 23º (11) Detecta-se, aqui, o mesmo lapso que a sentença regista (cfr. nota 2).), condenou os autores a pagarem uma indemnização a liquidar em execução de sentença.<br> Porém, quanto às demais"benfeitorias" (respostas aos quesitos 9º, 10º, 11º, 14º, 16º e 18º (12) , entendeu o acórdão que tinha o réu que ter alegado e provado que, no momento da restituição do prédio (isto é, no momento em que ela deveria operar-se), o prédio se encontrava efectivamente valorizado como consequência directa e necessária das obras realizadas, e ainda que o seu levantamento deterioraria o mesmo prédio.<br> E, a rematar, ponderou:<br> "Para que possa falar-se, com fundamentos plausíveis, em benfeitorias úteis, não basta alegar-se e provar-se apenas que determinadas obras efectuadas no arrendado (no caso, na dita parcela) beneficiam o respectivo prédio; é necessário que essas obras possam ter beneficiado (ou beneficiar), efectivamente, através de factos concretos, o respectivo senhorio / dono do mesmo, isto é, que, concretamente, este delas possa obter um efectivo proveito / resultado, ou ao tempo da restituição do prédio e/ou, pelo menos, num futuro próximo, o que não é o caso".<br> Na conformidade do que, quanto a essas obras (as alegadas "benfeitorias"), autorizou o réu a proceder ao seu levantamento (não lhe reconhecendo, portanto, o direito de ser indemnizado).<br> 3.3. Não podemos, com respeito, acompanhar o acórdão na parte em que nega a qualificação de benfeitorias"úteis" às obras, com o fundamento de que se provou que os autores não têm o propósito de destinar a parcela à exploração pecuária, pelo que, caso tais obras não sejam levantadas pelo réu, os autores acabarão até por ficar onerados com os correspondentes custos para o seu levantamento.<br> Recorde-se que estamos perante obras que foram autorizadas pelo senhorio.<br> O artigo 216 do CC, após prescrever que se consideram benfeitorias<br> "todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa" (acolhendo, assim, um conceito amplo, podendo as despesas "corresponder a trabalhos ou obras de vária ordem" - Mário de Brito,"CC Anotado", vol. I, 1967, p. 238 (13), <br> distingue, no nº 3, entre benfeitorias necessárias- "as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa" - e úteis - "as que, não sendo indispensáveis para sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor".<br> Ora, face ao referido conceito de benfeitorias e às respostas aos quesitos 27º a 32º e 34º a 37º, afigura-se que as obras realizadas pelo réu se reconduzem à qualificação de benfeitorias úteis, certo como é que melhoraram o prédio, aumentando o seu valor ou potencialidade de gozo (14) .<br> Para uma tal qualificação é irrelevante e não tem cabimento convocar, como fez o acórdão, o destino que os autores se propõem dar ao prédio - tanto mais que se provou que "o prédio arrendado destina-se à cultura arvense de sequeiro, pastagem, sobro e pinhal", e que o arrendatário, ora recorrente, se obrigou "a aplicar os conhecimentos e técnicas necessárias à racional exploração do prédio por forma a atingir os índices de produtividade consentâneos com a sua capacidade" (cfr. fls. 31-32 e alínea D) da especificação).<br> 3.4. Não obstante, pensamos que a solução encontrada para as benfeitorias está juridicamente correcta.<br> Dispõe o artigo 1273º do CC:<br> -1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.<br> 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa".<br> 3.4.1. Flui deste texto que, tratando-se de benfeitorias úteis, o possuidor (no caso, o arrendatário) tem, em princípio e antes do mais, direito a levantá-las - a levantá-las, desde que o possa fazer sem detrimento da coisa.<br> E só no caso de não haver lugar ao seu levantamento, gerador do detrimento da coisa, é que ele tem direito ao valor delas (15) <br> Ora, a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a orientar-se, maioritariamente, no sentido de que é ao réu que incumbe alegar e provar a impossibilidade de levantamento, por o mesmo causar o detrimento da coisa (cfr. os acórdãos do STJ de 3.4.98, BMJ, nº 336-420, de 3.5.90, TJ, 6º-312, de 21.5.98, Proc. nº 36/98, de 24.2.99, Proc. nº 85/99, de 13.02.2001, Proc. nº 2985/00, de 26.04.2001, Proc. nº 742/01, da RL de 30.1.92, CJ, ano XVII, tomo I-150, da RP de 2.5.96, CJ, ano 1996, tomo 3º-175, da RC de 12.3.85, CJ, ano X, tomo II-39).<br> Ou seja, é ao peticionante do direito de ser indemnizado pelas benfeitorias úteis que cabe alegar e provar factos sobre se o levantamento poderia, ou não, ser feito sem detrimento da coisa.<br> O que está de acordo com o critério de repartição do ónus da prova plasmado no artigo 342º, nº 1, do CC, pois constitui facto constitutivo do direito o levantamento das benfeitorias causar o detrimento da coisa, ou, por outras palavras, a impossibilidade do levantamento sem detrimento da coisa.<br> 3.4.2. Ora, o réu nada provou quanto a esses pontos.<br> Não provou a impossibilidade do levantamento das benfeitorias sem detrimento do prédio, como não provou que as benfeitorias aumentaram o valor do prédio e que este se encontrava valorizado em consequência das benfeitorias.<br> E também nada provou em sede de enriquecimento sem causa, sabido que o direito ao valor das benfeitorias - que só nasce, como se disse, no caso de não ser possível o levantamento das mesmas - se afere em função das regras do enriquecimento (cfr. acórdão do STJ de 24.2.99, Proc. nº 85/99).<br> Regras definidas no artigo 479, nº 1, do CC - a medida da restituição está sujeita a dois limites, quais sejam, o do custo, que consistirá, em regra, no empobrecimento do possuidor, e o do enriquecimento do titular do direito (Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", vol. III, 2ª ed., p. 43).<br> Improcedem, pelo exposto, as conclusões do recorrente, não se verificando ofensa de qualquer das normas nelas indicadas.<br> Termos em que se nega a revista e confirma o acórdão recorrido.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 23 de Abril de 2002<br> Ferreira Ramos<br> Pinto Monteiro<br> Lemos Triunfante<br> --------------------------------------<br> (1) Mostra-se homologada a desistência do pedido em relação à ré (cfr. fls. 116-118 e 124)<br> (2) Lapso manifesto: é 23º (o quesito 24º teve a resposta de não provado - cfr. fls. 256 e 351 v.)<br> (3) Lapso: é 1984.<br> (4) Lapso: 385/88 (o mesmo lapso regista-se em várias outras conclusões)<br> (5) Lapso: 38.457$00.<br> (6) Cfr. nota 2.)<br> (7) Nem as conclusões, nem o"corpo" que as precede, contêm qualquer ponto de divergência no tocante à condenação do réu na indemnização com fundamento na"ocupação indevida" (a partir de 3 de Junho de 1994), matéria que o acórdão abordou a fls. 427-428.<br> (8) Se é certo que houve o cuidado de introduzir algumas modificações formais ("Conselheiros" e não "Desembargadores", "sentença" em vez de"acórdão), não é menos certo que quanto ao mais há uma <br> reprodução ipsis verbis, quer do corpo das alegações, quer das respectivas conclusões, ao ponto de nestas se repetirem gralhas e lapsos já vindos da peça anterior.<br> (9) Sobre a aplicação deste regime aos contratos já existentes, cfr. acórdão do STJ de 26.6.97, Proc. nº 461/97.)<br> (10) Cfr. nota 2.)<br> (11) Detecta-se, aqui, o mesmo lapso que a sentença regista (cfr. nota 2).<br> (12) Cfr., também, as respostas aos quesitos 25º, 27º a 32º, e 34º a 37º.<br> (13) Cfr., também, Manuel de Andrade,"Teoria Geral da Relação Jurídica", vol. I, p. 273.)<br> (14) Cfr. Oliveira Ascensão, "Direitos Reais", 4ª ed., p. 113.<br> (15) Refira-se que, enquanto o nº 1 fala em direito a indemnização, o nº 2 fala em direito ao valor das benfeitorias.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I</div>A instaurou a presente acção com processo sumário contra B, ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a : (a) reconhecer que a A. é titular do contrato de arrendamento de uma loja com a área de 50 m2, situada no rés do chão de um prédio urbano pertencente à Ré; (b) restituir-lhe a referida loja, no estado em que se encontrava anteriormente a ter sido destruída pela Ré; (c) indemnizá-la pelos prejuízos que sofreu devido a tal destruição.<br> Alega a A., em síntese, que exercia aí o seu comércio de venda de leite e produtos lácteos, tendo, para isso, o local sido tomado de arrendamento em 17 de Janeiro de 1961 pela Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho, a que a A. sucedeu, demolindo-o, porém, a Ré com uma máquina rectro-escavadora, em 29 de Janeiro de 1996, fazendo desaparecer do interior o respectivo equipamento e impossibilitando-a de vender os seus produtos.<br> Contestando, a Ré levantou o incidente do valor da causa, tendo alegado, em síntese, que a A. não é arrendatária da referida loja e que, em qualquer caso, a existir tal contrato, o mesmo seria nulo por inobservância da forma legal. No demais, impugnou os factos alegados pela A.<br> Esta respondeu à matéria do incidente e das excepções.<br> Decidido o incidente do valor da causa, a mesma passou a tramitar sob a forma de processo ordinário, tendo os autos sido remetidos aos Juízos Cíveis da comarca do Porto.<br> Proferido despacho saneador, organizados a especificação e o questionário e decididas as reclamações suscitadas, procedeu-se à audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença em 16 de Janeiro de 1998, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido - cfr. fls. 83 e segs.<br> Inconformada, a A. interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 26 de Janeiro de 1999, julgado parcialmente procedente a apelação, "condenando-se a Ré a, reconhecendo que a A. é arrendatária de uma loja com cerca de 50 m2, voltada para a Rua das Oliveiras, em Ermesinde, com água e luz e quarto de banho, no rés do chão do prédio atrás referido, a restituir à apelante no estado em que se encontrava anteriormente à sua destruição, por forma a tornar possível o exercício do comércio de leite e produtos lácteos, mantendo-se no mais a mencionada decisão". - fls. 114-117.<br> Agora, por sua vez, inconformada, interpôs a Ré a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1. A douta decisão recorrida interpreta de forma incorrecta o disposto no artº 1051º, nº 1, al. e), e no artº 790º, nº 1, ambos do Código Civil;<br> 2. Das ditas disposições não resulta o afastamento da caducidade do arrendamento em caso de demolição do locado, mesmo que este haja sido demolido por acção do senhorio;<br> 3. A eventual ilegitimidade da actuação do senhorio terá os seus efeitos em sede de responsabilidade civil e nunca com a penalização de reconstruir o prédio nos moldes em que se encontrava antes da demolição ou de instalar o inquilino no novo prédio;<br> 4. Uma decisão como a que é objecto do presente recurso pode revelar-se de impossível cumprimento, nos casos, como no da situação sub judice, em que o senhorio já vendeu todo o prédio reconstruído.<br> Contra-alegando, a A./Recorrida pugna pela confirmação do julgado.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>São os seguintes os factos que vêm dados como provados:<br> 1- A Ré é dona e legítima possuidora de um prédio urbano composto de r/c e andar, sito na Rua de Ermesinde, nº 420, freguesia de Ermesinde, deste concelho, descrito na Conservatória sob o nº 02644/021291 - (alínea A) da Especificação).<br> 2- O referido prédio foi adquirido por escritura pública de compra e venda ao anterior proprietário C, lavrada no Cartório Notarial de Valongo, no livro 37-D, a fls. 22 e segs., no dia 29-11-91 - (alínea B) da Especificação).<br> 3- No dia 29-01-96 encontrava-se concluída a demolição do prédio referido em A) e da loja existente no seu r/c, por iniciativa da Ré - (alínea C) da Especificação).<br> 4- Por contrato escrito celebrado em 17-01-61, o vendedor identificado em B) deu de arrendamento à Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho uma loja no r/c, com cerca de 50 m2, voltada para a Rua das Oliveiras, com água e luz e casa de banho, posteriormente integrado no património da A., pelo prazo de um ano, com início no dia 12.01.61, renovável anualmente - (respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º e 4º).<br> 5- Pela renda anual de 6000 escudos, a pagar em duodécimos de 500 escudos, no 1º dia útil do mês anterior ao que respeitar em casa do senhorio - (resposta ao quesito 5º).<br> 6- Destinada ao comércio de leite e lacticínios ou produtos lácteos - (resposta ao quesito 6º).<br> 7- Com autorização de a A. adaptar o seu interior ao seu fim - (resposta ao quesito 7º).<br> 8- A renda actualmente em vigor é de 9567 escudos - (resposta ao quesito 8º).<br> 9- A Ré fez desaparecer do interior da loja o sistema eléctrico, a câmara frigorífica de 1200 l., o equipamento de frio, um petromax, um balcão e uma balança automática - (resposta ao quesito 10º).<br> 10- A Ré, ao levar a cabo a demolição referida, fez desaparecer um quarto de banho - (resposta ao quesito 11º).<br> <br> Justifica-se ainda transcrever os quesitos 12º e 13º, aos quais foi dada a resposta de "não provado" - cfr. fls. 52 e 82.<br> Quesito 12º: Em consequência da demolição da loja a A. está impossibilitada de vender os seus produtos?<br> Quesito 13º: O que lhe acarreta prejuízos?<div>III</div>1 - A única questão que cumpre resolver na presente revista pode ser assim apresentada: A Recorrente insurge-se contra a decisão recorrida por entender que, dos artigos 1051º, nº 1, alínea e), e 790º, nº 1, ambos do Código Civil - diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem menção da origem -, não resulta o afastamento da caducidade do arrendamento no caso de demolição do locado, mesmo que este haja sido demolido por acção do senhorio - conclusão 2ª; na tese da Recorrente, nesse caso, a eventual ilegitimidade da actuação do senhorio será sancionada em termos de responsabilidade civil e nunca com a reconstrução do prédio nos moldes em que se encontrava antes da demolição ou com a instalação do inquilino em novo prédio - conclusão 3ª.<br> 2 - Comecemos por passar em revista os normativos convocados à resolução da questão.<br> Nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 1051º, o contrato de locação caduca "pela perda da coisa locada". Por sua vez, o nº 1 do artigo 790º dispõe que "a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor".<br> Com efeito, a caducidade do arrendamento pela perda da coisa locada representa um afloramento do princípio geral relativo à impossibilidade superveniente da prestação, prevista nos artigos 790º e seguintes ( ) É justamente essa a lição de José Gualberto de Sá Carneiro, in "Alguns Problemas Suscitados pela Caducidade do Arrendamento", "Revista dos Tribunais", Ano 87º, 1969, págs. 195 e segs., mormente a págs. 243 e segs.).<br> Veja-se neste sentido o acórdão da Relação de Lisboa de 04-02-1970 ( ) Publicado na "Jurisprudência das Relações", Ano 16º, 1970, Tomo I, págs. 42 e segs. ). Decidiu-se neste aresto: "Em suma, verificado que, após o incêndio, o imóvel arrendado se inutilizou para servir o arrendamento feito à autora, é de concluir que se operou a caducidade do contrato, nos termos do artigo 1051º, al. f), do Código Civil ( ) Na versão primitiva do Código Civil de 1966, o fundamento de caducidade do contrato de locação que consistia na perda da coisa locada constava da alínea f). E as obras que de novo tornaram o prédio apto para habitação não revalidaram o contrato, não aproveitaram a esta".<br> Reflectindo sobre o âmbito de aplicação da (então) alínea f) do artigo 1051º, que, na redacção originária, se referia à perda da coisa locada, escreveu J. G. de Sá Carneiro que o referido preceito apenas visa o caso de a coisa locada desaparecer, por facto natural - incêndio, terramoto, ou outro idêntico - ou por acção legítima do homem. E acrescentava: "Quer a perda da coisa resulte daqueles fenómenos, quer da demolição, os efeitos são os mesmos.<br> "Mas, para se verificar a perda da coisa prevista na alínea f), é indispensável que ela desapareça; o simples facto de o locatário ser privado do seu gozo não produz a caducidade do contrato e apenas suspende a vida do contrato" ( ) Cfr. loc. cit. na nota (1), págs. 244 e 245.). <br> 3 - Está provado que a Ré procedeu à demolição do prédio e da loja arrendada à A.<br> A jurisprudência existente na matéria é clara no sentido de que a caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada só ocorre se tal perda não for imputável ao senhorio. O que bem se compreende, uma vez que, se assim não fosse, estaria encontrada a forma de tornear, por via da acção directa, os problemas legais decorrentes dos arrendamentos vinculísticos, que a lei não permite. Bem, pelo contrário, a lei impõe ao senhorio a obrigação de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa (artigo 1031º, alínea b)), incompatível com uma actuação daquele no sentido da ilegítima demolição - e consequente perda - do locado. ( ) Como se pode ler no Acórdão deste STJ de 24-10-1996, processo nº 247/96, 2ª secção, decorre do artigo 1º do R.A.U., aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, que uma das obrigações do locador tem de ser a de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina.).<br> Assim, na esteira da lição de J. G. Sá Carneiro, já enunciada, lê-se no sumário do acórdão deste STJ de 22-11-1990, processo nº 079527, 2ª secção, o seguinte:<br> I - Uma das causas de caducidade do contrato de arrendamento é a perda da coisa locada (artº 1051º, al. e), do C.C.), termo que significa o seu desaparecimento, quer por facto natural (incêndio, terramoto, inundação ou outro facto idêntico), quer por acção legítima do homem.<br> II - Neste último caso (desaparecimento por acção legítima do homem), para que a perda da coisa leve à caducidade do arrendamento é necessário que o facto de que resultou essa perda não seja imputável a título de culpa ao próprio senhorio.<br> Também, no sumário do acórdão da Relação do Porto de 19-10-1993, se pode ler o seguinte:<br> (...)<br> III - A demolição do prédio arrendado, por determinação camarária, importa caducidade do arrendamento por perda total da coisa arrendada.<br> IV - Mas a obrigação do senhorio de assegurar o gozo da coisa locada ao arrendatário só se extingue, conduzindo à caducidade do contrato, quando a prestação se torne impossível por causa que lhe não seja imputável.<br> Não surpreende, pois, que o acórdão da Relação do Porto de 25 de Outubro de 1984, que a Recorrente chama à colação em socorro da sua tese, tenha alcance bem diverso do que se pretende dar-lhe nas alegações do presente recurso, retratando uma situação completamente distinta, assente sobre um condicionalismo de impossibilidade superveniente, decorrendo a demolição do prédio de uma imposição camarária em consequência do seu estado de degradação e não de um acto intencional do proprietário para "forçar" a caducidade do contrato de arrendamento.<br> 4 - Já se disse que a norma da alínea e) do artigo 1051º visa o caso da coisa locada desaparecer, quer por facto natural, quer por acção legítima do homem.<br> A acção do homem só é legítima quando seja imposta por lei ou encontre na lei a sua justificação.<br> É necessário, para que a perda da coisa leve à caducidade do arrendamento, que o facto de que resultou essa perda não seja imputável, a título de culpa, ao próprio devedor, ou seja, no caso, ao próprio senhorio. Só assim o devedor fica desobrigado, conforme resulta do nº 1 do artigo 790º.<br> De facto, não oferece dúvidas de que o arrendamento caduca quando, sem culpa do locador, a coisa locada se deteriorou em termos tais que só a sua reconstrução total a pode tornar novamente apta para o fim a que se destinava. O arrendamento não pode num caso destes subsistir, porquanto o prédio, depois de reconstruído, já não é o mesmo: é outro.<br> Para isso, no entanto, é necessário que não haja culpa do locador, quer no facto de o prédio atingir o seu estado de ruína total - pois só esta determina a sua reconstrução por inteiro - quer na demolição que precede uma tal reconstrução.<br> No caso presente, resulta da matéria de facto dada como provada que a demolição do prédio e da loja arrendada à A. foi da exclusiva iniciativa e responsabilidade da Ré/Recorrente, a qual não pode agora pretender prevalecer-se da caducidade do contrato de arrendamento, a qual não ocorreu, atentas as razões já expostas ( ) O contrário representaria uma forma de abuso do direito na modalidade de "venire contra factum proprium".).<br> Pretender colocar a questão em sede de responsabilidade civil geradora do dever de indemnizar, como a Recorrente pretende - em lugar da reconstrução do prédio -, é algo que apenas se colocará em termos de execução de sentença. Aqui e agora, o que está em causa é o reconhecimento da subsistência de um contrato de arrendamento e a consequente ordem de restituição do locado. Se esta não for exequível, é à ora A. que compete optar por outras alternativas proporcionadas pelo título executivo e pelas disposições legais que regem o processo executivo.<br> Improcedem, assim, as conclusões da Recorrente, não tendo a decisão recorrida interpretado de forma incorrecta as disposições legais indicadas na conclusão 1ª.<br> Termos em que, na improcedência da revista, se confirma a decisão recorrida.<br> Custas a cargo da Recorrente. <br> Lisboa, 7 de Julho de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- A, intentou a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra B, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 20720000 escudos, acrescida de juros legais desde a citação e da sanção compulsória de 5% a partir da condenação definitiva, como indemnização pela destituição do autor da gerência da ré.<br> Houve contestação e procedeu-se a julgamento.<br> Pela sentença de fls. 120 e segs., foi a acção julgada procedente, o que veio a ser confirmado, em recurso de apelação, pelo acórdão de fls. 176 e segs.<br> Neste recurso de revista, a ré pretende a revogação daquele acórdão e a sua absolvição do pedido com base, em resumo , nas seguintes conclusões:<br> - a inexistência de justa causa da destituição da gerência é elemento constitutivo do direito invocado pelo autor;<br> - ele não fez prova desse elemento; <br> - a sua actuação integra o conceito de justa causa de destituição;<br> - foi violado o disposto nos artigos 342 n. 1 do CCIV e 257 ns. 6 e 7 do CSC.<br> O autor, por sua vez, sustenta a improcedência do recurso.<br> II- Factos dados como provados:<br> O autor foi gerente da sociedade ré, desde a sua fundação, em 23 de Janeiro de 1976, até ser destituído por deliberação de 25 de Novembro de 1996.<br> Para a destituição do autor fundamentou-se na acta:<br> - a política de vendas a crédito levada a efeito pelo gerente ( A) consistiu sempre na concessão criteriosa de créditos;<br> - porque de tal política resultaram, desde há anos, elevadas somas não recebidas pela empresa;<br> - porque desde há dois anos, designadamente, tais somas atingiram números que vieram a ser observados e apelidados até de "cancro" pelo sócio Sr. C - ex. 1994 -, o que porém não teve qualquer resultado, pois os <br> números supracitados não deixaram de aumentar, sendo que em 1995 - 30 de Julho de 1995 - cifrava-se em 17354000 escudos o montante de crédito mal parado;<br> - em 1996, com o ano ainda não terminado, tais números aumentaram já, também, porquanto do aludido na convocatória se verificam 19550000 escudos, em 30 de Julho de 1996, e 16826000 escudos, em 30 de Agosto de 1996;<br> - a política de crédito que vem sendo analisada é tanto mais inconsequente e laxativa que, sendo desde os primórdios da sociedade costume cobrar ao cliente uma percentagem de 40% a título de sinal com a adjudicação da encomenda, tal costume caiu em desuso, no dia-a-dia orientado pelo gerente, e hoje efectuam-se encomendas sem que a sociedade tenha percebido o que quer que seja.<br> O autor tem na ré uma quota de 36000000 escudos no capital de 120000000 escudos.<br> O sócio C tinha na ré uma quota de 72000000 escudos, tendo em 20 de Dezembro de 1995 dividido essa quota em duas de 36000000 escudos, doando uma delas à D.<br> O Autor propôs e fez seguir acção judicial em 5 de Julho de 1996 para preferir na referida cessão.<br> Os números que o Sr. C refere na acta não traduzem crédito mal parado, mas créditos sobre clientes.<br> O crédito sobre clientes, que era em 1994 de 12105000 escudos, tem pequenas oscilações e, em Setembro de 1996, estava reduzido a 12000000 escudos.<br> O autor ganhava na ré 370000 escudos mensais, por 14 meses no ano.<br> O autor, atenta a sua idade, não consegue emprego ou actividade que o compense economicamente do ordenado mensal perdido na ré.<br> O autor administrou a ré durante cerca de 20 anos e, ao serviço desta, envelheceu.<br> O contrato social não fixa qualquer indemnização para a hipótese de destituição de gerente sem justa causa.<br> Desde os primórdios da sociedade ré esta tinha como norma a exigência de 40% do valor da encomenda para sinalizar o negócio.<br> Encontra-se constituída a firma com a designação de "E" - Empreendimentos Imobiliários Lda." com sede em Santa Maria da Feira, tendo como sócios A, o autor, F, G e H.<br> O capital social é de 5000000 escudos, a quota de cada um dos sócios é<br> de 1250000 escudos e a gerência é afecta a todos os sócios, já designados gerentes.<br> Dos 12000000 escudos de créditos sobre clientes, uma parte deles estava a ser cobrada com normalidade.<br> Da parte restante, em relação a créditos de 3020471 escudos havia dificuldade de cobrança, tendo a sua cobrança sido entregue aos advogados da ré a fim de estes reaverem judicial ou extrajudicialmente os valores.<br> De 1990 a 1996 a ré facturou 2102304416 escudos e cinquenta centavos, a que correspondem 351346502 escudos de IVA, no valor total de 2453650918 escudos e cinquenta centavos.<br> Nas carpetes e tapetes nunca se praticou a exigência de 40% do valor da encomenda para sinalizar o negócio nem o mesmo é praticável por se tratar de vendas à vista e pronto pagamento.<br> O autor autorizou a entrega de tapetes e carpetes a clientes sem que os mesmos tenham pago à vista.<br> O autor não tem qualquer actividade que substitua a de gerente da ré.<br> Após a destituição do autor a ré recebeu, em pouco mais de dois meses, 2370340 escudos.<br> III- Quanto ao mérito do recurso:<br> Pelo artigo 257 n. 7 do CSC, "... o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos ...", e a questão essencial suscitada no recurso respeita ao ónus da prova do requisito relativo à justa causa.<br> Em face do princípio geral consignado no artigo 342 do CCIV, cabe a quem invoca um direito a prova dos respectivos "factos constitutivos" e, á parte contrária, a dos "factos impeditivos, modificativos ou extintivos" desse direito.<br> A repartição desse ónus não obedece a um puro critério de normalidade, devendo antes fazer-se de harmonia com a previsão traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão deduzida, e "não se trata ... de lançar o ónus da prova do facto sobre a parte que o invocou", pois o encargo "imposto a quem alega o direito não se estende a todos os factos que interessam à vigência actual desse direito mas somente aos factos constitutivos dele" (A. Varela, na Rev. Leg. J., 116, p.346).<br> esses factos são os "que servem de fundamento à acção" ou os "idóneos, segundo a lei substantiva, para fazer nascer o direito que o autor se arroga..." (A. Reis, no CPC anot., III, p. 282), não importando, para este efeito, a distinção entre factos positivos ou negativos.<br> Trata-se aqui de saber se a inexistência de justa causa de destituição da gerência é facto constitutivo do direito a indemnização, cabendo a sua prova ao autor (como defende a recorrente), ou, pelo contrário, se a existência dessa justa causa se configura como circunstância impeditiva daquele direito (como sustenta o autor e se decidiu nas instâncias).<br> A letra do citado artigo 257 n. 7 é susceptível de provocar alguma dúvida, o que deu lugar a decisões divergentes deste tribunal de 23 de Junho de 1992, no Bol. 418, p. 793 (naquele sentido), e de 27 de Outubro de 1994, na Col. STJ, II, 3., P. 112 (no segundo sentido).<br> Afigura-se que a própria letra da lei aponta no sentido de a justa causa dever ser qualificada como facto impeditivo do direito a indemnização, por ter a expressão "... destituído sem justa causa" o significado de a destituição haver sido deliberada sem a efectiva existência desse fundamento ou sem a sua prova; e mostra-se irrelevante o facto de, no acto da deliberação, se ter invocado algum motivo que poderia integrar justa causa, uma vez que isso não pode alterar as regras do ónus da prova, sob pena de estas ficarem na livre dependência da vontade dos sócios.<br> Decisivo é o argumento de que o direito de indemnização existe, em princípio, como consequência do próprio acto de deliberação da destituição: do conjunto dos diversos números do citado artigo 257, e em particular do seu n. 1, resulta que a sociedade goza, em regra, de inteira liberdade para destituição de gerentes; mesmo nas sociedades com apenas dois sócios isso pode ter lugar, sendo o recurso à acção judicial necessário apenas para a prova do fundamento da justa causa (acórdão deste tribunal de 4 de Dezembro de 1996, no Bol. 462. p. 441); essa liberdade da sociedade justifica-se pela necessidade de uma relação de confiança com os seus gerentes e a obrigação de indemnização apresenta-se como contrapartida desse direito e compensação pelos prejuízos resultantes da quebra do mandato conferido aos gerentes; como salienta Raul Ventura, a destituição "ou é fundada em justa causa ou sujeita a sociedade a uma indemnização" e a" destituição do gerente satisfaz o interesse da sociedade" mas "não implica o completo sacrifício dos interesses pessoais do gerente" (Soc. por quotas, III, p. 104 e 118); assim, sendo o direito a indemnização consequência directa ou imediata da destituição, a existência de justa causa configura-se como circunstância impeditiva desse direito e o ónus da sua prova cabe à sociedade. <br> Esta solução é imposta ainda pelo princípio da unidade do sistema jurídico, como resulta do confronto com o disposto, entre outros, nos artigos 1170 e segs. do CCIV (revogação do mandato) e 6. do DL 464/82, de 9 de Dezembro (exoneração de gestor público).<br> Alega também a recorrente que "a actuação do recorrido, permitindo que um crédito de 12105000 escudos variasse, em dois anos, apenas 105000 escudos, era suficiente para concluir pela existência de justa causa", que "tal, como os restantes, são objectivamente contrários ao interesse societário ...", e que "a destituição de gerente se alicerçou apenas em critérios de gestão da própria recorrente e da violação pelo recorrido de regras de gestão interna revelando, assim, incapacidade para o exercício das suas funções".<br> Pretende a recorrente que se configura "justa causa de destituição" mas, salvo o devido respeito, é manifesta a improcedência deste fundamento do recurso: essa justa causa implica uma actuação gravemente lesiva dos interesses da sociedade ou uma incapacidade para o exercício das funções (n. 6 do citado artigo 257 do CSC); como se nota no acórdão recorrido, "traduzem os factos provados uma gerência normal, atendendo ao volume de negócios, ao período a que se reporta e aos créditos em risco de serem incobráveis", e isto reconduz-se a simples juízo sobre a matéria de facto, que merece inteira concordância.<br> Em conclusão:<br> A "justa causa" de destituição de gerente de sociedade por quotas, deliberada pelos sócios, configura-se como circunstância impeditiva do direito a indemnização pelo gerente destituído, pelo que o ónus da prova dos respectivos factos cabe à sociedade (artigos 257 n. 7 do CSC e 342 n. 2 do CCIV).<br> A ré não fez prova de factos integrantes dessa justa causa.<br> Pelos exposto:<br> Nega-se a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 1 Junho de 1999.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa, <br> Machado Soares.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> A - SOCIEDADE PORTUGUESA DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, S. A. pediu, pelo 15º Juízo Cível de Lisboa, a condenação de COMPANHIA DE SEGUROS B S. A. a pagar-lhe a indemnização de 47580970 escudos devida no âmbito de diversas apólices de seguro pelas quais a ré garantira os prejuízos decorrentes, para a autora, da falta de cumprimento, pela locatária, de contratos de locação financeira em que a autora foi locadora, ao que acrescem juros de mora até efectivo pagamento, sendo de 3738039 escudos os vencidos até 15/6/93.</font><br> <font> Após contestação em que a ré pediu a absolvição do pedido, os autos prosseguiram até que, depois de audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que absolveu a ré do pedido.</font><br> <font> Em apelação da autora - que entretanto passara a chamar-se "...... - LEASING - SOCIEDADE PORTUGUESA DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, SA" - a Relação de Lisboa proferiu acórdão que lhe negou provimento, confirmando a sentença.</font><br> <font> Inconformada, a autora interpôs o presente recurso de revista em que, pedindo a sua revogação e a prolação de decisão que dê procedência à acção, formula as seguintes conclusões:</font><br> <font>a) A sentença e o acórdão recorridos desconsideram e/ou valoram erradamente os factos provados nos autos. Com efeito,</font><br> <font>b) Quer os avisos de recepção de fls. 163 a 168, quer as cartas de resolução dos contratos (12, 13 e 14) e os contratos (docs. 1, 2 e 3), uns e outros dados por reproduzidos na petição inicial (arts. 12º e 2º, respectivamente) devem considerar-se parte integrante dela, coadjuvando e completando a exposição dos factos em apreço na acção;</font><br> <font>c) A força dos referidos documentos vale como meio de alegação dos factos que eles provam, por remissão e em complemento com os alegados na petição;</font><br> <font>d) E por consubstanciarem factos provados deveriam ter sido incluídos - e não foram - na fundamentação de facto das decisões das instâncias. Daí que,</font><br> <font>e) Tanto a sentença como o acórdão recorridos se tenham fechado num formalismo desmedido derrogando a verdade material que emerge da prova apurada relativamente à questionada resolução dos contratos.</font><br> <font>f) No tocante à afirmação em como a recorrente não fez prova de que o tomador do seguro (Telequipo) se tenha recusado, de forma injustificada, ao cumprimento da obrigação contratual, enjeita-se, por nula, tal alocução, já que a mesma consubstancia matéria assente e provada que as decisões recorridas não podiam pôr em causa por não se tratar de matéria controvertida.</font><br> <font>Respondeu a ré no sentido da improcedência do recurso.</font><br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br> <font>Do acórdão recorrido constam como assentes os seguintes factos:</font><br> <font>1. A autora é uma sociedade parabancária que tem por objecto exclusivo a locação financeira de bens de equipamento;</font><br> <font>2. No exercício da sua actividade comercial, a autora deu em locação financeira à AEP - Automática Eléctrica Portuguesa, S. A. diversos equipamentos, nos termos e condições dos contratos de locação financeira nº 13.637, 15.171 e 15.172, conforme cópias juntas aos autos e que se dão por reproduzidas;</font><br> <font>3. Posteriormente a AEP, com o consentimento da autora, veio a ceder a sua posição contratual nesses contratos à Telequipo - Indústria de Telefones e Equipamentos Terminais de Telemática, S. A., conforme instrumento assinado por todas as sociedades, junto por cópia e que se dá por reproduzido;</font><br> <font>4. A AEP e, posteriormente, a Telequipo obrigaram-se a pagar à autora, pontualmente, as rendas durante o prazo dos contratos;</font><br> <font>5. Nos termos das Condições Especiais dos contratos, a AEP obrigou-se a apresentar seguro de caução a favor da autora, destinado a garantir o cumprimento das obrigações emergentes do mesmo contrato para aquela, designadamente a do pagamento pontual das rendas e das indemnizações a que a autora teria direito em caso de resolução dos contratos;</font><br> <font>6. A ré emitiu, para os efeitos do que consta de 5., a pedido da AEP e a favor da autora, as apólices nº 8802494, 8802495, 8802496, 8802497, 8802498, 8802665 e 8802666, cujos títulos e condições particulares e gerais se acham juntas e dão como reproduzidas;</font><br> <font>7. Em resultado da cessão referida em 3., a ré procedeu à alteração do tomador do seguro, que passou a ser a Telequipo;</font><br> <font>8. Ficou convencionado nas condições particulares que a cobertura concedida pelas apólices referidas em 6. garantia os prejuízos decorrentes para a autora da falta de cumprimento, por parte da Telequipo, das obrigações assumidas através dos contratos de locação financeira referidos em 2, mas ficando a responsabilidade da ré limitada ao pagamento das importâncias mencionadas nas condições particulares de cada apólice;</font><br> <font>9. Tendo ainda ficado estipulado nas condições gerais das apólices (art. 10º, nº 5) que, verificado o sinistro, a autora tinha o direito de ser indemnizada pela ré no prazo de 45 dias a contar da comunicação respectiva ;</font><br> <font>10. Em face do não pagamento das rendas estipuladas nos contratos de locação financeira a autora enviou à Telequipo cartas de 23/10/92 comunicando-lhe a resolução dos mesmos;</font><br> <font>11. Decorridos que foram os oito dias referenciados nas cartas de 23/10/92 juntas (cfr. art. 15º, nº 1 da condições gerais do contrato de locação financeira) sem que a Telequipo efectuasse o pagamento das quantias naquelas reclamadas, a autora, em 3/11/92, comunicou à ré, mediante carta, a verificação do sinistro, nela exigindo o pagamento imediato da indemnização global de 47580970 escudos, calculada de acordo com as apólices juntas e nos termos nelas previstos, conforme docs. nº 15, 16, 17, 18 e 19 juntos com a petição inicial e que se dão como reproduzidos;</font><br> <font>12. A autora nunca conseguiu recuperar a posse dos equipamentos objecto dos contratos de locação financeira.</font><br> <br> <font>Uma vez que na petição inicial a autora, aqui recorrente, invocou e juntou as diversas apólices emitidas pela ré, aqui recorrida, e as deu como integralmente reproduzidas sem que o seu conteúdo houvesse sido minimamente posto em causa, interessa destacar que dos respectivos arts. 10º, todos eles iguais, e que regulam o pagamento das indemnizações eventualmente devidas pela seguradora, consta o seguinte, que tem que ser tido aqui como admitido por acordo:</font><br> <font>"4. O direito à indemnização nasce quando, após a verificação do sinistro, o Tomador do Seguro interpelado para satisfazer a obrigação, se recusar injustificadamente a fazê-lo.</font><br> <font>5. Ocorrendo direito à indemnização, de acordo com o indicado no número anterior, o Segurado tem o direito de ser devidamente indemnizado pela Seguradora, no prazo de 45 dias, a contar da data da reclamação."</font><br> <font>Por sua vez, também das respectivas condições gerais consta, com interesse, a seguinte definição:</font><br> <font>"- SINISTRO: O incumprimento atempado pelo Tomador do Seguro, da obrigação assumida perante o Segurado."</font><br> <font>O sentido decisório da sentença, na sequência dos factos enunciados acima, foi o seguinte:</font><br> <font>- não tendo a locatária procedido ao pagamento das rendas estipuladas, verifica-se incumprimento contratual da sua parte;</font><br> <font>- em face disso a locadora optou pelo uso da faculdade, concedida nos contratos, de resolver os mesmos por esse motivo, para o que enviou as necessárias cartas;</font><br> <font>- não se provou, nem foi alegado, que tais cartas foram recebidas pela sua destinatária, nem que o seu teor tenha chegado ao poder desta, o que torna ineficaz a declaração de resolução;</font><br> <font>- a indemnização eventualmente devida pela ré à autora pressupunha ter havido resolução válida e eficaz;</font><br> <font>- por outro lado, também a autora não especificou a forma como apurou a indemnização pretendida.</font><br> <br> <font>Ao apelar, a autora criticou a sentença por não ter feito menção da existência de avisos de recepção que acompanharam as cartas enviadas com as declarações de resolução, dos quais resultaria, em seu entender, a validade e a eficácia das resoluções.</font><br> <font>E defendeu ainda que, tendo havido incumprimento definitivo por parte da locatária e tendo a comunicação do sinistro à ré e a reclamação de pagamento feita junto desta tido também lugar de forma válida e eficaz, se impunha a procedência da acção.</font><br> <font>A Relação rejeitou esta argumentação, acompanhando a sentença na posição tomada quanto à eficácia da resolução e dizendo que não está provada a recusa injustificada da locatária em pagar o que lhe era exigido como devido.</font><br> <font>Nas conclusões a) a e) a recorrente retoma a argumentação tendente ao reconhecimento de que fez operar válida e eficazmente a resolução dos contratos de locação financeira.</font><br> <font>E na conclusão f) sustenta que está demonstrada matéria de facto reveladora de ter havido recusa injustificada, por parte da locatária, em efectuar o pagamento do que devia, cometendo-se nulidade quando a mesma é posta em causa.</font><br> <font>Estão, assim, delineadas as duas questões a apreciar neste acórdão.</font><br> <font>I - Da resolução dos contratos de locação financeira:</font><br> <font> No art. 12º da petição inicial a ora recorrente, depois de ter invocado o atraso da locatária no pagamento de diversas rendas no âmbito dos três contratos de locação financeira, escreveu:</font><br> <font> "Em face da recusa da Telequipo em cumprir aquela obrigação, a Autora procedeu à resolução dos referidos contratos de locação financeira, nos termos das cartas enviadas à Telequipo em 23.10.92, de que se juntam cópias e aqui se dão por integralmente reproduzidas (documentos nº 12, 13 e 14)."</font><br> <font> Impugnado este facto na contestação, foi elaborado, com a mesma redacção, o quesito 3º, o qual, ao ser respondido, consagrou o que acima consta do facto nº 10.</font><br> <font> A posição das instâncias, ao entenderem que, apesar do assim apurado, não há resolução eficaz dos referidos contratos, tem a seu favor o melhor entendimento do direito substantivo e processual aplicáveis.</font><br> <font> A produção de efeitos por uma declaração negocial não tem lugar num momento único, pois varia consoante se trata de uma declaração com ou sem destinatário - recipienda ou receptícia aquela, não recipienda ou não receptícia esta.</font><br> <font> Se, no segundo caso, a declaração é eficaz logo que adequadamente emitida, já no primeiro caso a sua eficácia fica dependente da sua chegada ao poder do seu destinatário ou de ser dele conhecida - cfr. art. 224º, nº 1 do CC -, sendo também eficaz se só por culpa do destinatário não foi recebida e não o sendo se, recebida pelo destinatário, o é em condições de, sem culpa deste, não poder ser conhecida - nº 2 e 3 do mesmo artigo.</font><br> <font> Como diz Meneses Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pg. 119, o CC acolheu a teoria da recepção, embora temperada nalguns dos seus aspectos.</font><br> <font> Não sofre dúvidas a qualificação de uma declaração resolutória de um contrato como uma declaração recipienda; repercutindo-se a vigência de um contrato em efeitos jurídicos que se estabelecem entre os seus sujeitos, a resolução, na medida em que os faz cessar, não pode deixar de ser conhecida daquela contra quem é declarada, para que a vinculação não persista unilateralmente.</font><br> <font> Daí que o contraente que pretende resolver o contrato tem que fazer com que a parte contrária disso tome conhecimento.</font><br> <font> Querendo tirar efeitos dessa resolução, tem que alegar e provar os factos pertinentes.</font><br> <font>É evidente que a expedição de uma carta não equivale ao seu recebimento pelo destinatário, nem faz, só por si, com que este a conheça.</font><br> <font>Por isso mesmo é de leitura constante, em articulados processuais, a afirmação de que uma carta foi enviada e, também, recebida.</font><br> <font>Também por isso mesmo os contratos de locação financeira acima referidos continham, nas suas cláusulas 15ª, nº 1, a exigência de que a resolução fosse comunicada por carta registada com aviso de recepção.</font><br> <font>Não tendo dito, no já transcrito art. 12º da petição inicial, que usou esse meio e que as cartas foram recebidas pela Telequipo, a autora, ora recorrente, não satisfez devidamente o ónus de alegação que sobre ela recaía, o que a deixou numa posição processual periclitante.</font><br> <font>Contra o que pretende, esta situação não fica sanada com a junção, que fez em audiência, dos avisos de recepção que efectivamente usara, já que tal junção, nessa fase processual, não podia equivaler à alegação que não fora feita oportunamente; os articulados, normais ou supervenientes, são as únicas peças de que as partes dispõem para expor os fundamentos da acção e da defesa - cfr. art. 151º, nº 1 do CPC.</font><br> <font>Por isso o tribunal colectivo, apesar de ter tido em consideração esses avisos de recepção para efeitos de formação de convicção sobre a expedição das cartas, não consignou que as mesmas tinham sido recebidas.</font><br> <font>Ainda que o tivesse feito, não poderia, em sede decisória, usar-se esse facto, dado o disposto no art. 664º do mesmo diploma.</font><br> <font>Tem a recorrente razão quando diz que este sistema, pelo seu carácter formal, vai contra o que, em termos de verdade material, se teria podido apurar.</font><br> <font>É, no entanto, o sistema legal vigente, que só causa surpresas desagradáveis a quem não observou as regras há muito tempo aplicáveis neste âmbito.</font><br> <font>Por isso, não é possível censurar as instâncias pelo sentido dado às suas decisões.</font><br> <font>II- Da recusa injustificada:</font><br> <font>O mecanismo previsto nas apólices para o pagamento das indemnizações devidas ao segurado, que era a autora, ora recorrente, não corresponde, com exactidão, ao que as instâncias retiveram no facto que acima transcrevemos sob o nº 9.</font><br> <font>Na verdade, tal deve-se à circunstância de a autora, ora recorrente, apesar de ter dado como reproduzido teor das apólices, não ter sido rigorosa ao redigir o art. 10º da petição inicial, ao qual deu a seguinte redacção:</font><br> <font>"Tendo ainda ficado estipulado nas «Condições Gerais» das mesmas apólices (artigo 10º, nº 5) que, verificado o sinistro, a Autora tinha o direito de ser indemnizada pela Ré no prazo de 45 dias a contar da data da comunicação respectiva."</font><br> <font>Dos nº 4 e 5 do art. 10º das apólices resulta, mais exactamente, que à verificação do sinistro, que era a falta de pagamento atempado, deveria seguir-se a interpelação do tomador do seguro para satisfazer a obrigação, nascendo a obrigação de indemnizar se, então, ele se recusasse injustificadamente a fazê-lo. E, ocorrendo então o direito à indemnização, o segurado teria o direito de ser devidamente indemnizado pela seguradora no prazo de 45 dias a contar da data da reclamação.</font><br> <font>Não pode pensar-se que, depois de dar como reproduzido o teor das apólices, a autora conseguisse, com aquela redacção incompleta dada ao art. 10º da petição, alterar o sentido do que foi efectivamente clausulado e, também, por si alegado.</font><br> <font>Sendo assim, há que reconhecer que, ocorrido que foi o sinistro, se não demonstrou que a autora tivesse interpelado a Telequipo nos termos previstos no art. 10º, nº 4 das apólices; tal interpelação, segundo se sabe e a autora alegou na petição, apenas teria sido diligenciada através das cartas onde se declarava a resolução - já que do seu texto consta a exigência do pagamento do que estava em dívida -, mas, não tendo sido alegada, como se disse acima, a respectiva recepção pelo destinatário, não pode ter-se como realmente feita.</font><br> <font>Prejudicada fica, pois, a existência de recusa injustificada de pagamento posterior a essa interpelação.</font><br> <font>E as instâncias, ao afirmarem-no, não puseram em causa, contra o que a recorrente sustenta, a matéria de facto provada.</font><br> <font>Improcedendo, deste modo, todas as conclusões da recorrente, nega-se a revista.</font><br> <font>Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br> <font>Ribeiro Coelho,</font><br> <font>Garcia Marques,</font><br> <font>Ferreira Ramos.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Inconformada com a decisão proferida no acórdão da Relação de Lisboa de 12.7.01, que julgou procedente a oposição do Ministério Público à aquisição de nacionalidade portuguesa por si requerida, interpôs a cidadã brasileira A, recurso de apelação para este Supremo Tribunal (a processar como revista), tirando as seguintes<br> Conclusões:<br> 1- A recorrente demonstrou, como demonstra, uma ligação efectiva e actuante à comunidade nacional;<br> 2- Possui e preenche todos os requisitos para que lhe seja concedida a aquisição da nacionalidade portuguesa;<br> 3- O acórdão recorrido viola a alínea d) do artº 6º da Lei nº 25/94, de 19/8.<br> Contra-alegou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão, admitindo, contudo, que, face à prova complementar produzida e ao patamar sociocultural que deve ter-se como referência para satisfazer o requisito da integração na comunidade nacional, se possa considerar a recorrente na situação de fronteira para a concessão da nacionalidade portuguesa.<br> Com os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.<br> A Relação deu como provado o seguinte quadro factual:<br> A requerida é natural de Goiânia, Brasil, filha de pais brasileiros, onde nasceu em 25.12.74;<br> Reside na Bélgica, na companhia do nacional português B, com quem contraiu casamento em 30.9.94, onde são emigrantes;<br> Adquiriram, por compra, um andar em Leiria, Portugal, onde pretendem radicar-se, quando regressarem a Portugal;<br> A requerida tem ligações à comunidade de emigrados portugueses na Bélgica, frequenta os mesmos restaurantes e tem laços de amizade com emigrantes portugueses e com os portugueses da localidade onde comprou a sua casa e vem passar férias, na companhia do marido, falando a língua portuguesa.<br> Ressumbra ainda dos documentos autênticos insertos nos autos que:<br> Em 25.2.2000, na Secção Consular da Embaixada Portuguesa em Bruxelas, a ora recorrente declarou pretender adquirir a nacionalidade portuguesa (auto de declarações de fls. 14 e 15);<br> Foi autuado na Conservatória dos Registos Centrais o processo nº 7231/00, onde se questionou a existência de um facto impeditivo da pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa, razão pela qual o registo não chegou a ser lavrado (informação de fls. 9 a 11);<br> A recorrente não foi condenada pela prática de qualquer crime (certidões de fls. 19, 20, 21 e 22).<br> Esta matéria, embora não incluída no rol dos factos dados como provados pela Relação, devia tê-lo sido, pelo que pode e deve ser ponderada por este Supremo (artºs 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do CPC e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 427).<br> Postos que estão os factos, vejamos agora o direito.<br> Do que se trata, neste recurso, é de determinar se a recorrente demonstrou, como lhe competia, o requisito da ligação efectiva à comunidade nacional, com vista à aquisição da nacionalidade portuguesa, previsto na alínea a) do artº 9º da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção emprestada pela Lei nº 25/94, de 19/8, e no artº 22º, nº 1, alínea a) do DL nº 322/82, de 12/8, na redacção dada pelo DL nº 253/94, de 20/10.<br> O artº 6º, nº 1, alínea d), referido no conclusório da minuta de recurso, não tem propriamente a ver para o caso, por isso que se refere à aquisição da nacionalidade por naturalização e não por efeito da vontade, sendo esta última a hipótese vertente (cfr. artº 3º, nº 1 da Lei nº 37/81, de 3/10, na redacção da dita Lei nº 25/94).<br> Do dispositivo legal citado em primeiro lugar resulta que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional.<br> Textuando o segundo normativo em referência que todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade... deve comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional.<br> Esta ligação, de que fala a lei, não pode resultar, pura e simplesmente, da circunstância de a recorrente, cidadã brasileira, estar casada com um português há mais de três anos e de declarar a vontade de adquirir a nacionalidade do marido.<br> É um requisito autónomo que, juntamente com os outros dois mencionados, origina o facto constitutivo complexo da aquisição da nacionalidade portuguesa.<br> O mesmo deflui do acórdão deste Supremo, de 20.10.98, processo 822/98 (Relator Cons. Aragão Seia e Adjuntos os também aqui Adjuntos), onde judiciosamente se acrescentou que o interessado tem de demonstrar que está integrado no tecido social nacional através de vários factores, designadamente de laços familiares e económicos, da residência, de conhecimento da língua portuguesa e dos nossos costumes, do relacionamento com as pessoas e frequência dos lugares que estas habitualmente frequentam, enfim, de se identificar com a vivência característica do povo.<br> A residência pode ser um elemento natural de integração numa comunidade, mas o domínio da língua, o convívio familiar, de amizade, profissional, de vizinhança, a participação religiosa, desportiva e recreativa na comunidade portuguesa podem igualmente denotar o envolvimento, a interacção, o sentimento de pertença à mesma comunidade.<br> Assim se ponderou também no acórdão deste Supremo, de 5.2.98, processo 840/97 (Relator Cons. Roger Lopes).<br> É certo que a recorrente tem residido habitualmente na Bélgica.<br> Todavia, deve ser sopesada toda a panóplia factual, não se dando demasiada importância àquele circunstancialismo.<br> Assim, a recorrente é casada com um português há mais de três anos, tem laços de amizade com a comunidade portuguesa radicada naquele país, fala a língua portuguesa (é cidadã brasileira), e comprou uma casa em Leiria, onde mais tarde pretende fixar residência e onde passa as férias com o marido, convivendo durante estas com as pessoas residentes no lugar onde tal casa se situa.<br> O facto de, neste momento, predominar a ligação da recorrente à comunidade dos nacionais portugueses emigrados na Bélgica não deve constituir, em definitivo, um óbice à pretendida aquisição da nacionalidade portuguesa.<br> É que, como se decidiu no acórdão de 25.9.98, no processo nº 456/97 deste Supremo Tribunal (Relator Cons. Sousa Inês), a ligação que se exige é à comunidade nacional, e não ao território português, podendo, por isso, essa ligação acontecer com uma das várias comunidades portuguesas existentes no estrangeiro.<br> E a comunidade portuguesa na Bélgica é hoje em dia uma comunidade relevante, constituída como é por diferentes estratos sociais que vão desde os trabalhadores braçais até às camadas intelectuais, designadamente as que se empregam a nível da União Europeia.<br> Acresce que se não divisa em que é que os valores dominantes nessa específica comunidade de cidadãos portugueses se afastem muito dos reinantes na comunidade portuguesa sediada no território nacional.<br> Ademais, como se frisou, a recorrente também já está de algum modo enraizada nesta última comunidade, porquanto aqui passa as férias com o marido, desde há vários anos, convivendo com os vizinhos quando cá se encontra, aqui pretendendo radicar-se quando ela e o marido resolverem abandonar o país de acolhimento.<br> Como expende Moura Ramos (O Novo Direito Português da Nacionalidade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, Coimbra 1986, I, págs.601), o direito reservado pelo Estado de definir quem integrará o círculo dos seus nacionais aparece como que "em termos de resposta orgânica do tecido social organizado à invasão de elementos poluidores que se entende devam ficar arredados do corpus social" <br> Ora, não nos parece que, atento todo o circunstancialismo descrito, se justifique a exclusão, por "indesejável", da aqui recorrente!<br> Não se nos afigura que a sua ligação à comunidade social não seja séria, aberta e efectivamente desejada, tudo levando a crer que não se trata de um expediente meramente conjuntural ou desenhado com reservadas intenções (cfr. Ac. deste Supremo Tribunal, de 15.5.97, CJSTJ 1997, II, 83).<br> No sentido que vimos preconizando, pode citar-se ainda o acórdão deste Supremo, de 15.6.99 (Relator o Cons. Silva Graça), onde se defende ainda que «a circunstância de... ser cidadã brasileira, só por si, implica uma aproximação decisiva à comunidade nacional. Para além da língua comum, há razões históricas e afectivas que, por sobejamente conhecidas, é ocioso desenvolver».<br> Finalmente, como se entendeu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 21.5.98, proc. 463/98 (em que foi Relator o aqui primeiro Adjunto e primeiro Adjunto o aqui segundo Adjunto) o Estado não quis passar a considerar indesejáveis aqueles que, embora querendo tornar-se seus nacionais, se vêem, por razões de todo alheias á sua vontade, compelidos a ter de preencher os requisitos de uma forma não tão nítida e afirmativa. Desde que não restem dúvidas sobre a sinceridade da sua vontade e de que apenas podem preencher o requisito da ligação efectiva, real, à comunidade portuguesa desse modo, e de que os restantes pressupostos estão observados, fica arredada a situação de fraude á lei, (e a lei quer de todo evitá-la) e está satisfeita a lei, não os tendo o Estado como indesejáveis.<br> <br> Tudo visto e ponderado, considerando minimamente comprovada pela recorrente a sua ligação efectiva à comunidade nacional, acordam em revogar o acórdão recorrido e em julgar improcedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade.<br> Sem custas.<br> Lisboa, 9 de Abril de 2002<br> Faria Antunes,<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho. </font>
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GDLwu4YBgYBz1XKvU10Z
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <p>I - A, intentou acção com processo ordinário contra B; Companhia de Seguros C; Companhia de Seguros D e E, pedindo, como pedido principal, que as rés Companhias de Seguro sejam condenadas a pagar-lhe 1956814 escudos ou como pedido subsidiário, a quantia de 1036336 escudos, e as outras rés condenadas a restituir à autora o veículo locado. </p><p>Alegou que deu em locação financeira à ré "B" um veículo automóvel, tendo esta deixado de pagar as rendas acordadas e não restituindo a viatura locada, apesar da resolução do contrato, veículo esse que se encontra na posse da 4ª ré. As rés Seguradoras respondem nos termos do seguro-caução celebrado.<br> </p><p>Contestando, a ré "B" sustentou que o seguro caução garante à autora o ressarcimento total dos prejuízos que o incumprimento contratual da ré lhe possa ter causado. </p><p>As rés Seguradoras, em contestação, defendem que os contratos de seguro celebrados não garantem as obrigações assumidas pela "B" para com as sociedades de leasing a quem adquiria os veículos, sendo o objecto do seguro constituído pelas rendas devidas à "B" pelos locatários de veículos sob o regime de aluguer de longa duração. Em reconvenção pedem a condenação da autora no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença. </p><p>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção. </p><p>Apelaram as rés Seguradoras e a ré B. </p><p>O Tribunal da Relação confirmou o decidido. </p><p>Inconformadas, recorrem as rés para este Tribunal. </p><p> </p><p>A "B" formula as seguintes conclusões:<br> - Não pode a recorrente conformar-se com a decisão, no que concerne à sua condenação na restituição do veículo porquanto o mesmo já foi entregue à autora, em 95.10.17, e, contudo, a autora não reduziu o pedido quanto ao veículo, quer em relação à ré B, quer em relação ao 4º réu, o qual, aliás, nada tem a ver com a relação material controvertida dos autos, por se tratar do locatário de ALD da ré B;<br> - Quanto ao resto, bem andou a Relação ao condenar as rés Seguradoras, já que a autora apenas pediu a condenação da ré B e do 4º réu na restituição do veículo;<br> - Sendo o contrato de seguro caução directa uma garantia autónoma, automática, à primeira interpelação, conforme nºs. 4 e 5 do artigo 11º das Condições Gerais do Seguro de Caução, de fls. 39/40, sendo certo que o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando que para tal o beneficiário o tenha solicitado, nunca poderia a ora apelante ser condenada, mas tão só as rés Seguradoras, atento o facto de a natureza jurídica do seguro de caução directa não ser a da fiança, mas sim uma garantia autónoma, assumindo a Seguradora a totalidade da responsabilidade da dívida, ou seja, o pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, do contrato de locação financeira, cujo incumprimento se discute nos autos, pois foi nesse sentido que se celebrou o Contrato de Locação Financeira, conforme consta no Acordo Comercial - Anexo II - celebrado entre a B, ora apelante, e a autora, A, a fls. 38;<br> - Também o tomador (no caso a apelante), através do seguro viu transferida a responsabilidade civil contratual resultante do incumprimento, salvaguardando-se, assim, das consequências do incumprimento;<br> - A A, aquando da celebração do contrato de locação financeira com a ora apelada, exigiu como condição, que fosse prestada uma garantia idónea que cobrisse o eventual incumprimento da B;<br> - Tal garantia foi prestada por um seguro da caução directa, celebrado com a Companhia de Seguros C, o qual consta da apólice nº 150104103412, de fls. 41;<br> - Nesta apólice, consta como tomador a ré B e beneficiário a A;<br> - Resulta do contrato de seguro-caução directa celebrado, que a Inter-Atlântico garantiu à A, em caso de incumprimento da B, o pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como das rendas vincendas, pagamento esse que seria efectuado à 1ª interpelação e no prazo de 45 dias, sem qualquer outra formalidade;<br> - Face ao incumprimento da B, outra coisa não restaria à A senão ter agido em conformidade com o negociado, ou seja, accionar o seguro de caução directa por forma a ressarcir-se do valor das rendas vencidas e não pagas, bem como das vincendas, e, caso a Seguradora não honrasse o compromisso assumido, accioná-la judicialmente, e apenas esta;<br> - Por força do contrato seguro-caução celebrado, a C vinculou-se a pagar à 1ª interpelação e no prazo de 45 dias, à beneficiária A o valor das rendas vencidas e não pagas, bem como das rendas vincendas, no caso de incumprimento por parte da B;<br> - O seguro de caução é um contrato, rigorosamente, "formal ad substantiam";<br> - O contrato formal que é a apólice de seguro-caução não é uma fiança;<br> - O seguro de caução directa cobre o risco de incumprimento das obrigações susceptíveis de caução, fiança ou aval, logo a natureza jurídica do seguro caução não é a da fiança;<br> - O contrato de seguro de caução à primeira interpelação é uma garantia autónoma e automática;<br> - Enquanto a fiança é prejudicada, na sua eficácia, pela característica da acessoriedade, o contrato de garantia, em virtude da autonomia que, por definição, o individualiza, torna inoponíveis ao beneficiário as excepções fundadas na relação principal;<br> - O recurso a esta nova figura torna-se constante, acabando por ser um instrumento que bancos e companhias de seguros adoptam para garantir uma prestação "auf jedem Fall", ou seja, independentemente da circunstância de a obrigação do devedor principal subsistir ou de se ter tornado impossível de cumprir;<br> - Por isso, aparece, para neutralizar este último inconveniente (com o apoio dos próprios bancos e seguradoras, interessados em não se envolverem em disputas deste tipo), a cláusula de pagamento à primeira solicitação;<br> - Consegue-se, deste modo, uma segurança total, pois, não só a garantia se desliga (porque autónoma) da relação principal (entre o beneficiário e o devedor), como igualmente se elimina o risco de litigância sobre ocorrência ou não dos pressupostos que legitimam o pedido de pagamento feito pelo beneficiário;<br> - Perante uma garantia de pagamento à primeira solicitação, o garante está obrigado a satisfazê-la de imediato, bastando para tal que o beneficiário o tenha solicitado nos termos previamente acordados;<br> - Salvaguarda-se, assim, o risco de falta de solvabilidade do devedor, ao mesmo tempo que se supera o grave inconveniente que a natureza acessória da fiança comporta;<br> - A garantia autónoma, quer, pois, dizer que é exigível, independentemente das vicissitudes da relação principal entre o credor/beneficiário da garantia, e o devedor (à primeira solicitação), ou seja, a pagar logo que o beneficiário o solicite à entidade garante, sem que esta ou o devedor possam opor-lhe quaisquer objecções;<br> - Diferentemente da fiança, trata-se de uma garantia autónoma, isto é, não acessória, visto não ser afectada pelas vicissitudes da relação principal, e automática, porque a garantia à primeira interpelação opera imediatamente, logo que o seu pagamento seja pedido pelo beneficiário;<br> - O recurso à garantia autónoma visa precisamente superar a grave desvantagem que a natureza acessória da fiança comporta, incompatível com as exigências de celeridade e eficácia do comércio; <br> - A causa da garantia autónoma, a finalidade económico-social que serve o seu escopo, é precisamente garantir determinado contrato-base;<br> - Outra coisa não restava à ré Seguradora senão pagar a quantia peticionada, à primeira interpelação, (extrajudicialmente, nos termos do artigo 805º nº 1 do CC), pelo que, não o tendo feito, incorrem em mora desde que essa interpelação, perfeitamente válida e eficaz, lhe foi feita pela A, pelo que não tendo a ré Seguradora pago na data prevista, constitui-se em mora, pelo que à indemnização acrescem juros à razão da taxa de desconto do Banco de Portugal - artigo 11º nº 6 das Condições Gerais da Apólice, a fls. 39/40;<br> - Sendo o seguro de caução directa um exemplo típico de garantia autónoma, e nunca do negócio fiduciário, não pode a ora apelante ser condenada solidariamente, devendo apenas ser condenada a ré Seguradora;<br> - Nas condições gerais de apólice de seguro caução (doc. 7 da p.i. a fls. 39), está bem explícito o que é o sinistro e o objecto de garantia: sinistro - incumprimento atempado do tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário; "A C garante ao beneficiário pela presente apólice, até ao limite do capital seguro, o pagamento da importância que devia receber do tomador de seguro, em caso de incumprimento por este último da obrigação garantida";<br> - Como também consta da referida apólice, sendo o beneficiário a A e o tomador a B, no caso de incumprimento desta, a única e exclusiva responsável só poderá ser a ré C;<br> - O capital seguro corresponde, exactamente, à soma das 12 rendas trimestrais do Contrato de Locação Financeira, com um ligeiro aumento, devido à elevada variação da taxa de juro indexada à A.P.B., pelo que a apólice de seguro só pode cobrir o incumprimento desse contrato;<br> - Para garantir os contratos de ALD a Seguradora emitiu outro tipo de apólices, em que o tomador é o locatário de ALD e beneficiária a B;<br> - Daí que a confiança transmitida pela autora à ré B impediria a condenação na restituição do veículo objecto do contrato de leasing, na sequência da sua resolução, e consubstancia abuso de direito, atenta a garantia prestada;<br> - Foram assim, violados os artigos 220º, 221º, 334º, 398º, 405º, 406º e 805º do C. Civil e 668º, alíneas b), c), d) e e) do CPC. </p><p> </p><p>As rés Seguradoras concluem da seguinte forma: </p><p>Uma das questões essenciais dos autos prende-se com a interpretação da cláusula sobre objecto da garantia inserta nas Condições Particulares do seguro de caução directa a que se refere a apólice dos autos; </p><p>O seguro de caução dos autos tem por objecto, como consta das respectivas Condições Particulares, o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração do veículo VW Polo Fox, matrícula 38-81-CI; </p><p>Um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não pode deixar de entender aquela cláusula como significando que o seguro garante o pagamento das rendas do aluguer de longa duração, ou sejam, as rendas devidas pela Sra. F à B; </p><p>Não foi provado nos autos que o objecto da garantia fosse o indicado no acórdão recorrido; </p><p>Nem esse outro pretenso sentido poderia jamais valer, dado não ter no texto do documento um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso; </p><p>Efectivamente, mesmo que o Tribunal se convencesse de que as partes teriam tido em vista garantir o pagamento de rendas devidas pela B à autora, jamais o negócio poderia valer com esse sentido dado o disposto no nº 1 do artigo 238º do Código Civil; </p><p>E a consequência seria, nesse caso, a nulidade do negócio em sede interpretativa; </p><p>Por conseguinte, esse Supremo Tribunal deve considerar como provado e relevante o sentido objectivo constante da cláusula das Condições Particulares da apólice, segundo a qual o seguro em causa tem por objecto o pagamento das rendas referentes ao aluguer de longa duração, ou sejam, as que fossem devidas pela adquirente final do veículo, Sra. F; </p><p>A não ser assim, teria de decretar-se a nulidade do contrato de seguro em sede interpretativa; </p><p>Por tudo o exposto, as rés seguradoras devem ser absolvidas inteiramente do pedido, dado que a apólice emitida não garante as quantias reclamadas na presente acção; </p><p>E, em todo o caso, nunca poderia responder por qualquer indemnização decorrente da resolução do contrato, e respectivos juros, por tais obrigações não estarem incluídas no objecto seguro, nem por rendas vencidas posteriormente à resolução do contrato de seguro; </p><p>Sem conceder, a haver condenação em juros, a taxa aplicável é a taxa peticionada pela autora - a taxa de desconto do Banco de Portugal (artigo 22º da p.i. e artigo 11º nº 6 das Condições Gerais da apólice de seguro caução); </p><p>A apreciação da matéria relativa ao pedido reconvencional, pode ser feita, no sentido preconizado nas anteriores conclusões, com base na matéria de facto já constante dos autos, mas, quando porventura se entendesse ser necessária a averiguação da outra matéria a esse respeito alegada pelas recorrentes, deveria esse Tribunal ordenar a repetição do julgamento sobre matéria de facto para apreciação dos pontos indicados na contestação das ora recorrentes; </p><p>As ora recorrentes e a B, ao celebrarem os protocolos existentes nos autos, recorreram à figura do contrato-quadro, pelo que tais protocolos são elementos imprescindíveis para a compreensão da apólice no tocante à questão do objecto da garantia, bem como a quaisquer outras; </p><p>E, como contrato a favor de terceiro, o seguro aproveita ao respectivo beneficiário apenas nos precisos termos contratados entre a seguradora e o tomador do seguro (que são os previstos nos protocolos em causa); </p><p>Finalmente, o seguro caução dos autos não é uma garantia "on first demand", como claramente se verifica pelo texto da respectiva apólice; </p><p>O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 511º nº 1 do CPC de 1961; 659º nº 3 e 653º nº 2 do CPC actual; e artigos 238º, 236º, 280º, 281º, 364º, 393º, 562º, 563º, 564º, 566º, 632º nº 1, 762º e 798º , todos do Código Civil; artigo 426º do Código Comercial e artigo 8º do Dec-Lei nº 183/88; artigos 19º, alínea c) e 12º do Dec-Lei nº 446/85. </p><p> </p><p>Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido. </p><p>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. </p><p>II - Vem dado como provado: </p><p>No exercício da sua actividade a autora celebrou com a ré B um acordo, que denominaram de locação financeira, datado de 13 de Agosto de 1993; </p><p>A ré B obrigou-se a pagar à autora uma prestação periódica, sob a forma de renda trimestral, durante o período de vigência dos acordos; </p><p>A ré não liquidou as rendas que se venceram entre 25 de Agosto de 1994 e 25 de Fevereiro de 1995; </p><p>A autora enviou à ré, que a recebeu, a carta de fls. 29 e 30, solicitando o pagamento das rendas em dívida; </p><p>A ré B não procedeu à restituição do veículo cedido; </p><p>A ré B celebrou com as rés Companhia de Seguros C e Companhia de Seguros D, o acordo de seguro, titulado pela apólice nº 150104103412, intitulado "Seguro de Caução Directa" na qual consta como tomador a ré B, SA, como beneficiário a autora e como objecto da garantia o pagamento das rendas trimestrais no valor de 2398104 escudos, referentes ao aluguer de longa duração do veículo Volkswagen Polo Fox, matrícula 38-81-CI; </p><p>A autora enviou à ré C as cartas de fls. 47 e 49, solicitando o pagamento das importâncias que entendia serem devidas; </p><p>A autora intentou a providência apenas, para restituição do veículo cedido; </p><p>Entre a ré C e a B foram celebrados protocolos tendo por finalidade definir as relações entre as empresas, no tocante à emissão de seguros de caução destinados a garantir o pagamento à B dos veículos vendidos por esta em aluguer de longa duração; </p><p>A celebração do acordo de seguro foi precedida das propostas de fls. 116 e 117; </p><p>O veículo objecto do acordo dos autos, fora cedido à ré E, através de acordo de aluguer de longa duração, o que era do conhecimento da autora; </p><p>A ré B celebrava com os seus clientes dois acordos, sendo um através do qual, assumindo posição de locadora, alugava os veículos a estes, e outro, pelo qual prometia transmitir ao locatário, que prometia adquirir os mesmos veículos, no termo do acordo de aluguer; </p><p>A autora conhecia o seguro dos autos. </p><p> </p><p>III - Impõe-se uma nota prévia. </p><p>Correm nos Tribunais portugueses centenas de processos onde se discute no essencial a questão aqui colocada. </p><p>Não são trazidos até este Tribunal elementos que levem a alterar a posição anteriormente assumida (Revistas nº 1630/00; 134/00; 2070/00, 2609/00; 2669/00; 975/01-1; 4136/01-1, com o mesmo relator, todos desta 1ª Secção) e que constitui jurisprudência maioritária deste Supremo. </p><p>Seguir-se-á, assim, de perto o que já se decidiu anteriormente, uma vez que o caso se enquadra na mesma problemática e parte dos mesmos factos. </p><p>IV - A autora, que é uma empresa de locação financeira, celebrou com a ré B um contrato de locação financeira, nos termos do qual aquela cedeu a esta o gozo e a fruição temporária do veículo automóvel, de matrícula 38-81-CI, mediante a contrapartida de uma prestação periódica, a pagar sobre a forma de renda trimestral. </p><p>A B deixou de pagar as rendas convencionadas e não liquidou as importâncias reclamadas. </p><p>A autora accionou com esse fundamento a B e ainda as rés Seguradoras, com as quais a B celebrou contratos de seguro. </p><p>Na 1ª instância foram as rés condenadas, decisão essa confirmada pelo Tribunal da Relação. </p><p>Recorrem por isso as rés. </p><p>A questão fulcral da presente acção consiste em saber se o contrato de seguro celebrado entre a B, C e a D garante o cumprimento do contrato de locação financeira acordado entre a autora e a B ou antes os contratos de aluguer celebrados pela B. </p><p>A autora e a ré B celebraram entre si um contrato de locação financeira, ao abrigo das disposições legais aplicáveis, designadamente do Dec-Lei nº 171/79, de 6 de Junho e competentes avisos do Banco de Portugal. </p><p>Locação financeira é um contrato a médio ou a longo prazo dirigido a "financiar" alguém, não através da prestação de uma quantia em dinheiro, mas através do uso de um bem. Está-lhe subjacente a intenção de proporcionar ao "locatário" não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para certos fins - Prof. Leite de Campos - "Ensaio de Análise Tipológica do Contrato de Locação Financeira" - Boletim da Faculdade de Direito, LX III, 1987, pág. 1 a 73, designadamente, pág. 10. </p><p>Na relação locador - locatário encontram-se integrados os direitos e deveres caracterizantes do contrato, ou seja, a obrigação do locador ceder o bem ao locatário para seu uso e o direito correspectivo do locatário e o dever do locatário de pagar a renda e o correlativo direito do locador; o direito do locatário comprar a coisa no fim do contrato. </p><p>O regime de locação financeira consta do Dec-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, tendo este Diploma sido alterado pelos Decretos-Lei nº 168/89, de 24 de Maio e 18/90, de 11 de Janeiro. A considerar ainda o Dec-Lei nº 11/84, de 7 de Janeiro, que equipara à do proprietário a posição do locatário na locação financeira de veículos e finalmente o Dec-Lei nº 149/95, de 24 de Junho. </p><p>É aqui aplicável o Dec-Lei nº 171/79, que estipula, no que aqui releva, no seu artigo 2º que a locação de bens móveis respeita sempre a bens de equipamento. </p><p>No caso concreto, a autora cedeu à ré B a fruição de um veículo automóvel. </p><p>A ré B dedica-se à actividade de aluguer de longa duração de veículos. Este contrato rege-se, em primeiro lugar, pelo Dec-Lei nº 354/86, de 23.10, pelas disposições gerais do contrato de locação que não contrariem aquele Diploma legal e ainda pelas disposições gerais dos contratos que não entrem em contradição com aquelas, sem esquecer o princípio da liberdade contratual, a autonomia privada, onde possa ter lugar. </p><p>Destinando-se os veículos cedidos (como vários outros) a satisfazer as necessidades da actividade da B, constituem bens de equipamento, já que como tal se entende aqueles que se destinam à actividade produtiva. Dedicando-se a B à actividade empresarial de aluguer de veículos, as viaturas por ela dadas em aluguer constituem (para ela) verdadeiros bens de equipamento (ou bens de investimento) - Assim se entendeu, entre outros, nos seguintes Acórdãos deste Tribunal: Revista nº 1630/00-1; Revista nº 2070/00-1; Revista nº 2609/00. </p><p>Sendo válido o contrato de locação financeira são obviamente válidos os contratos de seguro celebrados. </p><p>No que respeita à matéria de facto há que salientar três aspectos. </p><p>Por um lado, como se fixou no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 41/99, de 14.04.99, nas causas julgadas com aplicação do C. Processo Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, não é admissível recurso para o STJ pelo que respeita à organização da especificação e questionário - DR Iª Série A, nº 165, de 17.07.99. </p><p>Não cumpre, pois, a análise dessa fase processual. </p><p>Por outro lado, como é sabido, ao Supremo, sendo Tribunal de Revista, só cumpre em princípio apreciar matéria de direito e não julgar matéria de facto. </p><p>O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 729º nº 2 e 722º nº 2 do CP Civil). </p><p>Nenhuma destas hipóteses se verifica, pelo que este Tribunal tem que considerar como assente a factualidade dada como provada pelas instâncias. </p><p>Nem se vê que deva ser ampliada a matéria de facto, nos termos do artigo 729º nº 3 do C. Processo civil, uma vez que os autos contêm os elementos necessários e suficientes para a decisão de direito. </p><p>Há assim que apurar, face à factualidade carreada até este Tribunal, se o contrato celebrado entre a B, C e a D garante o cumprimento do contrato de locação financeira ou antes o contrato de aluguer celebrado entre a B e o particular. </p><p>Entre a B, C e a D foi celebrado um negócio jurídico a que as partes chamam "Seguro de Caução Directa", sendo constituído por cláusulas particulares e por cláusulas gerais e especiais. </p><p>O seguro caução garante, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento de obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval. É celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o contra-garante, a favor do respectivo credor. Trata-se de uma caução sob a forma de seguro e tem finalidade idêntica à garantia bancária - "Contrato de Seguro" - José Vasques, 1999, págs. 54 e 72. </p><p>Configura o seguro caução um dos casos em que o contrato de seguro assume a posição típica de um contrato a favor de terceiro - Prof. Almeida Costa - RLJ Ano 129, pág. 21. </p><p>O regime jurídico encontra-se regulado no Dec-Lei nº 183/88, de 24.05, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 127/91, de 22 de Março e pelo Dec-Lei nº 214/99, de 15 de Junho. </p><p>Expressamente se diz no nº 1 do artigo 6º que o seguro de caução cobre, directa ou indirectamente, o risco de incumprimento ou atraso no cumprimento das obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval. </p><p>O âmbito de aplicação do Dec-Lei nº 183/88 estende-se pelo género mais amplo, do seguro de riscos de crédito, no qual se distinguem os ramos "crédito" e caução". </p><p>O seguro de créditos é celebrado com o credor da obrigação segura - artigo 9º nº 1. </p><p>O seguro-caução é celebrado com o devedor da obrigação a garantir ou com o seu contraparte e a favor do respectivo credor - artigo 9º nº 2. </p><p>A obrigação de pagar as rendas, seja na locação financeira, seja no aluguer de longa duração, pode assim ser garantida pelo seguro-caução. </p><p>Conclui-se, com segurança, das "Condições gerais" e das "Condições Particulares" que a garantia prestada se refere a um crédito de um terceiro alheio ao contrato. Dúvidas não há, pois, sobre tratar-se de um seguro-caução. </p><p>Saber qual dos contratos celebrados - locação financeira ou aluguer de longa duração - garante é questão que tem que ser resolvida em sede de interpretação. </p><p>É entendimento assente que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele (artigo 236º nº 1 do C. Civil). </p><p>Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº 2 do artigo 236º). </p><p>No contrato de seguro, como negócio solene que é, a doutrina sofre desvios no sentido de um maior objectivismo, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º nº 1 do CC). </p><p>Só assim não será se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (nº 2 do mesmo artigo). </p><p>O artigo 246º do C. comercial estipula que o contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num documento que constituirá a apólice de seguro. Várias disposições, aliás, do Dec-Lei nº 183/88 se referem à apólice emitida com o teor do seguro convencionado (artigos 5º nº 3, 6º nº 3, 8º nº 2, 9º nº 2, 13º nº 1). </p><p>Está-se, pois, perante um contrato formal, sendo "ad substantiam" a redução a escrito, como é entendimento pacífico - Cons. Moitinho de Almeida - "O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado", pág. 37 e 38; Ac. STJ de 17.10.93, CJ III, pág. 54, entre outros. </p><p>O facto de o contrato de seguro ser solene, sendo "ad substantiam" a sua redução a escrito, significa que o negócio jurídico não tem existência legal enquanto não estiver lavrada a apólice ou o documento equivalente. </p><p>Mas não significa que o intérprete não possa socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice. Certo é, porém, que, tratando-se de um contrato formal, não se pode chegar em sede de interpretação, a um conteúdo que não tenha no texto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeito. </p><p>Importa ter em conta, além do mais, que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar protecção à parte mais fraca - Prof. Mota Pinto - "Direito Civil", Coimbra, pág. 22. </p><p>Os conceitos e linguagem utilizados na apólice e outros escritos relativos ao contrato de seguro; a complexidade dos clausulados dos contratos; a necessidade de articular as condições gerais e particulares; a consideração de outros elementos anteriores ou posteriores à apólice, são algumas das fontes de dificuldade na interpretação do contrato de seguro - "Contrato de Seguro" - José Vasques, pág. 348 e seguintes. </p><p>Como resultado final deve prevalecer aquele sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, mas supondo-o uma pessoa razoável - Prof. Manuel Andrade - "Teoria Geral da Relação Jurídica" II, pág. 312. </p><p>Ora, a autora celebrou com a B um contrato de locação financeira e exigiu para tal que a ora ré lhe apresentasse uma caução para assegurar o cumprimento da obrigação de pagamento da totalidade das rendas. </p><p>Foi na sequência dessa exigência que a B contactou a C e que veio a ser celebrado o contrato em causa. </p><p>E para garantir o quê? </p><p>Pensamos que para garantir as obrigações assumidas pela B no âmbito do contrato de locação financeira celebrado com a autora. </p><p>Parece ser essa a vontade real dos contraentes, dado o teor da apólice, as referências feitas ao prazo de 36 meses condizente com as indicações cronológicas constantes do contrato de locação financeira, as referências feitas em ambos os contratos ao pagamento de 12 rendas trimestrais relativas ao veículo. </p><p>E também o teor do protocolo vigente à data e a carta enviada pela ré C à autora, conforme descrito na matéria de facto provada. </p><p>Se a autora é uma Sociedade de Locação Financeira, afigura-se que as rendas que eram garantidas teriam que ser as de locação financeira e não outras, já que aquela não celebra outros contratos. </p><p>A ter em conta que "protocolos" posteriores não assumem relevância significativa quanto à determinação do sentido da garantia prestada, até porque só vinculam as partes que os subscrevem e não a autora. </p><p>Conclui-se assim que o contrato é válido e que as rés Seguradoras respondem perante a autora, sendo os juros fixados os legais. </p><p>Contrariamente ao que alega a recorrente B, o pedido de restituição dos veículos não traduz um enriquecimento sem causa, já que tem causa legal. Efectivamente, a restituição dos veículos resulta da resolução do contrato (artigos 433º e 289º do CC). </p><p>Aliás, tal restituição só existirá se a autora não estiver já na posse da viatura. </p><p>Invoca ainda a B o abuso de direito. </p><p>Esta figura, consagrada na concepção objectivista no artigo 334º do CC, surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida, procurando contornar situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico. Procura evitar-se que, observada a estrutura formal do poder que a lei confere, se exceda manifestamente os limites que se devem observar, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo. </p><p>Ora, a autora limitou-se a exercer um direito que a lei lhe confere dentro dos limites dessa mesma lei. </p><p>A tese da B a tal respeito e que se aproximaria de um "venire contra factum proprium" por parte da recorrida, não ficou provada. </p><p>Não se mostra pois que exista um comportamento contrário à boa fá, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. </p><p>Não há assim motivo para alterar a decisão recorrida. </p><p>Pelo exposto, nega-se a revista. </p><p>Custas pelas recorrentes. </p><p> </p><p>Lisboa, 9 de Abril de 2002 </p><p>Pinto Monteiro. </p><p>Lemos Triunfante, </p></font><p><font>Reis Figueira.</font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>"Empresa-A, SA" intentou acção, com processo ordinário, contra "Empresa-B, Lda", AA, BB, "Companhia de Seguros Empresa-C" e Empresa-D, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de 78995,00 euros, com juros à taxa legal de 4%, desde a citação, a titulo de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação.</font><br> <br> <font>A primeira instância absolveu as Rés "Empresa-B" e a "Companhia de Seguros Empresa-C".</font><br> <br> <font>Mas julgou a acção parcialmente procedente e condenou os Réus BB e o Empresa-D a pagarem à Autora a quantia de 60348,45 euros, acrescida de juros, sendo que o "Empresa-D" apenas seria responsável até 60 049,17 euros.</font><br> <br> <font>Do mais pedido, foram os Réus absolvidos.</font><br> <br> <font>Apelou o Empresa-D.</font><br> <br> <font>A Relação de Coimbra revogou, parcialmente, a sentença e condenou os mesmos Réus no pagamento das mesmas quantias, mas absolveu-os do pagamento de juros capitalizados.</font><br> <br> <font>Inconformado o Réu pede revista assim concluindo:</font><br> <br> <font>- Antes de efectuar uma ultrapassagem, o condutor do veículo ultrapassante deve certificar-se que da sua manobra não irá resultar perigo ou embaraço para o trânsito (artigo 35º do Código da Estrada);</font><br> <br> <font>- É considerada ultrapassagem, em estrada com duas vias de trânsito em cada sentido, a manobra efectuada por veículo que passa da via de trânsito da direita para a da esquerda e, ganhando velocidade, passa a circular à frente do veículo ultrapassado;</font><br> <br> <font>- A manobra de ultrapassagem deve ser iniciada e concluída em zona em que, pela sinalização existente, esta seja permitida;</font><br> <br> <font>- Não poderá um condutor que tenha iniciado a ultrapassagem em zona em que a mesma é permitida, ir acabar tal manobra em zona em que a mesma já não o é (por sinalização vertical ou por traço contínuo);</font><br> <br> <font>- No caso concreto, o condutor do veículo HI, no momento do início da ultrapassagem, deparava-se com o seguinte cenário: duas vias de trânsito em sentido descendente com grande inclinação; um veiculo para ultrapassar composto por tractor e reboque que assinalava a sua marcha com os quatro piscas ligados; um sinal de proibição de ultrapassagem cerca de 100 metros após o inicio das duas vias de trânsito;</font><br> <br> <font>- Por sua vez o condutor do HI conduzia também um veículo articulado, composto por tractor e reboque (porta carros) que na altura ia carregado com os respectivos veículos;</font><br> <br> <font>- Ambos os veículos encontravam-se em marcha, não estando o BX (veículo a ultrapassar) parado;</font><br> <br> <font>- Ora, aplicando as regras de experiência comum a esta manobra de ultrapassagem, dadas as características do local e dos veículos envolvidos, obrigatoriamente se concluirá que a mesma é fisicamente impossível, ou muito arriscada, para ser efectuada no espaço de 100 metros permitidos pela sinalização;</font><br> <br> <font>- Ao efectuá-la o condutor do HI colocaria em risco todos os demais circulantes, bem como a si próprio;</font><br> <br> <font>- Por outro lado, não poderá ser entendido que tal sinal permite a ultrapassagem e a continuação da circulação dela hemi-faixa da esquerda do veículo pesado ultrapassante, após o local da sua implantação.</font><br> <br> <font>- Tal sinal, para além de impedir a ultrapassagem após o local da sua implantação, proíbe também a circulação pela hemi-faixa da esquerda de qualquer veículo pesado, após o seu lugar de implantação.</font><br> <br> <font>- Razão pela qual o HI deveria ter iniciado e concluído a ultrapassagem antes do referido sinal.</font><br> <br> <font>- Situação que, por ser impossível ou muito difícil, deveria ter impedido o condutor do HI de efectuar tal manobra.</font><br> <br> <font>- Pelo que, ao agir de forma contrária, violou o disposto nos artigos 35º, 38º nº1, nº2 alínea a) e b) e nº3 do Código da Estrada.</font><br> <br> <font>- Assim, coube-lhe a culpa exclusiva na conformação do presente acidente.</font><br> <br> <font>-A sentença de que se recorre violou, entre outras disposições, os artigos 35º, 38º nº1,nº 2 alínea a) e b) e nº 3 do Código da Estrada.</font><br> <br> <font>Contra alegou a recorrida para concluir:</font><br> <br> <font>- Veio o recorrente nos presentes autos restringir o objecto do seu recurso a um único aspecto: a não imputação da culpa do acidente ao condutor do veiculo do Autor, ou seja, ao condutor do conjunto circulante HI (tractor) e L-... (porta-carros).</font><br> <br> <font>- Salvo melhor opinião, a matéria alegada pelo recorrente está - atento o disposto nos artigos 722º do CPC e 26º da LOFT - subtraída aos poderes de cognição do STJ.</font><br> <br> <font>- Caso assim não se entenda, sempre se dirá que não pode ser assacada qualquer culpa ao condutor do veículo do recorrido, uma vez que, o mesmo não infringiu o sinal de proibição de ultrapassagem, como alega o recorrente.</font><br> <br> <font>- O sinal de ultrapassagem está implantado a 100 metros após o inicio das duas faixas e a ultrapassagem teve inicio antes do veiculo do recorrido se cruzar com o sinal de proibição de ultrapassagem, sendo que, a proibição de ultrapassar só poderá vigorar a partir do local onde o sinal implantado sob pena de se conferir carácter retroactivo à sinalização.</font><br> <br> <font>- Entendeu e bem a sentença proferida nos presentes autos, que "neste caso para ter existido um comportamento contrário à regra ditada pelo referido sinal era necessário que o HI (veiculo da Autora) tivesse saído da faixa da direita para a faixa da esquerda, na altura em que se cruzava o sinal ou depois disso".</font><br> <br> <font>- Assim, entendemos que carecem de fundamento de facto e de direito os argumentos aduzidos pela recorrente, quando classifica a ultrapassagem de "muito arriscada", senão vejamos:</font><br> <br> <font>- O que pode ser exigido a um condutor que no uso de zelo e diligencia, inicia uma ultrapassagem num local em que a manobra é permitida - como é o caso subjudice - e que no decurso da mesma, se cruza com um sinal de proibição de ultrapassagem, apenas e só que retorne à faixa da direita em segurança.</font><br> <br> <font>- Aos condutores não é exigível que tenham conhecimento antecipado da sinalização dos percursos que utilizam, apenas e só que respeitem a sinalização existente à medida que esta surge no percurso.</font><br> <br> <font>- Assim, e por todo o exposto, não deverá, como pretende o ora recorrente, ser presumida a culpa do ora recorrido, desde logo, porque salvo melhor opinião a matéria de facto dada como provada não o permite.</font><br> <br> <font>As instâncias deram como provada a seguinte </font><font>matéria de facto:</font><br> <br> <font>- A Autora em 19 de Fevereiro de 2001 era locatária do veículo pesado de mercadorias, matricula HI.</font><br> <br> <font>- No dia 19 de Fevereiro de 2001, pelas 17.40 horas, ocorreu um embate envolvendo o conjunto circulante pesado de mercadorias com as matriculas BX (tractor) e C-... (reboque), e o conjunto circulante da Autora HI (tractor) e L-... (reboque), no IP3, na descida do Botão, concelho e distrito de Coimbra, seguindo ambos no sentido Viseu/Coimbra.</font><br> <br> <font>- O motorista da Autora conduzia o conjunto circulante HI (tractor) e L-... (reboque).</font><br> <br> <font>- No local que antecede o acidente, a via, que tinha apenas uma faixa de circulação, abria duas faixas de circulação, no mesmo sentido, no início da descida.</font><br> <br> <font>- O motorista da Autora apercebeu-se que o condutor do conjunto circulante BX/C-... havia accionado os quatro piscas e estaria com problemas mecânicos, percepção que ocorreu quando iniciava a denominada "descida do Botão", antes ainda de chegar ao km 48,8.</font><br> <br> <font>- A via tinha apenas uma faixa de rodagem no sentido em que seguiam os veículos pesados, mas, no inicio da descida, abria em duas faixas de rodagem, tendo o motorista da Autora tomado a via da esquerda quando chegou ao ponto em que a via possuía duas faixas, e passando pelo conjunto circulante BX/C-...., que seguia na faixa da direita.</font><br> <br> <font>- Antes do local do acidente existia um sinal vertical que proibia os veículos pesados de procederem à ultrapassagem de outros veículos, estando colocado numa zona da estrada em que já existiam duas faixas de rodagem no mesmo sentido e existia um separador central de sentidos de trânsito, feito em cimento, sinal esse situado a pelo menos cem metros do inicio da passagem de uma para duas faixas de rodagem no mesmo sentido.</font><br> <br> <font>- O condutor do veiculo HI passou para a faixa da esquerda, logo no inicio do surgimento desta nova faixa, no inicio da denominada "descida do Botão", levando, nesta altura, o veiculo BX os quatro piscas acesos.</font><br> <br> <font>- O condutor do pesado HI verificou, no início da descida, que o tractor e reboque BX/C-... seguiam com os quatro piscas acesos e pensou que o conjunto BX e reboque iriam com problemas mecânicos.</font><br> <br> <font>- Quando o conjunto circulante da autora se encontrava na faixa da esquerda e o conjunto circulante BX seguia na faixa da direita, este último, cerca do meio da descida, começou a buzinar e vinha aumentando a sua velocidade.</font><br> <br> <font>- O Réu Baptista começou a buzinar porque, apesar de usar os travões, não conseguia que o veiculo BX deixasse de aumentar de velocidade na descida.</font><br> <br> <font>- No decurso da descida do Botão o condutor do tractor e reboque BX verificou que mesmo utilizando os travões não conseguia impedir que o tractor e reboque ganhassem cada vez mais velocidade.</font><br> <br> <font>- O condutor do tractor e reboque BX ligou os quatro piscas intermitentes ao iniciar a descida e só mais à frente, cerca do meio da descida, começou a buzinar.</font><br> <br> <font>- À medida que o camião descia, apesar de ter sido feito uso dos travões, ia aumentando de velocidade.</font><br> <br> <font>- À frente do pesado BX, na fila da direita da hemi-faixa direita, considerando o seu sentido, seguia CC conduzindo o respectivo veiculo.</font><br> <br> <font>- Ao verificar o aumento de velocidade do tractor e reboque, o Réu AA viu-se obrigado a passar para a faixa mais à esquerda da hemi-faixa direita, considerando o seu sentido, para evitar embater contra o veículo pesado que seguia à sua frente.</font><br> <br> <font>- Quando o conjunto circulante BX passava pelo meio daqueles dois veículo, embateu no conjunto circulante da Autora, empurrando o mesmo contra o separador central, onde se veio a imobilizar.</font><br> <br> <font>- A velocidade do BX aumentou porque o funcionamento dos travões não o impedia, tendo, por isso, o condutor do veiculo BX começado a buzinar.</font><br> <br> <font>- O condutor do conjunto circulante BX imobilizou-o cerca de um km mais à frente, por alegada falha de travões, sendo certo que só aí conseguiu obter local que não impedia a circulação do outro tráfego.</font><br> <br> <font>- O conjunto circulante BX era propriedade de BB e o respectivo motorista era AA, que o conduzia por conta e no interesse do proprietário que era a sua entidade patronal.</font><br> <br> <font>- Em consequência do embate os danos causados no camião matricula BX, foram os seguintes:</font><br> <font>… frente da cabina destruída, suspensão da frente esquerda empenada, caixa de direcção com funcionamento deficiente, barra da direcção danificada, primeiro penduram da barra de direcção danificado, eixo frente do chassis empenado, manga de eixo esquerdo empenada, cabina com deslocação visível para a retaguarda motivada por empeno da mesma e dos apoios.</font><br> <font>E no reboque matricula C-...: empeno bastante visível de toda a estrutura do reboque com especial incidência nas tesouras de elevação da plataforma superior do reboque com necessidade de substituição de um dos macacos hidráulicos e ainda de algumas placas especiais do piso do reboque, e pintura das partes sinistradas.</font><br> <br> <font>- A Autora procedeu à reparação do conjunto circulante, nas suas próprias instalações oficinais, a qual ficou concluída em 9 de Maio de 2001.</font><br> <br> <font>- A reparação do chassis HI e do reboque importou no valor de 8.975.520$00, nos termos discriminados no doc. 5 da petição.</font><br> <br> <font>- A reparação do reboque importou em 1.921.375$00.</font><br> <br> <font>- Esse tractor valia então 6.000.000$00 e o reboque 4.250.000$00.</font><br> <br> <font>- A Autora teria obtido receitas inerentes à actividade do seu conjunto circulante, o qual integrava a frota de transportes comerciais da Autora.</font><br> <br> <font>- A Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias avaliou como valor de custo de paralisação para os veículos similares ao veiculo HI (ou seja, veículos de peso bruto entre 26 e 40 toneladas afectos ao serviço internacional), o valor de 60.000$00 diários e a mesma entidade, para efeitos de acordo entre a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e as Seguradoras, avaliou o custo de paralisação para os veículos similares ao veiculo HI, para o ano de 2000 em 37.000$00.</font><br> <br> <font>- Quer o tractor de matrícula HI quer o atrelado de matrícula C-... encontravam-se licenciados para o transporte internacional de mercadorias.</font><br> <br> <font>- A Autora despendeu 1.280$00 com a obtenção da certidão da cópia integral do Auto de Participação da Guarda Nacional Republicana.</font><br> <br> <font>- A Autora despendeu com o reboque do veículo a quantia de 198.900$00.</font><br> <br> <font>- A viatura com a matrícula BX, marca DAF foi propriedade da Ré "Empresa-B, Lda.", até ao dia 30 de Março de 2000.</font><br> <br> <font>- Em 31 de Março de 2000, a Ré Empresa-E vendeu o camião em causa ao Sr. DD, comerciante de veículos automóveis, residente na Espinheira, Penacova, como resulta da factura nº 847, emitida aquando da transacção cuja cópia constitui o Doc. 1 da contestação da Ré Empresa-B.</font><br> <br> <font>- O Réu BB tinha transferido para a responsabilidade civil decorrente da circulação do conjunto circulante BX/C.... através do contrato de seguro, sendo a apólice a nº 5000.617071.50.</font><br> <br> <font>- O veiculo BX esteve seguro na Ré Seguradora Empresa-C até 9 de Dezembro de 2000, por meio de contrato celebrado entre esta e BB e titulado pela apólice 617071, data em que foi anulada por falta de pagamento do prémio vencido em 9 de Novembro de 2000.</font><br> <br> <font>- No que se refere ao prémio devido em 9 de Novembro de 2000, foi remetido ao segurado, em 1 de Outubro de 2000, o aviso da respectiva cobrança, de onde constava, para além do montante a pagar e data em que o pagamento era devido (9/11/2000), a data em que o contrato seria resolvido no caso de falta de pagamento desse prémio, 9 de Dezembro de 2000.</font><br> <br> <font>- O segurado não pagou o prémio devido na data do respectivo vencimento, nem nos trinta dias posteriores àquela data (não o tendo feito até hoje).</font><br> <br> <font>- Quer o tractor quer o reboque eram propriedade do co-réu Almerindo que os havia adquirido em meados de 2000 a DD.</font><br> <br> <font>- O tractor e o reboque BX/C... eram conduzidos por AA à data do acidente, no interesse e sob a direcção efectiva do Réu Almerindo.</font><br> <br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Conhecendo, </font><br> <br> <font>1- Matéria de facto.</font><br> <font>2- Alegações.</font><br> <br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>1- Matéria de facto.</font><br> <br> <font>Pretende-se, com esta lide, efectivar a responsabilidade civil extra contratual, decorrente de acidente de viação.</font><br> <font>O recorrente não questiona o evento, não põe em causa os danos, e respectivo montante, nem coloca dúvidas sobre o nexo de causalidade.</font><br> <font>Aceita, assim, estes pressupostos de responsabilidade aquiliana só não se conformando com o nexo de imputação, ou seja a culpa do condutor do veículo da Autora.</font><br> <font>Esta, suscita a questão prévia do não conhecimento do recurso considerando tratar-se de matéria de facto, portanto subtraída aos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal, "ex vi" do disposto no artigo 26º da LOFTJ e 721º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>"In casu" sem razão.</font><br> <br> <font>O recorrente não questiona o apuramento dos factos, a apreciação da prova com a correlativa fixação da parte material - o que só poderia fazer nas hipóteses do nº2 do artigo 722º e 729º nºs 2 e 3 do diploma adjectivo - mas, e tão somente, a sua interpretação em termos de os subsumir ao conceito de culpa, fazendo apelo para as normas do Código da Estrada.</font><br> <br> <font>Ora, e como refere o Cons. Amâncio Ferreira (in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ª ed, 257) a "culpa que derive de inconsideração ou falta de atenção integra matéria de facto, mas já constitui matéria de direito a culpa decorrente da inobservância de preceitos legais e regulamentares."</font><br> <br> <font>É precisamente essa a perspectiva do recorrente ao impugnar o julgado, como acima se disse.</font><br> <br> <font>Mas pode ir-se um pouco mais longe.</font><br> <br> <font>E assim permitir ao STJ sindicar a coerência lógico-jurídica da decisão em matéria de culpa, em termos de impedir conclusões arbitrárias (por ao arrepio de preceitos legais) extraídas a partir de factos provados.</font><br> <font>Perante o suporte factual que as instâncias dão por assente, o STJ pode concluir pela existência de um comportamento legalmente censurável a desrespeitar as normas que disciplinam determinada conduta.</font><br> <br> <font>Como lapidarmente se diz no Acórdão do STJ de 20 de Novembro de 1991, "o conceito de matéria de direito e de facto tem a sua distinção na apreciação que na vida real se possa fazer, de estar ao alcance directo da pessoa média e, por isso, de fácil captação pelos meios de prova admissíveis, sem que para tanto aja necessidade de se socorrer de interpretação e aplicação de algum preceito legal." (BMJ 411-255).</font><br> <br> <font>Só se no apuramento de qualquer evento material ou ocorrência da vida não houver que interpretar ou aplicar qualquer norma jurídica, é que a questão é meramente de facto.</font><br> <br> <font>Improcede assim a questão prévia que a recorrida suscitou.</font><br> <br> <font>2- Alegações.</font><br> <br> <font>O recorrente reproduz, "pari passu", as alegações que ofereceu na apelação, transcrevendo, quase exactamente, as mesmas conclusões. </font><br> <br> <font>O Acórdão recorrido não é remissivo, antes abordando todas as questões que o recorrente suscitara perante a Relação.</font><br> <br> <font>Ora, sendo a revista destinada a impugnar o julgado pela Relação, a argumentação recursiva deve ser dirigida a este aresto, que não ao decidido na 1ª instância.</font><br> <br> <font>Isto é, deve atacar os pontos concretos da decisão recorrida sendo que, e como julgou o Acórdão do STJ de 21 de Dezembro de 2005 - 05B2188 - não o fazendo, "o recorrente não atendeu verdadeiramente ao conteúdo do Acórdão recorrido, antes na realidade reiterou a sua discordância relativamente à decisão apelada, sem verdadeira originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do Acórdão sob recurso."</font><br> <br> <font>Nesta perspectiva - que se acolhe - ou se entende que a prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, porque, embora se possa dizer que, formalmente foi cumprido o ónus de formar conclusões, já em termos substanciais é legitimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações" (Acórdão do STJ de 11 de Maio de 1999 - Pº 257/99 - 1ª); ou, e numa óptica menos rígida, se aceita o recurso mas se considera plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC (cf. Acórdão citado de 21 de Dezembro de 2005).</font><br> <br> <font>Como julgou o Acórdão de 3 de Outubro de 2006 (Pº 2993/06) do mesmo Relator, "adere-se a este entendimento jurisprudencial, sempre enfatizando que a decisão recorrida é "o Acórdão da Relação e não a sentença da 1ª instância - cf., v.g. os Acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 - Pº 1860/05 - 2ª; de 17 de Março de 2005 - Pº 1304/04-2ª; de 22 de Setembro de 2005 - Pº 3727/03-2ª e Pº 2088/05-2ª - e na linha dos Acórdãos de 27 de Abril de 2006 - 06 A945 - e de 18 de Maio de 2006 - 06 A1134 - deste mesmo Relator, considera-se que nestes casos, se legitima plenamente o uso da faculdade remissiva ou, quando muito, uma fundamentação mais sucinta. (cf. ainda, o Acórdão de 22 de Setembro acima citado - 03B727)."</font><br> <br> <font>Não sendo assim, o STJ estaria a apreciar detalhadamente não o mérito do Acórdão mas a sentença da 1ª instância, já que o recorrente só formalmente se insurge contra aquele.</font><br> <br> <font>O Acórdão recorrido ponderou detalhadamente os argumentos do recorrente que não trouxe perante este Supremo Tribunal razões que possam infirmar as conclusões ali tiradas e que imputaram o evento lesivo à conduta do motorista AA, que tripulava o veiculo do Réu BB.</font><br> <br> <font>Improcede, em consequência, o recurso, por acolhimento dos fundamentos do Acórdão recorrido, nos termos do nº5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, por nada mais se nos oferecer acrescentar, ainda que por forma breve.</font><br> <br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>De concluir que:</font><br> <br> <font>a) O STJ pode sindicar a coerência lógico-jurídica da decisão em matéria de culpa, em termos de a conformar aos preceitos legais que disciplinam determinado tipo de conduta, por tal constituir matéria de direito.</font><br> <br> <font>b) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil - destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.</font><br> <font>c) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução "pari passu" das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.</font><br> <br> <font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista.</font><br> <br> <font>Custas pelo recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 31 de Outubro de 2006</font><br> <br> <font>Sebastião Póvoas (Relator)</font><br> <font>Moreira Alves </font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><font>I - RELATÓRIO</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1. Na acção especial para atribuição de casa de morada de família (apenso S), a Requerente - AA - interpôs recurso de apelação da sentença absolutória, proferida em 23/12/2020.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>2. Por despacho judicial não foi admitido o recurso com fundamento na preclusão do direito de recorrer (extemporaneidade do prazo).</font><br> </p><p><font>Consignou-se a seguinte fundamentação:</font><br> </p><p><i><font>“Nos presentes autos de atribuição de casa de morada de família foi proferida sentença a 23 de Dezembro de 2020.</font></i><br> </p><p><i><font>Por ofícios de 13 de Janeiro de 2021, foi a referida sentença objecto de notificação, considerando-se, atento o disposto no art.º 248.º do Código de Processo Civil, que as partes foram notificadas a 18 de Janeiro de 2021, segunda-feira.</font></i><br> </p><p><i><font>Assim sendo, o prazo de recurso iniciou-se a 19 de Janeiro de 2021.</font></i><br> </p><p><i><font>Por Lei da Assembleia da República, Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, foram, nos termos do art.º 2.º e por força do aditamento à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, do art.º 6.º-B, n.º 1, da referida lei, suspensos os prazos para a prática de actos processuais, que corressem termos nos Tribunais judiciais.</font></i><br> </p><p><i><font>Sendo que a referida lei n.º 4-B/2021, não obstante ser de 1 de Fevereiro, fez retroagir os seus efeitos a 22 de Janeiro.</font></i><br> </p><p><i><font>Assim sendo, dos 30 dias de prazo de recurso (porque não estava em causa reapreciação de prova gravada, caso em que o prazo de recurso seria de 40 dias – art.º 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil), decorreram 3 dias – de 19 a 21 de Janeiro - após o que ocorreu a suspensão.</font></i><br> </p><p><i><font>A suspensão em causa, manteve-se até dia 5 de Abril de 2021, atento que nessa data, é publicada a Lei n.º 13-B/2021, que revoga o art.º 6-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção que lhe havia sido introduzida pela Lei n.º 4-B/202, sendo que como consta do art.º 7.º da referida Lei, a mesma entrou em vigor em 6 de Abril de 2021.Isto é, em 6 de Abril, os prazos que estavam suspensos, voltaram a correr.</font></i><br> </p><p><i><font>No caso dos autos, os 27 dias que restavam de prazo de recurso iniciaram-se, sendo que em 3 de Maio, (porque 2 de Maio foi um Domingo), seria o último dia do prazo de recurso (sem pagamento de multa a que alude o art.º 139.º do Código de Processo Civil.</font></i><br> </p><p><i><font>Contudo, a 26 de Abril, isto é, quando já tinham decorrido 24 dias do prazo de 30 dias de recurso, a Ilustre Patrona da Requerente veio informar os autos de que havia pedido escusa.</font></i><br> </p><p><i><font>A 7 de Maio de 2021, os autos são informados pelo pelouro do apoio judiciário da Ordem dos Advogados, que a Requerente já tinha novo Patrono nomeado, em substituição da anterior.</font></i><br> </p><p><i><font>Assim, em 8 de Maio de 2021, retomou-se o decurso do prazo (já nos encontrávamos no 25.º dia do prazo), sendo que o 30.º dia do prazo foi assim no dia 13 de Maio.</font></i><br> </p><p><i><font>Atendendo a que não foi alegado qualquer justo impedimento – art. 139.º, n.º 4 e 140.º do Código de Processo Civil - e atendendo ao disposto no art.º 139.º do Código de Processo Civil, a Requerente ainda podia praticar o acto, ainda que com o pagamento da multa a que alude o n.º 5 daquele artigo, nos dias 14 de Maio (sexta-feira), 17 e 18 de Maio (segunda e terça-feira).</font></i><br> </p><p><i><font>Contudo, como não foi praticado qualquer acto até essa data limite, a sentença transitou em julgado no dia 14 de Maio de 2021.</font></i><br> </p><p><i><font>Uma vez que o recurso de apelação foi apresentado apenas no dia 25 de Maio, o mesmo é claramente extemporâneo, pelo que se rejeita.”</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><font>3.</font><b><font> </font></b><font>A Requerente reclamou ( art.643 CPC) para a Relação, sustentando a tempestividade do recurso.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>4. Na Relação, por decisão singular, foi indeferida a reclamação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>5. A Requerente </font><b><font>reclamou para a conferência</font></b><font>, que, por acórdão de 17/2/2022, confirmou o despacho reclamado.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>6. Inconformada, a Requerente </font><b><font>recorreu de revista</font></b><font>, com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>a) O presente recurso tem por objecto a questão da tempestividade do recurso de apelação oportunamente interposto pela Recorrente que, em seu entender, contrariamente ao sentido em que se decidiu no douto acórdão recorrido, se verifica.</font><br> </p><p><font>b) Na verdade, sustenta a Recorrente que, ao decidir pela intempestividade do recurso de apelação por si previamente apresentado, o Tribunal a quo violou o Nº 2 do art. 32º da LADT e o art. 34º e seguintes do mesmo diploma legal, nomeadamente, o número 2 desta última disposição legal, por não ter equiparado o regime da substituição de Patrono oficioso nomeado ao regime do pedido de escusa, contrariamente àquilo que os preceitos em causa determinam.</font><br> </p><p><font>c) Na realidade, ao remeter para o art. 34º e seguintes da LADT, o Nº2 do art. 32º da mesma Lei, determina a aplicabilidade do regime da escusa ao pedido de substituição de Patrono, sem estabelecer qualquer excepção ou limitação, ou seja, determinando a aplicação também do efeito da interrupção do prazo em curso, ainda que retroactivamente, quando deferido o pedido de substituição de Patrono.</font><br> </p><p><font>d) Assim, deveria o Tribunal Recorrido, no entender da Recorrente, ter considerado tempestivo o recurso de apelação por si apresentado, por se ter interrompido por duas vezes, o respectivo prazo de interposição: a primeira interrupção, em 13 de Fevereiro de 2021, com a comunicação ao processo do pedido de substituição do Patrono originariamente nomeado, Dr. BB e, a segunda, em 26 de Abril de2021, com o pedido de escusa apresentado pela Ilustre Patrona nomeada em sua Substituição, Dra. CC.</font><br> </p><p><font>e) Devendo o prazo de recurso de apelação contar-se da seguinte forma:</font><br> </p><p><font>*O prazo de recurso de apelação iniciou em 19 de Janeiro de 2021 (dia seguinte ao da notificação do Patrono então nomeado que se presume ter sido feita a 18 de Janeiro de 2021;</font><br> </p><p><font>*Se não houvesse circunstâncias a determinar a interrupção desse prazo, como aconteceu com o pedido de substituição do referido Patrono, Dr. BB, esse prazo terminaria a 17 de Fevereiro de 2021;</font><br> </p><p><font>*O facto é que, o prazo de interposição do recurso de apelação interrompeu.se uma 1ª vez em 13 de Fevereiro de 2021 – antes pois daquele que seria o seu termo -, com a comunicação aos autos do pedido de substituição do Patrono em causa;</font><br> </p><p><font>*Em 23 de Março de 2021 – terceiro dia útil após a notificação da Ilustre Patrona substituta, Dra. CC, em 19 de Março de 2021 – iniciou novo prazo de recurso de apelação que, suspendendo-se nas Férias Judiciais daPáscoaentre28 de Março e 05 de Abril de 2021 só viria a terminar em 30 de Abril de 2021, se não houvesse outra circunstância a determinar a interrupção deste prazo que foi o pedido de escusa da Ilustre Patrona em causa;</font><br> </p><p><font>*Sucede que, o novo prazo iniciado a 23 de Março de 2021 e suspenso durante as férias Judiciais referidas supra, interrompeu-se novamente em 26 de Abril de2021, como pedido de escusada Ilustre Patrona, Dra. CC;</font><br> </p><p><font>*O novo prazo de recurso só iniciou a sua contagem em 10 de Maio de 2021 – terceiro dia útil após a notificação da nomeação ao novo Patrono que enviou o recurso, Dr. DD – e, que só terminaria em 09 de Junho de 2021, data muito posterior à da entrega do recurso em 25 de Maio de 2021.</font><br> </p><p><font>f) Não resulta da Lei, contrariamente ao que é sustentado no douto Acórdão recorrido, qualquer distinção, nomeadamente, em termos de contagem de prazos, entre o regime da escusa de Patrono e o regime da sua substituição, resultando antes, da remissão expressa do Nº2 do art. 32º da LADT uma verdadeira equiparação a esse nível, interrompendo-se os prazos em curso, com a consequente inutilização do já decorrido.</font><br> </p><p><font>g) Nem poderia ser de outra forma, sob pena de se esvaziar completamente o sentido da remissão do Nº2 do art. 32º da LADT para o art. 34º e ss. da LADT, mais concretamente, para o Nº2 desta disposição que remete, precisamente, para a interrupção do prazo e consequente inutilização do já decorrido e início de novo prazo, previsto no art. 24º Nº5 da LADT.</font><br> </p><p><font>h) Na verdade, a diferença que existe entre a escusa e o pedido de substituição de Patrono é a iniciativa que, no primeiro caso, pertence ao Patrono nomeado e, no segundo caso, ao beneficiário do apoio judiciário.</font><br> </p><p><font>i)Muito menos faria qualquer sentido se estabelecer um regime mais favorável para o pedido de escusa que, pode dever-se a uma conduta do beneficiário que aquele que é aplicável ao pedido de substituição de Patrono em que este último pode, por alguma razão, faltar com o cumprimento dos seus deveres funcionais.</font><br> </p><p><font>j) Aliás, se assim não se entendesse e, se, efectivamente se se considerasse que a ora Recorrente estava devidamente representada, podendo o Patrono nomeado inicialmente – Dr. BB – a Ordem dos Advogados não teria procedido à sua substituição decorrido mais de 30 dias após o pedido em causa.</font><br> </p><p><font>k) Sendo, de resto, uma das atribuições da Ordem dos Advogados zelar pela correcta interpretação e aplicação da Lei, o que fez, substituindo o primeiro Patrono nomeado e, assim, fazendo retroagir os efeitos da interrupção do prazo do recurso à data do pedido de substituição.</font><br> </p><p><font>l) A interrupção do prazo em curso com o pedido de substituição de Patrono tem sido, de algum modo pacificamente, sustentado por alguma Jurisprudência, designadamente, nos Acs. TRC de 17/02/2017 – Proc. Nº6726/15.7T8CBR-A.C1-, TRL de 23/10/2019, Proc. Nº1596/17.3PBFUN-A L1-3 – e TRE – Proc. Nº301/17.9GBTVR.E1, todos publicados em </font><font>www.dgsi.pt</font><br> </p><p><font>m) Se a Ordem dos Advogados deferiu o pedido de substituição do Patrono nomeado, é porque deu razão à requerente desse pedido de substituição e, é nesse momento que é convocado o regime da escusa, iniciando novo prazo para o recurso, com a nomeação do novo Patrono – Neste caso, o Ilustre Advogado, Dr. DD.</font><br> </p><p><font>n) A invocação do regime do mandato, salvo o devido respeito pelo Tribunal Recorrido, não faz qualquer sentido, nem foi invocado pelo Recorrente, porque, não tem aplicação no presente caso, não lhe sendo de resto, favorável.</font><br> </p><p><font>o) De qualquer modo, sempre se refira que, no caso do mandato é que a Lei nada refere em matéria de influência nos prazos, limitando-se a determinar que a renúncia só opera quando comunicada ao Mandatário constituído – art. 47º Nº2 do CC.</font><br> </p><p><font>p) Por outro lado, ao sustentar que é da competência exclusiva da Ordem dos Advogados a apreciação dos pedidos de substituição de Patrono, o douto Tribunal da Relação só vem dar mais razão à Recorrente, porquanto, não pode o mesmo Tribunal interferir ou sequer escrutinar a decisão daquela terceira entidade.</font><br> </p><p><font>q) Não se demonstrou nos autos se houve ou não qualquer justo impedimento, mas, caso existisse, este teria de ser manifestado, ainda que eventualmente, não nos autos, no processo administrativo de apoio judiciário junto da Ordem dos Advogados, o que, ao que tudo indica, não terá acontecido, pelo deferimento do pedido de substituição e nomeação do novo Patrono que elaborou e submeteu o recurso ao Tribunal.</font><br> </p><p><font>r) Por último, importa frisar que, é com o pretenso estabelecimento de um regime diverso para o pedido de substituição de patrono em relação ao pedido de escusa, mais concretamente, em matéria de interrupção de prazos e de recontagem dos mesmos que se pode violar uma interpretação conforme à unidade do sistema, nos termos do art. 9º nº1 do CC, o que o legislador, claramente quis impedir, com a equiparação dos dois regimes e com o controlo dos processos de apoio judiciário – nomeação, escusa e substituição de Patronos - pela Ordem dos Advogados que afere de todas as razões invocadas pelos beneficiários e Advogados, para evitar qualquer tipo de mau uso do sistema, como de resto, fez neste caso.</font><br> </p><p><font>s) Razões pelas quais, deve ser dado provimento ao presente recurso, admitindo-se o recurso de apelação apresentado em 25/05/2021, por tempestivo.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>7.- Por despacho de 29/3/2022 não se admitiu o recurso de revista, por não se enquadrar na previsão do art.671 CPC e também estar excluído da previsão do art.673 CPC.</font><br> </p><p><font>Eis a fundamentação:</font><br> </p><p><i><font>“(…)</font></i><br> </p><p><i><font>3. O acórdão recorrido não conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo, não se integrando por isso na admissibilidade geral de recurso prevista no artigo 671.º, n.º 1. Pelo contrário, tem de ter-se como acórdão da Relação que aprecia decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual, ou seja, como integrando a previsão do artigo 671.º, n.º 2, corpo. Desses acórdãos só podem ser objecto de revista os que se integrem na previsão das alíneas da norma, o que não é o caso do acórdão em causa. Em suma, o recurso não pode ser admitido com fundamento no artigo 671.º. </font></i><br> </p><p><i><font>4. A Recorrente também assim considerou, fundando a admissibilidade na norma do artigo 673.º, alínea a), como referido, norma que admite a revista dos acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação. O acórdão de que vem interposto recurso não é um acórdão proferido na pendência do processo na Relação, mas um acórdão proferido pela Relação na pendência do processo. O que não constitui um jogo de palavras, mas a explicitação da previsão do artigo 673.º que decorre desde logo do seu confronto com a do artigo 671.º, n.º 1. O artigo 673.º, n.º 1, refere-se a: - Acórdãos que a Relação profere enquanto o processo se encontra em recurso; - Sobre questões suscitadas de novo enquanto o processo tramita na Relação (cuja apreciação lhe compete em primeira instância e principalmente de natureza estritamente processual). Estão excluídos da previsão da norma os acórdãos proferidos pela Relação enquanto tribunal de recurso, em apreciação da decisão de primeira instância, dos quais se ocupa o artigo 671.º. A questão não é controversa como resulta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 20211 (no caso sobre acórdão proferido sobre questão nova) e de 25 de Novembro de 20202 . Em suma, o acórdão proferido não admite revista, por, para além de não se enquadrar na previsão do artigo 671.º, também estar excluído da previsão do artigo 673.º, inexistindo norma especial que permita a revista”.</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><font>8. A Requerente </font><b><font>apresentou Reclamação (art.643 CPC) para o Supremo Tribunal de Justiça, </font></b><font>alegando, em síntese</font><b><font>:</font></b><br> </p><p><font>1. A douta decisão reclamada não admitiu o recurso de revista interposto pela ora reclamante contra o Acórdão do Tribunal da Relação que, por sua vez, julgou improcedente a reclamação previamente apresentada pela mesma, sobre a não admissão do recurso de apelação por invocada extemporaneidade. </font><br> </p><p><font>2. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de não admissão do recurso de revista na irrecorribilidade do Acórdão interlocutório que foi seu objecto, por, em seu entender, não se enquadrar nem nas situações previstas no art. 671º do CPC, nem na previsão do art. 673º do mesmo diploma legal </font><br> </p><p><font>3. Porém, entende a reclamante que, não assiste razão ao Tribunal de 2ª instância, como adiante melhor se demonstrará. </font><br> </p><p><font>4. Se bem entendeu o douto Tribunal da Relação que, não havendo decisão de mérito, nem se pondo termo ao processo com a decisão interlocutória sobre a invocada intempestividade do recurso de apelação, a mesma não se enquadra na previsão do art. 671º nº1 do CPC que prevê recorribilidade das decisões em que tal sucede, salvo o devido respeito e melhor opinião, mal andou o mesmo Tribunal ao considerar que, tratando-se de uma decisão interlocutória, a mesma não se enquadra na previsão do nº2 da mesma disposição legal para efeitos de recorribilidade. </font><br> </p><p><font>5. Isto porque, a decisão interlocutória objecto de recurso de revista pode enquadrar-se no nº2 do art. 671º do CPC, por se tratar de um dos casos em que o recurso é sempre admissível, por remissão para o art. 629º do CPC, mais concretamente, para a alínea d) do nº2 </font><br> </p><p><font>6. No caso dos presentes autos, a decisão interlocutória, em princípio, não seria de facto recorrível, por não se enquadrar nos termos do nº1 do art. 671º do CPC, por motivos que nada têm que ver com a alçada – uma vez que se trata de acção de valor superior a 30.000,00 € que é a alçada do tribunal da Relação -, mas, por se tratar de uma decisão que não conheceu do mérito da questão, nem pôs termo ao processo, tendo-se pronunciado apenas sobre uma questão processual relacionada com o prazo de interposição do recurso de apelação. </font><br> </p><p><font>7. Contudo, o acórdão objecto do recurso de revista já seria recorrível nos termos do n º2 do art. 671º do CPC, por remissão para o nº2 d) do art. 629º do mesmo diploma legal, por haver uma oposição entre o referido acórdão e outros que foram invocados e parcialmente transcritos nas alegações/conclusões de recurso de revista. </font><br> </p><p><font>8. Foram os seguintes os Acórdãos da mesma e de outras Relações em oposição com o acórdão recorrido invocados em sede de alegações e conclusões de recurso de revista: -Ac. TRC de 17/02/2017 – Proc. Nº6726/15.7T8CBR-A.C1 -Ac. TRL de 23/10/2019- Proc. Nº1596/17.3PBFUN-A L1-3 - Ac. TRE- Proc. Nº301/17.9GBTVR.E1 Todos publicados em </font><font>www.dgsi.pt</font><font> (vide para tanto conclusão L e ponto 24 das alegações/conclusões. </font><br> </p><p><font>9. De qualquer modo, a oposição de julgados não é, nem tem de ser em si mesma o fundamento da decisão, nos termos do art. 674º do CPC, sendo antes um dos pressupostos do recurso de revista. </font><br> </p><p><font>10. Sendo o fundamento do recurso a violação de disposições legais, mais concretamente, do nº2 do art. 32º e do art. 34º da LADT, conforme resulta da conclusão B e seguintes da motivação do recurso de revista. </font><br> </p><p><font>11. Nesta medida, o recurso de revista deveria ter sido admitido, com base no pressuposto da oposição de julgados que torna o recurso sempre admissível, mesmo tratando-se de decisões interlocutórias proferidas pela 1ª instância, ou melhor dizendo, de um acórdão da Relação que manteve uma decisão da 1ª instância com fundamentação diferente, como foi a decisão de não admitir o recurso de apelação, com base na sua alegada intempestividade. </font><br> </p><p><font>12. Assim o tem entendido alguma doutrina, designadamente, António Santos Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, almedina, 6ª edição, Julho de 2020, p. 408: «O art. 629ª, Nº2, al. d), englobado na remissão genérica que consta do art. 671º, Nº2, al. a) reporta-se aos recursos de revista que incidem sobre quaisquer acórdãos da Relação em qualquer caso em que vigore uma regra de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça não ligada ao valor da alçada da Relação». </font><br> </p><p><font>13. O que significa que aquelas disposições legais abrangem também as decisões interlocutórias proferidas pela 1ª instância que incidem sobre questões processuais, como melhor explica o supracitado Juiz Conselheiro na referida obra, p. 62 a 68, pugnado por esta posição mais ampla no que respeita ao acesso ao recurso de revista, com base nos seguintes argumentos: «Para o efeito, destaca-se, desde logo, o elemento literal extraído do n.º2 do art. 671º, norma que, referindo-se explicitamente ao recurso de revista de decisões interlocutórias de cariz formal, assegura duas vias alternativas: a que decorre da al. b) (admissão de recurso de revista do acórdão da Relação que esteja em contradição com acórdão do Supremo, verificadas as demais condições aí previstas) e a que resulta da al. a) (que remetendo genericamente para o n.º2 do art.629º, não exclui a norma da al. d). A par deste elemento formal, constata-se ainda, como elemento de ordem racional ou teleológica, o facto de que, apenas desse modo se garante a efetiva possibilidade de, por intermédio do Supremo Tribunal de Justiça, serem sanadas contradições jurisprudenciais ao nível das Relações em torno de questões de direito adjetivo que, por regra, não são suscitadas nos demais recursos de revista (…) O facto de se tratar de matérias de direito adjetivo não pode servir para limitar, por via interpretativa, o direito de recurso, na medida em que frequentemente é da resolução dessas questões que depende a correta resolução do litígio». </font><br> </p><p><font>14. No mesmo sentido se tem pronunciado alguma jurisprudência que o referido Juiz Conselheiro menciona na obra citada, como por exemplo, o Acórdão do STJ de 23.01.2020, EC L1 1303.17, apelando ao argumento literal, no sentido de o legislador, intencionalmente ter permitido o recurso de revista nessas situações em que, de outra forma, as contradições em matéria adjectiva nunca chegariam ao Supremo. </font><br> </p><p><font>15. Semelhante solução foi dada pelo acórdão do STJ de 12.09.2019, no processo 587.17 (citada na mesma obra referida em 12 a 14 da presente reclamação), em que se discutiu a contagem de um prazo regressivo para a junção de documentos antes da audiência final. </font><br> </p><p><font>16. Abrantes Geraldes sustenta ainda o argumento sistemático para fundamentar a sua posição, na medida em que, por a norma do art. 629º nº2 d) se enquadrar nas disposições genéricas sobre recursos, abarca todas as decisões, logo, não só as finais e de mérito, como também as interlocutórias sobre questões adjectivas, como aquela que foi objecto do recurso de revista interposto nos presentes autos pela ora reclamante. </font><br> </p><p><font>17. Razões pelas quais, o recurso de revista interposto pela ora reclamante do acórdão da Relação que não admitiu o recurso de apelação também por si interposto, por alegada extemporaneidade, devia ter sido admitido, contrariamente ao que sucedeu e por isso, pela presente se reclama. </font><br> </p><p><font>18. Não é verdade que a ora reclamante tenha entendido que a decisão objecto de recurso de revista não se enquadrava no art. 671º Nº2 do CPC, tendo fundado o mesmo recurso na norma do ar. 673º do mesmo diploma legal.</font><br> </p><p><font>19. Na verdade, cumpre esclarecer que, o facto de a ora reclamante ter invocado o referido art. 673º do CPC não significa que o tenha invocado como fundamento do recurso, o que não fez, nem tinha de fazer, porque, a norma em causa diz apenas respeito à possibilidade de o recurso em causa ser feito sem ser diferido para a altura em que é interposto recurso da decisão final que, neste caso, obviamente, só poderia haver se tivesse sido admitido o recurso de apelação da decisão de 1ª instância, o que não aconteceu. </font><br> </p><p><font>20. E, nessa medida, seria inútil, nos termos da al. a) do referido art. 673º do CPC recorrer de uma decisão da Relação que não admitiu o recurso de apelação se o recurso de apelação tivesse sido admitido e julgado, conhecendo do mérito da questão, o que não aconteceu. </font><br> </p><p><font>21. Por outro lado, a ora reclamante, invocou em primeiro lugar, como pressuposto do seu recurso de revista, a norma do art. 652º Nº5 b) do CPC, segundo o qual: «Do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada: (…) b) Recorrer nos termos gerais».. É precisamente desta norma que resulta a remissão para o art. 671º do CPC que prevê os casos em que é admitido o recurso de revista, seja nos termos do nº1 ou do nº2 da disposição em causa e tratando-se de pressupostos do recurso de revista e não dos seus fundamentos que são os elencados no art. 674º do CPC.</font><br> </p><p><font>23. O facto de a ora reclamante não ter referido expressamente essa remissão no seu requerimento de recurso não significa que a remissão não exista, enquadrando-se, assim, a decisão recorrida na previsão do nº2 a) do art. 671º e 629. nº2 d) do CPC, contrariamente ao que decidiu o Tribunal na douta decisão objecto da presente reclamação.</font><br> </p><p><font>24. E, pelas razões já anteriormente aduzidas, nessa medida, o recurso de revista deveria ter sido admitido, sendo o seu fundamento a violação de normas jurídicas, conforme se referiu em 10 da presente reclamação, mais concretamente, de violação do nº2 do art. 32º e do artº 34º da LADT, conforme resulta da conclusão B e seguintes do recurso de revista. </font><br> </p><p><font>25. Relativamente ao teor do art. 673º e à sua referência a processos pendentes na Relação, cumpre referir que, contrariamente ao que sustenta a douta decisão ora reclamada, o acórdão objecto de revista foi proferido em processo pendente na Relação, porquanto, é este o Tribunal competente para apreciar a reclamação do despacho de 1ª instância que não admitiu o recurso de apelação. </font><br> </p><p><font>26. Termos em que não assiste razão ao Tribunal a quo, uma vez que, antes de mais, por a reclamação do despacho de não admissão do recurso de apelação ser da competência do Tribunal da Relação, é naquele Tribunal que o referido processo de reclamação se encontra pendente. </font><br> </p><p><font>27. Por outro lado, ao referir os acórdãos proferidos em processos pendentes na Relação, a Lei, no art. 673º do CPC não distingue se os processos se encontram em fase de recurso ou reclamação, nem se se trata do processo principal ou apenas de um apenso como o caso dos presentes autos.</font><br> </p><p><font>&nbsp;28. Logo, onde a Lei não distingue, também não deveria o Tribunal, na douta decisão reclamada ter decidido. </font><br> </p><p><font>29. Assim, caso não se entendesse que a decisão era recorrível nos termos do art. 652º nº5 b) do CPC, com remissão sucessiva para os arts. 671º nº2 a) e 629º nº2 d) do mesmo diploma legal – o que não se concede -, sempre o seria, por remissão do art. 673º do CPC para as mesmas disposições legais. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>9. O Requerido EE respondeu pugnando pela inadmissibilidade da revista, devendo ser rejeitada a reclamação.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>10. </font><b><font>No Supremo Tribunal de Justiça, por decisão singular de 18/5/2022, proferida pelo Relator, decidiu-se:</font></b><br> </p><p><b><font>Julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho reclamado.</font></b><br> </p><p><b><font>Condenar a Reclamante nas custas.</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>11. A Recorrente </font><b><font>reclamou para a conferência</font></b><font>, alegando, em resumo:</font><br> </p><p><font>a) Quanto ao primeiro fundamento da decisão reclamada, entende a reclamante que o recurso de revista sobre a decisão interlocutória que não admitiu o recurso com fundamento na suposta extemporaneidade do recurso de apelação deveria ter sido admitido, por se verificar o pressuposto da oposição de julgados, o que torna as decisões, ainda que interlocutórias recorríveis.</font><br> </p><p><font>b) &nbsp;A favor da recorribilidade das decisões interlocutórias em matéria processual, em caso de contradição jurisprudencial se tem pronunciado alguma doutrina, designadamente, António Santos Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, almedina, 6ª edição, Julho de 2020, p. 408, e jurisprudência aí citada.</font><br> </p><p><font>c) Razões pelas quais, o recurso de revista interposto pela ora reclamante do acórdão da Relação que não admitiu o recurso de apelação também por si interposto, por alegada extemporaneidade, devia ter sido admitido, contrariamente ao que sucedeu e por isso, pela presente se reclama, sob pena de, adoptando uma doutrina mais restritiva sobre a admissibilidade do recurso de revista das decisões interlocutórias sobre questões processuais, como é o caso, se permitir que haja conflitos jurisprudenciais sobre questões processuais que ficam por resolver.</font><br> </p><p><font>d) Entendeu o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator que a recorrente, ora reclamante não cumpriu o ónus de fundamentar e comprovar a contradição jurisprudencial previsto no nº2 do art. 637º como requisito formal de admissibilidade do seu recurso de revista.</font><br> </p><p><font>e) Salvo o devido respeito, entende a ora reclamante que, sem prejuízo de, por lapso, não ter juntado acórdão fundamento – que, desde já se pede seja relevado e seja admitida a junção com a presente -, não assiste razão quanto à falta de fundamentação ou motivação do recurso, no que tange à contradição de julgados.</font><br> </p><p><font>f) Na verdade, quando nas conclusões de recurso a recorrente, ora reclamante refere (e transcreve parcialmente) a jurisprudência que tem decidido no sentido da interrupção do prazo em curso com o pedido de substituição de Patrono pelo beneficiário do apoio judiciário, torna-se evidente pelo teor das citações que, a jurisprudência em causa é contrária ao douto Acórdão da Relação de Lisboa objecto do recurso de revista.</font><br> </p><p><font>g) Entende a recorrente, ora reclamante que, a contradição jurisprudencial foi invocada nas alegações/conclusões de recurso de revista e, quanto muito, poderão as conclusões considerar-se, eventualmente, obscuras ou complexas, devendo completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, ao abrigo do disposto no nº3 do art. 639º do CPC, não obstante a sua falta de notificação para o efeito, ou, em último caso, em obediência aos princípios da cooperação e da adequação formal, previstos, respectivamente, nos arts. 7º e 547º do CPC.</font><br> </p><p><font>h) Razão pela qual requer seja admitido o aperfeiçoamento das suas conclusões de recurso, passando a conclusão “L” a ter a seguinte redacção:</font><br> </p><p><i><font>“Em</font></i><font> </font><i><font>sentido</font></i><font> </font><i><font>contrário</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>recorrido,</font></i><font> </font><i><font>determinando</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>interrupção</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>prazo</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>curso</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>pedido</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>substituição</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Patrono</font></i><font> </font><i><font>tem</font></i><font> </font><i><font>decidido</font></i><font> </font><i><font>alguma</font></i><font> </font><i><font>jurisprudência,</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>algum</font></i><font> </font><i><font>modo</font></i><font> </font><i><font>pacificamente,</font></i><font> </font><i><font>destacando-se</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>AC.</font></i><font> TRL de 23/10/2019 – Proc. Nº1596/17.3PBFUN-A L1-3 </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>junta</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>acórdão</font></i><font> </font><i><font>fundamento</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>todos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>pedidos</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>substituição</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Patrono
