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---|---|---|---|
ezJnu4YBgYBz1XKvfALX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Porticentro – Sociedade de Construção, Gestão e Turismo, Lda.</font></b><font> intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra </font><b><font>Novo Banco, S.A.,</font></b><font> formulando o seguinte pedido: </font>
</p><p><font>a) declarar-se a nulidade das hipotecas referidas e identificadas nos artigos 5°, 6° e 7° da presente Petição Inicial e que tiveram por objetos os prédios referidos e identificados nos artigos 2° e 3° da presente Petição Inicial;</font>
</p><p><font>b) declarar-se a nulidade dos registos de hipoteca voluntária a que correspondem as Aps.81 de 22/11/2017,4197 de 24/09/2009 e 1131 de 27/02/2012 e respetivos averbamentos (Aps. 1566 de 21/04/2015,6757 de 21/04/2015 e 3559 de 13/05/2015) que incidem sobre os prédios identificados no artigo 2° da presente Petição Inicial; e</font>
</p><p><font>c) ordenar-se o cancelamento das inscrições de registo das hipotecas voluntárias a que correspondem as Aps. 81 de 22/11/2017, 4197 de 24/09/2009 e 1131 de 27/02/2012 e respetivos averbamentos (Aps. 1566 de 21/04/2015,6757 de 21/04/2015 e 3559 de 13/05/2015) que incidem sobre os prédios identificados no artigo 2° da Petição Inicial.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- as detentoras do seu capital social (Credigolf e Crediférias) adquiriram oito lotes de terreno no ......, em ......, o que ocorreu através da compra a um fundo (Fungepi), pertencente à data ao Banco Espírito Santo, da totalidade das participações sociais da empresa que detinha o terreno, precisamente a ora A., Porticentro. Uma vez que os lotes em causa se tinham constituído ao abrigo de alvará de loteamento que veio, entretanto, a caducar (o alvará ../80), os mesmos deixaram de ter existência jurídica, pelo que as hipotecas que constituiu junto do R., nomeadamente para financiar essa aquisição e subsequentes despesas, são nulas por falta de objeto;</font>
</p><p><font>- as referidas empresas que detêm as suas participações, quando (através dos respetivos representantes legais) descobriram que o loteamento estava caducado e não podia ser renovado, procuraram junto da Câmara Municipal ....... que fosse elaborado um "plano de pormenor" para o local, com uma bastante maior capacidade edificativa, carecendo este, no entanto, de que as hipotecas em causa sejam levantadas, para poderem ser, nomeadamente, constituídas novas hipotecas a favor da Câmara Municipal ..... e da entidade bancária que vier a financiar a construção ao abrigo do novo plano de pormenor;</font>
</p><p><font>- o Réu, tal como já havia acontecido com o seu antecessor Banco Espírito Santo, tem- se recusado a cooperar e a levantar as hipotecas, para que o novo plano possa ser viabilizado, pelo que se encontra a praticar um exercício abusivo da sua posição;</font>
</p><p><font>- por um lado, o Réu ocultou informação aos seus representantes e, por outro, pretende indevidamente manter hipotecas constituídas sobre realidades que já não existem juridicamente, devendo, em conformidade, prevalecer o entendimento que sustenta a nulidade das hipotecas em questão.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citado, o Réu veio contestar, alegando que:</font>
</p><p><font>- a Autora e as sociedades que detêm o seu capital social sempre conheceram todos os contornos do negócio celebrado, sabendo designadamente que o alvará de loteamento ../80 se encontrava caducado;</font>
</p><p><font>- foi-lhes até apresentado um novo "plano de pormenor" que estava já a ser preparado pelo Banco Espírito Santo junto da Câmara ..... vindo, no entanto, a suceder que a Autora procurou beneficiar de um outro plano, igualmente a ser elaborado de novo, que lhe conferia maior capacidade edificativa e era, em consequência, mais rentável;</font>
</p><p><font>- os ónus existentes e oportunamente constituídos sobre os lotes em causa nos autos mantêm-se em vigor, quanto mais não seja no prédio-mãe, de onde os lotes haviam sido inicialmente retirados e constituídos, pelo que se verifica a validade das hipotecas e que, se não for possível mantê-las sobre os lotes, as mesmas devem permanecer a onerar o prédio-mãe;</font>
</p><p><font>- a caducidade do alvará apenas retirou potencialidade edificativa aos lotes, passando assim a ser necessário efetuar nova operação urbanística, através de um plano de pormenor e já não se podendo construir nos anteriores lotes;</font>
</p><p><font>- a posição da Autora, sua devedora (que, aliás, se encontra em incumprimento dos empréstimos que consigo contraiu) e demandante nos presentes autos, é que é abusiva, e a não se manterem as hipotecas sobre os lotes, deve ser declarado que continuam a onerar o prédio-mãe. </font>
</p><p><font>Formulou pedido reconvencional, a título subsidiário, nos seguintes termos:</font>
</p><p><font> - proceder-se à conversão do negócio inválido em hipoteca sobre o prédio-mãe (descrito sob o n.º ......09 da Conservatória do Registo Predial .....), para onde tenham revertido os prédios identificados nos artigos 15.° da contestação, com a prioridade das Hipotecas identificadas nos artigos 5.°, 6. ° e 7° da P.I.; </font>
</p><p><font>- e ser oficiada a Conservatória do Registo Predial para praticar todos os atos materiais e jurídicos que se afigurem necessários ao registo da hipoteca convertida;</font><br>
</p><p><font> e a Autora ser condenada a:</font><br>
</p><p><font>- reconhecer a qualidade de credor hipotecário do Réu seja em relação às Hipotecas identificadas nos artigos 5.°, 6. ° e 7° da P.I., ou à Hipoteca resultante da conversão nos termos do artigo 293° do Código Civil, e</font><br>
</p><p><font>- abster-se de praticar quaisquer atos que ponham em causa ou de qualquer forma afetem os direitos do Réu enquanto credor hipotecário.</font><br>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. A Autora replicou, mantendo o por si alegado na petição inicial.</font><br>
</p><p><font>O Réu, perante a matéria de exceção alegada em sede de réplica, veio exercer o contraditório.</font><br>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e a reconvenção, na parte não subsidiária, procedente e condenou a Autora a reconhecer a qualidade de credor hipotecário do Réu em relação às hipotecas identificadas nos art.ºs 5.º, 6.º e 7.º da P.I. e a abster-se de praticar quaisquer atos que ponham em causa ou de qualquer forma afetem os direitos do Réu enquanto credor hipotecário. </font><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação ….. veio a “julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida.” </font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de revista excecional, invocando que “há duas questões de enorme relevância jurídica cuja apreciação se afigura absolutamente necessária para uma melhor aplicação do Direito - os limites da autoridade do caso julgado e os efeitos da caducidade de alvará de loteamento sobre os lotes por ele criados e sobre as hipotecas constituídas sobre tais lotes”.</font><br>
</p><p><font>O Relator admitiu o recurso de revista quanto à questão da violação do caso julgado, por ser uma das situações em que o recurso é sempre admissível (cf. artigos 629.º, n.º2, alínea c) e 672.º, n.º3, do Código de Processo Civil, e, quanto à outra questão, por se verificar a dupla conforme, determinou que, oportunamente, os autos fossem remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil para verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional quanto a essa questão.</font><br>
</p><p><font>A Autora formulou as seguintes (transcritas) conclusões, no que concerne à questão da violação do caso julgado:</font><br>
</p><p><font>1.ª Ao decidir-se, no acórdão recorrido, que, no caso da sentença proferida no processo de insolvência que, sob o nº 589/17.5T8OLH, correu termos no Tribunal do Comércio de .... – J2 (</font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>qual</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Novo</font></i><font> </font><i><font>Banco,</font></i><font> </font><i><font>S.A.</font></i><font> </font><i><font>requereu</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>insolvência</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>aqui</font></i><font> </font><i><font>recorrente</font></i><font>) não podia operar a autoridade de caso julgado porque esta sentença se reportava a uma acção em que inexiste </font><i><font>“uma</font></i><font> </font><i><font>decisão</font></i><font> </font><i><font>proferida</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>acção</font></i><font> </font><i><font>anterior</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>insira,</font></i><font> </font><i><font>quanto</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>seu</font></i><font> </font><i><font>objecto,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>objecto</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>segunda”</font></i><font> numa relação de prejudicialidade</font><i><font>,</font></i><font> decidiu-se mal porquanto, nela, o Tribunal analisou a situação jurídica dos lotes de terreno aqui em causa e concluiu que, à data das hipotecas que sobre eles foram constituídas, eles já não existiam há muito e não podiam ser objecto de negócios jurídicos.</font><br>
</p><p><font>O que determina que</font><br>
</p><p><font>2.ª A análise e qualificação dos lotes e das hipotecas feitas naquela sentença do Tribunal de Comércio de .... fazem parte da fundamentação que levou a prolacção da decisão final e, assim, fazem parte integrante da própria decisão e, por isso e nesta parte, o objecto daquela sentença insere-se no objecto do presente processo – </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>ambas</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>aprecia</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>mesma</font></i><font> </font><i><font>questão,</font></i><font> </font><i><font>entre</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>mesmas</font></i><font> </font><i><font>partes</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>3.ª Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido </font><b><u><font>violou a autoridade de caso</font></u></b><font> </font><b><u><font>julgado</font></u></b><font>.</font><br>
</p><p><font>4.ª O acórdão recorrido também violou a autoridade caso julgado ao decidir que as 4 sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal …. (</font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>fundamento</font></i><font> </font><i><font>essencialmente</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>mesma</font></i><font> </font><i><font>factualidade</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>está</font></i><font> </font><i><font>provada</font></i><font> </font><i><font>nestes</font></i><font> </font><i><font>autos,</font></i><font> </font><i><font>decidiram</font></i><font> </font><i><font>expressamente</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>lotes</font></i><font> </font><i><font>criados</font></i><font> </font><i><font>pelo</font></i><font> </font><i><font>alvará</font></i><font> </font><i><font>../80</font></i><font> </font><i><font>haviam</font></i><font> </font><i><font>deixado</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>existir</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>consequência</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>caducidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>alvará</font></i><font> </font><i><font>e,</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>tal,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>susceptíveis</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>penhora</font></i><font> </font><i><font>e/ou</font></i><font> </font><i><font>venda</font></i><font>) não podiam ter autoridade do caso julgado sobre o presente processo porque tais sentenças haviam sido proferidas em litígios nos quais o recorrido não havia sido parte e onde não havia podido exercer o contraditório.</font><br>
</p><p><font>5.ª Estas decisões baseiam-se na mesma factualidade que foi dada por provada nesta acção e tratam apenas de uma questão de direito, a mesma questão de direito tratada nesta acção – </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>efeitos</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>caducidade</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>alvará</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>loteamento</font></i><font> </font><i><font>../80</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>lotes</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>ele</font></i><font> </font><i><font>criados</font></i><font>.</font><br>
</p><p><font>Não reconhecer a autoridade de caso julgado neste caso, abrirá portas a que se reconheça a validade das hipotecas constituídas sobre o ex-lotes para, de seguida e em consequência das sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de ...., tais ex-lotes não poderem ser objecto de penhora ou venda judicial.</font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> O Réu contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, e concluindo pela improcedência do recurso.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso consiste em saber se ocorreu a violação do caso julgado (da autoridade do caso julgado).</font><br>
</p><p><br>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos</font><b><font> (após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação ….., assinaladas a negrito):</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014, o aqui Réu foi constituído (resposta aos art°s 8° da p.i, e 1° da contestação).</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Os direitos e obrigações titulados pela instituição de crédito originária (o Banco Espírito Santo, S.A) transferiram-se para o Banco de transição, aqui Réu (resposta ao art° 10° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Em 8 de Maio de 1980, a Câmara Municipal ..... emitiu a favor da sociedade "AGERG -Agrupamento Complementar de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas A.C.E." o Alvará de Licença de Loteamento n." ..80, de 8 de agosto de 1980 (doravante designado, apenas, por "Alvará de Loteamento n. o ….), autorizando o loteamento do prédio rústico, sito em ....., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... sob o n.º ….88 a fls. 72 do Livro B-20 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …., tendo sido autorizada a constituição de 9 (nove) lotes de terreno destinados à construção de edifícios, lotes que, no total, ocupavam uma área de 7.400m2 de terreno (resposta ao art° da 33° p.i.).</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Em virtude da aprovação dessa operação de loteamento, entre 1982 e 1988, foram desanexados deste prédio, os seguintes prédios, de que a A. é atualmente dona:</font><br>
</p><p><font>i) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 1, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º 222 ….;</font><br>
</p><p><font>ii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 2, com a área total de 1l00m2, descrito sob o n.º 223…;</font><br>
</p><p><font>iii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 4, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º 223…;</font><br>
</p><p><font>iv) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 5, com a área total de 1l00m2, descrito sob o n.º 223…;</font><br>
</p><p><font>v) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 6, com a área total de 920m2, descrito sob o n.º 955…..;</font><br>
</p><p><font>vi) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 7, com a área total de 540m2, descrito sob o n.º 956….;</font><br>
</p><p><font>vii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 8, com a área total de 760m2, descrito sob o n.º 956….;</font><br>
</p><p><font>viii) lote de terreno para construção urbana denominado por lote n.º 9, com a área total de 220m2, descrito sob o n.º 223…;</font><br>
</p><p><font>ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na Rua do ............ descrito na Conservatória do Registo Predial de ....... sob o número ….63 (resposta</font><br>
</p><p><font>aos art°s 1° e 2° da p.i. e 15° da contestação).</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Os mesmos terrenos estão inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ....... da seguinte forma:</font><br>
</p><p><font>i) lote de terreno para construção urbana designado por lote 1, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo …..53;</font><br>
</p><p><font>ii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 2, com a área total e de implantação de 1100 m2 e de construção de 4.400 m2, inscrito sob o artigo …..55;</font><br>
</p><p><font>iii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 4, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo …29;</font><br>
</p><p><font>iv) lote de terreno para construção urbana designado por lote 5, com a área total e de implantação de 1100 m2 e de construção de 4.400 m2, inscrito sob o artigo …27;</font><br>
</p><p><font>v) lote de terreno para construção urbana designado por lote 6, com a área total e de implantação de 920 m2 e de construção de 3.680 m2, inscrito sob o artigo …..28;</font><br>
</p><p><font>vi) lote de terreno para construção urbana designado por lote 7, com a área total e de implantação de 540 m2 e de construção de 1.080 m2, inscrito sob o artigo …25;</font><br>
</p><p><font>vii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 8, com a área total e de implantação de 760 m2 e de construção de 1.520 m2, inscrito sob o artigo ……24;</font><br>
</p><p><font>viii) lote de terreno para construção urbana designado por lote 9, com a área total e de implantação de 220 m2 e de construção de 880 m2, inscrito sob o artigo …26;</font><br>
</p><p><font>ix) Prédio urbano, composto por prédio destinado a habitação, sito na........ (descrito na Conservatória do Registo Predial....... sob o número ….63), inscrito na respetiva matriz no artigo 11 (resposta ao art° 3° da p.i.).</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Em maio de 1981, o prédio referido em 3 destes factos provados foi adquirido à AGERG pela autora, ao tempo detida pelo "Fungepi BES", que era o único sócio da sociedade (resposta aos art°s da 34° p.i. e 14° da contestação).</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Desde a aquisição da A à AGERG (e até à venda da mesma à Credigolf e à Crediférias), o BES sempre deteve, indiretamente, a totalidade do capital social da aqui A e tinha como gerente desta sociedade quadros seus (resposta ao art° 34° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Por requerimento de 14/01/1982, a "Porticentro" requereu junto da Conservatória do Registo Predial ..... a desanexação do referido prédio descrito sob o n.º ….88, de 4 dos 9 lotes de terreno criados pelo Alvará de Loteamento, tendo, para o efeito, juntado a respetiva cópia (resposta ao art° 35° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Em 26 de fevereiro de 1988, a "AGERG - Agrupamento Complementar de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas AC.E." requereu junto da Câmara Municipal ...... que o referido Alvará de Loteamento n.º ..80 fosse averbado em nome da aqui Autora em virtude de lhe ter vendido o prédio a que ele respeita (resposta ao art° 36° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> Deferido o requerido, em 26 de maio de 1988, o referido Alvará de Loteamento n.º ..80 foi, pela Câmara Municipal ....., averbado em nome da aqui Autora (resposta ao art° 37° da p.i.).</font><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Em outubro de 1988, a "Porticentro" requereu junto da Conservatória do Registo Predial ...... o registo daquele Alvará n.º ..80 e o destaque dos restantes 5 lotes por ele criados (resposta ao art° 37° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> O pedido de registo do alvará de loteamento n.º ..80 não foi deferido, mas, foi efetuado o destaque dos restantes 5 lotes e abertas as respetivas descrições (resposta ao art°39° da p.i.). </font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> Em 15/1111995, a Câmara Municipal ..... enviou à "Porticentro" (para que, querendo, pudesse pronunciar-se) cópia de Parecer Jurídico onde se defendia que o Alvará de Loteamento n.º ..80 caducara, devendo a Câmara Municipal...... proceder ao seu cancelamento (resposta aos art°s 30° a 32° e 40° da p.i, e 16°, 17° e 62° da contestação).</font><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> Pelo ofício n.º ..../DTOU de 30/0411996, a Câmara Municipal ..... notificou a "Porticentro" de que, em 23 de Abril de 1996, deliberara declarar a caducidade do Alvará e, em pontual cumprimento do que se prescrevia no n° 1 do art.º 39° do Decreto-Lei 448/91, requerer à competente Conservatória do Registo Predial o cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80, com base na fundamentação que levou à sua caducidade (resposta aos art°s 30°)</font><br>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> Em cumprimento de tal deliberação e por ofício de 30/0411996, a Câmara Municipal ...... solicitou à Conservatória do Registo Predial ...... o cancelamento do registo do Alvará de Loteamento n.º ..80 (resposta ao art° 42° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> Em 01/0711996, a "Porticentro" intentou no Tribunal Administrativo do Círculo ….. um Recurso Contencioso de Anulação da Deliberação de 23/0311996 da Câmara Municipal ..... que determinara a caducidade do Alvará de Loteamento n.º ..80, sendo que, por sentença de 15 de maio de 1997, este recurso foi julgado improcedente, tendo a deliberação camarária impugnada sido mantida (resposta aos art°s 43° da p.i, e 19° da contestação).</font><br>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Apesar de a "Porticentro" ter recorrido desta sentença para o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão proferido em 1 de fevereiro de 2000 (que veio a transitar em julgado), a sentença proferida foi confirmada (resposta aos art°s 44° da p.i, e 19° e 100° da contestação).</font><br>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Por requerimento de 21 de julho de 2000 e na sequência do mencionado Acórdão do STA que "confirmara" a deliberação da Câmara Municipal ....... de declarar a caducidade do Alvará de loteamento, a "Porticentro" requereu àquela edilidade que diligenciasse junto da Conservatória do Registo Predial ........ no sentido de esta efetuar o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80 (resposta ao art° 45° da p.i.).</font><br>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> Por ofício/notificação de 15/09/2000, a Conservatória do Registo Predial ....... notificou a Câmara Municipal ..... do Despacho da recusa do pedido de registo do cancelamento do Alvará que esta apresentara em 1996 (resposta ao art° 46° da p.i.).</font><br>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> Porque a Conservatória do Registo Predial ............ recusou o registo do cancelamento do Alvará de Loteamento n.º ..80, os lotes de terreno por ele criados ali continuaram (e continuam) descritos com todas as inscrições que lhes respeitavam e só em 17 de junho 2014 a Conservatória do Registo Predial ............ (pela Ap. 381 de 2014/06117) procedeu à anotação, na descrição dos prédios constituídos pelos lotes criados pelo Alvará de Loteamento n.º ../80, de que este Alvará tinha caducado (resposta aos art°s 47°, 48°, 52° e 53° da p.i. e 27°, 29°, 39°,</font><br>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> Em 19 de Abril de 1998, a "Porticentro", requereu ao Serviço de Finanças de ............ a eliminação do Artigo Rústico R-…..-AE da freguesia de ............, correspondente ao prédio que havia sido loteado nos termos do Alvará de Loteamento n.º ..80, sendo que o Serviço de Finanças ............ manifestou ter em conta o facto de que, no âmbito e como condição para a emissão do Alvará de Loteamento n.º ..80, o promotor do loteamento ter doado à Câmara Municipal ............ a área restante do prédio rústico que foi objeto do Loteamento (14.854 m2) para instalação de arruamentos, parques e outras infraestruturas impostas e previstas no Alvará de Loteamento, doação que nunca foi levada a registo, quer autonomamente, quer na própria inscrição de loteamento (resposta aos art°s 54° a 57° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> E apesar de ter conhecimento oficial de que o Alvará de Loteamento n.º ../80 havia caducado já em 1996, o Serviço de Finanças ............ não procedeu, até à presente data, à sua eliminação da matriz pelo que, em 2014, a Administração Tributária liquidou até IMI sobre todos os "lotes de terreno para construção" e promoveu a penhora e venda dos "lotes" 1 e 9, o que levou a aqui Autora a impugnar as liquidações de IMI e reclamar dos referidos atos de penhora e de decisão de venda, sendo que os processos de reclamação dos atos de penhora e de decisão de venda já estão findos, e neles o Tribunal Administrativo e Fiscal .... entendeu que, por força da caducidade do alvará de loteamento, os lotes de terreno para construção por ele criados deixaram de existir e, como tal, não podem ser objeto de quaisquer atos jurídicos, negócios, direitos e, naturalmente, não podem ser objeto de penhora ou venda, decisões com que a AT se conformou logo na primeira instância, delas não tendo recorrido (resposta aos art°s 70° e 77° da p.i.).</font><br>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> Mesmo antes de qualquer contacto da Autora a propósito da Porticentro, perante a caducidade definitiva do Alvará de Loteamento n.º ..80, o Fungepi solicitou informações junto da Câmara Municipal............ no sentido de compreender se existia alguma via para proceder à reativação ou retificação daquela operação de loteamento, tendo sido informado de que:</font><br>
</p><p><font>i) essa possibilidade era inviável em face da natureza definitiva da caducidade;</font><br>
</p><p><font>ii) a melhor alternativa seria a preparação de uma nova operação de loteamento assente em pressupostos diversos da anterior (resposta ao art° 19° do articulado de contraditório à réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.24.</font></b><font> Perante essa resposta, e como forma de proceder à valorização daqueles ativos imobiliários, o Fungepi solicitou ao atelier João de Almeida, Pedro Ferreira Pinto, Arquitectos e Associados, Lda. ("JAPP") que fossem:</font><br>
</p><p><font>i) adotadas diligências no sentido de ultrapassar irregularidades registrais que afetavam o loteamento já caducado e, posteriormente,</font><br>
</p><p><font>ii) preparada uma nova operação de loteamento, a submeter à Câmara Municipal ............, trabalho que foi, então, iniciado pela JAPP, do mesmo passo que o Fungepi equacionou, igualmente, a possibilidade de alienar as quotas da Porticentro, tendo sido nesse quadro que a operação foi apresentada às sócias da Autora (resposta aos art°s 20° e 21° do articulado de contraditório à réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> Em Outubro de 2006, o Banco Espírito Santo, S.A. (doravante, designado, apenas, por "BES"), através do seu Departamento de Desinvestimento, propôs à sua cliente, a sociedade "Crediférias – Investimentos Turísticos, S.A.", na pessoa do seu acionista maioritário e Presidente do Conselho de Administração, a venda de uns terrenos situados a nascente do Estádio do Portimonense, a 100m da zona ribeirinha............, numa zona central da cidade, próxima da Câmara Municipal, PSP, Tribunal e outros serviços (resposta aos art°s 13° da p.i. e 7° e 56° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.26.</font></b><font> Tratar-se-ia de uma zona descrita como tendo "excelentes infra-estruturas, grande projeção urbanística, bons acessos, facilidade de estacionamento" e "bem servida de transportes públicos locais" (resposta ao art° 14° da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.27.</font></b><font> Tratar-se-ia de um terreno com uma área de 19.954m2 que poderia vir a ter uma área de construção acima do solo de 25.945m2, uma área de construção abaixo do solo de 23.350m2, sendo 20.700m2 habitacional, 5.240m2 Comércio e Serviços e 23.550m2 Garagem em cave sendo 152 fogos, 35 lojas, 3 pisos abaixo do solo e 7 pisos acima do solo e teria como preço de referência € 7.000.000,00 (resposta aos art°s e 16°da p.i.),</font><br>
</p><p><b><font>1.28.</font></b><font> Os terrenos a transacionar incluíam os lotes de terreno para construção identificados no ponto 4 destes factos provados, que pertenciam à Autora e sobre os quais, à data, não estavam registados quaisquer ónus (resposta aos art°s 17° a 19° da p.i, e 8° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.29.</font></b><font> Tendo-se mostrado interessada em conhecer este negócio, a mencionada "Crediférias" aceitou reunir-se com quem o estava a promover (resposta ao art° 10° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.30.</font></b><font> Subsequentemente, realizou-se, na Av. da Liberdade, 36, 7°, em Lisboa, uma reunião em que participaram os administradores da sociedade "Crediférias" (os Senhores AA e BB) e o Sr. Eng. CC, como representante do BES e que também era gerente da sociedade "Porticentro", que era a proprietária dos prédios de que o Dr. DD, do BES, lhes falara (resposta ao art° 11° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.31.</font></b><font> No decorrer da reunião, o representante do BES e da "Porticentro" manifestou verbalmente o interesse do BES em vender já identificados prédios pertencentes à "Porticentro" (resposta ao art° 12° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.32.</font></b><font> Em fevereiro de 2007, para marcar outra reunião, o Sr. AA telefonou ao Eng. CC que o informou de que já não tinha aquele processo e que este tinha sido transferido para o "Departamento de Desinvestimento" do Banco e que o processo estava agora com o Eng. EE (resposta ao art° 13° da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.33.</font></b><font> Em maio/junho o julho de 2007 - também na Avenida da Liberdade, 36, 7° andar, em Lisboa - fez-se uma reunião em que participaram o Sr. Eng. EE (em representação do Departamento de Desinvestimento do BES), o Sr. AA e o seu filho BB</font><br>
</p><p><b><font>1.34.</font></b><font> Mais tarde, em julho de 2007 - também na Avenida da Liberdade, 36, 7° andar, em Lisboa -realizou-se outra reunião entre os dois mencionados gerentes da "Crediférias" e o Sr. Eng. EE onde aqueles manifestaram o interesse e a vontade em comprar os lotes de terreno para construção urbana e em negociar o preço da compra e venda que acabou por se fixar no montante de €6.850.000,00 (seis milhões, oitocentos e cinquenta mil euros) (resposta ao art° 19°da réplica).</font><br>
</p><p><b><font>1.35.</font></b><font> Nesta reunião foi entregue aos referidos AA e BB o "Dossier de Apresentação" elaborado pelo Departamento de Desinvestimento do BES, que se encontra junto com a p.i. como d | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LTJ0u4YBgYBz1XKvIQul | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo nº1227/16.9T8FAR.L1.S2-A-A</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>ACÓRDÃO</font></b><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> veio, por apenso ao processo nº1227/16.9T8FAR.L1.S2-A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), interpor Recurso para Uniformização de Jurisprudência, “nos termos dos artigos 688º e seguintes do CPC”, pretendendo que se fixe jurisprudência no seguinte sentido:</font>
</p><p><font>- “os recursos de uniformização intentados a propósito da efectivação da responsabilidade civil de intermediário financeiro, decorrente da subscrição de obrigações SLN, devem ser suspensos até que seja proferida decisão nos recursos de uniformização já admitidos, designadamente nos processos nº1479/16.4T8LRA.C2.S1-A E Nº6295/16.0T8LSB.L1.S1-A.”</font>
</p><p><font>A Recorrente refere que o acórdão que lhe foi notificado está em contradição com o acórdão – fundamento, datado de 11/07/2019, proferido no processo nº2340/16.8T8LRA.C2.S1-A, já transitado em julgado e de que junta cópia. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Notificado, o Recorrido veio responder, concluindo pela não admissibilidade do recurso.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>O Relator não admitiu o recurso (despacho de fls.63/66).</font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Notificada, a Recorrente veio apresentar Reclamação para a Conferência do despacho liminar do Relator.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Não foi apresentada resposta. </font>
</p><p><b><font> 6.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II. Do objeto da reclamação</font></b>
</p><p><font>A Reclamante veio manifestar a sua discordância do despacho do Relator por, no seu entendimento, se verificar a contradição entre o Acórdão recorrida e a “decisão-fundamento”, mostrando-se violados os princípios contidos nos artigos 20º e 13º da CRP. </font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>Releva para a decisão o que consta do relatório que antecede.</font>
</p><p><b><font>2. Do mérito da Reclamação</font></b>
</p><p><font> Como se referiu na decisão singular, com a qual este coletivo concorda e se reproduz, “como já se referiu no processo a que estes autos andam apensos, as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (nº1 do artigo 688º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito (nº2 do artigo 688º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>O recurso é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido (nº1 do artigo 689º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>O requerimento de interposição, que é autuado por apenso, deve conter a alegação do recorrente, na qual se identificam os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao acórdão recorrido (nº1 do artigo 690º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Recebidas as contra-alegações ou expirado o prazo para a sua apresentação, é o processo concluso ao relator para exame preliminar (nº1 do artigo 692º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do disposto no nº1 do artigo 692º do Código de Processo Civil, aquando do despacho liminar, o recurso deve ser rejeitado, além dos casos previstos no nº2 do artigo 641º, sempre que o recorrente não haja cumprido os ónus estabelecidos no artigo 690º, não exista a oposição que lhe serve de fundamento ou ocorra a situação prevista no nº3 do artigo 688º.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, e desta disposição legal, resulta, com clareza, que o Relator deve rejeitar o recurso quando:</font>
</p><p><font>- verificar que a decisão não admite recurso (alínea a) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><font>- o recurso for interposto fora de prazo (alínea a) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><font>- o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer (alínea a) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil), carecendo de legitimidade;</font>
</p><p><font>- o requerimento de interposição não contém a alegação do recorrente ou quando não tenha conclusões (alínea b) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><font>- o recorrente não cumprir os ónus estabelecidos no artigo 690º do Código de Processo Civil (identificação dos elementos que determinam a contradição alegada, a violação imputada ao acórdão recorrido e junção de cópia do acórdão-fundamento;</font>
</p><p><font>- o acórdão-fundamento não tiver transitado em julgado (nº2 do artigo 688º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><font>- não exista a oposição que lhe serve de fundamento (nº1 do artigo 692º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><font>- a orientação perfilhada no acórdão recorrido está de acordo com a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (nº3 do artigo 688º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso presente, é evidente que o recurso de uniformização de jurisprudência não é admissível, e, desde logo, por:</font>
</p><p><font>- extemporaneidade, isto é, o recurso para uniformização de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido (nº1 do artigo 689º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Ora, a decisão de que a Recorrente pretende recorrer foi-lhe notificada no dia 31/10/2019 e o requerimento de interposição de recurso está datado de 13/11/2019, isto é, antes do trânsito em julgado da decisão impugnada pela Recorrente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- inexistência de acórdãos em conflito. </font>
</p><p><font>Nos termos do nº1 do artigo 688º do Código de Processo Civil, pode interpor-se recurso para uniformização de jurisprudência quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.</font>
</p><p><font>Assim, antes de mais, é necessária a existência de dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, a decisão que a Recorrente pretende impugnar não é um Acórdão, mas uma decisão proferida pelo Relator.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o invocado pela Recorrente “acórdão – fundamento”, também não é um acórdão proferido no processo nº2340/16.8T8LRA.C2.S1-A, mas uma decisão proferida pelo Relator desse processo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deste modo, e sem necessidade de qualquer outro fundamento, não se admite o recurso”.</font>
</p><p><font>Quanto à violação dos princípios constitucionais, e dado que estamos em presença de um Recurso de Uniformização de Jurisprudência que pretende impugnar um Acórdão proferido em outro Recurso de Uniformização de Jurisprudência, recursos que a ora Reclamante interpôs, repete-se o que já este coletivo decidiu no processo a que estes autos andam apensos:</font>
</p><p><font>“A CRP prevê no nº1 do artigo 20º que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.</font>
</p><p><font>E no nº4 do artigo 20º afirma-se que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.</font>
</p><p><font>Assim, o direito à tutela jurisdicional implica o direito de acesso aos tribunais – órgãos independentes e imparciais -, “no sentido do direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional” (Acórdão do TC nº363/04)</font>
</p><p><font>- Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da república Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, pág. 186 –</font>
</p><p><font>O direito de acesso aos tribunais, para além do direito de ação, assegura um direito ao processo, que garanta uma solução num prazo razoável e seja configurado como um processo equitativo.</font>
</p><p><font>Ora, no caso presente, a recorrente pôde colocar a sua pretensão no Tribunal.</font>
</p><p><font>A sua pretensão de ver reconhecido um direito foi apreciado por um tribunal de 1ª instância (que julgou improcedente o pedido formulado pela Recorrente), pelo Tribunal de 2ª instância (o Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão da 1ª instância) e pelo STJ (que negou a revista).</font>
</p><p><font>Assim, verifica-se que a Recorrente teve o mais amplo acesso aos Tribunais, tendo, contudo, obtido uma resposta que não satisfez as suas pretensões.</font>
</p><p><font>Quanto ao recurso que agora se pretende intentar, como afirmam os Autores atrás citados (na mesma obra), “é jurisprudência firme e abundante do tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos «patamares» de recurso (Acórdãos nºs72/99 e 431/02). Por maioria de razão, a Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limite ou ad infinitum (Acórdão nº125/98)” (pág.200).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ora, no caso do recurso para uniformização de jurisprudência, o legislador impôs limites, fixando determinados requisitos para a sua admissão.</font>
</p><p><font> Esses requisitos para a admissão do recurso não se mostram preenchidos; daí que o mesmo não possa ser admitido.</font>
</p><p><font> Essa não admissão não viola qualquer princípio constitucional, pois a Recorrente não tem direito a recorrer indefinidamente, estando ou não preenchidos os requisitos impostos pelo legislador.”</font>
</p><p><font> Quanto ao princípio da igualdade, importa esclarecer a Reclamante que só se verifica a sua violação quando situações iguais se resolvem de forma diferente.</font>
</p><p><font> Ora, não é essa a situação dos autos.</font>
</p><p><font> A Reclamante não pode pretender um tratamento diferenciado, e muito menos, invocando o princípio da igualdade (os outros cumprem as normas do Código de Processo Civil; a Reclamante não carece de cumprir, mas obtém o mesmo resultado). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deste modo, a pretensão da Recorrente não merece acolhimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>IV. Decisão</font></b>
</p><p><font> </font><br>
<font>Posto o que precede, indefere-se a reclamação.</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>As custas ficam a cargo da Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.</font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Lisboa, 3 de março de 2020</font>
</p><p><font>(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Pedro de Lima Gonçalves (Relator)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><br>
<font>Fátima Gomes</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><br>
<font>Acácio das Neves</font>
</p></font><p><font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ejJnu4YBgYBz1XKvegLW | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
<br>
<br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária contra o </font><b><font>Banco Totta & Açores, S.A.</font></b><font> (atualmente </font><b><font>Banco</font></b><font> </font><b><font>Santander Totta, S.A.</font></b><font>) pedindo:</font><br>
<br>
<br>
</p><p><font>- que se </font><u><font>declare falsa a rúbrica de seu pai</font></u><font> BB no documento que serviu de base à transferência bancária de 845.000.000$00 das contas da Autora para a conta de que é titular o seu irmão CC, por não ter sido aposta pelo seu pai;</font><br>
<br>
<br>
</p><p><font>- que se </font><u><font>declare ilícita a transferência</font></u><font> em causa e, em consequência, se </font><u><font>condene o Réu a restituir-lhe a quantia de 845.000.000$00</font></u><font> (€ 4.214.840,00), acrescida de indemnização equivalente aos juros à taxa negociada de 13,5% desde 09-09-1994 até integral pagamento, calculados sobre o montante sucessivamente resultante da capitalização de juros vencidos em cada período de 183 dias, quantia essa que, até 09-09-1998, ascendia a 1.486.925.856$00 (€ 7.416.750,00);</font><br>
<br>
<br>
</p><p><font>- a condenação do Réu no </font><u><font>pagamento de uma indemnização de 20.000.000$00</font></u><font> (€ 99.759,60) </font><u><font>por danos não patrimoniais</font></u><font> devido à angústia e desgaste causados pelo banco Réu com o seu comportamento e atuação ilícita, relacionada quer com os movimentos da sua conta bancária, que a privou do valor em causa, quer com a demora e recusa reiteradas em fornecer-lhe as informações que lhe foram sendo solicitadas.</font><br>
<br>
<br>
</p><p><font>Alegou, em síntese, para fundamentar os seus pedidos que abriu uma conta de depósito à ordem no banco Réu, a que se seguiram sucessivamente diversas outras contas a esta subordinadas, tendo o seu pai autorização para movimentar todas as contas de depósito que aí possuía. Em março de 1995, teve conhecimento de, em setembro de 1994, ter sido transferido das suas contas o montante total de 845.000.000$00, alegadamente pelo seu pai, o que entende ser falso, sem que o Banco a tenha consultado ou atempadamente apresentado os documentos justificativos e quando o fez exibiu um documento que contém uma assinatura falsa do seu pai.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citado, o Réu veio contestar, alegando que:</font>
</p><p><font>- o pai da Autora era seu cliente e que as contas em nome dos filhos eram por ele abertas, limitando-se aqueles a assinar as respetivas fichas da conta à ordem;</font>
</p><p><font>- todas elas abertas com a condição de o pai as poder livremente movimentar e "cancelar";</font>
</p><p><font>- os fundos nelas depositados eram do BB, que para as mesmas transferia de contas próprias os saldos;</font>
</p><p><font>- muitas contas a prazo abertas em nome da Autoras foram canceladas por seu pai e os respetivos saldos transferidos para outras;</font>
</p><p><font>- a conta de depósitos a prazo .....482/311 era mobilizável antecipadamente;</font>
</p><p><font>- o Réu enviou à Autora as notas de débito e os extratos da conta de depósitos a prazo n°.....841/311;</font>
</p><p><font>- BB apôs a sua assinatura na ordem de transferência, na presença de vários empregados do Réu;</font>
</p><p><font>- a conta de depósitos a prazo /311 estava subordinada ao n°.....482 (sendo que para aquela a Autora não assinou qualquer ficha de assinaturas), e não à conta de depósitos à ordem .....482/001;</font>
</p><p><font>- a conta de depósitos n°/311 e todas as outras iniciadas com o n° .....482 são uma e a mesma conta, embora com registos contabilísticos diferentes.</font>
</p><p><font> Mais impugnou os termos das informações que foram sendo reivindicadas pela Autora e prestadas pelo Réu.</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Após diversas vicissitudes e múltiplos incidentes, designadamente, relacionados com a prova pericial, e a interposição por parte da Autora de 21 recursos de agravo de diversos despachos proferidos ao longo do processo, bem como a junção de Pareceres Jurídicos, foi proferida </font><u><font>sentença em 18-12-2011, a julgar a ação improcedente</font></u><font> absolvendo o Réu dos pedidos, a qual veio a ser retificada por despacho de 08-03-2012.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …...</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Interposto recurso de apelação e subindo os autos ao Tribunal da Relação de ….. para conhecimento desta e dos agravos interpostos, foi proferido </font><u><font>Acórdão em 23-01-2020 no qual se julgaram parcialmente procedentes alguns dos 21 agravos</font></u><font> (no caso, os 7.º, 14.º, 18.º e 20.º) e, após modificação parcial da matéria de facto impugnada, </font><u><font>julgado improcedente o recurso de apelação, mantendo-se a sentença recorrida</font></u><font>.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>a) A Recorrente não se conforma com o Douto Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal a 23 de Janeiro de 2020, pelo que vem interpor Recurso de Revista do mesmo.</font>
</p><p><font>b) É sobre a fundamentação de Direito das Decisões tomadas que o Douto Acórdão se encontra em crise, dando-se aqui por integralmente reproduzidos os fundamentos e motivações, bem como a matéria dos recursos de Agravo que decididos contra vêm criar clara situação de impossibilidade de Julgamento em sentido diferente, independentemente das posições Jurisprudenciais e Doutrinais existentes, e, em algumas situações concretas, mesmo das regras da experiência comum adquiridas e formadas no âmbito do trato bancário e também no trato procedimental judicial, tudo plasmado supra nas ALEGAÇÕES que determinam a posição da Autora, pelo que:</font>
</p><p><font> c) Os 7.º. 14.º e 20.º Recursos de Agravo obtiveram parcial procedência no Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal da Relação ….., tendo sido admitidos diversos Documentos que não tinham sido admitidos e inclusive tinham sido ordenados desentranhar.</font>
</p><p><font>Não se descortinou da Decisão da Apelação que a mesma tivesse sido influenciada pela procedência dos referidos Recursos de Agravo, indicando-se como exemplo, que houve procedência parcial quanto ao 7.º Recurso de Agravo, sendo admitidos os 2º, 3º e 4º documentos, correspondentes a fls. 3086 a 3096, onde se comprova que BB não estava em …. no dia 09/09/1994, data aposta na ordem de transferência de fls. 605, principal documento dos presentes autos e sobre o qual pende a afirmação de falsidade da rubrica nele constante, como não pertencente a BB. O Juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, gerando com esta omissão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, NULIDADE do Acórdão.</font>
</p><p><font>Por outro lado, e quanto a esta matéria o Douto Acórdão ao se recusar a conhecer, ao não se debruçar, nem apreciar dos Documentos que ele mesmo admitiu nos referidos 7.º. 14.º e 20.º Recursos de Agravo, se julgou mal segundo as regras de direito à qualificação jurídica.</font>
</p><p><font>d) Ao não pronunciar-se sobre a natureza jurídica do Contrato de Abertura de Conta e sobre as naturezas subordinadas, mas autónomas, do Contrato de Depósito Bancário à Ordem e do Contrato de Depósito Bancário a Prazo, bem como das regras de movimentação e se os pressupostos de movimentação relativos a ambas as contas constituídas ao abrigo de cada um dos contratos subordinados, mas autónomos, entre si e face ao Contrato de Abertura de Conta, se verificavam no caso concreto, o Juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, gerando com esta omissão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, NULIDADE do Acórdão.</font>
</p><p><font>Assim o Douto Acórdão ao se recusar a conhecer, ao não se debruçar, nem apreciar da validade ou invalidade das posições contrárias na decisão da causa, se julgou mal segundo as regras de Direito à qualificação jurídica.</font>
</p><p><font>e) No que aos documentos da Prova Pericial diz respeitos as assinaturas e rubricas emanadas de organismos oficiais - aceites por ambas as partes - eram mais que suficientes para levar a cabo as perícias, não havendo por isso, necessidade de quaisquer outras.</font>
</p><p><font>Todas as rubricas apostas em documentos emanados do próprio Banco R. e por este indicadas para serem fornecidas aos peritos, foram impugnadas pela A. e, mesmo assim, fornecidas pelo Tribunal para instruírem as perícias do LPC e Colegial.</font>
</p><p><font>A questão de Direito que aqui importa é em concreto a da própria validade das Perícias face ao artigo 584.º do antigo Código de Processo Civil (CPC), ou seja, ao actual artigo 482.º do CPC.</font>
</p><p><font>Ora, o Tribunal a quo não decidiu sobre se os documentos remetidos para efeitos de comparação no âmbito da Perícia se sabiam pertencer à pessoa a quem é atribuída.</font>
</p><p><font>Pelo contrário, estando os documentos impugnados, suscitada a questão da falsidade da assinatura / rubrica aposta nos mesmos pela A. e pedida pela R. a Perícia sobre esses mesmos documentos para provar a sua veracidade, claro e evidente é que as partes aceitaram expressa e implicitamente que os documentos em causa não podiam servir para o fim a que se destinavam.</font>
</p><p><font>Isto é, os documentos não podiam servir como documentos para fins de comparação de letra e assinatura / rubrica, por não se saber se a mesma pertencia à pessoa a quem era atribuída.</font>
</p><p><font>Ao não julgar o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, gerando com esta omissão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, NULIDADE do Acórdão.</font><br>
<br>
<br>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mais, há clara violação do princípio do dispositivo visto que tendo sido trazido aos autos pelas partes e mostrando-se acordo, seja tácito seja expresso, quanto aos documentos (atente-se na posição do Banco R. ao defender os seus documentos por pedido de Perícia sobre os mesmos), não pode o Tribunal a quo, sem fundamentação legal, ordenar Perícia em expressa violação do artigo 584.º do antigo CPC, ou seja, do actual artigo 482.º do CPC.</font>
</p><p><font>Também no âmbito do Acórdão do Tribunal da Relação de ….. quando se decide os Recursos de Agravo – 1º, 2º, 3º, 5.º e 6.º - e na Decisão do Recurso de Apelação esta questão não é decidida, havendo omissão de decisão.</font>
</p><p><font>Consequentemente, deverão os 1º, 2º, 3º, 5.º e 6.º Recursos de Agravo serem julgados procedentes, revogando V.as Ex.as os respectivos Despachos Recorridos e proferindo Decisão que os substitua, aplicando-se estas novas Decisões à Decisão Principal dos presentes autos.</font>
</p><p><font>f) No que aos Peritos e suas competências e impedimentos diz respeito temos que o Tribunal a quo decidiu, no entender da A., mal quanto à questão da inexistência de suspeição do Perito indicado pelo Banco R., mas mesmo a aceitar o contrário, sempre o Perito estaria impedido de efectuar a Perícia, de fazer parte do Colégio de Peritos, por força dos artigos 571.º e 122.º do antigo CPC, ou seja, dos artigos 470.º e 115.º do actual CPC.</font>
</p><p><font>Apesar da possível tese de o prazo para Recurso quanto a esta matéria já estar ultrapassado, importa apreciar o mesmo à luz das situações que são do obrigatório conhecimento oficioso do Tribunal.</font>
</p><p><font>Tal como o Juiz que tenha tido intervenção anterior na causa, seja por que via tiver ocorrido, se deve declarar impedido, sendo tal do conhecimento oficioso do Tribunal, também por se aplicar o mesmo regime aos impedimentos dos Peritos, deveria, oficiosamente, o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre a questão, pelo que deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, gerando com esta omissão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, NULIDADE do Acórdão.</font>
</p><p><font>Consequentemente, deverá nesta matéria o 14.º Recurso de Agravo ser julgado procedente, revogando V.as Ex.as o respectivo Despacho Recorrido e proferindo Decisão que o substitua, aplicando-se esta nova Decisão à Decisão Principal dos presentes autos.</font>
</p><p><font>g) O Tribunal a quo, ao aceitar como Peritos o advogado DD e o historiador de Arte EE, sem lhes exigir atestados das suas alegadas competências, mesmo depois de instado pela A. para o fazer e, mesmo depois de informado de que:</font>
</p><p><font>- Das listas de Peritos do Tribunal da Relação ….., os mesmos não constam peritos em letra manuscrita.</font>
</p><p><font>- O único Laboratório de Polícia Científica entre os 3 que há em Portugal (em Lisboa, Porto e Coimbra) que tem técnicos qualificados para examinar a letra manuscrita é o LPC de Lisboa.</font>
</p><p><font>- Ser vedado aos alegados Grafólogos DD e EE pronunciarem-se sobre a veracidade ou falsidade de uma rubrica.</font>
</p><p><font>Veio irremediavelmente colocar em causa o resultado da Perícia, independentemente do mesmo, por falta das competências técnico-científicas por parte dos alegados Peritos.</font>
</p><p><font>Qualquer fundamentação da decisão final no Relatório dos Peritos em causa, padece assim forçosa e obrigatoriamente de vício de fundamentação, equivalente à falta da mesma, o que gera NULIDADE nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>Consequentemente, deverá nesta matéria o 14.º Recurso de Agravo ser julgado procedente, revogando V.as Ex.as o respectivo Despacho Recorrido e proferindo Decisão que o substitua, aplicando-se esta nova Decisão à Decisão Principal dos presentes autos.</font>
</p><p><font>h) Quando a perícia foi feita comparando a rubrica em causa nos autos, somente com documentos oficiais, fornecidos por instituições (Fundação S.........., Segurança Social de ......) o veredicto foi que a rubrica em causa nos autos é FALSA. (Relatório FF)</font>
</p><p><font>Quando as Perícias foram feitas usando para termo de comparação as constantes do Livro de Atas da Fundação, mais as das Prestações de Contas da mesma Fundação à Segurança Social, mas também as 8 famigeradas rubricas (várias vezes impugnadas pela A.), o resultado foi:</font>
</p><p><font>- “INCONCLUSIVO” (exame do LPC),</font>
</p><p><font>- “MUITO PROVAVELMENTE, DO PUNHO DE BB” (Peritos EE e DD da “Perícia Colegial”).</font>
</p><p><font>- O Perito forense FF, aquando da sua participação na Perícia Colegial, é da opinião que se as 8 rubricas fossem verdadeiras, a rubrica em causa nos autos, também o seria, mas ele não estava convencido de que as 8 rubricas impugnadas pela Senhora AA, fossem verdadeiras!</font>
</p><p><font>De posse do mesmo material para comparação com a rubrica em crise, os alegados “grafólogos” do Tribunal e do Banco R. conseguiram ir mais longe que os Peritos do LPC…</font>
</p><p><font>Já FF, obrigado a dar o seu veredito coagido a considerar as 8 famigeradas rubricas como verdadeiras, dá a sua resposta sob condição…</font>
</p><p><font>Ora, se:</font>
</p><p><font>- O resultado da Perícia do LPC é “Não Concluir”</font>
</p><p><font>- O resultado da Perícia Colegial é: “muito provavelmente ter sido executada por BB” (alegados grafólogos DD e Queirós) e ainda, o resultado FF: </font><u><font>feita muito</font></u><font> </font><u><font>provavelmente por BB, caso as 8 rubricas</font></u><font> </font><u><font>fornecidas pelo Banco R. fossem verdadeiras; mas que o perito</font></u><font> </font><u><font>forense FF, entende não o serem</font></u><font>.</font>
</p><p><font>- Todas as testemunhas do R. que sustentam ser a rubrica da autoria de BB, entraram em contradições e mentiras, quando inquiridos, quer na Judiciária, quer no julgamento.</font>
</p><p><font>- Nenhuma das testemunhas da A. entrou em contradição ou mentiu.</font>
</p><p><font>- As testemunhas da A. afirmam que a rubrica não foi feita por BB. Afirmam mesmo - as que o conseguiram fazer, apesar das proibições, ser ela falsa.</font>
</p><p><font>O único exame à rubrica que não foi inquinado com rubricas falsas -mas feito comparando a rubrica objeto de exame, com documentos aceites como verdadeiros por ambas as partes - foi o exame de FF, o qual conclui pela falsidade da rubrica.</font>
</p><p><font>A Perícia Colegial veio, assim, a enfermar de quatro graves erros, que, viciaram, invalidando as conclusões a que os “peritos” chegaram, conforme plasmado nas Alegações e aqui se dão por reproduzidos.</font>
</p><p><font>O Juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, gerando com esta omissão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, NULIDADE do Acórdão.</font>
</p><p><font>Por outro lado, e quanto a esta matéria o Douto Acórdão ao se recusar a conhecer, ao não se debruçar, nem apreciar da validade ou invalidade das posições contrárias na decisão da causa, se julgou mal segundo as regras de direito à qualificação jurídica.</font>
</p><p><font>Consequentemente, deverão os 1º, 2º, 3º, 5.º e 6.º Recursos de Agravo serem julgados procedentes, revogando V.as Ex.as os respectivos Despachos Recorridos e proferindo Decisão que os substitua, aplicando-se estas novas Decisões à Decisão Principal dos presentes autos.</font>
</p><p><font>i) Para o Tribunal a quo decidir como decidiu, ignorou:</font>
</p><p><font>a) Que consta dos autos o Relatório do exame feito pelo Cientista Forense de renome internacional, cujo curriculum foi por duas vezes junto aos autos, o qual concluiu pela falsidade da rubrica em causa nos autos.</font>
</p><p><font>b) Que o Laboratório de Polícia Científica deu resposta inconclusiva à Perícia.</font>
</p><p><font>E se, não se pode pronunciar concretamente, sobre a falsidade, ou veracidade da rubrica em Exame, isso foi devido ao facto de lhe terem sido fornecidas para instruir a Perícia, rubricas impugnadas pela A._ as quais, muito provavelmente, foram executadas pelo mesmo punho que fez a rubrica em Exame_ facto que lançou a confusão na Perícia e levou o LPC a dar uma resposta não conclusiva.</font>
</p><p><font>c) Que no seu “PARECER TÉCNICO” o neurocirurgião Prof. Doutor GG se pronunciou pela alta improbabilidade de a rubrica em causa poder ter saído do punho de BB, com um historial clínico de 40 anos de Parkinson.</font>
</p><p><font>d) Que, de fls. 3.141 e 3.141v. dos autos consta uma declaração feita em cartório notarial por HH, filha de BB, onde aquela afirma ser falsa a rubrica em causa nos autos:</font>
</p><p><font>“…declaro conhecer perfeitamente a rubrica de meu Pai, BB, falecido em Janeiro de 1998; mais declaro ter constatado muito de perto, a modificação por ela sofrida ao longo das suas últimas décadas de vida, modificação essa devida à doença de Parkinson de que ele sofria; por tudo isto e por ser mais que evidente, </font><u><font>declaro ser</font></u><font> </font><u><font>falsa a rubrica que se encontra aposta por baixo dos dizeres:</font></u><font> </font><u><font>“D. V. Sas. Atentamente” na ordem de transferência datada</font></u><font> </font><u><font>de 9 de Setembro de 1994</font></u><font>, com carimbo de “Recebido” de 12 de Setembro de 1994, que foi pelo Banco Totta & Açores junta ao processo nº 831/98 da ..ª Vara, ..ª Secção.” (Ênfase e sublinhado nossos)</font>
</p><p><font>e) Que se encontra provado nos autos, através de várias ordens de transferência que, no local reservado à assinatura do mandante apresentam os dizeres </font><u><font>“Conf.</font></u><font> </font><u><font>ordem dada pelo Telefone”, “Conforme carta em nosso</font></u><font> </font><u><font>poder”</font></u><font> etc., que BB não assinava ordens de transferência.</font>
</p><p><font>f) Sendo que, as únicas ordens rubricadas são </font><u><font>a ordem em</font></u><font> </font><u><font>causa nos autos</font></u><font>, mais a ordem supostamente rubricada no mesmo dia (sobre a conta 229900482), </font><u><font>mais as 8 ordens de</font></u><font> </font><u><font>transferência, cujos supostos “originais” foram juntos pelo</font></u><font> </font><u><font>R. aos autos de propósito para serem fornecidos aos</font></u><font> </font><u><font>Peritos, lançando o R. assim, com o seu “cavalo de Tróia”, a</font></u><font> </font><u><font>confusão na perícia.</font></u>
</p><p><font>g) </font><u><font>Que foram fornecidos aos Peritos, quer do LPC, quer</font></u><font> </font><u><font>da Perícia Colegial, as 8 rubricas impugnadas pela A. por</font></u><font> </font><u><font>serem falsas! Facto que, só por si, retira qualquer valor</font></u><font> </font><u><font>quer à Perícia do LPC, quer à Perícia Colegial.</font></u>
</p><p><font>h) Que a A. sempre contestou a capacidade de DD EE para peritarem uma assinatura, ainda para mais, em Tribunal, e emitirem veredicto quanto ser ela ou não do punho de BB.</font>
</p><p><font>i) Que o Cientista Forense FF, ao fazer a separação do que pertence à esfera de atuação de Cientistas Forenses e de Grafólogos, afirma que estes últimos não podem pronunciar-se sobre a veracidade dum documento ou duma assinatura, mas tão só, sobre o carácter e estado de alma do seu autor; ou ainda sobre as capacidades dum determinado indivíduo para exercer determinado cargo, etc.</font>
</p><p><u><font>Opinião esta partilhada pela Técnica Superior do LPC Dra. II</font></u><font>; sendo que esta, também indica a utilidade da grafologia no aconselhamento quanto à compatibilidade entre duas pessoas que pretendam casar-se_ capacidades estas perfeitamente inúteis para o que se pretende nos autos…</font>
</p><p><font>j) Que, tanto a Especialista Superior da Área de Escrita Manual, II, como o Cientista Forense FF, como a Grafóloga JJ, como a Societé Francaise de Graphologie, são da mesma opinião, </font><u><font>não reconhecendo a Grafólogos capacidades para se</font></u><font> </font><u><font>pronunciarem sobre a veracidade duma assinatura, para</font></u><font> </font><u><font>mais, em Tribunal</font></u><font>.</font>
</p><p><font>k) Que, tanto assim é, que a Grafóloga JJ, apesar de formada pela conceituada Societé de Graphologie Francaise, ao ser contactada pela A. que pretendia saber se ela aceitava ser indicada ao Tribunal, para peritar uma rubrica, se recusou a fazer parte do Colégio de Peritos, por tal lhe estar vedado, por não ser essa a área de atuação dum Grafólogo.</font>
</p><p><font>l) Por outro lado, na sua decisão a Mma. Juíza desvalorizou_ por alegadamente não os achar dignos de crédito_ os testemunhos:</font>
</p><p><font>l1) dos netos de BB, Dras. KK, LL e MM; </font>
</p><p><font>l2) de NN, colaborador_ de muitos anos_ de BB;</font>
</p><p><font>l3) da filha de BB, HH;</font>
</p><p><font>l4) da governanta da casa de BB, OO;</font>
</p><p><font>l5) Quando todos eles foram colaboradores próximos de BB: quer na Fundação (as duas netas); quer na vida pessoal (MM e HH); quer ainda na vida pessoal e empresarial (NN).</font>
</p><p><font>m)Segundo a Mma. Juíza, a proximidade das testemunhas KK, LL e MM, à A., sendo aqueles filhos desta, seria um anátema que os impedia de dar a sua opinião sobre a assinatura em causa nos autos.</font>
</p><p><font>n) No entanto, não levou a Mma. Juíza em conta a relação de proximidade que os gerentes PP e QQ tinham com o Banco R. E esta, para além do espírito corporativo. Segundo a Mma. Juíza só os filhos da A. teriam motivos que os impedia de serem imparciais…</font>
</p><p><font>o) O facto de QQ, ao fim e ao cabo, estar a tentar “salvar a pele”, não impediu a Mma. Juíza de considerar esta testemunha como relevante, credível e idónea.</font>
</p><p><font>p) Segundo a Mma. Juíza, relevantes, isentos e perfeitamente credíveis foram os depoimentos das testemunhas do R., muito embora a A. tenha provado que mentiram e que o responsável pela transferência, deixou por explicar como 15 dias depois da data da transferência dos 845.000 contos </font><u><font>conseguiu antecipar de catorze anos e</font></u><font> </font><u><font>meio, o pagamento de uma hipoteca de 5.600 contos,</font></u><font> </font><u><font>contraída junto do Banco R.!</font></u>
</p><p><font>q) A decisão da Mma. Juíza não teve em conta que, embora TODAS as testemunhas quer da A. quer do R. tenham referido a grande dificuldade que BB tinha em escrever, essa dificuldade não se encontra plasmada na rubrica em causa nos autos (nem nas restantes 8, também fornecidas pelo R.), pois:</font>
</p><p><font>1. Não provocou vincos no suporte fino em que está aposta.</font>
</p><p><font>2. Não contem tremuras.</font>
</p><p><font>3. Não se apresenta micrografa como deveria, caso tivesse sido feita por um doente crónico de Parkinson.</font>
</p><p><font>4. Que, pelo contrário, se apresenta de traço fluido, denotando facilidade de execução, o que não aconteceria caso tivesse sido executada por um doente com 40 anos de Parkinson.</font>
</p><p><font>5. Que a perfeitíssima reta de 4,5 cm, não poderia ter sido executada por um doente de Parkinson, ainda para mais, ao fim de sofrer da doença durante 40 anos!</font>
</p><p><font>6. Que às 16 horas, BB não tinha como fazer uma rubrica minimamente coerente_ quanto mais a fluente rubrica aposta na ordem de transferência dos 845.000 contos.</font>
</p><p><font>Para fazer assinaturas minimamente parecidas com a do seu B.I. BB tinha de as executar aos Domingos (quando se encontrava mais relaxado) e, logo ao levantar da cama.</font>
</p><p><font>NN contou como a Sra. D. RR ….. Cartório Notarial ….., teve um dia de abrir a porta do Cartório às 7,30 da manhã, para que BB assinasse uma escritura, ao fim de duas tentativas goradas!</font>
</p><p><font>r) Que, os funcionários do próprio Banco_ para além do gerente PP_ SS e TT, para além de referirem a grande dificuldade que BB tinha em escrever, afirmaram em 2004, no TIC_ no âmbito do Proc. 13624/96.0TDLSB_ que BB assinava sempre com o nome todo.</font>
</p><p><font>s) Que, SS afirmou que: </font>
</p><p><font>“Viu muitas vezes o Sr. BB no banco, inclusivamente, a assinar documentos, o que fazia com dificuldade, por tremer muito, </font><u><font>assinando o nome todo</font></u><font>.” (Fls.3723 a 3726 dos autos / sublinhado nosso)</font>
</p><p><font>t) Que, está provado nos autos que, mesmo em cheques de muito menor valor, BB, assinava o nome todo_ cheques de 1 e 16 de Setembro de 1994_ tal como referido pelo gerente PP, MM, SS, LL, TT e NN.</font>
</p><p><font>u) Facto provado também pelos cheques passados sobre a conta da Fundação S......, datados de um período de tempo que vai de 01.08.1994 (no mês anterior à transferência dos 845.000 contos) a 30.12.1994 (três meses após a transferência dos 845.000 contos)</font>
</p><p><font>v) Que BB, </font><u><font>só usava rubricas no canto</font></u><font> </font><u><font>superior direito de certos documentos, como é da praxe</font></u><font> </font><u><font>fazer-se, e como consta nas Apresentações de Contas à</font></u><font> </font><u><font>Segurança Social, mas apondo, no entanto, o seu nome</font></u><font> </font><u><font>completo no final dos textos!</font></u>
</p><p><font>w) Que a rubrica aposta na ordem de transferência dos 845.000 contos não provocou sulcos na frente do impresso de papel fino, nem relevos no verso, como aconteceria caso o seu autor sofresse das tremuras próprias dum doente de Parkinson, e que, para as neutralizar, necessitasse de fazer pressão com a caneta sobre o suporte.</font>
</p><p><font>x) Que, para o confirmar, bastava que, a Mma. Juíza tivesse passado os dedos sobre a rubrica, </font><u><font>tanto mais sendo</font></u><font> </font><u><font>o suporte um papel fino</font></u><font>, onde mais evidentes seriam os sulcos, caso a rubrica tivesse sido feita por BB!</font>
</p><p><u><font>Ora, não há vestígios de sulcos quer na rubrica em causa nos autos, quer nas 8 outras fornecidas e indicadas</font></u><font> </font><u><font>pelo Banco R. para instruir a Perícia</font></u><font>. (Fls.1270 a 1278 dos autos)</font>
</p><p><font>y) Que BB era um doente crónico da doença de Parkinson_ e não, no início dela, época inicial da doença que, quando o recurso a medicamentos, o poderia talvez ajudar; conforme o parecer técnico do neurologista Dr. UU.</font>
</p><p><font>z) Que, logicamente, se o gerente responsável pela transferência, mentiu à titular da conta quanto ao destino do seu dinheiro, era porque a transferência deste para a conta bancária de CC, fora um acto ilícito, praticado por ele mesmo, em benefício daquele.</font>
</p><p><font>aa) O Banco estava obrigado a informar cliente da transferência dos 845.000 contos, mal esta foi executada_ está provado nos autos que não o fez: “...só agora, devidamente legitimados, face à lei do sigilo bancário…” (fls.77 e 78 dos autos)</font>
</p><p><font>bb) Quando finalmente_ 14 meses após a data da transferência_ o faz, fá-lo com uma desculpa inadmissível; tendo antes, o seu presidente do Conselho de Administração, mentido ao dono do Banco; e tendo ainda, datado uma carta de 4 dias antes da data de seu envio por protocolo.</font>
</p><p><font>cc) Tudo sinais “credíveis e idóneos” que deveriam constar do prato da balança da Justiça, pertencente à A., e consequentemente, deveriam eles também pesar na resposta do Tribunal a quo ao Quesitos 9º, mas que nela foram totalmente ignorados.</font>
</p><p><font>dd) Todos estes sinais, apontam para uma resposta ao Quesito 9º, de ordem diametralmente oposta à dada pela Mma. Juíza_ resposta essa que não deve ser aceite, e que provoca na A. um sentimento de muita revolta.</font>
</p><p><font>Na sua Decisão, o Tribunal a quo, ignorou ainda:</font>
</p><p><font>a) Que a testemunha do Banco R., PP, que foi gerente de conta da A. durante dois anos, afirmou que, por BB ter muita dificuldade em assinar, chegava ao Banco, mal este abria a porta aos clientes, com cheques que havia assinado em branco.</font>
</p><p><font>b) Ora, </font><u><font>é inaceitável que, BB que fazia assinaturas de má qualidade, mesmo de manhã cedo, ao</font></u><font> </font><u><font>acordar, pudesse ter feito a esplêndida rubrica, fluente e</font></u><font> </font><u><font>sem tremuras - tal como, a rubrica em causa nos autos se</font></u><font> </font><u><font>apresenta – já depois das 15 horas da tarde</font></u><font>, mais precisamente, entre as 16 e 16,30, conforme referiu QQ durante o julgamento.</font>
</p><p><font>c) Tal proeza era absolutamente impossível: para a admitir, seria necessário ignorar, tal como a Mma. Juíza fez, todos os documentos com assinaturas suas que foram carreados para os autos.</font>
</p><p><font>d) E, ignorar ainda, tal como a Mma. Juíza fez, tudo o que, sobre o assunto foi dito por testemunhas quer da A. quer do R., as quais, neste particular, quanto à dificuldade que BB tinha em escrever, estiveram TODAS em sintonia!</font>
</p><p><font>e) Só ignorando o evidente, se poderia aceitar que, milagrosamente, </font><u><font>BB já depois das 16</font></u><font> </font><u><font>horas da tarde, pudesse ter produzido a esplêndida rubrica</font></u><font> </font><u><font>aposta na ordem de transferência dos 845.000 contos</font></u><font>!</font>
</p><p><font>O Tribunal sabe perfeitamente que os documentos bancários têm de ser assinados pelos clientes de acordo com as assinaturas constantes das fichas.</font>
</p><p><font>O que não aconteceu na ordem supostamente dada a 09.09.94.</font>
</p><p><font>Logo, a ordem não é válida, pese embora o gerente garanta ter visto BB a fazer aquela rubrica. O assunto “morria” logo ali: a ordem não era válida porque a rubrica não conferia “com os espécimes arquivados” no Banco R.</font>
</p><p><font>O Juiz deixou assim de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, gerando com esta omissão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, nulidade do Acórdão.</font>
</p><p><font>Por outro lado, e quanto a esta matéria o Douto Acórdão ao se recusar a conhecer, ao não se debruçar, nem apreciar da validade ou invalidade das posições contrárias na decisão da caus | [0 0 0 ... 0 1 0] |
kjJ5u4YBgYBz1XKv2A6x | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> O Executado </font><b><font>Município de ---</font></b><font> deduziu oposição, pelos presentes embargos, à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a </font><b><font>Santa Casa da Misericórdia de ---</font></b><font>, alegando, em síntese, que o “Protocolo” dado à execução não constitui título executivo, consubstanciando apenas uma promessa de doação, a qual deve ser considerada revogada pelo menos desde finais de 2013, e, por outro lado, estão feridas de ilegalidade as deliberações que sustentaram a referida promessa, e não foi colhido o visto prévio do Tribunal de Contas. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. A Exequente contestou a oposição defendendo a exequibilidade do referido Protocolo já que se encontra elaborado e foi assinado a coberto das deliberações dos órgãos municipais respetivos – Câmara Municipal e Assembleia Municipal – que o aprovaram, ficando, assim, o Município constituído na obrigação de o cumprir. </font>
</p><p><font>Mais alega que o próprio Executado, já após o novo executivo camarário estar em funções, reconheceu a existência da dívida e a validade implícita do protocolo de cooperação celebrado, reconhecendo, através de carta assinada pelo Sr. Presidente da Câmara, o débito relativo aos anos de 2013 e 2014. </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedentes os embargos, determinando, consequentemente, o prosseguimento da execução.</font><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, o Embargante/Executado interpôs recurso de apelação. </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação de --- veio conceder provimento ao recurso, revogando a decisão impugnada, julgaram “procedente a excepção dilatória de incompetência material da Secção de Execução da comarca de ---, absolvendo o Apelante da instância executiva.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Exequente/Embargado Santa Casa da Misericórdia de --- interpôs recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O pedido na presente ação traduz-se na pretensão de pagamento do que é devido à Requerente/ Exequente, </font>
</p><p><font>2ª. Tal pedido assenta no incumprimento de um Protocolo ou Contrato, celebrado entre ambas as partes com obrigações recíprocas, sinalagmáticas, e em que uma das partes cumpriu e outra não. </font>
</p><p><font>3ª. Relação jurídica estabelecida no âmbito do direito privado e por ele regulada.</font>
</p><p><font>4ª. A qualidade pública de um dos intervenientes no contrato ou acordo, só por si, não define nem impõe qual o tipo de contrato/protocolo celebrado e muito menos qual a jurisdição que a regula, nas suas relações diversificadas. </font>
</p><p><font>5ª. A relação jurídica em causa nestes autos, tal como configurada pela exequente, e, resultante do protocolo/contrato celebrado entre a exequente e o executado é regulada, pelo Direito Civil e não pelo Direito Administrativo. </font>
</p><p><font>6ª. Todas as obrigações, recíprocas, que resultam do documento em causa são reguladas pelo Direito Civil, donde resultam os direitos e deveres de cada uma delas. </font>
</p><p><font>7ª. </font><i><font>"Segundo FREITAS DO AMARAL, relação jurídico-administrativa </font></i><font>é </font><i><font>"aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público </font></i><font>à </font><i><font>Administração perante </font></i><font>os </font><i><font>particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante </font></i><font>a </font><i><font>Administração". </font></i>
</p><p><i><font>Independente da disputa doutrinal </font></i><font>em </font><i><font>torno do conceito de relação jurídica administrativa </font></i><font>a </font><i><font>que </font></i><font>os </font><i><font>artigos </font></i><font>212º., </font><i><font>nº.</font></i><font>3, </font><i><font>da CRP </font></i><font>e 1º.</font><i><font> do ETAF fazem apelo </font></i><font>a </font><i><font>Jurisprudência tem vindo sobretudo </font></i><font>a </font><i><font>decidir </font></i><font>as </font><i><font>questões concretas que lhe têm sido colocadas </font></i><font>a </font><i><font>propósito da delimitação de competências dos Tribunais para ações relativas </font></i><font>a </font><i><font>contratos (que são </font></i><font>as </font><i><font>que neste momento nos importam) por referência às normas insertas nas alíneas b). </font></i><font>e) e f) </font><i><font>do nº.1 do artigo </font></i><font>4 </font><i><font>do ETAF, que são </font></i><font>as </font><i><font>que ali expressamente </font></i><font>a </font><i><font>tais litígios [vide, designadamente, </font></i><font>os </font><i><font>Acórdãos do Tribunal de Conflitos de 09-12-2010, Proc. 20/10; de 16-09-2010, Proc. 13/09; de 09-06-2010, Proc. </font></i><font>5/10; </font><i><font>de </font></i><font>25-11-2010, </font><i><font>Proc. </font></i><font>21/10]. </font>
</p><p><i><font>E com efeito, </font></i><font>é ao </font><i><font>abrigo das normas específicas insertas nas alíneas b), </font></i><font>e) e </font><i><font>f) do n°</font></i><font>1 </font><i><font>daquele artigo </font></i><font>4° </font><i><font>do ETAF que devem ser resolvidas </font></i><font>as </font><i><font>questões da delimitação </font></i><font>da </font><i><font>competência dos Tribunais Administrativos no que respeita </font></i><font>a </font><i><font>ações relativas </font></i><font>a </font><i><font>contratos sempre que </font></i><font>se </font><i><font>esteja perante situação por elas abrangidas. Na verdade, </font></i><font>é </font><i><font>na área dos litígios relativos </font></i><font>a </font><i><font>contratos </font></i><font>(e </font><i><font>através daquelas normas) que sobretudo </font></i><font>se </font><i><font>operam </font></i><font>os </font><i><font>maiores desvios </font></i><font>ao </font><i><font>critério material (geral) de delimitação da competência dos Tribunais Administrativos vertido no artigo </font></i><font>212º., </font><i><font>nº.</font></i><font>3, </font><i><font>da CRP </font></i><font>e </font><i><font>acolhido no n. </font></i><font>°1 </font><i><font>do artigo </font></i><font>4° </font><i><font>do ETAF. " </font></i>
</p><p><font>8ª. Estando nós perante uma relação jurídica regulada pelo direito civil, é nosso entendimento que serão os Tribunais Judiciais os competentes para em razão da matéria, decidirem o litígio. </font>
</p><p><font>9ª. Uma interpretação literal do artigo 4° nº.1 aI. e) do ETAF, levaria á conclusão de que todos os litígios eventualmente resultantes da celebração de um contrato privado, mesmo sem intervenção de entidades públicas, mas em que sejam exigidos ou efetuados procedimentos pré-contratuais públicos (ex. concurso público) teria de ser submetido à apreciação dos Tribunais Administrativos. </font>
</p><p><font>10ª.No caso dos autos, para celebração daquele contrato, cuja validade não está em causa, repete-se, não foram nem tinham de ser, era mesmo impossível serem realizados procedimentos pré-contratuais que não são exigidos por lei específica ou geral. </font>
</p><p><font>11ª. Estamos perante um contrato de direito privado, sujeito às normas do direito civil, em que interveio uma entidade da administração local desprovida de qualquer autoridade de direito público ou das prerrogativas que a sua qualidade de entidade pública lhe confere. </font>
</p><p><font>12ª. A exequente pretende tão só a cobrança de uma dívida da Câmara Municipal.</font>
</p><p><font>13ª. 0 contrato não foi precedido de quaisquer formalidades pré-contratuais. nem tinha de ser, pelo que a mera possibilidade de a sua celebração poder ser precedida por um procedimento pré-contratual público, conduziria "lato sensu" ao desvio de todos os litígios relativos à interpretação, validade e execução dos contratos que são puramente civis dos tribunais judiciais para os tribunais administrativos. Solução que ademais não se acha conforme à opção constitucional já referida supra de submeter à apreciação dos Tribunais Administrativos, exclusivamente, a matéria administrativa, e, deixando a competência geral para os Tribunais Judiciais. </font>
</p><p><font>14ª. A correta interpretação do artigo 4° nº.1 aI. e) do ETAF, em conjugação com o artigo 211º. nº.1 e 212º. nº.3 da Constituição e artigo 1° do ETAF, impunha decisão diversa da constante no douto Acórdão em crise, reconhecendo que aos Tribunais Judiciais compete apreciar o litígio. </font>
</p><p><font>15ª. O Tribunal "a quo" não ponderou, a falta de meios nos Tribunais Administrativos, em sede executiva, para efetivação de ações executivas previstas e reguladas no Código de Processo Civil, (artigo 157 nº. do CPTA) como é o caso dos autos, não lhe competindo dar execução a contratos e sua efetivação. </font>
</p><p><font>16ª. Diferente seria se, por acaso houvesse alguma decisão praticada pelo Executado que alterasse o contrato celebrado, denunciando-o, revogando-o, alterando-o, enfim manifestando de alguma forma vontade contrária ao seu conteúdo. </font>
</p><p><font>17ª.Independentemente dos intervenientes nesse contrato, para esse objetivo, são competentes os Tribunais Judiciais e não os Administrativos. </font>
</p><p><font>18ª.</font><i><font>Compete aos tribunais administrativos </font></i><font>e </font><i><font>fiscais </font></i><font>o </font><i><font>conhecimento das ações que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.</font></i>
</p><p><font>19ª. O </font><i><font>conceito de relação jurídica administrativa </font></i><font>é </font><i><font>decisivo para determinar </font></i><font>a </font><i><font>repartição de competências entre os Tribunais Administrativos </font></i><font>e </font><i><font>os Tribunais Judiciais, na medida </font></i><font>em </font><i><font>que essa repartição </font></i><font>se </font><i><font>faz </font></i><font>em </font><i><font>função do litígio cuja resolução </font></i><font>se </font><i><font>pede, emergir, ou não, de uma relação jurídica administrativa.</font></i>
</p><p><font>20ª.</font><i><font> O conceito de relação jurídica administrativa </font></i><font>é </font><i><font>erigido tanto na Constituição como na lei ordinária </font></i><font>em </font><i><font>pedra angular para </font></i><font>a </font><i><font>repartição da jurisdição entre os tribunais administrativos </font></i><font>e </font><i><font>os tribunais judiciais. </font></i>
</p><p><font>21ª.</font><i><font> À míngua de definição legislativa do conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica regulada pelo direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado </font></i><font>em </font><i><font>que intervém </font></i><font>a </font><i><font>Administração. </font></i>
</p><p><font>22ª.</font><i><font> Uma relação jurídica administrativa deve ser uma relação regulada por normas de direito administrativo que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais, </font></i><font>a </font><i><font>todos ou </font></i><font>a </font><i><font>alguns dos intervenientes, por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico- privada." </font></i>
</p><p><font>23ª. Ao assim não decidir o Venerando Tribunal da Relação de --- violou o disposto nos artigos 211° nº.1 e 212 nº.3 da CRP, e artigos 1° n</font><sup><font>0</font></sup><font>1 e 4° al. e) do ETAF, pelo que o douto Acórdão em crise deverá ser substituído por outro que considere o Tribunal de Execução de --- competente para o litígio e prosseguindo o processo seus trâmites até final, fundando-se o presente recurso no estatuído nos artigos 674 n</font><sup><font>o</font></sup><font>1 al. a) e 671 nº1 do C.P.Civil. </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão da competência dos tribunais administrativos.</font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b><br>
<b><font>1. Do mérito do recurso</font></b><br>
<b><font>1.1.Da competência em geral e da lei aplicável</font></b>
</p><p><font>Está em causa saber se a competência para apreciar e julgar a presente execução pertence à jurisdição administrativa ou à jurisdição comum.</font>
</p><p><font>A competência dos tribunais é, em geral, a medida de jurisdição atribuída aos diversos tribunais, ou seja, o modo como, entre si, fracionam e repartem o poder jurisdicional que, tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais (neste sentido: Manuel de Andrade, </font><i><font>Noções Elementares de Processo Civil</font></i><font>, 1979, p. 88 e 89).</font>