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NDFYu4YBgYBz1XKvlvjQ
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.-O Autor - AA - instaurou acção, com &nbsp;forma de processo comum, contra os Réus - BB, CC, DD (na qualidade de herdeiros de EE e este de FF), GG, HH, II e JJ (na qualidade de herdeiros de KK e este de FF).</font><br> </p><p><font>Pediu:</font><br> </p><p><font>a) A título principal, que seja decretada a nulidade, ou caso assim não se entenda, a anulação da escritura pública de partilha celebrada no Cartório Notarial ..., lavrada a fls. 49 verso a 54 verso no livro de notas de escrituras diversas do Notário ..., no que se refere à verba ali designada por verba n.º 3, composta por prédio sito em ..., ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...1 e na urbana sob o artigo 1184, descrito na mesma Conservatória sob o n.º ...90, a fls. 60 verso do livro B- 57, bem como a escritura de habilitação de herdeiros realizada por escritura pública datada de 7.09.1974, no 2º Cartório de ..., a fls. 35 verso, livro A, atenta a inadmissibilidade de tais actos de acordo com o direito vigente e respectivos registos prediais e inscrições matriciais que tiveram origem no acto em apreço e subsequentes disposições patrimoniais que lhe sucederam. </font><br> </p><p><font>b) A título subsidiário, a condenação dos Réus a compensarem-no, na respectiva proporção, das benfeitorias que realizou no prédio antes descrito, em valor não inferior a € 154. 360, 00. </font><br> </p><p><font>Os Réus contestaram por excepção e por impugnação.</font><br> </p><p><font>2.- No saneador-sentença, decidiu-se o seguinte:</font><br> </p><p><font>&nbsp;“a) Julga-se o pedido formulado, a título principal, improcedente e, consequentemente, absolvem-se os Réus do referido pedido; </font><br> </p><p><font>&nbsp;b) Julga-se verificada a nulidade do erro na forma do processo, no que respeita ao pedido formulado a título subsidiário e, consequentemente, anula-se o respectivo processado e, nessa parte, absolvem-se os Réus da instância.” </font><br> </p><p><font>3.. Inconformado, o Autor recorreu de apelação e a Relação do Porto, por acórdão de </font><b><font>10/1/2022</font></b><font> decidiu, sem voto de vencido, julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.</font><br> </p><p><font>O acórdão foi notificado às partes em 10/1/2022.</font><br> </p><p><font>4. O Autor, notificado do acórdão, apresentou reclamação, com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>a) A interpretação dos contratos para verificar a intenção ou vontade dos contraentes na conformidade com o então artigo 684 do Código Civil de Seabra é matéria de facto, conforme alegada pelo Recorrente nos arts. 19 da PI, 47, 48 e 49 da Réplica;</font><br> </p><p><font>b) A interpretação a realizar, após apuramento das instâncias, alteraria o regime de efeitos atribuídos pela Convenção Antenupcial;</font><br> </p><p><font>c) Na fase intermédia – audiência prévia – atenta a nova reforma processual civil permite-se a discussão de facto e de direito, com contraditório, que deveria ter sido tomada em conta no julgamento da matéria de facto desde logo no que concerne aos critérios de oportunidade e alegação;</font><br> </p><p><font>d) O Recorrente também em sede de audiência prévia a minutos 07:20 a minutos 08:20 do CD-ROM refere-se – na perspetiva da matéria de facto – à interpretação da vontade dos outorgantes;</font><br> </p><p><font>e) A primazia da forma sobre o fundo implica – que a manutenção da presente decisão –teria aptidão para violar a interpretação conjugada dos artigos 5 n.º 2, 411º e 591º n.ºs 1 b) e c) do C.P.C.</font><br> </p><p><font>Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento à Reclamação supra, sendo a decisão a proferir, no âmbito das conclusões apresentadas, integrada no acórdão.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Os Recorridos responderam à reclamação pugnando pela sua improcedência.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>5.- Por acórdão de </font><b><font>21/3/2022,</font></b><font> a Relação decidiu em “desatender a nulidade e reforma deduzidos contra o Acórdão proferido nos presentes autos a 10.01.2022, que se mantém na íntegra”.</font><br> </p><p><font>O acórdão foi notificado às partes em 21/3/2022.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>6. O Autor, em </font><b><font>4/4/2022</font></b><font>, interpôs recurso de revista do acórdão de 10/1/2022, </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>7. Por </font><b><font>despacho de 28/5/2022 </font></b><font>não foi admitido o recurso de revista, por haver precludido o direito, dada a extemporaneidade.</font><br> </p><p><font>Argumentou-se, em síntese, que a reclamação de arguição de nulidade de reforma do acórdão não interrompeu o prazo de 30 dias para a interposição do recurso ( “(…) ao contrário do que parece sugerir ou entender o Recorrente, a dedução daquela reclamação contra o anterior Acórdão de 10.01.2022 não suspende, nem interrompe o prazo para a interposição de recurso de Revista, como decorre claramente do preceituado no artigo 615º, n.º 4, do CPC, prazo esse que se iniciou, repete-se, no caso dos autos, a 10.01.2022 e terminou, no máximo, a 17.02.2022”).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>8. O Autor/recorrente, em 13/6/2022, </font><b><font>reclamou</font></b><font> ( art.643 CPC), com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>A reclamação do acórdão de 21/3/2022 interrompe o prazo de recurso, atenta a aptidão para modificação essencial da sentença.</font><br> </p><p><font>A contagem do prazo de interposição do recurso a iniciar-se aquando da notificação do acórdão da Relação esvaziaria o sentido e alcance do art.617 nº 2 e 3 CPC, traduzindo-se numa interpretação desconforme à Constituição por violação do princípio do direito de acesso, do princípio da igualdade / processo equitativo ( art.20 nº1 e 4 CRP).</font><br> </p><p><font>Devem as decisões proferidas pela Relação do Porto a 10/1/2022 e 31/3/2022 ser consideradas um único comando material para efeitos de impugnação e início da contagem do prazo processual.</font><br> </p><p><font>Deve a reclamação ser deferida e admitido o recurso.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>9. </font><b><font>Por decisão singular de 20/9/2022, o STJ decidiu:</font></b><br> </p><p><b><font>Julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho reclamado.</font></b><br> </p><p><b><font>Condenar o Reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs.</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>10. O Autor AA interpôs (6/10/2022) </font><b><font>recurso para o Tribunal Constitucional da decisão singular de 21/9/2022,</font></b><font> e dos Acs Relação do Porto de 21/3/2022 e 28/5/2022.</font><br> </p><p><font>Alegou, para o efeito, que:</font><br> </p><p><font>“Não permitir a interpretação de forma conjugada os art.º 615 n.º 4 e 638 n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo a qual não é admitido recurso interposto devido a não existir cisão temporal entre o requerimento de arguição de nulidades da decisão proferida pela Relação do Porto e o requerimento de interposição de recurso de revista, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art.º 20 da C.R.P. dada que a teleologia da questão aqui suscitada prende-se com o direito ao recurso da decisão que é desfavorável ao recorrente, restringido este, por uma questão meramente formal. A contagem do prazo de interposição de recuso – art.º 638 n.º 1 do C.P.C. – a iniciar se aquando da notificação do Acórdão da Relação esvaziaria o sentido e alcance do art.º 617 n.º 2 e n.º 3 do C.P.C. bem como traduziria uma interpretação desconforme a Constituição designadamente desrespeitando o direito de acesso aos tribunais/Recurso e o princípio da igualdade / processo equitativo previsto no artigo 20 n.º 1 e n.º 4 da C.R.P”.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>11. Por decisão de 27/10/2022 decidiu-se </font><b><font>não admitir o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.</font></b><br> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><br> </p><p><font>12.&nbsp; O Autor AA </font><b><font>reclamou para a conferência</font></b><font>, com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>a) O Recorrente, interpondo recurso imediato para o Tribunal Constitucional, com o fundamento na alínea b) do n.º 1 do ar.º 70 da LOTC de uma decisão singular que incidiu sobre a Reclamação (art.º 643CPC) está, com o seu comportamento, a renunciar tacitamente ao mecanismo da reclamação para a conferência daqueloutra decisão – esgotando aí – os meios ordinários de reação.</font><br> </p><p><font>&nbsp;b) Entendendo-se, no caso concreto, que o Recorrente no momento da interposição do Recurso não esgotou os meios ordinários que a lei dispõe de reacção contra a decisão recorrida determinará uma interpretação do art.º 652 n.º 3 do CPC conjugada com os art.º 70n.º 2 b) e 70 n.º 3 da LOTC desconforme com princípio da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art.º 20 da C.R.P. e principio da proporcionalidade dada que a teleologia da questão aqui suscitada prender-se, de forma flanqueada, com o direito ao recurso e direito de acesso aos tribunais / Recurso e o princípio da igualdade / processo equitativo previsto nos artigos 13 n.º1, 18 n.º1 e n.º 2, 20 n.º 1 e n.º 4 “in fine”da C.R.P.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>13. – </font><b><font>Apreciação do Tribunal</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>A fundamentação da decisão de indeferimento do recurso para o Tribunal Constitucional é a seguinte:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>“Determina o art.70 nº1 b) da Lei nº 28/82 de 15/11 (LTC):</font><br> </p><p><font>“1 - Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:</font><br> </p><p><font>(…)</font><br> </p><p><font>b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;”</font><br> </p><p><font>Conforme orientação jurisprudencial do TC são requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do nº 1 do art.70 da LTC -&nbsp; (i) a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; (ii) o esgotamento dos recursos ordinários (art.70 nº2 da LTC); (iii) a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como </font><i><font>ratio decidendi</font></i><font> da decisão recorrida; (iv) a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (art.280 nº1 alínea b), da Constituição da República Portuguesa, art.72 nº2 da LTC).</font><br> </p><p><font>Verifica-se que no requerimento de interposição de recurso, o recorrente indica norma (na dimensão interpretativa do tribunal) que pretende submeter à apreciação do juízo de conformidade constitucional, a suscitação no requerimento de reclamação, mas já não se verifica o pressuposto específico do esgotamento dos recursos ordinários ( art.70 nº2 LTC).</font><br> </p><p><font>Na verdade, o pressuposto da prévia exaustão dos recursos ordinários apenas se efectiva quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência, entendendo-se que se encontram esgotados todos os recursos ordinários, para este efeito, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual (70 nº4 LTC).</font><br> </p><p><font>Como se decidiu no Acórdão do TC, de 25/10/2010, processo n.º 560/10, da 3ª Secção (Relator: Conselheiro Vítor Gomes) - “o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º da LTC está subordinado ao requisito ou pressuposto de esgotamento dos meios ordinários, nestes se incluindo as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência (n.º 2 do artigo 70.º da LTC)”.</font><br> </p><p><font>De resto, é a própria lei que o afirma no art. 70 nº3 LTC ( “ São equiparadas a recursos ordinários as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência” ).</font><br> </p><p><font>Ora bem, da decisão singular do Relator a julgar improcedente a reclamação ( art.643 CPC)&nbsp; cabe reclamação para&nbsp; a conferência, por imperativo do art.652 nº3 CPC, pelo que o Recorrente, que estava em tempo, não esgotou os meios ordinários que a lei dispõe de reacção contra a decisão recorrida.</font><br> </p><p><font>Por isso, o recurso para o TC não pode ser admitido por falta de requisito legal de admissibilidade”.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>O Reclamante alega verificar-se o requisito do esgotamento porque tendo interposto imediatamente recurso constitucional da decisão singular renunciou tacitamente à reclamação para a conferência, e, portanto, ao acórdão, pelo que se esgotaram os meios ordinários.</font><br> </p><p><font>Problematiza-se o requisito de admissibilidade do esgotamento dos recursos ordinários, nele se incluindo a reclamação para a conferência, como agora está positivado no art.70 nº1 b), nº 2 e 3 Lei nº 28/82 de 15/11 ( LTC ).</font><br> </p><p><font>Sintetizando a orientação jurisprudencial do Tribunal Constitucional sobre a razão de ser do esgotamento, afirma-se no Ac TC nº 209/2022 ( 31/3/2022):</font><br> </p><p><font>“Segundo reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, a exigência de exaustão dos recursos ordinários associa a sua razão de ser à natureza hierarquizada do sistema judiciário e à possibilidade de reação facultada no interior de cada ordem jurisdicional, com a mesma se tendo pretendido assegurar que o Tribunal Constitucional seja somente chamado a reapreciar, no âmbito da fiscalização concreta, «as questões de constitucionalidade abordadas em decisões judiciais que constituam a </font><i><font>última palavra</font></i><font> dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que proferiu a decisão recorrida» (</font><i><font>v.</font></i><font>, o Acórdão n.º 489/2015). Por isso, mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, sempre se entendeu que o conceito de </font><i><font>recurso ordinário</font></i><font> tem, no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, uma «</font><i><font>amplíssima significação</font></i><font>» (</font><i><font>v.</font></i><font>, o Acórdão n.º 2/1987), abrangendo todos os meios impugnatórios facultados pela lei processual aplicável ao processo-base, </font><i><font>desde que</font></i><font> efetivamente previstos ou admitidos na respetiva lei do processo e suscetíveis, por isso, de obstar ao trânsito em julgado da decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional. Depois dessas alterações, o artigo 70.º da LTC passou a equiparar expressamente aos recursos ordinários «</font><i><font>as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão ou de retenção do recurso, bem como as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência</font></i><font>» (n.º 3), esclarecendo ainda que se consideram </font><i><font>«esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem que a interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual</font></i><font>» (n.º 4).</font><br> </p><p><font>Assim, nos casos em que a decisão recorrida para o Tribunal Constitucional é, como sucede no presente, uma decisão de não admissão de um recurso ordinário, a mesma apenas se considera definitiva, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, depois de esgotado o prazo previsto para o acionamento do meio de reação facultado ao recorrente pela a lei aplicável ao processo-base ou mediante renúncia expressa ao direito correspondente.”</font><br> </p><p><font>Por conseguinte, o art.70 nº2 da LTC apenas admite recurso para o Tribunal Constitucional relativamente às decisões que constituam a “última palavra” dentro da ordem jurisdicional respetiva. Ou seja, decisões que estejam totalmente consolidadas na dimensão ordinária, definitivas.</font><br> </p><p><font>O art.70 nº4 da LTC dispõe o seguinte – “Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.</font><br> </p><p><font>O Reclamante não renunciou expressamente e a interposição do recurso de constitucionalidade no decurso do prazo para a reclamação para a conferência da decisão singular no STJ, não é inequivocamente concludente para a renúncia tácita.</font><br> </p><p><font>Para Carlos Lopes do Rego, “(…) a mera interposição de recurso quando ainda estava a decorrer o prazo para deduzir o meio impugnatório ordinário não vale como facto concludente inequívoco da vontade de não o utilizar, o que tem levado a considerar inadmissível a “antecipada” interposição de recurso de fiscalização concreta sem que a parte expressamente “renuncie” ao recurso ordinário possível” (</font><a></a><font>Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, pág. 123), sendo esta a posição que tem sido adoptada pelo Tribunal Constitucional ( cf., por ex. Ac nº 887/2021 ).</font><br> </p><p><font>Verifica-se que a decisão singular é do dia 21 de Setembro, foi notificada a 22 de Setembro e o Reclamante interpôs recurso para o TC no dia 6 de Outubro. Muito embora o tenha feito no último dia do prazo (10 dias), a verdade é que a decisão, no momento em que foi requerido o recurso, não era ainda definitiva. Portanto, o recurso de constitucionalidade foi interposto dentro do prazo de que o Reclamante dispunha para reclamar para a conferência, nos termos do art. 652 nº3 do CPC, o que equivale a dizer que a decisão singular do relator não se chegou a tornar definitiva, para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 70 da LTC.</font><br> </p><p><font>Por outro lado, o Reclamante assevera que interpretação do art.º 652 n.º 3 do CPC conjugada com os art.º 70n.º 2 b) e 70 n.º 3 da LOTC viola dos arts. 13 nº1, 18 nº1 e 2, 20 nº1 e 4 da CRP.</font><br> </p><p><font>Também aqui não parece que tenha razão. Neste sentido, em situação similar, afirma o Ac TC nº 807/2021 que &nbsp;“ (…) &nbsp;a interpretação em causa não constitui qualquer restrição desproporcionada de direitos processuais, nem viola o direito a um processo equitativo. Não só o requisito da definitividade da decisão é coerente com a função do Tribunal Constitucional no sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, como a imposição alternativa de (</font><u><font>a</font></u><font>) renunciar </font><i><font>expressamente</font></i><font> à impugnação ou (</font><u><font>b</font></u><font>) renunciar </font><i><font>tacitamente</font></i><font> à impugnação, deixando decorrer o prazo e interpor recurso após o esgotamento do prazo (cfr. Carlos Lopes do Rego, ob. cit., p. 124) não constitui qualquer ónus especialmente gravoso.</font><br> </p><p><font>Por fim, nem a reclamação para a conferência, sendo um meio normal de impugnação, se pode considerar, </font><i><font>por si mesma</font></i><font>, inútil, independentemente do sentido da decisão, nem o aumento da duração do processo daí adveniente assume uma dimensão que lhe confira relevância enquanto restrição do direito a uma decisão em prazo razoável.”</font><br> </p><p><font>Por consequência, a decisão não viola as normas constitucionais invocadas.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>14. – </font><b><font>Pelo exposto, decidem</font></b><br> </p><p><font>Julgar improcedente a reclamação e confirmar a decisão singular do Relator de 21 de Setembro de 2022.</font><br> </p><p><font>Condenar o Reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Dezembro de 2022.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Os Juízes Conselheiros</font><br> </p><p><font>Jorge Arcanjo ( Relator )</font><br> </p><p><font>Isaías Pádua</font><br> </p></font><p><font><font>Manuel Aguiar Pereira </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> "A" -, pediu nesta acção declarativa proposta no Tribunal de Círculo de Gondomar contra as rés B e C - a declaração de resolução de um contrato de compra e venda que teve como objecto o veículo automóvel com a matrícula JO e a condenação das rés a pagarem-lhe 6.025.000$00 - preço do veículo - mais 1.500.000$00 a título de danos patrimoniais e ainda outra importância igual a título de danos não patrimoniais, tudo como consequência de defeito que o veículo apresentava.<br> Após contestações de ambas as rés, nas quais defenderam a improcedência da acção, sendo que a primeira reconveio ainda pedindo, para a hipótese de ser declarada a resolução, a condenação da autora a restituir-lhe o veículo e a pagar-lhe a quantia que em liquidação preliminar à execução se apurasse como correspondente à diferença entre o preço e o valor do veículo à data da restituição, procedeu-se à tramitação adequada até que, após audiência de julgamento, foi proferida, já no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar, sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré B a pagar à autora a quantia de 150.000$00, absolvendo-a do restante pedido e proferindo quanto à C decisão de total absolvição do pedido.<br> Em apelação da autora, que pretendeu aí obter a declaração de resolução do contrato e a condenação de ambas as rés a pagarem-lhe as quantias pedidas na petição inicial a título de restituição de preço e de danos não patrimoniais, a Relação do Porto proferiu acórdão que julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença.<br> Ainda inconformada, a autora interpôs este recurso de revista em que, alegando a pedir a condenação das recorridas no pedido - o que, evidentemente, só pode ter-se como relativo ao pedido prosseguido na apelação - formulou as seguintes conclusões:<br> I - A factualidade dos autos ficou no essencial provada e a favor da recorrente;<br> II - A recorrente actuou de acordo com os normativos legais aplicáveis à venda de coisa defeituosa conforme arts. 908º, 914º e 916º do CC;<br> III - A factualidade alegada pela recorrida B em defesa da sua posição não foi provada;<br> IV - Incumbia à recorrida B provar que o "defeito" que não reconhecia como tal não se verificava e tinha desaparecido;<br> V - À recorrente assistia o direito de pedir a resolução do negócio, atento o incumprimento definitivo da recorrida.<br> As recorridas não responderam.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> <br> Como é sabido, as conclusões das alegações devem conter o resumo dos fundamentos pelos quais o recorrente pretende a alteração do decidido, assim delimitando objectivamente o âmbito do recurso ou, o que é o mesmo, as questões a versar na sua decisão - cfr. arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC.<br> As instâncias absolveram a C por entenderem, designadamente, que, não tendo ela intervindo como vendedora no contrato de compra e venda, em nada podia ser responsabilizada, nomeadamente ao abrigo do DL nº 383/89, de 6/11 - referido na sentença - ou da Lei de Defesa do Consumidor - Lei nº 24/96, de 31/7, invocada no acórdão recorrido.<br> Contra esta posição nada disse a recorrente, que, aliás, tanto nas conclusões que formula ao alegar neste recurso como no arrazoado que as antecede, apenas se refere à recorrida B e só no pedido final utiliza o plural "recorridas".<br> Isto implica, como consequência, a impossibilidade de aqui se discutir a responsabilidade da C, definitivamente arredada, face ao exposto, do que há a decidir.<br> A matéria de facto que foi dada como assente nas instâncias não vem posta em causa, nem se vê razão para que qualquer aspecto da mesma deva aqui ser oficiosamente ponderado, pelo que se remete, quanto à sua enunciação, para o acórdão recorrido, nos termos dos arts. 713º, nº 6 e 726º do CPC.<br> Destacam-se dela os seguintes factos:<br> 1. Em 3/2/98 a autora adquiriu à B o veículo de marca Volkswagen, modelo Sharan 1.9 CL TDI, matricula JO, pelo preço de esc. 6.025.000$00;<br> 2. Após os primeiros dias de utilização e fruição do dito veículo a A. constatou que quando ligava o ar condicionado era libertado para o interior do veiculo um cheiro incomodativo;<br> 3. Tal cheiro impossibilitava a permanência de ocupantes no interior do veiculo, causando problemas respiratórios a quem o inalasse;<br> 4. Em 31/3/98 o sócio gerente da A. enviou à B um fax, no qual refere que o ar condicionado da sua viatura mesmo desligado liberta um gás nocivo; <br> 5. Na sequência da reclamação referida em 4. a A. deixou a sua viatura nas instalações da B para ser inspeccionada, tendo a viatura permanecido aí cerca de dois dias;<br> 6. A " B" constatou que o sistema de ar condicionado não estava a funcionar normalmente e que o interior da viatura apresentava um cheiro anormal;<br> 7. A " B" verificou que o evaporador estava avariado e procedeu à sua substituição, não tendo sido detectada qualquer outra anomalia;<br> 8. O problema referido em 2. não ficou resolvido;<br> 9. Decorridos mais de 15 dias a A. deixou novamente o seu veiculo na oficina da B, onde ficou por mais de 3 dias;<br> 10. Em Abril de 1998 a A. voltou a reclamar quanto ao funcionamento do ar condicionado, alegando que o cheiro se mantinha;<br> 11. A "B" inspeccionou de novo o ar condicionado e, por conselho da C, procedeu a uma limpeza de todas as condutas do sistema de ar condicionado, com liquido próprio para o efeito, e substituiu alguns dos componentes, nomeadamente os filtros de poeira e pólens;<br> 12. Desde Abril de 1998 até Novembro de 1998 a A. deixou o seu veiculo na oficina da B pelo menos três vezes, sem que o problema tivesse ficado resolvido;<br> 13. Desde 3/2/98 a A. deslocou-se às instalações da oficina da primeira Ré pelo menos quatro vezes;<br> 14. A viatura circulou entre Abril e Novembro de 1998;<br> 15. Em Novembro de 1998 a A. voltou a reclamar junto da B quanto ao funcionamento do ar condicionado, tendo em 16/11/98 o sócio gerente da A. enviado à B um fax, no qual a alerta para a necessidade de resolução do problema do ar condicionado do seu veículo;<br> 16. A A. acordou com a B em deixar o veiculo nas suas oficinas para ser inspeccionado;<br> 17. Em 27 do mesmo mês o veículo foi entregue à B para a dita inspecção, tendo esta, nessa altura, notado que persistia o cheiro anormal de que a A. reclamava, embora atenuado;<br> 18. Em Dezembro de 1998 a C, a pedido da B, submeteu o veículo e o seu sistema de ar condicionado a testes no seu Centro Técnico, onde o mesmo foi inspeccionado, quer pelos técnicos da C, quer pelo técnico da B;<br> 19. De acordo com estes testes o ar condicionado da viatura em causa estava em condições normais de utilização;<br> 20. A viatura não voltou mais às oficinas da B nem às oficinas da C desde fins de Novembro e princípios de Dezembro de 1998, respectivamente;<br> 21. Desde Dezembro de 1998 a A. continuou a utilizar a viatura;<br> 22. Quando a viatura esteve nas instalações da B em 27 de Novembro para ser inspeccionada, esta emprestou à A. uma viatura de serviço, da mesma marca e modelo para substituição;<br> 23. Quando a A. devolveu tal viatura admitiu perante a B proceder à troca da sua viatura pela de serviço ou por uma nova, solicitando à B que apresentasse uma proposta para o efeito;<br> 24. Em 10/12/98 a A. através da sua mandatária enviou à B um fax, no qual pugna pela resolução do problema do ar condicionado da sua viatura e reclama o pagamento dos custos sofridos com a sua paralisação;<br> 25. Em 7/1/99 a B enviou à A. um fax, no qual apresenta uma proposta nos termos da qual forneceria à A. uma viatura de serviço contra o pagamento de 1.200.000$00 ou uma nova contra o pagamento de 1.800.000$00, sendo em ambos os casos considerado o valor de retoma da viatura da A.;<br> 26. A A. esteve privada do uso do veículo num total de pelo menos doze dias;<br> 27. O veículo da A. estava afecto à sua actividade comercial e era utilizado pelo sócio gerente daquela;<br> 28. Devido às paralisações do veiculo referidas em 36. o sócio gerente da A. viu-se obrigado a cancelar e alterar reuniões de trabalho;<br> 29. O veículo foi vendido pela C à B para ser por esta revendido nos termos que entendesse, tendo sido por esta entregue à recorrente nas condições em que o recebeu da B.<br> <br> Cabe referir que no fax referido em 24., constante de fls. 35-36, se ameaçou a B com o recurso à via judicial caso o veículo não fosse entregue nesse dia com os problemas devidamente solucionados.<br> De acordo com o art. 913, n. 1 do CC - diploma do qual serão as normas que adiante formos referindo sem outra identificação - há venda de coisa defeituosa quando a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que é destinada ou quando não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, remetendo a lei para o regime próprio da venda de bens onerados.<br> A sua autonomização como espécie jurídica envolve a criação de um regime especial face ao do cumprimento defeituoso, ao qual a lei apenas se refere, em termos gerais, no art. 799, n. 1 - onde o faz equivaler à falta de cumprimento para efeitos de presunção de culpa - e ao qual se faz corresponder, nos termos gerais da responsabilidade contratual, a obrigação de indemnizar os prejuízos dele decorrentes - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pgs. 126-131. De notar é que, nesta modalidade de não cumprimento, caberá ao credor o ónus de provar a desconformidade entre a prestação feita e aquilo a que o contrato obrigava o devedor - desconformidade que é o facto constitutivo do seu direito a ser indemnizado - funcionando a partir daí a já mencionada presunção de culpa.<br> Nos casos em que o cumprimento defeituoso se refira a um contrato de compra e venda, sendo-nos deparado um concurso entre um regime decorrente de normas e princípios gerais e outro consubstanciado em normas especiais, haverá que fazer aplicar o regime especial no âmbito que lhe é próprio, apenas sendo de recorrer ao regime geral fora daquele - cfr. Meneses Cordeiro, Violação Positiva do Contrato, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 41, pgs. 145-147.<br> Interessa, por isso, considerar as especialidades mais importantes do regime da venda de coisa defeituosa.<br> <br> A primeira consequência prevista para a existência de coisa defeituosa é o direito, por parte do comprador, a pedir a anulação do contrato por erro ou dolo, uma vez verificados os respectivos requisitos legais - cfr. art. 905.<br> Procedendo esta anulação, o comprador tem ainda direito a ser indemnizado, mas com duas medidas diversas; em caso de dolo será indemnizável todo o dano que não teria sido sofrido se a compra e venda não houvesse sido celebrada; e em caso de erro a indemnização abrangerá apenas os danos emergentes do contrato, dela se excluindo os benefícios que o comprador tiver deixado de obter - cfr. arts. 908 e 909, conjugado este com o art. 564, n. 1.<br> Poderá haver lugar, em alternativa à anulação, à redução do preço, a par da indemnização que tiver lugar no caso - cfr. art. 911.<br> E pode ainda - cfr. art. 914 - o comprador exigir do vendedor a reparação da coisa ou, sendo isso necessário e tendo ela natureza fungível, a sua substituição; mas qualquer destas faculdades está excluída se o vendedor ignorava sem culpa o vício ou a falta de qualidade que afectam a coisa vendida.<br> No entanto, há ainda casos de contratos de compra e venda de coisa defeituosa em que este conjunto de soluções não tem aplicação, valendo antes as regras relativas ao não cumprimento das obrigações, o que envolve o direito, por parte do comprador, a uma indemnização nos termos gerais; não haverá aí, designadamente, a restrição que ao seu âmbito é imposta em casos de erro pelo art. 909.<br> Sucede isto nos casos em que, depois da venda e antes da sua entrega, a coisa vendida adquire vícios ou perde qualidades, bem como nos casos de venda de coisa futura e nos de venda de coisa indeterminada de certo género - cfr. art. 918. <br> Em qualquer dos casos se poderá pôr, ainda, a hipótese da resolução do contrato, que - para além de ser o enquadramento teórico que parte da doutrina prefere dar à "anulação" a que se referem as disposições conjugadas dos arts. 913 e 905, como se vê em Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) - Contratos, pgs. 117-120, e João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pgs. 68-70 - poderá ter lugar quando não é cumprida a obrigação de reparação ou de substituição da coisa, actuando pelas vias da perda de interesse ou da interpelação admonitória, abertas, em termos gerais, pelo art. 808º - cfr. último autor e obra citados, pgs. 67-68 e Manuel A. Carneiro da Frada, Perturbações Típicas do Contrato de Compra e Venda, in Direito das Obrigações, Vol. 3º - Contratos em especial, AAFDL, 1991, pgs. 85-86. <br> Como se disse no acórdão proferido em 3/6/97 por este STJ na revista nº 546/96, que teve o mesmo relator que o presente, "... Fala-se de interpelações admonitórias quando se pretende designar as que são idóneas para fazer funcionar a 2. parte do art. 808, por conterem "... uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo" - cfr. J. Baptista Machado, estudo citado, pg. 382. Também Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6. edição, pg. 124, fala no poder, que tem o credor, "... de fixar ao devedor, que haja incorrido em mora, um prazo para além do qual declara que considera a obrigação como (definitivamente) não cumprida."<br> E no acórdão proferido em 28/4/98 na revista nº 334/98, em que foram relator e adjuntos os mesmos juízes que intervêm no presente, disse-se ainda que "A interpelação em que o credor ameaça com o recurso à via judicial, mas nada dizendo quanto a ter a obrigação como definitivamente não cumprida, não exime o devedor de oferecer a sua prestação e de, em caso de recusa desta, constituir o credor, por seu turno, em mora".<br> <br> Finalmente, importa salientar que, sendo o direito à reparação ou à substituição um efeito jurídico, não do contrato de compra e venda, mas de um vício ou defeito da coisa vendida, compete ao comprador provar que há coisa defeituosa, em paralelo com o que sucede, como dissemos, no cumprimento defeituoso - cfr. art. 342º, nº 1.<br> Mas já não é completamente evidente a solução a dar ao problema do ónus de prova quando o não cumprimento cabal do dever de reparação ou substituição a que serve de base para que o comprador opte pela resolução do contrato.<br> Uma vez que a resolução por incumprimento pode ser pedida sem que ao credor se exija a prova desse incumprimento, bastando-lhe, pelo contrário, a prova da constituição do crédito e cabendo ao devedor a prova de um facto extintivo deste, designadamente o cumprimento - cfr. Varela, Bezerra e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pgs. 462-465 - também a simples ausência de prova de que o vendedor tenha reparado ou substituído a coisa vendida o exporá à iniciativa bem sucedida, por parte do comprador, no sentido de declarar ou fazer declarar a resolução do contrato, desde que reunidos os demais requisitos.<br> No entanto, no tocante à obrigação de reparar ou substituir coisa defeituosa, o seu cumprimento imperfeito revela ter havido uma conduta que, em princípio, poderia ter levado o vendedor a conseguir a sua exoneração; há, em tal caso, a aparência de efectivação de uma prestação a que se está obrigado; e a sua desconformidade face ao que seria devido equivale à existência de um facto impeditivo desse efeito exoneratório, cabendo, então, ao comprador, o ónus de provar essa desconformidade - cfr. art. 342º, nº 2 -, tal como era, inicialmente, a sua posição em caso de vício ou defeito da coisa - cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pg. 357.<br> E não se vê, ao contrário do que a recorrente defende sem argumentação idónea, que seja de aceitar a existência de qualquer inversão do ónus da prova ao abrigo do art. 344º - preceito que tem, aliás, mais do que um comando, sem que a recorrente aponte qual deles entende poder funcionar em seu favor.<br> Este enquadramento jurídico habilita-nos a fazer dos factos a seguinte análise.<br> É inequívoco que houve vende de coisa defeituosa, tendo a recorrente satisfeito o ónus de prova que lhe cabia a este respeito.<br> A "B", estava obrigada a repará-lo, não podendo ter-se como excluída esta sua obrigação ao abrigo do art. 914º, parte final; na verdade, o facto 29. supra não permite que se formule a favor daquela esse juízo de exclusão.<br> Sabe-se ainda que a recorrida diligenciou pela sua reparação.<br> Com êxito?<br> Sem êxito?<br> A este respeito foi formulado na base instrutória um quesito - o 15º - onde se perguntou se presentemente o veículo continua a apresentar o problema de ar condicionado descrito nos factos 2. e 3. supra.<br> Foi-lhe dada a resposta de "não provado".<br> Daqui partiram as instâncias para a conclusão segundo a qual a recorrente não satisfez o ónus que sobre ela recaía.<br> Temos, porém, como necessário formular, neste ponto, opinião diversa.<br> De tal resposta negativa não pode, como é sabido, inferir-se estar provado o contrário do que se perguntava - ou seja, não pode dar-se como assente que o defeito não exista já.<br> E os factos 6. a 8. e 17. mostram, pelo contrário, que a coisa defeituosa foi objecto de reparações que não eliminaram o defeito, o que não é prejudicado por aquela resposta negativa.<br> <br> Por sua vez, os factos 18. e 19. não convencem da sua inexistência, pois deles não pode concluir-se outra coisa que não seja a inconcludência dos testes feitos pela A e pela B, não interessa o simples resultado dos testes, mas, antes, a real situação da coisa, sabendo-se ainda que não é de contar com a auto-eliminação de um defeito bem comprovado e cuja reparação foi improficuamente tentada mais do que uma vez.<br> Deste modo, o direito à reparação ainda existe, por não ter sido cumprida a correlativa obrigação.<br> Mesmo assim, o pedido de reconhecimento da resolução do contrato não pode proceder porque não houve interpelação admonitória.<br> <br> Face às noções acima expostas, não o é a simples exigência de reparação nem a ameaça de que, não feita aquela, se recorrerá a tribunal.<br> Dos factos apurados não resulta, nem que a recorrente haja perdido o interesse na reparação em termos relevantes para o efeito, nem que tenha advertido a B de que, a não ser o veículo devidamente reparado, optaria por essa consequência da responsabilidade civil contratual.<br> E os factos apurados também não mostram, contrariamente ao que a recorrente sustenta, que tenha havido por parte da B uma negação do defeito que deva ser considerada equivalente à recusa à respectiva reparação.<br> Depois dos trabalhos de reparação e inspecção acima demonstrados, nada foi feito pela B, com o significado de negação do defeito e de recusa à sua reparação, a fazer equivaler ao não cumprimento definitivo da obrigação. E, designadamente, não pode dar-se esse significado nem essa eficácia às tomadas de posição da C, que não foi vendedora do veículo.<br> <br> Nega-se a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> <br> Lisboa, 29 de Outubro de 2002<br> Ribeiro Coelho,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro. (Dispensei o visto).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font>I - Por apenso a execução para pagamento de quantia certa, instaurada por A contra B, C e D deduziu embargos de terceiro, pretendendo o levantamento da penhora de bens comuns do casal da embargante e do executado C.</font><br> <font>Houve contestação e procedeu-se a julgamento.</font><br> <font>Pela sentença de fls. 74 e seguintes, foram os embargos julgados improcedentes.</font><br> <font>Em recurso de apelação, o acórdão da Relação, de fls. 114 e seguintes, revogou aquela sentença e ordenou o levantamento das penhoras.</font><br> <font>Neste recurso de revista, a exequente-embargada "A ..." formula as seguintes conclusões:</font><br> <font>- o acórdão recorrido não atendeu às modificações legislativas entretanto ocorridas;</font><br> <font>- pela nova redacção do artigo 1696 do C.Civil, desapareceu a moratória forçada constante da redacção anterior;</font><br> <font>- essa alteração é aplicável aos processos pendentes, pelo que deixou de existir legitimidade para o cônjuge não responsável deduzir embargos relativamente à penhora de bens comuns;</font><br> <font>- foi violado o disposto no cit. artigo 1696 e no artigo 27 do DL 329-A/95, 12 de Dezembro, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que mande prosseguir a execução, mantendo-se a penhora já efectuada.</font><br> <font>- Em contra-alegações, a recorrida sustenta dever negar-se a revista porque a nova lei não faz extinguir nem improceder os embargos de terceiro deduzidos contra penhora ilegal anterior, não afectando os direitos exercidos em precedentes embargos, e, a admitir-se a interpretação de que ela dispensaria uma nova citação para a execução, com as consequências actuais, haveria violação dos artigos 20 e 65 da Constituição.</font><br> <font>II - A situação de facto, com relevo para a decisão do recurso, pode resumir-se do seguinte modo:</font><br> <font>Na execução, instaurada contra C e outro, foram penhorados bens comuns do casal dele e da embargante.</font><br> <font>A dívida exequenda é da responsabilidade desse executado mas não da embargante e estava então sujeita a moratória.</font><br> <font>A mulher desse executado foi citada para requerer a separação de bens mas deduziu os presentes embargos em 23 Novembro 1993.</font><br> <font>A sentença da 1ª instância, de 23 de Janeiro 1996, julgou improcedentes os embargos por considerar que cabia à embargante o ónus de "alegar e provar a não comercialidade substancial da dívida...".</font><br> <font>O acórdão da Relação, de 20 de Maio de 1997, ordenou o levantamento das penhoras, com o fundamento de aquele ónus recair sobre o exequente.</font><br> <font>III - Quanto ao mérito do recurso:</font><br> <font>Afastada, pela Relação, a substancialidade comercial da dívida exequenda (o que não vem agora posto em causa), essa dívida estava sujeita à moratória prevista no artigo 1696, n. 1 do C.Civil, na redacção em vigor à data da penhora.</font><br> <font>Por isso, a penhora não podia incidir, como incidiu, sobre bens comuns do casal da embargante e do executado C, e, apesar de ter sido citada para requerer a separação de bens, ela podia deixar de requerer essa separação, deduzindo antes os embargos de terceiro, nos termos dos artigos 825 e 1038 e seguintes do C.P. Civil, naquela redacção.</font><br> <font>A questão suscitada no recurso resulta do disposto no artigo 4 n. 1 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro (que deu nova redacção ao n. 1 do citado artigo 1696, excluindo aquela moratória e responsabilizando pelas dívidas de um dos cônjuges "a sua meação nos bens comuns" ) e no seu artigo 27 (onde se determina que "é aplicável nas causas pendentes à data da entrada em vigor deste diploma a nova redacção introduzida no artigo 1696 ..."), bem como no artigo 26 n. 2 (que declara "aplicável às penhoras ordenadas após a entrada em vigor do presente diploma o disposto nos artigos 821 a 832 ... do C.P.Civil, na redacção daquele emergente").</font><br> <font>Assim, e em resumo: essas normas transitórias sobre aplicação da lei no tempo traduzem-se em normas especiais, com referência ao princípio geral, consignado no artigo 16 do citado DL, de as modificações dele decorrentes só se aplicarem aos processos iniciados após a sua entrada em vigor, ou seja, depois de 1 de Janeiro de 1997; deste modo, quanto às penhoras ordenadas depois dessa data, mesmo em execuções instauradas anteriormente, é segura a aplicabilidade do novo regime, designadamente em relação ao aspecto da imediata penhorabilidade de bens comuns do casal; a dúvida apenas se coloca quando, como aqui, a penhora tiver recaído, indevidamente, sobre bens comuns, e, naquela data de 1 de Janeiro de 1997, a execução continuar pendente, com a discussão sobre a legalidade da penhora.</font><br> <font>Desde já se nota que a nova lei é aqui aplicável, embora em certos termos.</font><br> <font>A aplicação imediata da nova lei nas execuções pendentes está de harmonia com o princípio consignado no artigo 12 n. 1 do C.Civil e com o entendimento generalizado de que essa é a solução legal quanto às leis, mesmo substantivas, que "apenas regulam o modo de realização judicial de um direito" ( Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo..., pág. 23, e Vaz Serra, na Rev. Leg. J., 102, pág. 189).</font><br> <font>Só haveria aplicação retroactiva se, com base na nova lei, se considerasse legal uma penhora que foi irregularmente requerida e ordenada, à face da lei então vigente, e, em especial, se daí resultasse algum prejuízo para o titular dos bens penhorados.</font><br> <font>Porém, e apesar de a penhora em causa não dever ter sido requerida, isso não implica que deva ser ordenado o seu levantamento: ela pode manter-se, como se fosse agora decretada, ou seja, produzindo efeitos apenas para o futuro, não havendo assim aplicação retroactiva da lei nova; essa é ainda a solução mais razoável, uma vez que, a ter lugar o levantamento, a exequente poderia requerer logo em seguida nova penhora, o que redundaria em actividade inútil e violação do princípio de economia processual.</font><br> <font>Por virtude deste modo de aplicação da nova lei, a embargante deve ser admitida a requerer a separação de bens, nos termos previstos na redacção actual do citado artigo 825 do C.P.Civil: anteriormente, ela podia optar entre requerer a separação ou reagir contra a ilegalidade da penhora; tendo optado por essa reacção, não pode ser agora privada do exercício daquele direito, sob pena de haver aplicação retroactiva da lei; ao contrário do sustentado pela recorrente, a recorrida não tinha de apresentar o requerimento previsto no citado artigo 825 "no prazo de 15 dias após a nova lei ter entrado em vigor", pois a questão encontrava-se então em litígio e a própria embargada, nas contra-alegações do recurso de apelação, juntas em 6 de Janeiro de 1997, não suscitou sequer o problema da aplicabilidade da nova lei; aquele direito deve assim poder ser exercido no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado deste acórdão.</font><br> <font>Por outro lado, atendendo aos princípios sobre responsabilidade por custas , fixados nos artigos 446 e 450 do citado C.P.Civil, ao facto de a embargante ter suscitado, além da ilegalidade da penhora, outras questões que vieram a ser julgadas improcedentes, e à circunstância de a nova lei ter entrado em vigor na pendência do recurso de apelação, onde a questão da sua aplicação poderia ter sido suscitada, designadamente pela embargada, aquela responsabilidade pelas custas deve ser atribuída a ambas as partes mas em maior percentagem à embargada.</font><br> <font>Em conclusão:</font><br> <font>A aplicação da nova redacção do artigo 1696 n. 1 do C.Civil e do artigo 825 do C.P. Civil às execuções pendentes, prevista nos artigos 1, n. 1, 26 n. 2 e 27 do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, pode e deve ter lugar no caso de a penhora de bens comuns do casal ser objecto de embargos de terceiro, ainda pendentes, deduzidos pelo cônjuge do executado.</font><br> <font>Nessa hipótese, e se a penhora não devesse ter sido efectuada sobre os bens comuns, a mesma deve manter-se mas produzindo efeitos apenas para o futuro.</font><br> <font>Assim, a embargante ainda poderá fazer uso do direito concedido pelo citado artigo 825 no prazo de 15 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão que mantiver a penhora.</font><br> <font>Pelo exposto:</font><br> <font>Concede-se em parte a revista.</font><br> <font>Revoga-se o acórdão recorrido, na parte em que ordenou o levantamento das penhoras efectuadas.</font><br> <font>Mantêm-se essas penhoras mas a embargante poderá requerer a separação de bens, nos termos previstos na actual redacção do artigo 825 do C.P.Civil, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado deste acórdão.</font><br> <font>Custas dos embargos e dos recursos por ambas as partes, na proporção de três quartos pela embargada e um quarto pela embargante.</font><br> <font>Lisboa, 17 de Fevereiro de 1998.</font><br> <font>Martins da Costa,</font><br> <font>Machado Soares,</font><br> <font>Pais de Sousa.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <b><font>I - Por apenso a execução ordinária para pagamento de quantia certa, instaurada por A contra B, esta deduziu embargos de executado, pretendendo a extinção da acção executiva.</font></b><br> <b><font>Houve contestação e procedeu-se a julgamento.</font></b><br> <b><font>Pela sentença de fls. 213 e segs., foram os embargos julgados parcialmente procedentes, no sentido do "prosseguimento da execução ... relativamente às letras juntas ... , com excepção da letra, no valor de 9550599 escudos e 60 centavos, que prosseguirá apenas pelo montante de 550599 escudos e 60 centavos", tendo-se condenado a embargada, como litigante de má fé, na multa de 60000 escudos e na indemnização de 150000 escudos a favor da embargante.</font></b><br> <b><font>Em recurso de apelação interposto pela embargante, o acórdão de fls. 258 e segs. julgou "os embargos totalmente procedentes, com a consequente extinção da execução".</font></b><br> <b><font>Neste recurso de revista, a embargada pretende a revogação daquele acórdão e a subsistência da sentença da 1ª Instância, com base, em resumo, nas seguintes conclusões:</font></b><br> <b><font>- é dona e legítima portadora das quatros letras de câmbio constantes dos autos;</font></b><br> <b><font>- a recorrida é a única filha e herdeira de C, aceitante de todos esses títulos, que constituem a causa de pedir na acção cambiária;</font></b><br> <b><font>- é na força probatória do escrito que radica a eficácia executiva do título, incumbindo ao devedor a alegação e prova dos factos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito correspondente;</font></b><br> <b><font>- ainda que alegada em sede de embargos de executado, a invocação de falsidade da assinatura da aceitante da letra tem a natureza de excepção peremptória;</font></b><br> <b><font>- o ónus da prova desse facto cabe ao embargante;</font></b><br> <b><font>- a recorrida não fez essa prova;</font></b><br> <b><font>- foi violado o disposto no art. 342 do Cód. Civil, no "assento" de 14-05-96 e no art. 46 c) do Cód. P. Civil.</font></b><br> <b><font>A embargante, por sua vez, sustentou a improcedência do recurso.</font></b><br> <br> <b><font>II - Factos dados como provados:</font></b><br> <b><font>Nos autos de execução para pagamento de quantia certa, na forma ordinária, de que estes embargos são apenso, encontram-se juntas 4 letras de câmbio, de que a embargada é portadora, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, constando, respectivamente, nos locais destinados às assinaturas do sacador e do aceitante, as seguintes: "A" e "C".</font></b><br> <b><font>Das mesmas, nos valores de 9550599 escudos, 800000 escudos, 200000 escudos e 200000 escudos, constam, respectivamente, 31-12-90 e 31-12-89 (relativamente às 3 últimas), como datas de vencimento, e 30-07-90 e 31-12-89 (também quanto às 3 últimas), como datas do saque.</font></b><br> <b><font>A executada / embargante, nascida em 31-08-47, é a única filha e herdeira de C, falecida em 23-12-91.</font></b><br> <b><font>A embargante não se encontrou, nem tão pouco falou, com sua mãe e com a embargada, durante cerca de 25 anos antes do falecimento daquela, que era irmã da embargada.</font></b><br> <b><font>Em 27-04-46, a falecida casara, sob o regime de comunhão geral de bens, com o pai da embargante, D, e foram ambos viver para a Rua Fresca, n. 337, em Leça de Palmeira - Matosinhos. Foi um casamento conturbado, que veio a ser dissolvido por divórcio, decretado pelo Tribunal de Família do Porto, por sentença transitada em julgado em 06-02-79.</font></b><br> <b><font>Na partilha dos bens daquele casal, subsequente à dissolução do casamento, e efectuada em processo de inventário facultativo, que correu termos na 2ª Secção do 7º Juízo Cível do Porto, sob o n. 7840/79, couberam à falecida mãe da embargante partes indivisas da casa da Rua Fresca, n. 337, e da casa principal de que aquela era um anexo, com entradas pela Rua Hintze Ribeiro, ns. 336 e 318.</font></b><br> <b><font>Tais imóveis eram provenientes do ramo familiar de D da embargante, e, em finais de 1980, no auto de conferência daquele inventário, já se encontravam pagas as tornas devidas à falecida C.</font></b><br> <b><font>A mãe da embargante permaneceu na indivisão daqueles imóveis, de que era comproprietária a tia da embargante E, até 1986, ano em que correu acção de divisão de coisa comum, ficando a pertencer à falecida C a propriedade plena dos imóveis da Rua Fresca e da Rua Hintze Ribeiro, n. 337.</font></b><br> <b><font>Por via do acordo celebrado na acção de divisão de coisa comum, um primo da mãe da embargante, Engenheiro E, pagou à tia desta, E, a quantia de cerca de 550000 escudos.</font></b><br> <b><font>Em 1989, G, construtor civil, interessou-se pelo terreno da Rua Fresca e Hintze Ribeiro, e da transacção do mesmo, desde meados de 1989 e até à data da sua morte, recebeu a falecida C a quantia de 13000000 escudos (sendo 9000 contos, em 1989, 2000 contos, em 1990, e 2000 contos, em Outubro de 1991), dinheiro que não confiou à embargada.</font></b><br> <b><font>A falecida dispôs desse dinheiro da seguinte forma: 2708640 escudos, encontravam-se, à data da sua morte, nas contas de depósito à ordem e a prazo, de que era única titular, na agência de Leça da Palmeira do Crédito Predial Português; 147731 escudos e 10 centavos, encontravam-se, na mesma data, nas contas de depósito à ordem e a prazo, na agência de Matosinhos do Credit Lyonnais, de que era co-titular, juntamente com a sobrinha H; com cerca de 10000 contos, comprara o prédio urbano sito na Av. Fernando Aroso, n. 679 - 1º Direito, em Leça da Palmeira, Matosinhos, inscrito na matriz sob o art. 4024 e inscrito a seu favor desde 27-03-90.</font></b><br> <b><font>A falecida C, que era doméstica, como o era a embargada, em 13-08-91 outorgou a favor de I a procuração junta por fotocópia a fls. 67, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, pela qual lhe conferia poderes irrevogáveis, nomeadamente, para vender o prédio sito nas Ruas Fresca e Hintze Ribeiro.</font></b><br> <b><font>A falecida depositou todas as verbas que recebeu, por conta da transacção, nas contas à ordem e a prazo, que detinha na agência de Leça da Palmeira do Crédito Predial Português, que movimentou, desde a abertura delas e até à data da sua morte.</font></b><br> <b><font>Foi a partir dessas contas bancárias que fez o pagamento do andar da Av. Fernando Aroso, contas bancárias a que a embargada não tinha acesso, nem sequer conhecia, já que apenas sabiam da sua existência a falecida e o seu procurador.</font></b><br> <b><font>Uma das assinaturas aposta em todas as Letras juntas aos autos é da embargada.</font></b><br> <b><font>Na letra de 9550599 escudos e 60 centavos, o algarismo 9 aposto no canto superior direito, para perfazer a casa dos milhões, não foi aposto pela mãe da embargante, tendo sido acrescentado, em data posterior, com caneta que serviu ainda para sobrepor alguns dos outros algarismos.</font></b><br> <b><font>Tal algarismo não obedece ao alinhamento dos restantes números, e foi escrito com tinta diferente da que consta das assinaturas.</font></b><br> <br> <b><font>III - Quanto ao mérito do recurso:</font></b><br> <b><font>Nas letras que servem de título executivo consta, como sacadora, a exequente A, e, no lugar do aceite, está escrito o nome "C", já falecida e mãe da executada/embargante B.</font></b><br> <b><font>Na petição de embargos, a B alega que "não sabe se a letra e a assinatura apostas nas letras de câmbio juntas aos autos são da autoria da sua falecida mãe".</font></b><br> <b><font>Não se provou se a assinatura do nome da C nas letras foi ou não aposta por esta e a questão essencial suscitada no recurso respeita ao ónus da prova da veracidade dessa assinatura.</font></b><br> <b><font>Desde já se adianta que esse ónus cabia à embargada/exequente, tal como se decidiu no acórdão recorrido, que deve pois manter-se.</font></b><br> <b><font>As letras em causa encontram-se no domínio das chamadas relações imediatas, ou seja, entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (a executada, como herdeira de C, ocupa o lugar desta), tudo se passando então como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta, uma vez que aqueles são também os sujeitos da relação determinante do negócio cambiário e podem por isso invocar, entre eles, quaisquer relações de ordem pessoal (arts. 16 e 17 da LU.LL.).</font></b><br> <b><font>A executada/embargante podia assim impugnar, como impugnou, a veracidade da letra e da assinatura atribuídas a sua mãe e, nessa hipótese, "incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade" (art. 374 n. 2 do Cód. Civil).</font></b><br> <b><font>Cabia pois à exequente a prova dessa veracidade e, não a tendo feito, deixa de ter qualquer relevo o facto de constar das letras o nome da C, a qual não pode ser considerada como obrigada cambiária.</font></b><br> <b><font>Ao contrário do sustentado pela recorrente, não foi arguida a falsidade da referida assinatura e, de qualquer modo, o ónus da prova só caberia à embargante se a assinatura e, de qualquer modo, o ónus da prova só caberia à embargante se a assinatura tivesse sido objecto de reconhecimento presencial, nos termos do art. 375 n. 1 do cit. Código (cfr. A. Varela e outros, no Manual de Processo Civil, pág. 514).</font></b><br> <b><font>Não se tem ainda como relevante a alegação da recorrente de que é "na força probatória do escrito que radica a eficácia executiva do título".</font></b><br> <b><font>A atribuição de força executiva a documentos particulares, como as letras de câmbio, destina-se a tornar mais célere a satisfação do interesse do pretenso credor e assenta no pressuposto (presunção simples e não presunção legal) de ser verdadeiro o direito constante do documento, de tal modo que, se o executado impugnar essa veracidade, tudo se passa em termos idênticos aos da acção declarativa, assim se conciliando aquele "interesse do credor que exige que a execução seja pronta, com o interesse do devedor que exige que a execução seja justa" (A. Reis, no Proc. Exec., I, pág. 57).</font></b><br> <b><font>Aquela impugnação faz-se, em regra, através dos embargos de executado (art. 812 e segs. Cód. Proc. Civil), os quais se reconduzem a uma fase normal da acção executiva, embora corram por apenso, destinada a obter não uma determinada providência a favor do embargante e antes um efeito jurídico com repercussão directa e imediata na própria execução, em termos análogos aos da posição assumida pelo contestante no processo comum de declaração.</font></b><br> <b><font>Assim, impugnada a veracidade de assinatura aposta em letra de câmbio no lugar do aceite, em embargos de executado, o ónus da prova dessa veracidade reparte-se nos termos gerais, cabendo ao exequente/embargado a prova daquela veracidade (no mesmo sentido, Anselmo de Castro, Acção Executiva ..., pág. 44, e acórdão da Relação de Coimbra de 23-04-91, na Col., XVI, 2º, pág. 94).</font></b><br> <b><font>Em conclusão:</font></b><br> <b><font>A natureza de título executivo, atribuída a documento particular, não lhe confere força probatória superior à que lhe é normalmente reconhecida.</font></b><br> <b><font>Em embargos de executado deduzidos contra execução baseada em letra de câmbio que se encontra no domínio das relações imediatas e em que a assinatura do aceitante/executado não foi objecto de reconhecimento presencial, o ónus da prova da veracidade dessa assinatura, impugnada pelo embargante, cabe ao exequente/embargado (arts. 374 n. 2 do Cód. Civil e 815 n. 1 do Cód. Proc. Civil).</font></b><br> <b><font>Pelo exposto:</font></b><br> <br> <b><font>Nega-se a Revista.</font></b><br> <b><font>Custas pela recorrente.</font></b><br> <b><font>Lisboa, 31 de Março de 1998.</font></b><br> <b><font>Martins da Costa,</font></b><br> <b><font>Pais de Sousa,</font></b><br> <b><font>Machado Soares.</font></b></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia "A, Lda" pediu a condenação da B, cuja designação entretanto foi mudada para C, a pagar-lhe 7.510.992$00 que teria indevidamente retirado da conta da autora e a indemnizá-la dos prejuízos causados e a causar, desde logo liquidados os primeiros em 1.439.595$00.<br> Contestada a acção no sentido da improcedência do pedido, foi seguida a tramitação adequada para que acabasse por ser proferida na 1ª Vara Mista daquele Tribunal, após audiência de julgamento, sentença que, dando procedência parcial à acção, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 7.510.992$00.<br> Em recursos de apelação de ambas as partes foi proferido pela Relação do Porto acórdão que julgou improcedente a da ré e procedente a da autora, condenando por isso a ré a pagar à autora juros de mora sobre aquela quantia às taxas anuais de 15% desde 14/11/90 até 30/9/95, de 10% desde 1/10/95 até 17/4/99 e de 7% desde 18/4/99 até integral pagamento.<br> Daqui trouxe a ré este recurso de revista no qual, alegando, pede que se julgue a acção inteiramente improcedente, absolvendo-se-a do pedido, para o que, considerando violados os arts. 217º, 334º e 342º do CC - diploma do qual serão as normas que adiante referirmos sem outra identificação -, formula as seguintes conclusões:<br> a) O movimento que originou a transferência, o descoberto e os juros na conta da A. teve lugar em 8/6/90, sendo que até 14/11/90, data em que pediu a justificação do movimento, nenhuma reclamação a A. apresentou à R., apesar de ter recebido vários extractos da cota onde tal era mencionado;<br> b) Nos extractos que a A. recebia para efeitos de controlo e conferência de movimentos consta que "são dados por conferidos caso não sejam reclamados em 15 dias";<br> c) A falta de reclamação no prazo de 15 dias leva, nos termos contratuais, a que o saldo se dê por correcto, consequência que sempre resultaria igualmente de forma tácita do comportamento da A. ao nada fazer durante cinco meses;<br> d) O dinheiro foi entregue pela R. a uma pessoa de confiança da A., que fugiu com várias verbas desta incluindo a entregue pela R., facto de que a A. teve conhecimento cerca de uma semana após a data do movimento;<br> e) Houve negociações entre A. e R. para regularização da conta, regularização essa que veio a acontecer em apenas 20 dias, através dos vários depósitos que a A. fez na conta, saldando o descoberto e pagando os juros que este motivara;<br> f) As atitudes e comportamento da A. são um abuso do direito por parte dela face à pretensão que deduz, já que criou uma situação objectiva de confiança na R., sendo assim a presente acção o exercício de um direito que ofende directamente a justiça com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito;<br> g) Porque os extractos não foram reclamados, o ónus da prova não pertencia à R., mas sim à A.;<br> h) A R. cumpriu integralmente as obrigações contratuais a que estava adstrita.<br> Não houve resposta.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> <br> Nenhuma objecção vem levantada contra a matéria de facto dada como assente nas instâncias, pelo que nessa parte remetemos para o acórdão recorrido, nos termos dos arts. 713º, nº 6 e 726º do CPC.<br> No essencial, pode dela extrair-se o seguinte:<br> 1. A recorrida tinha aberta em seu nome na recorrente uma conta de depósito à ordem, em relação à qual esta enviava àquela, periodicamente, extractos para controlo e conferência do movimento efectuado;<br> 2. Desses extractos constava o seguinte: "Decorridos 15 dias sem qualquer reclamação consideramos conferidos os saldos indicados neste extracto";<br> 3. Através de um desses extractos a recorrida verificou ter sido lançado a débito em 8/6/90 a quantia de 7.410.928$00;<br> 4. A recorrida efectuou vários depósitos, que culminaram com a passagem do saldo a credor em 28/6/90;<br> 5. Em 30/6/90 a recorrente debitou também, com a menção, de acordo com os extractos, de se tratar de juros, a quantia de 100.064$20; <br> 6. O movimento referido em 1. foi justificado pela recorrente como sendo o cumprimento de uma ordem de pagamento da recorrida;<br> 7. Na sequência de pedido de informação feito pela recorrente, que nunca emitira qualquer ordem nesse sentido, foi dito que essa quantia fora entregue, em moeda estrangeira, a um empregado da recorrida;<br> 8. Ao longo de vários meses a recorrida procurou, através de contactos telefónicos e pessoais com um empregado da recorrente, que o dinheiro fosse reposto na sua conta, mas sem êxito;<br> 9. Em 14/11/90 a recorrida escreveu à recorrente uma carta pedindo que ambos os movimentos fossem dados sem efeito, o que não foi satisfeito pela recorrente, que informou aquela de que se tratara de uma transferência, que foi feita com base em ordem expressa de um funcionário daquela; <br> 10. À recorrida foram enviados vários extractos, por ela recebidos, de onde constavam a transferência e os juros devidos pelo descoberto;<br> 11. A recorrida tentou resolver a situação sem recurso a tribunal, iniciando-se entre ela e a recorrente negociações com vista à regularização da conta.<br> Está definitivamente adquirido nestes autos, visto que nenhuma controvérsia subsiste a esse respeito, que o movimento referido em 3. foi feito sem que a recorrida houvesse dado nesse sentido qualquer ordem que o legitimasse.<br> E a reacção que a recorrente move contra o decidido assenta, essencialmente, em que:<br> - A falta de reclamação no prazo de 15 dias levaria, nos termos contratuais, a que se desse como correcto o saldo, o mesmo resultando tacitamente da conduta omissiva da recorrida ao nada fazer durante cinco meses, apesar de saber, desde cerca de uma semana após a transferência, que o dinheiro fora entregue a uma pessoa de sua confiança que fugira com o dinheiro - conclusões a) a d);<br> - Tendo havido negociações para a regularização da conta, que conduziram aos depósitos que a recorrida fez, assim saldando o descoberto e pagando os juros por ele motivados e com isso criando na recorrente uma situação objectiva de confiança, é abusivo o exercício, pela recorrida, do direito a ser reembolsada - conclusões e) e f);<br> - Cabia à recorrida o ónus de provar que os extractos, não reclamados, não eram correctos - conclusão g).<br> Não pode dizer-se, porém, que a falta de reclamação no prazo de 15 dias implicava, nos termos contratuais, que os extractos fossem tidos como correctos.<br> Não foi alegada nem provada qualquer cláusula do contrato de depósito segundo a qual isso houvesse sido estipulado.<br> A este respeito apenas sabemos o que acima consta de 2..<br> A indicação que dos extractos constava quanto à reclamação contra o que deles consta é uma afirmação unilateral da recorrente que não vinculava a recorrida, não revestindo sequer, nos seus próprios termos, a natureza de uma proposta que a esta fosse dirigida para ser aceite ou recusada.<br> Não pode o seu conteúdo ser havido como integrante do contrato e modelador de direitos e obrigações das partes.<br> Nem pode, também, dizer-se que tenha havido por parte da recorrida um comportamento omissivo idóneo para revelar, tacitamente, a sua aceitação do movimento em causa.<br> Uma declaração tácita assenta num comportamento do qual ela se deduza com toda a probabilidade - cfr. art. 217, n. 1.<br> E o comportamento da recorrida, designadamente o mencionado em 8., evidencia que ela se não conformou com a efectivação do débito referido em 3., antes pugnou por que o mesmo fosse dado sem efeito.<br> O que significa que até reclamou, afinal, contra o movimento em questão, por o não ter como justificado.<br> Sabendo-se também que a recorrida não emitira a ordem de transferência que originara esse débito, não se vê o que contra os seus direitos possa advir da circunstância de a quantia em causa ter sido entregue a uma pessoa que, podendo ter sido até então da sua confiança, agiu desmerecendo-a.<br> <br> Não se vê, por outro lado, que a recorrida esteja a agir com abuso do direito quando exige da recorrente a reposição do seu dinheiro indevidamente transferido e dos juros indevidamente debitados.<br> O abuso do direito é o exercício desse direito com excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo seu fim económico e social - cfr. art. 334º.<br> Fazendo ressaltar esse invocado abuso da circunstância de a recorrida ter criado em si, recorrente, uma situação de confiança quando entrou em negociações para regularização da conta - já que, em seu entender, isso não teria tido cabimento se aquela não aceitasse a correcção do movimento a débito operado pela transferência - sem mostrar que pretendia assumir qualquer atitude contra a actuação da recorrente, esta diz nas alegações o seguinte: "... foi a própria A. a tomar atitudes e comportamentos que criaram uma situação objectiva de confiança, investindo na mesma. Sendo ainda certo que o destinatário (a Caixa) estava, como esteve sempre, de boa fé".<br> Vejamos.<br> Parece que a recorrente imputa à recorrida estar incursa em "venire contra factum proprium", na medida em que teria assumido um comportamento que deixava perspectivar a sua conformação com o débito contra o qual veio depois reagir, designadamente nesta acção.<br> Estar-se-ia, dentro das situações enunciadas por Riezler - cfr. Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, pgs. 200-201 -, na que consiste em uma situação de aparência jurídica criada em termos tais que suscita a confiança das pessoas.<br> E o relevo que a boa fé assume no nosso sistema jurídico importa, como consequência, a relevância da confiança razoavelmente criada, como emerge do art. 236º, nº 1.<br> Mas os factos não permitem que se dê como verificada esta hipótese.<br> Tendo a transferência originado a existência de um descoberto que, obviamente, dificultava a movimentação, pela recorrida, da sua conta de depósito, compreende-se o propósito, por parte da recorrida, de fazer cessar essa situação, para o que fez os depósitos referidos em 4..<br> E, se é certo que se sabe que entre a recorrida e a recorrente houve negociações para regularização da conta, ignora-se de todo as posições nelas assumidas pelas partes, ficando sem apoio factual a afirmação da recorrente no sentido de que a recorrida nelas se assumiu como devedora e de que nada pretenderia fazer contra si - atitude que, aliás, se não conciliaria com o referido em 8..<br> Aliás, de tais negociações apenas se sabe que foram iniciadas, mas sem que nos seja permitido dizer, face ao que está provado, que elas apenas tiveram lugar antes da efectivação daqueles depósitos, sendo ainda certo que a dita regularização da conta nelas em vista não teria que ser apenas a eliminação da situação de descoberto, podendo abranger a solução do dissídio referente à correcção do movimento impugnado pela recorrida.<br> Indemonstrada, pois, aquela situação de confiança.<br> Mas ainda deve dizer-se algo mais.<br> Almeida Costa, RLJ, ano 129º, pgs. 61-62, diz que a "... situação objectiva de confiança existe quando alguém pratica um acto - o factum proprium - que, em abstracto, é apto a determinar em outrem a expectativa da adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com o primeiro e que, em concreto, efectivamente gera tal convicção. ......... E a situação objectiva de confiança também não surgirá se o factum proprium não influenciar o destinatário, como sucede quando se demonstra que este. Independentemente da conduta de outrem, teria agido do mesmo modo". E ainda: "Há ainda que averiguar a existência dos outros dois aspectos indicados: o investimento da confiança e a boa fé do sujeito que confiou. O investimento da confiança ...... corresponde às disposições ou mudanças na vida dos destinatário do factum proprium que, não só evidenciam a expectativa nele criada, como revelam os danos que, irrefragavelmente, resultarão da falta de tutela eficaz daquele".<br> Esta lição - se é que foi ela que esteve subjacente à passagem das alegações da recorrente que acima transcrevemos - não foi por esta bem compreendida.<br> Na verdade, e face à teoria exposta, não faz qualquer sentido dizer-se que a recorrida criou uma situação de confiança e nela investiu.<br> Tal investimento, para que o abuso do direito nesta modalidade pudesse relevar, teria que ter ocorrido pela banda da recorrente, e não da recorrida.<br> Seria necessário que a conduta da recorrida tivesse criado uma expectativa de um certo comportamento futuro - o que, como se disse, objectivamente não ocorreu - e que a recorrente, confiando em que tal viria a acontecer, houvesse aderido a essa expectativa e por isso tivesse sido determinada a agir de uma determinada forma.<br> Só então poderia aceitar-se que a falta de tutela da confiança criada a prejudicasse, não sendo razoável nem justo fazê-la suportar uma situação contrária a esse pressuposto.<br> Fora do campo de verificação destes requisitos nada há, no campo da boa fé ou dos bons costumes, que imponha a qualquer pessoa a obrigação de assumir sempre comportamentos coerentes.<br> Mas desta última exigência - o investimento na confiança - não há quaisquer sinais; não se vê que a recorrente haja concedido à recorrida qualquer tratamento de favor nem que tivesse deixado de tomar qualquer iniciativa em prol dos seus interesses por virtude da criação dessa suposta expectativa.<br> E, como é evidente, também nada permite dizer que a recorrida agiu fora da função económica e social do seu direito - aliás, nem isso foi alegado.<br> E o argumento extraído do regime do ónus probatório é claramente improfícuo.<br> Uma vez que se não verifica ter havido, por parte da recorrida, um comportamento que leve a que se considerem aceites como bons os extractos, cabia à recorrente provar que foram regulares e justificados os débitos levados a cabo na conta de depósito daquela.<br> Era sua obrigação não debitar nesta conta quantias sem ordem adequada.<br> Como o fez sem a ordem devida, cabe-lhe assumir as inerentes responsabilidades contratuais.<br> <br> Nega-se a revista. <br> Custas pela recorrente.<br> <br> Lisboa, 29 de Outubro de 2002<br> Ribeiro Coelho,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro. (Dispensei o visto). </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -<br> <br> <br> A e mulher B propuseram contra C e mulher D e E e mulher F, todos com os sinais dos autos, acção de restituição e manutenção de posse, cumulando pedido de indemnização, porquanto os réus intitulando-se indevidamente proprietários do prédio descrito no art. 1º da petição inicial e de que resultaram 2 outros, por desanexação, violentamente os esbulharam da posse que, desde 80.07.07, sobre ele exercem, com o que lhes causaram um prejuízo de 2800000 escudos, razão por que, além da restituição e manutenção da posse, peticionaram a condenação solidária dos réus no pagamento daquele valor como indemnização ou no de 300000 escudos, desde que reponham a casa no estado anterior.<br> Contestando, excepcionaram os réus a incompetência territorial do tribunal, impugnaram e reconvieram pedindo que aos 1º e 2º seja reconhecido o direito de propriedade sobre, respectivamente, o prédio em causa - único - mas com a desanexação referida nos arts. 39 e 41 da pet. in..<br> Após resposta, prosseguiu o processo até final, onde foi proferida sentença, que a Relação confirmou, a julgar improcedente a acção e procedente a reconvenção.<br> De novo inconformados, pedem revista os autores que, em suma e no essencial, em suas alegações concluíram -<br> - os autores têm a posse real e efectiva do prédio em causa, desde 80.07.07, motivada pelo contrato-promessa de compra e venda, com tradição da coisa, efectuado nessa data entre os antepossuidores G e H, e o autor marido;<br> - não tendo as promitentes vendedoras cumprido o contrato, intentaram acção de execução específica, registada em 87.02.25;<br> - por escritura pública de 87.03.06, as promitentes-vendedoras declararam vender a I o prédio prometido vender aos autores;<br> - esta escritura foi arguida de nulidade pelos autores na acção que os compradores lhes intentaram (nº 136/87), a qual ainda não foi decidida;<br> - por escrituras públicas de 88.05.03, o I declarou vender os prédios nelas constantes, que é o mesmo que haviam adquirido em 87.03.06;<br> - estas escrituras foram celebradas após o registo de acção, que se encontrava em vigor;<br> - não obstante a existência de tais escrituras, os autores continuaram na posse e fruição do prédio;<br> - em meados de Outubro de 1988, os réus tentaram esbulhar, violentamente, os autores da posse e fruição referidas,<br> - e, em 88.11.23, os autores foram a ela restituídos em cumprimento de despacho transitado proferido no processo apenso 168-A/88;<br> - em desrespeito da decisão, sem consentimento dos autores e aproveitando a sua ausência, os réus iniciaram obras no prédio,<br> - as quais foram embargadas em 89.03.30 em cumprimento do despacho transitado lavrado no processo apenso nº 162-B/88;<br> - ainda no desrespeito das decisões e sem autorização ou consentimento dos autores, os réus introduziram uma máquina escavadora e vários objectos de construção no prédio, onde arrancaram árvores e iniciaram a construção de uma piscina e paredes de vedação,<br> - obras essas que os autores embargaram através do procedimento cautelar apresentado em 97.11.17;<br> - os autores têm a posse («corpus») do prédio<br> - e os réus são meros detentores de uma escritura de compra e venda ferida de nulidade;<br> - à data da início da posse dos autores não havia registo anterior a favor de outrem;<br> - só através de uma acção de reivindicação, que até à data não intentaram, poderão os réus alegar e formular o pedido de reconhecimento da propriedade e consequente entrega do prédio, sujeitando-se a que os réus, nessa acção, o iludam;<br> - violado o disposto nos arts. 653, 658, 1.034 e 201 CPC, 755, 1.251, 1.263, 1,264, 1.267, 1.268, 1.278, 1.279 e 1.311 CC.<br> Contra alegando, pugnaram os réus pela confirmação do julgado.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto que a Relação deu como provada -<br> a)- no sítio dos , freguesia de (antes freguesia de S. Pedro), concelho de Loulé, existia um prédio misto composto de terra de semear com árvores e morada de casas térreas com três compartimentos e uma dependência, que confrontava do norte com ... e outros, do nascente com ... e outros, do sul com ... e do poente com ... e outros, inscrito então na matriz urbana sob o art. 2.348 e rústica sob o art. 104, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº 35.552, a fls. 149 vº do Lº B-91, prédio de que foi desanexado o descrito sob o nº 35.553, a fls. 150 desse Livro;<br> b)- a aquisição de tal prédio encontrava-se inscrita, desde 80.06.23, a favor de G, casada com J, e de H, casada com L;<br> c)- a G e a H e respectivos maridos, por contrato reduzido a escrito em 80.07.07 e junto a fls. 11-12, prometeram vender ao autor marido e este prometeu comprar-lhes, pelo preço de 380000 escudos, já integralmente pago, livre de quaisquer ónus ou encargos, o dito prédio misto;<br> d)- o representante dos promitentes vendedores, sr. M, foi vítima de um brutal acidente de viação que lhe causou morte imediata sem que tivesse outorgado a respectiva escritura de compra e venda,<br> e)- no dia, hora e local designados para a escritura, os promitentes vendedores não compareceram nem se fizeram representar, motivo pelo qual a escritura não chegou a ser lavrada;<br> f)- a atitude dos promitentes vendedores, se bem que pareça estranha para quem recebeu na íntegra o preço de compra e venda, revela o nítido propósito de não quererem outorgar na escritura definitiva de compra e venda com os inconvenientes para os autores;<br> g)- os promitentes vendedores, por escritura pública de 87.03.06, lavrada de fls. 121 vº a 123 do Lº 43-D, do 2º Cartório Notarial, junta a fls. 21-23, declararam vender a I, pelo preço de 1500000 escudos, já recebido, o prédio na mesma referido, que é, afinal, o mesmo que foi identificado na al. a);<br> h)- pela inscrição nº 36.338, apresentação nº 21/090387, junta a fls. 20, o I inscreveu, provisoriamente por dúvidas, a seu favor, a aquisição do prédio nº 35.552, inscrição que caducou em 87.04.28;<br> i)- pela inscrição G-3, ap. 28/050488, o I registou a aquisição, a seu favor, com base em tal compra, do prédio descrito sob a ficha nº 01 960/030688 (descrição que consta de fls. 59), correspondente à anterior descrição nº 35.553, descrição e inscrição pendentes de rectificação, conforme averbamentos de fls. 59 e 61;<br> j)- por escritura de 88.05.03, junta a fls. 28-30, I e mulher venderam ao réu C (outorgando em nome deste, como gestor de negócios, N, gestão posteriormente ratificada, conforme escritura de fls. 31-32), o prédio assim aí identificado: -<br> «uma courela de terra de semear, com a área de 1.030 m², sita nos, freguesia de, ... concelho de Loulé, que confronta de norte com ... proprietários, sul com ... e outros, nascente com ... e poente com ... e outros, omisso na respectiva matriz ...»,<br> aí se consignando também que «a mesma courela de terra é a parte restante do prédio ainda descrito na Cons. Reg. Predial de Faro sob o nº 35.553, a fls. 150 do Lº B-91, inscrito a seu favor» (do vendedor I) «pela inscrição nº 36.886 (...) pois que o mesmo anteriormente encontrava-se inscrito na matriz predial da freguesia de S. Pedro, do concelho de Faro, sob o nº 104»;<br> m)- pela inscrição G-1, ap. 11/030688, o réu C registou, a seu favor, tal aquisição inscrição pendente de rectificação, conforme dita ficha nº 01 960/030688;<br> n)- pela escritura de 88.05.03, junta a fls. 33-36, o dito I e mulher venderam ao réu E (outorgando em nome deste, como gestor de negócios, O, gestão posteriormente ratificada, conforme escritura de fls. 37-38), o prédio assim aí identificado: -<br> «um prédio urbano (...), sito no lugar dos (...) que o mesmo é parte a desanexar do descrito na Cons. Reg. Predial de sob o nº 35.553 do Lº B-91»;<br> o)- este prédio é o mesmo que se encontra descrito naquela Conservatória sob o nº 35.552 inscrito na matriz sob o art. 2.348, sobre o qual incide o registo da acção sumária nº 33/87 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Faro, intentada pelos aqui autores contra as ditas G e H e maridos, visando a execução específica do contrato-promessa referido na al. c), conforme certidão da petição inicial junta a fls. 72-74, acção essa registada em 87.02.25;<br> p)- pela inscrição G-1, ap. 10/030688, o réu E registou, a seu favor, tal aquisição, inscrição pendente de rectificação, conforme ficha nº 01 959/030688, junta a fls. 64-65;<br> q)- o I apresentou, na Repartição de Finanças de, em 88.03.09, o requerimento junto a fls. 24, em 88.03.15 a declaração de fls. 25, e, em 88.04.11, o requerimento junto a fls. 26;<br> r)- os réus demoliram completamente a casa e procederam a escavações várias, com vista a abrirem os alicerces para efeitos de construção na terra;<br> s)- têm sido os réus que, desde 88.05.03, têm vindo a reparar os prédios que compraram e que antes constituíam o referido prédio misto, o primeiro réu com obras de escavações e diversos trabalhos de construção civil com vista à construção de uma moradia, e o segundo réu com idênticas obras e trabalhos para construir nova casa;<br> t)- ao adquirirem os prédios mencionados em 39 e 41 da petição inicial, os réus não sabiam da existência do contrato-promessa referidos nos artigos da mencionada peça nem do registo da acção, nem disso foram prevenidos por quem fosse;<br> u)- a acção sumária nº 33/87 acima referida na al. o) foi julgada improcedente e os aí réus absolvidos do pedido, por sentença transitada em julgado, conforme certidões de fls. 146-160 e de fls. 161-179;<br> v)- a instância na acção nº 136/87, em que os ora autores suscitaram a questão da nulidade da compra e venda de I a G e H, encontra-se interrompida, nos termos do art. 285 CPC, em fase ainda anterior ao despacho saneador (certidão de fls. 246-269).<br> <br> Decidindo: -<br> <br> 1.- São as conclusões, compêndio do que se alegou, que delimitam o objecto de um recurso, salvo havendo matéria de conhecimento oficioso.<br> Irreleva alegar sem apresentar essa formulação sintética e clara da fundamentação por que se discorda do julgado e se pretende a sua alteração ou a sua anulação.<br> A indicação das normas violadas sem que antes nas conclusões se o justifique não satisfaz a prescrição legal.<br> O convite para a sua apresentação (CPC 690,3) justifica-se quando a resposta ao mesmo se possa revestir de utilidade (CPC 137), ainda que eventual (no respeito da decisão a tomar eventualmente poder ser outra).<br> Por outro, a nossa lei processual não prevê a possibilidade de se fazerem as alegações por remessa - e, com efeito, recorrendo-se de uma decisão é a essa que as alegações se devem reportar e não a uma outra anterior.<br> Um recurso visa a reapreciação de uma decisão e não o conhecimento de questões novas.<br> Vem isto a propósito de - <br> - as alegações abrirem por uma remessa - genérica - para as alegações da apelação;<br> - nas alegações nada se conter sobre o direito de retenção;<br> - se terem como violadas normas que prescrevem, umas, quanto a nulidades e prevê, outra, um caso de direito de retenção, mas as conclusões se lhes não referirem nem justificarem a invocação daqueles preceitos;<br> - se não se impor um conhecimento oficioso;<br> - constituir questão nova, não suscitada nos articulados (apenas nas alegações da apelação), a invocação do direito de retenção.<br> Acresce que, a terem-se verificado, seriam nulidades processuais e delas se não reclamou, pelo que teriam ficado sanadas.<br> A decisão nunca poderia ser favorável aos recorrentes, daí a inutilidade de um convite.<br> 2.- O Supremo Tribunal de Justiça, que por sua natureza se caracteriza constitucionalmente como tribunal de revista, não conhece da matéria de facto (LOTJ-29 e CPC- 721-2, 722-2, 726, 729-1 e 2, e 755-2), o que vem sendo repetido, de modo uniforme e constante.<br> Apenas se houver ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (CPC- 722,2), poderia o Supremo alterar essa decisão (CPC- 729,2).<br> Pode o Supremo censurar o não-uso pela Relação dos poderes cometidos pelo art. 712 CPC (v.g., não alterando a resposta positiva a quesito se um facto que se lhe opõe estiver provado por meio dotado de força probatória plena que não possa ser destruída pela prova produzida).<br> Pode conhecer do bom ou mau uso que a Relação tenha feito desses poderes.<br> Pode ainda ordenar a ampliação da decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (CPC- 729,3). Tal normativo não se circunscreve, não regula só para a hipótese em que a matéria de facto alegada pelas partes com vista à tutela dos seus direitos não foi objecto de pronúncia pelas instâncias; abrange também a de deficiência do julgamento do facto (por ter sido omitida diligência que se mostrasse necessária ou útil para o apuramento da verdade material).<br> Às Relações cabe, em última instância, fixar a factualidade.<br> A Relação, no uso dos poderes a si cometidos pelos arts. 712, 646-4, 659-3 e 713-2 CPC, expurgou da matéria dada como assente na 1ª instância uma expressão constante da al. g) da especificação (al. f) supra) «por versar matéria de direito e conclusiva e não matéria de facto (...) para além de poder inculcar a existência de situação de facto integradora da dita noção de 'tradição da coisa', situação essa, repete-se, controvertida à data da elaboração do despacho de condensação» e que antes, face às respostas negativas aos quesitos 1º a 4º afirmou não ter resultado assente (fls. 291 vº, nota 4, do acordão recorrido).<br> Conquanto o uso feito pela Relação não tenha sido questionado, dúvida legítima não pode haver sobre a sua correcção.<br> 3.- A presente acção surge no âmbito de uma litigância mais extensa (afirma-se o porque consta dos autos, mas sem relevo trazer para aqui toda ela) que a revelada pela factualidade enunciada, girando toda ela à volta de um contrato-promessa incumprido (o de 80.07.07) e da transmissão da posse e do direito de propriedade para os réus, com o que se não conformam os autores, promitentes-compradores naquele contrato.<br> A caracterização desta acção impõe-se (eliminada a autonomização das acções possessórias na actual red. do CPC mas aplicável a anterior).<br> Embora os autores a denominem «acção de restituição e manutenção de posse», trata-se de acção de restituição de posse (CC- 1.278,1 e CPC- 1.033,1).<br> Meio possessório em que o possuidor que tenha sido esbulhado da sua posse pede para nela ser restituído.<br> Assenta, pois, na posse e a respectiva situação de facto de que aquela decorre (CC- 1.251) tem de ser alegada e provada pelo autor (CC- 342,1), incumbe-lhe alegar e demonstrar os elementos da posse (corpus e animus).<br> O réu pode, na contestação, alegar que tem o direito de propriedade sobre a coisa, objecto da acção, e formular o pedido de reconhecimento desse direito (CPC- 1.034,1).<br> Sucedendo tal, a procedência do pedido do réu implica a improcedência do pedido do autor.<br> <br> 4.- Os autores não lograram provar a traditio do imóvel nem que, a qualquer outro título, o detivessem e fruissem.<br> Ao não o conseguirem ficou imediatamente votada ao insucesso a pretensão de restituição daquilo em cuja prova soçobraram, a posse.<br> E, identicamente, ao insucesso o pedido de indemnização pelos prejuízos que do «esbulho» e actuação subsequente dos réus teriam resultado para os autores.<br> 5.- O contrato-promessa de compra e venda não transmite a propriedade e tem por objecto a celebração do contrato prometido.<br> Em si, não se opõe à pretensão do reconhecimento do direito de propriedade dos réus.<br> Os autores requereram a execução específica do contrato-promessa mas essa, em decisão transitada, improcedeu.<br> Essa improcedência definitiva acarretou a inoponibilidade do registo da acção, pelo que não pode ser contraposto aos réus (inclusive, pois, na sua anterioridade em relação à venda a I).<br> Pretendem os recorrentes extrair argumento a seu favor da procedência dos procedimentos cautelares.<br> Nem a decisão que conheceram importa para esta acção reconhecimento de os recorrentes terem tido posse nem que só por acção de reivindicação possa ser reconhecido o direito de propriedade dos réus - ao contrário do que aqueles defendem, o valor da decisão nos procedimentos cautelares é precário (CPC- 382 a 384) e não obsta que, se a acção principal dever ser possessória, o réu invoque o seu direito de propriedade (CPC 1034, n. 1).<br> <br> 6.- Concluiram os recorrentes pela nulidade da venda a I, a qual estará a ser questionada na acção 136/87.<br> Esse I foi o vendedor aos réus.<br> Além daquela acção se encontrar no arquivo a aguardar a extinção da instância (fls. 246; a Relação entendeu, sem reacção dos autores, não ser de equacionar a suspensão da instância, face ao disposto no art. 279-2 CPC), sucede que o comprador fez inscrever a seu favor a aquisição do prédio, bem como os réus fizeram inscrever a seu favor a aquisição que cada casal réu fez ao I.<br> Antes destes registos, havia um outro a favor das vendedoras ao I.<br> Lograram os réus provar a sua posse após terem adquirido os seus prédios (desanexados do principal, que só por aqueles era composto) o que faz presumir a titularidade do direito respectivo, aqui o de propriedade (CC 1268). <br> O registo comporta uma dupla presunção - da existência do direito e da sua titularidade por quem dele consta (C. R. Predial 7).<br> Reconhecido pelos autores e réus que as ante-proprietárias eram G e H.<br> Invocaram (alegação apenas por remissão para a acção 136/87) os recorrentes, quanto ao I, a nulidade da aquisição.<br> Nada carreado para conhecer na presente acção e decidido, com fundamento e trânsito, não ser de equacionar a suspensão da instância.<br> A compra e venda não tem efeito constitutivo mas translativo (CC 879 a) e 408 n. 1).<br> Relativamente às transmissões realizadas, qualquer dos alienantes beneficiava da presunção de titularidade do direito de propriedade.<br> Na 1ª o próprio direito das alienantes não é posto em causa, mas reconhecido.<br> Na 2ª, gozava o I da presunção de titularidade e não foi ilidida.<br> Gozam os réus de idêntica presunção e aquilo pelos autores que foi alegado como idóneo de a ilidir foi a existência de uma demanda de execução específica e a anterioridade do registo dessa acção quanto à venda ao I e, depois, aos réus.<br> Improcedeu a acção e inoponível, em função de tal, aquele registo.<br> Verifica-se a chamada aquisição tabular pelos réus.<br> <br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelos autores.<br> Lisboa, 26 de Março de 1998.<br> Lopes Pinto,<br> José Saraiva,<br> Garcia Marques.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font> "A" e esposa B, residentes em Tieder Str. ......., Alemanha, intentaram contra C, com sede na Avenida da Boavista, ....., Porto, acção com processo comum e forma ordinária, pedindo indemnização pela morte do filho em acidente de viação da inteira responsabilidade do segurado da Ré,.</font><br> <font>A seguradora excepcionou a prescrição do direito dos AA, pois entre o acidente mortal e a citação da Ré decorreram cinco anos, dois meses e vinte e cinco dias, sem que, neste intervalo, os AA tenham feito algo para interromper a prescrição.</font><br> <font>Os AA responderam para afirmar não se encontrar prescrito o direito indemnizatóro em causa porque o prazo de cinco anos apenas se conta desde a notificação do despacho de arquivamento do processo-crime, por só então estarem os AA em condições de exercer o seu direito. Tal notificação ocorreu em 29 de Setembro de 1998 e a acção deu entrada em 27 de Setembro de 2000.</font><br> <font>No saneador o Ex.mo Juiz julgou tal excepção procedente, absolvendo, em consequência, a R. do pedido, mas a Relação do Porto, para onde os AA apelaram, revogou a decisão por entender ser de descontar no prazo legal de prescrição, aqui de cinco anos, o tempo de pendência do inquérito. </font><br> <font> Isto, depois de ter por assentes os seguintes </font><br> <b><font>Factos:</font></b><br> <br> <br> <font>1 - O acidente de viação ocorreu em 22.7.1995, tendo o menor falecido logo nesse dia e tendo tal sido comunicado, de imediato, aos pais.</font><br> <font>2 - Foi logo - ou num dos dias seguintes - instaurado inquérito, para apuramento de responsabilidade criminal;</font><br> <font>3 - Tal inquérito foi mandado arquivar por despacho de 8.7.1997.</font><br> <font>4 - A acção foi instaurada em 27.9.2000, </font><br> <font>5 - tendo a seguradora sido citada em 19.10.2000.</font><br> <font>Inconformada, foi a vez de a Seguradora pedir revista a este Tribunal, insistindo pela prescrição do direito dos AA, como decidido fora em 1ª instância e resulta da alegação que coroou com as seguintes</font><br> <font> </font><br> <b><font>Conclusões:</font></b><font> </font><br> <font> </font><b><font> </font></b><br> <font>1 - Em face dos elementos constantes do processo, parece à Recorrente que o direito dos AA está extinto por prescrição nos termos do disposto nos art. 498º, n.os 1 e 3 e 306º, n.º 1, do CC e dos art. 118º, 1, c), 137º do CP e 72, n.º 1, al. f) e g), do CPP.</font><br> <font>2 - Mesmo admitindo que o prazo prescricional é de cinco anos a sua contagem iniciou-se no presente caso na data em que os AA tiveram conhecimento do seu direito e não na data de arquivamento do processo de inquérito.</font><br> <font>3 - Na verdade tal processo correu totalmente à margem dos AA que não tiveram a menor intervenção nele ainda que só para informar que pretendiam exercer ali o seu direito à indemnização.</font><br> <font>4 - Ninguém nos diz que o processo penal corresse mesmo contra a vontade dos AA.</font><br> <font>5 - Por tais motivos e tendo em conta o disposto nos artigos 306º, n.º 1, do CC, 72º, n.º 1, al. f) e g) do CPP, a contagem do prazo prescricional deve iniciar-se na data em que (os AA) tiveram conhecimento do seu direito, isto é, na data do acidente.</font><br> <font>6 - Até porque obrigatoriamente tinham de deduzir o seu direito conta a Recorrente que é mera responsável civil - (art. 29º do DL 52/95.</font><br> <font>7 - De qualquer forma o Acórdão recorrido nunca poderia ter decidido como decidiu, devendo antes relegar o conhecimento da excepção para sentença final.</font><br> <font>8 - O Acórdão recorrido violou os art. 498º, n.os 1 e 3 e 306º, n.º 1 do CC, 72º, n.º 1, al. f) e g) do CPP e 118º, n.º 1, c) e 137º do C.P.</font><br> <br> <font> Os AA responderam em defesa do decidido, insistindo que o prazo prescricional é de cinco anos e apenas se inicia com a notificação do arquivamento do processo crime, verificada apenas em Outubro de 1998.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas a nossa apreciação e que são as de saber </font><br> <font>I - se o prazo de cinco anos fixado no n.º 3 do art. 498º do CC se inicia na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete e não na data de arquivamento do processo de inquérito, mormente quando os lesados não tiveram qualquer intervenção em tal processo - conclusões 1ª a 6ª e 8ª ; e se</font><br> <font>II - devia relegar-se para final o conhecimento da excepção, para então se apurar se o facto lesivo constitui crime, pois só neste caso o prazo prescricional é de cinco anos - conclusões 7ª e 8ª. </font><br> <br> <font>Para tal decidir convém relembrar os factos tidos por assentes pela Relação: </font><br> <font>1 - O acidente de viação ocorreu em 22.7.1995, tendo o menor falecido logo nesse dia e tal comunicado, de imediato, aos pais.</font><br> <font>2 - Foi logo - ou num dos dias seguintes - instaurado inquérito, para apuramento de responsabilidade criminal;</font><br> <font>3 - Tal inquérito foi mandado arquivar por despacho de 8.7.1997.</font><br> <font>4 - A acção foi instaurada em 27.9.2000, tendo a seguradora sido citada em 19 de Outubro de 2000.</font><br> <br> <font>A estes factos há que acrescentar outro, provado pela certidão de fs. 12, 19 e vº, o de que </font><br> <font> 5 - O despacho de arquivamento foi notificado aos AA por carta registada de 29 de Setembro de 1998.</font><br> <font>Sendo estes os factos , vejamos</font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>o Direito</font></b><br> <br> <font>O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete ... art. 498º, n.º 1, do CC. </font><br> <font>Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável - n.º 3 do art. 498º CC. </font><br> <font>Desde que se admite a possibilidade de o facto, para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além de três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil (1). </font><br> <font>O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido - art. 306º, n.º 1, CC - e interrompe-se, além do mais (art. 324º e 325º), - pela citação do obrigado, nos termos do n.º 1 do art. 323º CC. </font><br> <font>Pode acontecer que a citação se não faça dentro de cinco dias depois de requerida. Se tal se verificar por causa não imputável ao requerente (por dificuldades dos serviços ou razões de organização judiciária) tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram esses cinco dias, como se a citação tivesse tido lugar - art. 323º, n.º 2, CC.</font><br> <font>O procedimento criminal pelo crime de homicídio por negligência não depende de queixa (art. 137º CP) e extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática tenham decorrido cinco anos - art. 118º, al. c), do CP.</font><br> <font>A lei processual penal - art. 71º do CPC - consagrou, como acontecia com o CPP de 1929 (art. 29º a 34º), o princípio de adesão: o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, com a acusação ou após a pronúncia (art. 77 CPP), só podendo sê-lo em separado, perante o tribunal civil nos casos previstos na lei, como tipificado nas várias alíneas do art. 72º.</font><br> <font>O pedido pode ser formulado em separado, designadamente, quando o seu valor permitir a intervenção do colectivo ou for deduzido contra responsável meramente civil - al. f) e g) do n.º 1 do art. 72º do CPP.</font><br> <br> <font>Postos estes comandos legais, diremos que já no domínio do Código de Processo Penal de 1929 se decidia que, por força do disposto no n.º 1 do art. 306º do CC, o prazo de prescrição do direito à indemnização estabelecido no n.º 1 do art. 498º do mesmo Código não começa enquanto estiver pendente o processo penal impeditivo, nos termos dos artigos 29º e 30º do CPP, de proposição em separado de acção civil por responsabilidade civil conexa com a responsabilidade penal (2), e que tendo o processo crime tido regular andamento e tendo sido proferido despacho de arquivamento, por amnistia, o prazo para propositura da acção cível começa a contar-se a partir da data em que (aquele despacho) foi notificado ao ofendido (3). </font><br> <font>Na vigência das actuais leis penal e processual penal ensinou-se e decidiu-se de igual jeito, independentemente de ter sido exercido o necessário direito de queixa ou, até, de correr procedimento criminal contra o lesante. Assim, </font><br> <br> <font>"A possibilidade de o lesado exigir a reparação civil que lhe é devida, fora do prazo normal da prescrição, nos termos pre-vistos no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil, não está subordinada à condição de simultaneamente correr procedimento criminal contra o lesante, baseado nos mesmos factos. Para que a acção cível seja ainda admitida em tais condições, basta, nos termos da disposição legal em foco, que o facto ilícito gerador da responsabilidade constitua crime e que a prescrição do respectivo procedimento penal esteja sujeita a um prazo mais longo do que o estabelecido para a acção cível.</font><br> <font>Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do Tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração do procedimento criminal, ainda que, por qualquer circunstância (v. g., por falta de acusação particular ou de queixa ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado.</font><br> <font>Sendo assim, o alongamento do prazo prescricional do direito à indemnização estabelecido no n.º 3 do artigo 498º do Código Civil assenta numa base de carácter inegavelmente pessoal, porque radica na especial gravidade do facto ilícito danoso praticado pelo agente.</font><br> <font>Ë porque o facto ilícito imputado ao lesante constitui crime (e crime de gravidade tal que para o respectivo procedimento judicial se estabelece um prazo superior ao da prescrição da responsabilidade civil) que a lei admite a exigibilidade da indemnização cível para além do triénio definido naquela disposição legal (4)"</font><br> <br> <font>Com base nesta doutrina tem o Supremo Tribunal decidido que a aplicação do prazo previsto no n.º 3 do art. 498º do CC não depende do exercício tempestivo do direito de queixa (5) e que a dedução do pedido cível em separado constitui mera faculdade e não imposição ou ónus determinante de diferente regime prescricional. Com efeito,</font><br> <br> <font>"O nosso legislador adoptou o sistema de interdependência ou adesão enunciado nos artigos 29º e seguintes do Código de Processo Penal de 1929 e continuado nos artigos 71º e seguintes do Código de Processo Penal de 1986.</font><br> <font>Dos diversos fundamentos do princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal sobreleva a participação do lesado: colabora, beneficia dos dispositivos da acção civil autónoma e da celeridade processual ...</font><br> <font>Este fundamento relevante do princípio da adesão obrigatória da acção civil, consagrado no artigo 71º do Código de Processo Penal de 1986, permite-nos surpreender o campo de aplicação da excepção (desvio) consagrada no artigo 72º n.º 1, alínea c), completada pelo n.º 2 do mesmo dispositivo legal: permite-se o pedido civil em separado quando o procedimento criminal depender de queixa, mas não se impõe, uma vez que a dedução do pedido implica renúncia ao direito de acusar no processo penal.</font><br> <font>Daqui que ao lesado é concedida a faculdade de exercer o seu direito de queixa e aguardar pelo exercício da acção penal, sendo certo que se não se verificar o seu exercício (exemplo o crime ser amnistiado) terá, então, de exercer a acção civil, começando o prazo de prescrição a correr a partir do momento em que o lesado tem conhecimento do arquivamento do inquérito, em resultado, por exemplo, da amnistia do crime - art. 306º, n.º 1, do Código Civil (6).</font><br> <font>Como bem disse a Relação, «determina o n.º 2 do artº 75º do mesmo código, que quem tiver legitimidade para deduzir pedido de indemnização cível deve manifestar, no processo, até ao encerramento do inquérito, o propósito de o fazer.</font><br> <font>E no artº 77º, n.º 2 precisa-se o momento própria para dedução do pedido (depois da acusação ou da pronúncia ).</font><br> <font>Ora, pode dar-se o caso de o inquérito demorar mais do que o prazo prescricional resultante do artº 498º do CC.</font><br> <font>Então, se se contasse o tempo de pendência de tal processo, tínhamos uma situação aberrante:</font><br> <font>No que à acção cível em separado dizia respeito, operava-se a prescrição;</font><br> <br> <font>Mas no que respeitava ao pedido cível deduzido no processo crime, não só não havia prescrição, como não chegara sequer o momento a partir do qual tal pedido podia ser deduzido».</font><br> <font>Mal andaria o legislador - ou o intérprete que assim lesse a lei - se permitisse ao lesado deduzir o pedido no processo crime, beneficiando da investigação e actividade aí produzida pelo MºPº, e depois declarasse prescrito o direito de demandar o lesante perante o tribunal civil por estar ultrapassado o respectivo prazo quando o processo é, por qualquer causa, arquivado.</font><br> <br> <font>Os factos, o Direito e o Recurso</font><br> <br> <font>Tendo o acidente mortal ocorrido em 22 de Julho de 1995, com imediato conhecimento, pelos pais do falecido, tanto da morte de seu filho como da identidade do condutor do tractor alegadamente responsável, e arquivado o inquérito criminal em 8.7.97 por despacho notificado aos AA em 29 de Setembro de 1998, é manifesto que não haviam decorrido os três anos fixados no n.º 1 do art. 498º do CC e contados desde a notificação do arquivamento do inquérito quando, em 19.10.2000, a Seguradora foi citada para a acção.</font><br> <br> <font>Pelo que improcede o concluído de 1ª a 6ª.</font><br> <br> <font>Mas - e é a segunda questão - não é possível decidir nesta fase pela improcedência da excepção porque o prazo mais longo de cinco anos depende da alegação e prova, pelos AA, de que o condutor do tractor agiu com culpa criminal, prova que só em julgamento podem fazer.</font><br> <font>A doutrina a que se acolhe a Seguradora tem a autoridade dos Prof. Pires de Lima e A. Varela (7) quando escrevem que o lesado tem de provar, se quiser prevalecer-se do prazo mais longo, que o facto ilícito constituía crime. Se se tratar de um caso de responsabilidade objectiva ou pelo risco, não poderá haver alongamento do prazo prescricional, pois não existe aí qualquer crime.</font><br> <font>Também aqui carece a Recorrente de razão.</font><br> <font>É que a Seguradora foi citada dentro dos três anos subsequentes à notificação do arquivamento do inquérito criminal. Os AA exerceram o seu direito dentro dos três anos a que se refere o n.º 1 do art. 498º do CC, logo que o puderam fazer (art. 306º, n.º 1, CC), sem necessidade de recurso ao prazo prescricional mais longo do procedimento criminal. </font><br> <font>Não é de relegar para final o conhecimento da prescrição porque, qualquer que seja a responsabilidade (pelo risco ou com base na culpa) que se venha a apurar em julgamento, sempre a Ré foi citada dentro daquele prazo mais curto de três anos contados, como deve ser, da notificação do despacho de arquivamento do inquérito criminal.</font><br> <br> <font>Pelo que também improcede o concluído em 7ª e não se mostram violadas as normas ditas em 8ª.</font><br> <br> <b><font>Decisão</font></b><br> <br> <font>Termos em que se acorda</font><br> <font>a - negar a revista</font><br> <font>b - e condenar a Recorrente nas custas, por vencida - art. 446º, n.os 1 e 2, do CC.</font><br> <br> <font>Lisboa, 29 de Outubro de 2002</font><br> <font>Afonso Correia,</font><br> <font>Afonso Melo,</font><br> <font>Fernandes Magalhães.</font><br> <font>-----------------------------</font><br> <font>(1) Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª, ed., 651..</font><br> <font>(2) Ac. do STJ (Joaquim Figueiredo), de 4.2.86, no BMJ 354-505, com aplauso de A. Varela, loc. cit., nota 2.</font><br> <font>(3) Ac. do STJ (Corte-Real), de 18.2.86, no mesmo Boletim, 528.</font><br> <font>(4) A. Varela, na RLJ 123-46.</font><br> <font>(5) Ac. nos BMJ 455-507, 434-625 e, mais recentemente, em 20.2.2001 (Pinto Monteiro), na Col. Jur. (STJ), 2001-I-127. </font><br> <font>(6) Ac. do STJ (Miranda Gusmão), de 25.1.2000, no BMJ 493-177.</font><br> <font>(7) Notas ao art. 498º do CC Anotado</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br> <br> <font>"A, Lda.", propôs contra B e mulher C acção a fim destes serem condenados a pagar-lhe 657331 escudos, acrescidos de juros de mora vencidos, no montante de 57516 escudos, e vincendos, resultantes de parte ainda em dívida do preço do contrato de empreitada que com estes celebrou e da realização de obras extra.</font><br> <font>Os réus excepcionaram a exceptio non rite adimpleti contractus, impugnaram e, em reconvenção, pediram a eliminação e defeitos indicados no art. 4 da contestação, ou, não o podendo ser, a realização de nova obra de acordo com o orçamento de 1990, ou, a não ser possível, a resolução do contrato a indemnização de 1500000 escudos, ou, ainda, a redução do negócio ao valor dos materiais gastos, ou, por último, a terem os réus de pagar à autora apenas 527331 escudos, acrescidos de juros desde a citação.</font><br> <font>Houve réplica e tréplica.</font><br> <font>No saneador, do qual os réus apelaram, improcedeu, a reconvenção, e prosseguiram os autos.</font><br> <font>Por sentença, procedeu a exceptio e os réus foram absolvidos do pedido.</font><br> <br> <font>Apelou a autora.</font><br> <font>A Relação revogou o saneador limitando o conhecimento da reconvenção à viabilidade dos dois primeiros pedidos - cabendo a opção ao empreiteiro e não ao dono da obra, pelo que anulou todo o processado posterior e, por prejudicada, não conheceu da apelação da autora.</font><br> <font> Após novo julgamento, foi proferida sentença a julgar procedente a exceptio non rite adimpleti contractus, absolvendo do pedido os réus e condenando a autora a eliminar os defeitos da obra declarados na sentença ou a fazer obra nova de acordo com o orçamento de 90.08.12, absolvendo-a no mais do pedido reconvencional.