</p><p><font>Por seu turno, a competência em razão da matéria – que é a que ora releva – é a competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, isto é, no mesmo plano, sem relação de sobreposição ou subordinação entre eles. </font>
</p><p><font>Os Tribunais Judiciais têm uma competência material residual, competindo-lhes conhecer de todas as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e, dentro dessa ordem, a competência em razão da matéria distribui-se entre tribunais de competência genérica e tribunais de competência especializada segundo o mesmo critério de competência material residual para os primeiros, em tudo o que não seja atribuído, por lei, aos segundos – artigos 37.º, 40.º, 80.º, e 81.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, e artigo 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><font>No que concerne à competência dos Tribunais Administrativos, estabelece o artigo 212.º, n.º 3, da CRP que “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais”.</font>
</p><p><font>Constitui jurisprudência pacífica que a competência em razão da matéria se fixa em função dos termos em que o autor propõe a ação, atendendo ao direito que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente reconhecido, devendo, por isso, a questão da competência ser decidida em conformidade com o pedido deduzido e com a causa de pedir em que o mesmo se funda.</font>
</p><p><font>Com efeito, tal como se deixou expresso no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 1/06/2017 (Proc. 2/16, disponível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>), constitui jurisprudência pacifica deste Tribunal o entendimento de que a competência, tal como ocorre com qualquer pressuposto processual, se afere em face do pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material em litígio tal como é configurada pelo autor (V., entre outros, os Acs. do Tribunal dos Conflitos de 25.03.2015, Proc. 02/14, 25.06.2015, Proc. 8/15, 09.07.2015, proc. 07/15 e 18.02.2016, proc.28/15, todos disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>.).</font>
</p><p><font>É o que tradicionalmente se costuma exprimir, dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor, ou seja, a decisão de qual seja o tribunal (jurisdição) competente há-de ser feita de acordo com os termos da pretensão do autor, abrangendo os respetivos fundamentos, não importando averiguar qual a viabilidade dessa pretensão. A competência é, pois, questão prévia a tal apreciação, a decidir independentemente do mérito/demérito da ação, não dependendo da sua procedência (cf. Manuel de Andrade, </font><i><font>Noções Elementares de Processo Civil</font></i><font>, Coimbra Editora, 1976, págs. 90 e 91).</font>
</p><p><font>Para além disso, importa ter presente que, de acordo com o disposto no artigo 38.º, n.º 1, da LOSJ, a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.</font>
</p><p><font>O mesmo decorre do artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro), no qual se preceitua que a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.</font>
</p><p><font> Em consequência, considerando que a execução para pagamento de quantia certa a que se referem os presentes embargos deu entrada em juízo em 20-11-2015 e que as relevantes alterações introduzidas ao ETAF pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, no que toca ao âmbito da jurisdição, não respeitando a matéria de organização e funcionamento dos tribunais administrativos, apenas entraram em vigor 60 dias após a sua publicação (crf. artigos 15.º, n.º 1 e n.º 4, este </font><i><font>a contrario</font></i><font>), é aplicável ao caso o ETAF na sua anterior redação (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro e subsequentes alterações: Rect. n.º 14/2002, de 20-03, Rect. n.º 18/2002, de 12-04, Lei n.º 4-A/2003, de 19-02, Lei n.º 107-D/2003, de 31-12, Lei n.º 1/2008, de 14-01, Lei n.º 2/2008, de 14-01, Lei n.º 26/2008, de 27-06, Lei n.º 52/2008, de 28-08, Lei n.º 59/2008, de 11-09, Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31-07, Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, e Lei n.º 20/2012, de 14-05).</font>
</p><p><b><font>1.2.Do conceito de relação jurídica administrativa</font></b>
</p><p><font>Vejamos, então, à luz dos normativos que o caso convoca se a competência para apreciar a julgar a referida ação pertence aos Tribunais Administrativos ou aos Tribunais Judiciais.</font>
</p><p><font> Dispunha o artigo 1.º do ETAF, na supra citada redação anterior, em consonância com o que se dispõe no artigo 212.º, n.º 3, da CRP, que “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos </font><u><font>litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais</font></u><font>.”</font>
</p><p><font>Conforme se vê destes normativos, a delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa assenta na noção de relação jurídica administrativa.</font>
</p><p><font>A doutrina tem-se debruçado sobre este conceito:</font>
</p><p><font>- </font><u><font>Gomes Canotilho e Vital Moreira</font></u><font> referem, em anotação ao artigo 212.º, n.º 3, da CRP (</font><i><font>Constituição da República Portuguesa Anotada</font></i><font>, Vol. II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, págs. 566 e 567), que </font><i><u><font>na jurisdição administrativa</font></u></i><u><font> </font></u><i><u><font>estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico administrativas</font></u></i><i><font> (ou fiscais). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: 1- as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); 2- as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto </font></i><i><u><font>significa que não estão aqui em causa litígios de natureza “privada” ou “jurídico civil”</font></u></i><i><font>. Em termos positivos, um litigio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr. ETAF, artigo 4.º).</font></i>
</p><p><i><font> O conceito de relações jurídico-administrativas deve ser entendido neste contexto como uma referência à possibilidade de alargamento da jurisdição administrativa a outras realidades diversas das tradicionais formas de actuação (acto, contrato e regulamento), complementando aquele critério. Pretende-se, com o recurso a este conceito genérico, viabilizar a inclusão na jurisdição administração do amplo leque de relações bilaterais e poligonais, externas e internas, entre a Administração e as pessoas civis e entre entes da Administração, que possam ser reconduzidas à actividade de direito público, cuja característica essencial reside na prossecução de funções de direito administrativo, </font></i><i><u><font>excluindo-se apenas as relações jurídicas de direito privado</font></u></i><i><font>. Trata-se de um conceito suficientemente dúctil e flexível para enfrentar os desafios do «novo direito administrativo», mas que não pode deixar de ser entendido como complementar da tradicional dogmática das formas de actuação administrativa;</font></i>
</p><p><font>- </font><u><font>Vieira de Andrade</font></u><font> (</font><i><font>A Justiça Administrativa, Lições</font></i><font>, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 79), seguindo um critério estatutário, define a relação jurídica administrativa como </font><i><font>aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido</font></i><font>;</font>
</p><p><font>- </font><u><font>Freitas do Amaral</font></u><font> (</font><i><font>Direito Administrativo</font></i><font>, vol. III, págs. 439 e 440) define a relação jurídico-administrativa como </font><i><font>aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos ou particulares perante a Administração</font></i><font>;</font>
</p><p><font>- </font><u><font>Carlos Alberto Fernandes Cadilha</font></u><font> (</font><i><font>Dicionário de Contencioso Administrativo</font></i><font>, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 117 e 118) afirma que deve entender-se por relação jurídico-administrativa aquela que é </font><i><font>estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas</font></i><font>, acrescentando que poderá tratar-se de uma relação jurídica intersubjetiva (como a que ocorre entre a Administração e os particulares), inter administrativa (quando se estabelece entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender) ou inter orgânica (quando se interpõe entre órgãos administrativos da mesma pessoa coletiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem) e, por outro lado, que tais relações jurídicas podem ser simples ou bipolares consoante decorram entre dois sujeitos ou surjam entre três ou mais sujeitos que apresentam interesses conflituantes relativamente à resolução da mesma situação jurídica;</font>
</p><p><font>- Já </font><u><font>Mário Aroso de Almeida</font></u><font> (</font><i><font>O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos</font></i><font>, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 57) afirma que </font><i><font>as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo o critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teleológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis</font></i><font>. Nesta perspetiva, serão relações jurídicas administrativas as derivadas de atuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados.</font>
</p><p><font>- Por último, </font><u><font>Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira</font></u><font> (</font><i><font>Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados</font></i><font>, Almedina, Coimbra, reimpressão da edição de Novembro/2004, págs. 25 e 26) referem que são relações jurídico-administrativas:</font>
</p><p><i><font>i) em princípio, aquelas que se estabelecem entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos (relações intersubjectivas públicas e relações inter-orgânicas), desde que não haja nas mesmas indícios da sua clara pertinência ao direito privado;</font></i>
</p><p><i><font>ii) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos (seja ele público ou privado), actua no exercício de um poder de autoridade, com vista à realização de um interesse público legalmente definido (…);</font></i>
</p><p><i><font>iii) aquelas em que esse sujeito actua no cumprimento de deveres administrativos, de autoridade pública, impostos por motivos de interesse público (v. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2002, p. 137).</font></i>
</p><p><font>Também a jurisprudência tem procurado caracterizar a relação jurídica administrativa, podendo citar-se, a título exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2009 (proc. 0484/09, disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>), sumariado nos seguintes moldes:</font>
</p><p><i><font>I - O conceito de relação jurídica administrativa pode, ser tomado em diversos sentidos. Em sentido subjectivo, onde se inclui qualquer relação jurídica em que intervenha a Administração, designadamente uma pessoa colectiva, pelo que tenderia a privilegiar-se igualmente um critério orgânico como padrão substancial de delimitação. Já em sentido predominantemente objectivo, abrangeria as relações jurídicas em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo. E há ainda um outro sentido, que faz corresponder o carácter «administrativo» da relação ao âmbito substancial da própria função administrativa.</font></i>
</p><p><i><font>II - A noção de relação jurídica administrativa para efeitos de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa, deve abranger a generalidade das relações jurídicas externas ou intersubjectivas de carácter administrativo, seja as que se estabeleçam entre os particulares e os entes administrativos, seja as que ocorram entre sujeitos administrativos.</font></i>
</p><p><i><font>III - Para efeito de inclusão no contencioso administrativo, devem considerar-se relações jurídicas administrativas externas ou interpessoais: a) as relações jurídicas entre a Administração e os particulares, incluindo: i) as relações entre as organizações administrativas e os cidadãos (ditas «relações gerais de direito administrativo»), mas também; ii) as relações entre as organizações administrativas e os membros, utentes ou pessoas funcionalmente ligados a essas organizações (as chamadas «relações fundamentais» no contexto das «relações especiais de direito administrativo») e; iii) as relações entre entes que actuem em substituição de órgãos da Administração (no contexto do exercício privado de poderes públicos, por exemplo, os tradicionais concessionários, capitães de navios ou de aeronaves, federações de utilidade pública desportiva, a que se juntam hoje múltiplas entidades credenciadas para o exercício de funções de autoridade) e os particulares; b) as relações jurídicas administrativas, incluindo: i) as relações entre entes públicos administrativos, mas também; ii) as relações jurídicas entre entes administrativos e outros entes que actuem em substituição de órgãos da Administração, e ainda; iii) certas relações jurídicas entre órgãos de diferentes entes públicos (quando a circunstância de se tratar de órgãos de pessoas colectivas distintas puder ser considerada decisiva ou dominante para a caracterização da relação, como, por exemplo, no caso da delegação de atribuições).</font></i>
</p><p><font>Do exposto, pode concluir-se, na senda de Gomes Canotilho e Vital Moreira, que para podermos afirmar que estamos ante uma relação jurídica administrativa temos de isolar dois elementos: (i) por um lado, um dos sujeitos há-de ser uma entidade pública ou se for privada deve atuar como se fosse pública; e (ii) por outro lado, os direitos e os deveres que constituem a relação hão-de emergir de normas legais de direito administrativo ou referir-se ao âmbito substancial da própria função administrativa.</font>
</p><p><font>Será, pois, à luz do conceito de relação administrativa acima delineado que as diversas alíneas do artigo 4.º do ETAF devem ser lidas e interpretadas, posto que, conforme se deixou dito, face aos artigos 212.º, n.º 3, da CRP, e 1.º, n.º 1, do referido Estatuto, essencial para que a competência seja deferida aos tribunais administrativos é que o litígio se insira no âmbito de uma relação dessa natureza, o mesmo é dizer numa relação onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público.</font>
</p><p><font>O artigo 4.º do ETAF (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, aqui aplicável), sob a epígrafe “Âmbito da jurisdição”, enumera, de forma exemplificativa, os litígios cuja competência se defere à jurisdição administrativa e os que dela se mostram excluídos, umas vezes em consonância com a cláusula geral plasmada no artigo 1.º, n.º 1, do ETAF e noutras em desconformidade com ela.</font>
</p><p><font>Em consequência, a fim de alcançar a natureza administrativa de uma relação jurídica, deverá fazer-se um juízo de articulação entre a cláusula geral do artigo 1.º, n.º 1, e os critérios do artigo 4.º, ambos do ETAF, posto que a aludida natureza apenas se alcança perante uma diversidade de elementos de conexão e será o referido artigo 4.º, na sua delimitação positiva (n.º 1), bem como na negativa (n.ºs 2 e 3), que permitirá clarificar aquilo que está, efetivamente, abrangido pelo âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos.</font>
</p><p><font>Conforme ensina, neste particular, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (ob. cit., págs. 26 e 27), nos fatores de determinação das pretensões jurídicas formuláveis perante a jurisdição administrativa, o legislador fez prevalecer nuns casos critérios objetivos ou materiais abstraindo da sua pertinência subjetiva (pública) e noutros fez prevalecer o fator subjetivo ou orgânico, independentemente da natureza das relações litigiosas.</font>
</p><p><font>Nos primeiros casos, é, pois, a natureza administrativa da relação jurídica e a sua regulação por normas de direito administrativo o fator determinante da atribuição da jurisdição aos tribunais administrativos, levando a incluir no seu âmbito litígios em que não é parte a Administração Pública, (…) mas órgãos de outros poderes do Estado ou até sujeitos privados a atuar no exercício de poderes ou funções administrativas (tal como sucede nos casos das alíneas a), c), d), e) e f), primeira parte, do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF).</font>
</p><p><font>Nos segundos casos, releva, para efeitos de atribuição da competência aos tribunais administrativos, o facto de estarem em causa conflitos em que estão envolvidos entes com natureza (ou forma) jurídico-pública, independentemente de os mesmos serem regulados pelo direito administrativo ou pelo direito privado ou até de confluírem ambos na sua regulação (tal como sucede nalguns casos da alínea e) e nas alíneas g), h) e l) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF).</font>
</p><p><font>Por último, outras situações existem em que a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa se faz através da conjugação de fatores objetivos e subjetivos (tal como sucede nos casos das alíneas b) e f), segunda parte, do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF).</font>
</p><p><b><font>1.3.Da subsunção ao caso concreto</font></b>
</p><p><font>No caso presente, entendeu o Acórdão recorrido ser de deferir a competência aos tribunais administrativos considerando que, na altura, uma das competências das Câmaras Municipais er | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fzJ4u4YBgYBz1XKvKw2q | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA e BB </font></b><font>intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra </font><b><font>CC</font></b><font>, pedindo que se reconheça e condene a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o imóvel, condenando-se ainda a Ré a entregá-lo livre e desocupado de pessoas e bens, bem como se condene a Ré a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia de €286,00 por cada mês de ocupação desde a citação e até efetiva restituição.</font>
</p><p><font>Alegam, em síntese, que: são os legítimos donos e proprietários do imóvel urbano sito em ..., tendo-o adquirido por sucessão de seus pais;</font>
</p><p><font> A Ré vem ocupando tal imóvel, recusando-se a entregá-lo aos Autores, ofendendo dessa forma o seu direito de propriedade. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré contestou, excecionando que ocupa legitimamente o local, pois aquele imóvel foi arrendado pelo pai dos autores ao pai da ré; que após o falecimento deste, o arrendamento transmitiu-se para a sua mãe e, com o óbito desta, para si, mantendo-se o referido contrato de arrendamento em vigor desde então e até ao momento atual, tendo sempre sido pagas as rendas.</font>
</p><p><font>Invoca a exceção do abuso do direito dos Autores, pois que aqueles sempre conheceram a relação contratual que legitima a ocupação da Ré do imóvel, sempre tendo recebido as respetivas rendas.</font>
</p><p><font>Deduziu reconvenção “por mera cautela de patrocínio”, pedindo a condenação dos Autores a pagarem-lhe a quantia de €5.000,00, a título de obras efetuadas no local.</font>
</p><p><font>Pedem também a condenação dos Autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização em valor a fixar pelo tribunal por terem falseado uma realidade que bem conhecem e omitirem factos essenciais para a descoberta da verdade. </font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>Os Autores responderam à contestação/reconvenção, impugnando os factos ali alegados, afirmando nunca terem conhecido e/ou reconhecido a Ré como arrendatária, pois que, até pela distância a que residem (em ... e no ...) apenas agora tomaram conhecimento do arrendamento ao pai da Ré e transmissão do mesmo à sua mãe, transmissão que apenas opera em um grau.</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador do processo, que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova. </font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença final, que decidiu:</font>
</p><p><i><font>“Julgo a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, por também parcialmente provadas e, consequentemente, decido:</font></i><br>
<i><font>A-Condenar a ré, CC, a reconhecer que os autores AA e BB, são donos e legítimos proprietários do imóvel urbano sito em ..., com a área total de 328 metros e coberta 121,925 metros, composto por casa de rés-do-chão e logradouro, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1836/20021031 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 6190; </font></i>
</p><p><i><font>B- Condenar a ré a entregar aos autores o imóvel acima identificado livre e devoluto de pessoas e bens;</font></i>
</p><p><i><font>C- Condenar a mesma ré a pagar aos autores, a título de indemnização, a quantia de 39,41€ (trinta e nove euros e quarenta e um cêntimos) mensais, contados desde a citação e até à efectiva restituição do imóvel livre de pessoas e bens;</font></i>
</p><p><i><font>D- Condenar os autores/reconvindos AA e BB, a pagar à ré/reconvinda CC, a quantia de 3.700,00€ (três mil e setecentos euros), a título de benfeitorias;</font></i>
</p><p><i><font>E- Absolvendo autores e ré dos demais contra si peticionado.”</font></i>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Não se conformando com a decisão, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>O Tribunal da Relação do Porto veio a julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:</font>
</p><p><font>“em julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se em consequência improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas c) e d) da p.i, absolvendo-se a ré dos pedidos de entrega do imóvel ora reivindicado aos autores, bem como da condenação em pedido de indemnização.</font>
</p><p><font>Fica ainda prejudicada a condenação dos AA/reconvindos no pedido reconvencional, uma vez que aquele foi formulado subsidiariamente para o caso da procedência total da acção principal, circunstância que deixou de subsistir com a revogação parcial da sentença.”</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>Inconformados com tal decisão, os Autores vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. No entender dos ora recorrentes afigura-se incorreta a decisão do Tribunal da Relação do Porto na aplicação do Direito ao caso concreto.</font>
</p><p><font>2ª. Estamos na presença de um problema de aplicação de leis no tempo, o que impõe alguma reflexão prévia sobre as sucessivas leis que foram sucedendo no tempo relativas ao arrendamento (sucessão por morte), com efeitos nos contratos dos autos, tendo presente o princípio geral contido no artigo nº. 12 do Código Civil e bem assim as normas de cariz transitório contidas nas sucessivas "leis novas" que foram entretanto em vigor, regulando esta matéria. </font>
</p><p><font>3ª. Tendo o contrato de arrendamento para a habitação dos autos sido celebrado em Julho de 1965, é aplicável o regime transitório do NRAU, nomeadamente o disposto no art. 57º., nº. 1. </font>
</p><p><font>4ª. O contrato dos presentes autos foi celebrado antes da vigência do RAU, logo prevê o nº. 1 do art. 28º. do NRAU que a estes contratos aplicam-se as disposições dos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU, ou seja, a estes contratos também se aplicam os artigos 57º. e 58º. do NRAU. </font>
</p><p><font>5ª. O art. 57º. do NRAU, com efeito, estabeleceu um regime transitório, quanto à transmissão por morte no arrendamento para habitação, aplicável aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo DL nº. 321-B/90, de 15 de outubro, como comprova o artigo o art. 27º. do NRAU, que estabelece: </font>
</p><p><font>"As normas do presente capítulo aplicam-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto‑Lei nº.321-B/90, de 15 de outubro, bem como aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 257/95, de 30 de setembro." </font>
</p><p><font>6ª. Um regime transitório semelhante foi também fixado para os contratos celebrados na vigência do RAU (art. 26.°, nº.s 1 e 2, do NRAU). O art. 57º., nº. 1, do NRAU sofreu, entretanto, alteração, decorrente da Lei nº. 31/2012, de 14 de agosto, nomeadamente no sentido de que a transmissão por morte no arrendamento para a habitação pode ser feita a "pessoa que com ele ("primitivo arrendatário") vivesse em união de facto há mais de dois anos, com residência no locado há mais de um ano".</font>
</p><p><font>7ª. O regime transitório, fixado no NRAU, continua a manter-se em vigor enquanto subsistirem os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes ou durante a vigência do RAU, aplicando-se aos contratos de arrendamento para habitação posteriores o regime previsto no art. 1106º. do CC, consagrado pelo NRAU. </font>
</p><p><font>8ª. Tendo o contrato de arrendamento para a habitação dos autos sido celebrado em Julho de 1965, é aplicável o regime transitório do NRAU, nomeadamente o disposto no art. 57º., nº. 1. </font>
</p><p><font>9ª. O artigo 57º., nº. 1, alínea a) do NRAU dispõe, no que ora releva, e sob a epígrafe, "Transmissão por morte no arrendamento para habitação": </font>
</p><p><font>"1 - O arrendamento para habitação no arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva: </font><br>
<font>a) Cônjuge com residência no locado."</font>
</p><p><font>10ª. Este preceito, porém, não é aplicável ao caso dos presentes autos, porquanto a norma apenas se aplica às situações em que está em causa a "morte do primitivo arrendatário”. </font>
</p><p><font>11ª. Conforme refere Pinto Furtado "[f]alava-se de primitivo arrendatário para exprimir que, em função das sobrevivências enumeradas nas alineas [do artigo 85°do RAU], a não caducidade só operava, em princípio, em um grau, isto ti, para o arrendatário (por direto arrendamento ou cessão a posição contratual) primeiro falecido."</font>
</p><p><font>12ª. Estamos perante regime transitório que difere amplamente quer daquele que o RAU previa quer do que foi consagrado pelo NRAU para os novos contratos.</font>
</p><p><font>13ª. Com efeito, e por um lado, os afins em linha recta ascendente e os conviventes em economia comum deixaram de ser beneficiários da transmissão por morte do arrendamento habitacional, sucedendo o mesmo com os descendentes que não sejam filhos (netos, por exemplo). Por outro lado, os membros da união de facto surgem agora colocados em primeiro lugar na ordem de transmissão, logo a seguir ao cônjuge, sendo que os ascendentes passaram a preferir aos filhos. Finalmente, quanto aos filhos e aos enteados fixou-se um limite etário que constitui um dos requisitos do direito à transmissão (alínea d), permitindo-se apenas a transmissão para os filhos e enteados maiores com idade inferior a 26 anos se frequentarem o 11º. ou 12º. ano de escolaridade, ou se tiverem uma "deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%" (alínea e). </font>
</p><p><font>14ª. 0s filhos e os enteados do primitivo arrendatário ocupam agora o último lugar na hierarquia dos beneficiários da transmissão por morte do direito do arrendatário, e não têm direito à transmissão caso sejam maiores e não se encontrem a estudar no 11º., 12º. anos ou ensino superior, nem tenham deficiência comprovada superior a 60%.</font>
</p><p><font>15ª. Efetivamente, para que o direito ao arrendamento se lhes transmita, a lei exige a verificação de uma de várias condições alternativas: tratar-se de filho ou enteado, com menos de um ano de idade à data do falecimento do arrendatário [1ª. parte da alínea d)]; menor de idade que conviva com o arrendatário há mais de um ano [2ª. parte da alínea d)]; com idade inferior a 26 anos que conviva com o arrendatário há mais de um ano e frequente o 11.° ou 12º. ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior [parte final da alínea d) do nº.1]; com idade igual ou superior a 18 anos que conviva há mais de um ano com o arrendatário e seja portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (1) [alínea e) do nº. 1]. </font>
</p><p><font>16ª. Por conseguinte, a conclusão a retirar é que não assiste à ré/ora recorrida o direito à transmissão do arrendamento por a sua falecida mãe não deter na relação jurídica arrendatícia a posição de primitivo arrendatário, já que o arrendamento lhe foi transmitido por morte do anterior arrendatário, seu marido. </font>
</p><p><font>17ª. A intenção do legislador é nítida no que toca ao regime atual do direito de transmissão mortis causa, com o artigo 57° N.R.A.U. pretende que os contratos antigos acabem por caducar, em contrapartida revitaliza o regime do arrendamento pelo artigo 1106°. </font>
</p><p><font>18ª. Por todo o exposto deverá ser condenada a ré/ ora recorrida CC, a reconhecer que os autores/ora recorrentes AA e BB, são donos e legítimos proprietários do imóvel urbano em apreço, deverá também ser condenada a ré/ora recorrida a entregar aos autores/ora recorrentes o imóvel acima identificado livre e devoluto de pessoas e bens e condenar ainda a mesma ré/ora recorrida a pagar aos autores/ora recorrentes, a título de indemnização, a quantia de 39,41€ (trinta e nove euros e quarenta e um cêntimos) mensais, contados desde a citação e até à efectiva restituição do imóvel livre de pessoas e bens, como foi decidido e bem pelo Tribunal da primeira instância. </font>
</p><p><font>E concluem que deve dar-se provimento ao recurso, “revogando-se a decisão recorrida proferida pelo Tribunal da Relação do Porto por violação das disposições legais supra identificadas por desconformidade com decisões anteriores, sendo mantida a Douta Sentença do Tribunal de primeira instância.”</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: </font>
</p><p><font>1ª. Os Recorrentes intentaram acção declarativa contra a Recorrida com vista ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um imóvel sito na Rua ..., e condenação da Recorrida à entrega do prédio livre de pessoas e ao pagamento da quantia de €286,00 (duzentos e oitenta e seis euros) por cada mês de ocupação.</font>
</p><p><font>2ª. A Recorrida contestou, excepcionando a transmissão do arrendamento para si, por óbito de sua mãe, invocando ainda abuso de direito dos Recorrentes, deduzindo pedido reconvencional no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) e pedindo a condenação dos AA. em litigância de má-fé. </font>
</p><p><font>3ª. O Tribunal de primeira instância veio a julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes.</font>
</p><p><font>4ª. Inconformada, a R. interpôs recurso para a Relação, fazendo impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, pretendendo a modificação quanto à matéria de facto. </font>
</p><p><font>5ª. O Tribunal da Relação do Porto veio a manter a matéria de facto, mas, alterando a aplicação dos factos ao direito, absolveu a Recorrida do pedido de entrega do imóvel e da condenação no pedido de indemnização.</font>
</p><p><font>6ª. Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à matéria de Direito, que se cinge à existência de erro na interpretação e aplicação das convocadas normas jurídicas relativas ao arrendamento, que desembocarão no reconhecimento, ou não, da existência de um contrato de arrendamento a favor da R., o qual será apto a tornar improcedente a acção de reivindicação intentada pelos AA.</font>
</p><p><font>7ª. O diferendo centra-se, agora, na aplicabilidade ao caso da norma constante do art. 85° do RAU. </font>
</p><p><font>8ª. O art. 85° do RAU prescrevia que o arrendamento para fins habitacionais não caducava por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver, nomeadamente, descendente que com ele convivesse há mais de um ano. </font>
</p><p><font>9ª. Sabido é que a lei só se aplica aos factos que se operarem após a sua entrada em vigor e a sua retroactividade está sujeita aos limites constantes do art. 12°, nº. 2 do C.Civil. </font>
</p><p><font>10ª. No caso, o que está em causa é um conflito de leis que, à primeira vista, poderá mandar que se aplique, ora o RAU, ora o NRAU. </font>
</p><p><font>11ª. O facto que deu origem à transmissão da posição de arrendatário da mãe da R. para esta ocorreu antes da entrada em vigor do NRAU, isto é, em 2001. </font>
</p><p><font>12ª. O NRAU é, portanto, um diploma legal que só entrou em vigor no ano de 2006 e que passa, desde esse momento, a regular o conteúdo dos contratos de arrendamento. </font>
</p><p><font>13ª. No momento em que falece a mãe da R. - 2011 - estava ainda em vigor o RAU, que previa que a transmissão da posição de arrendatário pela cessão da posição contratual ao descendente que, independentemente da idade, vivesse com o primitivo arrendatário há mais de um ano. </font>
</p><p><font>14ª. A situação jurídica de arrendatária consolidou-se na esfera jurídica da ora Recorrida ainda ao abrigo do RAU. </font>
</p><p><font>15ª. Reforça-se que o que está em causa, na transmissão da posição de arrendatário não é o conteúdo da relação jurídica que se vai manter ao longo do tempo, mas um facto isolado, que opera uma mudança dos sujeitos da relação contratual, mas nada mais. </font>
</p><p><font>16ª. É que o conteúdo do contrato vai manter-se e vai ser regulado pelas leis novas e leis antigas, conforme as suas disposições. </font>
</p><p><font>17ª. Mas o facto jurídico, a transmissão da posição de arrendatário, que se verifica e se esgota no momento em que ocorre, ainda que os seus efeitos venham a reflectir-se também no futuro, vai ser regulado pela lei em vigor no momento em que ele se dá.</font>
</p><p><font>18ª. Isto é o mesmo que dizer que desde 2001, data da morte da sua mãe, é a R. a arrendatária dos AA., independentemente de estes terem reconhecido essa qualidade, ou não, porquanto, ao abrigo da lei aplicável no momento em que faleceu a primitiva arrendatária, havia lugar à transmissão da posição. </font>
</p><p><font>19ª. E a posição de arrendatária consolidou-se na esfera jurídica da Recorrida ainda em 2001, evento que fixa, ao abrigo do RAU, a transferência da qualidade de arrendatária para a esfera jurídica da Recorrida.</font>
</p><p><font>20ª. O momento que estabiliza a posição da R. é o momento da cessão na posição de arrendatária, que se esgotou com o decesso da sua mãe.</font>
</p><p><font>21ª. A continuidade dos actos subsequentes correspondentes à manutenção do contrato de arrendamento (o pagamento das rendas, a ocupação do arrendado...), podem estar à mercê das alterações legislativas.</font>
</p><p><font>22ª. Donde, e conforme se lê no Aresto do Tribunal da Relação do Porto ("entendemos que o NRAU não tem aplicação na situação em apreço, em que a morte da "transmissária" ocorre em data anterior à sua vigência, impondo-se outrossim a aplicação da lei vigente nessa data, sendo a ocorrência do evento morte que determina, nessa altura, a caducidade ou não do contrato de arrendamento em vigor") à cessão da posição contratual aplica-se o RAU, mas ao contrato de arrendamento, de natureza continuada, aplica-se o NRAU. </font>
</p><p><font>23ª. Enfim, o arrendamento não caducou com a morte da primitiva arrendatária, antes se transmitiu à Recorrida </font>
</p><p><font>Sem conceder, </font>
</p><p><font>24ª. O Supremo Tribunal de Justiça entendeu, no Ac. de 17.10.2013, proferido no Processo Nº. 1267/10.1TBCBR.C1.S1 que «a figura do abuso do direito está na lei para tornar mais ético o nosso ordenamento jurídico, com vista a impedir a conjugação de forças antijurídicas que, por vezes, a imposição fria e rígida da lei possa levar a cabo, em confronto com o ideal de justiça que sempre deve andar indissoluvelmente ligado à aplicação do direito e dentro da máxima "perde o direito quem deve abusa" e em oposição ao velho adágio romano "qui suo jure utitur neminem laedit».</font>
</p><p><font>25ª. Abuso do direito que encontra consagração legal no art. 334º do Ccivil e pode consubstanciar-se em vários comportamentos, nomeadamente num venire contra factum proprium, exercício de uma posição jurídica contrária ao comportamento anteriormente assumido pela pessoa que o exerce.</font>
</p><p><font>26ª. Baseia-se num facto apto a gerar confiança, convencendo uma pessoa normal, que depois é contradito sem que tal fosse de esperar.</font>
</p><p><font>27ª. São pressupostos do venire contra factum proprium: </font><br>
<font>a) O comportamento anterior dos AA. susceptível de servir de base a uma situação objectiva de confiança - os AA. deixaram que a R. se mantivesse a habitar o arrendado, pagando as rendas e realizando obras de conservação durante catorze anos. </font><br>
<font>b) A imputabilidade das condutas aos AA. - a manutenção do contrato de arrendamento após o decesso da mãe da Recorrida (o facto gerador de confiança) e depois a propositura da acção (o venire) são imputáveis aos Recorrentes. </font><br>
<font>c) A boa fé da R. - a R. agiu, durante 14 anos, de boa fé, sempre pagou as rendas, fez obras no arrendado e comunicou-se com os Recorrentes por carta. </font><br>
<font>d) O animus de confiança - a R. orientou a sua vida, as suas acções (traduzidas no dito pagamento de rendas, na habitação do locado, na realização de obras) com base na circunstância de os Recorrentes nunca durante catorze anos se terem manifestado contra a manutenção do contrato de arrendamento. </font><br>
<font>e) O nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o investimento que a Recorrida nela fez; se os AA. não tivessem agido com intenção de permitir que a R. se mantivesse na posição de arrendatária, nunca esta teria procedido a obras no arrendado, a título de exemplo. Simplesmente, a R. confiou que o facto de os AA. receberem as rendas e nunca se terem oposto à manutenção do contrato de arrendamento, legitimava uma verdadeira relação contratual, comportando-se, por isso, conforme os ditames da boa fé na execução dos contratos.</font>
</p><p><font>28ª. O Tribunal da Relação do Porto deu como assente que foi celebrado pelos pais da R. um contrato de arrendamento sobre o imóvel em causa e que em 2001 faleceu a mãe da Recorrida, com quem esta residia, adquirindo a R. a qualidade de arrendatária, por aplicação do RAU.</font>
</p><p><font>29ª. Deu o Tribunal da Relação também como assente que a R. fez vários depósitos de renda na conta do ..., em conta titulada por DD, pagos mesmo após o decesso da sua mãe.</font>
</p><p><font>30ª. Manteve ainda como provada a realização de obras no imóvel pela Recorrida, no valor de €5.100,00 (cinco mil e cem euros).</font>
</p><p><font>31ª. Atento o decurso do tempo - catorze anos -, o recebimento das rendas, a realização de obras, os AA. sabiam que a R. habitava o local, e não podiam desconhecer essa circunstância.</font>
</p><p><font>32ª. Factualidade que justifica que a R. podia, fundadamente, confiar que, tanto tempo depois do falecimento da sua mãe, mantendo-se em vigor o contrato de arrendamento, os AA. não viriam intentar acção sustentando-se na não existência de contrato de arrendamento entre as partes, pela circunstância de a R. não ter sucedido à sua mãe na relação negocial.</font>
</p><p><font>33ª. É inadmissível e contrária à boa fé a conduta assumida pelos Recorrentes, porque trai a confiança que eles mesmos geraram na Recorrida pelo comportamento que durante catorze longos anos assumiram.</font>
</p><p><font>34ª. Ainda que os AA. não reconhecessem à R. a condição de arrendatária - o que só por mera hipótese e muito remota se admite - a verdade é que desde o decesso da primitiva arrendatária até ao momento em que a acção foi instaurada volveram catorze anos.</font>
</p><p><font>35ª. Não podem os Recorrentes pretender que a Recorrida desocupe o arrendado e, sem observância dos requisitos que a lei impõe para a denúncia do contrato de arrendamento, fazer cessar o contrato pela razão de haver uma via aparentemente mais simplista para conseguir o mesmo efeito jurídico. </font>
</p><p><font>36ª. Os AA. usam de forma abusiva do direito que a lei lhes confere, sendo possível subsumir a sua conduta à figura jurídica do abuso do direito - cfr. art. 334º do C.Civil. </font>
</p><p><font>37ª. O princípio da confiança é um princípio ético basilar no nosso ordenamento jurídico, que os Recorrentes não estão a saber respeitar, não merecendo, por isso, protecção jurídica.</font>
</p><p><font>38ª. 0 Ac. do STJ, de 02.07.2015, no Processo Nº. 5024/12.2TTLSB.L1.S1 prescreve que "o erro de julgamento tanto pode começar na interpretação e subsunção dos factos e do direito, como estender-se à sua própria qualificação, o que, em qualquer das circunstâncias, afecta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto/ de um equívoco ou de uma inexacta qualificação jurídica ou, como enuncia a lei, de um erro”. </font>
</p><p><font>39ª. O Tribunal da Relação decidiu no sentido de considerar que a Recorrida sucedeu à sua mãe no contrato de arrendamento celebrado entre esta e os Recorrentes, pela aplicação ao caso do regime previsto no RAU. </font>
</p><p><font>40ª. Forçoso é concluir que não há erro de julgamento, porquanto entendeu a Relação do Porto que "II - Tendo sido provada a existência de um contrato de arrendamento tendo por objecto o prédio reivindicado, celebrado entre o pai dos AA e o pai da Ré, que se transmitiu em 1977 para o cônjuge sobrevivo, a questão de saber se o contrato de arrendamento se transmitiu para a ré, na qualidade de filha que no caso em apreço, sempre habitou o mesmo, com a mãe, ou caducou, tem de ser resolvida em função da lei vigente ao tempo em que ocorre o facto jurídico morte do arrendatário. III - Quando faleceu a arrendatária, cônjuge do primitivo arrendatário, vigorava o RAU aprovado pelo DL 321-8/90 de 15.10, encontrando-se em vigor o art. 85 nº. 3 deste diploma que admitia uma transmissão em dois graus, em que o direito ao arrendamento, que por morte do primitivo arrendamento já se transmitira ao respectivo cônjuge, pode transmitir-se ainda, por morte deste, aos parentes ou afins em linha recta do primitivo arrendatário com menos de um ano ou que vivessem pelo menos há um ano com o cônjuge falecido, sendo esta a norma aplicável e não o regime dos artigos 57º e ss do NRAU aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro." </font>
</p><p><font>41ª.O que, conjugadamente com tudo o que nas presentes contra-alegações, não merece à Recorrida qualquer reparo, como também não deve merecer ao Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso.</font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se ocorreu a transmissão do arrendamento para a Ré ou se o contrato de arrendamento caducou.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Mostra-se inscrito e descrito na respectiva conservatória de registo predial o direito de propriedade dos autores AA e BB, sobre o imóvel urbano sito em ..., com a área total de 328 metros e coberta 121,925 metros, composto por casa de rés-do-chão e logradouro, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1836/20021031 e inscrito na respectiva matriz sob o art. 6190 (docs. de fls. 34 a 37, que se dão por reproduzidos);</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Tal imóvel veio à titularidade dos autores, irmãos entre si, por o haverem herdado de seu pai, EE, que, por sua vez, o havia adquirido em 12.09.1945 (docs. juntos com a petição inicial);</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Pelo menos desde o ano de 2001 que a ré CC se arroga inquilina/arrendatária do imóvel acima referido, contactando os autores no sentido de averiguar se estariam interessados em vender-lhe o imóvel;</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Os autores residem em ... e no ..., respectivamente, e a ré recusa entregar-lhes o imóvel; </font>
</p><p><b><font>1.</font></b><font>5. Por contrato de arrendamento para habitação celebrado em Julho de 1965, o pai dos aqui autores, EE casado com FF, deu de arrendamento a ... casado com GG e pai da aqui ré, mediante o pagamento de uma renda mensal de 1.300$00 (€ 6,48), o imóvel identificado nos autos (doc. de fls. 62 a 68);</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Por falecimento em 11.02.1977 do pai da aqui ré, o arrendamento transmitiu-se à sua esposa, GG, mãe da aqui ré;</font>
</p><p><b><font>1</font></b><font>.</font><b><font>7.</font></b><font> A mãe da ré, por sua vez, veio a falecer em 24.03.2001;</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Após o óbito da sua mãe, a ré, pretendendo manter-se a residir no imóvel, pois ali sempre viveu juntamente com seus pais, contactou um tal Sérgio Rodrigues, que ali se deslocava a receber as rendas, que a informou de que a autora residia em ..., remetendo-lhe então a ré a missiva já acima referida;</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Foram estabelecidos vários contactos entre a autora e a ré por intermédio de advogados, mas não foi possível obter consenso quanto ao valor, pelo que a compra e venda nunca se concretizou;</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> A ré continuou a pagar o valor das rendas relativas ao imóvel, na quantia de 39,41 euros mensais;</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> A ré efectuou no imóvel as obras referidas a fls. 297 e 298, num total de 5.100,00 euros;</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> A ré vinha depositando por transferência bancária o valor da “renda” e, em Julho de 2016, tal valor veio devolvido para a sua conta, com indicação de “dvl DD”, tendo sido posteriormente informada de que tal conta bancária havia sido encerrada/cancelada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2. Factos não provados:</font></b>
</p><p><font>“No essencial, não resultaram provados quaisquer outros factos, considerando não provados os restantes factos alegados pelas partes nos seus articulado ou provados apenas como acima constam.</font>
</p><p><font>Nomeadamente, não resultou provado que:</font>
</p><p><font>- O pai dos autores tenha, em data desconhecida, cedido o imóvel em causa a um amigo, fruto da relação de amizade existente entre ambos;</font>
</p><p><font>- Que os autores sempre tenham reconhecido a ré como arrendatária do imóvel;</font>
</p><p><font>- Que os autores sempre tenham conhecido a situação contratual relativa ao mesmo imóvel.”</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>3. A transmissão do arrendamento</font></b>
</p><p><font>Os Autores intentaram ação de reivindicação, alegando que são proprietário do prédio que identificam e que a Ré ocupa o imóvel sem qualquer título que legitime essa ocupação, pelo que reclamam que o imóvel volte à sua posse.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Ré defende-se alegando que é arrendatária do imóvel, porquanto o contrato de arrendamento se transmitiu por morte da sua mãe, que ocorreu em 24 de março de 2001, e que o arrendamento já se havia transmitido para a sua mãe por óbito do seu pai (ocorrido em 11 de fevereiro de 1977, primitivo arrendatário.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Tribunal de 1ª instância entendeu que era aplicável o artigo 57º do NRAU (aprovado pela Lei nº6/2006, de 27 de fevereiro) e que a transmissão do arrendamento para habitação por morte do arrendatário “só se processa, em princípio, por uma vez e a favor do cônjuge do primitivo arrendatário, da pessoa que com o primitivo arrendatário vivesse em união de facto, ou do filho ou enteado do primitivo arrendatário que se encontre nas situações previstas nas alíneas d) ou e) do nº1 do art. 57º. Em todas as outras hipóteses não subsumíveis na previsão desta norma, é o interesse do senhorio que prevalece, caducando o contrato de arrendamento”, tendo concluído pela procedência da ação e determinado a restituição do imóvel aos Autores.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado procedente o recurso, afirmando que o arrendamento se havia transmitido à Ré, porquanto, atenta a data da morte da mãe da Ré, era aplicável o artigo 85º do RAU, aprovado pelo Decreto – Lei nº321-B/90, de 15 de outubro.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Autores insurgiram-se contra esta decisão, alegando que, no caso dos autos, era aplicável o NRAU, não podendo ocorrer duas transmissões do arrendamento, sendo que a mãe da Ré não era a primitiva arrendatária.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (nº1 do artigo 1311º do Código Civil).</font>
</p><p><font>Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei (nº2 do artigo 1311º do Código Ci | [0 0 0 ... 0 0 0] |
tDJ6u4YBgYBz1XKvFw7C | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher, </font><b><font>BB</font></b><font>, vieram propor, contra </font><b><font>CC</font></b><font>, </font><b><font>DD</font></b><font>, entretanto falecida e representada pelos seus sucessores habilitados, </font><b><font>EE, FF, GG </font></b><font>e </font><b><font>HH</font></b><font>, estes últimos menores, representados por </font><b><font>II</font></b><font>, </font><b><font>JJ</font></b><font> e mulher,</font><b><font> KK</font></b><font>, acção com processo ordinário, pedindo que:</font><br>
<font>- os Réus sejam condenados a reconhecer que as duas porções de benfeitorias rústicas, uma com a área de 1.240 m2, inscrita na matriz sob o artigo …, da secção AM, localizada no ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com LL, Sul com MM, Leste com NN e Oeste com MM, e outra com a área de 530 m2, inscrita na matriz cadastral sob o artigo …, da secção AM, localizada ao dito ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com OO, Sul com PP, Leste com a ... e Oeste com QQ, implantadas sob parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº…, da freguesia de ..., são sua propriedade;</font><br>
<font>-lhes fosse reconhecido o direito de preferência, ou seja, que têm direito de haver para si as parcelas de terreno referidas com as mesmas áreas e confrontações das benfeitorias invocadas no pedido anterior, parte a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº…da freguesia de ..., substituindo-se aos Réus JJ e mulher, KK, na escritura de compra e venda exarada no Cartório Notarial do Dr. RR, a fls.51 a 53, do livro-A, na parte em que se refere àquelas porções de terreno, mediante o depósito do respetivo preço proporcionalmente considerado – 9 681,90 euros, acrescido das despesas de escritura e registo no montante de 1 030,78 euros, ou outro que se vier a apurar a final;</font><br>
<font>- os Réus JJ e mulher, KK, fossem condenados a entregar-lhes as parcelas de terreno objeto da presente ação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, que:</font>
</p><p><font> - são donos das referidas porções de benfeitorias por as terem adquirido por morte dos avós e pais do Autor marido, em inventário, sendo certo que, por si, pelos seus antecessores e representantes, sempre as possuíram por mais de 20 anos, à vista de todos, sem oposição e de forma ininterrupta, como se exercessem direito próprio;</font>
</p><p><font>- por escritura outorgado no passado dia 22.11.2005, o prédio rústico colonizado onde as referidas parcelas de terreno se incluem, com a área total de 12 240m2, que fazia parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº…, da freguesia de ..., foi vendido aos Réus JJ e mulher, KK, pelo preço global de 67 046,10 euros, ou seja, pelo preço de 5,47 euros ao m2;</font>
</p><p><font>- apesar da lei da colonia e até das regras gerais de compropriedade lhes conferir o direito de preferência, que pretendem exercer, a verdade é que os vendedores não lhes deram conhecimento do projeto de venda e das respetivas cláusulas. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citados, os Réus apresentaram contestação, tendo os Réus JJ e mulher, KK deduzido reconvenção, pedindo que fosse declarado extinto o contrato de colonia, que eventualmente tenha existido a favor dos Autores sobre as referidas parcelas de terreno.</font>
</p><p><font>Na contestação, defenderam-se por exceção, invocando a caducidade da ação, porquanto os Autores já têm conhecimento da venda em causa há mais de 1 ano, e por impugnação, alegaram que a lei, embora os possa reconhecer como colonos não lhes confere qualquer direito de preferência, o que a existir implicaria a compra da totalidade do prédio, pelo preço efetivamente pago, sendo certo, no entanto, que não exercem qualquer posse sobre as parcelas em causa. </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Os Autores replicaram. </font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Findos os articulados, foi lavrado despacho saneador; foi selecionada a matéria de facto, fixando-se os factos assentes e a base instrutória.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus CC e SS, DD e JJ e mulher KK a reconhecer que as duas porções de benfeitorias rústicas são propriedade dos Autores AA e mulher, BB, declarar parcialmente nula a escritura pública , na parte referente às parcelas de terra e, consequentemente, devendo os Réus JJ e mulher, KK, a restituí-las às suas anteriores proprietárias, CC e SS e DD, e devendo estas também em consequência dessa nulidade restituírem aos Réus JJ e mulher, KK, a respetiva parte do preço, no valor de 9 681,90 euros; julgou improcedente o pedido reconvencional.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, vieram os RR. habilitados, GG e HH, interpor recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A Relação de Lisboa veio a negar provimento ao recurso.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, os RR. habilitados, GG e HH interpuseram recurso de revista.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de fls. 540/550, veio a anular o Acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia.</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir nova decisão, negando provimento ao recurso.</font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, os RR. habilitados, GG e HH vieram interpor, novamente, recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
<font>1ª. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu o douto Acórdão de 17 de abril de 2018, considerando não respondidas as questões suscitadas pelos recorrentes – extinção constitucional e legal do regime e dos contratos de colonia, perda da natureza real do direito do colono e consequente reconhecimento de um direito que a lei extinguiu, inexistência de cultivo direto, não exercício tempestivo do direito potestativo de exigir a remição, violação do contrato de arrendamento rural pelo benfeitor, inexistência de norma legal que consinta a restrição do direito de propriedade do dono do solo – concedeu provimento à Revista, anulou o acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia e ordenou a baixa do processo ao tribunal da Relação para reforma da decisão anulada;</font><br>
<font>2ª. O acórdão de que ora se recorre reproduziu ipsis verbis o acórdão anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça – que não foi objeto de censura por parte dos recorridos – não procedendo assim à reforma, como foi ordenado;</font><br>
<font>3ª. Ao omitir-se quanto às questões suscitadas pelos recorrentes, o acórdão recorrido enferma do vício previsto na alínea d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C., o que determina a sua nulidade;</font><br>
<font>4ª. As questões suscitadas pelos apelantes, indicadas em A), não podem considerar-se respondidas, sequer por remissão imperfeita, como também não está assente a questão do cultivo direto;</font><br>
<font>5ª. O acórdão recorrido, para além de não ter em conta a hierarquia das Fontes de Direito, baseia-se em jurisprudência não recente, que respeita a situações diferentes da dos autos, porquanto em todas elas se tratou de o colono vender as benfeitorias, celebrando um negócio legalmente impossível; </font><br>
<font>6ª. Na situação dos autos, os donos do solo, entre os quais a antecessora dos recorrentes, alienaram um direito real que nunca deixou de o ser, e que é seu;</font><i><font> </font></i><br>
<font>7ª. Apreciar a situação da colonia na Região Autónoma da ..., face às normas constitucionais e legais em vigor, é questão que, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito</font><i><font>; </font></i><br>
<font>8ª. Na situação sub judice estão também em causa interesses de particular relevância social, entre os quais, a impossibilidade de dar utilização racional aos terrenos e os conflitos decorrentes das situações que se encontram por resolver;</font><br>
<font>9ª. O acórdão recorrido confirma uma decisão injusta, por injusta ser a conduta dos recorridos, a roçar o abuso do direito, já que não cultivam diretamente as parcelas, permitindo que terceiros delas retirem toda a utilidade sem nada pagar em contrapartida, enquanto o dono do solo paga os impostos, nunca lhe pediram autorização para ceder o cultivo das parcelas a terceiros, se abeiraram deste para comprar a terra ou vender as benfeitorias;</font><br>
<font>10ª. A declarada invalidade da escritura de compra e venda identificada nos autos nem sequer parcialmente foi invocada pelos autores, ora recorridos, que, ao invés, a tomaram por válida, quando peticionaram o reconhecimento do pretenso direito de preferência.</font><br>
<font>E concluem pelo “provimento ao presente recurso, determinando-se a nulidade do acórdão recorrido e ordenando-se seja proferida decisão em que se declare extinta a situação de colonia nas parcelas de terreno mencionadas nos autos, mantendo-se válida a escritura de compra e venda quanto às mesmas”. </font><br>
<b><font>12.</font></b><font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<b><font>13.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: a omissão de pronúncia e a validade da transmissão efetuada.</font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> No inventário nº 32/84, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de ..., cuja sentença homologatória transitou em julgado em 26/1/87, aberto por morte de TT e UU, avós do A. marido, falecidos respectivamente em 23/12/81 e 26/4/84, e, posteriormente, por morte do pai do A. marido VV, falecido a 7/5/86, foram adjudicados aos AA. duas porções de benfeitorias rústicas, identificadas nas verbas 5 e 6 da relação de bens, uma com a área de 1 240 m², inscrita na matriz cadastral sob o art. 41º/26 da secção AM, localizada ao ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com LL, Sul e Oeste com MM, Leste com NN e outra com a área de 530 m² inscrita na matriz cadastral sob o art. 41º/6 da secção AM, localizada ao dito ..., a confrontar do Norte com OO, Sul com PP, Leste com a ... e Oeste com QQ, ambas implantadas sobre os respectivos terrenos que são parte descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … da freguesia de ... (al. A). </font>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>De acordo com a relação de bens junta no referido inventário, as aludidas porções de benfeitorias estavam, por lapso, anteriormente identificadas como sendo localizadas ao sítio do ..., quando na verdade, cadastralmente, sempre estiveram com a localização correcta no ... (al. B). </font>
</p><p><b><font>1.3. </font></b><font>Daquele inventário consta que as ditas benfeitorias estavam feitas sobre terreno de XX, familiar das RR. CC e DD, e faziam parte do já extinto antigo art. rústico 3 133º da freguesia de ... (al. C). </font>
</p><p><b><font>1.4. </font></b><font>Por sua vez, este antigo art. rústico …º estava descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., sem inscrição em vigor, embora erradamente identificado como sendo localizado ao referido sítio do ..., razão pela qual também foi, nesta parte, mal identificado no aludido inventário (al. D). </font>
</p><p><b><font>1.5. </font></b><font>As aludidas benfeitorias encontram-se actualmente inscritas em nome do A. marido (al. E). </font>
</p><p><b><font>1.6. </font></b><font>No seguimento das operações de medição cadastral, efectuadas entre 1955-1965 e com a entrada em vigor a matriz cadastral nos anos 80, foi indicado como dono e legítimo possuidor das sobreditas benfeitorias rústicas o avô dos AA., TT (al. F). </font>
</p><p><b><font>1.7. </font></b><font>E o método de recolha da informação efectuada pelos técnicos do Instituto de Geografia e Cadastro - Delegação da ... - era feito principalmente com base em prova testemunhal, tendo-se concluído na altura que aquele ascendente era seu dono (al. G). </font>
</p><p><b><font>1.8. </font></b><font>No dia 22/11/2005, por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial do Dr. RR, exarada a fls. 51 a 53, do Livro 12-A, CC e DD venderam a JJe mulher, KK, um prédio rústico colonizado, com área global de 12 240 m², localizado ao ..., freguesia e concelho de ..., que confronta a Norte com ZZ, AAA e outro, Sul com BBB, CCC, DDD e outros, Leste com EEE, inscrito na matriz sob os arts. 41º/5, 41º/6, 41º/7, 41º/8, 41º/9, 41º/10, 41º/11, 41º/13, 41º/14, 41º/15, 41º/16, 41º/17, 41º/18, 41º/19, 41º/21, 41º/22, 41º/23, 41º/24, 41º/25, 41º/26, 41º/27, 41º/28, 41º/29, 41º/30, 41º/32, 41º/51, 41º/52, 41º/54, 41º/55, 41º/56, todos da secção …, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ... (al. H). </font>
</p><p><b><font>1.9. </font></b><font>O preço de venda acordado entre os RR. pela totalidade do prédio foi de € 67 046,10, com isenção de IMT (al. I). </font>
</p><p><b><font>1.10. </font></b><font>O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., foi desanexado do descrito sob o nº …, da freguesia de ..., que correspondia ao antigo art. rústico sob o art. 3 133º, sem inscrição em vigor (al. J). </font>
</p><p><b><font>1.11. </font></b><font>As parcelas de terreno inscritas sob os arts. 41º/6 e 41º/26, ambas da secção "AM" têm, respectivamente, a área de 530 m² e 1 240 m² (al. L), dos factos assentes).</font>
</p><p><b><font>1.12. </font></b><font>As benfeitorias em causa sempre foram tratadas e cultivadas desde meados da década de 50 pelo referido TT e mulher UU. </font>
</p><p><b><font>1.13. </font></b><font>Eram estes que amanhavam as terras dos aludidos prédios rústicos, plantando as mais diversas culturas tais como vinha, batata-doce, "semilha", nespereiras, couve, favas, bem como cortavam o mato para os animais que sobre ele criavam (gado bovino) e adubavam a terra. </font>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> Para poderem amanhar o prédio, arrotearam as terras, limparam as silvas e mato. </font>
</p><p><b><font>1.15. </font></b><font>Para guardar as alfaias agrícolas e acomodar os animais escavaram na rocha uma furna. </font>
</p><p><b><font>1.16. </font></b><font>Para protecção e delimitação das terras, construíram os muros de pedra arrumada a mão, que se desenvolve em socalcos pela totalidade das mencionadas parcelas.</font>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Para proceder à rega das culturas existentes no prédio limpavam e mantinham os regos de condução da água, pagando todas as despesas para tais regas, a que corresponde o cadastro nº …, tomadoiro nº …, regadeira nº…, da Levada de ... - …, do Ramal da …, e que se encontrava desde a década de 1950/60 em nome de TT e em 1987 passou para o nome do A. marido.</font>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Realizaram assim os referidos TT e mulher UU as benfeitorias necessárias e acima descritas para amanho da terra e criação de gado, benfeitorias estas sem as quais não eram possível a exploração da terra. </font>
</p><p><b><font>1.19. </font></b><font>Com efeito, os ditos TT e mulher, UU, cultivavam a terra, retirando dela todos os frutos e utilidades próprios da actividade agrícola e suportavam os encargos desta exploração, realizando tais actos à vista de toda gente e com conhecimento da generalidade das pessoas da terra, sem oposição de quem quer que seja, há mais de 20 anos, sem haver interrupção do uso e fruição, tudo como se estivessem no exercício de um direito próprio, sem ofender a propriedade de outrem, sendo reconhecidos como únicos e legítimos donos das benfeitorias rústicas, implantadas sobre o referido prédio. </font>
</p><p><b><font>1.20. </font></b><font>Por sua vez, os AA. receberam tais benfeitorias rústicas, pelos óbitos dos avós TT e mulher e do pai VV, continuando, por si e por intermédio de procuradores, a praticar os actos descritos em O) a T), nos termos em que já vinha sendo exercida pelos antecessores. </font>
</p><p><b><font>1.21. </font></b><font>As RR. CC e DD só venderam ao R. JJ o prédio identificado na escritura, por este se ter disposto a comprar a área de 12 240 m². </font>
</p><p><b><font>1.22. </font></b><font>Quando o R. JJ contactou as RR. CC e DD com o propósito de lhes comprar uma área global de 5 000 m², foi-lhe respondido pelas mesmas que só venderiam a totalidade do prédio …º, da secção AM, ou pelo menos a parte que aquele acabou por comprar, já que esta correspondia à divisão do prédio que as suas comproprietárias haviam acordado entre si. </font>
</p><p><b><font>1.23. </font></b><font>A parcela 41º/ 6 vale, pelo menos, € 32,23 ao m², por ter acesso directo ao caminho existente, sendo que a parcela 41º/26 vale, pelo menos, € 10 ao m², por não ter acesso a estrada. </font>
</p><p><b><font>2. A invocada nulidade do Acórdão sob recurso por vício formal de omissão de pronúncia</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Proferido novo acórdão pela Relação, vieram os recorrentes alegar padecer este, novamente, do vício de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, na medida em que entendem ter-se o acórdão limitado a reproduzir </font><i><font>ipsis verbis</font></i><font> o acórdão anulado sem apreciar as questões por si suscitadas.</font>
</p><p><font>Como é sabido, e no anterior Acórdão foi referido, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as “questões” submetidas pelas partes ao seu escrutínio ou das que deva conhecer oficiosamente (artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil). </font>
</p><p><font>As questões a conhecer são as que tenham sido suscitadas pelas partes ou que sejam de apreciação oficiosa, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>No mais, tem sido entendimento generalizado na jurisprudência, que apenas a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão, mas já não a sua insuficiente ou deficiente fundamentação.</font>
</p><p><font>No caso presente, no seguimento da anulação do primitivo acórdão, decidiu o ora acórdão recorrido que: “</font><i><font>Tratando-se as demais de questões não apreciadas na decisão recorrida, as quais – uma vez que não foi apresentada contestação, pela R. em cujo lugar vieram a ser habilitados – se tem de entender vedado, aos ora apelantes, suscitar em sede do presente recurso</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Resulta, pois que, o acórdão recorrido - bem ou mal – pronunciou-se a respeito das questões suscitadas pelos recorrentes nas suas alegações do recurso de apelação, considerando que ao tribunal de recurso era vedado apreciá-las uma vez que, não tendo sido apreciadas na sentença recorrida e na medida em que apenas foram suscitadas por quem não apresentou contestação, constituíam – segundo se depreende da fórmula sintética utilizada – de </font><i><font>questões novas</font></i><font>, o que, desde logo, inviabilizava que constituíssem objeto do recurso.</font>
</p><p><font>Assim, poderá entender-se que aquele acórdão não se pronunciou desenvolvidamente sobre as questões suscitadas (</font><i><font>rectius</font></i><font>, sobre as razões pelas quais entendeu que as mesmas não deveriam ser apreciadas), mas não se pode dizer que não lhes tenha dado resposta. Ainda que sucintamente justificado, percebe-se claramente que o acórdão recorrido entendeu que as questões suscitadas pelos apelantes não poderiam ser conhecidas por não terem sido previamente suscitadas, sendo certo que nada referem os ora recorrentes quanto a este fundamento do recurso nas suas alegações de revista.</font>
</p><p><font>Com efeito, limitam-se a repetir a invocação da omissão de pronúncia, ignorando ou omitindo o segmento do acórdão recorrido em que expressamente se rejeita a possibilidade dessas questões serem apreciadas, sem questionarem, no âmbito e para efeitos do presente recurso de revista, a validade ou mérito da decisão que rejeitou proceder a essa apreciação.</font>
</p><p><font>Como tal, e sem prejuízo da anterior decisão de anulação, uma vez que o acórdão recorrido se pronunciou, sintética mas efetivamente, sobre as questões suscitadas pelos então apelantes, no sentido de rejeitar a possibilidade dessas questões serem apreciadas, e não tendo tal sido questionado nas presentes alegações de revista, afigura-se-nos ser de rejeitar a nulidade de omissão de pronúncia invocada. </font>
</p><p><b><font> 3. A validade da transmissão efetuada</font></b>
</p><p><font>Em causa nos autos encontra-se, essencialmente, uma questão relacionada com o instituto da colonia, pelo que importa começar por fazer um brevíssimo enquadramento da figura e respectivo regime legal, passando, de seguida, a enquadrar as possibilidades de resolução do litígio concreto.</font><br>
<b><font>3.1.Breve caracterização e enquadramento jurídico do instituto da colonia</font></b>
</p><p><font>A colonia constitui um regime de aproveitamento agrícola, levado a efeito na ilha da ..., em que o dono de um prédio rústico contratava com outrem o seu cultivo, reservando-se metade das colheitas e outra metade para o colono (cfr. Acórdão do STJ, de 24/06/2010).</font>
</p><p><font>O contrato de colonia é específico da Região Autónoma da ... e tem a sua origem já há séculos, numa altura em que havia muita terra a arrotear e os donatários do arquipélago obtiveram a colaboração de colonos com o aliciante das benfeitorias lhes ficarem a pertencer. Guardaram, porém os donos da terra para si a faculdade, unilateral e discricionária, de pôr fim ao contrato sempre que quisessem. Ao colono, por outro lado, era facultada a possibilidade de vender as benfeitorias, passando o comprador a ser o novo colono.</font>
</p><p><font>- cfr. preâmbulo do Decreto Regional nº13/77/M, de 18 de outubro de 1977 -</font>
</p><p><font>Daí decorreu, por via consuetudinária, uma espécie de direito real menor, nos termos do qual se operou a cisão entre a propriedade do solo, que se mantinha na esfera jurídica do dono da terra, e a titularidade do direito do gozo e das benfeitorias, pertencentes ao colono, que as podia alienar ou transmitir aos herdeiros.</font>
</p><p><font>- cfr. Acórdão do STJ, de 26 de fevereiro de 2015 - </font>
</p><p><font>Nas palavras de Oliveira Ascensão, a situação tem grandes analogias com a </font><i><font>superfície</font></i><font> mas é diversa desta, assim como não pode ser assimilada à </font><i><font>enfiteuse</font></i><font>, antes se apresentando “como o mais complexo direito real existente na ordem jurídica portuguesa”, sendo um direito de origem consuetudinária que acabou por se impor ao reconhecimento do próprio legislador </font>
</p><p><font>- Direito Civil – Reais, 5ª edição, 1993, págs.650 e ss. -</font>
</p><p><font>Com efeito, as referências legais à colonia são muito anteriores à Constituição de 1976, que, nos termos do seu artigo 102.º, n.º 2, da sua versão original, previu a sua extinção nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>Serão extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime da parceria agrícola.</font></i><font>».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- De acordo com FFF, a colonia já havia sido extinta pelo Código Civil de 1867 na medida em que aí se previu a extinção dos direitos reais não tipificados nesse Código como era o caso da colonia, sendo que com o Decreto –Lei nº47.937, de 15 de Setembro de 1967, ao proibir-se a celebração de novos contratos de colonia, teria havido uma reposição por lei da colonia extinta no âmbito da atividade legislativa em que se declarava querer-se a sua extinção (“Algumas considerações sobre a colonia da ... e a sua extinção” </font><i><font>in</font></i><font> “Caseiros e Senhorios nos Finais do Seculo XX na ... – O Processo de Extinção da Colonia”, Edições Afrontamento, 2009, págs. 47 e ss.) –</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dando cumprimento a este desiderato do legislador constitucional, dispôs o artigo 55.º da Lei n.º 77/77, de 29 de setembro (Aprova as bases gerais da Reforma Agrária)</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. São extintos os contratos de colonia existentes na Região Autónoma da ..., passando as situações daí decorrentes a reger-se pelas disposições do arrendamento rural e por legislação estabelecida em decreto da Assembleia Regional.</font></i>
</p><p><i><font>2. O Governo apoiará as iniciativas dos órgãos de governo da Região da ..., integradas nos princípios norteadores da Reforma Agrária, para a resolução das situações decorrentes da extinção da colonia.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Quase de imediato, foi aprovado o Decreto Regional n.º 13/77/M, de 18 de outubro de 1977, que, reclamando a competência própria da Região para legislar sobre a matéria, veio extinguir os contratos de colonia subsistentes (uma vez que a sua celebração estava já proibida) e regular a disciplina transitória pela qual se regiam.</font>
</p><p><font>Assim, para além das referências ao regime da colonia ser “intrinsecamente injusto, incompatível com as instituições democráticas” e de se tratar, “afinal, de uma situação em que a vontade do mais forte tem sido livre para se impor ao mais fraco”, pode, ainda, ler-se no respetivo preâmbulo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Determina-se pois a extinção dos contratos de colonia, com a sua conversão, transitoriamente, em contratos de arrendamento rural e reconhece-se que há que dar um prazo para as remições previstas no diploma. As negociações, as avaliações e as questões de ordem financeira, derivadas do processo, são forçosamente lentas e, se tal prazo não for concedido, podem criar-se situações inconvenientes. (…)</font></i>
</p><p><i><font>Porque se parte do princípio de que o colono, de uma maneira geral, é a parte mais desfavorecida do contrato, só em casos muito especiais, que não afectam as legítimas expectativas dos colonos, é que se reconhece ao senhorio ou a terceiros o direito de remição.</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Consequentemente, dispõe o artigo 1.º do referido Decreto Regional que:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>São extintos os contratos de colónia que subsistem na Região Autónoma da ..., os quais passam a reger-se pelas disposições respeitantes ao arrendamento rural e pelas normas do presente diploma</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Destacando-se, no que se refere ao processo de extinção e aos direitos de remição, os artigos 3.º, 7.º, 8.º, 10.º e 11.º que regulam o direito de remição da propriedade do solo pelo colono (ou por terceiro que há mais tempo viesse explorando a terra), ou, nomeadamente, se este não o fizesse, o direito de remição das benfeitorias pelo senhorio, sempre sem prejuízo dos respetivos direitos a indemnização a calcular de acordo com os critérios previstos nesse diploma.</font>
</p><p><font>Assim, nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 (Remição pelo colono ou terceiro):</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. O colono-rendeiro tem o direito de remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias.</font></i>
</p><p><i><font>2. O colono-rendeiro é preterido no direito referido no n.° 1 por pessoa que há mais tempo do que ele venha explorando directamente a terra, por si ou através do seu agregado familiar.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Já de acordo com o artigo 8.º, n.º 1 (Remição pelo senhorio)</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. O senhorio poderá remir as benfeitorias, indemnizando o colono:</font></i><br>
<i><font>a) Quando o titular do direito de remição mencionado no artigo 3.º expressamente declarar perante o notário que não deseja usar do direito conferido pelo referido preceito legal;</font></i><br>
<font>b) </font><i><font>(…)</font></i><font>”</font>
</p><p><font>Tais remições ficavam, contudo, sujeitas a um prazo, sucessivamente exercitável pela contraparte, nos termos definidos no art. 13.º do seguinte modo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. As remições previstas no presente diploma só poderão ser requeridas até 31 de Dezembro de 1981.</font></i>
</p><p><i><font>2. Se até à data referida no número anterior o titular do direito de remição não o exercer, esse direito poderá ser exercido pela outra parte, nos termos do presente diploma, até 31 de Dezembro de 1983</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Para além disso, o artigo 14.º do Decreto Regional n.º 13/77/M prevê um prazo máximo para os proprietários dos prédios confinantes exercerem os direito de aquisição do terreno e das benfeitorias, no caso do colono-rendeiro, senhorio ou terceiros titulares do direito de remição não quererem exercer os seus direitos, sendo tal prazo de mais dois anos a contar do último prazo previsto no artigo 13.º -</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tais prazos foram sucessivamente prorrogados pelo Decreto Regional n.º 1/81/M, de 14 de março, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/83/M, de 21 de dezembro, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 23/85/M, de 31 de dezembro, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 1/87/M, de 10 de janeiro e pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 13/90/M, de 23 de maio.</font>
</p><p><font>Não tendo havido novas prorrogações, e tendo o prazo concedido ao colono-rendeiro findado em 30-04-1987, enquanto o prazo do senhorio, fruto da última prorrogação isolada efetuada pelo derradeiro diploma, terminado em 31-12-1994, conclui-se que à data de entrada dos presentes autos, encontravam-se decorridos e esgotados todos os mencionados prazos para exercer a remissão.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Face ao referido regime legal, importa analisar quais as consequências que devem ser retiradas da circunstância de ter havido uma alienação, através de uma escritura de compra e venda, de um imóvel que se veio a concluir integrar, no que se refere a algumas parcelas, um direito de colonia de que os autores foram reconhecidos como titulares das respetivas benfeitorias rústicas (colonos).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No presente processo n.º 1042/07.0TBSCR.L1.S2, foi proferido o acórdão ora recorrido que entendeu que a alienação do imóvel objeto da escritura pública é parcialmente nula, na parte em que incluiu as parcelas de terra a que se referem os autores, sendo tal de conhecimento oficioso, por se tratar de um negócio contrário à lei.</font>
</p><p><font>Considerou o acórdão recorrido que não tendo os autores, nem os seus antecessores, enquanto colonos, nem os réus ou anteriores proprietários do terreno, exercido, no prazo legal, o respetivo direito de remição relativamente às parcelas sujeitas ao regime da colonia, deverá entender-se não ser lícito que o prédio fosse transmitido sem que essa transmissão abrangesse o direito de colonia, sendo tal negócio nulo nessa parte por ser contrário à lei.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A questão parece ser, assim, a de saber se, tendo sido legalmente declarada extinta a colonia e ultrapassados os prazos legalmente previstos para a sua remição, quais as consequências da ulterior transmissão de um prédio que, total ou parcialmente, se encontrasse sujeito a esse regime.</font>
</p><p><font>A título prévio importa referir que, de acordo com a escritura pública de compra e venda | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ljJ2u4YBgYBz1XKvrgzI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><b><font> </font></b><br>
<font>ACÓRDÃO</font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª. Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> instaurou ação declarativa, com processo comum, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, advogada, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:</font>
</p><p><font>“a) </font><i><font>€36 500, a título de danos patrimoniais;</font></i>
</p><p><font>b)</font><i><font> €10 000, a título de danos não patrimoniais;</font></i>
</p><p><font>c)</font><i><font> Juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva, a serem pagos desde o trânsito em julgado do arquivamento do processo 12399/5TDLSB até efetivo e integral pagamento”.</font></i>
</p><p><font>Alegou o Autor, para tanto, em síntese que:</font>
</p><p><font>— Na sequência da denúncia apresentada pelo Autor contra a Companhia de Seguros DD, S.A., a 27/07/1999, correram termos na 4.ª secção do DIAP de Lisboa, uns Autos de Inquérito sob o n.°12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente;</font>
</p><p><font>— O referido Inquérito veio a ser arquivado;</font>
</p><p><font>— Em 14/09/1999, o Autor solicitou proteção jurídica;</font>
</p><p><font>— Nos finais de novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que lhe nomeou BB, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa;</font>
</p><p><font>— O Autor apresentou, a 28/12/2005, junto da Ordem dos Advogados, uma denúncia contra a Ré;</font>
</p><p><font>— Por força da atuação profissional da Ré, o Autor sofreu danos patrimoniais no valor de €36 500,00 e danos não patrimoniais no valor de €10 000,00, cujo pagamento reclama a título de responsabilidade civil contratual, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos artigos 1157.°, 443.°, 444.°, 798.° e 799.° do Código Civil, 85.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redação aplicável à data dos factos e do Decreto-Lei n.° 387-B/87.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Não tendo sido possível a citação da Ré, em virtude do seu falecimento, foi julgada habilitada a </font><b><font>herdeira </font></b><font>CC que, notificada para os termos da ação, apresentou contestação, em que, além da defesa por invocação da exceção de prescrição e por impugnação, arguiu a exceção de caso julgado, sustentando existir identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir entre a presente ação e aquela que correu os seus termos como Ação de Processo Ordinário n.° 776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa.</font>
</p><p><font>Concluiu pela respetiva absolvição do pedido.</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Notificado, o Autor pugnou no sentido da improcedência das invocadas exceções, tendo alegado, naquilo que respeita à exceção de caso julgado, que:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>(...)</font></i>
</p><p><i><font>1. A Ré considera que “O objeto da presente ação já foi decidido noutra ação, (Processo n°776/13.5TVLSB, 6ª Vara Cível de Lisboa), por douta sentença confirmada por acórdãos do TRL e do STJ, que transitou em julgado, em que foram partes a ora Ré e o ora Autor, sobre o mesmo pedido e a mesma causa de pedir”.</font></i>
</p><p><i><font>2. Sucede, porém, que a referida sentença teve por base uma visão da relação jurídica entre o Autor e a Ré não assente em responsabilidade civil contratual, e sim extracontratual.</font></i>
</p><p><i><font>3. Ora conforme resulta da petição inicial apresentada, o Autor configura a relação jurídica entre Autor e Ré como um contrato de mandato.</font></i>
</p><p><i><font>4. Deste modo, a causa de pedir é necessariamente o referido contrato.</font></i>
</p><p><i><font>5. Pelo que não haverá identidade entre causas de pedir entre a presente ação e a ação referida no art.º 1.º supra, inexistindo assim exceção de caso julgado material.</font></i><font>»</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Findos os articulados, procedeu-se à realização de audiência prévia, sendo, após, proferido despacho saneador a julgar procedente a exceção dilatória de caso julgado material com a consequente absolvição da instância</font><i><font> </font></i><font>da Habilitada CC (herdeira da Ré), «</font><i><font>nos termos e para os efeitos dos artigos da aplicação conjugada dos artigos 278.º, n.º1, al e), 577.º, al. i), 580.º, n.ºs 1 e 2 e 595.º, todos do Código de Processo Civil.</font></i><font>»</font>
</p><p><b><font>5</font></b><font>. Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do qual conclui </font><i><font>pela revogação da sentença recorrida, declarando-se a improcedência da exceção de caso julgado e determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento</font></i><font>.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a Apelação, confirmando a decisão do Tribunal de 1ª. instância.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Mais uma vez inconformado, o Autor / Apelante veio interpor revista, a título excecional, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O presente recurso tem por objeto o Douto Acórdão de 09.10.2018, o qual manteve a decisão da primeira instância, a qual julgou procedente a exceção do caso julgado, tendo absolvido CC (herdeira da Ré) da instância.</font>
</p><p><font>2ª. Em Tribunal de primeira instância foi considerado existir a exceção do caso julgado com base em ação de processo ordinário que correu sob o nº 776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da extinta 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, na qual foi julgada procedente a exceção da prescrição, tendo sido absolvidos os Réus da instância.</font>
</p><p><font>3ª. O Venerando Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> considerou «</font><i><font>A única questão colocada à apreciação deste Tribunal de recurso reporta-se a saber se o senhor Juiz do Tribunal de Primeira Instância poderia concluir, como conclui, pela verificação da exceção de caso julgado tendo por parâmetro uma sentença, já transitada em julgado, que qualificou a atuação da Ré como configurando responsabilidade extracontratual - assim decidindo pela verificação da prescrição do direito do A. -, sendo certo que na presente ação o A. configura esses mesmos factos como responsabilidade contratual. Com base nesta distinta qualificação jurídica dos factos, o A. defende que não se verifica a mencionada exceção de caso julgado</font></i><font>». </font>