</font><br> <font>Sob apelação da autora, a Relação revogou a sentença, condenando-a a eliminar os defeitos referidos nas respostas aos quesitos 5, 6, 7 e 8 ou a fazer obra de acordo com o orçamento de 90.08.12 e condenando os réus a pagarem, de seguida, à autora a importância em falta de 657331 escudos.</font><br> <font>Pediram revista os réus, por pretenderem que a autora seja condenada a eliminar os defeitos a que se reportam as respostas aos quesitos 1, 24, 5, 6, 8 e 11 ou a fazer obra nova de acordo com o orçamento de 00.08.12, absolvendo-se-os do pedido e, só se assim se não entender, a pagar, de seguida e após feitas as obras, à autora a quantia de 657331 escudos.</font><br> <font>Para o efeito, concluíram, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br> <br> <font>- o tribunal não pode conhecer, por ser matéria da disponibilidade das partes, quando tomaram os réus conhecimento do estado da obra nem foi alegada nos autos a caducidade do direito e a anulação da sentença não lhe permite socorrer-se do anteriormente decidido;</font><br> <font>- a excepção de não cumprimento não pode proceder por a autora não ter alegado nem provado a desproporção e desequilíbrio por via do incumprimento contratual, nem o tribunal não pode substituir-se à recorrida por muita razão que lhe assista;</font><br> <font>- daí que a absolvição do pedido feito pela autora deva operar em termos absolutos;</font><br> <font>- «o tribunal sem uma certeza segura não se pode socorrer do princípio da aquisição processual da prova quando esta é deficiente e mesmo algo contraditória» - confrontem-se as respostas dadas pelos srs. peritos aos quesitos 12 e 13 dos réus e a sua resposta dada ao quesito 7 da autora, e vd. os factos a que se reportam as respostas aos quesitos 1, 2 e 4;</font><br> <font>- violado o disposto nos arts. 342 a 344, 428 n. 1, 762 n. 1 e 763 CC e</font><br> <font>- erro na apreciação da prova nos termos do art. 668 CPC.</font><br> <font>Contra-alegando, defendeu a autora a confirmação do acórdão.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Matéria de facto considerada provada pelas instâncias -</font><br> <font>a) a autora dedica-se à execução de empreitadas de construção civil e obras públicas;</font><br> <font>b) no exercício da sua actividade, em 90.08.12, firmou contrato com os réus para executar uma obra que consistia na transformação de uma antiga adega numa sala de estar;</font><br> <font>c) o preço orçamentado foi de 1175000 escudos, do qual foi pago apenas pelos réus o valor de 765419 escudos;</font><br> <font>d) no decurso da obra, os réus solicitaram à autora que fosse colocada madeira no fogão da sala, grade na parte de trás da janela e as rectificações referidas a fls. 6, que não tinham sido incluídas naquele preço inicial;</font><br> <font>e) em 92.02.29, a autora mandou ao réu a carta junta a fls. 6 dos autos, prestando-lhe contas da obra, com saldo de 657331 escudos que lhe é favorável e que aquele não pagou;</font><br> <font>f) o fogão não é todo em tijolo vermelho;</font><br> <font>g) o pinho aplicado no alpendre exterior, nas vigas, barrotes e forro estalou;</font><br> <font>h) a porta que dá para o sótão e para a cave teve de ser feita duas vezes;</font><br> <font>i) o tecto do sótão tem sete vigas;</font><br> <font>j) as vigas e o soalho abriram fendas, torceram, partindo as paredes onde estão apoiadas;</font><br> <font>l) os rebocos estão estalados junto às vigas;</font><br> <font>m) as duas portas interiores têm 1,87 m de altura;</font><br> <font>n) a porta exterior que vai para a cave está na posição inversa, com almofada e vidros ao contrário.</font><br> <br> <font>Decidindo: -</font><br> <font>1 - Conquanto tenha sido provado - conforme o acórdão de facto de fls. 217-218 e a sentença o incluísse (a fls. 223), o certo é que o acórdão recorrido não enunciou, entre a matéria de facto que considerou provada, o facto constante da resposta ao quesito 11.</font><br> <font>Seguramente por lapso, pois que a fls. 276 se lhe refere no pressuposto da prova da sua realidade.</font><br> <font>Assim, à descrição supra acrescenta-se uma alínea -</font><br> <font>o)- o portão para o pátio não abre para trás.</font><br> <font>Aliás, este lapso manteve-se como o evidencia a parte final da fundamentação (a fls. 277) e a sua parte decisória (a fls. 277) que expressamente se referem a este facto, no pressuposto real da sua prova.</font><br> <font>2 - No acórdão recorrido, há, sob pena de se manterem contradições, que proceder a rectificações.</font><br> <font>Na fundamentação a fls. 276, diz-se que a matéria da resposta ao ques. 7 (a al. m)) não constitui defeito e explica-se a razão de tal.</font><br> <font>Porém, continuando na fundamentação, volta a repetir-se (a fls. 277) a «resposta ao quesito 7º» quando a matéria aí expressamente referida é a constante da resposta ao ques. 8 (a al. n)).</font><br> <font>Na parte decisória, a fls. 277, condena-se a autora a eliminar o defeito referido na resposta ao ques. 7 e o que aí expressamente se transcreve é a matéria de facto constante da resposta ao ques. 8 (a al. n)).</font><br> <font>Na fundamentação a fls. 277, refere-se a matéria da resposta ao ques. 8, descrevendo-se-a quando ela corresponde à resposta ao ques. 11 (a al. o)).</font><br> <font>Identicamente à rectificação anterior, na parte decisória condena-se a autora a eliminar o defeito referido na resposta ao ques. 8 e o que aí expressamente se indica é a matéria do facto constante da resposta ao ques. 11 (a al. o)).</font><br> <font>Assim, onde aí se lê «quesito 7º (...) e quesito 8º (...)» há que passar a ler-se «quesito 8º (...) e quesito 11º (...)».</font><br> <font>3 - Uma parte só tem legitimidade para recorrer se a decisão lhe foi desfavorável (CPC - 680,1) no segmento decisório que impugna.</font><br> <font>Se houver mais que uma decisão, mantém-se o mesmo princípio - ter ficado vencido.</font><br> <font>Com efeito, a quem aproveitaria a excepção da caducidade do direito à eliminação dos defeitos ou a nova construção seria à autora reconvinda.</font><br> <font>Apenas a esta foi desfavorável a respectiva decisão.</font><br> <font>Porque aos réus recorrentes não assiste legitimidade, não se conhece da matéria da 1ª conclusão.</font><br> <font>4 - A 4ª conclusão espelha, antes de mais, confusão e pouca definição.</font><br> <font>Conjugando-se-a com a pretensão perseguida com este recurso e comparando-se esta com a parte decisória do acórdão, observa-se que parte dela já aí foi atendida - a relativa à eliminação dos defeitos a que se reportam as respostas aos ques. 5, 6 e 8 (quanto a este, leia-se «11»).</font><br> <font>Se, relativamente aos outros, o que se quis pôr em crise foi a resposta dada pelos srs. peritos, isso não é sindicável pelo STJ.</font><br> <font>Face à última conclusão, ao falar em "erro na apreciação da prova" (e a invocação do art. 668 CPC aparece sem razão de ser), parece ser esse o sentido que os réus procuraram. Se sim, basta invocar o disposto no art. 655 n. 1 CPC para mostrar a insindicabilidade quando se não trate de prova vinculada (CPC 722,2 e 729-2), como é o caso.</font><br> <font>Continuando ainda na análise da pretensão formulada, referem-se os réus a defeitos a que se reporta a resposta ao ques. 24.</font><br> <font>A menos que se trate de lapso e se deva ler «2, 4», a sem razão é evidente, pois que a resposta ao ques. 24 foi negativa (fls. 217 vº).</font><br> <font>5 - As respostas aos ques. 1, 3 e 4 correspondem, respectivamente, às als. f), h) e i).</font><br> <font>O acórdão recorrido, analisando a prova (fls. 276), expressamente concluiu que desta se não pode inferir a existência de defeitos, pois que -</font><br> <font>- o facto constante da al. f) tem de ser conjugado com o da al. d);</font><br> <font>- o facto da al. h) é em si irrelevante para apurar do estado do trabalho final;</font><br> <font>- o facto da al. i) é inócuo pois não vem precisado em qualquer parte, nomeadamente no orçamento de fls. 79 um número exacto de vigas que devessem suportar o telhado. </font><br> <font>Trata-se de conclusões de facto que a Relação retirou do que lhe era lícito analisar, o que devia fazer (CPC 659 n. 3) e fez.</font><br> <font>Enquanto conclusões de facto, são facto e, como tal, matéria insindicável pelo STJ.</font><br> <font>Relativamente à resposta ao ques. 2 (a al. g)), embora sem proceder a análise crítica, concluiu o acórdão que este facto não integra defeito (fls. 276).</font><br> <font>Além de se tratar de conclusão de facto, acresce que também lhe é aplicável o que se escreveu no ponto 4 §§ 3 e 4.</font><br> <font>6.- A procedência da excepção de não cumprimento não significa que o vencedor deixe de ser devedor nem que fique isento do pagamento e confere-lhe a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou oferecer o seu cumprimento simultâneo (CC 428 n. 1).</font><br> <font>Se se tratar de incumprimento parcial e a exceptio non rite adimpleti contractus se justificar, mantém-se aquela mesma faculdade.</font><br> <font>Concluindo-se pelo cumprimento defeituoso, nada haverá, neste capítulo, a apontar ao acórdão se in casu aquela exceptio for justificada.</font><br> <font>Não se compreende a acusação dos réus alegando que o tribunal se substituiu à autora.</font><br> <font>Aqueles expressamente a articularam na sua contestação (arts. 4 a 14) e a sentença considerou-a procedente, muito embora acrescentando-lhe uma consequência que a sua procedência não comporta - a absolvição do pedido.</font><br> <font>Ela foi reapreciada na Relação onde não só se reduziu a extensão da sua procedência como se revogou, e bem, aquela consequência decretada.</font><br> <font>Incompreensível e contraditório o comportamento dos réus, a menos que não tenham mentalizado que foi exactamente - e só por isso - na procedência da excepção que a sentença decretou a sua absolvição do pedido ou, então, que tenham renunciado à invocação da exceptio querendo pagar de imediato em lugar de, como o acórdão decidiu (agora, com as apontadas rectificações), de seguida, após o cumprimento pela autora.</font><br> <font>Não vem posto em crise o valor da dívida dos réus para com a autora.</font><br> <font>Os únicos pontos em que ficaram vencidos na condenação em pagar a sua dívida e no da compreensão da exceptio, pretendendo ali a absolvição do pedido e aqui ser mais vasta. Em ambos não lhes assiste razão.</font><br> <font>Termos em que -</font><br> <font>- se rectifica o acórdão recorrido - passando a ler-se "quesito 8º (...) e quesito 11º (...)" onde, na parte decisória a fls. 277, se lê "quesito 7º (...) e quesito 8º (...)";</font><br> <br> <font>- se nega a revista;</font><br> <font>- se converte em 3278,75 euros o valor que os réus são condenados a pagar à autora.</font><br> <font>Custas pelos recorrentes.</font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br> <font>Lopes Pinto,</font><br> <font>Ribeiro Coelho,</font><br> <font>Garcia Marques,</font><br> <font>Faria Antunes.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> I - A "A" requereu arresto contra B, vindo a providência a ser decretada.<br> A requerida deduziu oposição ao arresto, sendo este mantido com excepção de um dos bens arrestados.<br> Agravou a requerida.<br> O Tribunal da Relação confirmou o decidido.<br> Inconformada recorre a requerida para este Tribunal.<br> <br> <b>Formula as seguintes conclusões:</b><br> - o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, decorrente de não ter conhecido o objecto dos dois outros recursos interpostos no âmbito da mesma providencia cautelar que correu termos pela 1ª instância e que subiram, ou deveriam ter subido, com o recurso da respectiva decisão final; "<br> - Nulidade que deve ser declarada por este Supremo Tribunal de Justiça, que consequentemente deverá mandar baixar os presentes autos de recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa para que conheça dos referidos recursos;<br> - Não se deixando de, cautelarmente, mais alegar os seguintes restantes fundamentos contra o acórdão recorrido;<br> - A recorrida recorreu em 1ª instância o arresto dos bens da agravante, que veio a ser decretada pelo despacho de fls. 62 a 65 dos autos da correspondente providência cautelar;<br> - No entanto, tal arresto não deveria ter sido ordenado, por não estarem reunidos os requisitos necessários a que o mesmo fosse decretado;<br> - Para que exista justo receio, terá este de ser definido de acordo com critérios objectivos e não em consonância com critérios subjectivos, fundamentados em receios e meras possibilidades;<br> - O Mm° Juiz de 1ª instância sustentou ter a arrestada, aqui recorrente, um património facilmente dissipável, sem atentar nos elementos constantes de documentos, alguns dos quais autênticos, juntos aos mesmos autos, que lhe permitiriam apurar que tal património se compõe maioritariamente de imóveis, direitos sobre imóveis, quota em sociedade comercial, veículos automóveis e equipamentos de escritório e de informática, sendo assim errada a sua qualificação como direitos de crédito e como facilmente dissipável;<br> - Por outro lado, a decisão de 1. instância e o acórdão recorrido que a subscreveu integralmente, não concretizou qualquer facto que comprove qualquer justo receio da recorrida de perda de garantia do seu eventual crédito porque, as circunstâncias que presumivelmente poderiam levar ao justo receio de perda das garantias patrimoniais, foram ilícita e premeditadamente criadas pela arrestante;<br> - Acresce que foi feita prova destes factos, através de depoimento gravado das testemunhas arroladas pela arrestada prestado por carta precatória no Tribunal Judicial da Horta;<br> - Não tendo nenhum destes depoimentos sido atendido, ou sequer mencionado pelo Mm° Juiz em 1ª instância aquando da sua decisão de manter o arresto;<br> - Também não se verifica qualquer justificado receio da arrestante em perder a garantia patrimonial do seu eventual crédito, na medida em que a arrestada não tentou, nem deu sequer indícios de ter tentado, ocultar ou muito menos dissipar, o seu património;<br> - A providência cautelar de arresto deveria ter sido também recusada, por o prejuízo que dela resultou para a arrestada exceder consideravelmente o suposto dano que a recorrida pretendeu evitar;<br> - De facto, a agravante ficou gravemente prejudicada com o arresto, uma vez que não pode continuar a exercer a sua actividade comercial, tal como foi devidamente testemunhado através dos depoimentos de duas das testemunhas apresentadas pela mesma arrestada aos quais não foi dada a devida relevância na decisão final do arresto;<br> - Aliás, a decisão que manteve o arresto é também desproporcional, na medida em que tal providência foi requerida e efectivada em mais bens que os suficientes para a segurança normal de um eventual crédito, nos termos do estipulado no artigo 408° n° 2 do CP Civil, pelo que deveria, pelo menos, como si se prescreve, ter sido reduzido aos seus justos limites;<br> - Acrescendo a tal desproporção do arresto o facto de ter sido ordenada a apreensão de bens que nem sequer são da arrestada, como foi devidamente alegado e explicado na respectiva oposição ao arresto, se tendo o Mm° Juiz de 1 ª instância procedido o levantamento, do arresto relativamente ao prédio rústico sito no Palmo do Gato, freguesia de S. João e concelho das Lages do Pico;<br> - A agravante impugna expressamente os pontos 2° e 5° dos factos tidos como provados, tanto na decisão de 1ª instância como no acórdão agravado que a subscreveu integralmente, e requer o aditamento de factos relevantes que foram provados nos autos em causa, mas que não foram ai devidamente considerados, tudo como ficou melhor explicitado supra nas presentes alegações;<br> - Assim, o acórdão aqui agravado violou o disposto nos artigos 660° n° 2, 668° n° 1, alínea d) ,- 1ª parte "a contrario sensu", 387°, 406° e 408° nº 2, todos do código de Processo Civil.<br> Não houve contra-alegações.<br> O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de se mostrar prejudicado o conhecimento do recurso.<br> Colhidos os vistos legais cumpre decidir .<br> <br> II - Vem dado como provado:<br> A requerente desde há cerca de 12 anos tem vindo a fornecer à requerida; produtos produzidos ou comercializados por si, designadamente, cervejas, refrigerantes e águas, que a requerida por sua vez revende em estabelecimento em nome individual que possui na cidade da Horta;<br> A partir de 1997, a requerida passou a reduzir os pagamentos das mercadorias adquiridas à requerente, aumentando sistematicamente o saldo em divida, sendo este nesta data no montante de 97.281.843$00;<br> Para pagamento da dita quantia a requerida emitiu já vários cheques, designadamente os fotocopiados de fls. 9 a 11 no montante de 28.000.000$00 que a pedido da própria requerida a requerente não sacou por aquela lhe alegar falta de provisão;<br> Para além disso emitiu ainda outros cheques, designadamente os fotocopiados de fls. 12 a 17, cujo pagamento foi recusado por falta de provisão;<br> A requerida, tem-se furtado a pagar a divida e não lhe são conhecidos bens que à possam garantir; sendo que os que ainda possui facilmente podem ser dissipados, já que são constituídos por direitos de créditos, parte deles dos produtos que vendeu e o estabelecimento que possui;<br> A requerida passou garantias bancárias a requerente, que garantem o pagamento de 50.000.000$00.<br> <br> III - Importa, antes de mais, apreciar a questão de saber se este Tribunal pode ou não conhecer do recurso.<br> Requerido arresto, foi o mesmo decretado, mantendo o Tribunal da Relação o decidido.<br> Do acórdão da Relação, que confirmou o decretamento da providência, foi interposto recurso para o Supremo.<br> Recebido o recurso como de agravo, foi a recorrente notificada em 05.02.2002, sendo as alegações apresentadas em 05.03.2002.<br> Tratando-se de agravo, o prazo , em princípio, terminaria em 25.02.2002, ou em 28.02.2002 considerando a possibilidade de pagamento de multa (artigos 743°e 760° do C PC e 145° do CP Civil).<br> Objectivamente as alegações foram apresentadas fora de prazo. A recorrente justificou, contudo, a intempestividade com o disposto nos artigos 755° n° 2, 772° n° 2, 743° n° 1 e 698º n° 6 do C. Processo Civil.<br> O Senhor Desembargador relator, embora exprimindo dúvidas aceitou a junção das alegações.<br> Remetidos os autos ao Supremo, o Senhor Procurador-Geral Adjunto em esclarecido parecer sustentou que se mostra prejudicado o conhecimento do recurso.<br> Há que analisar a problemática suscitada.<br> O agravante, sem prejuízo do disposto no artigo 698° n° 6 do C. Processo Civil, deve apresentar a sua alegação dentro de 15 dias a contar da notificação do despacho que admita o recurso (artigo 743° n° 1 do CPC). <br> O artigo 698° n° 6 do mencionado Código, por sua vez, estipula que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos aí referidos.<br> A razão de ser do alargamento do prazo prende-se com os ónus impostos nos nº 2 e 3 do artigo 690. A do mesmo diploma. Diga-se, aliás, que as complicações reveladas na prática por tais imposições, que dificultam grandemente o direito de recorrer, impuseram as alterações introduzidas pelo Dec-Lei n° 183/2000 de 10 de Agosto.<br> Compreende-se assim que o prazo seja alargado no recurso para a Relação, que funciona como 2ª instância na apreciação concreta da matéria de facto, como foi pretendido pelas actuais reformas do Código de Processo Civil.<br> Mas, justificar-se-á tal prorrogação de prazo nos recursos para o Supremo?<br> Pensamos que não.<br> Como é sabido, ao Supremo Tribunal de Justiça, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, decidir questões de direito e não julgar matéria de facto.<br> Embora no recurso de revista seja admissível apreciar a eventual violação da lei adjectiva, tal só é possível dentro de apertados limites e como função residual.<br> O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais só pode ser apreciado se houver ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 729° e 722° n° 2 do CP Civil)<br> O STJ pode alterar os factos provados se existir erro das instâncias na análise da prova por violação das normas que fixam o seu valor.<br> Essa ofensa verifica-se, designadamente, quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o ser valor legal - Prof. Miguel Teixeira de Sousa - "Estudos sobre o Novo Processo Civil pág. 439.<br> Sustenta, a propósito, a recorrente que se está perante um caso de ofensa pelas instâncias do regime disciplinador da prova.<br> Cair-se-ia assim no âmbito do artigo 722° n° 2 do C PC, sendo-lhe aplicável o alargamento do prazo, por se estar perante reapreciação da prova.<br> Não tem razão. Na essência por dois motivos.<br> Em primeiro lugar porque o citado artigo 698° n° 5 refere-se à "reapreciação da prova gravada", o que, repete-se, se compreende por ser ai que se colocam as dificuldades e naturais demoras. Ora, a prova testemunhal não constitui no caso um meio de prova com especial força probatória, que deva ser reapreciado por este Tribunal, de acordo com as mencionadas disposições legais. Cai assim por base a razão de ser do aumento do prazo.<br> Em segundo lugar porque analisando os documentos invocados pela recorrente não se vê como é que qualquer deles pode destruir os fundamentos da decisão recorrida. Isso só seria possível com a reapreciação da prova testemunhal e tal não cabe a este Tribunal.<br> <br> Não se pode assim conhecer do recurso como, aliás, defendeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto, já que as alegações foram apresentadas fora de prazo, pelo que o recurso está deserto.<br> Custas pela recorrente.<br> <br> Lisboa, 29 de Outubro de 2002<br> Pinto Monteiro, <br> Lemos Triunfante,<br> Reis Figueira..</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -<br> <br> Na acção para efectivação de responsabilidade civil que A move a B, com os sinais dos autos, e Companhia C de Seguros, o Hospital da Força Aérea reclamou a importância de 4014291escudos de despesas por si suportadas com a assistência e tratamentos do autor em resultado das lesões sofridas no acidente de viação a que se referem estes autos.<br> Notificada, requereu a ré seguradora que se declarasse finda a instância ao abrigo do art. 2 a) do dec-lei 147/83.<br> Prosseguiu a acção até final e, em sentença, o réu foi declarado único culpado e condenados ambos os réus a indemnizarem o autor em 9500000 escudos, limitando-se a quantia devida pela ré ao montante do capital seguro deduzido do já pago e a pagar ao HFA, decisão essa que declarou extinta a instância quanto ao pedido por este formulado referente às despesas efectuadas durante os anos de 1987, 1988 e 1989.<br> Sob recurso do Ministério Público, em representação do Estado - Força Aérea Portuguesa, a Relação de Coimbra revogou este segmento da sentença e condenou os réus a pagarem ao HFA a quantia de 4014291 escudos.<br> Inconformada, pede revista a ré seguradora que, em suas alegações, concluiu -<br> - o disposto no art. 2 a) do dec-lei 147/83 aplica-se às despesas hospitalares relativas aos serviços prestados pelo Hospital da Força Aérea durante os anos de 1987, 1988 e 1989,<br> - devendo por isso e relativamente à mesma ser declarada finda a instância;<br> - ao condenar no seu pagamento, violou-se o disposto naquele art.<br> Contra alegado pelo réu e pelo Mº Pº no sentido da confirmação do julgado.<br> Colhidos os vistos.<br> <br> Matéria de facto (apenas a com interesse para o presente recurso) que as instâncias deram como provada -<br> a)- do acidente de viação de que resultaram ferimentos no autor foi declarado único culpado o réu, por sentença transitada em julgado, tendo o dono do veículo transferido para a ré a responsabilidade civil emergente da sua circulação, por contrato válido e eficaz à data daquele (87.05.03);<br> b)- em consequência, o autor foi transportado e assistido nos hospitais de Leiria, Coimbra (Covões) e da Força Aérea;<br> c)- no hospital da Força Aérea, o autor esteve internado por 4 vezes, num total de 545 dias, a primeira a partir de 87.05.07 e a última até 90.10.03, foi submetido a três intervenções cirúrgicas, a vários exames (de radiologia, laboratoriais e no exterior), a consultas externas e a tratamentos de fisioterapia,<br> d)- tudo importando uma despesa de assistência no valor de 4014291 escudos,<br> e)- que o HFA reclamou, neste processo, em 92.07.10, no quadro da notificação que lhe foi dirigida pelo tribunal.<br> <br> Decidindo: -<br> 1.- O dec-lei 147/83, de 05.04, foi um diploma com cariz eminentemente processual e que respeitava ainda à administração judiciária desburocratizando as acções destinadas à cobrança das dívidas por prestação dos serviços de saúde, incrementando a celeridade do respectivo procedimento e aliviando os serviços e os tribunais, inundados estes de centenas e centenas desses processos, maxime nos juízos cíveis das comarcas de Lisboa e Porto (daí que a extinção da instância se aplique apenas às acções principais e não também àquelas em que esse pedido resulta da intervenção da instituição hospitalar, v.g., nas do CEst). <br> Tal como mais tarde esse cariz se veio a manifestar ao conferir força executiva às certidões das instituições hospitalares, permitindo que o processo se inicie pela execução fiscal, o que não prejudica os direitos dos obrigados e simplifica os serviços.<br> É precisamente esta natureza e estes objectivos do diploma que importa ter presente para interpretar a norma do art. 2 a) daquele dec-lei.<br> A não-exigibilidade aí contemplada nada tem que ver com a prescrição da dívida nem o que aquela ditou tem algo a ver com o fundamento desta (a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei - cfr. M. Andrade in T. Geral II/445).<br> A exigibilidade da dívida não impede se invoque a sua prescrição desde que para esta tenha decorrido o período de tempo requerido.<br> <br> 2.- A ré recorrente apenas alegou a não exigibilidade, expressamente invocando fazê-lo nos termos daquele normativo.<br> A dívida hospitalar (no sentido genérico deste termo) teve origem na mesma causa, respeita ao desenvolvimento natural e normal dos tratamentos e hospitalizações anteriores, pelo que deve ser tida como unitária, independentemente da sua continuidade temporal.<br> Sendo unitária a dívida, não havendo lugar a autonomização de cada parcela como dívida mas antes se as compreendendo no todo, é em relação ao termo da prestação dos cuidados de saúde que se deve contar os 3 anos e sobre essa data ainda não decorrera esse lapso de tempo quando produziu a sua reclamação.<br> <br> 3.- A prescrição não é de conhecimento oficioso, tem de ser invocada (CC- 303).<br> O facto de se não estar no domínio da responsabilidade contratual (aplicável o disposto no art. 498 ex vi do art. 495-2 CC; vd., ainda, Parecer da PGR in B.196/161) não comporta qualquer excepção a este princípio.<br> Como se referiu antes, trata-se de dois institutos (a não-exigibilidade e a prescrição) que se não confundem nem a não-verificação do primeiro inutiliza a eventualidade de invocação relevante do segundo.<br> Os termos precisos, concretos, em que a ré se opôs ao relevo da reclamação não permitem a sua conversão em invocação da prescrição (uma alegação posterior é extemporânea, precludido estava o direito com ela e através dela se defender).<br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> <br> Lisboa, 18 de Novembro de 1997.<br> Lopes Pinto,<br> José Saraiva,<br> Torres Paulo.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A "Direcção Regional de Educação do Norte", representada pelo Ministério Público, intentou contra A e mulher B, acção de expropriação litigiosa e urgente de uma parcela de terreno que identificou.<br> Da decisão arbitral, que fixou o valor da indemnização devida em 17097764 escudos, recorreram os expropriados para o Tribunal Judicial da comarca de Esposende, impugnando aquele valor.<br> Corridos os ulteriores trâmites legais, foi proferida sentença a fixar o valor da indemnização em 92605920 escudos.<br> Inconformado com o decidido, apelou o Ministério Público para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, julgando intempestivo o recurso, dele não conheceu.<br> Desta decisão agrava agora o Exmo. Procurado-Geral Adjunto para este Tribunal formulando nas suas alegações as conclusões seguintes:<br> A. No domínio do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, a atribuição de carácter urgente à expropriação não altera a tramitação do processo de expropriação litigiosa, não implicando a redução dos prazos judiciais, nem a observância de regras especiais de contagem desses mesmos prazos;<br> B. O prazo de recurso para o Tribunal da Relação da sentença proferida no âmbito do recurso da arbitragem, a que se refere o artigo 64 n. 2, daquele código, conta-se nos termos gerais dos artigos 114 e 685, ambos do Código de Processo Civil, suspendendo-se durante as férias, Sábados e dias feriados;<br> C. A sentença em questão foi proferida em 31 de Julho de 1995, tendo sido notificada ao Ministério Público nesse mesmo dia, donde o prazo para a interposição de recurso para o Tribunal da Relação só expiraria em 26 de Setembro seguinte, pelo que é tempestivo o recurso interposto em 22 de Setembro deste mês;<br> D. O depósito da quantia de 14751792 escudos, a que respeita a guia de fls. 175, foi efectuado pela expropriante, após a prolação da sentença de fls. 163 e com vista a perfazer o valor da indemnização sobre a qual se verificava acordo, não podendo ser interpretado como aceitação daquela sentença, mas antes, como manifestação de discordância clara relativamente ao montante da indemnização fixado na mesma sentença;<br> E. O despacho exarado a fls. 168 não decide qualquer questão concreta, limitando-se a ordenar, em termos genéricos e tabelares, a remessa dos autos à conta, sem indicar o respectivo fundamento legal, e a notificação da expropriante nos termos requeridos pelos expropriados, termos esses que só podiam ser entendidos como convite à efectivação do depósito da indemnização arbitrada na sentença de fls. 163 e seguintes, na medida em que estava a decorrer o prazo para impugnação dessa decisão judicial por meio de recurso;<br> F. Não resultando do texto do despacho de fls. 168 que tenha sido apreciada e decidida, em concreto, a preclusão do direito legal de recurso relativo à sentença proferida a fls. 163, o facto do Ministério Público não ter impugnado aquele despacho não opera a extinção do direito legal ao recurso quanto àquela sentença, nem consubstancia a prática de actos incompatíveis com a vontade de recorrer;<br> G. Face ao estatuído no n. 4 do artigo 681, do Código de Processo Civil não é aplicável ao Ministério Público o disposto nos seus n. 1, 2 e 3, normativos que prevêem e regulam a perda do direito de recorrer por virtude de renúncia e de aceitação expressa ou tácita da decisão;<br> H. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 144 n. 3, 681 n. 4 e 685 n. 1, todos do Código de Processo Civil, e os artigos 37 e 64 n. 2, ambos do citado Código das Expropriações.<br> Os expropriados pugnam nas suas alegações pela confirmação do decidido.<br> O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, ouvido nos termos do disposto no artigo 752 n. 1, do citado Código de Processo Civil, nada acrescentou ao já alegado pelo Ministério Público junto do tribunal recorrido.<br> Foram colhidos os vistos legais.<br> Tudo visto. Cumpre decidir.<br> E decidindo.<br> Com interesse para o conhecimento do agravo, devem ter-se por verificados os factos seguintes:<br> 1. - em 31 de Julho de 1995, em recurso da decisão arbitral, foi proferida sentença a fixar o valor da indemnização devida aos expropriados;<br> 2. - esta sentença foi notificada ao Ministério Público nesse mesmo dia e aos expropriados no dia seguinte, ou seja, 1 de Agosto;<br> 3. - em 21 deste mês, os expropriados requereram que o processo fosse remetido à conta e notificada a expropriante para fazer o depósito da quantia fixada na sentença, acrescida do montante correspondente aos índices nela referidos;<br> 4. - sobre este requerimento recaiu, em 24 do mesmo mês, o seguinte despacho: "À conta. Notifique como se requer".<br> 5. - em 25 ainda do mesmo mês, a Secretaria, oficiosamente, solicitou ao Instituto nacional de Estatística os índices de preços ao consumidor entre as datas indicadas na douta sentença, a fim de remeter os autos à conta, logo que obtida tal informação;<br> 6. - em 1 de Setembro de 1995, deu entrada no Tribunal de Esposende, um ofício do Instituto Nacional de Estatística, solicitando a indicação precisa dos valores a actualizar;<br> 7. - sobre este pedido recaiu o despacho de deferimento, de 5 de Setembro, não notificado ao Ministério Público, nem à expropriante, logo satisfeito no dia seguinte;<br> 8. - os elementos solicitados ao Instituto nacional de Estatística deram entrada no tribunal em 12 de Setembro;<br> 9. - o despacho a ordenar a remessa dos autos à conta e os elementos fornecidos pelo referido Instituto foram notificados aos expropriados e ao Ministério Público em 15 de Setembro;<br> 10. - nesta mesma data, a expropriante foi notificada do despacho de fls. 168, em que se ordenava a remessa dos autos à conta e o depósito da quantia fixada na sentença e ainda dos elementos fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística;<br> 11. - em 18 do mesmo mês de Setembro, a expropriante remeteu ao tribunal o conhecimento do depósito da quantia de 14751792 escudos, que, adicionado ao já depositado, perfazia o montante por ela aceite como a indemnização devida aos expropriados;<br> 12. - em 22 do referido mês de Setembro, o Ministério Público apresentou requerimento a interpor recurso da sentença.<br> Estes os factos essenciais, a partir dos quais deve ser apreciado o objecto do agravo, sendo fácil constatar que este se resume a duas questões:<br> a) o prazo de interposição de recurso correu, ou não, durante as férias judiciais;<br> b) foram praticados actos reveladores de aceitação da decisão proferida a fls. 163.<br> Quanto à primeira questão, entendeu o douto acórdão recorrido, com um voto de vencido, que, tendo o processo seguido a forma urgente, não se suspendeu o prazo para a interposição do recurso.<br> Vejamos se é de aceitar uma tal afirmação.<br> O Código das Expropriações em vigor (Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro), aplicável ao caso em apreço, não contém qualquer disposição que, expressa e claramente, qualifique tal processo como urgente.<br> Com efeito, o que se estabelece no seu artigo 13 n. 1 é que "pode ser atribuído carácter de urgência à expropriação para obras de interesse público".<br> E os números seguintes especificam as diligências sobre que recai essa urgência, ou seja, a posse imediata dos bens a expropriar (n. 2) e a natureza dos documentos a juntar ao requerimento da declaração de utilidade pública (n. 3).<br> Além disso, é dispensada a tentativa de aquisição dos bens a expropriar por via do direito privado (artigo 2 n. 1 e 2 parte, do mesmo diploma).<br> Ora, da análise destes dispositivos ressalta claramente que a atribuição do carácter de urgência visa apenas possibilitar a entrada dos bens a expropriar na disponibilidade imediata do expropriante a fim de não atrasar a realização das obras de utilidade pública e não, como parece óbvio, obter uma mais rápida decisão sobre a indemnização a pagar ao expropriado.<br> Daí que a atribuição do carácter de urgência ao processo de expropriação não tenha qualquer reflexo na contagem dos prazos de recurso, mas apenas na realização de determinadas diligências que visam atingir aquele objectivo.<br> Entretanto, para evitar que aos bens expropriados por esta forma urgente seja dado um destino diferente do declarado, impõe-se a prestação (n. 3) por parte do expropriante, a fim de salvaguardar os interesses do expropriado.<br> A isto se resume o carácter urgente do processo de expropriação, actualmente em vigor.<br> Aliás, importa referi-lo, o actual Código das Expropriações nem sequer contém qualquer disposição análoga à do artigo 80 n. 2 alínea c) do anterior Código (Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro) que dispunha que "as férias não interrompem qualquer prazo". <br> Aliás, mesmo na vigência desse dispositivo se entendia que ele não era aplicável aos prazos de recurso da sentença final, mas apenas às diligências de prova a realizar na 1. instância (acórdão da Relação do Porto de 4 de Julho de 1983, Bol. 329,621).<br> Não se vê, assim, que a partir destes comandos legais se possa legitimar a afirmação de que corre em férias o prazo judicial para a interposição do recurso, como se faz na decisão recorrida.<br> Não cremos, entretanto, que o problema equacionado se esgote na conclusão precedente.<br> na verdade, ainda que se tratasse de processo urgente, nem assim chegaríamos à solução do acórdão recorrido.<br> Para o evidenciar, importa ler e transcrever o artigo 144 n. 3 e 4, do Código de Processo Civil.<br> Diz o n. 3: "O prazo judicial suspende-se, no entanto, durante as férias, Sábados, Domingos e dias feriados".<br> E o n. 4 acrescenta: "O disposto no número anterior não se aplica aos prazos de propositura das acções, com excepção dos embargos de terceiro, nem aos prazos de interposição dos recurso extraordinários".<br> Da simples leitura destes dispositivos logo ressalta que nenhuma referência é feita a processos urgentes.<br> Por outro lado, logo se constata, na parte que agora interessa, que apenas o prazo de interposição dos recursos extraordinários se não suspende durante as férias judiciais.<br> Não estando, como não estamos, perante um recurso extraordinário, óbvio é que, tendo o Ministério público sido notificado em 31 de Julho, o prazo para recorrer só começou a contar depois de findas as férias judiciais.<br> E daí a sua manifesta tempestividade.<br> Importa, finalmente, esclarecer que o facto de terem sido praticados determinados actos durante as férias judiciais não implica, como pretendem os recorridos, que o prazo do recurso também corresse em férias.<br> Com efeito, quanto à prática de actos em férias rege o artigo 143 n. 1, do Código de Processo Civil, que estabelece a sua admissibilidade nas circunstâncias que enumera. O que quer dizer que, não verificado esse condicionalismo, tais actos poderiam ser impugnados, mas nunca que da sua prática se poderia inferir uma contagem de prazos diferente da estabelecida no citado artigo 144.<br> Afirma-se, porém, na decisão recorrida que "teriam sido praticados actos não impugnados incompatíveis com a vontade de recorrer".<br> Embora não se especifiquem tais actos, nem se indique o respectivo fundamento de direito, compreende-se facilmente que se quer referir ao despacho que ordenou a remessa dos autos à conta e ao depósito efectuado pela expropriante.<br> Atentemos no despacho que ordenou a remessa dos autos à conta.<br> Por razões que se ignoram, já que se trata de acto oficioso (artigo 122 n. 1, do Código das Custas Judiciais), os expropriados, decorridos 21 dias após a notificação da sentença ao Ministério Público, vieram requerer a remessa dos autos à conta, o que imediatamente foi deferido pelo Sr. Juiz de turno, sem qualquer fundamentação.<br> E logo foi dada execução a esse despacho, oficiando-se ao Instituto Nacional de Estatística, omitindo-se, no entanto, a notificação às partes, nomeadamente ao Ministério Público, a qual só veio a ser feita em 15 de Setembro, isto é, depois de findas as férias judicias.<br> Fácil é assim constatar que, no momento em que foi interposto o recurso da sentença em 22 do mesmo mês de Setembro, o despacho a ordenar a remessa dos autos à conta ainda não tinha transitado.<br> Daí que se não possa falar, como se faz no acórdão recorrido, de acto não impugnado.<br> É certo que não chegou a interpôr-se recurso desse acto, mas não é menos certo que, ao interpôr-se recurso da sentença, se inutilizou "ipso facto" a ordem de remessa dos autos à conta, que, naturalmente, se não concretizou.<br> Na verdade, interposto recurso da sentença final, deixou de existir o pressuposto da remessa dos autos à conta, ou seja, não se contrava "findo o processado que constituía objecto de tributação".<br> Além disso, tratando-se de despacho sem qualquer fundamentação, dele nunca poderia inferir-se o trânsito em julgado da sentença, já que não tomou posição expressa sobre essa questão, como, aliás, o não produziria a remessa oficiosa do processo à conta. <br> Isto é, a simples remessa dos autos à conta nunca poderia ter, só por si, a virtualidade de precludir o direito de recorrer, ou por outras palavras, essa remessa não poderia fazer transitar a sentença antes do decurso do prazo legal para o respectivo recurso ordinário.<br> Também não tem fundamento legal esta parte da decisão recorrida.<br> Quanto ao depósito efectuado pela expropriante.<br> Verifica-se que aquela procedeu ao depósito do complemento da indemnização até ao valor por si aceite. Isto é, não depositou o montante constante da decisão recorrida, mas apenas o que faltava para atingir o valor por ela reconhecido como a indemnização devida.<br> Nestas circunstâncias, não se vê que desse depósito se possa retirar a manifestação de vontade de não recorrer, uma vez que se limitou a depositar o que entendia ser devido e não o montante em que foi condenada.<br> Também quanto a este fundamento o acórdão recorrido se não pode manter.<br> Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao agravo, revogando-se o acórdão recorrido e ordenando-se, em consequência, a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto a fim de que este conheça do recurso, se possível, pelos mesmos Juízes.<br> Custas pelos recorridos.<br> Lisboa, 2 de Julho de 1996<br> Herculano Lima,<br> Aragão Seia,<br> Lopes Pinto. <br> <br> <br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> I<br> 1. Em 15.10.92, no Tribunal de Círculo de Penafiel, A, B, C, D e E propuseram acção declarativa com processo ordinário contra F e mulher G, e H e mulher I.<br> No essencial, pediram, a condenação dos réus:<br> - a reconhecer que eles, autores, são donos e legítimos possuidores de todo o prédio identificado nos artigos 1º a 3º da petição inicial, o qual é composto de casa de rés-do-chão e andar - com a área de 155 m2 -, quintal - com a área de 400 m2 - e de um logradouro com a área de 39 m2;<br> - a reconhecer que desse prédio fazem parte integrante as parcelas de terreno referenciadas nos artigos 18º - ocupada pelos 1ºs réus - e 26º - ocupada pelos 2ºs réus - da petição inicial, com as áreas de 21,125 m2 e 24 m2, respectivamente; <br> - a absterem-se de ocupar e invadir essas parcelas; <br> - a indemnizarem os autores pelos prejuízos causados.<br> Para fundamento do pedido, os autores juntaram fotocópias da escritura pública de compra e venda do referido prédio, de certidão da Conservatória do Registo Predial e da inscrição matricial na Repartição de Finanças.<br> <br> 2. Na contestação (cfr. artigos 1. a 5., a fls. 36), os réus impugnaram, nomeadamente, as áreas e confrontações alegadas, bem como o registo invocado nos artigos 2º, 3º e 5º da petição inicial. <br> Elaborado despacho saneador e organizados a especificação e questionário, procedeu-se a julgamento, tendo o Tribunal Colectivo, conforme acórdão de 7.3.97, julgado provados os quesitos 1 e 2, e não provados os restantes - convicção ancorada na prova pericial de fls. 122 e ss. e na inspecção judicial (cfr. fls. 180) ; os mandatários das partes não deduziram qualquer reclamação quanto a deficiências, obscuridades ou contradições contidas nas respostas aos quesitos, conforme Acta de fls. 181.<br> Por sentença de 30.5.97 foi a acção julgada improcedente, por não provada, e os réus absolvidos dos pedidos formulados (fls. 182-192).<br> Inconformados, recorreram os autores para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 27.4.98, julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida.<br> <br> 3. É deste acórdão que os autores trazem a presente revista, produzindo alegações em que concluíram:<br> "a) Os recorrentes, com a sua petição, e a fundamentarem o alegado e o pedido, juntaram os documentos públicos, de fls. 11 a 20 verso - fotocópia da escritura pública de compra do seu prédio, outorgada no cartório notarial de Paredes, em 15 de Novembro de 1987, e certidão passada pela Conservatória do Registo Predial de Penafiel, a comprovar o registo definitivo do mesmo prédio a favor deles recorrentes;<br> b) Da referida escritura consta que o referido prédio é "prédio urbano, composto de casa de rés do chão e andar, com quintal e logradouro, com a área coberta e descoberta, respectivamente, de 155 m2, 400 m2, e 39 m2, sito no lugar da Ponte Nova, da freguesia de Rans";<br> c) Da certidão da Conservatória, de fls. 18 a 20 verso, do processo, consta que o dito prédio se acha registado definitivamente, sob o n°. 00029/100287, da freguesia de Rans, a favor dos recorrentes - tendo o registo a seguinte descrição: "Prédio urbano - casa de rés do chão e andar - l55 m2; quintal 400 m2; e logradouro - 39 m2 - Ponte Nova. Nascente - Estrada; Poente e Norte - Alcino Macedo da Rocha Vieira; e Sul - caminho. R. C. 630 escudos. Artigo 11. Desanexado do n°. 0008/241085"; <br> d) Das contestações dos recorridos não consta que fossem arguidos de falsos os documentos juntos - fls. 11 a 20 verso, nem consta que, com vista a qualquer arguição, fossem alegados quaisquer factos; <br> e) Os recorridos não impugnaram os documentos juntos a fls. 158 a 161; <br> f) Há que aceitar como verdadeiros os documentos a fls. 11 a 20 verso e 158 a 161; <br> g) Em conformidade com o disposto no art. 511°, do C. P. Civil (ao tempo em vigor) o Senhor Juiz da primeira instância levou à especificação, ou seja deu como provado, como assente, a matéria constante das alíneas a), d), e), g), h), i), j), 1), m), n) e o), da especificação, e dos documentos de fls. 11 a 20 verso; <br> h) Constata-se que, com os mesmos factos constantes daquelas referidas alíneas da especificação, o meritíssimo Juiz da primeira instância elaborou os quesitos 1°, 2° e 3° do questionário; <br> i) Há contradição entre a especificação e o questionário - art. 511°, n°. 3, alínea c), do C. P. Civil - e, consequentemente, uma nulidade, a qual se argui.<br> j) Sem que esta fosse sanada, realizou-se audiência de julgamento; <br> l) Ao quesito 3°, que continha matéria já dada por provada, por assente, na especificação, e provada pelos documentos acima referidos, o Tribunal Colectivo respondeu "não provado"; <br> m) A verificação da nulidade referida, e a existência no processo de todos os elementos de prova, quer quanto aos factos constantes da especificação, quer quanto aos factos levados aos quesitos 1°, 2° e 3°, levarão Vossas Excelências Venerandos Conselheiros a revogarem o acórdão do Tribunal da Relação, a darem provimento a este recurso, e a anularem a decisão do Tribunal Colectivo, e, consequentemente, a sentença proferida, devendo repetir-se o julgamento, após eliminados os referidos quesitos 1°, 2° e 3, do questionário. <br> n) Decidindo como decidiu, violou o douto Tribunal da Relação, o art. 712°, e, consequentemente, os arts. 646°, nº 4, 653°, n°. 2, 655° e 659º n°s 2 e 3 - todos do C. P. Civil; os arts. 7°, 76°, n° 1, 79°, n° 1 e 82°, n° 1, alínea d) - do C. R. Predial; e os arts. 1268°, 1277°, 1278°, 1279°, 1304°, 1305°, 1311° e 1344° , todos do C. Civil". <br> Nas contra-alegações, os recorridos pugnam pela manutenção do decidido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> Como não foram trazidos ao processo novos elementos de prova com relevo para a decisão, o acórdão recorrido considerou definitivamente assentes e fixados os factos dados como provados pela 1ª instância, a saber:<br> "Da ESPECIFICAÇÃO<br> A - Os AA são donos e legítimos possuidores em comum e partes iguais de um prédio urbano composto de rés-do-chão e andar, quintal e logradouro, sito no lugar da Ponte Nova, freguesia de Rans, concelho de Penafiel, inscrito na matriz urbana sob o artigo 11 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o artigo 00029/100287;<br> B - O referido prédio confronta do nascente com a estrada, do sul com caminho e do poente com H e F;<br> C - O logradouro daquele prédio possui a área de 39m2;<br> D - O referido prédio encontra-se registado definitivamente na Conservatória do Registo Predial de Penafiel a favor dos AA.;<br> E - Adquiriram-no por compra a Alcino Macedo da Rocha Vieira e consorte Florinda da Silva Araújo, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Paredes em 15 de Novembro de 1985;<br> F - Registaram-no definitivamente a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Penafiel em 10 de Fevereiro de 1987;<br> G - Aqueles referidos vendedores haviam-no adquirido por sucessão hereditária do seu falecido [acrescente-se, "sogro e pai" - cfr. artigo 6º da petição inicial] , respectivamente, David de Oliveira Araújo;<br> H - Este adquiriu-o, por sucessão, de um seu familiar, falecido há mais de trinta anos;<br> I - Tanto os antepossuidores, como os AA, desde há mais de 5, 10, 20 e 30 anos que sempre ocuparam, possuíram e fruíram aquele prédio, como legítimos donos e possuidores, no mesmo levando a cabo obras, habitando-o, por si, por inquilinos a quem o arrendavam e de que recebiam e faziam suas as respectivas rendas, cultivavam, colhiam e faziam seus os respectivos frutos, com o ânimo de ocuparem, possuírem e fruírem coisa sua, com a convicção de que não violavam direitos alheios;<br> J - Sempre pagaram as respectivas contribuições prediais;<br> L - Todos aqueles actos sempre o levaram a cabo publicamente, continuadamente, pacificamente, ininterruptamente, com boa fé e justo título, sem oposição de quem quer que fosse e já desde há mais de 5, 10, 20 e 30 anos, por si e anteriores, pelo que, se outro título não tivessem, que têm, então haviam-no adquirido aquele por usucapião, que para todos os legais efeitos se invoca;<br> M - Logo que os AA compraram aquele seu prédio pela referida escritura outorgada em 15 de Novembro de 1985 e a seu favor registada na respectiva Conservatória do Registo Predial em 10 de Fevereiro de 1987 sob o n° 00029/1002877, do mesmo imediatamente tomaram posse;<br> N - Passando a habitá-lo, como seus legítimos possuidores e proprietários, passando a ocupá-lo e a fruí-lo, a realizar no mesmo obras, a cultivar o respectivo quintal, a plantar videiras, a colher os respectivos frutos e a fazê-los seus, a pagar as respectivas contribuições e a tudo fazerem com ânimo de verdadeiros donos e com a convicção de não violarem direitos alheios;<br> O - Como os seus antepossuidores sempre levaram a cabo todos aqueles actos publicamente, pacificamente, continuadamente, ininterruptamente, de boa fé e justo título e sem oposição de quem quer que fosse, por si e anteriores desde há mais de 7, 15, 20 e 30 anos, pelo que se outro título não tivessem, que têm, então haviam-no adquirido por usucapião, o que também para todos os efeitos legais se invoca;<br> P - Teor do documento de fls. 48 e 52, que aqui se dá por reproduzido;<br> Q - Teor do documento de fls. 53 a 56, que aqui se dá por reproduzido;<br> R - Teor do documento de fls. 57 a 64, que aqui se dá por reproduzido;<br> S - Teor do documento de fls. 68 a 75, que aqui se dá por reproduzido;<br> Do QUESTIONÁRIO<br> 1 - O prédio referido em A) confronta pelo norte com F.<br> 2 - A casa de rés-do-chão e andar tem a área coberta de 155m2".<br> III<br> O presente recurso suscita-nos, previamente, duas ordens de observações.<br> 1. A primeira prende-se com facto de os recorrentes não terem deduzido, oportunamente, qualquer reclamação contra a especificação e questionário, como também as respostas aos quesitos, cuja leitura ocorreu na audiência de julgamento, não foram objecto, por parte dos mandatários das partes, de qualquer reclamação quanto a deficiências, obscuridades ou contradições (cfr. Acta de fls. 181).<br> Ora, segundo a mais recente (em sentido contrário, cite-se o acórdão de 24.10.96, Proc. nº 88038) jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a impugnação no recurso interposto da decisão final, das reclamações contra a selecção da matéria de facto, pressupõe que tenha havido reclamação e que esta tenha sido decidida por despacho (acórdãos de 22.1.97, Proc. nº 689/96, de 6.2.97, Proc. nº 84.873, de 17.6.97, Proc. nº 18/97 e de 17.12.97, Proc. nº 929/96).<br> Significativos os seguintes passos:<br> - "O que as partes podem impugnar, em recurso da decisão final, relativamente à especificação e questionário, é o despacho que decide a reclamação, o que, obviamente, pressupõe esta e, logicamente, o seu conteúdo" (citado acórdão de 22.1.97);<br> - "Quem não reclamou da selecção da matéria de facto, nos termos do artigo 511º do CPC, não tem legitimidade para inserir tal problemática em recurso da decisão final, desde logo porque não provocou despacho sobre o assunto, quer após a reforma intercalar de 1985, quer após a revisão de 1995/96" (citado acórdão de 17.6.97);<br> - Após decisão da respectiva reclamação, a parte que se considere lesada por alguma deficiência da especificação ou do questionário, se ela for essencial, tem a possibilidade de impugná-la no recurso que interpuser da decisão final, caso esta lhe venha a ser desfavorável" (acórdão citado de 17.12.97).<br> <br> 1.1. Assim sendo, deveria concluir-se, em bom rigor, pela ilegitimidade dos recorrentes para suscitarem a questão que é objecto nuclear do seu recurso.<br> Entende-se, porém, não obstante a referida orientação jurisprudencial, conhecer da questão, que se reconduz, no fundamental, à pretendida contradição entre a matéria especificada e o conteúdo dos quesitos 1º, 2º e 3º, que aqui se reproduzem:<br> - "Quesito 1º: o prédio referido em a) confronta pelo norte com F?;<br> - Quesito 2º: a casa de rés do chão e andar tem a área coberta de 155 m2?;<br> - Quesito 3º: ... e o quintal possui a área 400 m2?" (recorde-se que apenas os dois primeiros quesitos foram julgados provados, e não provados todos os demais, quesito 3º incluído).<br> <br> 2. A segunda observação tem a ver com a modificabilidade da decisão da matéria de facto e os poderes da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça nessa sede.<br> 2.1. Segundo o princípio da prova livre estatuído no artigo 655º do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas e responde aos quesitos conforme a convicção que tenha formado acerca de cada facto quesitado.<br> Daí resulta que, em regra, as respostas dadas aos quesitos são imodificáveis pela Relação, que só pode alterar tais respostas nos casos taxativamente indicados no nº 1 do artigo 712º, que dispõe:<br> "1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:<br> b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas".<br> Esta alínea b) prevê um dos casos em que a Relação pode conhecer da matéria de facto e modificar a decisão da 1ª instância: quando os elementos fornecidos pelo processo imponham decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outra provas.<br> Um dos casos que costuma ser apresentado para ilustrar a situação da citada alínea b) é, precisamente, o tribunal a quo ter desprezado ou não ter considerado a força probatória de documento não impugnado nos termos legais (Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, 1952, p. 472; Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1998, p. 415).<br> Acrescente-se, neste contexto - até porque, por um lado, a "principal" norma processual que o recorrente aponta como tendo sido violada é a do artigo 712º (cfr. conclusão n)), e, por outro lado, ao confirmar a decisão da 1ª instância significa que a Relação entendeu ser caso de não fazer uso dos poderes conferidos pelo citado artigo 712º - que o Supremo vem a entender, pacificamente (ver, entre muitos outros, os acórdãos de 26.1.88, no BMJ nº 373-483, de 6.3.90, no BMJ nº 395-542, de 25.6.96, no BMJ nº 411-549, de 18.10.96, no BMJ nº 417-400, de 10.7.97, Processo nº 4/97; cfr., também, Antunes Varela, RLJ, ano 125º-308, e Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", III, p. 337), que esse não uso não é sindicável em recurso de revista.<br> <br> 2.2. Nos termos do artigo 729º, nº 2, do CPC, "A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722".<br> O Supremo, como tribunal de revista, está vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido, não podendo, portanto, e salvo casos excepcionais, alterar essa matéria de facto (cfr., entre os mais recentes, os acórdãos de 17.4.97, Processo nº 773/96, de 22.4.97, Processo nº 205/97, de 10.7.97, Processo nº 4/97, e de 23.10.97, Processo nº 326/97).<br> As excepções são as previstas na 2ª parte do mesmo preceito: ofensa de uma disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova, a qual se verifica quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal (Teixeira de Sousa, loc. cit., pp. 438-439).<br> <br> Ora, muito embora a posição dos recorrentes não prime pela clareza quanto a este ponto, importa reconhecer que o que aqui releva é, no fundo e bem vistas as coisas, apurar se na fixação da matéria de facto houve ofensa de uma disposição legal, tal como previsto no transcrito nº 2 do artigo 722º.<br> Ponto este que se prende intimamente com a questão de saber se o acórdão recorrido apreciou correctamente o valor probatório dos documentos que os autores juntaram e que referem na sua conclusão a).<br> Questão que, como facilmente se perceberá - e melhor resultará da explanação que vai seguir-se -, está profundamente imbricada com a que fizemos ressaltar da primeira observação prévia.<br> IV<br> Consideram os recorrentes que há contradição entre a especificação e o questionário, insurgindo-se - tardiamente, dizemos nós - contra o facto de terem sido formulados os quesitos 1º a 3º, contendo matéria que fora já levada à especificação.<br> O dissentimento que exprimem repousa na circunstância, que invocam, de a aquisição do seu direito de propriedade assentar em documentos não impugnados nem arguidos de falsos, além de que esse direito tem registo a seu favor que também não foi impugnado.<br> Funda-se essa divergência em entendimento, que se não sufraga, sobre dois pontos fundamentais - valor das presunções registrais e força probatória dos documentos autênticos.<br> <br> 1. Na verdade segundo jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça, as presunções registrais emergentes do artigo 7º do Código do Registo Predial não abrangem factores descritivos, como as áreas, limites e confrontações, exorbitando do seu âmbito tudo o que se relacione com os elementos identificadores do prédio (acórdãos de 1.6.78, BMJ, nº 278-205, de 29.10.92, BMJ, nº 420-590, de 27.1.93, CJ, ano I, tomo 1-100, de 29.10.96, Proc. nº 166/96, de 22.1.97, Processos nº 603/96 e nº 689/96, de 17.6.97, Proc. nº 18/97, e de 20.1.98, Proc. nº 890/97).<br> Diz-se, a propósito, que o registo predial não tem função constitutiva, mas tão-só declarativa, não dando nem tirando direitos, já que a sua finalidade é apenas a de assegurar que em relação ao prédio se verificam certos factos jurídicos (acórdãos de 11.5.95, CJ, ano III, tomo II-1995, p. 75, de 12.11.96, Proc. nº 235/96, de 12.12.96, Proc. nº 86129, de 27.5.97, Proc. nº 21/97, e de 18.11.97, Proc. nº 367/97), respeitando, pois, a presunção apenas à existência de um direito que tenha como objecto determinado prédio, mas não valendo quanto à definição dos seus limites concretos (acórdãos de 18.2.97, Proc. nº 328/96 e de 26.3.98, Proc. nº 890/97).<br> <br> 2. Com a questão vinda de apreciar, apresenta íntima conexão estoutra: força probatória material dos documentos autênticos.<br> E também sobre este ponto, os recorrentes lavram em equívoco. <br> 2.1. O documento autêntico só faz prova plena quanto à materialidade (prática, efectivação) das declarações/atestações nele exaradas, mas não quanto à sua sinceridade, à sua veracidade ou à falta de qualquer outro vício ou anomalia (Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 1963, pp. 211-212).<br> Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed., 1985, distinguem no artigo 371º do CC - preceito que define a força probatória desses documentos - três categorias de factos, entre eles os que são atestados com base nas percepções do documentador, cuja força probatória só vai até onde alcançam essas percepções, pelo que esses factos podem ser impugnados por qualquer das partes, sem necessidade de arguir a falsidade do documento (cfr., também, Pires de Lima e Antunes Varela, "CC Anotado", anotação ao artigo 371º; Mário de Brito, "CC Anotado", vol. I, 1967, pp. 501-502; Vaz Serra, RLJ, ano 111º-302).<br> 2.2. Neste mesmo sentido se tem firmado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como pode ver-se pelos acórdãos de 5.2.87, BMJ. nº 364-796, de 9.4.91, AJ, 18º-13, de 17.1.95, BMJ, 443-270, e, mais recentemente, de 26.2.98 e 23.4.98, Processos nº 905/97 e nº 220/98, respectivamente.<br> Pela sua pertinência com o caso em apreço, justifica-se a transcrição do seguinte passo do sumário do citado acórdão de 17.1.95:<br> "Apesar de as escrituras serem documentos autênticos, por se revestirem das características estabelecidas no artigo 369º do CC, o seu valor probatório pleno é, nos termos do nº 1 do artigo 371º do mesmo Código, limitado aos factos que nelas se referem como praticados pelo notário que as lavrou e aos factos que nelas são referidos com base nas suas percepções" (como é óbvio, o que se diz para as escrituras vale, do mesmo modo, para as certidões do registo predial e inscrições matriciais).<br> <br> 3. Do exposto decorre, com clareza, que bem andou a 1ª instância ao levar à especificação o que podemos chamar de "âmbito registral" e, do mesmo passo, formular, nos termos em que o fez, os quesitos 1º a 3º, contendo matéria de algum modo especificada, mas não coberta pela força probatória plena dos aludidos documentos.<br> Entendimento acolhido pelo acórdão recorrido, e na linha do qual se concluiu que os recorrentes não lograram provar - como lhes competia - a área total que dizem ter o prédio, nem que tenha havido, por parte dos recorridos, qualquer facto ofensivo, como alegaram, do seu direito de propriedade.<br> Em suma: inexistindo fundamento legal para alterar o quadro factual fixado pela Relação - nomeadamente, para eliminar os quesitos em causa (como se pretende na conclusão m)) -, impõe-se reconhecer que ele não permite concluir que os recorridos ocuparam qualquer parcela de terreno do prédio dos recorrentes, ou que se tenha verificado qualquer facto ofensivo do seu direito de propriedade (neste contexto não será despiciendo recordar o seguinte trecho extraído do citado acórdão de 18.2.97, Proc. nº 328/96: a aquisição do direito de propriedade deve ser demonstrada com um grau de exigência particularmente elevado, que envolve a correlativa exclusão da possibilidade de haver, por parte de terceiros, um direito com objecto e conteúdo idênticos).<br> <br> Improcedem, assim, as conclusões dos recorrentes, e também se não verifica violação de qualquer das normas jurídicas por eles invocadas.<br> <br> Termos em que se nega a revista, e se confirma o acórdão recorrido.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 9 de Fevereiro de 1999.<br> Ferreira Ramos,<br> Lemos Triunfante,<br> Garcia Marques (dispensei o visto).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Em execução para pagamento de quantia certa movida no 9º Juízo Cível do Tribunal Judicial por A contra B e mulher C veio D deduzir embargos de terceiro contra a penhora de um imóvel que diz ter sido construído pelo pai da embargante e pertencer agora a esta e aos demais herdeiros daquele.<br> O exequente contestou os embargos, seguindo-se a demais tramitação conducente à audiência de discussão e julgamento e à subsequente prolacção de sentença que julgou os embargos improcedentes e que a Relação de Lisboa, em apelação da embargante, confirmou.<br> Do respectivo acórdão vem interposto este recurso de revista no qual a recorrente pede a sua revogação e uma decisão que faça proceder os embargos.<br> Ao alegar formula conclusões onde defende que:<br> - Uma vez que a propriedade do imóvel entrou na esfera jurídica de E em 1924 e passou depois por sucessão para os seus herdeiros, entre os quais está a recorrente, e havendo dúvidas sobre se o imóvel pertence ao executado, não pode a sua penhora ser permitida;<br> - O acórdão recorrido enferma de nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão;<br> - Cabe ao embargado o ónus de provar que o imóvel não pertence à embargante.<br> Não houve resposta.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vem dado como provado que:<br> 1. Na execução acima mencionada foi penhorado um imóvel sito no lugar de Enxudro, freguesia de Benfeita, concelho de Arganil, descrito na Conservatória de Registo Predial de Arganil sob o nº 01209 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 529;<br> 2. Este imóvel foi construído por E em 1924;<br> 3. O E morreu em 8/9/63, sendo casado, em primeiras núpcias de ambos e em regime de comunhão geral de bens, com F;<br> 4. Eram seus únicos herdeiros os filhos G, H, I, J, L, M, D, N e, ainda, a referida F.<br> Os embargos foram propostos em 29/1/97, já na vigência da reforma processual de 1995/96.<br> De acordo com o art. 351º, nº 1 do CPC, os embargos de terceiro visam a defesa da posse ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito de uma diligência, judicialmente ordenada, de apreensão ou entrega de bens, desde que não seja parte na causa onde tem lugar a diligência o embargante, titular dessa posse ou outro direito.<br> No caso a embargante, aqui recorrente, disse-se compossuidora e também contitular do direito de propriedade sobre o imóvel.<br> Não caracteriza actos reveladores de posse, mas tal não invalida a sua pretensão visto que o seu alegado domínio é, evidentemente, incompatível com uma diligência de penhora que visa a venda do bem sobre que incide.<br> A este propósito alegou que seu pai E construíra o imóvel e que por sua morte o respectivo direito de propriedade se transmitiu para os respectivos herdeiros, um dos quais era ela própria.<br> Não o disse explicitamente, mas é evidente que estas afirmações pressupõem, de forma implícita, uma outra, qual seja a de que à data da morte o E ainda era o proprietário do prédio que adquirira ao construí-lo.<br> E com esta última afirmação implícita está, necessariamente, de acordo o embargado, aqui recorrido, uma vez que na contestação alega - cfr. art. 7º - que H, irmã da embargante e, como esta, co-herdeira daquele E, havia adquirido por partilha o imóvel, que depois decidira vender a seu filho, o executado.<br> Aquisição que, evidentemente, só teria possível se o imóvel ainda pertencesse ao mesmo E quando este faleceu.<br> Pode, portanto, dar-se isto mesmo como assente por acordo das partes, no que se diverge do entendimento seguido no acórdão recorrido.<br> Cabe, então, dizer o seguinte.<br> O direito de propriedade sobre o imóvel aqui em causa fazia parte da herança deixada pelo E.<br> A embargante, ora recorrente, era co-herdeira do mesmo bem.<br> Nessa medida poderia defender triunfantemente o seu direito por embargos de terceiro, não tendo havido quaisquer dúvidas nestes autos sobre a sua legitimidade para o fazer; aliás, nem seria de levantar a esse respeito qualquer dúvida, já que, podendo o comproprietário reivindicar sozinho o bem de que só detém uma quota indivisa, designadamente no caso a que se refere o art. 910 do CPC, impõe-se interpretar extensivamente o art. 1405 do CC por forma a abranger a dedução de embargos de terceiro - meio processual que poderá evitar, por antecipação, aquela reivindicação e apresenta forte similitude com ela. <br> E este regime vale para o co-herdeiro, "ex vi" do art. 1404 do CC.<br> Há, no entanto, alegação nos autos de um facto que pode obstar a este sucesso por parte da embargante, ora recorrente, na medida em que dele tenha resultado a perda, por esta, daquela invocada qualidade de co-herdeira do imóvel penhorado.<br> É o que se passa com a alegação feita no art. 7º da contestação quanto a ter a H adquirido por partilha esse imóvel.<br> Tem este facto notório interesse para a decisão, mas não foi averiguado.<br> A provar-se, os embargos improcederão; a não se provar, os embargos deverão proceder, nos termos do direito material acima descrito.<br> Impõe-se o uso, a seu respeito, da faculdade a que se refere o art. 729º, nº 3 do CPC.<br> Pelo exposto, revoga-se o acórdão recorrido e manda-se que os autos voltem à Relação de Lisboa para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Excelentíssimos Desembargadores, se providencie pela ampliação da matéria de facto nos termos indicados e depois se julgue de novo a causa em harmonia com o regime jurídico definido. <br> Custas consoante a responsabilidade que se apurar a final.<br> Lisboa, 29 de Outubro de 2002<br> Ribeiro Coelho,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro (dispensei o visto).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, S.A., com a anterior denominação de A &amp; Companhia Ldª instaurou acção condenatória, com processo ordinário, contra B, S.A., ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 13525066 escudos, acrescida do montante de 2361313 escudos, a título de juros vencidos, bem como juros vincendos, à taxa legal, desde a data da instauração da acção até efectivo e integral pagamento.<br> Após contestação da Ré e resposta da Autora - na qual reduziu o pedido para 10325066 escudos -, foram elaborados o saneador e a peça de condensação da matéria de facto. <br> Realizada a audiência, foi proferida sentença que julgou nos seguintes termos:<br> a) Absolveu a Ré do pedido no tocante ao pagamento à A. da quantia de 3200000 escudos (três milhões e duzentos mil escudos), em virtude da operada redução do pedido nessa parte;<br> b) Julgou a acção parcialmente procedente, por provada, em função do que condenou a Ré a pagar à A. a quantia de 10325066 escudos (dez milhões trezentos e vinte e cinco mil e sessenta e seis escudos), a título de pagamento das mercadorias fornecidas pela Autora à Ré e tituladas pelas facturas nºs 011632, 011636 e 011631, todas de 31/03/93, e pelas facturas nºs 011761, de 14/04/93 e 011856, de 28/04/93, acrescida dos juros de mora vencidos sobre a importância referida, desde 30/11/93, 30/12/93, 30/01/94, 27/02/94 e 30/03/94 e contabilizados sobre, respectivamente, esc. 2000000 escudos (dois milhões de escudos), esc. 2000000 escudos (dois milhões de escudos), esc. 2000000 escudos (dois milhões de escudos), esc. 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) e esc. 2325067 escudos (dois milhões trezentos e vinte e cinco mil e sessenta e sete escudos), até 30/09/95, à taxa de 15% (quinze por cento), e desde essa data até efectivo e integral pagamento, à taxa anual de 10% (dez por cento);<br> c) Como litigante de má fé, condenou a Ré no pagamento da multa de esc. 50000 escudos (cinquenta mil escudos).<br> Inconformada, interpôs a Ré recurso de apelação, que a Relação do Porto viria a julgar improcedente, confirmando a sentença recorrida.<br> Ainda inconformada, traz a Ré o presente recurso, agora de revista, em que formula as seguintes conclusões:<br> A) Uma vez que a dívida estava titulada por letras, que substituíram a obrigação primitiva (vide facto provado nº 10), só poderiam ser exigidos juros de mora a partir das respectivas datas de vencimento, caso as letras tivessem sido regularmente apresentadas a pagamento, o que não sucedeu (art. 38º da LULL e arts. 804º, 805º e 806º do Código Civil);<br> B) De toda a forma, mesmo que se entenda que a obrigação original se manteve, os juros de mora devidos só podem ser calculados a partir da citação da ré para a presente acção (art. 805º do Código Civil);<br> C) Ao decidir de outra forma, o douto Acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 804, 805 e 806 do Código Civil, pelo que deve ser revogado;<br> D) A matéria alegada pela ré na contestação de fls. veio a ser dada por provada (vide factos assentes);<br> E) A ré, ora recorrente, não litigou, pois, de má-fé, motivo pelo qual o douto Acórdão recorrido, ao condená-la como litigante de má-fé, violou o disposto no art. 456º, nº 2, do C.P.C., devendo ser revogado.<br> A recorrida defende a posição do acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>1 - Foram dados como provados os seguintes factos:<br> 1º - A A. dedica-se ao fabrico e comercialização de fogões e outros mecanismos e produtos de cozinha (al.A);<br> 2º - A Ré dedica-se à venda de material de som e imagem e electrodomésticos (al. B);<br> 3º - No exercício da sua actividade a A. forneceu à Ré vários produtos do seu fabrico, constantes das facturas juntas aos autos, de fls. 4 a 8), no valor global de 13525066 escudos (al. C);<br> 4º - Por conta da factura nº 011.632, de 31 de Março de 1993, no valor de 6409000 escudos, a Ré pagou à A. a quantia de 3200000 escudos, através da entrega à autora do cheque nº 8863703661, sacado pela Ré sobre o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, em 10/05/93, tendo a A. dado quitação à Ré do referido montante (al. D);<br> 5º - A Ré aceitou cinco letras do saque da A., como seja, a letra de esc. 2000000 escudos, com vencimento em 30/11/93 (saque nº 1364, aceite nº 94/93), a letra de esc. 2000000 escudos, com vencimento em 30/12/93 (saque nº 1365, aceite nº 95/93), a letra de esc. 2000000 escudos, com vencimento em 30/01/94 (aceite nº 96/93), a letra de esc. 2000000 escudos, com vencimento em 28/02/94 (aceite nº 97/93), e a letra de esc. 2325067 escudos, com vencimento em 30/03/94 (aceite nº 98/93) (al. E);<br> 6º - As letras foram enviadas para a A. que as recebeu (al. F);<br> 7º - Os fornecimentos referidos na alínea C) da especificação foram efectuados à Ré nas datas constantes das facturas correspondentes (r. q. 1º);<br> 8º - Tais facturas deviam ter sido pagas 30 dias após a sua emissão (r. q. 2º);<br> 9º - A A. efectuou tentativas junto da Ré para obter o pagamento dessas facturas, pagamento esse que, apesar disso, esta ainda não fez (r. q. 3º);<br> 10º - No seguimento das tentativas referidas em 9º, A. e Ré acordaram que a parte restante do preço das mercadorias fornecidas, no valor de 10325067 escudos, seria pago através das letras referidas na alínea E) da especificação.<div>III</div>1. - São duas as questões suscitadas no presente recurso: a primeira diz respeito aos juros devidos e a segunda refere-se à litigância de má-fé.<br> Alinhemos, nos seus traços fundamentais, a posição da recorrente quanto à primeira das questões enunciadas.<br> Partindo do entendimento - que prefere - segundo o qual a primitiva obrigação foi substituída pela nova, cambiária, sustenta que os juros só devem ser contados, em face da falta de apresentação das letras a pagamento, desde a data da citação. De qualquer modo, considera que o mesmo acontecerá, ainda que se entenda que a obrigação primitiva não se extinguiu.<br> Em síntese, não se lhe afigura correcto pretender que, por um lado, a obrigação originária não foi substituída pelos títulos e, por outro, atribuir certos efeitos aos mesmos títulos.<br> 1.1. Não tem a recorrente a razão do seu lado.<br> Com efeito, a subscrição de letras não teve por efeito extinguir as obrigações directamente emergentes da relação subjacente ou causal, relativa ao fornecimento das mercadorias, pela A., à Ré. Traduziu, tão somente, um acordo no sentido de adiar o vencimento da dívida para as datas apostas em cada uma das referidas letras.<br> Do ponto de vista jurídico, a questão remete-nos para a distinção de regimes correspondentes às figuras da novação, por um lado, e da dação pro solvendo, por outro - cfr., respectivamente, os artigos 857º e seguintes e 840º, ambos do Código Civil, bem como os demais que se citarem, sem indicação da origem.<br> Merece particular saliência o disposto no artigo 859º, de acordo com o qual: "A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada". Regra que se aplica sempre, quer se trate de novação objectiva (artigo 857º), quer de novação subjectiva por substituição do credor ou do devedor (artigo 858º).<br> O que quer dizer que, não havendo, em qualquer dos casos, declaração expressa de que se pretende novar (animus novandi), a obrigação primitiva não se extingue - cfr. Pires de Lima/ Antunes Varela, "Código Civil Anotado", volume II, 3ª edição, pág. 151. Neste sentido, e a título de exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 1977, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 110º, pág. 373.<br> Em consequência do disposto no mencionado artigo 859º, escrevem os referidos Autores não poder ter-se necessariamente como novação a subscrição de um título de crédito, duma letra, por exemplo, posteriormente à constituição da obrigação fundamental. E acrescentam, no local supra citado: "Se for expressamente manifestada a vontade de novar, isto é, de substituir a obrigação antiga por uma nova, verifica-se uma dação em cumprimento ao lado da novação da dívida. Se não houver declaração expressa - como não houve no caso sub judice, em face da matéria de facto oportunamente descrita -, presume-se uma datio pro solvendo, nos termos do nº 2 do artigo 840º: a dívida antiga só se extingue pela satisfação da dívida de novo contraída".<br> A datio pro solvendo tem como característica a circunstância de não se pretender extinguir imediatamente a obrigação. A obrigação subsiste e só se vem a extinguir com a satisfação do direito do credor e na medida em que for satisfeito.<br> Referindo-se à presunção, estabelecida no nº 2 do artigo 840º, relativa ao caso de a dação ter por objecto a assunção de uma dívida, escrevem os referidos Autores: "para que se verifique a novação, que corresponde, como a dação em cumprimento, à extinção da obrigação primitiva, é necessário que ela seja expressamente manifestada (artigo 859º). Se o não for, presume-se que houve uma dação pro solvendo. É o caso de se subscrever uma letra ou emitir um cheque, não em pagamento da dívida, mas para que, pela cobrança do título, o credor se pague do seu crédito" - cfr. Autores e local citados, págs. 127-128. <br> Como se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 7 de Dezembro de 1972, in B.M.J., nº 222, pág. 429: "Para que a emissão de uma letra opere a novação da obrigação fundamental é indispensável que as partes manifestem expressamente a vontade de contraírem nova obrigação, conforme o artigo 859º do Código Civil".<br> Ora, no presente caso concreto, não está provado nos autos - bem pelo contrário - tal manifestação expressa de vontade pelas partes.<br> Assim, o acordo entre a A. e a Ré no sentido de que a parte restante do preço, no valor de esc. 10325066 escudos, seria pago através das letras sacadas pela primeira e aceites pela segunda, consubstanciou uma "datio pro solvendo", com a correspondente modificação das obrigações primitivas, que, todavia, subsistiram.<br> A dação em função do cumprimento envolve tão somente a criação de um novo título, ao lado da obrigação fundamental, destinado a facilitar a satisfação do crédito.<br> Termos em que, como salientado nas decisões das instâncias, ao credor estão abertas duas vias de satisfação do seu crédito: o recurso à acção cambiária ou o recurso à acção declarativa de condenação, tendo por base a relação subjacente ou fundamental, solução por que optou.<br> A Ré constituiu-se em mora, e, tratando-se de obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigos 804º, 805º e 806º, nº 1).<br> Ora, no caso sub judice, não obstante a data acordada para o vencimento de cada uma das facturas, são devidos juros moratórios, não a partir dessa data, mas sim, em virtude das consequências resultantes da datio pro solvendo, a partir da data de vencimento de cada uma das letras sacadas pela A. e aceites pela Ré, sendo o seu cálculo feito em função das respectivas importâncias.<br> Não merece, pois, qualquer crítica a decisão do acórdão recorrido.<br> 1.2. O mesmo se diga quanto á segunda questão levantada na presente revista.<br> Na sua contestação, a recorrente afirmou expressamente que "com o aceite das letras representativas do saldo em dívida das transacções havidas, as antigas obrigações foram substituídas pelas novas cambiárias", pelo que "a ré nada devia quanto às facturas em que a autora funda o seu pedido" (artigos 30 e 31 da contestação). Termina por pedir se julgue "a acção improcedente com a consequente absolvição da ré quanto ao pedido, condenando-se a autora em contas (sic) e indemnização de quantia certa a favor da ré como litigante de má-fé".<br> Tendo-se presentes os artigos 264º, nº 2, e 456º, nºs 1 e 2, do CPC, na redacção em vigor à data da prolação da sentença da 1ª instância - hoje, por maioria de razão, por força da alteração introduzida ao nº 2 do artigo 456º, pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro -, a recorrente apresentou perante o Tribunal uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, pelo que foi bem condenada em multa como litigante de má fé.<br> Com efeito, e tal como se escreveu na sentença da 1ª instância, em termos depois sublinhados no acórdão recorrido, "decerto que não existe explicação nenhuma, tenha ela assento legal ou não, para o facto de se aceitar uma dívida como existente e já vencida e, não se invocando qualquer facto susceptível de ter operado a sua extinção, negar sistematicamente o seu pagamento a quem reconhece ter direito de o exigir".<br> Foi esse, em síntese, o conteúdo e alcance da contestação da recorrente que, não satisfeita, ainda veio alegar a litigância de má fé por parte da A., requerendo ao tribunal a condenação desta, como tal, em multa e indemnização àquela.<br> Também nesta parte não merece reparo a decisão impugnada.<br> Termos em que se nega procedência à revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 26 de Março de 1998.<br> Garcia Marques,<br> Aragão Seia,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>"A" intentou, em 06-02-2001, no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B, e C e mulher D, todos com os sinais dos autos, pedindo que, na sua procedência, seja declarado nulo, porque simulado, o contrato de compra e venda celebrado entre a R. B e os RR. e constante de escritura celebrada aos 28.09.00 e identificada na petição inicial; e, em consequência, que o bem identificado na referida escritura reverta para o património da R. B, ordenando-se o cancelamento de qualquer registo efectuado com base na referida escritura. Ou, não sendo assim, devem os RR. C e mulher ser "condenados na restituição do bem identificado na referida escritura de compra e venda, podendo o A. executá-lo no património destes".</font><br> <font>Para tanto, o A. alegou, em síntese, o seguinte: é comerciante em nome individual, tendo vendido malhas à R. B e sendo credor desta em milhares de contos; movida a competente execução (com base em letras), e efectuada a penhora de bens, verificou-se que os bens, então penhoráveis, não eram minimamente suficientes para pagamento do crédito do A.; que tal ocorre em virtude de os sócios gerentes da R. B terem efectuado operações várias que fizeram desaparecer o património desta; especificamente, aos vinte e oito de Setembro de 2000, no Primeiro Cartório Notarial de V. N. de Famalicão, foi celebrada escritura de compra e venda, através da qual a R. B declarou vender aos RR. C e mulher uma parcela de terreno para construção urbana, sita no lugar de Penedo, Lamaçal ou Bairro, freguesia de Riba de Ave, deste concelho, descrita na Conservatória do Registo Predial, sob o número duzentos e noventa e sete e nela registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição G-três e inscrita na matriz no artigo 994; o preço declarado foi de seis milhões de escudos, que a R. B declarou ter recebido e os RR. C e mulher declararam ter pago. Mais alega que nem a R. B quis vender, nem os RR. C e mulher quiseram comprar; que os RR. com a referida compra e venda visaram tão só "fazer desaparecer" do património da B um bem de valor elevado e que a escritura foi celebrada quando a R. B pura e simplesmente decidiu não pagar diversas letras que aceitou.</font><br> <font>Regularmente citados sob cominação legal, os RR. não contestaram.</font><br> <font>Mais tarde, em 27-06-2001, o A. veio requerer a redução do pedido para: "Condenados os RR. C e mulher D na restituição do bem identificado na referida escritura de compra e venda, podendo o A. executá-lo no património destes" - cfr. fls. 73.</font><br> <font>Tal requerimento mereceu o seguinte despacho: "O requerido pelo A. será apreciado em sede de decisão final" - cfr. fls. 74</font><br> <font>Em face da posição assumida pelas partes, e tendo presente o princípio do cominatório pleno, aplicável ao caso concreto, todos os factos alegados pela A. se consideraram provados.</font><br> <font>Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 484º, nº 2 do C.P.C..</font><br> <br> <font>Por sentença de 08-10-2001, foi declarado nulo, por simulado, o contrato de compra e venda celebrado, ordenando-se a restituição do imóvel ao património da R. B e o cancelamento do registo efectuado.</font><br> <font>Inconformado, apelou o A., invocando a omissão de pronúncia relativamente ao pedido formulado fls. 73, ou seja, o da impugnação pauliana.</font><br> <font>Por despacho de fls. 110-11, o Exmº Juiz entendeu não haver qualquer reparo a fazer na decisão, ao abrigo do artigo 668º, nº 4, do CPC.</font><br> <font>Entretanto, por acórdão de 19 de Março de 2002, o Tribunal da Relação do Porto, após considerar verificada a arguida nulidade por omissão de pronúncia, julgou procedente a acção de impugnação pauliana, condenando os RR. na restituição do identificado imóvel, podendo o A. executá-lo no património dos mesmos - cfr. fls. 126 a 134.</font><br> <font>Agora, por sua vez inconformada, a R. B traz a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:</font><br> <font>1. A nulidade do negócio referido nos autos é de conhecimento oficioso e deve ser declarada.</font><br> <font>2. Declarada a nulidade do negócio, não há que considerar o pedido subsidiário, por ser questão prejudicada.</font><br> <font>3. O douto acórdão recorrido não podia ter considerado, como considerou, que apenas há que atender ao pedido subsidiário, por ser o único em que o recorrido passou a ter interesse.</font><br> <font>4. O interesse do recorrido não limita nem afasta os poderes de conhecimento oficioso do tribunal.</font><br> <font>5. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 240º, 286º e 289º do C.C.</font><br> <font>6. O douto acórdão recorrido deve ser revogado e, em sua substituição, produzido aresto que declare a nulidade do contrato referido nos autos e, consequentemente, prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário, apesar da redução do pedido formulado pelo recorrido.</font><br> <br> <font>Contra-alegando, o A/recorrido pugna pela manutenção do julgado.</font><br> <font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>II</font></div><font>Questão a resolver:</font><br> <font>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br> <font>Atento o exposto, a única questão que cumpre resolver é a que consiste em saber se, provando-se a factualidade consubstanciadora não só da nulidade do negócio por simulação, mas também da impugnação pauliana do mesmo, e tendo havido inicialmente pedido principal de nulidade e subsidiário de impugnação, tendo sido, depois, aceite a redução para o pedido de impugnação, deve, ou não, o Tribunal, ao abrigo dos artigos 240º, 286º e 289º do Código Civil, invocando o dever de conhecimento oficioso, declarar a nulidade do negócio jurídico.</font><br> <br> <font>Vejamos.</font><br> <font>Factos provados</font><br> <font>1 - O A. é comerciante em nome individual que se dedica à compra e venda de produtos têxteis, em específico malha.</font><br> <font>2 -No exercício dessa actividade vendeu à R. B e ao longo de vários anos, malha.</font><br> <font>3 - O preço dessas malhas era pago usualmente por letras aceites pela R. B.</font><br> <font>4 - Ao longo dos anos essas letras foram sucessivamente reformadas no seu todo ou seja eram substituídas por outras de valor igual à que se havia vencido acrescido das despesas bancárias e juros.</font><br> <font>5 - Em consequência do que foram instauradas várias execuções, todas a correrem seus termos pelo Tribunal Cível de Famalicão.</font><br> <font>6 - As execuções no seu todo têm o valor de 11.756.112$00.</font><br> <font>7 - Acresce que para além deste crédito o A. possui ainda consigo letras no valor de 16.890.474$00.</font><br> <font>8 - Existindo ainda facturas várias, por liquidar, no valor de 1.996.557$00, não tituladas por letras.</font><br> <font>9 - Instauradas as execuções supra identificadas e efectuada a penhora de bens, verificou-se que os bens, então penhoráveis, não são minimamente suficientes para pagamento do crédito do A.</font><br> <font>10 - Tal ocorre por os sócios gerentes da R. terem efectuado operações várias, que fizeram desaparecer o património desta.</font><br> <font>11 - Bem como por haverem retirado da empresa B dinheiro para compra de bens que fizeram registar em seu próprio nome.</font><br> <font>12 - Aos vinte oito de Setembro de 2000, no Primeiro Cartório Notarial de V. N. de Famalicão, foi celebrada escritura de compra e venda.</font><br> <font>13 - Por essa escritura a R. B declarou vender aos RR. C e mulher uma parcela de terreno para construção urbana, com área de 2.140 m2, sita no lugar de Penedo, Lamaçal ou Bairro, freguesia de Riba de Ave, deste concelho, descrita na Conservatória do Registo Predial, sob o número duzentos e noventa e sete e nela registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição G-três e inscrita na matriz no artigo 994.</font><br> <font>14 - O preço declarado foi de seis milhões de escudos, que a R. B declarou ter recebido e os RR. C e mulher declararam ter pago.</font><br> <font>15 - Nem a R. B quis vender, nem os RR. C e mulher quiseram comprar.</font><br> <font>16 - Estes não pagaram àquela qualquer preço, nem esta, em consequência, o recebeu.</font><br> <font>17 - O bem que foi declarado ser vendido tem ao preço de mercado um valor de pelo menos 10.000$00 m2.</font><br> <font>18 - A escritura foi celebrada quando a R. B pura e simplesmente decidiu não pagar as letras supra referidas.</font><br> <font>19 - Muitas delas, em específico as dadas em execução, tinham o seu vencimento em 30.09.00</font><br> <font>20 - Para evitar a penhora, os RR. decidiram celebrar a escritura de compra e venda supra referida.</font><br> <font>21 - No referido terreno existe uma placa de "Vende-se".</font><br> <font>22 - É pedido o preço de 10.000$00 m2.</font><br> <font>23 - A sociedade B não tem património superior a 3.000.000$00.</font><br> <font>24 - Do seu activo constam máquinas de costura velhas, cujo valor não é superior a 2.000.000$00.</font><br> <font>25 - O tecido (malha) que possui não é superior a 1.000.000$00.</font><br> <font>26 - Quer a vendedora quer os compradores de tal o sabiam.</font><br> <font>27 - Bem como estes sabiam que a R. B era devedora ao A. de muitos milhares de contos.</font><br> <font>28 - Os RR., com a conduta que adoptaram, visaram tornar impossível ao credor o pagamento do crédito deste.</font><div><font>III</font></div><font>1 - Recorde-se que o Autor interpôs contra a ora Recorrente e contra C e mulher D, a presente acção, tendo, na petição inicial, formulado o seguinte pedido:</font><br> <font>a) Declarado nulo, por simulado, o contrato entre a ré e os restantes réus, constante da escritura celebrada aos 28 de Setembro de 2000;</font><br> <font>b) Em consequência, que o bem identificado na referida escritura reverta para o património da R. B;</font><br> <font>c) Seja ordenado o cancelamento de qualquer registo efectuado com base na referida escritura.</font><br> <font>Se assim não for entendido, sempre declarado:</font><br> <font>d) Condenados os RR. C e mulher D na restituição do bem identificado na referida escritura de compra e venda, podendo o A. executá-lo no património destes.</font><br> <br> <font>Correspondentemente, dos pontos 1 a 35 da petição inicial consta a factualidade que, uma vez provada, conduziria à conclusão de que o negócio jurídico fora simulado; após o que, nos pontos 36 a 50, sob a epígrafe "Se assim não for entendido", está vertida a factualidade que, uma vez provada, consubstancia os pressupostos da impugnação pauliana.</font><br> <font>Entretanto, a fls. 73, com data de 27-06-2001, consta um requerimento do A., através do qual o mesmo reduz o seu pedido para: "Condenados os RR. C e mulher D na restituição do bem identificado na referida escritura de compra e venda, podendo o A. executá-lo no património destes".</font><br> <br> <font>2 - O pedido formulado a fls. 73 enquadra-se no âmbito dos efeitos pretendidos através da impugnação pauliana e que constam do artigo 616º do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se indiquem sem menção da origem.</font><br> <font>É certo que, inicialmente, a acção dos autos não era uma típica acção de impugnação pauliana. Nela, o A. formulava um pedido principal de nulidade do negócio jurídico e, subsidiariamente, o pedido que corresponde aos efeitos da impugnação pauliana. Posteriormente, porém, reduziu o pedido, limitando-o aos efeitos da impugnação. Deixou de haver pedido principal e pedido subsidiário, tendo passado a haver, sem alteração da causa de pedir, um único pedido, o que foi aceite pelo Mmº Juiz nos termos do artigo 273º do CPC. O Autor desinteressou-se da declaração de nulidade do negócio jurídico, apenas passando a pretender aqueles efeitos próprios da impugnação pauliana.</font><br> <font>A respeito da acção de impugnação pauliana, é uniforme, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento segundo o qual não se trata de uma acção de nulidade ou anulação, mantendo o negócio impugnado a sua validade, limitando, porém, a sua eficácia em razão dos interesses patrimoniais do credor, autor da acção, que fica, assim, com o direito de executar o bem restituído no património do obrigado à restituição.</font><br> <font>Na sequência da prolação do Acórdão Uniformizados da Jurisprudência nº 3/2001 (1), fixou-se a seguinte doutrina: "Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (nº 1 do artigo 616º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido no artigo 664º do Código de Processo Civil".</font><br> <font>In casu, o autor olvidou a qualificação jurídica do efeito da acção de impugnação pauliana - declaração da ineficácia do negócio jurídico -, mas não os efeitos da procedência da acção que expressamente pretende ver declarados. Assim, nada obsta a que o juiz, nos termos do artigo 664º do CPC, uma vez confessados os factos que constituem os pressupostos da impugnação, declare o efeito jurídico correcto.</font><br> <font>Todavia, na medida em que os factos provados integram uma simulação (artigo 240º, nº 1), e uma vez que o negócio simulado é nulo (artigo 240º, nº 2), sendo a simulação invocável a todo o tempo por qualquer interessado e podendo ser declarada oficiosamente pelo tribunal (artigo 286º), poderá o Tribunal, sobrepondo-se ao pedido formulado (reduzido), declarar ex officio a nulidade do negócio?</font><br> <br> <font>3 - Tem interesse apreciar, com a brevidade que se impõe, o campo de aplicação da impugnação pauliana, procurando surpreender o seu fundamento (2) .</font><br> <font>Como meios conservatórios da garantia patrimonial, o nosso Código Civil oferece quatro: declaração de nulidade - artigo 605; sub-rogação - artigos 606 a 609; impugnação pauliana - artigos 610º a 618º; e arresto - artigos 619º a 622º.</font><br> <font>O problema central da impugnação pauliana é o seguinte: um devedor fez sair do seu património bens, em nítida violação do princípio de garantia patrimonial, através da alienação fraudulenta acordada entre si e terceiros.</font><br> <font>No âmbito do anterior Código Civil, e em face da redacção do seu artigo 1044º, faziam curso três teorias quanto à natureza da acção de impugnação pauliana: acção de nulidade ou de anulação; acção constitutiva, restitutória ou recuperatória; ou acção ressarcitória (3) (4) .</font><br> <font>Hoje, perante o disposto no artigo 616º, o entendimento comum na doutrina e na jurisprudência vai no sentido de que se trata de uma acção pessoal, na qual se faz valer um direito de crédito do autor, sendo, no tocante ao prejuízo do credor, uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, na medida em que os bens de terceiro podem ser atingidos na exacta medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante (5) .</font><br> <font>A respeito da natureza da acção de impugnação pauliana, escreve-se no já citado Acórdão de 14-05-97, o seguinte:</font><br> <font>"Não é acção real, tipo reivindicação.</font><br> <font>"É acção pessoal, onde se faz valer apenas um direito de crédito do A.".</font><br> <font>Anotando o artigo 616º, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela:</font><br> <font>"O carácter pessoal da impugnação pauliana aparece afirmado especialmente nos nºs 1 e 4 deste artigo: o primeiro, ao atribuir ao credor o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse; o segundo, não atribuindo aos outros credores quaisquer direitos sobre esses bens (...).</font><br> <font>"Por outro lado, sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse" (6) .</font><br> <br> <font>4 - É sabido que a nulidade é a consequência ou sanção que o ordenamento jurídico liga às operações contratuais contrárias aos valores ou aos objectivos de interesse público por ele prosseguidos ou àqueles a que o direito, por razões de interesse público, não considera justo e oportuno prestar reconhecimento e conceder tutela.</font><br> <font>Daí a eficácia automática do vício, projectando-se na possibilidade de o tribunal dele conhecer ex officio, através de uma decisão declarativa - artigo 286º.</font><br> <font>Mas aqui radica a confusão - e a sem-razão - da Recorrente.</font><br> <font>É que os efeitos da impugnação pauliana são normalmente mais severos para o adquirente do que os resultantes da acção de nulidade - artigos 290º e 617º.</font><br> <font>Ora, o que o ordenamento jurídico quer prosseguir é a melhor defesa do credor do alienante.</font><br> <font>Assim, havendo causa, pode o credor optar entre a acção de nulidade e a acção de impugnação ou mera ineficácia pessoal. E, em face da dificuldade de prova da causa de nulidade, não faria sentido que o credor ficasse menos protegido perante um acto nulo do que perante um acto válido.</font><br> <font>Daí que o artigo 615º, nº 1, normativo "esquecido" pelas instâncias, disponha o seguinte:</font><br> <font>"Não obsta à impugnação a nulidade do acto realizado pelo devedor" - sublinhado agora.</font><br> <font>Anotando o artigo 615º, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela:</font><br> <font>"O caso mais vulgar de nulidade do acto realizado pelo devedor é o resultante de simulação. Precisamente porque o acto é nulo por outro motivo, há quem entenda que não deve ser admitida a impugnação pauliana. Não foi esta a doutrina que se sancionou, e parece que bem" (7).</font><br> <font>Acrescentaremos, a propósito do artigo 615º, nº 1, o seguinte: trata-se de uma norma especial, própria do instituto da impugnação pauliana e cuja razão de ser radica nos interesses que, primordialmente, a acção de impugnação visa acautelar, ou seja, os interesses do credor impugnante.</font><br> <font>E esses interesses prevalecem mesmo sobre o interesse subjacente à declaração oficiosa de nulidade do negócio jurídico simulado, nos termos dos artigos 240º, 242º, 286º e 289º. Os interesses do credor impugnante prevalecem mesmo sobre os do adquirente do bem com base em negócio jurídico que também é nulo, porque simulado, sendo certo que, pela declaração de nulidade, o adquirente ver-se-ia restituído das quantias desembolsadas e juros de mora, o que não ocorre na impugnação.</font><br> <br> <font>5 - Em conclusão: </font><br> <font>- A lei dá ao credor a escolha de dois meios: acção de nulidade e impugnação pauliana, cada qual com os seus requisitos e efeitos próprios.</font><br> <font>- O Autor escolheu, num primeiro momento, os dois, formulando o pedido de impugnação em regime de subsidiariedade.</font><br> <font>- Depois, optou apenas pela impugnação.</font><br> <font>- O artigo 615º, nº 1, não permite agora o desvio ensaiado pela recorrente, visando seguir o caminho da nulidade.</font><br> <font>- Apesar de ser, para os RR. o caminho mais favorável, o certo é que a protecção concedida pelo ordenamento jurídico pende, toda ela, para a banda do credor do alienante.</font><br> <font>- Logo, não poderá haver conhecimento oficioso da invocada nulidade, porque, de outro modo, o tribunal estaria a julgar conforme valores não tutelados.</font><br> <br> <font>Atento o exposto, não estando em causa a apreciação dos pressupostos da decisão quanto à impugnação pauliana, mas tão-só o conhecimento oficioso da nulidade, cumpre concluir pela improcedência das conclusões.</font><br> <br> <font>Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br> <font>Custas a cargo da Recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 24 de Outubro de 2002</font><br> <font>Garcia Marques,</font><br> <font>Ferreira Ramos,</font><br> <font>Pinto Monteiro.</font><br> <font>________________</font><br> <font>(1) Proferido na Revista ampliada nº 994/98, 2ª Secção, em 23-01-2001, publicado no Diário da República, I Série-A, de 09-02-2001.</font><br> <font>(2) Para tanto, acompanhar-se-á o Acórdão de 14-05-1997, na Revista nº 688/96, de que foi Relator o Cons. Torres Paulo, no qual se decidiu uma questão em tudo semelhante à que agora nos ocupa.)</font><br> <font>(3) Cfr. Antunes Varela, "Fundamento da Acção Pauliana", Rev. Leg. Jur., Ano 91, págs. 351 a 353; 366 a 370 e 379 a 383. )</font><br> <font>(4) Manuel Andrade, "Teoria Geral das Obrigações", 1954-1955, pág. 755, qualificava a impugnação pauliana como "acção anulatória"; Pires de Lima e Antunes Varela, por sua vez, atribuíam-lhe a natureza de "acção revogatória ou rescisória", "Noções Fundamentais de Direito Civil", vol. I, 6ª ed., pág. 359. Diferente era a posição de Vaz Serra, segundo o qual "os bens não têm de sair do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los ou praticar os actos de conservação autorizados por lei aos credores" - cfr. "Responsabilidade patrimonial", nº 37, Bol. Min. Just., nº 75, pág. 401. Foi esta a posição que encontrou acolhimento no artigo 616º, nº 1.)</font><br> <font>(5) Cfr. Henrique Mesquita, RLJ, Ano 128º, pág. 223.</font><br> <font>(6) "Código Civil Anotado", Coimbra Editora, 4 ª edição revista e actualizada, volume I, pág. 633.</font><br> <font>(7) Veja-se ainda Vaz Serra, "Responsabilidade patrimonial, nº 37; BMJ. nº 75.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I - A e marido B intentaram esta acção ordinaria no Tribunal Judicial de Cantanhede contra C e marido D, e, E e mulher F com o proposito de serem reconhecidos como legitimos e actuais comproprietarios e compossuidores do estabelecimento comercial referido nos artigos 1, 6, 8, 9 e outros, na proporção de metade e para todos os efeitos, de se condenarem os reus a tal reconhecer, e, bem assim por isso a ver declarado nulo e de nenhum efeito, o contrato de "trespasse" do dito estabelecimento, constante da escritura publica referida nos artigos 6, 8 e<br> 9 da pretensão, para todos os efeitos e os segundos reus a largarem mão do aludido estabelecimento, não mais permanecendo nele ou explorando o mesmo, condenando-se ainda todos os reus a indemnizarem os autores de todos os prejuizos que lhes causavam ja e continuam a causar-lhes ate terminar a situação (ocupação e exploração) ilicita referida, em quantitativo a fixar em execução de sentença, tendo como custas, selos e procuradoria pelos reus que devem ser condenados como litigantes de ma fe, em multa e indemnização, caso contestem.<br> Contestaram os RR D e mulher, e, terminaram, pedindo que a acção seja julgada improcedente e não provada a sua absolvição do pedido.<br> Contestaram os RR - E e mulher - por excepção e impugnação e deduziram reconvenção pedindo que a acção seja julgada não procedente e não provada - não declaração da nulidade invocada - e procedente e provadas as excepções aduzidas, com todas as consequencias legais, e absolvendo-se os RR dos pedidos formulados, mas, caso proceda a acção deve julgar-se procedente e provada a materia da reconvenção deduzida, condenando-se os AA a pagar aos RR o montante de 1000000 escudos relativo as benfeitorias descritas, declarando-se o direito de retenção por parte dos RR enquanto não for pago o respectivo valor.<br> Replicaram os AA pedindo que a acção seja imediatamente julgada procedente, com todas as consequencias legais, sem prejuizo de continuar para averiguação da existencia das possiveis "benfeitorias" mencionadas e consequente declaração dos responsaveis pela sua realização e pagamento para os devidos efeitos e com a condenação dos reus como litigantes de ma fe, em multa e indemnização.<br> No despacho saneador considerou-se que os AA eram partes legitimas dado o articulado na petição, consideram-se que a questão do abuso de direito não podia ser desde ja conhecida por falta de elementos de facto; admitiu-se a reconvenção nos termos do artigo 274 n. 1, b) do Codigo de Processo Civil.<br> Prosseguindo o processo os seus regulares termos foi proferida sentença no Circulo Judicial da Figueira da Foz que julgou a parcial procedencia da acção e da reconvenção, condenou os reus a reconhecer que os autores são comproprietarios do estabelecimento comercial que foi objecto da escritura publica de trespasse entre elas (reus) celebrado, em 1 de Outubro de 1986, no Cartorio Notarial de Mira, e que tem a denominação de "Restaurante Belguena".<br> Condena, por outro lado, os autores a pagar aos reus E e mulher o que se liquidar em execução de sentença de indemnização pela metade do valor das obras de reparação e construção dos lavabos, revestimento do piso da sala de jantar com mosaico e do patio traseiro com cimento, reparações e pintura das paredes da cozinha, pintura das paredes da sala de jantar, snack-bar, cozinhas interiores e exteriores, e colocação de azulejos.<br> Condena, mais estes reus a restituirem aos autores o estabelecimento referido logo que pagarem indemnização por aquelas benfeitorias ou prestada caução suficiente nos termos do artigo 756, d) do Codigo Civil.<br> Absolve, por ultimo, autora e um dos demais pedidos entendendo-se não haver ma fe.<br> Não se conformaram os AA com a decisão e interpuseram recurso para o Tribunal da Relação da Comarca que confirmou a decisão recorrida.<br> Vem agora os AA recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões:<br> A) Estando demonstrado que o estabelecimento comercial trespassado pelos reus C e marido aos co-reus E e mulher, pertencia em compropriedade aos reus trespassantes e aos autores, e nulo, o referido contrato de trespasse, por se tratar de venda de bens alheios.<br> B) E que as regras de compropriedade aplicam-se a qualquer situação de comunhão de proveitos, como refere o artigo 1404 do Codigo Civil e qualquer que seja a natureza civil ou comercial, do bem com pluralidade de titulares.<br> C) Por sua vez, qualquer que seja a natureza civil ou comercial, o acto de disposição ou alienação do bem comum por um dos comproprietarios sem o consentimento ou o acordo do outro e nulo.<br> D) Pedida a declaração de nulidade do mencionado contrato de trespasse nulidade essa que ate e de conhecimento oficioso -, devia o tribunal te-la decretado com todas as legais consequencias.<br> E) Ao privar o seu comproprietario do estabelecimento comercial de que ambos eram titulares, cometeram os reus trespassantes um ilicito que material e obviamente causou prejuizos, pelos rendimentos -<br> - Lucros - que os autores deixaram de perceber enquanto estiveram privados do estabelecimento ou da quantia que ainda lhes faltava receber.<br> F) Não pode ser reclamado aos ora recorrentes, o valor de benfeitorias realizadas pelos adquirentes pelo trespasse nulo, dado que essas benfeitorias apenas são exigiveis como tais ao proprietario do predio onde foram realizadas, ou aos trespassantes com responsabilidade civil contratual.<br> G) Nunca os ora recorrentes podem ser obrigados a pagar tais benfeitorias, pois alem de lhe não terem dado causa, não se tornam "donos" delas, em termos de as terem de "comprar" com a indemnização das mesmas.<br> H) Mostram-se violados pelo escandoloso acordão recorrido, os artigos 1404, 1408, 892, 483 e 1273, todos do Codigo Civil, pelo que deve ser revogado e substituido por outra decisão que decidindo de harmonia com as conclusões ora formuladas, julgou a acção totalmente procedente e improcedente reconvenção.<br> Contra alegaram C e marido emitindo opinião que se deve negar provimento a revista e confirmar o acordão recorrido.<br> Cumpre decidir:<br> II - Vem provada da Relação a seguinte materia de facto:<br> 1) Por escritura publica de 1 de Abril de 1980 a autora A, com G, adquiriram, por trespasse, ao anterior dono, e em comum, um estabelecimento comercial conhecido por Restaurante Belguena, de cafe, restaurante, salas de jogos e adega, instalado no predio sito na Rua Dr. Antonio Jose de Almeida, ns. 77, 77-A e 77-B, em Cantanhede, abrangendo a cedencia da respectiva chave e dos direitos e obrigações de arrendatario do predio, bem como a cedencia de todas as licenças e alvaras, e, ainda, venda da armação, utensilios, mercadorias e demais coisas moveis existentes no estabelecimento e a ele pertencente, na data da escritura.<br> 2) O preço do trespasse foi pago aos trespassantes, em comum e partes iguais, pelos respectivos trespassarios, que logo tomaram posse, nas referidas condições, do estabelecimento.<br> 3) Apos a outorga desta escritura, os AA exploraram o estabelecimento em conjunto com o G.<br> 4) Passados poucos meses, porem, zangaram-se com ele e respectiva mulher.<br> 5) Em 23 de Novembro de 1980 o Comandante do Posto da P.S.P. de Cantanhede disse para estes ultimos, e para os AA, que a melhor solução era o estabelecimento ficar a ser explorado exclusivamente pelos AA ou pelo G, e então ficou acordado que este e mulher ficariam exclusivos donos do Restaurante, mediante o pagamento aos AA de 820 contos, tendo estes recebido de imediato 500 contos, e aceitando que o G e mulher ficassem sozinhos com o estabelecimento, estipulando-se, ainda, que os restantes 320 contos seriam pagos no acto da escritura publica, a realizar oportunamente.<br> 6) A partir de 23 de Novembro de 1980 os AA emigraram para os Estados Unidos e nunca mais intervieram na vida do estabelecimento, que passou a ser gerido exclusivamente em nome e sob a direcção e interesse economico do G, e que este veio fazendo ate fins de 1985.<br> 7) Apos esta data passou o estabelecimento a ser explorado pela Re C, que o licenciou em seu nome, requereu, para o mesmo, alvara, que foi emitido pela Camara Municipal, e celebrou um contrato de arrendamento com os donos do edificio onde o estabelecimento funciona.<br> 8) Os AA entraram em divergencia com o G e vieram a Portugal em 1987/Julho, para os tentar resolver.<br> 9) O estabelecimento não tinha alvara, e, quando o G e a mulher pediram colaboração aos AA para o obter, eles negaram-se a da-la.<br> 10) Para obter o alvara era necessario assinar diversos documentos.<br> 11) O procurador dos AA exigiu ao G e mulher, em contrapartida daquelas assinaturas, que eles assinassem uma letra em branco, de 100000 escudos, o que estes fizeram.<br> 12) A Re C telefonou para os Estados Unidos, por ser necessario assinar varios documentos, para obter a licença da porta aberta e o alvara.<br> 13) Em Julho de 1986 os AA vieram a Portugal, e a Re C foi pedir-lhes colaboração para a legalização do estabelecimento, tendo os AA dito que so assinariam desde que o G e mulher, pela dela, lhe pagassem adiantadamente 500 contos.<br> 4) O G e mulher concordaram, desde que os AA lhe restituissem a letra de 100 contos e os requerimentos assinados, relativos ao alvara e a licença, o que os AA recusaram.<br> 15) Por escritura publica de trespasse, de 1 de Outubro de 1986, a Re C e marido trespassaram ao R.<br> Lusitano o estabelecimento referido, por 3000000 escudos.<br> 16) Os RR Lusitano e mulher tem estado, pelo menos desde 1 de Outubro de 1986, a explorar em seu exclusivo proveito o estabelecimento referido.<br> 17) O edificio onde funciona o Restaurante estava em completa degradação interior no momento em que os RR C e marido acordaram em os RR Lusitano e mulher a cedencia dele a estes.<br> 18) Foi necessario proceder a obras de reparação e restauro, a expensas do R. Lusitano, tendo este procedido a construção de um quarto de banho para homens e a reparação do das mulheres, ao revestimento do piso da sala de jantar com mosaico, e do patio das traseiras com cimento, a cobertura desse patio com placas de aluminio, a remodelação das cozinhas com fogões e reformas e pintura das respectivas paredes, a construção de mobiliario de cozinha, vitrines de exposição de produtos e dois guarda-ventos na porta de entrada, a pintura das paredes da sala de jantar e snack-bar, bem como das cozinhas interiores e exteriores, asim como a colocação de azulejos.<br> 19) Tais obras custaram 1000 contos.<br> III - a) Nas conclusões A), B), C) e D) das suas alegações insistem mais uma vez os recorrentes no sentido de que o pedido formulado na petição no que concerne a declarar-se nulo o contrato de trespasse de 1 de Outubro de 1986 a que se refere o n. 14 da anterior alinea II), devia ter merecido procedencia do acordão recorrido.<br> A questão foi posta na 1 instancia e sobre ela manifestou-se o Meritissimo da seguinte forma:<br> "A venda do estabelecimento (trespasse) formalizada atraves da escritura publica de folhas 11, de 10 de Outubro de 1986, constitui, assim, uma venda de bens alheios, em qualquer caso ineficaz relativamente aos autores (na verdade, como acto de natureza exclusivamente civil, ela seria nula "inter partes" - artigo 892 do Codigo Civil -, e ineficaz para com os autores .... como acto comercial, sendo valido "inter partes" - artigo 467, n. 2 do Codigo Comercial - ela continuaria ineficaz em relação aos autores.<br> No acordão recorrido entende-se que o trespasse de estabelecimento comercial e um acto comercial.<br> "Cabe na definição de acto comercial contido no artigo 2 do Codigo Comercial; não e exclusiva a sua natureza comercial, como compra e venda, pelo seu artigo 464, e, os casos de compra e venda previsto no seu artigo 463 não são taxativas".<br> "Como tal, o trespasse em consideração e permitido pelo artigo 467 do Codigo Civil".<br> "A referencia ao trespasse, no Codigo Civil, artigo 1118, apenas tem por fim definir os efeitos do trespasse em relação ao arrendamento do predio onde funciona o estabelecimento, e concluir da classificação como trespasse as situações previstas no n. 2. Não pode, pois, ou não deve, considerar-se o trespasse como contrato de natureza civil".<br> Concordamos com a orientação seguida pelo acordão recorrido, e, consequentemente, e de aceitar que o contrato de trespasse e ineficaz e não nulo em relação aos AA como se decidiu não havendo que declarar a nulidade como se pretende.<br> Alias, e, em comentario ao artigo 892 do Codigo Civil escreveu Pires de Lima e Antunes Varela - Codigo Civil Anotado -volume II - 2 edição - pagina 168". A nulidade prescrita neste artigo 892 apenas se refere, no entanto, as relações entre vendedor e comprador de coisa alheia. No que se refere ao verdadeiro proprietario da coisa, a venda como nos inter alios, e ineficaz (anotação de Vaz Serra ao acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1972, na Revista de Legislação e Jurisprudencia, ano 108, pagina 26), confere Raul Ventura, o contrato de compra e venda no Codigo Civil na "Revista da Ordem dos Advogados n. 40, pagina 307)", onde a conclusão de que ainda que se considerasse o trespasse acto meramente civil, tratando-se de coisa alheia, ele seria sempre ineficaz em relação aos proprietarios - AA.<br> E compreende-se que assim se considere como se escreve no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1975 - Boletim do Ministerio da Justiça - 252 a paginas 126". A sanção da ineficacia para os actos praticados sem legitimidade justifica-se por ser a mais logica e a mais justa: mais logica porque e uma consequencia do principio, basilar em materia negocial, segundo o qual os efeitos dos contratos se circunscrevessem aos outorgantes e seus representantes; e mais justo porque aquele que não e culpado da outorga do acto deve ser dispensado de recorrer a juizo para obstar aos respectivos efeitos". b) Vem os recorrentes na alinea E) das suas conclusões aludir aos prejuizos sofridos em consequencia da conduta dos RR - e - consequentemente ao direito a respectiva indemnização que o artigo 483 do Codigo Civil lhes concede.<br> Não ha duvida que a existencia de danos no presente caso daria aos AA o direito de exigir dos RR a indemnização que haviam pedido.<br> E mesmo que não provassem o montante desses danos não estavam impedidos de obter a condenação dos reus embora em quantia a liquidar em execução de sentença - artigo 661 n. 2 do Codigo de Processo Civil.<br> O problema que se levanta nos presentes autos e o de que os AA não provaram a existencia de danos a indemnizar.<br> Relacionada com esta questão especificou-se na alinea c): "Os reus Lusitano e mulher tem estado, pelo menos desde 1 de Outubro de 1986, a explorar em seu exclusivo proveito o "estabelecimento" referido em A e C, "e, quesitou-se no n. 4" o facto referido em D) tem causado prejuizo aos AA, na devida proporção?".<br> A resposta a esta questão prorrogativa como se ve do acordão de folhas 166 e 167.<br> Por outro lado, e, como se decidiu no acordão recorrido .<br> "E não pode pretender-se que logica e evidentemente se deva concluir pela existencia deles. Não se trata de actos notorios, que o tribunal possa, por isso, acolher sem serem provados; nem se pode presumir a existencia de tais prejuizos como resultantes necessariamente dos factos provados".<br> Assim sendo não merece qualquer censura a decisão no sentido de absolver os RR de tal pedido como se fez. d) Nas conclusões F) e G) das suas alegações vem os recorrentes reagir contra a sua condenação no pagamento das benfeitorias efectuadas pelos reus - E e mulher - e a que se refere o n. 18 da alinea II) anterior, e, em relação a metade.<br> Não se levanta a questão da realização de tais benfeitorias nem de quem as levou a efeito mas apenas se entende que devem ser suportadas pelo proprietario ou locador do andar onde se encontra o estabelecimento, ou pelo trespassante com responsabilidade civil contratual.<br> Antes de mais deve salientar-se que o proprietario ou locador pode, em face do contrato, não ser responsavel por quaisquer obras que os inquilinos tenham feito no andar.<br> Por outro lado, embora o locado tenha beneficiado dessas obras o certo e que elas foram feitas por exigencia de funcionamento do proprio estabelecimento, e, consequentemente, em beneficio de quem vai explora-lo e não quem deixa de o explorar.<br> Não estão em causa as benfeitorias numa relação entre senhorio e arrendatario.<br> Se os reus - E e mulher - fizeram as benfeitorias, e, gastaram dinheiro, tornaram-se credores delas tendo o direito de retenção da coisa enquanto não forem pagos das despesas - artigo 754 do Codigo Civil.<br> Sendo o estabelecimento propriedade dos AA e de Manuel G, por força do contrato de trespasse de 1 de Abril de 1980, e evidente que devem ser eles que terão de pagar as quantias dispendidas uma vez que o estabelecimento vai ser restituido com elas com excepção das benfeitorias que possam ser levantadas sem detrimento - 216 ns. 1 e 3, 1405 - 1-2, e 1411 n. 1 do Codigo Civil.<br> Os AA tem assim a obrigação de pagar metade do valor das benfeitorias como se decidiu.<br> Improcedem as conclusões das alegações dos recorrentes e não se mostram violados os artigos citados - 1404, 1408, 892, 483 e 273 do Codigo Civil.<br> IV - Em face do exposto negam a revista e condenam os recorrentes nas custas.<br> Lisboa, 30 de Abril de 1991.<br> Leite Marreiros,<br> Antonio de Matos,<br> Beça Pereira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> PROCESSO N. 819/99<br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> A, intentou acção com processo ordinário contra B e mulher, C pedindo sejam os réus condenados a pagar à autora, pelos prejuízos causados pela deficiente construção de um muro feito pelo réu, no exercício da sua actividade profissional, a quantia de 7012225 escudos, acrescida de juros legais sobre 6513200 escudos, e ainda todas as despesas que vierem a ser realizadas em virtude de defeitos dessa construção que sejam imputáveis ao réu.<br> Contestou a ré.<br> Saneado e condensado o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou os réus a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros, à taxa anual de 10 por cento, desde as datas dos pagamentos efectuados pela autora.<br> Inconformada, apelou a autora.<br> O Tribunal da Relação de Coimbra, pelo acórdão de folhas 239 e seguintes, datado de 23 de Março de 1999, dando provimento ao recurso, julgou a acção procedente e condenou os réus no pagamento à autora da quantia de 7012225 escudos, acrescida de juros moratórios à taxa anual de 10 por cento sobre a importância de 6513200 escudos desde a data da propositura da acção até 23 de Fevereiro de 1999 e de 7 por cento desde 24 de Fevereiro de 1999 até efectivo pagamento, e ainda de todas as despesas que vierem a ser realizadas em virtude de defeitos de construção e que sejam imputáveis ao réu.<br> Foi a vez de a ré recorrer de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:<br> 1. Na presente acção, sem invocação específica de qualquer contrato, a autora veio pedir a condenação dos réus a pagar a indemnização resultante da derrocada de um muro de vedação, carreando dados de facto que permitem concluir que a base da pretensão da autora era um hipotético contrato de empreitada.<br> 2. O acórdão recorrido entende que se trata de um contrato inominado e com responsabilidade do réu, pois este assumira a responsabilidade técnica da obra, só que, face à matéria de facto dada como provada, demonstra-se a existência de um tipo de contrato mais próximo do contrato de sociedade.<br> 3. Apesar de o acórdão recorrido entender que não há actividade económica nem lucro, o certo é que está provado que "o comprador D advertiu o réu que não confiava na estrutura do prédio", pelo que se verifica que se destinavam à venda e que até foram vendidos;<br> 4. Acresce que, face aos factos dados como provados, não se demonstra qual a razão pela qual o réu aparece a construir um prédio que até ficou em nome da autora, apenas sendo lógica essa intervenção se o réu dirigisse a construção em cumprimento do contrato de sociedade;<br> 5. Não enuncia o acórdão recorrido por que razão o réu seria responsável pelos defeitos de construção do muro perante a autora se a sua responsabilidade técnica seria apenas a relativa à obra comum, pelo que não existe qualquer acordo de vontades no sentido de responsabilizar o réu perante a autora, mas apenas perante o património comum formado por autora e réu marido e consequentemente a acção teria necessariamente de improceder, pois o réu marido não assumiu qualquer responsabilidade perante a autora;<br> 6. Mas a acção terá de improceder por falta de elementos de facto absolutamente essenciais, pois não está provado que do projecto aprovado para a construção do edifício e cujos trabalhos o réu executou estivesse incluído qualquer muro (e até não estava) e não estando determinado o intuito lucrativo, nem sequer estando provada a actividade profissional do réu, não pode a ré mulher ser responsabilizada pela dívida objecto dos presentes autos;<br> 7. Da conjugação dos pontos de facto dados como provados resulta que o réu se obrigara a construir um bloco habitacional, de harmonia com o projecto aprovado e do projecto aprovado, conforme documentos juntos em audiência de julgamento, não consta qualquer muro, daí que não possa o réu ser responsabilizado pela ruína do muro que não estava nas suas atribuições construir, de harmonia com o acordo feito com a autora;<br> 8. Além disso, não estando determinado o intuito lucrativo, nem sequer estando provada a actividade profissional do réu, não podia a ré mulher ser responsabilizada pela dívida objecto dos presentes autos, pois não se demonstrando que o réu marido exerça habitualmente a construção civil, sendo certo que da prova desses factos é que resultará a aplicação da presunção do artigo 1691, n. 1, do Código Civil;<br> 9. Como não se verificam os factos - fundamento da presunção, não pode a mesma existir e não pode a ré ser condenada, pois não se provou qual a actividade profissional do réu e consequentemente se a obra objecto dos presentes autos se insere nessa actividade profissional;<br> 10. Porém, provado que a construção do muro se integra num conjunto mais amplo de prestações que a autora e o réu marido decidiram realizar em comum, é evidente que não é possível nesta altura saber quanto o réu marido terá de entregar àquela sem saber qual o valor das restantes prestações e o que cada um recebeu por conta da obra comum ou com quanto nela participou, como alternativa à improcedência da acção tenha a decisão proferida de remeter a fixação do montante da condenação do réu para liquidação em execução de sentença;<br> 11. Mostram-se, por isso, violadas pelo acórdão recorrido as disposições legais citadas, sendo certo que fez errada interpretação e aplicação das normas de direito à matéria de facto dada como provada, pelo que deve ser revogado para ficar a valer a sentença da 1. instância, que pura e simplesmente remeteu as partes para liquidação em execução de sentença.