</p><p><font>4ª. Concluiu o Venerando Tribunal a quo: «</font><i><font>Assim sendo, parecendo-se ser inquestionável que a qualificação jurídica dos factos é da competência do Juiz, independentemente daquela que é realizada pelas partes, realizada a mesma e proferida sentença sobre essa mesma relação material que venha a transitar em julgado, tais factos não podem novamente ser reanalisados em uma outra ação, ainda que sob outra óptica jurídica, sob pena de violação do caso julgado - artigos 5.º, n.º3, 581º e 621.º do Código de Processo Civil</font></i><font>»</font><i><font>.</font></i>
</p><p><font>5ª. O que está aqui em causa não é apenas a qualificação da exceção do caso julgado material, mas igualmente as condições de exercício do Recorrente do direito a aceder ao sistema judiciário com o objectivo de ver reconhecido um direito substantivo de que é titular, ou seja, o direito à ação judicial.</font>
</p><p><font>6ª. Este direito está consagrado no ar.º 20º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, onde é estabelecido que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser negada por insuficiência de meios económicos, estabelecendo o n.º 4 do mesmo artigo que «</font><i><font>Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo</font></i><font>».</font>
</p><p><font>7ª. Estabelece o art.º 10.º da Convenção Universal dos Direitos do Homem que: «</font><i><font>Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ele seja deduzida</font></i><font>».</font>
</p><p><font>8ª. Este mesmo direito é garantido pelo art.º 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.</font>
</p><p><font>9ª. A ação intentada teve como causa a conduta da Ré BB enquanto patrona oficiosa nomeada no âmbito do sistema de acesso ao Direito, a qual, ao negligenciar o seu dever como patrona oficiosa prejudicou irremediavelmente o Recorrente na demanda.</font>
</p><p><font>10ª. É no quadro do acesso ao direito e aos tribunais que deve ser analisado o presente recurso.</font>
</p><p><font>11ª. A Douta Sentença proferida na primeira instância e o Venerando Acórdão de que ora se recorre consideram verificar-se a exceção do caso julgado.</font>
</p><p><font>12ª. Ao contrário do que é afirmado pelo Venerando Tribunal a quo, no mencionado processo nº776/13.5TVLSB não foram meramente descritos os mesmos factos alegados em sede dos presentes autos.</font>
</p><p><font>13ª. Nos termos do n.° 1 do art.° 581.° do Cód. Proc. Civil</font><i><font>, </font></i><font>«</font><i><font>Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir</font></i><font>», havendo identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo.</font>
</p><p><font>14ª. Existe a exceção de caso julgado quando ocorra uma tríplice identidade, ou seja, quando em ambas as ações as partes, o pedido e a causa de pedir sejam os mesmos, estando transitada em julgado uma das decisões proferidas.</font>
</p><p><font>15ª. Conforme salienta Antunes Varela, «</font><i><font>Nos termos do art.º 498.º do Cód. Proc. Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual surge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo autor (ou pelo réu no caso de pedido reconvencional ou da alegação de qualquer excepção). Na acção de condenação, por exemplo, a causa de pedir será o contrato, o negócio unilateral ou o facto ilícito real (a injúria, a usurpação do nome, o furto, a agressão física, o acidente de viação gerador de danos, etc.) em que o autor baseia a pretensão deduzida na petição inicial (condenação do demandado a efectuar determinada prestação)</font></i><font>» (A: Varela, RLJ, 121º- 47 e s.).</font>
</p><p><font>16ª. O despacho saneador-sentença proferido no âmbito da ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa teve por base uma visão da relação jurídica entre o Autor e a Ré não assente em responsabilidade civil contratual, e sim extracontratual.</font>
</p><p><font>17ª. Nos presentes autos o Recorrente invocou explicitamente como causa de pedir o vínculo existente entre a patrona oficiosa (a Ré) e o patrocinado (o Autor), no qual, embora não tenha sido assinado um contrato, a relação que se estabelece entre ambos continua a ser de mandatário e mandatado, ficando o pagamento de honorários do patrono nomeado à responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, em lugar do patrocinado.</font>
</p><p><font>18ª. A causa de pedir é necessariamente o referido contrato, e não a conduta da Ré que lhe causou o prejuízo peticionado, como seria no caso de estar em causa responsabilidade civil extracontratual.</font>
</p><p><font>19ª. Estão assim em causa duas causas de pedir diferentes, nunca tendo o Autor invocado responsabilidade civil extracontratual em ambos os casos.</font>
</p><p><font>20ª. A Douta sentença proferida no processo n.º776/13.5TVLSB considerou provado que o Recorrente tomou conhecimento dos factos que fundamentaram a ação em 2005.</font>
</p><p><font>21ª. O Recorrente, na presente instância indicou como fundamento para intentar a presente ação o conhecimento da decisão do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados que condenou a Ré BB.</font>
</p><p><font>22ª. Foram assim alegados factos supervenientes, não se impondo a força positiva do caso julgado, não havendo identidade entre causas de pedir entre a presente ação e a ação de Processo Ordinário que correu sob o n.º776/13.5TVLSB na 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa.</font>
</p><p><font>23ª. Inexistindo assim exceção de caso julgado material.</font>
</p><p><font>24ª. De salientar igualmente que no âmbito do Processo Ordinário n.°776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, o Recorrente requereu apoio judiciário a 22.04.2010, o qual veio a ser concedido em 18.05.2010, tendo-lhe sido nomeado patrono oficioso em novembro de 2011.</font>
</p><p><font>25ª. Tendo a ação sido intentada somente em 2013, após o Autor tomar conhecimento da decisão do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados que condenou a Ré BB.</font>
</p><p><font>26ª. Foi esta delonga, que prejudicou mais uma vez o Autor no seu direito de acesso à justiça, que determinou que a ação com o n.º776/13.5TVLSB tenha sido intentada só em 2013, a qual teve como consequência a absolvição da Ré BB por ser liminarmente considerado ter havido responsabilidade civil extracontratual, o que não foi o caso, conforme o Autor alegou nos presentes autos.</font>
</p><p><font>27ª. Pelo exposto, o douto Tribunal a quo violou os artigos 580.º e 581.º do Cód. Proc. Civil.</font>
</p><p><font>28ª. Apesar do Venerando acórdão recorrido vir confirmar, com a mesma fundamentação, a Douta Sentença proferida na Primeira Instância, o presente recurso é admissível ao abrigo do disposto na al.ª a) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. Proc. Civil.</font>
</p><p><font>29ª. Nas suas alegações, o Recorrente suscitou questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito.</font>
</p><p><font>30ª. Está em causa o conceito de causa de pedir no seio da responsabilidade civil e o seu impacto na análise da figura do caso julgado, questão de direito de importância notória para uma correta aplicação da justiça.</font>
</p><p><font>31ª. O presente recurso é igualmente admissível ao abrigo do disposto na al.ª b) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. Proc. Civil, uma vez que a ação intentada pelo Recorrente tem por base o patrocínio judiciário em sede do regime do apoio judiciário, o que determina que se tenha de considerar os interesses em causa como assumindo particular relevância social, estando em causa o direito de acesso à justiça, consagrado como direito fundamental, nos termos do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><font>32ª. Pelo que se encontram preenchidos os requisitos das al.ªs a) e b) do n.º 1 do art.º 672.º do Cód. Proc. Civil e art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.</font>
</p><p><font>Conclui pelo provimento do presente recurso </font><i><font>e, por via disso, pela revogação “do Acórdão recorrido, declarando-se a improcedência da exceção de caso julgado e determinando-se o prosseguimento dos autos para julgamento”</font></i><font>.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Não foram produzidas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Formação de Juízes a que alude o nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, considerou admissível a presente revista excecional, nos termos da alínea b) do nº 1 do referido artigo 672º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Autor/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: </font>
</p><p><font>- a procedência ou não da exceção de caso julgado material, no confronto entre o objeto da presente ação e o da ação que, sob o n.º 776/13.5TVLSB, correu termos pela 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível do Tribunal de Comarca de Lisboa (no âmbito da qual foi julgada procedente a exceção perentória de prescrição), em particular, no que respeita à identidade dos respetivos pedidos e causa de pedir;</font>
</p><p><font>- da violação do princípio constitucional do direito de acesso à justiça</font><font>.</font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
<b><font>1. Factualidade dada como provada </font></b><br>
<font>Vem provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:</font>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> O A instaurou os presentes autos de Ação de Processo Comum contra BB, nos precisos termos que constam relatados </font><i><font>supra (relatório) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos</font></i><font>.</font>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>O A instaurou Ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa, contra BB e outra, no âmbito dos quais terminou formulando o pedido de condenação dos RR, no pagamento da quantia de 46.500€, tendo por fundamento os seguintes factos:</font>
</p><p><font>— Correram termos uns Autos de Inquérito na 4.ª secção do DIAP de Lisboa sob o n.º 12399/99.5TDLSAB-02, em que assumiu a qualidade de assistente.</font>
</p><p><font>— Em Novembro de 2004, o Autor foi notificado do despacho que lhe nomeou BB, a aqui Ré, como Patrona Oficiosa;</font>
</p><p><font>— Por força da atuação profissional da aqui R - da qual participou à Ordem dos Advogados - sofreu danos patrimoniais no valor de 36.500€ e danos não patrimoniais no valor de 10.000€.</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Na Ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa foi proferido Saneador-Sentença em 19.02.2014, tendo sido julgada procedente, por provada, a invocada exceção de prescrição e, consequentemente, absolvidos dos pedidos os RR. </font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> A decisão proferida na Ação de Processo Ordinário n.º776/13.5TVLSB, da 1.ª Secção da (extinta) 6.ª Vara Cível deste Tribunal de Comarca de Lisboa transitou em julgado, na sequência de interposição de recursos para o Tribunal da Relação de Lisboa, para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.</font>
</p><p><b><font>2. Do caso julgado material</font></b>
</p><p><b><font>2.1. Considerações gerais </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>Transitado em julgado, o saneador-sentença que conheça da procedência de uma exceção perentória e absolva o réu do pedido (</font><i><font>conhecimento indireto do pedido</font></i><font>) alcança o fim da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por </font><b><font>caso julgado material</font></b><font> (único que releva na economia do presente recurso), definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artigo 628º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>No que respeita à </font><b><font>eficácia do caso julgado material</font></b><font>, desde há muito, doutrina e jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva</font><i><font> </font></i><font>("</font><i><font>autoridade do caso julgado</font></i><font>") e uma função negativa</font><i><font> </font></i><font>("</font><i><font>exceção do caso julgado</font></i><font>").</font>
</p><p><font>Segundo Castro Mendes, </font><i><font>os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda</font></i><font>(</font><i><font>in </font></i><font>"</font><i><font>Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil</font></i><font>", pág. 36 e segs.).</font>
</p><p><font>Assim:</font>
</p><p><b><font>—</font></b><font> A </font><b><font>função positiva do caso julgado </font></b><font>opera o efeito de "</font><i><font>autoridade do caso julgado</font></i><font>", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. </font>
</p><p><font> </font><b><font>— </font></b><font>A </font><b><font>função negativa do caso julgado</font></b><font> (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da "</font><i><font>exceção dilatória do caso julgado</font></i><font>", nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior. </font>
</p><p><font>A este propósito, sublinha Teixeira de Sousa: «</font><i><font>O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, repitam) o que foi decidido anteriormente (…).</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, págs. 24-25). </font>
</p><p><font>E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «</font><i><font>a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.). </font>
</p><p><font>Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto: «</font><i><font>a excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objecto da primeira e da segunda acções: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excepcionalmente, ser invocável) ou se a primeira acção, cujo objecto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por excepção</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font>"Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, pág. 354).</font>
</p><p><font>Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção: </font>
</p><p><b><font>— </font></b><font>A </font><b><font>exceção dilatória do caso julgado</font></b><font> «</font><i><font>destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual</font></i><font>», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;</font>
</p><p><b><font>— </font></b><font>A </font><b><font>autoridade de caso julgado</font></b><font> «</font><i><font>tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica</font></i><font>», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida, não sendo, assim, exigível a coexistência da tríplice identidade a que alude o artigo 580º do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>(Cfr. Rodrigues Bastos, </font><i><font>in</font></i><font> "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, págs. 60 e 61)</font>
</p><p><b><font>2.2. Caracterização da exceção dilatória de caso julgado </font></b>
</p><p><font>Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença (ou saneador-sentença a ela completamente assimilado) que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Proc. Civil).</font>
</p><p><font>E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que </font><i><font>se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir</font></i><font>, havendo </font><b><i><font>identidade de sujeitos</font></i></b><i><font> quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica </font></i><font>(nº 2 do mesmo preceito), </font><b><i><font>identidade de pedido</font></i></b><i><font> quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico </font></i><font>(nº 3 do preceito em análise) e </font><b><i><font>identidade de causa de pedir</font></i></b><i><font> quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico </font></i><font>(nº 4 do referido artigo 581º).</font>
</p><p><font>Verifica-se, então, a </font><b><i><font>identidade de sujeitos</font></i></b><font> quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide. </font>
</p><p><font>A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na ação.</font>
</p><p><font>Por sua vez, a </font><b><i><font>identidade de pedido</font></i></b><font> é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.</font>
</p><p><font>E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional</font><b><i><font> </font></i></b><font>(</font><i><font>implícita</font></i><font> ou </font><i><font>explícita</font></i><font>) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter. </font>
</p><p><font>Por último, a </font><b><i><font>identidade de causa de pedir</font></i></b><font> verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção.</font>
</p><p><font>E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.</font>
</p><p><font>Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, Teixeira de Sousa que «</font><i><font>o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "Estudos sobre o Novo Processo Civil", pág. 576).</font>
</p><p><b><font>2.3. Dos limites objetivos, subjetivos e temporais do caso julgado</font></b>
</p><p><font>Definindo o alcance do caso julgado, diz o artigo 621º do Código de Processo Civil: «</font><i><font>a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a </font><b><font>limites</font></b><font> </font><b><font>objetivos</font></b><font> e </font><b><font>subjetivos </font></b><font>(questão a que diretamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também </font><b><font>temporais</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>2.3.1. Do ponto de vista dos limites objetivos</font></b><font> (referentes ao pedido e à causa de pedir):</font>
</p><p><font>Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado (respetivos limites objetivos), no que respeita à determinação do </font><i><font>quantum </font></i><font>da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dom | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KDKBu4YBgYBz1XKvQhML | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
<p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> intentou ação de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo que se decrete o divórcio entre si e o Réu, bem como se decida, provisoriamente, a atribuição do uso da casa de morada de família à Autora.</font>
</p><p><font>Alega em síntese, que: vem sendo vítima de agressões verbais e físicas perpetradas pelo Demandado; este vem usando o produto exclusivo do trabalho da Autora em proveito próprio; o Demandado manteve um «caso extraconjugal»; não existe intimidade entre ambos; é a Demandante que, com o seu salário, vem fazendo face a todas as despesas do agregado familiar; o Réu tem uma conta bancária à qual a Autora nunca teve acesso; é irremediável o desgaste da relação conjugal.</font><br>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citado, o Réu veio contestar, impugnando os factos e pedindo a condenação da autora como litigante de má fé e concluindo pela improcedência do pedido.</font><br>
</p><p><b><font> 3</font></b><font>. Após convite para aperfeiçoar a ação, que lhe foi dirigido, a Autora, em audiência prévia, relatou que os factos alegados se verificaram a partir de 13 de maio de 2014.</font><br>
<br>
<b><font>4</font></b><font>. Realizou-se audiência prévia, tendo sido fixado o valor da ação, proferido despacho saneador tabelar, fixado o objeto do litígio e os temas de prova.</font><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que sentença que decretou:</font>
</p><p><i><font>“Pelo exposto, julgo a ação procedente e, em consequência:</font></i><br>
<i><font>a) Decreto o divórcio entre AA e BB, declarando dissolvido o casamento que os unia (assento n° 148 de 1990, da 2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> Conservatória do Registo Civil de Lisboa);</font></i><br>
<i><font>b) Atribuo provisoriamente e de imediato à autora a utilização da casa de morada de família sita na ..., em Lisboa, até à partilha do património comum do agora dissolvido casal.</font></i><br>
<i><font>c) Julgo improcedente o pedido do réu de condenação da autora como litigante de má fé, dele absolvendo a autor”.</font></i><br>
<br>
<br>
<b><font>6.</font></b><font> Inconformado com esta decisão, o Réu interpôs recurso de apelação.</font><br>
<br>
<b><font>7. </font></b><font>O</font><b><font> </font></b><font>Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença proferida. </font><b><font> </font></b><br>
<br>
<b><font>8.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, o Réu /Apelante veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
<font>1ª. No presente processo há uma situação de dupla conformidade: confirmação pelo Tribunal da Relação de Lisboa do julgado em primeira instância pelo Tribunal de Família de Lisboa;</font><br>
<font>2ª. Donde, o Recorrente postular ora a Revista excecional, invocando para o efeito e necessariamente os requisitos das alíneas a) e b), do n° 1, do art°. 672°, do CPC, cumprindo o ónus previsto no n° 2, da mesma norma jus-processual; </font><br>
<font>3ª. Mui douto Acórdão de 30/01/2014 e deste Supremo Tribunal de Justiça, tirado sob o processo 1246/10.9TJLSB.L1.S1 - Revista Excepcional - Admitida - Relevância Jurídica - Relevância Social -, doutrinou no sentido inequívoco de que: </font><br>
<font>- " 2 - </font><i><font>Relevância jurídica e social </font></i><br>
<font>... </font><i><font>enfatiza-se que as "relevâncias" devem ser analisadas em termos objectivos, assim se densificando os conceitos abertos, irrelevando a importância que a questão, em si, tem para as recorrentes, já que sempre a terá pois, de outro modo, não insistiriam na reapreciação pelo Supremo Tribunal. </font></i><br>
<font>(. ..) </font><br>
<i><font>Estar-se-á perante uma questão cuja apreciação seja "claramente necessária para melhor aplicação do direito" </font></i><font>? </font><br>
<font>(. ..) </font><br>
<i><font>Como julgaram "inter alia", os Acórdãos deste Colectivo do Supremo Tribunal de Justiça nos Pº.s 1949/08 TBGMR.C1.S1 e 9630/08 -1TBMAI P1.S1, tal requisito ocorre quando a questão em apreço é controversa na doutrina e na jurisprudência, "assumindo laivos de complexidade a sua subsunção jurídica por tal implicar um importante detalhado exercício de exegese" </font></i><br>
<i><font>E tal acontece quando o problema cuja solução se busca é dotado de dificuldade, ou complexidade, por inovador, por conter conceitos indeterminados que importe densificar sendo susceptível de interpretações tão divergentes que ponham em causa a boa aplicação do direito. </font></i><br>
<font>(. ..) </font><br>
<i><font>No tocante ao outro requisito em apreço, (relevância social) a jurisprudência deste Colectivo/formação vem sendo constante no sentido de os interesses só assumirem particular relevância social se conectados com valores sócio-culturais a porem em causa a eficácia do direito, sua credibilidade, quer na formação legal, quer na aplicação casuística, (cfr., "inter alia", os Acórdãos dos Pº.s 725/08-2TVLSB.L1.S1; 3401/08.2TBCSC.L1.S1; 1195/08.0TBRR.L1.S.1; 1282/08.5TVLSB.L1 e 1593/08 OT JLSB.L1.S1). </font></i><br>
<font>(. ..) </font><br>
<i><font>Escreveu-se no Acórdão desta Formação (P. ° 216/09.4TVLSB-A.L1.S1) será "uma situação em que possa haver uma colisão de uma decisão jurídica com valores sócio culturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas, situações em que, nomeadamente, fique em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visem regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do cado concreto. " </font></i><br>
<font>4ª. E sob mui douto Acórdão de 14/05/2014 - P.</font><sup><font>o</font></sup><font> 217/l0.TBPRD.P1.S1, doutrinou-se em brilhante síntese, no sentido de que se deve de facultar o acesso a um terceiro grau de jurisdição, em situações em que: - </font><i><font>"possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos." </font></i><br>
<font>5ª. No presente processo, Venerandos Conselheiros, lidou-se com um dos mais importantes institutos jurídicos da nossa ancestral cultura de raiz judaico-cristã e da nossa História do Direito (este de origem romano-germânica) que versa sobre os quase nove séculos da nossa existência como nação e como país: o casamento; </font><br>
<font>6ª. Através deste constitui-se com vocação de perpetuidade uma vida assente na Família (quer nuclear - cônjuges e filhos -, quer no sentido mais alargado da </font><i><font>parentela, </font></i><font>como se dizia na Idade Média e para considerar as relações familiares que vão surgindo com o devir e consequente alargamento da originária Família nuclear); </font><br>
<font>7ª. E processo ainda o presente, no qual veio a sentenciar-se (em primeira instância) e a acordar-se (em segunda instância e pelos mesmos motivos daquela) o divórcio entre a </font><i><font>Autora/Recorrida </font></i><font>e o Réu/Recorrente </font><i><font>tout court </font></i><font>à luz da alínea d), do artº. 1781°, do Código Civil; </font><br>
<font>8ª. Tal alínea é - e permita-se-nos a expressão, Venerandos Conselheiros - como que um "pouço sem fundo", onde, com toda a incerteza e insegurança jurídicas, ao sabor de uma total subjectividade, poderão ser subsumidos quaisquer factos, que, na opinião (subjectiva) do julgador e caso a caso, se "integrem" em tal normativo legal; </font><br>
<font>9ª. O mesmo é dizer, na esteira do brilhante Acórdão acima transcrito e deste Altíssimo Tribunal, que a alínea d), do art°. 1781°, do Cód. Civil, carece de densificação relativamente aos conceitos abertos (excessivamente, diga-se) em que se compraz, estando-se perante uma questão, a de saber, quais os factos que poderão mostrar uma ruptura definitiva do casamento, questão que sem sombra de dúvidas, carece da Vossa superior sageza jurídica, no sentido de ser por Vossas Excelências apreciada, porque claramente necessária para melhor aplicação do direito; </font><br>
<font>10ª. A questão, como se demonstrou na presente peça processual, é controversa na doutrina e na jurisprudência, isto é, é sobremaneira complexa a subsunção e de que tipo de factualidade, na alínea d), do art°. 1781°, do Cód. Civil; </font><br>
<font>11ª. Tal postula, clara e necessariamente, importante e detalhado exercício de exegese, que com a máxima vénia, se solicita a este Altíssimo Tribunal; </font><br>
<font>12ª. Até porque se está perante problema, cuja solução é de enorme dificuldade e complexidade jurídicas, tanto mais, que a referida alínea d), do art°. 1781°, do Cód. Civil, é inovadora no quadro do nosso sistema jurídico de divórcio, alínea que contem uma total indeterminação conceptual que importa densificar por Vossas Excelências, alínea ainda que já foi susceptibilizada por interpretações doutrinárias e jurisprudenciais divergentes que põem em causa a boa aplicação do direito, e ainda, a certeza e segurança jurídicas; </font><br>
<font>13ª. E os interesses da comunidade em sede de casamento e respectivo divórcio, assumem particular relevância no todo social, porque o último bule com valores sócio-culturais extremamente enraizados na nossa comunidade, como o sejam os inerentes ao casamento e a um projecto de toda uma vida em comum e de Família, que pode soçobrar, caso a caso nos Tribunais, por mera vontade unilateral </font><i><font>(quiça, </font></i><font>caprichosa e irreflectida) de apenas um dos cônjuges; </font><br>
<font>14ª. A subsunção, em cada processo de divórcio, casuística </font><i><font>(ad hoc) </font></i><font>e subjectiva de factos não previamente tipificados e definidos pela mais Alta Jurisprudência, na alínea d), do art°. 1781°, do C.C., porá em causa a eficácia do direito, a respectiva credibilidade por parte da comunidade nacional, quer na vertente da formação legal daquele (através do Governo ou da Assembleia da República), quer na da sua aplicação a qualquer caso concreto; </font><br>
<font>15ª. A alínea d), do art°. 1781°, do C.C., leva, </font><i><font>rectius, </font></i><font>tem levado - como no presente processo e como vem de se demonstrar - a decisão(ões) jurídica(s) que colide(m) com valores sócio-culturais dominantes, como os inerentes ao casamento e à Família dele decorrente, devendo tal(ais) decisão(ões) jurídica(s) ser orientada(s) à luz daqueles valores sócio-culturais, por forma a não suscitarem alarme social e profundos sentimentos de inquietação e insegurança que minem a tranquilidade do casamento e da Família, de maneira a não ficar em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, em casos que têm um invulgar impacto na situação de vida de milhares e milhares de Famílias, sabendo-se que a norma jurídica em questão visa regular o divórcio, existindo assim um interesse geral da comunidade - para além do das aqui partes processuais - que, pela sua peculiar importância, justifica a admissão do presente recurso de Revista excecional, dado que, os interesses em jogo ultrapassam muito significativamente os limites do presente caso concreto; </font><br>
<font>16ª. A matéria, Venerandos Conselheiros, traz à memória um pequeno passo do Insígne Mestre </font><i><font>Eduardo dos Santos </font></i><font>(Pai do Doutor Eduardo dos Santos Júnior, Docente da F.D.L na disciplina de Família e Sucessões, recentemente falecido e ainda jovem), </font><i><font>in, Nova Lei do Divórcio, Liber, </font></i><font>1978, </font><i><font>a págs. </font></i><font>15 </font><i><font>e SS., </font></i><font>onde, sobre o D.L. n° 496/77, de 25 de Novembro, doutrinou que: </font><br>
<font>-... </font><i><font>Temos, assim, </font></i><font>(então) </font><i><font>no nosso actual direito um divórcio-sanção </font></i><font>(...); </font><i><font>um divórcio-malogro </font></i><font>(...); </font><i><font>um divórcio-remédio </font></i><font>(...); </font><i><font>e um divórcio-constatação </font></i><font>(. . .). </font><br>
<font>(...) </font><br>
<i><font>Em suma, o único divórcio </font></i><font>(então) </font><i><font>excluído é o divórcio por vontade unilateral ... </font></i><br>
<i><font>Só falta o divórcio administrativo, aliás, uma raridade em todo o mundo. </font></i><br>
<font>(...) </font><br>
<i><font>Conhecem-se as principais consequências sociais que procedem da liberalização do divórcio ou dele só: aumento da delinquência juvenil, consequência definitivamente apurada; queda do índice de natalidade, consequência mais ou menos apurada; </font></i><font>(...). </font><i><font>Pelo menos </font></i><font>... ".; </font><br>
<font> 17ª. Nós acrescentaríamos o péssimo rendimento/abandono escolar, a criminalidade juvenil sob diversos tipos criminais, quer nas escolas, quer na comunidade em geral, tudo com os elevadíssimos custos em sede de erário público; </font><br>
<font>18ª. E divórcio administrativo aquele que já existe nas Conservatórias do Registo Civil, apesar de como que cumulado (terá sido "esquecimento" do legislador na revisão de 2013, do CPC?) com o divórcio e separação sem consentimento do outro cônjuge, previsto nos actºs. 931 ° e 932°, do mesmo Cód. de Processo Civil; </font><br>
<font>19ª. Em mui douto Acórdão de 23/11/2011 do Colendo Tribunal da Relação de Lisboa, tirado no processo 88110.6TMFUN.L1-2 de Divórcio Sem Consentimento de Um dos Cônjuges - Aresto que constitui Acórdão Fundamento no presente Recurso e para efeito da alínea c), do n° 1, do artº. 672º, do CPC -, deliberou-se brilhantemente que: </font><br>
<i><font>- "II. Para efeitos do preenchimento da previsão da alínea d) do art. 1781º do CC, da matéria de facto provada deverá resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio "a </font></i><font>- </font><i><font>pedido" por razões subjectivas, não haver sido acolhido nas novas disposições da lei sobre o divórcio. </font></i><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>IV </font></i><font>- 2 - ... </font><i><font>delimitação e definição do âmbito da alínea d) do art. 1781° </font></i><font>CC </font><i><font>no confronto com os factos julgados provados. </font></i><br>
<i><font>Trata-se de um texto legal novo e que contém uma cláusula geral, daí se justificando uma aproximação algo cautelosa ao mesmo. </font></i><br>
<font>(…) </font><br>
<i><font>Guilherme de Oliveira </font></i><font>(A Nova Lei do Divórcio, págs. 13-15), </font><i><font>numa relevante contribuição - dada a sua intervenção na delienação da lei que introduziu as alterações </font></i><font>- </font><i><font>para esclarecimento do que deverá comportar-se na alínea d) do art. 1781º do CC, refere que "o conhecimento da experiência dos sistemas estrangeiros que têm praticado esta via de dissolução mais amplamente do que o nosso país sugere que a utilização da alínea d) do novo 1781</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> não deve permitir a relevância de factos banais e esporádicos" e que "devem ser factos objectivos capazes de convencer o tribunal de que os laços matrimoniais se romperam e se romperam definitivamente". Adiantando que a redacção da alínea d) poderia ser a seguinte: "d) Quaisquer outros factos que, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges" e explicando haver "uma razão importante, de natureza sistemática, que sugere a necessidade de uma aplicação exigente da alínea d)" que é a de ela dever "ser feita no contexto, isto é, em harmonia com as alíneas anteriores". "Uma atitude mais condescendente em relação às exigências de prova que a lei definiu para as três primeiras alíneas poderia dar a sugestão de que a alínea d), afinal, poderia servir como um caminho para o divórcio simplesmente a-pedido de um dos cônjuges, por razões subjectivas, ou pelo menos, ficar a meio caminho entre um divórcio-ruptura, por causas objectivas, e um divórcio a-pedido", acrescentando que a história das iniciativas legislativas em torno do divórcio, nos últimos anos, mostra que "o Parlamento não quis acolher um regime de divórcio a-pedido; pretendeu apenas reforçar o sistema de divórcio-ruptura, que se baseia em índices objectivos da falência irreversível do matrimónio </font></i><font>". </font><br>
<i><font>Salientando, a propósito, Amadeu Colaço </font></i><font>(Novo Regime do Divórcio, págs. 70-72) </font><i><font>que o cônjuge que pretenda interpor uma acção com fundamento expresso na alínea d) do art. 1781º "terá que alegar e provar a existência de uma situação objectiva e passível de constatação, que revele uma situação de ruptura definitiva do casamento (a sua falência ou fracasso)" . </font></i><br>
<font>... </font><i><font>relevante para o caso que nos ocupa a necessidade de nos autos, através da matéria de facto provada, dever resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando para o efeito que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio "a-pedido" por razões subjectivas, não haver sido acolhido".; </font></i><br>
<font>20ª. O Acórdão (fundamento) supra, confirmou/reiterou sentença de primeira instância que julgou improcedente o divórcio; </font><br>
<font>21ª. Face ao mesmo Acórdão e à doutrina na qual se estribou, concatenando-o com o Acórdão de sinal contrário aqui sob recurso, parece, Venerandos Conselheiros, que por tal via é também por demais evidente e justificada a Revista excecional objecto do presente Recurso, e pelas razões seguintes: </font><br>
<font>* Alínea d), do art°. 1781°, do CC: compraz-se num conceito aberto e indeterminado que carece de densificação jurisprudencial ao mais alto nível, necessária para melhor aplicação do direito; </font><br>
<font>* A questão de que factos podem ser subsumidos na mesma alínea, é já controversa na jurisprudência, mormente, no Acórdão da Relação de Lisboa acima citado e no Acórdão objecto do presente recurso; </font><br>
<font>* Tal subsunção é complexa e implica um importante e detalhado exercício de exegese, que, melhor que ninguém, este Magnífico Supremo Tribunal de Justiça fará no quadro do presente processo; </font><br>
<font>* A referida alínea é inovadora, nela não estando expressamente previstos os conceitos de </font><i><font>gravidade </font></i><font>e </font><i><font>reiteração, </font></i><font>como entende que nela deveriam de estar o doutrinador </font><i><font>Guilherme de Oliveira </font></i><font>que interveio na delienação da lei que introduziu as mais recentes alterações ao regime do divórcio; </font><br>
<font>* Um divórcio </font><i><font>a-pedido </font></i><font>sempre estaria contra os interesses de particular relevância social da nossa comunidade face aos valores sócio-culturais vigentes na mesma em sede de casamento (civil ou católico) e de divórcio; </font><br>
<font>* A mesma alínea, pela sua indeterminação conceptual, põe em causa a eficácia e a credibilidade do direito, quer na vertente da formação deste, quer na sua aplicação casuística, nomeadamente, por deixar uma excessiva margem de subjectividade analítica ao julgador, e do que sejam factos objectivos que nela se possam subsumir, contra "factos" plenos de subjectividade (no sentido de eventuais sentimentos humanos que objectivamente se não exteriorizam e não se constatam, não podendo por isso constituir meios de "prova" aceitáveis pelo julgador - </font><i><font>de internus solus Deus </font></i><font>-), que na mesma alínea se não podem subsumir; </font><br>
<font>* Alínea ainda que leva à prolação de decisões em colisão com valores sócio-culturais dominantes (o casamento e a não admissão de divórcio </font><i><font>a-pedido), </font></i><font>devendo tais valores orientar aquelas decisões no sentido de não surgir alarme social e inquietação que minem a generalidade das pessoas casadas e das Famílias, por forma a não ficar em causa a eficácia e credibilidade do direito, o que traria como consequências, não só invulgar impacto na vida de quem é casado, como um total esvaziamento do casamento e dos votos e deveres recíprocos que ainda hoje lhe estão subjacentes e inerentes nos termos da lei; </font><br>
<font>* E na nossa História, os Tribunais, desde tempos seculares, são os Órgãos de Soberania em quem o povo mais confia e aos quais recorre como guardiões que são das legítimas expectativas jurídicas do mesmo povo; </font><br>
<font>22ª. Analisados criticamente os pontos 3. e 4. dos factos tidos como provados na Sentença de primeira instância e no Acórdão recorrido, não cuida de encontrar-se como é que meras discussões e desentendimentos (mesmo que regulares tão só desde Maio de 2014, num casamento que tem 25 anos de duração - </font><i><font>vide, </font></i><font>ponto 1. dos factos provados -), discussões e desentendimentos, cujos teores e conteúdos são completamente omissos na matéria provada, portanto desconhecidos, ocorridos entre </font><i><font>Recorrida </font></i><font>e Recorrente, possam ser factos subsumíveis na alínea d), do art°. 1781°, do CC., como o fizeram a Sentença de primeira instância e o Acórdão recorrido; </font><br>
<font>23ª. Discussões e desentendimentos, Venerandos Conselheiros, são próprios da natureza humana e da alteridade; </font><br>
<font>24ª. Cabe </font><i><font>in casu </font></i><font>a pergunta enfática: </font><br>
<font>* Como é que discussões e desentendimentos, cujos teores e conteúdos a matéria tida por provada não especifica, ou seja, não precisa terminológica e substancialmente em que é que eventualmente consistiram, entre cônjuges, podem subsumir-se na alínea d), do artº. 1781°, do CC, por forma a concluir-se que "mostram" a ruptura definitiva do casamento </font><i><font>sub judice? </font></i><br>
<font>25ª. Tais discussões e desentendimentos (não especificados), não podem constituir situação objectiva, que "monstre(m)" a ruptura definitiva do casamento </font><i><font>sub judice, </font></i><font>tanto mais, que contra a jurisprudência e a doutrina em que se estriba o Acórdão (aqui fundamento e a final junto) da Relação de Lisboa, de 23/11/2011, sob o proc. ° 88/1 0.6TMFUN.L 1-2, o Acórdão recorrido (tal como a Sentença de primeira instância) nada descretearam sobre eventual </font><i><font>gravidade </font></i><font>ou </font><i><font>reiteração </font></i><font>das mencionadas discussões e desentendimentos, sendo a decisão da primeira instância e a deliberação da segunda instância, completamente omissas quanto à eventual substância, matéria fáctica, teor, conteúdo ou terminologia que eventualmente pudessem ter estado subjacentes a tais discussões e desentendimentos; </font><br>
<font>26ª. Por outro lado, as expressões constantes do ponto 3. dos factos provados, como </font><i><font>"deixando de ser afectuoso para com ela </font></i><font>,. (a </font><i><font>Autora/Recorrida), "provocando-lhe sentimentos de mal-estar, angústia e sofrimento </font></i><font>", são de natureza e de cariz meramente subjectivo (em rigoroso sentido técnico-jurídico), e por isso, nos termos do Acórdão fundamento e da doutrina em que ele se estriba, não podem ser subsumidas na alínea d), do artº. 1781°, do CC, ou seja, são "razões" subjectivas carecidas de valor probatório e que não são acolhidas por aquele normativo legal, por se traduzirem afinal num mero acto de vontade unilateral da </font><i><font>Autora/Recorrida </font></i><font>em se divorciar; </font><br>
<font>27ª. Destarte, Venerandos Conselheiros, requerer-se a Vossas Excelências seja o Acórdão recorrido revogado/anulado por vosso douto Acórdão que delibere a improcedência do divórcio </font><i><font>sub judice, </font></i><font>assim se fazendo uma melhor (in)aplicação da alínea d), do artº. 1781°, do CC.; </font><br>
<font>28ª. No Acórdão fundamento, para que se aplique a alínea d), do art°. 1781°, do CC, terá que da matéria de facto provada resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio </font><i><font>"a-pedido" </font></i><font>por razões subjectivas, não haver sido acolhido nas novas disposições da lei sobre o divórcio; </font><br>
<font>29ª. O Acórdão recorrido, atendendo aos pontos 3. e 4. da matéria provada, nos quais apenas está como situação objectiva que </font><i><font>"Desde </font></i><font>(..) </font><i><font>Maio de 2014, que o réu discute e se desentende regularmente com a autora, mesmo na presença dos filhos </font></i><font>", e sem que o mesmo Aresto se tenha pronunciado sobre eventual gravidade ou reiteração de tais discussões e desentendimentos, entendeu que tal matéria era subsumível na alínea d), do art°. 1781°, do CC, sem que tenha especificado em que consistiram tais discussões e desentendimentos ou o que esteve materialmente subjacente às mesmas e aos mesmos; </font><br>
<font>30ª. Acórdão recorrido que à luz dos mesmos pontos da matéria provada, nos quais estão também "razões" de cariz e de natureza subjectiva e abstracta, não constatadas ou constactáveis exteriormente, por isso, inobjectiváveis e insubsumíveis na alínea d), do artº. 1781°, do CC, "razões" como </font><i><font>"deixando de ser afectuoso para com ela, provocando-lhe sentimentos de mal-estar, angústia e sofrimento, levando a que esta não pretenda reatar a relação de comunhão de vida", </font></i><font>ainda assim (em contradição com o Acórdão fundamento), subsumiu tais "razões" subjectivas no mencionado normativo legal, tendo decidido contra este ao ter deliberado um divórcio </font><i><font>a-pedido </font></i><font>e sobretudo pela "razão" subjectiva da </font><i><font>Autora/Recorrida </font></i><font>em não pretender reatar a relação de comunhão de vida; </font><br>
<font>31ª. Motivos pelos quais, Venerandos Conselheiros, se requer Vossas Excelências se dignem revogar/anular o Acórdão recorrido através de vosso douto Acórdão que delibere a improcedência do divórcio, porque a matéria naquele tida por provada é insubsumível na alínea d), do art°. 1781°, do CC, tanto mais, que, quer em primeira instância, quer em segunda instância, não se fez uma aplicação exigente da referida alínea, ou seja, tal aplicação não foi contextualizada harmoniosamente com as alíneas anteriores do mesmo referido normativo legal, aplicação, portanto, contraditória com o deliberado no Acórdão fundamento; </font><br>
<font>Conclui pela </font><i><font>procedência do recurso, “e em consequência … seja revogado/anulado o Acórdão do Colendo Tribunal da Relação de Lisboa aqui recorrido; Deliberando-se, decorrentemente, a improcedência do divórcio objecto dos autos”.</font></i><br>
<br>
<b><font>9.</font></b><font> A Recorrida não contra-alegou.</font><br>
<br>
<b><font>10.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<br>
<b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
<font>Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Réu/ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber</font><font> </font><font>se se verifica o fundamento de divórcio a que se refere a alínea d) do artigo 1781º do Código Civil.</font><br>
<br>
<br>
<font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b><br>
<b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<b><font>1.1.</font></b><font> A autora e o réu casaram um com o outro, sem convenção antenupcial no dia 06 de outubro de 1990.</font><br>
<b><font>1.2.</font></b><font> CC, nascido a ..../1993 e DD, nascida a .../1997, são filhos da autora e do réu.</font><br>
<b><font>1.3.</font></b><font> Desde (pelo menos) maio de 2014, que o réu discute e se desentende regularmente com a autora, mesmo na presença dos filhos, deixando de ser afetuoso para com ela, provocando-lhe sentimentos de mal-estar, angústia e sofrimento, levando a que esta não pretenda reatar a relação de comunhão de vida com o autor.</font><br>
<b><font>1.4.</font></b><font> A autora, o réu e os filhos do casal moram juntos na casa sita na ..., em Lisboa, pertença das partes, onde reina o ambiente consequente ao descrito em 3.</font><br>
<br>
<b><font>2. Do mérito do recurso</font></b><br>
<b><font>2.1. Do Artigo 1781º do Código Civil</font></b>
</p><p><font>Prescreve, sob a epígrafe Ruptura do casamento, o artigo 1781º do Código Civil que:</font>
</p><p><font>São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:</font>
</p><p><font>a) A separação de facto por um ano consecutivo;</font>
</p><p><font>b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;</font>
</p><p><font>c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;</font>
</p><p><font>d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.</font>
</p><p><font>Nos presentes autos, está em causa a alínea d) citada, sendo este o fundamento legal invocada pela Autora e que obteve acolhimento pelas instâncias.</font>
</p><p><font>O atual regime do divórcio foi introduzido no Código Civil pela Lei n.º 61/2008, de 31de outubro.</font>
</p><p><font>Conforme consta na Exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 509/10, que esteve na origem daquele diploma, procurou-se adaptar o regime jurídico do divórcio a uma visão atual do matrimónio, tido como espaço de vida a dois assente fundamentalmente no laço afetivo: “</font><i><font>decorrendo do princípio da liberdade, ninguém deve permanecer casado contra sua vontade ou se considerar que houve quebra do laço afectivo. O cônjuge tratado de forma desigual, injusta ou que atente contra a sua dignidade deve poder terminar a relação conjugal mesmo sem a vontade do outro</font></i><font>”</font><i><font>. </font></i>
</p><p><i><font>(…) Elimina-se a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais – a clássica forma de divórcio-sanção – que tem sido sistematicamente abandonada nos países europeus por ser, em si mesma, fonte de agravamento de conflitos anteriores, com prejuízo para os ex-cônjuges e para os filhos; o divórcio não deve ser uma sanção. O cônjuge que quiser divorciar-se e não conseguir atingir um acordo para a dissolução, terá de seguir o caminho do chamado “divórcio ruptura”, por “causas objectivas”, designadamente a separação de facto. E nesta modalidade de divórcio, ao contrário do que hoje acontece, o juiz nunca procurará determinar e graduar a culpa, para aplicar sanções patrimoniais; afastam-se agora também estas sanções patrimoniais acessórias. As discussões sobre culpa, e também sobre danos provocados por actos ilícitos, ficam alheias ao processo de divórcio. Encurtam-se para um ano os prazos de relevância dos fundamentos do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. Se o sistema do “divórcio ruptura” pretende reconhecer os casos em que os vínculos matrimoniais se perderam independentemente da causa desse fracasso, não há razão para não admitir a relevância de outros indicadores fidedignos da falência do casamento. Por isso, acrescenta-se uma cláusula geral que atribui relevo a outros factos que mostram claramente a ruptura manifesta do casamento, independentemente da culpa dos cônjuges e do decurso de qualquer prazo. O exemplo típico, nos sistemas jurídicos europeus, é o da violência doméstica – que pode mostrar imediatamente a inexistência da comunhão de vida própria de um casamento”.</font></i>
</p><p><i><font>“O abandono do fundamento da culpa é, aliás, ponto de convergência na legislação europeia como se pode ler na obra atrás citada: “A el | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jKGu4YBgYBz1XKvMBXr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<font>I. Relatório</font>
</p><p><font>1. AA, BB e CC requereram, em 07.05.2014, na extinta 2ª Vara Cível de Lisboa, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., declaração de executoriedade de sentença estrangeira, pretendendo que «</font><i><font>seja atribuído carácter executório à sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013</font></i><font>». </font>
</p><p><font> </font><font>Para tanto alegaram, em resumo, que:</font>
</p><p><font>— Por sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, em 13 de novembro de 2013, a Requerida foi condenada, entre outros, a pagar aos Requerentes a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais desde 24 de maio de 2012 até integral pagamento;</font>
</p><p><font>— A Requerida, interpelada pelos Requerentes para proceder ao pagamento voluntário, até à presente data, nada pagou;</font>
</p><p><font>— A sentença que se pretende executar foi proferida por um Tribunal Superior de um Estado-membro da União Europeia (o Grão Ducado do Luxemburgo);</font>
</p><p><font>— A Requerida foi citada no processo no qual veio a ser proferida a sentença, tendo aí exercido todos os direitos legais e processuais que lhe assistiam, nomeadamente o seu direito à defesa e contraditório;</font>
</p><p><font>— A referida sentença, de que a Requerida foi notificada, não contraria a ordem pública portuguesa.</font>
</p><p><font>Juntaram cópia certificada da decisão estrangeira, bem como certidão emitida pelo Tribunal de origem a que alude o artigo 54º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. A extinta 2ª Vara Cível de Lisboa declarou-se incompetente para conhecer do presente procedimento especial e ordenou a remessa dos autos aos extintos Juízos Cíveis de Lisboa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. No extinto 3º Juízo Cível de Lisboa, a 06.06.2014, foi então proferida a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>Nos presentes autos de ação especial, em que são requerentes AA, BB e CC e requerida Caixa Geral de Depósitos, S.A., atentos os factos e o direito expendido, declaro a executoriedade da sentença proferida pela 7ª Secção, competente em matéria cível, do Cour d´Appel du Grand Duché de Luxemburgo, em 13/11/2013, no processo nº 39427, em que foram Recorrentes os aqui Requerentes e Recorrida a aqui Requerida</font></i><font>». </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Não se conformando com esta decisão, a Requerida interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>5. O Tribunal da Relação de Lisboa, </font><i><font>negando provimento ao recurso</font></i><font>, veio a «</font><i><font>confirmar a declaração de executoriedade constante da sentença apelada</font></i><font>» e a indeferir a requerida suspensão da instância.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Mais uma vez inconformada, a Requerida veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (procedendo-se à correção do lapso constante da respectiva numeração, decorrente da duplicação dos números 4 e 44):</font>
</p><p><font>1ª. Em 7.5.2014, os aqui Recorridos requereram a "declaração e executoriedade de sentença estrangeira", ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2011. </font>
</p><p><font>2ª. A sentença cuja executoriedade foi requerida foi assim identificada: sentença proferida pela Cour d'Apell du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013, em </font><i><font>que a Requerida foi condenada "a pagar aos aqui Requerentes a quantia de </font></i><font>€</font><i><font>3.527.000,00 (três milhões quinhentos e vinte e sete mil euros) acrescida de juros legais desde </font></i><font>o </font><i><font>dia 24 de maio de 2012 até integral pagamento" </font></i><font>(art. 1.º da p.i.) </font>
</p><p><font>3ª. Em face do pedido, a sentença em recurso, decretou a executoriedade da sentença proferida, sem qualquer restrição. </font>
</p><p><font>4ª. Este é o primeiro erro da sentença, mantido no ac. recorrido, induzido pela forma como o requerimento é apresentado. </font>
</p><p><font>5ª. De facto, a Requerida não foi pura e simplesmente condenada a pagar a quantia referida. E é este tipo de condenação, "par provision", provisória, ou cautelar, como melhor seria traduzido, que obrigaria à restrição do âmbito da executoriedade da sentença em causa, o que não aconteceu. </font>
</p><p><font>6ª. Compreender a natureza da condenação, supõe a prévia apreensão do ato que lhe deu origem - o référé -, ato que </font><i><font>vem </font></i><font>igualmente omitido na petição inicial. </font>
</p><p><font>7ª. Os arts. 34.º e 35.º do Regulamento definem as condições de reconhecimento por forma negativa, indicando os casos em que não pode </font><i><font>haver </font></i><font>reconhecimento. </font>
</p><p><font>8ª. No entanto, há pressupostos de declaração de executoriedade que são impostos por outras normas do Regulamento, designadamente que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art.1.º) e que a decisão tenha força executiva (art.38.º). </font>
</p><p><font>9ª. Ora, não se verificam os dois últimos requisitos. </font>
</p><p><font>10ª. Em 30.10.2012, foi proferida decisão, nos termos da qual o juiz das decisões provisórias do Luxemburgo indeferiu o pedido de decretamento de todas as solicitadas pelos aqui Requeridos. </font>
</p><p><font>11ª. Desta decisão foi interposto recurso para a Cour d'Apell, que proferiu decisão parcialmente revogatória da anterior, decisão essa que foi objeto do pedido de declaração de executoriedade. </font>
</p><p><font>12ª. A decisão cuja executoriedade foi requerida não havia transitado em julgado aquando do pedido apresentado pelos Recorridos, facto que foi omitido pelos Requerentes e não foi fiscalizado pelo tribunal. </font>
</p><p><font>13ª. Tal é, aliás, reconhecido no Acórdão recorrido, que igualmente reconhece que a decisão de tal recurso apenas veio a ocorrer em 10/7/2014 (p. 10). </font>
</p><p><font>14ª. Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 26/5/2011, Proc. 848/8.8TBPTL.G1: </font><i><font>"A declaração de executoriedade de sentença estrangeira </font></i><font>só </font><i><font>poderá ser requerida, após </font></i><font>o </font><i><font>respectivo trânsito em julgado. Este requisito terá de se verificar na altura da apresentação do requerimento de executoriedade." </font></i>
</p><p><font>15ª. Se os arts.38.º e 53.º do Regulamento exigem que a decisão tenha "força executiva" e se tal força executiva não existe no estado de origem, não se verifica o requisito em causa. </font>
</p><p><font>16ª. Para além da falta de trânsito em julgado, é essencialmente a natureza da decisão cuja executoriedade vem requerida que está em causa, atendendo ao tipo de decisão em que se suporta o pedido dos Requerentes. </font>
</p><p><font>17ª. De facto, os Requerentes omitem no seu requerimento que a decisão cuja atribuição de executoriedade solicitam provém de um processo denominado de "référé", com um âmbito de eficácia bem restrito. </font>
</p><p><font>18ª. Assim, induzem em erro o julgador, que atribui ao acórdão uma executoriedade sem limites, como se, com base no mesmo, os Requerentes pudessem instaurar uma normal ação executiva, e nele penhorar e fazer vender bens da Requerida. </font>
</p><p><font>19ª. Por aplicação do regulamento 44/2001, o reconhecimento do acórdão da "Cour d'appel" não pode conferir mais direitos, mais meios de execução, do que a execução por meios apenas cautelares. </font>
</p><p><font>20ª. De facto, se no país de origem uma determinada sentença tem uma executoriedade com determinado âmbito - no caso apenas provisória, ou seja, para efeitos conservatórios -, não pode o "exequatur" do tribunal português alterar tal âmbito. </font>
</p><p><font>21ª. Atendendo ao pedido, sem restrições, e à decisão, tomada por simples referência para tal pedido, parece manifesto que o âmbito da executoriedade atribuído à sentença viola flagrantemente o artigo 38.º do Regulamento, por violação do art. 933.º, al. 2 do NCPC do Luxemburgo. </font>
</p><p><font>22ª. A provisoriedade da decisão cuja executoriedade foi requerida resulta ainda de outra questão, igualmente omitida ao tribunal pelos aqui Recorridos. </font>
</p><p><font>23ª. Caso fosse negado provimento ao recurso, como aconteceu, o processo terá que voltar à 1.ª instância, para que o juiz decida o processo na sua totalidade. </font>
</p><p><font>24ª. Com efeito, o tribunal tinha ordenado a apensação ao référé do pedido apresentado pela CGD contra a sua seguradora DD S.A., pedindo que esta se substitua ao banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro - 2.500.000,00€. </font>
</p><p><font>25ª. Na medida em que o despacho de 30 de outubro de 2012 não tinha condenado o banco no pagamento do aludido montante aos requerentes, tinha sobrestado a decisão sobre a condenação da seguradora em lugar e substituição do banco. </font>
</p><p><font>26ª. Ou seja, mesmo tendo entretanto a Cour de Cassation revogado o acórdão da "Cour d'appel", de 13 de Novembro de 2013, sempre o "Tribunal d'arrondissement" terá ainda que decidir se a seguradora deve pagar ou não em lugar do banco, mesmo que apenas até ao montante máximo segurado. </font>
</p><p><font>27ª. Ora, esta decisão encontra-se suspensa, como foi provado e vem reconhecido no acórdão em recurso. </font>
</p><p><font>28ª. Se, a final, se decidir favoravelmente a pretensão da CGD, esta apenas terá que pagar, e a título provisório, repita-se, cerca de 1 milhão de euros em vez de 3,5 milhões. </font>
</p><p><font>29ª. Um processo de execução imediata em Portugal pela totalidade do valor em causa é, pois, contrário à real situação existente no país de origem, levando a que se possa afirmar, com inteira propriedade, que a sentença que condenou no pagamento de 3,5 milhões de euros não é título executivo no país de origem, nem sequer a título provisório, assim saindo violado o art. 38.º do Regulamento. </font>
</p><p><font>30ª. Defender-se o contrário equivaleria a algo de equivalente à violação do princípio da proibição </font><i><font>da reformatio in pejus. </font></i>
</p><p><font>31ª. Esta é outra das razões que impedem a executoriedade da sentença, tal como foi requerida e veio a ser decidida, ainda que por completa omissão de elementos trazidos até ao julgador pelos ora Recorridos. </font>
</p><p><font>32ª. Sem dúvida que o art. 31.º do Regulamento prevê que "(a)s </font><i><font>medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão e fundo". </font></i>
</p><p><font>33ª. O que sejam </font><i><font>"medidas provisórias ou cautelares" </font></i><font>não é, porém, pacífico. </font>
</p><p><font>34ª. Como salienta, Luís Lima Pinheiro, ob. cit, págs., 228/229, </font><i><font>"Das diversas formulações ressalta a inclusão neste conceito das providências provisórias conservatórias. </font></i><i><u><font>Não </font></u></i><u><font>é </font></u><i><u><font>tão claro até que ponto podem ser abrangidas providências provisórias antecipatórias.</font></u></i><i><font> No caso Van Uden, </font></i><font>o </font><i><font>TCE decidiu que </font></i><font>'o </font><i><font>pagamento a título provisório de uma contraprestação contratual não constitui uma medida provisória na aceção desta disposição a menos que, por um lado, </font></i><font>o </font><i><font>reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de </font></i><font>o </font><i><font>demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito e, por outro lado, a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam ou se devam situar na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida" </font></i><font>(com realces aditados). </font>
</p><p><font>35ª. Ou seja, ali se decidiu que o pagamento a título provisório de uma contraprestação contratual não constitui uma medida provisória na aceção desta disposição a menos que, por um lado, o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito e, por outro lado, a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam ou se devam situar na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida. </font>
</p><p><font>36ª. Esta decisão foi confirmada pelo Ac. do TCE de 27/4/1999, caso Mietz. </font>
</p><p><font>37ª. E não se diga, como o faz a decisão recorrida, que o acórdão Van Uden em nada contende com a questão dos autos. De facto, apesar de a questão essencial a decidir respeitar à competência do tribunal, o certo é que o tribunal não deixou de apreciar a natureza das medidas cautelares, para os fins que aqui estão em causa. </font>
</p><p><font>38ª. Mais relevante ainda: o requisito da necessidade de tutela do credor, autonomizado no ac. </font><i><font>Van Uden </font></i><font>não se encontra de facto verificado.</font>
</p><p><font>39ª. Os Recorridos deram já a possível execução provisória à sentença no Luxemburgo, procedendo ao registo de duas hipotecas judiciais sobre dois imóveis da sucursal da Recorrente, sitos no Luxemburgo. </font>
</p><p><font>40ª. Ora, sem sequer invocarem a insuficiência dos bens já apreendidos - insuficiência que aliás não existe - os Recorridos pretendem obter novamente em Portugal a execução de uma sentença que se encontra já executada e que tem, pois, já esgotados os seus efeitos. </font>
</p><p><font>41ª. Por outro lado, bem sabem os Recorridos e o tribunal que a Recorrente tem património suficiente para responder pela dívida, caso viesse a ser condenado, pelo que o risco de perda de garantia patrimonial dos Recorridos é inexistente, visando a pretensão da executoriedade da sentença em Portugal o mero alarme público, como meio de pressão para, por via ínvia e abusiva, pressionar ao termo dos litígios judiciais. </font>
</p><p><font>42ª. Pelo exposto, falta novo requisito de executoriedade à decisão, qual seja o de que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art. 1.º). </font>
</p><p><font>43ª. O presente pedido de executoriedade representa um manifesto abuso de direito por parte dos aqui Recorridos. </font>
</p><p><font>44ª. Na verdade, há uma manifesta desproporção entre a utilidade que os Recorridos visam obter - execução imediata de uma decisão provisória, ademais já executada no seu país de origem - e as consequências que a Recorrente tem de suportar. </font>
</p><p><font>45ª. É patente que, o pedido para que seja declarada a executoriedade de uma decisão meramente provisória, já executada, de montante ainda não definitivamente fixado, e dependente de uma apreciação do mérito, bem como de uma decisão penal, ofende o sentimento jurídico socialmente dominante na ordem jurídica portuguesa.</font>
</p><p><font>46ª. E sobre estes fundamentos o acórdão recorrido nada diz. </font>
</p><p><font>47ª. Não se esqueça que a execução de uma sentença se inicia pela penhora, previamente à citação, e que, como o demonstram pela forma como requereram a executoriedade, os Recorridos pretendem obter penhora sobre bens da Recorrente por valor</font><i><font> </font></i><font>que se encontra já assegurado com as hipotecas registadas no Luxemburgo. </font>
</p><p><font>48ª. Executar duas vezes</font><i><font> </font></i><font>a mesma decisão é inconciliável com as conceções jurídicas que alicerçam o sistema português e internacional, e sobre esta vertente nada foi decidido. </font>
</p><p><font>49ª. A decisão recorrida, que tanto se baseia nas </font><i><font>diversas </font></i><font>decisões luxemburguesas entretanto proferidos desde a interposição do recurso, omite qualquer referência, neste domínio, ao que consta da decisão de suspensão dos autos principais, e acima já transcrita: </font><i><font>“A posição do Banco consiste desde logo em alegar que a ordem de transferência em litígio pode ter emanado dos próprios depositantes". </font></i>
</p><p><font>50ª. Se tal </font><i><font>vier </font></i><font>a ser provado</font><i><font> </font></i><font>no processo-crime luxemburguês, haveria nova causa de ofensa à ordem pública: os Recorridos nunca tiveram o prejuízo que ora </font><i><font>invocam, </font></i><font>não tendo qualquer direito à indemnização que reclamam, direito que artificialmente criaram. </font>
</p><p><font>51ª. Assim sendo, é o art. 34.º do Regulamento que impede a atribuição de executoriedade à sentença em causa. </font>
</p><p><font>52ª. Por outro lado, havendo dúvidas</font><i><font> </font></i><font>na interpretação do Regulamento, no que respeita ao art. 31.º e, mediatamente, por força deste, quanto ao art. 38.º, tornou-se agora obrigatório o reenvio prejudicial. </font>
</p><p><font>53ª. Atente-se em que no acórdão recorrido se afastou a hipótese de reenvio, aqui facultativo, por o mesmo assentar em sucessivos erros anteriores, designadamente na aplicação das normas comunitárias, que se supõe não serão repetidos. </font>
</p><p><font>54ª. Deve, pois, este Supremo Tribunal, caso não decida pela inaplicabilidade do Regulamento à decisão provisória cuja executoriedade vem pedida, com os fundamentos antes invocados, utilizar o mecanismo do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do art. 267°, nº1 b), e nº 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, reenvio, este, que cremos ser obrigatório nos termos destas disposições. </font>
</p><p><font>55ª. O reenvio deve ter como objeto a decisão das seguintes questões prejudiciais, indispensável à decisão do presente caso: </font>
</p><p><font>1) A possibilidade, prevista no artigo 933.º, al. 2 do NCPC luxemburguês, de se requerer, com fundamento em urgência, um despacho de medida provisória (référé) constitui uma "medida provisória ou cautelar", na aceção do artigo 31.º do Regulamento n.º 44/2001 ICE)? </font>
</p><p><font>2) A resposta à questão 1) será diferente se estiver pendente o processo principal? </font>
</p><p><font>3) A resposta à questão 1) será diferente, quando a medida provisória requerida tenha por objeto o cumprimento de uma obrigação de pagamento do valor de uma obrigação correspondente ao invocado incumprimento contratual? </font>
</p><p><font>4) Se a resposta à questão 1) for afirmativa, o órgão jurisdicional que decide executoriedade destas medidas provisórias deve fazê-lo automaticamente, ou a sua decisão está dependente da satisfação de condições suplementares mais específicas, por exemplo, que o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito, e/ou que a medida requerida apenas incida sobre bens determinados do demandado que se situam ou se devam situar na esfera da competência territorial do juiz a quem é pedida? </font>
</p><p><font>56ª. Ainda que nenhum dos argumentos anteriores fosse acolhido, o que de todo se configura como possível, sempre ao caso seria aplicável a previsão contida no art. 46.º do Regulamento, numa necessária interpretação extensiva, devendo suspender-se a instância, pelo menos até que sobrevenha uma das seguintes situações: </font>
</p><p><font>a. Seja determinado o montante da quantia em que a CGD foi provisoriamente condenada (por relação com a existência do seguro);</font>
</p><p><font>b. Seja proferida decisão na ação principal; </font>
</p><p><font>c. Seja provada a insuficiência dos bens já hipotecados para pagamento da dívida, caso esta venha a ser reconhecida. </font>
</p><p><font>57ª. Se os acórdãos citados na decisão recorrida sobre a interpretação do art. 46.º cobrem a segunda das situações invocadas para a suspensão da instância, por maioria de razão a teleologia do art. 46.º há-de cobrir a que acima foi primeiramente identificada, relativa à fixação do valor em dívida, se dívida houver. Quanto à terceira situação, ela é uma imposição do previsto no art. 752.º, n.º 1 do CPC. </font>
</p><p><font>Conclui pelo </font><i><font>provimento do recurso, anulando-se a decisão anterior, substituindo-a por outra que indefira o pedido dos aqui Recorridos</font></i><font>. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II. Delimitação do objecto do recurso</font>
</p><p><font>1. Questão prévia da invocada existência de uma situação de "dupla conforme" prevista no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil</font>
</p><p><font>Em sede de contra-alegação, vêm os Recorridos arguir, além do mais, a inadmissibilidade da presente revista, dado o Acórdão da Relação de Lisboa ora em crise ter confirmado, sem voto de vencido e sem fundamentação diferente, a decisão proferida em 1ª instância.</font>
</p><p><font>Efetivamente, o artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, estabelecendo o chamado "regime da dupla conforme", dispõe que, </font><i><font>sem prejuízo dos casos em que o recurso de revista é sempre admissível </font></i><font>(cfr. artigo 629º, nº 2, do mesmo diploma), esse recurso não é admitido de um </font><i><font>acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância</font></i><font>, salvo se desse mesmo acórdão for admissível interpor a revista excecional. </font>
</p><p><font>Tal regime caracteriza-se, assim, por excluir um recurso para o STJ que, em princípio, seria admissível, pelo que o que há que determinar é se as decisões das instâncias são conformes. </font>
</p><p><font>Ora, no caso em presença, do enquadramento processual da declaração de executoriedade de decisão estrangeira regulado nos artigos 38º e seguintes do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000 (e que infra, sob o ponto III.2.4. melhor se analisará), decorre que:</font>
</p><p><font>— Em 1ª instância, o processo de declaração de executoriedade é um processo sumário não contraditório, em que a parte requerida não pode apresentar observações, limitando-se o tribunal de 1ª instância a fiscalizar o cumprimento das formalidades exigidas para efeitos da emissão da declaração de executoriedade da decisão estrangeira;</font>
</p><p><font>— E, apenas em 2ª instância, tal processo é (necessariamente) contraditório.</font>
</p><p><font>Assim, apesar da coincidência das decisões das instâncias, quanto à declaração de executoriedade da decisão estrangeira, a revista é admissível, atenta a parcela inovatória do acórdão da Relação de Lisboa, que não se pode ter por compreendida ou incluída na declaração de executoriedade proferida em 1ª instância, dado que, apenas em 2ª instância, teve lugar a apreciação, quer da invocada não verificação das condições das quais depende a atribuição de executoriedade à decisão estrangeira, quer da pretextada verificação de fundamento de recusa de tal atribuição, não sendo, em consequência, aplicável a restrição decorrente da dupla conforme prevista no nº 3 do actual artigo 671º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Do objeto do presente recurso de revista</font>
</p><p><font>No que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635º, nºs. 3 a 5, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>Dentro de tais parâmetros, o objeto do presente recurso de revista abarca as seguintes questões:</font>
</p><p><font> (</font><i><font>i</font></i><font>) Da pretextada inverificação dos pressupostos de declaração de executoriedade do "</font><i><font>arrêt référé</font></i><font>" da 7ª Secção ("</font><i><font>siégeant en matière d´appel de référé</font></i><font>")</font><i><font> </font></i><font>da</font><i><font> Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg</font></i><font> de 13.11.2013 (conclusões recursórias 1ª a 42ª);</font>
</p><p><font>(</font><i><font>ii</font></i><font>) Da invocada manifesta contrariedade da decisão estrangeira com a ordem pública, enquanto fundamento de revogação da atribuição de executoriedade ao acórdão</font><i><font> </font></i><font>da</font><i><font> Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg</font></i><font>, datado de 13.11.2013 (conclusões recursórias 43ª a 51ª);</font>
</p><p><font>(</font><i><font>iii</font></i><font>) Da obrigatoriedade do reenvio prejudicial com o objeto definido sob o ponto 55 das conclusões recursórias, decorrente da existência de dúvidas</font><i><font> </font></i><font>na interpretação do Regulamento (CE) nº 44/2001, no que respeita ao artigo 31º, e, mediatamente, por força deste, quanto ao artigo 38º</font><font> </font><font>(conclusões recursórias 52ª a 55ª);</font>
</p><p><font>(</font><i><font>iv</font></i><font>) Da requerida suspensão da instância do </font><i><font>exequatur</font></i><font>, por interpretação extensiva do disposto no artigo 46º do Regulamento (CE) nº 44/2001(conclusões recursórias 56ª e 57ª).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> III. Fundamentação.</font>
</p><p><font>1. Das ocorrências processuais relevantes</font>
</p><p><font>Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso de revista, destaca-se o seguinte factualismo processual:</font>
</p><p><font>1.1. Em 24.05.2012, os Recorridos instauraram, no "</font><i><font>Tribunal d´Arrondissement</font></i><font>" ("</font><i><font>siégeant en matière de référé</font></i><font>") do Luxemburgo um procedimento de "</font><i><font>référé-provision</font></i><font>", em que formularam, além do mais, o pedido de condenação da Recorrente no pagamento, </font><i><font>a título provisório</font></i><font> ("</font><i><font>par provision</font></i><font>"), da quantia de €3.527.000,00, ao abrigo do disposto no artigo 933º, al. 2, do NCPC. </font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 127-136; 371-380; 387-396)</font>
</p><p><font>1.2. Em 05.07.2012, a Recorrente demandou a seguradora DD, S.A., pedindo que esta se substituísse ao Banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado, ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro, €2.500.000,00.</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 139-142; 383-386)</font>
</p><p><font>1.3. O "</font><i><font>Tribunal d´Arrondissement</font></i><font>" ordenou a apensação da demanda apresentada pela aqui Recorrente ao "</font><i><font>réferé</font></i><font>".</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 125-126; 407)</font>
</p><p><font>1.4. Nos debates realizados a 22.10.2012, Recorrente e DD, S.A. acordaram na suspensão até à conclusão da acção principal interposta pelos aqui Recorridos. </font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 155-156; 399-400)</font>
</p><p><font>1.4. Por decisão ("</font><i><font>ordonnance de référé</font></i><font>") de 30.10.2012, o juiz "</font><i><font>des référés</font></i><font>" declarou inadmissível a pretensão dos ora Recorridos quanto ao pagamento, "</font><i><font>par provision</font></i><font>", da quantia de €3.527.000,00, com base no artigo 933º, al. 2, do NCPC.</font>
</p><p><font>Mais sobrestou na apreciação do pedido de intervenção da DD, S.A., relegando as respectivas alegações para audiência posterior.</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 125-163; 368-407)</font>
</p><p><font>1.5. Em 21.12.2012, os Recorridos interpuseram recurso de apelação para a </font><i><font>Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg</font></i><font>, que, por acórdão ("</font><i><font>arrêt référé</font></i><font>") da 7ª Secção ("</font><i><font>siégeant en matière d´appel de référé</font></i><font>"), de 13.11.2013, considerou parcialmente fundado o recurso, procedendo à reforma da decisão de 30.10.2012, e, em consequência, condenou a Recorrente a pagar, "</font><i><font>par provision</font></i><font>" (a título provisório - a título de provisão), aos Recorridos a quantia de €3.527.000,00, acrescida de juros legais devidos desde 24.05.2012 até efetivo pagamento.</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 13-21)</font>
</p><p><font>1.6. Na fundamentação de facto de tal acórdão de 13.11.2013, consignou-se que, na sequência da ordem de pagamento de 16 de Setembro de 2011, assinada pelo director da sucursal do Luxemburgo, EE, e pelo gestor de conta dos ora Recorridos, FF, o montante de €3.527.000,00 fora transferido da conta dos mesmos para a conta ... pertencente a GG</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 16)</font>
</p><p><font> 1.7. Na fundamentação de direito, a </font><i><font>Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg</font></i><font> considerou que </font><i><font>as contestações da ora Recorrente não podiam ser consideradas sérias</font></i><font> e que a obrigação da Recorrente de restituir aos Recorridos a quantia em litígio de €3.527.000,00 </font><i><font>não era seriamente contestável</font></i><font>. </font>
</p><p><font> (Cfr. fls. 19)</font>
</p><p><font>1.8. Em 22.01.2014, a aqui Recorrente interpôs recurso deste acórdão para a </font><i><font>Cour de Cassation du Grand-Duché de Luxembourg</font></i><font>, que, já na pendência deste processo, por acórdão de 10.07.2014, rejeitou tal recurso.</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 174-192, 450-460)</font>
</p><p><font>1.10. Em 17.05.2013, os aqui Recorridos intentaram a ação principal ("</font><i><font>assignation</font></i><font>" nº 154470) no "Tribunal d´Arrondissement"("</font><i><font>siégeant en matière civile</font></i><font>") contra a aqui Recorrente, pedindo a condenação desta, além do mais, no pagamento da quantia de €3.527.000,00.</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 241-282)</font>
</p><p><font>1.12. A 25.07.2013, a aqui Recorrente suscitou a intervenção da Seguradora DD, S.A. ("</font><i><font>assignation en intervention</font></i><font>" nº ...)</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 283-287)</font>
</p><p><font>1.13. Por despacho de 24.12.2013, foi ordenada a apensação dos dois processos.</font>
</p><p><font> (Cfr. fls. 526)</font>
</p><p><font>1.14. Na ação principal, por decisão proferida a 18.03.2015, foi determinada a suspensão da instância até à conclusão do processo crime iniciado por participação feita pela aqui Recorrente, a 24.10.2011, contra antigos "funcionários" da sucursal do Luxemburgo, entre eles FF, decisão da qual não foi interposto recurso.</font>
</p><p><font>(Cfr. fls. 225; 524-537, 597-598)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Da pretextada inverificação dos requisitos da atribuição de executoriedade ao "</font><i><font>arrêt référé</font></i><font>" da 7ª Secção ("</font><i><font>siégeant en matière d´appel de référé</font></i><font>")</font><i><font> </font></i><font>da</font><i><font> Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxembourg</font></i><font> de 13.11.2013</font>
</p><p><font>2.1. Enquadramento preliminar</font>
</p><p><font>Conforme decorre do precedentemente relatado:</font>
</p><p><font>— Em 24.05.2012, os Recorridos AA, BB e CC instauraram, no "</font><i><font>Tribunal d´Arrondissement</font></i><font>, </font><i><font>siégeant en matière de référé</font></i><font>" do Luxemburgo um procedimento de "</font><i><font>référé</font></i><font>", formulando, além do mais, o pedido de condenação da Recorrente no pagamento, </font><i><font>a título provisório</font></i><font> ("</font><i><font>par provision</font></i><font>"), da quantia de €3.527.000,00, ao abrigo do disposto no artigo 933º, al. 2, do NCPC;</font>
</p><p><font>— Por decisão ("</font><i><font>ordonnance de référé</font></i><font>") de 30.10.2012, o juiz "</font><i><font>des référés</font></i><font>" declarou inadmissível a pretensão dos ora Recorridos quanto ao peticionado pagamento, "</font><i><font>par provision</font></i><font>", da quantia de €3.527.000, | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QDKBu4YBgYBz1XKvaRPY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<b><font>1. AA</font></b><font> e mulher, </font><b><font>BB</font></b><font>, </font><b><font>CC</font></b><font> e mulher, </font><b><font>DD</font></b><font>, e </font><b><font>EE</font></b><font>, intentaram ação comum contra </font><b><font>FF, SA, GG, SA, HH </font></b><font>e mulher, II, JJ e mulher,</font><b><font> </font></b><font>LL, e </font><b><font>MM, Lda,</font></b><font> pedindo que seja:</font><br>
<font>- declarada a nulidade da deliberação de afetação do terraço da cobertura, em exclusivo, à fração designada pela letra “R”, cancelando-se o respetivo registo; </font><br>
<font>- declarada a nulidade da deliberação de aprovação de afetação e conversão do torreão em parte própria da fração “R”, cancelando o respetivo registo;</font><br>
<font>- declarada a nulidade das modificações ao título constitutivo da propriedade horizontal;</font><br>
<font>- condenados os 4ºs e 5ºs réus a reparar os danos provocados com as obras de substituição do elevador.</font><br>
<font> Alegam, em síntese, que:</font><br>
<font>- são todos proprietários de frações autónomas de um prédio sito em Lisboa, constituindo conjuntamente com o Banco ...., a totalidade dos proprietários; </font><br>
<font>- em assembleia de condóminos de 29 de junho de 2010 foi deliberado atribuir o uso exclusivo da parcela de terraço que é comum à fração autónoma propriedade dos 4ºs réus e converter o torreão do edifício em parte própria da mesma fração;</font><br>
<font>- essas deliberações, contrariamente ao que ficou a constar da respetiva ata, não foram aprovadas pela totalidade dos condóminos, uma vez que um dos intervenientes era o locatário financeiro da fração propriedade do referido Banco, não se tendo este feito representar;</font><br>
<font>- para que os autores tomassem a decisão de aprovar as alterações à propriedade horizontal foi determinante a intervenção, na referida assembleia, de uma senhora que os induziu a crer que era a futura compradora da fração dos 4ºs réus, levando-os a crer que essa aprovação era um ato de simpatia para com ela;</font><br>
<font>- as obras que aprovadas como contrapartida da alteração da propriedade horizontal não chegaram a ser integralmente concretizadas e as que foram realizadas para a substituição do elevador causaram danos nas partes comuns;</font><br>
<font>- as deliberações são inválidas seja por anulabilidade com fundamento em erro, seja por verificação do vício da nulidade.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Os Autores requereram a intervenção principal, como seu associado, do Banco ..., S.A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Contestaram os 1º, 2º, 4ºs e 5º RR., sustentando, nomeadamente, a validade das deliberações impugnadas, tendo os 4ºs e 5º RR. excepcionado a ilegitimidade dos Autores, a sua ilegitimidade, a caducidade do direito de ação e o abuso de direito, e pedido a condenação dos Autores como litigantes de má fé por conhecimento da manifesta falta de fundamento da sua pretensão – concluindo pela improcedência da ação e os 1º e 2º R.R. deduziram, ainda, pedido reconvencional.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>3</font></b><font>. Admitida a respetiva intervenção, o Banco ... SA, apresentou articulado, afirmando não ter sido convocado, na qualidade de condómino, para a assembleia em causa.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>4. </font></b><font>Realizou-se a audiência prévia, onde foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido reconvencional, fixado o valor da ação e saneado o processo (julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa, julgada sanada a ilegitimidade passiva e improcedente a caducidade).</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>5.</font></b><font> Efetuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a ação parcialmente procedente, declarando-se:</font><br>
<font>- a nulidade da deliberação obtida na assembleia de condóminos de 29 de julho de 2010 do prédio sito na ... e ..., em Lisboa, de aprovação da afetação, na sua totalidade, do uso do terraço de cobertura desse prédio, em exclusivo, à fração autónoma designada pela letra “R”;</font><br>
<font>- a nulidade da deliberação, obtida na mesma assembleia, de afetação e conversão do torreão do prédio em parte própria da fração autónoma designada pela letra “R”;</font><br>
<font>- a nulidade da alteração do título constitutivo da propriedade horizontal consequente a essas deliberações e ordena-se o cancelamento do respetivo registo, efetuado em 17 de fevereiro de 2012.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, os Réus JJ e LL e MM, Lda. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A Relação de Lisboa veio a julgar improcedentes os recursos de apelação, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, os Réus/Apelantes vieram interpor o presente recurso de revista (que foi liminarmente admitido pela formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil) formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Recorrentes JJ e LL -</font>
</p><p><font>1ª. O acórdão de 17/12/2015 não pode subsistir, pois: </font><br>
<font>a) A escritura de alteração da propriedade horizontal do prédio identificado nos Factos Provados sob o n.º 1, foi outorgada em 16/02/2012, em execução das deliberações de condóminos do prédio </font><u><font>tomadas por unanimidade</font></u><font> em 29/07/2010; </font><br>
<font>b) O voto emitido nessas deliberações, imputável à fracção "I", vale como o acordo por parte daquela fracção à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, pelo menos na relação com os ora Recorrentes; </font><br>
<font>c) Mesmo que não valesse, o vício daí resultante para as deliberações sempre seria a mera anulabilidade, nunca nulidade ou tão pouco ineficácia; </font><br>
<font>d) E, em qualquer caso, à procedência do vício das deliberações (fosse ele de nulidade, anulabilidade ou mesmo ineficácia) sempre obstaria o abuso de direito. </font>