<br> Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado.<br> Cumpre decidir.<br> Os factos considerados provados pelas instâncias são os seguintes:<br> 1. O réu é casado com a ré em regime que não o da separação;<br> 2. A autora e o réu marido decidiram construir, em comum, um bloco habitacional em propriedade horizontal em Cruz de Morouços, Santa Clara, Coimbra;<br> 3. A autora e o réu acordaram que todas as fases de construção e responsabilidade técnica pertenciam ao réu;<br> 4. A autora entrava com capital em proporção não apurada;<br> 5. Em Julho de 1991 o réu iniciou os trabalhos tendentes à construção desse edifício de acordo com o projecto aprovado;<br> 6. O prédio era limitado nos lados esquerdo e posterior por um muro;<br> 7. O réu considerou concluída a construção em Junho de 1992;<br> 8. No primeiro trimestre de 1992 o muro começou a acusar rachas e fissuras envolventes;<br> 9. O comprador D advertiu o réu que não confiava na estrutura do muro;<br> 10. Em Dezembro de 1992 o muro ruiu na sua totalidade;<br> 11. Esse muro tinha uma altura variável, atingindo no ponto máximo 6 metros de altura, e 15 metros de comprimento.<br> 12. Destinando-se ao suporte de terras do lado nascente/sul;<br> 13. A fim de construir de novo o muro tornou-se necessário um estudo referente ao cálculo de estabilidade e betão armado;<br> 14. Esse projecto foi adjudicado, após análise de vários estudos apresentados, ao Eng. E e orçado no montante de 319000 escudos;<br> 15. As obras de construção do muro foram adjudicadas à Sociedade F - Empreiteiros, pelo valor de 5794200 escudos;<br> 16. O aluimento do muro deveu-se ao facto de o mesmo ter sido construído em blocos de cimento;<br> 17. Travado com cintas de betão armado;<br> 18. E com dois tirantes do mesmo tipo com má qualidade de execução;<br> 19. Para a construção do muro a autora foi forçada a liquidar as licenças de construção, no que despendeu 400000 escudos;<br> 20. Pagou o projecto referido em 14 em 21 de Julho de 1993;<br> 21. 500000 escudos do contrato em 21 de Julho de 1993;<br> 22. Mais 500000 escudos do contrato em 21 de Agosto de 1993;<br> 23. Em 31 de Outubro de 1993, do contrato mais 2500000 escudos; <br> 24. E ainda 2694200 escudos do contrato em 30 de Novembro de 1993;<br> 25. Da actividade profissional do réu marido resultam rendimentos susceptíveis de viabilizar a subsistência do seu agregado familiar, do qual a ré mulher faz parte.<br> Postos os factos, entremos na apreciação do recurso. <br> Preliminarmente, há que dizer que a matéria de facto atrás indicada, fixada pelas instâncias, é insindicável por este Supremo Tribunal.<br> O Supremo Tribunal de Justiça, no recurso de revista, só julga questões de direito, nos termos do artigo 729, n. 1, do Código de Processo Civil.<br> Por ser um tribunal de revista, o Supremo não pode censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 712 do Código de Processo Civil (cfr. entre outros, o acórdão deste Supremo de 2 de Fevereiro de 1993, Col. Jur. - Acórdãos do S.T.J., ano I, tomo I, páginas 117 e seguintes).<br> A última palavra sobre o julgamento da matéria de facto cabe à Relação, competindo ao Supremo apreciar se o direito foi ou não bem aplicado aos factos considerados provados.<br> Isto posto, precisemos as questões colocadas no presente recurso.<br> Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões insertas na respectiva alegação (artigos 684, n. 3, e 690, n. 1, do Código de Processo Civil), tais questões podem alinhar-se assim:<br> 1. Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora e o réu;<br> 2. Responsabilidade do réu perante a autora pelos defeitos de construção do muro;<br> 3. Responsabilidade da ré mulher.<br> Na sentença da 1. instância entendeu-se que o acordo celebrado entre a autora e o réu configura um contrato de sociedade.<br> No acórdão recorrido afastou-se tal qualificação por não se mostrarem preenchidos dois dos requisitos essenciais do contrato de sociedade: o exercício em comum de uma actividade económica, que não seja de mera fruição e a repartição dos lucros. A Relação entendeu, assim, que se trata de um contrato atípico ou inominado, que se rege pelas disposições aplicáveis aos contratos em geral.<br> Pretende a recorrente que estamos em presença de um tipo de contrato mais próximo do de sociedade.<br> Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.<br> A noção de sociedade é-nos fornecida pelo artigo 980 do Código Civil, que preceitua: "Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade".<br> Para que possa falar-se de contrato de sociedade é necessária a verificação cumulativa de três requisitos: a contribuição, imediata ou subsequente, dos sócios; o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição; e a repartição dos lucros.<br> Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, anotado, volume II, 3. edição, página 308, "a actividade a exercer em comum - o fim comum a todos os sócios - deve ser determinada (certa). Não podem constituir-se sociedades para fins indeterminados. Estes têm de ser sempre especificados ou individualizados no contrato, embora possam ser vários esses fins".<br> E acrescentam os mesmos Professores, obra citada, página 309: "Por último a sociedade tem sempre por objecto a repartição dos lucros, não bastando que o sócio lucre directamente através da actividade em comum".<br> Expostas estas considerações, da factualidade apurada nos autos não resulta que estejam preenchidos os dois últimos requisitos necessários para a existência de um contrato de sociedade.<br> Efectivamente, de tais factos não se apura qual o exercício em comum de determinada actividade económica, que não seja de mera fruição.<br> Autora e réu apenas acordaram construir em comum um bloco habitacional. Desse acordo poderia resultar uma compropriedade, que não se confunde, porém, com uma sociedade.<br> Por outro lado, dos factos provados também não resulta que as partes tivessem em vista a repartição de lucros. E sem este objecto também não pode falar-se de sociedade.<br> O contrato em causa não é pois, o de sociedade nem qualquer outro tipificado na lei. Trata-se de um contrato inominado, como bem decidiu a Relação.<br> Vejamos agora se o réu é ou não responsável pelos defeitos de construção do muro.<br> Entende a recorrente que o réu não pode ser responsabilizado pela ruína do muro, pois não estava nas suas atribuições, de harmonia com o contrato feito com a autora, a construção do mesmo, tanto mais que do projecto aprovado não consta qualquer muro.<br> Também neste ponto não lhe assiste razão.<br> É indiferente que do projecto aprovado constasse ou não a existência do muro em causa.<br> O que é relevante, essencial mesmo, é o contrato celebrado entre as partes.<br> Por esse acordo de vontades, o réu obrigou-se à construção do prédio, pertencendo-lhe todas as fases dessa mesma construção. Sendo o prédio limitado nos lados esquerdo e posterior por um muro, era obrigação do réu construir tal parede.<br> O réu considerou concluída a construção em Junho de 1992. Simplesmente, o muro ruiu totalmente em Dezembro seguinte.<br> Assim, tem de concluir-se que o réu não cumpriu, ou cumpriu defeituosamente a sua obrigação.<br> Tratando-se de responsabilidade contratual, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua - artigo 799, n. 1, do Código Civil.<br> O réu, porém, não fez qualquer prova de ausência de culpa da sua parte, tanto mais que nem contestou validamente.<br> Está, pois, o réu obrigado a indemnizar a autora pelos prejuízos causados, como bem se decidiu no acórdão recorrido.<br> Atentemos na última questão: a responsabilidade da ré mulher.<br> Entende a recorrente que não pode ser responsabilizada por ao caso não ser aplicável o artigo 1691, n. 1, do Código Civil.<br> Trata-se de questão já decidida e que não pode ser apreciada neste recurso.<br> Na sentença da 1. instância foram os réus condenados a pagar à autora a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença.<br> Aí se decidiu expressamente que "pela quantia pecuniária que vier a apurar-se é também responsável a ré mulher, nos termos do preceituado no artigo 1691, 1, alínea c), uma vez que a dívida é contraída na constância do matrimónio em proveito comum do casal".<br> Desta sentença não recorreram os réus.<br> Apenas recorreu a autora, por entender que os réus deviam ser logo condenados no pedido líquido formulado.<br> A condenação em si da ré, por ser responsável pela dívida nos termos do artigo 1691 do Código Civil, ficou de pé, pois a demandada, repete-se, não recorreu da sentença.<br> Assim, nesta parte não recorrida da sentença, os efeitos do julgado, ou seja, a responsabilização da ré, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso - artigo 684, n. 4, do Código de Processo Civil.<br> A ré tinha, pois, de ser condenada na mesma medida em que o foi o réu marido.<br> A decisão recorrida merece, deste modo, ser confirmada.<br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 23 de Novembro de 1999<br> Tomé de Carvalho,<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça.<br> 3. Juízo Tribunal Judicial de Coimbra - P. 100/94.<br> Tribunal da Relação de Coimbra - P. 1490/98.<br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. A, inconformada com a sentença de 7 de Maio de 1995<br> (folhas 159/165) - que decretou a improcedência da acção que havia intentado, em 22 de Fevereiro de 1993, no Tribunal Judicial de Aveiro, contra Sociedade B, dela interpôs recurso de apelação.<br> Admitido tal recurso, em 17 de Maio de 1995, veio o mesmo a ser julgado deserto, ainda na 1. instância, por despacho de 29 de Junho de 1995 (folha 173), ao abrigo do disposto no artigo 292 do Código de Processo Civil, com fundamento no não pagamento dos preparos pela Autora.<br> 2. Esta agravou desse despacho, em 18 de Julho de 1995 (folhas 176), agravo que, admitido em 20 de Setembro de 1995 (folha 177), foi reparado por decisão de 26 de Outubro de 1995 (folha 190).<br> 3. Em 7 de Novembro de 1995, a Ré veio requerer a subida dos autos ao Tribunal da Relação, nos termos do n. 3 do artigo 744 do Código de Processo Civil, "para se decidir a questão sobre que recaíram os dois despachos opostos" (folha 193).<br> 4. Após atribulada tramitação, a Relação de Coimbra, por Acórdão de 2 de Julho de 1998 (folhas 310/317), elegeu "como acertado, entre os dois referidos despachos, de 29 de Junho de 1995 e de 26 de Outubro de<br> 1995, o primeiro, a julgar deserta a apelação interposta pela Autora".<br> 5. Irresignada, a Autora agravou para este Supremo Tribunal, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:<br> I - "A revogação do artigo 292 do Código de Processo Civil não revisto é aplicável aos processos em curso, nomeadamente ao presente processo, por força dos artigos 13 e 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95".<br> II - "Mesmo que assim se não entenda, sempre o referido artigo 292 do Código de Processo Civil não revisto seria inconstitucional por violação do artigo 20 n. 1 da Constituição da República".<br> III - "O mandatário da Autora agiu com a devida diligência, não lhe competindo, até por não ter acesso directo ao processo, suprir os erros da secretaria, pelo que só teria de invocar a nulidade de todo o processado subsequente à falta de notificação do despacho de admissão do recurso no prazo de 5 dias após ter sido notificado do despacho da deserção do mesmo recurso, por, nos termos do artigo 205 n. 1, parte final, do Código de Processo Civil não revisto, só então ser razoável presumir que tomou conhecimento de que sobre o recurso por si interposto já recaíra despacho de admissão".<br> IV - "Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido violou as supracitadas disposições legais, e a mencionada disposição constitucional, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro no qual se mantenha o despacho do Sr. Juiz da 1. instância, de 26 de Outubro de 1995, que reparou o agravo por si efectuado à Autora, ao declarar deserto o recurso da apelação por esta interposto".<br> 6. Em contra-alegações, a Ré bateu-se pela confirmação do julgado.<br> Foram colhidos os vistos.<br> 7. Eis o que resulta dos autos: a) Em 8 de Maio de 1995 (folha 167), a Autora apelou da sentença absolutória de 7 de Abril de 1995. b) A apelação foi admitida em 17 de Maio de 1995 (folha 168) e, nesse mesmo dia, foi lavrada cota de expedição de: "cartas registadas aos mandatários das partes notificando-os do antecedente despacho". c) Contado o processo em 8 de Junho de 1995 (conta n. 1988, de folha 169), lavrou-se esta cota:<br> "Em 8 de Junho de 1995, enviei pelo correio cartas registadas aos ilustres mandatários das partes notificando-os com cópia da conta; enviei avisos postais não registados às partes notificando-as nos termos do disposto nos artigos 143 e 145 do C.C.J.. Passei guias". d) Ainda em 8 de Junho de 1995, foram passadas guias para pagamento, até 22 de Junho de 1995, de 30000 escudos de custas. e) Elaborada pela Secretaria informação de que não havia sido efectuado esse pagamento, o Excelentíssimo<br> Juiz despachou, em 29 de Junho de 1995 (folha 173): "Deserção do recurso.<br> Dado o não pagamento dos preparos pela Autora, julgo deserto o recurso interposto a folha 167 - artigo 292 do Código de Processo Civil.<br> Custas do incidente pela Autora com a taxa mínima.<br> Notifique-se". f) E, de seguida, foi lavrada a seguinte cota:<br> "Em 30 de Junho de 1995, enviei pelo correio cartas registadas aos ilustres mandatários das partes, notificando-os do antecedente despacho". g) Em 18 de Julho de 1995 (folha 176), a Autora agravou do despacho de folha 173, agravo que foi admitido por despacho de 20 de Setembro de 1995 (folha 177), notificado às partes por carta de 22 de Setembro de 1995. h) A Autora alegou em 9 de Outubro de 1995. i) Em 26 de Outubro de 1995, ou autos foram conclusos ao Excelentíssimo Juiz<br> "com a informação de que a Autora A realmente não foi notificada na pessoa do seu mandatário do despacho de folha 168, no entanto, foi notificada para pagar custas na pessoa do mesmo mandatário em<br> 8 de Julho de 1995 pelo registo n. 105989, no prazo de 7 dias, sob pena do recurso ficar deserto". j) Nessa sequência, o Excelentíssimo Juiz proferiu, nesse mesmo dia 26 de Outubro de 1995, o despacho que segue (folha 190):<br> "Reparação do agravo.<br> Dada a informação que antecede (que contraria afinal o referido na cota de folha 168), afigura-se-me que a parte terá razão na sua pretensão de ver revogado o despacho que julgou deserto o recurso por falta de pagamento do preparo.<br> É que, à parte não bastava ter conhecimento da nota de custas, precisava de saber a que se referia a nota e se fora ou não admitido o recurso.<br> De resto, ao omitir-se aquela notificação cometeu-se uma nulidade secundária relevante, nos termos do n. 1 do artigo 201 do Código de Processo Civil.<br> Deste modo:<br> Fica sem efeito o despacho de folha 173 que julgou deserto o recurso.<br> Notifique-se, incluindo para o pagamento dos preparos". k) Em 27 de Outubro de 1995, foi exarada a cota que se transcreve:<br> "Em 27 de Outubro de 1995, por cartas registadas notifiquei o antecedente despacho aos Drs. Lima Neves e Amândio Canha, sendo ainda o 1. para efectuar o pagamento das custas do montante de 30000 escudos, contado a folha 169.<br> Tendo-o advertido de que a falta de pagamento implica a deserção do recurso. Passei guias". l) Em 6 de Novembro de 1995, foi efectuado o pagamento da quantia constante das guias respeitante à mencionada conta n. 1988, de folha 169. m) Em 7 de Novembro de 1995, a Ré requereu a subida dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do disposto no n. 3 do artigo 744 do Código de Processo Civil, o que foi deferido em 15 de Novembro de 1995.<br> 8. De harmonia com o estatuído nos artigos 36 n. 1 e 37 n. 1 do Código de Processo Civil (são deste Diploma todos os preceitos citados sem menção de proveniência), a procuração passada a advogado confere-lhe poderes para representar o mandante "em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes".<br> Por seu turno, o n. 2 do artigo 228 dispõe que a notificação é o acto judicial que se destina, designadamente, a dar conhecimento a alguém da ocorrência de um certo facto, isto é, da prática de um acto processual, caso seja um despacho (cfr. artigos 229 e 259).<br> E o artigo 253 prescreve no seu n. 1 que "as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais".<br> 9. O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no n. 1 do artigo 20 da Constituição da República, implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva.<br> No conteúdo do direito fundamental de acesso aos tribunais, vai implicado, "já que constitui um seu corolário", o direito que assiste às partes de um processo judicial de conhecerem efectivamente as decisões que lhes digam respeito.<br> O sentido das normas referidas em 8 é, pois, o de garantir que as decisões judiciais sejam efectivamente conhecidas pelas pessoas a quem elas respeitem, a quem assiste "o direito à informação efectiva" sobre o respectivo conteúdo (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n. 444/91, de 20 de Novembro de 1991, Boletim 441, página 155).<br> Daí que tudo o que aconteça no processo tenha de ser levado ao conhecimento das partes "a título forçosamente oficial", através de notificação.<br> O tribunal tem, assim, o dever de lhes dar a conhecer - por intermédio do mandatário judicial, quando exista - tudo quanto se passa no processo e lhes possa interessar.<br> Sendo a função do patrocínio judiciário justamente a de orientar as partes numa actividade que exige conhecimentos especializados, traçando o caminho que melhor conduza à defesa dos seus direitos, compreende-se que o mandatário judicial tenha de ser notificado dos actos que nele se vão praticando, a fim de poder desempenhar cabalmente as suas obrigações e competências funcionais (cfr. Acórdão deste Supremo<br> Tribunal de 21 de Outubro de 1997, CJSTJ, V, 3., página 85).<br> Logo, a omissão da notificação do despacho que admita um recurso assume relevo gerador de nulidade processual que pode influir decisivamente no exame ou decisão da causa (artigo 201).<br> É o que aqui ocorre.<br> 10. E nem se pretenda esgrimir com o facto de o mandatário da Autora ter sido notificado, posteriormente, para pagar as custas.<br> É que, não era exigível ao mandatário da Autora que, ao receber essa notificação, se deslocasse ao tribunal para consultar o processo (tanto mais que este corria os seus termos em Aveiro e o escritório do Advogado era no Porto) e verificar se fora omitido algum acto processual prescrito pela lei.<br> Hoje em dia, "a vida atribulada de um advogado, as dificuldades inerentes aos transportes, com a intensidade de trânsito e as dificuldades de parqueamento, não permitem que se desloque ao tribunal com a única finalidade de verificar se os serviços judiciais não cumpriram cabalmente as suas obrigações, pelo que, não o fazendo, não se pode dizer que não aja com a devida diligência".<br> Nem tão-pouco é de presumir que, com a notificação para pagar custas - como no caso -, o advogado tomou conhecimento da omissão de notificação do despacho que admitiu o recurso que interpusera (cfr. Acórdão deste Supremo de 12 de Maio de 1998, Recurso n. 366/98 - 1.).<br> Com efeito, as partes têm que contar com a diligência e a eficácia dos serviços judiciais, confiando neles e não desvirtuando - como se salienta no preâmbulo do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro - o papel que cada agente judiciário tem no processo, idóneo para produzir o resultado que a todos interessa - cooperar com boa fé numa sã administração de justiça.<br> 11. De realçar, ainda, que o despacho que decretou a deserção de apelação fundamentou-se na falta de pagamento de preparos pela Autora.<br> Simplesmente, a Autora não estava obrigada ao pagamento de quaisquer preparos. Incumbia-lhe, isso sim, pagar as custas contadas.<br> E só não as pagou então - vindo, no entanto, a efectuar o seu pagamento em momento ulterior (cfr. alínea l) do n. 7) -, por desconhecer, dada a ausência da indispensável notificação, que o recurso que havia interposto da sentença absolutória já havia sido admitido.<br> Também por este prisma, a deserção do recurso por falta do pagamento de preparos - que, afinal, não eram devidos - não podia subsistir.<br> 12. Só mais um apontamento final.<br> Presentemente, está em vigor - e já estava à data do Acórdão recorrido - o Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro (complementado pelo Decreto-Lei n. 180/96, de 25 de Setembro), que introduziu profundas alterações no Código de Processo Civil. E em vigor está, igualmente, o novo C.C.J., aprovado pelo Decreto-Lei n. 224-A/96, de 26 de Novembro.<br> Ora, o referido Decreto-Lei n. 329-A/95 veio considerar revogadas, nos seus artigos 13 n. 1 e 14 n. 1, "todas as disposições referentes a custas devidas em tribunais judiciais que imponham a contagem do processo", designadamente "antes da subida de quaisquer recursos", bem como "as disposições relativas a custas que estabeleçam cominações ou preclusões de natureza processual como consequência do não pagamento nos termos do Código das Custas Judiciais de quaisquer preparos ou custas".<br> Disposições cuja aplicabilidade poderia discutir-se neste processo - ainda pendente -, por imperativo do seu artigo 16, in fine, sendo certo, por outro lado, que o actual 291 n. 2 do Código de Processo Civil já não inclui a falta de preparo ou de pagamento de custas nos fundamentos de deserção do recurso (cfr., nesta linha, o Acórdão deste Supremo de 20 de Fevereiro de<br> 1997, Recurso n. 972 - 2.).<br> 13. Em face do exposto, dando-se provimento ao agravo, revoga-se o Acórdão impugnado e decide-se que fica a prevalecer a decisão de 26 de Outubro de 1995 (folha 190).<br> Custas na 2. instância e neste Supremo pela Ré.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1998.<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça,<br> Francisco Lourenço.<br> Tribunal Judicial de Aveiro - Processo n. 60/93 - 2.<br> Tribunal da Relação de Coimbra - Processo n. 1912/95.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A e mulher B propuseram, no 6 Juízo Cível do Porto, acção ordinária contra C e mulher D pedindo a execução especifica de contrato promessa de compra e venda entre eles celebrado com o fim de obtenção de sentença judicial que produza efeitos de declaração negocial que aos Recorrentes competia.<br> Os Réus contestaram por impugnação, invocando ainda caducidade do aludido contrato-promessa.<br> Responderam os autores.<br> Prosseguiu o processo seus trâmites vindo a ser proferida decisão que julgou a acção improcedente.<br> Sem qualquer êxito, os Autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação.<br> Novo recurso para este Supremo Tribunal de Justiça em que os mesmos alegam:<br> a) quer a decisão do Senhor Juiz de Primeira Instância, quer o douto acórdão recorrido, que a confirmou, violavam, nomeadamente, os artigos 510; n. 1, c), 666 a 672 do Código de Processo Civil e os artigos 2, 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa;<br> assim, <br> b) quando foi proferido o saneador os autos já continham todos os elementos para ser apreciada e decidida a suscitada questão da eficácia e a possibilidade do registo da acção relativamente a terceiros adquirentes da fracção autónoma identificada nos autos;<br> c) não podia, assim, o Senhor Juiz da Primeira Instância conhecer depois na sentença essa suscitada questão, porquanto devia tê-la apreciado e julgado no despacho saneador-cfr. alínea c), n. 1 artigo 510 do Código de Processo Civil;<br> d) tendo-se esgotado desse modo, o seu poder jurisdicional sob essa matéria artigo 666 do Código de Processo Civil;<br> e) por isso, ao definir no despacho saneador como factos pertinentes para a decisão da causa, os constantes do questionário, e ao considerar, nesse despacho, que não é possível conhecer-se já do pedido, tal despacho - que não foi objecto de recurso, constitui caso julgado formal - cfr. artigo 672 do Código de Processo Civil;<br> f) delimitando-se, nos precisos termos nele expressos, a matéria que servirá de base à decisão da causa;<br> por outro lado,<br> g) o registo da presente acção é oponível a terceiros, mesmo que tivessem adquirido a fracção autónoma prometida vender anteriormente a esse registo;<br> h) pois, com a procedência da presente acção pretende-se a transmissão para os recorrentes do direito de propriedade relativo à fracção autónoma prometida vender;<br> i) sendo certo que, o direito inscrito registralmente em primeiro lugar, prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens; <br> j) acresce que, esta acção é um facto sujeito a registo e este produz efeitos e é oponível relativamente a terceiros - artigo 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa;<br> k) demais, o contrato prometido - compra e venda - é um negócio oneroso encontrando-se o direito a transmitir registralmente incerto - aquando o registo da acção - em nome dos recorridos;<br> l) sendo certo que, a compra e venda celebrada entre os recorridos e o terceiro, E, é ineficaz em relação a terceiros - nomeadamente aos recorrentes, pois não se achava registada ao tempo em que os recorrentes procederam ao registo da presente acção;<br> m) o acórdão recorrido ao confirmar a sentença da primeira instância está inquinado pelos mesmos vícios, violando o normativo jurídico acima referido.<br> Os recorridos, em contra-alegações, defendem a manutenção do julgado.<br> Tudo visto.<br> Vem dado como demonstrado, com relevância:<br> a) no dia 21 de Janeiro de 1988, os Autores como promitentes compradores e os réus como promitentes vendedores celebraram, entre si, o contrato promessa junto a folha 6, tendo por objecto uma habitação situada na Rua ..., no Porto;<br> b) em 23 de Maio de 1988, o réu enviou ao procurador do Autor a carta de folha 7, que foi recebida e à qual este procurador respondeu através da carta de 16 de Junho de 1988, junto a folha 8, que também foi recebida;<br> c) por escritura pública de 29 de Dezembro de 1988, junta a folhas 35 e seguintes, o réu vendeu a E a habitação que foi objecto do contrato promessa referido em a);<br> d) pela apresentação 27, de 30 de Janeiro de 1991, os Autores procederam ao registo definitivo da presente acção na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto; <br> e) o procurador dos Autores tentou diversas vezes obter dos Recorrentes os documentos necessários ao registo provisório da fracção, assinados e à concessão do empréstimo bancário;<br> f) por escritura pública de 29 de Dezembro de 1988, junta a folhas 35 a 38, os Recorrentes venderam a E a habitação que foi objecto do contrato-promessa referido em a).<br> <br> Caso julgado formal<br> Resumidamente, dir-se-á que o caso julgado formal incide apenas e só sobre questões de carácter processual. Daí que a sua força obrigatória se limita ao próprio processo, já que apenas obsta a que o julgador possa, na mesma acção, alterar a decisão proferida. Mas já não impedindo que, noutra acção, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal.<br> É sabido que, findos os articulados, se o julgador se convencer de que dispõe de todos os elementos constitutídos do direito tutelado pode marcar uma audiência preparatória de discussão - artigo 508 n. 1 do Código de Processo Civil. Mas, também não pode ser ignorado que "o despacho que marque a audiência há-de declarar o seu fim, mas não constitui caso julgado sobre a possibilidade de conhecimento imediato do pedido" - n. 4 daquele artigo.<br> O que trás como consequência que, apesar da declaração de que está apto a conhecer do pedido, o julgador poderá dar o dito por não dito, se reconhecer que, afinal não está em condições de proferir decisão - cfr. artigo 510, 1, alínea c). Pretende-se evitar que o prognóstico precipitado do juiz sobre a possibilidade de julgamento precoce da acção o vincule a mera decisão precipitada.<br> É certo que o artigo 510, 1,alínea a) e n. 3 referem que as excepções peremptórias devem ser decididas sempre que o processo forneça os elementos indispensáveis, nos termos declarados na alínea c).<br> O que conduz a que o caso julgado formado pelo despacho saneador só se forma quando expressamente se conhece de alguma excepção peremptória.<br> Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Maio de 1973, - Boletim do Ministério da Justiça n. 277, página 38 - "este entendimento de que nele não se conheça expressamente tem a vantagem de permitir a apreciação de muitas excepções de que a parte não se apercebeu ao contestar..., sem contudo tirar ao despacho a vantagem de sanear o processo de questões de forma".<br> Nestes autos, o Senhor Juiz de Primeira Instância, ao proferir o despacho saneador declarou que "não foram alegadas excepções dilatórias, não as havendo de conhecimento oficioso" e "não é possível conhecer-se do pedido por haver factos pertinentes controvertidos". A propósito desta última declaração, os Recorrentes afirmam que a mesma não poderia ter sido proferida por se haver esgotado o poder jurisdicional. O que quer dizer que se teria esgotado a função ou o poder da justa composição da lide.<br> Não havia, porém, decisão nenhuma sobre se os elementos constantes dos autos eram suficientes para conhecer do mérito. E que houvesse, é a própria lei a afirmar que sobre o assim decidido não se verifica caso julgado formal. Basta pensar que, se o julgador tivesse declarado que os autos reuniam elementos suficientes para conhecer do mérito, e a parte contrária houvesse agravado de tal, sempre o julgador poderia reparar o agravo e dizer exactamente o contrário. Onde, pois, o caso julgado formal?<br> Oposição a terceiros de registo da acção<br> O contrato promessa de compra e venda foi celebrado em 21 de Janeiro de 1988; os promitentes vendedores procederam à venda do objecto prometido vender em 29 de Dezembro de 1988 e a acção foi registada em 30 de Janeiro de 1991.<br> Pedro Pitta, em comentário ao Código do Registo Predial de 1929 - página 357 escreveu que "actos sujeitos a registo, que produzam todos os seus efeitos independentemente do registo, não conheço nenhum; para mim, é assente que todos os actos sujeitos a registo produzem alguns efeitos independentemente do registo; mas, também é assente que nenhum acto sujeito a registo produz todos os seus efeitos independentemente dela".<br> No substrato destas ideias encontram-se as diversas orientações não coincidentes que têm vindo a ser defendidas quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial.<br> Ora, o contrato de compra e venda celebrado pelos recorridos não foi registado pelo adquirente da fracção. Embora anterior ao registo da acção, no registo predial, a fracção encontrava-se em nome dos Réus e não em nome do posterior adquirente dela.<br> É certo que a lei impõe o registo tanto em actos de aquisição de direito de propriedade sobre imóveis, como de acções pendentes que tenham por objecto tal direito. Aqueles actos - uns e outros - só produzem efeitos em relação a Terceiros depois de efectuado o registo - artigo 2, 1, a) e n) e 5 n. 1 do Código do Registo Predial<br> Nem, se entendendo que Terceiros são aqueles que hajam adquirido de autor comum direitos incompatíveis.<br> Em princípio, os contratos promessa de compra e venda não tem eficácia real. O que poderá configurar que não possam ser opostos a Terceiros. Para que eles tenham mais de que simples eficácia obrigacional, reduzida aos intervenientes no acto, torna-se necessário que estes manifestem a sua vontade nesse sentido, por meio de escritura pública e registo na Conservatória do Registo Predial - cfr. artigo 413 do Código Civil.<br> Porém, o Professor Galvão Telles - Colectânea de Jurisprudência IX, Tomo 4 - afirma que o direito à execução especifica adquire eficácia real, desde que se verifique o registo da acção em que o pedido seja deduzido, já que feito aquele, o promitente comprador adquire a certeza de que quanto à sua pretensão não poderá prevalecer outra com ela incompatível, a que não corresponda registo anterior, acrescenta que, a não ser assim, o registo da acção não teria qualquer utilidade.<br> O mesmo Professor - Direito das Obrigações - 4 edição, página 91 expõe hipótese idêntica à dos autos e opta pela prevalência da decisão que decreta a execução especifica, desde que seja requerido o respectivo registo dentro de dois meses a contar do trânsito em julgado, já que os efeitos da sentença retroagem à data do registo da acção.<br> O Professor Vaz Serra - Revisão de Legislação e Jurisprudência - ano 109; página 15, em anotação ao Acórdão deste Alto Tribunal, de 3 de Dezembro de 1974, que deu prevalência ao contrato de compra e venda, discordando do assim decidido, dá razão à regra que deriva do Código do Registo Predial de que, em relação a Terceiros, a validade do registo só surge com a realização deste.<br> O mesmo acontece com o Professor Antunes Varela, na mesma Revista, ano 118, páginas 285 de que transcrevemos a seguinte passagem - "Nos contratos de alienação ou de oneração de coisa determinada, a constituição ou a transferência do direito real opera-se por meio de contrato, salvo (além de outros casos previstos na lei) quando se trate de coisas imóveis ou de móveis sujeitos a registo. Neste caso, a constituição ou a transferência do direito real apenas se verifica a partir da data do registo (artigo 5 n. 1 do Código do Registo Predial). No caso de duas ou mais pessoas terem adquirido do mesmo transmitente direitos incompatíveis, prevalecerá o direito que primeiro for levado ao registo (critério da prioridade do registo) e não o correspondente ao contrato de alienação ou de oneração".<br> Mas, o registo da acção não terá apenas por finalidade dar publicidade à pretensão do demandante?<br> Afigura-se-nos que, não tendo, embora, o registo predial carácter constitutivo, o registo da acção tem como finalidade demonstrar que a partir da sua feitura nenhum interessado poderá prevalecer-se, contra o registante, dos direitos que sobre o mesmo imóvel adquira posteriormente ou adquiridos antes tenha negligenciado o seu registo - ver artigo 53 e 59, n. 1.<br> Conforme refere Seabra de Magalhães - Estudos de Registo Predial, páginas 24 e seguintes "o registo da acção mais não é que a antecipação do registo da própria sentença transitada - com a condição, clara, de que esta acolha o pedido do autor e dentro dos limites em que o acolher".<br> Atento o exposto, no presente caso, estamos perante hipótese de prioridade de registo que os tribunais não podem deixar de atender - artigo 6 n. 1 e 3 do Código do Registo Predial.<br> Termos em que se concede a revista, já que por incumprimento do contrato promessa de compra e venda por parte dos Réus, se determinar que este Acórdão passe a produzir os efeitos da declaração negocial prestada por estes, adquirindo os Autores A e mulher B os direitos de aquisição por compra sobre a fracção autónoma designada pela letra y, correspondente ao 6 andar esquerdo, traseiras, habitação 61, sita na rua ... ns. 202/252, da freguesia de Lordelo do Ouro, Porto, desde que prestem a quantia de 12650000 escudos, no prazo de 60 dias, a contar do trânsito desta decisão.<br> Custas pelos Recorridos neste Supremo de Tribunal Justiça e nas Instâncias.<br> Lisboa, 28 de Junho de 1994.<br> Cura Mariano;<br> Martins a Fonseca;<br> Ramiro Vidigal.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Na Comarca de Leiria (4 juízo, 1 secção), "Manuel Joaquim Lopes, Lda" propôs contra A e mulher, B, esta acção com processo ordinário para obter a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 2.905.747escudos e 50 centavos como indemnização pelos danos sofridos em virtude de acidente causado com o veículo pesado de mercadorias JT, pertencente à autora, e que estava distribuído ao réu A, seu empregado com a categoria de motorista profissional, acidente de que este foi o único culpado.<br> Os réus contestaram e a autora respondeu.<br> Seguindo o processo os seus regulares termos veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente.<br> A Relação de Coimbra confirmou o julgado.<br> Recorreram os réus para este Supremo Tribunal e nas suas alegações concluem assim.<br> - A recorrente ré não pode ser responsável pelo pagamento de indemnização derivada de acidente de viação, caso o marido seja considerado dele culpado;<br> - Mesmo que a dívida se considere fundada em mera responsabilidade Civil não sendo de natureza extracontratual delitual, persistirá a ilegitimidade da Ré por inexistir proveito comum (sic);<br> - Tal proveito jamais existe quando o marido é culpado de acidente de viação, quer a titulo de culpa objectiva ou culpa "proprío jure dicta";<br> - A culpa do acidente é de atribuir ao próprio A., comitente, pois criou ao comissário seu subordinado (réu) condições de trabalho anormais causadoras de grande cansaço, para além do horário normal de trabalho;<br> - Colocou ao comissário riscos agravados que aceitou, devendo responder senão total, ao menos parcialmente, pelas consequências, como é imposto pelas regras jurídicas e equidade;<br> O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1692, 1691, ns. 1 e 2, 497, n. 2, 500, n. 3 e 503, n. 1 e 3, todos do Código Civil.<br> A parte contrária não alegou.<br> Cumpre decidir.<br> O Tribunal da Relação fixou os factos materiais seguintes:<br> - A A. dedica-se ao comércio de materiais de construção;<br> - O R. foi empregado da A., com a categoria de motorista profissional de pesados, desde 1982 a 27 de Junho de 1988;<br> - No dia 9 de Junho de 1988, cerca das 14,30 horas, na EN n. 1, Santo Antão - Batalha, ocorreu um acidente de viação em que interveio o auto pesado de mercadorias da A., de matrícula JT;<br> - Aquela viatura era, na altura, conduzida pelo réu, transportando um carregamento de brita com pó;<br> - O JT circulava em direcção a Leiria, proveniente de Reguengo do Fetal;<br> - O acidente ocorreu numa extensa recta com cerca de 10 m. de faixa de rodagem e óptima visibilidade;<br> - Na altura do acidente o R. foi submetido ao teste de alcoolemia, que nada acusou;<br> - O JT tem 17500 kgs. de capacidade de carga, podendo atrelar um reboque com mais 16000 Kgs.;<br> - JT estava distribuído ao réu;<br> - No dia do acidente o réu agarrou no JT e foi buscar uma carrada de brita com pó ao Reguengo do Fetal;<br> - No regresso ocorreu o acidente;<br> - O réu saiu da faixa de rodagem atravessando a berma direita e entrando num terreno sito desse lado;<br> - Ao sair da estrada, abalroou com o JT uma camioneta e um automóvel ligeiro, causando-lhes danos;<br> - Os dois veículos abalroados encontravam-se parados do lado direito, atento o sentido de marcha do JT;<br> - O JT percorreu 30 metros a partir da faixa de rodagem;<br> - O réu adormeceu ao volante;<br> - Na altura do acidente não havia trânsito na estrada que tivesse perturbado a marcha do JT;<br> - Este veículo tinha dois anos e estava em perfeitas condições de conservação e funcionamento;<br> - E tinha um duplo sistema de travagem;<br> - Após o acidente o JT não apresentava qualquer anomalia em termos mecânicos;<br> - O réu, além de trabalhar para a autora, andava, às vezes, de noite a lavrar com um tractor seu para outrem;<br> - No acidente, o JT sofreu danos cuja reparação importou em 1692877 escudos e 50 centavos; para a reparação dos danos sofridos esteve paralizado durante 31 dias úteis;<br> -O JT era utilizado diariamente para fazer transportes de materiais de construção das fábricas para o armazém e deste para diferentes obras de clientes da autora;<br> - A sua paralisação causou à A. 1000000 escudos de prejuízos;<br> - A A pagou 12870 escudos de reboque do JT, no dia do acidente;<br> - O réu retirava da sua profissão de motorista os proventos do seu casal;<br> - Em várias datas não apuradas, o réu trabalhou para a autora para além do horário normal;<br> - A autora tinha interesse em que o réu carregasse o JT para além da capacidade de carga permitida;<br> - Na véspera do acidente, o réu deitou-se cerca das 22 horas;<br> - No dia do acidente, o réu levantou-se às 3,30 horas para estar na Figueira da Foz às 4,30 horas, no cumprimento de ordens da autora;<br> - Depois de carregar areia no mar, saiu em direcção à Marinha Grande onde descarregou cerca das 6,30 horas;<br> - Logo de seguida, voltou à Figueira da Foz para carregar nova carrada de areia do mar;<br> - Carregou de novo o JT e dirigiu-se à Marinha Grande, onde descarregou cerca das 9,30 horas;<br> -Depois do almoço, voltou a carregar brita misturada com pó (de peso não apurado), por instrução da autora;<br> - E dirigiu-se a Leiria;<br> - O réu não travou;<br> - No local encontrava-se parado o automóvel IM, que acabou por ser embatido por trás pelo JT;<br> - Após o acidente, todos os órgãos de travagem e direcção do JT estavam em ordem.<br> Consideram as instâncias que o acidente foi devido a culpa do réu por ter adormecido ao volante do veículo que conduzia, o que integrará negligência da sua parte por não ter tomado, oportunamente, as medidas aconselháveis para descansar.<br> O juízo sobre a culpa, porque esta se não baseia na infracção de qualquer norma regulamentar, envolve mera questão de facto, da exclusiva competência das instâncias, escapando, por isso, à censura do tribunal de revista.<br> É este, como se sabe, o entendimento uniforme sobre a matéria, como pode ver-se, entre muitos outros, do ac. S.T.J. de 17 de Maio de 1990 (bol. 397, página 484).<br> Assim, o juízo sobre a culpa na produção do acidente não pode ser modificado por este Supremo Tribunal, pelo que tem de manter-se a conclusão das instâncias: o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo - o réu A.<br> A segunda questão é esta: sendo o réu casado, como é, a mulher responde também pelo pagamento da indemnização?<br> A primeira instância concluiu que sim, pois, na sua óptica, era da profissão de motorista do réu que este retirava os proventos do seu casal, tendo sido no exercício desta actividade que ele causou os danos.<br> A responsabilidade de ambos os cônjuges assenta, diz, nos artigos 1691, n. 1, alínea b) e 1692, alínea b), do Código Civil.<br> E a relação concluiu do mesmo jeito, mas com base nos artigos 1691, n. 1 alínea c) e 1692, alínea b, parte final, do mesmo diploma. discorreu assim: "... o dano ocorreu quando o réu exercia a sua profissão de motorista; desta profissão retirava os proventos para o sustento do casal. Se se entender (como parece mais curial) que "há proveito comum do casal quando a dívida é contraída, tendo em vista o interesse comum de ambos os cônjuges ou da família" (A. Lopes Cardoso, ob. cit., página 201)", é evidente que existe proveito comum no caso em análise".<br> "Parece igualmente que está dentro dos poderes de administração, pois, pela sua finalidade, respeita à rectificação normal do património comum. Por isso que este requisito ocorra também".<br> Salvo o devido respeito não é assim.<br> <br> Vejamos.<br> O artigo 1691, n. 1, do Código Civil, estabelece que são da responsabilidade de ambos os cônjuges: a) As dívidas contraídas ... pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro; b) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges ... para ocorrer aos encargos normais da vida familiar; c) As dívidas na circunstância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração; d) As dívidas contraídas, por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio ...; e) As dívidas consideradas comunicáveis nos termos do n. 2 do artigo 1693.<br> Ninguém sustenta que a dívida resultante da indemnização fixada por virtude do acidente possa enquadrar-se em qualquer das alíneas a), d) ou e) do n. 1 do citado artigo 1691.<br> Mas também não foi contraída, obviamente, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar, coincidindo estes, em larga medida, com as despesas inerentes ao governo doméstico.<br> Na verdade, tal indemnização nada tem a ver com o governo doméstico, bem longe disso;<br> Logo, não pode encontrar suporte legal na alínea b) do n. 1 do falado artigo.<br> E também não foi contraída em proveito comum. A maior parte destas dívidas terá como fim imediato a satisfação de necessidades materiais de ambos os cônjuges (por exemplo, aquisição de bens comuns ou reparação de bens que, embora próprios, sejam fonte de rendimentos comuns).<br> Outras vezes terão como finalidade a satisfação de encargos pecuniários por que ambos sejam responsáveis (como os relativos ao governo doméstico ou aos alimentos dos filhos: artigos 1676, e 1878).<br> No conceito legal de proveito comum do casal cabe incontestavelmente também a satisfação de necessidades espirituais, morais ou intelectuais, desde que respeitem a ambos os cônjuges ou correspondam a encargos por que ambos respondam - cf. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", Vol. IV, ed. página 334.<br> E é incontestável ainda que a dívida não foi contraída pelo cônjuge administrador dentro dos limites dos seus poderes de administração.<br> Resultou sim de facto ilícito, cometido embora no exercício da sua actividade de motorista por conta de outrem.<br> Em consequência, também não pode encontrar guarida na previsão da alínea c) do n. 1 do falada artigo 1691.<br> Assim, a responsabilidade da mulher só poderia ter por suporte a segunda parte da alínea b) do artigo 1692, do Código Civil, segundo a qual:<br> "São da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam: b) As dívidas provenientes de crimes e as indemnizações, restituições, custas judiciais ou multas devidas por factos imputáveis a cada um dos cônjuges, salvo se esses factos, implicando responsabilidade meramente Civil, estiverem abrangidos pelo disposto nos ns. 1 ou 2 do artigo anterior;"<br> Como referem os citados Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cid., pág. 342, se o facto constitutivo da dívida envolver, porém, responsabilidade meramente Civil, haverá que ressalvar, nos termos da parte final da alínea b), os casos abrangidos pelo disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 1691.<br> Trata-se, por exemplo, de um caso de responsabilidade Civil pelos danos resultantes de um acidente de viação, em que o veículo causador dos danos, pertença de um dos cônjuges, andava em serviço do estabelecimento comercial deste, ou circulava por ordem de ambos os cônjuges ou se deslocava para a realização de uma tarefa de interesse comum, ordenada pelo cônjuge administrador nos limites dos seus poderes de administração.<br> Em qualquer destes casos, e em situações análogas (vg, acidente de trabalho ocorrido com empregado contratado pelo cônjuge administrador ou com empregada contratada pela mulher no exercício do governo doméstico), as dívidas correspondentes responsabilizam ambos os cônjuges.<br> O Dr. Augusto Lopes Cardoso, escrevendo na Revista dos Tribunais, Ano 86, página 105, diz o seguinte:<br> "A respeito de dívidas provenientes deste tipo de responsabilidade, exclusivamente civil, já pode fazer-se a prova de que houve proveito comum para o casal, de molde a fazes responder o outro cônjuge".<br> "Não existirá esse proveito no caso de acidente de viação, com culpa objectiva, como é manifesto, e, portanto, por indemnização assim fixada não responde o outro cônjuge; o mesmo se diga da culpa "proprío jure dicta".<br> E em nada acrescenta: isto resulta não só dos princípios do proveito comum, mas também do disposto no artigo 56, 11, do Cód. da Est., donde flui que, sendo a responsabilidade exclusiva do cônjuge, a dívida assim criada permite execução com separação de meações.<br> A dívida resultante do acidente de viação em causa neste processo, implicando responsabilidade meramente civil, não está abrangida pelos n. 1 e suas alíneas ou 2 do artigo 169, do Código Civil.<br> Logo, não pode ser por ela responsável a ré Maria da Graça, esposa do réu A, como se vê da certidão de casamento junta a folhas 86.<br> <br> Nos termos expostos decide-se conceder em parte a revista e absolver a ré B do pedido, nessa parte se revogando o acórdão impugnado e a sentença por ele confirmada.<br> Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal pela autora e pelo réu A na proporção de 6/10 e 4/10 respectivamente.<br> LISBOA, 6 DE JULHO DE 1993.<br> <br> EDUARDO AUGUSTO MARTINS,<br> OLÍMPIO DA FONSECA,<br> CARLOS DA SILVA CALDAS.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1. Relatório<br> A, propôs na comarca de Lisboa, acção condenatória contra "SDT - Electrónica Lda.", a pedir a condenação desta em 4000000 escudos, correspondente à quantia entregue por ele como caução, em troca do fornecimento, por esta, à experiência por seis meses, de material de radiodifusão que não serviu para o fim em vista e cuja devolução já lhe ofereceu infrutiferamente, e bem assim nos juros de mora, desde a entrega daquela importância.<br> A ré contestou a legitimidade do demandante porque estabelecera relações comerciais com a socidade Frequência Mais Nova - Sociedade Comercial de Radiodifusão Lda, impugnou os factos e deduziu reconvenção em que pediu o pagamento de 3254000 escudos correspondentes à prestação em falta pela efectivada compra desse equipamento, no termo daquele prazo de seis meses, a 19 de Maio de 1988 e juros de mora à taxa legal, desde esta data.<br> O autor, na réplica esclareceu que a sociedade fora dissolvida, e contrariou a reconvenção.<br> Foi lavrado despacho saneador que reconheceu legitimidade como autora, àquela sociedade entretanto dissolvida, agindo o requerente como seu liquidatário, e depois veio a ser organizada a especificação e o questionário.<br> Oportunamente realizou-se o julgamento e a sentença condenou a ré na quantia pedida, á excepção dos juros de mora que só seriam contados desde a citação, e em contrapartida, absolveu a autora do pedido reconvencional.<br> A ré, inconformada, apelou, mas a Relação confirmou a sentença.<br> Mais uma vez recorreu, agora para este Tribunal, para obter a improcedência da acção e a procedência da reconvenção, conluindo deste modo as suas alegações:<br> 1 - Está provado que a recorrida e a recorrente acordaram no fornecimento, pela última à primeira, de material de radiodifusão, com valor de 7254000 escudos, com um período experimental de seis meses, findos os quais, se a recorrida decidisse adquirir o equipamento teria de pagar o remanescente do preço e se decidisse não o adquirir, devolvê-lo-ia e a recorrente devolveria a quantia entregue a título de caução.<br> 2 - Para que a compra e venda se não concretizasse, a recorrida deveria, dentro do prazo de seis meses, devolver o equipamento.<br> 3 - Da verificação ou não de tal devolução implicaria, respectivamente, a não concretização ou a concretização da compra e venda.<br> 4 - À recorrida competia provar que dentro do prazo convencionado devolvera o material ou, pelo menos, o pusera à disposição da recorrente.<br> 5 - Por tal motivo, foi, em 1. instância, elaborado um quesito do teor seguinte: &lt;&lt;Não tendo o material agradado<br> à autora (ora recorrida), esta, antes de decorrido o prazo de seis meses, pediu à ré (ora recorrente) para retirar o equipamento e lhe devolver o valor da caução prestada e respectivos juros?&gt;&gt;.<br> 6 - O ónus da prova de tal matéria quesitada, chave da decisão da causa, competia à recorrida.<br> 7 - Tal quesito foi considerado não provado.<br> 8 - Foi provado que a recorrente pediu à recorrida, muito depois de decorrido o prazo de seis meses, o pagamento do saldo do preço.<br> 9 - Era à recorrida que competia provar que dentro do prazo se pronunciara pela não aceitação.<br> 10 - E tal não foi provado pela recorrida.<br> 11 - Pelo que, nos termos do artigo 923 do Código Civil, a compra e venda se considerava concretizada.<br> 12 - Está provado que o material continuou na posse da recorrida após o decurso do prazo de seis meses.<br> 13 - As partes atribuiram, por convenção, ao silêncio ou inacção da recorrida o valor de manifestação da vontade de concluir a compra e venda.<br> 14 - Competia à recorrida provar que, dentro do prazo convencionado, não houvera de sua parte silêncio ou inacção.<br> 15 - E tal não foi provado pela recorrida.<br> 16 - O douto acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos artigos 923 e 218 do Código Civil.<br> 17 - Pelo que deve ser revogado e substituido por outro que julgue a acção improcedente e a reconvenção procedente.<br> A parte contrária alegou, defendendo a legalidade do julgado.<br> Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 2. Fundamentos<br> Os Factos:<br> Seriando cronologicamente a matéria de facto, ficou provado na Relação:<br> I - A autora e ré acordaram no fornecimento pela última à primeira de material de radiodifusão, com o valor de 7254000 escudos (incluindo IVA), com um período experimental de seis meses, findos os quais, se a autora se decidisse adquirir o equipamento teria que pagar o remanescente do preço do equipamento e se decidisse não o adquirir devolveria este e a ré devolveria a quantia entregue a título de caução (alínea A da especificação).<br> II - Em 19 de Novembro de 1987 a ré forneceu à autora o equipamento referido em I) (alínea B da especificação).<br> III - Na mesma data a autora entregou à ré, a título de caução, dois cheques no valor de 2000000 escudos cada um, cujo montante a ré recebeu (alínea C da especificação).<br> IV - O equipamento referido em I) havia sido importado pela ré (alínea D da especificação).<br> V - Em 2 de Setembro de 1988, a ré enviou à autora uma carta, acompanhada de uma factura com o valor de 3254000 escudos, com o seguinte conteúdo:&lt;&lt;Junto enviamos a nossa factura n. 88035 referente ao emissor FM a qual não foi enviada em devido tempo a pedido da Direcção Comercial, dado que seria entregue em mão na reunião com<br> V. Exas., que se tem vindo a arrastar sucessivamente.<br> Solicitamos que procedam ao pagamento do montante em dívida o mais rapidamente possível&gt;&gt; (resposta ao quesito 4-A).<br> VI - Em 6 de Junho de 1989 a autora enviou à ré uma carta com o seguinte conteúdo: &lt;&lt;Na sequência dos vários contactos telefónicos entre nós, que se vão arrastando há longos meses, informo V. Exa., de se dignarem no mais curto prazo possível retirar v/material, aqui mencionado ... Agradecendo a N/favor a caução que nós fizemos a título experimental. Caso subsista demora, teríamos de recorrer à cobrança de juros sobre esse capital, com início em data de 19 de Maio de 1988 segundo a taxa ao abrigo da lei em vigor&gt;&gt; (alínea F da especificação).<br> VII - Em 5 de Dezembro de 1990 o equipamento referido em<br> I) foi apreendido pela Alfândega de Lisboa, com o fundamento na permanência de tempo superior ao permitido de material importado sem o pagamento de "direitos" (alínea E da especificação e resposta ao quesito 4-B).<br> Foram dados como não provados os seguintes quesitos:<br> 1 - Não tendo o material referido em A) agradado à "Frequência Mais Nova", esta, antes de decorrido o prazo de seis meses referido em A), pediu-lhe para retirar o equipamento e para lhe devolver o valor da caução prestada e respectivos juros?<br> 2 - A "Frequência Mais Nova" utilizou o equipamento referido em A), para além do período de seis meses (até Dezembro de 1998) referido em A)...?<br> 3 - ... sem que, dentro desse prazo, comunicasse à ré qualquer decisão no sentido de não adquirir aquele equipamento?<br> 4 - Autora e ré negociaram o pagamento em prestações, do saldo do preço do equipamento?<br> 5 - A ré confirmou a aceitação dessa forma de pagamento, através da carta enviada à autora em 7 de Dezembro de 1988?<br> O Direito:<br> Em primeiro lugar, há que definir o contrato celebrado entre as partes.<br> Poderia ser-se tentado a configurá-lo como um empréstimo garantido por uma caução, a que seguiria uma venda se o equipamento servisse para o fim em vista, abatendo-se no preço, o valor da caução. Não parece ser esta, a situação mais adequada à realidade, visto que na estrutura do comodato a coisa pertence ao comodante e é entregue apenas para que o comodatário a utilize e a restitua ao fim de certo tempo ou quando a outra parte o pedir. O que se verificou foi que o equipamento foi cedido para que o autor o experimentasse e o adquirisse se lhe agradasse, convencionando-se para o efeito da aquisição, um prazo de seis meses.<br> Também não se verificam requisitos para o identificar como um aluguer-venda, visto que não houve intenção de locar, nem correspondente retribuição.<br> O acordo enquadra-se, antes, num contrato de compra e venda a contento, como aliás a qualificaram as instâncias, ou seja, uma compra e venda sob reserva de a coisa agradar ao comprador, como a define o artigo 923 do Código Civil (diploma ao qual pertencerão os restantes artigos que vierem a ser citados).<br> Com efeito, a ré forneceu à autora, um equipamento de radiodifusão, que esta se propôs adquirir, se, ao fim de seis meses de utilização, lhe agradasse, pagando, então, a diferença entre o valor da caução e o preço acordado.<br> É certo que, paredes meias com esta modalidade, existe a venda sujeita a prova, em que a coisa objecto de contrato<br> é entregue à experiência, para ser adquirida se tiver a idoneidade ou as qualidades asseguradas pelo vendedor (artigo 925).<br> No caso "sub iudice", não ressalta, porém, suficientemente nítido, que o contrato dependesse de um exame a efectuar ou de uma apreciação sobre a aptidão do equipamento por parte do comprador, antes resultasse, de uma faculdade discricionária deste.<br> De qualquer modo, sempre se teria de entender que as partes adoptaram a primeira modalidade, como na dúvida, dispõe o artigo 926.<br> Como passo subsequente, impõe-se indagar o regime desse contrato. A compra e venda a contento, é feita sob reserva de a coisa agradar ao comprador.<br> Não há desde logo uma venda efectiva, pois que o acto do vendedor vale como uma proposta de venda. Ele deve facultar a coisa e é só no momento da aceitação que o contrato se forma, como resultado do encontro da proposta e dessa aceitação (P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, II, p. 224).<br> Valendo este contrato como uma proposta de venda, o proponente, nos termos da alínea a) do n. 1 do artigo 228<br> é obrigado a manter a proposta pelo prazo fixado para a aceitação.<br> Por sua vez o comprador deverá, em princípio, manifestar a sua vontade emitindo uma declaração de aceitação ou de não aceitação a fim de que se conclua ou não, o contrato.<br> Mas, a proposta também se considera aceite - conforme é expresso o artigo 923 n. 2 - se, entregue a coisa ao comprador, este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação, nos termos do n. 1 do artigo 228.<br> Atribuiu-se ao silêncio determinado significado.<br> É que, doutrinariamente, o silêncio tem sido entendido de diversos modos.<br> Defenderam-se, ao longo dos tempos, pelos menos, três posições que ficaram conhecidas pelos seguintes brocardos: a) "quem cala consente"; b) "quem cala quando pode e deve falar consente", ou "parece consentir"; c) "quem cala não nega nem confessa", "não quer dizer sim nem não".<br> Nenhuma destas singelas regras é suficiente, porém, pois que a vida é muito mais complexa.<br> Assim, embora a última máxima, possa dizer-se subjacente ao artigo 218, a verdade é que, em casos especificados, aquela disposição considerou justificável atribuir determinado valor, ao silêncio.<br> Deste comando extrai-se a regra de que o silêncio não vale como declaração, nada significa, salvo se por lei, uso ou convenção lhe for atribuido determinado significado negocial. Trata-se de posição decorrente da já anteriormente seguida por Cabral de Moncada (Lições de Direito Civil, 1995, p. 563 e seguintes) e Manuel de Andrade, (Teoria Geral da Relação Jurídica, II, p. 134 e seguintes); (cfr. ainda Stolfi, Teoria del Negócio Jurídico, Madrid, 1959, p. 208).<br> Ora, precisamente, o citado n. 2 do artigo 923, ao dispor que a proposta, na venda a contento, se considera aceita se, entregue a coisa ao comprador, este não se pronunciar dentro do prazo da aceitação, constitue um dos paradigmáticos casos em que por lei, o silêncio, vale como aceitação (cfr. Mário de Brito, Código Civil Anotado, I,<br> 244; Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas, II, 148 e Notas ao Código Civil, I, 248; Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 63, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 426; P. Lima e A. Varela, Código Civil,<br> Anotado, I, 209 e II, 224).<br> Trata-se de um silêncio juridicamente "eloquente" ou "comprometido", impondo-se ao comprador um ónus de emitir uma declaração de vontade, sob pena de se ter por aceite a proposta.<br> No caso dos autos, o equipamento foi entregue pela ré à autora em 19 de Novembro de 1987 contra a entrega de 4000000 escudos, e fixado pelas partes o prazo de seis meses para a aceitação, o qual terminaria, pois, em Maio de 1988. Em 2 de Setembro de 1988 a ré, enviou carta, solicitando o pagamento do resto do preço em dívida, de 3254000 escudos, enquanto que a autora em 6 de Junho de 1989 pediu a devolução do dinheiro entregue e a retirada do material.<br> Não tendo a autora, naquele prazo, tomado nenhuma iniciativa, significa que o deixou escoar sem qualquer declaração ou manifestação de vontade, pelo que não há senão que interpretar o seu silêncio, como aceitação, a levar ao aperfeiçoamento do contrato.<br> Não se pode concluir como fizeram as instâncias, ao arrepio daquelas normas, que à ré é que incumbiria provar<br> - o que não conseguira - que a autora tinha aceitado a proposta de compra, dando, na sequência deste raciocínio, o realizado.<br> Procedem, nesta matéria, as conclusões da alegação da recorrente, tendo ela direito ao pagamento do resto do preço do equipamento.<br> Mas não se provou que esse pagamento tivesse sido clausulado com prazo certo, (ainda em 2 de Setembro de 1988 a ré pedia que ele se fizesse o mais rapidamente possível e em 6 de Junho de 1989 a autora retorquia invocando mora da parte contrária), deve entender-se que os juros de mora serão devidos, nos termos dos artigos 804, 805 e 806, desde a notificação à autora, da reconvenção.<br> 3. Decisão<br> Pelo exposto, concede-se a revista, absolvendo-se a ré do pedido e condenando-se a autora a pagar àquela a quantia de 3254000 escudos com juros de mora à taxa legal, desde<br> 28 de Fevereiro de 1992.<br> Custas neste tribunal e nas instâncias, pela recorrida.<br> Lisboa, 9 de Janeiro de 1995<br> Ramiro Vidigal.<br> Cardona Ferreira.<br> Oliveira Branquinho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Na Comarca do Porto, "A, Limitada propôs contra "EDP - Electricidade de Portugal, S.A." a presente acção com processo ordinário, na qual pediu que devia ser anulado o pagamento da quantia global de<br> 2334416 escudos feito pela autora à ré e que esta devia ser condenada a restituir àquela tal quantia, acrescida de juros vencidos desde 23 de Agosto de 1993 até<br> Outubro de 1993 - 48013 escudos - e vincendos, à taxa legal de 15 porcento, tendo para tanto alegado que a ré a obrigou a pagar aquela quantia, sob pena de lhe cortar a luz, muito embora aquela dívida fosse da responsabilidade da anterior proprietária do Hotel<br> Castro, que foi arrematado pela autora, e ainda que, se o pagamento não for anulável por uma coacção moral, a ré seja obrigada à restituição com base no enriquecimento sem causa, por ter integrado no seu património quantia paga pela autora sem qualquer justificação.<br> Na sua contestação, a ré disse não ter pressionado a autora a pagar a dívida em causa, antes foi ela quem, voluntária, livre e espontaneamente se prontificou a pagá-la, em substituição e sub-rogação da devedora e que não houve enriquecimento sem causa pois que só recebeu o que lhe era devido e que o corte de energia era um direito que tinha, tendo terminado por pedir a improcedência da acção.<br> Houve réplica da autora.<br> No saneador sentença, foi a acção julgada totalmente improcedente.<br> Desta decisão apelou a autora, mas a Relação julgou a apelação improcedente.<br> Do acórdão interpôs a autora recurso de revista, a qual, na sua alegação, concluiu assim:<br> I - a autora pediu a anulação dos pagamentos efectuados com dois fundamentos autónomos: ter a coacção moral exercida pela ré e, subsidiariamente, ter sempre direito à repetição do indevido segundo as regras do enriquecimento sem causa, sendo esta última uma causa de pedir autónoma e subsidiária em relação à primeira;<br> II - considerou-se provado que o recorrente, em 29 de<br> Março de 1993, por intermédio do seu representante legal, Doutor Manuel Gonçalves, se dirigiu aos serviços da ré, informando que, com a arrematação do prédio pela sua representada, esta passou, desde a respectiva data, a ser responsável pela continuidade da exploração do<br> Hotel Castro, e que, perante tal circunstância, a recorrida ameaçou suspender o fornecimento de energia caso a recorrente não liquidasse os débitos deixados pela sociedade imobiliária anterior titular do Hotel, sendo esta a única condição para não suspenderem os fornecimentos;<br> III - para evitar os elevados prejuízos decorrentes da suspensão, a recorrente liquidou os 2334461 escudos, referentes a consumos de energia de Janeiro a Março de<br> 1993, da responsabilidade da referida sociedade imobiliária;<br> IV - a recorrida só aceitou a celebração de novo contrato com a recorrente em 7 de Outubro de 1993;<br> V - o direito à suspensão do fornecimento previsto no<br> Decreto-Lei 103-C/89, de 4 de Abril, mercê do não pagamento de consumos anteriormente facturados, não era oponível à autora porquanto era um direito emergente de uma relação jurídica de fornecimento de energia entre a recorrida e a "Sociedade Imobiliária e Turismo do Hotel<br> Castro, S.A.", à qual a recorrente era totalmente estranha;<br> VI - o direito de "ameaça" com o exercício desse direito de suspensão como forma de "pressão" do devedor a pagar, a existir e ser legítimo, pelas mesmas razões não era oponível à recorrente estranha à relação jurídica que lhe serve de base, pelo que foi manifestamente ilícita a conduta da ré ao ameaçar a autora com os cortes de energia como forma de a compelir a pagar a dívida que não lhe competia;<br> VII - De acordo com o disposto no artigo 1 das condições gerais aprovado pelo Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, o distribuidor é obrigado a fornecer energia eléctrica nas condições dos artigos<br> 116 e 118 e seus parágrafos do Decreto-Lei n. 43335, a quem lhe requisitar, dentro da área da sua concessão", e dispõe o artigo 118 daquele diploma que os concessionários "são obrigados a fornecer energia a quaisquer consumidores que a requisitem";<br> VIII - a recorrente alegou que, no referido dia 29 de<br> Março de 1993, solicitou a mudança de titular do contrato de fornecimento ao que a recorrida se recusou alegando que a única forma de evitar a suspensão era pagar a dívida deixada pela antecessora;<br> IX - celebrado novo contrato de mudança de titular para o nome da recorrente, a recorrida podia exigir desta a prestação de caução a fim de garantir os fornecimentos que lhe viesse a prestar de acordo com o disposto no artigo 8 do Decreto-Lei 103-C/89, de 4 de Abril;<br> X - como se alegou no recurso de apelação, só mediante a sujeição da causa a especificação e questionário, só poderia efectuar prova no sentido destas alegações da recorrente, matéria controvertida porque impugnada pela recorrida, essencial para a boa decisão da causa;<br> XI - assim o exercício de "ameaça" de suspensão de fornecimento perante a recorrente com quem não tinha qualquer contrato, como forma de a "pressionar" a pagar dívida de terceiro, tem de ser considerado ilícito, pelo que o acórdão recorrido violou desta forma o artigo 255 do Código Civil;<br> XII - de qualquer forma, a conduta da ré, na pressuposição da existência do direito que se arroga, sempre teria exercido manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do direito exercido, já que o não exercia contra um consumidor-devedor que não pagava os seus consumos anteriores, mas sim in casu, perante um terceiro de boa fé que nada tinha a ver com os valores em débito;<br> XIII - para os efeitos da anulação por coacção moral, ameaça é havida como ilícita, mesmo quando proveniente do exercício de um direito, desde que esse exercício seja abusivo nos termos do artigo 334 do Código Civil<br> (Mota Pinto, Ob. Cit., 529), o que, a reconhecer-se o pretenso direito como oponível à autora, seria o caso na situação sub judice, certo sendo que o abuso de direito é de conhecimento oficioso;<br> XIV - o fim social e económico do direito legalmente reconhecido à recorrida em suspender os fornecimentos de energia aos seus consumidores-devedores, bem como o de usar de ameaça com o exercício de um direito como forma de pressionar ao pagamento, destina-se a evitar a manutenção de fornecimento a entidades que previsivelmente não efectuaram o respectivo pagamento e não o de servir de meio para obter de terceiros não devedores o pagamento de débitos dos seus clientes<br> "relapsos".<br> XV - ao contrário do que se alega no acórdão recorrido, a recorrente não ficou sub-rogada nos direitos da recorrida em relação à sociedade imobiliária devedora, dado que não havia garantido o cumprimento desses débitos, e para os efeitos do artigo 592 n. 1 do Código<br> Civil, só se considera terceiro directamente interessado na satisfação do crédito "quem é ou pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretende evitar essa consequência, não sendo o caso da recorrida, não se podendo, assim, deixar de considerar abusivo o pretenso exercício de direito pela recorrida;<br> XVI - nem o facto de o representante legal da recorrente, que se apresentou perante a recorrida em 29 de Março de 1993 ter sido três anos antes administrador da sociedade devedora, releva no sentido de afastar o abuso de direito;<br> XVII - a admitir-se que a recorrida agiu no exercício de um direito, então esse exercício deverá ser considerado abusivo porque contrário ao fim social e económico do direito, e exercido contra um terceiro com o fim de "pressionar" este ao pagamento de uma dívida alheia, violando desta forma o acórdão os artigos 334 e<br> 255 do Código Civil, devendo por essa via ser revogado o acórdão recorrido, por erro na aplicação do direito e porque a matéria fáctica fixada não permite, por si só, que seja proferida decisão em sentido contrário, deverá ser ordenada a baixa do processo à 2. instância para ampliação da matéria de facto de forma a constituir base suficiente para a decisão da causa (artigo 729 n.<br> 3 do Código de Processo Civil);<br> XVIII - Não sendo tal possível ao Tribunal da Relação deve este remeter o processo à 1. instância para organização da especificação e do questionário relativamente ao campo fáctico subsistente;<br> XIX - por outro lado, é assente que a recorrente pagou uma dívida de terceiro, que não lhe competia, donde resultou um empobrecimento para a mesma, sem causa justificativa, e ao qual corresponde um enriquecimento da recorrida por ter recebido daquela um pagamento que não lhe competia tratando-se, por isso, do cumprimento de uma obrigação inexistente na esfera patrimonial da recorrida, "inexistente" para efeitos do artigo 476 n.<br> 1 do Código Civil, não se exigindo a certeza por parte do solvens da inexistência no momento em que a cumpre, podendo o mesmo até efectuá-la por "uma cautela" para<br> "evitar os incómodos e as despesas de um litígio com o credor", no caso em apreço para evitar as consequências prejudiciais decorrentes da suspensão de fornecimento de energia eléctrica;<br> XX - a não ser atendido o pedido principal de anulação por coacção moral, deve revogar-se o acórdão recorrido, reconhecendo-se à recorrente o direito à repetição do que prestou e consequente restituição tendo o acórdão recorrido violado, sob este aspecto, os artigos 476 n.<br> 1 e 474, ambos do Código de Processo Civil.<br> Na sua contra-alegação, a recorrida pugnou pela manutenção do acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos, cabe decidir.<br> Vêm provados os factos seguintes:<br> 1- a autora adquiriu, em 26 de Março de 1993, por arrematação em hasta pública, o direito de propriedade sobre o prédio urbano composto de cave, r/c e quatro andares, sito na Rua das Doze Casas, 9 a 35, e na Rua da Alegria, 679 a 689, da cidade do Porto;<br> 2- o recheio, incluindo a designação "Hotel Castro", insígnias e marcas referentes ao estabelecimento hoteleiro, foi adquirido pelo Doutor Manuel Gonçalves e mulher;<br> 3- a anterior proprietária do estabelecimento e prédio,<br> "Sociedade Imobiliária e Turística do Hotel Castro<br> Limitada", tinha celebrado com a ré um contrato para o fornecimento de energia eléctrica, sendo atribuído à cliente o n. 6050-06720;<br> 4- à data de 26 de Março de 1993, o referido contrato ainda se encontrava em vigor e a mencionada sociedade era devedora à ré da quantia de 2334416 escudos, proveniente do consumo de energia eléctrica referente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 1993, incluindo juros de mora no montante de 16802 escudos;<br> 5- em 5 de Fevereiro e 5 de Março de 1993, a ré enviou<br> à referida Sociedade Imobiliária cartas em que lhe comunicava o montante de débitos até antes vencidos e não regularizados e que se reservava o direito de suspender o fornecimento de energia até à integral realização da dívida;<br> 6- em 29 de Março de 1993, o Doutor Manuel Gonçalves, intitulando-se sócio gerente da autora, procurou dar conhecimento à ré da transmissão da propriedade da referida unidade hoteleira e solicitou a mudança do contrato de fornecimento de energia eléctrica de que era titular a atrás mencionada Sociedade Imobiliária no sentido de que a consumidora passava a ser a autora;<br> 7- mais foi solicitado à ré que, face às circunstâncias então trazidas ao seu conhecimento, não procedesse à suspensão do fornecimento de energia e pela ré foi respondido que a única forma de evitar a suspensão era a da regularização da dívida;<br> 8- face ao propósito da ré em proceder à suspensão e atentas as consequências desta, nomeadamente a paralisação por tempo indeterminado do Hotel, com os inerentes prejuízos e descrédito do mesmo e porque queria a todo o custo evitar prejuízos, a autora liquidou nesse mesmo dia o montante das facturas vencidas e, posteriormente, na data do vencimento, a factura relativa a Março de 1993;<br> 9- o referido Doutor Manuel Gonçalves tinha, em anteriores ocasisões, contactado a ré, na qualidade de administrador daquela Sociedade Imobiliária;<br> 10- Esta Sociedade Imobiliária não participou à ré a cessação ou mudança de designação do consumidor do contrato com ela celebrado, certo sendo que esta mudança foi efectuada em 7 de Outubro de 1993, por apólice de contrato celebrado entre a ré e a autora;<br> 11- a autora pretendia dar normal continuidade à exploração do Hotel Castro.<br> O artigo 255 do Código Civil dispõe:<br> 1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.<br> 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.<br> 3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples termo reverencial.<br> E o artigo 256 do mesmo Código preceitua:<br> A declaração negocial extorquida por coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave e mal e justificado o receio da sua consumação.<br> Pois bem, decorre destes preceitos que a coacção moral depende da verificação cumulativa dos requisitos seguintes: a) é preciso que a coacção seja essencial, determinante, b) é necessário que haja a intenção de extorquir a declaração, c) tem a ameaça ou cominação de ser ilícita, ilicitude esta que tanto pode resultar da ilegitimidade dos meios empregados como da ilegitimidade do fim, ou melhor, ilegitimidade da prossecução de certo fim com determinados meios, certo sendo que não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito. d) na coacção exercida pelo declaratário, não se exige nem a gravidade do mal nem o receio justificado da sua consumação (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 1973, páginas 598 e seguintes; Heinrich Ewald<br> Horster, Teoria Geral do Direito Civil, páginas 585 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil<br> Anotado, volume I, 4. edição, página 238; Castro<br> Mendes, teoria geral do Direito Civil, volume II, edição de 1979, páginas 116 e seguintes).<br> Ora, afigura-se-nos que, no presente caso, se verificam estes requisitos.<br> Recapitulando a matéria de facto com interesse, temos: até 26 de Março de 1993, o consumidor da energia eléctrica foi a "Sociedade Imobiliária e Turística do<br> Hotel Castro Limitada" e não a autora, que só adquiriu o Hotel nessa data, para além de que foi com aquela que a ré, a EDP, celebrou o contrato para o fornecimento de energia eléctrica e a quem comunicou, em 5 de Fevereiro de 1993, e em 5 de Março de 1993, que se reservava o direito de suspender o fornecimento de energia até à integral realização da dívida; quando, em 29 de Março de 1993, o Doutor Manuel Gonçalves solicitou à ré a mudança do contrato de fornecimento de energia eléctrica daquela "Sociedade Imobiliária e Turística do<br> Hotel Castro Limitada" para a sociedade autora, por esta ter passado a ser a consumidora e lhe pediu que por isso não procedesse à suspensão do fornecimento de energia eléctrica, ela, ré, respondeu que a única forma de evitar a suspensão era a da regularização da dívida e, perante este propósito da ré em proceder à dita suspensão, a autora, atentas as consequências desta suspensão, nomeadamente a paralisação por tempo indeterminado do Hotel, com os inerentes prejuízos e descrédito do mesmo, logo nesse dia liquidou o montante das facturas já vencidas e, a seguir, na data do vencimento, a factura relativa a Março de 1993.<br> Estes factos demonstram que a ré, com a intenção de forçar a autora ao pagamento da dívida da energia eléctrica, do montante de 2334416 escudos, relativa aos três primeiros meses de 1993, coagiu-a psicologicamente, de modo essencial, determinante, na medida em que a ameaçou com a suspensão do fornecimento de energia eléctrica, suspensão esta de que resultariam prejuízos para os negócios da autora.<br> Estão, assim, verificados os requisitos das alíneas a), b) e d) supra.<br> Mas também se verifica o requisito da alínea c), ou seja, a ilicitude da ameaça.<br> Com efeito, não se contesta que a ré, por virtude do preceituado no artigo 3 ns. 1 e 2 do Decreto-Lei<br> 103-C/89, de 4 de Abril, tinha o direito de suspensão do fornecimento de energia eléctrica. Contudo, tal direito só podia ser exercido contra a "Sociedade<br> Imobiliária e Turística do Hotel Castro, Limitada", por ser esta quem havia consumido a energia eléctrica em dívida, sendo, portanto, ela quem estava obrigada a pagá-la.<br> Deste artigo 3 ns. 1 e 2 e também dos artigos 29 e 30 das Condições Gerais de Venda de Energia Eléctrica Em<br> Alta Tensão, ex-vi do artigo 165 do Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1960, resulta claramente que é o consumidor quem tem a obrigação de pagar a energia eléctrica consumida e que só em relação a ele tem sentido a reserva do direito de suspensão do fornecimento de energia eléctrica.<br> Assim, a ré não tinha o direito de suspensão do fornecimento de energia eléctrica à autora e estava obrigada a fornecer-lhe esta energia, sem que ela tivesse previamente de pagar a dívida da anterior consumidora, mediante a celebração de novo contrato, de acordo com o preceituado nos artigos 117 e 118 do citado Decreto-Lei 43335, do artigo 1 das mencionadas<br> Condições Gerais e do artigo 7 do Caderno de Encargos -<br> Tipo Para Uma Concessão de Grande Distribuição de<br> Energia Eléctrica. O que a ré podia ter exigido era a prestação de caução pela autora, novo consumidor, nos termos do artigo 46 das referidas Condições Gerais e do artigo 5 do Decreto-Lei 103-C/89.<br> Sendo assim, e relativamente à autora, a ré fez uma ameaça ilícita, dado não se traduzir na ameaça do exercício normal de um direito dela, o qual não existia em relação à autora mas sim em relação à anterior consumidora da energia eléctrica, que era a verdadeira devedora.<br> Por conseguinte, houve coacção moral.<br> E a consequência é a anulabilidade do pagamento da dívida efectuada pela autora, a arguir por ela dentro de 1 ano a contar da data em que pagou a última factura relativa a Março de 1993 (artigos 256 e 287 n. 1 do<br> Código Civil), pelo que a ré deve restituir tudo o que a autora lhe prestou (artigo 289 n. 1 do Código Civil).<br> Quanto aos juros, vale o disposto no artigo 801 n. 2 do<br> Código Civil, segundo o qual há mora independentemente de interpelação se a obrigação provier de facto ilícito, ou seja, no nosso caso, quando a autora pagou<br> à ré o montante da dívida da anterior consumidora (em<br> 29 de Março de 1993 quanto às facturas já vencidas de<br> Janeiro e Fevereiro, na data do vencimento da factura de Março de 1993); e a taxa legal é a fixada pelas<br> Portarias 447/80, de 31 de Julho (15 porcento) e<br> 1171/95, de 25 de Outubro (10 porcento), ao abrigo do preceituado no artigo 559 do Código Civil.<br> Nesta conformidade, é de julgar procedente o pedido principal formulado pela autora, o que nos dispensa de recorrer às regras do enriquecimento sem causa, recurso, de resto, proibido, dada a natureza subsidiária da acção baseada no enriquecimento sem causa (artigo 474 do Código Civil).<br> Mas admitindo, academicamente, que a acção não vingasse com fundamento na coacção moral, estamos em crer que ela sempre procederia com base no enriquecimento sem causa.<br> De harmonia com o disposto no artigo 473 n. 1 do Código<br> Civil o enriquecimento sem causa, como parte da obrigação de restituir, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) o enriquecimento de alguém, por aumento do activo ou diminuição do passivo, b) sem causa justificativa, isto é, sem existir uma relação ou um facto que, à luz da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo sistema legitime tal enriquecimento, c) à custa de quem requer a restituição, de modo que aquele enriquecimento está correlacionado com este empobrecimento (Pires de Lima e Antunes Varela, Ob.<br> Cit., 454 e seguintes; Antunes Varela, das Obrigações em Geral, volume I, 7. edição, páginas 467 e seguintes;<br> Galvão Teles, Direito das Obrigações, 4. edição, páginas 182 e seguintes).<br> Ora, com o pagamento da quantia de 2334416 escudos, feito pela autora à ré, esta enriqueceu, por aumento do seu activo, à custa do empobrecimento da autora em igual medida, pelo que estão verificados os requisitos acima indicados nas alíneas a) e c).<br> Mas também ocorre o requisito da alínea b), ou seja, a falta de causa justificativa, porquanto, como já se viu, a autora não tinha a obrigação de pagar a dita dívida de energia eléctrica mas sim a anterior consumidora.<br> Como Pires de Lima e Antunes Varela escreveram deve entender-se que a obrigação carece de causa de A entrega a B certa quantia para cumprimento de uma obrigação e esta não existe (Código Civil Anotado, volume I, 4. edição, página 455).<br> Estariamos, portanto, ante um caso de enriquecimento sem causa pelo que o enriquecido estaria obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou<br> (citado artigo 473 n. 1 do Código Civil).<br> Pelo exposto, concedendo a revista, revoga-se o acórdão recorrido e condena-se a ré a pagar à autora a quantia de 2334416 escudos, acrescida de juros vencidos no montante de 48013 escudos, até 14 de Outubro de 1993, e dos juros vincendos, às taxas legais de 15 porcento e<br> 10 porcento supra referidos, desde 14 de Outubro de<br> 1993 até integral pagamento.<br> Custas pela recorrida.<br> Lisboa, 11 de Março de 1997.<br> Fernando Fabião,<br> César Marques,<br> Martins da Costa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> 1. No 13. Juízo Cível de Lisboa, A como arrendatário de uma loja, accionou B, como senhorio, atinente a obter a condenação deste no pagamento da indemnização de 5000000 escudos, actualizado com os índices de inflação, pelos prejuízos por este causados por ter faltado culposamente ao cumprimento do respectivo contrato de arrendamento, impedindo o gozo e fruição da loja arrendada, contrato reduzido a simples escrito.<br> O R. devidamente citado, alega a nulidade do invocado contrato, que apelida de contrato promessa de arrendamento ou, se assim se não entender, impugnou e deduziu pedido reconvêncional, pedindo a condenação do A. no pagamento de 424000 escudos, total de parcelas não pagas e valor de danos que lhe causou.<br> Na sequência da sua normal tramitação foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o R. a pagar ao A. a quantia que se liquidar em execução de sentença relativo à quantia que o A. deixou de receber, bem como do valor dos bens que ficaram em poder do R., e improcedente o pedido reconvencional, dele absolveu o A.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação de Lisboa folhas 128 a 137 concedendo provimento ao recuso, revogou a sentença "no que tange à condenação do réu a pagar ao Autor a título de indemnização, o que este deixou de auferir, por força do especificado sob alínea g), a liquidar em execução de sentença.<br> Daí a presente revista.<br> 2. O recorrente nas suas alegações conclui: a) O artigo 165 R.G.E.N. não estabelece a nulidade dos contratos de arrendamento de imóveis construídos sem licença de construção, nem b) estabelece, explicita ou implicitamente, qualquer tipo de proibição, pelo que c) o contrato de arrendamento dos autos não pode considerar-se nulo nos termos do artigos 280 n. 1 e 294 do Código Civil. d) O contrato não está ferido de nulidade, como bem se decidiu em 1. instância. e) Decidindo o contrário, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 1029 n. 3 Código Civil.<br> O recorrido defende o Acórdão, concluindo: a) O contrato promessa celebrado é nulo por contrário à lei - norma imperativa. b) O objecto do contrato é impossível por falta de requisitos legais - inexistência de licença de utilização. c) À data em que a obrigação se constituiu a celebração do contrato prometido era impossível, pelo que a impossibilidade é originária. d) Sendo nulo o negócio jurídico não procede o pedido indemnizatório, pois, é, neste caso, aplicável apenas o n. 1 artigo 289 do Código Civil.<br> 3. Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4. Dando ordem lógica e cronológica temos como factos assentes pela Relação: a) Entre o A. e o R. foi celebrado o contrato constante do doc. página 7, pagando em consequência do mesmo o primeiro ao segundo uma prestação mensal que em Agosto de 1988 passou a ser de 28000 escudos alínea A) esp. b) Aquando da celebração daquele contrato o R. comprometeu-se a legalizar a situação da construção clandestina do imóvel onde se situa a loja em causa - resposta ao quesito 1. c) De modo a que então lhes fosse possível celebrar a escritura de arrendamento comercial dessa loja - resposta ao quesito 2. d) O R. nada diligenciou no sentido da legalização do prédio - resposta ao quesito 6. e) O A. prestou ao R. todas aquelas prestações até Outubro de 1988, inclusive, depositando na Caixa Geral de Depósitos os referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 1988 - Alínea B) esp. f) O A. depositou aquelas quantias na C.G.D., porque o R. se recusou a recebê-las - resposta ao quesito 26. g) O A. iniciou actividade comercial na loja objecto do contrato referido no alínea A) - alínea c) esp. h) Com os rendimentos que extraía da exploração da loja, o A. provia ao seu sustento - resposta ao quesito<br> 7. i) Os contratos de fornecimento de água e electricidade a essa loja continuaram em nome do R - alínea D) esp. j) Sendo o A., quem por acordo com o R., pagava os respectivos custos - alínea E) esp. l) Toda a correspondência dirigida ao A. e os avisos de pagamento de electricidade e de água eram postos na caixa do correio, da qual só o R. tinha as chaves - resposta ao quesito 25. m) Para os efeitos daquele pagamento era o R. quem fazia apresentar ao A. os respectivos avisos de pagamento - resposta ao quesito 3. n) O que deixou de fazer - resposta ao quesito 4. o) Dando origem a cortes no provimento de electricidade a que o A. obviou, pagando as facturas em atraso - resposta ao quesito 5. p) O R. comunicou ao A. que não autorizara que ele explorasse na loja uma pequena máquina de café - resposta ao quesito 13. r) Mais tarde, após o A. ter retirado aquela máquina, o R. comunicou-lhe que não autorizava que ele ali explorasse 4 mesas de bilhar - snookers - resposta ao quesito 14. s) A partir de Julho e Agosto de 1988 eram frequentes os desacatos e rixas provocados pelos indivíduos que iam jogar bilhar na loja, até altas horas da noite - resposta ao quesito 19. t) Sendo a polícia, por diversas vezes, chamada ao local - resposta ao quesito 20. u) Em Novembro de 1988, o R. pediu à E.D.P. o cancelamento do fornecimento de energia eléctrica à loja, o que se consumou em 7 de Dezembro de 1988 - alínea F) esp. v) Em 17 de Dezembro de 1988, o R. mudou a fechadura da loja, colocando ali uma corrente com um cadeado novo, impedindo, assim, a entrada do A. nessa loja - alínea G) esp. x) Ficando lá dentro os objectos constantes do artigo 25 da petição inicial, propriedade do A., à excepção dos bilhares, relógios e tacos, propriedade de terceiros - alínea H) esp. z) Ficaram em poder do R. os bens do A. referidos na alínea H) esp - resposta ao quesito 10.<br> 5. Colocam-se dois problemas jurídicos:<br> - o acordo consubstanciado no doc. junto a folha 7 e explicitado com a prova produzida, qualifica-se como contrato de arrendamento de loja ou como contrato promessa de arrendamento.<br> - validade desse acordo.<br> 6. As instâncias e o recorrente qualificam-no como contrato de arrendamento e o recorrido como contrato promessa.<br> A razão está naqueles.<br> Arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição - artigo 1022 e 1023 Código Civil e identicamente artigo 1 do<br> RAU.<br> Como sinalagmático, A. e R. vincularam-se reciprocamente: o R., como senhorio, ficou obrigado a proporcionar ao A. o gozo temporário da loja - o que aconteceu alínea c) da especificação - mediante uma retribuição que o A. se obriga a pagar - como fez - alínea B) esp. e resposta ao quesito 26 e documento junto a folha 30.<br> A retribuição mensal começou, à data do contrato, Abril de 1984, em 20000 escudos e passou a 28000 escudos a partir de Agosto de 1988 - alínea P) esp.<br> 7. Surpreendidos os elementos específicos deste contrato de arrendamento, como fonte e facto constitutivo da relação jurídica de arrendamento, há que analisar se estão reunidos os requisitos que a ordem jurídica postula, para ser juridicamente válido.<br> O arrendamento da loja, destinado ao exercício de comércio foi titulado por simples documento particular - folha 7.<br> A lei exige, para tanto, redução a escritura pública - artigo 1029 n. 1 alínea b).<br> Só que tal falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio - n. 3 artigo 1029.<br> Ora todo o peticionado pelo A., recorrente, assenta na existência de um contrato de arrendamento válido, que não foi cumprido pelo R., locador.<br> Como a loja dado de arrendamento estava inserida em imóvel construído clandestinamente - resposta quesito 1 -2 e 6 - facto do conhecimento de ambas as partes, ou seja, sem a indispensável licença camarária - artigos 1 e 7 do R.G.E.U., aprovado pela Lei 38382, de 7 de Agosto de 1951, A. e R. sabiam que não podiam celebrar a exigida escritura pública, como vem vasado no artigo 1 do Decreto-Lei 329/81, de 4 de Dezembro.<br> Este Decreto-Lei permitiu à câmara municipal prosseguir uma política de ordenamento urbanístico, orientando, através da emissão de licenças, a instalação dos estabelecimento comerciais e das zonas de serviços para determinadas áreas urbanas.<br> 8. O facto de não existir licença de construção estamos perante um imóvel construído clandestinamente - foi recebido de maneira diversa, juridicamente, pelas instâncias.<br> A 1. instância, considerou-o inócuo, sendo até omissiva quanto a ele, pois reputou, desde logo, o contrato como válido.<br> Foi adverso, o douto Acórdão recorrido, estribando-se no Acórdão do S.T.J. de 19 de Dezembro de 1969, Boletim 192, página 236, com concordante anotação do Professor Mota Pinto, R.D.E.S. ano XVII, n. 1, página 77, partindo da ideia de que sobre uma construção clandestina não pode contratar-se validamente e de que as disposições do R.G.E.U. - artigo 165 - são imperativas, concluiu pela nulidade do arrendamento.<br> 9. Salvo o devido respeito, não tem razão.<br> Nos termos do n. 1 do artigo 280 Código Civil é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja fisica ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.<br> Está de acordo com as antigas sentenças "ad impossibilia nemo tenetur" ou "impossibilium nulla obligatio este".<br> Há que distinguir o objecto imediato ou conteúdo, como os efeitos jurídicos a produzir e o objecto mediato ou stricto sensu, como o quid sobre que recaem aqueles efeitos.<br> O requisito da impossibilidade física deriva, como material e real que é, da própria natureza das coisas - sensum natura.<br> O da impossibilidade legal resulta da lei - ope legis ou ope imins traduzindo-se em tudo o que é impossibilitado pela lei ou não consentido pelo direito.<br> Na contrariedade à lei há a violação de uma proibição legal, daquilo que a lei reprova.<br> Os requisitos de validade exigidos por lei como limite à autonomia contratual dizem respeito não só ao objecto mediato como também ao objecto imediato ou conteúdo do contrato.<br> A impossibilidade será originária ou superveniente conforme exista ou não altura da constituição do vinculo.<br> Só aquele produz nulidade - artigo 401 n. 1<br> Deve atender-se para o efeito "à data em que a obrigação se constitui, sendo indiferente que se trate de uma impossibilidade definitiva de proibição ou de uma impossibilidade susceptível de desaparecer mais tarde" - Professor Almeida Costa, obg., página 469.<br> Assim se ensinava "Se, por contrato promessa, os contraentes se obrigam à conclusão de um contrato proibido por lei, o objecto daquele contrato é legalmente impossível; portando o contrato promessa de compra e venda de uma construção clandestina é nulo, por impossibilidade legal do seu objecto" - Professor Vaz Serra, Rev. Leg. Jur. ano 104, página 8 tomo I e<br> Mota Pinto, R.D.E.S. Ano 17 - n. 1 - páginas 85 a 87.<br> Só que temos de ter em consideração o estatuído nos artigos 165 e 167 do R.G.E.U. com redacção dada pelo Decreto-Lei 44268 de 31 de Março de 1962 e de estarmos perante um contrato de arrendamento.<br> Face ao estatuído no artigo 165 R.G.E.U. as câmaras municipais para além de outras penalidades, podem ordenar:<br> - a execução dos trabalhos.<br> - a demolição das obras executadas em desconformidade com o disposto nos artigos 1 a 7 (que serão o caso dos autos).<br> - ou determinar o despejo sumário dos inquilinos e demais ocupantes.<br> O direito da câmara de fazer demolir obras efectuadas ilegalmente, é um direito inalienável, fora do comércio e, por isso, imprescritível.<br> O artigo 165 permite que a câmara ordene a demolição, mas não a impõe.<br> Até a sua demolição poderá ser evitada artigo 167 - frente ao reconhecimento da susceptibilidade de se vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade.<br> Dentro deste quadro actua-se descricionariamente quanto à possibilidade de se evitar a demolição.<br> Por outro lado se se pode ordenar o despejo do inquilino é porque existe contrato e igual impossibilidade actualização da renda - C.J., 1991, Tomo II, página 139.<br> E de tal modo plenamente eficaz que, feitos os pesos de reparação de beneficiação, lhe é garantido - n. 3 artigo 168 - o direito à reocupação do prédio, mediante o aumento de renda nos termos legais.<br> Ao assinarem o contrato de arrendamento da loja em questão A. e R. sabiam que ela se situava em construção clandestina.<br> Tendo-se o R. comprometido a legalizar tal situação, está provado que nada fez nesse sentido.<br> Até à legalização o contrato é válido, não havendo impossibilidade originária aferida à data da conclusão do contrato, dada a falta de pronunciamento da autoridade camarária.<br> Se o pronunciamento vier a ser negativo a prestação contratual torna-se impossível.<br> Repete-se , a impossibilidade originária que não é o caso - impede que a obrigação se constitua validamente; a superveniente extingue a obrigação - artigos 790 e seguintes Código Civil.<br> Bem decidiu a 1. instância: Acórdãos do S.T.J. de 7 de Abril de 1992, Processo n. 80839.<br> 10. Termos em que, dando provimento ao recurso, se revoga-se o douto Acórdão recorrido e confirma-se a douta sentença proferida em 1. instância.<br> Custas pelo recorrido.<br> Lisboa, 20 de Junho de 1995.<br> Torres Paulo.<br> Ramiro Vidigal.<br> Afonso de Melo (dispensei o visto).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>- 1 -<br> As instâncias condenaram o R. A a pagar à A. "Sociedade Construtora de Obras Gerais Lda."<br> (SCAGL) 469827 escudos e quarenta centavos (421369 escudos e juros já vencidos), e juros vincendos sobre esses 421 contos e que ,aliás, constavam de um cheque da R. à A., mas não pago.<br> Tratava-se de dois contratos promessa de compra e venda de andares entre a "Imotur, Sociedade de Investimentos Turisticos" e o R. cujos contratos prometidos viriam a ser escriturados para la do prazo estabelecido nas promessas e por culpa da R.. Convencionara-se para essa culpa uma indemnização (cl. 5 do cont. prome.), e isso correspondendo as quantias base pedidas. E, entretando, a "Imotur" cedera a sua posição à "SCAGL" que, por isso, surge como A.<br> Além de impugnar êsse débito, o R. reconveio sobre defeitos dos andares recebidos enquanto comprador, pedindo à A. 564200 escudos, e juros desde 20.12.85.<br> Mas isso improcedeu, por celeridade no accionamento.<br> A revista do R. vencido desdobra-se tambem nos dois aspectos sumariados: Acção e reconvenção. a) - Sobre a primeira:<br> 1 - Prematura marcação pela A. da escritura de compra e venda para 16.11.83, quando tambem ela A. não estava em condições de vender; pois nem se constituira a propriedade horizontal e vigorava uma hipoteca, quando os andares eram vendidos livres de onus ou encargos.<br> Haveria assim culpa da A. e o contrario da banda da R., sendo que a presunção de culpa do art. 791 do Codigo Civil funciona para os dois lados (assim como tese da A., O R. arranjaria documentos e não o fizera a tempo, o mesmo deverá suceder do lado da A.).<br> 2 - Prematuridade, igualmente, quanto ao contrato de 14.9.83 por violação do prazo de 90 dias minimos para aviso. b) - Sobre a reconvenção (caducidade):<br> 1 - Desaplicação do artigo 917 do Código Civil usado pelas instâncias, já que só válido para o simples erro, e aplicação dos outros prazos dos seus artigos 309 e 498; e, ainda, por esse artigo 917 violar o artigo 201 da Constituição ao restringir ao curto prazo de 6 meses o acesso ao direito e aos tribunais.<br> 2 - Desaplicação, ainda, por a cessionária A. tomar exacta posição da Construtora Imotur (cessão de direitos desta àquela).E tratando-se de"imóvel de longa duração", o prazo serem 5 anos (Cód. Civil, art. 1225).<br> 3 - O alegado pela A. seria uma forma de "Venire contra factum proprium" por saber dos defeitos e alegar a caducidade.<br> Segundo o R., violar-se-iam os artigos 804.2, 1305 1414, 1417, 1418, 799, 309, 498, 914, 917, 227, 483 e ss, 562 e ss, 762.2 e 798 do Codigo Civil., 76 do C. Notariado, 2 do Registo Predial e 201 da Constituição da República.<br> Houve contra alegação.<br> - 2 -<br> Pela variedade das questões e sua interligação, importa assentar, antes de mais, nos factos com que podera resalvar-se o diferendum. E desde já, no tocante à reconvenção, assumem valor particular os relativos à posição concreta da A. "SCAGL", ou seja, a convenção de "cessão da posição contratual" (fls. 103). Vejamo-los: a) - Em 16.8.83 e 14.9.83 a "Imotur" por si, e no segundo caso pela SCAGL a representa-la, celebrou com o R. contrato promessa de compra e venda, livre de ónus ou encargos, relativa e respectivamente aos 3 andares F - corpo A, e I corpo B do prédio em construção "Village Martinho", logo sinalizado e com o preço restante de 2133 contos em ambos os casos. E a ser pago<br> "no acto da celebração da escritura que devera outorgar-se logo que a promitente vendedora esteja de posse da documentação necessária e nunca antes de 90 dias a contar dessa data" (fls. 35 e 38). b) - Entre a "Imotur", a A. (e a sociedade Quinta do Lambert SARL) celebrou-se um contrato a que chamaram "cessão de posição contratual".<br> Além do mais, disseram aí:<br> 1 - Por escritura de hoje (data ignorada; mas posterior a Setembro de 83 e antes de Março de 84 - escritura definitiva), a "Imotur" vende à "SCAGL" o citado prédio urbano, esclarecendo-se que a primeira prometera vender fracções autonomas do predio a diversas pessoas, aí se incluindo as dos referidos contratos promessa.<br> 2- Estes só podiam ser cumpridos, do lado da vendedora, pela proprietária, impondo-se que a SCAGL, adquirindo essa qualidade (de proprietaria) "assuma as obrigações que para a "Imotur" decorriam desses contratos promessa ficando investida nos direitos correspectivos", cedendo a segunda à primeira" as suas posições em todos os contratos promessa... com os inerentes direitos e obrigações, salvo quanto às fracções onde os compradores não aceitem a mudança do vendedor.<br> 3 - A Imotur obriga-se a entregar à SCAGL as quantias (sinais) recebidos, e cede-lhe os créditos sobre os promitentes compradores, obrigando-se o segundo a cumprir pontualmente os citados contratos promessa.<br> 4 - A Imotur comunicara aos promitentes compradores a "cessão de posição". Se eles a não aceitarem, aquela obrigar-se-á a readquirir os apartamentos à SCAGL que do mesmo modo, se obriga a revender-lhos nas condições primitivas e todas as despesas a cargo da primeira. c) - Com a escritura de compra e venda de 23.3.84, a R. emitiu um cheque a favor da SCAGL de 421369 escudos em pagamento dos juros (indemnização) assumida na citada clausula 5 e onde se estabelecia: Se, por facto imputavel ao promitente comprador, a escritura não se realizar na data convencionada com a promitente vendedora e ela autorizar a prorrogação... o promitente comprador obriga-se... a reembolsar a promitente vendedora de todas as despesas e encargos inerentes à quantia em divida, nomeadamente suportando os juros bancarios cobrados à promitente vendedora, calculados desde 1 mês após a comunicação da promitente vendedora para celebração da escritura até à sua efectivação, sendo despesas e encargos pagos no acto da escritura (o cheque não foi pago por descoincidência de assinatura). d) - Em cartas de 7.10.83. A A. avisou o R. da marcação das duas escrituras para 16.11.83, solicitando a entrega antecipada pelo segundo dos documentos necessarios às escrituras e que a ele respeitassem directamente. e) - O R. entregou esses documentos em 19.3.84. f) - Comprou ele as fracções ao abrigo da "poupança - credito" do DL. 540/76 e com hipoteca bancaria do emprestimo concedido. g) - Conforme a cl. 5, a A, debitou ao R. as mencionadas despesas e juros desde 16.11.83 (contrato promessa de 16.8.83) e desde 14.12 seguinte (contrato promessa de 14.9.83), tudo até à outorga em 23.3.84; emitindo as correspondentes notas de debito (fls. 39 e 43) de 239918 escudos e 181451 escudos e dez centavos, sendo que em ambas a divida originaria eram 2133 contos e que o A. avisou o R. entre 19.3 e 23.3 dos pagamentos a efectuar. h) - O cheque indicado em c) foi em pagamento dessas quantias; declarando a A. no dia da celebração das escrituras recusar-se a entrega-las se as quantias não fossem pagas. i) - A A. não foi a construtora das fracções vendidas; e entregou ao R. as chaves respectivas, pelo menos no acto da escritura. j) - A A. alienou as fracções apresentando as mesmas manifestos defeitos ou vicios de construção. l) - O R. denunciou-o em cartas de 2.5.84 após deslocar-se a Montechoro, repetindo-o em 26.6.85. m) - A A. acusou a recepção e enviou fotocopias das mesmas à "Imotur", construtora de empreendimentos" a fim de tomarem as diligencias que considerem necessarias à sua resolução, o que nunca sucedeu. n) - O R. dispendeu na reparação dos defeitos 564200 escudos. o) Em 16.3.84, a Caixa Geral de Depositos renunciou às hipotecas sobre as fracções, e relativas à garantia dos mútuos à "Imotur".<br> - 3 -<br> A conduta ilicita do R., base da pedida indemnização da cláusula 5 das promessas - e começa-se a análise por aí - assenta, recapitulando, o facto de ele se atrazar (mora) na entrega da documentação necessaria, reembolsando a vendedora das despesas inerentes ao debito de 2133 contos (nos 2 casos), nomeadamente os juros bancarios.<br> E concretiza-se ela nos pontos d), e) e g) anteriores, segundo os quais em 7.10.83, a A. convocou o R. à realização das escrituras em 16.1 e para a entrega dos documentos, o que o segundo só cumpriu muito depois em<br> 19.3.84. Dai os debitos de 239918 escudos e 70 centavos e 181451 escudos e 10 centavos previamente exigidos, e sendo satisfeita com o cheque aludido e não pago.<br> Assim, do lado da A. tudo se justifica, mas com uma ressalva.<br> É que, se no aviso para 16.11.83 foi observada a antecedencia (prazo) convencional relativamente à promessa de 16.8 - minimo de "90 dias desta data" e aviso com antecedencia minima de 10 dias (cit. pontos d), e) e g) - já relativamente à segunda promessa, a de 14.9.83, isso não sucedeu.<br> Na verdade, 90 dias desde então findam em meados de Dezembro, e a convocação para 16.11 é prematura. A obrigação de entregar documentos tinha prazo certo (ccv. art. 805 - 2 a), e o prazo ainda não findara, excluindo o onus do R. "minimo de 90 dias", repete-se, era o prazo convencionado.<br> Sendo assim, a exigencia de 181451 escudos e 10 centavos e juros vincendos não tem apoio legal ou convencional. Correspondentemente, procede a revista neste ponto.<br> Mas não assim relativamente à conclusão primaria.<br> Tambem aqui, segundo o R., haveria prematuridade e ausencia de mora mas por outras razões: não estar ainda a A. em 16.11, disponivel à escritura, por inconstituição da propriedade horizontal e subsistencia das hipotecas nos andares.<br> Só um dos factores desde logo é verdadeiro. E, sempre, alcance não é o pretendido.<br> A propriedade horizontal constituiu-se em 19.10.83, antes pois da época da escritura não realizada (fls. 159 e ss.). E, sempre ainda, o dado não foi articulado (art.664, 2 parte).<br> Quanto aos onus nos andares - hipotese da A. - já assim não é. So nas vesperas da escritura o credor hipotecario renuncia (ponto o), antes sumariado).<br> Mas isso é inconclusivo.<br> Trata-se agora de mora da A.; nada porem, se convencionou sobre tal nas promessas reciprocamente feitas. Mas nem por isso, a mora deixa de ser possivel.<br> Só que o termo final do prazo para a A. se habilitar findava com a propria escritura. E nessa data ela reuniu as condições necessarias pois a escritura fêz-se.<br> Saber se em 16.11.83 anterior a hipóteca fôra cancelada<br> é problema de facto (e direito) para que os autos não fornecem os dados necessarios. A esse proposito, até, a negativa ao quesito 17 não o favorece.<br> Mas, sempre, e nenhuma luz, podemos concluir que a renuncia cancelamento poucos dias antes da escritura signifique que o não pudesse ser tambem antes de 16.11.83. E isso era problema da A., responsabilizando-o, mas se assim tivesse sucedido.<br> Dito de outro modo, o cancelamento posterior a 16.11<br> (para mais sabido que essa data não ia ser cumprida) não demonstra a impossibilidade de fazer-se mais cedo.<br> Há uma simples conjectura sobre o ilicito da A.<br> Dai não se demonstrar a sua inculpabilidade, improcedendo a conclusão revidente a) - 1.<br> - 4 -<br> A materia da reconvenção assenta nos defeitos dos andares e no pagamento redibitoria do R. comprador. E a sua improcedencia na caducidade: Os vicios foram comunicados pelo R. à vendedora A. em 2.5.84 (e mais tarde), e esta acusou a recepção e comunicou-o a<br> "Imotur" a construtora do empreendimento (pontos j) e m).<br> Para lá do entendimento da autonomia dos institutos sobre vicios do artigo 914 e ss. do Codigo Civil, de um lado, e seus arts 1218 e ss., do outro, há uma questão previa a deslindar e é a de saber o posicionamento da<br> A. vendedora. E isso dado o contrato da "cessão de posição contratual" (ponto h) anterior) do andar podera concluir-se ou não isto que é fundamental:se a A. agiu como simples compradora-vendedora - como qualquer interveniente em segunda transmissão dos andares - ou antes, se colocou na exacta posição da Imotur construtora, assumindo direitos e obrigações como tal.<br> Regressamos então ao alcance do sumariado em b).<br> Ai, na essência, a "Imotur" vendia à "SCAGL" o predio urbano de apartamentos, assumindo o segundo (cessionario) as obrigações que para a primeira decorriam do contrato promessa, salvo as fracções onde os promitentes compradores recusassem a mudança do vendedor, caso onde tudo voltaria à primeira forma, recomprando uma e revendendo a outra. Para isso, a "Imotur" obrigou-se a entregar à "SCAGL" os sinais recebidos cedendo-lhe os creditos sobre os promitentes compradores, e o segundo a cumprir os contratos-promessa (cfr. ponto b) - 1 a 4, e sublinhado nosso). Não se discute que os outorgantes se revissem no instituto de "cessão da posição contratual" dos artigos 424 e ss. do Codigo Civil. E fica claro que, tal como ai (seu art. 427), quiseram restringir o direito da "outra parte" (o contraente cedido) aos "meios de defesa" oriundos no contrato promessa e não as que "provenham de outras relações com o cedente"<br> (id. 427).<br> Sendo deste modo, ficou de fora tudo que não diz respeito aos contratos promessa em si, designadamente a economia diversa do posicionamento da "Imotur" enquanto construtora empreiteira (id. art. 1207 e ss.) e que, repete-se, podia ter sido assumida, mas não o foi, pela cessionária "SCAGL"<br> Tudo significando cingirmo-nos, no caso, aos mecanismos do contrato promessa enquanto tal, de um lado. E, na reconvenção, ao instituto generico dos arts. 913 e ss. sobre a "venda de coisas defeituosas", onde cabe a posição da vendedora A.<br> - 5 -<br> Separando noções, fizemo-la quanto à venda com defeitos, e a da construtora que, na mesma, o pode fazer. Mas aqui sujeito directamente às citadas normas do artigo 1207 e ss.<br> Analisemos então a repercussão da caducidade no sistema do art. 913 e ss.<br> Trata-se, como é sabido, de vicio da coisa e não de direito (do segundo, tratam os arts. 905 e ss.). Embora aos primeiros se apliquem os do segundo, na omissão do art. 914 e ss. (cit. art. 913. 1).<br> É importante, contudo salientar que nos vicios do direito se prevê, como que por natureza, a anulação por erro ou dolo, e com tratamento necessariamente diverso (art. 908 e 909).<br> No vicio da coisa a economica é outra. O comprador pode exigir a reparação, como na hipótese, ou a substituição, com a referencia ao seu art. 909 (v. 915) para o caso da inculpabilidade do vendedor.<br> Mas, sempre, e quanto à reparação e substituição, tudo se condiciona ao "mero erro". Ai, e será o mais normal,<br> é que se põe a questão da denuncia e o seu corolario judicial do art. 917 acerca da caducidade. Pois, havendo dolo " o comprador pode intentar acção de anulação (em remissão do art. 913.1 para o art. 908) no prazo de 1 ano sobre o conhecimento do vicio ou da falta de qualidade como preve genericamente o art. 287.1; ou segundo o seu n. 2, "a todo o tempo" antes de o contrato ser cumprido (cf. A. Varela, Anot. sobre o art. 916).<br> "In casu", ja houve um cumprimento do negocio e não se põe a questão do dolo. Logo, a vocação é do art. 916 e 917, e sem recurso à excepção do art. 287.<br> O mesmo e dizer que o comprador denunciou em tempo (30 dias após o conhecimento e nos 6 meses sobre a entrega - 916.2).<br> Mas accionou (reconvencionalmente) mais de 6 meses após a denúncia (supra, pontos i) e l) em 10.04.86 (fls.29).<br> Dai a caducidade eficaz.<br> - 6 -<br> As disposições sobre defeitos da obra dos art. 1218 e ss., designadamente as dos arts. 1224 e 1225, não cabem aqui pelas já vistas razões diversas de institutos juridicos e de posicionamentos: vendedor só e vendedor construtor.<br> Enfim, resta considerar as conclusões sobre os prazos dos arts. 309 e 498, a violação do art. 20.1 da Constituição do acesso aos tribunais e o "venire contra factum" da A..<br> Sucintamente. Os arts. 309 - prazo geral da prescrição e 498 - nas acções de responsabilidade civil - cedem perante o prazo especial do art. 917. E, no mesmo, v.g. os dos citados arts. 287, 921 e 1225.<br> Do seu lado, a suposta violação do acesso aos tribunais<br> (Const. art. 20.1) teria ainda a ver, e também, com as garantias de estado de direito (id. art 2).<br> Só que o "acesso" não foi arredado. Sim, e apenas condicionado em limites temporais - os da presunção na caducidade - como sucede em inumeráveis casos, por razões evidentes de segurança do comercio juridico e da paz social.<br> E o problema do seu custo o prazo de 6 meses insere-se aí nesse contexto. Como se inserem todos os prazos gerais e especiais envolvendo um juizo sobre a medida justa do legislador mas que não teem a ver com a constitucionalidade em si.<br> Essa foi assegurada, sem desproporção na desrrogabilidade. Só assim não aconteceria na hipotese contraria de a medida justa não ser proporcionada ou razoavel, repete-se, então passando a norma, de condicionante e efectivamente restritiva.<br> Finalmente, o "venire contra factum" fundava-se em a A. alegar contraditoriamente uma sisa, justamente a caducidade, quando a mesma A. o teria aceite, ao vicio ou defeito em si.<br> Mas a aceitação não aconteceu. A A. limitou-se a receber a denuncia, endossando-a à construtora "Imotur" para este diligenciar como fosse necessario (retro ponto m). Ora isso não constitui aceitação.<br> Também aqui funciona a "responsabilidade" (art. 236).<br> - 7 -<br> Assim, procede a revista, mas so na parte em que ao R. foram debitados 181451 escudos e 10 centavos - mal - relativamente à sua culpa no atrazo da celebração da escritura definitiva em satisfação do contrato promessa de 14.9.83, igualmente não sendo ai devidos juros.<br> Quanto ao mais nega-se a revista.<br> Custas por A. e R. na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1991.<br> Brochado Brandão,<br> Cura Mariano,<br> Joaquim de Carvalho.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 90.04.06 do 4 Juizo Civel de Lisboa;<br> II - Acordão de 91.02.28 da Relação de Lisboa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A propos, na Comarca da Feira, acção ordinaria contra B e mulher C, pedindo, a titulo principal que se profira sentença que, substituindo a declaração de vontade dos reus, produza os efeitos da venda, operando a transmissão da propriedade do prédio prometido vender, identificado nos autos, para o Autor e, a Titulo subsidiário, a condenação dos mesmos réus a pagarem ao Autor a quantia de 600000 escudos, acrescida de juros a taxa de 15% contados desde 10 de Abril de 1987 ate efectivo pagamento.<br> Citados, os réus vieram contestar, deduzindo o incidente de falsidade do contrato promessa de compra e venda junto aos autos, tendo o Autor respondido.<br> Este incidente foi ainda contestado por D, funcionario aposentado do cartorio notarial.<br> Prosseguiram os autos normais tramites, vindo a ser proferida sentença que julgou procedente o pedido de execução especifica e improcedente o incidente de falsidade.<br> Interposto recurso para o Tribunal da Relação foi o mesmo julgado parcialmente procedente, revogando-se quanto a concessão do pedido de execução especifica para valer o pedido subsidiario e restituição do sinal em dobro , mas sem a relação acessoria de juros.<br> Recorre o Autor para este Supremo Tribunal alegando:<br> 1- o regime constante do Decreto-Lei nº 236/80 suscitou serias duvidas quanto a sua interpretação e aplicação;<br> 2- uma dessas duvidas tinha a ver com a questão de saber se aquela , como as demais disposições alteradas do Codigo Civil, eram de aplicação generica, ou, se, pelo contrario, eram restritas ao contrato-promessa relativo a contratos definitivos onerosos, e reportados a edificios existentes ou projectados;<br> 3- uma outra duvida respeitava a natureza imperativa da nova redacção do artigo 830 nºs. 1 e 2 do Codigo Civil;<br> 4- essas duvidas tiveram tradução em arestos dos tribunais de instancia superior;<br> 5- o regime constante do Decreto-Lei nº 379/86 veio desfazer e esclarecer essas duvidas, tornando claro que o regime constante do anterior diploma era restrito aos contratos-promessa relativos "a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edificio, ou fracção autonoma dele, ja construido, em construção ou a construir;<br> 6- e esclarecendo mais que a primitiva solução do Codigo Civil, tal como decorria da inicial redacção do artigo 830; se mantinha para todos os demais contratos-promessa;<br> 7- mais esclareceu o Decreto Lei 379/86 que o regime do artigo 830 do Codigo Civil era absolutamente imperativo para os contratos-promessa relativos a celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edificio..., mas supletivo quanto as demais situações;<br> 8- qualquer das soluções que o Decreto-Lei 379/86 veio consagrar; no que toca a disposição do artigo 830 do Codigo Civil, constituiam ja uma das suas possiveis interpretações, no dominio do Decreto-Lei 236/80;<br> 9- o Decreto-Lei 379/86 tem, assim, natureza interpretativa, pelo que e aplicavel a todos os contratos-promessas cujo incumprimento se verifique depois da entrada em vigor do diploma de 1980;<br> 10- e designadamente, aqueles cujo incumprimento se verifique depois da entrada em vigor do proprio Decreto-Lei 379/86;<br> 11- o artigo 2 do Decreto-Lei 236/80 não foi objecto de revogação, pelo que o criterio dele constante deve continuar a mostrar a aplicação do Decreto-Lei 375/86;<br> 12- o contrato-promessa celebrado entre recorrente e recorridos era, assim passivel de execução especifica;<br> Se assim se não entender...<br> 13- sempre os recorridos deverão restituir ao recorrente o sinal em dobro - 600000 escudos, acrescido dos juros a taxa legal de 15% contados desde 23 de Abril de 1987 ate integral pagamento;<br> 14- ou, no minimo, tais juros serão devidos a partir da citação para a presente acção;<br> 15- violados foram os artigos 2 do Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, o Decreto-Lei 375/86, de 11 de Novembro, o artigo 662, a luz do Codigo de Processo Civil, artigos 13 e 830 n. 3 do Codigo Civil quanto a este ultimo, na redacção que lhe foi dada pelo referido Decreto-Lei 379/86.<br> Por não haverem pago o preparo inicial devido foram mandadas desentranhar as contra-alegações dos recorridos.<br> Tudo visto.<br> Vem dado como demonstrado:<br> Autor e Reus, em 28 de Maio de 1980, pelo documento constante de folhas 5, celebraram um contrato-promessa de compra e venda da casa de habitação e quintal sita em Armilha-Moselos-Feira, a confinar do norte com B e mulher, do sul com E, do nascente com caminho publico e do poente com F, inscrita na matriz sob o artigo 1009 e omisso na respectiva Conservatoria do Registo Predial; o preço acordado foi de 1000 contos, tendo o autor, a data da celebração do citado contrato, entregue aos reus, a titulo de sinal e principio de pagamento a quantia de 300 contos; ficou então estabelecido que a escritura de compra e venda seria outorgada em dia, hora e local designados pelo Autor; e que a obrigação dos promitentes vendedores de assinar a respectiva escritura de compra e venda, logo que lhes fosse exigida, era sob a pena de se obrigarem pela quantia recebida, em dobro, como indemnização ao promitente comprador"; os reus foram notificados em 3 de Abril de 1987, atraves de notificação judicial avulsa, para comparecerem em 23 de Abril de 1987, no Cartorio Notarial da Feira a fim de se realizar a escritura de compra e venda; os reus compareceram nessa data no Cartorio Notarial, mas, alegando desconhecerem totalmente a existencia do contrato-promessa, recusaram-se a celebrar a respectiva escritura.<br> Inicialmente o artigo 830 do Codigo Civil referia que:<br> 1- "se alguem se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrario, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida";<br> 2- "entende-se haver convenção em contrario, se existiu sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa".<br> Dependia assim a execução especifica de incumprimento do contrato-promessa; da falta de convenção em contrario e da sua compatibilidade com a natureza da obrigação assumida.<br> Aquele incumprimento tera que situar-se em determinada data, não anterior a que as obrigações respectivas deveriam ser acatadas.<br> Ja a falta de convenção em contrario mais não representa do que uma consequencia do primado da autonomia da vontade.<br> Ja o efeito da compatibilidade com a natureza da obrigação assumida e determinada pelo principio de que as partes não podem conseguir um efeito decorrente do contrato que não pudessem, elas mesmas, levar a cabo.<br> Em 18 de Julho de 1980 surgiu o Decreto-Lei n. 236 que, conforme resulta do seu preambulo teve em vista proteger os adquirentes de habitação propria. Como consequencia deu-se ao n. 1 do artigo 830 do Codigo<br> Civil a seguinte redacção:<br> "Se alguem se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, em qualquer caso e desde que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso;...<br> Assim, onde anteriormente se falava "em convenção em contrario" passou a dizer-se "em qualquer caso". O que dada a intenção do legislador, pelo menos em relação a aquisição de habitação propria, parecia querer generalizar-se a todos os contratos-promessa. O que originou reacção imediata com interpretação restritiva de que, no seu ambito, se inseriam apenas os contratos-promessa restritivos a edificios - confere artigo 410 n. 3, ficando de fora os predios rusticos. O que conduziu tambem a conclusão de que a execução especifica podia continuar a ser afastada por convenção em contrario. Muito embora certa jurisprudencia continuasse a defender a solução oposta.<br> O que conduziu ao aparecimento do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro, tendente a solucionar duvidas pre-existentes.<br> No dominio da execução especifica, este diploma veio, ressurgir os nºs. 1 e 2 na sua inicial redacção, admitindo o seu afastamento por convenção em contrario, com a presunção de que a existencia de sinal conduz a tal; acrescentando um n. 3 que impede a clausula em contrario, nos casos em que estejam em causa os contratos-promessa referidos no artigo 410, n. 3.<br> Assim a aplicação deste Decreto-Lei abrange os contratos violados apos 18 de Julho de 1980. E isto dada a natureza interpretativa do diploma e consequente eficacia retroactiva.<br> Como refere Menezes Cordeiro - Colectanea Jurisprudencia XII - tomo 2 - paginas 17 - "o legislador de 1966 resolveu o problema em termos inequivocos, estabelecendo dois regimes, um geral e outro especial". Nos termos seguintes:<br> - restituiu ao artigo 830; n. 1 e 2, a redacção de 1966;<br> - excluiu, no novo artigo 830 n. 3 a possibilidade de afastamento de execução especifica no tocante aos contratos referidos no artigo 410, n. 3:"<br> Ora, na hipotese em analise, Autor e Reus celebraram, em 28 de Maio de 1980, contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto uma casa de habitação e quintal, ficando estabelecido que a escritura de compra e venda seria outorgada em dia, hora e local designados pelo Autor. Este, em 3 de Abril de 1987, conseguiu a notificação judicial avulsa dos reus para comparencia dos mesmos no dia 23 de Abril proximo futuro, no<br> Cartorio Notarial da Feira, para efeitos de celebração da necessaria escritura publica. Mas embora comparecendo, os reus recusaram celebrar tal escritura com a invocação inexacta de que desconheciam totalmente a existencia do referido contrato-promessa.<br> Assim sendo, o contrato foi celebrado em, 28 de Maio de 1980; foi violado depois de 18 de Julho de 1980 e incide sobre predio urbano destinado a habitação.<br> Confluem assim todos os necessarios requisitos para que o recurso proceda, atento o que expressamos atras.<br> E não se diga que, pelo facto de a violação haver ocorrido em Abril de 1987, apos a publicação do Decreto-Lei 379/86, de 11 de Novembro, a situação factico-juridica atras enunciada se altera.<br> A natureza interpretativa do Decreto-Lei, como acentuamos implica a sua aplicação a todos os casos quer ocorridos antes daquela publicação, quer posteriormente. E não ha necessidade de se manter o disposto no artigo 2 do Decreto-Lei 236/80 - muito embora a situação seja ou possa ser correcta - pois o disposto naquele Decreto-Lei 379/86 e bem explicito não querendo que outra interpretação conduza ou possa conduzir a resultados e situações aberrantes e profundamente injustos.<br> Termos em que se concede a revista determinando-se a execução especifica do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Autor, A e os Reus, B e mulher, C, em 28 de Maio de 1980 e, como tal, declara-se que o predio constante do artigo 1 da petição inicial foi pelos reus vendido ao Autor, com a data do presente acordão ficando aqueles aqueles com o direito ao remanescente do preço, de 700000 escudos.<br> Custas pelos recorridos.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1991.<br> Cura Mariano,<br> Castro Mendes,<br> Joaquim de Carvalho.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 19 de Setembro de 1989 de Santa Maria da Feira;<br> II - Acordão 19 de Dezembro de 1990 da Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Na comarca do Porto (5 Juízo, 3 Secção), Dr. A propôs contra "Banco Borges &amp; Irmão, S.A." a presente acção com processo ordinário para obter a condenação desta a pagar-lhe determinada quantia porque, tendo sido nomeado vogal do Conselho de Gestão do Banco por resolução do Conselho de Ministros, de 17 de Novembro de 1987, foi o seu mandato, que era de 3 anos, dado por terminado em 21 de Abril de 1989 com a realização de eleições para os corpos sociais em virtude da transformação daquele em Sociedade Anónima de capitais maioritariamente públicos.<br> Como fundamento jurídico invocou o autor o artigo 6, n.<br> 2, do Decreto-Lei n. 464/82, de 9 de Dezembro e pediu também a condenação da ré em juros a partir da citação ou do vencimento da obrigação ou, em alternativa aos juros, na actualização da indemnização de acordo com a desvalorização da moeda, a aferir pelo índice de preços ao consumidor.<br> Na contestação sustenta a ré que não há direito a qualquer indemnização porque a cessação do mandato ocorreu "ope legis", mas se o direito existisse já o autor estava pago em virtude de lhe ter sido entregue a quantia de 1328148 escudos por ser de aplicar, não o n. 2 mas antes o n. 6 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82.<br> Houve resposta do autor.<br> O Excelentissimo Juíz conheceu do mérito da causa no despacho saneador e julgou a acção improcedente.<br> Apelou o autor mas a Relação do Porto confirmou o julgado.<br> De novo inconformado recorreu para este Supremo<br> Tribunal e nas suas alegações conclui assim:<br> - O artigo 6, n. 2, do Decreto-Lei n. 464/82, de 9 de Dezembro, aplica-se a todos os casos (sempre) que não envolvam o decurso do prazo, um motivo justificado e a dissolução do orgão de gestão;<br> - Excluido o decurso do prazo que não carece de explicação, o motivo justificado e a dissolução do orgão de gestão, como resulta dos ns. 3 e 5 do artigo 6, significam situações imputáveis directamente ao gestor a titulo de censura;<br> - "In casu", trata-se de um acto de exoneração (revogação sem acordo do mandatário - artigo 1170, n. 2, do Código Civil e com direito a indemnização - artigo 1172, alínea c)), determinado por interesse exclusivo da ré e, como tal, facto a ela imputável, e não de uma caducidade "ope legis" (artigo 1174);<br> - Assim, cabe directamente na previsão do n. 2 do artigo 6;<br> - A revogação ilícita sempre seria uma situação equiparável à da exoneração "apertis verbis", nos termos do artigo 10 do Código Civil;<br> - O abono para despesas de representação é uma remuneração, pagável em 14 meses, como a retribuição mensal, sujeita a IRS (como rendimento) e, ao invés, as despesas de representação eram pagáveis por factura;<br> - A remuneração especial por isenção do horário de trabalho visa compensar o trabalhador da sujeição a um maior período de trabalho pelo que não pode ser considerada como remuneração descontável na indemnização a pagar;<br> - A situação é, pois, enquadrável no n. 2 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82;<br> - O valor indemnizatório abrange a remuneração-base e o abono para despesas de representação e não é passível de desconto a remuneração especial por isenção do horário de trabalho;<br> - A decisão recorrida violou o artigo 6, n. 2, do Decreto-Lei n. 464/82, por si ou em aplicação do artigo 10 do Código Civil.<br> Pede que, revogada a decisão recorrida, seja a ré condenada no pedido.<br> A parte contrária alegou em defesa do julgado.<br> Cumpre tomar posição.<br> As instãncias deram como provados os factos seguintes:<br> - O autor foi nomeado vogal do Conselho de Gestão do<br> "Banco Borges &amp; Irmão, E.P." por resolução do Conselho de Ministros de 17 de Novembro de 1987, publicada no<br> Diário da República, II Série, n. 273, de 26 de<br> Novembro de 1987 e tomou posse em 4 de Dezembro de<br> 1987;<br> - O "Banco Borges &amp; Irmão, E.P." foi transformado em Sociedade Anónima de capitais maioritariamente públicos pelo Decreto-Lei n. 22/89, de 19 de Janeiro, que convocou uma assembleia do Banco para proceder à eleição dos titulares dos orgãos sociais e determinou a continuação em funções dos membros do Conselho de<br> Gestão até à data da posse daqueles titulares;<br> - A assembleia geral veio a realizar-se em 21 de Abril de 1989, conduzindo esse facto à perda do mandato do autor;<br> - O autor foi pago como vogal do Conselho de Gestão até 30 de Abril de 1989;<br> - O mandato do autor era de três anos;<br> - O "Banco Borges &amp; Irmão" integrava-se nas empresas do<br> Grupo A em que o cargo de vogal do Conselho de Gestão era remunerado com a percentagem de 115% sobre o valor padrão a fixar anualmente por despacho do Ministro das Finanças para o periodo de Janeiro a Dezembro de cada ano;<br> - Até 1 de Julho de 1989 e relativamente a este ano o valor padrão era de 284500 escudos;<br> - Por Resolução do Conselho de Ministros n. 29/89, nas empresas do Grupo A, a que pertencia o "Banco Borges &amp;<br> Irmão, E.P.", o cargo de vogal do Conselho de Gestão passou a ser remunerado desde 1 de Julho de 1989 pelo valor padrão de 300000 escudos a que era aplicado o coeficiente de 115% e o factor 1,30 em termos de complexidade;<br> - Aos valores indicados acrescia a importãncia de 30% de abonos para despesas de representação atribuível desde 1 de Janeiro de 1989;<br> - O valor padrão fixado para 1990 foi de 340000 escudos;<br> - As remunerações são pagas em 14 meses, calculadas com base no factor de 115% e 1,3 e em 12 meses acrescidas de 30%;<br> - Não recebeu o autor do Banco Borges &amp; Irmão:<br> Maio e Junho de 1989, 850655 escudos;<br> De 1 de Julho a 31 de Dezembro de 1989, 3498000 escudos;<br> Dois meses de subsídio de férias e de Natal,<br> 850655 escudos; e<br> De 1 de Janeiro a 30 de Abril de 1990, 2643160 escudos;<br> - O autor recebeu do "Banco Borges &amp; Irmão", em 10 de<br> Maio de 1990, a título de indemnização por cessação do cargo de gestor a quantia de 1328148 escudos;<br> - O autor regressou à "Aliança Seguradora" de que era quadro, a partir de 1 de Maio de 1989, sendo nesta empresa o seu vencimento base de 184000 escudos, acrescido de 25% de suplemento de isenção de horário de trabalho, ou seja a quantia de 46000 escudos;<br> - A quantia paga pelo réu ao autor corresponde à diferença de vencimento auferido no Banco Borges &amp;<br> Irmão e na Aliança Seguradora durante um ano, acrescida da diferença do subsídio de férias e de Natal, tendo em conta o vencimento de 327175 escudos, auferidos pelo autor à data da cessação das suas funções no Banco Borges &amp; Irmão.<br> Vejamos as questões postas.<br> 1- O termo do mandato do autor, como gestor da ré, dá-lhe direito a ser indemnizado?<br> 2- No caso de a resposta ser afirmativa, deve entrar no cálculo da indemnização o abono para despesas de representação? E a remuneração especial por isenção de horário de trabalho?<br> Quer a primeira instância, quer a Relação decidiram não ter o autor direito a qualquer indemnização em virtude de a cessação do mandato ter ocorrido por uma forma não contemplada no artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82, de 9 de Dezembro, que aprovou o Estatuto dos Gestores Públicos.<br> Por via disso não conheceu das demais questões.<br> O Governo, após as nacionalizações levadas a cabo a partir de Março de 1975, para se "atingir uma coerência global do sector público e a sua progressiva socialização, teve necessidade de definir o Estatuto dos Gestores Públicos, cuja disciplina jurídica foi inicialmente inscrita no Decreto-Lei n. 831/76, de 25 de Novembro, parcialmente alterado pelos Decretos-Leis n. 151/77, de 24 de Abril, n. 387/77, de 14 de Setembro, e n. 51/79, de 23 de Março e posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n. 464/82, de 9 de Dezembro, que o substituíu e se mantem ainda em vigor.<br> Tendo por suporte legal o artigo 8 daquele Decreto-Lei n. 831/76, este Supremo Tribunal, em seu acórdão de 7 de Julho de 1987 (Boletim n. 369, página 528), logo entendeu que, pela designação e subsequente posse do gestor público, se constituia entre ele e a respectiva empresa uma relação de prestação de serviço por tempo determinado, subsumível a um contrato de mandato oneroso, sujeito ao principio da livre revogação do artigo 1170 do Código Civil, mas ficando a mandante, de acordo com a alínea c) do artigo 1172 do mesmo Código, obrigada a indemnizar o gestor independentemente de não provir dela a exoneração que levou à cessação do mandato.<br> O entendimento de que entre o gestor nomeado pelo<br> Governo e a respectiva empresa pública se constitui uma relação de mandato é o que resulta , de forma clara, do actual Estatuto dos Gestores Públicos (Decreto-Lei n. 464/82), onde, além do mais, se refere que "a nomeação do gestor público envolve a atribuição de um mandato para o exercício das funções" - artigo 2, n. 1 - , cuja aceitação "resulta da simples tomada de posse pelo gestor das funções para que foi nomeado" - artigo 3, n. 1 - e "Em tudo o que não for ressalvado expressamente no presente diploma aplicam-se, ..., as disposições constantes da lei civil para o contrato de mandato" - artigo 3, n. 3.<br> Conforme expressamente dispõe o artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82 (E.G.P.):<br> "1- O gestor público pode ser livremente exonerado pelas entidades que o nomearam, podendo a exoneração fundar-se em mera convêniencia de serviço.<br> 2- A exoneração dará lugar, sempre que não se fundamente no decurso do prazo, em motivo justificado ou na dissolução do orgão de gestão, a uma indemnização de valor correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor.<br> 3- Considera-se motivo justificado para efeitos do número anterior: a) ... b) ...<br> 4- O apuramento do motivo justificado ...<br> 5- A dissolução do orgão de gestão de uma empresa pública pode ser determinada pelas entidades a quem cabe a nomeação dos gestores, nos seguintes casos: a) ... b) ... c) ... A dissolução envolve a cessação do mandato de todos os titulares dos orgãos de gestão.<br> 6- Quando as funções forem prestadas em regime de comissão de serviço ou requisição, a indemnização eventualmente devida será reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento de lugar de origem à data da cessação de funções de gestor.<br> 7- ...".<br> E o n. 5 do artigo 7 do mesmo diploma diz, por sua vez:<br> "5- Constitui encargo da empresa correspondente o pagamento dos montantes resultantes dos números anteriores e do n. 2 do artigo 6, podendo esse encargo ser assumido pelo Estado, por conta da empresa, por decisão das entidades referidas no n. 1 do presente artigo e através da Direcção-Geral do Tesouro".<br> Vê-se, pois, que um dos casos em que o gestor exonerado não tem direito a indemnização é o da dissolução do orgão de gestão em que se integra, dissolução que, nos termos da parte final da alínea c) do n. 5 do artigo 6 referido, envolve a cessação do mandato de todos os titulares dos orgãos de gestão.<br> No acórdão da Relação, confirmativo da sentença de primeira instância, entendeu-se que o autor não tem direito a qualquer indemnização porque o seu mandato caducou "ope legis", por extinção do conselho de gestão, situação não integrável no artigo 6, n. 2, do Decreto-Lei n. 464/82.<br> Será assim?<br> Cremos que não.<br> Como lucidamente se observa no Parecer da Procuradoria<br> Geral da República junto a folhas 95 e seguintes, o legislador pretendeu para os gestores públicos um regime especial de indemnização pela cessação do mandato.<br> O gestor público, ao aceitar exercer funções, conhece e acomoda-se às regras do jogo consagradas no diploma.<br> Afastado sem "culpa" antes do termo do prazo, tem direito a uma indemnização correspondente aos ordenados vincendos até ao termo do mandato, mas não superior ao vencimento anual do gestor (ver ainda a restrição do n. 6 do artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82), indemnização a suportar pela empresa - n. 5 do artigo 7 do mesmo diploma.<br> Entende-se que o caso concreto cabe na previsão do artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82.<br> Recorde-se o n. 1 do citado preceito:<br> "O gestor público pode ser livremente exonerado pelas entidades que o nomearam, podendo a exoneração fundar-se em mera conveniência de serviço".<br> Dir-se-à, "ex adverso", que o gestor público em causa não foi "exonerado pelas entidades que o nomearam", mas pelo legislador. Mais: não há "exoneração" mas simples "caducidade".<br> O argumento de que o gestor foi exonerado pelo legislador e não pelas entidades que o nomearam esquece que o legislador e as autoridades que nomeiam e exoneram o gestor - o Primeiro-Ministro, o Ministro de<br> Estado e das Finanças e do Plano e o Ministro da Tutela<br> - n. 2 do artigo 2 do Decreto-Lei n. 464/82 - se confundem no orgão de soberania - Governo.<br> Nem mesmo se podera dizer que o Governo se apresenta num plano diverso, o de legislador, quando interrompeu o mandato do gestor, enquanto a exoneração, nos termos do n. 1 do artigo 6, se quedará pela sua esfera de competência administrativa.<br> A actividade do Governo, ao elaborar o Decreto-Lei n.<br> 22/88, de 19 de Janeiro, só é formalmente legislativa, imposta pelo artigo 1 da Lei n. 84/88, de 20 de Julho; substancialmente, o acto de transformação do "Banco Borges &amp; Irmão, E.P." é um acto administrativo.<br> Quanto ao argumento de que não há exoneração mas caducidade, dir-se-à: no diploma que transformou o Banco em Sociedade Anónima não há uma manifestação de vontade expressa no sentido de pôr fim ao mandato dos gestores; pelo contrário, aceita-se que as suas funções continuariam até à data da posse dos titulares eleitos para os novos corpos sociais.<br> Ao nível do estatuto do funcionalismo público, onde a noção se encontra mais apurada, entende-se por exoneração "a desocupação de lugares, determinada por pedido do seu titular ou imposta pela Administração, por conveniência de serviço em virtude da ocupação de outro lugar, com extinção de todos os direitos inerentes ao lugar".<br> Por "exoneração" relevante em termos do artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82 entende-se a destituição de funções imposta pelas entidades que nomearam o gestor.<br> E esta "destituição" releva, obviamente, tanto quando há um acto expresso como quando ela está implicita, ou é uma consequência de outros actos praticados pelas "autoridades que nomearam o gestor".<br> Ao transformar a empresa pública em Sociedade Anónima de capitais maioritariamente públicos, o Governo sabe que extingue a relação jurídica do gestor da empresa, que destitui das suas funções o gestor antes do fim do mandato.<br> Na perspectiva do gestor que cessa funções, ele vê prejudicada, sem que para tanto de algum modo contribuisse, uma expectativa de cumprir um mandato de três anos - cfr. artigo 2, n. 3, do Decreto-Lei n. 464/82; a quebra de estabilidade de emprego, com a frustração daquela expectativa, justifica que se desencadeie o processo indemnizatório previsto no artigo 6 do Decreto-Lei n. 260/76.<br> Longe se perfila a caducidade "ope legis", em que as partes são surpreendidas por uma manifestação de índole normativa, abstracta, genérica, que lhes coarcta a possibilidade de manter a relação jurídica.<br> No caso concreto a "autoridade que nomeou o gestor" conhece as consequências do seu acto e aceita-as: ao transformar a empresa pública "Banco Borges &amp; Irmão" em sociedade anónima, o Governo sabia que fazia cessar o mandato dos seus gestores antes de tempo.<br> Fê-lo, apesar disso, porque os interesses em jogo assim o motivaram; a situação assemelha-se à da exoneração baseada em conveniência de serviço.<br> Assim, a interrupção do mandato antes do fim do prazo, imposta pela Administração, porque se não fundamenta em<br> "motivo justificado" nem na "dissolução dos orgãos de gestão", dá ao autor, recorrente, o direito a indemnização.<br> Neste sentido se pronunciou já, em situação algo semelhante, o acórdão deste Supremo Tribunal, ainda inédito, de 14 de Março de 1991 (Revista n. 79906/2 Secção), junto por fotocópia a fls. 178 e seguintes.<br> Em face do exposto impõe-se a revogação do acórdão recorrido.<br> Mas a que critério recorrer para a fixação da indemnização? Ao do n. 2, como sustenta o recorrente, ou antes ao do n. 6, ambos do artigo 6 do Decreto-Lei n. 464/82, de 9 de Dezembro?<br> Obviamente que ao do n. 6, nos termos do qual, quando as funções foram prestadas em regime de comissão de serviço ou de requisição (o autor pertencia aos quadros da Aliança Seguradora, E.P.; "e a ela regressou após a cessação de funções de gestor do Banco Borges &amp; Irmão,<br> S.A."), a indemnização devida será reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções.<br> Aliás, foi este o critério seguido pela sociedade ré, que entregou ao autor, como se viu, a quantia de 1328148 escudos de indemnização por cessação antecipada das funções de seu gestor.<br> Só que, na indemnização assim calculada, a ré não teve em conta o abono mensal fixo para despesas de representação atribuido ao autor.<br> E seria de considerar esse abono?<br> Cremos que sim.<br> Na verdade, estando ainda provado que a sociedade ré - tal como vem alegado no artigo 13 da petição e não foi objecto de impugnação - além da verba fixa de 30% para despesas de representação, pagava ainda ao autor as despesas efectivamente realizadas na sua representação, conforme as facturas por ele apresentadas, isto tem o claro significado de que a importância correspondente àquela verba fixa é em tudo idêntica ao vencimento propriamente dito e a ela terá de atender-se para se determinar a indemnização devida. Ver, neste sentido, o douto acórdão deste Tribunal, de 14 de Março de 1991, junto a folhas 178 e seguintes.<br> Como consta dos factos provados, a importãncia que o demandado pagou ao autor como indemnização pela cessação das funções de gestor corresponde à diferença de vencimento auferido no Banco e na Aliança Seguradora durante um ano, não se tendo incluido no primeiro a verba mensal fixa de 30% para despesas de representação, cuja expressão numérica - calculada na base do vencimento de 327175 escudos - é de 98152 escudos e 50 centavos. Esta quantia, multiplicada por<br> 12 meses (os factos dizem-nos que os falados 30% para, despesas de representação são pagos em 12 meses) dá-nos a soma total de 1177830 escudos a que o autor recorrente ainda tem direito para integral satisfação da indemnização que lhe é devida, a que acrescem juros desde a citação à taxa legal.<br> Nos termos expostos decide-se conceder em parte a revista, julgar a acção parcialmente procedente e provada e condenar a recorrida, "Banco Borges &amp; Irmão, S.A." a pagar ao autor a quantia de 1177830 escudos (um milhão cento setenta e sete mil oitocentos e trinta escudos) e juros desde a citação à taxa legal.<br> Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal na proporção do vencido.<br> Lisboa, 25 de Novembro de 1992<br> Eduardo Martins,<br> Olimpio da Fonseca,<br> Brochado Brandão.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 7 de Janeiro de 1991 da Comarca do<br> Porto, 5 Juízo Cível, 3 Secção.<br> II- Acórdão de 25 de Novembro de 1991 do Tribunal da<br> Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A Caixa Economica Faialense, S.A., em liquidação por determinação do Governo, instaurou acção com processo ordinario contra A pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe 6348270 escudos, acrescidos de juros a taxa maxima para operações activas nos termos dos Avisos do Banco de Portugal com a sobretaxa de juros de mora a taxa anual de 2% desde 27 de Novembro de 1986, ou sejam, 2709146 escudos calculados ate 15 de Setembro de 1988, da taxa do Fundo de Compensação contado nos termos do Aviso 3/82 e das suas posteriores alterações, no montante de 1258610 escudos e do imposto de selo nos termos do artigo 120A da respectiva Tabela Geral, na quantia de 243823 escudos, tudo perfazendo 10559849 escudos, e, ainda, os juros vincendos, calculados pela taxa e com a sobretaxa indicadas, as importancias devidas de Fundo de Compensação e do Imposto de Selo do mencionado artigo 120 ate integral pagamento da divida e as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorarios de advogado.<br> Pediu, tambem, a autora a concessão do beneficio da assistencia judiciaria com dispensa total de preparos e do previo pagamento de custas.<br> Dizendo que exercera o comercio bancario ate 27 de Novembro de 1986, data em que foi ordenada a sua entrada em liquidação conforme Portaria do Ministerio das Finanças de 19 de Novembro de 1986, rectificada por Portaria da Presidencia do Conselho de Ministros, publicada no Diario da Republica, II Serie, de 30 de Dezembro de 1986, fundamentou o pedido no contrato que fez com o reu de abertura de uma conta de deposito a ordem que, em 27 de Novembro de 1986, apresentava o saldo negativo de 6348270 escudos.<br> Implicando tal contrato de adesão, para o depositante, a obrigação de não levantar quantia superior a depositada, o reu constituiu-se, assim, em divida para com a autora.<br> O reu contestou pedindo a absolvição da instancia, alegando que a comissão liquidataria que outorgou na procuração junta com a petição inicial não representa a autora e não tem capacidade de exercicio do direito que se arroga nem capacidade judiciaria.<br> E para isso alegou que a liquidação da autora foi ordenada com base no Decreto n. 30689, de 27 de Agosto de 1940, que não pode ser aplicado pelos tribunais - não so foi revogado pelos artigos 205 e 206 da Constituição da Republica Portuguesa, como ate viola o principio da igualdade contido artigos 13 e 20 n. 2 da mesma Constituição.<br> Isto porque no Decreto n. 30689 são confiadas funções a comissao liquidataria, constituida nos termos do seu artigo 20, que competem aos tribunais.<br> E que, de harmonia com o estabelecido no artigo 12 do mencionado Decreto-Lei, a portaria que determina a liquidação de estabelecimento bancario constitui, para todos os efeitos, declaração de falencia do mesmo estabelecimento e a comissão liquidataria cabe verificar o direito a restituição e separação de bens, verificar e graduar os creditos, proceder a liquidação do activo, levantar a interdição e ordenar a reabilitação nos termos gerais.<br> Ainda, sendo a autora uma instituição especial de credito sob a forma de sociedade comercial anonima, cujo regime juridico consta dos estatutos, do Decreto 136/79, de 18 de Maio e do Codigo das Sociedades Comerciais, e gerida por uma direcção ou conselho de administração, cuja eleição compete a assembleia geral, e e representada judiciariamente apenas pelo conselho de administração, nos termos dos artigos 21 n. 1 do Codigo de Processo Civil e 405 n. 2 do Codigo das Sociedades Comerciais.<br> Na replica, a autora defendeu a vigencia do Decreto 30689, reportando-se a inconformidade constitucional a normas e não a diplomas; que a Administração Publica, ordenando a entrada em liquidação da autora em consequencia da retirada da autorização do exercicio do comercio bancario, exerceu, atraves de acto administrativo, os poderes de policia financeira e economica que evidentes razões de ordem publica e a lei lhe facultam; que a liquidação não tem que ser efectuada por orgãos jurisdicionais; que a sociedade em liquidação mantem a personalidade juridica; que a comissão liquidataria compete administrar a massa, representa-la activa e passivamente em juizo e tornar efectivos, pelos meios competentes, todos os direitos do estabelecimento bancario - artigo 21 ns. 1 e 3 do Decreto 30689; pelo que, tendo a autora personalidade e capacidade judiciarias, se encontrava devidamente representada em juizo pela comissão liquidataria.<br> Concedido a autora o beneficio do apoio judiciario na modalidade requerida, foi a acção decidida logo no despacho saneador, julgando-se improcedentes as excepções aduzidas pelo reu e condenado este a pagar a autora o que esta havia pedido mas sem qualquer referencia as despesas judiciais e extrajudiciais.<br> Não obteve exito a apelação interposta pelo reu, pelo que recorreu de revista para este Supremo Tribunal, insistindo na absolvição da instancia e repetindo as alegações que apresentara na Relação com 25 conclusões que vão, assim, resumir-se: o Decreto 30689 criou um processo especial de falencia e subsequente liquidação dos estabelecimentos bancarios que subtrai a jurisdição dos tribunais comuns e confia a uma comissão liquidataria; mas, com a entrada em vigor da actual Constituição - artigos 205 e 206 - caducaram os artigos 1 paragrafos<br> 1, 2, 11, 12 e 34 desse Decreto-Lei; o processo de falencia e subsequente liquidação são de jurisdição contenciosa, tendo que ser declaradas por sentença judicial e sendo inconstitucionais as normas dos artigos 12, 20 e 21 do apontado Decreto-Lei, conforme ja foi declarado por douto acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de Fevereiro de 1990, junto aos autos por fotocopia - ver folhas 53 a 69; por isso, o artigo 21 n. 1 desse Decreto-Lei, que da competencia a comissão liquidataria para representar a massa, activa e passivamente, em juizo, não pode ser aplicado - artigo 207 da Constituição; a autora e uma instituição especial de credito, de capitais exclusivamente privados, regida pelo Decreto<br> 136/79 e pelos seus estatutos, gerida por uma direcção ou conselho de administração que a representa judiciariamente - artigos 20 n. 1 do Decreto 136/79,<br> 21 n. 1 do Codigo de Processo Civil e 405 n. 2 do Codigo das Sociedades Comerciais - e assim ja se decidiu em acordãos da Relação de Lisboa de que se juntam fotocopias - ver folhas 112 a 133 verso; a autora não foi dissolvida nem judicialmente nem por deliberação dos seus accionistas, não podendo, por isso, falar-se na sua liquidação - artigos 141 n. 1, a), c), d) e e), 142 n. 1, 144 e 146 n. 1 do Codigo das Sociedades Comerciais; pelo que a comissão liquidataria, que outorgou na procuração junta aos autos concedendo poderes forenses, não representa a autora, não tem capacidade de exercicio do direito que se arroga e não pode, por si, estar em juizo - artigo 9 Codigo de Processo Civil.<br> Contraminutando, a autora rebate, ponto por ponto, em extensas alegações, a argumentação do reu, pronunciando-se no sentido de ser mantida a decisão.<br> Como ressalta do que se deixou escrito, o reu não pos em causa ser devedor das importancias em que foi condenado.<br> Entende, porem, que a decisão a proferir seria a sua absolvição da instancia e ha que ver se lhe assiste razão.<br> Fundamentalmente a questão reside, apenas, em saber se a comissão liquidataria que interveio na procuração junta com a petição inicial representa validamente a autora.<br> A acção foi proposta em 9 de Novembro de 1988.<br> Estava, então, em vigor o texto da Constituição da Republica Portuguesa constante da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro.<br> Nele se dispunha, no que ao caso pode interessar: que a organização economico-social assentava, entre outros, no principio da subordinação do poder economico ao poder politico democratico - artigo 80 a); que o Estado podia intervir transitoriamente na gestão das empresas privadas para assegurar o interesse geral... em termos a definir pela lei - artigo 85 n. 2; que o sistema financeiro era estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças bem como a aplicação de meios financeiros necessarios a expansão das forças produtivas, de acordo com os objectivos definidos no Plano - artigo 105 n. 1; e que o Banco de Portugal, como banco central... de acordo com o Plano e as directivas do Governo, colaborava na execução das politicas monetaria e financeira - artigo 105 n. 2.<br> A autora e uma caixa economica, ponto que não suscita quaisquer duvidas.<br> O artigo 3 da Lei 46/77, de 8 de Julho, na sua versão original,vedou a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza a actividade bancaria - n. 1 - mas permitiu a actividade das caixas economicas - n. 2 - cujo exercicio o Governo regularia por Decreto-Lei - n. 4.<br> E, na sequencia, foi publicado o Decreto 136/79, de 18 de Maio, que, no seu artigo 1, definiu as caixas economicas como instituições especiais de credito que tem por objecto uma actividade bancaria restrita, nomeadamente recebendo, sob a forma de depositos a ordem com pre-aviso ou a prazo, disponibilidades monetarias que aplicam em emprestimos e outras operações sobre titulos que lhes sejam permitidas e prestando, ainda, os serviços bancarios compativeis com a sua natureza e que a lei expressamente lhes não proiba.<br> De harmonia com este Decreto-Lei: a constituição de caixas economicas so podia ser autorizada, com caracter excepcional, pelo Ministro das<br> Finanças e do Plano, ouvido o Banco de Portugal - artigo 2 n. 1; as suas responsabilidades representadas por depositos a ordem, com pre-aviso ou a prazo deviam estar cobertas por disponibilidades de caixa, com a composição e nas percentagens que estivessem estabelecidas para os bancos comerciais - artigo 17; o Banco de Portugal, em casos excepcionais devidamente justificados, podia propor ao Ministro das Finanças e do Plano a nomeação de um administrador por parte do<br> Estado para assegurar o normal funcionamento da caixa - artigo 23 n. 1; o plano de contas e sua execução, a organização dos balanços e outros documentos, bem como os criterios a adoptar na valorização dos elementos patrimoniais, deviam obedecer as instruções emanadas do Banco de Portugal - artigo 24; tambem as provisões para creditos de cobrança duvidosa e para outras depreciações do activo deviam ser constituidas nos termos que fossem regulamentados pelo mesmo Banco - artigo 25 - ao qual tinham, ainda, de prestar outras informações - artigos 28 e 29; finalmente, no artigo 30 n. 1, dispunha-se sobre o regime juridico das caixas economicas, estabelecendo-se, no seu n. 2, que os respectivos estatutos so se mantinham na parte em que não contrariasse esse regime.<br> Daqui se ve que, mesmo face as disposições do Decreto 136/79, a actividade da autora encontrava-se condicionada por lei e sujeita as instruções e a certa fiscalização do Banco de Portugal, não estando, ate afastada a hipotese de, em certos casos, poder ser nomeado, pelo Governo, um administrador por parte do Estado.<br> Posteriormente, e no uso da autorização legislativa conferida pela Lei 11/83, de 16 de Agosto, foi publicado o Decreto 406/83, de 19 de Novembro, que, alem de outros, alterou o artigo 3 da Lei 46/77, permitindo o exercicio da actividade bancaria por empresas privadas e outras entidades da mesma natureza - n. 1 - dispondo, ainda, que a actividade das caixas economicas, na medida em que o justificassem as caracteristicas que lhes são proprias, podia ser objecto de regulamentação especial - n. 4.<br> Veio, depois, o Decreto 23/86, de 18 de Fevereiro, que, nos termos do seu artigo 42, produz efeitos desde 1 de Janeiro de 1986, regular, alem do mais, a constituição e condições de funcionamento das instituições de credito com sede em Portugal e se aplica as caixas economicas que, como a autora, se constituiram sob a forma de sociedade anonima de responsabilidade limitada - artigo 1 n. 4.<br> De harmonia com o Decreto 23/86; a constituição de caixas economicas esta dependente de autorização especial e previa, a conceder sob forma de portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças - artigo 3; essa autorização pode ser revogada, entre outros casos, quando a caixa não der garantias de cumprimento das suas obrigações para com os credores, em especial quanto a segurança dos fundos que lhe tiverem sido confiados - artigo 10 n. 1, f) - revestindo a revogação da autorização, tambem, a forma de portaria conjunta tal como acima apontada - artigo 11 n. 1 - sendo esta decisão passivel de recurso contencioso a interpor, nos termos gerais, para o Supremo Tribunal Administrativo, embora não seja admitida a suspensão da sua executoriedade - artigo 11 n. 3 - e, no caso de revogação da autorização de caixa ja constituida, sera nomeada uma comissão liquidataria, nos termos e para os efeitos do Decreto 30689 - artigo 10 n. 5; as proprias alterações dos estatutos das caixas estão sujeitas ao mencionado regime de autorização - artigo 16.<br> Ainda, a data da propositura da acção, estava em vigor a Lei Organica do Banco de Portugal, aprovada pelo Decreto 644/75, de 15 de Novembro. E nessa Lei Organica, alem do mais, estabelecia-se que competia ao<br> Banco: sob a orientação do Ministro das Finanças, desempenhar as funções de orientador e controlador da politica monetaria e financeira - artigo 16; controlar a actividade dos mercados monetario, financeiro e cambial - artigo 20; orientar e controlar as instituições de credito, estabelecendo a ligação entre a sua actividade e as directivas da politica monetaria e financeira - artigo 26 b); e com vista a orientação e controlo das instituições de credito, nomeadamente: estabelecer directivas para a actuação dessas instituições; fixar o regime das taxas de juro, comissões e quaisquer outras formas de remuneração para as operações efectuadas pelas instituições de credito ou por quaisquer outras entidades que actuem nos mercados monetario e financeiro; estabelecer os condicionalismos a que devem obedecer as operações activas das instituições de credito; assegurar os serviços de centralização de informações e de riscos de credito - artigo 28; ainda as funções do Banco no dominio da fiscalização das actividades das instituições de credito seriam definidas atraves de adequada articulação com o Ministerio das Finanças - artigo 21.<br> Pelo que, conforme se ve, e a propria Constituição que, remetendo para a lei, impoe uma certa disciplina a actividade das caixas economicas, que não podem exercer livremente essa actividade, estando submetidas a orientação, controlo e fiscalização do Banco de Portugal.<br> Como se disse, a sua propria constituição tem de ser autorizada; e, em certas circunstancias, pode ser retirada.<br> Ora foi isto o que aconteceu no caso da autora.<br> E o seguinte o texto da Portaria, tal como foi rectificada e se encontra publicada no Diario da Republica, II Serie, de 30 de Dezembro de 1986 - ver fotocopia a folhas 7:<br> "Tendo a Caixa Economica Faialense suspendido pagamentos em 12 de Agosto do corrente ano e não tendo podido restabelecer, no prazo fixado no n. 1 do Despacho 112/86-X, de 8 de Setembro, as condições normais de funcionamento:<br> Manda o Governo da Republica Portuguesa, pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro das Finanças, ouvidos o Governo Regional dos Açores e o Banco de Portugal, o seguinte:<br> 1- Nos termos e para os efeitos do artigo 11 do Decreto 30689, de 27 de Agosto de 1940, e considerando o disposto no n. 1 do artigo 11 do Decreto 23/86, de 18 de Fevereiro, e retirada a Caixa Economica Faialense a autorização de exercicio do comercio bancario e ordenada a sua imediata liquidação.<br> 2- O disposto no presente diploma entra imediatamente em vigor"<br> Foi, deste modo, dado cumprimento, mesmo no aspecto formal, ao estabelecido nos artigos 10 n. 1, f) e 11 n. 1 do Decreto 23/86.<br> E nem se diga que a decisão do Governo, ao revogar a autorização para a autora exercer a sua actividade, não admite impugnação ou recurso. Nesse ponto o artigo 12 do Decreto 30689 encontra-se revogado. Com efeito, e como se salientou, não so o n. 3 do artigo 11 do Decreto 23/86 permite a interposição de recurso contencioso, nos termos gerais, para o Supremo Tribunal Administrativo, como esse recurso resultaria da garantia concedida aos interessados pelo disposto no n. 3 do artigo 268 da Constituição ao tempo em vigor e se encontra actualmente, apos a segunda revisão constitucional, no n. 4 do mesmo artigo.<br> Retirada a autora a autorização de exercicio do comercio bancario, foi ordenada a sua imediata liquidação. E nem outra coisa se poderia seguir uma vez que, sendo essa a unica actividade da autora, ela tinha cessado.<br> De resto, tal situação encontra-se prevista no Codigo das Sociedades Comerciais, pois a sociedade dissolve-se, alem de outros casos, pela ilicitude superveniente do objecto contratual e, salvo quando a lei disponha diferentemente, entra imediatamente em liquidação - artigos 141 n. 1, d) e 146 n. 1.<br> A liquidação, no caso em apreciação, derivou de um acto administrativo do Governo, no exercio de competencia propria, susceptivel de recurso contencioso para tribunal administrativo, em nada invadindo a competencia dos tribunais.<br> Dispõe, expressamente, o n. 5 do artigo 10 do Decreto 23/86 que, em casos como o da autora, sera nomeada uma comissão liquidataria, nos termos e para os efeitos do Decreto 30689.<br> Este Decreto-Lei dispõe sobre a chamada liquidação forçada administrativa das instituições de credito.<br> E, de acordo com o seu artigo 12, a portaria que determina a liquidação constitui, para todos os efeitos, a declaração de falencia do estabelecimento. O que, no caso concreto, se impunha, pois, conforme a portaria, a autora suspendeu pagamentos em 12 de Agosto de 1986 e não pode restabelecer as condições normais de funcionamento dentro do prazo que lhe foi fixado.<br> Situação, alias, identica a prevista para a declaração de falencia no artigo 1174 n. 1, a) do Codigo de Processo Civil.<br> Segundo o artigo 20 do Decreto 30689, a comissão liquidataria e constituida pelo comissario do Governo, que presidira, e por dois outros vogais, um dos quais sera o representante dos credores e outro o dos socios do estabelecimento bancario.<br> A essa comissão compete praticar todos os actos necessarios a liquidação e partilha da massa do estabelecimento e especialmente, alem de outros, administrar a massa e representa-la activa e passivamente em juizo e fora dele - artigo 21 n. 1 do Decreto 30689.<br> Não cabe, nem interessa, na presente acção, analisar da conformidade com as disposições da Constituição dos diferentes numeros do dito artigo 21, uma vez que aqui so esta em causa a norma do apontado n. 1.<br> E certo que, conforme o n.2 do artigo 146 do Codigo das Sociedades Comerciais, a sociedade em liquidação mantem a personalidade juridica e salvo quando outra coisa resulte... da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicaveis, com as necessarias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.<br> Sustenta o reu a ilegalidade da nomeação da comissão liquidataria, pois e o conselho de administração da autora, a quem compete gerir as actividades da sociedade, que tem exclusivos e plenos poderes da sua representação - artigo 405 ns. 1 e 2 do Codigo das Sociedades Comerciais. E o artigo 151 n. 1 deste Codigo estabelece que, salvo clausula do contrato de sociedade ou deliberação em contrario, os membros da administração da sociedade passam a liquidatarios desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida.<br> Dir-se-a, porem, que: em casos de falencia, a administração dos bens da massa compete ao administrador da falencia, sob orientação do sindico - artigo 1210 n. 1 do Codigo de Processo Civil; e e o mesmo administrador quem fica a representar o falido para todos os efeitos, salvo quanto ao exercicio dos seus direitos exclusivamente pessoais ou estranhos a falencia - artigo 1189 n. 3 deste mesmo Codigo; e no caso da autora, cuja constituição não e livre, sendo, ainda condicionado o exercicio da sua actividade de comercio bancario, ja o governo, ainda antes de ter ordenado a sua liquidação, podia ter interferido na composição do seu conselho de administração: logo pela possibilidade, ja referida, de, em certos casos, impor a nomeação de um administrador por parte do Estado - n. 1 do artigo 23 do Decreto 136/79; depois, ainda, porque o governo interfere, indirectamente, na constituição do conselho de administração da sociedade ao exigir, para conceder autorização para a constituição das instituições de credito, que o conselho seja constituido por um minimo de 5 membros, com idoneidade e experiencia adequadas ao exercicio da função e detenha poderes para efectivamente determinar a orientação da actividade da instituição - artigo 4 n.1, c); e ate, para a instrução do pedido de autorização, tratando-se de pessoas colectivas, que seja acompanhado do certificado do registo criminal dos seus administradores - artigo 5 n. 1, g); ambos os artigos do Decreto 23/86.<br> Acresce, ate, que uma das situações que pode determinar a revogação da autorização de constituição das instituições de credito e a de ser recusado, por falta de idoneidade ou experiencia, o registo da designação de membros do conselho de administração, sendo certo que este fundamento de revogação desaparecera se, no prazo que o Banco de Portugal estabelecer, a instituição tiver procedido a designação de outro administrador cujo registo seja aceite - artigo 10 ns. 1, d) e 2 do mesmo Decreto 23/86.<br> Não se ve, assim, como pudesse, em tais circunstancias, ficar vedado ao Governo determinar a constituição da comissão liquidataria da autora, demais quando os representantes dos credores e dos socios são, respectivamente, eleitos ou nomeados pelos representados, embora a eleição ou nomeação não produza efeitos senão depois de confirmada pelo Ministro das Finanças - artigo 23 e seus paragrafos do Decreto<br> 30689.<br> Pelo que a comissão liquidataria, de harmonia com o n. 1 do artigo 21 deste ultimo Decreto-Lei, tem poderes para representar activamente a massa em juizo.<br> E não existe, no caso, qualquer inconstitucionalidade pois a Constituição - anterior artigo 105 n. 1, actual artigo 104 - remete para a lei a estruturação do sistema financeiro. E a lei, dado o especial comercio exercido, que o Governo - como orgão de condução da politica geral do Pais e orgão superior da administração publica (artigo 185 da Constituição - pretende que decorra dentro da regularidade legal e de harmonia com os superiores interesses do Estado, disciplinando, ainda, ao mesmo tempo, a concorrencia e protegendo os depositantes e os que recorrem ao credito bancario, permite, em casos justificados, como o da autora, que suspendeu pagamentos e não foi capaz de restabelecer as condições normais de funcionamento, que, por acto administrativo, susceptivel, volta a repetir-se, de impugnação contenciosa, o Governo interfira na actividade comercial exercida, pondo-lhe termo, e que intervenha em representação da sociedade em liquidação, uma comissão liquidataria constituida nos termos apontados. Juntou o reu dois acordãos da<br> Relação de Lisboa, de 30 de Outubro de 1990 e de 22 de Janeiro de 1991, que se pronunciaram em sentido contrario ao propugnado. Mas e de referir que as decisões daquele Tribunal não tem sido uniformes, tendo em conta, alem da proferida nesta acção, o acordão de 17 de Janeiro de 1991, publicado na Colectanea ano XVI, Tomo 1 pagina 121.<br> Anota-se, ainda, que aquele acordão de 30 de Outubro de 1990 se encontra, tambem, publicado na Colectanea ano XV, tomo IV, pagina 164. E não mereceu a concordancia do Conselheiro Pinto Furtado, conforme anotação ao artigo 146 do seu Codigo das Sociedades Comerciais, 4ª edição, pagina 148, onde se escreveu:<br> "O Decreto 30689, que estabelece um processo proprio para a liquidação de instituições de credito insolventes, consagra uma opção corrente em todo o mundo e a mais recomendavel.<br> ... Não temos conhecimento de que a liquidação forçada administrativa tenha sido, no direito comparado, arguida de inconstitucionalidade, designadamente na Italia, onde ha largas decadas se vem praticando".<br> Nem se afirme, tambem, que foram violados os principios constitucionais da igualdade e de acesso aos tribunais - artigos 13 n. 1 e 20 n. 2 da Constituição vigente ao tempo da propositura da acção.<br> O primeiro principio, como e jurisprudencia uniforme - ver, por todos, o acordão 137/88, de 16 de Junho, do Tribunal Constitucional, publicado no Diario da Republica, II Serie, de 8 de Setembro de 1988, e sumariado no Boletim 378, pagina 759 - apenas exige que as situações iguais sejam tratadas da mesma forma; mas não ja as situações desiguais. E a actividade de comercio bancario exercida pela autora, alias conforme prescrições legais, exigia um tratamento diferente, regulado por legislação especial designadamente os ditos Decretos 136/79 e 23/86.<br> Tambem, como se afirmou, não ha violação do direito de acesso aos tribunais. E que a autora, directamente atingida pela portaria que lhe retirou a autorização para o exercicio do comercio bancario e ordenou a sua liquidação, podia recorrer contenciosamente de tal acto administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo.<br> Alude-se, ainda, nas doutas alegações do recorrente, a inconstitucionalidade de outras normas do Decreto 30689, designadamente quanto a verificação e graduação de creditos pela comissão liquidataria.<br> Mas nem a presente acção e de declaração de falencia da autora; nem o reu se arroga, sequer, a qualidade de socio ou de credor da autora; não se descortinando, assim, o seu interesse directo em levantar tais questões, pois por elas não e afectado.<br> Pelo que disso não ha, aqui, que cuidar.<br> Sendo as sociedades representadas por quem a lei designar - artigo 21 n. 1 do Codigo de Processo Civil; estando a autora em liquidação por acto administrativo do Governo no uso de competencia propria - artigos 11 n. 1 do Decreto 23/86 e 11 do Decreto 30689; representando a comissão liquidataria a autora, activamente, em juizo - artigo 21 n. 1 do Decreto<br> 30689; e não ofendendo nenhuma destas normas os principios consignados na Constituição; nega-se provimento ao recurso, com custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 3 de Dezembro de 1991.<br> Cesar Marques,<br> Beça Pereira,<br> Castro Mendes.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> "A Limitada, S.A.", com sede no Botulho, Tondela, apresentou-se ao Tribunal da respectiva comarca a requerer a aplicação de uma medida de recuperação e protecção de empresa prevista nos Decretos-Lei n. 177/86, de 2 de Julho, e 10/90, de 5 de Janeiro;<br> Citados os credores, sem que ocorresse qualquer oposição, foi proferido o despacho a que se refere o artigo 8 daquele primeiro diploma, que, além do mais, fixou em 90 dias, o período de estado e observação a que a empresa ficou sujeita;<br> Constituída a assembleia definitiva, numa das várias vezes em que foi convocada, mais precisamente a 19 de Novembro de 1993, veio a credora "B - Companhia Portuguesa de Pesca, S.A.", agravar do despacho que suspende os trabalhos da assembleia de credores e fixou nova data para a sua continuação, contra o requerimento aí apresentado, no sentido da imediata declaração de falência, por caducidade do despacho a que se refere o artigo 8 do Decreto-Lei n. 177/86, proferido em 8 de Fevereiro de 1993, uma vez que haviam já decorrido oito meses, tudo como se refere no artigo 17, n. 3, do citado diploma;<br> O recurso foi admitido para subir a final, nos termos do artigo 735 do Código de Processo Civil;<br> Os autos prosseguiram seus termos e veio, a final, a ser proferida sentença que homologou a medida de recuperação proposta pelo administrador judicial e, maioritariamente deliberada em assembleia de credores;<br> Dessa sentença, por sua vez, foi interposto recurso de apelação, pela credora, Caixa Geral de Depósitos, S.A.;<br> No Tribunal da Relação de Coimbra, veio a decidir-se no sentido de conceder provimento ao agravo, em consequência do que se anulou a decisão recorrida e, tudo o mais que depois dela se processou, de modo a que, na primeira instância, por ser a competente, se declarem caducos os efeitos do despacho de 8 de Fevereiro de 1993, proferido nos termos do artigo 8 do Decreto-Lei n. 177/86, de 2 de Julho, e consequentemente a falência da agravada;<br> A apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A., a folhas 177 e 178, já, após aquele proferimento, veio requerer que o recurso deverá ser julgado extinto, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287 do Código de Processo Civil, e por a gestão controlada ter cessado no dia 21 de Dezembro de 1996, por nessa data ter expirado o prazo máximo legal da sua duração;<br> A tal pretensão, opuseram-se, tanto a Agravante "B", a folha 183, como a Recorrida "A", a folhas 185 e 186;<br> Tendo entendido, o Meritíssimo Juiz-Desembargador Relator, a folha 188, estar prejudicada a apreciação desse requerimento de folhas 177 e 178, enquanto não ocorrer o trânsito do Acórdão proferido na Relação;<br> Do Acórdão desta, veio a interpor recurso, a Recorrida "A", o que veio a ser admitido como de Agravo, o presente, para este Supremo Tribunal de Justiça;<br> Alegando para o efeito, essa agravante, formulou as seguintes conclusões:<br> A- Com a fixação do prazo de 8 meses previsto no artigo<br> 17, n. 3, do Decreto-Lei n. 177/86, de 2 de Julho, pretendeu o legislador evitar medidas dilatórias e que os credores se alheassem do problema da empresa, prolongando indefinidamente a situação da mesma;<br> B- Mas ao exigir uma deliberação nesse prazo, não pretendeu o legislador que o mesmo seja peremptório, no sentido de no seu decurso dever a assembleia votar a aprovação ou rejeição da medida de recuperação apresentada;<br> C- Se os credores votarem a medida proposta só após o decurso do prazo de 8 meses, mas dentro desse mesmo prazo demonstrarem interesse ou participem no processo preparatório da votação final, isto é, iniciarem de forma relevante o processo deliberatório, então deve o juiz homologar por sentença a decisão final dos credores;<br> D- Em 19 de Novembro de 1993, data do despacho objecto do agravo em 1. Instância, não se havia esgotado o prazo a que se refere o artigo 17, n. 3, do Decreto-Lei n. 177/86;<br> E- Assim é porque a contagem do prazo epigrafado deve ser feita nos termos da lei adjectiva civil, conforme n. 3 do artigo 143, "ex vi" do artigo 463, n. 1, do Código de Processo Civil em vigor na altura, ou seja, suspendendo-se os sábados, domingos, feriados e férias judiciais, pelo que, no caso, o mesmo não terminaria antes de 17 de Dezembro de 1993;<br> F- O artigo 9 do Decreto-Lei n. 10/90, de 5 de Janeiro, estabelece um regime de excepção, considerando urgentes os actos a praticar até à prolação do despacho a que se refere o n. 1 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 177/86, não incluindo pois o prazo em questão;<br> G- O prazo em causa só teve o seu termo inicial no dia seguinte àquele em que se considere como notificado, o despacho a que se refere o artigo 8 do Decreto-Lei n. 177/86, o que ocorreu em 20 de Março de 1993 (dia seguinte ao da sua publicação no "Jornal de Tondela"), pelo que o mesmo nunca terminaria antes de 10 de Fevereiro de 1994;<br> H- Ao decidir como decidiu, o Acórdão da Relação violou os citados artigos 143, n. 3 do Código de Processo Civil, 9 do Decreto-Lei n. 10/90, e 17, n. 3, do Decreto-Lei n. 177/86;<br> Sem prescindir:<br> I- Mesmo que se considerasse que tal prazo se encontra esgotado, a interpretação do regime legal respectivo, leva a que se considerasse validamente tomada uma deliberação cujo processo preparatório de votação se iniciou dentro do prazo previsto no artigo 17, n. 3, citado;<br> J- No caso "sub-judice" tal processo preparatório de votação iniciou-se efectivamente dentro do prazo;<br> L- Ao decidir, como decidiu, o Acórdão recorrido não aplicou esse dispositivo, de acordo com a própria interpretação que fez do mesmo, e que é a mais correcta.<br> Termina, no sentido que que o recurso deve ser considerado procedente, com a revogação do Acórdão recorrido, com todas as consequências;<br> Contra-alegou a Recorrida, acompanhando aquela decisão e concluindo, pela extinção do presente recurso por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e), do artigo 287, do Código de Processo Civil, ou, se assim não se entender, pelo não provimento do recurso, e confirmação do Acórdão sob censura;<br> Por sua vez, o Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, fez juntar douto Parecer, de folhas 224 a 228, expressando-se, no prisma de que deve ser concedido, o agravo, nomeadamente, porque deste processo especial emerge o primado da recuperação em prejuízo da falência da empresa;<br> Embora, com fundamento diverso do alegado pela Recorrente.<br> E tendo juntado, ainda, um outro Parecer, que expressou no Processo n. 41/98, da 1. Secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, no entendimento de que o aludido prazo se suspende durante as férias judiciais;<br> Colhidos os vistos legais dos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.<br> O objecto e âmbito dos recursos, e conforme é genericamente entendido, é delimitado pelas conclusões do Recorrente, no quadro dos artigos 684, ns. 3 e 4, e<br> 690, n. 1, do Código de Processo Civil;<br> Nesse sentido, nomeadamente, os Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 1986, B.M.J. n. 360, página 574, e da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 1989, Col. Jur., 1989, 2., 143, entre outros;<br> Assim como, já e também, os Professores A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado 5., 308, 309 e 363 e Castro Mendes, Direito Processual Civil, 3., 65 e, ainda, o Dr. Rodrigues Bastos, notas ao Código de Processo Civil, 3., 286 e 289;<br> Contudo, tal não implica, porém, que haja de se apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões, mas, somente, as questões;<br> Nesse entendimento, por igual modo, se tendo pronunciado, o aludido Dr. Rodrigues Bastos, na citada obra 3., 247, assim como, entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Abril de 1989, B.M.J., 386, página 446;<br> Apreciando, pois:<br> Ao presente processo especial de recuperação de empresa e da protecção dos credores é, apreciável o Decreto-Lei n. 177/86, de 2 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 10/90 de 5 de Janeiro.<br> No caso "sub-judice", o Recorrente delimita o dito objecto de recurso, somente às questões da natureza do prazo de oito meses, previsto no n. 3, do artigo 17 daquele diploma de 1986 e dentro do qual a assembleia de credores deve deliberar, e da eventual validade de uma deliberação cujo processo preparatório se iniciou dentro do mencionado prazo;<br> Ora, relacionada com a natureza do dito prazo de oito meses, encontra-se a questão do início da sua contagem;<br> Tal questão, todavia, surgiu a este Supremo Tribunal de Justiça, com assinalável frequência, na vigência do dito Decreto-Lei n. 177/86;<br> Constituindo, os normativos em debate, o 8., acerca do despacho inicial do Juiz, e o 17., n. 3, acerca da deliberação da assembleia no referido prazo de oito meses, sob cominação de declaração da falência;<br> Na jurisprudência, então proferida, este Supremo Tribunal de Justiça, inclinou-se, no sentido de que o termo inicial de contagem do aludido prazo seria, o do proferimento do despacho a que aludia o mencionado artigo 8;<br> E não qualquer outro, como, exemplificativamente, o da publicação no jornal oficial, do despacho do prosseguimento da acção a que se refere o artigo 25 do mesmo diploma;<br> E como sucedeu, entre outros, nos Acórdãos de 8 de Abril de 1991, B.M.J. 406, página 549 e de 5 de Maio de 1994, B.M.J. 437, página 446;<br> Questão essa, a que se reporta o Parecer junto ao presente processo, pelo Ilustre Procurador-Geral Adjunto, no processo n. 41/98, da 1. Secção, deste Tribunal, e de folhas 229 a 234;<br> Que aqui, temos por presente, e que aprofunda tal questão;<br> E que vai, genericamente, no sentido de que os prazos, em causa, sejam de natureza adjectiva ou substantiva, se suspendem durante as férias judiciais;<br> Por sua vez, e relativamente ao modo de contagem do prazo de oito meses, o artigo 14 do actual Código, aprovado pelo Decreto-Lei n. 132/93, de 23 de Abril, veio a ser interpretativo da anterior legislação;<br> Nesta, aliás, apenas se previa que os actos processuais e as diligências necessárias até ser proferido o despacho de prosseguimento da acção especial de recuperação, previsto no n. 1 do artigo 8 tem carácter urgente e, realizar-se-ão, mesmo, em férias judiciais;<br> Correndo de igual modo em férias os respectivos prazos, conforme o artigo 9 do dito Decreto-Lei n. 10/90, de 5 de Janeiro;<br> Contudo, tal normativo, refere-se apenas, aos factos iniciais deste processo especial;<br> Com efeito, relativamente aos actos subsequentes àquele despacho previsto no n. 1 do dito artigo 8, e designadamente o prazo de caducidade do artigo 17, n.<br> 3, citado, verifica-se uma situação de omissão da lei, quanto ao modo de contagem;<br> Afigura-se-nos, contudo, e à semelhança do Parecer junto pelo Ministério Público, que a melhor solução passará pela norma do artigo 14 do actual Código de<br> Processo Especial de Recuperação de Empresa e de<br> Falência, que ajuda a interpretar e a suprir a dita lacuna;<br> Assim, e ao invés da posição sustentada por Luís<br> Carvalho Fernandes e João Labareda, CPEREP, Anotado,<br> 1995, a página 90, entendemos que o aludido prazo, se suspende no decurso e durante, as férias judiciais;<br> Nesse sentido, se tendo, também e já, pronunciado, entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 1996, B.M.J. 460, a página 672;<br> Parecendo-nos, elucidativo, o argumento literal, e uma vez que o artigo, 53, n. 1, não exceptua o prazo nele previsto da suspensão nas férias judiciais;<br> E daí, o sentido que seguimos;<br> E no referido no n. 1 do artigo do actual CPEREF, pelo contrário, acentua a "natureza indiferente" dos prazos nele aludidos;<br> Neste contexto, e aceitando-se essa interpretação relativamente ao carácter interpretativo do actual artigo 14 n. 1, os prazos posteriores ao despacho a que se refere o dito artigo 8 do Decreto-Lei n. 177/86, de<br> 2 de Julho, suspendem-se, durante as férias judiciais;<br> De resto, aquele artigo 14, não contempla, nem se dirige, expressamente, aos actos processuais;<br> Assim é, consequentemente, envolve outros prazos de caducidade;<br> No caso em análise, o despacho a que se refere o mencionado artigo 8, foi proferido em 8 de Fevereiro de 1993;<br> E depois, de diversos outros despachos relacionados com a primeira deliberação da assembleia o último e decisivo, foi emitido em 17 de Dezembro de 1993;<br> O que constitui matéria fáctica, fixada em definitivo, pela Relação;<br> O que significa, pois, que compulsados esses dois prazos e operado o desconto das férias judiciais da Páscoa e do Verão de 1993, a assembleia veio a deliberar em tempo, posto que dentro do prazo de oito meses;<br> Ainda que no expirar de tal prazo;<br> De resto, trata-se de processo especial, veja filosofia própria, como se conhece, se dirige ao primado da eventual recuperação da empresa, em prejuízo e detrimento de uma sua falência;<br> E como bem emerge de todo o espírito proteccionista dos Decretos-Leis mencionados;<br> Perfilhamos, pois, uma interpretação paralela à sustentada pelo Excelentíssimo Representante do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal de Justiça;<br> E neste contexto, o agravo, deve ser concedido, ainda, que com fundamentação diversa da que foi veiculada pela Recorrente;<br> No entanto a "intelegibilidade" dessa nossa assunção, tem apoio, no princípio da "liberdade do julgador", estabelecido no artigo 664, do Código de Processo Civil;<br> Nesse sentido, os Professores A. dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 5, 93, e 453 e, Castro Mendes, Manual de Processo Civil, 1963, 327 e ainda, Vaz Serra, R.L.J., 105, 233, em anotação ao Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 1971.<br> Na verdade, foram usados os factos em apreço, e somente se utilizou uma diversa fundamentação;<br> Nessa expressão, também, e entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 1991, B.M.J. 410, página 659;<br> Por fim se dirá, e quanto à suscitada, a folhas 177 e 178, pela Recorrida C.G.D., S.A., que a mesma não constitui, o objecto do presente recurso, em direito, e daí que não possa, nem deva ser conhecida, aqui; <br> De resto, e como já se frisou, no despacho proferido na Relação a folha 188, já se havia relegado tal questão, para após o trânsito;<br> Sucedendo, ora, e até, o provimento do Agravo da decisão da 2. Instância, o que implica outras consequências legais, oportunamente, haverá, se disso for o caso, que recolocar a mesma, na sede própria da<br> 1. Instância;<br> Por todo o exposto e ainda que mediante a referida fundamentação diversa, dá-se provimento ao Agravo, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências;<br> Custas pela Agravada - Recorrida.<br> Lisboa, 23 de Abril de 1998<br> Lemos Triunfante.<br> Torres Paulo.<br> Aragão Seia.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Tribunal Judicial de Tondela - Processo n.<br> 147/A/92.<br> II - Tribunal da Relação de Coimbra - Processo n.<br> 449/95.</font>
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dTL7u4YBgYBz1XKvCGqF
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, com os sinais dos autos, instaurou acção de simples declaração, com processo ordinário, contra a B, pedindo que lhe seja reconhecido o direito a receber uma pensão de sobrevivência, atenta a sua qualidade de herdeira de um beneficiário da B.<br> Alegou essencialmente que viveu maritalmente com C durante mais de nove anos, até à morte deste, em regime de plena comunhão de leito, mesa e habitação; que o falecido C era beneficiário da B; que, da união da A. e do falecido nasceu uma filha; que muito necessita da peticionada pensão de sobrevivência para fazer face às suas despesas.<br> Contestou a Ré excepcionando a ineptidão da petição inicial, por omissão da factualidade relativa à carência efectiva de alimentos e à impossibilidade de obter alimentos das pessoas a que aludem as alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil, e impugnando a factualidade invocada nos artigos 1º a 3º da p.i.<br> Na réplica, a A., em resposta ao excepcionado, invoca que não tem descendentes, ascendentes nem irmãos com possibilidade de lhe prestarem quaisquer alimentos, mais afirmando que a sua efectiva carência de alimentos consta da factualidade articulada na petição inicial, onde foi adequadamente alegada.<br> Foi proferido saneador onde a excepção deduzida pela demandada foi julgada improcedente. Em face da comprovação da insuficiência económica da A., foi-lhe concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade da dispensa de quaisquer custas e despesas na presente acção - cfr. fls. 16 e vs. Elaborados a especificação e o questionário, sem dedução de reclamações, procedeu-se a julgamento, decidindo-se a final que: (a) a A. vivia, em união de facto, com o falecido C, o qual era viúvo e o beneficiário nº 2425389 do agrupamento 087 da B; (b) e que, carecendo de alimentos, não tem possibilidade de os obter dos seus descendentes, ascendentes ou irmãos; (c) pelo que reconhece a sua qualidade de herdeira, equiparada a cônjuge, do mencionado beneficiário C.<br> Inconformada, apelou a B, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Junho de 1998, decidido negar provimento ao recurso, assim mantendo a sentença da primeira instância.<br> Ainda inconformada traz a Ré a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1. Atenta a matéria de facto assente, a A. apenas logrou provar que viveu em união de facto com o titular do direito à pensão de reforma, por tempo superior a dois anos e que não pode obter alimentos das pessoas referidas e obrigadas a tal prestação, nos termos das alíneas a) a d) do artº 2009º do Código Civil;<br> 2. Não provou, contudo, o que era essencial e competindo-lhe o onus probandi, por tais factos integrarem elementos constitutivos do direito que se arroga e pretende ver confirmado - artº 342º do Cod. Civil - que carece efectiva e concretamente que lhe sejam prestados alimentos;<br> 3. A conclusão a que o Acórdão recorrido chega de que o não recebimento da pensão que o de cujus auferia "obviamente que se traduz em substancial redução dos réditos da família da A. e tornou clara a sua carência alimentar" não detém qualquer sustentáculo factual, pois, por tal pensão ser de montante diminuto e naturalmente inferior às carências alimentares do de cujus, a A. deixou de ter de suportar, com a morte deste, as respectivas necessidades alimentares;<br> 4. O Acórdão recorrido violou, de modo expresso, o disposto nos artºs 40º e 41º do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Maio, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho, e artºs 342º, nº 1, 2009º e 2020º todos do Cod. Civil.<br> Contra-alegando, a recorrida sustenta a bondade do decidido, pugnando pela improcedência do recurso.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>São os seguintes os factos que as instâncias deram como assentes:<br> - C, viúvo de D, filho de E faleceu no dia 6-12-95.<br> - F, nascida no dia 30-09-87, em Lisboa, é filha de C e de A, nos autos.<br> - A A. viveu maritalmente com C durante nove anos e sete meses.<br> - Em comunhão de leito, mesa e habitação e até à morte daquele.<br> - O C era beneficiário da B.<br> - E nessa qualidade recebia daquela entidade uma pensão de sobrevivência ( ) Dever-se-ia dizer "pensão de aposentação".) no valor de trinta e cinco mil e trezentos escudos.<br> - A A. não tem descendentes, ascendentes ou irmãos com possibilidade de lhe prestarem "alimentos".<br> Consta ainda dos autos de nomeação de patrono, em apenso, uma certidão emitida, em 26 de Fevereiro de 1996, pela Junta de Freguesia de Paço de Arcos, segundo a qual a A. aufere um vencimento mensal ilíquido de 61700 escudos, tendo a seu cargo, em comunhão de mesa e habitação, sua filha, F, de 8 anos de idade. Atento o referido documento, e em face da não oposição do Ministério Público, foi julgada verificada a alegada insuficiência económica da requerente , sendo-lhe, em consequência, concedido o referido benefício - cfr. fls. 3 e 5 do referido Apenso.<br> Pelas mesmas razões, e na sequência de promoção do Mº Pº no sentido de se dar como comprovada a situação de carência económica da requerente - cfr. fls. 14 -, foi, como já se referiu, concedido à A. o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de quaisquer custas e despesas no presente processo - cfr. fls. 16, vs.<div>III</div>1 - Sendo certo que o âmbito objectivo do recurso é determinado pelo teor das conclusões das respectivas alegações (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), sem prejuízo, como é evidente, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, o objecto da presente revista circunscreve-se ao problema relativo à alegada falta de prova, pela A., recorrida, da carência efectiva, por sua parte, de que lhe sejam prestados alimentos. Em termos de fundamentação, invoca a Recorrente a inexistência de suporte factual para a conclusão extraída pelo Tribunal a quo no sentido da verificação daquela carência.<br> 2 - Segundo o disposto no artigo 40º do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 191-B/79, de 25 de Junho, têm direito a pensão de sobrevivência como herdeiros bábeis dos contribuintes, entre outros, as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020º do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar sem outra referência.<br> Dispõe-se, ademais, no nº 2 do artigo 41º do mesmo Decreto-Lei que "aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020º do Código Civil será considerado herdeiro hábil para efeitos de pensão de sobrevivência depois da sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos".<br> Estabelece, por sua vez, o nº 1 do artigo 2020º, sob a epígrafe "União de facto" o seguinte: "Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º".<br> Nos termos das referidas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 2009º, estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, o cônjuge ou o ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os irmãos.<br> 3 - São dois os requisitos expressamente previstos no nº 1 do artigo 2020º acima reproduzido, tendo também presente a remissão que ali se estabelece para preceitos do artigo 2009º:<br> a) que; á data da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente, o respectivo parceiro sobrevivente vivesse com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges;<br> b) que não possa obter alimentos do cônjuge, ou ex-cônjuge, dos descendentes, dos ascendentes e dos irmãos.<br> Implicitamente, e porque se trata de uma especial forma de exercer o direito a alimentos, necessário se torna ainda que se verifique o requisito que subjaz a tal direito, ou seja, a carência dos mesmos por parte daquele que os pretende receber ( ) Nos termos da segunda parte da alínea b) do nº 1 do artigo 2003º, a obrigação de alimentos cessa quando "aquele que os recebe deixe de precisar deles".).<br> Provou-se no caso dos autos ter havido efectiva união de facto entre o falecido e a ora recorrida durante mais de nove anos, união da qual, aliás, nasceu uma filha.<br> Mais se apurou que a A., que é solteira, não tem descendentes, ascendentes nem irmãos que lhe possam prestar alimentos.<br> Apenas não consta expressamente do elenco fáctico dado como provado a necessidade da prestação de alimentos por parte da A.<br> 4 - Não obstante, o Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando a decisão do Tribunal de 1ª instância, que expressamente reconhecera a carência de alimentos por parte da A., concluiu, com base no acervo fáctico provado, o seguinte:<br> Tal montante (de 35300 escudos, correspondente à pensão de aposentação) fazia parte integrante e significativa do rendimento do agregado "familiar" constituído pelo falecido, pela A. e a filha menor de ambos.<br> É óbvio, a nosso ver, que com o óbito do C e atentas as condições referidas (convivência de leito, mesa e habitação deste com a A.) houve um corte substancial dos réditos da "família" que tornam clara a carência efectiva, pela A., do rendimento emergente da prestação peticionada.<br> Aliás, posição diversa teria o efeito de discriminar, o que é lógico estar for a da "mens legis" e "legislatoris" as situações como a presente nos casos de "more uxoris" " vulgo uniões de facto - e de casamento "a se" do "e cujus".<br> Destarte temos por verificada, ao invés da pretensão da apelada, o requisito da carência efectiva da prestação de alimentos pela apelada, pelo que a sentença impugnada está isenta de qualquer censura. Falecem as conclusões da apelante.<br> Estamos, assim, em presença de uma ilação que o Tribunal a quo retirou da matéria de facto fixada. O que fez, no uso da sua competência própria.<br> Prescreve o artigo 349º: "Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido". E, conforme dispõe o artigo 351º, as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.<br> Ora, "os juízos de valor formulados pela Relação, perante os factos provados, com base em regras de experiência ou presunções judiciais, como ilações logicamente deduzidas desses factos, reconduzem-se a matéria de facto, excluída da competência do tribunal de revista" - Acórdão do STJ de 10-02-98, Processo nº 899/97, 1ª Secção.<br> Apesar de se tratar de matéria pacífica, justificar-se-á, ainda assim, ilustrar a afirmação produzida com o subsídio recolhido nos sumários de alguns outros recentes acórdãos deste STJ. Assim:<br> - O Tribunal da Relação, no uso da sua competência para conhecer da matéria de facto, pode extrair dos factos provados as ilações que deles sejam consequência lógica, não podendo o tribunal de revista sindicar essa actividade - Acórdão do STJ de 10-02-98, Processo nº 709/97, 2ª Secção;<br> - (...) é unanimemente reconhecido às Relações o poder de extrair dos factos materiais provados ilações que sejam decorrência lógica daqueles outros, fazendo, assim, uso de presunções judiciais (cfr. artº 351º do CC) - Acórdão do STJ de 26-03-98, Revista nº 931/97, 2ª Secção;<br> - As Relações têm competência para, nos recursos, conhecer não só de direito, mas também de facto, compreendendo os seus poderes a faculdade de, a partir dos factos provados, deles extrair as ilações ou inferências, simples presunções judiciárias, que dos mesmos factos sejam decorrência lógica, hipótese que, tal como as demais questões de facto, fica excluída de sindicância pelo STJ - Acórdão do STJ de 29-04-98, Revista nº 23/98, 2ª Secção.<br> 5 - Vimos que o artigo 2020º estende o benefício de alimentos à própria união de facto, ficando a concessão de alimentos dependente da verificação cumulada de diversos requisitos, entre os quais se destaca o de o/a requerente não ter possibilidades de obter alimentos de que carece, nem do seu cônjuge ou ex-cônjuge, nem dos seus descendentes, ascendentes ou irmãos.<br> Embora o normativo em causa (nº 1 do artigo 2020º) não faça expressa referência à exigência à "carência dos alimentos", o certo é que tal requisito está implícito na respectiva estatuição, até por se tratar de um pressuposto genérico da correspondente prestação, sendo certo, desde logo, que a medida dos alimentos será, além do mais, proporcionada à necessidade daquele que houver de recebê-los - artigo 2004º, nº 1.<br> Mas, como se salienta no Acórdão deste STJ de 14 de Maio de 1998, processo nº 296/98, 2ª Secção, a prova da impossibilidade de prestar alimentos por parte de pessoa vinculada, pela ordem indicada nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 2009º poderá ser feita por presunções que pressupõem a existência de um facto conhecido - base das presunções -, cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado este facto, intervém a lei (no caso das presunções legais) ou o julgador (no caso das presunções judiciais) a concluir, a partir dele, a existência de outro facto (presumido) servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida ( ) Cfr. Vaz Serra, "Revista de Legislação e de Jurisprudência", Ano 108, pág. 352, em anotação ao acórdão deste STJ de 12 de Novembro de 1974.).<br> Ora, isto que é válido para a prova do requisito relativo à impossibilidade de obtenção de alimentos nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º, é igualmente válido quanto ao requisito da "carência de alimentos".<br> Acresce que, na generalidade dos casos, se poderá dizer que, ao fazer-se a prova da impossibilidade de prestação de alimentos por parte de pessoa vinculada, pela ordem indicada nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 2009º, se está a provar também a existência de efectiva carência de alimentos.<br> Tanto assim é que tais requisitos são frequentemente cumulados, sendo apresentados na veste de um requisito composto, fazendo-se referência, como no citado Acórdão nº 296/98, ao facto de a "requerente não ter possibilidades de obter alimentos de que carece" de nenhuma das pessoas referidas nas citadas alíneas do artigo 2009º. O que se compreende em virtude de, como se disse, a necessidade ou carência da prestação de alimentos por parte de quem os requer ser um pressuposto genérico para a sua atribuição.<br> De qualquer modo, no caso sub judice, não só foi alegada a necessidade da A. de receber a pensão de sobrevivência - artigo 15º da p. i. -, como também constam dos autos os já mencionados elementos demonstrativos da situação de carência económica da A. É certo que tais elementos foram carreados para o processo com uma intencionalidade distinta e específica - a concessão do benefício do apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de custas e despesas - cfr. os artigos 16º a 20º da p.i.<br> Mas, não tendo, embora, sido trazidos ao complexo fáctico dado como provado, acima reproduzido, estiveram, por certo, presentes no espírito das instâncias, quando concluiram, nos termos já assinalados, no sentido da verificação da efectiva carência económica. É que, embora teleologicamente dirigidos à concessão de apoio judiciário, a A. articulou os seguintes factos: (a) ter poucos rendimentos, como o comprova o atestado de insuficiência económica, junto aos autos de nomeação de patrono (artigo 16º); (b) de tais rendimentos ter de fazer face a todas as despesas domésticas (artigo 17º); (c) e ter a seu cargo as despesas com a filha( artigo 18º).<br> 6 - Como se disse, é ponto assente na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça o de que deve ser respeitada qualquer ilação tirada em matéria de facto pela Relação que, não alterando os factos que a prova fixou, mas antes apoiando-se neles, opera o seu desenvolvimento lógico ( ) Cfr., além do citado Acórdão de 14 de Maio de 1998, os Acórdãos de 20-10-77, in BMJ nº 270, pág. 229, de 07-12-77, in BMJ nº 272, pág. 152, e de 09-01.78, in BMJ nº 273, pág. 211.).<br> Por outro lado, não se verificando as hipóteses contempladas no nº 2 do artigo 722º do C.P.C., está fora da competência deste STJ, como Tribunal de revista, saber se a Relação fez, ou não, correcta apreciação dos factos provados.<br> Também é ponto assente que o Juiz apenas pode servir-se dos factos alegados pelas partes - artigo 664º do CPC. Assim sendo, o uso feito, pelas instâncias, das presunções tem de se conter dentro dos factos alegados.<br> Foi o que aconteceu no caso em apreço.<br> Foi feita prova de que, no momento da morte de C, a A. vivia maritalmente com ele há mais de nove anos; provou-se igualmente que a A. não tem cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou irmãos com possibilidades de lhe prestarem "alimentos".<br> Foi por ela alegado ter necessidade, para fazer face ás suas despesas, da pensão de sobrevivência. Provou-se, para efeitos de apoio judiciário, que a A. aufere apenas o vencimento mensal ilíquido de 61700 escudos, tendo-se comprovado a situação de carência económica da mesma.<br> É, assim, legítima a inferência extraída pelo Tribunal a quo acerca da verificação, in casu, do requisito, da efectiva carência da prestação de alimentos por parte da Autora.<br> Ora, como já se disse, deve ser respeitada qualquer ilação tirada em matéria de facto pelo Tribunal da Relação que, não alterando os factos que a prova fixou, mas antes apoiando-se neles, opera logicamente o seu desenvolvimento ( ) Cfr. ponto IV do sumário do Acórdão do STJ de 14-05-98, Revista nº 296/98, já citado.).<br> Nem se diga, como faz a recorrente, que "(...) não é actualmente com 35.300$00 que uma pessoa se consegue alimentar, com o âmbito definido no nº 1 do artigo 2003º do Código Civil". Ou que, atenta a sua diminuta expressão económica, de montante eventualmente "inferior às carências alimentares do de cujus, a A. deixou de ter de suportar, com a morte deste, as respectivas necessidades alimentares". Razão por que "até pode ter aumentado a capacidade alimentar da A.".<br> É que, em primeiro lugar, uma importância diminuta pode representar para um orçamento familiar de tão escassa expressão, um muito elevado valor. Não são, efectivamente, iguais as carências das pessoas, sendo também diverso o valor que, em função das necessidades, para elas representa a mesma soma de dinheiro. O que, para uns, poderá não chegar para uma refeição, pode representar, para outros, um inestimável auxílio na "ginástica" da gestão do orçamento mensal.<br> Por outro lado, não se pode ver, em termos de pura contabilidade, ou de simples lógica de "deve e haver" a correspondência entre uma (modestíssima) pensão de sobrevivência e a economia realizada em consequência da diminuição dos encargos alimentares com a pessoa que faleceu. Basta pensar na contribuição que uma pessoa viva sempre pode trazer à economia doméstica ou nas "portas" que se fecham, nas relações e no crédito que desaparecem, com a sua morte.<br> Atento o exposto, não merecem procedência as conclusões da alegação da Recorrente, não ocorrendo, por parte do acórdão recorrido, violação das disposições legais ali mencionadas.<br> Termos em que, na improcedência da revista, se confirma a decisão recorrida.<br> Sem custas por delas estar isenta a Recorrente.<br> Após o trânsito em julgado, deverá notificar-se o Ilustre Patrono Oficioso da A. a fim de juntar a respectiva nota de honorários e despesas.<br> Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> Na comarca de Setubal, A e marido B propuseram contra C e mulher D a presente acção especial de despejo na qual pediram o despejo imediato de uma loja, onde está instalado um café, que foi arrendado ao réu marido, pois que nenhum dos réus está a explorar o café mas sim um tal Angelino e o senhorio não autorizou nenhuma forma de cedência do locado nem ela lhe foi comunicada.<br> Por o Baltazar Martins ter falecido em 21 de Agosto de<br> 1981, foram habilitados com esses recursos a sua viúva D e E e mulher F e G e mulher H.<br> Frustrada a tentativa de conciliação, vieram os réus contestar, por excepção, alegando o conhecimento pelos autores há pelo menos 5 anos de cenas de exploração do estabelecimento, e por impugnação, dando dos factos uma versão diferente da dos autores, nomeadamente referindo que o dito C havia sido autorizado a trespassar ou a ceder a qualquer título a sua posição contratual, pelo que devia julgar-se procedente a alegada caducidade ou, caso assim se não entendesse, julgar-se improcedente a acção.<br> Seguiu o processo a tramitação legal, com saneador, especificação e questionário, até que, após julgamento, o juíz de 1 instância julgou a acção procedente, condenou os réus no despejo imediato do arrendado e declarou resolvido o contrato de arrendamento, com entrega do imóvel livre e desimpedido.<br> Desta sentença apelaram os réus e o Tribunal da<br> Relação, dando provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e absolveu os réus do pedido.<br> É deste acórdão que os autores interpõem o presente recurso de revista e, nas suas alegações, concluem assim:<br> I - A cessão de exploração de estabelecimento comercial carece de ser autorizada pelo senhorio e de ser comunicada a este no prazo de 15 dias, pois que o vínculo locaticio é estabelecido intuitus personae e a cessão de exploração não pode significar um divórcio entre o locador e o locatário sob pena de se destruir a propriedade privada com os imóveis a passar de mão em mão sem controlo do senhorio, de tal forma que a falta da referida autorização e comunicação é fundamento da resolução do arrendamento (artigos 1038 alínea g) e 1093 alínea f) do Código Civil);<br> II - quando os autores instauraram a acção desconheciam que tinha havido uma cessão de exploração, pelo que factos constitutivos do seu direito são: a propriedade do imóvel, o contrato de arrendamento e a ocupação do imóvel por outrem que não o arrendatário, e os autores provaram os factos constitutivos deste direito;<br> III - aos reus cabe fazer a prova de que a cessão foi comunicada e autorizada, por serem factos extintivos e modificativos do direito dos autores e, mesmo que assim se não entendesse, os factos negativos invertem o ónus da prova porque é impossivel para os autores fazer a prova de tais factos; aliás, seguindo a lógica do acórdão, porque a cessão é ineficaz em relação ao senhorio enquanto não for comunicada, esta comunicação<br> é uma condição resolutiva do direito dos autores, que deve ser provada pelos réus (artigo 343 n. 3 do Código Civil).<br> IV - Não há abuso de direito porque a acção, nos termos da lei, pode ser intentada até um ano após a cessação da ocupação do imóvel;<br> V - o acórdão violou os artigos 1038 e 1093 e 342 e 343 do Código Civil, pelo que deve ser negado e confirmada a sentença da 1 instância.<br> Nas suas contra-alegações, os recorridos concluiram:<br> - a cessão de exploração de estabelecimento comercial instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio;<br> - entendendo-se que a comunicação ao senhorio é necessária, cabe aos autores o ónus da prova da não comunicação, como fundamento da resolução do arrendamento, com facto constitutivo do direito por eles invocado, de acordo com o artigo 342 (334 é lapso manifesto) do Código Civil, certo sendo que este texto não distingue entre factos positivos ou negativos;<br> - os autores não fizeram prova da não comunicação da cedência do locado, pelo que deve julgar-se a acção improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vem provada a seguinte matéria de facto:<br> 1 - os autores são donos do prédio urbano sito na Rua ...., em Setúbal, inscrito na matriz sob o artigo 1509;<br> 2 - a loja sita no rés-do-chão de tal prédio foi tomada de arrendamento por C, para fins comerciais, pela renda mensal de 550 escudos, a pagar pelos réus na Associação de Proprietários de Setúbal;<br> 3 - os réus não se encontram a explorar o café que no locado se encontra instalado, o qual é explorado por I, sendo este que serve os clientes e contacta fornecedores;<br> 4 - em 6 de Agosto de 1978, o então arrendatário, C, cedeu ao referido I, por escritura pública, a exploração do estabelecimento que funciona no locado, pelo prazo de 1 ano, renovável enquanto convier a ambas as partes, obrigando-se o segundo a conservar e a restituir, no fim do contrato, todos os móveis e utensílios existentes no estabelecimento, certo, sendo que, na data desta cessão, o cessionário passou, desde logo, a explorar o estabelecimento, fazendo-o em nome próprio, por sua conta e risco, sendo ele quem atende os clientes, e os fornecedores e trata dos assuntos necessários relacionados com o estabelecimento.<br> A primeira questão a resolver é a da qualificação juridica do contrato sob análise, supra acabado de caracterizar no n. 4.<br> Mas não sofre dúvida que se trata de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial ou, no dizer de Orlando de Carvalho, de um contrato de locação do estabelecimento comercial ou industrial. Trata-se, na verdade, de um contrato através do qual o titular do estabelecimento cedeu a outrem, o título oneroso, a fruição temporária dele, juntamente com a cedência da fruição do imóvel em que está instalado e aquele antes do arrendado, contrato este contemplado no artigo 1085 do Código Civil (Antunes Varela, R.L.J. 100, 268 e seguintes e 123, 344 e seguintes).<br> É um contrato inominado, a regular pelas estipulações nele vertidas pelas partes e, subsidiariamente, pelas disposições dos contratos tipicos mais afins e, depois, pelas regras gerais dos contratos. São-lhe inaplicáveis as normas excepcionais dos arrendamentos para comércio, indústria e profissões liberais e dos arrendamentos urbanos que limitam a liberdade contratual em matéria de locação não só por virtude do disposto no artigo 11 do Código Civil como também por força do artigo 1085 n.<br> 1 do Código Civil que diz que um tal contrato não é havido como arrendamento e cuja ratio legis foi precisamente a de impedir a aplicação dessas normas a cessão de exploração do estabelecimento comercial, facilitando-se a negociação deste e privilegiando o valor dinâmico da exploração em prejuízo do valor estático do imóvel (Antunes Varela, locais citados, acordão do Supremo Tribunal de Justiça no Boletim do Ministério da Justiça 228, 186; acórdãos das Relações na C.J. 1978, tomo 1, 29, 1981, tomo 2, 204, 1986 tomo 3, 193, 1987, tomo 3, 73, 1988, tomo 2, 219 e tomo 3, 73).<br> Posto isto, cabe perguntar se é necessária a autorização do senhorio do prédio onde está instalado o estabelecimento para que o dono deste possa ceder validamente a outrem a sua exploração.<br> A este respeito, há forte divergência tanto na doutrina como na jurisprudência (cfr. os autores e arestos indicados na Colectânea de Jurisprudência, 1987, tomo 3, 73, e 1988, tomo 3, 74) que nos dispensamos de referir em pormenor e limitando-nos apenas a assinalar que os adeptos da necessidade da autorização têm como figura de proa Antunes Varela e os defensores da solução oposta Vaz Serra, Orlando de Carvalho, Rui Alarcão e Pereira Coelho, certo sendo que, também na jurisprudência, são mais numerosos os acórdãos concordantes com esta última posição.<br> Da nossa parte, também nos inclinamos para a tese segundo a qual não é necessária a autorização do senhorio, pelas razões que se seguem.<br> Se o escopo do artigo 1085 n. 1 foi subtrair o contrato de cessão de exploração do estabelecimento às normas da locação limitativas da liberdade de contratar, seria um contra-senso sujeitá-lo a normas desse tipo, como são as da alinea f) do artigo 1038 e da alinea f) do n. 1 do artigo 1093, ambos do Código Civil e das quais decorre a necessidade da autorização.<br> Por outro lado, sendo embora certo que o trespasse do estabelecimento (transmissão definitiva da titularidade do estabelecimento), para o qual o artigo 1118, n. 1 do Código Civil dispensa a autorização do senhorio, é figura diferente da locação do estabelecimento (cessão temporária da fruição do estabelecimento), pendemos a crer que este texto se deve aplicar também no caso de locação de estabelecimento dado que, neste particular da transmissão do estabelecimento para outrem, o trespasse se nos afigura como o contrato típico mais afim do contrato de locação do estabelecimento e não o contrato de arrendamento comercial. Com efeito, segundo escreveu Orlando de Carvalho, "a função do artigo 1118 do Código Civil é facilitar a negociação do estabelecimento, quando este se encontrar instalado num imóvel de que o titular do estabelecimento seja apenas inquilino - dispensando a autorização do senhorio para que o gozo do imóvel seja a sorte da empresa, de cuja organização é um elemento pretenso - a condição sine qua non para que essa norma se aplique é que o objecto do negócio seja o estabelecimento comercial (C.L.J. 110, 104).<br> Quer dizer, a necessidade de facilitar a negociação do estabelecimento igualmente se impõe no caso de locação do mesmo, sendo esta também a opinião de Vaz Serra, ao escrever "a razão por que o n. 1 do artigo 1118 dispensa a autorização do senhorio em caso de trespasse<br> (que é facilitar a circulação do estabelecimento) parece aplicável também na hipótese de cessão de exploração ou locação do estabelecimento" (R.L.J. 112, 192).<br> E até o próprio Antunes Varela, mau grado defender a necessidade de autorização do senhorio para a locação do estabelecimento (v. local citado e ainda R.L.J. 123, 346), entendeu que o traço caracteristico deste contrato "não é a cedencia da fruição do imóvel, nem a do gozo do imobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas a cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa" (R.L.J. 100, 270), daqui arrancando para a inaplicabilidade das normas excepcionais limitativas da liberdade contratual própria do arrendamento, conclusão esta que, em nosso modesto entender, se não compagina com a aplicação ao contrato de locação do estabelecimento da alinea f) do artigo 1038 e da alínea f) do n. 1 do artigo 1093, ambas normas tipicas da locação e restritivas da liberdade de contratação.<br> Aliás, como se tem defendido, se não é necessária a autorização no trespasse, figura esta em que há uma transmissão definitiva do estabelecimento, por maioria de razão ou a posteriori, tambem não é necessária na locação do estabelecimento, hipótese esta em que apenas existe uma cedência temporária da fruição do estabelecimento.<br> Outra questão é a de saber se é necessária a comunicação ao senhorio, dentro de 15 dias, nos termos da alinea g) do artigo 1038 referido.<br> Também há divergência quanto a esta questão, entendendo uns que a lei não exige qualquer comunicação, e entendendo outros, os mais numerosos, que é necessário comunicar ao locado a cedência do gozo da coisa, quer no caso de trespasse quer no de locação do estabelecimento, por força do preceituado na referida alinea g) do artigo 1038, por tal forma que, sem isso, o contrato é ineficaz em relação ao senhorio, o qual poderá vir pedir a resolução do contrato de arrendamento, ao abrigo do disposto na alinea f) do n. 1 do artigo 1093 do Código Civil e na dita alinea g) do artigo 1038.<br> Quid Juris?<br> Não sem alguma hesitação, vamos, aqui; pela necessidade da comunicação.<br> É que, neste campo da necessidade ou não da comunicação, que é um aspecto que em nada contende com a maior ou menor facilidade de negociação do estabelecimento e em que não entra em jogo uma norma limitativa da liberdade de contratar própria do arrendamento comercial, parece-nos que é este contrato de arrendamento comercial o mais afim da locação do estabelecimento ou cessão de exploração, dado este<br> último também participar da natureza locativa, pelo que<br> é de aplicar a alinea g) do artigo 1038 que exige a comunicação ao locador.<br> De resto, não deixa de apontar neste sentido o facto de o artigo 1118 n. 1 não dispensar a comunicação mas apenas a autorização do senhorio, quanto ao trespasse, do que decorrerá ser necessária a comunicação do trespasse, mas o mesmo deve passar-se na locação do estabelecimento, onde também há cedência, se bem que temporária, do estabelecimento e em que se justifica a comunicação, dado o interesse do locador em fiscalizar a legalidade da cedência do imóvel locado em que o estabelecimento está instalado.<br> Concluimos, pois, pela necessidade da comunicação, considerando que a alinea g) do artigo 1038 não é uma norma limitativa da liberdade de contratar própria dos arrendamentos vinculisticos e por isso não faz parte daquele conjunto de normas limitativas cuja aplicação os artigos 1085 n. 1 e 1118 n. 1 visaram afastar.<br> Neste sentido vêm opinando alguns autores (Manuel Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, 18; Pinto Furtado, Curso de Direito dos Arrendamentos Vinculisticos, 374, I. Matos, Arrendamento e Aluguer,<br> 314 e seguintes) bem como a maioria dos acórdãos das<br> Relações (C.J. 1981, tomo 3, 132, 1987, tomo 1, 315 e<br> 1988, tomo 3, 213; B.M.J. 242, 363, 244, 322, 328, 641 e 370, 633).<br> Vistos os factos provados, vê-se que se ignora se foi ou não feita a comunicação ao locador, pelo que, para decidir, interessa saber a quem cabe o ónus da prova.<br> Delicada questão esta, sem duvida, mas nós entendemos que é ao autor que cabe provar que lhe não foi feita a comunicação.<br> Com efeito, a falta de comunicação foi um dos motivos em que os autores fundaram o despejo imediato do locado<br> Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342, n. 1 do Código Civil) e isto quer os factos sejam positivos quer sejam negativos (Alberto dos Reis in<br> Código de Processo Civil Anotado, III, 228; Antunes<br> Varela em R.L.J 116, 341 e no Manual de Processo Civil<br> 2 edição, 455; Castro Mendes, Direito Processual Civil,<br> 1980, III, 194).<br> Nesta acção, a pretensão dos autores cifra-se no despejo imediato do locado, além de outros motivos, por falta de comunicação da cessão de exploração do estabelecimento pelo que aos autores incumbe a prova da falta dessa comunicação, nos termos da alinea g) do artigo 1038. Sem a prova desta falta de comunicação, a acção improcederia, o que é serial de que se trata de facto constitutivo da pretensão deduzida pelos autores, a quem não bastava provar a locação.<br> Aliás, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (n. 3 do artigo 342 do Código Civil), o que também aponta no sentido de se considerar a falta de comunicação como um facto constitutivo, no caso sub-judice.<br> É caso em que esse facto normalmente impeditivo (a falta de comunicação) vale como constitutivo, por ser a base da pretensão deduzida pelo autor, por se tratar de um facto constitutivo da pretensão por ele deduzida no processo. É esta a solução que tem sido defendida para o caso paralelo da acção destinada a declarar nulo um contrato por falta de consentimento (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora Manual de Processo Civil, 2 edição, 456 e 457; Alberto dos Reis no Código de Processo Civil Anotado, volume III, 279 e seguintes;<br> Mário de Brito, no Código Civil Anotado, volume I, 454; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em B.M.J. 213, 214).<br> Conhece-se jurisprudência em contrário (C.J. 1981, tomo 3, 132, 1987, tomo 1, 315 e 1988, tomo 3, 213) mas não se segue pelas razões acabadas de expor.<br> Por tudo o exposto nega-se a revista.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 20 de Outubro de 1992.<br> Fernando Fabião,<br> Cesar Marques,<br> Ramiro Vidigal.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 90.07.13 do Tribunal de Setúbal (4 juízo, 1 secção);<br> II - Acórdão de 91.10.24 da Relação de Évora.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Na presente acção de indemnização por acidente de viação movida por A, por si e em representação legal da filha - menor B, foi proferida sentença julgando-a improcedente quanto ao Reu C e ao chamado a demanda Estado, absolvendo-os do pedido, e procedente em relação ao Reu D, condenando-o no pagamento as Autoras da pedida indemnização global de 3000000 escudos, bem como se condenaram os Reus C e D, como litigantes de ma fe, a pagar, cada um, a multa de 50000 escudos, e ainda o segundo em igual montante de indemnização a favor do Estado Portugues.<br> Inconformados com esta decisão, recorreram os Reus D e C e a Relação concedeu provimento parcial as apelações, apenas no tocante a condenação do primeiro como litigante de ma fe e na multa aplicada ao segundo, que se reduziu para 20000 escudos, mantendo-se no mais a sentença recorrida.<br> Interpõe o Reu D recurso de revista, em que alega pedir a revogação do acordão, sendo o recorrente responsabilizado apenas em termos da responsabilidade objectiva e os seus co-ReusC e o chamado Estado solidariamente consigo condenados, porquanto violou os artigos 330, 331, 485 a 680 do Codigo de Processo Civil, e os artigos 491, 499, 500 e 501 do Codigo Civil, pelos fundamentos das conclusões que iremos analizar.<br> Contra-alegou o Estado a defender a confirmação do acordão recorrido.<br> Corridos os vistos, cumpre decidir.<br> I - Factos provados:<br> 1- No dia 12 de Agosto de 1980, da parte da tarde o Reu D conduzia o veiculo militar tipo "jeep", com a matricula MX-71-32, pertença do Estado Portugues, pela estrada que liga as localidades Santa Margarida da Coutada e Ralpique da comarca de Abrantes.<br> 2- No "jeep" seguiam como passageiros no banco ao lado do condutor o Reu C e no banco traseiro E e F.<br> 3- A certa altura o "Jeep" despistou-se, capotou e on E ficou debaixo dele.<br> 4- Em consequencia, o E sofreu esmagamento do frontal, do pariental e do temporal esquerdo, fractura da base do craneo e do rochedo direito, hematoma do lobulo frontal e parietal esquerdo, lesões estas que lhe determinaram como consequencia directa e necessaria a morte.<br> 5- O condutor e ocupantes do "Jeep" prestavam serviço militar no Batalhão de Infantaria Mecanizada (BIMEC), aquartelado em Santa Margarida, sendo o Reu D soldado, o Reu C aspirante, o falecido E primeiro cabo e o F furriel miliciano.<br> 6- O falecido E era casado com a Autora A e pai da menor B nascida em 11/8/79.<br> 7- Na data do acidente era oficial de dia ao BIMEC o alferes G.<br> 8- O Reu C solicitou ao reu D que o fosse levar a Malpique, afim de ali ir buscar umas fotografias que estavam no fotografo.<br> 9- Na sequencia de tal solicitação os individuos referidos em 2 sairam do quartel fazendo-se transportar no "jeep".<br> 10- Em Malpique procuraram o fotografo e como fossem informados que ele estava no vizinho lugar de Pereiro, para la se deslocaram no "jeep".<br> 11- No Pereiro aproveitaram para lanchar, comendo pão e chouriço e bebendo cerveja.<br> 12- No fim do lanche iniciaram o regresso ao quartel, fazendo-se transportar no "Jeep".<br> 13- O "jeep" ao descrever numa curva aberta entrou com o rodado direito na berma e percorreu com esse rodado na berma numa distancia de 29 metros.<br> 14- O Reu D, condutor do "jeep" conseguiu entretanto fazer sair esse rodado da berma e entrou na estrada.<br> 15- Porem, o "jeep" entrou na estrada em direcção obliqua ao eixo da via, e apos percorrer 2 metros nessas condições a roda do lado esquerdo da frente do "jeep" entrou na berma desse lado, atento o seu sentido de marcha, e foi cair numa vala que acompanha essa berma, que tinha a profundidade de 45 cm e a largura de 30 cm, e percorreu 6 metros nessa posição, apos o que tambem a roda de tras do lado esquerdo se afundou na mesma vala e por isso o condutor perdeu o controle do "jeep", que galgou a vala entrando nuns terrenos que marginam a estrada, onde percorreu 21, 6 metros, apos o que capotou e se imobilizou.<br> 16- O Reu C encontrava-se como adjunto ao oficial de dia G.<br> 17- O "jeep" saiu do BIMEC exclusivamente para ir levantar fotografias particulares do Reu C, não tendo a saida sido autorizada superiormente, designadamente não foi autorizada pelo oficial de dia a unidade.<br> 18- O E era ventriloquo de profissão, que exercia em espectaculos diversos ganhando de "cachet", em media, cerca de 24000 escudos por mes.<br> 19- Era do produto do trabalho de E que dependia exclusivamente a subsistencia das Autoras.<br> 20- O Reu C era aspirante tirocinante.<br> II - Perante esse apuramento, constante da especificação e das respostas aos quesitos, a 1 instancia imputou a produção do acidente a culpa do Reu D demonstrado na pontualidade indicada em 3 e 13 a 15, inclusive, consubstanciadora da violação da regra de que o transito se deve fazer pela faixa de rodagem, consoante o estabelecido pelos ns. 2, 3 e 4 do artigo 5 do Codigo da Estrada, e a 2 instancia confirmou essa imputação culposa e reforçou-a, ainda, por presunção judicial tirada de tais factos, com afirmação de o "jeep" ser conduzido com velocidade excessiva, em violação dos artigos 7, ns. 1 e 2, alinea b), do mesmo Codigo, sendo "precisamente por seguir a uma velocidade inadequada, por excesso, aliada a uma falta de destreza e impericia, e que se explica que não tivesse conseguido dominar a viatura, como lhe competia, de modo a mante-la dentro da faixa de rodagem, e deixasse que a mesma prosseguisse de forma descontrolada, nas condições ja referidas, durante varias dezenas de metros, pela berma, por uma vala e finalmente por terrenos marginais a estrada, onde acabou por capotar.<br> "E sem que tivesse demonstrado que a infracção dos aludidos preceitos, bem como a sua condução negligente, imperita e sem destreza, houvesse sido estranha a sua vontade, nomeadamente devido a mau funcionamento do veiculo ou a outra causa susceptivel de excluir a sua responsabilidade".<br> Ora, tal fundamentação do acordão afasta clara e inequivocamente a pretensão do recorrente de por "os factos focados não revelam, excesso de velocidade, nem permitem se estabeleça um nexo de causalidade adequada entre os mesmos e o evento, designadamente por nada se ter apurado perante a genese do acidente"; assim posta em mera condução da alegação, cujo texto nada contem a apoia-la como se impunha logicamente e so tera ficado omisso perante a dificuldade de demonstrar o indemonstravel em face do apuramento pormenorizado da dinamica da produção do acidente causado por saida na curva, do "jeep", da faixa de rodagem estradal por onde devia circular e sequente marcha desgovernada a terminar no capotamento de que resultou a morte do E, apos um percurso incontrolado de dezenas de metros, em que e legitimada a conclusão da Relação de excesso de velocidade por o condutor não ter conseguido fazer a curva nem parar o veiculo em todo alongado trajecto sinistral.<br> De resto, a invocada presunção hominis (artigo 349 do Codigo Civil), traduz-se em a Relação, merce das regras da experiencia, tirar de facto conhecivel, que a prova da trajectoria seguida pelo veiculo, para firmar o facto desconhecido, que e a velocidade exceder a que permitiria fazer a curva e parar o veiculo antes de capotar; o que e incensuravel pelo Supremo Tribunal, pois não envolve alteração e antes se harmoniza com os factos fixados provados - artigo 729 do Codigo de Processo Civil.<br> III - Na acção intentada contra os Reus D e C para responsabiliza-los solidariamente pela indemnização peticionada pelas Autoras, cada um dos demandados, sendo o C na contestação, chamaram o Estado a demanda (artigo 330, alinea c) do Codigo de Processo Civil), mas o chamante D não contestou a acção, passando, assim, o Estado a assumir tambem a posição de Reu e, por isso, contestou.<br> Na 1 instancia o C e o Estado foram absolvidos do pedido por sentença de que as Autoras não recorreram.<br> Dai entender a Relação que a decisão nessa parte transitou em julgado, não se podendo no recurso que interpusera o co-Reu D reconsiderar ou reapreciar a decisão na parte em que absolveu o Reu C e o Estado na posição de Reu pelo chamamento a demanda.<br> Entendimento em que se afigura merecer o desenvolvimento correctivo que segue.<br> O chamamento a demanda visa fazer condenar, conjuntamente com o demandado, o chamado; pressupõe que o chamado e, ao lado do demandado, sujeito passivo da relação juridica controvertida, isto e, da mesma obrigação do chamante.<br> No chamamento a demanda o demandado quer que os outros responsaveis sejam colocados na posição de Reus para, dado o caso de a acção proceder, serem condenados conjuntamente com eles.<br> Ou seja, o chamamento tem o objectivo de trazer para o processo pessoas que podiam ser demandadas conjuntamente com o Reu.<br> A utilidade do chamamento a demanda, no caso da alinea c) do artigo 330 do Codigo de Processo Civil, consiste em:- o demandado trazer para o processo novos Reus, que podem ajuda-lo na defesa;-<br> - condenados todos os Reus pode dar-se o caso de o credor mover execução contra todos, e não unicamente contra o Reu primitivo; - e, se o demandado houver de pagar a totalidade, fica em melhor posição para exercer o direito de regresso contra os co-devedores, podendo exerce-lo com base na sentença de condenação, sem necessidade de propor contra eles acção declarativa.<br> Tal caracterização do chamamento a demanda, em apreço, e expressada pelo Professor A. dos Reis, no Codigo de Processo Civil Anotado, Volume I (artigo 48), folhas 437 e 453, com inteiro acolhimento nosso.<br> O que logo afasta, claramente, a pretensão, tambem posta nas conclusões, do recurso, de legitimidade do recorrente para recorrer da sentença na parte em que absolveu os seus co-ReusC e Estado, com base na tese de que, ao deduzir o incidente de chamamento a demanda, o Reu formula um pedido contra o Autor, faz um pedido cruzado que tem a estrutura propria de uma "petição inicial".<br> Qualificativo este tirado impropriamente da citação de Eurico Cardoso - Manual dos Incidentes da Instancia no Processo Civil, 2 edição, pagina 124 e 125-, donde resulta apenas que o chamamento fundado na alinea c) e d) do artigo 330 do Codigo de Processo Civil, em forma da petição inicial so visava que tais fundamentos fossem devidamente articulados para que o chamado os pudesse impugnar especificadamente e não cair nas sanções que para a falta de impugnação especificada não estabelecidas na lei (cfr. artigos 333 e 490).<br> Como vimos, no essencial, a razão pratica do incidente da alinea c) do artigo 330 do Codigo de Processo Civil, e propiciar ao chamamento a possibilidade de fazer condenar juntamente consigo proprio o chamado e ficar munido de um titulo executivo contra este para lhe poder exigir a responsabilidade que nas relações internas competir ao chamado - v. neste sentido ao Supremo Tribunal de Justiça, de 27/11/79, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 291, pagina 434.<br> O nosso chamamento a demanda tem, pois, a finalidade do chamado se defender do direito da Autora a peticionada indemnização por facto ilicito traduzido no acidente de viação, e ser conjuntamente condenado com o chamante por virtude da solidariedade entre ambos nessa obrigação indemnizatoria.<br> E, nos termos do n. 2 do artigo 333 do Codigo de Processo Civil, no caso sub judice houve impugnação de direito das Autoras, e bem assim da solidariedade da divida, e a acção seguir entre todos os interessados, os primitivos Reus e o Estado invertido como Reu pelo seu chamamento a demanda, para, sendo julgado procedente, serem condenados so os primitivos ou tambem o outro, Estado, consoante o que se decidir sobre a solidariedade.<br> Ora, a acção foi julgada procedente apenas contra o primitivo Reu D, por culposa condução do "jeep" de que resultou o seu capotamento causador da morte do ocupante E, marido e pai da Autora, sendo condenado no pedido por estas formulado, improcedente contra o primitivo ReuC e outro,<br> Estado (chamado), sendo ambos estes absolvidos do pedido referido.<br> Portanto, de harmonia com a doutrina do citado n. 2 do artigo 333, com a condenação so do primitivo Reu-chamante D e a absolvição dos demais Reus- chamante C e o chamado Estado, ficou afastada a existencia do co-responsabilidade destes na obrigação indemnizatoria daquela condenação.<br> Quer dizer, na relação juridica controvertida com pluralidade de sujeitos passivos em que so num deles ficou condenado, o D, somente este foi vencido na acção, ou seja, no seu pedido feito pelas Autoras que ficaram vencedoras do mesmo.<br> Dentro desta relação de parte principal da causa, vencido e vencedor na acção e que se situa a definição da legitimidade para recorrer da respectiva decisão atribuida a quem tenha ficado vencido, pelo artigo 680, n. 1, do Codigo de Processo Civil.<br> A parte vencida contrapõe-se a vencedora, que são as aqui Autoras.<br> Consequentemente, so entre estas partes na acção se protagoniza o recurso, em cuja relação processual são os sujeitos recorrente e recorrido, e o objecto do recurso e a decisão proferida na medida em que e desfavoravel aquele e favoravel a este.<br> Ainda, segundo a norma do artigo 684, n. 4, do Codigo de Processo Civil, os efeitos do julgado na parte não recorrida (ou irrecorrivel), como seja a relativa a absolvição dos Reus C e Estado não pode ser prejudicado pela decisão do recurso, isto e, fica precludido discuti-la.<br> Assim constatamos que o recorrente D não tem legitimidade para a apelação interposta da absolvição do C e do Estado.<br> O que foi abordado singelamente no acordão da Relação a ponto de, chegando a admitir essa ilegitimidade recursoria, enveredou por "como quer que seja, sempre se adiantara", como adiantou conhecer do merito do recurso extensivo ao Estado, negando-lho.<br> Pelo que fica dito, e de manter o acordão posto em crise no recurso, salvo no referente ao C e ao Estado, por nessa parte, em que e inadmissivel o recurso, não se podia conhecer da apelação, sendo este não conhecimento a injunção que cumpria proferir.<br> IV - Termos em que se nega a revista e, embora por razão não inteiramente coincidente, se confirma o acordão recorrido com a rectificação de não conhecer do recurso quanto ao C e ao Estado.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 19-3-91<br> Jorge Vasconcelos,<br> Marques Cordeiro,<br> Joaquim de Carvalho (vencido mas so quanto a questão de ilegitimidade do recorrente para impugnar a decisão na parte em que absolveu o Estado, pois que entendo que ele teria legitimidade para isso embora sem razão quanto ao fundo).</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- A, intentou a presente acção de processo comum, na forma sumária, contra as Companhias de Seguros "Mundial - Confiança" e "Préservatrice...", pedindo a condenação destas a pagarem-lhe a quantia de 2345000 escudos, acrescida de juros legais e a indexar segundo as taxas de inflação, e montante a liquidar em execução de sentença quanto aos danos futuros, como indemnização de danos resultantes de acidente de viação imputável a culpa dos condutores dos veículos ... e ... na 1. e 2. rés, respectivamente.<br> As rés defenderam-se por excepção e impugnação.<br> O autor requereu a intervenção principal de José Duarte<br> Pinto, a qual foi admitida, e o mesmo, citado pessoalmente, não contestou.<br> Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 215 e seguintes, julgou-se a acção improcedente, com absolvição das rés do pedido, por se haver atribuído o acidente a culpa exclusiva do autor e ainda, quanto à ré Préservatrice, por caducidade do contrato de seguro.<br> O autor interpôs recurso de agravo do despacho de fls.<br> 175, que indeferiu o pedido de revisão do exame médico, e recurso de apelação da sentença, mas o acórdão da<br> Relação, de fls. 268 e seguintes, negou provimento a ambos.<br> Neste recurso de revista, o autor pretende a revogação daquele acórdão e a condenação do "1 R. como único culpado" ou "julgar-se o A. e o 1 R. com concorrência de culpas na proporção de 40 por cento e 60 por cento, respectivamente", ou julgar-se a acção com base na responsabilidade pelo risco, ou julgar-se inconstitucional o Dec-Lei n. 387-C/87 e o artigo 40 n. 4 do Cod. Est. de 1954, formulando, em resumo, as seguintes conclusões:<br> - o "despacho recorrido não foi apreciado, o que constitui uma nulidade, por interessar à decisão da causa";<br> - nos exames médicos feitos ao autor não foram respondidos os quesitos 2, 3, 4, 6, 7 e 9 e não foi fixada qualquer I.P.P. quando a mesma é notória e o médico assistente lhe atribuiu 20 por cento;<br> - foi entendido que o artigo 601 n. 2 do Cod. P. Civil estava tacitamente revogado mas não se fez referência ao diploma que o revogou, "o que também é nulo",<br> - tem o direito de exigir a revisão desses exames;<br> - não se deve culpabilizar o autor por ter atravessado a via a 11 m de uma passadeira para peões, por a mesma ser inexistente em termos legais e físicos e não estar devidamente demarcada;<br> - o facto de uma pessoa fazer a travessia fora da passadeira para peões não é razão suficiente para a considerar única culpada do sinistro;<br> - o condutor do ... seguia com excesso de velocidade;<br> - a conclusão 5. não foi apreciada, o que constitui nulidade;<br> - "se o ... acórdão tiver entendido que a revogação do artigo 601 n. 2 foi feita pelo Dec-Lei n. 387-C/87, o mesmo é inconstitucional";<br> - a nova redacção do artigo 40, nomeadamente o n. 4, cujo conteúdo não existia, foi dada pelo Dec-Lei n. 837/76, de 29 de Novembro, e este, bem como o artigo 1 do Dec-Lei n. 39672, de 20/05/54, são inconstitucionais a partir da Lei Constitucional n. 1/82, de 30 de Setembro;<br> - foi violado o disposto nos artigos 7 n. 2 alínea h),<br> 40 ns. 4 e 6 e 58 n. 4 do Cod. Est. de 1954, 601 n. 2 e<br> 668 n. 1 alínea b) e d) do Cod. Civil e 13, 20 e 32 da Constituição.<br> A ré Mundial-Confiança, por sua vez, sustenta ser de negar provimento ao recurso.<br> II- Factos dados como provados:<br> O autor nasceu em 18/11/1957.<br> À data do acidente, o veículo ... era conduzido por B e o ... por C.<br> A ré Préservatrice assumiu a responsabilidade para com terceiros resultante da utilização do veículo ... até ao montante de 5000000 escudos, conforme apólice junta a fls. 15, datada de Março de 1986.<br> A ré Mundial-Confiança assumira a responsabilidade para com terceiros resultante de utilização do veículo ciclomotor ... até ao montante de 5000000 escudos, conforme apólice junta a fls. 22 e desde<br> 02/05/86.<br> Em 29/12/86, pelas 20h 50m, o autor atravessava a avenida ..., na Amadora, junto ao n. 14 de polícia, de sul para norte, e foi atropelado pela frente do TV, que circulava pela avenida referida no sentido nascente-poente.<br> O IR circulava atrás do TV na mesma faixa de rodagem e no mesmo sentido nascente-poente.<br> O TV depois de atropelar o autor circulou sozinho, imobilizando-se a mais de 100 metros, tendo, porém, o seu condutor ficado caído no solo junto do autor.<br> A via onde ocorreu o atropelamento é recta, plana e com<br> 9 metros de largura.<br> O condutor do IR acusou 0,35 g/l de alcoolemia à data do acidente dos autos.<br> O autor atravessou a referida avenida fora da passadeira para peões ali existente e a cerca de 11 metros do local do embate.<br> O pavimento da referida avenida era alcatroado e estava seco à data do acidente.<br> Em consequência do atropelamento pelo TV, o autor sofreu traumatismo craniano com perda de conhecimento, traumatismo e fractura de tíbia da perna esquerda, hemorragia subconjuntival do olho esquerdo e ferimentos pelo corpo, e por isso ficou internado no hospital de<br> S. José para tratamento, e, posteriormente, foi internado no hospital Curry Cabral, onde foi submetido a intervenção cirúrgica.<br> O autor ficou com cicatrizes que ligeiramente o afectam sob o ponto de vista estético.<br> O autor era pessoa saudável.<br> O autor trabalhava na Junta de Freguesia da Mina onde auferia 27000 escudos mensais, à data do acidente.<br> O autor comprou uma canadianas por 3000 escudos, face aos ferimentos sofridos.<br> Durante três meses, o autor não conseguiu deslocar-se nem mover-se sem a ajuda de terceiros.<br> O autor sofreu dores intensas com as lesões sofridas.<br> O dono do .... transmitiu-o (deixando de ser seu dono) ao C, dias antes do acidente dos autos.<br> III- Quanto ao mérito do recurso:<br> 1- Objecto do recurso:<br> A responsabilidade civil imputada na acção à ré "Préservatrice", como seguradora da indemnização devida pelo proprietário do veículo automóvel ..., está definitivamente excluída, por não ter sido posta em causa, neste ponto, tanto no recurso de apelação como no presente, a decisão da 1. instância (artigo 684 ns. 2 e 4 do Cod. P. Civil).<br> Apenas subsiste pois a responsabilidade da ré "Mundial-Confiança", na qualidade de seguradora em relação ao veículo ....<br> De harmonia com as "conclusões" acima transcritas, cabe apreciar as seguintes questões: nulidades do acórdão recorrido; inconstitucionalidade de diversas normas legais; direito à revisão do exame médico do autor; e a culpa ou o risco na produção do acidente.<br> 2- Nulidades do acórdão recorrido:<br> Uma das nulidades invocadas é a falta de pronúncia sobre o objecto do recurso de agravo interposto do despacho de fls. 175, que indeferiu o pedido de revisão do exame médico do autor, efectuado no Instituto de<br> Medicina Legal de Lisboa.<br> No acórdão, depois de se concluir pela culpa exclusiva do autor, escreve-se que "não se toma conhecimento do objecto" daquele, em virtude de se tornar inútil a sua aplicação, mas acrescenta-se que, pelo interesse do recorrente em "suportar ou não as custas...", o pedido foi bem indeferido porque, no "entendimento expresso no sumariado acórdão da Relação do Porto de 29/04/93... os <br> Conselhos Médico-Legais não têm, hoje, funções de revisão dos exames médico-forenses, encontrando-se, nessa parte, tacitamente revogado o n. 2 do artigo 601 do Cod. P. Civil, podendo as partes apenas reclamar, por deficiência ou obscuridade...", e acaba por se negar "procedência aos recursos", ou seja, tanto à apelação como ao agravo.<br> Num puro aspecto formal, tem razão o recorrente: nos termos do disposto no artigo 710 do cit. Código, devia ser julgado, em primeiro lugar, o recurso de agravo; mesmo no caso de procedência do fundamento invocado, ou seja, de haver lugar à revisão do exame médico, caberia apreciar a possível influência da "infracção cometida... no exame ou decisão da causa...", isto é, se a falta de revisão do exame tinha interesse para a "decisão do litígio"; porque estava apenas em causa a extensão dos danos sofridos, essa falta só teria possível relevância, com a consequente anulação do processado posterior ao requerimento de revisão, na hipótese de se concluir pela responsabilidade civil da ré; concluindo-se de modo diverso, e apesar da infracção cometida, seria de negar provimento ao agravo; o aspecto das custas do recurso não interessava, para esse efeito, uma vez que o recorrente só deixaria de as suportar no caso de, nos termos indicados, ele dever ser provido (cfr. A. Reis, no Cod. Proc. Civil Anot., V, pág. 463, e Rodrigues Bastos,<br> Notas..., III, pág. 330).<br> Apesar disto, não ocorre a nulidade invocada de falta de pronúncia, uma vez que o acórdão recorrido acabou por conhecer, embora de forma sumária, do objecto do recurso de agravo, e a apontada circunstância de se haver conhecido, em primeiro lugar, do recurso de apelação, reconduz-se a simples irregularidade formal, a qual se não confunde com aquela nulidade, prevista no artigo 668 n. 1 alínea d) do Cod. P. Civil.<br> Outra das nulidades imputadas ao acórdão é a de se não ter feito referência ao diploma que revogou o artigo 601 n. 2 do cit. Código, mas também aqui não assiste razão ao recorrente.<br> Tratar-se-ia da nulidade prevista na alínea b) do cit. artigo 668 n. 1, segundo a qual a sentença é nula<br> "quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão", o que pressupõe, na versão generalizada da doutrina e da jurisprudência, uma falta total ou absoluta de fundamentação (A. Reis, no cit. Cod. Anot., pág. 140, e A. Varela, na Rev. Leg.<br> J., 121, pág. 311).<br> Ora, o acórdão contém a fundamentação sumária já acima transcrita e, com a adesão ao entendimento do acórdão da Relação do Porto de 29/04/93, na Col. XVIII, 2, pág. <br> 226, faz sua a argumentação jurídica aí exposta, designadamente a decorrente do disposto no Dec-Lei n. 387-C/87, de 29 de Dezembro, o que se tem como suficiente para o efeito em causa e foi mesmo compreendido pelo recorrente, que invoca a inconstitucionalidade desse diploma.<br> Alega ainda o recorrente a nulidade de se não ter apreciado "a conclusão 5." do recurso de apelação, ou seja, que o facto de se ter provado que o autor não fez a travessia pela passagem de peões "não é razão suficiente para se atropelar uma pessoa sem que se faça todos os possíveis para não a atropelar, e dos factos provados se demonstrar claramente que o condutor do TV seguia com excesso de velocidade...".<br> Porém, essa pretensa nulidade de omissão de pronúncia está excluída, pois o acórdão, em face da matéria de facto provada, concluiu pela culpa exclusiva do autor, e não tinha sequer de apreciar todas as razões, de facto ou de direito, alegadas pelo recorrente.<br> Poderá ter havido, porventura, deficiência ou erro de julgamento mas isto respeita ao mérito da causa e não ao aspecto formal em que se traduz aquela nulidade.<br> 3- Sobre a inconstitucionalidade:<br> Para o recorrente, é inconstitucional o Dec-Lei n. 387-C/87, de 29 de Dezembro, a interpretar-se no sentido de ter revogado o artigo 601 n. 2 do Cod. P. Civil, porque "não se pode revogar uma disposição que retire garantias e direitos a qualquer cidadão..., sob pena de se infringir as disposições dos artigos 13 e 20 da Constituição". Teria havido assim, com a supressão do direito a revisão, pelo Conselho Médico-Legal, dos exames médicos feitos por estabelecimentos oficiais, violação dos princípios fundamentais da igualdade entre os cidadãos e do acesso ao direito e aos tribunais, mas afigura-se manifesto, salvo o devido respeito, que não ocorre tal violação.<br> Aquela revisão era apenas um complemento do exame efectuado, destinado à sua reapreciação por entidade especialmente qualificada, e, com a sua eliminação, os cidadãos não deixam de ser tratados de modo igual nem a pretensão do lesado à definição ou reconhecimento judicial do seu direito a indemnização fica prejudicada de modo relevante, uma vez que, efectuado o exame médico, pode requerer o suprimento de deficiências ou obscuridades ou esclarecimentos prestados em audiência pelos peritos (cit. artigos 601 e seguintes) ou socorrer-se ainda de quaisquer outros meios de prova.<br> Alega o recorrente que o Dec-Lei n. 837/76, de 29 de Novembro (que deu nova redacção ao artigo 40 do Cod. Est.), porque "foi elaborado pelo governo..., é de natureza substantiva..., inovador e ultrapassa a mera regulamentação", e o parágrafo único do artigo 1 do Dec-lei n. 39672, de 20/05/54 (onde se estabelece que esse Código "pode ser alterado por decretos simples, salvo quanto às matérias...") são também "inconstitucionais, a partir da entrada em vigor da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro", mas basta notar que, com a Constituição de 1976, não foi posta em causa a constitucionalidade orgânica ou formal da legislação anterior (artigo 293 n. 1, na versão inicial), e que a simples regulamentação do trânsito, prevista no cit. artigo 40, não é matéria da competência exclusiva, absoluta ou relativa, da Assembleia da República, podendo pois ser objecto de decretos-leis do governo (artigos 167 e seguintes e<br> 201, na versão de 1982, como na actual).<br> 4- Revisão do exame médico:<br> Efectuado exame médico no Instituto de Medicina Legal, o autor requereu a sua "revisão..., nos termos do n. 2 do artigo 601 do Cod. P. Civil", ou seja, a revisão pelo Conselho Médico-Legal, o que foi indeferido e veio a ser objecto de recurso de agravo, julgado improcedente nos termos sumários já apontados.<br> Diz agora o recorrente que "tinha direito de exigir a revisão", invocando a nulidade do acórdão recorrido e a inconstitucionalidade do cit. Dec-Lei n. 387-C/87 (o que já foi apreciado), bem como não se ter respondido a diversos quesitos nem se ter fixado qualquer I.P.P., apesar de notória e de o médico assistente haver atribuído a de 20 por cento, mas isto não constitui argumentação no sentido da admissibilidade da revisão nem a justificaria, apontando antes para a reclamação contra deficiências ou o pedido de esclarecimentos, pelo que, em rigor, nada mais seria necessário acrescentar.<br> Sempre se nota, porém, que o cit. artigo 601 n. 2 (na parte relativa à revisão dos exames pelo Conselho Médico-Legal), como, aliás, o artigo 609 n. 3 do cit. Cod. P. Civil (ao não admitir segundo exame, quando o primeiro tiver sido efectuado por estabelecimentos oficiais), devem ter-se como efectivamente revogados pelo cit. Dec-Lei n. 387-C/87.<br> Na verdade, esse diploma procedeu a uma completa reorganização dos institutos médicos-legais, revogou, expressamente, todas as leis anteriores sobre serviços médicos-legais, incluindo o Dec. n. 5023, de<br> 29/11/1918, cujo artigo 24 atribui ao Conselho Médico-Legal competência para a aludida revisão, e conferiu a este outras funções (artigo 9).<br> A eliminação dessa competência implica pois a revogação daqueles preceitos na lei processual, por manifesta "incompatibilidade" entre eles e as novas regras legais (artigo 7 n. 2 do Cod. Civil).<br> Acresce que o cit. artigo 601 n. 2 manda também observar, "em tudo que não vai especialmente determinado, as disposições relativas a exames médicos-forenses em processo penal", e neste não há agora lugar àquela revisão mas a "esclarecimentos complementares" ou "nova perícia" (artigos 157 a 160), pelo que aquela eliminação da revisão, em processo civil, está de harmonia com o regime do processo penal.