</p><p><font> 2ª. Não obstante O acórdão recorrido haver confirmado, sem votos de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença da 1.ª instância, estão, ainda assim, reunidos os pressupostos para que a presente revista excepcional seja admitida nos termos e com os fundamentos expostos supra nos pontos 3. a 44., o que se requer. </font>
</p><p><font> 3ª. Pressupondo a admissão desta revista excepcional, as questões a resolver neste recurso são as seguintes: </font>
</p><p><font> a) </font><u><font>Pode o locatário financeiro aprovar deliberações de condóminos que alterem o título constitutivo da propriedade horizontal</font></u><font>? </font>
</p><p><font> b) </font><u><font>Toda a deliberação de condóminos que viole o art. 1419º., nº1 (norma imperativa) está inevitavelmente ferida de nulidade</font></u><font>? </font>
</p><p><font> c) </font><u><font>A modificação do título constitutivo da propriedade horizontal. com violação do art. 1419º, nº1, impede o funcionamento do abuso de direito mesmo contra os condóminos que, tácita ou expressamente, aceitaram modificá-lo</font></u><font>? </font>
</p><p><font> 4ª. Em relação à primeira questão, há que começar por dizer que a matéria de facto permite concluir, sem sombra de dúvida, que nas deliberações modificativas do título constitutivo de 29/07/2010, como nas anteriores de 26/05/2009 e 07/07/2009, que tiveram igual propósito, o locatário financeiro sempre foi visto por todos os condóminos e pela administração como quem legitimamente </font><i><font>«representava» </font></i><font>a fracção "I", independentemente de estar a </font><i><font>actuar nome próprio, em nome de outrem </font></i><font>ou </font><i><font>sob </font></i><font>o </font><i><font>nome de outrem. </font></i>
</p><p><font> 5ª. Feita exta contextualização, podemos agora afirmar que, por força do art.10.º, n.º 2, e) do Decreto-Lei 149/95, de 24 de Junho, na sua redacção actual, </font><u><font>é ao locatário financeiro que compete exercer os direitos próprios do locador em relação à fracção autónoma, </font></u><font>tendo este assim legitimidade para aprovar as deliberações em causa, não se verificando qualquer violação do art. 1419º. do Código Civil por ter sido ele a estar na assembleia e não o locador. </font>
</p><p><font> 6ª. Em qualquer caso, e tão importante quanto o que acima ficou dito, a matéria de facto provada demonstra (ainda) uma tolerância absoluta do locador financeiro em relação à representação que em seu nome vinha sendo exercida pelo locatário financeiro da fracção "I", a qual determina que o mesmo esteja vinculado </font><i><font>ab initio </font></i><font>pela deliberação, uma vez que nos termos do art. 334.º constituiria um verdadeiro </font><i><font>venire </font></i><font>contra </font><i><font>factum proprium </font></i><font>pôr posteriormente em causa a representação que sempre tolerou.</font>
</p><p><font>7ª. </font><b><font>Passando para segunda questão objecto do recurso, </font></b><u><font>mesmo que não existisse a apontada representação tolerada. a suposta falta de acordo do BBVA não conduz à nulidade mas a mera anulabilidade das deliberações em causa, como tal inoponível aos 4.ºs Réus pelos Autores.</font></u><font> que careceriam de legitimidade para o efeito. </font>
</p><p><font>8ª. De facto, a entender-se que o acordo do locatário financeiro não teria sido suficiente e que continuaria a ser exigida a autorização do locador financeiro para estas deliberações concretas, tal não afectaria nos termos gerais a validade da representação da fracção </font><i><font>"I" </font></i><font>efectuada pelo locatário financeiro, </font><u><font>havendo nesse caso apenas um abuso de representação. nos termos do art. 269.º, que poderia ser invocado única e exclusivamente pelo BBVA, nunca pelos Autores</font></u><font>. E mesmo pelo BBVA, não poderia sê-lo, como veremos abaixo. </font>
</p><p><font>9ª. </font><u><font>Ainda que se considere que o caso sob análise não configura abuso de representação, insiste-se que o desvalor das deliberações associado à suposta violação da regra da unanimidade do art. 1491.º. n.º 1, nunca poderia ser a nulidade mas a anulabilidade simples, inoponível aos 4.ºs Réus pelos Autores,</font></u><font> que continuariam a carecer de legitimidade para o efeito. </font>
</p><p><font>10ª. A respeito do alegado desvalor das deliberações, o acórdão recorrido denota uma </font><u><font>confusão</font></u><font> manifesta, mas inaceitável, </font><u><font>entre normas imperativas e normas dispositivas,</font></u><font> por um lado, e entre </font><u><font>inderrogabilidade e inviolabilidade,</font></u><font> por outro. Uma leitura do texto de Vasco Lobo Xavier, "Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no projecto de Código das Sociedades", Separata da RLJ, 118.º, 1985, n.º15, que se recomenda, de certeza que teria dissipado a confusão, tal é a clareza da exposição. </font>
</p><p><font>11ª. </font><u><font>Normas imperativas</font></u><font> são aquelas cuja disciplina, atenta a importância dos interesses tutelados (indisponíveis por natureza), se impõe às partes, de forma que nem sequer por acordo destas é possível estabelecer disciplina oposta ou divergente àquelas, ou seja são as também chamadas normas inderrogáveis. Pelo contrário, as </font><u><font>normas dispositivas</font></u><font> são, à partida, as susceptíveis de derrogação pelas partes. </font>
</p><p><font>12ª. O que distingue umas das outras não é o facto de umas não poderem ser violadas (supostamente as imperativas) e outras poderem sê-lo (supostamente as dispositivas). O que as distingue é, como se viu, a susceptibilidade de o respectivo conteúdo (entenda-se, disciplina legal) poder ser afastado, ou não, pois, violável, toda a norma jurídica o pode ser por natureza. </font>
</p><p><font>13ª. Esqueçamos por ora as normas dispositivas e </font><u><font>foquemo-nos apenas nas imperativas, para dizer que a sua derrogação é cominada com a nulidade. Já à mera violação de uma norma, ainda que imperativa, corresponde apenas anulabilidade</font></u><font>. </font>
</p><p><font>14ª. É o conteúdo da norma imperativa que justifica a diferença do desvalor do acto que a viola. A norma imperativa não visa proteger apenas os interesses das partes actuais, mas também das partes futuras, de terceiros e o interesse público em sentido estrito. É neste contexto que foi acolhido na doutrina, na jurisprudência e na lei o princípio de que </font><i><font>"só há nulidade </font></i><font>(...) </font><i><font>quando a contrariedade a normas imperativas se traduz no conteúdo </font></i><font>- </font><i><font>e não no procedimento, no modo ou processo de formação </font></i><font>- </font><i><font>das deliberações." </font></i>
</p><p><font>15ª. É por este motivo que não tem razão o acórdão recorrido, a qual se limitou a dizer simplesmente que as deliberações de 29/07/2010 são nulas porque alegadamente violaram o art. 1419.º, n.º1 (norma indubitavelmente imperativa), sem atender também ao modo como a violação se teria configurado. </font>
</p><p><font>16ª. Não tendo as deliberações, supostamente inquinadas, afastado com carácter de permanência a disciplina do art. 1419.º, n.º1, é inquestionável que, na hipótese em apreço, a ofensa daquele </font><i><font>"preceito imperativo, </font></i><font>só </font><i><font>afecta interesses (e interesses disponíveis) daqueles que no momento" </font></i><font>da aprovação da deliberação eram condóminos, </font><i><font>"interesses, portanto, que, por via de regra (e é </font></i><font>o </font><i><font>que sucede aqui) tais" </font></i><font>condóminos "perfeitamente podem defender através de acção anulatória". </font>
</p><p><font>17ª. Assentemos na terminologia que as </font><u><font>deliberações que derrogam preceitos de natureza imperativa são nulas</font></u><font>. </font><u><font>Já as que apenas violam tais preceitos, sem os derrogar, são meramente anuláveis</font></u><font>.</font>
</p><p><font>18ª. Podemos assim concluir que o vício resultante da pretensa falta de acordo do BBVA não é susceptível de ser impugnado nos termos gerais do art. 286º, nem tão pouco do art. 287º., pois, não obstante ser um caso de anulabilidade (e não de nulidade) é aqui aplicável - ao abrigo da ressalva inicial do art. 285º. - o regime especial de anulabilidade previsto no art. 1433º, nº1, obviamente temperado pela regra prevista no art.178º, nº2, cuja aplicação analógica nestes casos não oferece qualquer dúvida, até em coerência com o disposto no art.380º., nº.3 do CPC, aplicável na propriedade horizontal por remissão do 1433º., nº5.</font>
</p><p><font>19ª. Abordada a questão por estas duas perspectivas (a da representação aparente e da existência, quando muito, de mera anulabilidade), sempre se conclui que os Autores que, em qualquer caso, aprovaram livremente as deliberações visadas - carecem de legitimidade para impugná-Ias com fundamento na falta de acordo do BBVA. </font>
</p><p><font>20ª. Cumpre referir ainda que não se coloca qualquer dúvida quanto à </font><u><font>licitude do conteúdo das deliberações de 29/07/2010,</font></u><font> designadamente não lhe é apontada a derrogação de nenhuma das normas imperativas habitualmente indicadas pela doutrina e jurisprudência como geradoras de nulidade, </font><i><font>máxime </font></i><font>o art.1415.º. </font>
</p><p><font>21ª. Por outro lado, </font><u><font>a interpretação das normas acolhida pelo tribunal </font></u><i><u><font>a QUO</font></u></i><font> - segundo a qual violação do art.1419.º, n.º1, mesmo quando é meramente procedimental, acarreta a nulidade da deliberação nos termos gerais dos arts. 286.º e 294.º, arguível por qualquer interessado e até suscitável oficiosamente pelo tribunal; ao passo que a violação do art.1415.º, por sinal muito mais gravosa dado estarem em causa interesses indubitavelmente de ordem pública, apenas poderia ser arguida pelos condóminos e pelo Ministério Público - </font><u><font>choca frontalmente com a presunção prevista no art. 9.º. n.º 3. pelo que não poderia deixar de ser julgada errada</font></u><font>. </font>
</p><p><font>22ª. </font><u><font>Mesmo no que respeita ao direito de o ... opor aos Autores a suposta falta do seu acordo,</font></u><font> repete-se que, quando muito, há apenas um </font><u><font>abuso de representação, nos termos do art. 269.º, que teria de ser invocado pelo banco</font></u><font> para considerar o negócio ineficaz em relação a si e </font><u><font>apenas perante os outros condóminos junto dos quais o locatário exerceu o voto, isto se estes conhecessem ou devessem conhecer tal abuso de representação,</font></u><font> o que não sucedeu como se infere e resulta claramente da factualidade provada. </font>
</p><p><font>23ª.Quanto aos 4ºs. Réus, não sendo eles os declaratários do voto emitido pelo locatário, porque não eram condóminos à data das deliberações, nem sequer se coloca a questão da oponibilidade da ineficácia resultante do abuso de representação. Os 4ºs Réus não tinham, por isso mesmo, qualquer forma de conhecer o abuso, nem estavam obrigados a tal. </font>
</p><p><font>24ª. Por outro lado, considerando que, segundo o banco declarou em tribunal e se infere do seu comportamento antes e depois de tomar conhecimento das deliberações, a declaração de nulidade era-lhe mais ou menos indiferente, pois aquelas não lhe causaram qualquer impacto nem representam risco para o seu negócio, é forçoso concluir que </font><u><font>sempre faltaria ao ... um pressuposto essencial para as poder impugnar, o chamado </font></u><i><u><font>interesse em agir</font></u></i><i><font>. </font></i>
</p><p><font>25ª. Em qualquer caso, </font><u><font>o eventual direito de o ... impugnar as deliberações (fosse o vício de anulabilidade ou ineficácia, não importa para aqui), já teria caducado à data em que interveio nos autos,</font></u><font> seja à luz das regras especiais do art.1433º., ainda que mitigadas pelo art.178º. (aplicável às deliberações de condóminos por analogia), seja nos termos gerais do 287º., que já vimos não serem aplicáveis ao caso. Aliás, é a própria letra do art.1433, nº. 2, </font><i><font>in fine ("para revogação das deliberações inválidas e ineficazes") </font></i><font>que aponta claramente no sentido de que também as deliberações ineficazes estão sujeitas ao mecanismo e prazos de impugnação estabelecidos no art.1433º.. </font>
</p><p><font>26ª. </font><b><font>Por último, abordando a terceira questão que há conhecer neste recurso, </font></b><u><font>a eventual invalidade das deliberações ou a sua ineficácia em relação ao locador financeiro nunca seriam oponíveis aos 4ºs Réus, uma vez que estes são terceiros de boa fé protegidos pela figura do abuso de direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font>27ª. Sem prejuízo de a alegada falta de acordo do ... poder configurar, pelo menos em teoria, um caso de abuso de representação do locatário financeiro (art.269º.) ou, quando assim não se entenda, de mera violação da regra da unanimidade (art.1419º., nº.2), a conclusão a que se chega, vista a questão pelos dois ângulos, é sempre a mesma: a anulação ou declaração de ineficácia das deliberações não pode prejudicar os direitos que terceiros de boa fé hajam adquirido em execução das citadas deliberações (cfr. arts. 269º. e 179º., aplicável por analogia no âmbito das deliberações de condóminos). </font>
</p><p><font>28ª. Em cima de tudo de isto e, porventura, é aqui que o acórdão recorrido pior andou, não se pode deixar de considerar que a declaração de invalidade ou de ineficácia das deliberações de 29/07/2010 sempre seria ilegítima por corresponder ao exercício de direitos em termos que excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé, constituindo violação grosseira do princípio da protecção da legítima confiança dos 4º.s Réus. </font>
</p><p><font>29ª. A factualidade provada demonstrada inequivocamente que os condóminos Autores deram o seu acordo expresso à alteração do título constitutivo, votando favoravelmente as deliberações de 29/07/2010 e assinando a respectiva acta.</font>
</p><p><font>30ª. Demonstra ainda que os Autores reconheceram ao longo de anos a qualidade de condómino ao locatário financeiro. Recorde-se que, em 27/01/2012, apenas seis meses antes de porem essa qualidade em causa junto dos tribunais, os Autores assinaram, em conjunto com o locatário financeiro, uma carta dirigida à administração do prédio, em que comunicavam que </font><i><font>"os signatários, que na reunião de </font></i><font>29 </font><i><font>de Julho de 2010 concederam poderes </font></i><font>à </font><i><font>Dra. NN para proceder </font></i><font>à </font><i><font>alteração do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, decidiram agora retirar-lhe esses mesmos poderes".</font></i>
</p><p><font>31ª. Com a sua actuação, os Autores criaram junto dos outros condóminos e dos terceiros que tiveram acesso à acta em questão, designadamente os 4º.s Réus, uma justificada confiança e investimento na validade das deliberações, o qual se traduziu em gastos consideráveis (não só com a aquisição e reabilitação da fracção "R", mas também com avultadas contrapartidas acordadas e já entregues ao condomínio e ainda com as dispendiosas obras que os 4º.s Réus executaram nas partes comuns do edifício à sua única custa e que em muito melhoraram o prédio), pelo que agora estão impedidos, em virtude da proibição do </font><i><font>venire </font></i><font>contra </font><i><font>factum proprium </font></i><font>pelo art. 334º., de solicitar agora a anulação dessas deliberações. </font>
</p><p><font>32ª. No caso particular do BBVA, a indiferença perante os assuntos do condomínio, a tolerância para com a actuação do seu locatário e a falta de reacção atempada perante o conhecimento das deliberações em causa, leva-nos mesmo a poder dizer que, fruto da situação de confiança para a qual contribuiu largamente, o banco perdeu o direito a impugnar as deliberações </font><i><font>(supressio) </font></i><font>e os 4º.s Réus, por contraposição, adquiriram o direito a oporem-se à sua impugnação pelo Banco com fundamento na violação da regra da unanimidade </font><i><font>(surrectio). </font></i>
</p><p><font>33ª.</font><i><font> </font></i><font>Em suma, o acórdão recorrido conduziu a um resultado manifestamente injusto, permitindo que os Autores, sem benefícios assinaláveis, se prevaleçam de uma situação para a qual também contribuíram, ao aprovarem as deliberações declaradas nulas, isto em grave prejuízo dos ora Recorrentes, que, de boa fé, adquiriram direitos sobre a fracção "R" por 375 mil euros, no pressuposto de que tinha a composição resultante das aludidas deliberações, e ali investiram várias centenas de milhares de euros, quer na reabilitação da casa propriamente dita, quer na reabilitação das partes comuns do edifício (cobertura do torreão e terraço de cobertura), partes onde já despenderam pelo menos 140 mil euros. </font>
</p><p><font>Conclui pela procedência do recurso</font><i><font>, </font></i><font>com a revogação do “Acórdão recorrido e a sua substituição por outro que, com base nas razões de direito atrás expostas, julgue improcedente a ação.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Recorrente MM, Lda. –</font>
</p><p><font>1ª. A locação financeira é um contrato de financiamento em que a propriedade da fração "I" pelo locador financeiro tem uma função de garantia do cumprimento das obrigações contratuais do locatário, pelo que a medida em que o conteúdo do direito de propriedade do locador pode ser modelado pelo ato de modificação da propriedade horizontal deve ser apreciada à luz da natureza garantística e das concretas alterações do título constitutivo da propriedade horizontal. </font>
</p><p><font>2ª. As alterações à propriedade horizontal deliberadas na assembleia de 29 de Julho de 2010 não importaram a alteração da composição da fração "I" ou da sua permilagem e tiveram como contrapartida uma redução dos custos de conservação e manutenção do torreão e do terraço que anteriormente estavam a cargo do condomínio, não sendo, por isso, suscetíveis de condicionar o valor da fração ou aptidão para o fim a que se destina, conforme foi comprovado pelo banco ..., que depois de tomar conhecimento das deliberações fez uma avaliação do risco dessas alterações e concluiu que não tinha qualquer impacto no seu direito de proprietário jurídico enquanto locador financeiro. </font>
</p><p><font>3ª. A concreta alteração do título constitutivo de propriedade horizontal, consignada nas deliberações aprovadas na assembleia de condóminos de 29 de Julho de 2010, não corresponde a direito que, pela sua natureza, só pode ser exercido pelo locador, enquanto proprietário jurídico da coisa, estando também ao alcance do locatário financeiro. </font>
</p><p><font>4ª. Assistia ao locatário financeiro o direito de participar e votar na assembleia de 29 de Julho de 2010, aprovando as deliberações nela tomadas e garantindo a unanimidade exigida pelo artigo 1419º, nº 1, do CC. </font>
</p><p><font>5ª. A falsidade da ata sustentada pela sentença recorrida - ao dar como presente na assembleia, para efeitos da unanimidade requerida pela lei, um representante do proprietário da fração sob a letra "I", quando resultou provado que quem esteve presente por parte desta fração foi o locatário financeiro do imóvel - não comporta a invalidade das deliberações e, consequentemente, da modificação da propriedade horizontal, porque materialmente não lhe corresponde a preterição da unanimidade dos condóminos, pelo que o vício da ata não se transmitiu à escritura pública de modificação da propriedade horizontal. </font>
</p><p><font>Ainda que assim não se entenda, e que vingue a tese sustentada pela sentença recorrida da nulidade (ou anulabilidade) das deliberações e da escritura de modificação da propriedade horizontal, </font>
</p><p><font>6ª. Resulta dos pontos 19, 32 e 33 dos factos provados que o Dr. OO apresentou-se nas assembleias de condóminos de 26 de Maio de 2009, 7 de Julho de 2009 e 29 de Julho de 2010 como o legítimo representante da fração "I", tendo votado e aprovado, em todas elas, em nome próprio da sociedade locatária financeira que representava, modificações à propriedade horizontal. </font>
</p><p><font>7ª. A legitimidade e poderes do Dr. OO para intervir nas ditas assembleias nunca foi posta em causa por nenhum dos restantes condóminos ou pela administração do condomínio, criando em todos - recorrente, quartos réus e administradora do condomínio que viria a outorgar, em cumprimento das deliberações tomadas e em representação do condomínio, a escritura de modificação do título constitutivo da propriedade horizontal - a convicção de que a sua participação através do exercício do direito de voto era perfeitamente válida e eficaz. </font>
</p><p><font>8ª. A circunstância de a relevância e efeitos da figura da representação aparente serem menos amplas e intensas no domínio do direito civil, relativamente ao que ocorre em direito comercial, não significa que não possam verificar-se situações excepcionais em que a tutela da fundada confiança do terceiro de boa fé na existência de poderes representativos de quem outorgou no negócio imponha a vinculação do próprio representado aos efeitos do acto - como ocorrerá, nomeadamente quando a desprotecção do terceiro traduzisse uma insuportável lesão da confiança, incompatível com os ditames da boa fé e com a proscrição do abuso de direito, decorrente da simultânea existência de uma muito fundada aparência de poderes representativos e de uma reprovável negligência do representado na criação dessa mesma aparência fundada. </font>
</p><p><font>9ª. No caso dos autos, o Dr. OO aparentava razoavelmente ter poderes para representar a fração "I", criando, fundadamente, na recorrente, nos quartos réus e na administradora do condomínio - de boa fé - uma situação de fundada confiança na sua legitimação substancial, que os levou a cumprir as contrapartidas previstas nas deliberações de 29 de Julho de 2010 (no caso da recorrente), efectuar um elevadíssimo investimento com a aquisição da fração "R" e recuperação da totalidade do terraço de cobertura e torreão do prédio, com vista à sua afectação e integração na fração "R" (no caso dos quartos réus) e outorgar a escritura de alteração da propriedade horizontal (no caso da administradora do condomínio). </font>
</p><p><font>10ª. A ilegalidade procedimental cometida - traduzida na falta de poderes de representação do banco para participar e voltar na assembleia de 29 de Julho de 2010, de acordo com a tese do Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>- é primacialmente imputável à falta de diligência do próprio ..., no controlo da actividade do locador financeiro, criando justificadamente tal omissão, na pessoa da recorrente, dos quartos réus e da administradora do condomínio, uma muito fundada e consistente aparência de poderes representativos por parte do Dr. OO. </font>
</p><p><font>11ª. As necessidades de tutela da confiança determinam, pois, a sujeição do pretenso representado ... - aos efeitos do acto praticado a coberto dos aparentes poderes de representação - as deliberações em crise nos autos -, pois não seria proporcional e adequado fazer repercutir todas as consequências da referida ilegalidade procedimental exclusivamente sobre a esfera jurídica da recorrente e dos quartos réus, terceiros de boa fé, que confiaram justificadamente na legitimação substancial de quem lhes foi apresentado como detentor da qualidade de representante da fração </font>
</p><p><font>12ª. O comportamento dos autores consubstancia abuso de direito procedente contra a invalidade das deliberações, na modalidade de </font><i><font>venire contra factum proprium, </font></i><font>que se traduz, no caso do ..., no facto de ter tolerado a representação do Dr. OO nas assembleias de condóminos realizadas nos termos atrás descritos e, no caso dos restantes recorridos, no facto de terem votado, de modo esclarecido e consciente, favoravelmente às alterações da propriedade horizontal, mediante contrapartidas que já foram integralmente cumpridas, conduzindo a recorrente a suportar o respectivo custo e os quartos réus a adquirir a fração "R" e a realizar elevado investimento em partes comuns do edifício, vindo agora, através da presente acção, peticionar a invalidade (seja por anulabilidade seja por nulidade) das deliberações que aprovaram. </font>
</p><p><font>13ª. A ora recorrente e os quartos réus agiram sempre de boa fé, pelo que a invalidade das deliberações nunca poderia prevalecer sobre os direitos adquiridos com base numa legítima e fundada confiança criada pelo comportamento do ..., dos restantes recorridos que, independentemente de qualquer ilegalidade procedimental, aprovaram conscientemente as deliberações em crise, e do Dr. OO, na qualidade de gerente da locatária financeira, merecendo tal confiança tutela e não lhe sendo, por isso, oponível qualquer eventual invalidade das deliberações. </font>
</p><p><font>14ª. Porque o próprio ..., com a posição assumida nos autos, atua em abuso de direito, falece o argumento da sentença recorrida quando sustenta que não se pode julgar procedente o abuso de direito dos autores sobre o seu direito a invocar a nulidade das deliberações, porque a essa nulidade serve primacialmente os interesses do interveniente principal ... e de outro modo ficaria proscrito o próprio direito do banco a arguir a invalidade das deliberações. </font>
</p><p><font>15ª. A sentença recorrida e consequentemente o acórdão recorrido enfermam de erro de julgamento, quanto ao enquadramento jurídico dos factos considerados provados, violando frontalmente os artigos 334º., 284º. e 1419º, nº.1 do CC e o artigo 10º., nº. 2, alínea e) do regime jurídico da locação financeira, aprovado pelo DL nº.149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo DL nº. 30/2008, de 25 de Fevereiro | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jzJ7u4YBgYBz1XKvcA-n | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<b><font> </font></b><div><b><font>ACÓRDÃO</font></b></div><font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>1. AA </font></b><font>intentou contra a </font><b><font>BB </font></b><font>uma ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a:</font><br>
<font>- reconhecer o seu direito de propriedade sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3° da petição;</font><br>
<font>- pagar-lhe o seu valor que a título de capital era de €196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), em 01.09.2015; </font><br>
<font>- pagar-lhe os juros de mora vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.</font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- É a única herdeira dos pais, falecidos respetivamente em ....1997 e em ....2003;</font>
</p><p><font>- Somente em 01.05.2015 é que a Autora tomou conhecimento de que a sua mãe era dona e titular dos certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3° da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de €135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos);</font>
</p><p><font>- No dia 11.06.2015, a Autora reclamou o reembolso do valor dos certificados junto dos serviços da Ré, que o recusaram com fundamento na prescrição, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré veio contestar, por exceção e por impugnação, invocando a exceção perentória da prescrição do direito ao reembolso dos certificados de aforro, que é de dez anos a contar da morte do aforrista, nos termos do artigo 7° do Decreto-Lei n° 172-B/86, de 30/06, na alteração introduzida pelo Decreto-Lei n° 122/2002, de 04/05 e impugnou os factos concretos invocados pela A. (na pi.) tendentes a justificar por que motivo desconhecia, à data do falecimento dos seus pais, a existência dos certificados de aforro de que sua mãe era titular e legítima proprietária, só tendo deles tomado conhecimento em 1.01-2015 e que o IGCP, desde (pelo menos) janeiro de 1997 e até setembro de 2001, enviou para a morada registada no sistema - que era a única de que dispunha - extratos da conta aforro com uma periodicidade semestral e, a partir de setembro de 2001, extratos mensais, o que fez até maio de 2012, data em que tomou conhecimento do óbito da aforrista, não tendo, ao longo dos anos, nenhuma dessas cartas vindo devolvida pelos CTT.</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. A A Autora respondeu</font><b><font> </font></b><font>(na Audiência prévia realizada em 23.02.2016) à matéria da exceção deduzida pela Ré.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Findos os articulados, o processo foi saneado - tendo-se relegado para a sentença a apreciação do mérito da exceção perentória de prescrição arguida pela Ré (por se ter entendido que o estado dos autos não permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, designadamente, quanto à apreciação daquela exceção), definiu-se o objeto do litígio e selecionaram-se os factos já considerados assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e os que - por se mostrarem ainda controvertidos - foram incluídos nos temas de prova.</font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que</font><b><font> </font></b><font>com o seguinte teor decisório:</font>
</p><p><font>«Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente por provada na íntegra e consequentemente condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3º da petição e a pagar-lhe o correspondente valor de € 196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos desde 01.09.2015 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.</font>
</p><p><font>Custas a cargo do réu (artº 527º./1/2 do C.P.C.).»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>6. </font></b><font>Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><b><font> 7. </font></b><font>A Relação de Lisboa veio a julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmou integralmente a sentença recorrida.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, o Réu veio interpor recurso de revista excecional, tendo a Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil admitido o recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. Em face de tudo o que acima se expôs, entende o Recorrente que o entendimento vertido no acórdão do TRL ora recorrido deve ser alterado no sentido da interpretação do acórdão-fundamento desse douto STJ, determinando-se em consonância quer o prazo de prescrição aplicável aos certificados de aforro, nos termos do disposto no artº7º do Decreto – Lei nº172-B/86, de 30 de junho, em conjugação com o disposto no artigo 306º do CC, se inicia com o óbito do aforrista, independentemente de qualquer conhecimento (desconhecimento) dos herdeiros, e só se suspende ou interrompe nos termos definidos no código civil.</font>
</p><p><font>2ª. Não obstante, deve, ainda, determinar-se que as normas legais que impõem aos herdeiros a obtenção de conhecimento sobre a existência de certificados de aforro do falecido decorrem dos artigos 26º e 28º do Código de Imposto de Selo e que a prestação de informações pelo IGCP sobre certificados de aforro – que são bens escriturais, nominativos, reembolsáveis e apenas transmissíveis por morte – não se iniciou com a publicação do Decreto – Lei nº47/2008, de 13 de junho e a instituição do designado “Registo Central de Certificados de Aforro”, antes pelo contrário, sempre foi possível desde a criação destes produtos financeiros em 1960.</font>
</p><p><font>E conclui que deve ser decretada procedente “a exceção perentória de prescrição do direito da Autora e, consequentemente, revogar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido”.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>A Recorrida veio contra-alegar</font><b><font>, </font></b><font>apresentando as seguintes (transcritas) conclusões (excluídas as conclusões relacionadas com a admissão do recurso):</font>
</p><p><font>1ª. A questão a decidir, pelo TRL, era desde quando é contado o prazo de 10 anos para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que a compõem. </font>
</p><p><font>2ª. Analisada a questão, o douto acórdão recorrido conclui que </font><i><font>"0 termo inicial do prazo para a extinção de direitos consagrada no nº </font></i><font>2 </font><i><font>do artº. </font></i><font>7.º </font><i><font>do Decreto- Lei n.º </font></i><font>172-B/86, </font><i><font>de </font></i><font>30 </font><i><font>de junho dependia do conhecimento do óbito </font></i><font>e </font><i><font>da existência dos certificados de aforro", </font></i><font>considerando ainda que a orientação jurisprudencial adotada pelo douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/11/2005 se mantinha válida.</font>
</p><p><font>3ª. No entanto, a Recorrente continua a defender que o prazo de prescrição dos certificados de aforro, no caso de óbito do titular, começa a correr a partir do decesso, independentemente do seu conhecimento pelos herdeiros, contrariando, assim, e mais uma vez, a fundamentação expandida na douta sentença proferida na lª. Instância e confirmada pelo douto acórdão do TRL.</font>
</p><p><font>4ª. Tendo em conta que lhe estava vedado o recurso de revista em virtude da "dupla conforme" prevista no art.º 671.º, n.º 3 do CPC, veio a Recorrente alegar que há contradição entre dois acórdãos, o recorrido e o proferido pelo Venerando STJ em 22/09/2016, pois este efetuou uma interpretação contrária na matéria porque determinou que o inicio do prazo de prescrição, conforme decorre do art.º 306.º do Código Civil corre </font><i><font>" ... independentemente do conhecimento que disso possa ter </font></i><font>o </font><i><font>respetivo credor ... </font></i><font>". </font>
</p><p><font>5ª. Ora à Recorrente não assiste qualquer razão. </font>
</p><p><font>6ª.</font><b><font> </font></b><font>É letra de lei expressa, que "o </font><i><font>prazo de prescrição começa a correr quando </font></i><font>o </font><i><font>direito puder ser exercido" </font></i><font>(cfr. n.º 1 do artº. 306.º do Código Civil), ou seja, enquanto o titular do direito não tem conhecimento da sua existência, não começa a correr o prazo de prescrição. </font>
</p><p><font>7ª.</font><b><font> </font></b><font>Constituindo a prescrição um facto extintivo do direito, esta está diretamente ligada à inércia do respetivo titular em fazer valer o seu direito, como se de uma sanção se tratasse, pelo não exercício atempado do mesmo; assim, não se pode afirmar que há negligência por parte do titular de um direito em exercê-lo quando ele o não pode fazer valer por causas objetivas. </font>
</p><p><font>8ª.</font><b><font> </font></b><font>Os direitos que o n.º 1 do art.º 7.º do Regime Jurídico dos Certificados de Aforro reconhece, eram exercitáveis desde a morte do subscritor dos certificados de aforro, a qual ocorreu em 19/11/2003; porém, não se pode iniciar contagem do prazo prescricional, nos termos do art.º 306.º do Código Civil, até à descoberta dos certificados de aforro em questão, descoberta esta que só ocorreu por parte da Autora/Recorrida em 01 de maio de 2015, desconhecendo, e conforme já "provado" sem culpa, a sua existência até então. </font>
</p><p><font>9ª.</font><b><font> </font></b><font>Por outro lado, a Recorrente considera que a Recorrida não cumpriu corretamente as obrigações legais de participação e de relacionar os bens por óbito desta, bem como de solicitar ao IGCP a respetiva certidão sobre a existência de certificados de aforro, diligências que lhe competiam enquanto herdeira. </font>
</p><p><font>10ª. Para tal considera que além de os herdeiros terem ao seu dispor o registo central, criado pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, que aditou ao Decreto-Lei nº122/2002, de 04 de Maio o artº. 9.º A, alega que o herdeiro estava obrigado a participar os bens e a relacionar os mesmos por morte do progenitor, nos termos do disposto no art.º 26.º do Código do Imposto de Selo (CIS); mais, alega que se o herdeiro cumprir esta disposição legal terá de pedir ao IGCP uma certidão que titule a existência de certificados de aforro e, então, tomará conhecimento dos mesmos. </font>
</p><p><font>11ª. Também aqui não assiste razão, porque a Recorrida não podia, em dezembro de 2003, data da participação do óbito da sua mãe às finanças, recorrer ao Registo Central de Certificados de Aforro porque este apenas foi criado pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março, ou seja, mais de 4 anos depois da morte da aforrista.</font>
</p><p><font>12ª. Por outro lado, aquando do óbito da aforrista em 19/11/2003 e consequente participação em 17/12/2003, pela ora Recorrida, às finanças, o Código do Imposto de Selo (criado pelo DL n.º287/2003, de 12 de novembro e entrou em vigor em 01 de janeiro de 2004) não se encontrava em vigor; a legislação aplicável, à data, era o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações e não o CIS. </font>
</p><p><font>13ª. Assim, o art.º 26.º do CIS não estava em vigor, assim como não estava em vigor o modelo oficial de participação referido no n.º 2 do mesmo artigo e que consta da Portaria n.º 895/2004, de 22 de julho, portaria esta, à data, ainda inexistente. </font>
</p><p><font>14ª. Sem dúvida que a participação do óbito e apresentação da relação de bens às finanças pelos herdeiros de um </font><i><font>de cujus </font></i><font>é, e sempre foi, obrigatória e já constava do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre Sucessões e Doações, mas, tais obrigações foram integralmente cumpridas pela Recorrida no que respeita ao óbito da sua mãe, conforme documentos juntos aos autos em 1.ª Instância. </font>
</p><p><font>15ª. Por outro lado, é pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que o titular do direito o conhece. </font>
</p><p><font>16ª. Recorrendo apenas às mais recentes decisões e tendo em conta os doutos acórdãos proferidos no âmbito de processos em que foi discutido o momento em que os herdeiros podiam efetivamente reclamar o resgate dos certificados de aforro, indicamos, a título de exemplo os seguintes: </font><i><font>Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de </font></i><font>14 </font><i><font>de Dezembro de </font></i><font>2006, </font><i><font>no âmbito do processo com </font></i><font>o </font><i><font>n.</font></i><i><sup><font>9</font></sup></i><i><font> 8477/2006-8; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de </font></i><font>01 </font><i><font>de Outubro de </font></i><font>2015, </font><i><font>no âmbito do processo </font></i><font>com o </font><i><font>nº. </font></i><font>0619/15; </font><i><font>Sentença do Tribunal Administrativo Central de Lisboa </font></i><font>e </font><i><font>Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de </font></i><font>12 </font><i><font>de Março de </font></i><font>2015, </font><i><font>no âmbito do processo com </font></i><font>o </font><i><font>nº 11913/15; </font></i>
</p><p><font>17ª. Segundo este último acórdão, dúvidas não restam de que “o </font><i><font>prazo de prescrição do direito dos herdeiros à transmissão para seu nome dos certificados de aforro </font></i><font>é </font><i><font>contado a partir da data em estes que tiveram conhecimento da existência dos certificados e não a partir da data do falecimento do titular aforrador.... Razão pela qual só a partir do momento em que </font></i><font>o </font><i><font>herdeiro tome conhecimento da existência de certificados de aforro subscritos pelo autor da herança </font></i><font>é </font><i><font>que se inicia a contagem do prazo que a lei estabelece para que possa exigir a sua transmissão para seu nome". </font></i>
</p><p><font>18ª. Mais recentemente, o douto </font><i><font>Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de </font></i><font>14 </font><i><font>de Setembro de </font></i><font>2017, </font><i><font>no âmbito do processo com </font></i><font>o </font><i><font>n.º </font></i><font>16519/15, que estabeleceu que enquanto os herdeiros não tenham conhecimento dos investimentos financeiros da pessoa falecida, o prazo de prescrição não se pode iniciar.</font>
</p><p><font>19ª. Assim, dúvidas não restam de que a jurisprudência recente "confirma" a decisão do douto acórdão recorrido, sendo certo que o douto acórdão-fundamento não está em desacordo com a interpretação dada ao art.s 306.</font><sup><font>º</font></sup><font> do Código Civil uma vez que não existem aspetos de identidade com o acórdão recorrido, pois não existe a "exigível" identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.</font>
</p><p><font>20ª. Além de não existir a "exigível" identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação, a Recorrente nem se quer a alega concretamente (cfr. pontos XXIV e XXIV e ponto XXVIII das alegações de recurso). </font>
</p><p><font>21ª. Em momento algum das suas alegações, a Recorrente alega o objeto do litígio e a questão concreta a resolver e que está subjacente a cada um dos acórdãos que afirma estarem em contradição e cuja alegação é o objeto do presente recurso de revista excecional. </font>
</p><p><font>22ª. Assim, a Recorrente não cumpriu o ónus que lhe é imposto pela alínea c) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC., tendo omitido a completa e relevante referência aos quadros factuais dos dois acórdãos em que existem qualificações jurídicas alegadamente inconciliáveis.</font>
</p><p><font>23ª. A verdade é que a base factual que deu origem à decisão do acórdão-fundamento não tem qualquer relação com certificados de aforro, nos termos do disposto no art.º 7.º do DL n.º 172-B/86, de 30 de junho, pelo que não pode o mesmo, só porque também se decide sobre a prescrição referida no artº. 306.º do CC, aplicar-se ao caso dos presentes autos alterando, por si só, a decisão do douto acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>Conclui pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verifica a exceção de prescrição do direito da Recorrida.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><b><font>1.1. </font></b><font>No dia 19.11.2003, faleceu AA, no estado de viúva de CC, cujo óbito ocorreu em ....1997.</font>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>A autora foi habilitada como única herdeira de AA e de CC, seus pais.</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> À data do óbito, AA era titular dos nove certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3° da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de €135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos).</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> A mãe da autora, viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de CC não mencionou os certificados de aforro objeto dos autos na relação de bens junta como documento n° 14 apresentada em 04.08.1997.</font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Após o óbito da mãe, a autora instaurou no Serviço de Finanças da ..., em 17.12.2003, o processo de imposto sucessório junto como documento n° 13 com o n° 12026, que se encontra liquidado e arquivado.</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Na respetiva relação de bens, a autora não mencionou os certificados de aforro identificados na alínea C) – 1.3. -, que não constavam igualmente da relação de bens que foi apresentada pela viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de CC.</font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> O réu enviou para a morada registada no sistema — Rua ..., entre janeiro de 1997 e setembro de 2001, extratos da conta aforro com uma periodicidade semestral e a partir dessa data extratos trimestrais, até maio de 2012, data em que o réu tomou conhecimento do óbito da aforrista.</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> O óbito da mãe da autora, em 19.11.2003, chegou ao conhecimento do réu após informação transmitida pelo Instituto de Registo e Notariado em meados de 2012.</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Com base nesta informação, no dia 09.05.2012, a conta aforro da mãe da autora foi imobilizada.</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> O réu enviou para a morada registada no sistema — Rua ..., a carta registada com aviso de receção, junta como documento n° 7, dirigida aos herdeiros da falecida aforrista alertando para o prazo de prescrição que iria ocorrer no dia 19.11.2013.</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> A aludida carta foi devolvida em 26.09.2013 ao réu, com a indicação de não ter sido reclamada.</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Nesta ocasião, o réu recebeu a devolução da referida carta e o registo junto como documento oito, datado de 26.09.2013, com a indicação de não reclamada.</font>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> A residência da mãe da autora e identificada na alínea G) da Matéria de Facto Assente foi vendida no segundo semestre do ano de 2008, nomeadamente em 2 de Outubro de 2008, conforme escritura de compra e venda de fls. 84 a 89 lavrada pelo Cartório da Notária ... em Lisboa.</font>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> A mãe da autora entregou à sua irmã, DD, os nove certificados de aforro identificados na alínea C), informando-a que a filha (ora autora) deles não tinha conhecimento, apesar de a ter colocado como pessoa autorizada a movimentá-los.</font>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> Na altura, pediu-lhe que os entregasse à filha no ano em que completasse cinquenta anos de idade, como prenda de aniversário.</font>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> A tia da autora, DD, cumpriu a promessa e, no dia 01.05.2015, entregou à sobrinha (a ora autora) os referidos certificados de aforro,</font>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Quando esta a visitou, num fim de semana prolongado, em ....</font>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Muito feliz com a revelação, a autora trouxe consigo os certificados de aforro e no dia 11.06.2015 dirigiu-se às instalações do réu onde solicitou o reembolso do correspondente valor.</font>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> Tal pedido foi verbalmente recusado, e por carta de 26.08.2015, com o fundamento de que tinham prescrito, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.</font>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> A autora é mencionada na qualidade de movimentadora em todos os nove certificados de aforro.</font>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> A informação sobre a existência dos certificados de aforro é acessível, mediante a consulta pelo interessado da informação disponível no registo central de certificados de aforro.</font>
</p><p><b><font> </font></b><br>
<b><font>1. Do mérito do recurso</font></b><br>
<b><font>1.1. Da prescrição</font></b>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de Lisboa julgou como não verificada a exceção de prescrição invocada pelo Recorrente, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.</font>
</p><p><font>Consideraram as instâncias que o início da contagem do prazo de prescrição, no âmbito dos certificados de aforro, série B, ocorreu quando a Autora teve conhecimento do óbito e da existência dos certificados; bem como não seria possível invocar a existência da base de dados de registo de certificados de aforro criado pelo Decreto – Lei nº47/2008. </font>
</p><p><font>Por sua vez, o Recorrente considera que a contagem do prazo de prescrição se inicia com a morte do aforrista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, sobre esta questão existem diversas decisões dos Tribunais Superiores (verificando-se uma situação de unanimidade das decisões publicadas) – quer do STJ, quer dos Tribunais da Relação, quer do STA – que apontam para o início da contagem do prazo de prescrição no sentido defendido pelas instâncias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso presente, não se verifica qualquer razão para divergir da apontada unanimidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Encontra-se provado que à data do óbito, AA era titular dos nove certificados de aforro da Série B descrito no artigo 3º, correspondentes a 21 748 unidades no total de €135 807,97.</font>
</p><p><font>A autorização de emissão desta série de certificados de aforro foi dada pelo Decreto – Lei nº172-B/86, de 30 de junho.</font>
</p><p><font>Os certificados de aforro são nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a pessoas singulares (nº1 do artigo 3º do citado Decreto – Lei).</font>
</p><p><font>Nos termos do disposto no artigo 7º do diploma referido, por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado (nº1).</font>
</p><p><font>Findo o prazo de cinco anos referido, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição (nº2).</font>
</p><p><font>Contudo, o nº1 do artigo 7º citado veio a ser alterado, sendo que, na data do óbito da mãe da Autora, a redação era a seguinte:</font>
</p><p><font>Por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado. (redação dada pelo Decreto – Lei nº122/2002, de 4 de maio)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Deste modo, os herdeiros deverão requerer no prazo de 10 anos a transmissão da totalidade das unidades que constituem os certificados de aforro ou o respetivo reembolso, aplicando-se, contudo as regras da prescrição, sendo aplicável o regime geral da prescrição por expressa remessa da citada disposição legal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso presente, as partes não questionam a aplicação das regras da prescrição, mas o Réu, pondo em causa a decisão das instâncias, questiona o início da contagem do prazo de prescrição.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita.</font>
</p><p><font>A prescrição resulta da desvaloração da inércia do titular no exercício do direito. Tem também uma utilidade importante de dispensar o devedor de cumprir, depois de esgotado o prazo legal.</font>
</p><p><font>A prescrição supõe a inércia do titular do direito. Por isso, o seu prazo não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido. Esta é a regra fundamental que rege o início do curso do prazo da prescrição.</font>
</p><p><font>- Teoria Geral do Direito Civil, 2012, págs.327 e 331 –</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Prescreve o nº1 do artigo 306º do Código Civil que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em caso idêntico ao dos presentes autos (mas estando em causa o prazo de 5 anos contido na redação anterior do citado nº1 do artigo 7º), decidiu o STJ que “ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste.</font>
</p><p><font>Se, desconhecendo-o, o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso de um lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.</font>
</p><p><font>Por outras palavras e reportando-se directamente à situação de facto colocada nesta acção – os direitos que o nº1 reconhece (à emissão de novos certificados ou ao seu levantamento) eram exercitáveis desde a morte do subscritor dos certificados de aforro.</font>
</p><p><font>Logo à partida, pressupõe isto conhecerem os herdeiros a existência da subscrição de certificados de aforro pelo </font><i><font>de cujus</font></i><font>. Só assim, tomam conhecimento que, pela sua morte, ficam titulares daqueles direitos conferidos pelo art. 7-1 do dec-lei 172-B/86.</font>
</p><p><font>O facto «morte do subscritor» é, em si, neutro, nada lhes diz relativamente à existência da subscrição de certificados de aforro pelo </font><i><font>de cujus</font></i><font>. Mas, se conjugados e conhecidos, deixam de ser inócuos – facultam aos herdeiros o conhecimento de um direito e da sua titularidade, impossibilitando-os de, mais tarde, invocarem quer a ignorância da lei quer a sua má interpretação (CC-6).”</font>
</p><p><font>- Acórdão de 5 de maio de 2005, consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> –</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso presente, encontra-se provado que no dia 19.11.2003, faleceu AA, no estado de viúva de CC, cujo óbito ocorreu em 16.07.1997.</font>
</p><p><font>A Autora foi habilitada como única herdeira de AA e de CC, seus pais.</font>
</p><p><font>À data do óbito, AA era titular dos nove certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3º da petição, correspondentes a 21 748 unidades no valor total de €135 807,97.</font>
</p><p><font>A mãe da Autora entregou à sua irmã, DD, os nove certificados de aforro, informando-a que a filha (ora Autora) deles não tinha conhecimento, apesar de a ter colocado como pessoa autorizada a movimentá-los.</font>
</p><p><font>Na altura, pediu-lhe que os entregasse à filha no ano em que completasse cinquenta anos de idade, como prenda de aniversário.</font>
</p><p><font>A tia da Autora, DD, cumpriu a promessa e, no dia 01.05.2015, entregou à sobrinha (a ora autora) os referidos certificados de aforro.</font>
</p><p><font>A Autora, no dia 11.06.2015, dirigiu-se às instalações do réu onde solicitou o reembolso do correspondente valor.</font>
</p><p><font>Tal pedido foi verbalmente recusado, e por carta de 26.08.2015, com fundamento de que tinham prescrito, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, perante o que atrás se referiu e estes factos provados, temos de concluir pela improcedência da exceção de prescrição arguida pelo Réu, porquanto a Autora só poderia exercer o seu direito (não a partir da ocorrência do óbito da sua mãe, titular dos nove certificados de aforro, Série B) quando teve conhecimento da existência dos certificados de aforro.</font>
</p><p><font>A Autora só teve conhecimento em 1 de maio de 2015 e em 11 de junho de 2015 veio a reclamar o reembolso, o que lhe foi negado pelo Réu.</font>
</p><p><font>Isto é, desde que teve conhecimento dos certificados de aforro, momento em que poderia exercer o seu direito, até ao momento em que reclamou o reembolso junto do Réu, não decorreu o prazo de 10 anos, mas somente um pouco mais de um mês.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Desta forma, não pode proceder a exceção de prescrição.</font>
</p><p><font>O Réu/Recorrente apresenta, nas suas alegações de recurso de revista, a seguinte conclusão:</font>
</p><p><font>“Não obstante, deve, ainda, determinar-se que as normas legais que impõem aos herdeiros a obtenção de conhecimento sobre a existência de certificados de aforro do falecido decorrem dos artigos 26º e 28º do Código de Imposto de Selo e que a prestação de informações pelo IGCP sobre certificados de aforro – que são bens escriturais, nominativos, reembolsáveis e apenas transmissíveis por morte – não se iniciou com a publicação do Decreto – Lei nº47/2008, de 13 de junho e a instituição do designado “Registo Central de Certificados de Aforro”, antes pelo contrário, sempre foi possível desde a criação destes produtos financeiros em 1960”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Esta questão só pode ser apreciada no sentido em que se pode concluir que, sendo diligente, a Autora poderia ter tido conhecimento dos certificados de aforro em momento anterior e poderia assim exercer o seu direito antes do decurso do prazo de 10 a contar da data do óbito de sua mãe.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, em primeiro lugar, importa ter presente que a mãe da Autora, AA, titular dos certificados de aforro, Série B, faleceu no dia 19/11/2003 e que a Autora, como se encontra provado, instaurou no Serviço de Finanças da Amadora, em 17.12.2003, o processo de imposto sucessório junto como documento nº13 com o nº12026, que se encontra liquidado e arquivado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, e tendo em consideração a data do óbito da titular dos certificados de aforro e a data da participação do óbito efectuada ao Serviço de Finanças da Amadora por parte da Autora, podemos afirmar que em nenhuma circunstância a Autora poderia socorrer-se do designado “Registo Central de Certificados de Aforro”, como referem as instâncias, porquanto o mesmo só foi i | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjJ8u4YBgYBz1XKvcRBK | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font> </font></b><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font> instauraram a presente ação declarativa contra </font><b><font>CC</font></b><font>, formulando os pedidos de:</font>
</p><p><font>"</font><i><font>a) Reconhecer-se que o contrato de compra e venda que incidiu sobre a fracção identificada no item 1. foi culposamente incumprido pelo R., pelo que deverá este ser responsabilizado e condenado pelos prejuízos causados, nomeadamente no pagamento das seguintes quantias:</font></i>
</p><p><i><font>b) A quantia de € 18.762,50, por conta da reparação dos defeitos, dos quais 13.162,16 € (treze mil cento e sessenta e dois euros e dezasseis cêntimos), são respeitantes a danos no interior da fracção e a quantia de 5.600,34 € (cinco mil e seiscentos euros e trinta e quatro cêntimos), referentes a quota-parte do AA. na reparação das partes comuns do prédio; e</font></i>
</p><p><i><font>c) A quantia de € 5.625,00, a título de privação do uso da fracção, acrescida dos montantes mensais, computados à razão de € 375,00, que se vierem a vencer até ao efectivo e integral pagamento da quantia referida na alínea precedente, na media em só nessa altura estarão os AA. dotados das necessárias condições para proceder a tais reparações; e</font></i>
</p><p><i><font>d) A quantia de €4.519,95 (quatro mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos), por conta dos prejuízos patrimoniais decorrentes das deslocações e perda de ganho dos AA., correspondendo € 2.519,95 (dois mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos) a despesas que os AA. tiveram de incorrer com deslocações a Portugal por conta do incumprimento contratual que o R. deu causa, e a remanescente quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de perda de ganho que os AA. tiveram com os 8 (oito) dias úteis que despenderam em tais deslocações; e</font></i>
</p><p><i><font>e) A quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), a título de danos não patrimoniais que a conduta incumpridora do R. deu causa e cujos efeitos ainda não cessaram; e</font></i>
</p><p><i><font>f) Deve, ainda, o R. ser condenado no pagamento do quantitativo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, a título de cláusula penal, por cada mês de atraso que se verifique na liquidação integral dos montantes referidos nas anteriores alíneas b) a e) do presente petitório, sendo esta devida a partir da data da citação; e,</font></i>
</p><p><i><font>g) Deve, ainda, o R. ser condenado a pagar os correspondentes juros de mora sobre todas as anteriormente individualizadas quantias, calculados à taxa de juro legal, contados desde da citação até efectivo e integral pagamento</font></i><font>".</font><br>
<font>Para tanto alegaram, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- a 30 de julho de 2013, compraram ao Réu a fração autónoma designada pelas letras "AT", correspondente ao 3.º andar do bloco A, do prédio urbano sito em ..., da freguesia e concelho de ...;</font>
</p><p><font>- em outubro de 2013 surgiram infiltrações de água na generalidade das divisões, devido a problemas estruturais do prédio;</font>
</p><p><font>- os quais eram do conhecimento do Réu, que os ocultou antes da celebração do negócio.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. O réu contestou afirmando, em síntese, que habitou no imóvel com a sua família, de outubro de 1998 a maio de 2013, e que nunca constatou a existência de quaisquer infiltrações de água.</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:</font>
</p><p><font>"</font><i><font>Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA e BB contra CC improcedente, por não provada.</font></i><font>"</font>
</p><p><b><font>4. </font></b><font>Não se conformando com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Guimarães julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Mais uma vez inconformado, os Autores / Apelantes vieram interpor revista a título excecional, a qual foi considerada admissível, conforme o acórdão de fls.942/944, proferido pela Formação dos Juízes deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Os Autores / Recorrentes apresentaram alegações, em que formulam as seguintes (transcritas) conclusões – excluídas as conclusões que se reportavam à admissão do recurso de revista:</font>
</p><p><font>1ª. Admitido o recurso de revista nos termos explanados, está definitivamente assente a matéria de facto fixada pelas instâncias anteriores, constantes das alíneas a) a oo) do acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>2ª. Considerada a factualidade provada pelas instâncias anteriores, a questão a decidir reside unicamente em saber se, no regime da venda de coisa defeituosa previsto no nº1, do artigo 913º, do Código Civil, impende sobre os AA., enquanto compradores, o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, isto é, da sua anterioridade e contemporaneidade relativamente à venda, como decidiram as instâncias anteriores, ou, pelo contrário, se basta aos AA./compradores provar a existência do defeito, mas já não lhes competindo provar a sua origem e anterioridade/contemporaneidade relativamente à venda, cabendo ao R./vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito teve origem em facto posterior à sua entrega, tal como lhe cabia demonstrar as suas causa, pois trata-se de matéria de excepção – facto extintivo do direito.</font>
</p><p><font>3ª. Tendo por base a matéria de facto considerada provada, nomeadamente a constante das alíneas g), i), j), w) e oo), está demonstrado que o imóvel adquirido pelos Autores ao Réu padece de defeitos, conclusão que as instâncias anteriores perfilharam.</font>
</p><p><font>4ª. A questão que se coloca é simplesmente em saber se no regime da venda de coisa defeituosa, previsto no nº1, do artigo 913º, do Código Civil, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, ou se lhe basta provar a existência do defeito, não lhe competindo provar a sua origem e anterioridade relativamente à venda, cabendo ao vendedor ilidir essa presunção, provando que o defeito tem origem posterior à sua entrega, tal como lhe cabe demonstrar as suas causas.</font>
</p><p><font>5.</font><sup><font>a</font></sup><font> A pretensão dos AA., formulada na petição inicial, funda-se no direito comum, mormente no regime da venda de coisa defeituosa previsto no artigo 913º e seguintes do Código Civil, e não em qualquer diploma ou legislação especial relativa ao direito do consumo.</font>
</p><p><font>6.</font><sup><font>a</font></sup><font> O nº1, do artigo 913º, do Código Civil, qualifica como defeituosa a coisa vendida que “sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor, ou necessárias para a realização daquele fim”, resultando do nº2 do mesmo artigo que “quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.</font>
</p><p><font>7.</font><sup><font>a</font></sup><font> A presunção que decorre automaticamente do artigo 913º, do Código Civil, é que o vendedor garante a conformidade ou bom funcionamento da coisa vendida na data da entrega, não sendo necessário o comprador demonstrar ou provar a falta de tais qualidades, bastando-lhe a prova da falta de conformidade ou falta de funcionamento, impendendo por sua vez sobre o vendedor o ónus da prova de que a causa do vício, desconformidade, ou mau funcionamento do bem, é posterior à entrega da coisa e imputável ao comprador ou terceiro, ou devida a caso fortuito.</font>
</p><p><font>8.</font><sup><font>a</font></sup><font> No sentido defendido pelos Recorrentes, veja-se o Acórdão-fundamento invocado, bem como os seguintes arestos, referidos na alegação: Acórdão do STJ de 3/4/1991 (Proc. nº079799; Relator: Ricardo da Velha, cujo sumário pode ser acedido, via internet, no sítio </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; - Ac. da Rel. do Porto de 24/11/2008, proferido no Proc. nº0856163 relatado pela Desembargadora Maria Adelaide Domingos (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>); - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/1/2008, proferido no Proc. nº2093/07-2 e relatado pelo Desembargador Manuel Marques (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; - Ac. da Rel. do Porto de 27/3/2006, proferido no Proc. nº0650794 e relatado pelo Desembargador Abílio Costa (cujo texto integral pode ser acedido, via Interne, no sítio </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>); Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8/6/2006 (Proc. nº2483/2006-8; Relator – Salazar Casanova), cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>; Ac. da Relação de Lisboa, de 05.04.2011 (Processo nº480/07.3TBTVD.L1.1) Relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Rui Vouga, disponível em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>);</font>
</p><p><font>9ª. A garantia que está aqui em causa é a garantia que decorre da norma geral do direito comum constante do artigo 913º, do Código Civil, a garantia de conformidade do bem ou bom funcionamento da coisa vendida na data da entrega e nos prazos constantes do artigo 916º do Código Civil.</font>
</p><p><font>10ª. A “garantia” que está em causa nos presentes autos e da qual beneficiam os Autores é a que se encontra prevista no artigo 913º, nº1, do Código Civil, isto é, da conformidade do bem ou do bom funcionamento da coisa.</font>
</p><p><font>11ª. Beneficiando os AA. Da garantia de conformidade do bem no momento da venda nos termos previstos no nº1 do artigo 913º, do Código Civil, tendo denunciado os defeitos e instaurado a competente acção dentro dos prazos previstos no artigo 916º do mesmo Código, e nesta sede demonstrado e provado os defeitos que a “coisa vendida” padece, era sobre o Réu/vendedor que impendia o ónus de infirmar que os visados defeitos tinham origem posterior à entrega do bem, tal como lhe cabia fazer a respectiva prova da sua causa, pois que se tratam de factos extintivos do direito dos AA.</font>
</p><p><font>12ª. Pois, na verdade, como aliás resulta do sumário do acórdão-fundamento indicado, “Tendo a lei estabelecido prazos curtos para o exercício dos direitos derivados do cumprimento defeituoso em matéria de compra e venda (…), pressupõe-se que qualquer defeito detectado nesse período curto é ele próprio anterior ou advém de causa preexistente”.</font>
</p><p><font>13ª. Ao contrário do vertido no Acórdão recorrido, era ao Réu/vendedor a quem incumbia o ónus da prova no tocante à origem (causa) dos comprovados defeitos e, bem assim, que tais vícios eram imputáveis ao comprador ou a terceiro, ou, no limite, que eram devidas a caso fortuito.</font>
</p><p><font>14ª. Nada tendo o Réu/Recorrido alegado e provado quanto a tal matéria, limitando-se a negar os vícios e a reiterar de forma lacónica e genérica a conformidade do bem aquando da entrega/venda, subsistindo a incerteza acerca da causa dos vícios provados e constatados quanto ao imóvel vendido pelo Réu aos Autores, essa dúvida acerca da causa ou origem dos defeitos constatados no imóvel resolve-se, tendo por base as presunções decorrentes do nº1, do artigo 913º do CC, e o cumprimento dos prazos previstos no artigo 916º do CC, comjugadas com o artigo 342º, do CC, e o artigo 414º do CPC, contra a parte onerada com a prova da causa dos vícios e que estes tenham resultado de causas imputáveis ao comprador ou a terceiro ou fossem devidas a caso fortuito, ou seja, o Réu/vendedor.</font>
</p><p><font>15ª. Por outro lado, entendem os AA./Recorrentes que dos factos provados pode-se extrair a conclusão de que na data da venda e entrega, o imóvel em causa já padecia dos defeitos que vieram a ser denunciados e neste sede demonstrados.</font>
</p><p><font>16ª. Isto porque se provou, sob as alíneas ss) e tt) dos factos provados, que antes da venda existiam “algumas fracções do condomínio com problemas de humidade e infiltrações e essa questão foi falada nas assembleias de condóminos de 30 de Março de 2012 e 1 de Fevereiro de 2013” e bem assim que “Na assembleia de 1 de Fevereiro de 2013 foi decidido que se elaborasse um “caderno de encargos” relativo às reparações necessárias para eliminar as “infiltrações de águas” existentes em vários apartamentos”.</font>
</p><p><font>17ª. Desses factos resulta que os defeitos apurados não têm a sua causa em deficiente utilização do imóvel, em acto de um terceiro ou em causas de força maior, o que conduz à conclusão de que a deficiência apenas pode derivar de erros de construção ou imperfeição dos materiais empregues (telas ou outros), e sendo assim, tal já se verificava na data da aquisição e entrega de fracção, estando assim provada a anterioridade do defeito.</font>
</p><p><font>18ª. Resultando ainda daqueles factos provados – alíneas ss) e tt) – a existência de vícios nas partes comuns do edifício anteriores à venda e entrega da fracção, os quais eram do R./Recorrido conhecidos por serem objecto das assembleias de condóminos, tais factos já seriam o bastante para o enquadramento na venda de coisa defeituosa e para a prova da anterioridade do defeito.</font>
</p><p><font>19ª. Os defeitos da fracção sub judice eram, considerando aquilo que está abrangido pelo conceito jurídico de propriedade horizontal, comprovadamente anteriores à compra da mesma por parte dos AA., o que, inclusive, derroga a subversão (acolhida no acórdão recorrido) da presunção probatória que dimana do nº1, do artigo 913º do CC, quando conjugada com o artigo 342º, do CC, e artigo 414º do CPC. </font>
</p><p><font> E conclui pela procedência da revista, “revogando-se o acórdão impugnado e substituindo-o por outro que condene o Réu/Recorrido:</font><br>
<font>a) No pagamento aos AA. da quantia de €17.909,78 (dezassete mil novecentos e nove eurou e setenta e oito cêntimos) por conta da reparação dos defeitos existentes na fracção, dos quais €13.162,16 respeitam ao custo da reparação dos danos no interior da fracção (quantum provado sob as alíneas s) dos factos provados) e o valor de €4.747,62, respeitante à quota-parte dos AA. para custear as obras nas partes comuns do prédio (vide factos provados sob as alíneas t) e u));</font><br>
<font>b) No pagamento aos AA., a título de privação do uso da fracção, da quantia mensal de €350,00 (trezentos euros) – vide factos provados sob as alíneas w) e x)) -, calculados desde Outubro de 2013, data desde a qual estão os AA. impedidos de usar a fracção, até ao efectivo pagamento que permita a reparação integral dos defeitos, e que em Janeiro de 2015, momento da entrada em juízo da acção, se cifravam em €5.250,00 (cinco mil duzentos e cinquenta euros);</font><br>
<font>c) No pagamento aos AA. das quantias constantes das alíneas y), z), bb), dd), e ff), dos factos provados na sentença, e que totalizam o valor de €2.519,95 (dois mil quinhentos e dezanove euros e noventa e cinco cêntimos);</font><br>
<font>d) No pagamento aos AA., atento o facto provado sob a alínea gg), de quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais, a fixar doutamente por Vossas Excelências segundo critérios de proporcionalidade e adequação face à extensão do dano que se entende que nunca se deve cifrar em quantitativo inferior a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida também esta quantia de juros de mora a contar da fixação;</font><br>
<font>e) No pagamento aos AA. dos correspondentes juros de mora calculados sobre cada uma das individualizadas quantias, à taxa de juro legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;</font><br>
<font>f) No pagamento aos AA. dos correspondentes juros de mora calculados sobre cada uma das individualizadas quantias, à taxa de juro legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;”</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> O Réu / Recorrido contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista e formulando as seguintes (transcritas) conclusões (excluídas as que se reportavam à matéria da admissibilidade do recurso):</font>
</p><p><font>1ª. No regime de compra e venda de coisa defeituosa impende sobre os Autores/compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda e qual a sua origem.</font>
</p><p><font>2ª. O acórdão fundamento, bem como os vários outros acórdãos proferidos pelos tribunais superiores a que os Recorrentes fazem referência reportam-se a situações concretas que pouco ou nada têm em comum com a presente acção.</font>
</p><p><font>3ª. De facto, reportam-se aquelas decisões a situações concretas de compra e venda em que na relação jurídica subjacente existe uma clara desigualdade entre comprador/vendedor, reportando-se a situações concretas em que o vendedor se encontra numa posição mais favorecida em relação ao comprador, seja porque é o construtor do prédio, seja porque foi o promotor da construção, seja porque se dedica à compra e venda de bens similares ao da coisa com defeito.</font>
</p><p><font>4ª. Em várias das situações previstas naqueles acórdãos encontra-se subjacente a garantia prestada pelo comprador do bom funcionamento/conformidade do bem.</font>
</p><p><font>5ª. Quando o vendedor garante o bom funcionamento/conformidade do bem, caso a coisa venha a apresentar vícios não se mostra necessária a prova pelo comprador da anterioridade do defeito com relação à data da celebração do contrato, pois inverte-se o ónus da prova, cabendo ao vendedor demonstrar que o defeito é posterior à venda e qual a sua origem.</font>
</p><p><font>6ª. Refere claramente o acórdão da Relação do Porto de 27/03/2006, invocado pelos recorrentes, que não competia ao comprador fazer prova da superveniência do defeito </font><u><font>apenas e só porque o vendedor havia prestado garantia do bom funcionamento do bem.</font></u><font> Não fosse esta prestação de garantia e ao comprador incumbia a prova da superveniência do defeito. </font>
</p><p><font>7ª Não havendo entre as partes a relação de vendedor/consumidor, a </font><u><font>garantia de bom funcionamento apenas operará nos termos do artigo 921</font></u><u><sup><font>0</font></sup></u><u><font> do código civil. </font></u>
</p><p><font>8ª. Não decorre dos usos, nem tão pouco foi acordado pelas partes, que o Recorrido prestaria qualquer garantia. </font>
</p><p><font>9ª. </font><u><font>Nos </font></u><b><u><font>termos do artigo 913</font></u></b><b><u><sup><font>0</font></sup></u></b><b><u><font> e 914</font></u></b><b><u><sup><font>0</font></sup></u></b><b><u><font> do código civil, o comprador que adquira coisa defeituosa tem o direito de exigir a reparação ou substituição da coisa, sendo certo que apenas será relevante o defeito presente no momento da celebração do contrato. </font></u></b>
</p><p><font>10ª. Por seu turno, </font><b><u><font>dispõe o artigo 342º do código civil que cabe à parte que invoca um direito o ónus de alegar e provar a existência desse direito. </font></u></b>
</p><p><font>11ª. </font><b><u><font>Só existe o direito à reparação ou substituição da coisa se os defeitos e suas causas forem anteriores ou contemporâneos à celebração do contrato. </font></u></b>
</p><p><font>12ª. Por conseguinte, caberia aos recorrentes fazer prova, não só da existência da desconformidade da coisa, como também fazer prova de que tais desconformidades eram anteriores à celebração do contrato e quais as suas causas, pois não foi prestada pelo Recorrido qualquer garantia nos termos do artigo 921º do Código Civil.</font>
</p><p><font>13ª. Uma vez que a anterioridade dso defeito se apresenta como um facto constitutivo do direito invocado pelos Recorrentes, competia a estes não só a sua alegação, como também a sua comprovação.</font>
</p><p><font>14ª. E não colhe o argumento de que a prova da anterioridade do defeito se mostra difícil para o comprador, não o sendo para o comprador.</font>
</p><p><font>15ª. Tal argumento poderá ser válido nas situações em que o vendedor é o construtor do prédio, ou nas situações em que assume a posição de comerciante, por deter conhecimentos sobre a coisa que o comprador não detém, mas não será nas situações similares às dos presentes autos, em que o vendedor e comprador se encontram em posição de igualdade.</font>
</p><p><font>16ª. Mostrar-se-ia extremamente difícil ao vendedor, no caso de compra e venda de imóvel, demonstrar que á data da celebração do contrato o bem se encontrava em conformidade, não apresentando defeitos, e que tais defeitos são posteriores à celebração do contrato e qual a sua causa.</font>
</p><p><font>17ª. </font><u><font>O artigo 913° do código Civil não prevê a garantia de conformidade do bem ou bom funcionamento da coisa vendida.</font></u>
</p><p><font>18ª. A inclusão do artigo 921</font><sup><font>0</font></sup><font> do código civil no regime da venda de coisas defeituosas só terá sentido atendendo o facto de que o vendedor não garante, por força do artigo 913°, o bom funcionamento da coisa vendida. </font>
</p><p><font>19ª.Se houvesse essa garantia simplesmente por força do artigo 913°, como defendem os recorrentes, não se vê qual seria a utilidade do referido artigo 921º. </font>
</p><p><font>20ª. Só quando existe garantia de bom funcionamento (seja porque convencionada entre as partes, seja porque decorrente dos usos) é que se inverte o ónus da prova e cabe ao vendedor demonstrar que o vício da coisa é superveniente ao contrato de compra e venda e qual a sua origem, bastando ao Comprador demonstrar a existência do vício. </font>
</p><p><font>21ª. </font><u><font>A garantia acrescenta algo mais aos direitos conferidos ao comprador pelo artº 913°.</font></u><font>" </font>
</p><p><font>22ª. </font><u><font>A inversão do ónus da prova nas situações em que o vendedor garante o bom funcionamento da coisa vendida demonstra que no regime normal, onde tal garantia não existe, o ónus da prova da contemporaneidade do defeito à data da celebração do contrato cabe ao comprador.</font></u>
</p><p><font>23ª. Tem sido vastamente sustentado pela jurisprudência, nomeadamente pela jurisprudência produzida por este Supremo Tribunal de Justiça, que compete ao A. alegar e provar que os vícios de que a coisa padece são contemporâneos à data da celebração do contrato e qual a sua origem, nos termos do artigo 342º do código civil e 414º do código de processo civil. – vide acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 19/06/2007, no processo 07A1454, Acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça em 11/10/2007, no processo 07B3069, acórdão proferido em 21/05/1998 no processo nº98A298.</font>
</p><p><font>24ª. Resultou provado que à data da celebração do contrato a fracção não apresentava qualquer vício.</font>
</p><p><font>25ª. Foi antes feita prova no sentido de que os vícios e suas causas teriam necessariamente de ser posteriores à venda da fracção.</font>
</p><p><font>26ª. A testemunha DD quando vai ao apartamento encontra tudo em perfeitas condições e sem qualquer sinal de infiltrações ou humidades, e passados alguns dias quando volta à fracção encontra a mesma com várias humidades e infiltrações, </font><b><u><font>escorrendo água a rodos. </font></u></b>
</p><p><font>27ª. As demais testemunhas nunca viram em momento anterior à venda qualquer deteorização do imóvel, antes pelo contrário, este sempre apresentou boas condições. </font>
</p><p><font>28ª. 0ra, face às regras da experiência comum, aferidas pelo homem médio, não é razoável concluir que tal deteorização se ficasse a dever a infiltrações e outras causas decorrentes de vícios nas partes comuns do prédio pré-existentcs à celebração do contrato. </font>
</p><p><font>29ª. </font><u><font>0s </font></u><b><u><font>danos na fracção dos Recorrentes surgem, de forma abrupta e sem qualquer previsão, vários meses após a celebração do contrato de compra e venda. </font></u></b>
</p><p><font>30ª. Os danos existentes na fracção do Recorrente, a serem contemporâneos à data da celebração do contrato de compra e venda sempre seriam visíveis num curto espaço de tempo e nunca passados vários meses.</font>
</p><p><font>31ª. </font><u><font>0s </font></u><b><u><font>danos presentes na fração demonstram uma rutura total e temporalmente localizada e impossível de ser conhecida pelo Recorrido.</font></u></b>
</p><p><font>32ª. 0 aparecimento tão repentino de tais problemas não é compatível com uma patologia existente há vários meses, mas antes com uma ocorrência fortuita e sempre posterior à data da celebração do contrato, o que por si só demonstra que os problemas na fração do Recorrente terão surgido em momento posterior ao da venda da fração.</font>
</p><p><font>33ª. </font><u><font>Resultou provado pel</font></u><font>as </font><u><font>alíneas h) e jj) da matéria dada como provada que a fracção adguirida pelos Recorrentes, à data da celebração do contrato de compra e venda, não apresentava qualquer defeito. </font></u>
</p><p><font>Sem prescindir, </font>
</p><p><font>34ª. Ficou provado que os Recorrentes, aquando das visitas ao prédio, tiveram acesso às partes comuns, visualizando não só o terraço da fracção que adquiriram, como também as escadas, elevadores e naturalmente a própria fachada do prédio. </font>
</p><p><font>35ª. 0s Recorrentes conhecimento de que estavam a adquirir uma fracção num prédio Com mais de 15 anos, e que este denotava já o desgaste normal de um prédio de 15 anos. </font>
</p><p><font>36ª. É do conhecimento geral que um qualquer prédio em regime de propriedade horizontal com a idade do prédio em causa nos autos, mais cedo ou mais tarde, em virtude do seu desgaste normal, necessitará de uma intervenção na sua estrutura.</font>
</p><p><font>37ª. O homem mediano, o bom pai de família, colocado na situação dos Recorrentes, e face às regras de experiência comum, não podia ignorar que um prédio com terraço, face às questões de impermeabilidade e desgaste que os terraços apresentam, eventualmente necessitará de ser intervencionado. </font>
</p><p><font>38ª. Estamos perante um contrato de compra e venda de coisa usada e como tal a coisa usada, ao contrário da coisa nova, apresenta o seu desgaste normal. </font>
</p><p><font>39ª. Este desgaste não pode ser visto como defeito ou vício da coisa vendida, pois que o seu comprador bem sabe que como coisa usada que é esta apresentará tal desgaste. </font>
</p><p><font>40ª. Só existirá vício da coisa usada na medida em que este ultrapasse o desgaste normal da coisa. </font>
</p><p><font>41ª. 0 prédio em causa nos autos tem mais de 15 anos, pelo que os problemas que apresentava, e que eram do cabal conhecimento dos Recorrentes, resultavam do desgaste normal do prédio, pelo que não consubstanciam vício da coisa, nos termos do artigo 913</font><sup><font>0</font></sup><font> do Código Civil. - neste sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2006, processo nº 06A866. </font>
</p><p><font>42ª. Sob o recorrido não impende qualquer responsabilidade de reparação ou substituição da coisa. </font>
</p><p><font>43ª. Dispõe o artigo 914</font><sup><font>0</font></sup><font>, parte final, do código civil, </font><i><font>"esta obrigação não existe se </font></i><font>o </font><i><font>vendedor desconhecia sem culpa </font></i><font>o </font><i><font>vício ou falta de conformidade de qualidade de que a coisa padece." </font></i>
</p><p><font>44ª. Tal como resultou provado nos presentes autos, apenas se pode concluir pela impossibilidade de o Recorrido, aquando da celebração do contrato, conhecer com culpa os vícios alegados pelos Recorrentes.</font>
</p><p><font>45ª. Pelo que, nos termos do artigo 914</font><sup><font>0</font></sup><font> do código civil, e tal como veio sustentado na decisão proferida pelo Tribunal de 1ª. instância, não se pode de qualquer modo imputar qualquer responsabilidade ao Recorrido. </font>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><b><font> 9.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Autores / ora Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font>
</p><p><font>- se no regime da venda de coisa defeituosa, previsto no nº1 do artigo 913º do Código Civil, impende sobre os compradores o ónus da prova de que o vício já existia aquando da venda, ou se lhe basta provar a existência do defeito;</font>
</p><p><font>- se a resposta for no sentido de que só lhe basta provar a existência do defeito, a apreciação dos pedidos formulados pelos Autores/Recorrentes. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos: </font></b>
</p><p><b><font>1.1. </font></b><font>Por escritura de compra e venda outorgada, em 30.07.2013, no Cartório Notarial de ..., sito em ..., lavrada a fls. 88 a 89 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º 136-A, os Autores declararam comprar ao Réu, e este declarou vender, pelo preço de € 110 000,00 (cento e dez mil euros), a fracção autónoma designada pelas letras "AT", correspondente ao terceiro andar, bloco A (ala nascente), apartamento T2, destinado a habitação, com entrada pela porta designada pelas letras "AT", com duas varandas e uma garagem na cave, e o uso exclusivo do terraço/cobertura, fracção essa do prédio urbano sito em ..., descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 378-AT, e inscrita na matriz predial urbana sob o n.º 1084-AT, conforme se retira da cópia junta aos autos de fls. 36 a 40 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; </font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> O referido negócio de compra e venda foi objecto de mediação imobiliária por parte da sociedade designada por ... Mediação Imobiliária L.</font><sup><font>da</font></sup><font>; </font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Em Agosto de 2012, os Réus visitaram a fracção acompanhados pelo Réu e pela funcionária da agência imobiliária EE; </font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Aquando da visita, a fracção estava em bom estado de conservação; </font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> O Autor marido voltou a visitar a fracção mais três vezes na companhia da referida funcionária da agência imobiliária enquanto negociava com esta o preço de transmissão da fracção, sendo que uma dessas visitas ocorreu em Janeiro ou Março de 2013; </font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> O negócio descrito na alínea a), foi precedido da celebração de um acordo, em 2 de Abril de 2013, denominado pelas partes de "</font><i><font>promessa de compra e venda contrato</font></i><font>", nos termos das cláusulas constantes da cópia de 87 a 94 e 98 a 99 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; </font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Em 26 de Outubro de 2013, a fracção tinha infiltrações de água na cozinha, na sala de estar, na despensa e casa de banho, sendo que, na cozinha, a água escorria em fio pelos focos de iluminação, tornando impossível a utilização da fracção para habitação; </font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Em Outubro de 2013, era do conhecimento da administração do condomínio da fracção em causa que o prédio tinha problemas de infiltrações de água da chuva, afectando algumas fracções, mas desconhecia se a fracção AT tinha qualquer problema de infiltração, uma vez que nunca tinham recebido qualquer queixa ou reclamação por parte do Réu; </font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Em Janeiro de 20 | [0 0 0 ... 0 1 0] |