<br> Tudo isto, de resto, consta do preâmbulo do cit. Dec-Lei, onde se diz que "uma inovação de tomo" é a "da eliminação da competência atinente à revisão dos relatórios periciais", a qual "resulta directamente do regime instituído pelo novo Código de Processo penal, que afasta decisivamente aquela possibilidade".<br> A inadmissibilidade de segundo exame, referida no cit. artigo 609 n. 3, era justificada, por sua vez, pela existência da revisão, e, excluída esta, deve ter-se como admissível esse segundo exame ou a "nova perícia", prevista pelo artigo 158 do cit. Cod. P. Penal.<br> 5- Culpa ou risco:<br> Deu-se como provado, no essencial, que: em 29/12/86, pelas 20h 50m, o autor atravessava a Av...., na Amadora, de sul para norte, e foi atropelado pela frente do motociclo TV, conduzido por B e que circulava por essa avenida no sentido nascente-poente; depois de atropelar o autor, o veículo circulou sozinho, imobilizando-se a mais de 100 m, e tendo o seu condutor ficado caído no solo, junto do autor; no local, a via é uma recta, plana, com 9 m de largura, e o pavimento, alcatroado, estava seco; o autor atravessou a avenida fora da passadeira para peões ali existente e a cerca de 1 m do local do embate.<br> Nas decisões das instâncias, atribuiu-se o acidente a culpa exclusiva do autor, por ter feito a travessia da avenida fora daquela passadeira, em contravenção do disposto no n. 4 do artigo 40 do Cod. Est. de 1954.<br> Pelo cit. n. 4 do artigo 40, "sempre que existam, a uma distância inferior a 50 m, passagens para peões devidamente demarcadas ou sinalizadas, o atravessamento deve ser feito por esses locais", em termos que não especificados conforme a passagem ou o trânsito estiverem ou não regulados por sinalização luminosa ou por agentes.<br> Também aos condutores de veículos são impostos certos deveres, "ao aproximarem-se de uma passagem para peões devidamente assinalada...", estando esses deveres condicionados por haver aí ou não regulação da circulação por sinalização luminosa ou por agentes de trânsito.<br> Assim, tem-se como exacto que, para que possa configurar-se uma efectiva passagem daquela natureza, com os consequentes deveres para peões e condutores, é necessário que a mesma esteja devidamente demarcada ou sinalizada, o que significa dever ser facilmente perceptível a certa distância, tanto em relação aos condutores (de modo a poderem reduzir a velocidade ou deter a marcha do veículo, em tempo oportuno) como aos peões (a existência da passagem, "a uma distância inferior a 50 m", pressupõe, necessariamente, que ela possa ser observada).<br> No caso presente, deu-se como provado que o autor atravessou a avenida "fora da passadeira para peões ali existente e a cerca de 11 m do local do embate" e, embora não se tenha alegado sequer que essa passagem estivesse "devidamente demarcada ou sinalizada", o certo é que foi o próprio autor quem, na petição inicial, referiu a existência dessa passadeira, pelo que a mesma não deve ser posta em causa e antes deve ter como reconhecida.<br> Assim, com o atravessamento da Av., naquelas circunstâncias, o autor cometeu a contravenção p. no cit. artigo 40 n. 4 do Cod. Est. e é do conhecimento geral e comum, como facto notório, que essa travessia da faixa de rodagem constitui perigo iminente de acidente.<br> O acidente é pois imputável a culpa do autor, como concluíram as instâncias, sendo certo que essa culpa, baseada também, pelas instâncias, naquelas regras da experiência comum constitui, nessa medida, matéria de facto, excluída da competência do tribunal de revista<br> (artigo 721 n. 2 do Cod. P. Civil).<br> De resto, cabia ao autor o ónus da prova da culpa do lesante (artigo 487 n. 1 do Cod. Civil) e o mesmo não fez prova de qualquer dos factos alegados nesse sentido.<br> Mesmo que, por hipótese, fosse de excluir a culpa do autor, sempre o acidente deveria ser imputado, pelo menos, àquele facto objectivo da travessia da avenida fora da passadeira, o que afastaria também a responsabilidade da seguradora do veículo, com base no risco, nos termos do disposto no artigo 505 do cit. Cod. Civil.<br> Em conclusão:<br> A apelação e os agravos devem ser sempre julgados pela ordem de precedência mencionada no artigo 710 n. 1 do Cod. P. Civil, sendo irrelevante para efeito da apreciação de algum deles a responsabilidade pelas respectivas custas, mas a inversão daquela ordem não constitui nulidade da decisão e antes simples irregularidade formal.<br> O disposto nos artigos 601 n. 2 e 609 n. 3 do Cod. P. Civil, sobre a possibilidade de revisão de exames médicos pelo Conselho Médico-Legal e a inadimissibilidade do segundo exame, quando o primeiro pudesse beneficiar de tal revisão, deve ter-se como revogado pelo Dec-Lei n. 387-C/87, de 29 de Dezembro, que procedeu à reorganização dos institutos médico-legais.<br> O atravessamento da faixa de rodagem fora das passadeiras para peões, existentes a menos de 50 m, deve considerar-se, em princípio, como causal de acidente então ocorrido.<br> Não se configura qualquer das nulidades ou inconstitucionalidades invocadas pelo recorrente.<br> Pelo exposto:<br> Nega-se a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 16 de Abril de 1996.<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Amâncio Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> <br> I- Da Tramitação Processual<br> Em acção com processo especial de redução do seu capital social, nos termos do artigo 1487 do CPC, A - Sociedade de Locação Financeira Mobiliária, SA, requereu que a conta de custas tivesse em atenção a isenção de taxa de justiça que lhe foi reconhecida, por despachos do Ministro da Justiça e do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao abrigo do DL 404/90, de 21 de Dezembro.<br> Anexou um ofício em que lhe foi comunicado terem aqueles despachos "deferido o pedido de isenção dos impostos do selo e da sisa, bem como de emolumentos e outros encargos legais formulado por essa firma e outras ao abrigo do DL 404/90, de 21 de Dezembro, conforme fotocópia autenticada do mesmo, que se junta".<br> O Mmo. Juiz indeferiu o requerido.<br> Agravou a requerente com êxito, pois a Relação concedeu provimento ao recurso, revogou o despacho recorrido e ordenou que fosse substituído por outro que deferisse o requerido.<br> II- Do recurso:<br> 1- Das Conclusões:<br> Inconformado, recorreu o Exmo. Magistrado do M.P. para este Supremo Tribunal, concluindo, deste modo, as suas alegações: a- A decisão que concedeu à agravada a isenção da taxa de justiça, com base no disposto no artigo 1 do DL 404/90, de 21 de Dezembro, bem como nos despachos governamentais proferidos em função desse dispositivo não pode manter-se. b- O referido normativo abrange apenas os actos formais de cooperação ou de concentração de empresas e os impostos nele expressamente mencionados. c- Dada a sua natureza excepcional, deve ser aplicado nos seus estritos termos, pois não contempla os actos judiciais eventualmente necessários para a realização dos apontados actos de cooperação ou de concentração, não abrangendo a isenção da taxa de justiça. d- A isenção tributária decidida, casuisticamente por via ministerial, sempre seria contrária ao princípio constitucional da independência dos tribunais. e- Isentar o processo especial de redução do capital social (artigo 1487 do CPC), quando destinado a viabilizar a cooperação ou a concentração de empresas, violaria o princípio da igualdade perante a lei tributária, uma vez que o processo seria - ou não - tributado, em função do fim. f- Os despachos em questão que concederam a isenção tributária não contemplam expressamente a taxa de justiça, embora tal pedido tivesse sido formulado, limitando-se a referir os impostos do selo e da sisa, bem como os respectivos emolumentos e encargos legais, pelo que essa taxa não pode ser incluída nesses despachos. g- Foi violado o disposto no artigo 1 do citado DL 404/90, de 21 de Dezembro, bem como o artigo 1 do CC Judiciais, ao decretar uma isenção de custas não especialmente prevista na lei.<br> Contra alegou a recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.<br> Foram colhidos os vistos legais.<br> 2- Dos factos Provados:<br> O pedido de isenção de encargos deferido é relativo a operação de fusão nos termos do artigo 97 n. 4, alínea a) do CSC, da A - Sociedade de Locação Financeira Mobiliária, SA, com a B - Companhia de Locação Financeira Imobiliária, SA.<br> Essa operação abrange, nos termos desse pedido, a redução do capital social daquela primeira sociedade (incorporante).<br> Foi pedida, além do mais, a isenção da taxa de justiça nos processos judiciais de redução do capital social.<br> 3- Da Questão a Decidir:<br> Há apenas que apreciar se os despachos dos mencionados membros do Governo abrangem a isenção de taxa de justiça, tal como pretende a recorrida que aconteça.<br> 4- Da Taxa De Justiça:<br> Os serviços que o Estado presta à comunidade não são gratuitos, sendo suportados pela comunidade em geral, através dos impostos, e, em particular, através de taxas, geralmente pagas por quem se socorre dos respectivos serviços.<br> A taxa não tem carácter acessório, mas autónomo e sinalagmático, é uma prestação por um bem semi-público ou por um serviço que o Estado presta, e não tem que corresponder integralmente ao custo desse bem ou serviço.<br> Umas vezes, não é necessário que o cidadão utilize o serviço e, outras, nem sequer o demanda. Na primeira situação insere-se o caso das propinas, que são uma taxa: o Estado presta ensino e o estudante frequenta as aulas, mas pode não o fazer, embora tenha essa possibilidade; na segunda, por exemplo no processo criminal, o cidadão, a maior parte das vezes, não o solicita mas vê-se obrigado a utilizar os serviços da justiça.<br> Pode dizer-se, de um modo geral, que os encargos não têm carácter tributário e representam reembolsos de despesas dos serviços onde são efectuadas; por sua vez, os emolumentos têm carácter tributário e são produto de prestações que revertem para a entidade que tem a seu cargo o serviço público, com o fim de prover ao seu financiamento.<br> É costume integrar as taxas em dois grupos - as taxas judiciais e as taxas administrativas.<br> As taxas judiciais reconduzem-se ao conceito tradicional de custas.<br> Nesta ordem de ideias existe o Código das Custas Judiciais, tendo sido o actual aprovado pelo DL 224-A/96, de 26 de Novembro, que no artigo 1 diz que as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos, ou seja, as despesas que é necessário fazer para obter como contrapartida uma prestação dos serviços de justiça.<br> A taxa de justiça é fixada em função do valor tributário do processo que, geralmente, corresponde ao seu valor processual, representando a utilidade económica imediata do pedido - artigos 5 e segs. do Código das Custas Judiciais e o artigo 305 n. 1 do CPC.<br> Os encargos legais são simples reembolsos de despesas efectuadas pelos serviços, de papel, correio, etc. - cfr. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, 49; por sua vez os emolumentos são prestações devidas por actos ou papéis avulsos, destinando-se, em parte, à retribuição dos funcionários judiciais.<br> Quer os encargos legais, quer os emolumentos, suportam sempre a ideia de acessoriedade, evitando, assim, que se fique isento do acessório e se pague o principal.<br> Os serviços de justiça não são gratuitos para quem os utiliza, embora haja quem possa ficar isento do respectivo pagamento.<br> O artigo 1 do DL 404/90, estabelece: "Às empresas que ... procedam a actos de cooperação ou de concentração pode ser concedida isenção de sisa relativa à transmissão de imóveis necessários à concentração ou cooperação, bem como dos emolumentos e de outros encargos legais que se mostrem devidos pela prática daqueles actos".<br> Este preceito prevê a possibilidade de isenções tributárias, especificando a isenção da sisa, e de prestações acessórias.<br> Não faria sentido que sendo o processo de redução de capital um processo judicial, para ser decidido em Tribunal, a lei especificasse a isenção de um imposto e de outras prestações e não da taxa de justiça, que tem características de autonomia e é a própria da utilização dos respectivos serviços.<br> O artigo 1 do artigo 404/90 não pode, deste modo, ter o significado que lhe quer atribuir a recorrida; portanto, o acto de membros do governo que concedesse tal isenção seria um acto ilegal, cuja apreciação caberia aos tribunais judiciais, pois, embora tratando-se de um acto administrativo estaria inserido num processo judicial, da competência dos tribunais comuns, tendo a ver com a decisão que a lei comete a estes tribunais.<br> O Ministério Público, como defensor da legalidade democrática, tem legitimidade para suscitar a apreciação da questão neste recurso, por as custas terem natureza adjectiva e as normas que as prevêem estarem intimamente conexionadas com o CPC.<br> Mas os governantes que proferiram os despachos acima referidos não concederam qualquer isenção da taxa de justiça.<br> É que, embora a recorrida e outras o tivessem requerido, eles apenas concederam isenção dos impostos do selo e da sisa, bem como de emolumentos e outros encargos legais, e não da taxa de justiça, sendo esta distinta da natureza daqueles.<br> 5- Da Decisão:<br> Pelo exposto acorda-se em se dar provimento ao recurso e em se revogar a decisão recorrida, prevalecendo a da 1. instância.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 13 de Outubro de 1998.<br> Aragão Seia,<br> Lopes Pinto,<br> Ribeiro Coelho.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I</div>A, veio, em 7 de Abril de 1997, por apenso à execução ordinária que lhe move B, deduzir os presentes embargos, alegando, em síntese, que o cheque dado à execução foi apresentado fora do prazo de oito dias constante do artigo 29º da Lei Uniforme Sobre Cheques, ao que acresce que o referido cheque se destinava a garantir o pagamento de um negócio, que não foi cumprido nos termos acordados pelo embargado e cuja declaração de nulidade já foi pedida em acção proposta pela embargante contra o embargado. <br> Concluiu pela procedência dos embargos, pedindo a condenação do embargado como litigante de má fé.<br> Contestou o exequente, ora embargado, mantendo que o cheque em questão é título executivo e que só foi apresentado a pagamento em 27-01-97 pelo facto de o gerente da embargante ter suplicado ao embargado que fosse adiando tal apresentação a pagamento. Mais impugnou a restante factualidade invocada, propugnando a improcedência dos embargos e a correspondente condenação da embargante como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a 500000 escudos.<br> Conhecendo do mérito no saneador, o Tribunal de 1ª instância julgou os embargos procedentes, tendo, em consequência, declarado extinta a execução apensa. Quanto à questão da litigância de má fé, foi entendido não resultar dos autos, sem mais, que as partes tenham litigado de má fé, "o que não seria de excluir, caso os embargos prosseguissem" - cfr. fls. 89.<br> Apelou o embargado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 29 de Setembro de 1998 - fls. 116 e segs. - decidido negar provimento ao recurso e confirmar in totum a decisão do impugnado saneador-sentença.<br> Inconformado, traz o exequente/embargado a presente revista, concluindo as suas alegações do seguinte modo:<br> 1. A reforma de Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, ampliou, significativamente, o elenco dos títulos executivos.<br> 2. O facto de os cheques terem deixado de ser expressamente referidos no artigo 46º do C.P.C. não pode significar que tenham deixado de constituir títulos executivos.<br> 3. O legislador considerou desnecessária a referência aos cheques neste dispositivo legal, suprimiu-as e passou a inclui-los para este efeito, que não para efeitos penais, nos "documentos assinados pelo devedor que importem em obrigação pecuniária de montante determinado".<br> 4. O legislador equiparou todos os títulos referidos na al. c) do referido artigo 46º, não exigindo para qualquer deles qualquer requisito para além dos expressamente consignados - documento assinado pelo devedor e obrigação pecuniária de montante determinado.<br> 5. A jurisprudência anterior, que exigia a apresentação do cheque a pagamento nos 8 dias seguintes a contar da data nele aposta, deixa de ter aplicação, para este efeito, uma vez que não faz sentido exigir um requisito ao cheque que não é exigível a outro documento incluído na al. c) do mesmo artº 46º.<br> 6. O Acórdão da Relação violou o disposto no artigo 46º c), do C.P.C., por erro de interpretação.<br> <br> Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>As instâncias deram como assentes os seguintes factos:<br> 1 - O embargado é portador do cheque nº 5707977303, sobre C, conta nº ....., em nome do embargante, documento junto a fls. 3 dos autos principais.<br> 2 - Daquele documento constam na face anterior e apostos pela embargante os seguintes dizeres que vão realçados:<br> - Pague por este cheque, 3000000 escudos;<br> - Local de emissão Lisboa;<br> - Data 96/10/31.<br> 3 - Na parte posterior do dito cheque consta a seguinte expressão: "devolvido por falta de provisão em 27 de Janeiro de 1977".<div>III</div>Sendo certo que o objecto do recurso é definido pelo teor das conclusões das alegações do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil), a questão que importa decidir traduz-se no problema de saber se é, ou não, requisito de exequibilidade do cheque a sua apresentação a pagamento no prazo de oito dias a contar da data nele aposta.<br> 1 - Como se sabe, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade da realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva. O título executivo cumpre, pois, uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal. Esta exequibilidade implica não só um efeito positivo - que respeita à concessão ao credor do direito de execução - mas também um efeito negativo, o qual se traduz na inadmissibilidade, por falta de interesse processual, de uma acção declarativa relativa à pretensão exequível (cfr. artigo 449º, nº 2, alínea c), do C.P.C.) ( ) Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, 1998, págs. 63 e segs., que agora se segue de perto.).<br> As partes não podem atribuir força executiva a um documento ao qual a lei não concede eficácia de título executivo - nullus titulus sine lege - e também não podem retirar essa força a um documento que a lei qualifica como título executivo. O que significa que os títulos executivos são, sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, aqueles que são indicados como tal pela lei (cfr. artigo 46º do C.P.C.), pelo que a sua enumeração legal está submetida a uma regra de tipicidade.<br> 2 - A questão do caso sub judice radica nas alterações introduzidas pela reforma processual de 1995 no elenco dos títulos executivos, por força da qual se conferiu força executiva aos documentos particulares, assinados pelo devedor, quando importem a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante esteja determinado ou seja determinável mediante simples cálculo aritmético, de uma obrigação de entrega de coisas móveis ou de uma prestação de facto (artigo 46º, alínea c), do C.P.C.).<br> Justifica-se, pois, cotejar a redacção actual e o anterior texto da alínea c) do artigo 46º.<br> Na sua redacção anterior à reforma processual introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, a norma em causa dispunha o seguinte:<br> À execução apenas podem servir de base: c) As letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis.<br> Na sua actual redacção, prescreve a citada norma:<br> À execução apenas podem servir de base: c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º, ou de obrigações de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto.<br> Sem prejuízo da ampliação - efectuada pela reforma processual de 1995 - do elenco dos títulos executivos e da utilização, na redacção actualmente em vigor, de uma fórmula abrangente para designar os documentos particulares dotados de exequibilidade, é manifesto que não esteve na mente, nem nos propósitos do legislador, alterar a Lei Uniforme sobre os Cheques.<br> A ampliação do elenco dos títulos executivos por força da alteração introduzida à alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 não tem, nem pode ter, a virtualidade de colidir com a aplicação da legislação específica sobre cheques constante da respectiva Lei Uniforme.<br> É manifesto, com efeito, estar totalmente ausente da letra ou do espírito da reforma processual de 1995, no que tange às alterações introduzidas na norma da alínea c) do artigo 46º, qualquer intencionalidade visando a não aplicação dos normativos próprios da Lei Uniforme Relativa ao Cheque.<br> O que significa que continua a ter aplicação, como não pode deixar de ser, o disposto pelo artigo 29º da LUC, que prescreve, no seu primeiro parágrafo, o seguinte: "O cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias".<br> Ou seja, ao contrário do que pretende o recorrente, da modificação, com consequente ampliação, do elenco dos títulos executivos, não resulta que tenha havido qualquer alteração quanto aos requisitos necessários para que um cheque possa ser considerado título executivo. Nessa matéria, mantém-se aplicável o entendimento defendido pela jurisprudência e pela doutrina antes da entrada em vigor das alterações sofridas pela lei processual em consequência da reforma de 1995.<br> 3 - Ora, a nossa jurisprudência, quer da 2ª instância, quer do Supremo Tribunal de Justiça, tem visto nesse prazo de apresentação do cheque a pagamento um requisito de exequibilidade ( ) A título meramente exemplificativo, citam-se os seguintes arestos: (a) Acórdão da Relação de Coimbra de 02-11-1988, segundo cujo sumário publicado no BMJ, nº 381, pág. 756, "para que um cheque possa funcionar como título executivo é necessário que tenha sido apresentado a pagamento no prazo do artigo 29º da Lei Uniforme"; (b) Acórdão da Relação do Porto, de 28-06-1990, com sumário publicado no BMJ, nº 398, pág. 587; (c) o Acórdão do S.T.J. de 14-06-1983, Processo nº 70.862, publicado no BMJ, nº 328, págs. 599 e segs.<br> Como se observa no Acórdão deste STJ de 14 de Junho de 1983, "o direito de acção do portador, contra o sacador, por falta de pagamento, só poderá ser exercido se o cheque, apresentado em tempo útil, isto é, dentro dos 8 dias do prazo de apresentação, não for pago e se a recusa do pagamento for verificada, antes de expirar esse prazo para a apresentação, por um dos meios referidos nos artigos 40º e 41º da Lei Uniforme sobre Cheques".<br> E, mais adiante: "Donde não tendo o cheque sido apresentado a pagamento dentro desse normal tempo útil de 8 dias (...), o cheque perca totalmente a sua potencialidade, extinguindo-se o mandato de pagamento, que se consumiu no acto de apresentação e recusa de pagamento por falta de cobertura, não valendo mais como título de crédito e não servindo de base para qualquer acção por falta de pagamento só em si fundada".<br> E, em complemento: "Obviamente, o crédito incorporado no cheque e causal da sua emissão, não se terá extinto, mas só por outra via própria e com base nessa relação jurídica obrigacional, poderá ser demandado o capital e seus juros"<br> Atentas as razões expostas, continua a ter aplicação o princípio segundo o qual, apresentado a pagamento fora do prazo do artigo 29º da Lei Uniforme, o cheque não pode servir de fundamento a acção cambiária.<br> 4 - Constando do cheque, como data de emissão, o dia 31-10-1996, tinha o portador, ora recorrente, o prazo de oito dias a contar daquela data para o apresentar a pagamento. Não o fez, pois apenas o apresentou a pagamento no dia 27-01-97, pelo que perdeu o direito de acção previsto no artigo 40º da Lei Uniforme.<br> E, como é evidente, não relevam juridicamente as razões eventualmente determinantes da não atempada apresentação a pagamento do cheque.<br> O que releva é que fica a faltar, segundo os normativos aplicáveis da Lei Uniforme, um dos requisitos necessários para que o cheque possa ser considerado título executivo.<br> Atento o exposto, improcedem as conclusões do Recorrente, não tendo a decisão recorrida violado o artigo 46º, alínea c), do Código de Processo Civil.<br> Nega-se, portanto, a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 4 de Maio de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> A, Empresa Publica, com sede no Porto, pede na presente execução para pagamento de quantia certa, com base em divida cambiaria, que as sociedades executadas B, Limitada, com sede em Lisboa, e C, Limitada, com sede em Lagos, lhe paguem a quantia de 385000 escudos, representada por sete letras do montante de 80000 escudos cada uma, com vencimentos mensais e sucessivos de 30 de Setembro de 1984 a 30 de Janeiro de 1985, 28 de Fevereiro de 1985 e 30 de Março de 1985, sacadas pela 1 executada e aceites pela segunda, e juros de mora vencidos e vincendos a taxa de 23% ao ano, ou então a nomearem bens a penhora.<br> Efectuada a penhora em bem imovel urbano, cumprida a formalidade do registo, junta a certidão de encargos e averiguado se ha arrendatarios com direito de preferencia, surge a sociedade D, Limitada, com sede em Lisboa, a assumir a qualidade de subarrendataria para fim comercial e a requerer que lhe seja conferido o direito de preferencia na venda judicial.<br> Por despacho, face a escritura de subarrendamento, e reconhecido a requerente D o direito de preferencia e designado dia para a arrematação.<br> Realizada a arrematação em 2 de Junho de 1987, a esse acto não compareceu a exequente e nela a requerente D foi admitida a exercer o aludido direito de preferencia.<br> Por despacho de 6 de Julho de 1987 foi ordenado o cancelamento dos registos que oneram o bem penhorado e que foi vendido judicialmente.<br> Em requerimento de 17 de Julho de 1987, a exequente argui a nulidade da arrematação por omissão de publicação de anuncios.<br> Por despacho e indeferida essa arguição de nulidade com fundamento em extemporaneidade.<br> Em recurso de agravo daqueles despachos - o que admitiu a requerente D a exercer o direito de preferencia e o que indeferiu a arguição de nulidade, interpostos pela exequente, aos mesmos foi concedido provimento, revogando-se os aludidos despachos e determinando-se que se profira decisão a declarar sem efeito a venda.<br> Deste acordão vem o presente recurso de agravo, agora interposto pela sociedade D, em cuja alegação conclui por violação dos artigos 1117 do Codigo Civil e dos artigos 201, 203 e 205 do Codigo de Processo Civil, dizendo em resumo:<br> - ela agravante alegou e provou por documento que tinha a sua sede e ai exercia a sua actividade comercial, na qualidade de subarrendataria, no imovel urbano objecto de venda judicial;<br> - cabe a agravada impugnar nos meios comuns a veracidade desses factos;<br> - a omissão de notificação da executada, por não ser encontrada, do despacho que admite a agravante a exercer o direito de preferencia não influi na decisão da causa.<br> - os anuncios da data para realização da arrematação so por culpa da exequente não foram publicados, razão pela qual esta não tem legitimidade para arguir a respectiva nulidade;<br> - tambem o tribunal dela não pode conhecer oficiosamente;<br> - acresce que a arguição dessa nulidade e extemporanea, visto a exequente, ao não comparecer no acto da arrematação, para que fora notificada, não haver actuado com a devida diligencia.<br> A recorrida sustenta o decidido.<br> Tudo visto:<br> I - São duas as questões que constituem objecto do presente recurso de agravo.<br> A primeira consiste em saber se o titular de direito de preferencia na venda de bem imovel penhorado pode exercer esse direito no processo de execução sem fazer prova dos pressupostos geradores desse mesmo direito.<br> No caso concreto, surgira na presente execução a sociedade agravante a assumir esse direito - contra a posição da exequente que a ele se opõe - alegando ter a qualidade de subarrendataria comercial do imovel penhorado e a vender judicialmente.<br> Para prova dessa qualidade juntou documento (escritura publica), donde consta que a sociedade executada deu o imovel de arrendamento a uma sociedade (Neutrocopia Limitada) que por sua vez o subarrendou a agravante. E com base nestes dados que, no despacho impugnado, se lhe reconhece o aludido direito e, por isso, se admite a exerce-lo no processo.<br> So que, nos termos do artigo 1117 do Codigo Civil, o direito de preferencia conferido aos arrendatarios comerciais, no caso de venda do predio arrendado, exige como pressuposto que nele aqueles arrendatarios exerçam o comercio ou industria ha mais de um ano.<br> Ora, face a oposição da exequente, ao negar a agravante o aludido direito por inexistencia dos requisitos legais, aquele pressuposto que tem de interpretar-se como exercicio efectivo do comercio ou industria ha mais de um ano não se mostra provado e, para tanto, não e suficiente a prova da data do contrato de subarrendamento.<br> Contrariamente ao sustentado pela agravante, não e a exequente que deve ser remetida para os meios comuns, por sobre ela recair o onus de impugnar os factos alegados integradores do direito de preferencia, mas sim e sobre a agravante que recai o onus da prova da verificação dos pressupostos legais. A posição processualmente correcta e a de se recusar o exercicio do direito de preferencia em processo de execução, sempre que não se faça prova dos legais requisitos desse direito, sem prejuizo de, apos a venda e no prazo legal, o mesmo ser exercido na respectiva acção.<br> II - A segunda questão que constitui objecto do presente recurso respeita a nulidade arguida pela exequente, por omissão da publicação de anuncios indicativos da data da arrematação.<br> Sustenta a agora agravante que essa arguição, não so e extemporanea, como para ela a exequente não tem legitimidade.<br> Não se põe em questão que a omissão da publicação de anuncios da data da venda de um imovel penhorado influi decisivamente na realização desse acto judicial. Contudo, não se tratando de nulidade que possa ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (artigo 203 n. 1 do Codigo do Processo Civil), a sua arguição tem de obedecer a requisitos de prazo e legitimidade.<br> Ainda que a extemporaneidade não se verifique, ja que ao exequente não se impõe processualmente a sua presença no acto da praça e por ele foi arguida a nulidade no prazo de 5 dias, a contar do momento em que teve conhecimento de sua realização, ja a ilegitimidade de sua arguição decorre do facto de ser ele o culpado da omissão verificada, por ser ele quem deu causa a nulidade.<br> E certo que, em processo de execução, para alem do interesse do exequente, estão envolvidos outros interesses, entre eles, o interesse do executado, na medida em que se opera uma actuação coerciva sobre o seu patrimonio. So que, nesta perspectiva, a falta de notificação do executado para a praça por omissão de anuncios e aspecto que, na repercussão sobre os seus interesses, so pelo executado pode ser arguida.<br> Segundo o disposto no artigo 203 n. 2 do Codigo de Processo Civil, não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa. Cabendo a exequente, igualmente interessada no cumprimento da formalidade, promover a publicação dos anuncios que, para esse efeito, lhe foram entregues, a omissão verificada e-lhe imputavel, motivo que lhe retira legitimidade para depois do acto arguir essa irregularidade geradora de nulidade.<br> III - Pelo exposto, concede-se em parte provimento ao agravo e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida na parte em que anula o acto da venda, para neste aspecto subsistir a decisão da 1 instancia, mantendo-se valida a arrematação efectuada, salvo no que respeita ao exercicio do direito de preferencia que se anula, por motivo da revogação do despacho que a agravante reconheceu esse direito, o que implica a anulação dos termos posteriores que não possam aproveitar-se. Custas pela agravante e agravada, neste tribunal e nas instancias, na proporção de metade.<br> Eliseu Figueira,<br> Jorge Vasconcelos,<br> Pinto Gomes.</font>
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5jL0u4YBgYBz1XKvj2EC
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: <p>I - Fapas - Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens intentou contra o Estado Português providência cautelar não especificada em que pede que o requerido seja condenado a retirar das paredes do Palácio da Justiça de ... tudo o que impeça a nidificação de aves selvagens, a não impedir tal nidificação e ainda condenado a pagar sanção pecuniária compulsória. </p><p>Alegou que uma colónia de andorinhas nidifica no Palácio da Justiça de ... há já longos anos, tendo em data anterior a Fevereiro de 1999 sido destruídos todos os ninhos e estando o réu a usar meios que visam impedir que as andorinhas aí voltem a nidificar. </p><p>O réu veio deduzir oposição, sustentando que a remoção dos ninhos foi feita em conformidade com as autorizações legais e tendo em vista a preservação de um edifício público e a saúde de funcionários e utentes. </p><p>A providência foi indeferida. </p><p>Agravou a requerente. </p><p>O Tribunal da Relação, alterando em parte a matéria de facto considerada provada, manteve, contudo, o indeferimento da providência. </p><p>Inconformada, recorre a requerente para este Tribunal. </p><p>Formula as seguintes conclusões: </p><p>- No caso em apreço, verifica-se que existe o direito das andorinhas nidificarem e, principalmente, de não serem perturbadas durante a nidificação; </p><p>- O presente procedimento visa obter protecção para esse direito até à decisão final na acção principal. Daí que o pedido consistisse no pedido de condenação do recorrido a: a) retirar das paredes do Palácio da Justiça de ... todo e qualquer instrumento (nomeadamente redes e espigões de arame) que impeça a nidificação nas paredes desse Palácio de Justiça de aves selvagens e b) não impedir, seja por que meio for, a nidificação de aves selvagens nas paredes do Palácio de Justiça de ...; </p><p>- Uma vez que as andorinhas todos os anos voltam ao mesmo lugar de reprodução, ocupando os mesmos ninhos, o que se procura acautelar é a nidificação das andorinhas até à decisão final da acção principal e não tão só a nidificação no ano de 1999; </p><p>- Como tal, no caso concreto encontram-se preenchidos todos os requisitos legais necessários ao deferimento da providência requerida, nomeadamente o relativo à lesão grave e de difícil reparação do direito invocado; </p><p>- Violou por isso a decisão recorrida os artigos 66º nº 1 e 9º da CRP; os artigos 5º alínea a),b) e d) e 4º do DL 75/91, de 14.02; artigo 5º da Directiva 79/409 (e, em consequência o artigo 8º nº 3 da CRP); artigo 3º, nº 3, 514º e 381º e seguintes do Código de Processo Civil e artigo 335º nº 1 do Código Civil. </p><p>Contra-alegando, o recorrido defende a manutenção do decidido. </p><p>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. </p><p>II - Vem dado como provado o seguinte: </p><p>A requerente é uma organização não governamental de defesa do ambiente, fazendo parte do seu objecto, a conservação da natureza; </p><p>Até 15 de Janeiro de 1999, nas fachadas do Palácio da Justiça de ... existiam cerca de 400 ninhos de andorinhas, as quais vinham nidificando em ... há longos anos; </p><p>Através do ofício nº 250, datado de 06.11.97, o Sr. Secretário do Tribunal Judicial de ... solicitou ao Sr. Secretário Geral do Ministério da Justiça autorização para ser efectuada uma limpeza dos ninhos de andorinhas no edifício do Palácio de Justiça; </p><p>Na sequência de diligências levadas a cabo pelo Ministério da Justiça, o ICN, através do ofício nº 12/99 informou o mesmo Ministério, nos seguintes termos: "Dado o adiantado da época, não é possível efectuar o procedimento normal de emissão de uma autorização para remoção dos ninhos. Assim, a remoção dos ninhos poderá ser feita até 31 de Janeiro, nos moldes a combinar com o Parque Natural de ...; </p><p>Em 15 de Janeiro de 1999 foi efectuada a remoção dos ninhos, em conformidade com a informação referida; </p><p>Posteriormente iniciaram-se as obras de limpeza, conservação e restauro do edifício, no decurso das quais foi colocada ao longo da parte de cima da parede do edifício, uma rede protectora, vários andaimes e uma rede externa que impede a passagem de peões na zona da obra, instrumentos que visam assegurar a segurança dos transeuntes e dos trabalhadores e o normal decurso das operações de limpeza; </p><p>Desde há 8 anos que não eram feitas obras de limpeza, conservação e restauro no Palácio da Justiça, o qual vinha apresentando sinais de deterioração e sujidade, nomeadamente nas janelas, com dejectos das andorinhas; </p><p>Em todos os anos passados, nos meses da Primavera e Verão, ficaram depositados nos beirais do edifício dejectos de andorinhas e pó dos ninhos, os quais geravam piolhos, de tal forma que não era possível aos funcionários abrirem as janelas, para poderem ventilar o edifício nos dias de grande calor, sendo que também não existe ar condicionado; </p><p>O pó referido é susceptível de causar e agravar doenças do foro alérgico; </p><p>A andorinha dos beirais (Delichon Urbica) não se encontra ameaçada a nível nacional ou europeu (está listada como "Espécie Não Ameaçada" nos livros vermelhos de Portugal e Espanha); </p><p>As andorinhas proporcionam um eficaz serviço às populações humanas ao ingerir grande quantidade de pequenos insectos; </p><p>Todos os anos a andorinha volta ao mesmo local de reprodução; </p><p>Os casais de andorinhas efectuam reparações nos ninhos quando necessário. No entanto, se muito danificados, os ninhos são abandonados e outros são construídos ao lado; </p><p>As andorinhas, ao regressarem, na impossibilidade de construírem os seus ninhos no mesmo local, procurarão locais apropriados em edifícios próximos ou noutras estruturas; </p><p>A perturbação dos locais de nidificação leva à interrupção das actividades reprodutivas, não sendo certo que os casais dos ninhos destruídos consigam encontrar um novo local onde construir outros ninhos; </p><p>A existência de ninhos em edificações provoca muitas vezes sujidade nas paredes e nos passeios situação que, por um lado, atrai numerosos insectos e ácaros indesejáveis para a proximidade das habitações e, por outro lado, pode ser responsável pela degradação dos próprios edifícios; </p><p>A remoção dos ninhos fora da época de reprodução não afecta o estatuto de conservação da espécie. </p><p>III - A ora recorrente, organização não governamental de defesa do ambiente, intentou providência cautelar não especificada com o fim último de o requerido não impedir a nidificação das andorinhas nas paredes do Palácio da Justiça de .... </p><p>Diga-se, como nota prévia, que num ramo de direito assente basicamente no princípio da prevenção, impunha-se a criação pelo legislador de "processos judiciais cautelares, céleres e justos, para a defesa do direito ao ambiente e protecção dos ecosistemas naturais. Dada a irreversibilidade de muitas lesões ecológico-ambientais, justifica-se plenamente a institucionalização de remédios jurisdicionais preventivo-inibitórios" - Prof. Gomes Canotilho - "Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade" pág. 102. </p><p>Certamente se preveniriam assim lesões futuras aos ecosistemas e impediriam acção perturbadoras do ambiente. </p><p>As acções ditas inibitórias seriam um dos meios destinados a evitar lesões ambientais irreparáveis, que são com frequência cometidas, perante a impotência dos Tribunais. </p><p>Poderá ainda dizer-se que um dos problemas do Direito do Ambiente é o de saber se para a prossecução de interesses colectivos que poderiam suscitar uma intervenção pública e autoritária não será mais eficiente que a produção normativa recorra de preferência a incentivos e, só depois de falhada a possibilidade de motivação do comportamento dos agentes por incentivo, se socorra de instrumentos de coacção - Prof. Sousa Franco - "Ambiente e Desenvolvimento" Textos, CEJ, Ambiente, pág. 270. </p><p>Certo é, porém, que se está perante uma providência cautelar e é, antes de mais, dentro dos limites processuais-formais das providências que o recurso tem que ser apreciado. </p><p>Pode recorrer-se às providências cautelares não especificadas quando não exista providência tipificada que previna o risco de lesão que se pretende acautelar (artigo 381º nº 3 do C. Processo Civil), É o que acontece no caso em análise. </p><p>São conhecidos os requisitos gerais das providências cautelares. </p><p>A providência será decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão (artigo 387º nº 1). </p><p>Pode, contudo, ser recusada pelo Tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar (artigo 387º nº 2). </p><p>Há assim, em primeiro lugar, que apurar da existência de "fumus boni juris" e do "periculum in mora". </p><p>Na 1ª instância considerou-se que se verificava a probabilidade da existência séria do direito invocado, mas que não existia o receio de lesão grave do direito em causa. </p><p>Acrescentou-se ainda que havia uma manifesta desproporção entre o direito das andorinhas nidificarem e a necessidade de proceder à limpeza do edifício. </p><p>No acórdão recorrido, por sua vez, decidiu-se também pela improcedência, mas com o fundamento de que, à data da decisão, faltava uma condição da acção, já que tinha deixado de se verificar o eventual "periculum in mora". Tendo sido reconhecida a adequação da providência e a existência do direito, o indeferimento ficou a dever-se, na essência, à conclusão de que não se verificava o "periculum in mora". </p><p>Se a apreciação do recurso se limitasse a uma análise processual - formal das conclusões das alegações, dir-se-ia desde já que o agravo merecia provimento. </p><p>Para se chegar a essa conclusão vejamos concretamente o que foi requerido e a razão do indeferimento. </p><p>Textualmente pede a requerente que o réu seja condenado a: </p><p>a) Retirar das paredes do Palácio da Justiça de ... todo e qualquer instrumento (nomeadamente redes e espigões de arame) que impeça a nidificação nas paredes desse Palácio da Justiça de aves selvagens; </p><p>b) Não impedir, seja por que meio for, a nidificação de aves selvagens nas paredes do Palácio da Justiça de ...; </p><p>c) A pagar uma caução pecuniária compulsória diária em valor não inferior a 300000 escudos a reverter para a LPN - Liga de Protecção da Natureza e Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, até que o requerido cumpra integralmente o decretado nesta providência. </p><p>Torna-se evidente que aquilo que pretende a requerente é que seja assegurada a possibilidade de as andorinhas nidificarem num dos locais habituais, que no caso são as paredes do Palácio da Justiça de .... Dito por outras palavras, pretende-se assegurar o direito de nidificação de uma ave migratória selvagem. </p><p>Não se resume a providência, contrariamente ao decidido, a pretender assegurar a nidificação na Primavera de 1999. </p><p>Nem isso faria sentido. </p><p>Tendo a providência sido requerida em 22.03.99, com as andorinhas já em Portugal ou em vias de chegar, nunca o efeito útil poderia ser obtido, conhecida como é a natural demora processual. Aliás, a não ser assim, então a providência estaria desde logo na prática definitivamente indeferida quando, por despacho de 24.03.99, se determinou a audição do requerido. </p><p>Tanto é assim, que a decisão tem a data de 28.04.99. Nessa altura (e independentemente das notificações e demais termos processuais) a decisão seria inútil porque a nidificação já estaria concluída ou em estado avançado. </p><p>Parece-nos óbvio que não está em causa a Primavera de 1999, nem a Primavera de 2000 (que também já estaria comprometida), mas sim a nidificação das andorinhas na época normal, nos locais onde habitualmente nidificam na área territorial em causa. </p><p>A seguir-se um entendimento de estrito rigor processual-formal do alcance das providências cautelares inominadas, então deparar-se-ia na maioria das vezes com situações de inutilidade ou de absoluta impossibilidade por a ameaça de lesão já estar consumada. </p><p>E isto devido à demora inerente ao ritual do processo, demora a que as partes podem ser alheias. </p><p>Ora, a concessão da tutela cautelar justifica-se exactamente quando a falta de uma decisão imediata é susceptível de causar prejuízos graves. </p><p>As providências cautelares visam obter uma composição provisória do litígio, quando ela se mostre necessária para assegurar a utilidade da decisão, a efectividade da tutela jurisdicional, o efeito útil da acção a que se refere o artigo 2º nº 2 do C. Processo Civil. </p><p>São meios de tutela do direito que carecem de autonomia, dependendo de uma acção já intentada ou a intentar. </p><p>Dessa justificação e finalidade decorre a caracterização das providências cautelares: a provisoriedade; a instrumentalidade; a "sumaria cognitio", o carácter urgente; a estrutura simplificada. </p><p>Pretende-se com as providências cautelares combater o prejuízo da demora inevitável do processo, a fim de que a sentença se não torne uma decisão meramente platónica - Prof. Antunes Varela - "Manual do Processo Civil" 2ª edição, pág. 23. </p><p>Do alegado e do pedido tem que concluir-se que a utilidade, o interesse processual existem e mantêm-se até que seja proferida decisão final na acção que, necessariamente tem que ser intentada. </p><p>Repete-se, a propósito, o que já está afirmado: em casos como este, justificava-se a criação de meios preventivos - inibitórios céleres e eficazes. </p><p>Não existindo tais medidas, é uma providência cautelar que está em causa e é com esse enquadramento processual que tem que ser considerado o cerne do problema. </p><p>O artigo 9º da Constituição da República Portuguesa impõe como tarefas fundamentais do Estado a promoção, a efectivação dos direitos ambientais e a defesa da natureza e do ambiente (alíneas d) e e)). </p><p>O artigo 66º do mesmo Diploma, por sua vez, consagra o direito ao ambiente como um direito constitucional fundamental. </p><p>Direito esse que é um direito negativo, ou seja, um direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros, de acções ambientalmente nocivas e um direito positivo no sentido de que o Estado deve defender o ambiente e controlar as actividades nocivas para o mesmo. </p><p>Trata-se de um direito de "natureza análoga", sendo-lhe por isso aplicável o regime constitucional específico dos "direitos, liberdades e garantias" (artigo 17º da Constituição). </p><p>O direito ao ambiente surge assim como um direito subjectivo fundamental, constitucionalmente reconhecido. </p><p>Não definindo a Constituição ambiente, traça, contudo, os princípios fundamentais de uma política de ambiente (artigo 9º alínea e), artigos 66º nº 2, 81º alínea a) e l), 90º e 93º alínea d)). </p><p>São princípios fundamentais de tal política: a) princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la à "posterior"; b) o princípio da participação colectiva, ou seja, a necessidade de os diferentes grupos sociais interessados intervirem na formulação e execução da política do ambiente; c) o princípio da cooperação que aponta para a procura de soluções concertadas com outros países e organizações internacionais; d) o princípio do equilíbrio que se traduz na criação de meios adequados a assegurar a integração das políticas de crescimento económico e social e de protecção da natureza - Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" 3ª edição, pág. 348. </p><p>Não se limitando a Constituição a reconhecer o direito ao ambiente, mas impondo a todos o dever de defesa desse mesmo ambiente, confere a todos os cidadãos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a preservação do ambiente (artigo 52º nº 3, alínea a)). </p><p>Dentro dessas associações se pode enquadrar a requerente, ora recorrente (a Lei nº 35/98, de 18.07 define o estatuto das organizações não governamentais de ambiente). </p><p>O ambiente surge assim como um bem merecedor de tutela jurídica, um bem jurídico que é tutelado em si e por si mesmo. </p><p>A lei protege e regula o ambiente quer entendido na sua globalidade, quer na medida em que os seus diversos componentes, os vários bens ambientais considerados em sentido estrito, são também objecto da tutela do Direito - "Introdução ao Direito do Ambiente", coordenação do Prof. Gomes Canotilho, 1998, pág. 25. </p><p>É a Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril), que em consonância com os artigos 9º e 66º da Constituição, define ambiente, enuncia princípios, objectivos, medidas, conceitos, componentes e obrigações. </p><p>No artigo 5º nº 2, alínea a) define-se ambiente como o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas relações e dos factores económicos, sociais e culturais com efeito directo ou indirecto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida do homem. </p><p>Como componentes ambientais naturais o artigo 6º refere: o ar; a luz; a água; o solo vivo e o subsolo; a flora; a fauna. </p><p>Retomando o caso concreto, temos assim que o direito que se pretende acautelar com a presente providência é o direito ao ambiente, direito subjectivo autónomo e distinto de outros direitos igualmente protegidos pela Constituição. Esse direito ao ambiente ecologicamente equilibrado é um direito subjectivo pertencente a qualquer pessoa. </p><p>Está aqui em causa a fauna. </p><p>E não é só a Lei de Bases do Ambiente que considera a importância da fauna no ambiente. </p><p>O Direito do Ambiente tem merecido uma especial atenção das Instituições da Comunidade Europeia. </p><p>Desde logo, e no que aqui interessa, é de referir a Convenção Relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa (Convenção de Berna), assinada por países membros do Conselho da Europa e que foi aprovada por ratificação pelo Dec-Lei nº 95/81, de 23.07. </p><p>Para regulamentar a conservação da vida selvagem e de "habitats" naturais da Europa, surgiu entre nós o Dec-Lei nº 316/89, de 22.09, onde, além do mais, se proíbe a deterioração ou destruição intencional dos "habitats" (artigo 4º). </p><p>Especificamente protegendo as aves selvagens, o Dec-Lei nº 75/91, de 14 de Fevereiro (posteriormente alterado pelo Dec-Lei nº 224/93, de 18.06) transpôs para a ordem jurídica nacional as Directivas nº 79/409/CEE de 02-04-1979 e 86/122/CEE, de 08-04-1986. </p><p>Afirma-se no seu preâmbulo que das mais de 650 espécies de aves que vivem na Europa em estado selvagem, 300 ocorrem regularmente a Portugal, onde nidificam cerca de 180. </p><p>Entre essas incluem-se as andorinhas-dos-beirais ("Delichon Urbica"), com migrações sazonais, chegando na Primavera e partindo em bandos no fim do Verão. </p><p>No artigo 5º do referido Dec-Lei nº 75/91 proíbe-se o abate, captura ou detenção das espécies; a destruição, danificação, recolha ou detenção de ninhos e ovos e ainda que se perturbe intencionalmente as respectivos espécies durante o período de reprodução e dependência. </p><p>Estas medidas destinadas à protecção das aves selvagens que vivem no "estado bravio" em território nacional, sofrem, contudo, restrições. </p><p>Por autorização a conferir por despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, ouvido o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, pode ser permitido o abate, captura ou detenção das aves sempre que estiverem em causa interesses da saúde e segurança pública; interesses de segurança aeronáutica; sempre que seja necessário prevenir danos importantes às culturas, ao gado, às florestas, às pessoas e às águas, flora e fauna; se destinem à investigação e ensino, bem como ao repovoamento e reintrodução e ainda para criação associada a estas acções; para permitir uma exploração judiciosa de certas espécies de aves em pequenas quantidades. </p><p>No caso em análise foram destruídos cerca de 400 ninhos de andorinha, sem que dos elementos trazidos até este Tribunal se possa concluir que existiu a necessária autorização para tal. </p><p>Não é, porém, essa destruição que aqui está em causa, que é questionada, mas sim o dever do Estado de se abster da prática de actos que impeçam a nidificação das andorinhas. </p><p>Do que está dito tem que se concluir que estão preenchidos os requisitos da providência requerida: a existência do direito; o fundado receio da sua lesão, já que as andorinhas continuam a não poder nidificar no local onde habitualmente o faziam. Dúvidas não sofre também a adequação da providência ao fim visado. </p><p>Pode, contudo, colocar-se a questão de saber se o prejuízo resultante para o requerido da providência excede consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar. </p><p>Poderá argumentar-se, como o faz o recorrido nas alegações para o Tribunal da Relação e como se entendeu na decisão da 1ª instância, que 400 ninhos de andorinha colocam em causa os direitos dos trabalhadores e utentes do Tribunal, designadamente, o direito à saúde, uma vez que os dejectos, o pó e os parasitas aparecem ligados à nidificação. </p><p>O direito a um ambiente sadio passaria assim por afastar a colónia das andorinhas. </p><p>Existiria, pressupõe-se, uma colisão de direitos (artigo 335º do C. Civil). </p><p>Pensamos que é um falso problema. </p><p>Antes de mais convém frisar que à existência de sinais de deterioração e sujidade que justificou a remoção dos ninhos não é, obviamente, alheio o facto de desde há 8 anos não serem feitas obras de limpeza, conservação e restauro no Palácio da Justiça, tarefa que competia ao requerido. </p><p>Depois, também não pode esquecer-se que, como é sabido e vem dado como provado, as andorinhas proporcionam um eficaz serviço às populações humanas ao destruíram grande quantidade de pequenos insectos. </p><p>Acresce que uma colónia de 400 ninhos leva certamente muitos anos a formar-se, tanto mais que parte delas não voltarão (dado o tempo já decorrido) a construir o ninho no mesmo local. </p><p>Mas, para além destes aspectos, existem questões de fundo que são essenciais. </p><p>O Estado Português não pode consagrar constitucionalmente o direito ao ambiente, defender uma política de ambiente, subscrever tratados internacionais que o vinculam, elaborar Leis e Decs-Lei de defesa da vida selvagem e depois com a sua actuação concreta negar tudo isso. </p><p>Nem dentro de princípios éticos a que o Estado está obrigado se pode defender que se as andorinhas não nidificarem nas paredes do Palácio da Justiça nidificarão noutros locais. </p><p>Se as populações seguissem o exemplo dado pelo requerido, nenhuma parede restaria para as andorinhas-dos-beirais, que ele Estado se vinculou a proteger, nidificarem. </p><p>O direito ao ambiente implica para o Estado a obrigação de determinadas prestações "cujo não cumprimento configura, entre outras coisas, situações de omissão inconstitucional, desencadeadoras do mecanismo de controlo da inconstitucionalidade" - Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira - "Constituição da República Portuguesa Anotada" pág. 349. </p><p>Está em causa nesta providência cautelar o direito ao ambiente que passa no caso pela possibilidade de as andorinhas nidificarem nas paredes do Palácio da Justiça de ..., o que não significa que aí se vá instalar uma colónia que faça perigar a saúde pública. Mas, se tal acontecer, o Estado dispõe de legislação bastante para evitar esse risco, risco esse que neste momento temporal não existe. O que terá que seguir-se é que o Estado deve respeitar as determinações legais a propósito existentes e por ele criadas. </p><p>Mas não só com o recurso a medidas excepcionais poderá resolver-se a eventual colisão de direitos. </p><p>Porque a defesa do ambiente pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos, impõe-se que se incentivem práticas tecnológicas susceptíveis "de produzir um novo conhecimento ecológico e de incorporar - através de procedimentos flexíveis, dinâmicos e (auto) reflexivos - essa informação na decisão jurídica - "Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos" - Dr. Cunhal Sendim, Coimbra Editora, 1998, pág. 233. </p><p>Essa procura de meios técnicos capazes de minorar ou evitar eventuais conflitos ou colisões de direitos é, em primeiro lugar, tarefa do Estado, face aos princípios constitucionais enunciados. Mas não só do Estado, evidentemente. </p><p>Não cabe numa decisão judicial, como esta, qualquer tipo de recomendações ou sugestões. Não é essa a função do poder judicial. </p><p>Certo é, porém, que são notoriamente conhecidos meios adequados para harmonizar a vida das aves selvagens com o bem estar dos homens, meios esses postos em prática em vários países. </p><p>Como escreve o Prof. Gomes Canotilho - "Protecção do Ambiente e Direito de Propriedade" pág. 105, o ambiente é caro, mas nunca é demasiado caro. </p><p>Nem a este entendimento obsta o facto de a nossa Lei de Bases do Ambiente estar marcada por uma concepção antropocêntrica do mundo e da vida, com o Homem como centro de tudo. </p><p>Não só essa concepção é hoje posta em causa, o que é referido no acórdão recorrido, como os direitos do Homem sobre a Natureza não afastam os deveres desse mesmo Homem para com a natureza. </p><p>Foi uma visão antropocêntrica entendida no limite que levou a China a procurar exterminar todas as aves para defender as colheitas de arroz (com resultados, como é sabido, desastrosos) que faz destruir a floresta da Amazónia para os grandes criadores de gado terem erva ou estradas e que quase destruiu os nosso rios. Os exemplos seriam, aliás, possíveis quase até ao infinito. </p><p>Acrescenta-se uma nota final. </p><p>As providências cautelares não se destinam a resolver questões de fundo, nem a decisão nelas proferidas se reflecte na acção principal - Ac. STJ de 14.05.98 - "Sumários" pág. 59. </p><p>Pretende-se tão somente e com uma investigação sumária, acautelar os efeitos práticos da decisão definitiva que será proferida na acção que, necessariamente, tem que ser proposta. </p><p>É nessa acção que o litígio se resolverá em definitivo. </p><p>Decide-se por isso que o requerido deve retirar das paredes do Palácio da Justiça de ... todo e qualquer instrumento (nomeadamente redes e espigões de arame) que impeça a nidificação nas paredes desse Palácio da Justiça das andorinhas e ainda que não impeça, seja por que meio for, a nidificação nas paredes desse edifício das andorinhas. </p><p>Tendo a requerente pedido ainda a condenação do requerido no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, tal não foi objecto de recurso, pelo que se não aprecia nessa parte o pedido. </p><p>Nos termos referidos se dá provimento ao agravo. </p><p>Sem custas. </p><p>27 de Junho de 2000 </p><p>Pinto Monteiro, </p><p>Lemos Triunfante, </p></font><p><font>Reis Figueira.</font></p>
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5jL6u4YBgYBz1XKvqWkl
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</div>A e mulher B intentaram acção com processo ordinário contra C, pedindo que se declare que a assembleia realizada em 22-12-94 foi irregularmente convocada e que a convocatória deixou de mencionar as cláusulas contratuais a "modificar, suprimir ou aditar", e ainda que se decrete a anulação das deliberações tomadas nessa assembleia e constantes da acta, nomeadamente a transformação da Ré em sociedade anónima, a representação do capital em 41500 acções, de mil escudos cada uma, a atribuir aos sócios, na proporção de uma acção por cada mil escudos da respectiva quota e a aprovação do texto do novo pacto social que ficou a constar de documento complementar, "devendo ser anulados e consequentemente destruídos os seus efeitos por força do exercício deste direito do A., e isto retroactivamente". Mais pedindo, subsidiariamente, que seja declarada a nulidade das deliberações em causa, destruindo-se tamém, por tal via, os efeitos das deliberações impugnadas, condenando-se ainda a Ré a ter de aceitar e reconhecer os efeitos, quer da anulação, quer das nulidades das deliberações.<br> Alegaram, em síntese, o seguinte: (a) O A. marido é sócio da Ré desde 13-04-84; (b) A gerência desta emitiu uma convocatória de Assembleia Geral, com data de 07-12-94, a qual foi enviada ao A. através de carta registada, tendo o envelope o carimbo de expedição com aquela data; (c) A dita assembleia seria realizada em 22 de Dezembro desse ano; (d) O A. não esteve presente nem representado na mesma; (e) A assembleia não foi convocada com 15 dias de antecedência; (e) As deliberações tomadas não foram precedidas dos elementos mínimos de informação.<br> Citada, a Ré veio contestar, alegando, em síntese que aceita que a assembleia não foi convocada com a antecedência mínima de 15 dias, sendo certo, no entanto, que estiveram à disposição dos AA. todos e quaisquer elementos de informação. Pede, em consequência, prazo razoável para deliberar sobre a renovação da deliberação.<br> Replicando, os AA. vêm dizer que só determinadas deliberações nulas são renováveis, o que não é o caso dos autos. Concluem como na p. i., pedindo ainda que seja decretada a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 22-12-94, no período anterior às eventuais deliberações renovatórias, com as legais consequências.<br> A Ré, além de alegar não ser devida réplica, veio opor-se à alteração da causa de pedir.<br> Realizou-se uma audiência preparatória, sem que se tivesse alcançado qualquer acordo das partes.<br> Proferido saneador-sentença em 4 de Junho de 1997, foi a acção julgada procedente, pelo que o Meº Juiz do processo declarou que a assembleia geral realizada em 22-12-94 foi irregularmente convocada, pelo que anulou as deliberações nela tomadas e constantes da acta, nomeadamente a da transformação da Ré em sociedade anónima, a representação do capital em 41500 acções de mil escudos cada uma e atribuídas aos sócios na proporção de uma acção para cada mil escudos da respectiva quota e de aprovação do texto do novo pacto social, sendo anulados e, consequentemente, destruídos os seus efeitos, mais declarando que, no caso presente, não são possíveis deliberações renovatórias - fls. 75 e segs.<br> Inconformada, a Ré apelou, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 29 de Setembro de 1998, julgado procedente o recurso, revogando a decisão da 1ª instância e absolvendo a Ré do pedido - fls. 110 e segs.<br> Agora, por sua vez, inconformados, trazem os AA. a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br> 1. As deliberações em causa foram tomadas em assembleia que não foi convocada com a legal antecedência.<br> 2. As deliberações tomadas não foram precedidas dos elementos iniciais de informação.<br> 3. A irregularidade da convocação fundamenta-se no artº 248º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.<br> 4. A escassez de elementos mínimos de informação fundamenta-se nos artigos 58º, nº 1, alínea c), e nº 4, alínea a), 377º, nº 8, e 132º, todos do CSC.<br> 5. Nos termos do artº 62º, só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º do C.S.C. podem ser renovadas.<br> 6. No caso dos autos não estamos perante deliberações classificáveis de nulas nos termos das atrás citadas disposições legais.<br> 7. As atrás citadas disposições legais visam deliberações tomadas em assembleia geral não convocada e tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios sem este direito de voto tenham sido convidados.<br> 8. No caso dos autos estamos perante deliberações tomadas em assembleia irregularmente convocada e estas são apenas anuláveis nos termos do artº 58º, nº 1, alínea a) do C.S.C.<br> 9. Porque os ora recorrentes tinham impugnado as deliberações dada a falta de fornecimento dos elementos mínimos de informação, logo, por este facto, jamais aquelas poderiam ser renovadas nos termos do citado artº 62º do C.S.C.<br> 10. À data em que a recorrida solicita prazo renovatório subsistia invocação do vício traduzido na falta de fornecimento dos elementos mínimos de informação.<br> 11. Atento o exposto, o Tribunal jamais poderia conceder à Ré - ora recorrida - o prazo que ela veio solicitar, dado que as deliberações impugnadas não eram e não são renováveis.<br> 12. A renovação das deliberações de iniciativa da Ré ora recorrida é, pois, legalmente impossível.<br> 13. A Ré recorrida jamais pode conseguir a sanação das deliberações objecto dos autos.<br> 14. Aliás, os ora recorridos ( ) Sic, no texto. Trata-se, por certo, de lapso, pretendendo, segundo se crê, fazer-se referência aos "ora recorrentes".) em tempo, alteraram a causa de pedir e manifestaram interesse em obter a anulação das deliberações.<br> 15. Relativamente, pelo menos, ao período anterior à deliberação renovatória, caso esta viesse a ser admitida, o que não é o caso.<br> 16. O que a ora recorrida pode fazer é vir a convocar no futuro nova assembleia geral para discutir e deliberar sobre as matérias discutidas na assembleia de 22-12-94.<br> A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão impugnado.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>É a seguinte a matéria de facto dada como assente pelas instâncias:<br> - O A. é sócio da Ré, por escritura pública de 13/4/87, lavrada no Cartório Notarial de Pombal;<br> - - O A. ficou então com uma quota de 150000 escudos, sendo a mesma, actualmente, mercê dos aumentos, de 2740000 escudos;<br> - A qualidade de sócio do A. e o valor da quota são factos inscritos no registo;<br> - A gerência da Ré emitiu uma convocatória de Assembleia Geral e datou-a de 7/12/94;<br> - Esta declaração ou convocatória foi enviada ao A. através de carta registada, contendo o respectivo envelope carimbo de expedição dos CTT com data de 7/12/94;<br> - A convocatória tinha o seguinte texto:<br> "São por este meio convocados os sócios ... para uma Assembleia Geral a realizar na sede social, no dia 22 de Dezembro, pelas 9 h., com a seguinte ordem de trabalhos:<br> Transformação da C em sociedade anónima;<br> Se for deliberada a transformação, deliberar sobre o texto do novo pacto social.<br> Nota - Todos os elementos necessários para uma correcta apreciação, inclusive textos das propostas e do pacto social proposto, podem ser consultados na sede social, nas horas normais de expediente".<br> - Aos 22/12/94 teve lugar a reunião da assembleia geral;<br> - O A. não esteve presente, nem votou qualquer deliberação, nem deu esse assentimento de forma verbal;<br> - A Assembleia reuniu e foi feita a respectiva acta;<br> - Foi deliberado pelos sócios presentes:<br> A transformação da Ré em sociedade anónima com a firma C;<br> Que o capital social, no valor de 41500000 escudos, seja representado por 41500 acções de 1000 escudos cada uma, atribuídas aos sócios na proporção de uma acção para cada mil escudos da respectiva quota".<br> Aprovaram o texto do novo pacto social, ficando a constar do documento complementar à acta, depois de rubricado e assinado por todos os presentes.<br> Consta ainda dos autos, a fls. 43 e 44, fotocópia com valor de pública forma, da acta da Assembleia Geral da C, de 31 de Março de 1995, relativa, entre outros assuntos, à renovação das deliberações tomadas na Assembleia Geral. <br> Lê-se, a propósito, no texto do referido documento, o seguinte:<br> "Esta assembleia foi convocada por avisos publicados no Diário da República e no ECO (de Pombal) respectivamente em 23 de Fevereiro de 1995 e 20 de Fevereiro de 1995, e ainda por carta registada com aviso de recepção expedida em seis dos referidos mês e ano (...)";<br> E, mais adiante:<br> "Também por unanimidade foram renovadas as deliberações tomadas na assembleia geral de vinte e dois de Dezembro de mil novecentos e noventa e quatro tal como constam da acta número dezasseis e documentação complementar, na qual foi deliberada a transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima e foi, posteriormente, aprovado o texto do novo estatuto social".<div>III</div>1 - As conclusões da alegação dos Recorrentes delimitam, como se sabe, o âmbito objectivo do recurso - artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC.<br> Impõe-se, no caso da presente revista, e como questão prévia, fazer uma crítica severa à circunstância de, quer no arrazoado das alegações, quer nas correspondentes conclusões, se incluírem questões desprovidas da mais elementar razão de ser, provocando-se, por essa via, manifesta confusão e injustificado "ruído". Confusão e "ruído" tais que poderão subsistir algumas dúvidas sobre se, no presente caso, ocorrerá apenas um caso de litigância temerária, ou se não terá chegado a ser invadida a área da própria litigância de má-fé.<br> Tudo a recomendar a indispensável análise tendente ao inevitável "saneamento" das conclusões, reduzindo-se as mesmas de acordo e em função das questões efectivamente merecedoras de consideração.<br> Com efeito, e a título de exemplo, não faz qualquer sentido que os AA. retomem, neste recurso, a alegação de que as deliberações tomadas não foram precedidas do fornecimento dos elementos mínimos de informação - cfr. as conclusões 2ª, 4ª, 9ª e 10ª.<br> Tal alegação foi objecto de ponderação no âmbito da decisão da 1ª instância, tendo o Senhor Juiz considerado ter a Ré cumprido as disposições legais em referência. Fundamentando tal entendimento, escreve-se no saneador-sentença: "Com efeito, no aviso da convocatória é referido que o assunto sobre o qual irá recair a deliberação será a transformação da sociedade R. em sociedade anónima, acrescentando-se que os textos das propostas e do pacto social proposto podem ser consultados na sede social".<br> Os AA. não recorreram da decisão da 1ª instância, que lhes era favorável, conformando-se com o seu teor. <br> Assim sendo, e porque a Ré, na sua apelação, não discute esse alegado vício, a decisão do Tribunal de 1ª instância formou caso julgado formal, quer quanto ao conteúdo da decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos. É, assim, de todo em todo deslocado o retomar da questão pelos AA.<br> Algo de semelhante se poderá dizer acerca da matéria das conclusões 1ª e 3ª acerca da irregularidade da convocação da assembleia.<br> Com efeito, o Tribunal de 1ª instância, por entender que a assembleia geral de 22/12/94, fora irregularmente convocada, anulou as deliberações nela tomadas e constantes da acta.<br> Recorrendo para o Tribunal da Relação, a Sociedade Ré reconheceu o vício em questão, dizendo expressamente o seguinte: "Partindo do princípio aceite de que a deliberação em causa era anulável, a mesma anulabilidade poderá ser sanada através de outra deliberação (...)" - cfr. conclusão 1ª das alegações da apelação, a fls. 92.<br> Ou seja, pelas razões oportunamente expostas, formou-se caso julgado formal relativamente à decisão - e respectiva fundamentação - referente à existência do vício que afectou as referidas deliberações - que têm que ver com a regularidade da convocatória -, pelo que não há que conhecer agora dessas questões.<br> Mas há mais: As disposições legais citadas na conclusão 4ª são totalmente irrelevantes para a matéria dos autos, sendo a sua menção injustificada e geradora de desnecessária confusão. Também a conclusão 7ª é absolutamente estranha à temática em questão no caso sub judice.<br> Por outro lado, as conclusões 6ª e 8ª não oferecem qualquer oposição relativamente à decisão recorrida. Com efeito, é incontrovertido que, não tendo a assembleia geral de 22-12-94 sido regularmente convocada, por não ter sido respeitada a antecedência mínima de quinze dias, as deliberações nela tomadas foram anuladas ao abrigo do artigo 58º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais, diploma a que respeitam os normativos que se vierem a indicar sem menção da respectiva origem. <br> O artigo 58º, nº 1, apresenta o elenco das deliberações anuláveis. E fá-lo, como escreve Carlos Olavo, definindo a anulabilidade como sanção genérica dos vícios de que as deliberações dos sócios possam enfermar. Nos termos da alínea a) do nº 1 do referido artigo 58º, as deliberações que violam disposições da lei são anuláveis, salvo se ao caso couber nulidade. Diga-se, a propósito, acompanhando o comentário de Carlos Olavo, que, em bom rigor, as duas restantes alíneas do nº 1 do artigo 58º, seriam inúteis, em face do disposto na alínea a) ( ) Cfr. "Impugnação das Deliberações Sociais", Colectânea de Jurisprudência, Ano XXII, Tomo III, 1982, pág. 24.).<br> Mas, como é evidente, não reside aqui a sede do dissídio. Melhor: sobre esse ponto inexiste qualquer dissídio.<br> 2 - Dito isto, subsistem as seguintes questões:<br> a) Será que, nos termos do artigo 62º, só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do artigo 56º podem ser renovadas?;<br> b) O Tribunal jamais poderia conceder à Ré o prazo que ela solicitou, uma vez que as deliberações impugnadas não são renováveis?;<br> c) A renovação das deliberações por iniciativa da Ré é legalmente impossível?<br> d) Sendo a renovação admissível, não pode a Ré alcançar a sanação da deliberação social relativamente ao período anterior à deliberação renovatória?<div>IV</div>1 - Justificar-se-á, antes do mais, fazer uma breve incursão a respeito da figura da "renovação das deliberações sociais" ( ) Acerca da matéria, cfr. Manuel Carneiro da Frada, "Renovação de Deliberações Sociais - O artigo 62º do Cód. das Sociedades Comerciais", in Boletim da Faculdade de Direito de Lisboa, , vol LXI, 1985, págs. 285 e segs. Podem ver-se ainda: Vasco da Gama Lobo Xavier, "O Regime das Deliberações Sociais no projecto do Código das Sociedades", in Temas de Direito Comercial, págs. 8 e segs.; Luís Brito Correia, "Direito Comercial", 3º vil., AAFDL, 1989, págs. 273 e segs.; Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, "Deliberações dos Sócios - Artigos 53º a 63º", Almedina, Coimbra, 1993, págs. 577 e segs.; Carlos Olavo, loc. cit., págs. 21 e segs.).<br> Através da renovação, os sócios refazem a deliberação que antes haviam tomado, concluindo sobre o seu objecto uma nova deliberação destinada a absorver o conteúdo daquela e a tomar o seu lugar.<br> Ensaiando distingui-la de outras figuras afins, Carneiro da Frada procede ao confronto da renovação com a substituição, a revogação e a confirmação.<br> Em mera, e simplificada, síntese, pode dizer-se que, ao contrário do que pode acontecer com a substituição, a deliberação renovatória deve respeitar o essencial do conteúdo da deliberação renovada. <br> Quanto à revogação, a aproximação que dela é feita relativamente à renovação resulta do facto de esta envolver necessariamente a sua revogação quando essa deliberação, por não ser nula, for apta à produção dos efeitos jurídicos por ela visados. É justamente o que acontece com a deliberação anulável, pois que, então, essa deliberação surte eficácia desde o início e enquanto não for anulada.<br> Distinguindo renovação e confirmação, poderá dizer-se, acompanhando o citado Autor, também com subsídios recolhidos no ensino de Rui Alarcão, que, ao passo que, na renovação, uma deliberação se conclui ex novo, como se não tivesse existido negócio anterior, na confirmação, a deliberação inválida anterior é convalidada por força de um acto complementar e integrativo, cuja função é a de operar o convalescimento daquela outra, a qual fica a valer como se tivesse sido celebrada sem defeito. Ou seja, havendo renovação, os efeitos jurídicos passam a imputar-se unicamente à deliberação renovatória. Inversamente, na confirmação, a fonte de efeitos jurídicos é a própria deliberação inválida integrada ou complementada pelo acto confirmativo. Segundo Carneiro da Frada, o nosso sistema jurídico não consente a confirmação de uma deliberação anulável mediante nova deliberação, posto que falta à assembleia geral legitimidade para tomar a deliberação confirmatória. Com efeito, o artigo 288º, nº 2, do Código Civil apenas confere o poder de confirmar um acto inválido a quem tenha legitimidade para arguir a anulabilidade do acto. Ora, no domínio das deliberações sociais, os titulares do direito de anulação daquelas são os sócios, pelo que só eles - e não a assembleia geral - detêm o poder de as confirmar.<br> 2 - Passemos agora á apreciação das questões oportunamente sumariadas, começando pela primeira, consistente em saber se só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do artigo 56º podem ser renovadas. <br> 2.1. - É manifesta a falta de razão dos Recorrentes.<br> Basta atentar no disposto no artigo 62º, nº 2. Com efeito, depois de o nº 1 estabelecer que "uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros, prescreve o nº 2:<br> A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.<br> Perante a clareza da disposição, não se alcança como podem os Recorrentes continuar a afirmar que "só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do artº 56º do C.S.C. podem ser renovadas" - cfr. conclusão 5ª.<br> Será que, além do mais, não se divisa o grau de ilogicidade que representaria uma solução que, concedendo a "sanação" aos actos afectados pelo vício mais grave (a nulidade) a negasse aos actos atingidos pelo menos grave - a mera anulabilidade?<br> 2.2. - Acresce que a lei não concede margem para dúvidas. <br> Como escreve Carneiro da Frada, a propósito da questão de saber que deliberações podem concretamente ser alvo de uma deliberação renovatória, "a esta questão responde o artigo 62º, dizendo que o objecto da renovação podem ser deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º e deliberações anuláveis" ( ) Cfr. loc. cit., págs. 297 e segs. Como o citado Autor escreve de imediato, a disposição referida exclui das deliberações renováveis as deliberações inexistentes.).<br> Ponderando acerca do nº 2 do artigo 62º, que estabelece, como vimos a possibilidade de renovação de deliberações anuláveis, escreve ainda o citado Autor que, para que se possa falar de uma renovação regular de deliberação anulável será necessário que a deliberação não enferme do vício da antecedente, sendo também necessário que o seu conteúdo coincida no essencial com o conteúdo da antecedente.<br> Como se refere no acórdão recorrido, no caso dos presentes autos, a deliberação que se pretendia anular foi, de facto, renovada, "não estando tal renovação, em si mesma, posta em causa pelos recorrentes".<br> Ou seja, houve uma nova deliberação - expurgada da precedente causa de invalidade que afectara o processo de formação da anterior - a qual, reproduzindo, embora, o conteúdo da antecedente, nem por isso deixou de constituir uma nova deliberação, inteiramente distinta da primeira, definidora de uma ulterior vontade social sobre o mesmo objecto.<br> Atento o exposto, cumpre concluir que a decisão recorrida não justifica, neste ponto, qualquer reparo. As deliberações anuladas - afectadas nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 58º são passíveis de renovação, nos termos da primeira parte do nº 2 do artigo 62º.<br> Improcede, pois, a conclusão 5ª.<br> 3 - Passemos então à apreciação da segunda questão acima enumerada. <br> Sendo as deliberações em causa, como já se disse, renováveis, é manifesto que o Tribunal podia conceder à Ré o prazo razoável por ela solicitado para a sociedade deliberar sobre a renovação da deliberação. É o que flui do nº 3 do referido artigo 62º, do seguinte teor:<br> O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação.<br> É absolutamente irrelevante o argumento aduzido nas conclusões 9ª e 10ª (para as quais remete a conclusão 11ª), segundo o qual o Tribunal não poderia deferir o pedido da Sociedade Ré, uma vez que, à data em que esta solicitou o prazo subsistia a invocação do vício da falta de fornecimento dos elementos mínimos de informação. Nessa ordem de ideias, ficaria o Tribunal impedido de usar de uma faculdade que a lei lhe concede, sempre que a Parte alegasse um vício inexistente, que fosse susceptível de produzir como consequência a impossibilidade legal da deliberação renovatória. Susceptibilidade essa que dependeria sempre da sua existência, o que, no caso, não se verificava.<br> Acresce, porém, que, no caso concreto ora em apreço, tal vício, a existir, seria gerador da causa de anulabilidade da alínea c) do nº 1 do artigo 58º.<br> Ora, como já se viu, com abundância de detalhes, as deliberações anuláveis são sempre passíveis de renovação nos termos do nº 2 do artigo 62º.<br> Por esta razão improcede também a 3ª questão acima elencada, segundo a qual a renovação das deliberações em causa será legalmente impossível por iniciativa da Ré - cfr. a conclusão 12ª. O entendimento perfilhado pelos Recorrentes vai ao arrepio do regime legal e atenta contra a racionalidade do sistema.<br> Improcedem, pois, as conclusões 9ª a 12ª.<br> 3 - Resta-nos a quarta - e última - questão, a justificar algumas considerações complementares de natureza teórica, atenta a complexidade dos problemas nela envolvidos. A sede da questão, tal como formulada supra, reside nas conclusões 13ª a 15ª, das quais se poderá extrair a ideia de que "a Ré recorrida jamais pode conseguir a sanação das deliberações objecto dos autos","relativamente, pelo menos, ao período anterior à deliberação renovatória".<br> Ter-se-á presente que os AA., ao tomarem conhecimento de que a Ré pretendia renovar a deliberação anulável, requereram, por cautela, que fosse decretada a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 22-12-94, relativamente ao período anterior às eventuais deliberações renovatórias.<br> Tal pretensão encontra possível fundamento no disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 62º. O referido nº 2 integra, efectivamente, duas estatuições distintas, a saber:<br> a) 1ª parte: "a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente":<br> b) 2ª parte: "O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória".<br> <br> Resulta da primeira parte que a lei confere um efeito sanatório às apontadas deliberações. Quer isto dizer que o legislador concebeu a renovação de deliberações anuláveis como uma verdadeira renovação sanante ( ) É este o entendimento de Carneiro da Frada - cfr. loc. cit, págs. 315 e segs.).<br> Por sua vez, o disposto no nº 2, 2ª parte, deve entender-se como uma espécie de contradireito ou excepção conferido ao sócio para este, se quiser, se opor à, de princípio, retroactiva sanação da deliberação.<br> Mas, para que a deliberação renovada seja anulada "relativamente ao período anterior à deliberação renovatória", tem o sócio que fazer prova de um interesse atendível, no sentido de que a anulação evita a ofensa de um direito seu ou a ocorrência de um prejuízo na sua esfera.<br> Como ensina Carneiro da Frada, a prova desta verdadeira condição da acção não se lhe exigiria se do exercício do direito comum de anulação se tratasse. Aqui, o interesse do demandante, além de não ser condição da acção, é presumido à face apenas da ofensa da lei ou dos estatutos que tornam a deliberação anulável e tal interesse não pode ter-se por excluído pelo simples facto de à ofensa referida não estar ligado um dano ou o perigo de um dano para o sócio ou até para a sociedade ( ) Cfr. loc. cit, págs. 321-322. ).<br> No Acórdão deste S.T.J. de 14-12-94, o interesse atendível previsto na 2ª parte do nº 2 do artigo 62º não se confunde com o mero interesse processual ou interesse em agir, tratando-se antes do interesse substantivo, traduzido na susceptibilidade de prejuízo causado ao titular do direito de anulação pela eficácia retroactiva da deliberação renovatória ( ) Acórdão publicado no BMJ nº 442, pág. 147.).<br> Cabe, pois, ao sócio que invoca o "interesse atendível", fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo, para efeitos de se obter a anulação da primeira deliberação relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. Não há, com efeito, razões para presumir o prejuízo do sócio impugnante com a execução da deliberação e consequente interesse atendível; antes a alegação e a prova desse prejuízo deverão ser feitas pelo sócio que alegar o interesse atendível.<br> No caso dos autos, os AA. nada alegam a tal respeito, decorrendo do exposto que os mesmos deveriam ter invocado factos susceptíveis de fazerem a prova de tal interesse atendível, condição necessária para poderem obter a anulação intercalar da deliberação.<br> Não o tendo feito, não poderia proceder a sua pretensão.<br> Improcedem, pois, as conclusões 13ª a 15ª, ficando prejudicado, e sem qualquer interesse, a conclusão 16ª.<br> Apenas por subsistirem dúvidas acerca das razões da invocação de um tão elevado número de argumentos desprovidos de qualquer fundamento - a par de outros, justificativos, apesar de tudo, de ponderação e análise -, não vão os Recorrentes condenados por litigância de má-fé.<br> Termos em que, na improcedência da revista, se confirma o acórdão recorrido.<br> Custas a cargo dos Recorrentes.<br> Lisboa, 23 de Março de 1999.<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos,<br> Pinto Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> I - O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico junto do Tribunal de Faro, em Representação da Junta Autonoma de Estradas propos a presente acção com processo ordinario contra A pedindo a condenação do Reu, a demolir uma obra existente no sitio dos Virgilios junto a Estrada Nacional n. 125 da referida comarca.<br> Alegou em resumo que o Reu esta a construir ali um armazem, a 15 metros do limite da plataforma da referida Estrada, ofendendo assim a servidão "Non aedificandi" que a Junta detem nos termos do artigo 8 do Decreto-Lei n. 13/71 de 23/01/71.<br> Citado o Reu contestou invocando a excepção da incompetencia em razão da materia do Tribunal comum. E caso, tal se não verificasse a acção devia ser julgada improcedente.<br> Houve Replica. A acção foi julgada improcedente depois de se considerar o Tribunal competente e que não procedia a excepção invocada.<br> Houve recurso de apelação, que não obteve provimento.<br> Dai o presente recurso de revista.<br> Nas conclusões diz-se em sintese:<br> 1- O Tribunal comum e incompetente em razão da materia porque a edificação esta devidamente licenciada pela Camara Municipal de Faro. A licença e acto administrativo definitivo e executorio e constitutivo dos direitos.<br> 2- Tal acto impõe-se ate a Administração Publica, enquanto não impugnado perante os Tribunais administrativos - os competentes -.<br> 3- Assim, o foro administrativo e o competente.<br> Violou-se o artigo 66 do Codigo da Estrada e o artigo 3 do Decreto-Lei 129/84 de 27 de Abril.<br> 4- Caso assim se não entendesse não havia todos os elementos que justificassem uma decisão conscienciosa.<br> Isto porque a questão não e apenas de direito.<br> Deve julgar-se incompetente o Tribunal comum. Se o entendimento for diverso devera ordenar-se o prosseguimento dos autos, revogando-se o acordão recorrido.<br> O Excelentissimo Magistrado do Ministerio Publico neste Tribunal propugna pela manutenção do decidido.<br> Corridos os vistos cumpre decidir.<br> II- Incompetencia absoluta do Tribunal.<br> O problema da incompetencia do Tribunal comum ja fora colocado quando a Junta Autonoma das Estradas requereu ratificação do embargo de obra nova.<br> Na providencia cautelar foi julgada improcedente a invocada excepção na 1 instancia, não assim na Relação de Evora, mas no Supremo Tribunal de Justiça no acordão de 8/11/88, revogou-se o da 2 instancia e decidiu-se pela competencia do Tribunal comum. (Vide Apenso n. 3)<br> De novo e colocada a questão.<br> Conforme vem decidido nas instancias, na hipotese sub iudice, não se esta a apreciar a legalidade de um acto administrativo.<br> Averigua-se, sim, se a construção de uma obra foi efectuada com violação das disposições legais aplicaveis (Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/11/85 in BMJ n. 351-346). Não se põe em crise directamente o acto administrativo, mas uma actividade privada que ao erigir uma edificação, o tera feito contra a lei, e por ter havido erro de facto da Camara, segundo se admite.<br> Dir-se-a, porem, mas existe um acto administrativo - concessão da licença -. E ele legaliza a construção. E ainda, os eventuais vicios do acto administrativo, para se recordarem ou melhor que tenham na sua base um erro de facto, subsumem-se no vicio da violação da lei (Cfr. Marcello Caetano Manual do Direito Administrativo 1 - 502). Dai, dever concluir-se que so atraves da impugnação contenciosa daquele acto se podera obter o fim em vista.<br> Não e assim, porem. O caso resolvido não se distancia significativamente do caso julgado. Ora, e sabido que o caso julgado nos afecta, não vincula terceiros juridicamente interessados. E, e precisamente a situação vertente dos autos. Ha um terceiro interessado, titular de direitos incompativeis com o da recorrente. A seu favor existe um direito real que e posto em crise por aquela decisão. Ela não lhe e aplicavel, nem o vincula. Tem, por isso, legitimidade para o fazer valer atraves de meios adequados. No caso, atraves de uma acção a intentar num tribunal comum, no qual pedira a indemnização devida pela pratica do acto ilicito e que provocou danos.<br> E, fe-lo de harmonia com o principio geral consagrado no artigo 562 do Codigo Civil, ou seja o principio da reposição natural.<br> Não procede por estes fundamentos ou este aspecto o recurso.<br> III- Materia de facto provada.<br> A Relação considerou provado o seguinte:<br> 1- O Reu requereu a Camara Municipal de Faro a licença para a implantação de uma construção com a area de 922m2, situada no sitio dos Virgilios, junto a Estrada Nacional 125, e que se destinava a armazem, cujo projecto não foi entregue a Junta Autonoma das Estradas;<br> 2- Entidade esta que não se pronunciou sobre as caracteristicas e empreendimentos no local da edificação;<br> 3- Os serviços de fiscalização da J.A.E., tendo conhecimento da execução da obra, procederam ao seu embargo extra-judicial;<br> 4- Este embargo foi ratificado judicialmente por sentença no processo n. 157/87, 2 juizo, 2 secção da Comarca de Faro.<br> 5- O terreno onde esta a ser edificada a construção referida situa-se a 15 metros do limite da plataforma da E.N. 125, mais concretamente ao quilometro 107,8, daquela estrada nacional.<br> 6- Toda a obra esta integrada numa zona que dista menos de 50 metros da plataforma da E.N. 125 - artigo 12, parte final e 15 parte inicial.<br> IV- Conhecimento da causa no saneador.<br> Nos termos do artigo 510, n. 1, alinea c) do Codigo de Processo Civil, o Juiz pode, no despacho saneador, conhecer do pedido se a questão de merito, for de direito e de facto e o processo contiver todos os elementos para uma decisão conscienciosa.<br> Os factos que se consideraram provados e constantes dos pontos 1, 5, e 6, ou seja que o Reu requereu a licença para construção referida, sem conhecimento da J.A.E., que o terreno da obra situa-se a 15 metros dos limites da plataforma da Estrada 125; que toda a obra esta integrada numa zona que dista menos de 50 metros da referida plataforma são suficientes para se concluir que houve flagrante violação do disposto na alinea e) do n. 1 do artigo 8 do Decreto-Lei n. 13/71, de 23 de Janeiro, norma de caracter imperativo que proibe construções em zonas tão proximas das estradas nacionais, com o fim de as proteger.<br> Não se pode, por outro lado esquecer que a competencia do Supremo em relação a materia de facto e restrita. So pode alterar a decisão da Relação neste aspecto, no caso excepcional previsto no n. 2 do artigo 722 do Codigo de Processo Civil.<br> E, não se ve que tal situação se verifique.<br> Nestes termos negam a revista.<br> Custas pelo recorrente.<br> Lisboa, 17 de Dezembro de 1991.<br> Martins da Fonseca,<br> Vassanta Tamba,<br> Meneres Pimentel.<br> I - Sentença de 89.05.24 do Tribunal de Faro;<br> II- Acordão de 91.04.15 da Relação de Evora.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ);<br> I - Relatorio:<br> O Banco A, propos acção executiva para pagamento de quantia certa contra B e C. As executadas não embargaram, pelo que a execução prosseguiu seus termos ate que, em 26 de Outubro de 1988, foi arrematada em hasta publica (segunda praça), por D, fracção autonoma anteriormente penhorada, designada pela letra D correspondente ao primeiro andar esquerdo do predio sito na Avenida General Humberto Delgado, bloco 12, Torres Vedras. O preço foi de 1685000 escudos, mas um credor, titular de credito verificado por sentença, com garantia real sobre o imovel apreendido, arguiu a nulidade de não ter sido notificado do despacho determinativo da segunda praça. Este credor E, viu tal arguição indeferida na primeira instancia e na relação, tendo voltado a agravar com estas conclusões (sintese): a) Do artigo 882, n. 2, do Codigo de Processo Civil (CPC), decorre a obrigação do exequente, executado e credores reclamantes, enquanto partes principais no processo, serem notificados da data e local das arrematações em hasta publica que sejam ordenadas; b) a isso conduz o principio da igualdade das partes no processo civil, alias decorrente, alem do mais, da Constituição da Republica Portuguesa (CRP); c) e a desigualdade verificar-se-a quando o exequente e notificado (atraves da entrega dos anuncios) omitindo-se esta diligencia para os outros, designadamente os credores verificados; d) interpretação diferente da lei conduziria ao absurdo de os titulares de direito de preferencia (partes acessorias) terem melhor tratamento do que os protagonistas principais; e) não e possivel "interpretar e aplicar analogicamente as partes principais a disposição excepcional constante do artigo 902, n. 3 (aplicavel a terceira praça - art. 903), por força do disposto no art. 11 do Codigo Civil" (CC); f) violou-se o disposto nos artigos 882 e 201 do CPC, e o acordão impugnado, ao interpretar o primeiro dispositivo, desrespeitou o principio da igualdade inscrito na CRP.<br> O agravado (arrematante D) contra-alegou.<br> II - Discussão e fundamentação:<br> 1. O acordão recorrido desenha a sua tese e respectiva fundamentação principal nestes termos:<br> " A questão em apreço cinge-se a interpretação do n. 2 do artigo 882 do CPC e foi objecto do douto acordão do STJ, de 16 de Junho de 1970, publicado no BMJ, 198, paginas 101 e seguintes segundo o qual, notificadas as partes-exequente, executado e credores reclamantes - do despacho que ordena a venda e indique a respectiva modalidade, cumprida esta aquela norma do n. 2 do artigo 882 não havendo, pois, que notificar quem quer que seja da 2 praça, caso a primeira fique deserta".<br> 2. Como se ve, o acordão, quanto a fundamentação, limitou-se a receber acriticamente a tese sustentada pelo STJ em 16 de Junho de 1970. Neste ultimo acordão, discutiu-se se os credores deviam ser notificados do dia, hora e local da venda ou se a obrigação decorrente do artigo 882, n. 2 do CPC, e satisfeita apenas com a notificação da venda dos bens e respectiva modalidade. O recorte da questão e assim feito: "... importando fixar se esse preceito (art. 882, n. 2) obriga sempre a notificação do dia, hora e local da venda..... ou se apenas obriga a notificação da venda dos bens e respectiva modalidade, sem qualquer relevancia para a data e para o local....". Optou-se por esta ultima alternativa com os argumentos de que a citada disposição, dada a sua inserção sistematica, aplica-se tanto a venda judicial como a extrajudicial, sendo certo que uma das modalidades desta ultima torna impossivel fixar as circunstancias de tempo e lugar (venda por negociação particular); de que o mesmo preceito, relativamente ao CPC de 1939, contem apenas a inovação resultante do artigo 4 do Decreto n. 33276, de 24 de Novembro de 1943 (onde se procurava por de sobreaviso o Ministerio Publico-<br> MP, como representante da Caixa Geral de Depositos, para as vendas a realizar nas execuções em que esta entidade fosse exequente ou credora), devendo notar-se que a unica referencia a data da venda, feita no paragrafo 1 do referido artigo 4, foi pura e simplesmente eliminada; de que os artigos 892, n. 1, e 902, n. 2 do CPC, conduzem a mesma interpretação, pois o primeiro prescreve que os titulares do direito de preferencia na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente (ao contrario do que sucede no artigo 882, n. 2) e o segundo dispõe (depois de tratar da publicidade da segunda praça) não se repetir a notificação dos titulares daquele direito de preferencia.<br> 3. Como o caso decidido pelo acordão de 1970 tem identidade com aquela que ora se examina, importa seguir de perto os argumentos daquela douta decisão.<br> O Codigo de Processo Civil de 1939 limitava-se a prescrever na segunda parte do corpo do seu artigo 882 que a venda podia ser judicial ou extrajudicial.<br> Com a revisão feita em 1961, o mesmo preceito alargou o seu campo de aplicação impondo que o despacho determinativo da venda fosse notificado ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de creditos com garantia sobre os bens a vender. O relator do projecto de revisão sobre acção executiva (Conselheiro Lopes Cardoso) justificou este alargamento com o objectivo de "dar satisfação ao preceituado no paragrafo unico do artigo 4 do Decreto n. 33276, de 24 de Novembro de 1943, que, ampliado, se generaliza (1).<br> Esta mesma justificação e dada no Manual da Acção Executiva do referido Autor (2);<br> De facto, o artigo 4 e seu paragrafo 1 do diploma de 1943 (ainda hoje mantido em vigor pelo artigo 18 do DL n. 693/70, de 31 de Dezembro e pelo artigo 161, n. 1, do Decreto n. 694/70, da mesma data) dispõe expressamente (3):<br> " Nos processos em que a Caixa Geral de Depositos,<br> Credito e Previdencia ou algumas das suas instituições anexas sejam exequentes ou reclamantes, o agente do Ministerio Publico logo que designado o dia para a arrematação ou decidida a venda por meio de propostas em carta fechada ou por via de negociação particular, comunicara o facto a Administração da Caixa, remetendo-lhe uma relação dos bens a pracear ou a vender, donde conste, quanto a cada um dos bens, o encargo que o agrava, o valor por que sera posto em praça ou o preço minimo que houver sido fixado para a negociação particular. Tratando-se de predios, apontar-se-a ainda na relação o numero da descrição na Conservatoria e o artigo da inscrição na matriz, se o processo para tanto fornecer elementos.<br> Paragrafo 1: Serão notificados ao agente do Ministerio Publico, no prazo maximo de vinte e quatro horas, os despachos que, nos processos visados pelo artigo designem dia para a arrematação ou decidam sobre a venda por meio de propostas em carta fechada ou por via de negociação particular.<br> 4. A importação feita do regime das vendas efectuadas em processos executivos em que e interessada a Caixa Geral seguiu na linha da transformação profunda operada em 1961 quanto a acção executiva. Isto e: neste sector, as alterações de 61 visaram tornar menos desigual a posição do credor Estado, ou entidades equiparadas, da do credor comum.<br> Por assim ser, julgou-se não existir motivo relevante para excluir a notificação do exequente, executado e credores reclamantes quando se designa a venda.<br> O douto acordão de 1970, para justificar a omissão de notificar o exequente, o executado e reclamantes das circunstancias de tempo e lugar da venda, invoca uma das modalidades desta, ou seja, a negociação particular em que, segundo diz, se torna materialmente impossivel fixar aquelas indicações no respectivo despacho. Assim e com efeito, mas ja não se julga legitimo extrapolar a partir daqui a tese geral de se cumprir o disposto no artigo 882, n. 2, do CPC, desde que seja notificada a venda dos bens com a indicação da respectiva modalidade, sem qualquer outra indicação.<br> A verdadeira razão para não se utlizar a formula do artigo 4, paragrafo 1 do diploma de 1943, foi precisamente a de generalizar a todas as formas de venda (judicial e extrajudicial) o sistema ali preconizado.<br> Na verdade, o alcance do citado preceito ficava limitado por duas vias: por um lado, não abrangia todas as modalidades de venda e, por outro, apenas exigia a notificação com as indicações das circunstancias de tempo para a venda em hasta publica. O actual artigo 882, n. 2 do CPC ampliou o paragrfo 1 do referido artigo 4 por forma a incluir todas as modalidades e com as indispensaveis indicações temporais quando for caso disso. Note-se que, para a venda por propostas em carta fechada, houve necessidade de alterar o artigo 893 do CPC, possibilitando a todos - exequente, executados e credores - a assistencia a respectiva abertura, o que so se torna exequivel se previamente forem, para tanto, notificados (4). E certo que a notificação com as tais indicações de tempo e lugar se torna materialmente impossivel no caso de venda por negociação particular, mas convem não esquecer que so e legal proceder a este tipo de transacção quando tal for requerido pelo executado e credores que representem a maioria dos creditos com garantia sobre os bens a vender ou quando se trate de bens de reduzido valor ou exista urgencia (artigo 886 do CPC). Por isso, pode dizer-se, com Lopes Cardoso (5), que a venda por negociação particular não pode ser, em regra, ordenada oficiosamente. Assim, a maioria de creditos (na qual se inclui o do exequente pois tem garantia da penhora) confere, atraves dos seus titulares, um mandato livremente e dai a sem razão da exigencia da notificação da data e local da venda (note-se que maioria de creditos e uma maioria de valor e não de numero, como alias e indubitavel e vem referido por Lopes Cardoso).<br> Perante o exposto, não tem salvo o devido respeito, qualquer razoabilidade dizer-se, como o faz o acordão de 1970, que "a inovação do artigo 882, n. 2, relativamente ao Codigo de 1939, não teve por finalidade dar qualquer relevo a dia, hora e local da arrematação, mandando notificar de tais circunstancias as partes na acção executiva e os credores com garantia sobre os bens". De resto, como resulta da lei (artigo 890 do CPC), torna-se impossivel cindir o despacho determinativo da arrematação em hasta publica em dois momentos: primeiro dizer que a forma da venda e a da praça e depois a indicação do dia, hora e local.<br> Da mesma forma raciocinou o ilustre Conselheiro vencido no acordão de 1970: o artigo 882, n. 2,<br> "impõe que os credores com garantia tem de ser notificados dos despachos que fixarem a data das hastas publicas visto que e atraves desses despachos que se ordenam as vendas".<br> 5. Argumenta-se ainda a favor da tese ate agora vencedora com os textos dos artigos 892, n. 1 e 902, n. 3, do CPC: "se a diversa redacção dos artigos 882, n. 2 e 892, n. 1 torna bem claro que num caso se manda e no outro se não manda notificar o dia e hora da arrematação, o disposto no artigo 902, n. 3, evidencia que ate os preferentes, apesar do regime especial de que beneficiam, tem de contar apenas consigo, com a sua atenção e a sua vigilancia, apos a primeira praça".<br> Nem um nem o outro argumentos tem consistencia. As razões que levaram a não incluir as palavras "dia e hora" no artigo 882 são (parecem) obvias, não so pelo que ja se disse, como tambem pelo facto desta disposição estar incluida nos preceitos aplicaveis a todas as modalidades de venda e existir em algumas em que tal não e materialmente possivel (negociação particular e venda directa, por exemplo). Por outro lado, a razão que levou a dispensar a notificação dos titulares de direitos de preferencia quando se trate de segunda praça e outra. Ja Alberto dos Reis (6) dizia que se os preferentes forem notificados pessoalmente e não se apresentarem no acto da praça ou da entrega dos bens os proponentes, fim de exercerem nesse acto o seu direito de preferencia, a consequencia e a de o perderem. E acrescentava ainda que, notificado pessoalmente o titular do direito de preferencia, se ele não comparece no momento proprio para exercer o seu direito, o facto não comporta outra interpretação razoavel que não seja esta: não quer preferir, renuncia a exercer o direito de preferencia. Isto deduz-se claramente do disposto no artigo 892, n. 3 (notificação edital dos preferentes), pois neste caso os preferentes, desde que se verifiquem certos indicios, continuam com o direito a preferir. Consequentemente, aparece como logica a disposição do artigo 902, n. 3, ao não exigir a repetição das notificações em caso de segunda praça (e inadmissivel notificar para o exercicio de um direito ja pedido).<br> 6. O acordão recorrido, por via secundaria, ainda refere que no caso de se entender "dever o recorrente ter sido notificado da segunda praça, tal omissão estaria sujeita ao regime prescrito no artigo 201 do CPC, como, alias, o agravante aponta; e, como assim, so constituiria nulidade conducente a anulação da venda - cfr. artigo 909, n. 1, alinea c), do CPC, sendo susceptivel de influir no resultado da alienação".<br> Ate aqui nada se tem a objectar, pois, apesar de criticavel a indusão desta causa de anulabilidade, ela existe e pressupõe nulidade ocorrida nos actos finais da venda ou mesmo nulidade dos seus actos preparatorios, tempestivamente reclamada, mas cuja procedencia venha a ser declarada, em agravo da decisão, posteriormente a venda (7). Tudo isto se verifica no caso concreto e, alias, ninguem põe em duvida. So que o acordão impugnado acrescenta nada garantir que, anulada a venda" viesse a ser obtido melhor preço". E para justificar esta asserção diz textualmente o seguinte:<br> "nem o recorrente o oferece ou ofereceu (melhor preço)-<br> -e podia te-lo feito (artigo 875 do CPC), nem se ve que exista terceiro disposto a oferece-lo acrescentando que tanto assim e que a primeira praça ficou deserta, dela se desinteressou o recorrente (não esteve presente; se tivesse estado teria logo então tomado conhecimento da segunda praça; nem procurou informar-se do seu resultado, se se tivesse informado saberia que fora marcada a segunda praça a tempo de nela comparecer se era essa a sua intenção) e, perante o inexito da primeira praça, não foi usada a faculdade prevista no n. 2 do artigo 901 do CPC".<br> A tudo isto que se acaba de transcrever, responde-se que não se passou de meras conjecturas sem qualquer apoio legal.<br> Parece-nos claro que a omissão referida pode exercer influencia na decisão. Nada garante que o recorrente (credor por 3220000 escudos e graduado em primeiro lugar) não tivesse coberto o lanço oferecido pelo agravado (1685000 escudos) e ja não estivesse interessado em comparecer a primeira praça em que o predio foi a mesma com base no valor de 3220000 escudos, supostamente exagerado para ele. Todavia, isto mesmo não passa tambem de simples conjectura, importando apenas reter que a notificação de mais um interessado para comparecer em hasta publica e sempre relevante.<br> Por outro lado, o não uso da faculdade prevista no artigo 875 ou a do artigo 907, n. 2, ambos do CPC, não passam disso mesmo consequentemente, tambem não são de considerar para os efeitos do artigo 201, n. 1, do citado Codigo.<br> III - Decisão:<br> Com os fundamentos expostos, concede-se provimento ao agravo, pelo que a venda efectuada fica sem efeito, bem como todos os actos posteriores que dela dependam absolutamente. Custas nas instancias e neste STJ pelo agravado.<br> Notas:<br> (1) -Projectos de Revisão do Codigo de Processo Civil, I, edição da Imprensa Nacional de Lisboa, 1958, pag 72.<br> (2) -Edição de 1987, pag 564.<br> (3) -Os sublinhados são obviamente nossos para tornar mais destacavel o nucleo essencial do preceito.<br> (4) -Sobre esta exigencia de notificação e muito terminante Lopes Cardoso, ob. citada em 2. pag 584.<br> (5) -Obra citada em 2, pag 570.<br> (6) -Processo de Execução, vol. 2, pag 342.<br> (7) -Anselmo de Castro, a Acção Executiva Singular, Comum e Especial 3 edição. pag 247.<br> Meneres Pimentel,<br> Soares Tome.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> No Tribunal Cível da Comarca do Porto (7. Juízo), o Ministério Público, em representação da menor A, intentou acção com processo ordinário para investigação de paternidade contra B e C pedindo seja aquela menor reconhecida como filha de D, já falecido, de quem os réus, cônjuge e filho, são os únicos herdeiros.<br> Na contestação, os réus defenderam-se por excepção (ilegitimidade do Ministério Público e caducidade do direito de acção) e por impugnação.<br> Replicou a autora para sustentar a improcedência das excepções invocadas na contestação.<br> Houve ainda tréplica.<br> No saneador foram as excepções julgadas improcedentes.<br> Contra a especificação e o questionário reclamaram, sem êxito, os réus.<br> Do saneador interpuseram os réus recurso, que foi admitido como agravo.<br> Realizado o julgamento, foi exarada sentença que decidiu pela procedência da acção.<br> Inconformados, apelaram os réus.<br> O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de folhas 320 e seguintes, datado de 29 de Abril de 1999, julgando improcedentes os recursos, confirmou as decisões recorridas.<br> Ainda não conformados, os réus interpuseram recurso de revista, em cuja alegação formulam conclusões que assim podem sintetizar-se:<br> 1. O Ministério Público não tem poderes, competência e legitimidade para intentar esta acção, por a tanto se opor o disposto no artigo 1866, alínea b) do Código Civil;<br> 2. Com efeito, a acção foi proposta muito depois de decorrido o prazo de dois anos previsto naquele normativo;<br> 3. O douto acórdão recorrido devia ter-se pronunciado pela absolvição dos réus da instância, nos termos do artigo 288, n. 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil;<br> 4. Houve irregularidades na produção da prova na 1. instância, susceptíveis de influir no exame e decisão da causa;<br> 5. Não há prova suficiente que implique a procedência da acção, pelo que, ao não considerar isso mesmo, o acórdão da Relação violou o disposto no artigo 668, n. 1, alínea c), do Código de Processo Civil;<br> 6. O mesmo acórdão da Relação não admite como válida e com força de eficácia probatória o documento anexo às alegações do recurso de apelação - certidão do 8. Juízo Cível, 3. Secção, do Porto, com o que violou o disposto no artigo 706, n. 1, do Código de Processo Civil;<br> 7. Assim como não apreciou e não atendeu o pedido de renovação dos meios de prova produzidos na 1. instância, feito ao abrigo e para os efeitos declarados nos ns. 3, 4 e 5 do artigo 712 do Código de Processo Civil, como se impunha face ao documento autêntico e de valor irrefutável, a referida certidão do 8. Juízo Cível do Porto, com o que violou aquelas disposições legais e o também citado artigo 668, n. 1, alínea d), do mesmo diploma legal, e que implica a nulidade do acórdão recorrido;<br> 8. Há erro clamoroso de julgamento.<br> Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado.<br> O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de folha 417, datado de 21 de Outubro de 1999, entendeu que o seu anterior acórdão, ao contrário do alegado pelos recorrentes, não enferma de qualquer nulidade.<br> Cumpre decidir.<br> A matéria de facto a ter em conta é a fixada pela Relação no acórdão recorrido, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto no artigo 713, n. 6, aplicável ex vi do artigo 726, ambos do Código de Processo Civil.<br> Dessa matéria, realçam-se os factos seguintes:<br> Em Setembro de 1982, a E (mãe da menor A) foi trabalhar, como empregada doméstica externa, na residência de D e de sua mulher, a 1. ré, no Porto;<br> Nos finais desse ano, a E iniciou com o D uma relação de intimidade, começando a ter com o mesmo, regular e assiduamente, relações sexuais de cópula completa;<br> Mantendo-se tais relações ao longo dos anos de 1983 e 1984;<br> Nunca a E manteve relações sexuais com outro homem que não o D, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da menor A;<br> Foi em consequência das relações sexuais que manteve com o D que a E veio a engravidar e a dar à luz a menor A.<br> Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.<br> As questões colocadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, podem alinhar-se assim:<br> 1. Legitimidade do Ministério Público para instaurar a presente acção;<br> 2. Caducidade do direito de acção;<br> 3. Não atendimento pela Relação do documento junto pelos recorrentes no recurso de apelação;<br> 4. Não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712 do Código de Processo Civil;<br> 5. Irregularidade e insuficiência da prova para a procedência da acção;<br> 6. Nulidades do acórdão recorrido, nos termos do artigo 668, n. 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.<br> Começaremos, logicamente, pela questão das nulidades que os recorrentes assacam ao acórdão sob censura.<br> Nos termos da alínea c) do n. 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.<br> Os referidos fundamentos são os aduzidos pelo juiz para neles basear a decisão, constituindo o respectivo antecedente lógico, e não os fundamentos que a parte entende existirem para - no seu entender - se dever ter decidido de modo diverso. Esta nulidade consubstancia, assim, um vício puramente lógico do discurso judicial e não um erro de julgamento.<br> No acórdão recorrido inexiste tal vício lógico. Na verdade, dizendo-se ali que ficou demonstrada a filiação biológica, a decisão só podia ser a que ficou expressa no acórdão.<br> Afastada fica, assim, tal invocada nulidade.<br> De harmonia com a alínea d) do n. 1 do referido artigo 668, a sentença é também nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.<br> Entende-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes.<br> Tal nulidade também não se verifica se o tribunal deixou de fundamentar a decisão em factos que a parte reputa importantes, pois factos não são problemas. Poderá essa omissão constituir eventualmente erro de julgamento, o que é coisa diversa da nulidade.<br> O acórdão recorrido pronunciou-se sobre todas as questões colocadas nos recursos interpostos para a Relação, designadamente sobre a não alteração das respostas dadas aos quesitos, mesmo considerando o documento junto com a alegação dos recorrentes, "por o documento respectivo não ter a força probatória pretendida e nada referir em contrário do que foi decidido".<br> Arredada fica, pois, a apontada nulidade.<br> Analisemos, então, as restantes questões colocadas no recurso.<br> Entendem os recorrentes que o Ministério Público não tem poderes, competência e legitimidade para intentar esta acção, por a tanto se opor o disposto no artigo 1866, alínea b) do Código Civil.<br> Não lhes assiste razão.<br> Quanto à legitimidade, a questão só pode por-se em relação às partes.<br> Na presente acção partes são a menor A, como autora, e os ora recorrentes, como réus. Têm elas interesse em demandar e em contradizer. Logo, são partes legítimas.<br> Efectivamente, estamos em presença de uma acção comum de paternidade, regulada nos artigos 1817 a 1819 e 1869 e seguintes do Código Civil, e não da acção de averiguação oficiosa da paternidade regulada nos artigos 1864 a 1868 do mesmo Código.<br> Nos termos dos artigos 1869 e 1817, n. 1, do Código Civil, a paternidade pode ser reconhecida em acção intentada pelo filho, desde que o seja durante a menoridade deste ou nos dois primeiros anos posteriores à sua menoridade ou emancipação.<br> Para o efeito, poderá o filho menor ser representado pelo Ministério Público?<br> A resposta é claramente afirmativa.<br> Como se lê no acórdão deste Supremo de 14 de Janeiro de 1998, Boletim n. 473, página 492, tirado num caso igual ao dos presentes autos, tendo presente o disposto nos artigos 122 a 129 do Código Civil, dúvidas não há que um menor é um incapaz.<br> Nos termos dos artigos 3, n. 1, alínea a) e 5, n. 1, alínea c) da Lei Orgânica do Ministério Público, Lei n. 47/86, de 15 de Outubro, vigente ao tempo da propositura da acção, ao Ministério Público cabe representar os incapazes.<br> Assim sendo, não só a autora é parte legítima, como o Ministério Público tem poderes e competência para a representar.<br> Atentemos, agora, na questão da caducidade.<br> Entendem os recorrentes que se verifica a caducidade pelo facto de a acção ter sido intentada muito depois de decorrido o prazo de dois anos previsto no artigo 1866, alínea b), do Código Civil.<br> Não tem também razão.<br> É que, como se deixou dito, a presente acção não é a especial de investigação oficiosa, pelo que o falado artigo 1866 não é aplicável ao caso dos autos, o que nos dispensa, até, de apreciar a sua constitucionalidade, como parecem querer referir os recorrentes.<br> Estamos em presença da acção comum de investigação de paternidade, proposta em tempo oportuno, dada a menoridade da autora, de harmonia dom o disposto nos artigos 1817, n. 1 e 1873 do Código Civil.<br> Referem os recorrentes que a Relação devia ter atribuído eficácia probatória ao documento por eles junto com a alegação do recurso de apelação.<br> Também neste ponto não tem razão. <br> Trata-se de uma certidão extraída de uma outra acção, da qual constam depoimentos de testemunhas, respostas dadas aos quesitos ali formulados e subsequente sentença.<br> Além de não ter valor extra processual (artigo 522 do Código de Processo Civil), tal documento não podia, só por si, alterar a prova produzida na audiência destes autos.<br> Insurgem-se também os recorrentes contra irregularidades da prova e o não uso pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 712 do Código de Processo Civil.<br> Constitui jurisprudência dominante que o Supremo não pode censurar o não uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712 do Código de Processo Civil, (cfr. acórdãos deste Supremo de 2 de Fevereiro de 1993, Col. Jur. - acórdãos do S.T.J. - ano I, tomo 1., páginas 117 e seguintes, de 14 de Junho de 1995, Col. Jur. - acórdãos do S.T.J. - ano III, tomo 2, página 127, e de 18 de Novembro de 1997, Rev. Leg. Jur. ano 132, página 76).<br> É que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigo 722, n. 2, do Código de Processo Civil). Por outro lado, a decisão da 2. instância quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n. 2 do artigo 722 (artigo 729, n. 2, do Código de Processo Civil), que não ocorre no caso dos autos.<br> Daqui resulta que a anulação da decisão de facto só pela Relação pode ser ordenada, pois o referido artigo 712 do Código de Processo Civil só à 2. instância dá poderes para tanto.<br> Também não há que mandar ampliar a matéria de facto, pois os factos que interessam à decisão de direito já estão suficientemente apurados.<br> Efectivamente, parece-nos claro que os factos provados são suficientes para a procedência da acção.<br> Provado que no período legal da concepção da autora (artigo 1798 do Código Civil) a mãe desta só com o investigado manteve relações sexuais, provada ficou a filiação biológica. O que acarreta, necessariamente, a procedência da acção.<br> Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido, que não violou qualquer disposição legal.<br> Termos em que, confirmando tal acórdão, vai negada a revista.<br> Custas pelos recorrentes.<br> <br> Lisboa, 11 de Janeiro de 2000.<br> Tomé Carvalho,<br> Silva Paixão,<br> Silva Graça.<br> <br> 7. Juízo Cível do Porto - P. 416/96 - 1. Secção.<br> Tribunal da Relação do Porto - P. 301/99 - 3. Secção.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1 - Na Comarca de Alcanena, o Ministério Público intentou acção oficiosa de investigação de paternidade contra A, pedindo que B, nascido em 7 de Agosto de 1991, seja reconhecido como filho do Réu para todos os efeitos legais, ordenando-se o devido averbamento registal.<br> O Réu impugnou.<br> Proferiu-se sentença que julgou a acção procedente.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação de Coimbra - folhas 126 a 133, confirmou o devido.<br> Daí a presente revista.<br> 2 - Nas suas alegações o Réu conclui: a) O exame hematológico é apenas um elemento de prova. b) O Autor não provou exclusividade das relações sexuais mantidas pela mãe do menor com o Réu nos primeiros 120 dias a 300 que procederam o nascimento do menor. c) A sentença é nula por não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar.<br> Em contra alegação pugnou-se pelo decidido.<br> 3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4 - Está provado pela Relação: a) No dia 7 de Agosto de 1991 nasceu B que apenas foi registado como sendo filho de C - alínea A) especificação. b) Inexistem relações de parentesco ou afinidade entre a C e o Réu A - alínea B) da especificação. c) Entre Setembro de 1990 e Abril de 1991 a C e o Réu mantiveram entre si relações sexuais de cópula completa - resposta aos quesitos 1 e 2. d) Delas resultou a gravidez da C, no termo da qual nasceu o menor - resposta ao quesito 3.<br> Para cabal esclarecimento da realidade há que convir que o tribunal colectivo respondeu negativamente aos quesitos 4 a 10 - folha 93.<br> E no quesito 4, perguntava-se: "A mãe do menor, desde o início dessas relações, não manteve relações sexuais com outros indivíduos que não fosse o Réu, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do B?"<br> 5 - Desta resposta negativa a um quesito formulado negativamente resulta tão somente:<br> - que não se provou que naquele período a mãe do menor só com o Réu tivesse mantido relações sexuais de cópula.<br> - e que, naquele mesmo período, igualmente não se provou que ela tivesse mantido semelhantes relações com qualquer outro homem, que não o Réu.<br> Daí nunca à correcção de afirmação da tese contrária ao conteúdo formulado no quesito.<br> Costuma-se dizer que Direito não é Álgebra, onde menos a multiplicar por menos, dá mais.<br> 6 - Na fundamentação das respostas - folha 93 - o tribunal alicerçou-se, entre outros elementos, e,<br> "sobretudo", no teor dos relatórios de exame folhas 9 a<br> 12 e 82 a 89 que apontam, respectivamente, para na probabilidade de 99,953 e 99,816, quanto à paternidade atribuída ao Réu.<br> Nas acções de investigação de paternidade, o que está em causa é a paternidade biológica.<br> É o pai biológico quem deve ser declarado pai de alguém que nasce fora do casamento: tal resulta dos artigos<br> 1826; 1839 n. 2; 1847 e 1859 e outros do Código Civil.<br> Quer se trate de uma acção oficiosa - que é o caso - artigos 1865 n. 5 e seguintes, ou particular - artigos<br> 1869 e seguintes - há que alegar e provar os factos integrantes da paternidade biológica.<br> A causa de pedir cifra-se que na aparência de uma das relações sexuais de cópula completa existentes entre a mãe e o Réu aquela engravidou, gravidez de que veio nascer o filho.<br> Com o Assento 4183 de 21 de Outubro de 1983 são dois os factos constitutivos de paternidade biológica:<br> - existência de relações sexuais entre a mãe do investigante e o pretenso pai durante o período legal da concepção fixado no artigo 1798;<br> - a fidelidade da mãe do investigante ao pretenso pai durante o mesmo período.<br> 7 - Pelo artigo 1801 do Código Civil, nas acções relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.<br> Este artigo, proveniente da reforma de 1977, aluindo pontos de auxílio ao campo científico com a sua permanente ânsia de sujeição e certeza, vem, nos casos em que estas se alcançam, destruir o afirmado pelo Réu recorrente, de o exame hematológico ser tão somente um elemento de prova.<br> Por isso Dr. Guilherme Oliveira ensinava em Estudos de<br> Homenagem ao Professor F. Correia, Página 87 "Não é facilmente aceitável que um tribunal despreze um resultado positivo, digamos, de 99 porcento e resolva em sentido contrário com base em provas convencionais".<br> Como os exames de sangue já permitem hoje, felizmente, fazer a prova directa de paternidade biológica, há que fazer uma interpretação actualista daquele Assento, restringindo-o.<br> Este Assento, como todos não vincula o Supremo Tribunal de Justiça, dada a sua revisibilidade - Acórdãos do<br> Tribunal Constitucional 810/93; 299/95; 337/95; 374/95 e 425/95.<br> Contudo não existe razão pertinente para rever a sua doutrina.<br> Daí que a norma deste assento, que impõe ao Autor o<br> ónus da demonstração de exclusividade, sob pena de improcedência do pedido, deve restringir-se aos casos em que não é possível fazer a prova directa de vínculo biológico, por meios probatórios - Dr. Guilherme<br> Oliveira, Rev. Leg. Jur. ano 28, páginas 180 e seguintes, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 1994.<br> Por isso hoje temos 3 tipos de acções de investigação de paternidade:<br> - Presuntivas - artigo 1871 do Código Civil,<br> - Exclusividade sexual, em aplicação do Assento 21 de<br> Junho de 1983.<br> - Laboratoriais, interpretando restritivamente o<br> Assento.<br> A presente situa-se neste último tipo, onde a probabilidade de paternidade do Réu relativa ao B é de 99,816 ou 99,953, correspondente a uma paternidade "praticamente provada", segundo a Tabela de<br> Hummel.<br> 8 - Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelo recorrente - sem prejuízo de apoio.<br> Lisboa, 24 de Setembro de 1996.<br> Torres Paulo,<br> Ramiro Vidigal,<br> Cardona Ferreira.<br> I - Comarca de Alcanena - 2. Secção - 82/93<br> II - Relação de Coimbra - 183/95<br> Data das Decisões Impugnadas:<br> I - 10 de Abril de 1995,<br> II - 23 de Janeiro de 1996.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Na Comarca do Porto (5 Juízo, 2 Secção), o Banco Pinto &amp; Sotto Mayor propôs contra A acção com processo ordinário para obter a condenação deste a pagar-lhe determinada quantia constante de duas letras de câmbio por este aceite e não pagas nos seus vencimentos, juros respectivos e despesas de protesto.<br> Proferida sentença condenatória, requereu o autor a respectiva execução e nomeou à penhora, oportunamente, um sétimo de certo prédio rústico, logo requerendo a citação da mulher do executado para os fins do disposto, no artigo 825, n. 2, do Código de Processo Civil.<br> B, casada com o A, deduziu embargos de terceiro com fundamento em a dívida não ter sido contraída em proveito comum do casal nem ser formal nem substancialmente comercial.<br> O Banco contestou.