YzKBu4YBgYBz1XKvoxPi | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><b><font> </font></b></div><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Município de AA </font></b><font>intentou a presente ação em processo comum contra os herdeiros da </font><b><font>Herança aberta por óbito de BB e </font></b><font>CC, pedindo, nomeadamente:</font>
</p><p><font>a) (…)</font>
</p><p><font>b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam;</font>
</p><p><font>c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido;</font>
</p><p><font>d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR;</font>
</p><p><font>e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.</font>
</p><p><font>Alega, em síntese, – na parte que ao caso agora interessa – que:</font>
</p><p><font>- com data de 03/01/1991, mas assinado a 18/03/1991, celebrou, na qualidade de promitente comprador, com BB e marido CC, na qualidade de promitentes vendedores, um contrato promessa de compra e venda de uma parcela de terreno com a área aproximada de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua ..., AA, o qual tem a área de 1018 m2, inscrito na matriz sob o art° 1322, e que nessa data logo foi paga a totalidade do preço;</font>
</p><p><font>- foi acordado entre as partes que o Autor tomasse posse da parcela de terreno, para a realização das obras de infraestruturas urbanísticas, tendo executado o muro de vedação, na parte sobrante do prédio dos promitentes vendedores, encontrando-se o mesmo fisicamente separado da parcela prometida vender, reconhecendo os promitentes vendedores como prédio autónomo, distinto e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, encontrando-se o mesmo, desde essa, desanexado de facto do prédio de que proveio;</font>
</p><p><font>- os RR. notificados para esse efeito, nem forneceram os elementos necessários à realização a escritura, nem compareceram aos atos que foram aprazados </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citado, o R. veio contestar, opondo a tais pedidos, além de outras exceções e razões, a exceção de caso julgado, alegando a prévia existência de uma ação de execução específica, entre as mesmas partes, destinada a obter o cumprimento do mesmo contrato promessa, que foi julgada improcedente.</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Em fase de saneador, esta exceção foi julgada procedente em relação a tais pedidos, pelo que os RR. foram absolvidos da instância na parte respetiva.</font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Não se conformando com esta decisão, os RR. interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido:</font>
</p><p><font>“julgar procedente a presente apelação, em consequência do que revogam a decisão recorrida, que deu por verificada a excepção de caso julgado e absolveu da instância os RR., relativamente às pretensões constantes das als. d) e e) do pedido, a qual substituem por outra que, julgando não verificada tal excepção dilatória, determina que a acção prossiga para a respectiva apreciação.”</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (com exceção daquelas que se reportavam à matéria da admissibilidade do recurso):</font>
</p><p><font>3ª.</font><b><font> </font></b><font>Sendo pacífico no processo a verificação dos requisitos da identidade de sujeitos e da identidade de causa de pedir, subjacentes à verificação da excepção de caso julgado -, verifica-se igualmente o requisito da identidade de pedidos porquanto, quer com a acção sumária nº. 2540/08.4TBVFR, quer com a presente acção com a formulação dos pedidos constantes das alíneas b) a e) do douto petitório, o que o Autor pretende é o efeito jurídico adveniente do cumprimento do contrato-promessa, a celebração do contrato definitivo, a aquisição derivada da parcela do direito de propriedade da parcela em discussão nos autos (sob o ponto de vista prático também coincidem as pretensões); </font>
</p><p><font>4ª.</font><b><font> </font></b><font>Atento, não só, o conteúdo da sentença transitada em julgado na acção nº. 2540/08.4TBVFR, a qual julgou improcedente a pretensão do Autor de ver celebrado o contrato definitivio, mas também o fundamento que lhe subjaz, não olvidando ainda a factualidade alegada em sede desta acção para materializar os pedidos formulados sob as alíneas b) e c) do douto petitório, verifica-se que nenhuma factualidade superveniente ao trânsito em julgado da decisão da referida acção é alegada que demonstre a existência ou autonomia jurídicas da parcela de terreno em discussão nos autos, mormente, a realização de um destaque ou de um loteamento que possibilite o cumprimento do contrato prometido, </font>
</p><p><font>5ª. Pelo que aquela decisão, como um todo (dispositivo e resolução de questões que constituam o seu antecedente lógico) não pode ver-se na contingência de ser confirmada ou contrariada, sob pena de violação da autoridade de caso julgado; </font>
</p><p><font>6ª. O douto acórdão recorrido violou/interpretou incorrectamente, designadamente, o disposto nos artigos 580.°, 581.° e 621.° do C.P.Civil, 817.° e 830.° do C.Civil. </font>
</p><p><font>Conclui pela procedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Recorrido Município de AA não contra-alegou.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font> II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
<font>Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos RR. se respiga como questões:</font><br>
<font> </font><br>
<font>- a identidade dos pedidos (caso julgado);</font><br>
<font> - a verificação da autoridade do caso julgado. </font><br>
<font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1. Do factualismo processual relevante</font></b>
</p><p><font>Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso, destaca-se o que consta do relatório que antecede e o seguinte:</font><br>
<b><font>1.1. </font></b><font>No processo nº2540/08.4TBVFR, o aqui Autor formulou o seguinte pedido:</font><br>
<font>seja proferida sentença que, condenando os Réus, emita decisão que produzindo os efeitos da declaração faltosa dos Réus, ou seja os efeitos da declaração de venda dos Réus ao Autor, da parcela de terreno, com a área de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua ..., freguesia e concelho de AA, com a delimitação constante da planta topográfica que faz parte integrante do contrato promessa junto sob o doc.1, sendo que tal prédio está inscrito na matriz sob o artº1322 e descrito na Conservatória do Registo Predial de AA sob o nº2161, adjudicando ao Autor e transmitindo-lhe a respectiva propriedade da referida parcela de terreno.</font><br>
<b><font>1.2. </font></b><font>Na presente ação, o Autor formulou os seguintes pedidos:</font><br>
<font>a) (…)</font><br>
<font>b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam;</font><br>
<font>c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido;</font><br>
<font>d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR;</font><br>
<font>e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.</font>
</p><p><font> </font><b><font>2. Da verificação de caso julgado e da ofensa à "autoridade do caso julgado"</font></b>
</p><p><b><font>2.1. Do quadro normativo aplicável</font></b>
</p><p><b><font>2.1.1. Dos efeitos processuais produzidos pelo caso julgado material: positivo/vinculativo e negativo/impeditivo</font></b>
</p><p><font>Transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por </font><b><font>caso julgado material</font></b><font>, definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artigo 628º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva</font><i><font> </font></i><font>("</font><i><font>autoridade do caso julgado</font></i><font>") e uma função negativa</font><i><font> </font></i><font>("</font><i><font>exceção do caso julgado</font></i><font>").</font>
</p><p><font>Nas palavras de CASTRO MENDES, </font><i><font>os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda </font></i><font>(</font><i><font>in </font></i><font>"</font><i><font>Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil</font></i><font>", p. 36 e segs.).</font>
</p><p><font>Assim:</font>
</p><p><b><font>—</font></b><font> A </font><b><font>função positiva do caso julgado </font></b><font>opera o efeito de "</font><i><font>autoridade do caso julgado</font></i><font>", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos. 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. </font>
</p><p><font> </font><b><font>— </font></b><font>A </font><b><font>função negativa do caso julgado</font></b><font> (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da "</font><i><font>exceção dilatória do caso julgado</font></i><font>", nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior. </font>
</p><p><font>A este propósito, sublinha TEIXEIRA DE SOUSA: «</font><i><font>O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25). </font>
</p><p><font>E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «</font><i><font>a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.). </font>
</p><p><font>Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO: «</font><i><font>a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excecionalmente, ser invocável) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, p. 354).</font>
</p><p><font>Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:
</font>
</p><p><b><font>— </font></b><font>A </font><b><font>exceção dilatória do caso julgado</font></b><font> «</font><i><font>destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual</font></i><font>», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;</font>
</p><p><b><font>— </font></b><font>A </font><b><font>autoridade de caso julgado</font></b><font> «</font><i><font>tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica</font></i><font>», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida. </font>
</p><p><font>(Cfr. RODRIGUES BASTOS, </font><i><font>in</font></i><font> "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, p. 60 e 61)</font>
</p><p><b><font>2.1.2. O caso julgado como exceção dilatória: da tríplice identidade exigível para a sua aferição</font></b>
</p><p><font>Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que </font><i><font>se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir</font></i><font>, havendo </font><b><i><font>identidade de sujeitos</font></i></b><i><font> quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica </font></i><font>(nº 2 do mesmo preceito), </font><b><i><font>identidade de pedido</font></i></b><i><font> quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico </font></i><font>(nº 3 do preceito em análise) e </font><b><i><font>identidade de causa de pedir</font></i></b><i><font> quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico </font></i><font>(nº 4 do referido artigo 581º).</font>
</p><p><font>Verifica-se, então, a </font><b><i><font>identidade de sujeitos</font></i></b><font> quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide. </font>
</p><p><font>A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na ação, conforme </font><i><font>infra</font></i><font> (sob o ponto </font><b><font>2.1.3.2.) </font></b><font>melhor se analisará.</font>
</p><p><font>Por sua vez, a </font><b><i><font>identidade de pedido</font></i></b><font> é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.</font>
</p><p><font>E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional</font><b><i><font> </font></i></b><font>(</font><i><font>implícita</font></i><font> ou </font><i><font>explícita</font></i><font>) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter. </font>
</p><p><font>Por último, a </font><b><i><font>identidade de causa de pedir</font></i></b><font> verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objeto da acção.</font>
</p><p><font>E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.</font>
</p><p><font>Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA que «</font><i><font>o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 576).</font>
</p><p><b><font>2.1.3. Dos limites objetivos, subjetivos e temporais do caso julgado</font></b>
</p><p><font>Definindo o alcance do caso julgado, diz o artigo 621º do Código de Processo Civil: «</font><i><font>a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga</font></i><font>».</font>
</p><p><font>Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a </font><b><font>limites</font></b><font> </font><b><font>objetivos</font></b><font> e </font><b><font>subjetivos </font></b><font>(questão a que diretamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também </font><b><font>temporais</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>2.1.3.1. Do ponto de vista dos limites objetivos</font></b><font> (referentes ao pedido e à causa de pedir):</font>
</p><p><font>Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado (respetivos limites objetivos), no que respeita à determinação do </font><i><font>quantum </font></i><font>da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que </font><b><font>a eficácia do caso julgado apenas abrangia a </font></b><b><i><font>decisão </font></i></b><b><font>contida na parte final da sentença</font></b><font>, ou seja, a resposta </font><i><font>injuntiva </font></i><font>do</font><i><font> tribunal </font></i><font>à pretensão do autor ou do réu, </font><i><font>concretizada </font></i><font>no </font><i><font>pedido </font></i><font>ou na</font><i><font> pretensão reconvencional </font></i><font>e limitada através da respetiva</font><i><font> causa de pedir</font></i><font> ("conceção restrita do caso julgado").</font>
</p><p><font>Atualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por VAZ SERRA (cfr. R.L.J. ano 110º, p. 232) </font><b><font>- </font></b><font>embora</font><b><font> </font></b><font>sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão ("tese ampla") </font><b><font>-</font></b><font>, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, </font><b><font>a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado</font></b><font> (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objetivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas ("tese eclética"). </font>
</p><p><font>E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, sublinha ainda TEIXEIRA DE SOUSA que «</font><i><font>não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 578-579).</font>
</p><p><b><font>2.1.3.2. Do ponto de vista dos limites subjetivos </font></b><font>(referentes aos sujeitos)</font><b><font>:</font></b>
</p><p><font>Do ponto de vista dos limites subjetivos</font><font>,</font><font> em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram.</font>
</p><p><font>Esta regra da "eficácia relativa" do caso julgado sofre, todavia, restrições e desvios, derivados da possibilidade de a sentença se projetar na esfera jurídica de terceiros:</font>
</p><p><b><font>—</font></b><font> Quer pela</font><b><font> </font></b><font>"</font><b><font>vinculação direta desses sujeitos</font></b><font>"</font><font> </font><font>("extensão do caso julgado a terceiros"), que se justifica «</font><i><font>quando (…) importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica</font></i><font>» e que se fundamenta, designadamente, na identidade da qualidade jurídica entre a parte processual e o terceiro (por sucessão "inter vivos" ou "mortis causa"); na hipótese de substituição processual; na situação de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objeto apreciado e na oponibilidade resultante do registo da ação;</font>
</p><p><b><font>— </font></b><font>Quer através da "</font><b><font>eficácia reflexa do caso julgado</font></b><font>", que se verifica «</font><i><font>quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro</font></i><font>». </font>
</p><p><font>(Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, </font><i><font>in</font></i><font> "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 590). </font>
</p><p><b><font>2.1.3.3. Dos limites temporais a que o caso julgado está sujeito </font></b>
</p><p><font>Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª. instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que </font><i><font>a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª. instância. </font>
</p><p><font>A relevância desse momento implica, então, a </font><b><font>preclusão da invocação</font></b><font>, no processo subsequente, </font><b><font>das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada</font></b><font>, mas anteriores ao encerramento da discussão e que nele podiam ter sido apresentadas. Ou seja: tal referência temporal do caso julgado consubstancia um momento preclusivo.</font>
</p><p><font>De extrema pertinência revelam-se, assim, os ensinamentos de CASTRO MENDES, que, a propósito do assinalado efeito preclusivo, afirma:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>Fora da hipótese de factos objetivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida "rebus sic stantibus" - cremos que os "contradireitos" que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura. </font></i>
</p><p><i><font>O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem.(…)</font></i><font>»</font>
</p><p><font>E prossegue o mesmo Autor: </font>
</p><p><font>«</font><i><font>A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto.</font></i>
</p><p><i><font>Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha.</font></i>
</p><p><i><font>A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objeto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu. </font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i><font> </font><i><font>Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que "não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado". O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo "ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim", tutela</font></i><font> </font><i><font>da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo "princípio-irmão" do caso julgado material.</font></i>
</p><p><i><font> (…)</font></i><font> </font><i><font>A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. (…) Sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.</font></i><font>»</font>
</p><p><font>E, depois de acentuar que o efeito preclusivo precede a própria prolação da sentença, uma vez que se verifica no momento em que ocorre a cominação ou preclusão processual que está na sua base, formula a seguinte conclusão:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>Com o trânsito em julgado da sentença, o efeito preclusivo dissolve-se porém no instituto geral do caso julgado, e traduz-se no afastamento de possíveis limites argumentativos do mesmo. Se o tribunal condena o réu a pagar 100, fica assente que o réu deve 100 ao autor; e a indiscutibilidade desta afirmação não pode ser posta em causa invocando argumentos, factos ou razões que o efeito preclusivo cobriu. Tal efeito apresenta-se portanto, segundo cremos, como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo.</font></i><font>»</font>
</p><p><font> (</font><i><font>In</font></i><font> "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", p. 178 e segs.)</font>
</p><p><font>Ressaltando do exposto que a preclusão, enquanto fenómeno processual, mostra correlatividade com um ónus processual, então, importará ainda ter presente que o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cfr. artigo 573º, nº 1 do Código de Processo Civil), isto é, o réu tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação </font><b><font>-</font></b><font> na sugestiva expressão de CASTRO MENDES, «</font><i><font>o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa</font></i><font>» (</font><i><font>in</font></i><font> “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 177) </font><b><font>-</font></b><font>, pelo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado, por razões de lealdade na litigância processual, a que subjazem, igualmente, razões de segurança e de certeza jurídicas que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos possam vir a ser postergados com base em novos argumentos que em tal ação não foram, mas poderiam ter sido, i | [0 0 0 ... 0 0 0] |
0jJ9u4YBgYBz1XKvfBA7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font> </font></b><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> instaurou ação declarativa comum contra </font><b><font>BB, Lda.,</font></b><font> pedindo a condenação desta a cessar a atividade de lavandaria, fixando-se uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a cem euros por dia em que esta exerça ali a dita atividade. </font>
</p><p><font> Alega, em síntese, que a ré instalou no rés-do-chão de um edifício habitacional, constituído em propriedade horizontal, um estabelecimento comercial de lavandaria; porém, nessa fração não é permitido o exercício de atividade industrial; essa atividade produz ruído que atinge com muita intensidade a fração imediatamente acima desse rés-do-chão, onde habita, que impossibilita o seu sossego e tranquilidade e lhe causa sofrimento diário e agravamento do seu estado de saúde.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré veio contestar (por exceção), alegando que procedeu já às obras de insonorização necessárias para debelar a propagação do ruído da sua atividade, e que a Autora adquiriu a sua fração sabendo da existência, no prédio, da atividade comercial da Ré, pelo que se conformou com a sua existência, sendo que a presente ação configura um abuso de direito na parte em que pretende que a Ré seja condenada a cessar a sua atividade comercial.</font>
</p><p><font>Conclui pela improcedência da ação.</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Realizou-se a audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador tabelar; foi fixado o objeto do litígio e os temas de prova.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos contra si formulados.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Autora/Apelante interpôs recurso de “revista excecional”. </font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>A Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil não admitiu o recurso de revista excecional, por não se verificar, no caso presente, o pressuposto da dupla conformidade.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>O recurso de revista foi recebido, tendo sido proferida a seguinte decisão: “concede-se, parcialmente, a revista, revogando-se o acórdão recorrido, determinando-se que o Tribunal da Relação de Lisboa proceda à reapreciação da matéria de facto impugnada pela Recorrente”.</font>
</p><p><b><font>10. </font></b><font>O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu novo Acórdão, decidindo julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, “ordenando-se que a Ré não deverá iniciar a utilização de máquinas e de equipamentos que produzam sons (v.g., rádio) antes das 9 horas da manhã, cessando tal utilização pelas 19 horas”.</font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Autora/Apelante interpôs recurso de revista,</font><b><font> </font></b><font>formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O acórdão de que agora se recorre, em substituição do vencido, acaba por ser uma falácia porque, no seu </font><i><font>modus faciendi, </font></i><font>violador dos direitos legais da Recorrente, lhe impõe 10 horas diárias de agravamento da sua saúde e a obriga a continuar a refugiar-se fora do seu lar por períodos interpolados. </font>
</p><p><font>2ª. A aceitação pela Ré de que </font><i><font>"Na fração onde funciona a lavandaria não é permitido </font></i><font>o </font><i><font>exercício de actitividades industriais" </font></i><font>e reconhecendo ela a sua ilicitude porque diz que causou incómodo à Autora, tal asserção é matéria de facto e não de direito. </font>
</p><p><font>3ª. Ocorre no caso a Nulidade do artº 615°, n° 1, al c). in fine, do CPC porque os fundamentos de direito estão em oposição com a decisão porquanto, reapreciando de mérito (págs. 15, 16 e 17) se diz que a Autora goza do direito ao repouso e ao sono e fazem-se e ressaltam-se citações justificativas desse direito e por fim, em decisão violadora do art° 335°. n° 2, do Código Civil agravam-se seus males com uma decisão que impõe à Autora 10 horas diárias de suplício ruidoso e ilegal. </font>
</p><p><font>4ª. Ocorre também a nulidade do art° 615°. n° 1, al d). in fine, do CPC porque o acórdão se alonga para onde não devia pois que, embora reconhecendo que a Ré não cumpre a lei do ruído, esvazia a estatuição do art° 335°. n° 2, do Código Civil no sentido de considerar o direito da Ré, que ela não invocou, da mesma espécie ou igual ao direito à saúde e, contra as decisões favoráveis que cita, recusa-se a trilhar o mesmo caminho e interpreta o n° 2 do artº 335° do Código Civil no sentido de considerar o direito fundamental à saúde a ceder ao direito ao exercício de uma atividade industrial molestadora da saúde, em frontal violação do n° 1 do art° 25° da Constituição. </font>
</p><p><font>5ª. Mais se verifica a existência da nulidade do art° 615°, nº 1. al d), primeira parte, do CPC porque o acórdão não conheceu da questão alegada no art° 23° da p. i. que é: </font>
</p><p><i><font>A instalação de uma indústria em fração não destinada a esse fim carecia do acordo da A., sendo esse acordo insuprível mesmo judicialmente (Ac. da Relação de Lisboa de 12-06-1984:3 </font></i><font>151 </font><i><font>e BMJ, 345 - 446 e 03-04-2014). </font></i>
</p><p><font>6ª. Ré não formulou nenhum pedido contra Autora, por isso não podia o Tribunal tomar conhecimento de tal questão pelo que, fazendo-o, cometeu aqui também nulidade do art° 615°, n° 1, al d). in fine, do CPC que proíbe o juiz </font><i><font>de apreciar ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento.</font></i>
</p><p><font>7ª. Se o conflito surgir entre "direitos, liberdades e garantias" sujeitos a reserva de lei restritiva e outros bens ou direitos, há ainda persistência dos primeiros" (Ac STJ de 13/03/1997). </font>
</p><p><font>8ª. Tendo ficado provado que o ruído está a agravar a saúde da Autora, impõe-se a procedência da ação. </font>
</p><p><font>9ª. Foram violados os do art° 615, n° 1. alíneas c) e de, do CPC e os artigos 70°. nºs 1 e 2 e 335°, n°2 do Código Civil pois que o verdadeiro sentido das normas é que o direito à saúde se sobrepõe ao direito a exercer uma atividade industrial agravadora da saúde. </font>
</p><p><font>E conclui, pedindo que a Ré seja condenada no pedido. </font>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> A Recorrida BB, Lda. não contra-alegou.</font>
</p><p><b><font>13. </font></b><font>O Tribunal da Relação de Lisboa veio a pronunciar-se sobre as nulidades arguidas, pelo Acórdão de fls. 223/226, indeferindo “na totalidade a arguição das nulidades feitas pela autora”. </font><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Autora/ ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font>
</p><p><font>- a nulidade do Acórdão: oposição entre os fundamentos e a decisão, excesso de pronúncia; omissão de pronúncia (alíneas c) e d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil;</font>
</p><p><font>- a apreciação do mérito da causa (a violação do disposto nos artigos 70º e 335º, nº2, do Código Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. Factos dados como provados pelas instâncias</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> A ré instalou no rés-do-chão do prédio habitacional da Rua ..., uma lavandaria onde é utilizado equipamento de cariz industrial, designadamente máquinas rotativas de lavagem, centrifugação e secagem de roupa. </font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> O prédio está constituído em propriedade horizontal. </font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Conforme a respetiva escritura de constituição de propriedade horizontal, o espaço onde se mostra instalada a lavandaria corresponde a loja, composta por uma divisão ampla, uma instalação sanitária com antecâmara e uma varanda à retaguarda, sem indicação do destino a que a mesma pode estar afeta. </font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Os ruídos produzidos pela laboração da lavandaria chegam à habitação imediatamente acima da mesma, correspondente ao primeiro andar direito. </font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> A autora abandonou o seu emprego pelo ano de 2004. </font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> A autora foi sujeita a cirurgia ortopédica e neurológica em fevereiro e junho de 2012 no Hospital de Sant’Ana e com indicação de repouso, tendo sido enviada para consulta de psiquiatria e de dor no Hospital Fernando da Fonseca. </font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> A autora sofre de um quadro de dor lombar intensa, irradiada ao longo do membro inferior direito até ao calcanhar, acompanhada de contratura dos músculos eretores da coluna. Apresentava ainda gonialgia esquerda. </font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> A autora tem indicação clínica para fazer fisioterapia. </font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> A ré não labora aos domingos e encerra a sua atividade diariamente pelas 21h00m. </font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> A ré, em maio de 2014, procedeu a obras de insonorização da loja, que reduziram o ruído proveniente da sua laboração para 6 dB (A) no interior da habitação em 1.4, supra. </font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Em 29.05.2014, a ré enviou a CC, na morada da referida habitação, onde foi rececionada, uma comunicação escrita onde fez notar que «conforme o determinado pela Câmara Municipal de Sintra venho informar V. Exa. que tenho que proceder a medições acústicas no seu apartamento. Nesse sentido, venho solicitar que conceda autorização para o fazer nos dias 5 e 6 de Junho de 2014 entre as 17h00m e as 19h00m. Se esta data não lhe for conveniente, proponho outra, ou seja, nos dias 17 e 18 de Junho à mesma hora. Quem irá realizar estes trabalhos é o Sr. Engenheiro DD da firma EE, Lda., devidamente credenciados e certificados para o efeito».</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Porém, não foi dada permissão para tais medições.</font>
</p><p><font>No âmbito da reapreciação da matéria de facto, o Tribunal da Relação deu, ainda, como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><b><font>1.13. </font></b><font>Os ruídos referidos em 1.4. são incómodos e impossibilitam a Autora de descansar no período de funcionamento da lavandaria, quando a Autora se encontra no primeiro andar direito.</font>
</p><p><b><font>1.14. </font></b><font>O referido em 1.13. contribui para o agravamento do estado de saúde da Autora.</font>
</p><p><b><font>1.15. </font></b><font>A Autora sofre de síndrome depressiva desde 2002 com indicação terapêutica de descanso.</font>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> A Autora pernoita, toma as refeições, recebe a família e amigos na fração imediatamente acima da lavandaria mas fá-lo apenas em períodos interpolados (os quais não totalizam metade do ano) em virtude do referido em 1.13. a 1.15. e de utilizar uma segunda habitação.</font>
</p><p><b><font>1.17. </font></b><font>A Autora esteve de baixa durante dois anos e meio no período de 2002 a 2004.</font>
</p><p><b><font>1.18. </font></b><font>A lavandaria faz extração de fumos e vapores por conduta sita em parede lateral do prédio.</font>
</p><p><b><font>2. Das nulidades</font></b>
</p><p><b><font>2.1.</font></b><font> </font><b><font>Enquadramento normativo preliminar</font></b>
</p><p><font>Como se referiu no Acórdão de fls.164/176, a violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou </font><i><font>error in procedendo</font></i><font> e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>No caso em presença, convoca a Recorrente, de forma expressa, as nulidades típicas previstas na 1ª parte da alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil </font><i><font>(oposição entre os fundamentos e a decisão)</font></i><font>, alínea d), 1ª parte, do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (</font><i><font>omissão de pronúncia</font></i><font>), na 2ª parte da mesma alínea (</font><i><font>excesso de pronúncia</font></i><font>).</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>Prescreve a alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.</font>
</p><p><font>Assim, verifica-se a nulidade invocada (oposição entre os fundamentos e a decisão) quando a construção da sentença se mostra viciosa, pois os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, isto é, verifica-se quando os respetivos fundamentos estejam em oposição com a decisão: trata-se da deficiência em que o silogismo em que se analisa a decisão, contém fundamentos que levam logicamente a um juízo em determinado sentido, mas em que a decisão efetivamente adotada é a de sentido oposto</font>
</p><p><font>- Acórdão do STJ, de 4/02/2014, in Sumários, Fevereiro/2014, consultável em </font><a><u><font>www.stj.pt</font></u></a><font> –</font>
</p><p><font>Ou, no dizer do Acórdão do STJ, de 17/12/2014 (in Sumários, 2014, consultável em </font><font>www.stj.pt</font><font>), a contradição entre os fundamentos e a decisão existe quando a fundamentação aponta para um sentido, que lógica e formalmente não é comportado pela decisão, estando com ela em frontal colisão.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>De harmonia com o disposto no artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no nº2 do artigo 663º do Código de Processo Civil - deve conhecer, em primeiro lugar, de todas </font><i><font>as </font></i><b><i><font>questões processuais</font></i></b><font> (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.</font>
</p><p><font>Seguidamente, devem ser conhecidas as </font><b><i><font>questões de mérito</font></i></b><font> (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo 608º.</font>
</p><p><font>Nesta linha, </font><b><i><font>constituem questões</font></i></b><font>, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda </font><b><i><font>cada uma das exceções</font></i></b><font> dilatórias ou </font><b><i><font>perentórias invocadas pela defesa</font></i></b><font> ou que devam ser suscitadas oficiosamente. </font>
</p><p><font>Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E a </font><b><font>omissão de pronúncia</font></b><font> quanto a tais questões constitui fundamento de nulidade do Acórdão, por força do disposto na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº1, do mesmo diploma).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, o </font><b><font>excesso de pronúncia </font></b><font>ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº1, do mesmo diploma).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após esta sumária indagação e interpretação das normas jurídicas relevantes, importa agora reverter ao caso concreto:</font><br>
<br>
<b><font>2.2. Contradição entre a fundamentação e a decisão</font></b>
</p><p><font> A Recorrente refere que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa está em contradição com a sua fundamentação, porquanto afirma a proteção da dignidade da pessoa humana e elenca os malefícios que a amarguram e aniquilam, acaba por submeter a Recorrente a um inferno de 10 horas diárias que tanto agrava os males de que sofre a Recorrente.</font>
</p><p><font> No Acórdão recorrido afirma-se que, no caso concreto, existe uma colisão de direitos, entre “os direitos fundamentais (por parte da autora) com o direito de propriedade e de iniciativa económica (por parte da requerida)”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> E invocando o disposto no artigo 335º do Código Civil, e fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade, o Acórdão recorrido, condenou a Ré a não “iniciar a utilização de máquinas e de equipamentos que produzam sons (v.g., rádio) antes das 9 horas da manhã, cessando tal utilização pelas 19 horas”.</font>
</p><p><font> Assim, o Acórdão recorrido resolveu a questão da colisão de direitos, sendo que a conclusão é consentânea com a fundamentação, porquanto esta poderia conduzir-nos para a conclusão que foi extraída pelo Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><font> Deste modo, não se verifica a nulidade invocada.</font>
</p><p><br>
<b><font>2.3. Excesso de pronúncia</font></b><br>
<font>A Recorrente suscita a questão da nulidade por excesso de pronúncia, porquanto o Acórdão recorrido “esvazia a estatuição do artº335º, nº2, do Código Civil no sentido de considerar o direito da Ré, que ela não invocou, da mesma espécie ou igual ao direito à saúde e, contra as decisões favoráveis que cita, recusa-se a trilhar o mesmo caminho e interpreta o nº2 do artº 335º do Código Civil no sentido de considerar o direito fundamental à saúde a ceder ao direito ao exercício de uma atividade industrial molestadora da saúde, em frontal violação do nº1 do artigo 25º da Constituição”.</font>
</p><p><font> Ora, para a resolução da causa, o Tribunal da Relação não poderia deixar de analisar a questão do conflito de direitos, não carecendo, para se pronunciar, que a Ré tivesse invocado o seu direito.</font>
</p><p><font> Assim, como refere o Tribunal da Relação de Lisboa “a questão reconduz-se ao que já acima foi dito a propósito do princípio da concordância prática e do princípio da proporcionalidade, tratando-se de uma questão de direito que o Tribunal da Relação podia e devia conhecer (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil)” (cfr. fls.225).</font>
</p><p><font> Deste modo, não se verifica a nulidade de excesso de pronúncia.</font>
</p><p><font> </font><b><font>2.4. Omissão de pronúncia</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>No que respeita à omissão de pronúncia:</font>
</p><p><font> A Recorrente afirma, também, que se verifica a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação, porquanto “não conheceu da questão alegada no artº 23º da p.i. que é: A instalação de uma indústria em fração não destinada a esse fim carecia do acordo da A., sendo esse acordo insuprível mesmo judicialmente”. </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação decidiu, em conferência realizada para apreciação das nulidades invocadas pela Recorrente, que “não está provado que a Autora não tenha dado autorização para o exercício da actividade da Ré (cfr. elenco dos factos provados), sendo que a prova de tal facto incumbia à Autora (Artigo 342º, nº1, do CC). Não estando provada tal factualidade, não cabia ao Tribunal da Relação pronunciar-se sobre a relevância jurídica de factos não provados” (cfr. fls.225vº).</font>
</p><p><font>Ora, estando suscitada a questão pela Autora, competia ao Tribunal da Relação pronunciar-se sobre essa questão, independentemente de se considerar que a Recorrente não tinha feito a prova que lhe incumbia.</font>
</p><p><font>Contudo, verifica-se que a própria Relação já se havia pronunciado sobre essa questão (omitida pelo Tribunal de 1ª instância) no Acórdão proferido a fls.117/125, e mais concretamente a fls. 121vº/122vº, (em que refere que foi cometida essa nulidade e, em substituição do Tribunal de 1ª instância, o Tribunal da Relação pronunciou-se).</font>
</p><p><font>E aí concluiu que não havia fundamento para que a ação fosse julgada procedente com esse fundamento.</font>
</p><p><font>Por outro lado, mesmo o Acórdão sob recurso voltou a pronunciar-se sobre esta questão, apesar de o não fazer no momento mais adequado, invocando o que havia sido decidido anteriormente e citando partes significativas da fundamentação do Acórdão proferido anteriormente, tendo afirmado “Esta ressalva final explica-se porquanto, no artigo 3º da petição a Autora afirmou «</font><i><font>Na fração onde funciona a lavandaria não é permitido o exercício de atividades industriais</font></i><font>”, o que foi aceite pela Ré no artigo 1º da sua contestação. Porém, como bem entendeu o tribunal a quo, em matéria da designação do fim a que se destina uma fração autónoma há que dar prevalência ao que consta, ou não consta, da respetiva escritura de constituição de propriedade horizontal – Artigos 1417º, nº1, 1418º, nº1, nº2, alínea a), 364º, nº1 e Assento do STJ de 10.5.1989. Ou seja, o fim da fração ou a omissão da menção ao fim da fração só poderia ser provado por outro documento de força probatória superior mas não por outro meio de prova, ainda que de igual valor como é o caso da prova por confissão a que seja reconhecida força probatória plena – cf. AA. VV</font><i><font>., Comentário ao Código Civil, Parte geral</font></i><font>, Universidade Católica Editora, 2014, p. 846. </font>
</p><p><font>Ora, na escritura da constituição da propriedade horizontal não foi designado um destino a que a fração ocupada pela Ré pudesse ser afeta. Neste cenário em que o título constitutivo da propriedade horizontal é omisso quando ao fim a que se destina a fração, o condómino pode utilizá-la para qualquer finalidade não proibida, sendo que essa proibição pode resultar, em primeira linha, da desconformidade do uso pretendido com o fim constante do projeto camarário, se ele existir e o tiver fixado – cf. Abílio Neto, </font><i><font>Manual da Propriedade Horizontal</font></i><font>, 2015, pp. 234-325 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.2.91, </font><i><font>Abranches Martins</font></i><font>, 0033852. A Autora nada alegou quanto ao fim constante para a fração no projeto camarário, nem sequer alegando que o Município de Sintra não licenciou a atividade da Ré. A menção feita ao Artigo 1419º, nº1, do Código Civil, é despropositada porquanto para a Ré utilizar a fração como lavandaria não é necessária a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal uma vez que este foi omisso quanto ao destino da fração, não tendo sequer sido alegado que houve uma alteração de uso em relação ao uso anteriormente feito” (cfr. fls.193vº/194).</font>
</p><p><font>Deste modo, o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciou-se sobre a questão, e no sentido da não violação do direito da Recorrente, com o fundamento invocado.</font>
</p><p><br>
<b><font>3. A violação do disposto nos artigos 70º e 335º, nº2, do Código Civil </font></b><br>
<font> A Recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto o “verdadeiro sentido das normas é que o direito à saúde se sobrepõe ao direito a exercer uma actividade industrial agravadora da saúde”.</font><br>
<font>No Acórdão sob recurso foi entendido que se estava em presença de um conflito de direitos da Autora e da Ré (entre direitos fundamentais de personalidade – por parte da Autora – e os direitos de propriedade e de iniciativa económica – por parte da Ré), e que com observância do princípio da proporcionalidade, a harmonização entre os direitos em conflito era viável, julgou parcialmente procedente a apelação e ordenou “que a Ré não deverá iniciar a utilização de máquinas e de equipamentos que produzam sons (v.g., rádio) antes das 9 horas da manhã, cessando tal utilização pelas 19 horas”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Dispõe a CRP que a integridade moral e física das pessoas é inviolável (nº1 do artigo 25º) e que todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover (nº1 do artigo 64º), bem como todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender (nº1 do artigo 66º).</font>
</p><p><font> Por sua vez, o artigo 70º do Código Civil dispõe que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (nº1) e que, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (nº2), sendo que o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida na sua própria casa se configuram manifestamente como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do direito fundamental de personalidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por sua vez, prescreve o artigo 335º do Código Civil que havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (nº1) e se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior (nº2).</font><br>
<b><font> </font></b><font>Como se refere no Acórdão do STJ, de 3 de maio de 2018 (sendo Relator o 1º Adjunto deste Coletivo, e a 1ª Adjunta a 2ª Adjunta neste Coletivo), “no tema da produção ou emissão de ruídos, lesivos de direitos individuais ou colectivos, tem a jurisprudência deste tribunal, consistentemente e desde há vários anos, convocado uma tríplice tutela jurídica (entre outros, ASTJ de 17.1.2002 e 2.12.2013, disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>): (i) a da tutela do direito de propriedade, designadamente no domínio das relações de vizinhança (art.1346º do CC); (ii) a do direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art.66º, da CRP e Lei 19/2014, de14 de Abril – anteriormente Lei 11/87, de 7 de Abril) e (iii) a dos direitos fundamentais de personalidade, o direito à integridade moral e física, ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25º, 26º, nº1 da CRP e art.70º do CC”.</font>
</p><p><font> (consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso presente, a Recorrente tem na sua residência direito ao sossego, ao repouso, à tranquilidade, que são a tradução prática ao seu direito à integridade física e moral e a um ambiente de vida sadio.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Este direito da Recorrente entra em conflito com o direito da Ré a desenvolver a sua atividade económica (sendo que o direito à iniciativa económica e o direito à propriedade privado são constitucionalmente protegidos) na fração que faz parte do mesmo edifício da habitação da Recorrente.</font>
</p><p><font> Mas, ocorrendo essa colisão de direito, não nos podemos remeter para uma apriorística prevalência de um dos direitos, por pertencer a uma categoria superior, como pretende a Recorrente quando invoca o disposto no artigo 335º do Código Civil.</font>
</p><p><font> Ora, não é possível uma leitura simplista da citada disposição legal, porquanto estamos em presença de uma cláusula indeterminada, necessitando as afirmações aí contidas de ser objetivadas, devendo ser tomado em consideração de que forma os direitos em confronto colidem e a intensidade com que o exercício de cada uma afeta o outro.</font>
</p><p><font> “Claro está que é preciso decidir os casos concretos e a via indicada parece ser a que harmonize os direitos em conflito ou, se necessário, dê prevalência a um deles, de acordo com as circunstâncias concretas e à luz de uma hierarquia decorrente das próprias normas constitucionais (...) ou de aplicação de critérios metódicos abstractos que orientem a tarefa de ponderação e/ou harmonização concretas, tais como o princípio da concordância prática e a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”.</font>
</p><p><font> (STJ de 9 de Janeiro de 1996, consultável in </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>)</font>
</p><p><font> O direito ao descanso e ao sono não se traduz numa exigência de que nenhum ruído possa ser produzido, mas deve entender-se não ser justificável o seu sacrifício à realização de outros interesses quando se ultrapassa determinados limites.</font>
</p><p><font>E esses limites em que não é justificável esse sacrifício, têm de ser vistos em concreto, casuisticamente construída pelo julgador, na sua atividade de interpretação dos valores fundamentais consagrados na sociedade. </font>
</p><p><font>E esse princípio de concordância prática está consagrado no nº2 do artigo 18º da CRP, podendo ser aplicado quando estão em confronto direitos de diferente natureza.</font><font> </font>
</p><p><font> Torna-se necessário proceder a uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função, também, do princípio da proporcionalidade e com referência à intensidade e relevância da invocada lesão da personalidade.</font>
</p><p><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
cjKAu4YBgYBz1XKvIhK8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> AA, BB, CC, </font><b><font>DD</font></b><font>, EE, e FF, intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra </font><b><font>GG, SA.</font></b><font>, e contra a </font><b><font>HH, S.A.</font></b><font>, pedindo que as RR. sejam “</font><i><font>condenadas a pagar aos AA. a indemnização global de €161 465, como indemnização mínima, justa e legal, por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo infeliz II, bem como pelos danos não patrimoniais por eles AA. sofridos e a sofrer em consequência da morte do seu irmão, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral e efectivo pagamento do capital liquidado a favor dos AA.</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- no dia 11/12/2010, cerca das 16 horas e 45 minutos, em ..., ocorreu um acidente de trabalho numa obra de que era empreiteira a 1ª R., acidente esse – no qual faleceram dois dos seus trabalhadores, sendo um deles, II, irmão dos AA. –;</font>
</p><p><font>- o acidente ocorreu por culpa do trabalhador da 1ª R. que chefiava a equipa de trabalho, o qual optou (contra as ordens e instruções da sua entidade empregadora e formação que desta tinha recebido) por não entivar uma vala que havia sido aberta para colocação de saneamento e que, sem a vala devidamente entivada, ordenou ao irmão dos AA. que descesse ao seu interior, o que aquele fez (no que foi acompanhado pelo referido chefe de equipa);</font>
</p><p><font>- quando os mesmos se encontravam no seu interior, a ocorreu o desmoronamento de uma das paredes laterais da vala e a rotura de uma conduta, o que provocou a morte de ambos por asfixia.</font>
</p><p><font>O referido chefe da equipa de trabalho (JJ, também falecido) foi o único culpado/responsável pelo acidente, sendo a 1.ª R. responsável enquanto comitente e a 2.ª R. (seguradora) responsável por a 1.ª R. lhe haver transferido a sua responsabilidade (pelo contrato de seguro celebrado).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citadas, as Rés apresentaram contestação, em separado:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- A R. HH – </font>
</p><p><font>Invocou, para além de impugnar por desconhecimento a factualidade alegada, que o contrato de seguro celebrado com a 1.º R. não cobre o sinistro descrito pelos AA..</font>
</p><p><font> - A R. “GG, SA” –</font>
</p><p><font>Invocou a exceção da incompetência material e como exagerados os montantes indemnizatórios pedidos, sustentou que sempre observou as regras de segurança e que sempre deu a devida formação aos seus trabalhadores nesse sentido, pelo que, “</font><i><font>se o referido II entrou na vala em construção sem entivação, fê-lo de vontade própria contrariando as instruções que lhe tinham sido ministradas pela R. e pelos seus representantes sobre o modo e respeito de condições de segurança quanto à obra em causa (…), não podendo a sua atitude temerária e desrespeitadora das regras de segurança ficar-se a dever apenas ao acto do malogrado JJ, que lhe teria pedido para entrar na vala”, </font></i><font>pelo que </font><i><font>“não será assim totalmente verdade o alegado nos arts. 16.º, 17.º e 18.º da p. i., pois terá de entender-se que o acidente também ficou a dever-se ao próprio desrespeito que a vítima II fez das regras de segurança ao ter contribuído com o seu comportamento para que a vala não fosse entivada</font></i><font>”; motivo pelo qual concluiu “</font><i><font>que a morte da infeliz vítima se ficou a dever ao seu próprio comportamento, razão pela qual não tem de reparar os danos decorrentes daquele acidente, nos precisos termos do disposto no art. 14.º/1 da Lei 98/2009”</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Os A.A. responderam às exceções, pugnando pela sua improcedência. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Findos os articulados, foi lavrado despacho saneador, que julgou improcedente a exceção de incompetência material; foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu as Rés GG, S.A. e HH, S.A. dos pedidos contra as mesmas formulados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. AA, BB, DD e EE recurso de apelação, tendo a Relação de Coimbra decidido julgar “parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, que se substitui pela condenação da 1ª R. (GG, SA.) a pagar aos 4 AA./Apelantes (AA, BB, DD e EE), a título de indemnização, a quantia global de €55.732,50, acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral e efectivo pagamento de tal quantia; mantendo-se, em tudo mais, as absolvições da sentença recorrida”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Ré GG, S.A. veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. Os A.A recorridos nunca estiveram impedidos de reclamar a indemnização pelos danos sofridos, em consequência da morte do seu familiar II com fundamento no instituto da Responsabilidade Civil. </font>
</p><p><font>2ª. Apesar de os factos dos autos terem constituído acidente de trabalho, uma vez que aquela responsabilidade não fica assim posta de parte no domínio dos acidentes de trabalho. </font>
</p><p><font>3ª. Não é porém, admissível, conforme consignado no acórdão, a aplicação cumulativa das duas normas quando o empregador é um comitente, e o sinistro é causado por um seu trabalhador </font><i><font>/ </font></i><font>comissário sobre outro trabalhador, como é o caso dos autos. </font>
</p><p><font>4ª. De verdade, face à ora recorrente GG S.A., a infeliz vítima II, trabalhador desta, tem a qualidade de comissário e não de terceiro, sendo comitente a mesma sociedade recorrente. </font>
</p><p><font>5ª. Como aliás todos os outros trabalhadores que no local do acidente se encontravam. </font>
</p><p><font>6ª. Ou seja a responsabilidade civil extracontratual como responsabilidade objectiva existe para a tutela de terceiros.</font>
</p><p><font>7ª. E contrariamente ao consignado no mesmo Acórdão do Tribunal da Relação, também não podem entender-se como "terceiros lesados" em face da morte do infeliz II - os ora A.A recorridos. </font>
</p><p><font>8ª. Também se devendo concluir que da mesma forma se teria de entender o encarregado JJ, como um comissário sobre quem recaía o dever de obediência às ordens da entidade patronal, e atento, o próprio dinamismo organizacional de uma empresa.</font>
</p><p><font>9ª. O que não retira a mesma qualidade de comissário ao já referido II </font>
</p><p><font>10ª. Assim, sempre se mostrará inaplicável ao presente caso o disposto no artº500 do C.C. , contrariamente ao decidido nos autos. </font>
</p><p><font>11ª. Aliás, a referência a "terceiros lesados" aos irmãos do falecido II, também não se aceita porquanto a compensação pelos danos patrimoniais reclamados pelos mesmos são <br>
direitos reflexos, conforme arte 496 do C.C.</font>
</p><p><font>12ª. Mesmo os danos não patrimoniais próprios dos A.A recorridos (art°496 nº4) relativos aos quais numa primeira análise se poderá assacar a qualidade de terceiro, tem de entender-se como danos directamente ligados ao dano real da morte do referido II. </font>
</p><p><font>13ª. E relativamente aos danos não patrimoniais próprios do falecido II, <br>
sofridos até ao momento da morte e ao dano da morte autonomamente considerado, tais dúvidas <br>
não se suscitam, pois são danos transmissíveis aos A.A recorridos a título de sucessório. </font>
</p><p><font>14ª. Aliás quanto aos diferentes tipos de danos ligados ao dano real da morte de II, não assumem os A.A recorridos, em relação às várias categorias de prejuízo a qualidade de terceiro. </font>
</p><p><font>15ª. Ainda assim, ao tribunal, quanto aos danos não patrimoniais pelos A.A recorridos sofridos, face ao disposto no art°494, é reconhecido o respeito pela equidade na fixação do montante compensatório a atribuir ao lesado. </font>
</p><p><font>16ª. Sendo inadmissível o critério aritmético dos lesados, que parece ter sido utilizado na decisão ora impugnada. </font>
</p><p><font>17ª. Ou seja, parece ser inadmissível um critério de cálculo dos danos não patrimoniais, que permita a atribuição de um montante compensatório superior, a reparação a que alude o art° <br>
496 n° 4 do C.C. </font>
</p><p><font>18ª. Na fixação dos danos, se fosse caso disso, que não é, estando em causa danos próprios dos A.A. recorrentes, sempre teria de atender-se, ao diferente nível de ligação entre o falecido e os diferentes A.A., o que não foi feito. </font>
</p><p><font>19ª. Nos autos, não pode aferir-se a resolução do litigio, de forma concorrencial, entre o comportamento do chefe de equipa JJ e a infeliz vítima II, porquanto tal pressupunha a consideração de II como terceiro em relação à ora recorrida GG, S.A., o que não se aceita.</font>
</p><p><font>20ª. Sendo como já se disse, inaplicável o disposto no art° 500 do C.C. </font>
</p><p><font>21ª. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre como se disse na 1ª instância, o dano real da morte do falecido II, ficou a dever-se à sua conduta exclusiva, e também quando assim é a responsabilidade do agente fica excluída, nos termos do disposto no art° 570 n°1 do <br>
C.C. </font>
</p><p>
</p><p><font> Conclui pela </font><i><font>procedência do recurso,”</font></i><font>revogando-se o aliás douto acórdão, e substituindo-o por outro que mantenha na íntegra a sentença da 1ª. instância, absolvendo totalmente a Ré do pedido, negando-se assim provimento ao recurso inicialmente instaurado pelos A.A.”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Os Recorridos contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. No que respeita à primeira questão, temos que os presentes autos se limitam à alegada responsabilidade pelo risco, com fundamento no artº. 500°. do Cod. Civil, em que se abstrai da </font><i><font>culpa da comitente entidade patronal </font></i><font>e de que não é impeditivo o facto de estarmos perante </font><i><font>um acidente de trabalho, </font></i><font>pois como bem refere o acórdão recorrido, pois os ora autores não são legalmente beneficiários de pensão de acidente de trabalho. </font>
</p><p><font>2ª. Como se define no douto acórdão recorrido, a responsabilidade pelo risco prevista no artº. 500°. tem 3 pressupostos, a saber: </font><i><font>1 </font></i><font>- </font><i><font>A existência dum vínculo de comitente e comissário; 2 - Haver responsabilidade do comissário; 3</font></i><font>- </font><i><font>Ter sido praticado </font></i><font>o </font><i><font>facto ilícito no exercício da função. </font></i>
</p><p><font>3ª. No caso dos autos, não há dúvidas e o recorrente também as não suscita de que havia uma relação de comitente/comissão entre a 1ª. R. e o falecido </font><i><font>JJ, </font></i><font>dado que aquele era trabalhador da 1ª. R., ou seja, estava vinculado a ela por contrato de trabalho. </font>
</p><p><font>4ª. Para aferirmos dos outros dois requisitos temos de atender as funções que a este estavam cometidas e que, como bem refere o acórdão recorrido e resulta da matéria de facto dada como provada, o </font><i><font>trabalhador JJ </font></i><font>exercia as funções de </font><u><font>chefe de equipa</font></u><font>, da qual fazia <br>
parte o falecido II. </font>
</p><p><font>5ª. No exercício dessas funções, - </font><i><font>a 1ª. R. deu ordens por intermédio dos seus técnicos responsáveis em obra, para </font></i><font>o </font><i><font>entivamento da referida vala bem como da outra vala que no mesmo dia foi executada por outra brigada (facto </font></i><font>11); - </font><i><font>ordens que a ambos os chefes de equipa foram transmitidas e dadas quer aquando da planificação dos trabalhos, quer no dia anterior ao acidente e no próprio dia </font></i><font>(facto 12);- </font><i><font>sabia assim, </font></i><font>o </font><i><font>chefe de equipa, JJ, que as valas com profundidade superior a </font></i><font>1,2 </font><i><font>metros, têm de ser, necessariamente. entivadas </font></i><font>(facto 13);- </font><i><font>não devendo entrar na vala, qualquer trabalhador, sem que a mesma esteja entivada e a entrada se faça por meio de uma escada </font></i><font>(facto 14) e - </font><i><font>cabia ao JJ a direcção dos trabalhos </font></i><font>(facto 16)</font>
</p><p><font>6ª. </font><i><font>foi ele que procedeu à abertura da vala, ficando com uma dimensão não concretamente apurada entre 80cms a 150cms de largura </font></i><font>(ainda facto 16); - o </font><i><font>JJ optou por não colocar os painéis de entivação apesar de a vala ter largura suficiente para poder <br>
ser entivada </font></i><font>(facto 17); - </font><i><font>apesar de não entivada o JJ determinou que </font></i><font>o </font><i><font>trabalhador LL </font></i><font>o </font><i><font>acompanhasse ao interior da vala para concluírem os trabalhos. com a colocação de pontos de nível para seguidamente aplicarem a conduta de saneamento </font></i><font>(facto 18): </font>
</p><p><font>7ª. Verifica-se assim que existe responsabilidade civil, </font><b><i><font>por culpa efectiva e real do comissário/chefe de equipa </font></i></b><i><font>JJ, </font></i><font>que, na direcção dos trabalhos, procedeu à abertura da vala, mas fez a </font><b><i><u><font>opção</font></u></i></b><font> de a não entivar assim colocando em risco, como realmente aconteceu, a sua vida e dos seus colegas trabalho. </font>
</p><p><font>8ª. Dúvidas não há de que se </font><b><u><font>verificam os pressupostos da aplicação do artº. 500°., nºs. </font></u></b><u><font>1 e </font></u><b><u><font>2 do Cod. Civil</font></u></b><b><font>,</font></b><font> pois existe um </font><b><i><font>facto danoso praticado pelo comissário/chefe de equipa </font></i></b><i><font>JJ </font></i><b><i><font>contra as instruções do </font></i></b><i><font>comitente. </font></i>
</p><p><font>9ª.</font><i><font> </font></i><font>Entende, porém, a recorrente que se não pode aplicar aqui o art°. 500</font><sup><font>0</font></sup><font>. citado, dado que também havia uma relação de trabalho entre o falecido irmãos dos AA. e a 1ª. Ré, pelo que não seria </font><b><u><font>terceiro</font></u></b><b><font>,</font></b><font> para efeitos indemnizatórios. </font>
</p><p><font>10ª. Conforme resulta claramente do facto 27, dos factos provados, </font><i><font>"se a entivação da vala tivesse sido efectuada, teria suportado. total ou parcialmente </font></i><font>o </font><i><font>desmoronamento das terras da parede da vala" </font></i><font>e, no exercício das suas funções não tinha o falecido II quaisquer poderes para </font><b><i><font>abrir a vala </font></i></b><font>e, além disso, </font><b><i><font>optar ou não pela sua </font></i></b><i><font>entivação, </font></i><font>pois que essas funções cabiam ao chefe de equipa, </font><b><i><font>escolhido pela entidade patronal </font></i></b><font>e a </font><b><u><font>cujas ordens e decisões devia obediência. </font></u></b>
</p><p><font>11ª. Mais que a qualificação de terceiro - </font><i><font>questão meramente semântica </font></i><font>- é relevante a </font><b><i><font>qualificação de lesado </font></i></b><font>que não pode deixar de atribuir-se ao falecido </font><b><i><font>II, </font></i></b><font>pois foi vítima da opção de não cumprimento pelo seu chefe de equipa JJ das ordens e instruções que lhe foram dada pela 1ª. R. </font>
</p><p><font>12ª.Tanto assim é que está provado que </font><i><font>o acidente dos autos ou não teria ocorrido ou teria tido consequências menores </font></i><font>(facto 27). </font>
</p><p><font>13ª. Havendo culpa do falecido comissário/chefe de equipa </font><i><font>JJ </font></i><font>e do lesado </font><i><font>II, </font></i><font>O tribunal recorrido não podia deixar de condenar a ora recorrente e 1ª. R, porque a mesma eram comitente do lesante e comissário </font><i><font>JJ, </font></i><font>a quem o </font><i><font>lesado II </font></i><font>devia obediência, por dele depender hierarquicamente. </font>
</p><p><font>14ª. Nenhuma censura merece o acórdão recorrido quanto à condenação da ora recorrente, salvo apenas quanto à excessiva proporção em que considerou o infeliz II como culpado, pois metade é manifestamente exagerada, o que motivará o recurso subordinado. </font>
</p><p><font>15ª. Fixada na ideia de </font><i><font>"terceiros", </font></i><font>a recorrente entende que também o direito dos ora recorridos e seus irmãos deriva do facto da vida real </font><i><font>"morte do irmão II" </font></i><font>para concluir que, não sendo terceiros não teriam direito a qualquer indemnização pessoal, por danos não patrimoniais, pois o art°. 500</font><sup><font>0</font></sup><font>., não lhes é aplicável, mas mais uma vez sem razão. </font>
</p><p><font>16ª. Sendo a responsabilidade da recorrente uma </font><i><font>responsabilidade pelo risco, </font></i><font>nos termos do art°. 499°. do Cod. Civil, também se lhe aplica o disposto no art°. 496°., do mesmo diploma legal, relativo a danos não patrimoniais, pois determina o art°. 499°. que </font><i><font>"são extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos." </font></i>
</p><p><font>17ª.</font><i><font> </font></i><font>Uma dessas normas é o art°. 496</font><sup><font>0</font></sup><font>., inserida na subsecção I (responsabilidade por actos ilícitos) da sccção V (responsabilidade civil), de que a responsabilidade pelo risco é a subsecção II e no artº. 496°., n°. 2 é expressamente referido que </font><i><font>"na falta destes </font></i><font>(cônjuge e descendentes), </font><i><font>aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem." </font></i>
</p><p><font>18ª. Dúvidas não existem quanto à justeza da decisão proferida nesta parte, reconhecendo aos irmãos do falecido o direito a danos não patrimoniais pelo falecimento de II, o qual faleceu no estado de solteiro, sem descentes ou ascendentes vivos à data da sua morte. - Cfr. factos 2 e 32 considerados provados -, pelo que não merece qualquer censura nesta parte a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>19ª. Por outro lado, verificou-se existir responsabilidade do chefe de equipa, JJ, porquanto o mesmo, apesar de ter material de entivação, não <br>
fizera uma vala suficientemente larga para o poder aplicar, decidira não o aplicar, contra todas as boas práticas que devem nortear a abertura de valas e a realização de trabalhos em valas de grande profundidade, como era aquela em que ocorreu o sinistro, pois, na avaliação que fizera do <br>
terreno, entendia que o mesmo era suficientemente duro e que dada a rapidez com que a tarefa iria ser executada não haveria risco de ruína. </font>
</p><p><font>20ª. Esqueceu que, estando a correr água para a vala - </font><i><font>ainda que em pequena quantidade </font></i><font>-, a mesma iria corroendo a parte inferior das paredes da vala, diminuído a sua resistência e tomando mais possível qualquer derrocada, como de facto veio a acontecer, pelo que se tratou, <br>
por isso, de um erro de avaliação do chefe de equipa, JJ, que, como representante da empresa, é imputável a esta. </font>
</p><p><font>21ª. Porém, como se demonstrou, a existência dessa água resultava do facto de a entidade patronal não ter comunicado às Águas de Coimbra a realização daquela obra, pelo que esta empresa, </font><i><font>dono da obra em causa, </font></i><b><font>não havia cortado a água nas condutas que passavam pelo <br>
local. </font></b>
</p><p><font>22ª.</font><b><font> </font></b><font>O chefe de equipa, JJ, demonstrou que não havia risco na descida à vala sem entivação, dado que a realização da tarefa de colocar os pontos no fundo da vala era uma tarefa que exigia sempre a presença e a intervenção de dois trabalhadores e como o trabalhador </font><b><font>LL </font></b><font>se recusara a realizá-la naquelas condições, o </font><b><i><font>falecido II </font></i></b><font>disponibilizou-se para a realizar. </font>
</p><p><font>23ª. O seu chefe de equipa, seu superior hierárquico, não só não alertou para que essa descida seria contraindicada, determinando a sua proibição, como </font><b><i><font>até a </font></i></b><i><font>coonestou, </font></i><b><i><font>descendo ele também, </font></i></b><font>pelo que não havendo outro trabalhador disponível para essa tarefa, seria evidente que o chefe de equipa, </font><b><font>JJ </font></b><font>iria chamar o </font><b><i><font>falecido II </font></i></b><font>para a sua realização, pelo que a atitude deste foi aceite por aquele chefe de equipa.</font>
</p><p><font>24ª. Sabendo que a realização da tarefa de colocar os pontos no fundo da vala era uma tarefa que exigia sempre a presença e a intervenção de dois trabalhadores e que o trabalhador LL se recusara a realizá-la naquelas condições, limitara-se a disponibilizar a sua força de trabalho no cumprimento das suas obrigações laborais, pois, nos termos do art°. 128°., n°.1, al. c) do Cod. do Trabalho, compete ao trabalhador </font><i><font>"realizar o trabalho com zelo e diligência". </font></i>
</p><p><font>25ª.</font><i><font> </font></i><font>Conforme já foi alegado e resulta claramente do facto 27, dos factos provados, </font><i><font>"se a entivação da vala tivesse sido efectuada, teria suportado, total ou parcialmente </font></i><font>o </font><i><font>desmoronamento das terras da parede da vala", </font></i><font>pelo que está provado que </font><i><font>o acidente dos autos ou não teria ocorrido ou teria tido consequências menores </font></i><font>(facto 27). </font>
</p><p><font>26ª. Como bem refere o acórdão recorrido se o infeliz II </font><i><font>desceu <br>
voluntariamente </font></i><font>ao interior da vala, "no seguimento do seu chefe de equipa pretender, sem sucesso, que outro trabalhador (o LL) o acompanhasse a ele (chefe de equipa) ao interior da vala, para <br>
concluírem os trabalhos (para colocarem os pontos de nível e aplicarem a conduta de saneamento) .... foi de imediato seguido pelo seu chefe de equipa. </font>
</p><p><font>27ª. E - é o ponto chave - o chefe de equipa (o JJ) </font><i><u><font>não </font></u></i><u><font>o </font></u><i><u><font>seguiu de imediato para </font></u></i><u><font>o </font></u><i><u><font>fazer sair da vala por </font></u></i><u><font>o </font></u><i><u><font>mesmo estar a violar as prescrições da entidade empregadora e da lei</font></u></i><font> - como era suposto e exigível a um chefe de equipa, a quem competia que os trabalhos decorressem de acordo com as ordens e instruções da entidade patronal - </font><i><u><font>mas sim para com ele trabalhar,</font></u></i><font>sendo justamente quando "ambos se encontravam no interior da vala a procederem à colocação dos pontos, que as terras laterais da vala desmoronaram para dentro desta, soterrando-os”. </font>
</p><p><font>28ª. Deste modo, </font><u><font>Existe maior parcela de culpa da entidade patronal e do seu representante</font></u><font> e, quanto ao </font><i><font>falecido II, </font></i><font>a sua culpa é menor, pois se limitara a cumprir as suas obrigações, pelo que aceitando-se a existência de concorrência de culpas com o </font><i><font>falecido II, </font></i><font>a este é apenas imputável uma parcela diminuta, em montante não superior a 25%. </font>
</p><p><font>29ª. Tem de ser alterado o acórdão recorrido, fixando-se a culpa do falecido irmão dos AA. apenas em 25% da culpa na eclosão do acidente e dos respectivos danos, só assim se cumprindo a lei<br>
</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Recorrente GG, S.A. veio responder, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O presente recurso subordinado, não observa os precisos termos do disposto nos artºs 633, 637, e 639 do C.P.C., pelo que não pode ser conhecido, devendo ser rejeitado com as legais consequências. Mas sempre, se assim se não entender,</font>
</p><p><font>2ª. Contrariamente ao defendido pelos recorrentes o dano sofrido pela infeliz vítima (morte) decorre de comportamento único e exclusivo da mesma, pelo que, independentemente da inaplicabilidade ao caso do disposto no artº 500 do C.C., a sua culpa é total, e assim de 100%.</font>
</p><p><font>Donde sempre,</font>
</p><p><font>3ª. Nenhuma culpa pode ser atribuída à recorrente, na produção do sinistro, tendo em conta os factos provados, agora não sindicáveis, Assim,</font>
</p><p><font>4ª Deve ser mantida na íntegra a sentença do Tribunal de 1ª instância, com as legais consequências.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E conclui “Termos em que não sendo rejeitado o recurso Subordinado, deve ser julgado improcedente o mesmo, e Revogar-se o aliás douto acórdão, substituindo-o por outro que mantenha na íntegra a sentença de 1ª instância, absolvendo-se totalmente a Ré recorrente do pedido, e negando-se assim provimento ao recurso inicialmente instaurado pelos A.A. recorridos, bem como ao presente recurso subordinado”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Não foi recebido o recurso subordinado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Ré/Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font>
</p><p><font>- a aplicação do disposto no artigo 500º. do Código Civil;</font>
</p><p><font>- a exclusão de responsabilidade nos termos do disposto no artigo 570º do Código Civil;</font>
</p><p><font>- os danos próprios dos Recorrentes;</font>
</p><p><font>- o montante indemnizatório.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b><br>
<b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Os AA. são irmãos de II, falecido no acidente ocorrido no dia 11 de Dezembro de 2010.</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> À data do acidente, objecto dos presentes autos e de que resultou a morte de II, não tinha este nem ascendentes vivos, nem descendentes.</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> No dia 11 de Dezembro de 2010, cerca das 16 horas e 45 minutos, em ..., ocorreu um acidente no local onde decorria uma empreitada de construção do saneamento básico da freguesia de ..., em que era dona da obra, a empresa “Águas de Coimbra EEM”.</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Esta empreitada estava a ser levada a cabo pela sociedade comercial “GG, S.A.”, ora primeira R., que era a empreiteira da referida obra.</font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> O acidente referido decorreu na sequência da abertura de uma vala na via pública no troço do colector 229.4-229, com aproximadamente 3,5 metros de profundidade, mediante o uso de uma máquina giratória, a fim de ali ser levada a cabo uma intervenção no serviço de saneamento.</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Do referido acidente foram vítimas JJ e II, que acabaram por falecer em consequência de um aluimento de terras, que os deixou soterrados a cerca de três metros de profundidade.</font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Tendo as autópsias médico-legais realizadas aos corpos dos mesmos, concluído que a causa de morte dos mesmos foi a asfixia mecânica por soterramento, conforme documento junto a fls.277 a 282, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> A equipa destacada para o local pela sociedade comercial “GG, S.A.” era constituída por quatro trabalhadores: JJ, II, MM e NN, sendo que o primeiro actuava como chefe de equipa.</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Sendo que aos trabalhadores destacadas para o local, foi fornecida pela sua entidade patronal, ora 1ª ré, formação em higiene e segurança no trabalho, especialmente direccionada para os trabalhos a executar para o local.</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> A 1.ª Ré procedeu à prévia identificação dos riscos, conjuntamente com o chefe de equipa sinistrado e o outro chefe de equipa OO, (que no dia do acidente executou tarefa igual, na mesma obra noutra frente de trabalhos).</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> A 1ª ré determinou por intermédio dos seus técnicos responsáveis em obra, o entivamento da referida vala bem como da outra vala que no mesmo dia foi executada por outra brigada, o que foi comunicado a todos os trabalhadores da obra, entre os quais os indicados em 8.</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Ordens que a ambos os chefes de equipa foram transmitidas e dadas quer aquando da planificação dos trabalhos, quer no dia anterior ao acidente e no próprio dia;</font>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> Sabia assim, o chefe de equipa, JJ, que as valas com profundidade superior a 1,2 metros, têm de ser, necessariamente, entivadas, não devendo entrar na vala, qualquer trabalhador, sem que a mesma esteja entivada e a entrada se faça por meio de uma escada.</font>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> O que também era do conhecimento dos demais trabalhadores referidos em 8.</font>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> A sociedade comercial “GG, S.A.” deslocou para o local da obra todos os meios para que a obra se realizasse em segurança, nomeadamente, painéis de entivação, uma máquina giratória para a sua colocação, máquina retroescavadora com dois baldes de diferentes dimensões para a abertura da vala, bem como camiões para moverem a terra para o local de realização dos trabalhos descritos anteriormente.</font>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> A vala foi aberta pelo JJ, a quem cabia a direcção dos trabalhos, ficando com uma dimensão não concretamente apurada entre 80cms a 150cms de largura, não tendo sido utilizado material de entivação apesar de disporem, junto ao local de trabalho, de painéis de entivação para a levar a cabo.</font>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> O JJ optou por não colocar os painéis de entivação apesar de a vala ter largura suficiente para poder ser entivada.</font>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Abriu a vala com as dimensões aproximadas de 9 metros de comprimento, 3,5 metros de profundidade, não tendo em conta que o terreno podia ceder, por não ser suficientemente duro, se não tivesse sido entivado.</font>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> Apesar de não entivada o JJ determinou que o trabalhador LL o acompanhasse ao interior da vala para concluírem os trabalhos, com a colocação de pontos de nível para seguidamente aplicarem a conduta de saneamento.</font>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> O trabalhador LL recusou-se expressamente a entrar na vala por esta não se encontrar entivada e não reunir condições de segurança, o que comunicou ao JJ.</font>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> O II, que se encontrava presente, sem para tal ter sido interpelado ou lhe ter sido solicitado que o fizesse pelo JJ ou por qualquer outro trabalhador, voluntariou-se para ir, descendo de imediato ao interior da vala, para o que escorregou pelas suas paredes laterais já que não estava colocada qualquer escada.</font>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> Tendo sido seguido pelo JJ que também entrou na vala.</font>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> No mom | [0 0 0 ... 0 0 0] |
GjJ6u4YBgYBz1XKvtw_C | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I Relatório</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>Herança aberta por óbito de BB e CC, representada por:</font></b><br>
<b><font>- DD e marido EE;</font></b><br>
<b><font>- FF e marido GG;</font></b><br>
<b><font>- HH e marido II;</font></b><br>
<b><font>- JJ e mulher KK;</font></b><br>
<b><font>- LL e mulher MM, por si e em representação da herança aberta por óbito de BB e CC,</font></b><br>
<font>pedindo que se:</font><br>
<font>a) cite os Réus para juntar o respetivo documento de habilitação e certidão de óbito de BB, seguindo-se os demais trâmites do incidente até final, devendo o mesmo ser apensado aos presentes autos;</font>
</p><p><font>b) reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam;</font>
</p><p><font> c) condene os Réus a isso verem declarado e reconhecido; e em consequência:</font>
</p><p><font> d) condene os Réus ao cumprimento do contrato-promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo Autor e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) mandatário(s) dos Réus;</font>
</p><p><font>e) condene os Réus ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de €250,00/mês;</font>
</p><p><font> Em alternativa, e na eventualidade de não proceder o pedido d) e e):</font>
</p><p><font> f) reconheça a aquisição da parcela com a área de 270 m2 por usucapião.</font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que:</font><br>
<font>- celebrou um contrato-promessa de compra e venda com os falecidos BB e CC um contrato promessa, com data de 03-01-1991, mas assinado em 18-03-1991, nos termos do qual estes últimos prometeram vender-lhe uma parcela de terreno, com área aproximada de 270m2, a destacar do prédio que lhes pertence, sito na Rua Dr. ......., Santa ....., inscrito na matriz sob o art° ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ......;</font><br>
<font>- na data da assinatura do referido contrato-promessa foi paga a integralidade do preço acordado, tendo o autor, promitente-comprador, entrado na posse efetiva do terreno prometido vender, ficando acordado que a escritura de compra e venda seria outorgada logo que obtidos todos os documentos necessários para o efeito;</font><br>
<font>- porque os réus não compareceram para outorgar a referida escritura nas datas para tal agendadas pelo autor, pede que se condenem aqueles RR a reconhecer como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado a parcela de terreno prometida vender, desanexando-a de facto e de direito do prédio de que proveio, condenando-se ainda os RR a cumprir o referido contrato-promessa, comparecendo na data e hora que venha a ser agendada pelo Autor para realização da escritura pública de compra e venda. Pede ainda que sejam os réus condenados ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido;</font><br>
<font>- em alternativa, e para o caso de improcedência do pedido fundamentado na referida existência do contrato-promessa celebrado, pedem a condenação dos réus a reconhecer a aquisição, pelo autor, por usucapião, do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, alegando como fundamento que desde a data da assinatura do contrato-promessa acima referido - em 18-3-1991 - se encontra na posse do referido terreno, posse essa pública e de boa-fé, mantida assim há mais de 20 anos. </font><br>
<font>Após convite do tribunal, viria a completar esta alegação reafirmando que tal posse cujo "corpus" obteve por traditio, tendo praticado os atos de posse sobre a referida parcela na pressuposição de cumprimento do contrato definitivo e na expetativa fundada de que tal se verificasse, e consequentemente com o animus de estar a exercer o correspondente direito de proprietário em seu próprio nome, ou seja, intervindo sobre a coisa como se sua fosse, atuação que se traduziu na realização das benfeitorias no prédio. </font><br>
<b><font>2</font></b><font>. Citados, os Réus vieram contestar, as exceções de ilegitimidade dos Réus EE, GG, II, KK e MM, e a falta de interesse em agir. </font><br>
<font>Invocaram ainda a exceção de caso julgado relativamente ao peticionado cumprimento do referido contrato-promessa por ter sido já objeto de decisão proferida em outra ação, anteriormente intentada e julgada improcedente. </font><br>
<font>Para além disso impugnaram ainda o alegado pelo autor como fundamento para a aquisição do direito por usucapião, contrapondo que a ocupação do autor foi restringida apenas a 70 m2 do terreno, e que se trata de mera detenção fundada em contrato-promessa, insuscetível como tal de conduzir à aquisição do direito por usucapião.</font><br>
<font>No seguimento do que assim alegam concluem pela absolvição do pedido, e em reconvenção, peticionam a condenação do autor/reconvindo a reconhecer o direito de propriedade da ré sobre os 193 m2 de terreno que não foram por ele ocupados.</font><br>
<b><font>3.</font></b><font> Procedeu-se à realização de audiência prévia; no despacho saneador foram consideradas improcedentes as exceções de ilegitimidade e de falta do interesse em agir, julgando-se procedente a invocada exceção de caso julgado, absolvendo os RR da instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas d) e e), de condenação no cumprimento do referido contrato-promessa, e da condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês de atraso nesse cumprimento; foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.</font><br>