<br> Proferido o despacho saneador e elaboradas a especificação e questionário teve lugar a audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.<br> A Relação do Porto confirmou o julgado.<br> De novo inconformada recorreu a embargante para este Supremo Tribunal e nas suas alegações conclui assim:<br> - À embargante basta provar, nesta acção executiva, que tem por base uma sentença produzida apenas contra seu marido e que é terceiro relativamente à divida exequenda para que os embargos devam proceder;<br> - A comercialidade substancial da dívida, como resulta do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 78 e do artigo 10 do Código Comercial, há-de resultar do título executivo que a consigne;<br> - Baseando-se a acção em título de crédito ou em sentença, há necessidade de previamente, em acção declarativa, obter-se a condenação da mulher não subscritora do título contrário o da comercialidade substancial da dívida;<br> - Quem tem de provar a comercialidade substancial da dívida exequenda é o credor e não a embargante;<br> - O tribunal recorrido alterou o ónus da prova e alegação da comercialidade substancial da dívida exequenda e como o embargado não alegou factos de onde ela possa emergir, a mesma terá de ser dada como não provada;<br> - Como a posse está provada, os embargos devem proceder;<br> - Foram violados os artigos 825, n. 2, do Código de Processo Civil, 1696, n. 1 do Código Civil e 10 do Código Comercial.<br> A parte contrária apoia o julgado.<br> Cumpre decidir:<br> O Tribunal da Relação fixou estes factos materiais:<br> - Por sentença proferida na acção ordinária n. 4760 a que estes autos estão apensos,o marido da embargante foi condenado a pagar ao embargado a quantia de 1396921 escudos, montante global de duas letras de câmbio juntas a folhas 4 e 5 daquela acção, acrescida de despesas de protesto e juros vencidos e vincendos;<br> - Nos autos de execução dessa sentença foi penhorado um sétimo do prédio rústico, com a área de 4100 metros quadrados, composto de terreno a pinhal, sito no lugar de Pedrouços, freguesia de Águas Santas, Maia, inscrito na matriz sob o artigo 1205 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n. 00748/130188, confrontando de norte com C, sul com caminho, nascente com D e poente com E, pertença da embargante e seu marido;<br> - A embargante e o executado são casados segundo o regime de comunhão geral de bens;<br> - O executado apôs a sua assinatura no lugar do aceite das letras juntas a folhas 4 e 5 da acção ordinária n. 4760 já referenciada, que aqui se dão como integralmente reproduzidas e das quais consta a referência a transacções comerciais;<br> - O embargado requereu na execução a citação da embargante, nos termos do artigo 825 do Código de Processo Civil.<br> As questões postas no recurso são, fundamentalmente, estas:<br> 1 - É ao exequente que compete alegar e provar que não há lugar à moratória a que alude o artigo 1696, n. 1, do Código Civil?<br> Por outras palavras: é a ele que cumpre alegar e provar a comercialidade substancial da dívida?<br> Ou é ao cônjuge do executado - embargante - que incumbe fazer a prova de que essa comercialidade substancial não existe?<br> 2 - Está provada, no caso, a comercialidade substancial da dívida?<br> Vejamos.<br> No acórdão impugnado decidiu-se que era à embargante que competia fazer a prova de que a dívida tinha natureza civil e que, por isso, havia lugar à moratória; e ainda que estava provada a comercialidade substancial da dívida exequenda.<br> Será assim?<br> Cremos que não.<br> Segundo o Assento de 13 de Abril de 1978, "duas execuções fundadas em títulos de crédito, o pagamento das dívidas comerciais, de qualquer dos cônjuges, que tiver que ser feito pela meação do devedor nos bens do casal, só está livre da moratória estabelecida no n. 1 do artigo 1696 do Código Civil, ao abrigo do disposto no artigo 10 do Código Comercial, mesmo no domínio das relações mediatas, se estiver provada a comercialidade substancial da dívida exequenda."<br> E conforme estabelece o artigo 10 do Código Comercial, na redacção do Decreto-Lei n. 363/77, de 2 de Setembro, "não há lugar à moratória estabelecida no n. 1 do artigo 1696 do Código Civil quando for exigido de qualquer dos cônjuges o cumprimento de uma obrigação de acto de comércio, ainda que este o seja apenas em relação a uma das partes".<br> No caso em análise, a execução tem por base uma sentença condenatória proferida em acção intentada apenas contra o aceitante de duas letras de câmbio, estas sim, títulos de crédito.<br> Ora, se se exigir que o credor, para obter a execução da meação do devedor (Código Comercial, artigo 10), esteja munido de título executivo onde se consigne a comercialidade substancial da dívida exequenda, parece que não teria sido possível requerer a citação do cônjuge do devedor para pedir, querendo, a separação de bens, pois o credor não tem, contra este, título executivo onde se declare tal comercialidade.<br> O exequente, porém, fez esse requerimento e o cônjuge citado nos termos do artigo 825, n. 2, do Código de Processo Civil, tendo deduzido embargos com fundamento em que a execução não podia seguir quanto ao bem em que foi ordenada a penhora.<br> Assim, tendo sido admitida essa citação, é perfeitamente legítimo que ele deduza embargos de terceiro para discutir a natureza comercial ou civil da dívida exequenda. Nem isso, aliás é posto em crise no recurso.<br> Nos embargos, afirmada a não comercialidade substancial da dívida, cabe ao credor a prova dessa comercialidade, como resulta do Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Abril de 1978, atrás indicado - cfr. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 114, página 182 e seguintes, maxime 192 (Anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1980, publicado no Boletim 294, página 244), M. Nogueira Serens, "A propósito do Assento n. 4/78; o artigo 10 do Código Comercial na doutrina e na jurisprudência", Separata da Revista de Direito e Economia, 1979, n. 5, n. 18 e acórdãos da Relação de<br> Évora, de 6 de Outubro de 1988, Sumariado no Boletim 380, página 556 e da Relação do Porto, de 15 de Novembro de 1988, sumariado no Boletim 381, página 747.<br> Na verdade é evidente que o carácter comercial da dívida está previsto no texto do artigo 10 do citado Código Comercial como condição de aplicação de aplicação do particular regime aí estabelecido. E, assim, devendo este carácter comercial ser entendido substancialmente, teremos que será necessário verificar-se a comercialidade da dívida - ou seja, no caso das letras, que essa comercialidade respeite à obrigação subjacente -, para se aplicar a regra do artigo 10.<br> Significa isto que a comercialidade substancial se traduz num facto constitutivo do direito invocado pelo credor - o direito de executar imediatamente (ou seja, sem se sujeitar à moratória legal) a meação do devedor nos bens comuns. Ora, segundo o artigo 342, n. 1, do Código Civil, é àquele que invoca um direito que cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, razão pela qual o ónus da prova recairá aqui sobre o credor.<br> Dizendo de outra maneira: a comercialidade substancial traduz-se num facto integrador da hipótese da norma em que o credor funda a sua pretensão (o artigo 10 do Código Comercial), e, por isso, a ele incumbirá o ónus da prova correspondente.<br> É claro que também o devedor e o seu cônjuge têm, por seu lado, uma pretensão: a da aplicação do regime regra fixado no artigo 1696, n.1, do Código Civil. Mas, de harmonia com os princípios gerais do ónus provandi, não lhes compete a prova da inexistência dos factos que constituem a hipótese da norma (o artigo 10) em que se estabelece o regime-excepção.<br> Só assim não seria se a lei mostrasse considerar a comercialidade formal presunção daquela comercialidade substancial.<br> Mas não encontramos disposição legal que permita defender a existência de uma presunção de comercialidade da dívida subjacente a uma subscrição cambiária.<br> Por último, importa notar que seria particularmente injusta a solução de fazer recair sobre o cônjuge do obrigado, que é um terceiro em relação ao acto que originou a dívida, o ónus da prova quanto ao ponto em questão.<br> Essa injustiça revela-se de modo flagrante quando o problema se põe nas relações imediatas. Neste caso é indiscutivelmente chocante que o ónus recaia sobre o cônjuge, antes que sobre o credor - que foi parte no acto e a quem a prova, portanto, será muito mais fácil.<br> O Assento 4/78, acima referido, veio consagrar sem qualquer margem para dúvidas, o princípio de que o artigo 10 só é aplicável se estiver provada a comercialidade substancial da dívida exequenda.<br> E assim, se nada estiver provado acerca do carácter comercial ou civil da dívida, não haverá lugar à aplicação do artigo 10 - o que equivale a dizer que é sobre o portador da letra, interessado em tal aplicação, que recai o ónus da prova quanto ao ponto, de acordo com a falada regra do artigo 342, n. 1, do Código Civil.<br> Como é evidente, este princípio é também aplicável se for outro o título executivo, nomeadamente a sentença de condenação, se, como no caso sucede, ela se limitou a condenar o obrigado com base em letras de câmbio por este subscritas.<br> Sustenta-se no douto acórdão recorrido que a imperatividade natural do Assento de 13 de Abril de 1978, porque ponderou sobre o artigo 10 do Código Comercial na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 363/77, de 3 de Setembro, não abrange os casos regulados pelo artigo 10 com a redacção deste diploma, como é o aqui em análise.<br> Mas, salvo o devido respeito, não é assim.<br> Bastará pensar em que, mesmo que o Assento em causa tivesse sido proferido antes da publicação do Decreto-Lei n. 363/77, a sua doutrina não teria sido revogada por este diploma - pelo artigo 10 na redacção que lhe deu aquele Decreto-Lei.<br> Efectivamente, o Assento n. 4/78 é de carácter interpretativo relativamente ao artigo 10 do Código Comercial. E a parte deste preceito que veio interpretar não foi substancialmente alterada pelo Decreto-Lei n. 363/77. Nesta parte, o artigo 10 pode dizer-se que reproduz a disposição de 1888. Os termos não são exactamente os mesmos (o texto de 1977 refere-se a "obrigação emergente de acto de comércio" enquanto o de 1888 falava apenas de "dívidas comerciais"), mas a modificação deles é irrelevante para o ponto que o Assento veio resolver (o de saber se as dívidas comerciais que levam à exclusão da especial moratória prescrita na lei civil para a execução da meação do devedor nos bens comuns do casal abrangem todas as dívidas cambiárias, independentemente da comercialidade da obrigação que a estas está subjacente).<br> Ora a mera alteração formal da legislação em que se baseia um assento não importa a cessação da vigência deste. Foi o que demonstrou Castanheira Neves, ao estudar aprofundadamente o problema no trabalho que, acerca do instituto dos assentos, publicou na Revista de Legislação e de Jurisprudência ao longo dos Anos 105 a 116.<br> Depois de afirmar que a "vigência dos assentos se não poderá considerar suspensa da manutenção formal de uma mesma legislação", aquele professor escreve que a alteração da legislação por eles pressuposta só os revogara "se for normativo-juridicamente incompatível com eles (incompatíveis as novas disposições legais com as especificas soluções normativas dos assentos anteriores" Revista citada, Ano III, página 241 e 273.<br> Pois bem. Se o Assento n. 4/78 não teria sido revogado pelo Decreto-Lei n. 3633/77, caso houvesse sido emitido antes da publicação deste diploma, também o facto de o Assento se reportar ao artigo 10 do Código Comercial, na versão de 1888, não desta a que fiquem sob a sua alçada as espécies a julgar à luz do preceito editado em 1977. O domínio de aplicação do Assento não pode considerar-se sujeito a qualquer limitação temporal no aspecto agora considerado - cfr. Prof. Vasco da Gama Lobo Xavier, "Revista de Direito e de Estudos Sociais",<br> Ano XXV, página 78 e seguintes, aliás seguido muito de perto quer quanto a este ponto quer quanto ao do ónus da prova da comercialidade substancial da dívida.<br> 2 - A prova da comercialidade substancial é, em bom rigor, a prova dos factos susceptíveis de permitir que determinada dívida seja qualificada como comercial.<br> Entendeu o acórdão impugnado, aliás como a sentença de primeira instância, que estava provada a comercialidade substancial da dívida exequenda.<br> E porquê?<br> Porque nas letras, dizem as instâncias, consta a referência a "transacções comerciais".<br> Simplesmente a expressão "transacções comerciais" é puramente conclusiva e envolve mera questão de qualificação jurídica, sendo certo que a matéria de facto fixada pela Relação não nos elucida sobre o tipo ou espécie concreta das transacções efectuadas.<br> Como acertadamente se escreve no acórdão da Relação do Porto, de 28 de Outubro de 1986 (Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, Tmo 4, página 240 e seguintes), "Ser ou não ser comercial a transacção celebrada pelo aceitante e pelo sacador das letras de câmbio é questão a decidir em termos factuais e jurídicos, pressupondo a concretização de um determinado tipo de negócio jurídico, que no caso vertente se desconhece.<br> "É irrelevante que dos títulos de crédito conste a expressão valor transacção comercial, que é vaga, indefinida, destituída de conteúdo fáctico".<br> Não é a designação que as partes lhe dão que define o acto, sobretudo quando, como no nosso caso sucede, se desconhece a transacção que nas letras vem rotulada de comercial.<br> Concluindo.<br> Não está provada a comercialidade substancial da dívida exequenda e a respectiva prova competia ao exequente.<br> Logo, não pode aplicar-se a doutrina do artigo 10 do Código Comercial.<br> Nos termos expostos decide-se revogar o acórdão impugnado e julgar os embargos procedentes ordenando-se o levantamento da penhora efectuada sobre o bem comum do casal da embargante e marido.<br> Custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal pelo exequente, aqui embargado.<br> Lisboa, 25 de Novembro de 1993.<br> Eduardo Augusto Martins.<br> Carlos Caldas.<br> Cardona Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A propôs esta acção de despejo contra os réus B e mulher C, alegando que a A. é dona do prédio urbano sito na Alameda Afonso Henriques, arrendou ao réu para habitação por contrato de 28 de Julho de 1986 (folha 5 e verso), sendo a renda actual de 14660 escudos. Ora os réus já não residem nesse andar há muito tempo e nele está instalada a sede social da empresa "Viçoso &amp; Saraiva, Limitada", bem como dois gabinetes médicos em duas dependências desse andar, utilizando os réus o locado para fim diverso daquele para que foi arrendado, não tendo aí os réus a sua residência permanente. Pede o despejo imediato.<br> Frustrada a tentativa de conciliação, contestaram os réus, mas, por falta do pagamento do preparo, foi ela mandada desentranhar, declarando-se ineficaz a oposição dos réus nos termos do artigo 110, n. 2, do Código das<br> Custas Judiciais (folhas 65) e proferiu-se, de seguida, sentença decretando a resolução do contrato de arrendamento e condenando-se os réus a despejarem imediatamente o 5. andar em referência.<br> Dela apelaram os réus em 28 de Março de 1990 (folhas 67) e, nas respectivas alegações, invocaram o "justo impedimento" do mandatário dos réus para justificarem a falta do preparo, por doença atestada a folhas 70.<br> A Relação de Lisboa confirmou a sentença recorrida, considerando extemporânea a invocação do justo impedimento (folhas 80 a 87).<br> Inconformados trazem os réus este recurso para o Supremo, delimitando as suas alegações com conclusões seguintes:<br> 1 - O acordão recorrido, ao dar como provado que a sentença da 1 instância foi proferida em 16 de Março de 1990 e que o justo impedimento se manteve até 20 de Março de 1990, deveria ter concluído que o recurso de apelação era a única via que restava aos ora recorrentes, e<br> 2 - Devia reformar a sentença ordenando a passagem de novas guias e repetição de actos processuais (entrega da contestação) declarados sem efeito por falta de pagamento do preparo inicial.<br> Contra-alegou a A., recorrida, pugnando pela confirmação do acordão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> Antes do mais, cumpre assinalar que é esta uma acção de despejo e tem a petição inicial o valor de 175920 escudos.O pedido reconvencional deduzido na contestação e que tinha o valor de 4150000 escudos. No caso de se manter nos autos a "contestação-reconvenção", e que o valor passava para 4325920 escudos - vide "capa" do processo do 6 Juízo Cível de Lisboa, que antecede a petição, em confronto com a "capa" da Relação de Lisboa que antecede a outra e onde consta o valor de 175920 escudos, o da petição apenas.<br> Ora, só admitem recurso para o Supremo decisões proferidas em causas de valor superior à alçada das Relações (n. 1 do artigo 678 do Código de Processo Civil), salvo por ofensa de caso julgado e as respeitantes ao valor da causa (ns. 2 e 3 do artigo 678 do Código de Processo Civil), excepções que não se verificam no caso<br> Quanto às acções de despejo, independentemente do valor da acção, é sempre admissível recurso para a Relação nos termos do artigo 980 do Código de Processo Civil.<br> Mas, quanto ao recurso para o Supremo, rege o citado n. 1 do artigo 678 do Código de Processo Civil<br> E, por esse normativo, quando o valor da acção é de 175920 escudos, como nos presentes autos, não admite a lei recurso ordinário para o Supremo, ou seja em causas de valor inferior à alçada da Relação.<br> Podíamos ficar por aqui, para firmar a decisão final:<br> III<br> Acontece que, para evitar sermos considerados "simplistas", impõe-se acrescentar reflexões, em sede dialéctica, sobre duas questões sobre que o acordão recorrido se pronunciou e que se contém nas conclusões dos ora recorrentes: a) Foi ou não, bem decidido que a contestação-reconvenção era ineficaz por falta de pagamento do preparo pelos réus? b) Procederia, ou não, o justo impedimento pelos réus invocado, por doença do seu mandatário?<br> Quanto à 1 destas questões, a lei é clara: na falta de pagamento de preparo inicial dentro do prazo, ou do preparo acrescido da taxa de justiça em novo prazo, importa para o autor a extinção da instância, e para o réu a ineficácia da oposição que tenha oferecido e que é desentranhada dos autos (ns. 1 e 2 do artigo 110 do Código das Custas Judiciais).<br> Foi isso que se decidiu na 1 instância, com o beneplácito da Relação, quando se considerou ineficaz a "contestação-reconvenção" dos réus, por falta do pagamento do preparo inicial<br> Quanto à 2 questão, a do justo impedimento, importa, antes do mais, dizer que se trata de questão nova que os réus recorrentes não haviam posto na 1 instância.<br> E os recursos visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, como é jurisprudência pacífica : Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Maio de 1985 (Boletim n. 347-363), de 6 de Janeiro de 1988 (Boletim 373-462), de 2 de Fevereiro de 1988 (Boletim 374-449), de 27 de Outubro de 1988 (Boletim n. 380, página 473).<br> É essa uma "questão nova" porque não a suscitou na 1 instância até à data em que interpôs recurso da sentença, em 28 de Março de 1990 (folhas 67 da 1 numeração), e só a suscitou em 16 de Julho de 1990 com as alegações da apelação para a Relação (folhas 68 e verso), sendo certo que, conforme o atestado médico de folhas 70, junto àquelas alegações, o mandatário dos réus estava impossibilitado do desempenho das suas funções, por doença, desde 6 de Março de 1990 ate 20 de Março de 1990 (folhas 70)<br> Logo, ainda antes de recorrer da sentença em 28 de Março de 1990 (folhas 67), podia e devia o mandatário dos recorrentes invocar o "justo impedimento" entre 20 e 28 de Março de 1990.<br> Pois que um dos requisitos para a procedência do justo impedimento é o de que a parte o tenha requerido e invocado logo que cessou. Com efeito, dispõe a lei que a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o Juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a "requerer logo que ele cessou"<br> (n. 2 do artigo 146 do Código de Processo Civil).<br> A invocação do justo impedimento tem que fazer-se logo que cesse a causa impeditiva, devendo, de imediato, oferecer-se prova da sua verificação. Assim, por exemplo, o Acordão da Relação de Coimbra, de 25 de Janeiro de 1978, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça n. 275, página 283, e o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Abril de 1991, no agravo n. 79486, relatado por quem relata este, na 1 Secção<br> Como o considerado "justo impedimento" foi, pelo mandatário dos réus recorrentes, invocado apenas em 16 de Julho de 1990 com as alegações da apelação para a Relação (folhas 68 e verso), e não a partir de 20 de<br> Março de 1990 (data em que cessou o impedimento - atestado a folhas 70, em 2 numeração) até 28 de Março de 1990 (data que interpôs recurso de apelação a folhas 67), eis que foi extemporânea a invocação desse pretenso justo impedimento, para além de se tratar aqui de questão nova, como acima se demonstrou e se ilustrou com exemplos da jurisprudência deste Supremo.<br> Improcederiam, assim, as duas questões que abarcam as conclusões dos réus recorrentes.<br> Pelo que volta-se ao ponto de partida:II supra, in fine<br> IV<br> Ineficaz a "contestação-reconvenção" dos réus, o valor desta causa é apenas de 175920 escudos, como atrás se referiu em II e consta dos autos, designadamente a folhas 4 in fine da petição.<br> Logo, não é admissível este recurso para o Supremo (n. 1 do artigo 678 do Código de Processo Civil) como se explanou com largueza em II supra.<br> Com tudo que ficou dito, é tempo de rematar e concluir que, não sendo admissível para o Supremo este recurso, acorda-se em não conhecer dele.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 2 de Julho de 1991.<br> Vassanta Tamba,<br> Meneres Pimentel,<br> Brochado Brandão.<br> Decisões Impugnadas:<br> I Sentença do 6 Juízo Cível de Lisboa de 90.03.16;<br> II Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 90.12.20.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Na comarca do Porto, A e mulher, B, propuseram contra:<br> I.C.E.P. - Instituto do Comércio Externo de Portugal, a presente acção ordinária, na qual pediram que o réu fosse condenado a reconhecer o direito de propriedade deles, autores, sobre as fracções autónomas identificadas na petição e a absterem-se de jamais o violar, a desocupar imediatamente essas fracções, restituindo-as aos autores, e a pagar a estes uma indemnização de 7668000 escudos pelos prejuízos causados até 1 de Março de 1991 e ainda a indemnização correspondente ao tempo que decorrer entre esta data e a entrega efectiva das ditas fracções à razão de 426000 escudos por mês, acrescida de juros legais desde a citação, tendo para tanto alegado serem proprietários das fracções, que estavam arrendadas ao Instituto de Investimento Estrangeiro, mas que este arrendamento cessou com a extinção por Decreto-Lei daquele Instituto, cujo lugar ou posição não foi ocupado pelo réu, o qual se vem recusando a entregar as ditas fracções, causando graves prejuízos aos autores.<br> Na sua contestação, o réu, além de ter invocado a existência de um contrato de arrendamento em que o réu sucedeu como inquilino, a caducidade da acção e a ilegitimidade passiva, defendeu-se ainda por impugnação e terminou pedindo a procedência das excepções invocadas, com a absolvição da instância, ou a improcedência da acção, com a absolvição do réu do pedido.<br> Houve réplica, articulada esta onde os autores atacaram as excepções invocadas, e terminaram como na petição.<br> No saneador, foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pelo réu, salvo a relativa à aceitação pelos autores do pagamento e do depósito das rendas, que ficou para ser apreciada a final. Foram organizadas a especificação e o questionário, de que o réu reclamou, mas sem êxito. Foi interposto pelo réu recurso de agravo do saneador, que foi admitido com subida diferida.<br> Prosseguiu o processo a tramitação legal até que, feito o julgamento, foi proferida sentença, a qual condenou o réu.<br> - a reconhecer aos autores o direito de propriedade sobre as ditas fracções,<br> - a desocupar imediatamente estas fracções, restituindo-as aos autores,<br> - a pagar aos autores, desde 1 de Setembro de 1989, uma indemnização, à razão mensal de 375000 escudos e até à entrega efectiva, com juros à taxa legal.<br> Desta sentença apelou o réu e o Tribunal da Relação veio a negar provimento ao agravo e a conceder provimento à apelação.<br> Deste acórdão interpuseram os autores recurso de revista e, na sua alegação, concluíram assim:<br> I - os recorrentes, na qualidade de senhorios, celebraram com o Instituto de Investimento Estrangeiro, instituto público, um contrato de arrendamento que teve por objecto as duas fracções autónomas em questão, destinadas a escritório deste;<br> II - tal contrato de arrendamento vigorou desde a data da sua assinatura, em 26 de Junho de 1985, até 29 de Abril de 1989, data da publicação do<br> Decreto-Lei 143/89, que determinava a extinção do I.I.E. (artigo 1);<br> III- assim, tal contrato de arrendamento cessou por caducidade (artigo 1051 n. 1 alínea d), do Código Civil), pois que, neste caso, não se está perante qualquer forma de transmissão da posição contratual prevista na lei ou acordada pelas partes;<br> IV - por outro lado, dúvidas não restam que o I.I.E, pessoa colectiva de direito público, quando celebrou o dito contrato de arrendamento, actuou despido de qualquer poder público e, portanto, numa posição de paridade com os recorrentes, consequentemente com inteira submissão às normas do direito privado;<br> V - acresce que o Estado, ao decidir quanto à transmissão dos direitos e obrigações que integravam o património do I.I.E., através do despacho conjunto publicado no Diário da República, II série, de 24 de Outubro de 1989, reconheceu expressamente a caducidade do contrato em apreço, ao determinar que o recorrido I.C.E.P. gozaria da faculdade de renegociar o contrato de arrendamento com os recorrentes;<br> VI - não o entendendo assim, o acórdão recorrido violou, além de outros, os artigos 1051, 1311 e 2 do Código Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que decida pela caducidade do contrato de arrendamento e condene o recorrido a entregar aos recorrentes as fracções em apreço bem como a pagar a indemnização arbitrada pelo tribunal de 1. instância.<br> Na sua contra-alegação, o recorrido concluiu deste modo:<br> I' - o ex - I.I.E., tal como o I.C.E.P., era um Instituto Público dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, prosseguindo fins próprios do Estado e integrando a Administração indirecta deste;<br> II' - as atribuições e competências do ex-I.I.E. foram cometidas ao I.C.E.P. e para este foi transmitida a generalidade dos direitos e obrigações, incluindo os arrendamentos;<br> III'- a sucessão do I.C.E.P. aos ditos arrendamentos foi operada por via legal e não pelo direito privado, aliás em conformidade com os princípios gerais de direito, a unanimidade da doutrina e a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita ao destino dos bens, direitos e obrigações das pessoas colectivas públicas extintas;<br> IV' - não é aplicável ao caso o disposto no artigo 1051 n. 1 alínea a) do Código Civil, não só porque este não é mero princípio geral mas também porque este deveria ceder face a interesses públicos que não podem ficar desprotegidos;<br> V' - só se renegoceiam contratos em vigor e não contratos extintos;<br> VI' - deve ser confirmado o acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Vem provada a seguinte matéria de facto:<br> 1 - os autores são donos e legítimos possuidores de três fracções autónomas do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, situado na Rua Júlio Dinis, 764, 758, 766, 754, 752, 748, 728, 744 e 724, da freguesia de Cedofeita, cidade do Porto, inscrita na matriz sob o artigo 10372;<br> 2 - tais fracções, uma designada pelas letras "BF" correspondente a um escritório no 7. andar, identificado no local com o n. 711, com entrada pelo 728, com varanda, outra identificada pelas letras "BI", correspondente também a um escritório no 7. andar, identificado no local com o n. 717, entrada pelo n. 728, com varanda, e outra identificada pelas letras "BJ", também correspondente a um escritório no 7. andar, identificado no local pelo n. 718, com entrada pelo n. 728, com varanda, encontram-se inscritas na matriz predial urbana da freguesia de Cedofeita, respectivamente, sob os ns. 10372-BF, 10373-BI e 10372-BJ;<br> 3 - As referidas fracções autónomas foram adquiridas à firma Intrabit - Realização de Habitações Sociais, Limitada - por escritura de compra e venda realizada em 2 de Agosto de 1985, outorgada no 1. Cartório Notarial do Porto e exarada a folhas 83 a 87 do Livro 4-G, folhas 94 a 98 verso do Livro 82-D e folhas 78 a 82 verso do Livro 4-G, respectivamente;<br> 4 - estas fracções acham-se descritas na Conservatória do Registo Predial do Porto, a favor dos autores, respectivamente, com as descrições 80571, 80572 e 80570;<br> 5 - reproduz-se o teor do "contrato-promessa" de folhas 55 a 66;<br> 6 - após as assinaturas dos documentos de folhas 55 a 56, o I.I.E. tomou posse das fracções em apreço, pagando as respectivas rendas;<br> 7 - no dia 29 de Abril de 1989, foi publicado no Diário da República, I série, n. 99, página 1788, o Decreto-Lei 143/89, cujo teor se dá como reproduzido;<br> 8 - logo após ter tomado conhecimento da publicação do Diário da República referido, o procurador dos autores, C, providenciou pelo envio da carta de folha 57, que se dá como reproduzida, tendo o administrador liquidatário do I.I.E. respondido nos termos de folha 59, que se dão como reproduzidos;<br> 9 - O "despacho conjunto" a que se refere a carta de folha 58 foi publicado no dia 24 de Outubro de 1989, no Diário da República II série, n. 245, página 10594, e dá-se como reproduzido;<br> 10 - desde a publicação do Decreto-Lei 143/89, o réu vem ocupando as fracções referidas no artigo 2 da petição inicial;<br> 11 - dão-se como reproduzidos os teores dos documentos de folhas 59 a 60 e 61 a 67;<br> 12 - as rendas das fracções referidas no artigo 2 da petição inicial sempre foram regularmente pagas pelo réu no local e pela forma indicadas na conta bancária n. 347000/011/108, do Banco Português do Atlântico, balcão da Rua Júlio Dinis, no montante líquido de 159745 escudos, excluindo a retenção do I.R.S. de 30428 escudos, desde Novembro de 1989 até ao presente, tendo as rendas anteriormente sido pagas pelo administrador liquidatário do I.I.E.;<br> 13 - os autores eram, por si e antecessores, desde a construção do imóvel atrás referido e ainda antes quanto ao respectivo terreno através de cujo edifício está implantado, legítimos possuidores, vindo, há mais de vinte e trinta anos, colhendo e fruindo todas as suas utilidades, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição e embaraço de ninguém, ininterruptamente, convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem prejudicar ou lesar direitos alheios, em tudo se comportando como proprietários;<br> 14 - a ocupação das fracções referidas no artigo 2 da petição inicial, por parte do réu, já causou e continua a causar prejuízos;<br> 15 - se as fracções tivessem sido entregues em Agosto de 1989, os autores podê-las-iam ter vendido pelo preço global de 31250000 escudos ou tê-las-iam arrendado pelo valor global mensal de 375000 escudos;<br> 16 - desde Agosto de 1989 e até hoje, já apareceram aos autores vários pretendentes à compra e ao arrendamento de tais fracções, nas condições referidas no número anterior, mas todos exigiram que as fracções se encontrassem livres e desocupadas;<br> 17 - desde 1 de Setembro de 1989 até 1 de Março de 1991, o prejuízo global dos autores é de 6750000 escudos.<br> O objecto do presente recurso consiste em saber se o contrato de arrendamento que os recorrentes celebraram com o I.I.E. caducou quando este foi extinto ou se continuou com o réu I.C.E.P., instituto que sucedeu àquele I.I.E..<br> O I.I.E. foi criado para coordenar, orientar e supervisar o investimento directo estrangeiro em Portugal (artigo 29 do Decreto-Lei 348/77, de 24 de<br> Setembro e artigo 1 n. 1 do Decreto-Regulamentar 52/77, de 24 de Agosto, sendo que o Decreto-Lei 348/77 veio a ser revogado pelo Decreto-Lei 197-D/86, de 18 de Julho, o qual, porém, manteve o I.I.E.).<br> O I.I.E. era um instituto público dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1 do Estatuto do I.I.E. aprovado pelo citado Decreto-Regulamentar 52/77).<br> O I.I.E. foi, posteriormente, extinto (artigo 1 do Decreto-Lei 143/89, de 29 de Abril), os seus objectivos, competências e atribuições passaram para o réu I.C.E.P. (artigo 2 do Decreto-Lei 443/89) e a titularidade dos direitos e obrigações que integravam o seu património, qualquer que fosse a sua fonte e natureza, foi transmitida nos termos do despacho Conjunto dos Ministros das Finanças e do Comércio e Turismo, de 24 de Outubro de 1989, II série do Diário da República (artigo 5 n. 4 do Decreto-Lei 143/89),<br> Despacho Conjunto este, segundo o qual, para além de ter transferido para o I.C.E.P. todo o equipamento, mobiliário e outro material existente nas instalações e em armazém (n. 3.1), também estabeleceu que o I.C.E.P. gozava da faculdade de renegociar os contratos de arrendamento com o senhorio da fracção autónoma constituída pelo 7. andar, lado direito, do prédio urbano sito no Porto, na Praceta de Amaro da Costa,<br> 728, na qualidade de primeiro interessado (n. 1.3).<br> Como se vê, foi a própria lei a determinar que o património do extinto I.I.E. passava para o I.C.E.P. e, muito concretamente, a prescrever que este último tinha a faculdade de, na qualidade de primeiro interessado, renegociar o contrato de arrendamento com o senhorio das fracções autónomas em causa.<br> Não colhe o argumento dos recorrentes a dizer que o falado Despacho Conjunto reconheceu a caducidade do arrendamento ao I.I.E., ao determinar que o I.C.E.P. gozaria da faculdade de o renegociar. Com efeito, o termo "renegociar" não pressupõe a extinção mas sim a existência do contrato de arrendamento, pois que só se renegoceia o que ainda existe e nenhuma necessidade teria o Despacho Conjunto em aludir ao renegociar do contrato de arrendamento se o considerasse caduco com a extinção do I.I.E., para além de o Decreto-Lei 143/89, no seu artigo 5 n. 4, se ter referido à transmissão dos direitos e obrigações que integravam o património do I.I.E., património este de que fazia parte o direito ao arrendamento das ditas fracções autónomas.<br> Temos, pois, que o I.I.E. era uma pessoa colectiva de direito público, pois que assim foi qualificado pelo Decreto-Regulamentar 52/77, como já vimos; de resto, outra não podia ser a sua natureza, dado ter sido criado por lei, para a realização de interesses públicos, recebendo da lei prerrogativas de autoridade, isto é, disfrutando de jus insperii (Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume I, edição de<br> 1960, 72, 73; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, edição de 1973, 267; Heinrich Ewald Horster, Teoria Geral do Direito Civil, 368 e 369; Marcello<br> Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10. edição, 182 e seguintes).<br> O I.I.E. tinha o seu património constituído pela universalidade dos bens, direitos e obrigações que adquiriu ou contraiu no exercício das suas funções (art. 18 do Estatuto aprovado pelo Decreto-Regulamentar 52/77).<br> E foi este património, onde estava incluído o direito ao arrendamento, este, porém a renegociar, que foi transmitido para a nova pessoa colectiva de direito público, o I.C.E.P., por força da lei.<br> Aliás, tal solução está em perfeita consonância com o entendimento de doutrina e da jurisprudência.<br> Diz Marcello Caetano que, quando se extingue uma pessoa colectiva de direito público, o seu património dissolve-se e os elementos que o compunham entram noutro património, pertencente à pessoa colectiva a quem foram confiadas as atribuições da primeira, e, logo a seguir, esclarece que esta transmissão de bens e direitos não constitui uma sucessão de direito privado e que o seu regime consta fundamentalmente de leis administrativas e que, mesmo na parte em que o Código Civil se lhe refere a título subsidiário, fá-lo a propósito das pessoas colectivas e não no livro das sucessões (obra citada, 988; Manuel Andrade, obra citada, 178 e 179; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1993, transcrito a folhas 305 e seguintes; acórdão da Relação do Porto, de 17 de Setembro de 1992, transcrito a folhas 248 e seguintes).<br> Nesta ordem de ideias, não é aplicável, neste caso, o disposto na alínea d), do n. 1 do artigo 1051 do Código Civil, para o caso da extinção da pessoa colectiva de direito privado.<br> Contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, convém ainda dizer que o I.I.E., ao celebrar com eles o contrato de arrendamento, actuou na sua veste de ente público, como ressalta do documento de folhas 55, onde figura como segundo outorgante o "Instituto do Investimento Estrangeiro, instituto público com sede em Lisboa...".<br> Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 7 de Fevereiro de 1995.<br> Fernando Fabião,<br> César Marques,<br> Santos Monteiro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I. " Interaudio - Centro de Audio, Lda " propôs esta acção comum ordinária contra "EPAL - Empresa Pública de Águas Livres", distribuída ao 7. Juízo Cível de Lisboa.<br> Basicamente, a autora invocou danos provocados pela ruptura de um cano da rede pública de água, e pediu a condenação da ré a pagar-lhe 4302000 escudos e juros de mora à taxa legal (folhas 2 e seguintes).<br> A ré chamou à autoria a Companhia de Seguros Bonança,<br> S.A." ( folhas 17 ).<br> Esta aceitou o chamamento e contestou (folhas 36 e seguintes).<br> A ré pediu a sua exclusão da causa ( folhas 54 ), o que foi deferido ( folhas 55 ).<br> O processo prosseguiu, e veio a ser proferida a sentença de folhas 124 e seguintes, julgando a acção improcedente.<br> A autora apelou ( folhas 128 ).<br> Através do Acórdão de folhas 168 e seguintes, a Relação de Lisboa negou provimento a esse recurso.<br> Novamente inconformada, a autora recorreu, de revista, para este Supremo ( folhas 180 ). E, alegando, concluiu<br> ( folhas 191 e seguintes ):<br> 1) A "factualidade dos autos" inscreve-se na previsão do artigo 493 n. 2 do Código Civil, e não na do artigo 492 n. 1 do mesmo Código;<br> 2) Os "danos dos autos" não foram causados, à recorrente, por qualquer edifício ou obra que tenha ruído, mas pela simples ruptura de um cano de condução de água sob pressão;<br> 3) E não há qualquer equiparação possível entre a saída de água sob pressão do cano por onde seguia e a ruína de obra ou construção que pressupõe queda ou derrocada de materiais causadores de lesão;<br> 4) A condução de água sob pressão, em aglomerado urbano, é actividade perigosa;<br> 5) E, no caso concreto dos autos, foi perigosa, dado que um jorro grande e permanente saiu de um dos canos e inundou o armazém da recorrente, inutilizando-lhe as existências;<br> 6) Presume-se, pois, a culpa da " EPAL ", que só poderia ilidi-la provando que tomara todas as previdências necessárias para evitar o sinistro e consequentes danos;<br> 7) Ora, apenas se provou que a "EPAL" tomou providências para minorar e interromper as consequências do sinistro;<br> 8) A prova de que a montagem inicial, há várias décadas, das condutas foi, exemplarmente, executada, nada tem a ver com a sua posterior conservação, sobre a qual nada se provou;<br> 9) Mesmo que a actividade em causa não fosse considerada perigosa, sempre a recorrida seria responsável, já que a conduta rompeu sem qualquer acção exterior e devido ao seu estado de conservação;<br> 10) O próprio contrato de seguro "entre a EPAL e a recorrida" mostra, de resto, que aquela assume a responsabilidade por sinistros como o dos autos;<br> 11) Violou, pois, o Acórdão recorrido o disposto nos artigos 483, 486, 487, 492 n. 1 e 493 n. 2 do Código Civil.<br> Finalizando, a recorrente pede a revogação do Acórdão da<br> 2. instância e a condenação da "recorrida".<br> Não houve contra-alegações.<br> Foram colhidos os vistos legais ( folhas 196/196 v. ).<br> 11. O Acórdão recorrido, assentou no seguinte circunstancialismo ( folhas 170 ):<br> 1) A autora é proprietária de um armazém de material electrónico instalado na loja, com cave, n...., em Lisboa ( junto à ...);<br> 2) No dia 9 de Janeiro de 1990, rompeu-se o cano da rede pública de água que passa na dita rua;<br> 3) Pode, perfeitamente, ter sucedido que a ruptura se tenha dado espontaneamente;<br> 4) A ré "EPAL" tinha, à data do evento, transferido, para a "Companhia de Seguros Bonança, SA", a sua responsabilidade civil, entre outros casos, por danos ou prejuízos causados a terceiros quando resultantes de ocorrências nas redes subterrâneas e de superfície, de todo o seu sistema adutor e distribuidor, conforme resulta do contrato de seguro titulado pela apólice n. 5025198;<br> 5) Á ré incumbia, e incumbe, o dever de vigiar e conservar a rede de condutas de água em que o cano em questão está integrado;<br> 6) A ruptura referida ocorreu pelas 9 horas;<br> 7) Do cano roto saiu um grande e permanente jorro de água que inundou o pavimento da rua e, depois, o armazém da autora;<br> 8) A água atingiu, na cave, 25 cm de altura;<br> 9) Na cave do armazém, para além do material arrumado na parte mais alta das estantes, havia material arrumado ao nível das primeiras prateleiras das estantes e do chão;<br> 10) Esse material, arrumado ao nível do chão e até 25 cm de altura, "constante da lista de folhas 5 e 6", que foi dada por reproduzida, ficou totalmente inutilizado;<br> 11) Tal material esteve debaixo de água, total ou parcialmente, durante várias horas;<br> 12) A autora chamou os serviços da ré não antes das<br> 11 horas;<br> 13) Depois de cortada a água e interrompida a inundação, a autora chamou uma empresa especializada que aspirou a água, total ou parcialmente;<br> 14) O material "constante da lista de folhas 5 e 6" ficou inutilizado em consequência de ter ficado submerso em água, total ou parcialmente;<br> 15) O valor da aquisição do material é de 3201970 escudos;<br> 16) Para aspirar, da cave, a água resultante da inundação, a autora gastou 8500 escudos;<br> 17) Na limpeza da área inundada, a autora gastou 35100 escudos;<br> 18) A conduta foi instalada com todo o cuidado e "exacto cumprimento das prescrições técnicas aplicáveis";<br> 19) O material nela empregado era o adequado;<br> 20) A probabilidade ou iminência de fractura não pode ser detectada, previamente, por qualquer inspecção ou outra forma de exame;<br> 21) Pela ré "EPAL", foram empregadas as "providências exigidas pelas circunstâncias".<br> III. Em princípio, a responsabilidade civil pressupõe culpa e, no caso de situação extra-contratual, como é a ora em apreço, o lesado tem ónus de prova de factualidade que demonstre culpa do alegado lesante:artigos 487 n. 1 e<br> 483 n. 1 do Código Civil.<br> O dever de indemnizar com base não em culpa, mas em situação objectiva, é excepcional e só existe nos casos especificados na lei: n. 2 daquele artigo 483.<br> Poder-se-á dizer que se vai notando uma reacção contra este entendimento legal, no campo do direito civil, procurando-se privilegiar mais o lesado, mas nós temos de aplicar a lei que existe: artigo 206 da Constituição.<br> Aliás, o próprio Código Civil de 1966 abriu brechas na regra sobre ónus de prova de culpa extra-contratual, prescrevendo algumas situações de responsabilidade objectiva e, outras, de inversão do ónus da prova; nestes últimos casos, o lesado beneficia da presunção de culpa do alegado lesante, impendendo sobre este ónus de afastar essa presunção.<br> É o que acontece tanto nas hipóteses do artigo 492, como nas do artigo 493, ambos do Código Civil: não se trata de situações de responsabilidade objectiva, mas de simples inversão de ónus de prova ( v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1977, in BMJ 266,<br> 161).<br> Poder-se-á entender que, pelo menos, algumas dessas situações justificariam, hoje, um tratamento ao nível da responsabilidade objectiva como, porventura, o caso presente; mas esse entendimento só poderá valer "dejure condendo".<br> Hoje e conforme flui do que já se expôs, o que temos de fazer é ponderar os comandos legais existentes, e é certo que o entendimento que se tenha dos artigos 492 e 493 do Código Civil reflecte-se, manifestamente, na análise deste recurso.<br> IV. Poderemos dizer que o caso vertente é abrangido pelo n. 2 do artigo 493 do Código Civil ou, antes, pelo artigo 492 do Código Civil?<br> A situação, após uma atenta observação das disposições legais, integra-se no comando do artigo 492 do Código Civil como, aliás, este Supremo já considerou em situação semelhante, no seu Acórdão de 9 de Maio de 1991, recurso 80456, da 2. Secção.<br> Claro que o Direito, como a generalidade dos fenómenos sociais é, por natureza, discutível.<br> Reparemos, de todo o modo, que o n. 2 do artigo 493 do Código Civil, não definindo embora o que seja actividade ou meio perigoso, pressupõe o exercício de uma actividade, em si própria perigosa, ou através de meio perigoso, e não propriamente uma anomalia, como seja a avaria ou o ruir de um bem. E a recorrente parece confundir a eventual perigosidade do evento com o que seria próprio da actividade ou dos meios.<br> Decerto a perigosidade da actividade ou do meio depende das circunstâncias de cada caso ( cfr. Profs. P. Lima e A. Varela, "Anotado", I - 4. ed., pág. 495 ). Nem repugna admitir que uma actividade ou um meio sejam perigosos em dadas situações, e o não sejam noutras.<br> De todo o modo, trata-se, sempre, de uma natureza intrínseca, embora valorável face ao seu contexto.<br> Ora, uma simples conduta de abastecimento de água, resguardada, e construída sem evidência de erro técnico, não pode, no seu normal funcionamento, ser havida como algo, por natureza, perigoso. Já o seria se, por exemplo, se encontrasse a céu aberto ou sem protecção adequada e, dessa forma, pudesse constituir perigo para as pessoas ou para veículos o que, de forma nenhuma, vem provado.<br> O caso presente escapa a esse condicionalismo. E, vindo a cair na possível malha do artigo 492 do Código Civil, nem se pode dizer que o responsável pela vigilância do bem em causa pudesse, só por isso, dizer-se menos obrigado perante terceiros.<br> V. Com efeito, o artigo 492 do Código Civil e a consequente inversão do ónus de prova abrange, até, coisas que, pela sua função ou pelos meios que lhe são próprios, nem sejam perigosos. No "tatbstand" deste artigo 492 está uma perigosidade não tanto da actividade ou do meio, mas da anomalia como, por natureza, será o ruir do edifício ou outra obra.<br> Há, portanto, um campo de aplicação diferente do que respeita ao citado artigo 493.<br> O que seja "outra obra", além de um edifício, é algo de indefinido e que constitui um mundo cheio de potencialidades.<br> Neste mundo, do mesmo modo que se podem incluir, por exemplo, muros ou pontes ou canais ( v.g. Profs. P.Lima e A.Varela, obra citada, 493 ), podem e devem incluir-se as canalizações e ramais de ligação de água exteriores aos edifícios, tendentes ao abastecimento destes.<br> VI. Portanto, temos como seguro que a problemática da culpa, na hipótese vertente, implicava presunção legal ilidível, o que significa ónus de prova do alegado lesante de que não tivera culpa.<br> Inversão do ónus da prova quanto a culpa, nesta medida favorecente do lesado.<br> Só que, tendo-se por aplicável o artigo 492 do Código Civil e perspectivando-se presunção de culpa do alegado lesante, nem por isso o lesado poderia ignorar os pressupostos desse normativo e da própria presunção de culpa. Neste caso, assim, o ónus de prova do lesado reporta-se, essencialmente, aos pressupostos da presunção da culpa (Prof. A Varela. M. Bezerra e S. Nora, "Manual de Processo Civil", 2. edição, pág. 503) e, v.g. acórdão deste Supremo de 28 de Abril de 1977, já referido). Ou seja, provados que fossem os pressupostos da presunção de culpa do alegado lesante, "in casu", a "EPAL", sobre esta<br> ( ou a sua substituta processual ) impenderia ónus de prova de ausência de culpa.<br> Porventura a lei poderia ir mais longe, mas é assim a normatividade aplicável.<br> É certo que se não provou factualidade em que assenta ausência de culpa da "EPAL".<br> Mas, ficaram provados aqueles pressupostos?<br> VII. O "tatbstand" do citado artigo 492 (n.1) do Código Civil implica a existência de "vício de construção ou defeito de conservação", no caso concreto, das condutas de água, externas aos efifícios, em consonância com aquilo que já era o núcleo do Regulamento Geral de Abastecimento de Água (VIII 56), aprovado pela Portaria 10367, de 14 de Abril de 1943.<br> Com efeito, a "EPAL" tem obrigação de construir e manter em bom estado a rede de abastecimento de água; mas isto vale por dizer que deve cumprir as prescrições técnicas pertinentes. Falhou nesse dever? Designadamente, não fez oportuna substituição da zona onde se verificou a ruptura? Claro que não é suficiente dizer-se que o próprio evento demonstra inadequada conservação.<br> Isso seria uma inversão porventura própria dos sofistas mas, totalmente, imprópria em termos jurídicos.<br> Neste âmbito, importaria saber qual a causa da ruptura.<br> E, neste particular decisivo, cujo ónus de prova impedia sobre a autora, nada ficou evidenciado que permita concluir, com aceitável segurança, que a "EPAL" não cumpriu as prescrições técnico-jurídicas adequadas.<br> Tribunal, designadamente de revista, não é oráculo ou órgão de adivinhação. É órgão de aplicação do Direito aos factos apurados, na circunstância, pelas instâncias.<br> Ora, sobre esta problemática, o que se sabe, basicamente,<br> é que a conduta foi a própria, o evento não era detectável previamente, e que a ocorrência pode ter-se dado "espontaneamente".<br> Ficamos, como se apontou, sem saber o porquê concreto do evento.<br> Sem isso e sem se ter demonstrado que a "EPAL" não fez a vigilância exigível ou não fez substituições oportunas de material e, mais claramente falando, só com o que vem provado e tendo a "EPAL" acorrido ao ser chamada - por sinal só 2 horas após o evento - , não se pode concluir que esteja provado circunstancialismo que permita inferir, seriamente, vício de construção ou defeito de conservação.<br> Como assim, não é possível julgar verificado condicionalismo que permitisse decidir na base de inversão do ónus de prova sobre culpa; o que vale por dizer que: a) o circunstancialismo provado torna irrelevante a falta de prova de inexistência de culpa; b) e prova directa de factos demonstrativos de culpa, não há.<br> VIII. Quanto ao contrato de seguro, isso em nada abona a tese da recorrente.<br> Claro que podem acontecer situações de responsabilidade civil da "EPAL". Isso explica o contrato de seguro. Mas, ainda que assim não fosse, decerto não seria a relação jurídica contratual de seguro que levaria a concluir por responsabilidade extra-contratual perante quem nada tem a ver com o âmbito da relação jurídica de seguro.<br> Finalmente, é de ter em atenção que a autora e a seguradora tiveram uma perspectiva adequada do enquadramento jurídico do caso, na medida em que, na petição, a autora atribuiu o evento ao "estado de conservação do cano " onde se verificou a ruptura<br> ( n. 4, a folhas 2) e, tendo isso sido especificado inicialmente ( folhas 58 ), a seguradora reclamou, o que foi atendido, passando essa matéria e integrar o quesito<br> 21 ( folhas 63 ), que não foi provado ( folhas 120 ).<br> IX. Resumindo, para concluir:<br> 1. Ainda que certas situações pudessem justificar responsabilidade objectiva, tal só é de considerar nos casos explicitados pela lei vigente.<br> 2. A ruptura de uma conduta subterrânea de abastecimento de água a edifícios não é subsumível ao artigo 493 do Código Civil ( actividade ou meio perigoso ), mas pode ser abrangido pelo artigo 492 do mesmo código (ruína de edifício "ou outra obra".<br> 3. Se se verificarem os respectivos pressupostos, o lesado não terá de provar culpa da entidade responsável pela conduta, que se presumirá.<br> 4. Mas, para tanto, "lege constituta", é indispensável a prova - de ónus do lesado - de que tal ficou a dever-se a vício de construção ou defeito de conservação ( o que, no caso vertente, não está evidenciado ).<br> X. Donde, concluindo:<br> Acorda-se em negar provimento ao recurso.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 6 de Fevereiro de 1996.<br> Cardona Ferreira.<br> Oliveira Branquinho.<br> Herculano Lima.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> S.P.A. - Sociedade Portuguesa de Autores agravou (p.274) do acórdão da Relação de Lisboa (p. 258 e seguintes) que negou provimento a agravo seu (p. 224) do despacho saneador, proferido pelo Sr. Juiz de direito, servindo no 1 Juízo Cível da comarca de Lisboa, que julgar procedente a excepção de ilegitimidade da autora, e absolveu da instância o aqui demandado Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, E.P. (p. 220 e seguintes), adiante referido apenas como "Banco".<br> A recorrente formulou estas conclusões na sua alegação (p. 278):<br> I - a S.P.A. e a única entidade que existe em Portugal para defesa dos direitos dos autores.<br> II- nessa qualidade, ela defende os direitos de autores portugueses e estrangeiros nela inscritos.<br> III-dando satisfação ao determinado no artigo 74 do Código do Direito de Autores e Direitos conexos, a autora registou o exercício dos mandatos recebidos na Direcção-Geral dos Espectáculos e do Direito de Ambos.<br> IV- para quem entenda que a autora só tem legitimidade processual na base do mandato com representação (artigo 1178 do Código Civil), a sociedade, logo com a petição inicial, fez prova da sua qualidade de mandatória dos autores A, B, e C.<br> V - relativamente a todos os outros autores seus beneficiários, que também foram utilizados de forma abusiva, a Sociedade requereu fosse aplicado o preceito contido no artigo 344 do Código Civil, e isto por virtude da conduta culposa do Banco que, ao não cumprir o previsto no artigo 122 do Código do Direito de Autor (C.D.A.), impossibilitou a autora de identifica-los.<br> VI- mas, não identificara a autora concretamente qualquer autor (o que não corresponde a verdade), e continuaria a ser parte legitima, isto porquanto a ponto dos seus poderes de representação radica na sua natureza institucional, e no bem para que foi instituída: a defesa dos direitos e interesses dos autores.<br> VII-foram violados os preceitos contidos nos artigos 26 do Código de Processo Civil; 72-73-74 C.D.A., e ainda 68, II e 67, II - 9, II deste ultimo diploma; e 344, II do Código Civil.<br> Nestas bases, pediu a revogação do despacho recorrido, a ser substituído por outro que julgue a autora parte legitima, e ordene o prosseguimento da acção ate final.<br> O agravado alegou no sentido de negar-se provimento ao recurso (pag. 328 e seguintes).<br> Mantendo-se a inexistência de questões que obstassem ao seu conhecimento, a ele se passa.<br> A S.P.A. - Sociedade Portuguesa de Autores intentou esta acção contra o apontado Banco com base nestes pontos, que indicaremos em função dos artigos nos quais estão invocados respectivamente, na petição inicial, e com interesse para agora:<br> I - a autora e uma associação cooperativa, legalmente constituída (artigo 1).<br> II- competindo-lhe, na qualidade de mandatária dos seus associados ou beneficiários exercer e defender os direitos que a estes correspondem como autores de obras intelectuais, por força da respectiva utilização e exploração, podendo agir em juízo, em representação dos mesmos, conforme o artigo 5 dos seus estatutos (artigo 2).<br> III - ela é a única entidade que, no nosso Pais, existe para a gestão colectiva do direito de autor; e representa não só os autores portugueses como, mediante contratos formados com as sociedades congéneres de outros países, os autores estrangeiros nelas inscritos - (artigo 7).<br> IV - neste processo, a S.P.A. age em representação dos seus beneficiários, que constam das certidões de paginas 9 e 18 (documentos 1 e 2) a conjugar com a certidão de pagina 19 (doc. 3) proémio da petição e seu artigo 7).<br> V - o Banco réu vem utilizando musica ambiente, que transmite por altifalantes para as instalações respectivas das suas sede e dependencia, nomeadamente para as de acesso publico (artigo 8).<br> VI - a autora esta impossibilitada de indicar as obras de representados seus, que são utilizadas pelo réu, dado que este não lhas indicou (artigo 18).<br> VII - pelo menos uma parte da musica ambiente, transmitida pelo réu, esta gravada em bobines, que este aluga a Phillips (artigo 9).<br> VIII - a qual tem um serviço de aluguer de musica ambiente, gravada em bobines, cujos autores constam de listas (docs. 8 a 15), que englobam os autores descriminados na certidão de pagina 9 (n. 1).<br> IX - a actividade, constante do n. V precedente, é praticada sem que o réu pague quaisquer direitos aos autores respectivos (com excepção da mesma dependência do Campo Grande, que paguem até 1984), e sem autorização deles (artigo 12).<br> X - agindo como representante legal dos autores portugueses e estrangeiros sem beneficiários, a autora notificou o réu de que deveria pagar os direitos competentes (artigo 13).<br> XI - o que o réu recusou, repetidamente (artigos 14 a 16).<br> XII - conforme o anterior n. VI, e o disposto nos artigos 342, I; 344, II, Código Comercial, o réu só se exoneraria da responsabilidade em que vem incorrendo<br> (artigos 67, II; 68, III; 72; e 203 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos) se fizesse prova de que não bem utilizado, e continua a utilizar quaisquer obras de representados da autora; no que deve ainda atender-se ao constante dos artigos 9, II; 1, I;<br> 2, I, e; 68, II, d e e, e IX; 141, do último dos diplomas legais citados.<br> Nestas bases a S.P.A. pediu a condenação do réu a:<br> I - reconheceu que a transmissão da música ambiente nas suas instalações abertas ao público, e acima referidas depende de autorização dos autores respectivos;<br> II - e, no caso desta ser dada, do pagamento à autora, como mandatária dos seus representados, de direitos a fixar, de harmonia com o apontado artigo 68 III (p. 6, en. 1).<br> Na réplica (p. 112), a autora alegou: a) a autora não está a agir em nome próprio, mas sim dos seus representados mandantes, tendo para tanto os necessários poderes de representação conferidos de harmonia com os artigos 72 e 74 do Código de Direitos de Autor, e decreto-lei n. 433/78 de 27 de Dezembro, conforme os documentos 1. 2 e 3 juntos com a petição inicial, a conjugar entre si - (artigos 2 e 4). b) os beneficiários da autora, em nome dos quais ele está a agir, e cujos direitos vêm sendo violados pelo réu, encontram-se identificados na medida do possível (conjugando designadamente os documentos 2, 3 alínea K, e 4 juntos com a petição) - (artigo 4). c) a autora identificou alguns dos autores utilizados pelo réu, e que representa; e, a título de exemplo, fornecer uma lista de outros, dos muitíssimos que também representa (artigo 6).<br> Continuamos a entender que a legitimidade, na orientação jurídica, consiste numa posição da parte perante determinada acção; e deve ser averiguadas que em face da relação jurídica controvertida tal como a desenha o autor; e isto pelas razões repetidamente expostas por Palma Carlos "Ensaio sobre o Litisconsórcio, p. 118; Castro Mendes, "Manual" páginas 257, e seguintes; "Direito Processual Civil", edição de 1987, II, páginas 202 e seguintes; Miguel Teixeira de Sousa, "A Legitimidade Singular em Processo Declarativo" (Boletim 292, páginas 53 e seguintes, em especial, páginas 103; 108 a 110), e "Sobre A Legitimidade Processual" (Boletim 331, páginas 37 e seguintes, especialmente páginas 47-48: a determinação do objecto do processo, e portanto da legitimidade em face dele, é feita necessariamente pelo autor e só por ele; sem necessidade de averiguação (a roçar pelo quando da causa) sobre se as partes são titulares da efectiva e real relação jurídica controvertida.<br> Assim sendo, é de concluir a tese que a S.P.A. apresentou pela primeira vez, em alegação perante nós (página 277 verso), com base em bem elaborado e douto parecer (páginas 28 verso e seguintes) de que a demandante vem actuando com uma dupla legitimidade processual: a - ela representa cada em dos autores musicais (sócios ou beneficiários), na medida em que exerce os poderes decorrentes dos artigos 72, e seguintes do Código de Direitos de Autor, e 5, l) dos seus Estatutos. b - actua também em seu próprio nome, em representação geral - institucional de toda a massa dos titulares de direitos autorais (sócios e beneficiários), e isto para a salvaguarda do seu próprio fim, que é a defesa geral dos respectivos tutelados.<br> Com efeito, nesta última posição, a S.P.A. estaria defendendo um interesse difuso, como grupo institucional de extensão indeterminada, e supra - individual (páginas 313-314), e também um interesse colectivo ou institucional, como acontece com as associações sindicais, ou as de inquilinos (páginas 300-315 a 318-322), agindo em seu próprio nome (páginas 319).<br> Ora, a apresentação desta segunda posição da autora constitui uma questão nova (e todos sabemos que os recursos não estão vocacionados para a apreciação respectiva), que vem no arrepio frontal de tudo o que a S.P.A. articulara na fase própria, bastando aqui invocar novamente o início do artigo 2 da réplica (página 112): "... A A. não estaria a agir em nome próprio..."<br> Mas, mais grave: temos que essa nova segunda posição da autora implica uma modificação unilateral e irregular (artigo 273 I. Código de processo Civil) da causa de pedir, que não pode ser aceite, sob pena de não só se violar letra expressa da lei, como a razão de decoro processual que lhe está subjacente: não seria agora já neste Supremo Tribunal, que o réu seria confrontado com a novidade de a autora, afinal litigar também em nome próprio, em defesa de interesse (páginas 319-325), que não é propriamente o dos seus beneficiários que constam das certidões dos documentos 1 e 2 (intróito), e documentos 1, 2 e 3 (artigo 7 da petição inicial), ou documentos 2, 3, K e 4 (artigo 4 da réplica).<br> A demandante fica, portanto limitada ao que alegara nos seus articulados; e aqui, contrariamente ao que entenderam as Instâncias, ela indicou os autores musicais em representação dos quais age: são os que constam das certidões de páginas 9 e 18.<br> Se aí estão mencionados os nomes civis, ou só as estatísticas dos compositores em referência, ou se a identificação deles é insuficiente; se o Banco réu difundiu, onde e quando, obras musicais deles e quais, são questões que ultrapassam o âmbito deste recurso, limitado à legitimidade da S.P.A. (página 278 verso, in fine).<br> Quanto à certidão de página 19, ela respeita só a sociedades estrangeiras (ver página 20), registadas também pela demandante nos termos e para os efeitos aí indicados; e essas sociedades não são enquadráveis no tipo de actuação do Banco, que a S.P.A. invocou na petição inicial, e consta do anterior n. 2, toda focada em compositores musicais individuais.<br> Poderá esse documento, de página 19 (ver na alínea K) servir indirectamente para chegar aos compositores musicais A, B e C, que constam da linha da "American Society of Composers Authors and Publishers - A. S. C. A. P.", e estão mencionados no documento de página 26; mas sucede que o documento de página 2, invocado logo no proémio da acção, já se refere.<br> Quanto à pretensão da S.P.A. de ser "aplicado o preceito no artigo 344 do Código Civil...", como se lê na sua conclusão V, de página 278 e verso, terão as Instâncias que se pronunciou primeiro, o que claramente o acórdão da Relação (única decisão agora a apreciar) não fez. Pelo que não nos pronunciamos a seu respeito.<br> Embora rejeitando as duas últimas conclusões da recorrente (V e VI de página 278 e verso), concedemos provimento ao seu agravo, pois revogamos o acórdão recorrido, a ser substituído por despacho da primeira instância, que reconheça legitimidade à autora nesta causa.<br> Custas nas Instâncias, e agora pelo réu.<br> Lisboa, 17 de Dezembro 1991.<br> Beça Pereira.<br> Miguel Montenegro.<br> Martins da Fonseca.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> I<br> Por apenso aos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa nº 129/93, instaurados na Comarca de Torres Vedras, o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, deduziu reclamação de créditos em 6.5.97.<br> Considerando que o prazo para a reclamação terminara em 5.5.97, o Senhor Juiz rejeitou liminarmente a reclamação por ser "manifestamente extemporânea".<br> Deste despacho agravou o Ministério Público, por entender, no fundamental, que ao Estado é lícita a prática de actos processuais dentro do prazo suplementar a que se refere o artigo 145º, nº 5, do CPC, sem que, para tanto, fique sujeito ao pagamento da multa correspondente.<br> O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 14.5.98, negou provimento ao agravo, confirmando o despacho agravado.<br> Continuando inconformado, traz o Ministério Público o presente recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo alegações em que conclui:<br> "1. Ao Estado assiste a faculdade de praticar os actos no âmbito do mecanismo, mais vasto, p. no artigo 145º, nº 5, do CPC;<br> 2. A tanto não obstando a circunstância de não ser passível de pagamento, a si próprio, da multa prevista;<br> 3. Tendo, pois, sido violado o apontado preceito legal (artigo 145º, nº 5, do CPC".<br> <br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> II<br> A questão a dilucidar no presente recurso - tal como a equacionou, e bem, o acórdão recorrido - traduz-se tão-só em saber se a possibilidade de prática do acto dentro dos primeiros dias úteis que se seguem ao termo do processo é aplicável ao Ministério Público, enquanto representante do Estado.<br> Esta é, com efeito, o núcleo essencial da questão a enfrentar, sabido ser pacífica a jurisprudência no sentido de o Ministério Público estar isento do pagamento da multa prevista na norma em causa, já que carece de suporte legal a responsabilidade por tal pagamento (quanto a este aspecto do pagamento da multa - escreveu-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 59/91, Processo nº 288/90, de 7.3.91, in Acórdãos do TC, 18º vol., 1991, p.391 - reconhece-se que, "qualquer desigualdade de tratamento que porventura exista entre as diferentes situações das partes processuais e do Ministério Público, é manifestamente fundada: o Ministério Público é o representante do Estado, encarregado de, nos termos da lei, defender a legalidade democrática, exercer a acção penal e promover a realização do interesse social").<br> A decisão recorrida respondeu negativamente, desenvolvendo argumentação de algum relevo, mas que, em nosso entender, e salvo o devido respeito, não colhe.<br> Ora, importa, antes do mais, sublinhar que o acórdão recorrido (aliás, tirado com um voto de vencido) perfilhou entendimento que vai ao arrepio da jurisprudência quase unânime (o único acórdão do Supremo que se pesquisou nesse sentido foi o de 26.3.92, Proc. nº 80987, também com um voto de vencido), tanto do Supremo Tribunal de Justiça, como do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, como também das Relações (no mesmo sentido, o Despacho do Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 25.1.84, CJ, 1984, tomo I, p. 198).<br> É o que resulta dos seguintes acórdãos:<br> - do Supremo Tribunal de Justiça: de 15.5.79, BMJ, nº 287-223, de 13.1.89, ADSTA, ano XXVIII, Maio de 1989, nº 329-723, de 19.7.96, CJ, ano IV, tomo II-1996, p. 228, e de 4.3.97, Proc. nº 859/96;<br> - do Tribunal Constitucional: nº 160/90, Proc. nº 323/88, de 22.5.90, BMJ, nº 397-68 (em cuja anotação se diz que tal decisão "corresponde à prática corrente e pacífica do Tribunal"), e nº 59/91, já citado;<br> - do Supremo Tribunal Administrativo: de 26.4.88 (Tribunal Pleno), BMJ, nº 376-627, e de 22.2.95, ADSTA, ano XXXIV, nº 403, p. 802;<br> - da Relação de Lisboa: de 12.12.73, BMJ, nº 232-164, de 15.1.82, CJ, 1982, tomo 1-152, e 2.7.91, BMJ, nº 409-863. De 26.6.93, BMJ, nº 428-669, de 23.9.93, BMJ, nº 429-867, de 3.10.95, CJ, 1995, tomo IV, p. 103;<br> - da Relação do Porto: de 21.6.88, BMJ, nº 378-779;<br> - da Relação de Évora: de 14.11.91, CJ, 1191, tomo V, p. 245.<br> Nem se diga que os citados acórdãos "deram como demonstrado o que importa demonstrar".<br> Com efeito, sendo certo que alguns desses arestos apenas se ocuparam em particular e ex professo da questão da isenção da multa, só tacitamente aceitando que o Ministério Público também goza do direito ou faculdade outorgado pela norma em apreço - melhor se dirá que cuidaram tão-só da questão da multa, porquanto esse direito ou faculdade por ninguém foi posto em causa, por todos considerado como assente e indiscutível -, outros há (nomeadamente do STJ, do TC e do STA que expressamente reconheceram que o Ministério Público também se pode valer dessa possibilidade).<br> III<br> Posto isto, e no reconhecimento de que a resposta à questão envolve, necessariamente, um problema de interpretação de leis, recordem-se alguns tópicos nesta temática ( com guarida no artigo 9º do Código Civil).<br> 1. Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, "Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis", págs. 21 a 26).<br> Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, "Noções Fundamentais do Direito Civil", vol. 2º, 5ª edição, pág. 130).<br> Quer dizer, o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.<br> <br> 2. A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 e ss., uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.<br> Ou, como diz Oliveira Ascensão "O Direito, Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1978, pág. 350, "a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito".<br> <br> 3. Para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios:<br> "Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo" (Francesco Ferrara, "Interpretação e Aplicação das Leis", tradução de Manuel de Andrade, 3ª edição, Coimbra, 1978, págs. 127 e segs. e 138 e segs.).<br> Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. <br> Socorrendo-se dos elementos ou subsídios interpretativos acabados de referir, o intérprete acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades essenciais de interpretação: interpretação declarativa, extensiva ou restritiva.<br> IV<br> Munidos com os elementos acabados de recensear, avancemos para a interpretação da norma aqui em causa.<br> 1. O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.<br> Proclamada esta regra, tanto o CPC de 1939, como o de 1961 (na sua primitiva redacção), apenas excepcionavam "o caso de justo impedimento".<br> Foi a modificação do artigo 145º introduzida pelo DL nº 323/70, de 11 de Julho, ao aditar um nº 5, que tornou "possível a prática de actos no primeiro dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo, sem necessidade da prova - que nem sempre é fácil - do justo impedimento" (do respectivo preâmbulo).<br> 2. Esta possibilidade de o acto processual, sujeito a prazo peremptório, ser praticado, mediante o pagamento de multa, no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, independentemente da existência de justo impedimento, foi posteriormente alargada a três dias pelo DL nº 242/85, de 9 de Julho, e mantida quer pelo DL nº 92/88, de 17 de Março, quer pela Reforma de 1995/96.<br> <br> A actual redacção do artigo 145º, na parte que aqui nos interessa, é a seguinte:<br> "5. Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa de montante igual a um oitavo da taxa de justiça que seria devida a final pelo processo, ou parte do processo, se o acto for praticado no primeiro dia, de um quarto da taxa de justiça, se o acto for praticado no segundo dia, ou de metade da taxa de justiça, se o acto for praticado no terceiro dia, não podendo, em qualquer dos casos, a multa exceder 5 UC.<br> 7. O juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado".<br> <br> 3. Sublinhe-se, pelo seu significado - para além da diminuição do montante da multa prevista no nº 5, em cotejo com a redacção antecedente, resultante do DL nº 92/88 - o aditamento deste nº 7 pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e recorde-se o pertinente passo preambular deste diploma: <br> "Revê-se o regime vigente relativo ao direito de praticar o acto processual nos três dias subsequentes ao termo de um prazo peremptório, no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício de tal direito".<br> <br> 1.1. Volvendo á inovação introduzida pelo citado DL nº 323/70, dir-se-á, acompanhando Antunes Varela, RLJ, ano 116º-31 e 32, que na sua base se encontra um propósito louvável - traduzido no primado da justiça material sobre a pura legalidade formal - e o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir; ou seja, o espírito dessa nova solução é não permitir que a omissão do acto processual dentro do prazo legalmente fixado determine a perda imediata e irremediável do direito material com ele correlacionado (já antes, este mesmo Professor escrevera que a solução legal assenta em razões de possível descuido, esquecimento ou negligência do interessado ou em dificuldades de prova do justo impedimento - RLJ, ano 103º, p. 301).<br> <br> 3. Como é bom de ver, a letra do transcrito nº 5 do artigo 145º do CPC não define de forma expressa o âmbito pessoal da sua aplicação, ou seja, não indica os seus destinatários.<br> O legislador optou por pôr o acento tónico da sua previsão no acto a praticar ("pode o acto ser praticado" - nº 5; "praticado o acto" nº 6), que não na "parte" que o pode praticar; é aquela, na sua óptica, a parte mais nobre e valiosa da estatuição normativa.<br> Mas se isto é assim, não pode, por outro lado, olvidar-se que a lei, ao não distinguir entre "aqueles" (as "partes") que podem praticar o acto, abarca na sua previsão, natural e logicamente, todos eles (elas), sob pena de se estar a acolher um interpretação restritiva, só legítima quando o intérprete alcança a certeza de que o legislador disse mais do que queria, isto é, quando chegar à conclusão de que o texto atraiçoou o pensamento do legislador.<br> O que não é manifestamente o caso, cumprindo salientar, a propósito, que a norma interpretanda reveste a natureza de uma disposição de carácter geral em matéria de prazos dos actos processuais (Antunes Varela, RLJ, ano 116º-32), abrangendo todos os prazos peremptórios (acórdão do STJ de 14.1.93, CJ, ano I, tomo I, p. 54). <br> <br> 4. Ao invés, cumpre reconhecer que aquele sentido que logo emerge das "palavras" da lei, é antes corroborado pelo elemento histórico (que compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios), bem assim pelo elemento racional ou teleológico (traduzido na razão de ser da norma, no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar).<br> Desde logo, o elemento teleológico, sabido que a ratio legis da inovação introduzida em 1970 se traduziu na preocupação de fazer primar a justiça material sobre a legalidade formal (Antunes Varela, RLJ, ano 116º-31), acrescentando-se, com propósito, que o que o sistema legal deseja é a definição real dos direitos substantivos (acórdão do STJ de 27.4.89, BMJ, nº 386-442).<br> Mas não só.<br> Também o elemento histórico confirma claramente a interpretação que se perfilha, como já resultava do que, oportunamente, se considerou a seu propósito, mas também, e decisivamente, face às considerações que se seguem.<br> <br> 5. O legislador da Revisão de 1995/96 não podia ignorar, por um lado, que a questão existia e se punha e, por outro, qual o sentido quase unânime da jurisprudência.<br> Assim sendo, se quisesse consagrar diferente solução da que vinha sendo defendida nos vários Tribunais superiores e nas instâncias, teria por certo legislado nesse outro sentido.<br> O que não fez, a que acresce o ter procedido à revisão do regime vigente na matéria "no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes" (cfr. citado passo do preâmbulo do DL nº 329-A/95).<br> Revisão que se limitou a reduzir o montante da multa prevista no nº 5 e a aditar o transcrito nº 7.<br> Com tanto se bastou a "revisão" operada, suficiente, no entender do legislador, para assegurar plenamente o princípio da igualdade substancial das partes.<br> Donde, ser legítimo concluir que o legislador assentou e arrancou do entendimento de que a previsão normativa abrange também o Ministério Público.<br> Argumento que resulta potenciado se tivermos presente que foram mais fundas e significativas outras alterações introduzidas pela Reforma, em domínios onde se debatiam questões próximas ou similares da aqui analisada (queremos referir-nos às modificações dos artigos 485º, alínea b) - cominação da confissão dos factos alegados pelo autor -, 486º, nºs 4 e 5 - prorrogação do prazo da contestação - e 490º, nº 4 - ónus de impugnação).<br> Ponto em que não será despiciendo transcrever o seguinte trecho de José Lebre de Freitas, "Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, p. 106, nota (34): "Na nossa legislação processual civil, existiam algumas desigualdades entre o Ministério Público e a parte particular a que a recente revisão do Código pôs cobro....Subsiste ainda a do artigo 681-4".<br> Com efeito, os sublinhados, de nossa autoria, consentem concluir, de algum modo, que o Autor entende que, após a revisão de 1995/96, já não existem ("existiam") desigualdades, para além da contida na norma que cita; ou seja, a norma do nº 5 do artigo 145º, na actual redacção, não implica desigualdade para a parte particular (conclusão reforçada face à consideração de que o mesmo Autor, escrevendo antes dessa Reforma, apontava a norma do artigo 145º como uma daquelas que consagrava situação de desigualdade entre as partes - "A Igualdade Armas no Direito Processual Civil Português", in "O Direito", ano 124º, 1992-IV, p. 625).<br> V<br> Alcançada a conclusão de que o nº 5 do artigo 145º do CPC é aplicável ao Ministério Público, enquanto representante do Estado - conclusão que todos os elementos de interpretação justificam e impõem -, interessa indagar, num segundo momento, da conformidade constitucional de tal solução legislativa.<br> Neste plano, chamam-se a terreiro o direito a um processo equitativo (ínsito no direito de acesso aos tribunais, proclamado pelo artigo 20º, nº 1, da Constituição), de que é elemento incindível o princípio da igualdade de armas, manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes.<br> Princípio não expressamente formulado na Constituição para o processo civil, mas que não pode deixar de ser exigência constitucional, pois tal decorre da própria ideia de Estado de direito.<br> <br> 1. Nos litígios sobre interesses privados, a igualdade de armas implica a obrigação de oferecer a cada parte a possibilidade de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que a não coloquem em situação de nítida desvantagem em relação ao seu adversário" (Ireneu Cabral Barreto, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Aequitas, 1995, p. 95).<br> Segundo José Lebre de Freitas ("Introdução ao Processo Civil" - Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pp. 105-106), o princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.<br> Hoje, a igualdade das partes está consagrada no artigo 3º-A do CPC.<br> Mas como logo adverte Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1997, pp. 42-44, um primeiro problema suscitado é o de que nem sempre é viável assegurar a igualdade substancial entre as partes, não sendo possível, nuns casos, ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes, e noutras hipóteses afastar certas igualdades formais impostas pela lei - assim, a igualdade das partes, com expressão legal no citado artigo 3º-A, não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais.<br> 2. Revertendo ao plano constitucional, a questão resume-se em saber se a norma sub specie estabelece de modo injustificado, intolerável, irrazoável e arbitrário um regime discriminatório para uma das partes da acção, de molde a tornar a posição processual de uma desvantajosa em relação à outra no tocante ao gozo dos meios adjectivos postos à sua disposição.<br> Por outras palavras: o que releva é determinar se a posição processual do Ministério Público, quando represente uma "parte" processual - no caso, o Estado - deve, concretamente, ser visualizada em termos exactamente idênticos ao do representante processual de outra qualquer "parte", e, também, se se podem postar em identidade de circunstâncias uma "parte" particular e o Estado (acórdão do Tribunal Constitucional nº 529/94, Processo nº 173/93, de 28.9.94, no DR, II série, nº 292, de 20.12.94).<br> Este acórdão do Tribunal Constitucional apreciou a questão com profundidade, desenvolvendo argumentação que, no essencial, é transponível e válida para a situação que aqui nos ocupa.<br> Por isso que se justifique a sua enunciação, ainda que sucintamente:<br> - deve reconhecer-se ao legislador ampla liberdade conformativa na definição das regras de direito processual civil, matéria na qual a Constituição não faz qualquer elenco ou catálogo de princípios a que o mesmo se deverá subordinar;<br> - o princípio da igualdade exige a dação de tratamento igual àquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções (ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias);<br> - dever-se-á atentar que o Ministério Público não pode ser entendido como um representante ou mandatário livremente escolhido, com as inerentes desvantagens que isso acarreta para a "parte" que ele está processualmente a representar, de entre elas avultando a inexistência de um nexo de confiança pessoal que "poderá dificultar a narração espontânea e completa dos exactos termos do litígio, criando eventuais afastamentos ou dificuldades de contacto entre a parte e o seu representante ou mandatário oficioso";<br> - mister é também não olvidar ser o Ministério Público uma magistratura sobre a qual impendem, constitucionalmente, várias funções, e que está dotado de um estatuto onde imperam especiais deveres de objectividade e verdade, que muitas vezes se não coadunam com uma maleabilidade que deve ser reconhecida aos mandatários judiciais;<br> - a igualdade das "partes" não pode ser perspectivada tão-só no desenrolar do próprio processo, não se devendo, ao invés, perder de vista a situação pré-processual, sendo que, neste ponto, há que reconhecer que a pessoa colectiva de direito público representada pelo Ministério Público é estruturada com base em procedimentos burocráticos desenvolvidos através de variados processos de formação da vontade orgânica precedidos de diversas fases tutelares que tornam as mais das vezes acentuadamente difícil descortinar a realidade fáctica existente;<br> - o Ministério Público é uma magistratura hierarquizada a que não são alheios critérios de uniformização de procedimento, o que torna menos fácil a movimentação processual comparativamente aos demais mandatários judiciais.<br> <br> 3. Fundamentalmente, foi com base nestes elementos que o citado acórdão do TC nº 529/94 concluiu pela não inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artigo 490º do CPC - ónus da impugnação especificada -, situação que, há que convir, se configura como mais "gravosa" e "desigual" do que aquela com que estamos confrontados no presente recurso.<br> Especificamente no que concerne a norma do nº 5 do artigo 145º, o citado acórdão do TC nº 59/91 considerou que "a desigualdade de tratamento que porventura decorra do facto de, para a utilização daquele benefício, as partes no processo ou o terceiro com direito a intervir nele terem de pagar a multa, enquanto o Ministério Público está isento de tal pagamento, não viola o princípio da igualdade ou da identidade de armas, porquanto tal desigualdade é materialmente fundada" (do respectivo sumário).<br> <br> 4. O exposto permite, pois, concluir que a diferenciação que o nº 5 do artigo 145º implica - traduzida tão só no não pagamento da multa -, não coloca a outra parte, arbitrária e injustificadamente, numa posição de concreta quebra ou rompimento de paridade processual, que acarrete uma intolerável "desigualdade de armas".<br> Ao invés, essa diferenciação tem justificação material bastante, com suporte no conjunto de razões que deixamos enunciadas, não importando um injustificável privilégio.<br> Não conferir ao Ministério Público o direito conferido pelo citado nº 5, apenas porque não pode, legalmente, satisfazer o pagamento da multa - multa que, recorde-se, não só foi diminuída no seu montante, como também pode ser reduzida ou dispensada, conforme se dispõe no nº 7 -, é que poderia, porventura, suscitar ofensa do princípio da igualdade.<br> E sempre significaria dar prevalência à legalidade formal, em detrimento da justiça material, contrariando-se o fim visado pelo legislador.<br> A finalizar, interessará recordar que o princípio da igualdade de armas não implica uma identidade formal absoluta de todos os meios, e que a exigência que ela postula pressupõe uma posição equiparável das partes perante o processo (José Lebre de Freitas, "Introdução....", cit., pp. 105-106), o que não é o caso, conforme se demonstrou; ou, como diz Miguel Teixeira de Sousa (loc. cit.), nem sempre se pode assegurar uma igualdade substancial entre as partes, pois, em certos casos, não é possível ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual as partes.<br> <br> Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando o acórdão recorrido.<br> Sem custas.<br> Lisboa, 9 de Fevereiro de 1999.<br> Ferreira Ramos,<br> Lemos Triunfante.<br> José Saraiva.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> I. Através do 3. Juízo Cível da Comarca de Oeiras,<br> "Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A." propôs acção executiva ordinária contra A, pretendendo o pagamento de 11550211 escudos e sessenta centavos e juros vincendos (fls. 7 e seguintes).<br> Posteriormente e dizendo que fora notificado de que lhe havia sido devolvido o direito de nomeação de bens à penhora, o exequente pediu a penhora do recheio de uma residência e de "todas as acções, títulos e saldos de contas de depósito à ordem ou a prazo, que se encontram depositadas nas dependências dos Bancos e Caixas, que a seguir se discriminam, em nome da executada."(fls. 9).<br> O Mmo. Juiz de Direito indeferiu este requerimento da exequente relativamente aos bens ditos existentes em depósitos bancários (fls. 11).<br> O exequente agravou (fls. 12).<br> Mas a Relação de Lisboa, através do Acórdão de fls.<br> 24 e seguintes, negou provimento a esse recurso.<br> Novamente inconformado, o recorrente agravou para este Supremo (fls. 28). E, alegando, concluiu (fls. 31 e seguintes):<br> 1) A nomeação de bens à penhora, no processo executivo, deve identificar, tanto quanto possível, os bens a penhorar (C.P.C., artigo 837, n. 1);<br> 2) E, na nomeação de créditos, declarar-se-à a identidade do devedor, o montante, natureza e origem da dívida, o título de que consta e a data do vencimento, se for possível indicar todos estes pormenores (artigos 837 n. 5 e 863 do C.P.C.);<br> 3) As instituições de crédito estão sujeitas a segredo profissional no que toca aos nomes dos clientes, às suas contas de depósito e respectiva movimentação e a outras operações bancárias, sob pena de responsabilidade criminal e de aplicação de outras sanções (regime aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, artigos 78 ns. 1 e 2, 84 e 210 alínea i));<br> 4) Estas regras, de carácter imperativo, não podem ser derrogadas em quaisquer circunstâncias, não havendo assim, possibilidade de obter informações interbancárias sobre contas e títulos de crédito, contrariamente ao que se diz no Acórdão recorrido, com frontal violação da lei;<br> 5) Portanto, o requerimento de nomeação de bens à penhora, apresentado pelo exequente, no caso "sub judice"; contém todas as indicações que era possível dar ao Tribunal, para efectivação da penhora;<br> 6) Daí que, decidindo em contrário, com o indeferimento da penhora requerida sobre acções, títulos e saldo de contas de depósito, á ordem ou a prazo, as instâncias tenham violado, por erro de interpretação, o artigo 837 ns. 1 e 5 do C.P.C.;<br> 7) Aliás, a decisão recorrida violou, ainda, o artigo<br> 817 do Código Civil e o artigo 821 do C.P.C.; na medida em que, fora de qualquer dos casos previstos nos artigos 822 n. 1 e 823 n. 1 do C.P.C., considerou impenhoráveis acções, títulos e saldos de contas de depósito da executada;<br> 8) Acresce que as normas do artigo 837 ns. 1 e 5 do C.P.C., com a interpretação do Acórdão recorrido, estão feridas de inconstitucionalidade material;<br> 9) Efectivamente, com essa interpretação, ofendem o princípio do Estado de Direito, consignado no artigo<br> 2 da Constituição, e o direito de acesso aos tribunais, consignado no artigo 20 n. 1 do mesmo diploma.<br> Finalizando, o agravante pede a revogação das "decisões das instâncias, para que seja ordenada a penhora de todos os bens indicados pelo Banco exequente".<br> Não constam contra-alegações.<br> Foram colhidos os vistos legais (fls. 53).<br> II. O Acórdão recorrido, sobre o circunstancialismo em que assentou, reportou-se ao relatório que efectuara acerca da tramitação processual, acrescentando que o exequente, ao indicar bens à penhora, referiu "33 instituições bancárias, com os endereços das sedes respectivas, ou sucursais, no caso de serem estrangeiras" (fls.24 v.).<br> III. Da essência da questão:<br> O problema colocado neste recurso, sendo de recorte simples, não é de solução linear e apresenta indesmentível interesse prático.<br> O que está em causa, embora no campo restrito da penhora é, pura e simplesmente, o dever do Estado em garantir a realização dos direitos - mormente substantivos - dos cidadãos, conforme o alcance lógico do artigo 20 da Constituição e o artigo 2 do C.P.C..<br> IV. Do segredo bancário:<br> Em princípio, num Estado de Direito democrático, como<br> é o caso português, tudo deve ser transparente.<br> Mas, para que o Direito se não desligue das realidades vivenciais, devem ser estabelecidos limites em certos âmbitos sócio-jurídicos, designadamente naqueles que mais podem contender com direitos fundamentais, como<br> é, por exemplo, o direito à tutela geral da personalidade, na qual, hodiernamente, se não pode deixar de encontrar, como corolário, a não devassa da privacidade, nas suas variadas vertentes.<br> Se, a isto, juntarmos a conjuntura em que foi publicado o Decreto-Lei 2/78, de 9 de Janeiro, não será muito difícil encontrar o acerto mas, também, a relatividade do segredo bancário.<br> Com efeito, mesmo quem não viveu, ou já se esqueceu, da vida portuguesa nos meados dos anos 70, basta ler o preâmbulo do Decreto-Lei 2/78 para constatar que foi a necessidade de imprimir confiança na Banca, por parte de possíveis depositantes, que justificou esse diploma, aliás na linha de preocupações de legislação anterior e posterior.<br> Mas, como não podia deixar de ser, esse direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, como dissemos, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito do acesso à Justiça (a menos que, contra "o civilizado" artigo 1 do C.P.C., se privilegiasse a "justiça" privada) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português (veja-se, designadamente, o artigo 519 do C.P.C., quer antes, quer depois da recente reforma).<br> Tudo tem de ser compaginado em ordem a encontrar-se um sentido unívoco na ordem jurídica, conforme, alías, o explícito comando do artigo 9 do Código Civil.<br> Para além de disposições legais avulsas, mormente no campo penal, tenhamos em atenção que o citado Decreto- -Lei 2/78, depois de explicitar a regra geral do segredo bancário, não deixou de admitir formas de excepção, designadamente, embora não só, através do seu abrangente artigo 5.<br> "O disposto no presente diploma em nada prejudica os deveres de informação, estatística ou outro que, nos termos da legislação actual, impendem sobre as instituições de crédito".<br> Decreto não suscitará controvérsia que, onde se fala em "legislação actual", se deve entender a legislação que for vigorando; e, onde se fala em "impendem sobre as instituições de crédito" cabe tudo aquilo que, legislativamente, no casuismo de cada situação, pode reflectir-se sobre as instituições de crédito.<br> Nestes particulares, trata-se, apenas, de privilegiar a lógica do preceito de forma que temos por insusceptível da dúvida.<br> V. Onde tudo isto se reflecte no caso vertente:<br> V.1. O que, casuísticamente, se discute, directamente,<br> é a requerida penhora do conteúdo de depósitos bancários.<br> Só por absurdo se poderia admitir que o pensamento legislativo seria no sentido de paralizar a acção dos Tribunais na realização de direitos subjectivos, quando é certo que, ao invés, a ordem jurídica existe, juntamente, como um conjunto de meios que deve conduzir à efectiva realização dos fins da actividade judicial previstos, basicamente, pelo artigo<br> 205 da Constituição. E isto vem, directamente, ao caso.<br> V.2. Em verdade, e atendendo à normatividade que seria directamente aplicável ao caso vertente, ou seja, a redacção do artigo 837 do C.P.C., antes da reforma decorrente dos Decretos-Lei 329-A/95 e 180/96 (com efeito, o n. 2 do artigo 26 do Decreto-Lei 329-A/95 não inclui o artigo 837 no conjunto dos artigos aplicáveis aos processos pendentes em 1 de Janeiro de 1997 - cfr. artigo 16 do Decreto-Lei 329-A/95; sendo, aliás, certo que a nova redacção do n. 1 daquele artigo 837 não atrasa, nem adianta, para o julgamento deste recurso); íamos nós dizendo, o artigo<br> 837 n. 1 do C.P.C., mandava e manda que, pretendendo que se efectue penhora:<br> "1. A nomeação deve identificar tanto quanto possível, os bens a penhorar...".<br> O ponto determinante desta situação está na expressão tanto quanto possível.<br> É certo que o n. 5 desse artigo 837, reportando-se a créditos, pretende referência a "identidade do devedor, o montante, natureza e origem da dívida, o título de que consta e a data do vencimento".<br> Mas isto é o ideal, o desejável; nem sempre, o possível.<br> V.3. Concerteza, quem nomeia bens à penhora, para viabilizar a execução do acto, não pode deixar de referir aquilo que seja identificador. Mas se, em concreto, esse algo deve abranger tudo o que a lei deseja, isso depende da possibilidade, pelo menos presumível, do nomeante.<br> Nem de outra forma poderia ser, sob pena, conforme já aludido, de um certo tipo de denegação da Justiça,<br> à luz das normas já citadas e, ainda, directamente, do artigo 817 do C. Civil.<br> Aliás, a exigência formal do n. 5 do artigo 837 do C.P.C., para além de ser de interpretar e aplicar base do "tanto quanto possível", tem de levar em conta o ordenamento temporal das leis; sendo, aqui, que releva o subsequente regime do Decreto-Lei 2/78 e a natural impossibilidade de o exequente conhecer os exactos pormenores das situações bancárias do executado.<br> E, se esta situação legal é, ou não, sobrecarregadora da actividade dos Tribunais, isso é algo que estes têm de assumir, como Órgão de Soberania, logo existente para servir os direitos dos cidadãos.<br> Bom seria que as leis não dificultassem esse serviço.<br> Mas os cidadãos não devem ser prejudicados: aqui, também, tanto quanto possível.<br> V.4. Tudo isto significa que só é exigível, na indicação de bens à penhora, o que, comprovada ou presumivelmente, for possível ao nomeante, desde que seja suficiente para a execução do acto - e, no caso vertente, indicados os estabelecimentos bancários, as suas sedes ou sucursais, e o títular de contas, não é crível que algum estabelecimento bancário não disponha dos elementos suficientes para devido esclarecimento, inclusive face ao artigo 856 n. 2 do C.P.C..<br> V.5. Acresce, hoje, a qualquer penhora ordenada após a entrada em vigor do artigo 26 n. 2 do Decreto- -Lei 329-A/95, na redacção do Decreto-Lei 180/96, o disposto no artigo 861-A do C.P.C., explicitamente acerca da penhora de depósitos bancários.<br> Aliás, temos por certo que, sem prejuízo dos pormenores desse tipo de penhora, só consideráveis a partir da vigência daqueles normativos, propriamente a penhora de depósitos bancários já anteriormente não podia deixar de ser lícita, com as indicações que fossem possíveis, pelas razões indicadas e tendo, ainda, em atenção o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, aprovadas pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, bem como, coerente e consequentemente, a relevância das decisões judiciais, como meio de resolução de diferendos e de realização dos direitos subjectivos (artigos 205 n. 2 e 208 n. 2 da Constituição).<br> V.6. Daquele regulamento aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, retira-se, especialmente, a inviabilidade de o exequente obter mais concretos elementos informativos (artigo 78); mas, também, a existência de excepções ao segredo bancário, entre as quais não pode deixar de ser considerada a realização dos direitos dos credores dos titulares de depósitos bancários, através de decisões dos Tribunais sob pena de, contra os mais elementares princípios constitucionais e legais, conforme já exposto, estar encontrada a via para incumprimento de obrigações "ao abrigo" da lei (cfr., entre o mais já dito, o artigo 79 n. 2 alínea e) do regulamento citado, numa perspectiva de interpretação lógica); veja-se, ainda o artigo 821 n. 1 do C.P.C., agora aplicável na sua nova, redacção, "ex vi" do artigo 26 n. 2 do Decreto-Lei 329-A/95, na redacção do Decreto-Lei 180/96, ainda que, à data da decisão da<br> 1. instância, neste caso, vigorasse a redacção anterior do 821 do C.P.C. que, de todo o modo tinha a mesma essência e, portanto, conduziria ao mesmo resultado.<br> V.I. Pelo que fica dito, o recurso não pode deixar de ser provido.<br> Contudo, há que ter em atenção que o "Thema decidendum" consiste, apenas, na legalidade de decisão judicial incidente sobre os valores em depósitos bancários tal como indicados pelo agravante, quer antes, quer depois de 1 de Janeiro de 1997.<br> É que pode haver outra questão que não está em discussão, agora e aqui, e que só poderá pôr-se perante as penhoras que forem efectuadas: trata-se da quantificação das penhoras.<br> 6. Portanto, o n. 5 do artigo 837 do C.P.C. indica o que é desejável que o nomeante esclareça, mas que ele cumprirá na medida do possível.<br> 7. O regime do segredo bancário impede, por princípio, que o exequente conheça a identificação concreta de depósitos bancários do executado; como assim, é deferível o pedido de penhora do conteúdo de depósitos bancários, através da designação do titular e do estabelecimento bancário, competindo a este o subsequente esclarecimento complementar, ao Tribunal.<br> 8. Aliás, o artigo 861-A do C.P.C., "ex vi" da reforma decorrente do Decreto-Lei 329-A/95 e do Decreto-Lei 180/96, acerca da penhora de depósitos bancários, será aplicável a penhoras mesmo em processos pendentes (artigo 26 n. 2 do Decreto-Lei 329-A/95, na redacção do Decreto-Lei 180/96), na linha lógica de tudo o mais dito neste acórdão e do alcance do regulamento aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, designadamente artigo<br> 79 n. 2 alínea a) (cfr., ainda artigo 821 n. 1 do C.P.C., agora aplicável na nova redacção, nos termos daquele artigo 26 n. 2, ainda que a anterior redacção levasse ao mesmo resultado); e sem deixar de ser certo que a decisão inicial tinha de basear-se no Direito, então, aplicável.<br> VIII. Donde, concluindo:<br> Com efeito, estando em causa a realização de determinados direitos, a penhora deve ser, apenas a necessária e suficiente, na medida do possível. Mas isto fica anotado apenas como clarificação do que ora se decide: a licitude da penhora requerida e indeferida; mas deve ser entendido que isto não colide com eventual questão quantificativa.<br> VII. Resumindo, para concluir:<br> 1. A problemática do segredo bancário está subjacente e é determinante na análise do caso vertente.<br> 2. A necessidade de imprimir confiança a eventuais depositantes explica o Decreto-Lei 2/78, acerca do segredo bancário. Aliás, o acerto deste não significa que seja absoluto.<br> 3. Os direitos e deveres jurídicos têm de ser conjugados, de forma a encontrar-se um sentido unívoco na ordem jurídica, inclusive, mas não só, face ao dever do Estado em dirimir litígios e realizar direitos, através dos Tribunais.<br> 4. A nova redacção do artigo 837 do C.P.C. é excluída da aplicação a processos pendentes, "a contrario sensu", pelo artigo 26 n. 2 do Decreto-Lei 329-A/95, na redacção do Decreto-Lei 180/96, em sintonia com o princípio do artigo 16 daquele Decreto- -Lei.<br> 5. De todo o modo, na nomeação de bens à penhora, o ponto nuclear estava, e está, no que seja possível ao nomeante, logo, no que lhe seja exigível para tornar exequível uma decisão de penhora.<br> Ressalvando o devido respeito pela opinião em contrário, acorda-se em conceder provimento a este agravo, revogando-se o Acórdão recorrido e, com ele, a antecedente decisão da 1. instância, para que, nesta, seja determinada a requerida penhorada de depósitos bancários.<br> Custas pelo agravado.<br> Lisboa, 14 de Janeiro de 1997.<br> Cardona Ferreira.<br> Aragão Seia.<br> Herculano Lima.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> Emoleasing - Sociedade Portuguesa de Locação Financeira SA veio instaurar a presente acção, com processo ordinário contra Sociedade Agrícola Frutas d'Orjais Comércio e Industria Lda., A, B, com vista a obter a condenação dos Réus no pagamento da quantia de 101977483 escudos, sendo 27051819 escudos correspondente ao valor global das rendas vencidas, IVA referente a todos os equipamentos locados, não pagar e respectivas indexações até à resolução unilateral dos contratos pela Autora; 4559620 escudos de juros de mora vencidos até 15 de Novembro de 1990 sobre a referida quantia de 27051819 escudos, ao que acrescerão os juros vincendos até integral pagamento; 68683350 escudos, referente ao valor total das rendas vincendas e dos valores residuais dos equipamentos locados, nos termos do artigo 15 n. 3 das "Condições Gerais" dos contratos, por efeito da resolução unilateral com justa causa dos mesmos; 1601794 escudos, valor total dos juros de mora vencidos sobre a aludida quantia de 68663350 escudos, calculados até 15 de Novembro de 1990, a que acrescerão os vincendos até efectivo pagamento; 60900 escudos, valor das notas de débito enviadas à Ré que esta não liquidou.<br> Os Réus contestaram esgrimindo, desde logo, com o facto da Autora nunca ter exigido à Ré Sociedade a restituição dos equipamentos, que era o direito que lhe assistia; e sustentando ser nula a cláusula 15 e 3 das "Condições Gerais" dos contratos, o que implicaria não poder o Autor reclamar o pagamento das rendas vincendas e do valor residual dos equipamentos.<br> Os Réus A e B denunciam, ainda, o facto de, enquanto fiadores, não terem sido citados para pagamento das quantias em dívida.<br> <br> A acção foi julgada procedente, no saneador.<br> Interposto recurso, veio aquela decisão a ser alterada, na medida em que se absolveram os Réus "da parte do pedido consubstanciada no pagamento da quantia de 70265144 escudos, crescida de juros.<br> Inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo.<br> a) Os recorridos aceitaram todas as cláusulas constantes dos contratos de locação financeira e, por isso, prestaram fiança.<br> b) Os contratos de locação financeira juntos aos autos foram licitamente resolvidos pela recorrente por falta de pagamento das respectivas rendas vencidas.<br> c) Os contratos de locação financeira todos celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n. 168/89 de 24 de Maio, foram sujeitos à aprovação do Banco de Portugal.<br> d) Aos contratos de locação financeira referidos não se aplica o Decreto-Lei n. 446/85 de 25 de Outubro (Clausulas Contratuais Gerais) por força da alínea c) do artigo 3 desse mesmo Decreto-Lei.<br> e) Da conjugação dos artigos 798 e 801 n. 2 do Código Civil resulta a faculdade de a recorrente cumular o direito à resolução do contrato com o direito a uma indemnização.<br> f) A cláusula 15 n. 3 dos contratos juntos aos autos não desproporcionada nem violadora de boa fé contratual em relação aos danos a ressarcir, tendo em conta os riscos assumidos pela recorrente.<br> g) A indemnização peticionada reflecte os danos advenientes para a recorrida com a resolução do contrato, nomeadamente os prejuízos financeiros inerentes ao crédito concedido para a aquisição dos bens locados.<br> h) É lícito à recorrente optar entre os dois regimes de indemnização contratados com a locatária.<br> i) A cláusula 9 n. 8 dos contratos de locação financeira não é nula uma vez que os juros aí peticionados às taxas legais, são moratórios e não compensatórios.<br> j) Por todo o exposto, são válidas as cláusulas 15 n. 3 e 9 n. 8 das "Condições Gerais" dos contratos de locação financeira pelo que devem ser aplicadas.<br> l) Deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, com as legais consequências.<br> <br> Na contra-alegação, os Réus sustentam que deve manter-se o Acórdão recorrido.<br> <br> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:<br> Alinhemos, antes de mais, ao facto que as instâncias consideraram como apurado:<br> Entre a Autora e a Ré Sociedade foram celebrados os contratos de páginas 7 a 93, tendo os Réus A e B intervindo neles como fiadores.<br> Os respectivos equipamentos foram entregues à Ré nas datas referidas nos documentos de páginas 94 a 121.<br> A Ré sociedade obrigou-se a pagar as rendas, nos termos dos documentos de página 122 a 142.<br> A Ré Sociedade não procedeu ao seu pagamento.<br> A Autora remeteu à Ré Sociedade e esta recebeu as cartas de páginas 142 a 151, a resolver os contratos por falta de pagamento de rendas.<br> <br> Como bem pondera, a recorrente, nas suas alegações, "o âmbito do presente recurso está limitado por esta questão, qual seja a de saber se após resolver os contratos de locação financeira por falta do pagamento das rendas de locação, é-lhe lícito exigir uma indemnização aos recorridos, nos termos em que o fez", ou seja "pedir o pagamento das rendas vincendas e do valor residual, para além das rendas vencidas, ambas acrescidas dos respectivos juros".<br> Assente está que os contratos em referência se devem considerar como resolvidos, por iniciativa da ora recorrente, com fundamento na falta de pagamento de rendas de harmonia com a cláusula 15 das "Condições Gerais" dos contratos.<br> Também se tem como indiscutível, que, por virtude de tal ocorrência tem a recorrente direito às rendas vencidas e não pagas e aos respectivos juros de mora, desde a data dos respectivos vencimentos, até efectivo pagamento.<br> Pois bem: ao abrigo da cláusula 15 das Cláusulas Gerais do contrato em apreço, no caso de resolução, pelo motivo indicado, o locador fica obrigado a:<br> n. 2 alínea a) "Restituir o equipamento ao locador em lugar indicado por este..."<br> b) Pagar as rendas vencidas e não pagas acrescidas dos juros de mora..."<br> c) "A título de indemnização por perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma importância igual a 20 porcento do resultado da adição das rendas ainda não vencidas na data da resolução com o valor residual acrescido dos juros de mora ..."<br> 3 Em alternativa ao n. 2 pode o locador optar por exigir o pagamento montante de todas as rendas vencidas acrescido de juros calculados nos termos do n. 8 do artigo 9, desde as datas de vencimento dessas rendas até às de sua efectiva cobrança das rendas vincendas e do valor residual".<br> Neste caso, a locadora optou com vista à determinação do quantum res pondiatur exigido por este segundo termo da alternativa de que dispunha ou seja, pelo convencionado no n. 3 da transcrita (no que aqui interessa) cláusula 15 das Cláusulas Gerais dos contratos em apreço.<br> Esta cláusula, na parte agora visada, configurada como cláusula penal, foi considerada abusiva, no Acórdão recorrido, por, segundo este, assumir uma feição meramente coercitiva e, como tal, declarada nula, nos termos dos artigos 12 e 19 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85 de 25 de Outubro, diploma este que, como se sabe, veio reger as cláusulas contratuais gerais" dos contratos de adesão.<br> Porém, de harmonia com a posição da recorrente, os contratos em apreço, na medida em que foram aprovados pelo Banco de Portugal, nos termos do n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79 de 6 de Junho não estão sujeitos ao regime das nulidades das cláusulas contratuais gerais, precisamente por terem sido ressalvadas pelo artigo 3 n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85 às cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas, com competência para limitar a autonomia privada, como sucede com aquele Banco.<br> E como a revogação do citado n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79, pelo artigo único do Decreto-Lei n. 168/89 de 24 de Maio, só ocorreu, obviamente, em data posterior à celebração, e aprovação pelo Banco de Portugal, dos contratos em apreço, isso em nada influiria, segundo a recorrente, na validade e eficácia de ressalva prevista do artigo 3, n. 1 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85, decorrente do assentimento dado por aquele banco, que, por isso mesmo, se manteria em vigor, neste caso.<br> Não sufragámos esta posição.<br> É que - aceitando mesmo que os contratos em causa foram aprovados pelo Banco de Portugal - o n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79 só exige a sujeição à aprovação prévia do Banco de Portugal dos "modelos de contratos - tipo de locação financeira mobiliária ou imobiliária".<br> Ora, não é a aprovação prévia desses modelos de contrato - tipo de locação financeira que está salvaguardada na alínea c) do artigo 4 do Decreto-Lei n. 446/85, mas sim "as cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada, o que consubstancia uma situação completamente diferente da prevista naqueloutro preceito (n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79).<br> Melhor dizendo: a ressalva no regime das nulidades traçado pelo Decreto-Lei n. 446/85, ínsita na alínea c) do n. 1 do seu artigo 3 tem em vista cláusulas impostas ou expressamente aprovadas por entidades públicas com competência para limitar a autonomia privada", não cabendo obviamente nesta previsão a aprovação prévia do Banco de Portugal dos modelos de contratos - tipo de locação financeira mobiliária ou imobiliária, exigida pelo citado n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79. Logo, a prévia aprovação pelo Banco de Portugal feita em obediência ao n. 2 do artigo 4 do Decreto-Lei n. 171/79 - haja revogado pelo artigo único do Decreto-Lei n. 168/89 - não tem neste caso, o efeito de entravar a aplicação do regime das nulidades das cláusulas contratuais gerais, delineado pelo Decreto-Lei n. 446/85.<br> Outra questão.<br> Revestindo os contratos em apreço o figurino de verdadeiros contratos de adesão, "a liberdade do aderente fica praticamente limitada a aceitar ou rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente das "condições gerais não está disposto a alterá-las ou negociá-las". Assim "se o cliente decidir contratar, terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrém, no exercício de um "law marking power" de que este de facto desfruta, limitando-se aquele pois, a aderir a um modelo prefixado "Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, página 748; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, páginas 96 e seguintes; Vaz Serra, Obrigações - Ideias Preliminares, 162 e seguintes; Antunes Varela Das Obrigações em geral, n. 54 alínea d); Almeida Costa, Direito das Obrigações, 196 e seguintes; Mota Pinto, "Contratos de adesão..." in Revisão Direito Est. Sociais, página 119 e seguintes).<br> Pode mesmo dizer-se que a aderente não tem, as mais das vezes, sequer, liberdade para aderir e que, como resulta da experiência da vida, fá-lo, quase sempre, debaixo de fortes pressões económicas, que não consegue vencer, se não através da sua adesão a tais contratos.<br> "As razões que explicam e legitimam este contrato" degenerado - cuja natureza contratual, aliás, se chega mesmo por vezes a questionar - não manifestar, constituindo o contrato de adesão uma prática irreversível e ineliminável, destinada a satisfazer interesses objectivamente justificados da empresa (Pinto Monteiro, obra citada, página 749).<br> Mas, se num contrato negociado "o conteúdo deste beneficia da presunção de que corresponderá à vontade de ambas as partes, isso já não acontece, porém, em contratos de adesão cujo conteúdo resulta, de facto, de uma vontade apenas dispondo esta, para o efeito, de todo um arsenal de técnicos e de meios para se impor à contraparte.<br> Esta não tendo possibilidade de intervir na conformação do contrato também não poderá na maioria dos casos, recusar-se à sua celebração, carecendo de alternativa real para a aquisição do bem ou serviço de que necessita (Pinto Monteiro, obra citada, página 750).<br> Repare-se, ainda, que a vontade do aderente, para além de não ser livre, também não estará, na maioria dos casos, plenamente esclarecida, mesmo que se leia o manancial de cláusulas extensas, impressas em letra miúda e postas perante um potencial aderente carecido de conhecimentos jurídicos (Correia dos Santos, Cláusulas Contratuais Gerais, página 35 e seguintes).<br> Por tudo isto, impunha-se - com vista a minorar o prejuízo aqui existente do princípio da autonomia da vontade, a desigualdade realmente verificada entre as partes, e a se exercer uma sindicância destinada a defender os aderentes a tais contratos - a criação dum sistema legal de controlo e reacção capaz de pôr cobro aos abusos cometidos, pelas razões apontadas.<br> De rerto, as alíneas c) e j) do artigo 8) da Constituição da República Portuguesa clamam no mesmo sentido, ao prescreverem deverem ser reprimidos os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral, devendo proteger-se o consumidor.<br> Assim - e por se considerar insuficiente, para tal efeito, o recurso a certas "válvulas de segurança" do nosso sistema, legislativo claramente hostis a cláusulas gerais dos contratos que se mostrem injustas e desleais, como, v. g., os princípios da boa fé (artigo 227 n. 1 e 762 n. 2 do Código Civil), da ordem pública e dos bons costumes (artigo 280 n. 2 do mesmo diploma), a disciplina dos negócios usurários (artigo 282 e 283, ainda do Código Civil), o critério dos juízos de equidade (artigo 400, também do mesmo Código), os limites da regulação convencional da responsabilidade (artigo 800 n. 2 e 809, ambos do mesmo diploma), etc (cfr. Almeida Costa, obra citada, 3 edição, página 206 - 207; Antunes Varela, obra citada, volume I, 2 edição, página 222-223) - houve necessidade de se lançar mão, tendo em conta a lição dos precedentes estrangeiros e as directivas dimanadas do Conselho da Europa, a este sujeito, dum novo regimento que desse cabal satisfação aos fins pretendidos, tendo em conta a peculiaridade das cláusulas contratuais enfocadas (cfr. Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais gerais - Preâmbulo).<br> Esse regimento contem-se no Decreto-Lei n. 446/85 de 25 de Outubro.<br> Ponto que interessa sobremaneira aqui realçar, como elemento diferenciador do regime geral das cláusulas penais, inserto nos artigos 810 a 812 do Código Civil é o de que as cláusulas penais, em contratos de adesão, quando abrangidas pelo mencionado diploma legislativo (Decreto-Lei n. 446/85), "se forem desproporcionadas aos danos a ressarcir não são meramente redutíveis antes feridas de nulidade, por conjugação do disposto no artigo 19 alínea c) com a doutrina do artigo 12" (Pinto Monteiro, obra citada, página 753).<br> Posto isto, é altura de verificarmos se existe realmente, como se sustenta no Acórdão recorrido, a assinalada "desproporção" a qual a verificar-se justificaria a nulidade das cláusulas em apreço, de harmonia com os preceitos citados.<br> Entendemos que sim.<br> Basta pensar em que o uso dos equipamentos locados, mesmo por prazo diminuto, como aliás sucede neste caso, faz logo deflagrar o pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas e respectivos juros, o que exorbita, desmedidamente, o preço de tais equipamentos e quaisquer possíveis danos decorrentes do incumprimento, para já não falar na injustificada e aberrante exigência de juros das rendas vincendas.<br> E não se diga, em contrário, que a validade da cláusula em apreço, sempre se justificaria tendo em consideração o risco assumido pela locadora, derivada do facto de ter que aceitar o bem locado, se o locatário decorrido o prazo do contrato, o não adquirir, como produto sem valor ou de reduzido valor comercial, mercê do desgaste nele verificado, em consequência do uso prolongado (Acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1993, in Colectânea - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo II página 10 e seguintes).<br> É que esse risco está sempre incluido no valor das rendas não constitui um elemento a valorar autonomamente (cfr. Maria Teresa Veiga de Faria, Leasing e Locação Financeira, in Cadernos de Ciências e Técnica Fiscal, página n. 480, Acórdão de Relação de Lisboa, de 19 de Junho de 1992, Tomo III, página 178 e seguintes).<br> Nem se objecte que a ponderação deste elemento não está expressamente prevista no artigo 10 n. 1 do Decreto-Lei n. 171/79 que discrimina os factores que devem ser atendidos na fixação do montante das rendas.<br> Efectivamente ao valorizar para tal efeito, além de mais, a "margem do lucro", está a lei, implicitamente, a considerar também o eventual desvalor dos riscos, pois, sem a ponderação destes, não é possível calcular "a margem do lucro".<br> E os restantes riscos atinentes à perda e deterioração da coisa, correm por conta da locatária, nos termos do artigo 25 do citado Decreto-Lei n. 171/79, sendo certo que para cobri-los - e para cobrir também os "prejuízos causados pelo equipamento qualquer que seja a sua causa" - esta, nos termos da cláusula 12 das Condições Gerais do contrato, é obrigada a subscrever apólices, junto de uma companhia de seguros portuguesa reconhecidamente solvente, quer garantam "por um lado, a responsabilidade civil ilimitada do locatário por forma a excluir qualquer acção jurídica contra o locador proprietário e, por outro lado, o equipamento locado contra todos os riscos, nomeadamente os de incêndio, roubo, furto, inundação, explosão, raio e destruição pelo seu valor de aquisição".<br> As apólices devem mencionar que o bem é propriedade exclusiva do locador e que, em caso de sinistro, a indemnização deve ser paga directamente pela seguradora ao locador, renunciando aquela a qualquer acção contra esta.<br> Os prémios ficam a cargo da locatária, devendo ser pagos directamente à seguradora (cfr. Leite de Campos, "Ensaio em Análise Teológica do Contrato de Locação Financeira, Boletim Foc. D.; Coimbra, XVIII, página 44-45.<br> Portanto, é a locatária que suporta o risco da perda ou deterioração da coisa, da sua obsolescência económica, do seu desgaste físico. E ainda dá a garantia de seguro desses riscos.<br> Daqui resulta que ao locador, a nível de riscos, pouco resta e mesmo esse resíduo ainda é incluído, como vimos, no valor das rendas.<br> Não há, pois, que esgrimir com tal elemento, a seu favor.<br> Interessa agora realçar que se a Lei elege como critério para a determinação da excessividade da pena a sua desproporção em face dos danos a ressarcir (artigo 19 alínea c) do Decreto-Lei n. 446/85) o que tem como subjacente a noção de que pretende medir pelo valor do dano o montante da pena, então, perante isto e tendo em contas demais premissas postas, forçosos é considerar que tal desproporção se verifica neste caso, de modo particularmente chocante, inculcando a ideia de que a cláusula em apreço tem aqui uma função meramente coercitiva e não indemnizatória - que é obviamente a pensada naquele preceito - sendo, portanto nula de acordo com as disposições combinadas do artigo enfocado é do preceituado no artigo 12 do mesmo diploma.<br> Pinto Monteiro (obra citada, página 726, nota 1626) informa que, com a difusão do contrato de locação financeira, se tornou frequente, "maxime" em França a inclusão de uma cláusula em tudo idêntica à aqui tratada também vigorante para o caso da resolução do contrato por falta de pagamento de alguma mensalidade - cláusula que aquele Autor não hesita em qualificar de "carácter draconiano" - tendo sido ensaiadas, desde logo, várias tentativas, ainda no âmbito do "lode" a fim de combaterem o abuso e a flagrante injustiça a que ela conduzia, uma vezes com base no abuso do direito ou na fraude à lei, e outras pondo em destaque a ideia de ser contrária à ordem pública.<br> Mas, o que interessa aqui acentuar é o repúdio generalizado por uma cláusula como a sub júdice, geradora de graves desequilíbrios e de soluções notoriamente injustas.<br> Felizmente que já possuímos um texto legal, que nos permite concluir, como há pouco concluímos, pela nulidade de tal cláusula, sem necessidade de recorrermos a outros expedientes legislativo menos cómodos, na justificação dessa mesma solução.<br> Poderia pensar-se que não prevendo a cláusula em apreço uma pena pecuniária de montante fixo, como é habitual nestes casos, ela não configuraria uma verdadeira cláusula penal.<br> Mas não é assim: a pena pode traduzir-se numa prestação não determinada; o que interessa é que seja determinável (Pinto Monteiro, obra citada, página 49; Vaz Serra, Pena Convencional, n. 1, Boletim 17; Pires de Lima. Antunes Varela, Anotado, II, 3 edição, página 74), como sucede inequivocamente neste caso. <br> Se avançarmos agora, um pouco mais, na, análise do conteúdo da cláusula em referência, verificamos que ela encerra, também, a obrigatoriedade, do lado da locatária, de adquirir os equipamentos locados - pagando, para isso, as rendas vencidas, vincendas, respectivos juros e o valor residual - se o locador entender optar por essa mesma cláusula, em caso de incumprimento.<br> Ora, é da essência do contrato de locação financeira não forçar o locatário a adquirir a coisa locada; ele só a adquire se optar por isso (cfr. artigos 19 alínea c), 22 alínea e), 24 alínea f) do Decreto-Lei n. 171/79 de 6 de Junho).<br> E não se pode deixar de considerar esta directiva legal como consubstanciando uma autêntica norma imperativa, destinada a evitar possíveis abusos por bando do proponente do contrato, dada a sua posição de força na fixação do conteúdo do negócio. Ele pode ser obrigado a vender, mas não pode impor a venda.<br> Trata-se de uma norma que não pode ser derrogada por vontade das partes por, no fundo, se integrar, também, na luta, que é de premente interesse público, com assento, como atrás se referiu, na nova Constituição, contra os abusos do poder económico e em defesa do consumidor.<br> Assim, a cláusula em apreço, na medida em que conflitua com a norma imperativa enfocada, é nula, nos termos do artigo 280 n. 1 do Código Civil, sem que, obviamente, isso afecte a validade do negócio onde se insere, como decorre do disposto no artigo 292 do mesmo diploma.<br> Repare-se, por último, que a proclamada nulidade da cláusula referenciada não fecha as portas à possibilidade da Autora, ora recorrente, se ressarcir de quaisquer prejuízos que porventura subsistam como decorrência da resolução dos contratos, consequente ao inadimplemento por parte da Ré recorrida.<br> Problema que, a este nível, se pode suscitar é o de saber se a indemnização eventualmente devida visa o "dano de confiança" ou se se identifica com o "interesse de cumprimento (cfr., por todos, Brandão Proença, in A Resolução do Contrato no Direito, página 199 e seguintes).<br> Mas esta questão já não tem aqui cabimento.<br> Nestes termos, nega-se a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.<br> Custas pela recorrente.<br> 5 de Julho de 1994.<br> Machado Soares;<br> Fernando Fabião;<br> Silva Montenegro.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> A, B, C, D, E, F, G e H, intentaram a presente acção ordinária contra a Fábrica de Lacticínios de Santa Maria, Ltda, pedindo se declarassem nulas as deliberações de aumento de capital votadas nas assembleias gerais extraordinárias realizadas em 9 de Maio e 19 de Outubro, de 1990, bem como as deliberações tomadas no dia 19, de alterar o artigo 6 e parágrafo 1 do pacto social e nomear o sócio I e ainda J, gerentes da ré.<br> E, se assim não se entendesse, pediam também que as referidas deliberações fossem anuladas.<br> Na primeira assembleia o capital social da R. foi aumentado de 1200000 escudos para 6200000 e na segunda para 12200000 escudos.<br> A R. contestou e os AA. responderam. Seguiu-se o despacho saneador que arrolou a deliberação tomada em 1 de Outubro na parte em que deliberou aumentar o capital social em mais de seis milhões de escudos a subscrever totalmente pelo sócio I e, no mais, julgou a acção improcedente.<br> Desta decisão recorreram AA. e R., mas esta subordinadamente. A Relação de Coimbra negou provimento a ambos os recursos, confirmando inteiramente a sentença apelada.<br> Continuando inconformados, AA. e R. recorreram para este Supremo Tribunal.<br> No recurso principal os AA. concluem, em essência, o seguinte:<br> - Como consta da acta da assembleia geral extraordinária da R. de 9-5-90, considerou-se que tinha sido deliberado o aumento de capital da R. de 1200000 para 6200000 escudos, apenas com a presença de um sócio e representação de outro, com quotas no valor nominal de 690000 escudos, representando, portanto, 57,7 por cento do capital social.<br> - Nos termos do artigo 265, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, as deliberações de alteração do contrato só podem ser tomadas por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social ou por número mais elevado de votos se, exigido pelo contrato de sociedade.<br> - Deste modo, a referida deliberação tem de se considerar não tomada, o que significa ue ela não se pode considerar simplesmente anulável, nos termos do artigo 58 do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que a anulabilidade pressupõe que, efectivamente, se tenha tomado uma deliberação.<br> - Trata-se, no caso, de uma deliberação nula, nos termos da alínea d) do n. 1, do artigo 56 do referido Código, uma vez que o seu conteúdo global ofende o preceituado no n. 1 do artigo 265 do mesmo Código, que não pode ser derrogado.<br> - Ao não se considerar nula a deliberação em apreço, mas apenas anulável, deu-se como verificada a caducidade da acção por já ter decorrido o prazo de 30 dias quando foi proposta, nos termos n. 2 do artigo 59 do Código das Sociedades Comerciais, pelo que foram violadas, não só esta disposição, mas todas que foram citadas anteriormente.<br> - Da nulidade da falada deliberação, face ao disposto no artigo 289, n. 1, do Código Civil, decorre necessariamente a nulidade das deliberações da assembleia geral extraordinária de 19 de Outubro de 1990 e de que resultou o aumento do capital social de 6200000 escudos para 12200000 escudos, a alteração do artigo 6, parágrafo 1 do pacto social e a nomeação do sócio I e de J como únicos gerentes da R.<br> - Ao não se considerarem nulas as deliberações acabadas de referir, impunha-se que todas elas fossem anuladas ao abrigo do disposto no artigo 58 do Código das Sociedades Comerciais.<br> - Com efeito, as mesmas deliberações tomadas com o voto favorável exclusivo do sócio I não vieram prosseguir interesses da sociedade mas apenas conseguir vantagens ilegítimas para esse sócio, em prejuízo dos sócios aqui AA. e também da sociedade.<br> - Ao contrário do que se referem as instâncias foram alegados factos tendentes a evidenciar o que é referido na anterior conclusão.<br> Terminaram os recorrentes por pedir que, com a procedência da revista se procedesse à declaração de nulidade de todas as deliberações sociais referidas no pedido. O que merecem frontal discordância da R. Esta, no seu recurso subordinado conclui, em resumo, do seguinte modo.<br> - A convocatória para a Assembleia Geral de Outubro de 1990, no que diz respeito ao aumento de capital preencheu os requisitos legais.<br> - É que no caso de aumento de capital, nada mais pode constar do aviso convocatório do que o próprio aumento em si.<br> - A decisão sobre o seu montante, a modalidade, etc., e demais requisitos constantes do artigo 57 do Código das Sociedades Comerciais, devem ser decididos pelos sócios, pelo que a sua decisão precisa na convocatória, para além de extemporânea, pode surgir "falseada".<br> Assim, o constante desse artigo 57 não deve servir para aferir o cumprimento do disposto no artigo 58, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais. <br> Colhidos os vistos, cumpre decidir. <br> Sem margem para reparos, as instâncias deram como provados os seguintes factos:<br> 1 - Por escritura de 18 de Agosto de 1966, foi constituída a sociedade de R., com o capital social de 1200000 escudos, assim distribuído: L, 75000 escudos, M, 75000 escudos, A, 150000 escudos, N, 150000 escudos, O, 150000 escudos, P, 150000 escudos, Q, 100000 escudos, I, 100000 escudos, R, 100000 escudos e S 150000 escudos.<br> 2 - Por escritura de 27 de Dezembro de 1972, a quota do sócio L ficou a pertencer a seu filho M.<br> 3 - Por escritura de 10 de Janeiro de 1973 este cedeu metade da sua quota a sua mãe T.<br> 4 - Por escritura de 22 de Setembro de 1978, o sócio R cedeu a sua quota de 100000 escudos a I.<br> 5 - Por escritura de 31 de Outubro de 1979 S cedeu a sua quota de 150000 escudos a R.<br> 6 - Por escritura de 30 de Maio de 1980, este cedeu a mesma quota a S.<br> 7 - Por escritura de 27 de Fevereiro de 1981 a quota de N ficou a pertencer a B e seus filhos C, D, E, F e G.<br> 8 - Por escritura de 4 de Junho de 1981, P cedeu a sua quota de 150000 escudos ao sócio I. No mesmo acto, O decidiu a sua quota de<br> 150000 escudos em três, duas de 60000 escudos e outra de 30000 escudos. Uma de 60000 escudos foi cedida ao sócio A, outra de igual importância ao sócio S e a de 30000 escudos ao sócio I.<br> 9 - Por escritura de habilitação de 20 de Abril de 1990, por óbito de T, metade da sua quota de 75000 escudos passou a pertencer a seus filhos H e M.<br> 10 - Por escritura de Fevereiro de 1990 S cedeu as suas quotas de 150000 escudos e 60000 escudos a I.<br> 11 - Por escrito de 28 de Junho de 1990, M cedeu a sua quota de 75000 escudos ao sócio A.<br> 12 - Por escritura de 16 de Outubro, M cedeu a A metade da quota de 75000 escudos herdados de seu pai L e metade da sua quota de 37500 escudos herdada de sua mãe T.<br> 13 - Os únicos sócios da R. passaram a ser: A com capital de 590000 escudos, A com o capital de 341250 escudos, N, herdeiros com o capital de 150000 escudos, Q com o capital de 100000 escudos e H com o capital de 18750 escudos.<br> 14 - No dia 9 de Maio de 1990 foi realizada uma assembleia geral extraordinária da R. tendo-se deliberado aumentar o capital social em mais 5000000 escudos, a realizar em dinheiro e a subscrever integralmente pelo sócio I. Esta deliberação foi aprovada com o voto deste, que também representava o sócio Q.<br> 15 - Em 3 de Outubro de 1990 o sócio gerente I convocou uma assembleia geral extraordinária da R. com a seguinte ordem de trabalhos: a) alteração do parágrafo 1 do artigo 6 do pacto social com o aumento do capital social, com ou sem entrada de um sócio e a adaptação da cláusula 5 do pacto; b) eleição da nova gerência.<br> 16 - Com nova redacção do parágrafo 1 do artigo 6 do pacto social, foi sugerida a seguinte fórmula: "Para obrigar e representar a sociedade basta a intervenção de um sócio".<br> 17 - No dia 19 de Outubro de 1990 realizou-se a convocada assembleia tendo-se deliberado o seguinte: alterar o artigo 6 parágrafo 1 do pacto social dando-lhe esta redacção:<br> "Para representar e o obrigar a sociedade, é necessária a intervenção de dois gerentes. O sócio I faz obrigatoriamente parte da gerência e enquanto se mantiver no exercício dessas funções basta a sua intervenção para representar e obrigar a sociedade". E, ainda, aumentar o capital social em mais seis milhões de escudos, a subscrever totalmente pelo sócio I e passar a gerência a ser exercida por este sócio e por J.<br> 18 - As deliberações referidas foram tomadas com o voto favorável de I e desfavorável de todos os outros presentes.<br> Estes os factos. Há que ver agora se as instâncias julgaram o pedido de anulação das questionadas deliberações sociais em conformidade com a lei. Para o efeito seguir-se-à a metodologia utilizada na Relação. x x x<br> Já se referiu que na assembleia realizada em 9 de Maio de 1990 foi deliberado aumentar o capital social de 1200000 escudos para 6200000 escudos, a realizar em dinheiro e a subscrever integralmente pelo sócio<br> I. Esta deliberação foi votada por o referido sócio I e ainda pelo sócio Q, representado por aquele, sendo na altura os montantes das suas quotas de 590000 escudos e 100000 escudos num capital social de 1200000 escudos.<br> Nesta conformidade, os recorrentes sustentam que a questionada deliberação é nula por ter sido tomada apenas por 57,5 por cento do capital social, quando a lei exige uma maioria qualificada de 3/4, isto é, 75 por cento desse capital. Baseiam-se no disposto no n. 1, do artigo 265 do Código das Sociedades Comerciais, que visa especificamente as sociedades por quotas e determina que as deliberações de alteração de contrato só podem ser tomadas por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social ou por número ainda mais elevado de votos exigido pelo contrato de sociedade. E, ainda, no artigo 56, n. 1, alínea d), do mesmo Código, por dispor que são nulas as deliberações dos sócios cujo conteúdo seja ofensivo de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.<br> As instâncias aceitaram que o normativo legal citado era aplicável ao caso, só que não originou uma nulidade mas apenas uma anulabilidade que deveria ter sido judicialmente suscitada no prazo de 30 dias, de acordo com o estipulado no n. 2 do artigo 59 do Código das Sociedades Comerciais. Esse prazo terminou em 8-6-90 e como a presente acção só foi proposta a anulação da deliberação em apreço.<br> Daí que surja agora nesta revista, a delicada questão de decidir se a provada violação constitui uma nulidade ou deve qualificar-se como anulabilidade.<br> Como lucidamente esclarece Carlos Olavo no seu excelente trabalho, "Impugnação das Deliberações Sociais" (in Col. Jur. ano XIII, tomo 3 pag. 229 se uma determinada deliberação não obedecer aos pressupostos estruturais ou substanciais estabelecidos na lei, está viciada. O vício pode reportar-se ao processo de convocação da assembleia, ou à forma como a deliberação foi tomada, ou ainda ao respectivo conteúdo. Esclareceu também o ilustre jurista (ob. cit. pag 23) que as deliberações nulas se encontram previstas, em termos gerais, no artigo 56 do Código das Sociedades Comerciais e que as nulidades referidas na sua alínea d) se reportam ao próprio conteúdo da deliberação que visa sancionar a violação de normas imperativas. No entanto e concordando com Vasco Xavier (v. O Regime das Deliberações Sociais no Projecto do Código das<br> Sociedades, in Temas de Direito Comercial, página 8 e Revista de Legislação e Jurisprudência ano 118; página 75) adianta que não basta considerar como imperativa a norma violada para se verificar nulidade, há que atender ao modo como a violação se configura (v. ob. cit. página 24).<br> No acórdão recorrido julgou-se que a deliberação em apreço era meramente anulável, visto não ser o seu conteúdo mas o processo formativo da mesma que ofendia o n. 1 do artigo 265 do Código das Sociedades Comerciais, indubitavelmente um preceito imperativo. A decisão abonou-se na referida opinião de Vasco Xavier e, ainda, na de Luís Brito Correia expressa na página 272 do volume 3 do seu Direito Comercial. pode-se acrescentar que esta doutrina também foi adoptada no acórdão da Relação do Porto de 9-1-90, publicado na Colectânea de Jurisdição ano XV, tomo 1, página 220.<br> Mas será ela a mais correcta? Para responder, começa-se pela análise do exemplo dado por Vasco Xavier. Segundo o Saudoso Professor, é inquestionável que o preceito regulador da convocação das assembleias gerais nas sociedades anónimas (v. artigo 377 do Código das Sociedades Comerciais) contem normas imperativas, "maxime" as que fixam a antecedência mínima com que aquelas podem ser convocadas. Portanto, será nula a deliberação que pretenda fixar estatutariamente a diminuição desse prazo, ou que directamente o diminua.<br> Todavia, uma outra deliberação, sobre qualquer assunto, tomada em assembleia geral convocada com antecedência inferior à prevista no citado artigo 377, embora violadora desta norma, deve julgar-se anulável, por a violação não resultar do seu conteúdo, mas do processo formativo.<br> Deduz-se, assim, do exemplo de Xavier, que a deliberação, em si, nada tem a ver com a norma violada, que apenas respeita ao seu processo formativo. Por outro lado, a violação da lei já se verificava antes de ser tomada a deliberação anulada.<br> Independentemente deste distanciamento da deliberação em si e da norma violada, Vasco Xavier justificou a anulabilidade com a circunstância de que, no caso, a ofensa do preceito só afecta interesses disponíveis daqueles que, no momento do acto, eram sócios. É que, por via de regra, tais interesses podem ser perfeitamente defendidos por aqueles sócios, através da acção anulatória. Daí não ser necessário, nem se justificar o regime da nulidade (insusceptibilidade das deliberações produzirem os efeitos a que tendem, arguíveis sem dependência de prazo e por qualquer interessado, etc.), pela incerteza a que dava lugar (v. Revista de Legislação e Jurisprudência ano 118, páginas 74 e 75).<br> Acolhem-se perfeitamente as razões acabadas de referir para considerar apenas anuláveis e não nulas as deliberações tomadas com violação de norma imperativa, mas respeitante ao seu processo formativo. Sendo assim, é altura de decidir se a questionada deliberação de 9-5-90, se enquadra nesse condicionalismo.<br> Julga-se incontroverso que o disposto no n. 1 do artigo 265 do Código das Sociedades Comerciais constitui uma norma imperativa. Na verdade, nas sociedades por quotas não pode estabelecer-se uma cláusula estatutária que permita a deliberação do aumento de capital, com menos votos dos correspondentes a 75 por cento do capital social. O que pode é estipular-se, para o efeito, uma maioria superior a 75 por cento.<br> Por outro lado, também é inquestionável que os sócios podem aumentar o capital social das sociedades por quotas, através de deliberação tomada em assembleia geral, conforme resulta do disposto nos artigos 85, 87 a 93, 246, n. 1, alínea b) e 247, n. 2, todos do Código das Sociedades Comerciais.<br> Deste modo, o conteúdo da deliberação em causa não pode ser considerado ilícito, porque, limitando-se a determinar um aumento de capital social, não ofende nenhum preceito da lei. No entanto, uma vez que tal deliberação foi tomada por simples maioria e não por maioria qualificada, claramente que há a violação de uma norma imperativa. Só que esta violação, como é patente, não resulta do conteúdo da deliberação mas de seu pressuposto. Por conseguinte, o vício da deliberação não reside no que ela diz, mas na forma como foi obtida.<br> Também se julga que os interesses lesados com a dita violação são apenas os interesses dos sócios ao tempo da deliberação que podiam ser protegidos através da acção anulatória prevista no artigo 59 do Código das<br> Sociedades Comerciais. Não se entender assim, a optar-se pelo regime da nulidade, os inconvenientes que daí podiam resultar, seriam nefastos para a sociedade, como adverte Vasco Xavier (in Revista de Legislação e Jurisprudência ano 118, página 139). Conforme o citado acórdão perfeitamente estabilizada, com balanços aprovados, lucros distribuídos e créditos em função do capital social, ou nulidade permitiria, muito tempo depois da deliberação, a diminuição substancial desse capital, perturbando, assim, gravemente a vida futura da sociedade.<br> Não bastam, porém, as considerações acabadas de expor.<br> Pela sua importância, melindre singularidade, a falta de maioria simples, de maioria qualificada ou estatutariamente prescrita, das deliberações sociais, tem sido especialmente abordada pela doutrina (V. Vasco Xavier in Revista de Legislação e Jurisprudência ano 118, páginas 138 e 139 e Carlos Olavo in Colectânea de Jurisprudência ano XIII tomo III, páginas 25 e 26).<br> Segundo os autores referidos, se uma proposta não obteve a maioria dos votos na assembleia e isso é ostensivo no próprio colégio, não surge exteriormente algo que possa configurar-se como uma deliberação positiva. Ela deve, pois, considerar-se inexistente. É este o resultado pretendido pelos recorrentes, mas que não pode vingar, uma vez que na assembleia em causa houve uma maioria, daí que a deliberação em causa se tenha de considerar positiva. A questão podia levantar-se se no decurso da assembleia os sócios presentes tivessem sido advertidas da necessidade de uma maioria qualificada, derivada de exigência legal.<br> Não consta, porém, dos autos que essa advertência alguma vez tivesse sido feita.<br> Disse ainda Vasco Xavier (v. ob. e loc. cit.), quando o procedimento deliberativo atingiu ostensivamente um resultado positivo, a circunstância de, perante os factos e o direito aplicável, não se haver na realidade obtido a maioria qualificada, que na espécie se requeria não justifica que se fale de inexistência do acto. A solução preferível será a anulabilidade, pelas razões que atrás se expuseram. Carlos Olavo é da mesma opinião (v. ob. e loc. cit.).<br> Face ao exposto, julga-se não haver fundamento para se aplicar o regime de nulidade à questionada violação da lei ocorrida na assembleia geral de 9 de Maio de 1990. <br> Relativamente à assembleia geral de 19 de Outubro de 1990, já se referir o que nela se deliberou e os termos em que foi elaborada a respectiva convocatória. Quanto ao primeiro aspecto, no recurso principal os recorrentes pedem que se declarem nulas:<br> - a deliberação que aumentou o capital social de 6000000 escudos para 12200000 escudos,<br> - a que alterou o artigo 6 parágrafo 1 do pacto social e<br> - a que nomeou o sócio I e J gerentes da ré.<br> Ou então, que elas sejam anuladas. Basearam o seu pedido de declaração de nulidade no disposto nos artigos 28, n. 1, do Código Civil, 56 n. 1, alínea d) e 265, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, partindo do pressuposto de se julgar nula a falada deliberação de aumento de capital votada na sobredita assembleia geral de 19-5-90. Deste modo as deliberações em apreço teriam sido tomadas por votação correspondente apenas a 47,5 por cento do capital social. Todavia, dado o que se decidiu quanto à nulidade daquela assembleia geral de 19-5-90, não colhe a pretensão dos recorrentes AA. por lhe faltar o pressuposto da declaração de tal nulidade. Mas tendo encarado esta situação, alegam em alternativa os mesmos recorrentes, que as deliberações em causa devem ser anuladas ao abrigo do preceituado no artigo 58, n. 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais. Sendo assim, há que fazer um esclarecimento, já que a deliberação respeitante ao aumento do capital social foi anulada pelas instâncias e é objecto de recurso subordinado. Não obstante, tal deliberação deve ser agora considerada, independentemente da decisão desse recurso subordinado, face à imputação que lhe é feita nos termos do catado artigo 58 n. 1, alínea b). Segundo este preceito, são anuláveis as deliberações apropriadas para satisfazer o desejo de um sócio conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens para ele ou para terceiros, com prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou só de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.<br> Considerando o citado normativo alegam os recorrentes<br> AA. que todas as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de 19-10-90, com o voto favorável e exclusivo do sócio I, visaram conceder.lhe vantagens ilegítimas, em prejuízo deles sócios recorrentes e da própria sociedade. Mais concretamente, a manterem-se as questionadas deliberações, eles AA. ficam, na realidade, despojados de qualquer poder de intervenção na vida da sociedade por se concentrarem todos os poderes na pessoa do sócio I que passa a dispor plenamente da sociedade. Na prática os recorrentes são escorraçados da sociedade sem qualquer compensação.<br> No que respeita a esta matéria, julgou a Relação que os AA. nos artigos 61 a 67 da petição inicial se limitaram praticamente a reproduzir os termos legais, não alegando um quadro fáctico que, a ser provado, pudesse caracterizar o invocado abuso.<br> Os recorrentes AA., diversamente concluem ter alegado factos tendentes a evidenciar o que acima foi referido.<br> E que factos foram esses tendentes a evidenciar as ilações não aceites pelas instâncias? Na minuta de recurso refere-se, em essência, o seguinte:<br> - A comparação do inicialmente disposto no artigo 6 parágrafo 1 dos estatutos da Sociedade R., com a nova redacção emergente da respectiva deliberação anulada.<br> - O votado aumentado de capital em que o sócio I passava a dispor de 91,98 por cento do mesmo.<br> - A nova composição da gerência.<br> Portanto, segundo os recorrentes AA., era assim evidente concluir-se que o dito sócio I passava a dispor de um capital que lhe permitia, a par das demais deliberações anuladas, ser o único a representar a Sociedade e a obrigá-la, com puro detrimento dos demais sócios, contrariando o inicialmente acordado entre todos eles.<br> Contrariando a alegação dos AA., sempre a R. disse que os questionados aumentos do capital social. Visaram debelar a grave crise sócio-económica que a afecta. Foi com sacrifício que o sócio Saraiva de Almeida entrou com o aumento de capital, já que os outros sócios não quiseram participar nesse aumento, pois apenas pretendem auferir lucros, sem investir nem trabalhar.<br> Mais disse a R. é o mencionado sócio I que gere o dia da empresa, que mais directamente vive as necessidades desta e que constantemente negoceia em seu nome, perante a passividade ou impossibilidade dos demais sócios ou grupos de sócios. Assim, as deliberações tomadas visaram uma situação de facto numa situação de direito.<br> Entenderam as instâncias não averiguar esta matéria de facto controvertida. Por outro lado, não ignorando os elementos de prova ora indicados pelos recorrentes AA., nesta revista, consideram-nos insuficientes para chegar às ilações factuais pretendidas por aqueles.<br> Nesta conformidade, julga-se que os recorrentes AA., acusaram o acórdão recorrido de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa. O que não pode ser objecto de recurso de revista face ao disposto no n. 2 do artigo 722 do Código de Processo Civil, por não se verificarem as excepções aí referidas.<br> Não pode, pois, este Supremo Tribunal anular as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária da R. de 19-10-90, nos termos pretendidos pelos recorrentes AA. <br> Conforme já se referiu foi anulada a deliberação tomada na dita assembleia geral extraordinária de 19-10-90, respeitante ao aumento do capital social da R. em mais seis milhões de escudos, a subscrever totalmente pelo sócio I. Tal anulação foi decretada e confirmada nas instâncias, com o fundamento da convocatória, nesse ponto, ser deficiente e omissa em elementos essenciais, considerados como informação mínima a prestar aos sócios.<br> Na convocatória em questão, e na parte que aqui interessa, esclarecia que integrava a ordem de trabalhos, a alteração do parágrafo 1 do artigo 6 do pacto social com o aumento do capital social com ou sem entrada de um novo sócio.<br> Reagindo contra o que assim se decidiu no acórdão recorrido, conclui a R. no recurso subordinado que, no caso de aumento de capital, nada mais pode constar do aviso convocatório, do que o próprio aumento em si.<br> Como são os sócios que decidem o seu montante, modalidade e demais requisitos constantes do artigo 57 do Código das Sociedades Comerciais, a sua descrição precisa na convocatória, para além de extemporânea pode surgir "falseada". Portanto, conclui a R. que o conteúdo desse artigo 57, não serve para aferir o cumprimento do disposto no artigo 58, n. 1, também do Código das Sociedades Comerciais.<br> Antes de se prosseguir convém esclarecer que houve um lapso material nas conclusões da recorrente ré. Parece óbvio que ele se quis referir ao disposto no artigo 87, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais e não as que consta no artigo 57 do mesmo Código, que nada tem a ver com o assunto ora em apreço.<br> Na realidade, segundo a alínea c) do n. 1 do artigo 58 do Código das Sociedades Comerciais, são anuláveis as deliberações que não tinham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação. E esclarece o n. 4 do mesmo artigo 58 que se consideram elementos mínimos de informação, as menções exigidas pelo artigo 377, n. 8 e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.<br> Segundo esse n. 8, do artigo 377, o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras clñusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.<br> Atento o sistema do Código das Sociedades Comerciais, é indubitável que o aumento do capital social constitui uma alteração do contrato de sociedade. Basta ver as epígrafes dos artigos 85 e 87. Por conseguinte, para que numa assembleia geral de uma sociedade comercial se possa validamente deliberar um aumento do capital da sociedade, é necessário que a respectiva convocatória obedeça ao preceituado naquele n. 8 do artigo 377. Ora no caso "sub-judice", a convocatória da assembleia geral extraordinária de 19-10-90 não refere as cláusulas que se pretendem modificar suprimir ou aditar. Nem com muito boa vontade se poderia aceitar que a simples indicação de aumento de capital social, bastava para esse efeito. E também omitiu a convocatória, o texto integral de cláusula ou cláusulas a propor, ou de que tal texto ficava à disposição dos sócios na sede social.<br> Resulta assim, das disposições combinadas dos artigos 58, n. 1, alínea c) e 4 e 377, n. 8, do Código das Sociedades Comerciais, que a questionada convocatória não transmitiu aos sócios os elementos mínimos de informações. E violou a lei de uma forma tão flagrante e ampla que nem sequer é necessário discutir se o texto proposto de alteração do pacto social, deve obedecer ao normativo previsto no artigo 87, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais. Porém, dada a forma algo chocante como a recorrente ré pretende justificar a falta cometida, sempre se dirá que um texto de proposta de alteração do capital social, visando o seu aumento, deverá ter em conta esse preceito.<br> O exemplo dado pela R. não colhe. Quem inventa um montante qualquer para aumentamo do capital social, por não fazer ideia do mesmo e fabrica dados para os meter na convocatória age de forma ilícita. Uma proposta de aumento de capital social é um assunto sério atentas as consequências que daí poderem advir para a vida da sociedade e para os direitos e obrigações dos sócios. O facto de uma determinada proposta concreta poder vir a ser alterada numa assembleia geral, aliás como está previsto na lei, não autoriza o proponente a inventar montantes e fabricar dados. Quem assim proceder age de má-fé, pois viola um princípio fundamental do nosso direito privado expresso, entre outros, nos artigos 227, 334 e 762 do Código Civil. É em nome desse princípio que as propostas de aumento de capital social das sociedades comerciais devem ser claras e fundamentadas para que os sócios as possam votar e discutir conscientemente. E o mesmo reflecte-se na combinação das citadas disposições dos artigos 58, n. 1, alínea c) e 4, 87, n. 1 e 377, n. 8, do Código das Sociedades Comerciais. Tanto assim, que uma deliberação tomada à revelia de tais disposições, para além de poder ser anulada é praticamente ineficaz já que o notário não deve lavrar a necessária escritura de aumento (v. artigo 90 n. 1 do Código das Sociedades Comerciais), sendo obvias as consequências práticas daí decorrentes.<br> Em suma, numa convocatória de assembleia geral, a seca proposta de aumento de capital, sem mais dados concretos, não fornece aos sócios os elementos mínimos de informação para deliberarem. A concretização dessas propostas, nos termos legais devidos, não traduz uma "falsidade", face à possibilidade delas poderem vir a ser alteradas na assembleia geral. <br> Nestes termos decide-se negar as revistas, quer a formulada pelos AA., quer a formulada pela R., confirmando-se inteiramente o acórdão recorrido.<br> Os recorrentes autores pagarão as custas devidas pelo recurso principal e a recorrente ré, as emergentes do recurso subordinado. Intercalou-se: "que", "e obrigar", "tomo 3" e "pelos".<br> Lisboa, 6 de Outubro de 1993<br> António Pais de Sousa.<br> Santos Monteiro.<br> Pereira Cardigos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1 - A - entretanto falecido e representado pelos seus sucessores e mulher B, C e mulher D, E, F e marido G, H e I propõem a presente acção contra J, pedindo que: a) Se declare que são os únicos e legais herdeiros da falecida L; que caducou o testamento, de 27 de Outubro de 1977, no qual ela instituiu o Réu como seu único e universal herdeiro; e nula e de nenhum efeito a escritura de habilitação de 20 de Junho de 1991, na qual o Réu foi habilitado como único herdeiro de L; b) e se condene o Réu a reconhecer aqueles pedidos.<br> Alegaram, para tanto, em resumo, que a L faleceu, sem descendentes, nem ascendentes e no estado de divorciada do Réu desde 9 de Novembro de 1987, pelo que, aquele testamento, não corresponde à realidade da escritura de habilitação, em que o Réu é declarado<br> único herdeiro de L.<br> Devidamente citado, o Réu contestou por excepção e por impugnação, afirmando, de útil: os Autores, irmãos e sobrinhos, filhos de irmãos já falecidos, de L nunca a visitaram durante o longo período de doença que a vitimou, constituindo abuso de direito invocarem agora direitos sucessórios e, como a falecida foi declarada única culpada do divórcio nos termos artigo 1791, as deixas testamentárias incluem-se entre os benefícios que o Réu, cônjuge inocente, tem direito a conservar.<br> No saneador, foi a acção julgada procedente.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação do Porto - folhas 99 a 103 - revogando a sentença recorrida, julgou a acção improcedente.<br> Daí a revista.<br> 2 - Os Autores recorrentes nas suas alegações concluem: a) O douto Acórdão recorrido, ao considerar válido e eficaz o testamento que L fizera a favor de seu marido J e como tal o considerando o único herdeiro instituído daquela, violou por erro de interpretação o artigo 1971, n. 2 do<br> Código Civil e por erro de não aplicação o artigo 2317 do mesmo diploma. b) Pelo que se deve proferir acórdão do qual conste que a citada disposição testamentária caducou, que a escritura de habilitação de herdeiros, na parte respeitante ao, ora recorrido J, é nula, e em consequência que, os herdeiros de L, são os recorrentes.<br> O recorrido contra-alegou.<br> 3 - Corridos os vistos, cumpre decidir.<br> 4 - Está provado pela Relação: a) L e J casaram um com o outro em 26 de Fevereiro de 1958. b) Por testamento público de 27 de Outubro de 1977<br> L instituiu "único e universal herdeiro seu marido J, consigo convivente". c) Em acção proposta por J contra L, por sentença de 9 de Novembro de 1987, transitada em julgado (segundo o averbamento ao assento de nascimento desta, em 19 de Novembro de 1987 ou, de acordo com a certidão folha 46, em 4 de Dezembro de<br> 1987) foi decretado o divórcio de ambos e declarado a ali Ré culpada exclusiva. d) L faleceu em 2 de Junho de 1991 sem descendentes, nem ascendentes.<br> 5 - Constata-se, assim, que por sentença de 9 de Novembro de 1987, transitada, foi decretado divórcio, dissolvendo-se o casamento de L e do Réu, por culpa exclusiva daquela.<br> O divórcio dissolve o casamento, e tem, juridicamente, os mesmos efeitos da dissolução por morte, ressalvadas que sejam as excepções consagrada na lei - artigo 1788.<br> Esses efeitos são pessoais e patrimoniais.<br> E produzem-se em relação aos cônjuges, aos filhos e a terceiros.<br> Interessa-nos, só agora, as relações patrimoniais entre os cônjuges.<br> A declaração judicial de cônjuge culpado tem aqui efeitos importantes: a) Na partilha dos bens:<br> Cada um levanta os seus próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que deve a este património - artigo 1689, n. 1.<br> Só que, o cônjuge declarado único ou principal culpado não pode receber, na partilha, mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos - artigo 1790. b) No direito a alimentos:<br> Só se reconhece direito à prestação de alimentos ao cônjuge inocente ou ao portador de anomalia mental que tenha servido de fundamento ao direito - artigo 2016 n.<br> 1 alínea a) e b).<br> É sabido que se discute a natureza jurídica do direito a esta prestação: alimentar ou de assistência e indemnizatória.<br> No actual direito português ambos: há vestígios de duas ideias.<br> A lei francesa n. 75-617, de 11 de Julho de 1975 foi fortemente inspiradora da nossa alteração legislativa imposta pelo Decreto-Lei n. 496/77.<br> O Código Civil Francês distingue "pensão alimentar",<br> "prestação compensatória" e "indemnização".<br> A ideia de proporcionalidade - artigo 2004 -; os critérios de fixação do montante dos alimentos - artigo<br> 2016 n. 3, como reflexo de que a prestação é o prolongamento da obrigação do n. 1 artigo 1675 e do artigo 2015, de modo a que ainda aqui surja a responsabilidade do mais abonado, no caso de culpas iguais ou, a atitude excepcional ao cônjuge inocente ou menos culpado - artigo 2016 n. 2, tudo mostra a justificação pela reminiscência do dever de assistência.<br> Por outro o caracter indemizatório vai justificar a obrigação de prestar alimento por parte do cônjuge culpado ou tido por principal culpada no divórcio. c) Na ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.<br> Só o cônjuge inocente ou o que com anomalia mental contra o qual tenha sido obtido o divórcio, por virtude de tal anomalia, têm direito a ser ressarcidos por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 1792, provenientes do divórcio e não os causados pelos factos que serviram de base ao divórcio.<br> E só os não patrimoniais, por os patrimoniais terem sido excluídos e constarem do artigo fonte, o artigo<br> 266 Código Civil Francês - alínea 1; "Préjudice matérial et moral". d) Nos benefícios recebidos.<br> Pelo n. 1 artigo 1791 "o cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos os benefícios recebidos...".<br> "Trata-se de uma sanção, de uma "pena civil" que a lei aplica ao cônjuge culpado, o qual, dando pelo seu comportamento causa ao divórcio, mostrou não merecer os benefícios provenientes do outro cônjuge" - Professor<br> Pereira Coelho, Curso D. Familiar I, tomo II, 1971,<br> Página 353.<br> E por ser este o espírito desta disposição é que em contrapartida o cônjuge inocente benefícia destes benefícios atribuídos na mesma circunstância - artigo 1791, n. 2.<br> E tais benefícios serão, entre outros, "as deixas testamentárias em forma de legado ou de instituição de herdeiro, com que o cônjuge inocente tenha beneficiado o culpado" - Professor Pereira Coelho, obra citada,<br> Página 354 e Eduardo Santos, Direito Familia, 1985, Página 424 e R. Bastos IV, Página 62.<br> 6 - Está assente que anteriormente ao decretamento do divórcio em Novembro 1987, por testamento público, de 27 de Outubro de 1977, a L instituiu o Réu, seu então marido, "único e universal herdeiro".<br> O artigo 2317 enumera, não taxativamente, por usar a expressão "além de outros casos", hipóteses de caducidade de disposições testamentárias.<br> E na alínea d) preceitua "Se o chamado à sucessão era o cônjuge do testador e à data de morte deste se encontravam divorciados... por sentença já transitada...".<br> Na sentença de 1. instância, a folha 74/verso, in fine e 75 escreveu-se "se a razão de ser deste preceito consiste em que todas as liberalidades são feitas intuito personae faltando esse motivo afectivo, é lógico e racional que a ineficácia da disposição testamentária opere imediatamente, e com base na simples dissolução de casamento por divórcio".<br> Daí ter julgado procedente a acção.<br> Ex adverso, o douto Acórdão recorrido, Página 102, interpretou relativamente aquela alínea d) artigo 2317, ela "há-de sofrer de restrição do campo de aplicação que a compatibilize com a previsão do artigo 1791 nestes termos: a disposição testamentária de instituição de herdeiro, como a de nomeação de legatário, caduca se o chamado à sucessão era cônjuge do testador e à data da morte se encontravam divorciados, excepto se o chamado foi declarado cônjuge inocente ou não principal culpado".<br> E fez correr em seu auxílio o Professor Vaz Serra, quando na Rev. Leg. Jur. ano 105, Página 94, comentando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 1971, Boletim 206, Página 65, discordando da aplicabilidade do artigo 2317 alínea d) às disposições testamentárias anteriores ao actual Código Civil, escrevia referindo-se à culpa do testador "pode observar-se ainda que se a separação foi devido a culpa do marido (testador) bem poderia essa circunstância tê-lo determinado a não revogar a disposição testamentária que fizera a favor da mulher - artigo<br> 1785", hoje artigo 1791.<br> É uma achega da relativa importância porque o concertador procura solucionar o problema de caducidade do testamento feito na vigência de anterior código, embora o falecimento do seu autor tivesse decorrido já em 1969, através da busca de vontade conjectural do testador, isto é, "com o saber se a eficácia de disposição testamentária depende, ou não, de vontade que o testador teria tido se houvesse previsto circunstâncias supervenientes susceptíveis de a determinar a não fazer essas disposições".<br> Mas já é marco assinalável a sensibilidade jurídica do comentador, Página 95 "a nova lei seria de discutível legitimidade, se fosse entendida, como o fez o acórdão, com um alcance absoluto, sem distinguir conforme a causa da separação ou a vontade conjectural do testador".<br> 7 - Só que, hoje, dúvidas não há: o artigo 2317 alínea d) não pode ser interpretado e aplicado conforme se decidiu na 1. instância.<br> A interpretação dogmática, pressuposto de um sistema jurídico dogmático - direito como ordem só objectiva - em que se aprova a teoria tradicional, cede hoje a passo à interpretação teleológica visando a realização prática do direito ou de justiça.<br> Tal devido ao surgir também como "resultado de interpretação", a interpretação correctiva, a redução teleológica e a extensão teleológica e, por outro lado,<br> à indispensabilidade de recurso a elementos normativos transpositivos.<br> Na interpretação clássica, a interpretação restritiva ocorreria sempre que a letra da lei fosse mais ampla que o seu espírito sentido, determinável pelos outros elementos: histórico sistemático ou racional.<br> Elementos que não tinham entre si preponderância, hierarquia, abstractamente, mas que para a solução do caso concreto um seria efectivamente o que potenciava uma maior força argumentativa, o que significaria o seu caracter tópico.<br> Na redução teleológica saímos da adequação da letra da lei ao seu espírito e entramos na correcção da lei fundada teleológicamente - Larenz, Método, 6. edição, Página 391.<br> "A linha de orientação exacta só pode ser, pois, aquela em que as exigências de sistema e de pressupostos fundamentos dogmáticos não se fechem numa auto-suficiência, a implicar também a auto-subsistência de uma hermenêutica unicamente explicitante, e antes se abram a uma intencionalidade normativa que, na sua concreta e judicativo-decisória realização, se oriente decerto por aquelas mediações dogmáticas, mas que ao mesmo tempo as problematize e as reconstitua pela sua experimentação concretizadora" - Professor Castanheira Neves, Metodologia, 1993, Página 123.<br> Na interpretação estão assim presentes as duas grandes coordenadas de racionalização jurídica: o sistema e o problema.<br> O direito não está, nem na norma, nem no caso, está na sua relação.<br> "A construção dos factos e a interpretação de normas estão entre si numa relação de mútua correlatividade" - Arthur Wangmann.<br> Na lição do Professor M. Cordeiro, Ciência do Direito - Metodologia Jurídica nos finais do Século XX, ROA, n. 48, 1988, Página 762.<br> "Não quer dizer que se percam ou devam perder todos os clássicos elementos de interpretação e de aplicação em nome de reducionismo informe. Apenas se chama a atenção para a necessidade de, aquando da realização do Direito, não perder de vista, em estereótipos, a natureza do labor em curso: Pode falar-se, num círculo ou espiral de realização do Direito; há que passar da interpretação à aplicação e, destas às fontes e aos factos, tantas vezes quantas as necessárias para obter uma síntese que supere todas essas fases, na decisão constituinte final".<br> Apenas na solução concreta há direito.<br> Para além do acatamento aos fins sociais insertos na tabbestand da norma a aplicar, como expressamente impõe o artigo 5 da Lei de Introdução ao Código Civil<br> Brasileiro, para se chegar a uma solução fundamentada e materialmente justa, há que andar um pouco mais, na busca de ele vir a ser socialmente aceitável, justificado.<br> Mas ainda e sempre dentro do sistema.<br> É a sinópica: a "discussão dos efeitos", ou "orientação pelos efeitos", ou "consideração dos efeitos", ou "legitimação pelo efeitos" ou "argumentos consequencialistas".<br> Trata-se de um conjunto de regras que "habilitando o interprete-aplicador a pensar em consequências, permitem o conhecimento e a ponderação dos efeitos das decisões" - Professor M. Cordeiro, obra citada, Página 766.<br> Há, pois, que surpreender a dialéctica entre sistema e problema no momento de aplicar a norma, visando uma racionalidade jurídica traduzida na justiça material do caso concreto.<br> 8 - E agora é fácil concluir.<br> - Houve um casamento em 1958.<br> - A mulher, em 1977, por testamento, instituiu seu marido único e universal herdeiro.<br> - Aquele casamento dissolveu-se por divórcio em 1987.<br> - A mulher - testadora - foi considerada única e exclusiva culpada.<br> - Veio a falecer em 1991, sem descendentes, nem ascendentes.<br> Sabe-se juridicamente:<br> - Perante a ruptura familiar que o divórcio representa dinamizando larga potencialidade de arrastar consigo sequelas que se projectam na vida patrimonial dos cônjuges, sabido por outro lado que numa liberalidade tem características intuitu personae, o direito sucessíveis, em princípio, determina a caducidade desta liberdade, justificando-se no decretamento do divórcio.<br> - O direito de família sanciona, em várias vertentes, o cônjuge culpado do divórcio, com a correlativa protecção do inocente, agora o Réu.<br> - A testadora desde 1987, data do divórcio contra si instaurado, a 1991 data da sua morte, teve tempo mais que suficiente para tomar posição quanto ao testamento que fez em 1977, nada constando dos autos, que não estivesse durante esse largo espaço de tempo, em condições de não o poder fazer.<br> - A Moral, particularmente sensível nesta zona de problemas, como fenómeno cultural orientador de comportamentos, é elemento suprapositivo a impor-se dentro de um quadro de soluções, através de uma jurisprudência ética.<br> - A sociedade percebe melhor a posição do Réu que a dos Autores, aceitando aquela.<br> 9 - Aplicando o artigo 2317 alínea d) ao caso em apreço, o douto Acórdão recorrido deu, pois, a solução correcta, interpretando-o, para tanto, restritivamente, junto a um sentido hermenêutico - exegético.<br> Melhor seria se tivesse seguido um sistema prático-normativo.<br> Termos em que, negando provimento ao recurso, se confirma o douto Acórdão recorrido.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 7 de Dezembro de 1994.<br> Torres Paulo;<br> Ramiro Vidigal;<br> Cardona Ferreira.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font> <p><font>&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> </p><p><font> I.</font> </p><p><font>AA intentou, em 12-04-2010, no Tribunal Judicial de Celorico de Basto, acção declarativa de condenação, sob a forma do processo ordinário, contra Construções BB, Lda., Construções CC, Lda., Companhia de Seguros DD, S.A., e Oficina FF, peticionando delas o pagamento da quantia de € 300 000 (trezentos mil euros) como compensação dos danos que sofreu em acidente de viação ocorrido em Espanha, em 02-05-2007.</font> </p><p><font>Para fundamentar a sua pretensão indemnizatória, invoca que seguia como passageiro no veículo automóvel de matrícula espanhola 0000-000, propriedade de uma das primeiras Rés (não conseguindo determinar qual delas é a verdadeira proprietária do veículo), conduzido por GG, quando se dirigia para uma obra que a segunda Ré estava a realizar em León, Espanha. </font> </p><p><font>Ao Km 15 da Auto -Via A/52 (em Benavente/Zamora), o condutor despistou-se, acabando o veículo por se precipitar em terreno adjacente à estrada em que circulava, sofrendo o Autor múltiplos traumatismos, tendo sido conduzido para o Hospital de Léon, onde esteve internado, e obtido alta clínica em 10-02-2008.</font> </p><p><font>Contestou, apenas, a Ré DD, enquanto seguradora da responsabilidade civil por acidentes ocasionados com aquela viatura, juntando a respectiva apólice e invocando a excepção peremptória de prescrição: aduz que seria aplicável ao caso a legislação espanhola, na qual se prevê o prazo de 1 ano para propositura da acção de responsabilidade civil extracontratual, há muito esgotado à data em que a presente acção deu entrada em juízo – cf. fls. 50 a 55.</font> </p><p><font>O Autor replicou, limitando-se laconicamente a pugnar pela aplicação da lei portuguesa, invocando os arts. 33.° do Código Civil (CC) e 3.º do Código das Sociedades Comerciais.</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>Foi proferido despacho saneador/sentença, em que se julgou procedente a excepção de prescrição invocada pela seguradora, por se considerar aplicável ao caso dos autos o Regulamento (CE) 864/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-07-2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (“Roma II”).</font> <p><font>Inconformado, o Autor recorreu, </font><i><font>per saltum</font></i><font>, para este Supremo Tribunal, tendo a Ré seguradora, contra-alegado.</font> </p><p><font>Por acórdão, proferido em 01-03-2012, o STJ concedeu provimento à revista, revogando o despacho saneador/sentença [na parte em que determinou o ordenamento jurídico aplicável com base no Regulamento (CE) 864/2007, por não ter cabimento na situação em discussão], e, em conformidade com o preceituado nos arts. 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), fixou como adequável ao caso a norma de conflitos do art. 45.º do CC.</font> </p><p><font>Mais se ordenou, nesse acórdão, a ampliação da matéria de facto de modo a apurar-se do eventual preenchimento da regra especial constante do n.º 3 daquele art. 45.º, esclarecendo-se a quem pertencia o veículo causador do acidente, qual era a nacionalidade das empresas demandadas e se a execução da relação laboral com a 1.ª Ré implicava ou não uma permanência meramente ocasional em território espanhol.</font> </p><p><font>Regressados os autos à 1.ª Instância, a Mma. Juiz convidou o Autor a suprir as insuficiências da petição inicial, em conformidade com o exarado no acórdão do STJ, no que aquele anuiu.</font> </p><p><font>O tribunal a quo ordenou oficiosamente a realização de diligências adicionais, e, subsequentemente, foi proferido o despacho saneador/sentença recorrido, julgando-se, uma vez mais, procedente a excepção peremptória de prescrição do direito que o Autor pretendia fazer valer neste pleito, absolvendo as Rés do pedido.</font> </p><p><font>Inconformado com esta decisão, vem o Autor interpor recurso </font><i><font>per saltum</font></i><font> para o STJ, ex vi do art. 725.º do CPC, suportando que o processo deve seguir os seus termos, por inverificada qualquer prescrição do direito reclamado, assinalando no final das alegações recursivas as subsequentes conclusões:</font> </p><p><i><font>“A. À matéria de facto dada como provada na sentença recorrida devem ser aditados os factos alegados no requerimento apresentado em 18.05.2012 porque não impugnados e, por isso, admitidos por acordo.</font></i> </p><p><i><font>B. Na data do acidente, o Recorrente era transportado gratuitamente no veículo de matrícula espanhola 0000000, conduzido por GG e propriedade da firma Construções CC, Lda., com sede em Lamoso, freguesia de Moreira do Castelo, concelho de Celorico de Basto.</font></i> </p><p><i><font>C. O Recorrente trabalhava ocasionalmente em Espanha na construção civil como empregado da referida firma Construções CC, numa obra que esta executava naquele País.</font></i> </p><p><i><font>D. A dada altura do percurso o veículo conduzido pelo referido GG despistou-se e como consequência do embate que se lhe seguiu o Recorrente sofreu vários danos físicos e morais.</font></i> </p><p><i><font>E. Tanto o Recorrente, como lesado, como o referido GG, como agente do facto lesivo (despiste), têm a nacionalidade portuguesa, e por isso, por força da 1.ª parte do n.° 3 do art. 45.° do CC, a lei aplicável ao caso é a lei portuguesa.</font></i> </p><p><i><font>F. A circunstância da ocasionalidade em país estrangeiro só é exigida na hipótese prevista na 2.ª parte do referido normativo, ou seja, na falta da mesma nacionalidade de lesado e agente.</font></i> </p><p><i><font>G. Todavia, e sem prescindir, mesmo que assim não fosse, a verdade é que o Recorrente trabalhava ocasionalmente em Espanha, uma vez que a sua residência permanente é, juntamente com seu agregado familiar (esposa e dois filhos), no lugar da Mota, freguesia de Fervença, concelho de Celorico de Basto,</font></i> </p><p><i><font>H. Onde ele vinha passar todos os fins de semana, já que ocasionalmente trabalhava naquela obra, mas constantemente mudava de local de trabalho, umas vezes nesse País, e outras, as mais habituais, em Portugal, sendo que em Espanha dormia num local fornecido pela entidade patronal.</font></i> </p><p><i><font>I. Embora a responsabilidade civil seja da firma proprietária do veículo e, consequentemente, da respectiva seguradora, o que importa, para efeito do citado n.° 3 do art. 45.°, não é a pessoa do civilmente responsável, mas sim a pessoa do agente do facto, que pode ser ou não a mesma pessoa, e no caso presente não é.</font></i> </p><p><i><font>J. Assim, a sentença ora recorrida faz uma errada interpretação e aplicação da lei, o referido n.° 3 do art. 45.° do CC, pelo que deve ser revogada e, consequentemente, ordenado o prosseguimento dos autos com elaboração do saneamento da matéria de facto,</font></i> </p><p><i><font>K. Uma vez que, nos termos da lei portuguesa, a aplicável, a prescrição só ocorre decorridos que sejam três anos após o facto lesivo, nos termos do art. 498.° do CC”.</font></i> </p><p><font> Contra-alegando, a Ré DD defende a manutenção da sentença recorrida concluindo na parte aqui relevante:</font> </p><p><i><font>“1. É manifesta a falta de razão do Recorrente.</font></i> </p><p><i><font>2. Entende o recorrente que se verificam as excepções previstas no artigo 45.°, n.° 3 do Código Civil para ser aplicada a lei portuguesa ao caso em apreço.</font></i> </p><p><i><font>3. Nos termos do n.° 3 do artigo 45.° do Código Civil, é necessário, para a aplicação da Lei Portuguesa, a verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber:</font></i> </p><p><i><font>a) Que o agente e o lesado tenham a mesma nacionalidade;</font></i> </p><p><i><font>b) Que o agente e o lesado se encontrem ocasionalmente em país estrangeiro.</font></i> </p><p><i><font>4. No que diz respeito ao primeiro pressuposto, desde logo, o responsável civil pela regularização do sinistro é a recorrida, a qual tem sede em Espanha. O veículo causador do sinistro é espanhol e a sua proprietária também o é. Significa isto que, no caso em apreço, o primeiro pressuposto não se aplica.</font></i> </p><p><i><font>5. Por outro lado, e ainda que assim não se entenda, também o segundo pressuposto não se aplica ao caso em apreço.</font></i> </p><p><i><font>6. Com efeito, na altura da ocorrência do acidente, o Autor estava a trabalhar em Espanha, regressando a Portugal apenas aos fins de semana.</font></i> </p><p><i><font>7. O Autor não se encontrava ocasionalmente em Espanha. Estava lá a trabalhar e residia lá pelo tempo que fosse necessário, regressando apenas aos fins de semana a Portugal. Não se trata de uma ida a Espanha ocasional, mas sim uma ida a Espanha com carácter de permanência para lá exercer a sua profissão.</font></i> </p><p><i><font>8. Outra conclusão não se poderá retirar que não seja a de que a lei aplicável ao caso em apreço seja a lei espanhola por força do número 1 do artigo 45.° do Código Civil, implica isto que o direito do Autor já prescreveu por força da lei espanhola”.</font></i> </p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font> </p><p><font>II.</font> </p><p><font>A. Vem fixada da 1.ª Instância a seguinte matéria de facto:</font> </p><p><font>1. No dia 2 de Maio de 2007, cerca das 7.00 horas, na Auto-Via A/52, em Benavente-Zamora (Espanha), ocorreu um despiste da carrinha de marca Citroën Jumpy, de matrícula espanhola 0000-000, segurado pela Ré Companhia de Seguros DD, S.A., com sede em Madrid, Espanha, e conduzido por GG.</font> </p><p><font>2. O Autor circulava como passageiro desse veículo.</font> </p><p><font>3. Do embate resultaram danos físicos para o Autor.</font> </p><p><font>4. O Autor teve alta clínica no dia 10 de Fevereiro de 2008.</font> </p><p><font>5. A presente acção deu entrada em juízo no dia 12 de Abril de 2010.</font> </p><p><font>6. A entidade que, à data do acidente em causa nestes autos, processava os salários do Autor era a Ré Construções CC, Lda.</font> </p><p><font>7. Na apólice de seguro relativa ao veículo automóvel de matrícula 0000-000 é identificada como proprietária do veículo a sociedade Construcciones BB S.L.</font> </p><p><font>8. O Autor trabalhava na referida sociedade Construções CC, Lda., e nas obras que a mesma tinha em Portugal e em Espanha, só permanecendo em Espanha pelo período de tempo que a obra, em curso, levava, regressando a casa todos os fins de semana.</font> </p><p><font>9. A sociedade Construções BB, Lda. tem sede em Lamoso, Celorico de Basto.</font> </p><p><font>10. A sociedade Construções CC, Lda. tem sede em Lamoso, Celorico de Basto.</font> </p><p><font>11. A sociedade Companhia de Seguros DD, SA. tem sede em Madrid, Espanha.</font> </p><p><font>12. A sociedade Oficina FF tem sede em Madrid, Espanha.</font> </p><p><font>B. A apreciação e decisão deste recurso de revista per saltum, delimitado pelas conclusões do recorrente – cf. arts. 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, do CPC</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font> -, suscitam a análise, apreciação e resolução das seguintes questões jurídicas:</font> </p><p><font>1. Aditamento dos factos indicados pelo Autor no requerimento apresentado em 18-05-2012.</font> </p><p><font>2. Verificação ou não da excepção peremptória de prescrição.</font> </p><p><font> B1.</font> </p><p><font>Como é consensual, e se infere da lei processual civil, o STJ não controla a matéria de facto, nem revoga por erro no seu apuramento, competindo-lhe antes fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de instância – cf. arts. 722.°, n.º 3 e 729.°, n.ºs l e 2, ambos do CPC. </font> </p><p><font>É por isso que o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3.ª instância – cf. art. 210.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> Destarte, na apreciação do recurso de revista, o STJ só conhece de questões de direito – cf. art. 33.º da Lei n.º 52/2008, de 28-08.</font> </p><p><font>Apropriadamente, é às instâncias que compete a fixação da matéria de facto, cabendo ao STJ aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fincados pelo tribunal recorrido – art. 729.º, n.º 1, do CPC –, não lhe competindo exercer censura relativamente ao julgamento da matéria de facto ali executado, fora dos apertados limites legais delimitados pelo art. 722.º, n.º 3, do CPC, atinente às situações limite de violação de regras de direito probatório material/prova vinculada.</font> </p><p><font>Tudo visto, o STJ só pode conhecer do juízo de prova composto pelo tribunal recorrido, sobre a matéria de facto, quando este tenha dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei imprescindível para apontar a sua existência, ou quando advier desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico. Já o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista – art. 655.º, n.º 1, do CPC.</font> </p><p><font>Por seu turno, ocorrendo a situação contemplada na primeira parte do n.º 3 do art. 729.º do CPC – necessidade de ser ampliada a matéria de facto, a fim de permitir a correcta aplicação do direito –, o STJ determina a remessa dos autos ao tribunal a quo para que neste se apreciem os factos que, tendo sido oportunamente alegados, não foram objecto de decisão, circunstância que ocorreu no caso vertente, tal como evidenciado pelo Acórdão pronunciado neste Supremo Tribunal em 01-03-2012 – cf. fls. 149 a 156.</font> </p><p><font>Entende o Autor/recorrente, não obstante, que a decisão recorrida desatendeu a factualidade por si indicada no requerimento apresentado em 18-05-2012, que faz fls. 171/172, e que, não tendo sido impugnada pela contraparte, se deveria considerar admitida por acordo.</font> </p><p><font>Salvo o devido respeito, só uma leitura apressada e ligeira dos factos vertidos na decisão recorrida pode levar o recorrente a concluir desta forma.</font> </p><p><font>Na verdade, todos os factos indicados pelo recorrente naquele requerimento estão consignados naquela decisão, a fls. 199/200, sob os pontos 1 a 12, sendo certo que a afirmação de que “a permanência do Autor em Espanha era ocasional” traduz uma mera conclusão que o recorrente extrai dos factos ali alinhavados, que, como tal, sempre teria de ser desconsiderada, como o foi, na narração factual correctamente efectuada pelo tribunal recorrido.</font> </p><p><font>Improcede, assim, esta questão, não se registando qualquer omissão de indicação de factos no despacho saneador/sentença, relativamente àqueles que foram alegados a fls. 171/172, que imponha a sua alteração.</font> </p><p><font>B2.</font> </p><p><font>É tempo de reflectir sobre o repositório fáctico que releva para dirimir o pleito, em especial no que concerne à verificação do regime jurídico aplicável e à questão atinente ao instituto da prescrição.</font> </p><p><font>A acção sub judicio situa-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito, pretendendo o Autor obter das Rés a reparação dos danos que diz terem-lhe advindo por efeito de um acidente de viação sucedido em território espanhol e cujo valor ascende ao montante de € 300 000 (trezentos mil euros).</font> </p><p><font>Atendendo à configuração dada pelo Autor à acção, a circunstância que está na génese daquela responsabilidade traduz-se no sinistro rodoviário registado, em 02-05-2007, na Auto-Via A/52, em Benavente-Zamora, Espanha, que se manifestou no despiste da carrinha de marca Citroën Jumpy, de matrícula espanhola 0000-000, conduzido por GG, cuja responsabilidade civil consequente de sinistros estava transferida para a Ré Companhia de Seguros DD, S.A., com sede em Madrid, Espanha.</font><a><u><font>[3]</font></u></a> </p><p><font>Delineada que está a causa de pedir e o respetivo pedido, coenvolvendo os ordenamentos jurídicos de Espanha e de Portugal, importa sondar, à luz das normas de direito internacional privado pertinentes – normas de conflitos –, qual a lei substantiva que rege a questão em apreço: se a lei espanhola, como sustenta a Ré contestante, se a lei portuguesa, como propugna o Autor.</font> </p><p><font>Já está assente que a norma de conflitos aplicável à responsabilidade extracontratual emergente do acidente de viação ocorrido em Espanha, porque põe em confronto diversas ordens jurídicas, é a que consta do art. 45.º do CC.</font> </p><p><font>Este dispositivo legal, inserido no Capítulo III – “Direito dos estrangeiros e conflitos de leis” –, Secção II – “Normas de conflitos” –, do Código Civil, titulado “Responsabilidade extracontratual”, dispõe:</font> </p><p><font>“1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.</font> </p><p><font>2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.</font> </p><p><font>3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas”.</font> </p><p><font>Antes de mais, importa efectuar a indispensável exegese dos normativos legais vertidos neste preceito.</font> </p><p><font>A interpretação do conceito de responsabilidade civil extracontratual deve situar-se, em primeiro lugar, no círculo do art. 483.º e seguintes do CC, quer se funde num acto ilícito – acção ou omissão –, quer se apoie no risco, quer decorra de uma conduta lícita.</font><a><u><font>[4]</font></u></a> </p><p><font>Feita essa interpretação e correspectiva subsunção jurídica, o n.º 1 do art. 45.º do CC estabelece a regra geral que manda submeter a responsabilidade extracontratual – repete-se, fundada quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita – à lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo ou, no caso de omissão, onde ela devia ter sido exercida – lex loci.&nbsp; </font> </p><p><font>No n.º 2 deste preceito, todavia, logo se consagra a primeira excepção àquela regra, fixando como lei competente a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo –lugar da lesão –, para aquelas hipóteses em que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes pressupostos: </font> </p><p><font>a) a lei do lugar onde se produziu o efeito lesivo considera o agente responsável, ao passo que a lei do lugar da conduta o não considera tal; </font> </p><p><font>b) o agente devia prever a produção de um dano naquele primeiro lugar, como consequência do seu acto ou omissão.</font><a><u><font>[5]</font></u></a> </p><p><font>Para efeitos do art. 45.º, n.º 2, do CC, serão o lugar e o momento da lesão – do interesse ou bem jurídico tutelado – que estabelecem o direito aplicável e não o lugar do dano, posto que o efeito lesivo pode registar-se num Estado diverso daquele em que decorreu a actividade causadora do efeito.</font> </p><p><font>Acompanhando Luís de Lima Pinheiro: “A norma de conflitos contida nos n.ºs 1 e 2 do art. 45.º representa uma conjugação do critério do lugar do delito, que é a tradicional nesta matéria, com o critério do lugar dos efeitos. Esta conjugação é feita segundo a ideia de alternatividade, de aplicação da lei mais favorável ao lesado. Mas não é uma pura conexão alternativa. Em princípio aplica-se a lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo. Só se esta não considerar o agente responsável é que caberá examinar se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo dá solução diferente. O lugar onde se produz o efeito lesivo é aquele em é lesado o bem jurídico protegido e não aquele em que se produz o dano”.</font><a><u><font>[6]</font></u></a> </p><p><font>O n.º 3 do art. 45.º do CC, por último, consagra a segunda excepção à regra geral, quando o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta de nacionalidade comum, a mesma residência habitual, e se encontrarem ambos ocasionalmente em país estrangeiro. Nessas circunstâncias a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum – lex communis –, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.</font><a><u><font>[7]</font></u></a> </p><p><font>Revertendo ao caso concreto em avaliação, temos que, tendo o acidente rodoviário acontecido em território espanhol, a não ser que se suscite alguma das excepções contempladas nos n.ºs 2 ou 3 do indicado art. 45.º do CC, é aplicável a lei espanhola – lex loci –, porquanto, como se explicou, em sede de responsabilidade extracontratual a regra é o elemento de conexão internacionalmente relevante determinar-se em função do facto jurídico que dá causa aos danos, sendo aplicável o ordenamento jurídico do Estado onde se desenvolveu a principal atividade causadora do prejuízo. </font> </p><p><font>Cumpre, por consequência, indagar e analisar se, em concreto, ocorre eventualmente alguma daquelas excepções.</font> </p><p><font>Alcança-se, desde logo, que a situação equacionada não está salvaguardada no âmbito da primeira das excepções, prevista no n.º 2 do art. 45.º do CC, já que, como acertadamente se referiu na sentença em recurso, a lei vigente em Espanha – quer a lei civil, consagrada no art. 1902.º do Código Civil Espanhol (CCE) [“El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado”], quer a lei penal (v.g., arts. 147.º e 152.º do Código Penal Espanhol) –, tal como acontece com a legislação vigente em Portugal, consideram o agente como responsável pelos danos causados. </font> </p><p><font>Portanto, a referida excepção só ocorreria acaso a lei vigorante em Espanha não considerasse responsáveis os agentes, circunstância que não se regista.</font> </p><p><font>Vejamos, então, se se verifica a excepção contida no n.º 3 do art. 45.º do CC, não olvidando que, como é bom de ver – e já foi suficientemente salientado no Acórdão precedente deste STJ, lavrado a fls. 149 a 156 – o litígio em discussão gravita, em grande medida, ao redor do alcance deste preceito legal e do segmento normativo que alude ao conceito de presença ocasional em país estrangeiro.</font> </p><p><font>Para que se verifique a excepção prevista neste normativo, como se salientou já, terão de estar concomitantemente reunidos os seguintes pressupostos:</font> </p><p><font>a) o agente e o lesado terem a mesma nacionalidade, ou na falta dela, a mesma residência habitual; &nbsp;</font> </p><p><font>b) encontrarem-se ambos ocasionalmente em país estrangeiro.</font> </p><p><font>Nesse circunstancialismo, reitera-se, a lei aplicável será a lex communis.</font> </p><p><font>Louvando-nos nas palavras de Nuno Reis: “Em primeiro lugar, esta opção do legislador assenta na consideração de que o lugar do facto tem aqui uma relação acidental com a situação em causa e que a lei com conexão mais estreita e que melhor corresponderia às expectativas das partes será a lei da nacionalidade ou residência comum. Por outro lado, esta é a solução mais conforme à função essencialmente ressarcitória da responsabilidade civil, ao fazer relevar a lei do país em que o lesado tem o seu «centro de vida»”.</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font> </font> </p><p><font>Baptista Machado, refere-se ao conceito de presença ocasional em país estrangeiro, salientando que se trata das situações em que o agente e o lesado se encontram ambos “ocasionalmente, isto é, de passagem ou transitoriamente, no país onde a conduta lesiva teve lugar” e acrescenta “pressupõe-se que, nestes casos, tudo se passando entre membros da mesma comunidade estrangeira que só de passagem se encontram no país da conduta, estará mais indicado e será mais justo sujeitá-los à lei pessoal comum” (excepção feita, como antes se disse, às regras técnicas e de segurança do Estado local). </font> </p><p><font>A hipótese versada neste segmento normativo é ilustrada pelo mencionado autor com os seguintes exemplos concretos: “A disposição do art. 45.º, n.º 3, quadra particularmente bem às hipóteses de excursões e viagens de negócios feitas em comum a um país estrangeiro, ou aos casos de transporte amigável oferecido a um conterrâneo para um passeio ou umas férias em país estrangeiro. Mas aplica-se também às hipóteses em que o encontro em país estrangeiro é puramente casual: por ex., à colisão entre veículos de dois franceses, verificada no nosso país. Assim, também (…) à responsabilidade por acidentes de viação verificados no estrangeiro, sendo o lesante e o lesado portugueses em gozo de férias ou em viagem em país estrangeiro; etc., aplica-se a lei portuguesa”. </font><a><u><font>[9]</font></u></a> </p><p><font>A situação dos autos, salvo o devido respeito, não cabe no âmbito da norma prevista do n.º 3 do art. 45.º do CC, pelas seguintes razões:</font> </p><p><font>- Em primeiro lugar, na apólice de seguro relativa ao veículo automóvel de matrícula espanhola 0000-000 é identificada como proprietária do veículo a sociedade Construcciones BB, S.L. (que figura, também, como tomador do seguro, com domicílio em C/ ...., ..... ..., ....... Tordesillas – Valladolid) (cf. fls. 56 a 61, e tradução a fls. 73 a 78).</font> </p><p><font>- A Ré Companhia de Seguros DD, S.A., tem sede social em Madrid, Espanha.</font> </p><p><font>- O Autor trabalhava na sociedade Construções CC, Lda. (com sede em Lamoso, Celorico de Basto) e nas obras que a mesma tinha em Portugal e em Espanha, só permanecendo em Espanha pelo período de tempo que a obra, em curso, levava, regressando a casa todos os fins de semana.</font> </p><p><font>- Desconhece-se qual era a nacionalidade e a residência habitual do condutor do veículo, GG, onde o Autor seguia como passageiro, e qual a relação que o mesmo tinha com a entidade patronal deste.</font> </p><p><font>Assim sendo, do que consta do processo e foi alegado pelo Autor – a quem sempre competiria o ónus de alegar e provar os correspectivos factos, por serem constitutivos do seu direito (art. 342.º, n.º 1, do CC) – não se tem por minimamente assente que, ao tempo dos factos, o condutor do veículo de matrícula espanhola 0000-000, a Ré seguradora, e o Autor (que, manifestamente, não têm nacionalidade comum) tivessem a sua residência habitual em Portugal, sendo certo que, ao invés, a Companhia de Seguros DD, S.A., tem a sua sede social em Madrid, Espanha.</font> </p><p><font>Acresce que não se pode afirmar que agente e lesado apenas se encontravam em Espanha ocasionalmente, posto que o Autor, lesado, se encontrava em Espanha a prestar o trabalho à sua entidade patronal, tendo-se tratado, aliás, de um acidente de trabalho.</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font> </font> </p><p><font>Com efeito, o Autor tanto prestava o seu trabalho em Portugal como em Espanha, consoante o local em que as obras da sua entidade patronal se localizassem. Para mais, durante o período em que o Autor estava a trabalhar nas obras em Espanha, como era o caso dos autos, permanecia nesse país durante toda a semana de trabalho, regressando a Portugal, a sua casa, para passar os fins de semana.</font> </p><p><font>Assim sendo, não se pode afirmar que a passagem do Autor por Espanha tenha revestido uma natureza ocasional, casual e meramente fortuita. Era, aliás, expectável que o Autor voltasse a Espanha sempre que fosse indicado para integrar as equipas de obras que a sua entidade patronal desenvolvesse nesse país.</font> </p><p><font>Em síntese, o Autor não se encontrava ocasionalmente em Espanha. Estava lá a trabalhar e residia lá pelo tempo que fosse necessário, regressando apenas aos fins de semana a Portugal, não se tratando de uma ida ocasional a Espanha, mas sim uma ida a Espanha com carácter de permanência para lá exercer a sua profissão.</font> </p><p><font>Não se olvide, aliás, que a lei civil concede que uma pessoa tenha, concomitantemente, mais do que um domicílio, tal como deriva, em especial, dos arts. 82.º, 83.º e 84.º do CC, sendo manifesto que o conceito de residência habitual não se confunde com a residência permanente, nem com a residência ocasional, podendo a pessoa residir alternadamente em diversos lugares.</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>&nbsp; </font> </p><p><font>Por esta via, é também de afastar a aplicação da excepção do n.º 3 do art. 45.º do CC, por não se verificar o requisito, cumulativo, de agente e lesado se encontrarem em Espanha ocasionalmente.</font> </p><p><font>Afastadas as duas excepções legais, contidas nos n.ºs 2 e 3 do art. 45.º, caímos na regra geral do n.º 1 daquele artigo, ou seja, a regra da lex loci, pelo que a lei aplicável ao litígio é, sem margem para quaisquer dúvidas, a lei espanhola.</font><a><u><font>[12]</font></u></a> </p><p><font>Vejamos, pois, quais os normativos da lei espanhola que importa convocar para a apreciação da prescrição, sendo certo que, nesta matéria, também o art. 40.º do CC prescreve que que a prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma e outra se refere.</font> </p><p><font>Rege o art. 1902.º do CCE: “El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado”.</font> </p><p><font>O art. 1961.º do CCE explicita que: “Las acciones prescriben por el mero lapso del tempo fijado por la ley”, concretizando o art. 1968.º, n.º 2, que: “Prescriben por el transcurso de un año: La acción para exigir la responsabilidad civil por injuria o calumnia, y por las obligaciones derivadas de la culpa o negligencia de que se trata en el artículo 1902, desde que lo supo el agraviado”.</font> </p><p><font>Por seu turno, o art. 1969.° do mesmo Código dispõe que: “El tiempo para la prescripción de toda clase de acciones, cuando no haya disposición especial que otra cosa determine, se contará desde el día en que pudieron ejercitarse”.</font> </p><p><font>Finalmente, o art. 1973.° do CCE preceitua: “La prescripción de las acciones se interrumpe por su ejercicio ante los Tribunales, por reclamación extrajudicial del acreedor y por cualquier acto de reconocimiento de la deuda por el deudor”.</font> </p><p><font>A doutrina espanhola acentua que o regime da prescrição das acções de indemnização por danos, decorrentes de responsabilidade extracontratual assume, naquele ordenamento jurídico, uma relevância particular, diversa de outros ordenamentos, ponderando em particular a extrema brevidade do prazo prescricional ali fixado, com carácter universal, pelo citado art. 1968.º, n.º 2, do CCE: um ano.</font><a><u><font>[13]</font></u></a> </p><p><font>Têm-se suscitado, concomitantemente, problemas relativos ao início do cômputo daquele prazo, designadamente em caso de lesões corporais, assinalando-se em geral que esse momento se deverá fixar aquando da alta médica, pois só a partir dessa ocasião o lesado está em condições de exercer a acção, valorando o alcance efectivo e total das lesões com um conhecimento mais exacto do montante dos danos.</font><a><u><font>[14]</font></u></a> </p><p><font>Esta tem sido a posição assumida pela jurisprudência espanhola, tanto nas Audiências Provinciais, como no Supremo Tribunal Espanhol, que têm declarado, unanimemente, que o início do prazo de prescrição (previsto no art. 1968.º, n.º 2, do CCE) “iniciará su cómputo en el momento en que el enfermo o lesionado sea dado de alta médica por finalización del tratamiento y puedan conocerse de manera cierta las secuelas persistentes”.</font><a><u><font>[15]</font></u></a><font> </font> </p><p><font>Destarte, in casu, tendo transcorrido mais de um ano desde o dia em que o direito alegado pelo Autor podia ser exercido – o acidente ocorreu no dia 02-05-2007 e o Autor teve alta clínica no dia 10-02-2008 –, até à data da propositura da acção – em 12-04-2010 –, verifica-se a prescrição do direito por ele invocado, como muito bem ajuizou o tribunal a quo.</font> </p><p><font>Na verdade, a Ré DD invocou, legitimamente, o instituto da prescrição para obstar ao cumprimento da prestação pela qual vinha demandada, pelo q
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b> </p><p><font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra a “Companhia de Seguros ..., SA” pedindo se declarasse válido, e vigente, à data da sua incapacidade, o contrato de seguro que refere; a condenação da Ré a restituir-lhe 541,79 euros, relativos a prémios de seguro pagos desde a data em que lhe foi diagnosticada a doença até à propositura da acção, com juros desde a citação; a condenação da Ré a pagar-lhe quantia a liquidar correspondente aos prémios do seguro que venha a pagar desde a data da propositura da acção; a condenação da Ré a restituir-lhe a quantia de 5.915,66 euros de mensalidades que pagou à Caixa Geral de Depósitos desde a data em que foi notificado da doença, com juros desde a citação; a condenação da Ré a pagar-lhe quantia a liquidar em execução de sentença correspondente às mensalidades que venha a pagar à C.G.D, a partir da instauração da acção.</font> </p><p><font>Na réplica, o Autor veio ainda pedir ainda se declare excluído do contrato a parte nula (“… e necessidade de recorrer, de modo contínuo à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”…) constante do ponto 3.º do artigo 2.º das Condições Especiais do Contrato Seguro da apólice 5000500.</font> </p><p><font>Na Comarca de Amares a acção foi julgada parcialmente procedente e declarado válido o contrato de seguro celebrado entre Autor e Ré, titulado pela apólice n.º 5000.500, em 13 de Fevereiro de 2004, data em que foi fixada pelo Centro Regional de Saúde Pública do Norte a incapacidade de 67%, por decisão da Junta Médica de Avaliação de Incapacidade Multiuso.</font> </p><p><font>Absolveu a Ré do mais pedido.</font> </p><p><font>O Autor apelou para a Relação de Guimarães que, revogando a sentença na parte impugnada, condenou a Ré a:</font><br> <font>a) Pagar à Caixa Geral de Depósitos a parte do capital mutuado ao autor que ainda estiver em dívida, na data da liquidação; </font><br> <font>b) Restituir ao autor a quantia de 541,79 € (quinhentos e quarenta e um euros e setenta e nove cêntimos), relativa a prémios de seguro por ele pagos, desde a data em que lhe foi diagnosticada a doença que o incapacita e a da propositura da acção, com juros, à taxa legal, a partir da citação; </font><br> <font>c) Restituir ao autor o montante que se vier a liquidar, correspondente a prémios de seguro por ele pagos, a partir da data da instauração da acção; </font><br> <font>d) Restituir ao autor a quantia que ele comprovadamente haja pago à Caixa Geral de Depósitos, desde a data em que lhe foi diagnosticada a doença que o incapacita e até à propositura da acção, a título de amortização do empréstimo que a mesma lhe concedeu, com juros à taxa legal, a partir da citação; </font><br> <font>e) Restituir ao autor o montante que se vier a liquidar, correspondente às mensalidades (amortizações do empréstimo) que ele venha pagar à Caixa Geral de Depósitos, a partir da data da instauração da acção. </font> </p><p><font>Inconformada, a demandada pede revista.</font> </p><p><font>E assim conclui a sua alegação:</font><br> <font>— Relativamente aos seguros de grupo, o legislador, no art.° 40 do Dec. Lei 176/95.definiu a quem compete o ónus de informação, não havendo, por isso, necessidade de recorrer aos princípios gerais da boa fé nem às disposições contidas nas cláusulas contratuais gerais — DL 446/85 de 25/10; </font><br> <font>— Nos Seguros de Grupo, o Tomador do Seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as clausulas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro bem como as alterações posteriores que ocorram neste âmbito; </font><br> <font>— Na prática, torna-se impossível a uma seguradora, dentro do âmbito do seguro de grupo, que informe todos os segurados das cláusulas do mesmo. Tal é manifestamente inviável, precludindo o fim do dever de informação em matérias tão delicadas como são o dever de informar o teor das cláusulas de um contrato de seguro; </font><br> <font>— Este efeito é, todavia, alcançável se quem contrata com a seguradora, informasse os tomadores dos seguros, porque mais próximos dos mesmos, de todas as cláusulas deste; </font><br> <font>– Aplicou-se a legislação de âmbito geral relativa ao dever de informação na fase pré-negocial, quando deveria, salvo melhor opinião, aplicar a legislação especial. O mesmo aplicou as normas relativas ao de ver de informação nos contratos de adesão, de natureza individual, e esqueceram-se as normas especiais relativas ao contrato de Seguro de Grupo. </font> </p><p><font>Contra alegou o recorrido em defesa do julgado.</font> </p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br> <br> <font>A) No dia 29 de Maio de 1998, o autor celebrou com a Caixa Geral de Depósitos um contrato de empréstimo para habitação, no valor de 37.354,97 € (trinta e sete mil trezentos e cinquenta e quatro euros e noventa e sete cêntimos) - art. 10 da p i; </font><br> <font>B) No âmbito do contrato de mútuo celebrado, o autor obrigou-se ao pagamento de uma contrapartida mensal, em montante não concretamente apurado - art. 2° da p. i; </font><br> <font>C) Para garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes do contrato, o autor celebrou com a ré um seguro do ramo vida, associado ao financiamento imobiliário, com início de vigência no dia 29 de Maio de 1998 - art. 3° da p.i. </font><br> <font>D) Sendo o autor a pessoa segura e o tomador ou beneficiário a Caixa Geral de Depósitos - art. 40 da p.i. </font><br> <font>E) Destinado a garantir o pagamento do capital máximo em dívida, em cada anuidade ao beneficiário em caso de:</font><br> <i><font>- Morte; </font></i><br> <i><font>- Invalidez total e permanente por acidente; e </font></i><br> <i><font>- Invalidez absoluta e definitiva por doença, ocorrida à pessoa segura, segundo as condições da apólice, na qual se consignou: </font></i><br> <i><font>«Art. l - Garantia </font></i><br> <i><font>O segurador garante o pagamento do capital seguro ao beneficiário designado, quando ocorrer um dos seguintes eventos: </font></i><br> <i><font>1. Falecimento da pessoa segura. No caso de a cobertura incluir duas pessoas seguras, o pagamento verificar-se-á após o primeiro falecimento. </font></i><br> <i><font>2. Invalidez Absoluta e Definitiva da Pessoa Segura, devido a doença. </font></i><br> <i><font>3. Invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, devido a acidente. </font></i><br> <i><font>Art. 2° - Definições </font></i><br> <i><font>1. Doença </font></i><br> <i><font>Entende-se por doença toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva. </font></i><br> <i><font>2. Acidente </font></i><br> <i><font>Entende-se por acidente o acontecimento fortuito, súbito e anormal, devido a causa exterior e estranha à vontade da Pessoa Segura e que nesta origine lesões corporais. </font></i><br> <i><font>3. Invalidez Absoluta e Definitiva </font></i><br> <i><font>A Pessoa Segura é considerada em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária. </font></i><br> <i><font>4. Invalidez Total e Permanente </font></i><br> <i><font>Considera-se uma Pessoa Segura no estado de Invalidez Total e Permanente quando, por motivo de acidente, for atingida por incapacidade de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades e com as taxas de prémio oficialmente aprovadas. </font></i><br> <i><font>§ único - Para aceitação do estado de Invalidez, pelo médico da Seguradora, é necessário atestado da Pessoa Segura, passado pelo seu médico assistente.&gt;) - arts. 50 e 6° da p. i., arts. 10 e 2° da contestação e art. 5° da réplica; </font></i><br> <font>E) O referido contrato titulado pela apólice n° 5 000.500 teve o seu início na data supra referida e foi celebrado pelo prazo de vinte e cinco anos - art. 8° da p. 1.; </font><br> <font>G) Desde o início da vigência do contrato de seguro, até à presente data, o autor pagou à ré, os seguintes prémios de seguro: </font><br> <i><font>- De 29.05.1998 a 31.12.2002: 852,32€; </font></i><br> <i><font>- De 01.01.2003 a 31.12.2003: 195,72€; </font></i><br> <i><font>- De 01.01.2004 a 31.12.2004: 190,07€; </font></i><br> <i><font>- De 01.01.2005 a 31.12.2005: 156,00€- art. 90 da p.i. </font></i><br> <font>H) Em Dezembro de 2002, foi diagnosticado ao autor um estreitamente ligeiro da amplitude dos espaços intersomáticos da 4a 6a vértebras cervicais, traduzindo discopatias e artrose unco-vertebral, escoliose dorsal mediana de convexidade direita e lombar inferior de convexidade esquerda, espondilose incipiente dorsal inferior e lombar, discartrose e artrose inter-apofisária de L4 a Si e degenerescência discal D 11 -D12 - art.10° e 11.º da p.i. </font><br> <font>I) O autor apresenta dificuldades acrescidas em permanecer de pé ou sentado por períodos curtos de tempo - art. 12° da p.i. </font><br> <font>J) O autor apresenta uma incapacidade permanente geral de 67% e tal incapacidade, principalmente pelas sequelas cognitivas, nomeadamente pela síndrome pós-traumática e quadro depressivo, impede o examinado do exercício da profissão de pedreiro, bem como da generalidade das profissões primárias que o seu índice cultural permite exercer. </font><br> <font>Ocasionalmente, em particular quando surge uma crise, e durante o período da manhã, por se verificar uma situação de rigidez matinal, necessita do apoio de terceira pessoa, para o auxiliar a vestir, fazer a sua higiene pessoal, vestir e calçar - arts. 13° e 15° da p. i; </font><br> <font>K) Tais sequelas têm carácter permanente - art. 14° da p. i.; </font><br> <font>L) Há cerca de oito anos que o autor não exerce qualquer actividade profissional - art. 16° da p. i.; </font><br> <font>M) O autor não possui quaisquer outras habilitações para além das que resultam do exercício da sua profissão de pedreiro - art. 17° da p. i.; </font><br> <font>N) O Centro Regional de Saúde Pública do Norte declarou a Incapacidade de 67% por decisão de Junta Médica de Avaliação de Incapacidade Multiuso, seguindo critérios de avaliação por síndrome pós traumática, nevralgias e limitações de mobilidade do ráquis. A desvalorização ocorreu em 13.02.2004 – artigo 18.º da p.i. </font><br> <font>O) Em 13.02.2004, foi reconhecida a situação de incapacidade, passando o autor a auferir uma reforma mensal em montante não concretamente apurado - art. 19° da p. i.; </font><br> <font>P) No dia 04 de Março de 2004, o autor enviou à ré os relatórios médicos relativos ao seu estado de saúde, no sentido de ela proceder ao pagamento do capital segurado - art. 20° da p. i.; </font><br> <font>Q) O autor procedeu ao pagamento dos prémios de seguro que se venceram, desde a data em que lhe foi diagnosticada a doença, até à data da instauração da acção, no montante de 541,79 € - art. 23° da p. i.; </font><br> <font>R) O empréstimo contraído junto da CGD, na data da instauração da acção, ascende a valor não concretamente apurado - art. 24° da p. i.; </font><br> <font>S) O autor celebrou com a ré o contrato de seguro que consta da apólice junta aos autos pela ré - art. 7° da réplica; </font><br> <font>T) A referida apólice foi elaborada previamente pela ré ou por alguém a seu mando, e sem qualquer discussão - art. 9° da réplica; </font><br> <font>U) O autor subscreveu o contrato de seguro - art. 10° da réplica. </font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo, </font><br> <font>1. Dever de informação.</font><br> <font>2. Conclusões.</font><br> <b><font>1. Dever de informação</font></b> </p><p><font>Estando o objecto do recurso limitado pelas alegações da recorrente, em sede das respectivas conclusões, está apenas em discussão saber a quem cumpre o dever de informação do segurado nos seguros de grupo: se ao tomador, se à seguradora.</font> </p><p><font>A questão foi exaustiva, e muito bem tratada, no actualíssimo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 2010 – 651/04 – 4TBETR.P1.S1 – relatado pelo, agora, 2.º Adjunto.</font> </p><p><font>Não serão necessárias outras considerações, para além das aí explanadas para concluir que, tratando-se de seguro de grupo, o ónus de informação sobre o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais gerais recai sobre o tomador, que não sobre a seguradora.</font> </p><p><font>E bem, já que de acordo com o então vigente, e aqui também aplicável, Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho que era a lei à data da outorga do contrato de seguro (só depois alterado pelos Decretos-Lei n.º 60/2004, de 22 de Março e nº 357-A/2007, de 31 de Outubro e só revogado pelo regime actual, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril) conceptualizava-se seguro de grupo como o de “um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”, podendo ser contributivo ou não contributivo (artigo 1.ºalineas g), h), i)).</font> </p><p><font>No regime vigente (artigo 76.º) trata-se de contrato que “cobre os riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja de segurar”, admitindo as modalidades de contributivo (quando as seguradoras suportam, no todo ou em parte, o pagamento do prémio devido pelo tomador) – artigo 77.º, n.ºs 1 e 2.</font> </p><p><font>De todo o modo, dever de informação, ou de prestação de todos os esclarecimentos exigíveis para perfeito alcance do clausulado pelo segurado contribuinte, e que mais não representa do que um desenvolvimento dos deveres de informação pré-contratuais já previstos no artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, sendo que, e ulteriormente, quanto às cláusulas contratuais gerais, vale o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (alterado pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, rectificado pela Declaração n.º 114-B/95, de 31 de Agosto; nº249/99, de 7 de Julho e nº 323/2001, de 17 de Dezembro).</font> </p><p><font>Nos seguros de grupo (e na previsão do artigo 4.º do diploma aqui aplicável) o ónus de informar recai sobre o tomador do seguro que, também tem o “ónus probandi” de ter prestado a informação, sendo que o mesmo dever também surge consagrado no novo regime (de 2008) – artigo 78.º.</font> </p><p><font>Ora, existindo lei especial para os contratos de seguro não há que lançar mão do regime geral do citado Decreto-Lei n.º 446/85, designadamente do n.º 3 do seu artigo 1.º, por não ser caso omisso. Apenas se demonstrada a falta de informação por quem tinha esse dever, é que a consequência é considerar-se que o segurado apenas aderiu ao clausulado de que foi cristalinamente esclarecido, não podendo firmar-se-se, quanto ao restante, ter havido aceitação.</font> </p><p><font>O contrato ficaria, em consequência, amputado da cláusula não informada.</font> </p><p><font>Mas refere o douto Acórdão acima citado:</font><br> <font>“Acontece, porém, que o Banco Tomador não foi demandado na acção, apesar de sobre ele recair o ónus de comunicação, de que decorreu a exclusão da cláusula e responsabilização da Seguradora, bem como o de demonstrar que cumpriu o dever omitido. </font><br> <font>Assim, sendo certo que entre o Banco e a Recorrente Seguradora, enquanto empresas, não é aplicável o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nomeadamente no tocante ao cumprimento dos deveres de comunicação e de informação e das consequências da respectiva violação, parece ter de concluir-se que não pode estabelecer-se uma relação de identidade entre o conteúdo do contrato de seguro celebrado entre a Ré e o Banco e o daquele a que o Autor, numa segunda fase, efectivamente aderiu, pois que a aceitação se circunscreveu à sua parte não afectada pela violação do dever de comunicação </font><br> <font>Não está em causa, note-se, o clausulado do contrato celebrado entre a Seguradora e o Tomador-beneficiário, sua validade e eficácia nos exactos termos em que foi negociado, formalizado em apólice e entrou em execução entre essas Partes após o início das adesões, ao que tudo foi completamente alheio o ‘Segurado’. </font><br> <font>O que acaba por se nos deparar é que, por causa estranha à Seguradora e imputável ao Tomador-beneficiário, aquela ficou com o risco coberto acrescido e, no âmbito desse acréscimo de risco excluído das Condições contratadas viu verificado um sinistro. Com efeito, a Seguradora ao contratar com o Banco, sem que aqui se possa falar de contrato de adesão, não aceitou o contrato nos termos em que esta instituição o veio propor ao Autor-aderente e em que passou a valer, este sim, um verdadeiro contrato de adesão a que é aplicável o regime das CCG. </font><br> <font>O vício na formação do contrato, como incidência no seu objecto, está na adesão, por irregularidade da proposta contratual dirigida ao Autor, que não é parte no contrato de seguro (mas apenas aderente), pelo Banco, não demandado neste processo. </font><br> <font>O Banco não só não foi diligente como incumpriu um dever legalmente imposto com repercussão no objecto do contrato quanto ao âmbito dos riscos cobertos (por eliminação de exclusão), o que conduz directamente à sua culpa na formação do contrato e responsabilidade para com os segurados (art. 227° Código Civil; cfr. acs. de 18/4/2006 e de 3/3/2009, procs. 06A818 e 09A0145). </font><br> <font>Certamente para obviar a situações como a presente, a lei admite expressamente que o contrato possa prever que a obrigação de informar, por regra ónus do tomador, seja assumida pela seguradora – n°4 do art. 4° cit. Porém, aqui, não há notícia de tal acordo pelo que apenas sobre o Banco impendia esse ónus.” </font> </p><p><font>Aderindo, sem reservas a este entendimento não se pode responsabilizar a recorrente, já que o eventual ilícito não foi por ela praticado mas sim pelo tomador do seguro, este sim, que podendo ser demandado pelo Autor, não o foi (cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Janeiro de 2009 – 08B4049).</font> </p><p><font>Tem razão a recorrente.</font> </p><p><b><font>2- Conclusões</font></b> </p><p><font>É altura de concluir que:</font> </p><p><font>a) No seguro de grupo contributivo cumpre ao tomador o dever de informar o segurado do teor das cláusulas contratuais gerais constantes do contrato.</font> </p><p><font>b) O Regime Jurídico do Contrato de Seguro, como lei especial que é, sobrepõe-se às normas que regulam as cláusulas contratuais gerais, na parte referente ao ónus de esclarecimento e informação (então e respectivamente os Decretos-Lei n.ºs 176/95, de 29 de Julho – actualmente o Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e 446/85, de 25 de Outubro).</font> </p><p><font>c) Não tendo sido demandada a instituição de crédito tomadora do seguro, não pode ser imputada à seguradora – nem ser-lhe oposta – violação do dever de comunicação.</font> </p><p><font>Nos termos expostos, </font><b><font>acordam conceder a revista</font></b><font> e revogar o acórdão recorrido, absolvendo a Ré do pedido.</font> </p><p><font>Custas a cargo do Autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.</font> </p></font><p><font><br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Outubro de 2010</font><br> <br> <font>Sebastião Póvoas (Relator)</font><br> <br> <font>Moreira Alves</font><br> <br> <font>Alves Velho</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font>1 - O Estado Português, representado pelo Ministério Público, interpôs recurso para o tribunal pleno do Acórdão deste Supremo de 11 de Dezembro de 1995 proferido na revista n.º 87581 da 1.ª Secção, em que foi recorrente Organizações Industriais A, Lda., e recorrido aquele mesmo Estado e outros, invocando oposição daquele acórdão com o deste mesmo tribunal de 11 de Maio de 1995 proferido na revista n.º 86544, em que foi recorrente B, Lda., e recorrido o Estado e outros, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, t. II, p. 78.</font><br> <font>Por Acórdão de 21 de Novembro de 1996 do plenário da 2.ª Secção, também deste Supremo, foi reconhecida a existência da alegada oposição, tendo por isso o recurso prosseguido a sua ulterior tramitação.</font><br> <font>O recorrente terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:</font><br> <font>1.ª O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho, determina que os adquirentes da cortiça ficam obrigados a depositar na Caixa Geral de Depósitos (CGD), à ordem do Instituto dos Produtos Florestais (IPF), a totalidade do valor da cortiça adquirida;</font><br> <font>2.ª Só esse depósito libera o adquirente da obrigação do pagamento do preço, de harmonia com o disposto no n.º 2 do mesmo normativo;</font><br> <font>3.ª Dessas quantias depositadas na CGD, 35% serão entregues pelo IPF à entidade alienante, de harmonia com o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma;</font><br> <font>4.ª Aquele artigo 9.º tem carácter imperativo;</font><br> <font>5.ª Desse modo, pagamentos efectuados directamente à entidade alienante, mesmo cabendo naquela percentagem de 35%, não o liberam da obrigação do depósito da totalidade do valor da cortiça alienada na CGD, a favor do Estado, proprietário da cortiça alienada.</font><br> <font>Pelo exposto, deve ser uniformizada a jurisprudência mediante a prolação de acórdão, para o qual se propõe a seguinte redacção:</font><br> <font>«Nos prédios nacionalizados ou expropriados nas zonas de intervenção da reforma agrária e relativamente à campanha da cortiça de 1978, os pagamentos efectuados directamente pelo adquirente à entidade alienante, mesmo cabendo na percentagem de 35% a que se refere o artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho, não o liberam do depósito do valor total da cortiça adquirida na CGD, à ordem do IPF, nos termos determinados pelo artigo 9.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma.»</font><br> <font>Termos em que deve ser revogado, nessa parte, o douto acórdão recorrido.</font><br> <font>Não houve contra-alegação da parte contrária.</font><br> <font>2 - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, já que é de manter o acórdão que decidiu da oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.</font><br> <font>2.1 - Face às referenciadas conclusões - delimitativas do objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º,n.º 3, e 630.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, atentemos na problemática que encerram.</font><br> <font>Sinteticamente alinhada, a questão que nos é posta consiste em saber se o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho - quando determina que os adquirentes da cortiça ficam obrigados a depositar na CGD, à ordem do IPF, a totalidade do valor da cortiça adquirida -, tem ou não carácter imperativo.</font><br> <font>Com efeito, não se vê que o acórdão recorrido - na parte em que altera a decisão da 2.ª instância - possa estribar-se noutra perspectiva jurídica que não seja a de que a mencionada norma tenha um carácter meramente facultativo. Deste modo, se aquela alternância se resolver pela afirmativa - ou seja, pela imperatividade -, afigura-se-nos como impossível defender a tese expendida naquele douto aresto.</font><br> <font>2.2 - Antes de entrar na análise do problema, será de relembrar a oposição interpretativa entre os dois acórdãos que conduziu ao presente recurso:</font><br> <font>a) As disposições aplicadas a ambos os casos - e com básico interesse para a solução do recurso - foram os citados artigos 9.º e 10.º daquele mesmo diploma, por força dos quais os adquirentes das partidas de cortiça ficaram obrigados a depositar na CGD, à ordem do IPF, a totalidade do valor da cortiça adquirida (artigo 9.º), devendo este IPF, posteriormente, entregar à entidade alienante 35% daquele mesmo valor (artigo 10.º);</font><br> <font>b) Perante tais normativos, e aplicando-os, o acórdão recorrido entendeu, relativamente à campanha de 1978, que, como o IPF tinha de entregar à entidade alienante os ditos 35%, o montante que, prévia e directamente, fora entregue pelo adquirente àquela alienante entraria já por conta do pagamento, devendo, por isso, ser deduzido ao preço global da cortiça vendida desde que se contivesse dentro daquela mesma percentagem; por seu turno,</font><br> <font>c) O acórdão fundamento, relativamente aos mesmos factos, entendeu, face às mesmas disposições, que qualquer entrega directa do valor do preço pelos adquirentes à alienante nunca seria liberatória, antes devendo todo aquele valor ser obrigatoriamente depositado na CGD, nos sobreditos termos, sendo o IPF que, posteriormente, entregaria à alienante a referida percentagem de 35%.</font><br> <font>Foi dentro destes precisos limites que se verificaram as soluções opostas nos acórdãos em apreço.</font><br> <font>E não será despiciendo relembrá-las porque sobre situações como a presente vem pairando a ideia de clamar pelo abuso de direito para corrigir eventuais excessos no seu exercício (artigo 332.º do Código Civil).</font><br> <font>Ora - mesmo admitindo a possibilidade de conhecimento oficioso do instituto acabado de anunciar -, a verdade é que a questão da sua aplicação não pode inserir-se no âmbito deste acórdão pelo seguinte: aquela oficiosidade não dispensa um objecto sobre o qual se pronuncie e tal objecto, nos acórdãos uniformizadores - em casos de recursos para o tribunal pleno abrangidos pelo n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, como é o presente -, está estrita e perfeitamente balizado no artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, na redacção do citado decreto-lei e no citado artigo 17.º, dos quais resulta que o acórdão a proferir tem de circunscrever-se à resolução em concreto do conflito com os efeitos uniformizadores daí decorrentes. Não se trata, pois, de resolver o caso concreto, mas antes e muito diferentemente de resolver o concreto conflito.</font><br> <font>Como assim e como não há nos acórdãos em estudo qualquer conflito relativo ao abuso de direito - bem pelo contrário, ambos são coincidentes quanto à exclusão da sua aplicação e assim o decidiram -, não pode agora este acórdão debruçar-se sobre esse ponto sob pena de, desvirtuando os objectivos que lhe são permitidos, violar frontalmente aqueles dispositivos legais.</font><br> <font>3 - Assim reequacionada a questão e definido o seu núcleo essencial, entremos na sua análise.</font><br> <font>3.1 - Diga-se, antes de mais, que, para além da mera terminologia classificatória que temos vindo a denominar como «de imperatividade», o que interessa fundamentalmente é saber se a norma em apreço poderá ou não ser afastada pela vontade dos sujeitos, nomeadamente no que concerne ao princípio da liberdade contratual que o artigo 405.º do Código Civil consagra e que, in casu, aqueles se quiseram arrogar. E dizemos assim porque, como se sabe, nem todos os autores usam a denominação de «imperativas» para classificar as normas cogentes - as que impõem deveres -, antes lhes chamando «regras injuntivas», precisamente para evitar confusões com a imperatividade que, no fundo, assiste a todas as regras jurídicas justamente por ser um dos elementos integrantes da jurisdicidade, isto sem embargo de a própria «imperatividade» se apresentar como uma caracterização duvidosa para outros autores, dada a conotação voluntarista ligada ao vocábulo, conotação esta que há que ultrapassar. (Na linha do que acabámos de referir pode ver-se, v. g., O. Ascensão, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 2.ª ed., pp. 205 e segs., e B. Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. 91 e segs.)</font><br> <font>A consciência das aludidas oscilações conceituais não poderá, pois, deixar de servir para nos orientar no percurso essencial a percorrer, que, como se aludiu, não pode ser outro que não o de ir ao encontro da essência normativa do referenciado preceito, entendida esta enquanto susceptibilidade de poder ou não poder ser afastada pela vontade das partes. Isto, sem embargo de, não só por comodidade discursiva mas também por ir nesse sentido a doutrina dominante, se usar do referenciado termo classificatório denominado de imperatividade.</font><br> <font>3.2 - Nesta linha de raciocínio logo se vê, todavia, como, antes de se aplicar aprioristicamente uma classificação às normas em apreço, haverá que seguir uma hermenêutica das mesmas no sentido de que, tendo em vista o particular caso decidendo, venha a encontrar-se uma solução para este que seja a mais consentânea com o texto e enunciado daquelas, bem como com a ratio legis que lhes está subjacente. O caso concreto problematicamente encarado à luz das normas aplicáveis será, assim, o cerne da tese interpretativa que vamos empreender. (No sentido de uma metodologia desta natureza - desde logo permitida, segundo nos parece, pelo artigo 9.º do Código Civil - que estará informada por um pensamento tópico-retórico, v., v. g., A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126.º, pp. 120 e segs., e ano 124.º, pp. 291 e segs., reproduzindo nesta última a comunicação apresentada na homenagem à memória do Prof. B. Machado, e sobre a importância fulcral que na moderna interpretação jurídica assume o caso concreto decidendo, v., v. g., Castanheira Neves, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 125.º, pp. 69 e segs.)</font><br> <font>4 - O desenvolvimento da nossa posição pressupõe, dentro da perspectiva focada, uma análise da factualidade acontecida e do direito que como lhe foi aplicada nos arestos opostos, sendo através dessas situações fáctica e jurídica que chegaremos, depois, à solução de direito que entendemos como a mais rigorosa. Os acórdãos recorrido e fundamento funcionarão, assim, como objecto de uma indagação crítica que, no seu caminho argumentativo e fundamentante, assumirá uma natureza de índole tendencialmente dialéctica, em que o primeiro será a tese e o segundo a antítese, para chegar à síntese que será, afinal, a nossa decisão. Assim, vejamos:</font><br> <font>4.1 - A delimitação dos contornos fácticos do caso concreto:</font><br> <font>Tal como se disse já no acórdão que decidiu a questão preliminar, o essencial das duas situações em apreço nos acórdãos em causa é que ambas as adquirentes da cortiça da campanha de 1978 entregaram, nos termos que acordaram, às entidades alienantes - respectivamente a CPADO e a UCP -, directa e imediatamente e contra a entrega da cortiça, uma parte do respectivo valor como se fosse por conta do respectivo preço, tendo depositado o restante na CGD, e à ordem do IPF; perante e não obstante esse comportamento das adquirentes e das alienantes, o Estado peticionou, em ambas as acções respectivas, o pagamento da totalidade do preço da cortiça.</font><br> <font>4.2 - O direito aplicado:</font><br> <font>Em ambos os acórdãos, a legislação basicamente aplicável foi os Decretos-Leis n.os 260/77, de 21 de Junho, seus artigos 2.º, 9.º e 10.º, e 98/80 e - só quanto ao acórdão fundamento e a um nível meramente argumentativo - o Despacho Normativo n.º 106/78, de 12 de Maio, que veio permitir ao IPF a dedução da importância de 35% do valor global do contrato às quantias ilegalmente pagas directamente pelo comprador à entidade alienante de que tivesse conhecimento.</font><br> <font>Perante o exposto, aliás já aludido no n.º 2.2, alínea b), o acórdão recorrido, ao considerar como liberatório o pagamento directamente feito pelas adquirentes às entidades alienantes, desde que contido naqueles 35%, não pode, a nosso ver, deixar de ter partido de uma interpretação das normas em causa - especialmente do citado artigo 9.º - no sentido de lhes atribuir uma natureza meramente permissiva ou facultativa, muito embora não argumentasse expressamente com tal classificação.</font><br> <font>Passou-se o contrário com o acórdão fundamento, que, aliás, classificou expressamente aquele artigo 9.º como sendo uma norma de natureza imperativa.</font><br> <font>5 - Posição que defendemos:</font><br> <font>Será de referir, antes de mais, que o conflito a resolver apenas diz respeito às decisões - pois só aí poderá existir oposição de soluções - e não às suas motivações.</font><br> <font>Além do que, de todo em todo, a essência das motivações não está nas qualificações que expressamente lhes possam ser atribuídas, mas antes no conteúdo que realmente encerram e nas concretas decisões a que ele conduza, valendo aqui, mutatis mutandis, as considerações que começámos por fazer no início do n.º 3.2. Posto isto, vejamos:</font><br> <font>Permitir que as partes contratantes fixassem o modo de pagamento, seus termos e a quem deveria ser feito, corresponde a respeitar - nas compras e vendas em análise - o princípio da liberdade contratual consagrado no artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil. Só que esse princípio tem os limites da lei - como logo começa por restringir a disposição acabada de citar -, importando, assim, saber se existiam ou não tais limites à autonomia da vontade privada.</font><br> <font>Ora, atentemos como a interpretação das normas aplicáveis leva à conclusão de que tais limites efectivamente existem.</font><br> <font>5.1 - Desde logo o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho, reitera o controlo estatal sobre a comercialização da cortiça em termos de, tratando-se, como se trata, de uma riqueza nacional - sendo Portugal o primeiro produtor mundial de cortiça, segundo esse mesmo preâmbulo -, ser indispensável providenciar sobre o seu fomento a fim de assegurar nos mercados estrangeiros uma presença permanente altamente qualificada e, a nível nacional, criar estruturas que propiciem a distribuição equitativa dos benefícios respectivos pelo maior número de trabalhadores e agricultores que defendam o sector corticeiro. E esta filosofia intervencionista foi mais tarde readoptada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 98/80, de 5 de Maio, que, aliás, no seu artigo 22.º, e pelo que respeita aos contratos de comercialização de cortiça amadia das campanhas corticeiras de 1977, 1978 e 1979, veio ressalvar e manter em vigor a aplicação do Decreto-Lei n.º 260/77, ressalva esta que abrange o nosso caso, uma vez que se trata da campanha de 1977. Aquele preâmbulo, para o que ora nos interessa, refere expressamente o seguinte: «Devido à publicação e entrada em vigor da legislação sobre a reforma agrária, advieram, por expropriação e nacionalização ao património do Estado, prédios rústicos com montado de sobro. [...] Não pode o Governo ficar alheio a tão importante riqueza» e, mais adiante: «Compete ao Governo sanar a situação, defendendo as entidades vendedoras, definindo a sua situação legal e pondo ao seu dispor, com a necessária rapidez, as verbas a que têm direito, protegendo igualmente as receitas que, por serem provenientes de prédios rústicos integrados no património do Estado, são pertença do povo português, devendo, como tal, por ele ser usufruídas.»</font><br> <font>5.2 - Pois o articulado do Decreto-Lei n.º 260/77 - que ora particularmente nos interessa - não fez mais do que consagrar, normativizando-a, essa mesma filosofia.</font><br> <font>Essa normativização vai ao ponto de podermos ser levados a concluir que a comercialização da cortiça fica de tal modo pautada e regulamentada que a compra e venda da mesma, apesar de respeitar os esquemas legais das disposições do Código Civil e do Código Comercial aplicáveis, acaba por seguir um ritualismo mais apertado - no sentido de limitar, o mais possível, o princípio da autonomia da vontade privada aos interesses do Estado -, ritualismo esse todo ele potenciado para conferir aos negócios em causa um carácter como se de contratos nominados se tratassem e cuja disciplina própria, designadamente no que concerne ao pagamento do preço, está regulamentada pelas leis em referência a um nível que não admite comportamentos negociais das partes que atentem contra ele. Para tal concluir bastará atentar no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do citado Decreto-Lei n.º 98/80, o qual determina expressamente o seguinte: «Os adquirentes de cortiça amadia às entidades referidas no artigo 1.º ficam sujeitos às seguintes obrigações: a) Efectuar o contrato de compra e venda de cortiça amadia nos termos do artigo 4.º deste diploma», e o seu artigo 4.º, por seu turno - aliás semelhantemente ao que se passa no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 260/77 -, regula em pormenor, designadamente quanto à forma, os termos em que os negócios relativos à cortiça do Estado devem ser efectuados. (Sobre contratos nominados, no sentido expendido, v., v. g., Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 3.ª ed., pp. 382 e segs., e A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 127.º, pp. 179 e segs.)</font><br> <font>5.3 - Aliás, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 260/77 fixa pormenorizadamente as obrigações decorrentes dos contratos em apreço e o teor do seu texto é nitidamente injuntivo, desde logo quando afirma: «1 - Os órgãos ou entidades singulares ou colectivas, gestores em nome ou por conta própria ou alheia, de estabelecimentos agrícolas que contenham montado de sobro ficam sujeitos às seguintes obrigações: [...]», e, mais adiante: «2 - Os intervenientes directos ou indirectos em negócios jurídicos que tenham por objecto a cortiça devem [...]» E o artigo 9.º, n.º 1, não pode ser mais categórico quando afirma que «os adquirentes de partidas de cortiça ficam obrigados a depositar na Caixa Geral de Depósitos, à ordem do Instituto dos Produtos Florestais, nos prazos estabelecidos no respectivo contrato, a totalidade do valor da cortiça adquirida» e, logo a seguir, no seu n.º 2: «Só o depósito referido no número anterior ou o cumprimento da obrigação prevista no artigo 8.º, ou ambos, sendo caso disso, liberam o adquirente da obrigação do pagamento do preço.». </font><br> <font>5.4 - Para além disso, acresce ainda uma circunstância, que se nos afigura de primordial importância, que é a de saber qual teria sido a intenção da lei ao determinar a entrega pelo IPF às entidades alienantes da referida percentagem do depósito do preço.</font><br> <font>É que o Decreto-Lei n.º 260/77 tem também subjacente uma ideia, que regulamenta, de recuperação dos créditos que o Governo instituiu, por intermédio do Banco de Portugal, para facilitar aos produtores a extracção da cortiça.</font><br> <font>Nessa linha, o seu artigo 7.º estabeleceu que aqueles créditos ao descortiçamento, concedidos por instituições nacionais, gozam de privilégio mobiliário especial sobre o produto a que respeita o seu valor, a graduar nos termos do artigo 747.º do Código Civil e logo a seguir aos créditos do Estado por impostos; o artigo 8.º do mesmo diploma preceitua que os adquirentes de partidas de cortiça, oneradas nos termos do artigo anterior, respondem pelos respectivos créditos de descortiçamento solidariamente com os alienantes, e o artigo 10.º citado, por seu turno, quando determina a entrega à entidade alienante da percentagem do depósito aí consignada, faz depender essa entrega, não obstante, do pagamento a que se refere aquele artigo 8.º Quer dizer: ao fim e ao cabo, aquela percentagem será entregue à alienante só no caso de ela ainda não ter pago os referidos créditos de descortiçamento, embora tivesse obrigação de o fazer; por outras palavras: os 35% destinavam-se, no fundo, ao pagamento daqueles créditos e só a isso, não tendo, assim, qualquer correspondente sinalagma por parte dos alienantes que lhes conferisse direito a eles, enquanto pagamento do preço, pois tal direito só ao Estado assistia por ser o proprietário da cortiça, como logo resulta do n.º 5.1.</font><br> <font>A específica finalidade daquela percentagem resulta ainda de só o remanescente [a que se refere a alínea f) do citado artigo 10.º, n.º 1], quando o houver, ser entregue pelo IPF às alienantes, independentemente de quaisquer condicionalismos.</font><br> <font>É esta, aliás, a interpretação que melhor se compagina com o n.º 2 do artigo 9.º citado, ao determinar que o próprio adquirente podia ficar dispensado do depósito do preço quando tivesse pago nos termos do artigo 8.º, isto é, quando existissem créditos concedidos para descortiçamento pelos quais ele respondesse.</font><br> <font>Parece, pois, tal como deflui do exposto, que o Estado entendeu como prioritário o pagamento daqueles créditos nos moldes acabados de referir.</font><br> <font>Em suma: a entrega da dita percentagem à alienante por parte do IPF tem de ser enquadrada dentro de um plano global - estabelecido pelo Estado - de fomento e de controlo da extracção, produção e comercialização do referido produto, plano esse que, parece-nos óbvio, não podia ser como que subvertido, digamos assim, por entregas directas do preço ou suas fracções aos alienantes nos já referidos termos.</font><br> <font>O que vem demonstrar, também por este caminho, que o pagamento em causa tinha forçosamente de ser feito de acordo com o artigo 9.º, sendo o Estado que, posteriormente e através do IPF, geriria o depósito do respectivo preço do modo mais ajustado às finalidades por ele pretendidas.</font><br> <font>5.5 - Os elementos histórico, sistemático e literal acabados de referir estão, a nosso ver, em estreita consonância com o elemento racional, também integrante, como é óbvio, da metodologia interpretativa em apreço. Tal elemento - em que se inscreve o escopo prático que a norma se destina a conseguir, ou seja, a sua teleologia, particularmente frisado no n.º 5.4 - não pode deixar de ir no sentido de que a natureza dos interesses protegidos pela referida legislação (destacados nos n.os 5.1 e 5.4) determina, mais do que aconselha, a leitura das normas em apreço como revestidas de uma inultrapassável e estrutural imperatividade que, por isso mesmo, nelas existirá durante toda a sua vigência, do mesmo modo que não permitirá nunca aos contraentes qualquer autonomia de vontade relativamente ao pagamento do referenciado preço, sob pena de verem as suas condutas, nesse particular, feridas de nulidade - cujo conhecimento é oficioso -, tal o profundo desvio à lei de que elas enfermam.</font><br> <font>6 - E não se obtempere com o citado Despacho Normativo n.º 106/78, que teve como destinatário o IPF, pois tal despacho se reporta apenas à cortiça da campanha de 1977 e visa essencialmente regularizar situações de pretérito, aí mesmo qualificadas de ilegais, por o comprador ter pago directamente à entidade alienante. Basta lembrar o seguinte segmento daquele despacho, que diz assim: «2 - O Instituto dos Produtos Florestais deduzirá, à importância correspondente a 35% do valor global do contrato, as quantias ilegalmente pagas directamente pelo comprador à entidade alienante de que tiver conhecimento» (sublinhado do relator), para concluir que mesmo tal despacho considerava como ilegais, nos sobreditos termos, os pagamentos directos às entidades alienantes, não podendo, desse modo, regularizar outras situações para além daquelas sobre as quais pontualmente se debruçou e que não é a nossa, ou, noutra linha, nunca tal despacho pode servir como elemento de interpretação no sentido de se considerarem como legais os pagamentos directos feitos nos aludidos termos.</font><br> <font>6.1 - Finalmente, não se contra-argumente com a particular vertente do caso decidendum - em que, na realidade, a compradora da cortiça entregou parte do seu preço à entidade alienante, ficando dela desapossada e sofrendo o respectivo prejuízo - para justificar, por uma ponderação de justiça material, que aquela quantia entregue seja descontada ao preço global.</font><br> <font>Não se nos afigura como curial orientar a jurisprudência neste sentido.</font><br> <font>É que a decisão do problema do caso concreto, nos termos expostos, não pode confundir-se com qualquer tendência para «lançar o direito nos braços inconsistentes do decisionismo intuitivo e irracional pugnado pela escola do direito livre» (conforme refere A. Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124.º, p. 292, e, criticando já vivamente tal escola - apesar de lhe reconhecer algumas virtualidades -, v., v. g., Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, 2.ª ed., 1963, pp. 164 e segs.). As normas aplicáveis têm um cunho de regulamentação casuística - no já referenciado sentido de apelarem para um como que contrato nominado - e, por isso mesmo, implicam para o intérprete uma posição estritamente vinculada à lei, e daí incompatível com critérios que, por mais equilibrados que se afigurem, ao escaparem ao controlo da norma, acabam por cair, desta feita, num casuísmo decisório, e tal casuísmo, como se sabe, por fugir à unidade da ordem jurídica, vem a traduzir-se na aplicação de um direito que não corresponde às exigências mínimas de certeza, de segurança e até de justiça que a sociedade requer do Estado. (Sobre normas casuísticas e sua força vinculativa para o julgador, v., v. g., B. Machado, ob. cit., pp. 114 e segs.) Neste enfoque, a problemática do caso concreto - e a decisão sobre a situação jurídica em que aquele é enquadrável - não pode tão-só significar uma como que fuga ao cientismo jurídico, entendido este ao jeito reducionista e mecanicista/positivista do século XIX. Aquela problemática decisória tem antes de se enquadrar na natureza da ciência jurídico-dogmática num sentido hodierno em que esta é entendida «como uma disciplina de pensamento essencialmente caracterizada pela fecundidade explicativa (interpretativa ou de relacionamento) e heurística das suas conceituações e, bem assim, pela sistemacidade das suas teorias e possibilidades de controlo racional das suas conclusões» (cf. B. Machado, ob. cit., pp. 364 a 366).</font><br> <font>7 - O que vem a significar, pois, que a entrega de dinheiro às alienantes, nos termos apontados - sejam quais forem as razões práticas que lhe tenham estado na base -, não pode prefigurar-se como um autêntico pagamento de preço em sentido de estrita jurisdicidade - na perspectiva que acaba de lhe ser dada -, e só essa nos importa e nela nos temos de colocar. Ou seja, tal como se entendeu no acórdão fundamento - mas precisamente ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido -, aquela entrega de dinheiro não pode considerar-se como um pagamento liberatório e, como tal, a descontar ao preço devido pela compradora ao Estado.</font><br> <font>7.1 - Tem sido esta, aliás, a jurisprudência dominante neste Supremo, seguida não só no acórdão fundamento como nos Acórdãos de 13 de Novembro de 1993, no processo n.º 83978, de 17 de Fevereiro de 1994, no processo n.º 84486, de 27 de Outubro de 1994, no processo n.º 85456, de 21 de Março de 1995, no processo n.º 86495, e de 21 de Março de 1995, no processo n.º 86485.</font><br> <font>8 - Do que de tudo resulta o seguinte quadro conclusivo:</font><br> <font>A) A resolução do caso concreto, com todos os interesses que lhe estão subjacentes, remete - a nível da problemática da sua decisão - para a aplicação dos citados artigos 9.º e 10.º, interpretados estes - designadamente o primeiro - no sentido de o pagamento da cortiça ser efectuado nos precisos termos que deles constam;</font><br> <font>B) As disposições acabadas de citar, bem como todas as demais referidas nos n.os 5.1 a 5.4, inclusive, apontam no sentido de se considerarem como nominados os contratos de compra e venda de cortiça que seja propriedade do Estado;</font><br> <font>C) Deste modo, não podem as partes acordar - ao abrigo do princípio da autonomia da vontade privada - noutra qualquer forma de pagamento, tal como a de entregar uma parte do montante global do preço directamente à entidade alienante;</font><br> <font>D) Um pagamento nos termos referidos na alínea B), do mesmo modo que viola a imperatividade de que aparece revestido o citado artigo 9.º, tem igualmente na base uma autonomia da vontade privada, não permitida pela lei enquanto atentatória do princípio do nominalismo contratual (primeira parte do citado artigo 405.º, n.º 1);</font><br> <font>E) Consubstancia-se assim tal pagamento num acto jurídico - cumprimento de prestação por parte do comprador - ferido de nulidade nos termos dos artigos 295.º e 294.º do Código Civil devidamente entendidos e aplicados;</font><br> <font>F) Tal nulidade não invalida todo o negócio nos termos do artigo 292.º do mesmo Código Civil, permanecendo, assim, o contrato em análise inteiramente válido, salvo quanto àquele pagamento, que, por ser nulo, não pode considerar-se como liberatório para os efeitos dos artigos 762.º, 763.º, n.os 1 e 2, e 869.º, alínea c), todos daquele mesmo Código, devidamente conjugados;</font><br> <font>G) Surge-nos, deste modo e como inevitável, a ilação de que o Estado, proprietário da cortiça, tem o direito de usar da respectiva acção de dívida para obter aquele pagamento, nos termos do artigo 817.º, também do Código Civil, referido às demais disposições citadas.</font><br> <font>9 - Face ao exposto, acorda este plenário em:</font><br> <font>9.1 - Dar provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido quando decidiu que a importância paga pela ré à CPADO, ou seja, pelo menos a quantia de 2650000 escudos, tem de ser deduzida ao preço global da cortiça, não tendo o Estado qualquer direito a recebê-la;</font><br> <font>9.2 - Uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:</font><br> <font>«O artigo 9.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho, tem carácter imperativo, ficando ferida de nulidade qualquer outra forma de pagamento da cortiça adquirida.»</font><br> <font>Custas pela recorrida nas instâncias e neste Supremo.</font><br> <br> <font>Lisboa, 22 de Abril de 1997</font><br> <br> <font>Fernando da Costa Soares - Armando Figueira Torres Paulo - João Augusto Gomes Figueiredo de Sousa - Fernando Adelino Fabião - António César Marques (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa) - Roger Bennett da Cunha Lopes - Ramiro Luís d'Herbe Vidigal - José Martins da Costa (vencido, nos termos da declaração que junto) - António Pais de Sousa (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Martins da Costa) - José Miranda Gusmão de Medeiros - António Manuel Guimarães de Sá Couto - Jaime Octávio Cardona Ferreira - Mário Fernandes da Silva Cancela - Manuel Nuno de Sequeira Sampaio da Nóvoa (com a declaração de que ressalvo a possibilidade da existência de abuso de direito caso o Estado tenha consentido no pagamento directo à alienante) - António Costa Marques - Agostinho Manuel Pontes Sousa Inês (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) - Fernando Machado Soares - Herculano Carlindo Machado Moreira de Lima (vencido, nos termos da declaração do Sr. Conselheiro Martins da Costa) - Jorge Alberto Aragão e Seia - João Fernando Fernandes de Magalhães - Ilídio Gaspar Nascimento Costa - Rui Manuel Brandão Lopes Pinto - José Pereira da Graça - Manuel José de Almeida e Silva - Armando Castro Tomé de Carvalho - João Augusto de Moura Ribeiro Coelho - José da Silva Paixão.</font><br> <br> <font>Declaração de voto:</font><br> <font>I - Por um lado, e salvo o devido respeito, entendo que não há fundamento legal para o presente recurso.</font><br> <font>O único ponto divergente entre os dois acórdãos em oposição respeita à obrigação de depósito, pelo comprador da cortiça, da parte do preço contida na percentagem de 35% e destinada a ser entregue pelo IPF ao alienante, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 260/77, de 21 de Junho, que tenha sido paga directamente pelo comprador a esse alienante.</font><br> <font>No acórdão fundamento considerou-se que aquela obrigação de depósito abrange essa parte do preço porque o citado artigo 10.º, n.º 1, alínea a), se reporta à relação entre o Estado, representado pelo IPF, e o alienante, a que é estranho o comprador, e o artigo 9.º do citado decreto-lei, que impõe a obrigação de depósito da totalidade do preço, tem natureza imperativa, sendo nulas as prestações cumpridas de modo diverso, nos termos dos artigos 294.º e 295.º do Código Civil.</font><br> <font>No acórdão recorrido também se decidiu que o comprador era obrigado a depositar o preço, mas acrescentou-se que, tendo o vendedor recebido já do comprad
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