<b><font>4.</font></b><font> Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente a reconvenção, se julgou procedente a ação, reconhecendo a referida parcela de terreno com a área de 270 m2 como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, desanexando-o do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam, e condenando os Réus a verem isso declarado e reconhecido, reconheceu a aquisição do Autor da parcela com a área de 270 m2 por usucapião.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. </font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>O Tribunal da Relação do Porto decidiu “alterar a fundamentação da matéria de facto nos termos sobreditos e eliminar da sentença recorrida a referência a que a desanexação é feita livre de ónus e encargos, mantendo em tudo o mais, e com os fundamentos anteriormente expendidos, a decisão ali proferida, improcedendo como tal o recurso”.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformados com tal decisão, vieram os Réus interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (com exceção das conclusões relativa à admissão do recurso):</font>
</p><p><font>1ª. O acórdão recorrido padece de inexactidões devidas a lapso manifesto e tais inexactidões revelam-se no próprio conteúdo do acórdão – artigo 614º, nº1 do C.P.Civil, aplicável por força da remissão prevista no artigo 666º, nº1 do mesmo diploma legal e artigo 249º do C.Civil.</font>
</p><p><font>2ª. Na verdade, os Venerandos Juízes Desembargadores que o subscreveram procederam, a páginas 35 do acórdão recorrido (fls.4000 dos autos) à transcrição dos factos 17, 18 e 19 dados como provados em sede de sentença de primeira instância, olvidando que, anteriormente, a páginas 27 e 28 do mesmo (fls.396 e 396v dos autos) haviam alterado a redacção dos dois primeiros e eliminado o terceiro.</font>
</p><p><font>3ª. Deverá, por isso, nos termos do artigo 666º, nº2 do C.P.Civil, a conferência decidir a rectificação dos mesmos a fls. 400 dos autos (p. 35 do acóordão recorrido) em conformidade com o decidido a fls. 396 e 396v dos autos (páginas 27 e 28 do acórdão recorrido).</font>
</p><p><font>4ª. O acórdão recorrido viola o artigo 662º, nº.1 do C.P.Civil, pois os Venerandos Desembargadores que o subscreveram, ao procederem à alteração da matéria de facto provada nos factos 15, 17 e 18 (v. p. 27 e 28 do acórdão recorrido, fls. 396 e 396v dos autos), não tiraram as devidas ilacções ou consequências dessa mesma decisão no que concerne ao facto 22, facto este expressamente impugnado pelos ora recorrentes nas anteriores alegações de recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><font>5ª. O Colectivo de Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto tinha o poder-dever, que não cumpriu, de aquilatar das consequências da alteração dos referidos pontos da matéria de facto (15, 17 e 18) na demais matéria de facto julgada provada, maxime, no referido facto 22, que deveria ter sido dado como não provado, indo para além de um mero “esta argumentação é, no entanto, insuficiente para alteração do que vem dado como provado em 22, que se reporta apenas ao carácter continuado de tal actuação, pelo que relativamente a esse ponto não se mostra fundamentada a alteração pretendida” – nesse sentido NN e OO.</font>
</p><p><font>6ª. Não se encontram demonstradas circunstâncias excepcionais que permitam concluir pela posse em nome próprio do autor, não tendo o mesmo alegado nem logrado provar a interversio possessionis.</font>
</p><p><font>7ª. Com efeito, como bem foca o acórdão fundamento referido …, o mero pagamento integral do preço – facto provado 10 – só por si, constitui um elemento insuficiente para se poder concluir que houve intenção das partes em antecipar o contrato prometido, não estando alegado pelo Autor e consequentemente provado qualquer facto que permita extrair tal conclusão.</font>
</p><p><font>8ª. Por um lado, consignou-se no contrato-promessa que a escritura “só será celebrada logo que obtidos todos os elementos necessários ao acto”, não sendo aqui de ignorar que a parcela que constitui o seu objecto teria de ter existência e autonomia jurídicas, o que passava pela sua inscrição na matriz predial (artigos 13º, 36º, 100º e 106º, alínea c) do CIMI), o que não acontecia à data da celebração do mesmo , nem posteriormente, o que, ademais, justifica o pedido constante da alínea b), 1º parte, da petição inicial.</font>
</p><p><font>9ª. Por outro lado, o facto provado 7 demonstra apenas a taditio e do facto provado 15 não resulta, como se sustenta no acórdão recorrido, qualquer perda de posse por cedência – artigo 1267º, nº1 do C. Civil, porquanto está demonstrado em 40 e 41 dos factos provados que “os decessos promitentes vendedores e agora seus sucessores, aqui Réus, zelaram e zelam a parcela referida em 37) dos factos provados (com 193 m2), limpando as ervas que, em parte dele, ciclicamente vão crescendo, e cultivando outra parte com produtos hortícolas, destinados ao seu consumo à vista de toda a gente”, beneficiando ainda os réus da presunção adveniente do registo – artigo 7º do Código de Registo Predial.</font>
</p><p><font>10ª. Acresce que a construção da caixa de águas pluviais e de saneamento e a instalação da rede de água e saneamento (factos 17 e 18) verificaram-se apenas em 2013, não traduzem quaisquer actos materiais sobre a parcela objecto do contrato-promessa dos autos, pois só as Câmaras Municipais, como é o exemplo o Autor, as executam, não sendo de olvidar que as primeiras foram construídas junto à extrema do prédio referido em 1 e 2 dos factos provados, mas fora dele, no domínio público.</font>
</p><p><font>11ª. Também a estrada referida nos factos 38 e 39 foi construída fora da parcela objecto do contrato promessa, pelo que não configura qualquer acto material sobre ela.</font>
</p><p><font>12ª. Outrossim, ao construir a paralela à Rua ..... (actual Avenida ..........) em apenas 77 m2 da parcela alvo do contrato-promessa, foi o Autor que autorrestringiu a sua posse a essa área e possibilitando a prática, pelos recorrentes e pelos decessos promitentes vendedores, dos actos materiais constantes do facto provado 40.</font>
</p><p><font>13ª. Sem prescindir, não só não ficou provada a interversio, como também é verdade que, na factualidade provada não se mostram provados factos que revelem uma prática reiterada e com publicidade de actos materiais praticados pelo Autor sobre a parcela objecto do contrato-promessa dos autos que revelem exercício de posse sobre ela – artigo 1263º, alínea a) do C. Civil – tendente à sua aquisição por usucapião.</font>
</p><p><font>14ª. O douto acórdão recorrido violou, designadamente, o disposto nos artigos 662º, nº1 do C. P. Civil, 1251º, 1262º, 1263º, 1264º, 1265º, 1268º, nº1, 1287º, 1296º, todos do Código Civil, 13º, 36º, 100º e 106º alínea c) do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (C.I.M.I.), 54º, 57º e 58º do Código do Notariado e artigo 7º do C. R. Predial.</font>
</p><p><font>E conclui pelo “provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e absolvendo-se os recorrentes dos pedidos formulados nas alíneas b), primeira parte, c) e f) da petição incial”.</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>O Autor veio responder, apontando para o não recebimento do recurso.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>O recurso interposto pelos Réus não foi admitido pelo Juiz Desembargador Relator como recurso de revista, regime regra, mas como revista excecional.</font>
</p><p><font>A Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil decidiu remeter “o processo para distribuição como revista normal, voltando a esta Formação se não for admitida”.</font>
</p><p><font>Por despacho do Relator, o recurso interposto pelos Réus foi admitido como recurso de revista, regime regra.</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º., nº.4, e 639º., nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Réus que o objeto dos presentes recursos está circunscrito às seguintes questões:</font>
</p><p><font>- retificação de erros materiais;</font>
</p><p><font>- violação do artigo 662º., nº.1, do Código de Processo Civil;</font>
</p><p><font>- a aquisição por usucapião por parte do Autor.</font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Por escrito epigrafado “contrato promessa de compra e venda” datado de 3 de janeiro de 1991, CC e BB, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam ser legítimos donos e possuidores do prédio sito na Rua Dr. ......, nesta cidade com a área de 1.018 m2 (cfr. doc. de fls.23 a 26, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>… o qual se encontra inscrito na respectiva matriz sob o .... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº......</font>
</p><p><b><font>1.3. </font></b><font>… mais declararam prometer vender ao Autor, na qualidade de segundo outorgante, que declarou prometer comprar, uma parcela desse terreno, com a área aproximada de 270 m2, identificada a cor amarela na planta topográfica que se junta a este contrato e dele faz parte integrante, pelo preço de 1. 300.000$00, que será pago da seguinte forma: 260.000$00 como sinal e princípio de pagamento, no ato da assinatura deste contrato e os restantes 1.040.000$00 até ao dia 15 de fevereiro de 1991.</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> Consta da cláusula 4ª desse contrato que “A escritura pública será celebrada logo que obtidos todos os documentos necessários ao ato”.</font>
</p><p><b><font>1.5. </font></b><font>E na cláusula 5ª que “A segunda outorgante compromete-se ainda a fazer o muro de vedação da parte sobrante do prédio dos primeiros outorgantes, com frente para a projetada Rua ............”.</font>
</p><p><b><font>1.6. </font></b><font>Constando da cláusula 6ª que “Igualmente se compromete a segunda outorgante, quando for feito o saneamento da projetada Rua ......, fazer uma caixa de saneamento e uma de águas pluviais junto à extrema da parte sobrante do prédio dos primeiros outorgantes”.</font>
</p><p><b><font>1.7. </font></b><font>E na cláusula 7ª que “Os primeiros outorgantes permitem, desde já, a ocupação, pela segunda outorgante, da parte prometida do prédio, por forma a serem implantadas as obras de infraestruturas urbanísticas previstas”.</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Na cláusula 8ª consta que “Ao presente contrato é atribuída eficácia real, com suscetibilidade da execução específica”.</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Após a celebração do referido em 1) a 8), os primeiros outorgantes exigiram do Autor (segundo outorgante) que o preço total acordado no valor de 1.300.000$00 (€8.484,73) deveria ser pago de uma só vez e na data da assinatura do contrato.</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> … no dia 18 de março de 1991 foi assinado o contrato e pago o preço total de 1.300.000$00.</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> … ainda por exigência dos primeiros outorgantes, o contrato referido em 1) a 8) foi substituído pelo de fls. 171 a 173, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido, alterando-se apenas o teor da cláusula 5ª, nos termos da qual consta que “A segunda outorgante compromete-se ainda a fazer o muro de vedação da parte sobrante do prédio dos primeiros outorgantes, com frente para a projetada Rua P......, e com acesso a esta via.</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font>, </font><b><font>1.13., e 1.14 </font></b><font>(…)</font>
</p><p><b><font>1.15. </font></b><font>Há mais de vinte anos, em data não determinada posterior à assinatura do contrato-promessa referido em 10 o Autor executou o muro de vedação na parte sobrante do prédio descrito em 1) e 2) e colocou aí um portão nos termos que haviam sido acordados com os RR</font>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> … procedendo à construção da p...... (atualmente Av. Dr. ......).</font>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Em 2013, o Autor procedeu à construção da caixa de águas pluviais e de saneamento junto à extrema sobrante do prédio descrito em 1) e 2).</font>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> Procedendo também nessa data à instalação da rede pública de água e de saneamento.</font>
</p><p><b><font>1.19. </font></b><font>(eliminado)</font>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> … à vista de toda a gente.</font>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> … sem oposição, nomeadamente por parte dos Réus.</font>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> … de forma continuada.</font>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> … eliminado</font>
</p><p><b><font>1.24. </font></b><font>… O Autor remeteu a BB, uma carta registada com AR, datada de 5 de fevereiro de 1998, onde consta o seguinte: “Solicito a V. Exª se digne apresentar na Secção de Notariado, desta Câmara Municipal, para celebração da escritura, os seguintes documentos:</font>
</p><p><font>- Fotocópias do Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte;</font>
</p><p><font>- Escritura de partilha, compra e venda ou outra que titule a posse do terreno”.</font>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> O Autor remeteu a BB, uma carta registada com AR, datada de 6 de outubro de 1999, com o teor da referida em 24).</font>
</p><p><b><font>1.26. </font></b><font>O Autor remeteu a BB, uma carta registada com AR, datada de 17 de outubro de 2000, onde consta como assunto “Aquisição de Terreno – P......”, constando ainda o seguinte: “Solicita-se a V. Exª se digne apresentar na Repartição Central/Notariado, desta Câmara Municipal, para celebração da escritura de compra e venda da parcela de terreno supra identificada, os seguintes documentos:</font>
</p><p><font>- Escritura de partilha, compra e venda ou outra que titule a posse do terreno;</font>
</p><p><font>- Certidão da Conservatória do Registo Predial;</font>
</p><p><font>- Escritura de Habilitação de Herdeiros;</font>
</p><p><font>- Fotocópias do Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte dos herdeiros e cônjuge;</font>
</p><p><font>- Morada completa dos herdeiros;</font>
</p><p><font>- Regime de bens”.</font>
</p><p><b><font>1.27.</font></b><font> O Autor remeteu a BB, as cartas registadas com AR, datadas de 30 de outubro de 2000, 14 de novembro de 2000 e 6 de junho de 2001, com o mesmo teor da referida em 26).</font>
</p><p><b><font>1.28.</font></b><font> O Autor remeteu ao Ilustre Mandatário dos Réus, uma carta registada com AR, datada de 1 de março de 2001, onde consta como assunto “Escritura de Compra e Venda – Dª BB e outros”, mais constando o seguinte: “O AA, vem por este meio e para organizar processo com vista à celebração da escritura supra identificada, reiterar a V. Exª, se digne apresentar na Repartição Central/Notariado, desta Câmara Municipal, os seguintes documentos:</font>
</p><p><font>- Certidão de teor matricial das Finanças;</font>
</p><p><font>- Certidão da Conservatória do registo Predial;</font>
</p><p><font>- Fotocópias dos B.I. e Cartões de Contribuinte;</font>
</p><p><font>- Morada completa dos proprietários”.</font>
</p><p><b><font>1.29.</font></b><font> O Autor remeteu ao Ilustre Mandatário dos Réus, uma carta registada com AR, datada de 3 de abril de 2001, com o mesmo teor da referida em 28).</font>
</p><p><b><font>1.30.</font></b><font> O Autor remeteu a BB e Réus, uma carta registada com AR, datada de 11 de abril de 2008, onde consta como assunto “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, mais constando o seguinte:</font>
</p><p><font>“Apesar das sucessivas notificações para apresentação dos documentos necessários à realização da escritura de compra e venda, e porque a Câmara Municipal pretende de uma vez por todas realizar a escritura, cujo protelamento está a causar sérios incómodos e prejuízos, fica V. Exª notificado de que a escritura terá lugar no Cartório Privativo desta Câmara Municipal no próximo dia 21 de abril de 2008 pelas 10.00 horas.</font>
</p><p><font>Para o efeito deverão V. Exª apresentar até ao dia 17 do mesmo mês certidão do registo Predial e certidão matricial do prédio prometido vender, bem como fotocópia do Bilhete de Identidade e cartão de contribuinte fiscal.</font>
</p><p><font>Reiteramos a extrema necessidade da realização da escritura, por forma a que esta Câmara Municipal possa cumprir outros contratos-promessa, sendo de elevado montante os prejuízos decorridos da não realização da escritura, evitando-se assim o recurso à via judicial”.</font>
</p><p><b><font>1.31.</font></b><font> No dia 21 de abril de 2008, quer a promitente vendedora BB quer os Réus não compareceram para a realização da escritura nem forneceram os elementos referidos na missiva referida em 30) – cfr. teor do instrumento notarial de fls.57 a 59, cujo seu teor se dá por integralmente reproduzido.</font>
</p><p><b><font>1.32. </font></b><font>O Ilustre Mandatário dos Réus remeteu ao Autor uma carta datada de 18 de abril de 2008, onde consta como assunto “Contrato promessa de compra e venda, M7 clientes: BB (Herdºs de CC)”, mais constando o seguinte:</font>
</p><p><font>“Tendo recebido a notificação por V. Exª expedida, datada de 11 do corrente p.p. os meus clientes acima referenciados incumbiram-me de transmitir a V. Exª a seguinte resposta:</font>
</p><p><font>- Mantém a posição que assumiram na anterior correspondência.</font>
</p><p><font>- Para além disso, pretendem informar que não vão comparecer para outorgar a pretendida escritura pública por uma outra razão: ainda não se mostram cumpridas obrigações que sempre teriam que o ser, previamente à outorga da aludida escritura pública.</font>
</p><p><font>Reafirmam que continuam disponíveis para encontrar uma solução consensual para o contencioso pendente e colocam-se ao inteiro dispor de V. Exª para o que entenda necessário a tal fim”.</font>
</p><p><b><font>1.33.</font></b><font>O Autor remeteu a BB e Réus, uma carta registada com AR, datada de 27 de Setembro de 2013, onde consta, além do mais, o seguinte:</font>
</p><p><font>“… fica V. Exa notificada para comparecer no Cartório do Sr. Dr. Luís Almeida, nesta cidade, no próximo dia 8 de outubro pelas 10 horas, a fim de outorgar a escritura de Compra e Venda devendo para o efeito, apresentar nos Serviços de Notariado desta Câmara Municipal as certidões prediais necessárias bem como os elementos de identificação, com a antecedência de 3 dias” (cfr. fls. 79 a 96, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><b><font>1.34. </font></b><font>No dia 8 de outubro de 2013, quer a promitente vendedora BB quer os Réus não compareceram para a realização da escritura nem forneceram os elementos referidos na missiva referida em 33).</font>
</p><p><b><font>1.35.</font></b><font> Da ata de reunião ordinária de 13 de abril de 1989, na ordem de trabalhos “Aquisição de terreno para a P......, Biblioteca e Central de Camionagem, consta o seguinte: “O Sr. Presidente recordou à Câmara que havia sido já deliberado – na reunião ordinária de 15 de Setembro do ano findo – proceder à expropriação dos terrenos necessários à construção da Biblioteca, dos respetivos arruamentos, bem como às faixas adjacentes dos mesmos, numa profundidade de 30 metros.</font>
</p><p><font>De seguida, apresentou à Câmara uma planta cadastral das parcelas de terreno destinadas aos empreendimentos epigrafados, fazendo referência à dificuldade de negociação surgida com um dos proprietários – Sr. PP, pelo que propôs que a Câmara deliberasse expropriar os terrenos necessários – conforme a respetiva planta – sem prejuízo da continuação da negociação dos terrenos com os proprietários.</font>
</p><p><font>Dado o carácter urgente de que se reveste a execução dos empreendimentos, a Câmara deliberou, por unanimidade, proceder à expropriação dos terrenos necessários aos empreendimentos em epígrafe, requerendo que ao respetivo processo seja atribuído caráter de urgência e, simultaneamente, seja a Câmara autorizada a ser investida na Posse Administrativa, para início rápido dos trabalhos” (cfr. fls.65 a 67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><b><font>1.36.</font></b><font> Após o deliberado em 35), o Autor procurou os decessos promitentes vendedores para tentar adquirir, por via de negociação particular, a parcela referida em 3).</font>
</p><p><b><font>1.37.</font></b><font> A construção das obras e infraestruturas previstas para aquele local, com a exceção da Central de Camionagem, foram utilizados 77 m2 da parcela referida em 3), onde agora se situam o passeio e baia ou zona de estacionamento, na Avenida Dr. ...... (dita parcela à Rua ........ que se situam a nascente dos restantes 193 m2 da parcela.</font>
</p><p><b><font>1.38.</font></b><font> Desde há alguns anos a esta parte, o Autor abriu uma estrada, em pavimento empedrado (de paralelos), que bordeja todos os prédios vizinhos para os quais constitui acesso à via pública (p......).</font>
</p><p><b><font>1.39.</font></b><font> … e terminou tal estrada a cerca de 7/8 metros do prédio descrito em 1) e 2), porquanto no ano de 2015 os Réus colocaram uma vedação em arame, o que impede a finalização da estrada.</font>
</p><p><b><font>1.40.</font></b><font> Os decessos promitentes vendedores e agora os seus sucessores, aqui Réus, zelaram e zelam a parcela referida em 37) dos factos provados (com 193 m2), limpando as ervas que, em parte dele, ciclicamente vão crescendo, e cultivando outra parte com produtos hortícolas, destinados ao seu consumo.</font>
</p><p><b><font>1.41.</font></b><font> …à vista de toda a gente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>- Procedeu-se à alteração dos factos provados e que foram alterados pelo Tribunal da Relação do Porto na decisão sobre a matéria de facto impugnada e que se verificou que o Acórdão recorrido, aquando da indicação dos factos provados, não tinha feito refletir na sua totalidade essa alteração dos factos provados -</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> </font><b><font>Do mérito do recurso</font></b>
</p><p><b><font>2.1. Retificação de erros materiais</font></b>
</p><p><font>Os Recorrentes vieram referir que existe um erro no Acórdão recorrido quanto aos factos indicados sob os nºs 17, 18 e 19, porquanto, em consequência da impugnação da matéria de facto por si efetuada, o Tribunal da Relação alterou esses factos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a lapso manifesto, podem ser corrigidos por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz (cfr. artigos 607º, nº6, e 666º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Por sua vez, o artigo 249º do Código Civil prevê que o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.</font>
</p><p><font>Ora, de uma simples leitura do Acórdão recorrido se verifica que quando se indica como factos provados os indicados sob os pontos 17, 18 e 19 estamos em presença de um lapso, pois o Tribunal da Relação, apreciando a impugnação da matéria de facto suscitada pelos ora Recorrentes, deu uma outra redação aos pontos 17 e 18 indicados e eliminou o ponto 19.</font>
</p><p><font>Assim, e por o lapso ser manifestamente evidente, já aquando da indicação dos factos que as instâncias haviam dado como provados se procedeu à retificação que agora se pretende, fazendo a respetiva ressalva (cfr. supra, na parte final da indicação dos factos provados e que as instâncias haviam dado como provados)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2.2. A violação do artigo 662º, nº1, do Código de Processo Civil</font></b>
</p><p><font> Os Recorrentes referem que o Tribunal da Relação, no uso dos poderes que lhe confere o artigo 662º, nº1, do Código de Processo Civil, deveria ter dado como não provado o facto indicado sob o ponto 22., porquanto não tiraram as devidas ilações da matéria de facto que haviam alterado.</font>
</p><p><font> Consabido é que o Supremo Tribunal de Justiça, não "julga de facto" mas tão-só "de direito". Ou seja: por regra, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (cfr. artigo 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 24 de outubro)</font><font>.</font>
</p><p><font> Nessa conformidade:</font>
</p><p><b><font> - </font></b><font>Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cfr. nº 1 do artigo 682º do Código de Processo Civil);</font>
</p><p><b><font> -</font></b><font> À Relação comete-se o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, sempre </font><i><font>que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa</font></i><font>, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><b><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8zJ1u4YBgYBz1XKvogse | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div></div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA.</font></b><font> intentou contra </font><b><font>BB </font></b><font>ação declarativa com processo comum, pedindo que:</font><br>
<font>a) Fosse reconhecido que o prazo inicial da subempreitada era de 12 meses, com início em 16/06/2015 e termo em 15/06/2016: ou, se assim não fosse entendido, </font><br>
<font>b) Fosse reconhecido que o prazo inicial da subempreitada era de 8 meses, com início em 16/06/2015 e termo em 15/02/2016; </font><br>
<font>c) Esse prazo da subempreitada fosse considerado prorrogado até 25/10/2016, ou, se assim não fosse entendido, </font><br>
<font>d) Fosse considerado prorrogado até 20/05/2016; </font><br>
<font>e) O Réu fosse condenado a pagar à Autora a quantia de 130.031,92€ (cento o trinta mil e trinta e um euros e noventa e dois cêntimos), relativa a: </font><br>
<font>e.1) Trabalhos a mais - 6.139,55€;</font><br>
<font>e.2) Equipamento - 36.842,74€; </font><br>
<font>e.3) Dedução de 50% dos meios de elevação em Dez. 2015 - 8.910,00€; </font><br>
<font>e.4) Dedução do valor da "equipa do Sr.CC" - 4.650,00€; </font><br>
<font>e.5) Perda de produtividade - 39.800,79€;</font><br>
<font> e.6) Lucros cessantes - 18.234,86€ </font><br>
<font>e.7) Devolução das quantias retidas - 10.106,72€ </font><br>
<font>e.8) Saldo do Auto nº 7, de Janeiro de 2016 - 541,07€</font><br>
<font>e.9) Juros de mora vencidos - 4.806, 19€ </font><br>
<font>Acrescendo juros de mora vincendos, até efetivo e integral pagamento, com capitalização dos vencidos há mais de um ano, ou logo que perfaçam um ano.</font><br>
<font>Para tanto, alegou os termos em que foi concluída, entre as agora Autora e Ré, a celebração de um contrato de subempreitada e vicissitudes ocorridas na execução desse contrato.</font><br>
<b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré contestou tendo invocado, para além do mais, a exceção de preterição de tribunal arbitral.</font><br>
<font>Referindo que:</font><br>
<font>A presente ação tem por objeto um litígio emergente do contrato de subempreitada celebrado entre a Autora – na qualidade de subempreiteira – e a Ré – na qualidade de empreiteiro –, junto como doc. n.º 2 à p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font><br>
<font>Na Cláusula Trigésima Quarta do contrato de subempreitada, as partes estabeleceram um “compromisso arbitral”, nos termos do qual, em caso de litígio sobre a “execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato” (n.º 2), e se não fosse possível obter solução amigável, “qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem” (n.º 4).</font><br>
<font>Esta disposição contratual atribui a tribunal arbitral a competência exclusiva para dirimir os conflitos que surjam relacionados com o contrato de subempreitada sub judice.</font><br>
<font>Com efeito, “</font><i><font>quando um artigo estabelece a obrigatoriedade da tentativa de conciliação previamente ao recurso ao tribunal arbitral, o artigo seguinte, ao dizer que, frustrada essa tentativa, as partes podem recorrer ao tribunal arbitral, deve ser interpretada no sentido de estar aberta a fase da arbitragem, e não como estabelecendo a competência alternativa dos tribunais judiciais</font></i><font>” (Acórdão do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 13 de Março de 2012, no processo n.º3062/10.9TJVNF.P1, consultado in </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, sic)1.</font><br>
<font>Sendo assim, verifica-se que este douto Tribunal é absolutamente incompetente por preterição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 96.º, al. b), do CPC, devendo o Réu ser absolvido da instância, cfr. artigo 99.º, n.º 1, do CPC, o que desde já se requer.</font><br>
<b><font>3. </font></b><font>Em resposta, a Autora defendeu que a cláusula invocada prevê uma possibilidade de recurso a arbitragem, uma opção, mas não uma obrigatoriedade, sempre por si tendo assim sido entendida.</font><br>
<font>E que os termos que regulam a composição do tribunal arbitral se mostram inexequíveis.</font><br>
<b><font>4. </font></b><font>Em audiência prévia foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi julgada improcedente a exceção de preterição de tribunal arbitral.</font><br>
<b><font>5. </font></b><font>Não se conformando com a decisão, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font><br>
<b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de veio a julgar a apelação procedente, julgando verificada “a exceção de preterição do tribunal arbitral, declarando o tribunal judicial absolutamente incompetente para conhecer da presente ação, e absolvendo a Ré da respetiva instância”.</font><br>
<b><font>7. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Autora veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
<font>1ª. o nº. 4 da cláusula compromissória (cláusula 34ª. do contrato de subempreitada Doc. 2 com a P.I.) dispõe que, findo o prazo da conciliação, "qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem";</font><br>
<font>2ª. o sentido com que um declaratário normal lê a expressão "poderá" é de uma mera faculdade ou possibilidade (neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2015, Proc. 1934/12.5TBCSC-A.L1-1, e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/11/2013, Proc. 01860/12.8BEBRG, cujas cópias se juntam); </font><br>
<font>3ª. estabelece-se, por isso, uma possibilidade de recurso a arbitragem, mas não uma obrigatoriedade, não havendo na cláusula qualquer menção à competência exclusiva do tribunal arbitral;</font><br>
<font>4ª. "a competência convencionalmente atribuída ao Tribunal ArbitraI pode ser exclusiva ou concorrente com a do Tribunal legalmente competente" (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2015, proc. 1934/12.5.TBCSC-A.L 1-1); </font><br>
<font>5ª. se se pretendesse que a competência dos tribunais arbitrais fosse exclusiva, tal teria de estar inequivocamente indicado na cláusula compromissória, prescrevendo-se que todos os litígios seriam definitivamente resolvidos por arbitragem - o que não aconteceu; </font><br>
<font>6ª. seria desnecessária e redundante uma disposição que permitisse o recurso ao tribunal estadual, pois os tribunais do Estado são os naturalmente competentes;</font><br>
<font>7ª. o contrário constituiria um impedimento ao exercício do direito constitucionalmente reconhecido de "acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos" (cfr. art. 20°, nº. 1 da CRP); </font><br>
<font>8ª. improcede, por isso, a invocada excepção de incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral;</font><br>
<font>9ª. a convenção de arbitragem sub judice é inexequível, por não poder ser cumprida tal como foi configurada, não tendo a ora Recorrente alegado simples dúvidas de interpretação;</font><br>
<font>10ª. para que decorresse uma arbitragem relativamente à subempreitada sub judice, nos termos da cláusula 34ª. do respectivo contrato (Doc. 2 com a P.I.), seria necessário desconsiderar tal cláusula e encontrar outras regras que não constam da mesma nem foram escolhidas pelas partes - portanto, é preciso eliminar a convenção existente e inventar outra, não bastando, ao contrário do que alega o douto acórdão recorrido, recorrer às regras de integração e interpretação constantes do Código Civil, por os erros e as contradições da cláusula serem insanáveis;</font><br>
<font>11ª. a inexequibilidade não corresponde a impossibilidade objectiva e total, ou de facto; </font><br>
<font>12ª. a lei (nº. 1 do art. 5° da Lei da Arbitragem Voluntária LAV) apenas refere convenções de arbitragem nulas, ineficazes ou inexequíveis - em disposição nenhuma se refere uma convenção de arbitragem impossível;</font><br>
<font>13ª. a nulidade, ineficácia ou inexequibilidade são manifestas quando são constatáveis sem necessidade de produção de prova;</font><br>
<font>14ª. não se pode determinar quando correm os dois prazos de 15 dias referidos no nº. 6 da cláusula compromissória, pelo que não se compreende como se nomeiam os árbitros e se constitui o tribunal arbitral; </font><br>
<font>15ª. por incompatibilidade entre o nº. 6 e o nº. 8 da cláusula compromissória não se pode determinar se o tribunal arbitral é composto apenas por três árbitros ou se também pode sê-lo por um árbitro único;</font><br>
<font>16ª. pelo n° 9 da cláusula compromissória não se podem determinar as regras processuais que regem o tribunal arbitral;</font><br>
<font>17ª. com a cláusula compromissória sub judice não se logra constituir um tribunal arbitral, por os seus termos serem incoerentes, contraditórios, ininteligíveis e até sem nexo, pelo que a mesma é manifestamente inexequível, o que se verifica apenas pela sua leitura e sem necessidade de qualquer prova nesse sentido, pelo que não deve o ora Recorrente ser absolvido da instância, nos termos do nº. 1 do art. 5° da LAV; </font><br>
<font>18ª. por mais esta razão improcede a excepção invocada; </font><br>
<font>19ª. a ora Recorrente beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por reconhecimento da sua insuficiência económica, não podendo suportar com os custos de uma arbitragem; </font><br>
<font>20ª. o apoio judiciário não foi contestado nem de alguma forma posto em causa pelo ora Recorrido, nem pelo Ilustre Tribunal de 1ª. instância nem pelo Venerando Tribunal a quo;</font><br>
<font>21ª. é pressuposto fundamental do apoio judiciário a insuficiência económica (cfr. art.7°, n° 1, da Lei nº. 34/2004, de 29/07);</font><br>
<font>22ª. é totalmente desnecessária, por redundante e implicar a repetição de actos inúteis, a prova nos autos da insuficiência económica, quando foi já atribuído apoio judiciário exigi-Io é desvirtuar toda a lógica e pressupostos da atribuição do apoio judiciário, bem como do respectivo procedimento; </font><br>
<font>23ª. sendo esta questão de conhecimento oficioso, nem teria a ora Recorrente de a alegar, pelo que deveria ter sido reconhecida logo pelo Ilustre Tribunal de 1ª. instância; </font><br>
<font>24ª. é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a insuficiência económica superveniente, em especial em termos de ser concedido apoio judiciário, é causa legítima do não cumprimento da convenção de arbitragem, podendo a parte propor acção no tribunal estadual competente sem que lhe possa ser oposta a excepção de incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral; </font><br>
<font>25ª. entender de outra forma seria negar o direito constitucional de "acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos" (cfr. art. 20°, n° 1 da CRP); </font><br>
<font>26ª. o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº. 311/2008, de 30/05/2008 (in </font><font>www.dgsi.pt</font><font>. cuja cópia se junta), decidiu "Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20.°, nº.1, da Constituição, a norma do artigo 494.°, alínea j), do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte em situação superveniente de insuficiência económica, justificativa de apoio judiciário". </font><br>
<font>26ª. no mesmo sentido, e invocando o mesmo acórdão supra citado, voltou a julgar o Tribunal Constitucional pelo Acórdão nº123/2015, de 12/02/2015, e pelo Acórdão nº435/2016, de 13/07/2016;</font><br>
<font>27ª. no mesmo sentido julgaram também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/2000, Proc. 99A1015, do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/11/2010, Proc. 454/09.0TVLSB.L 1-7, do Tribunal da Relação do Porto de 11/01/2007, Proc. 0636141;</font><br>
<font>28ª. as normas contidas no nº. 1 do art. 5° da LAV, no nº. 1 do art. 99° e na aI. a) do art. 577° do CPC são inconstitucionais, por violação do art. 20°, nº. 1, da CRP, quando interpretadas no sentido de a excepção de violação de convenção de arbitragem ser oponível à parte em situação superveniente de insuficiência económica, justificativa de apoio judiciário, como é o caso da ora Recorrente; </font><br>
<font>29ª. deverá, por isso, e por mais esta via, improceder a excepção invocada, pois persistir na mesma e admitir a sua procedência, tendo em conta a provada insuficiência económica da ora Recorrente, que beneficia de apoio judiciário e não pode arcar com os custos de uma arbitragem, leva à denegação de justiça por carência de meios económicos, o que constitui uma violação do nº. 1 do art. 20° da CRP; </font><br>
<font>30ª. requer-se o julgamento da inconstitucionalidade nos termos indicados. </font><br>
<br>
<font>E conclui: “deverá ser julgada improcedente a invocada excepção de incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-se por outro que julgue nesse sentido”.</font><br>
<b><font>8.</font></b><font> A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: </font><br>
<font>1ª. O recurso interposto deve ser julgado improcedente, mantendo-se a orientação jurisprudencial no sentido de interpretar o termo «poderá», em convenção de arbitragem, no sentido de estabelecer a opção das partes entre agir ou não agir, através do tribunal arbitral, depois de decorrido o período de conciliação de 30 dias contratualmente previsto.</font><br>
<font>2ª. A convenção de arbitragem constante do contrato de subempreitada sub iudice não é inexequível, na medida em que não é objetivamente impossível a constituição do tribunal arbitral, nos termos preconizados naquela cláusula.</font><br>
<font>3ª. A circunstância de a Recorrida beneficiar de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxas judiciais e demais encargos não determina a inconstitucionalidade das normas constantes do nº1 do artigo 5º da LAV, do nº1 do artigo 99º e na al. a) do artigo 577º do CPC, por violação do art. 20º, nº1, da CRP.</font><br>
<font>E conclui pela improcedência do recurso.</font><b><font> </font></b><br>
<b><font>9.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
<font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: </font><br>
<font>- no contrato celebrado pelas partes está atribuída a competência exclusiva ao tribunal arbitral;</font><br>
<font>- a convenção de arbitragem é inexequível;</font><br>
<font>- incapacidade económica da Autora e o seu reflexo na arbitragem.</font><br>
<br>
<b><font>III. Fundamentação.</font></b><br>
<b><font>1. O Tribunal da Relação de Lisboa afirmou que a</font></b><font> matéria de facto a considerar é a que decorre do relatório que antecede, no que respeita aos fundamentos da ação, para onde agora se remete.</font><br>
<font>Relevando especialmente a cláusula 34.ª do contrato celebrado entre as partes, do seguinte teor, reproduzido pela Recorrente sob a conclusão B:</font><br>
<b><i><font>CLÁUSULA TRIGÉSIMA QUARTA</font></i></b><br>
<b><i><font>Compromisso Arbitral / Resolução de Conflitos</font></i></b><br>
<i><font>1. Este Contrato será regulado pela Lei Portuguesa.</font></i><br>
<i><font>2. No caso de litígio ou disputa quanto à execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão.</font></i><br>
<i><font>3. Fica estabelecido o prazo máximo de 30 (trinta) dias para a conciliação referida no número anterior.</font></i><br>
<i><font>4. Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos dos números anteriores, qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ao abrigo dos números seguintes.</font></i><br>
<i><font>5. A arbitragem será realizada por um tribunal constituído nos termos desta cláusula.</font></i><br>
<i><font>6. O tribunal será composto por 3 (três) árbitros, sendo nomeado por cada uma das Partes em litígio no prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar do termo do prazo referido na alínea anterior, e um terceiro, que presidirá, nomeado por acordo entre os dois primeiros no prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar da ata da comunicação da nomeação do segundo árbitro; na falta de nomeação, por qualquer das Parte, dos dois primeiros árbitros ou na falta de acordo sobre o terceiro árbitro dentro dos referidos prazos, serão os mesmos indicados pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a requerimento da parte mais diligente.</font></i><br>
<i><font>7. O tribunal arbitral considera-se constituído na data em que o árbitro presidente comunicar às Partes em litígio a aceitação da respetiva nomeação.</font></i><br>
<i><font>8. O tribunal arbitral funcionará em Lisboa, no local que for escolhido pelo árbitro único ou pelo árbitro presidente.</font></i><br>
<i><font>9. O processo correrá perante o tribunal arbitral com observância das regras processuais aplicáveis de acordo com a lei portuguesa e com as disposições fixadas pelo próprio tribunal.</font></i><br>
<i><font>10. Caso não se verifique acordo quanto ao objecto do litígio, será o mesmo fixado pelo tribunal arbitral, tendo em conta a petição do demandante e a eventual reconvenção do demandado.</font></i><br>
<i><font>11. A submissão de qualquer questão à apreciação do tribunal arbitral não terá por efeito exonerar as Partes do cumprimento das obrigações aqui assumidas, nomeadamente no que respeita à execução da Subempreitada e à assunção de responsabilidades pelo Subempreiteiro.</font></i><font>»</font><br>
<br>
<b><font>2. Se no contrato celebrado pelas partes está atribuída a competência exclusiva ao tribunal arbitral</font></b><br>
<font>No contrato celebrado entre a Autora e a Ré encontra-se a cláusula 34ª atrás transcrita, referindo-se expressamente que: </font><i><font>No caso de litígio ou disputa quanto à execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão (nº2).</font></i><br>
<i><font>Fica estabelecido o prazo máximo de 30 (trinta) dias para a conciliação referida no número anterior (nº3).</font></i><br>
<i><font>Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos dos números anteriores, qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ao abrigo dos números seguintes (nº4).</font></i><br>
<font>E interpretando o nº4 da cláusula 34ª do contrato celebrado entre as partes, o Tribunal de 1ª instância considerou que não estávamos em presença da atribuição de competência ao tribunal arbitral, mas antes entendeu que se reportava a competência meramente alternativa.</font><br>
<font>E com esse fundamento, concluiu que não se verificava a exceção de preterição do tribunal arbitral, pelo que concluiu pela improcedência desta exceção, invocada pela Ré.</font><br>
<br>
<font>Não se conformando com esta interpretação, a Ré interpôs recurso de apelação e o Tribunal da Relação de Lisboa veio a julgar procedente o recurso, afirmando que estava verificada a exceção de preterição de tribunal arbitral, porquanto a cláusula em causa deveria ser interpretada no sentido da atribuição da competência exclusiva do tribunal arbitral. </font><br>
<br>
<font>Desta interpretação discorda a Autora, que continua a entender que se está em presença de atribuição de competência alternativa (do tribunal estadual ou do tribunal arbitral), tendo interposto este recurso de revista.</font><br>
<font>A divergência mantém-se na interpretação da cláusula 34ª do contrato celebrado entre as partes e atrás transcrita.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<br>
<font>Estaremos em presença da preterição de tribunal arbitral voluntário quando a ação for instaurada em tribunal estadual quando deveria ser instaurada em tribunal arbitral convencionado pelas partes.</font><br>
<font>A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infração da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência para apreciar determinado objeto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma ação que devia ser proposta num tribunal convencionado pelas partes</font><br>
<font>(Acórdão do STJ, de 4/05/2005)</font><br>
<font>A preterição de tribunal arbitral (necessário ou voluntário) determina a incompetência absoluta do tribunal (alínea b) do artigo 96º do Código de Processo Civil), que pode ser arguida pelas partes, mas não pode ser suscitada oficiosamente pelo tribunal judicial (nº1 do artigo 97º do Código de Processo Civil) e é uma exceção dilatória (alínea a) do artigo 577º do Código de Processo Civil) e as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (nº2 do artigo 576º do Código de Processo Civil).</font><br>
<font>A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº3 do artigo 1º da Lei nº63/2011, de 14 de dezembro (LAV).</font><br>
<font>A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com o tribunal estadual.</font><br>
<br>
<font>No caso presente, em face da cláusula compromissória constante do contrato celebrado pelas partes e atrás transcrita, as instâncias, como se referiu, deram respostas divergentes: a 1ª instância entendeu que as partes estabeleceram uma mera faculdade de recurso ao tribunal arbitral e com fundamento no uso do verbo poder empregue pelas partes na elaboração da cláusula 34ª.; por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que se estava em presença de uma obrigatoriedade (o recurso ao tribunal arbitral), apoiando a sua posição no Acórdão do STJ, de 20/01/2011 (consultável em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>) que, em situação em tudo idêntica à do caso dos presentes autos, assi o entendeu.</font><br>
<br>
<font>Ora, da análise da cláusula constante da convenção celebrado pelas partes, não podemos deixar (atenta a similitude das situações) de perfilhar o caminho seguido pelo citado Acórdão do STJ.</font><br>
<font>Assim,</font><br>
<font>A interpretação das declarações ou cláusulas contratuais constitui matéria de facto, da exclusiva competência das Instâncias, mas já constitui matéria de direito, sindicável pelo STJ, determinar se na interpretação das declarações foram observados os critérios legais impostos pelos artigos 236º e 238º do Código Civil, para a interpretação do sentido que há-de vincular as partes, face aos factos concretamente averiguados pelas Instâncias.</font><br>
<font>- Acórdão do STJ, de 18/06/2009, consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> –</font><br>
<font>- cfr., ainda, Acórdão do STJ, 19/02/2008, consultável em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> –</font><br>
<br>
<font>A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (nº1 do artigo 236º do Código Civil); sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (nº2 do artigo 236º do Código Civil).</font><br>
<font>Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (nº1 do artigo 238º do Código Civil); esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (nº2 do artigo 238º do Código Civil).</font><br>
<br>
<font>Por força do disposto na LAV, a convenção de arbitragem deve adotar forma escrita (nº1 do artigo 2º), encontrando-nos, assim, perante um negócio jurídico formal, impondo a lei a forma escrita.</font><br>
<br>
<font> Como refere Menezes Cordeiro, “interpretação e integração da convenção de arbitragem seguem as regras gerais aplicáveis aos negócios: 236º a 239º, do CC (…). Todavia, as inerentes operações devem recair sobre o contrato (no seu todo) onde, porventura, se contenha a convenção em causa; cabe ir ainda mais além e ter em conta o complexo contratual (vários contratos) onde se insira”.</font><br>
<font> - Tratado da Arbitragem, 2016, pág.88 –</font><br>
<font> Ou como refere Manuel Pereira Barrocas, “ a convenção de arbitragem está submetida às regras gerais de interpretação do negócio jurídico. Avultam, assim, as disposições contidas nos artigos 236º, número 1, e 238º, número 1, CC, ou seja, a convenção vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; e, sendo um negócio formal, não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento”</font><br>
<font> - Manual de Arbitragem, 2ª edição, pág. 169 - </font><br>
<br>
<br>
<font>Assim, nos termos das disposições legais citadas, a cláusula compromissória terá o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, pudesse razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, desde que tenha um mínimo de correspondência na letra do texto do documento (negócio formal), seguindo-se o ensinamento de Mota Pinto (“a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável”, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pág.419).</font><br>
<font>Ora, no caso presente, verifica-se que:</font><br>
<font>As partes do contrato epigrafaram a cláusula 34ª como “Compromisso Arbitral/Resolução de Conflitos;</font><br>
<font>Não existe qualquer alusão ao tribunal estadual na cláusula (limitando a fazer referência ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para indicação dos árbitros se as partes não procederem à sua nomeação);</font><br>
<font>As partes estabeleceram nessa cláusula as regras para a constituição e funcionamento do tribunal arbitral e para julgamento.</font><br>
<br>
<font>Aliás, no nº6 da cláusula 34ª. refere-se que “(…) na falta de nomeação, por qualquer das Partes, dos dois primeiros árbitros ou na falta de acordo sobre o terceiro árbitro dentro dos referidos prazos, serão os mesmos indicados pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a requerimento da parte mais diligente”.</font><br>
<font>Esta redação inculca a qualquer destinatário razoável que o pretendido era a constituição do tribunal arbitral e a resolução do eventual litígio por parte deste, pois, mesmo sem a indicação de árbitro por qualquer das partes ou da impossibilidade de nomeação de terceiro árbitro, a outra parte poderia socorrer-se de nomeação por parte do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, não se tendo optado, em face das dificuldades de nomeação dos árbitros, por considerar que a arbitragem não seria efetuada.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente refere que a expressão “poderá” utilizada no nº4 da cláusula 34ª. conduz-nos a uma solução em que as partes tinham a faculdade de recorrer ao tribunal arbitral ou ao tribunal estadual.</font><br>
<font>Ora, a interpretação da cláusula feita pela Recorrente não será a mais correta.</font><br>
<font>Assim, prevê-se na cláusula 34ª que: </font><br>
<font>No caso do litígio ou disputa quanto à execução, interpretação, aplicação ou integração deste Contrato, as partes diligenciarão, por todos os meios de diálogo e modos de composição de interesses, de forma a obter uma solução concertada para a questão (nº2);</font><br>
<font>Quando não for possível uma solução amigável e negociada, nos termos dos números anteriores, qualquer das Partes poderá, a todo o momento, recorrer a arbitragem, ao abrigo dos números seguintes (nº4).</font><br>
<br>
<font>Deste modo, o nº2 prevê a obrigatoriedade de uma fase conciliatória prévia à arbitragem.</font><br>
<font>E se não for possível a solução amigável, então as partes poderão recorrer à arbitragem.</font><br>
<font>Este poder recorrer à arbitragem, após a inviabilidade de uma solução amigável, está a referir-se à possibilidade de qualquer das partes se socorrer da via litigiosa, com a constituição de um tribunal arbitral, e não à possibilidade de uma alternativa ao tribunal estadual.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Como atrás se referir, o Acórdão do STJ, de 20/01/2011, num caso próximo do dos presentes autos, afirmou:</font><br>
<font>“É que o termo podem, inserto na falada cláusula contratual, não se conexiona directamente com a opção pela competência jurisdicional clausulada, mas apenas com a condição (…) de as partes tentarem uma via conciliatória (acordo amigável, como consta do texto) antes de enveredarem pela contenciosa, e só em caso de frustração de tal via, ficarem livres para (poderem) enveredar pela via contenciosa por recurso à arbitragem, como linearmente se colhe da expressão: “Caso não seja possível encontrar uma solução amigável … ambas as partes podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem de acordo com os termos abaixo descritos”.</font><br>
<br>
<font>Por todo o exposto se conclui que a convenção arbitral estabeleceu competência exclusiva dos tribunais arbitrais, como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<b><font>3. A inexequibilidade da convenção de arbitragem </font></b><br>
<font>A Recorrente suscita a questão de a convenção de arbitragem ser inexequível.</font><br>
<br>
<font>Os tribunais são os órgãos da soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artigo 202º, nº1, da Constituição da República Portuguesa).</font><br>
<font>No nº1 do artigo 209º da CRP determinou-se a existência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais Judiciais de 1ª e 2ª instância, do Supremo Tribunal Administrativo e demais tribunais administrativos e fiscais e do Tribunal de Contas.</font><br>
<font>O nº2 do artigo 209º da CRP prescreve que podem ainda existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.</font><br>
<font>Por sua vez, preceitua o nº1 do artigo 1º da Lei nº63/2011, de 14 de dezembro, que desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.</font><br>
<font>A convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) – nº3 deste último preceito.</font><br>
<font>A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito (nº1 do artigo 2º da LAV - Lei nº63/2011, de 14 de dezembro). O compromisso arbitral deve determinar com precisão o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (nº6 do artigo 2º da LAV).</font><br>
<font>A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja susceptível de alteração nos termos do artigo 45º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual (artigo 42º, nº7, da LAV).</font><br>
<br>
<font>Atento o | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6zJ4u4YBgYBz1XKv0w33 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1. AA</font></b><font> intentou, em </font><u><font>03/02/2015</font></u><font> e em defesa dos interesses dos pequenos acionistas do BB, ação popular, com processo comum, contra vinte e sete Réus, pedindo a condenação solidária destes a indemnizar aqueles acionistas, cada um deles em montante correspondente à diferença entre o valor atual das ações que detêm (€0,0) ou o preço pelo qual as tiverem alienado após o aumento do capital de 2014 e o valor (€0,65) a que as ações do BB foram vendidas aquando desse aumento de capital.</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Por decisão de </font><u><font>16/06/2016</font></u><font>, o </font><b><font>tribunal de 1.ª instância</font></b><font> declarou deserta a instância, por ter entendido que os autos estavam a aguardar o impulso processual da autora, no tocante às diligências de citação dos réus, há mais de seis meses.</font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> A Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso de apelação. </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a A./Apelante veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O recurso é admissível enquanto revista ordinária, uma vez que não há sobreposição de julgados, nomeadamente quanto à fundamentação das decisões das instâncias. </font>
</p><p><font>2ª. Caso assim não se entenda, deve o recurso ser admitido enquanto revista excepcional, porquanto: </font>
</p><p><font>3ª. Está em causa questões de grande relevância jurídica - transversais a todo o direito adjectivo - nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. a). </font>
</p><p><font>4ª. Estão em causa interesses de particular relevância social - discutem-se valores elevados, correspondentes em grande parte às poupanças de um número elevado de pessoas, que não podem ser defendidos, na sua plenitude, se não por via da apreciação (e desejável procedência) deste recurso – nos termos do art. 672.º, n.º 1, al.b). </font>
</p><p><font>5ª. Há contradição de julgados entre a decisão em crise e acórdão de outro tribunal superior sobre a mesma questão fundamental de direito - nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. c).</font>
</p><p><font>6ª. Nos termos do art. 281.º do CPC, </font><i><font>"considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, </font></i><font>o </font><i><font>processo </font></i><font>se </font><i><font>encontre </font></i><font>a </font><i><font>aguardar impulso processual há mais de seis meses". </font></i>
</p><p><font>7ª. Nenhum dos pressupostos desta causa de extinção da instância se encontra preenchido no caso </font><i><font>sub judice. </font></i>
</p><p><font>8ª. A acção encontra-se ainda na fase da citação, fase esta que, nos termos do art. 226.º, n.º 1, do CPC, obedece à regra da oficiosidade. Por maioria de razão, se as diligências de citação não dependem de despacho judicial, muito menos dependem de requerimento do autor. </font>
</p><p><font>9ª. Ainda que se entendesse que o processo se encontra parado (o que não é verdade, pois sempre existiu actividade processual relativamente aos demais réus), não se pode afirmar tal é consequência de falta de actividade da autora, pois os actos a praticar para dar continuação a acção são actos que devem ser praticados pela secretaria. </font>
</p><p><font>10ª. A Recorrente nunca notificada para tomar posição quanto a qualquer questão relativa à citação dos Réus. </font>
</p><p><font>11ª. Ainda que se considere que a secretaria se encontra inactiva a aguardar "instruções" da parte, seria ainda necessário que tal inactividade da Autora fosse resultado de negligência desta em promover o andamento dos autos, revelando assim desinteresse pela sorte da acção, sendo que a Recorrente não se desinteressou da acção, tendo, sempre que lhe foi possível, respondido às solicitações do tribunal. </font>
</p><p><font>12ª. Os actos que se encontram por praticar não são actos que se possa razoavelmente exigir que pratique, pois a Recorrente não tem meios para descobrir o paradeiro dos citandos ou a identidade dos herdeiros e, quanto à tradução, a Autora chegou a pedir orçamentos para o respectivo custo, e obteve resultados na ordem das dezenas de milhares de euros, pelo que a demora ou hesitação na apresentação de tal tradução não se pode imputar a negligência, mas sim a cautela na gestão dos seus meios financeiros. </font>
</p><p><font>13ª. Falta pois verificar-se o pressuposto da negligência. </font>
</p><p><font>14ª.Também não se encontra preenchido o requisito do prazo, pois entre a última notificação que recebeu do tribunal - a 11.12.2105 - e o requerimento de diligências que seguidamente apresentou – a 19.05.2106 - não AArreram seis meses. </font>
</p><p><font>15ª. Ao longo do processo, nunca o mesmo esteve parado a aguardar impulso da Autora, antes continuando sempre a ser praticados os mais diversos actos. </font>
</p><p><font>16ª. Pelo que a Autora nunca ficou com a convicção de estar o processo "a aguardar" actuação sua, que acreditou poder ser retomada quando para isso dispusesse dos necessários elementos. </font>
</p><p><font>17ª. A data de deserção considerada no acórdão recorrido perdeu eficácia pela prática de actos pelo tribunal posteriormente àquela data, pois tal prática permite à Autora a justa convicção de não estar a instância deserta. </font>
</p><p><font>18ª. A declaração da deserção tem efeitos constitutivos, podendo as partes, eficazmente, praticar actos de impulsão do processo antes de a deserção ser julgada, a ela obstando. </font>
</p><p><font>19ª. O tribunal deveria ter advertido a Autora do risco de deserção, não o tendo feito, não poderá depois julgar a deserção, sem antes conceder às partes prazo para dar impulso aos autos. </font>
</p><p><font>20ª. A deserção não pode ser julgada sem previamente ser dada às partes oportunidade de se pronunciarem sobre a existência de negligência. </font>
</p><p><font>21ª. Dispõe o art. 35.º do CPC que, </font><i><font>"no litisconsorcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência </font></i><font>em </font><i><font>relação aos seus compartes". </font></i>
</p><p><font>22ª. A falta de impulso processual que se discute nos autos não respeita a todos os Réus - no total de 27 - mas apenas a 5 deles (um por falta de habilitação de herdeiros e os restantes 4 por falta de citação), nenhum obstáculo existindo quanto à prossecução dos autos em relação aos restantes 23 Réus, sendo admitida a extinção parcial da instância. </font>
</p><p><font>23ª. Caso se entenda que a posição dos Réus deve ser una, os actos praticados no processo em relação aos demais réus, seguindo a sua normal tramitação, </font><i><font>devem </font></i><font>obstar à deserção. </font>
</p><p><font>24ª. A interpretação que o tribunal fez do art. 281.º, n.º 1., do CPC, no sentido de ser de decretar a deserção da instância sem convite prévio à parte para se pronunciar quanto à existência de negligência, e também quando a inactividade da parte, tendo durado seis meses a dado momento do processo, se tenha posteriormente interrompido mediante prática de acto posterior, é inconstitucional por violação do princípio do acesso à justiça previsto na constituição e do princípio da confiança decorrente do art. 2.º, que prevê o estado de Direito Democrático. </font>
</p><p><font>E conclui pela revogação do “acórdão recorrido e, consequentemente, ser substituído por decisão que: </font>
</p><p><font>a) Ordene o prosseguimento dos autos, com a realização das diligências requeridas pela Autora no seu req. de 19.05.2016 e com as diligências necessárias à citação dos réus residentes no estrangeiro; </font>
</p><p><font>b) Subsidiariamente, ordene a notificação da Autora para se pronunciar sobre a falta de impulso processual, quanto aos 5 réus em relação aos quais essa falta se verifica, ordenando a prossecução dos autos quanto aos demais réus. </font>
</p><p><font>c) Subsidiariamente ainda, caso se mantenha a decisão de deserção da instância quanto aos 5 réus em causa, ordene o prosseguimento dos autos quanto aos 22 Réus não afectados pela falta de impulso processual. </font>
</p><p><font>Mais se requer, ao abrigo do nº. 2 do artigo 686.</font><sup><font>º</font></sup><font> do CPC, a realização do julgamento do presente recurso com intervenção do pleno das secções cíveis”. </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Os Recorridos CC, DD, EE, S.A., FF e GG contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font> - O Recorrido CC –</font>
</p><p><font>1ª. A interposição de um segundo recurso de uma mesma decisão judicial não é legalmente admissível;</font>
</p><p><font>2ª. O pedido da Rec.te para que seja considerado "sem efeito" o 1º recurso de revista por ela interposto vale</font><i><font> </font></i><font>como desistência; </font>
</p><p><font>3ª. A AA, ora Rec.te, não reúne as condições necessárias para interpôr recurso, por isso que não dispõe de legitimidade para a acção popular para protecção de interesses homogéneos ou colectivos de investidores não qualificados em instrumentos financeiros;</font>
</p><p><font>4ª. A revista comum não é admissivel, por se verificar a dupla conforme; </font>
</p><p><font>5ª. A revista excepcional não é admissível, por não se verificarem as condições previstas no artº 672° n° 1 alíneas a), b) e c) do Cód. de Processo Civil; </font>
</p><p><font>6ª. A "falta de impulso processual" imputável à parte sobre quem impende o ónus desse impulso não significa "paragem total" do processo; </font>
</p><p><font>7ª. A falta de impulso processual imputável à ora Rec.te reporta-se a uma multiplicidade de situações, cada uma delas, por si só, caracterizadora de deserção;</font>
</p><p><font>8ª. A resposta da ora Rec.te ao pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, deduzido por CC, não tem a virtualidade de neutralizar os efeitos da inactividade negligente daquela prolongada por mais de seis meses;</font>
</p><p><font>9ª. A Rec.te foi notificada do pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, e pronunciou-se sobre o mesmo, pelo que não tinha qualquer cabimento a repetição da sua audição; </font>
</p><p><font>10ª. A lei não impõe que a decisão que julga deserta a instância seja procedida de despacho cautelar ou de alerta; </font>
</p><p><font>11ª. A lei não exige, no caso vertente, a prévia audição do Ministério Público, como não exige também a prévia audição do autor responsável pelos "comportamentos lesivos dos interesses em causa", pelo que não ocorre a nulidade arguida no inadmissível segundo recurso de revista; </font>
</p><p><font>12ª. Se nulidade existisse, a mesma sempre devia ter-se como sanada nos termos do artº 194° nº 1 do Cód. de Processo Civil;</font>
</p><p><font>13ª. A figura da "deserção parcial" não tem consagração legal; </font>
</p><p><font>14ª. O comando do art'º 281° n°1 do Cód. de Processo Civil não enferma de qualquer inconstitucionalidade, menos ainda por violação do princípio da protecção da confiança que decorre do artº 2° da Constituição da República Portuguesa;</font>
</p><p><font>15ª. A arguição da inconstitucionalidade do disposto no artº 281° nº 1 do Cód. de Processo Civil, na interpretação que a Rec.te dele faz, não tem qualquer sentido, tendo em conta que ela foi ouvida sobre o pedido de declaração de extinção da instância, por deserção, e tomou posição expressa sobre o mesmo antes da prolação da douta sentença da 1ª instância; </font>
</p><p><font>16ª. O teor da resposta da Rec.te a esse pedido constitui demonstração da sua negligência; </font>
</p><p><font>17ª. Não existe fundamento para o julgamento alargado da revista; </font>
</p><p><font>18ª. O douto acórdão recorrido, tal como a douta sentença da 1ª instância, não enferma de qualquer vício ou ilegalidade. </font>
</p><p><font>E conclui: “Deve inadmitir-se a revista, ou negar-se-lhe provimento, com todas as legais consequências.”</font>
</p><p><font> - A Recorrida DD –</font>
</p><p><font> </font><b><font>a) Quanto à inadmissibilidade do recurso </font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>1ª.</font><b><font> </font></b><font>O recurso interposto pela Autora não é admissivel nem como revista comum nem como revista excepcional. </font>
</p><p><font> 2ª.</font><b><font> </font></b><font>Contrariamente ao que a Autora sustenta, a fundamentação do acórdão da Relação é em tudo concordante com a decisão da Primeira Instância, pelo que existe dupla conforme que impede que do acórdão da Relação seja interposto recurso de revista, atento o disposto no art. 673.°, n.º 1, do C.P.C.. </font>
</p><p><font> 3ª.</font><b><font> </font></b><font>O facto de a Relação se socorrer de outros argumentos ou mesmo discutir outras questões, </font><i><font>maxime </font></i><font>em consequência da alegação da Autora, não é causa de divergência alguma da sua decisão relativamente à da Primeira Instância, por isso que, quanto àquilo que foi efectivamente a fundamentação da decisão da Primeira Instância, o acórdão recorrido manifesta a sua integral concordância. </font>
</p><p><font> 4ª.</font><b><font> </font></b><font>A deserção da instância não é, em si mesma, uma questão complexa, nem controversa na doutrina e na jurisprudência, nem sequer é uma questão inédita, que possa justificar a admissão da revista excepcional ao abrigo da alínea a) do art. 672.° do C.P.C..</font>
</p><p><font> 5ª. Não está em causa na acção "uma situação em que possa haver colisão de uma decisão jurídica com valores sócio-culturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas", que leve a que se admita a revista excepcional ao abrigo da alínea b) do art. 672.° do C.P.C..</font>
</p><p><font> 6ª. Uma vez que a Autora, relativamente a todas as questões de alegada contradição de acórdãos que invoca, e apesar de manifestar disponibilidade para apresentar certidões, juntou apenas cópias de textos de acórdãos extraídas do </font><i><font>site </font></i><font>da DGSI, sem qualquer nota do respectivo trânsito em julgado, o recurso deve ser rejeitado por incumprimento do ónus lançado sobre o recorrente no art. 672.°, nº. 2, alínea c), do C.P.C..</font>
</p><p><font>7ª. Acresce que, pelo menos quanto às segunda e terceira questões relativamente às quais a Autora invoca a contradição de acórdãos (quanto à alegada necessidade de audição prévia das partes e quanto às consequências da falta de alerta do Tribunal para o risco de deserção), não existe qualquer efectiva contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos invocados como fundamento.</font>
</p><p><font>8ª. Sem prejuízo do que antecede, caso se entenda admitir a revista excepcional com algum dos fundamentos relativos à alegada contradição de acórdãos, será somente da matéria respectiva que o Supremo Tribunal poderá conhecer.</font>
</p><p><font> b) </font><b><font>Quanto à improcedência do recurso</font></b>
</p><p><font> 9ª. No que se refere à habilitação do Réu falecido antes da propositura da acção e as diligências para a citação dos Réus residentes no estrangeiro, é manifesta a verificação dos pressupostos de que, nos termos do disposto no art. 281.°, nº. 1, do C.P.C., depende a extincão da instância por deserção: que o processo se encontrasse a aguardar impulso processual por parte da Autora há mais de 6 meses e que tal se devesse a inércia desta última.</font>
</p><p><font> 10ª. Tendo a Autora sido notificada em 14.5.2015 para promonr as diligências que entendesse necessárias relativamente à habilitação dos sucessores do Réu falecido antes da propositura da acção, e de que o processo ficava a aguardar esse impulso, a Autora nada fez durante um período muito superior a 6 meses.</font>
</p><p><font>11ª. Tanto basta para considerar negligente a sua conduta processual e para dar como preenchidos os pressupostos da deserção da instância.</font>
</p><p><font>12ª. Acresce que também relativamente à citação de réus residentes em França e no Brasil a Autora foi confrontada com a frustração da citação de três deles e com o facto de um outro ter exigido que a citação fosse feita em francês, com tradução da petição inicial e respectivos documentos, sem que a Autora tenha, quanto a tais citações, promovido o que quer que fosse ou solicitado a realização de quaisquer diligências.</font>
</p><p><font> 13ª. Também a inércia negligente da Autora relativamente à frustração dessas citações preenche os requisitos da deserção da instância.</font>
</p><p><font> 14ª. O facto de a Autora, muito tempo depois de decorridos os 6 meses previstos na lei, e só depois de suscitada a questão da deserção por um dos Réus, ter vindo ao processo requerer determinadas diligências, nao e apto a impedir o Tribunal de julgar extinta a instância por deserção.</font>
</p><p><font> 15ª. Não recaía sobre o Tribunal um dever de alertar a Autora para a necessidade de, sob pena de deserção, diligenciar com vista à habilitação do Réu falecido ou à citação dos Réus residentes em França e no Brasil.</font>
</p><p><font>16ª. A parte de quem depende a iniciativa processual não tem de ser interpelada para a prática do acto de que depende o andamento do processo com a cominação de que o processo se encontra a aguardar o seu impulso processual sob pena de deserção.</font>
</p><p><font> 17ª. De todo o modo, relativamente à questão da habilitação dos sucessores do Réu falecido antes da propositura da acção, a Autora foi expressamente notificada, por despacho de 14.5.2015, de que o processo ficava a aguardar o seu impulso.</font>
</p><p><font> 18ª. Acresce que, se existisse tal dever de advertência, a sua omissão constituiria nulidade processual que, não tendo sido oportunamente invocada pela Autora, ficou definitivamente sanada conforme se entendeu no acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>19ª. O despacho proferido em Primeira Instância sobre a questão em apreço, ao conhecer e declarar a deserção da instância, não só não colhe a Autora de surpresa como versa sobre questão relativamente à qual a Autora tinha acabado de se pronunciar, em resposta a requerimento do Réu CC.</font>
</p><p><font>20ª. Não está estabelecido no processo que este tome a natureza de acção popular destinada à realização de interesses colectivos ou difusos na qual deva ter lugar a intervenção do Ministério Público como parte acessória. </font>
</p><p><font>21ª. De todo o modo, e ainda que assim fosse, a falta de vista ao Ministério Público como parte acessória sempre teria de considerar-se sanada, atento o disposto no art. 194.°, nº. 1, do C.P.C., uma vez que os supostos titulares dos interesses colectivos ou difusos estariam na acção representados pela Autora e estava, assim, assegurada a finalidade a que se destinaria o chamamento do Minisrério Público. </font>
</p><p><font> 22ª. Uma vez verificada a inércia do autor pelo período legalmente estabelecido, a consequência é uma e una: a pura e simples extinção da instância, que necessariamente abrange todo o processo e aproveita a todos os Réus, e não somente aos não citados.</font>
</p><p><font> 23ª. A norma do art. 281.°, nº. 1, do C.P.C. não foi aplicada nos autos com o sentido que a Autora reputa inconstitucional. </font>
</p><p><font>24ª. De todo o modo, e ainda que se entenda que a norma em causa foi aplicada com o sentido indicado pela Autora, não ocorre violação alguma da garantia constitucional do acesso ao direito, e também não se vislumbra em que dimensão poderá o princípio da confiança ser posto em causa por tal suposta interpretação normativa - pois que a Autora bem sabia que lhe havia sido devolvida a iniciativa processual e que a sua inércia poderia ser causa de deserção da instância.</font>
</p><p><font> 25ª. Não se mostram preenchidos os requisitos do julgamento ampliado da revista requerido pela Autora. </font>
</p><p><font> E conclui que “não deverá admitir-se o recurso interposto pela Autora nem como revista "normal" nem como revista excepcional.</font>
</p><p><font> Caso assim não se entenda, deverá julgar-se improcedente o recurso e confirmar-se a douta decisão recorrida”. </font>
</p><p><font> - O Recorrido FF –</font>
</p><p><font>1ª. O recurso não é admissível enquanto revista comum com fundamento no disposto do art. 671° nº. 3 do CPC porquanto, in casu, opera a regra da dupla conforme nos termos previstos na mencionada norma.</font>
</p><p><font>2ª. O recurso não é admissível enquanto revista excecional nos termos do art. 672° nº. 2 do CPC dado que (i) não estão em causa questões de grande relevância jurídica, (i) nem interesses de particular relevância social, (iii) nem existe oposição de julgados.</font>
</p><p><font>3ª. Não sendo o recurso admissível com base em nenhum dos fundamentos legais invocados pela Recorrente, deverá o mesmo ser rejeitado, nos termos legais. Assim não se entendendo, o que não se aceita nem concede, sempre improcederá nos demais termos.</font>
</p><p><font>4ª. À regra da oficiosidade não está subjacente qualquer passividade, inércia ou inatividade do Autor. A secretaria tem a iniciativa mas o Autor não se pode demitir ou desonerar das suas atribuições processuais, nomeadamente, quanto ao ónus de impulso processual. O Autor pode (e deve!) carrear elementos para o processo para se determinar a real situação localização do citando.</font>
</p><p><font>5ª. A Recorrente optou por não impulsionar os autos quanto aos RR. referidos no despacho que julgou a instância deserta. </font>
</p><p><font>6ª. As notificações de 20.04.2015, 15.05.2015 e 19.06.2015 impunham a realização de diligências pela Recorrente com vista à citação dos RR ., diligências essas que não foram levadas a cabo pela mesma. </font>
</p><p><font>7ª. Por despacho proferido em 14.05.2015 e notificado em 15.05.2015, foi a Recorrente notificada para indicar quais as diligências pretendidas com vista a requerer a habilitação do R. falecido. A Recorrente não deu cumprimento ao vertido no citado despacho e em 19.05.2016 - mais de um ano depois - informou os autos que nada fez porque tinha a expectativa de conseguir obter, por si, aquela informação. É às partes, e não o Tribunal, que incumbe o ónus de deduzir o referido incidente de habilitação, razão pela qual a instância é suspensa. </font>
</p><p><font>8ª. A Recorrente não impulsionou os autos - como devia - na sequência das notificações e despacho recebidos, tendo sido negligente, razão pela qual - e decorridos seis meses - a instância foi julgada deserta.</font>
</p><p><font>9ª. O prazo de seis meses deve ser contabilizado, pelo menos, desde 15.05.2015 pelo que em 19.05.2016 - data do requerimento da Recorrente - o prazo de seis meses de suspensão da instância já tinha decorrido há muito tempo. </font>
</p><p><font>10ª. A notificação de 11.12.215 não operou um efeito extintivo da deserção então ocorrida. </font>
</p><p><font>11ª. O prazo de seis meses previsto no art. 281°, nº. 1 do CPC é um prazo perentório ou cominatório.</font>
</p><p><font>12ª. A letra da lei é clara e dela não consta qualquer referência ou necessidade de despacho prévio a alertar ou prevenir a parte para a falta de impulso, pelo que logo que estejam decorridos os seis meses, sem que tenha havido qualquer impulso processual, a instância é considerada deserta, por decisão judicial.</font>
</p><p><font>13ª</font><b><font>. </font></b><font>Qualquer entendimento contrário ao </font><i><font>supra </font></i><font>exposto não tem qualquer cobertura legal e configura, no mínimo, uma interpretação ab-rogante da norma em vigor! Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a Recorrente deveria ter arguido a respetiva nulidade no momento e tempo próprios, junto do Tribunal de 1ª. instância, e, não o tendo feito, não pode a mesma ser apreciada em sede de recurso. </font>
</p><p><font>14ª. Ainda assim, a Recorrente foi, implicitamente, alertada em 15.05.2015, pelo Tribunal da 1ª. instância que os autos se encontravam a aguardar o respetivo impulso. </font>
</p><p><font>15ª. A deserção da instância, tal como está atualmente prevista, advém da existência da incúria e desleixo revelados e a parte a quem se atribui este descuido merece a punição prescrita na lei porque o processo não pode ficar eternamente paralisado por inércia total da sua parte. </font>
</p><p><font>16ª. A intenção do legislador, ao impor a prolação de um despacho declarativo da deserção da instância, foi, apenas, o de alertar a parte para a deserção por ela já provocada, de modo a poder acautelar o eventual reinício dos prazos de prescrição ou de caducidade a que o exercício do seu direito substantivo ainda se encontre sujeito, instaurando uma nova ação em tempo.</font>
</p><p><font>17ª. O recurso interposto a 07.02.2017 não deve ser admitido porquanto contém fundamentos novos - que não foram incluídos no recurso apresentado em 03.02.2017 - não representando assim uma mera correção de erros materiais.</font>
</p><p><font>18ª. O capítulo inserido na alínea f) da parte III, bem como as conclusões 21, 22 e 23 constituem alegação de factos novos insuscetíveis de serem apreciados pelo Tribunal </font><i><font>ad quem.</font></i>
</p><p><font>19ª. O art. 16 nº. 1 da Lei nº. 83/95 não tem qualquer aplicação ao caso concreto. </font>
</p><p><font>20ª. Se a Recorrente entendia que estava em causa uma qualquer nulidade devia tê-la arguida no momento e locais próprios, ou seja, junto do Tribunal da 1ª. instância.</font>
</p><p><font>21ª. O art. 281° nº. 1 do CPC não contempla a possibilidade de a deserção ser parcial e o princípio da estabilidade da instância também não a admite porquanto a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidade de modificação consignada na lei.</font>
</p><p><font>22ª. Estão totalmente preenchidos e verificados os pressupostos consagrados no art. 281 ° nº. 1 do CPC relativos à deserção pelo que deve ser confirmada a extinção da instância ex vi art. 277° al. c) do ClPC. </font>
</p><p><font>23ª. O Tribunal da Relação não violou o art. 281° nº. 1 do CPC, nem o princípio do contraditório decorrente do art.3° nº. 3 do CPC, assim como não violou o art.2° da Constituição da República Portuguesa nem os princípios do acesso à justiça e da confiança.</font>
</p><p><font>24ª. Encontram-se reunidos os pressupostos legais para que o Tribunal </font><i><font>ad quem </font></i><font>determine a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça que, nos termos previstos no artigo 6.°, número 7 do R.C.P for devida no âmbito do presente processo / recurso. o que se requer, sendo tal dispensa considerada para efeitos de elaboração da conta de custas a final. </font>
</p><p><font>25ª. Deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, o que claramente só poderá verificar-se </font><i><font>in casu </font></i><font>se, efetivamente, for determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do disposto no art. 6.° nº.7 do R.C.P.. </font>
</p><p><font>26ª. No caso de não ser concedida a dispensa ora requerida tal decisão será não só desconforme à Lei, como levará ao julgamento de inconstitucionalidade, o que se alega para todos os efeitos legais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.</font><sup><font>0</font></sup><font> da C.R.P., conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.</font><sup><font>0</font></sup><font> e 18.°, nº. 2. segunda parte, da C.R.P., das normas contidas nos artigos 6.° números 1, 2 e 7, 7.° número 2, 11.° e 14.° número 9 do R.C.P ., conjugadas com a tabela I-A e tabela I-B anexas ao R.C.P., quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto. tendo em conta, designadamente, a (ausência de) complexidade do presente processo/recurso e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título. </font>
</p><p><font>E conclui:</font>
</p><p><font>“1.Deverá o recurso interposto ser julgado totalmente inadmissível e rejeitado nos termos legais aplicáveis. </font>
</p><p><font>Assim não se entendendo, o que não se concede </font>
</p><p><font>2. Deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, confirmando-se integralmente o douto Acórdão recorrido, </font>
</p><p><font>3. Deverá ainda o Tribunal </font><i><font>ad quem, </font></i><font>nos termos e para os efeitos do disposto no art. 6° nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, proferir decisão que dispense o Recorrido, do pagamento da taxa de justiça remanescente”. </font>
</p><p><font>- </font><b><font>Procedeu-se à retificação da numeração das conclusões perante o manifesto lapso existente –</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>- O Recorrido GG –</font>
</p><p><font>1ª. Veio a A.-Recorrente fundamentar o recurso de revista como revista comum por a questão da deserção não ter sido objeto de discussão em primeira instância, havendo, no entendimento da Recorrente, diferenças essenciais na fundamentação da decisão da primeira instância e do Tribunal da Relação, tanto jurídicas, como de facto; </font>
</p><p><font>2ª. O recurso interposto só poderia ser admitido como revista comum se os fundamentos das decisões das duas instâncias anteriores fossem fundamentalmente diversos, o que não sucede. </font>
</p><p><font>3ª. Não é o facto de o Tribunal da Relação tecer maiores considerações sobre um ou outro aspeto (ou considerar os efeitos da omissão de um ato) que ilide aquela identidade substancial: como é evidente, a fundamentação de um Acórdão não é (nem deve ser) a repetição dos termos da decisão recorrida, pelo que a ser válida a argumentação da A.-Recorrente quase todos os Acórdãos dos Tribunais da Relação seriam passíveis de revista.</font>
</p><p><font>4ª. A A.-Recorrente considera, depois, possível o recurso como revista excecional ao abrigo da alínea a), b) ou c) do nº. 1 do | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JDJ9u4YBgYBz1XKv9hF4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1. AA, S.A..</font></b><font> e </font><b><font>BB, Lda, Lda.</font></b><font> intentaram ação declarativa de condenação contra </font><b><font>CC, S.A., S.A. </font></b><font>e </font><b><font>DD</font></b><font>, pedindo que se condene a R. a pagar à 1ª A. a quantia de 119.815,09 €, e a pagar à 2ª A. a quantia de 129.031,24 €, acrescidas de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação e até integral pagamento; subsidiariamente, nos termos do artigo 554º, nº 1, do nCódigo de Processo Civil, que se condene o R. a pagar a cada uma das AA as referidas quantias, acrescidas dos apontados juros. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alegaram, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- através de contrato de locação financeira, são, respetivamente, locatária e subarrendatária (sendo a 2ª A. uma empresa que faz parte do grupo detido pela 1ª A.), do imóvel sito na Rua ...;</font>
</p><p><font>- no dia 6.4.2012, em tal imóvel, deu-se um desmoronamento parcial de um dos pavilhões, no alçado sul, consequência de aluimento de terras, sendo que tal pavilhão confinava com um terreno do R. DD e o alçado sul assentava num muro de suporte de terras que servia de base de apoio da parede; </font>
</p><p><font>- esse aluimento de terras deu-se na sequência da forte pluviosidade ocorrida durante o inverno e a primavera de 2012, mormente das fortes chuvadas ocorridas na madrugada de 5 para 6 de abril de 2012, que causaram infiltração de águas no terreno contíguo;</font>
</p><p><font>- em fevereiro de 2012, foram feitas operações de movimentação de terras no dito terreno contíguo, do R. DD, na parte em que confrontava com o imóvel explorado pelas AA, tendo a 1ª Autora informado a Divisão de Protecção Civil e Bombeiros de ..., em 16.2.2012, e a Câmara Municipal de ..., em 26.3.2012, sendo que ambas as entidades constataram o ocorrido e a última, por despacho de 3.4.2012, notificou o R. para edificar um muro de suporte com pelo menos dois metros de altura, na parte confinante com as AA, o que não foi feito;</font>
</p><p><font>- atenta a movimentação de terras e a forte pluviosidade, deu-se o desmoronamento atrás referido; </font>
</p><p><font>- na sequência do contrato de locação financeira e por sua imposição, cada uma das AA celebrou com a R. CC um seguro do ramo multirriscos, o qual, além do mais, incluía o aluimento de terras;</font>
</p><p><font>- o contrato da 1ª A. tinha por objeto o referido imóvel e o celebrado pela 2ª abrangia os seus bens móveis ou que estivessem à sua responsabilidade, existentes e/ou instalados no referido imóvel; </font>
</p><p><font>- a R. após receber a participação, recusou a sua responsabilidade por entender que o sinistro foi causado pela queda de um muro de terceiros; </font>
</p><p><font>- uma vez que, no imóvel, funcionam as instalações das AA, abertas ao público e necessárias à prossecução da sua atividade, a 1ª A. reparou os danos, com o que despendeu 119.815,09 € e 19.763,99 €, esta última quantia em benefício da 2ª A. e que deve ser coberta pelo contrato de seguro que a 2ª A. celebrou; </font>
</p><p><font>- a 2ª A. sofreu ainda danos no valor de 109.267,25 €, referentes a peças e acessórios para automóveis que se encontravam armazenadas no imóvel e que ficaram inutilizadas; </font>
</p><p><font>- caso se conclua que o sinistro não está coberto pelas apólices de seguro, deve ser responsável pelos danos o R., proprietário do prédio contíguo. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citados, os Réus vieram contestar, em separado:</font>
</p><p><font>- O Réu DD –</font>
</p><p><font>contestou, por impugnação e excecionando a prescrição do direito que as AA pretendem fazer valer e articulou factos tendentes a concluir pela improcedência da ação, designadamente que não procedeu ao desaterro ou remoção de terras, nem a mandou fazer ou sequer autorizou, tendo tais trabalhos sido feitos à sua revelia pelo seu pai, EE. Alegou ainda que a remoção de terras foi feita em terreno do seu pai, sendo a sua hipotética responsabilidade de apenas ¼ dos prejuízos, pois é essa a parte da confinância do seu prédio com o pavilhão desmoronado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- A Ré CC –</font>
</p><p><font>contestou concluindo pela improcedência da ação, pois que a queda do muro de sustentação de terras se deu na decorrência do desaterro levado a cabo no prédio contíguo e que as AA já tinham conhecimento da possibilidade dessa ocorrência desde o ano anterior, não tendo desocupado o pavilhão em causa, não se tratando de um facto fortuito e incerto e, assim, de um sinistro, nem de um fenómeno geológico, de causa natural. Mais alegou que as AA desde Janeiro de 2012 tinham consciência do agravamento do risco coberto e não lhe comunicaram essas circunstâncias, sendo certo que a R. nunca celebraria um contrato que cobrisse riscos com as características resultantes do agravamento. </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Notificadas, as Autoras responderam, mantendo a sua posição. </font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção de prescrição e se relegou para final o conhecimento da questão da não cobertura contratual. </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, que: “1. Condenou o Réu DD a pagar à A. AA, a quantia de 119.815,09 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento; </font>
</p><p><font>2. Condenou o Réu DD a pagar à A. BB, a quantia que vier a ser liquidada quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos no ponto 39. dos factos provados, até ao limite de 109.267,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento; </font>
</p><p><font>3. Absolveu a Ré CC do pedido, e absolveu o Réu DD do demais contra si peticionado” </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformados, as Autoras e o Réu DD interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A Relação de Coimbra veio a julgar: “procedente o recurso das AA, revoga-se a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se a R. CC a:</font>
</p><p><font>- pagar à A. AA, a quantia de 119.815,09 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento; </font>
</p><p><font>- a pagar à A. BB, a quantia que vier a ser liquidada quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos no ponto 39. dos factos provados, até ao limite de 109.267,25 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até integral pagamento.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, veio a Ré CC, S.A., S.A. interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font> </font><b><font>RISCO E SINISTRO </font></b>
</p><p><font>1ª.</font><b><font> </font></b><font>A decisão acertada, foi/é, a que foi tomada em primeira instância, a qual exara que os contratos em apreço nos autos inserem-se no grupo do seguro de danos regulado pelos artigos 123</font><sup><font>0</font></sup><font> a 174</font><sup><font>0</font></sup><font> do RJCS, importando ainda referir – acrescentamos - que são-lhe aplicáveis todas as disposições do regime comum (nos artigos 1</font><sup><font>0</font></sup><font> a 122</font><sup><font>0</font></sup><font> ambos inclusive da LCS)</font>
</p><p><font>2ª. A sentença da primeira instância também refere e bem que os contratos em causa são regíveis pelas estipulações das Apólices (Condições Gerais, Particulares e Especiais) e subsidiáriamente pelas disposições da LCS e da lei civil. </font>
</p><p><font>3ª. A sentença, citando o Ac. desse STJ de 10/03/2016 regista "que o risco constitui um elemento essencial ou típico do contrato de seguro que deve existir quer aquando da celebração do contrato, quer durante a sua vigência (artigos 1°,24°, 37°/2/alínea a), 44°/1 e 3 e 110° da LCS)”</font>
</p><p><font>4ª. O artigo 91</font><sup><font>0</font></sup><font>/1 da LCS sob a epígrafe - Dever de Informação - e inserido nas disposições gerais/regime comum do diploma, dispõe, taxativamente, que durante a vigência do contrato, o segurador e o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco respeitantes ao objeto das informações prestadas nos termos dos artigos 18° a 21° e 24° do mesmo diploma (artigo 91°/1 da LCS). </font>
</p><p><font>5ª. A sentença da 1ª instância citando Cunha Gonçalves, Moitinho de Almeida e Margarida Lima Rego, refere, e bem, que o risco se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento ou facto futuro e incerto de natureza fortuita </font>
</p><p><font>6ª. Nas Condições gerais dos Contratos de Seguros Multiriscos em discussão nos autos, consta do artigo 1º a definição de sinistro como "qualquer acontecimento de carater fortuito, súbito e imprevisível suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato e que nas Condições Especiais sob o ponto 106, no âmbito da cobertura de aluimento de terras que os contratos garantem o pagamento dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos - Aluimento de terras, deslizamentos, derrocadas e afundamentos de terrenos".</font>
</p><p><font>7ª. O risco como elemento essencial do contrato de seguro, significa o perigo de verificação de um mal, vale por dizer, a possibilidade da ocorrência de um evento danoso, mas sempre futuro e incerto e a materialização dessa eventual ocorrência futura e incerta consubstancia a noção contratual de sinistro. </font>
</p><p><font>(vide Lei do Contrato do Seguro Anotado - 3</font><sup><font>a</font></sup><font> edição - pág. 240). </font>
</p><p><font>8ª. O contrato de seguro consiste na transferência de um risco para um segurador, obrigando-se este a pagar determinada quantia em dinheiro em caso de ocorrência de um evento súbito e imprevisto, e sem a existência de risco, o contrato de seguro é nulo. </font>
</p><p><font>9ª. De facto, o risco traduz uma probabilidade de produção de um determinado efeito, isto é, a possibilidade de ocorrer um evento danoso sendo por isso elemento nuclear de qualquer contrato de seguro (inexiste seguro sem risco - no risk no cover), e daqui que o risco deva estar presente quer no momento da celebração quer durante toda a vigência de um contrato de seguro (artigos 1°, 24°, 37°/2/alínea d); 44°/1 e 3 e 110</font><b><font>° </font></b><font>da LCS) </font>
</p><p><font>10ª. Na atividade seguradora o juízo de probabilidade corresponde tendencialmente a um juízo de frequência relativa, e o que deverá estar presente em cada contrato de seguro é, simplesmente, a possibilidade enquanto probabilidade situada entre 0 (impossibilidade) e 1 (certeza) de poder vir a ocorrer, no futuro, um evento danoso. </font>
</p><p><font>11ª. Foi dentro deste quadro que a sentença da 1ª instância, no iter decisório lançou, e bem, a seguinte questão: </font>
</p><p><font>No caso dos autos estamos perante um sinistro entendido como caso fortuito ou de força maior, isto é, facto superior às forças humanas e imprevisto, ou previsto mas inevitável? </font>
</p><p><font>12ª. E a resposta, e com pleno acerto, foi a seguinte: </font>
</p><p><font>“Entendo que não, justamente porque, na génese da ocorrência em apreço, não esteve um fenómeno geológico mas sim um factor humano: o desaterro feito no terreno do Réu DD que, desprotegendo o muro de</font><i><font> </font></i><font>suporte de terras, fez</font><i><font> </font></i><font>com que este e parte do edifício derrocassem. </font>
</p><p><font>Ou seja, o aluimento de terras não se dá por meras causas geológicas, tendo outrossim na sua génese um comportamento humano que desencadeou todo o nexo causal. </font>
</p><p><font>Era, assim, previsível que, em face do desaterro feito pelo pai do Réu, ocorressem danos. </font>
</p><p><font>Havia já risco para as pessoas e os bens, como informaram os bombeiros logoo em 16 de fevereiro. Daí que, em 26 de março, a Câmara Municipal tenha informado que «a movimentação de terras colocou a descoberto as fundações de um pavilhão confinante e fez ruir um muro de vedação também confinante. Julgamos no entanto que, para evitar qualquer dano acrescido nos bens das propriedades vizinhas, este munícipe deverá tomar as medidas adequadas, com a execução de um muro de suporte </font><i><font>até </font></i><font>à altura de 2 metros, junto aos seus confinantes».</font>
</p><p><font>Ou seja, não estamos perante um fenómeno natural, súbito e imprevisto, estando já em curso, pelo menos desde fevereiro, toda uma sequência de atos humanos (o desaterro) tendentes a causar danos no prédio das AA. As chuvas apenas conduziram ao deslizamento de terras porcue o desaterro tinha tornado o local desprotegido e vulnerável. </font>
</p><p><font>Por isso, não consubstanciando o ocorrido um sinistro, entendo estar excluída a responsabilídade da Ré, o que implica a sua absolvição do pedido…”.</font>
</p><p><font>(sic) </font>
</p><p><font>13ª. Este juízo de natureza conclusiva é o desfecho lógico sob o ponto de vista silogístico, das premissas constituídas pelos factos demonstrados e que elencamos: </font>
</p><p><font>a)O alçado sudoeste da parede do pavilhão confinava com um terreno propriedade do Réu DD. </font>
</p><p><font>b) E assentava num muro de suporte de terras que servia de base de apoio da parede. </font>
</p><p><font>c) Em Fev/2012 foram efectuadas movimentações de terras no terreno contíguo da R. DD na zona de cofinancia com o pavilhão. </font>
</p><p><font>d) A A. Auto Industrial aos 16/02/2012 comunicou à Proteção Civil e Bombeiros/... a movimentação de terras tendo estas entidades constatado que nessa data, a base de sustentação do armazém ficou a descoberto e já existiam grandes fissuras no seu interior e exterior e a situação já era suscetível de pôr em risco pessoas e bens. </font>
</p><p><font>e) Em 23/03/2012 os Bombeiros/... foram ao local e elaboraram relatório onde já mencionam que o deslizamento de terras expôs as fundações do edifício e já provocou o surgimento de fendas nas paredes do armazém. </font>
</p><p><font>f) A movimentação de terras, no terreno contiguo e limítrofe do R. ..., que colocara a descoberto o muro de suporte da parede do armazém e provocara as grandes fissuras nesta, foi comunicada, em Março/2012 à CML </font>
</p><p><font>g) Aos 26/03/2012 a CML lavrou informação de deslocação ao local dos seus serviços técnicos, tendo exarado que existira intervenção numa propriedade (a do Réu ...) alterando a topografia local sem licença e que a movimentação de terras colocara a descoberto as fundações de um pavilhão confinante e fizera ruir um muro de vedação também confinante e que para evitar qualquer dano acrescido nos bens das propriedades vizinhas o munícipe (autor dos movimentos de terras) deverá (deveria) executar um muro de suporte até à altura de 2 metros junto aos seus confinantes. </font>
</p><p><font>h) A CML transmitiu pessoalmente ao Réu DD e ao seu pai a informação e a necessidade de tomarem as medidas adequadas erigindo o muro de suporte. </font>
</p><p><font>i) A CML aos 03/04/2012 proferiu despacho determinando a notificação do R. DD, para na qualidade de proprietário de imóvel confinante com o pavilhão, proceder à execução do já atrás referido muro de suporte, repondo e mantendo, no local, as condições de segurança exigidas. </font>
</p><p><font>j) O R. DD não edificou o muro de suporte, aos 06/04/2012 deu-se o desmoronamento da parede e cobertura do pavilhão, e o pai do R. DD remeteu escrito á A. AA lamentando o sucedido e os prejuízos emergentes. </font>
</p><p><font>k) As fundações do muro de suporte do pavilhão assentavam sobre terra. </font>
</p><p><font>l) O desaterro levado a cabo no terreno contíguo ao pavilhão provocou o deslizamento gradual das fundações do muro. </font>
</p><p><font>m) As AA não comunicaram à Ré Seguradora, antes de 09/04/2012 a existência do desaterro no terreno contíguo, nem o resultado das diligências feitas junto dos Bombeiros e da CML. </font>
</p><p><font>n) A Ré Seguradora, caso tivesse conhecimento de que existia um muro de sustentação de terras no estado em que se encontrava na sequência do desaterro, não daria /manteria a cobertura do edificio. </font>
</p><p><font>14ª. Flui da matéria de facto supra que as AA aos 16/02/2012 tomaram conhecimento que, fruto das movimentações de terras levadas a cabo pelo Réu DD, a base de sustentação do armazém ficou a descoberto e que já existiam grandes fissuras no interior e exterior da parede sudoeste do pavilhão e que a situação era suscetível de pôr em risco pessoas e bens. </font>
</p><p><font>15ª. De acordo com a factualidade mencionada nas várias alíneas da conclusão l3</font><sup><font>a</font></sup><font>, as AA aos 26/03/2012 e 03/04/2012 tomaram conhecimento de que as movimentações de terras já tinham provocado deslizamentos, colocado a descoberto as fundações do pavilhão e causado a rutura do muro de vedação/parede do pavilhão, e a degradação era tal que a CML determinara que o proprietário confinante, teria de erigir um muro de suporte até à altura de 2 metros em redor de toda a sua propriedade repondo e mantendo, deste modo, as condições de segurança que deixaram de existir. </font>
</p><p><font>16ª. Foi o desaterro levado a cabo no terreno contíguo ao pavilhão e não a pluviosidade que se fez sentir na madrugada de 5 para 6 de Abril/2012, que provocou o deslizamento gradual das fundações do muro, que colocou a descoberto as fundações do pavilhão, que causou a ruptura do muro de vedação/parede do pavilhão fendilhando-a pelo interior e pelo exterior </font>
</p><p><font>17ª. Na génese da ocorrência não esteve um fenómeno geológico, natural e espontâneo e muito menos aquela está em correspondência com um acontecimento de carácter fortuito, súbito e imprevisível, de modo a consubstanciar um sinistro com abrigo nas Coberturas das Apólices. </font>
</p><p><font>18ª. A partir de 16/02/2012 e com intensidade crescente, as consequências danosas da movimentação de terras cada vez mais faziam prever que o colapso total ou parcial do pavilhão, deixara de ser uma mera possibilidade de cariz aleatório, incerto e fortuito, para se tomar numa realidade a bordejar a certeza, ou mesmo, previsivelmente uma certeza para as AA, porque a partir de 16/02/2012 e daí em diante, todas as circunstâncias conhecidas anunciavam a inevitável derrocada do pavilhão tal como veio a verificar-se. </font>
</p><p><font>19ª. A partir de 16/02/2012 volatilizou-se totalmente a incerteza do risco, porque perante a factualidade demonstrada, a possibilidade da ocorrência de um evento danoso deixou de ser futura, incerta, e não prevista, mas ao invés, tomou-se mais do que previsível, e de verificação mais do que certa, tanto mais que sob o ponto de vista técnico, só a construção do muro de suporte imposto pela CML reporia no local as condições de segurança de pessoas e bens. </font>
</p><p><font>20ª. Como melhor se expressa Margarida Lima Rego, "ut supra", o que deverá estar presente em cada contrato de seguro é simplesmente a possibilidade enquanto probabilidade situada entre 0 (impossibilidade) e 1 (certeza) da verificação de ocorrência danosa e, no caso dos autos, a partir de 16/02/2012, a probabilidade de ocorrência do colapso total ou parcial do pavilhão, deixou de residir entre estes dois vetores - impossibilidade e certeza - e passou a domiciliar-se dentro dos domínios da mais pura certeza. </font>
</p><p><font>21ª. A situação desenhada nos autos não comunga dos elementos e requisitos subjacentes à noção de sinistro tal qual prevista no artigo 99</font><sup><font>0</font></sup><font> da LCS na medida em que não se verificou a ocorrência de evento aleatório previsto no contrato e integrante da sua noção e conteúdo típicos (artigo 1</font><sup><font>0</font></sup><font> da LCS), na medida em que o contrato de seguro, sendo aleatório, tem de estar sempre dependente de uma álea, isto é, de um facto fortuito e incerto. </font>
</p><p><font>22ª. No caso dos autos, antes da ocorrência verificada aos 06/04/2012, há muito que se dissipara a aleatoriedade própria do contrato de seguro, porque a verificação do risco a coberto tomou-se, para as co-AA tomadoras dos contratos, uma inevitabilidade e uma realidade que com toda a certeza ocorrerria e a curto prazo, como os factos aliás no-lo demonstram e à saciedade. </font>
</p><p><font>23ª. Nos termos das Condições Gerais de ambos os contratos celebrados pelas co-AA a cobertura Especial de </font><b><font>ALUIMENTO DE TERRAS, </font></b><font>garante, no seu âmbito, o pagamento dos danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes </font><b><font>fenómenos </font></b><font>geológicos:-aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundamentos de terrenos, e desde logo esta cobertura pressupõe a verificação de danos decorrentes de fenómenos geológicos de </font><b><font>causa natural </font></b><font>e não provocada (Condições Gerais - pág. 24), os quais pressupõem a probabilidade de um acontecimento perigoso, associado aos fenómenos geológicos que fazem parte do funcionamento planetário da terra e sempre de </font><b><font>etiologia espontânea e natural </font></b><font>(sismos, erupções, inundações e consequente deslizamentos de terrenos), e portanto perante a matéria de facto provada, no caso, não se verificou nenhum fenómeno natural de natureza geológica (aluimento, deslizamento, derrocada e afundamento de terreno). </font>
</p><p><font>24ª. A origem dos danos (fendilhações) na parte interior e exterior da parede sudoeste do pavilhão e derrocada da sua cobertura decorre de ação humana, como consequência da movimentação de terras (desaterro) levada a cabo no terreno confinante e limítrofe do Réu DD. </font>
</p><p><font>25ª. Neste capítulo, a sentença da 1ª instância - que o douto Ac. do TRC parcialmente transcreveu - melhor se expressa ainda, quando refere e exara "que não estamos perante um fenómeno natural súbito e imprevisto, estando já em curso, pelo menos desde Fev/2012, toda uma sequência de actos humanos (o desaterro) tendentes a causar danos no prédio dos AA., e as chuvas apenas conduziram ao deslizamento de terras porque o desaterro tinha tomado o local desprotegido e vulnerável". </font>
</p><p><font>26ª. Perante os factos demonstrados, inexiste qualquer sinistro no verdadeiro sentido técnico jurídico e contratual, suscetível de poder estar a coberto das Apólices que titulam os contratos de seguro e daqui decorre a consequente exclusão da responsabilidade contratual da Ré, e inerente absolvição desta e condenação, isso sim, do Réu DD, tal como foi decidido na 1ª. instância </font>
</p><p><font>EXCLUSÕES </font>
</p><p><font>27ª. Sem conceder - ainda que assim não fosse - e pressupondo verificados os pressupostos desta cobertura especial de Aluimentos de Terras, de acordo com as Condições Gerais Contratuais ficam sempre excluídas perdas e ou danos resultantes de colapso total ou parcial das estruturas seguras, não relacionadas com os riscos geológicos garantidos (Condições Gerais </font><i><font>/Aluimento </font></i><font>de Terras/l- Âmbito de Cobertura – </font><i><font>2/ </font></i><font>Exclusões alínea a). </font>
</p><p><font>28ª. Para além disso, de acordo com as Condições Gerais estão sempre excluídas perdas ou danos nos bens seguros se, no momento da ocorrência do evento, o edificio já se encontrava danificado, desmoronado ou deslocado nas suas fundações, paredes ... (Condições Gerais </font><i><font>I </font></i><font>Aluimento de Terras </font><i><font>1 </font></i><font>2 - Exclusões - alínea e).</font>
</p><p><font>29ª. Ora, à luz destas exclusões - invocadas pela Ré na contestação oferecida - jamais os danos reclamados pelas AA. podem ser suscetíveis de reparação a cargo da Ré.</font>
</p><p><b><font>AGRAVAMENTO DO RISCO NA VIGÊNCIA/PENDÊNCIA <br>
CONTRATUAL</font></b>
</p><p><font>30ª. A ocorrência verificada só foi imprevisível apenas para a Ré - quando recebeu a participação e operou a averiguação - porque as AA não se dignaram prestar qualquer informação quanto á movimentação de terras no terreno adjacente e seus efeitos (exposição a céu aberto das fundações dos pavilhões, deslizamento gradual destas, enormes fissurações no exterior e no interior da parede sudoeste do pavilhão) e nem quanto ao resultado das Perícias e Relatórios da Proteção Civil, Bombeiros e CML, e nem quanto ao facto da situação criada estar a ser suscetível de pôr em risco pessoas e bens, e nem quanto ao facto da CML ter imposto ao proprietário do terreno confinante onde ocorrera a movimentação de terras o levantamento de um muro de suporte para repor, no local, as condições de segurança, e constituía imperioso dever contratual das AA, de acordo com os ditames da boa fé, terem informado a Ré, atempadamente, de todas estas vicissitudes suscetíveis de alterarem os riscos a coberto dos contratos de seguro. </font>
</p><p><font>31ª. Nas disposições do regime comum da LCS, no Capítulo VIII - Vicissitudes e na secção I - Alteração do Risco, dispõe o artigo 91°/1 que durante a vigência do contrato, o segurador e o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco respeitantes ao objecto das informações prestadas nos termos dos artigos 18° a 21 ° e 24°, sendo que estas - referentes às alterações supervenientes do risco - são, por excelência, do melhor, se não exclusivo, conhecimento do tomador do seguro e ou do segurado (artigos 92° a 94° da LCS). </font>
</p><p><font>32ª. O artigo 93° da LCS rege a comunicação do agravamento do risco dispondo no seu n° 1 que o tomador do seguro ou o segurado tem o dever de, durante a execução do contrato, no prazo de 14 dias a contar do conhecimento do facto (agravante) comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou de não contratar, ou de influir nas condições do contrato. </font>
</p><p><font>33ª. Dispõe a norma agora no seu nº 2 alínea a) que no prazo de 30 dias a contar do momento que tenha conhecimento do agravamento do risco o segurador pode apresentar ao tomador do seguro proposta de modificação do contrato, que este deve aceitar ou recusar em igual prazo, findo o qual se entende aprovada a modificação proposta e a mesma norma agora na alínea b) do nº 2 dispõe que o segurador pode resolver o contrato, demonstrando que, em caso algum celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco. </font>
</p><p><font>34ª. Muitas das situações de agravamento são só comunicadas após a verificação do sinistro, e as circunstâncias agravantes do risco e que exigem informação e comunicação são as suscetíveis de terem impacto na existência ou condições do contrato e tanto têm de ser comunicadas as que resultem de facto imputável ao tomador do seguro ou segurado como as que não lhes sejam imputáveis e porventura resultantes de actos/condutas de terceiros e no caso dos autos, mercê do comportamento contratual omissivo das AA a Ré viu-se impossibilitada de exercer os seus direitos contratuais.</font>
</p><p><font>35ª. O artigo 94° da LCS - sinistro e agravamento do risco - não é aplicável ao caso dos autos porque a sua aplicação pressupõe a comunicação do agravamento do risco nos termos do antecedente artigo 93° e a verificação do sinistro antes de operada a cessação ou alteração do contrato na sequência de opção tomada pelo segurador e a verdade é que, já se disse, as AA omitiram a comunicação à Ré do agravamento do risco.</font>
</p><p><font>36ª. Curiosamente, as AA na sua douta p.i. dizem e alegam que em meados de Janeiro/2012 já tinham interpelado o EE - pai do Réu DD - por causa de sinais de cedência do muro de suporte, sem que no entanto tivessem dado qualquer conhecimento à Ré desta mesma factualidade. </font>
</p><p><font>37ª. Como a Ré alegou na contestação (artigo 84°) as co-AA estavam obrigadas a terem comunicado á Ré as circunstâncias que conheciam e que agravavam os riscos a coberto dos contratos, no prazo de 8 (oito) dias a contar do conhecimento das mesmas tal como decorre do artigo 13° (Agravamento do Risco) das Condições Gerais dos Contratos, prazo esse, contratualmente convencionado e inferior ao prazo precisamente geral de 14 dias (artigo 93° do RJCS).</font>
</p><p><font>38ª. Tais circunstâncias, ocorridas durante a vigência dos contratos, caso fossem conhecidas do Segurador, seriam suscetíveis de formação de vontade no sentido de rejeição/recusa dos mesmos (artigo 93°/1 do RJCS), porventura suscetíveis de apresentação de proposta de modificação de contrato (artigo 93°/2 do RJCS), porventura suscetíveis de facultar resolução contratual, porque a Ré, em caso algum celebraria contratos a cobrir riscos com as características resultantes do agravamento bem consabido das co-AA/tomadoras dos contratos. (artigo 93°/2 do RJCS).</font>
</p><p><font>39ª. Não tendo as co-AA comunicado o agravamento do risco não facultando à Ré o exercício das faculdades previstas no artigo 93° do RJCS, operando a cessação dos contratos e tendo ocorrido o sinistro, assiste à Ré a faculdade de recusar a cobertura, desobrigando-se do pagamento da sua prestação ou prestações, na exacta medida em que, em caso algum celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes do verificado agravamento do risco tal como ficou demonstrado na matéria de facto e, no caso, esta última, recusaria dar cobertura a edifício servido por muro de sustentação de terras gravemente fendilhado e verificando-se de igual modo fendilhação no alçado da parede exterior do pavilhão que assentava no dito muro, bem como fendilhação nas demais paredes laterais interiores da mesma nave industrial. </font>
</p><p><font>40ª. A Ré na contestação invocou esta exclusão afirmando que à luz da mesma os danos reclamados não eram suscetíveis de reparação e ou de indemnização, porquanto, caso tivesse tido conhecimento de que existia um muro de sustentação de terras no estado em que se encontrava na sequência do desaterro, e ruptura da parede sudoeste do pavilhão apresentando fendilhações quer interiores quer exteriores causadas pela movimentação de terras no terreno limítrofe, não daria cobertura ao edificio nem ao seu recheio como decorre do estatuído no artigo 93° da LCS, e a sua vontade de manutenção dos contratos assenta em erro-vicio previsto nos artigos 240° e seguintes do CC, mormente erro sobre o objecto do negócio (artigo 251 ° do CC) facultando-lhe assim todo este enquadramento a anulação dos contratos, ou seja, a sua cessação, porque a sua vontade contratual subsistiu mas contaminada pelo vicio do desconhecimento quanto ao agravamento do risco que não lhe foi comunicado.</font>
</p><p><font>41ª. Quando o artigo 93°/1 "in fine" da LCS se reporta às circunstâncias agravantes do risco suscetíveis de, caso fossem conhecidas pelo segurador, tivessem podido influir na decisão de contratar (ou não contratar) ou nas condições do contrato, tem subjacente a referência ao erro-vicio, mormente o erro sobre o objecto do negócio (artigo 251 ° do CC) facultando por isso ao segurador, que se mantém na ignorância do agravamento do risco e que só toma conhecimento do mesmo depois da ocorrência danosa e quando, mediante averiguação própria a investiga, a anulação dos contratos e as suas respectivas cessações, mercê das vicissitudes tomadas conhecidas ainda que apenas e naturalmente "a posteriori" </font>
</p><p><font>42ª. Também por esta via, a Ré está desobrigada da reparação mercê da anulação/cessação do contrato com efeitos que retroagem ao momento em que deveria ter tido conhecimento do agravamento do risco e que antecede no tempo, a data da ocorrência (06/04/2012) em que os danos reclamados se verificaram, tanto mais que invocou todas as consequências do normativo referido na anterior conclusão e fê lo na contestação por via de defesa indireta (exceção) </font>
</p><p><font>43ª. Não faz pois qualquer sentido o reparo exarado no douto Ac. do TRC quando diz que a Ré incorre em "abuso de direito previsto no artigo 334</font><sup><font>0</font></sup><font> do CC na modalidade d | [0 0 0 ... 0 0 0] |
HjJ5u4YBgYBz1XKvJg40 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> AA instaurou ação declarativa de simples apreciação contra BB, formulando os seguintes pedidos cumulativos, que se “declare que: </font>
</p><p><font>A) O regime de bens em vigor entre Autora e Réu antes da celebração do contrato nupcial, de 19.05.2014, era o de comunhão; </font>
</p><p><font>B) O prédio urbano com o artigo matricial 11428 da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a descrição ..., melhor identificado em 3. o do presente articulado, é bem comum da Autora e Réu; </font>
</p><p><font>C) É competente a Ordem Jurídica Portuguesa para conhecer da interpretação, validade e efeitos dos documentos denominados de "Contrato Nupcial" e "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária"; </font>
</p><p><font>D) É nulo, não válido ou não eficaz em Portugal o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" constante no documento n. o 8, não produzindo efeitos quanto ao bem imóvel descrito em 3. o do presente articulado; </font>
</p><p><font>E) O "Contrato Nupcial" celebrado entre Autora e Réu em 19.05.2014, é válido e eficaz quanto à partilha dos bens aí mencionados, sendo o seu conteúdo irrelevante para a partilha do imóvel sito em Portugal, descrito em 3. o do presente articulado; </font>
</p><p><font>F) O imóvel descrito em 3. o continua atualmente bem comum do casal, nunca tendo sido feita a sua partilha entre Autora e Réu, impondo-se a sua partilha de acordo com as normas de Direito Português; </font>
</p><p><font>G) Deverão prosseguir os Autos de Inventário que correm os seus termos sob o Processo com o n. o 487612014 no Cartório Notarial da Dra CC, sito em ..., para partilha do referido bem. ". </font>
</p><p><font>A Autora alega que:</font>
</p><p><font>- em 2 de setembro de 1995, contraiu matrimónio com o Réu, em ..., sendo que na pendência do matrimónio vigorou o regime de bens da comunhão, equivalente ao regime português de comunhão de adquiridos;</font>
</p><p><font>- em 9 de abril de 2013 o Réu adquiriu sozinho e declarando estar casado no regime de separação de bens, sem dar conhecimento à Autora, o prédio urbano que identifica em artº 3º da petição inicial; </font>
</p><p><font>- em 19 de maio de 2014 Autora e Réu celebraram, na ..., contrato Nupcial, pelo qual alteraram o regime de bens no casamento, estabelecendo, a partir dessa data, o regime de separação de bens; </font>
</p><p><font>- nesse mesmo contrato procederam à partilha dos bens comuns adquiridos na constância do matrimónio, que se encontravam na ..., tudo ao abrigo e em conformidade com a lei russa; </font>
</p><p><font>- o matrimónio, entre Autora e Réu, foi dissolvido, por divórcio, em 24 de junho de 2014; </font>
</p><p><font>- em 21 de novembro de 2014 a Autora intentou, no Cartório Notarial da Dr.ª CC, em ..., Processo de Inventário para partilha do referido bem imóvel, adquirido pelo Réu na constância do casamento; </font>
</p><p><font> - em sede de Oposição, nesse processo de inventário, o Réu apresentou um documento denominado "Acordo de transmissão do direito de propriedade imobiliária", a que Autora faz referência como documento 8, no pedido referido na alínea d), referindo que não existiam bens a partilhar; </font>
</p><p><font>- no âmbito do referido processo de inventário, a Srª. Notária procedeu à suspensão do processo por as partes discutirem no mesmo a validade do referido acordo e entender que tal matéria ultrapassava a sua competência, tendo remetido as partes para os meios comuns (cfr. artigo 16º., nºs 1 e 2 do RJPI); </font>
</p><p><font>- pretende a Autora por via da presente ação, e conforme resulta dos pedidos formulados, obter a declaração de nulidade de tal Acordo por entender que o mesmo se trata de um promessa de doação de bem imóvel em que o donatário seria o filho do casal, o qual não é admissível atento o disposto no artigo 940º do Código Civil;</font>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> O "Acordo de transmissão do direito de propriedade imobiliária", foi celebrado e assinado pelas partes em 19 de maio de 2014, na ..., na mesma em que foi celebrado o Contrato Nupcial acima referido. </font>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Por requerimentos de 26.11.2016 e 04.05.2017 a Autora informou que o Réu não tem qualquer outra ligação a Portugal a não ser o imóvel em causa nos autos e o seu representante fiscal, desconhecendo-lhe qualquer outra morada, requerendo a sua citação edital. </font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> O Réu veio a ser citado na pessoa do seu mandatário, a quem conferiu poderes para o ato, e apresentou contestação, tendo concluído pela improcedência da ação, litigando a Autora de má fé, alegando que:</font>
</p><p><font>- quando adquiriu o imóvel, o Réu estava convencido que o regime de bens do casamento era o da separação de bens, não pretendendo ocultar a aquisição à Autora;</font>
</p><p><font> - na partilha realizada entre a Autora e o Réu o imóvel sito em Portugal não foi relacionado;</font>
</p><p><font>- como a Autora foi beneficiada na partilha realizada, e como forma de compensar o Réu, o imóvel sito em Portugal foi adjudicada ao Réu, nos termos do acordo celebrado e que chamaram de “Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade Imobiliária”.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Notificada para se pronunciar quanto ao valor da ação e quanto à competência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação, a Autora respondeu pugnando pela competência dos tribunais portugueses, com os fundamentos constantes de fls. 236 e ss., e requereu a correção do valor atribuído à ação para 568.106,08€, correspondente ao valor patrimonial do imóvel em causa nos autos.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Réu não se pronunciou, tendo-se remetido ao silêncio.</font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Foi proferida decisão que julgou o tribunal internacionalmente e absolutamente incompetente e absolveu o Réu da instância.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, a Autora veio interpor recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Évora veio a negar provimento ao recurso e, em consequência, manteve a decisão recorrida</font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Autora veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><b><font>1ª.</font></b><font> Entende a Recorrente que a presente ação declarativa que deu entrada em juízo, é sim, uma ação real.</font>
</p><p><b><font>2ª.</font></b><font> Ancora a sua posição no acórdão do STJ, datado de 09.03.2004, proc. 04B3808 disponível em dgsi.pt </font>
</p><p><font>“III. Nesta teleologia, o conceito de acções relativas a direitos reais sobre imóveis não deve ser interpretado no sentido se englobar toda e qualquer acção que se relacione como quer que seja indirectamente, ou se prenda a título secundário ou acessório com um direito real sobre imóvel, alheada do escopo garantistico de faculdades compreendidas na titularidade do direito, mas tão-somente aquelas que «tendern a determinar a extensão, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel, ou a existência de outros direitos reais sobre estes bens, e garantir aos respectivos titulares a protecção das prerrogativas emergentes dessa titularidade» (…)”.</font>
</p><p><font>3ª. E ainda, na análise de todas as peças processuais elaboradas pelas partes, documentos carreados para os autos e o próprio processo de inventário que esteve na base da necessidade de instauração da ação declarativa, facilmente se percebendo que o que vem sendo discutido e está na base do litígio é a propriedade do imóvel adquirido pelo Réu/Recorrido, na constância do matrimónio.</font>
</p><p><font>4ª. A análise e interpretação do documento, cujo pedido a Recorrente dirigiu ao tribunal a quo, tem como causa de pedir a determinação da eventual extensão da propriedade do imóvel objeto do litígio, e garantir enquanto possível proprietária desse bem, a sua proteção jurídica emergente dessa mesma titularidade.</font>
</p><p><font>5ª. Ora, se estamos, perante uma ação que tem como função última a determinação da extensão e propriedade sobre um bem imóvel, sito em Portugal, estamos sim perante uma ação de natureza real. </font>
</p><p><font>6ª. Portanto, e sendo o imóvel sito em Portugal o elemento fundamental e central da causa de pedir da Recorrente, que pretende assegurar a sua cotitularidade, a ação declarativa está direta e intrinsecamente relacionada com a necessidade de determinação da titularidade de um direito real, e por isso relativa a um direito real. </font>
</p><p><font>7ª. Não foram os tribunais nacionais chamados a decidir sobre a validade e interpretação de um documento que não apresenta qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, mas sim sobre um documento que tem como substância um bem imóvel sito em território nacional, e cuja análise permitirá concluir pela titularidade do direito real que incide sobe esse bem. </font>
</p><p><font>8ª. O documento que está na base de todo a problemática é apenas o acordo de transmissão, e quanto a este sim, entende a Recorrente que têm que ser os tribunais portugueses a proceder à sua análise e interpretação. </font>
</p><p><font>9ª. Todos os restantes pedidos são meramente adjetivos.</font>
</p><p><font>10ª. Já que, independentemente da análise feita do documento, os restantes fatos têm que se considerar assentes, porquanto o Recorrido não toma uma posição de repúdio ou impugnação quanto aos mesmos, apenas partindo da premissa que o bem já foi partilhado, por meio daquele documento particular, e não porque o regime de bens é diferente, e logo afastado da comunhão hereditária. </font>
</p><p><font>11ª. Entende a Recorrente que quanto ao ordenamento jurídico que é competente para determinar a extensão, validade e interpretação do documento Acordo de Transmissão de Propriedade, deverá atender-se desde logo ao enunciado nas normas de conflitos contidas nos Artigo 35.°, 36.° e 46.° do Código Civil Português. </font>
</p><p><font>12ª. Por isso, estando em causa a aquisição de um prédio situado em Portugal, tudo quanto respeite ao “estatuto real" deve ser regulado pela lex rei sitae. </font>
</p><p><font>13ª. Deverá ainda, analisar-se o conteúdo das normas de conflitos portugueses, segue-se para a transcrição e análise da legislação .... </font>
</p><p><font>14ª. Dispõe o Artigo 1209.° (Lei aplicável à forma de negócio) no nº. 4, do seu Código Civil que: </font>
</p><p><font>"À forma de negócio sobre bens imóveis aplica-se a lei do país onde se situam estes bens imóveis, enquanto, em relação aos bens imóveis incluídos no cadastro público da ... aplica-se a Lei da ...." </font>
</p><p><font>15ª. Por todo o exposto, entende a Recorrente que ao caso concreto em apreço, análise, validade, interpretação, forma e efeitos do “Acordo de Transmissão de Propriedade Imobiliária” deverá ser aplicada a Lei Portuguesa enquanto lei reguladora da substância do negócio, o bem imóvel sito em Portugal. </font>
</p><p><font>16ª. Por outro lado, e estando nós perante um modo de adquirir da propriedade de índole negocial, caberá fazer a distinção entre o "estatuto real" e o "estatuto obrigacional", por forma a fazer a destrinça e a delimitação das questões que são atinentes à formação e validade do contrato, em princípio sindicáveis pela lex contratus, e os efeitos reais a apreciar segundo a lei da situação da coisa, já que, no domínio do direito Internacional Privado Português, não se encontra a afirmação da primazia absoluta do "estatuto real".</font>
</p><p><font>17ª. Tendo por objeto factos jurídicos do foro obrigacional realizado na ..., Acordo de Transmissão de Propriedade Imobiliária, a análise dos aspetos formais e substanciais das declarações negociais pressupõe a averiguação das normas de conflitos que hão-se determinar o direito aplicável, ou seja, o chamamento da ordem jurídica estadual que deve regular cada um dos aspetos. </font>
</p><p><font>18ª. Tratando-se de um contrato que tem por objeto um bem imóvel ou um direito de uso sobre um imóvel, o qual fica sujeito, quanto à forma, às disposições imperativas da lei do país em que o imóvel está situado, desde que, nos termos desta lei, essas regras se apliquem independentemente do lugar de celebração e da lei reguladora da substância do contrato.</font>
</p><p><font>19ª. Tal está estipulado no Artigo 46.° nº.1 do Código Civil Português: </font>
</p><p><font>"0 regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas".</font>
</p><p><font>20ª. Portanto, quanto à questão a ser resolvida, competência dos tribunais portugueses para conhecerem da validade e eficácia do documento "Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade" entende a Recorrente que são os Tribunais portugueses competentes, devendo partir-se da seguinte premissa: </font>
</p><p><font>21ª. Está em causa a interpretação, validade e eficácia de um documento que dispõe e incide sobre direitos reais privados, relativos a um bem sito em território português, com repercussões no território português em termos titularidade e registo.</font>
</p><p><font>22ª. Tanto a Ordem jurídica portuguesa como a ordem jurídica russa atribuem competência à nossa ordem jurídica.</font>
</p><p><font>23ª. Dispõe o Artigo 3.° Lei nº. 23/2013, de 05 de Março Regime Jurídico do Processo de Inventário quanto à Competência do cartório notarial e do tribunal </font>
</p><p><font>"1 - Compete aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão efetuar o processamento dos atos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra. </font>
</p><p><font>2 - Em caso de impedimento dos notários de um cartório notarial, é competente qualquer dos outros cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão. </font>
</p><p><font>3 - Não havendo cartório notarial no município a que se referem os números anteriores é competente qualquer cartório de um dos municípios confinantes. </font>
</p><p><font>4 - Ao notário compete dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, sem prejuízo dos casos em que os interessados são remetidos para os meios judiciais comuns. </font>
</p><p><font>5 - Aberta a sucessão fora do País, observa-se o seguinte: </font>
</p><p><font>a) Tendo o falecido deixado bens em Portugal, é competente para a habilitação o cartório notariaI do município da situação dos imóveis ou da maior parte deles, ou, na falta de imóveis, do município onde estiver a maior parte dos móveis; </font>
</p><p><font>b) Não tendo o falecido deixado bens em Portugal, é competente para a habilitação o cartório notarial do domicílio do </font>
</p><p><font>habilitando. </font>
</p><p><font>6 - Em caso de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, é competente o cartório notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família ou, na falta desta, o cartório notarial competente nos termos da alínea a) do número anterior. </font>
</p><p><font>7 - Compete ao tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado praticar os atos que, nos termos da presente lei, sejam da competência do juiz. </font>
</p><p><font>24ª. Neste sentido, e com a devida analogia vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 31.01.2013.</font>
</p><p><font>25ª. Dispõe o artigo 62º Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:</font>
</p><p><font>a)Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;</font>
</p><p><font>b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;</font>
</p><p><font>c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.</font>
</p><p><font>26ª. Ora, da análise do supra citado normativo verifica-se que se encontram preenchidas as alíneas b) e c).</font>
</p><p><font>27ª. Isto porque foi praticado em território português o fato que serve de causa de pedir nesta ação, foi adquirido um bem imóvew, cuja partilha se impõe.</font>
</p><p><font>28ª. E da análise das normas de conflitos russas facilmente se depreende que é remetida para a lex rei sitae tudo qunsto se prenda com validade, eficácia, forma e interpretação de negócios jurídicos que tenham por base imóveis sitos em território estrangeiro.</font>
</p><p><font>29ª. Acresce que, devem ser propostas no tribunal da situação dos bens as ações referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, tal como previsto no Artigo 70º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>30ª. Radicando esta competência no fato de ser o Tribunal da situação do imóvel aquele que se encontra em melhores circunstâncias para conhecer dos elementos de fato, bem como, as regras e usos que são aplicáveis em matérias de direito reais.</font>
</p><p><font>31ª. E isto porque, o imóvel sito em Portugal é o elemento fundamental e central da causa de pedir da autora, que pretende assegurar a sua contitularidade.</font>
</p><p><font>32ª. Portanto esta ação está direta e intrinsecamente relacionada com o imóvel sito em Portugal.</font>
</p><p><font>33ª. “Ora, está em causa a partilha de bens imóveis, com a consequente necessidade de obtenção de documentos registrais e de efetivação final de registos, com a eventual necessidade de avaliação dos mesmos ou até de apreciação da natureza dos mesmos em relação ao património conjugal. Ou seja, as operações e decisões que envolvem a partilha encontram-se estritamente relacionadas com actos a praticar em território português e com o regime jurídico português, o que determina apreciável dificuldade na demanda em foro estrangeiro” (vide neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 11.07.2013)</font>
</p><p><font>34ª. Por todo o exposto, e após a análise das normas de conflitos portuguesas e russas quanto à validade, forma, interpretação e vícios, é nítido que será muito difícil interpelar os tribunais russos para dirimirem o presente pleito, pelo que, e de acordo com o disposto no Artigo 62º do Código de Processo Civil</font>
</p><p><font>“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:</font>
</p><p><font>a)Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;</font>
</p><p><font>b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;</font>
</p><p><font>c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”</font>
</p><p><font>35ª. Existindo tal como a Recorrente demonstrou uma séria dificuldade em demandar os tribunais russos, que remete nas suas normas de conflitos a resolução para a lex rei sitae.</font>
</p><p><font>36ª. Por todo o exposto interpretou o tribunal a quo de forma errada os Artigos 62º, designadamente as suas als. a) e c), 63º e 70º do Código de Processo Civil, bem como, os Artigos 35º, 36º e 46º do Código Civil, sendo os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer do mérito da ação interposta.</font>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso, “sendo o Acórdão recorrido substituído por outro que determine que os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer dos pedidos formulados pela Recorrente.”</font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> O Réu/Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O ora Recorrido partilha na totalidade a análise realizada pelo Digno Tribunal a quo que conduziu à produção do Douto Acórdão com o qual o Recorrido concorda totalmente. </font>
</p><p><font>2ª. Importa recordar como teve início o presente processo. </font>
</p><p><font>3ª. Não pode nem deve ser ignorado ou menosprezado que a Recorrente interpôs em sede própria uma ação declarativa de simples apreciação positiva, através da qual pretendia obter a declaração da existência de um direito.</font>
</p><p><font>4ª. Nessa ação formulou diversos pedidos cumulativos, numa determinada ordem obedecendo a uma lógica. </font>
</p><p><font>5ª. Os pedidos então formulados foram:</font>
</p><p><font>6ª. “Que seja declarado que o regime de bens em vigor entre a Autora e o Réu antes da celebração do Contrato Nupcial de 19/05/2014, era o da comunhão”;</font>
</p><p><font>7ª. "Que seja declarado que o prédio urbano com o artigo matricial 11428 da freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a descrição 4807/19910731, melhor identificado em 3° da p.i., é bem comum da Autora e do Réu"; </font>
</p><p><font>8ª. "Que seja declarado que é competente a Ordem Jurídica Portuguesa para conhecer da interpretação, validade e efeitos dos documentos denominados de "Contrato Nupcial" e "Acordo de Transmissão de Direitos de Propriedade Imobiliária"; </font>
</p><p><font>9ª. "Que seja declarado nulo, não válido ou não eficaz em Portugal o "Acordo de Transmissão de Propriedade Imobiliária", constante no documento nº.8, não produzindo efeitos quanto ao bem imóvel descrito em 3° da p.i."; </font>
</p><p><font>10ª. "Que seja declarado que o Contrato Nupcial celebrado entre a Autora e o Réu em 19/05/2014 é válido e eficaz quanto à partilha dos bens aí mencionados, sendo o seu conteúdo irrelevante para a partilha do imóvel sito em Portugal, descrito em 3° da p.i."; </font>
</p><p><font>11ª. "Que seja declarado que o imóvel descrito em 3° continua atualmente bem comum do casal, nunca tendo sido feita a sua partilha entre Autora e Réu, impondo-se a sua partilha de acordo com as normas de Direito Português",</font>
</p><p><font>12ª. "Deverão prosseguir os Autos de Inventário que correm os seus termos sob o processo com o número 4876/2014 no cartório Notarial da Ora. CC, sito em ..., para partilha do referido bem".</font>
</p><p><font>13ª. Posto isto, temos que para apreciar se o imóvel sito em Portugal é um bem comum do casal ou não, com vista à sua partilha, importa previamente apreciar e declarar: </font>
</p><p><font>a)Qual o regime de bens vigentes entre o dissolvido casal, a validade do Contrato Nupcial, a validade ou não do Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade Imobiliária, celebrado e assinado pelas partes. </font>
</p><p><font>14ª. E a forma como esses contratos se articulam. </font>
</p><p><font>15ª. Dos diversos documentos juntos aos autos e cuja autenticidade não foi colocada em causa, resulta que as partes têm nacionalidade russa, residem na ..., celebraram o casamento na ..., realizaram no mesmo dia o "Contrato Nupcial" e o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" na ....</font>
</p><p><font>16ª. Portanto os factos que sustentam a causa de pedir ocorreram todos eles na ....</font>
</p><p><font>17ª. Do ponto de vista pessoal, não existe pois qualquer conexão com o território nacional.</font>
</p><p><font>18ª. Os factos como referido, que sustentam a causa de pedir ocorreram na ... e não é conhecido qualquer impedimento para que a ação seja interposta nos tribunais russos. </font>
</p><p><font>19ª. Como resultou claramente demonstrado nos autos da ação declarativa pela prova documental junta e nunca impugnada, o casal não tem qualquer vínculo a Portugal, pelo que não faz qualquer sentido que sejam os tribunais portugueses chamados a decidir qual o regime de bens do casal.</font>
</p><p><font>20ª. A ora Recorrente em sede das alegações então produzidas no recurso de apelação apresentado no Douto Tribunal da Relação da decisão proferida pelo Douto Tribunal de 1a Instância, esqueceu os diversos pedidos cumulativos que formulou e a ordem dos mesmos. </font>
</p><p><font>21ª. Para apenas pretender que seja dada relevância à validade do "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária ", colocando o "acento tónico" no bem sito em Portugal. </font>
</p><p><font>22ª. Para dessa forma pretender que sejam os Tribunais portugueses competentes para apreciar.</font>
</p><p><font>23ª. Não é esse o entendimento do Recorrido, uma vez que e tendo em conta os pedidos formulados, o que está subjacente é matéria de regime de bens do casamento. </font>
</p><p><font>24ª. Foi este inclusive o pedido formulado pela Autora ora Recorrente em primeiro lugar. </font>
</p><p><font>25ª. Trata-se pois de saber se o imóvel sito em Portugal é bem comum do casal ou não, tendo em consideração o regime de bens e os acordos celebrados pelo casal na .... </font>
</p><p><font>26ª. A Recorrente não pode vir agora ignorar os pedidos e a ordem pela qual os formulou. </font>
</p><p><font>27ª. Essa estratégia não pode vingar, tendo em atenção o acima exposto, concretamente: </font>
</p><p><font>28ª. As partes têm nacionalidade russa, celebraram o casamento na ..., residem na ..., realizaram na ... no mesmo dia o Contrato Nupcial e o Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária, divorciaram-se na ....</font>
</p><p><font>29ª. Portanto os factos que sustentam a causa de pedir da ação declarativa interposta, ocorreram todos na .... </font>
</p><p><font>30ª. Logo o que está subjacente é matéria de regime de bens do casamento. </font>
</p><p><font>31ª. E não é conhecido nenhum impedimento para que a ação seja proposta na .... </font>
</p><p><font>32ª. Entendeu pois o Tribunal a quo e Sabiamente no modesto entendimento do Recorrido, que a ação declarativa interposta não é uma ação real. </font>
</p><p><font>33ª. Pelo que o simples facto de o bem se localizar em Portugal, não é suficiente para que se atribua competência aos tribunais portugueses e para fundamentar o entendimento alcançado, o Douto tribunal a quo, cita diversa jurisprudência. </font>
</p><p><font>34ª. O Digno Tribunal a quo fundamentou a sentença proferida citando Doutos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 9/03/2004 no processo 04B3808 e do Tribunal da Relação de Lisboa no processo nº9936/2006-6 datado de 8/03/2007 que por sua vez faz referência ao Acórdão do STJ proferido em 24/02/1999 na Revista 63/99. </font>
</p><p><font>35ª. Neste Acórdão refere-se que "...a partilha de bens por morte não envolve a discussão em matéria de direitos reais, está em jogo apenas a consideração do direito sucessório e também do direito de família, este designadamente na medida em que defina quais os bens que devem ser tidos como incluídos na comunhão conjugal e onde por isso o de cujus detinha a meação " ...</font>
</p><p><font>36ª. Igual raciocínio se aplica à partilha de bens por divórcio. </font>
</p><p><font>37ª. E foi utilizada também Doutrina, nomeadamente dos Ilustres Profs. Almeida Costa, Galvão Telles e Castro Mendes. </font>
</p><p><font>38ª. Concluindo assim e de forma Sábia o Douto Tribunal a quo, que ..." pelo simples fato de o bem se localizar em Portugal, tal não é suficiente para se atribuir competência aos tribunais portugueses".</font>
</p><p><font>39ª. Por outro lado, o que a Recorrente teve como finalidade ao interpor a ação declarativa, não foi a partilha do imóvel, para o que o tribunal não seria competente, mas sim que se decida se o imóvel sito em Portugal se trata de um bem comum do casal ou não. </font>
</p><p><font>40ª. Tendo em consideração qual o regime de bens vigente e os acordos celebrados pelas partes na .... </font>
</p><p><font>41ª. E para tomar tais decisões, como resulta do acima exposto, são competentes os tribunais na ....</font>
</p><p><font>42ª. País onde foi celebrado o casamento, o Contrato Nupcial e o Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária e o divórcio.</font>
</p><p><font>43ª. Uma vez a procedência do pedido relativamente ao imóvel depende da prévia apreciação dos demais pedidos e será consequência da eventual procedência dos mesmos.</font>
</p><p><font>44ª. A prova documental carreada para os autos em sede própria permitiu ao Tribunal a quo, decidir da forma como decidiu: os tribunais russos são os competentes para julgar.</font>
</p><p><font>45ª. Atenta a interpretação do disposto no artigo 62º - Fatores de atribuição de Competência Internacional – na sua alínea b), do nosso Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>46ª. A contrario.</font>
</p><p><font>47ª. Mais, não se vislumbra nenhuma dificuldade que impeça a ora Recorrente de interpor no competente tribunal russo, a ação que entenda ser a adequada, uma vez que é cidadã russa e residente na ....</font>
</p><p><font>48ª. Pelo que na modesta opinião do Recorrido, o Tribunal competente para tal é o russo.</font>
</p><p><font>49ª. O Recorrido entende pois que o Douto Tribunal a quo interpretou corretamente as disposições dos artigos 62º e 63º do C.P.C.</font>
</p><p><font>E conclui pela improcedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão da competência internacional dos tribunais portugueses</font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><font>1. O Tribunal da Relação de Évora considerou como factualidade relevante a que consta do relatório que antecede.</font>
</p><p><b><font>2. Da competência internacional</font></b>
</p><p><font> O Tribunal de 1ª instância suscitou, oficiosamente, a questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses, tendo concluído pela sua verificação.</font>
</p><p><font> A Autora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora concluído pela incompetência dos tribunais portugueses, referindo que “no caso dos autos, da análise do pedido não se pode dizer de forma alguma que estamos perante uma acção de direitos reais, já que esta pressupõe a atribuição de poderes directos e imediatos sobre a coisa”, não sendo, portanto, aplicável o disposto no artigo 63º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> De novo inconformada, a autora interpôs o presente recurso de revista, reiterando que estamos em presença de uma ação real, bem como se verificam os pressupostos previstos nas alíneas b) e c) do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Vejamos.</font>
</p><p><font> A infração das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal (artigo 96.º, alínea a), do Código de Processo Civil), exceção dilatória (artigo 577.º do Código de Processo Civil), que pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (artigos 577.º e 97.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar (artigo 99.º, n.º 1, do Código de Processo Ci | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kzJ5u4YBgYBz1XKv2Q79 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b><br>
<b><font>1.</font></b><b><i><font> </font></i></b><b><font>AA </font></b><font>intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra </font><b><font>BB </font></b><font>e </font><b><font>CC, </font></b><font>pedindo que:</font><br>
<font> 1) Se declare que o Autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano que se destina a habitação e se compõe de rés-do-chão e 1º andar, sito na rua de [...] , que confronta de Norte, com Estrada nacional, Sul com BB, Nascente com BB e Poente com DD, com a área coberta de 238 m2 e a área descoberta de 467 m2, que corresponde ao artigo matricial urbano nº ..., da União de Freguesias de ... e ..., por além do mais o ter adquirido por usucapião; </font><br>
<font>2) Se ordene o cancelamento de todas as inscrições, hipotecas e penhoras e/ou outras, registadas na Conservatória do Registo Predial que ofendam a posse e a propriedade do Autor por, além do mais, serem ineficazes; </font><br>
<font>3) Se ordene a correção da inscrição que consta da caderneta predial do referido prédio urbano inscrito na matriz sob o nº ... da União de Freguesias de ... e ..., concelho de ..., passando da mesma a constar que o referido prédio que se destina a habitação e se compõe de rés-do-chão e 1º andar, sito na rua de [...], confronta a Norte, com Estrada nacional, a Sul com BB, a Nascente com BB e a Poente com DD, tem uma área total de 705 m2, a que corresponde a área coberta de 238 m2 e a área descoberta de 467 m2, conforme consta do levantamento topográfico que se juntou sob o documento nº 5.</font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que:</font><br>
<font> - nasceu em 23/3/1984, sendo filho dos Réus que são proprietários de um prédio rústico referente ao artigo matricial sob o n.º 28.º da freguesia de ..., ..., onde construíram uma casa de habitação, que inscreveram como prédio urbano fiscalmente, então sob o art. 341.º e actualmente 272.º da União de freguesias de ... e ...; </font><br>
<font>- esse prédio não tem atualmente a área, configuração ou confrontações que constam na caderneta predial e encontra-se há muito separado e delimitado do anterior prédio rústico;</font><br>
<font>- em 1983 os Réus começaram a habitar o dito prédio, nele residindo e realizando todos os atos materiais de posse. </font><br>
<font>- em julho de 1995 os Réus, perante a restante família e com o acordo de todos os filhos, doaram verbalmente a casa ao Autor, logo lha entregando, passando o Autor a ocupar e usufruir o prédio como sua propriedade, doação sem qualquer ónus ou encargo, que os seus pais aceitaram em sua representação em 1995 e que o Autor confirmou no dia em que perfez 18 anos, sendo que desde 1995 o Autor e, posteriormente ao seu casamento, também a sua esposa, ali tomam refeições, confeccionam as mesmas, pernoitam e realizam a higiene diária, têm residência e mobílias, efectuam limpezas domésticas, recebem familiares e amigos, estacionam os veículos no logradouro, recebem correspondência, à vista de toda a gente, incluindo os pais, pacificamente, de boa fé, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de exercer tais actos sobre coisa sua, como legítimo e exclusivo proprietário, invocando em seu favor a usucapião; </font><br>
<font>- em 2011, o Autor rogou aos seus pais a legalização de tal doação, o que aqueles recusaram, afirmando serem ainda os donos da casa, recusa que mantêm até hoje.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citados, os Réus não apresentaram contestação. </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, tendo absolvido os Réus dos pedidos formulados. </font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> O Tribunal da Relação de ... veio a negar provimento ao recurso.</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, o Autor interpôs recurso de revista, dita excecional, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. A A questão em apreço nos autos versando sobre o instituto da Prescrição, mais concretamente a prescrição aquisitiva ou Usucapião, através da qual é consagrada a faculdade de coartar o direito de propriedade, fundando-se na inércia do titular do direito, reveste por si uma manifesta e notória relevância social e jurídica, sobretudo atendendo, além do mais, às consequências que podem resultar da sua verificação e/ou inexistência e que se repercutem na vida dos cidadãos. </font>
</p><p><font>2ª. Sucede, que na concreta questão em dissídio - de saber se as causas de suspensão da prescrição são de conhecimento oficioso - existem diversas interpretações jurisprudenciais das mesmas normas jurídicas, que impedem a existência da segurança e certeza jurídicas necessárias à boa aplicação do direito. </font>
</p><p><font>3ª. Nomeadamente a decisão de o acórdão </font><i><font>sub judice </font></i><font>considerar que as causas de suspensão da prescrição são de conhecimento oficioso, é contraditada por diversas decisões judiciais, incluindo do próprio Supremo Tribunal de Justiça, no processo nº637/09.2YFLSB, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Alves Velho, datado de 20/01/2010, disponível in dgsi.pt e mesmo do próprio tribunal da Relação de ..., no processo nº15/08.0TBAGN.C1, relatado por Exmo. Sr. Desembargador Falcão de Magalhães, ambos disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> e que se juntam para todos os devidos e legais efeitos (docs.1 e 2);</font>
</p><p><font>4ª. Como tal, atentas as divergências jurisprudenciais existentes no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, entende o recorrente que se verificam os pressupostos de admissibilidade do presente recurso excecional de revista, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos. </font>
</p><p><font>5ª.</font><i><font> In casu, </font></i><font>por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..., foi julgado totalmente improcedente o recurso apresentado pelo Autor, tendo entendido o Exmo. Sr. Desembargador Relator que tinha andado bem o tribunal de primeira instância ao apreciar oficiosamente, apesar da revelia dos réus, a causa de suspensão da prescrição, prevista na alínea b) do art. 318° do CC, aplicável à usucapião </font><i><font>ex vi </font></i><font>art. 1292,° do CC. </font>
</p><p><font>6ª. Todavia, não pode o Autor concordar com tal decisão, porquanto ao consagrar o instituto da prescrição, no caso a prescrição aquisitiva ou usucapião, o legislador quis criar a necessária segurança jurídica e certeza do direito, adequando a realidade formal (no caso da situação jurídica do imóvel) à realidade material e quis também expressamente defender o interesse particular do devedor, enquanto imperativo de justiça, decorrente da inércia ou negligência do titular do direito. </font>
</p><p><font>7ª. Contudo, sabendo que tal instituto imporia uma limitação ao direito à propriedade do titular primitivo, o legislador consagrou como pressupostos indispensáveis à aquisição por usucapião a verificação dos elementos constitutivos da posse e o decurso do tempo, a alegar e provar por quem dela pretenda beneficiar, e ainda nesse conspecto, consagrou no art. 303,° do CC, aplicável por via do art. 1292,° do CC à usucapião, que "o tribunal não pode suprir, </font><i><font>de ofício, </font></i><font>a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, </font><u><font>de ser invocada</font></u><font>, judicial ou extrajudicialmente, </font><u><font>por aquele a quem aproveita</font></u><font>." </font>
</p><p><font> 8ª. Sendo processualmente configurada como uma exceção perentória, impeditiva do direito do Autor/Credor, o legislador expressamente consagrou que a prescrição não é de conhecimento oficioso, ao contrário do que sucede, por regra, com o conhecimento das exceções perentórias. </font>
</p><p><font>9ª. Levando em consideração que, no caso concreto, o Autor invocou a aquisição do imóvel por usucapião, as causas de suspensão são configuradas legalmente como uma exceção perentória, impeditiva da realização do direito invocado pelo Autor, funcionando como uma verdadeira contra-exceção. </font>
</p><p><font>10ª. Ora, por maioria de razão, se a apreciação da prescrição enquanto exceção perentória, depende da sua expressa invocação por aquele a quem aproveita, o conhecimento das causas de suspensão, enquanto exceção perentória da própria exceção de prescrição, não pode deixar de ter a mesma natureza e o mesmo regime, obrigando à sua expressa invocação por aquele que se pretende aproveitar das mesmas. </font>
</p><p><font>11ª. E desta interpretação não podemos afastar a própria génese do instituto que foi criado com o intuito de sancionar (e não premiar) a inércia do titular primitivo do direito. </font>
</p><p><font>12ª. Acresce que, no caso concreto, assim também o impõem as regras do ónus da prova, porquanto tratando-se de um facto impeditivo sempre caberia ao Réu, nos termos do nº2 do art. 342.° do CC, alegar e provar a existência da referida causa da suspensão. </font>
</p><p><font>13ª. Não tendo os Réus sequer alegado a existência de uma causa suspensiva da usucapião, nomeadamente não tendo sequer os Réus alegado que se verificava a causa de suspensão prevista na alínea b) do art. 318º. do CC. o tribunal pronunciou-se sobre uma questão que nunca foi alegada, incorrendo em excesso de pronúncia. </font><u><font>Nulidade que nesta sede expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos. </font></u>
</p><p><font>14ª. Sem prejuízo do exposto, reitera-se que para o tribunal conhecer das causas de suspensão da prescrição, teria a mesma que ser expressamente invocada pela parte a quem aproveita, atento o que disciplina o 303º. do CC, aplicável a todo o regime da prescrição, até porque um entendimento diferente seria violador das legítima expectativas do adquirente e do princípio expressamente previsto no art.4º do CPC.</font>
</p><p><font>15ª. Posto isto, atentas as presentes considerações, deve ser revogado o acórdão sub judice, porquanto o mesmo interpreta e aplica erradamente a lei substantiva, devendo determinar-se expressamente que as causas de suspensão da prescrição/usucapião não são de conhecimento oficioso, com todas as consequências legais.</font>
</p><p><font>E conclui “que admita o presente recurso e revogue o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue procedente a ação intentada, com todas as consequências legais”.</font><br>
<b><font>7.</font></b><font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>A Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista.</font><br>
<b><font>9.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font>
</p><p><font>- a nulidade do Acórdão (excesso de pronúncia);</font>
</p><p><font>- o conhecimento oficioso da suspensão da prescrição;</font>
</p><p><font>- concluindo-se pelo não conhecimento oficioso, se o prazo para a aquisição do imóvel por usucapião se verificou.</font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
<b><font>1.1.</font></b><font> O Autor nasceu em ...1984 e está registado como filho dos Réus.</font><br>
<b><font>1.2.</font></b><font> Por escritura de compra e venda de 7/1/1971, lavrada de fls. 51 a 51 verso do livro para escrituras diversas nº 364 do Cartório de ..., o Réu declarou comprar a ... o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial 28.º da freguesia de Torre de Vilela, concelho de ....</font><br>
<b><font>1.3.</font></b><font> No prédio descrito em 1.2.) os Réus construíram uma casa, inscrita actualmente na matriz predial urbana sob o art. 272.º da união de freguesias de ... e ..., composta de rés-do-chão e 1º andar, sito na rua de ..., que confronta de Norte, com Estrada nacional, Sul com BB; Nascente com BB e Poente com DD com uma área total de 705 m2, a que corresponde a área coberta de 238 m2 e a área descoberta de 467 m2, não descrita na Conservatória do Registo Predial de ....</font><br>
<b><font>1.4.</font></b><font> Os Réus começaram a habitar a casa referida em 1.3.) no ano de 1983 (facto confessado, cuja redação foi alterada oficiosamente por este tribunal de recurso, nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, no sentido de corresponder mais fielmente ao alegado no art.º 12.º da p.i.).</font><br>
<b><font>1.5.</font></b><font> No mês de julho de 1995, os Réus, perante a restante família e com o acordo de todos os seus filhos, doaram verbalmente a casa referida em c) ao Autor, tendo-lha logo entregue, passando o Autor a ocupar e a usufruir deste prédio como sua propriedade, e aceitaram esta doação, em representação do Autor, o que este confirmou no dia em que fez 18 anos (facto confessado, cuja redação foi alterada oficiosamente por este tribunal de recurso nos termos do art.º 662º, n.º 1, do C. P. Civil, no sentido de corresponder mais fielmente ao alegado no art.º 13.º e 14.º da p.i.).</font><br>
<b><font>1.6.</font></b><font> Desde a data referida em 1.5.) que o Autor ali elabora e toma as suas refeições, ao pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar; ali guarda os géneros alimentícios com que confecciona as suas refeições; ali pernoita e realiza a sua higiene diária; ali tem as suas mobílias; ali procede diariamente a pequenas limpezas domésticas, tais como aspirar a habitação, limpar o pó a móveis e sacudir tapetes; ali recebe os seus familiares e amigos, incluindo os seus irmãos; ali estaciona os seus veículos dentro do logradouro da habitação; ali recebe a sua correspondência pessoal;</font><br>
<b><font>1.7.</font></b><font> Pacificamente, à vista de toda a gente, incluindo os seus pais, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de estar a exercer tais actos sobre coisa sua, como legítimo e exclusivo proprietário (facto cuja redação resultou do acima decidido quanto à impugnação da matéria de facto considerada provada pela sentença recorrida);</font><br>
<b><font>1.8.</font></b><font> Há cerca de 6 anos, o Autor rogou aos Réus a legalização daquele prédio a seu favor, mas os seus pais recusaram a realização de escritura de legalização, afirmando que não o fariam na medida em que ainda eram eles os donos da casa, recusa que mantêm hoje.</font><br>
<b><font>1.9.</font></b><font> O Autor agiu certo de que com os comportamentos referidos em 1.6.) não está a violar o direito de outrem, pois possui aquele prédio, pelo menos desde 1995 e o utiliza como coisa sua à vista de todos e sem qualquer oposição (facto cujo aditamento resultou do acima decidido quanto à impugnação da matéria de facto considerada provada pela sentença recorrida).</font>
</p><p><b><font>2. A nulidade do Acórdão</font></b>
</p><p><b><font>2.1. Enquadramento normativo preliminar</font></b>
</p><p><font>A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença – do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou </font><i><font>error in procedendo</font></i><font> e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>No caso em presença, convoca o Recorrente, de forma expressa, a nulidade típica prevista na alínea d), 2ª parte, do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (</font><i><font>excesso de pronúncia</font></i><font>).</font>
</p><p><font>Ora, de harmonia com o disposto no artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no nº2 do artigo 663º do Código de Processo Civil - deve conhecer, em primeiro lugar, de todas </font><i><font>as </font></i><b><i><font>questões processuais</font></i></b><font> (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.</font>
</p><p><font>Seguidamente, devem ser conhecidas as </font><b><i><font>questões de mérito</font></i></b><font> (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo 608º.</font>
</p><p><font>Nesta linha, </font><b><i><font>constituem questões</font></i></b><font>, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda </font><b><i><font>cada uma das exceções</font></i></b><font> dilatórias ou </font><b><i><font>perentórias invocadas pela defesa</font></i></b><font> ou que devam ser suscitadas oficiosamente. </font>
</p><p><font>Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito. </font>
</p><p><font>O </font><b><font>excesso de pronúncia </font></b><font>ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 1ª parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666º, nº1, do mesmo diploma).</font>
</p><p><font>Após esta sumária indagação e interpretação das normas jurídicas relevantes, importa agora reverter ao caso concreto:</font>
</p><p><b><font>2.2. Excesso de pronúncia</font></b>
</p><p><font>O Recorrente suscita a questão da nulidade por excesso de pronúncia, porquanto o alegam que não tendo os Réus sequer alegado a existência de uma causa suspensiva da usucapião, nomeadamente não tendo sequer os Réus alegado que se verificava a causa de suspensão prevista na línea b) do art.318º do CC, o tribunal pronunciou-se sobre uma questão que nunca foi alegada.</font>
</p><p><font> Ora, no caso presente, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância considerou que se verificava a existência de uma causa suspensiva da usucapião, apesar de os Réus não terem contestado a ação, com fundamento nos factos alegados pelo Autor (aquisição processual), pelo que o Tribunal poderia levar em consideração esses factos para concluir se se tinha verificado o decurso do prazo da usucapião.</font>
</p><p><font> Perante o recurso de apelação interposto pelo Autor, que invocava o excesso de pronúncia, com o fundamento atrás referido, o Tribunal da Relação de ... não poderia deixar de se pronunciar sobre essa questão suscitada no recurso, sob pena de omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font> Desta forma, não se verifica a nulidade, por excesso de pronúncia, do Acórdão da Relação.</font>
</p><p><b><font> 3. O conhecimento oficioso da suspensão da prescrição</font></b>
</p><p><font>O Autor interpôs recurso de revista insurgindo-se contra o Acórdão da Relação de ..., que confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância. Nesse Acórdão julgou a ação improcedente, por se ter entendido, que não havia decorrido os prazos legais para que se concluísse pela aquisição do imóvel, identificado nos autos, por usucapião, por parte do Autor, considerando-se que o Tribunal poderia conhecer da causa se suspensão da prescrição aquisitiva, atendendo aos factos dados como provados, apesar de os Réus não terem contestado a ação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, o que nestes autos releva é saber se o Autor adquiriu o imóvel por usucapião, e, em primeiro lugar para que se possa responder a essa questão, se o Tribunal poderia considerar que se verificava a suspensão da prescrição aquisitiva, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 318º do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nos termos do disposto no artigo 1292º do Código Civil, são aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300º, 302º, 303º e 305º, do mesmo diploma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispõe o artigo 303º do Código Civil que o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta, para ser eficaz, deve ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.</font>
</p><p><font>“A prescrição, para ser eficaz, tem de ser invocada pelo beneficiário.</font>
</p><p><font>(…) não é de conhecimento oficioso (artigo 303º).</font>
</p><p><font>Se a parte não invocar a prescrição, o juiz não pode suprir esta omissão e conhecer dela”.</font>
</p><p><font>(Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2015, pág.340)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, em face da remissão para o artigo 303º do Código Civil, a usucapião necessita de ser invocada por aquele que dela quer beneficiar para se tornar eficaz, embora essa invocação possa ser feita de forma implícita mediante referências aos requisitos que a integram desde que essa referência revele inequivocamente a sua intenção de fundamentar na usucapião o direito que se arroga.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, o prazo prescricional é, em princípio, contínuo; contudo, a lei prevê causas suspensivas da prescrição (artigos 318º a 322º do Código Civil).</font>
</p><p><font>“Nestas situações, não obstante estarmos perante uma obrigação exigível, verificam-se determinadas circunstâncias que dificultam o exercício do direito pelo credor ou que justificam a sua inércia. Estão em causa hipóteses que obstam ao curso da prescrição e em que releva a existência de relações especiais entre o credor e o devedor (artigos 318º - 320º) ou determinados factos objectivos, exteriores à pessoa do credor ou do devedor (artigos 321º-322º). Nestes casos, é irrelevante o simples facto de a obrigação ser exigível e o prazo prescricional só começará a correr quando cessar a causa justificativa do não início imediato do prazo”</font>
</p><p><font>(Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, pág. 115)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso presente, foi dado como provado que o Autor nasceu em 23/03/1984 e está registado como filho dos Réus, e que no mês de julho de 1995, os Réus, perante a restante família e com o acordo de todos os seus filhos, doaram verbalmente a casa dos autos ao autor, tendo-lha logo entregue, passando o Autor a ocupar e a usufruir deste prédio como sua propriedade, e aceitaram esta doação, em representação do Autor, o que este confirmou no dia em que fez 18 anos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com base nestes factos, consideraram as instâncias que se verificava a causa de suspensão da prescrição prevista na alínea b) do artigo 318º. do Código Civil (a prescrição não começa nem corre entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, entre o tutor e o tutelado ou entre o curador e o curatelado).</font>
</p><p><font>Ora, as causas suspensivas previstas no Código Civil são típicas, sendo o seu elenco taxativo, e “na base do instituto da suspensão reside a ideia de que, pesem embora as necessidades de certeza e de segurança, a atitude passiva do credor se justifica em virtude das especiais circunstâncias que acompanham a situação concreta. Fundamentando-se a prescrição na ideia de sancionar a negligência do titular do direito, é legítimo que esta não corra enquanto se verificar uma causa que o impeça de exercer o respectivo direito ou que o coloque numa situação de extrema dificuldade em o exercer. Com efeito, nessas hipóteses, não caberá afirmar a negligência do titular no exercício do seu direito” (Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág. 115)</font>
</p><p><font>E a causa de suspensão referida pelas instâncias explica-se por “além da relação familiar intensíssima subjacente ao poder paternal … há ainda uma relação de representação e de administração de bens que exige confiança e envolve conflito de interesses” (Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2015, pág.343).</font>
</p><p><font>Ou, a necessidade de evitar um conflito aberto de interesses entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, aconselha a suspensão do curso da prescrição, enquanto se mantiverem aquelas situações. No conflito entre segurança jurídica e a realização dos fins específicos do poder paternal, decidiu o legislador dar prevalência à estabilidade destes institutos.</font>
</p><p><font>(cfr. Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág.118).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso concreto, e invocando o ensinamento de Vaz Serra (a prescrição não pode ser apreciada oficiosamente pelo juiz (artº515º do nosso Código), mas a suspensão da prescrição parece que deve poder ser oficiosamente apreciada. Se, por exemplo, o credor exige a prestação do devedor e este alega a prescrição, mas esta esteve suspensa em virtude da menoridade do credor, afigura-se dever o juiz conhecer oficiosamente da suspensão, a não ser que a falta de invocação desta pelo credor signifique renúncia ao seu crédito. Com efeito a alegação da prescrição não tem base, desde que a prescrição esteve suspensa, e não pode, portanto, o juiz considerar provada a prescrição – BMJ, nº106, págs.143/144), o Tribunal da Relação de ... acompanhou a decisão da 1ª instância, afirma que “a necessidade da prescrição ser invocada pela parte a quem aproveita para dela o tribunal poder conhecer baseia-se em que o interessado pode ter escrúpulo em se valer da prescrição, já não se descortinando qualquer razão que justifique que o tribunal esteja impedido de, oficiosamente, verificar se o prazo prescricional invocado já decorreu, socorrendo-se de todos os elementos que disponha no processo, de modo a evitar que sejam considerados prescritos direitos em que manifestamente não decorreu o respectivo prazo, por se verificarem situações de suspensão ou interrupção da sua contagem.</font>
</p><p><font>Aliás, se invocada a prescrição, se entende que o tribunal, com os dados apurados no processo, não está impedido de aplicar oficiosamente um prazo prescricional diferente do invocado pela parte, também não deve deixar de, oficiosamente, proceder à contagem do prazo aplicável às circunstâncias do caso, utilizando todos os dados que o processo lhe fornece, designadamente verificando os períodos em que o prazo de prescrição não correu, por força da lei”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como se referiu, o Recorrente discorda da possibilidade de o Tribunal, oficiosamente, conhecer da suspensão do prazo prescrional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Em primeiro lugar, importa referir que a posição do Professor Vaz Serra, nos termos em que foi entendida pelas instâncias, não é acompanhada, pelo menos, por parte da doutrina.</font>
</p><p><font>Assim, para Menezes Cordeiro, “põe-se, depois, o problema do funcionamento e da natureza da suspensão. Não se trata de um elemento de conhecimento oficioso: nos termos gerais, ela terá de ser invocada (e demonstrada) pela pessoa a quem aproveite”. (in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo IV, 2005, pág.193).</font>
</p><p><font>Referindo que a questão é controversa, mas sem tomar posição (referindo somente a existência das duas posições), cfr. Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág.119.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, no caso presente, os Réus não contestaram a ação, pelo que não se mostra alegada, invocada, uma causa de suspensão da prescrição.</font>
</p><p><font>Como se afirmou anteriormente, toda a matéria da prescrição não é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 303º do Código Civil, tendo o interessado de a invocar para ser eficaz.</font>
</p><p><font>Por outro lado, a suspensão da prescrição configura-se como uma exceção à prescrição aquisitiva invocada pelo Autor, pelo que caberia aos Réus invocá-la nos termos do disposto no nº2 do artigo 342º do Código Civil (a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita).</font>
</p><p><font>Por fim, sendo a prescrição renunciável, a falta de contestação à pretensão do Autor por parte dos Réus, seus pais, não pode deixar de se considerar que os mesmos renunciaram a invocar essa exceção (artigo 302º do Código Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por tudo isto, se conclui que não poderiam as instâncias conhecer oficiosamente da suspensão da prescrição, porquanto nos termos do disposto no artigo 579º do Código de Processo Civil o tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias (o que é caso presente) cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado (o que é o caso da matéria relacionada com a prescrição – artigo 303º do Código Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4. Usucapião</font></b>
</p><p><font>Nos presentes autos discute-se se o Autor adquiriu por usucapião o prédio urbano que identifica na petição inicial.</font>
</p><p><font>Ora,</font>
</p><p><font>A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil), sendo que a posse pode ser adquirida, nos termos do disposto no artigo 1263º do Código Civil, pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (alínea a)), pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor (alínea b)), por constituto possessório (alínea c)), por inversão do título de posse (alínea d)).</font>
</p><p><font> Como refere Rui Pinto Duarte, “acerca da posse debatem-se duas concepções doutrinárias básicas. Uma é dita subjectivista por sustentar que a posse envolve, para além da materialidade da situação em que consiste, um elemento de cariz subjectivo consistente numa intenção. A outra é dita objectivista por se contentar com a materialidade da situação. À primeira está ligado o nome de Savigny e à segunda o de Ihering. Obviamente, cada uma delas está ligada a um certo entendimento dos fundamentos da tutela da posse.</font>
</p><p><font> Diga-se que a corrente subjectivista se divide numa pluralidade de opiniões. De comum essas opiniões têm a exigência dos dois citados elementos para que de posse se fale – elementos esses tradicionalmente designados por corpus e animus. No entanto, há profundas divergências no entendimento desses elementos, sobretudo quanto ao objecto do animus.</font>
</p><p><font>(…) As dificuldades e divergências abrangem ainda a noção de corpus”</font>
</p><p><font>(in Curso de Direitos Reais, pág.268)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como se sabe, a maioria da doutrina e a quase totalidade da jurisprudência entendem que o Código Civil acolhe uma conceção subjetivista da posse, invocando, designadamente o disposto nos artigos 1251º e 1253º do Código Civil; contudo, por influência de Menezes Cordeiro, Direitos Reais, págs. 395 e segs. foi questionada essa posição, mantendo-se a querela, que no caso concreto não tem re | [0 0 0 ... 0 0 0] |
szKCu4YBgYBz1XKvHhMu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><font> </font><br>
<font>Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra a Herança Indivisa por óbito de BB e contra CC, </font></b><font>pedindo que:</font>
</p><p><font>a) Se reconheça que, com início pelo menos em 1989 e término em 3 de dezembro de 2015, a autora e o falecido BB viveram em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges;</font>
</p><p><font>b) Seja declarado que a autora é legítima possuidora e proprietária em regime de compropriedade, na proporção de metade, do prédio urbano correspondente a uma habitação no rés-do-chão, com entrada pelo n.º 65, com lugar de garagem e arrumo na cave, designado por “F”, situado na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º 3219/161097 e determinada a alteração registral, na respetiva Conservatória do Registo Predial, com a realização e nova inscrição onde conste a aludida compropriedade;</font>
</p><p><font>c) Seja declarado que a autora é legítima possuidora e proprietária, em regime de compropriedade dos referidos móveis (recheio da casa) e móvel sujeito a registo (veículo automóvel), adquiridos durante a união de facto, bem assim metade do saldo da conta bancária;</font>
</p><p><font>Subsidiariamente</font>
</p><p><font>d) A título de enriquecimento sem causa, que sejam as rés condenadas a indemnizar a autora no valor de €60.000,00, correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor do imóvel, do móvel sujeito a registo (automóvel), dos móveis que se encontram no interior da casa, bem assim, metade do depósito bancário acrescido de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>e) A título de indemnização por danos não patrimoniais, sejam as mesmas rés condenadas a pagarem à autora a quantia de €10.000,00. </font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que</font><b><font>: </font></b>
</p><p><font>- Viveu com BB em união de facto desde o ano de 1989 até 3 de dezembro de 2015, data do falecimento deste último.</font>
</p><p><font>- A ré Anabela Vieira é filha do referido BB e sua única herdeira.</font>
</p><p><font>- Em 27 de julho de 2000, ela própria e o dito BB adquiriram, em comum, um imóvel onde desde então passaram a habitar. Apesar de apenas o dito BB figurar como comprador na respetiva escritura pública de compra e venda, e no registo predial, o preço de tal imóvel, no valor de esc: 9.000.000$00, foi pago através das poupanças comuns.</font>
</p><p><font>- O mesmo sucedeu com o conjunto de bens móveis que constituem o recheio da referida habitação.</font>
</p><p><font>- Ainda durante a união de facto a autora e o dito BB adquiriram dois veículos automóveis com o dinheiro de ambos.</font>
</p><p><font>- Acresce que o casal utilizava um cartão multibanco de uma conta bancária, titulada unicamente pelo dito BB, a qual, à data da morte deste, apresentava o saldo de €6.381,72.</font>
</p><p><font>- A autora é, por conseguinte, comproprietária dos mencionados bens móveis e imóveis, na proporção de metade, sendo que pelo menos relativamente ao imóvel se mostram preenchidos os requisitos para se considerar verificada a aquisição pela autora da metade indivisa do mesmo através do instituto da usucapião.</font>
</p><p><font>- Quando assim não se entenda deve considerar-se que a ré deve restituir à autora 50% do valor dos referidos bens móveis e imóvel e do saldo da conta de depósitos bancário por via do instituto do enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré CC</font><b><font> </font></b><font>contestou, por exceção e por impugnação, invocando a inexistência de qualquer herança indivisa suscetível de ser demandada como ré e excecionando a nulidade total do processo por ineptidão da petição inicial, impugnando a factualidade alegada.</font>
</p><p><font>Conclui pedindo a improcedência total da acção.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. A A. apresentou réplica.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Findos os articulados, foi lavrado despacho saneador, que julgou procedente a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré «Herança Indivisa por óbito de BB» e procedente a exceção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial na parte referente ao pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.</font>
</p><p><font>Foram fixados os factos assentes e selecionados os temas de prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou «a acção parcialmente procedente, por provada e consequentemente, condeno a ré CC:</font>
</p><p><font>A) A reconhecer que a aqui autora e BB viveram em união de facto, em condições análogas às dos cônjuges entre pelo menos 1989 e 3 de Dezembro de 2015, data do óbito deste último;</font>
</p><p><font>B) A pagar à autora a quantia correspondente a metade do imóvel e metade do valor do veículo automóvel identificados nos pontos 3) e 27) dos factos provados, calculados com referência a Dezembro de 2015, ambos os valores a liquidar ulteriormente e com juros a partir da data da citação para esta ação.</font>
</p><p><font>No mais, absolvo a Ré do pedido».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> Não se conformando com esta decisão, a R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> A Relação do Porto veio a julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, “e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que condenou a ora Recorrente a pagar à autora a quantia correspondente a metade do imóvel e metade do valor do veículo automóvel identificados nos pontos 3) e 27) dos factos provados, calculados com referência a dezembro de 2015, ambos os valores a liquidar</font><b><font> </font></b><font>ulteriormente e com juros a partir da data da citação para esta ação, mantendo-se quanto ao restante decidido”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, a A. /Apelada veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. Existe o entendimento na doutrina e jurisprudência de que não é de aplicar à união de facto o regime do casamento quanto aos efeitos patrimoniais, porquanto são institutos diferentes. </font>
</p><p><font>2ª. Tal não significa, porém, que a união de facto, para além dos seus domínios de proteção específicos e regulamentados, não possa relevar, em termos gerais, como situação de facto geradora de efeitos, designadamente no que respeita aos efeitos patrimoniais emergentes da vivência em comum e, em particular, à liquidação dos mesmos em consequência da cessação dessa vida em comum. </font>
</p><p><font>3ª. De facto, reconhece-se que, cessada a união de facto, por morte ou separação, o membro sobrevivo ou o outro sujeito da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, recorrendo-se ao regime geral das relações obrigacionais e reais para solucionar as questões relativas à divisão daquele acervo. </font>
</p><p><font>4ª. Assim, para liquidação do património comum tem sido admitida a aplicação do instituto da liquidação das sociedades civis disciplinado nos artigos 1010º e seguintes do Código Civil, mas também o recurso aos meios comuns, podendo qualquer um dos conviventes obter a restituição de bens ou valores com que o outro convivente se tenha indevidamente locupletado à custa do seu património a coberto das regras do enriquecimento sem causa, nos termos previstos nos artigos 473º e seguintes do Código Civil. </font>
</p><p><font>5ª. É uniformemente entendido, que há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa. </font>
</p><p><font>6ª. O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra atualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento. </font>
</p><p><font>7ª. Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm entendido se os bens são adquiridos apenas em nome de um deles e ambos contribuíram para a sua aquisição, através de participação direta no pagamento do preço ou pelo menos com contribuição prestada ao casal através do seu trabalho remunerado ou posteriormente com o rendimento da sua reforma o companheiro que não consta no título como proprietário poderá reaver a sua comparticipação financeira na aquisição do bem na medida do "enriquecimento sem causa". </font>
</p><p><font>8ª. O acórdão proferido pela Relação aplicou erradamente os factos ao direito. </font>
</p><p><font>9ª. A decisão proferida pela Relação deve ser revogada, mantendo-se a sentença proferida em primeira instância. </font>
</p><p><font>10ª. Foi violado o disposto nos artigos 473º. e 474º. do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Recorrida CC contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. A Recorrida pretende dar conta da sua total adesão à decisão tomada pelo Tribunal a </font><i><font>quo. </font></i>
</p><p><font>2ª. Conforme se lê na sentença proferida pela Primeira Instância "(. . .) ao </font><i><font>contrário do que alegava, </font></i><font>a </font><i><font>autora não logrou demonstrar </font></i><font>a </font><i><font>sua participação no acto de aquisição dos mencionados imóvel e veículo automóvel, nem também que comparticipou nessa aquisição com dinheiro que lhe pertencia. Também não demonstrou que os bens móveis que compunham o</font></i><font> </font><i><font>recheio da aludida habitação foram adquiridos na vigência da união de facto e com o</font></i><font> </font><i><font>esforço comum de ambos os conviventes, nem tão pouco conseguiu provar que o</font></i><font> </font><i><font>dinheiro depositado na mencionada conta de depósitos em alguma parte lhe pertencia. </font></i><font>(. . .)" </font>
</p><p><font>3ª. As quantias despendidas pelos membros da união de facto, para fazer face às despesas resultantes da sua união, próprias de quem vive como marido e mulher, não são restituíveis. </font>
</p><p><font>4ª. Configura um abuso de direito, e uma violação ao princípio da segurança jurídica, vir um dos membros da união de facto, requerer ao outro membro a restituição das despesas pagas, fruto da convivência em comum. </font>
</p><p><font>5ª. No caso em apreço não existiu qualquer deslocação patrimonial, da esfera jurídica da Recorrente para a esfera jurídica do falecido BB. </font>
</p><p><font>6ª. Subsequentemente não se viu a Recorrida enriquecida à custa da Recorrente. </font>
</p><p><font>7ª. Não tendo a Recorrente qualquer prejuízo patrimonial. </font>
</p><p><font>8ª. É líquido, pacífico e unânime no nosso ordenamento jurídico e na jurisprudência que, na vigência da união de facto, as contribuições dos unidos de facto para a vida comum, são sempre justificadas visto que, se relacionam com o sustento de uma comunhão de vida e, como tal, têm em vista o bem comum do casal. </font>
</p><p><font>9ª. “</font><i><font>A este propósito, importa aludir ao</font></i><font> </font><i><font>Ac. do STJ de 06/07/2011 que, citando a</font></i><font> </font><i><font>sentença recorrida, refere que a</font></i><font> </font><i><font>contribuição para a</font></i><font> </font><i><font>economia comum na</font></i><font> </font><i><font>união de facto </font></i><font>- </font><i><font>quer seja através de trabalho doméstico, quer através de prestações pecuniárias </font></i><font>-, </font><i><font>desde que seja prestada, espontaneamente, sem </font></i><font>a </font><i><font>presença de vínculos juridicamente relevantes entre </font></i><font>os </font><i><font>seus membros, onde </font></i><font>se </font><i><font>inserem, nomeadamente, os</font></i><font> </font><i><font>deveres de coabitação, cooperação e</font></i><font> </font><i><font>assistência enunciados no art. 1672° </font></i><font>e </font><i><font>1674° do CC, corresponde </font></i><font>a </font><i><font>uma obrigação natural, em virtude de </font></i><font>se </font><i><font>fundar “num mero dever de ordem moral e</font></i><font> </font><i><font>social cujo cumprimento não é</font></i><font>, </font><i><font>judicialmente, exigível mas, corresponde </font></i><font>a </font><i><font>um dever de justiça". Neste sentido, tudo o</font></i><font> </font><i><font>que seria prestado </font></i><font>a </font><i><font>título de cooperação e</font></i><font> </font><i><font>assistência para a</font></i><font> </font><i><font>economia comum da união de facto seria insuscetível de repetição, nos termos do art. 403° do CC, em virtude de </font></i><font>se </font><i><font>tratar do cumprimento de um dever de ordem moral e</font></i><font> </font><i><font>social. De facto, foi este o</font></i><font> </font><i><font>entendimento do TRL num Ac. de 29/11/2012, onde </font></i><font>se </font><i><font>considerou que o</font></i><font> </font><i><font>trabalho doméstico </font></i><font>e </font><i><font>de assistência ao</font></i><font> </font><i><font>lar, prestado no âmbito da união de facto não </font></i><font>é, </font><i><font>judicialmente, exigível pelo que, consubstancia</font></i><font> </font><i><font>cumprimento espontâneo de uma obrigação natural, não podendo, por isso, ser repetido pelo que, não </font></i><font>se </font><i><font>reconheceu </font></i><font>o </font><i><font>direito </font></i><font>à </font><i><font>restituição do respetivo valor." (Ana Rita Ferraz Laranja Pontes, «Os efeitos patrimoniais decorrentes da cessação da união de facto: </font></i><font>a </font><i><font>divisão do património no final da vida em comum», dissertação elaborada no âmbito do Mestrado em Direito Privado, na Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, pag. </font></i><font>28, </font><i><font>disponível em </font></i><a><i><u><font>www.repositorio.ucp.pt)</font></u></i></a><i><font> </font></i>
</p><p><font>10ª. Aqui chegados é forçoso concluir que não tem a Recorrente qualquer direito a ser indemnizada. </font>
</p><p><font>11ª. Mormente ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa. </font>
</p><p><font>12ª - </font><u><font>Deve assim o Acórdão proferido pelo Douto Tribunal da Relação do Porto manter-se.</font></u>
</p><p><font>13ª. Não tendo a Recorrente feita qualquer prova da efectiva deslocação patrimonial, não estamos aqui perante qualquer enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font>14ª. Não são enquadráveis no instituto do enriquecimento sem causa as contribuições que os membros da união de facto fazem em proveito comum da vida conjugal. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber</font><font> </font><font>se a Autora Recorrente tem direito a receber o valor correspondente a metade do imóvel e do veículo automóvel identificados nos autos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação.</font></b><br>
<b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> A autora AA nasceu em ... de 1944;</font>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>Em ... de 1970, casou catolicamente com DD, sendo que tal casamento foi dissolvido por divórcio, por sentença proferida em 10 de fevereiro de 1996, transitada em julgado em 6 de janeiro de 1999;</font>
</p><p><b><font>1.3. </font></b><font>Por escritura pública de compra e venda datada de 26 de julho de 2000, BB adquiriu, pelo preço de 9 milhões de escudos, a fração autónoma designada pela letra F, correspondente a uma habitação no rés-do-chão, com entrada pelo n.º 65, com lugar de garagem e arrumo na cave, designado por “F”, situado na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ..., sob o n.º ...;</font>
</p><p><b><font>1.4. </font></b><font>O dito BB faleceu em 3 de dezembro de 2015, no estado civil de divorciado, deixando como única herdeira, a aqui ré CC, sua filha;</font>
</p><p><b><font>1.5. </font></b><font>A aquisição do imóvel referido em 3) encontra-se atualmente registrada a favor desta CC por sucessão de BB;</font>
</p><p><b><font>1.6. </font></b><font>A partir do ano de 1989, a Autora e o dito BB começaram a viver juntos como de um casal se tratasse;</font>
</p><p><b><font>1.7. </font></b><font>Desde então a autora preparava as refeições que eram partilhadas por ambos;</font>
</p><p><b><font>1.8. </font></b><font>Procedendo à limpeza da casa onde habitavam;</font>
</p><p><b><font>1.9. </font></b><font>Tratava da sua roupa e do seu companheiro;</font>
</p><p><b><font>1.10. </font></b><font>Recebiam na casa onde coabitavam os seus amigos comuns e familiares;</font>
</p><p><b><font>1.11. </font></b><font>Cuidavam um do outro quando estavam doentes;</font>
</p><p><b><font>1.12. </font></b><font>Recebiam na mesma morada toda a correspondência que lhes era endereçada;</font>
</p><p><b><font>1.13. </font></b><font>Eram vistos pelos vizinhos como se de marido e mulher se tratassem;</font>
</p><p><b><font>1.14. </font></b><font>Partilhavam as despesas correntes do agregado familiar;</font>
</p><p><b><font>1.15. </font></b><font>Situação que durou, de forma ininterrupta, até ao falecimento do referido BB ocorrido em ... de 2015;</font>
</p><p><b><font>1.16. </font></b><font>Durante o tempo em que durou a coabitação, a autora e BB não tiveram qualquer relação compromisso pessoal com quem quer que seja;</font>
</p><p><b><font>1.17. </font></b><font>Pelo menos desde julho de 2000, o referido BB estava divorciado do seu anterior casamento;</font>
</p><p><b><font>1.18. </font></b><font>Em 1996 arrendaram ambos uma casa sita em ..., mediante a renda mensal de esc. 20.000$00;</font>
</p><p><b><font>1.19. </font></b><font>Antes de ir viver com o mencionado BB, a autora trabalhou numa fábrica de componentes eletrónicos;</font>
</p><p><b><font>1.20. </font></b><font>Tendo deixado de trabalhar nessa fábrica e, pelo menos até ao ano de 2006, trabalhou como empregada doméstica em várias casas particulares;</font>
</p><p><b><font>1.21. </font></b><font>A autora reformou-se no ano de 2009;</font>
</p><p><b><font>1.22. </font></b><font>Durante o ano de 2015 auferiu de rendimentos provenientes da reforma no valor anual de €4 378,34;</font>
</p><p><b><font>123. </font></b><font>O seu companheiro auferia, nesse mesmo ano, a título de pensão de reforma, a quantia mensal de €1 244,24;</font>
</p><p><b><font>1.24. </font></b><font>Os rendimentos provenientes do trabalho e das pensões de reforma da autora eram utilizados por esta e pelo seu companheiro para o pagamento das despesas correntes do agregado familiar;</font>
</p><p><b><font>1.25. </font></b><font>A autora o seu companheiro fizeram obras de beneficiação do imóvel referido em 3), nomeadamente, pintando-o, substituindo o chão, que era em madeira, por azulejos;</font>
</p><p><b><font>1.26. </font></b><font>Durante a vivência em comum, o dito BB adquiriu dois veículos automóveis, sendo que pelo menos o segundo, um Renault Clio com a matrícula ..., destinado a substituir o primeiro, foi registado na conservatória do registo automóvel apenas em nome daquele;</font>
</p><p><b><font>1.27. </font></b><font>Os veículos automóveis eram utilizados para o transporte da autora e do seu companheiro;</font>
</p><p><b><font>1.28. </font></b><font>O mesmo BB era titular de uma conta da conta de depósitos n.º ..., a qual, à data do óbito respetivo, tinha o saldo de € 6.381,72;</font>
</p><p><b><font>1.29. </font></b><font>A autora habita o imóvel referido em 3) desde o ano de 2000, à vista de toda a gente, com o conhecimento da ré CC, de forma ininterrupta e sem oposição de quem quer que seja;</font>
</p><p><b><font>130. </font></b><font>Após a morte do seu companheiro, a autora continuou a habitar o imóvel, pagando as despesas de condomínio, água e luz;</font>
</p><p><font>- Procedeu-se à correcção da numeração dos factos provados e constantes do Acórdão recorrido -</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>2. Do mérito do recurso</font></b>
</p><p><font>A questão que se coloca é saber se a Recorrente, que viveu em união de facto com o autor da herança,</font><b><font> </font></b><font>tem direito a receber o valor correspondente a metade do imóvel e do veículo automóvel identificados nos autos (bens que constituem a herança e em que é única herdeira a Recorrida, filha do convivente de facto).</font>
</p><p><font>O Tribunal de 1ª instância, com fundamento no enriquecimento sem causa, veio a decidir favoravelmente e o Tribunal da Relação do Porto veio a revogar essa decisão, entendendo que a “autora e o falecido Ventura, enquanto durou a sua união, contribuíram na possibilidade dos seus rendimentos para a economia comum do casal, não podendo vir agora a autora peticionar a parte que entregou para essa economia comum, pretendendo ser indemnizada por metade do imóvel e do veículo (sendo certo que não se provou ter contribuído para a sua aquisição)”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Nos termos do disposto no nº1 do artigo 473º do Código Civil, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.</font>
</p><p><font> E no nº2 prevê que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O enriquecimento sem causa pressupõe a verificação de três requisitos:</font>
</p><p><font>- que haja um enriquecimento de alguém;</font>
</p><p><font>- que o enriquecimento careça de causa justificativa;</font>
</p><p><font>- que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.</font>
</p><p><font>O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, podendo, desde logo, traduzir-se no aumento do ativo patrimonial.</font>
</p><p><font>De harmonia com este preceito, para que haja obrigação de restituir é necessário que o enriquecimento contra o qual se reage careça de causa justificativa (ou porque nunca a teve, por não se ter verificado o escopo pretendido - condictio ob causam futuram - ou, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido, devido à supressão posterior desse fundamento – condictio ob causam finitum -).</font>
</p><p><font>(Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 6ª edição, pág.451)</font>
</p><p><font>A inexistência de causa é a condição mais caracterizadora da ação de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto do réu, enriquecimento este que, se não fosse injusto, não seria sem causa. </font>
</p><p><font>(Moitinho de Almeida, Enriquecimento sem causa, pág.62)</font>
</p><p><font>Reputa-se que o enriquecimento é sem causa, quando o direito não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial</font>
</p><p><font>(Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1979, pág.335)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quanto ao objecto da obrigação a restituir, resulta do disposto no nº1 do artigo 479º do Código Civil que tal obrigação compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. O beneficiado não é obrigado a restituir todo o objeto da deslocação patrimonial operada ou o valor correspondente quanto a restituição em espécie não for possível. Os bens podem ter perecido ou sofrido deterioração, podem ter diminuído entretanto de valor. Por conseguinte, o enriquecimento corresponderá à diferença entre a situação real e actual do beneficiado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada.</font>
</p><p><font>(Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição, pág.466 e segs.)</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por fim, importa referir que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo ser invocado quando a lei não faculta ao empobrecido qualquer outro meio de compensação ou restituição (artigo 474º do Código Civil).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No que respeita às uniões de facto e ao enriquecimento sem causa, refere António Menezes Cordeiro que:</font>
</p><p><font>“I- O artigo 473º/2 refere, em segundo lugar e como hipótese de enriquecimento, o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir. Trata-se, em evolução pós-clássica, da causa finita.</font>
</p><p><font>II. Na prática do Código Vaz Serra, pensamos poder aqui agrupar todo um ciclo de casos, com tendência para aumentar, em que se desfaz uma união de facto. Havendo casamento, funciona um sistema legal relativo aos bens adquiridos pelo casal, em função do regime adotado. E ainda a lei rege as partilhas, no caso do divórcio. Já pela união de facto, apenas operam algumas regras de tutela. Fica em aberto todo um universo de despesas ou de trabalho, designadamente de tipo doméstico, que decorra da união de facto e que, quando ela cesse, vá beneficiar um dos unidos, à custa do outro. Os tribunais têm acudido – e bem – a um recurso ao enriquecimento sem causa: tudo o que tenha sido prestado, no contexto de uma união de facto, deve ser restituído, quando esta acabe, caso venha a provocar um enriquecimento de um dos ex-parceiros, à custa do outro”</font>
</p><p><font>(in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, pág.273/274).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Depois destas considerações genéricas, vejamos o caso dos autos, perante os factos que as instâncias deram como provados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Importa, antes de mais, referir que a Lei nº7/2001, de 11 de maio não prevê qualquer regulação das consequências da dissolução da união de facto, apesar de prever a dissolução da união de facto.</font>
</p><p><font>Por outro lado, não estão provados factos que nos conduzam a uma situação de compropriedade dos conviventes em união de facto na aquisição dos bens.</font>
</p><p><font>Só podendo, apreciar a questão, como fizeram as instâncias, no âmbito do enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, </font>
</p><p><font>A partir do ano de 1989, a Autora e BB começaram a viver juntos como de um casal se tratasse, sendo que essa situação durou, de forma ininterrupta, até ao falecimento do BB, ocorrido em 3 de dezembro de 2015; isto é, a Autora e BB viveram como um casal durante cerca de 26 anos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E, nesse longo período, partilhavam as despesas correntes do agregado familiar;</font>
</p><p><font>Em 1996 arrendaram ambos uma casa sita em ..., concelho de ..., mediante a renda mensal de esc. 20.000$00.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os rendimentos provenientes do trabalho e das pensões de reforma da autora eram utilizados por esta e pelo seu companheiro para o pagamento das despesas correntes do agregado familiar.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por escritura pública de compra e venda datada de 26 de julho de 2000, BB adquiriu, pelo preço de 9 milhões de escudos, a fração autónoma designada pela letra F, correspondente a uma habitação no rés-do-chão, com entrada pelo n.º 65, com lugar de garagem e arrumo na cave, designado por “F”, situado na Rua ... descrito na Conservatória do Registo Predial da ...;</font>
</p><p><font>A autora o seu companheiro fizeram obras de beneficiação do imóvel referido, nomeadamente, pintando-o, substituindo o chão, que era em madeira, por azulejos;</font>
</p><p><b><font> </font></b><font>Durante a vivência em comum, BB adquiriu dois veículos automóveis, sendo que pelo menos o segundo, um Renault Clio com a matrícula ..., destinado a substituir o primeiro, foi registado na conservatória do registo automóvel apenas em nome daquele;</font>
</p><p><font>Os veículos automóveis eram utilizados para o transporte da autora e do seu companheiro.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Desta forma, verifica-se que existia uma economia comum, de facto, que não jurídica: a Autora e BB partilhavam as despesas comuns e colocavam os seus rendimentos ao serviço do casal que estava constituído, procedendo ao pagamento das despesas correntes do agregado familiar, sem qualquer discriminação, agindo como se tivessem um património comum, incluindo, o imóvel (usando-o e efetuando obras) e os veículos automóveis (utilizados para o transporte da Autora e do seu companheiro).</font>
</p><p><font>Por outro lado, como se encontra provado, durante o período de convivência em comum (período significativo, cerca de 26 anos, tendo a convivência sido interrompida pela morte de BB), a Autora preparava as refeições que eram partilhadas por ambos, procedia à limpeza da casa onde habitavam, tratava da roupa do seu companheiro.</font>
</p><p><font>Ora, como se refere na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, este grande contributo da Autora fazia com que o BB não tivesse de efetuar um outro esforço para suportar as suas despesas diárias, possibilitando, desta forma, a realização de poupanças por parte de BB; isto é, apesar de não estar demonstrado que a Autora suportou diretamente o pagamento do imóvel e dos veículos, contribuiu de forma indireta com os seus rendimentos no pagamento de despesas comuns do casal, que constituía com BB, e com o seu trabalho nas lides domésticas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, verifica-se que relativamente aos bens em causa, uma vantagem patrimonial da Recorrida, única sucessora de BB, e um consequente empobrecimento da Autora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por outro lado, e como se afirma na decisão da 1ª instância, perante a falta de elementos para quantificar a medida da contribuição da Autora na aquisição dos bens em causa, tem de se socorrer de um critério de equidade, que na sentença foi definido na proporção de metade, atenta a duração da convivência em união de facto e a natureza da contribuição, que não pode ser objeto de censura deste Tribunal (por o mesmo se não mostrar desproporcionado e injusto).</font>
</p><p><font>Quanto à liquidação posterior, bem como à condenação em juros, atenta a ausência do valor dos bens, à data da cessação da união de facto (3 de dezembro de 2015), por óbito de BB, a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância não merece censura.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Pelo exposto, o recurso merece provimento, devendo o Acórdão recorrido ser revogado, devendo ser repristinada a sentença proferida na 1ª instância (com a indicação que quando se refere ao ponto 27) dos factos provados, corresponde ao ponto 1.26. desta decisão).</font><br>
<font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><br>
<font>Posto o que precede, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, e condena-se a Recorrida nos termos da sentença proferida em 1ª instância.</font><br>
<font> </font><br>
<font>As custas do recurso ficam a cargo da Recorrida.< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VzJ3u4YBgYBz1XKv6A06 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b><font> </font>
<p><font> </font><br>
<b><font>I Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA– Companhia de Seguros, S.A.</font></b><font> intentou contra </font><b><font>Companhia de Seguros BB, S.A.</font></b><font> ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação no pagamento da quantia global de €156 561,34, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a citação e até integral pagamento, calculados dia a dia, às taxas de juro comercial, sobre o capital em dívida.</font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que incorporou por fusão a sociedade CC, SA, a qual tinha celebrado com DD, S.A. contrato nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela, indicados nas folhas de salários; em dezembro de 2008 foi-lhe participado um acidente ocorrido com as trabalhadoras EE, FF, GG, HH e II, as quais, no dia 20 de dezembro de 2008, pelas 12h50, no regresso das mesmas às instalações daquela empresa após a pausa do almoço, foram colhidas pelo veículo automóvel matrícula ...-PJ, cuja responsabilidade do ramo automóvel fora transferido para a Ré.</font>
</p><p><font>Assumiu todas as despesas relacionadas com a recuperação das trabalhadoras, pagou indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária e as pensões; intentou contra a Ré ação sob o nº 2692/12.9TJVNF relativamente aos pagamentos que fizera até 14 de agosto de 2012, na qual foram fixados os factos provados e proferida sentença condenando esta a pagar-lhe a quantia de €355 782,81, acrescida de juros de mora.</font>
</p><p><font>Manteve a assistência às trabalhadoras EE e FF, nos montantes de €33 679,56 e €122 881,78, respetivamente, constituindo provisões matemáticas para garantia das pensões devidas de €93 589,51 para a primeira e €110 577,98, €117 976,25 e €17 075,26 para a segunda.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré contestou, alegando que o direito emergente das prestações laborais deveria ter sido exercido pela Autora na ação anteriormente proposta, bem como invocou a prescrição do direito da demandante por já ter decorrido o prazo de três anos aplicável aos casos de responsabilidade civil por facto ilícito.</font>
</p><p><b><font>3. </font></b><font>A Autora respondeu, referindo que nada a impede de, efetuados os pagamentos sucessivos no âmbito e por conta das garantias do contrato de seguro às duas trabalhadoras, diligenciar junto do responsável civil pelo seu reembolso judicial ou extrajudicial e defendeu que o prazo prescricional na relação seguradora do trabalho – seguradora do acidente de viação é de vinte anos; invocou também o prazo mais longo de cinco anos quando o facto ilícito constitui crime.</font>
</p><p><b><font>4. D</font></b><font>ispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória inominada e julgou prescritos créditos invocados pela Autora no montante de €22 013,55, relativos a pagamentos realizados entre 23 de agosto de 2012 e 15 de fevereiro de 2013.</font>
</p><p><font>De seguida, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, sem reclamação.</font>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> A Autora requereu a ampliação do pedido, o que veio a ser admitido, pedindo a condenação da Ré no pagamento, para além do anteriormente peticionado, da quantia de €59 684,80, acrescida de juros de mora à taxa legal, alegando que desde fevereiro de 2016 pagou €7 650,03 relativamente a assistência prestada a EE, a título de pensões e despesas com assistência vitalícia e €52 034,86 pela assistência prestada a FF, a título de pensões, prestação suplementar, pensão devida a ..., assistência vitalícia, despesas com assistência médica, internamentos, intervenções cirúrgicas e medicamentos.</font>
</p><p><font>A Ré contestou impugnando os factos alegados.</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença final, que decidiu julgar a ação parcialmente provada e procedente, em consequência do que condenou a Ré a pagar à Autora: </font>
</p><p><font>«</font><i><font>a) a quantia de € 14.818,96, por referência aos pontos 7) e 9) da fundamentação de facto;</font></i>
</p><p><i><font>b) a quantia de € 111.948,68, por referência aos pontos 12), 13), 14), 16), 17) e 18) da fundamentação de facto;</font></i>
</p><p><i><font>c) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 14.518,96 e € 78.934,68 desde 15 de Fevereiro de 2016;</font></i>
</p><p><i><font>d) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 300,00 e € 33.014,00 desde de 16 Junho de 2017 até integral e efetivo cumprimento</font></i><font>».</font>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Não se conformando com a decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.</font>
</p><p><b><font>8. </font></b><font>O Tribunal da Relação de Guimarães veio a julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:</font>
</p><p><font>a) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 38.816,81 (trinta e oito mil, oitocentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos)</font><i><font>, </font></i><font>acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável aos créditos titulados por empresas comerciais, a contar de 15.02.2016 e até integral cumprimento;</font>
</p><p><font>b) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 16.159,90</font><i><font> </font></i><font>(dezasseis mil, cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos</font><i><font>), </font></i><font>acrescida de juros de mora a contar de 16.06.2017 e até integral cumprimento;</font>
</p><p><font>c) Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida”.</font>
</p><p><b><font>9. </font></b><font>Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1ª. O tribunal a quo equivocou-se, num juízo apriorístico que o levou a inflectir a decisão comarcã, ignorando a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-rogação legal, que mantém a obrigação incólume quanto aos direitos/obrigações recíprocas entre credor e/ou devedor – v. arts. 498º/2 e 593º/1 Cód. Civil;</font>
</p><p><font>2ª. No caso dos autos, estamos perante uma sub-rogação legal, pelo que não pode o credor dissentir da posição do lesado, ou credor originário, que é pré-existente à própria sub-‑rogação ou transferência de direitos in casu; </font>
</p><p><font>3ª. Não podem repetir-se indemnizações por um só e mesmo dano, ou danos, em responsabilidade civil, como sucede, dada a inflexão de juízo trazido ao caso pela decisão inovatória assumida na Relação e de que se discorda; </font>
</p><p><font>4ª. Com a inflexão assumida no Tribunal a quo, em relação à sentença da 1ª instância a propósito da não duplicação de danos e da necessidade, para atender à mesma, da exibição e comprovativo dum efectivo prévio pagamento dos danos originários e que são tidos ora em sub-rogação legal (e não em direito de regresso algum, nota bene) e que não se querem ver duplicados nesta acção, pela inadmissibilidade absoluta dessa mesma dita duplicação na responsabilidade civil por facto ilícito, foram violados os preceitos e/ou princípios relativos às figuras jurídicas em questão; </font>
</p><p><font>5ª. E isso por função da violação directa de quanto resulta, ou se acha contido, nos já mencionados arts. 497º/498º e 592º/593º do Código Civil Português. </font>
</p><p><font>E conclui que “deve esta revista ser julgada procedente e, em consequência, deve vir a repreistinar-se a decisão da 1ª instância, absolvendo-se a Ré na acção dos pagamentos de €38.816,81 + 16.159,90 a que ora foi condenada na Relação de Guimarães”. </font>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso. </font>
</p><p><b><font>11.</font></b><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se o Tribunal da Relação ignorou a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-‑rogação legal, aplicável ao caso presente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Por sentença proferida a 26 de junho de 2014, transitada em julgado a 19 de março de 2015, no processo nº 2692/12.9TJVNF, a Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de €355.782,81, acrescida de juros de mora, às taxa legais acima referidas, desde 06.09.2012, inclusive, até integral e efectivo pagamento [alínea A) dos factos assentes e documento de fls. 92 a 138].</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> Na sentença identificada em 1) foram elencados os seguintes factos julgados assentes no saneador (art. 659º, nº 3, do CPC, redacção anterior):</font>
</p><p><i><font>A. A sociedade “CC, SA”, com sede na ..., foi incorporada, por fusão, na "AA- Companhia de Seguros, SA", por escritura pública de fusão, aumento de capital e alteração parcial do contrato de sociedade outorgada no dia 31 de Dezembro de 2009, lavrada de fls. 50 a fls. 58 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 80-B do Cartório Notarial de ....</font></i>
</p><p><i><font>B. A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora.</font></i>
</p><p><i><font>C. No exercício da sua actividade, a, à data, “CC, SA” celebrou com a sociedade “DD, SA”, o contrato de seguro titulado pela apólice n° 10/071356, nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela indicados nas respectivas folhas de salários.</font></i>
</p><p><i><font>D. Em Dezembro de 2008, a referida sociedade participou à Autora um sinistro ocorrido às 12.50 horas do dia 29 de Dezembro de 2008 com as trabalhadoras ao seu serviço, EE, FF, GG, HH e II.</font></i>
</p><p><i><font>E. O acidente de trabalho deu-se quando, na data e horas mencionadas, as referidas trabalhadoras regressavam às instalações da Segurada da Autora, após a pausa do almoço, para retomarem a sua actividade.</font></i>
</p><p><i><font>F. O percurso efectuado pelas trabalhadoras sinistradas era o percurso habitual a ligar os dois referidos pontos.</font></i>
</p><p><i><font>G. A Autora verificou que as aludidas sinistradas constavam das folhas de salários que a sua Segurada lhe havia apresentado.</font></i>
</p><p><i><font>H. Na mencionada oportunidade, cerca das 12.50h no dia 29 de Dezembro de 2008, ocorreu um acidente de viação na Rua..., em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PJ, à data conduzido por JJ, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-QF, à data conduzido por LL e as trabalhadoras supra identificadas.</font></i>
</p><p><i><font>I. No local do sinistro, a estrada configura uma recta, com boa visibilidade.</font></i>
</p><p><i><font>J. No referido local, existe um parque de estacionamento em terra, do lado direito da via, atento o sentido de marcha ...-E.N. 14, junto à entrada para as instalações da fábrica da Segurada da Autora.</font></i>
</p><p><i><font>K. O referido parque de estacionamento tem uma largura de cerca de 5 metros.</font></i>
</p><p><i><font>L. Ainda no local do sinistro, junto à entrada para as instalações da “...” e imediatamente antes do parque de estacionamento existe um ilhéu em terra.</font></i>
</p><p><i><font>M. A estrada tem dois sentidos de trânsito, encontrando-se dividida em duas hemifaixas de rodagem em cada um dos sentidos, separadas entre si por linha longitudinal descontínua.</font></i>
</p><p><i><font>N. O piso é asfaltado e, na referida data, encontrava-se em bom estado de conservação e molhado uma vez que se encontrava a chover.</font></i>
</p><p><i><font>O. A via tem uma largura de cerca de 7 metros,</font></i>
</p><p><i><font>P. Sendo ladeada por bermas.</font></i>
</p><p><i><font>Q. O veículo PJ, conduzido por JJ, seguia na Rua ..., no sentido ...-E.N. 14.</font></i>
</p><p><i><font>R. Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o acidente, ao aperceber-se da presença no QF, o condutor do veículo PJ tentou contorná-lo.</font></i>
</p><p><i><font>S. O veículo PJ foi projectado para uma ribanceira aí existente, onde se veio a imobilizar.</font></i>
</p><p><i><font>T. O embate nas trabalhadoras ocorreu a cerca de 9 metros do local em que o veículo PJ embateu no veículo XV.</font></i>
</p><p><i><font>U. Em consequência do sinistro, a trabalhadora sinistrada GG sofreu diversos ferimentos, designadamente fractura do colo do úmero direito, fractura da tíbia direita e contusão da mão esquerda.</font></i>
</p><p><i><font>V. Que lhe provocaram Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde 30.12.2008 a 02.05.2010, data em que lhe foi atribuída alta médica com uma Incapacidade Permanente Parcial de 16,18%.</font></i>
</p><p><i><font>W. A trabalhadora sinistrada foi assistido em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital de ..., Hospital da ... e Serviços Clínicos da Autora (Hospital de ... e Casa de Saúde da ...).</font></i>
</p><p><i><font>X. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.</font></i>
</p><p><i><font>Y. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de ..., o respectivo processo de acidente laboral, no qual a ora Autora foi Ré.</font></i>
</p><p><i><font>Z. Estando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da sociedade “DD, SA” transferida para a ora Autora, por conciliação homologada por sentença, as partes acordaram no pagamento pela Autora: da quantia de € 13.491,99, a título de capital de remição; da quantia de € 17,50, a título de despesas com transportes.</font></i>
</p><p><i><font>AA. Com fundamento na aludida sentença, a Autora procedeu ao pagamento à trabalhadora sinistrada da quantia de € 13.491,99 a título de capital de remição.</font></i>
</p><p><i><font>BB. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 10/104751, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até à presente data, a quantia global de € 47.746,31, correspondente às seguintes importâncias parcelares: € 7.469,66, a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho entre 30.12.2008 a 02.05.2010; € 13.491,99, a título de capital de remição; € 3.000,00, a título de despesas com assistência de 3.ª pessoa; € 8.693,69, a título de honorários com intervenções cirúrgicas; € 10.401,43, a título de despesas com assistência médica; € 17,66, a título de despesas com medicamentos; € 4.545,78, a título de despesas com transportes; € 11,00, a título de despesas com alimentação; e € 132,60, a título de despesas judiciais.</font></i>
</p><p><i><font>CC. Em consequência do sinistro, a trabalhadora sinistrada EE sofreu graves e diversos ferimentos, designadamente traumatismo cervical e da hemi-face direita, designadamente fractura do colo do úmero esquerdo, fractura do fémur direito, fractura da grade costal com perfuração pulmonar e fractura da bacia.</font></i>
</p><p><i><font>DD. Que lhe provocaram Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde 30.12.2008 a 28.02.2010, data em que lhe foi atribuída alta médica com uma Incapacidade Permanente Parcial de 62,13% com IPATH.</font></i>
</p><p><i><font>EE. A trabalhadora sinistrada foi assistida em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital de ..., Centro Hospitalar do ..., Hospital Privado da ... e Serviços Clínicos da Autora.</font></i>
</p><p><i><font>FF. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.</font></i>
</p><p><i><font>GG. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelo Tribunal do Trabalho de ..., o respectivo processo de acidente laboral, sob o nº 831/09.6TTVNF, no qual a ora Autora foi Ré.</font></i>
</p><p><i><font>HH. Estando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da sociedade “DD, SA” transferida para a ora Autora, por sentença transitada em julgado foi a Autora condenada a pagar: uma pensão, anual e vitalícia, de € 4.967,86; subsídio por elevada incapacidade no montante de € 5.112,00; a quantia de € 100,00 a título de despesas com transportes; e juros.</font></i>
</p><p><i><font>II. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 10/104751, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até à presente data, a quantia global de € 65.197,64, correspondente às seguintes importâncias parcelares: - € 6.365,97, a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho entre 30.12.2008 a 28.02.2010; € 12.633,94, a título de pensão; € 92,43, a título de acertos de indemnizações; € 5.112,00, a título de subsídio de elevada incapacidade; € 11.932,35, a título de honorários com intervenções cirúrgicas; € 250,00, a título de despesas de médicos e enfermeiros; € 148,57, a título de subsídios; € 16.741,89, a título de despesas com assistência médica; € 331,63, a título de despesas com medicamentos; € 7.913,07, a título de despesas com transportes; € 82,60, a título de despesas com alimentação e alojamento; € 112,04, a título de despesas diversas; € 180,00, a título de despesas com juntas médicas; € 994,05, a título de juros; e € 2.307,10, a título de despesas judiciais.</font></i>
</p><p><i><font>JJ. A Autora constituiu provisões matemáticas para garantia do pagamento dessas pensões, ascendendo, actualmente, a provisão matemática destinada a assegurar o pagamento da pensão a € 80.270,68.</font></i>
</p><p><i><font>KK. Em consequência do sinistro, a trabalhadora sinistrada sofreu graves e extensos ferimentos, FF, designadamente traumatismo na coluna, fractura de D6 e D7 e consequente paraplegia, fractura no ombro esquerdo, traumatismo nas regiões torácica e abdominal.</font></i>
</p><p><i><font>LL. Que lhe provocaram Incapacidade Permanente Absoluta de 100%.</font></i>
</p><p><i><font>MM. A trabalhadora sinistrada foi assistida em diversas instituições, públicas e privadas, destacando-se o Hospital de ..., Hospital de ..., Hospital de ..., Hospital de... e Serviços Clínicos da Autora (Hospital de ... e Casa de Saúde da ...).</font></i>
</p><p><i><font>NN. E durante todo o tempo em que se manteve em recuperação necessitou de medicamentos e produtos farmacêuticos.</font></i>
</p><p><i><font>OO. Dada a natureza do acidente em apreço, correu termos pelos Serviços do Ministério Público do Tribunal do Trabalho de ..., o respectivo processo de acidente laboral, sob o nº 422/10.9TUMTS1, no qual a ora Autora foi Ré.</font></i>
</p><p><i><font>PP. Estando a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores da sociedade “DD, SA” transferida para a ora Autora, por conciliação homologada por sentença, as partes acordaram no pagamento pela Autora: da pensão anual actualizável de € 6.364,20, acrescida da pensão anual de € 795,53, para a filha ...; do subsídio de elevada incapacidade no valor de € 5.112,00; do subsídio de assistência de 3ª pessoa, no montante de € 6.790,00; do valor para obras de readaptação de € 5.112,00; dos valores devidos pelas ajudas técnicas; das despesas de transporte, do valor de € 40,00.</font></i>
</p><p><i><font>QQ. Verificado o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice 10/104751, a Autora, honrando os compromissos assumidos e em consequência do acidente de trabalho em apreço, despendeu, até à presente data, a quantia global de € 245.523,36, correspondente às seguintes importâncias parcelares: € 11.529,70, a título de indemnização pela Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho entre 30.12.2008 a 20.03.2011; € 20.459,15, a título de pensões; € 809,08, a título de subsídios; € 5.112,00, a título de subsídio por elevado grau de incapacidade; € 21.263,19, a título de honorários com intervenções cirúrgicas; € 60.632,27, a título de despesas com assistência médica; € 40,00, a título de despesas com honorários de médicos e enfermeiros; € 200,00, a título de assistência vitalícia com honorários médicos e enfermeiros; € 117.207,46, a título de despesas de assistência vitalícia com despesas de assistência médica; € 371,64, a título de despesas com assistência vitalícia com próteses e ortóteses; € 4.664,20, a título de despesas com transportes; € 1.403,45, a título de despesas com assistência vitalícia de transportes; € 1.587,52, a título de despesas diversas; e € 244,80, a título de despesas judiciais.</font></i>
</p><p><i><font>RR. A Autora constituiu provisões matemáticas para garantia do pagamento dessas pensões, ascendendo, actualmente, a provisão matemática destinada a assegurar o pagamento da pensão a € 115.529,32.</font></i>
</p><p><i><font>SS. O proprietário do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PJ havia transferido o risco emergente da circulação do mesmo para a ora Ré “Companhia de Seguros BB, SA”, através do contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice 5070/789919 [alínea B) do despacho em referência documento de fls. 92 a 138].</font></i>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Na sentença identificada em 1) foram elencados os seguintes factos da Base Instrutória e articulados submetidos a julgamento:</font>
</p><p><i><font>3.1. O local caracteriza-se como uma localidade, sendo a estrada ladeada por edificações com acesso à estrada.</font></i>
</p><p><i><font>3.2. Encontrando-se a velocidade máxima instantânea limitada a 50 km/h.</font></i>
</p><p><i><font>3.3. Junto à entrada para as instalações da “...” existe uma passagem destinada à circulação de peões.</font></i>
</p><p><i><font>3.4. Nas circunstâncias descritas, momentos antes da ocorrência do acidente, o veículo QF, conduzido por LL, seguia na Rua LLL, no sentido ...-E.N. 14.</font></i>
</p><p><i><font>3.5. Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o sinistro, e pretendendo estacionar o referido veículo no parque de estacionamento supra referido a condutora do veículo QF accionou a luz indicadora de mudança de direcção à direita ("pisca").</font></i>
</p><p><i><font>3.6. Reduziu a velocidade que lhe imprimia.</font></i>
</p><p><i><font>3.7. Imobilizando o veículo QF próximo à entrada para as instalações da “...”, junto à berma de terra, em parte em cima da mesma (tal com se configura no croquis de fls. 567/veículo 2).</font></i>
</p><p><i><font>3.8. E manteve-se nesse local a aguardar a passagem de peões que passavam na referida berma.</font></i>
</p><p><i><font>3.9. A condutora do veículo QF sinalizou a presença daquele.</font></i>
</p><p><i><font>3.10. Face à velocidade imprimida ao veículo PJ e a desatenção da distância deste em relação ao QF o condutor do veículo PJ permitiu (na manobra referida supra em 2.1.R.) que este embatesse naquele e perdeu o seu controlo.</font></i>
</p><p><i><font>3.11. Nesse momento embateu com a sua frente e lateral esquerda na lateral (espelho retrovisor esquerdo) e frente lateral esquerda, mais precisamente na roda esquerda da frente, do veículo QF.</font></i>
</p><p><i><font>3.12. Ato contínuo entrou em despiste, para a direita, atento o seu sentido de marcha, e embateu num veículo automóvel que se encontrava estacionado no parque de estacionamento (XV-04-22).</font></i>
</p><p><i><font>3.13. Face à violência do embate o veículo XV rodopiou sobre si mesmo.</font></i>
</p><p><i><font>3.14. O veículo PJ prosseguiu a sua marcha desgovernada, “colhendo” 5 trabalhadoras que circulavam na berma direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha ...-E.N. 14.</font></i>
</p><p><i><font>3.15. A Ré já pagou, por acordo extrajudicial, uma indemnização por danos sofridos pela sinistrada EE.</font></i>
</p><p><i><font>3.16. O veículo seguro na Ré seguia a uns 70-80 kms/hora.</font></i>
</p><p><i><font>3.17. O QF tinha a roda dianteira esquerda saída para fora da cava do guarda-lamas respectivo.</font></i>
</p><p><i><font>3.18. O QF foi embatido nesse pneu.</font></i>
</p><p><i><font>3.19. E, pela torção do pneu, deslocando-o do seu eixo, ocorreu a quebra e arrancamento da suspensão dianteira e do pára-choques, num movimento de trás para diante do seu canto ou aba imediatamente adjacentes ao pneu.</font></i>
</p><p><i><font>3.20. Com esse impacto na roda dianteira esquerda do QF, o segurado na Ré torceu à direita e foi, já desgovernado, invadir a berma respectiva, atropelando aí os peões, nos termos acima expostos.</font></i>
</p><p><i><font>3.21. GG intentou contra a Ré acção emergente de acidente de viação acima descrito, em 09.05.2011.</font></i>
</p><p><i><font>3.22. ...intentou o mesmo tipo de acção, por causa do mesmo acidente, contra a Ré, em 04.11.2011 [alínea C) do despacho em referência e documento de fls. 92 a 138].</font></i>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> As ajudas técnicas referidas em PP) são as contantes do auto de exame médico do IML, a fls. 287 do processo de acidente de trabalho nº 816/16.6T8GMR, dizendo respeito, designadamente, a tratamentos fisiátricos, cadeira de rodas, colchão anti-escaras [documento de fls. 737 a 740, aditado nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil].</font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Na pendência da acção identificada em 1) e após o trânsito da sentença, a Autora manteve a assistência prestada às trabalhadoras EE e FF e os pagamentos em conformidade com as decisões referidas em 2. HH. e PP. [resposta ao artigo 21º da petição inicial].</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou à trabalhadora EE, a título de pensão referida em 2. HH., o valor global de € 16.916,16 [resposta aos artigos 22º da petição inicial e 56º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> No período referido em 6) a Autora pagou os seguintes montantes relativos à sinistrada EE:</font>
</p><p><font>- € 5.394,27 respeitante a ITA e subsídios;</font>
</p><p><font>- € 10,00 respeitante a alimentação e alojamento;</font>
</p><p><font>- € 4.915,59 respeitante a consultas, cirurgia e internamento na Casa de Saúde ...;</font>
</p><p><font>- € 2.328,00 respeitante a consultas e tratamentos fisiátricos;</font>
</p><p><font>- € 954,28 respeitante a medicamentos;</font>
</p><p><font>- € 210,82 respeitantes a transportes;</font>
</p><p><font>- € 353,00 com outras consultas e meios complementares de diagnóstico;</font>
</p><p><font>- € 765,00 com honorários de Advogados [resposta ao artigo 22º da petição inicial e 56º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou à trabalhadora EE, a título de pensão referida em 2. HH., o valor global de € 7.348,50 [resposta ao artigo 2º do articulado de 13 de Junho de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> No período referido em 8) a Autora pagou, ainda, o montante de € 300,00 a título de fisioterapia da trabalhadora EE [resposta ao artigo 2º do articulado de 13 de Junho de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> A Autora constituiu reservas matemáticas de montante não concretamente apurado para pagamento da pensão referida em 2. HH. [resposta ao artigo 23º da petição inicial].</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título da pensão referida em 2.PP., o valor global de € 21.900,65 [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título de pensão suplementar de terceira pessoa referida em 2. PP., o valor global de € 20.770,00 [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> Entre Março de 2013 e Janeiro de 2016 a Autora pagou a título de pensão da filha menor da trabalhadora FF, ..., o valor global de € 2.554,98 [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> No período referido em 11) a Autora pagou os seguintes montantes relativos à sinistrada FF:</font>
</p><p><font>- € 4.287,44 respeitante a consultas, meios complementares de diagnóstico e tratamentos;</font>
</p><p><font>- € 4.871,46 respeitantes a próteses e ortóteses;</font>
</p><p><font>- € 7.544,00 respeitante a fisioterapia;</font>
</p><p><font>- € 19.186,70 respeitante a transportes para consultas e tratamentos;</font>
</p><p><font>- € 6.980,10 referente a medicamentos;</font>
</p><p><font>- € 12.740,00 respeitante a intervenções cirúrgicas, internamentos, consultas e meios complementares de diagnóstico prestados pela Casa de Saúde ... [resposta aos artigos 24º da petição inicial e 57º do articulado de 9 de Janeiro de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título de pensão referida em 2. PP, o valor global de € 8.811,40 [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou à trabalhadora FF, a título de pensão suplementar de terceira pessoa referida em 2. PP., o valor global de € 9.775,32 [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Entre Fevereiro de 2016 e Junho de 2017 a Autora pagou a título de pensão da filha menor da trabalhadora FF, ..., o valor global de € 1.101,42 [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> No período referido em 15) a Autora pagou os seguintes montantes relativos à sinistrada FF:</font>
</p><p><font>- € 6.523,50 respeitante a fisioterapia;</font>
</p><p><font>- € 4.932,98 respeitante a transportes para consultas e tratamentos;</font>
</p><p><font>- € 39,52 referente a análises clínicas;</font>
</p><p><font>- € 8.256,26 a título de cirurgias, internamentos, consultas, medicamentos, ortóteses prestados pela Casa de Saúde ...;</font>
</p><p><font>- € 2.385,00 respeitante a cadeira eléctrica [resposta ao artigo 3º do articulado de 13 de Junho de 2017].</font>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> A Autora constituiu reservas matemáticas de montante não concretamente apurado para pagamento da pensão referida em 2. PP [resposta ao artigo 25º da petição inicial].</font>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> Por sentença proferida a 28 de Outubro de 2014 no processo nº 3548/11.8TJVNF, rectificada por despacho de 1 de Dezembro de 2014, transitados em julgado a 20 de Janeiro de 2015, a Ré foi condenada a pagar à ali Autora FF, com base no acidente identificado em 2):</font>
</p><p><i><font>1. a quantia de € 407.427,87, sendo:</font></i>
</p><p><i><font>1.1. a quantia de € 232.427,87 a título de danos patrimoniais, à qual será subtraída a quantia de € 135.988,47 se e quando a sentença proferida no processo nº 2692/12.9TJVNF transitar em julgado e a Ré Allianz proceder ao respectivo pagamento à AACompanhia de Seguros, S.A.;</font></i>
</p><p><i><font>1.2. a quantia de € 175.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;</font></i>
</p><p><i><font>2. todas as despesas que a Autora vier a suportar relativamente a assistência médica, medicamentos, fisioterapia, dispositivos médicos, roupa adequada à própria e concreta situação de paraplegia da Autora, bem como de todos os custos de manutenção dos equipamentos de ajuda técnica adquiridos ou a adquirir pela Autora;</font></i>
</p><p><i><font>3. a assistência de terceira pessoa, correspondente a um custo s | [0 0 0 ... 0 0 0] |
0jJqu4YBgYBz1XKvvQTP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> instaurou a presente ação especial de destituição de titular de órgão social, com suspensão cautelar preliminar do cargo, prevista pelo artigo 1055.º do Código de Processo Civil, contra BB e </font><b><font>Rodripeixe, Ld.ª</font></b><font>, pedindo que seja decretada a destituição do réu BB da qualidade e cargo de gerente da referida sociedade comercial.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Após realização das diligências necessárias, o Tribunal de 1.ª instância, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1055.º do Código de Processo Civil, por decisão datada de 15/12/2018, determinou a suspensão do sócio BB, da sua qualidade de gerente da sociedade Rodripeixe, Ld.ª, nela mantendo como gerente AA.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Citados, veio o Requerido BB contestar, concluindo pela improcedência da ação.</font>
</p><p><font>Na parte final da contestação, na parte referente aos meios de prova, entre outros, o requerido requereu que, nos termos do art. 429º, do C.P.C., o requerente «</font><i><font>junte</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>autos</font></i><font> </font><i><font>todas</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>cartas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>recebeu</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>requerido,</font></i><font> </font><i><font>BB,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>advogado</font></i><font> </font><i><font>aqui</font></i><font> </font><i><font>signatário,</font></i><font> </font><i><font>CC,</font></i><font> </font><i><font>desde</font></i><font> </font><i><font>2012</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>presente,</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>alegado</font></i><font> </font><i><font>nesta</font></i><font> </font><i><font>contestação</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>contra</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>alegado</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>petição,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>28º</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>30º,</font></i><font> </font><i><font>inclusive,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>43º</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>47º,</font></i><font> </font><i><font>inclusive</font></i><font>».</font>
</p><p>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Após a elaboração do despacho saneador, o requerido BB formulou o seguinte requerimento:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>(…)</font></i><font> </font>
</p><p><i><font>Tendo,</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>atenção,</font></i><font> </font><i><font>verificado</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>ata</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>audiência</font></i><font> </font><i><font>prévia,</font></i><font> </font><i><font>perante</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>manutenção</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>requerimento</font></i><font> </font><i><font>probatório</font></i><font> </font><i><font>requerido;</font></i>
</p><p><i><font>Verificou</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>despacho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>V.ª</font></i><font> </font><i><font>Ex.ª</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>lapso,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>pronuncia</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>admissão</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>requerimento,</font></i><font> </font><i><font>pois,</font></i><font> </font><i><font>tão</font></i><font> </font><i><font>só,</font></i><font> </font><i><font>expressa</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>admissão</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>róis</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>testemunhas</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>fls.</font></i><font> </font><i><font>73-verso</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>74,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>documental,</font></i><font> </font><i><font>existe</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>requerimento,</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Art.º</font></i><font> </font><i><font>429º,</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>C.P.C.,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>referido</font></i><font> </font><i><font>nem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>admitido,</font></i><font> </font><i><font>nem</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>admitido,</font></i><font> </font><i><font>sendo</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>admissão,</font></i><font> </font><i><font>teria</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>ser</font></i><font> </font><i><font>fundamentada.</font></i>
</p><p><i><font>Assim,</font></i><font> </font><i><font>vem</font></i><font> </font><i><font>requerer</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>V.ª</font></i><font> </font><i><font>Ex.ª</font></i><font> </font><i><font>que,</font></i><font> </font><i><font>verificado</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>lapso,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>digne</font></i><font> </font><i><font>proferir</font></i><font> </font><i><font>despacho</font></i><font> </font><i><font>sobre</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>mesmo.</font></i>
</p><p><i><font>(…)</font></i><font>».</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Datado de 14.05.2019, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: «</font><i><font>Req.º</font></i><font> </font><i><font>ref.ª</font></i><font> </font><i><font>….:</font></i>
</p><p><i><font>Notifique</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>A.</font></i><font> </font><i><font>para,</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>10</font></i><font> </font><i><font>dias,</font></i><font> </font><i><font>juntar</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>autos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>pretendidos.</font></i><font> </font><i><font>(…)</font></i><font>».</font>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Na sessão da audiência de julgamento de 21/01/2020, o Requerido apresentou o seguinte requerimento:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>Réu</font></i><font> </font><i><font>requereu</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>petição</font></i><font> </font><i><font>inicial</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>apresentação</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>estão</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>posse</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Autor.</font></i>
</p><p><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>notificado</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>despacho</font></i><font> </font><i><font>proferido</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>13.05.2019</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>proceder</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tais</font></i><font> </font><i><font>documentos.</font></i><br>
</p><p><i><font>Os</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>ainda</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>foram</font></i><font> </font><i><font>juntos</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>autos,</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>isso</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Réu</font></i><font> </font><i><font>requer</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>junte</font></i><font> </font><i><font>tais</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>caso</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>entenda</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>decretar</font></i><font> </font><i><font>essa</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>seja</font></i><font> </font><i><font>na</font></i><font> </font><i><font>apreciação</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>apreciada,</font></i><font> </font><i><font>tendo</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>conta</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>comportamento</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><b><font>7. </font></b><font>Respondeu o requerente nos termos seguintes:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>O</font></i><font> </font><i><font>Autor</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>sabe</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>refere</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Réu</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>cuja</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>requer</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>autos.</font></i><br>
</p><p><i><font>Vejo</font></i><font> </font><i><font>agora,</font></i><font> </font><i><font>efectivamente,</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>com</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>contestação</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Requerido</font></i><font> </font><i><font>foi</font></i><font> </font><i><font>requerido</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>artigo</font></i><font> </font><i><font>429º</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>todas</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>cartas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Requerido.</font></i><br>
</p><p><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>sabemos</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>cartas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>refere</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Requerido</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>advogado</font></i><font> </font><i><font>aqui</font></i><font> </font><i><font>signatário,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>meu</font></i><font> </font><i><font>Ilustre</font></i><font> </font><i><font>colega,</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>além</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>saber</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>realmente</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>pretende,</font></i><font> </font><i><font>penso</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>são</font></i><font> </font><i><font>completamente</font></i><font> </font><i><font>inócuos</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>cuja</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>requer</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> De seguida, foi proferido o seguinte despacho:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Não</font></i><font> </font><i><font>obstante</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>despacho</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>13</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>Maio</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>2019</font></i><font> </font><i><font>ter</font></i><font> </font><i><font>notificado</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Requerente</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>pretendidos,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>certo</font></i><font> </font><i><font>é</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Tribunal,</font></i><font> </font><i><font>ponderando</font></i><font> </font><i><font>agora</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pretensão</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Requerido,</font></i><font> </font><i><font>nos</font></i><font> </font><i><font>termos</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>qual</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>requer</font></i><font> </font><i><font>a”</font></i><font> </font><i><font>junção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>todas</font></i><font> </font><i><font>as</font></i><font> </font><i><font>cartas</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Requerente</font></i><font> </font><i><font>terá</font></i><font> </font><i><font>recebido</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>Requerido</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>advogado</font></i><font> </font><i><font>subscritor</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>contestação</font></i><font> </font><i><font>junta</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>autos,</font></i><font> </font><i><font>desde</font></i><font> </font><i><font>2012</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>presente”,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>apresenta</font></i><font> </font><i><font>como</font></i><font> </font><i><font>um</font></i><font> </font><i><font>requerimento</font></i><font> </font><i><font>vasto</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>concretizado</font></i><font> </font><i><font>relativamente</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>tipo</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>documentos,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>estando</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>concreto</font></i><font> </font><i><font>alegada</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pertinência</font></i><font> </font><i><font>dos</font></i><font> </font><i><font>mesmos,</font></i><font> </font><i><font>aliado</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>facto</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Requerente</font></i><font> </font><i><font>manifestar</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>estar</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>condições</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>proceder</font></i><font> </font><i><font>à</font></i><font> </font><i><font>referida</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>saber</font></i><font> </font><i><font>em</font></i><font> </font><i><font>concreto</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>documentos</font></i><font> </font><i><font>respeita,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>poderem</font></i><font> </font><i><font>os</font></i><font> </font><i><font>mesmos</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>ultrapassar</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>objecto</font></i><font> </font><i><font>do</font></i><font> </font><i><font>litígio,</font></i><font> </font><i><font>neste</font></i><font> </font><i><font>momento,</font></i><font> </font><i><font>não</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>entende</font></i><font> </font><i><font>dever</font></i><font> </font><i><font>notificar-se</font></i><font> </font><i><font>novamente</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Requerente</font></i><font> </font><i><font>para</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>pretendida</font></i><font> </font><i><font>junção;</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>entanto,</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>no</font></i><font> </font><i><font>decorrer</font></i><font> </font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>produção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>prova</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>fizer</font></i><font> </font><i><font>menção</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>algum</font></i><font> </font><i><font>documento</font></i><font> </font><i><font>concreto,</font></i><font> </font><i><font>e</font></i><font> </font><i><font>se</font></i><font> </font><i><font>vislumbrar</font></i><font> </font><i><font>a</font></i><font> </font><i><font>necessidade</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>que</font></i><font> </font><i><font>seja</font></i><font> </font><i><font>apresentado,</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Tribunal</font></i><font> </font><i><font>oficiosamente</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>determinará.</font></i>
</p><p><i><font>Notifique</font></i><font>”.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Posteriormente, foi proferida sentença, nos termos da qual, julgando a ação especial de destituição de titular de órgão social totalmente procedente, decidiu destituir BB do cargo de gerente da sociedade comercial Rodripeixe, Ld.ª.</font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Inconformado com aquele despacho de 21/01/2020, “</font><i><font>pela</font></i><font> </font><i><font>sua</font></i><font> </font><i><font>omissão</font></i><font> </font><i><font>até</font></i><font> </font><i><font>ao</font></i><font> </font><i><font>final</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>tal</font></i><font> </font><i><font>audiência</font></i><font>”, o Requerido BB interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação …..</font><br>
</p><p><b><font>11. </font></b><font>O Tribunal da Relação …. veio a julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.</font><br>
</p><p><b><font>12.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, veio o Requerido BB interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª Analisados, pelo Tribunal recorrido, os despachos proferidos, em primeira instância: um, em 14/05/2019 a decretar, no sentido do que já tinha sido requerido no requerimento probatório, para que, o A./recorrido, juntasse aos autos as cartas e documentos que recebeu do R./recorrente e do advogado signatário, desde 2012 até então, para prova do alegado na contestação e contra prova do alegado na petição em 28º a 30º, inclusvé, e 43º a 47º, inclusivé; outro, em 21/01/2020, na audiência de julgamento, perante a falta do cumprimento do primeiro despacho, num sentido totalmente contraditório, entendendo, agora, que não se vislumbrava a necessidade de que fossem apresentados tais documentos e que, se tal, se verificasse, o Tribunal, oficiosamente, o determinaria. Acabando, por omitir, o já decretado no despacho anterior, pois findou a audiência de julgamento, sem que se pronunciasse sobre a junção da prova requerida e já, fundadamente, decretada.</font><br>
</p><p><font>2.ª Concluiu-se, então, no douto Acórdão recorrido, a não existência de caso julgado, mesmo formal, do primeiro despacho datado de 14/05/2019, sendo um despacho com decisão tabelar e genérica de deferimento do requerimento (despacho de mero expediente).</font><br>
</p><p><font>3.ª Assim, sendo, - continua a conclusão do douto Acórdão -, o despacho de 21/01/2020, não ofende caso julgado, pois o despacho, nos termos e para os efeitos do Art.º 429º, do C.P.C., datado de 14/05/2019, não precludia a possibilidade subsequente de apreciação da pertinência dos documentos cuja junção era pretendida.</font><br>
</p><p><font>4.ª Ora, o primeiro despacho não é de mero expediente, é fundamentado, no disposto no Art.º 429º do C.P.C., maximé, do n.º 2 de tal artigo.</font><br>
</p><p><font>5.ª Do mesmo se podia recorrer ou reclamar; quer pelo decretamento da produção de prova, quer pela negação de tal decretamento. Não sendo de mero expediente.</font><br>
</p><p><font>6.ª Ao contrário, o despacho subsequente, proferido em 21/01/2020 é baseado em simples hipóteses, sem quaisquer fundamentos de direito, quer substantivos quer adjetivos; sendo proferido de modo discricionário.</font><br>
</p><p><font>7.ª O primeiro despacho, de 14/05/2019, transitado em julgado, deferindo o requerimento probatório, maxime, a prova documental, é bem preciso, bem como, o é, o requerimento (cartas e documentos recebidos pelo autor/apelado) tendo por objetivo concreto, a prova do alegado na contestação e contra prova do alegado na petição, em 28º a 30º, inclusivé, e 43º a 47º, inclusivé e como se disse, proferido nos termos do Art.º 429º, do C.P.C..</font><br>
</p><p><font>8.ª O despacho subsequente de 21/01/2020, omitindo o decretamento, mesmo oficioso, da junção da prova documental requerida pelo R./recorrente, ofende o caso julgado do despacho que ordena tal junção, proferida nos autos em 14/05/2019.</font><br>
</p><p><font>9.ª Além disso, viola o princípio do contraditório e do dispositivo, não permitindo que a parte (recorrente), pudesse usufruir processualmente da produção da prova e contraprova documental.</font><br>
</p><p><font>10.ª O tribunal recorrido atuou como nada tivesse acontecido, não fazendo qualquer reparo à atitude do A./recorrido, pela recusa em juntar os documentos requeridos pelo recorrente, dando perfeita cobertura ao incumprimento do princípio da colaboração com o tribunal.</font><br>
</p><p><font>11.ª Com tal atitude, além de ofender o caso julgado, nos termos do Art.º 625º, do C.P.C., manifestamente, além de outros, ofendeu os princípios do contraditório e do dispositivo, o que torna nulo o julgamento, por, tal, ser inconstitucional, nos termos do Art.º 20º da C.R.P..</font><br>
</p><p><font>12.ª Por tais vícios, o julgamento terá que ser repetido.</font><br>
</p><p><font>13.ª O Acórdão recorrido, ofendeu, entre outros, os dispositivos legais previstos nos artigos 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 429º e 625º do C.P.C. e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>E conclui pelo provimento do recurso, “sendo anulado, por tal, o julgamento dos autos e mandado repetir, precedendo, a tal repetição, a junção da prova documental requerida pelo apelante e admitida, com trânsito em julgado, pelo tribunal de primeira instância, revogando-se o douto Acórdão recorrido”.</font><br>
</p><p><b><font>13.</font></b><font> O Requerente não contra-alegou.</font><br>
</p><p><b><font>14.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo R. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se ocorreu a violação do caso julgado.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. </font></b><font>A factualidade processual relevante é a que consta do relatório.</font><br>
</p><p><b><font>2. A violação do caso julgado</font></b><br>
</p><p><font>O Recorrente interpôs recurso de apelação invocando a violação do caso julgado formal previsto no artigo 620.º do Código de Processo Civil, referindo que:</font><br>
</p><p><font>- aquando da apresentação da contestação, o Requerido/Recorrente requereu que o Autor/Requerente juntasse “aos autos cartas e documentos que recebeu do requerido, BB, e do advogado signatário da contestação, desde 2012 até ao presente” (14/01/2019) “para prova do alegado nesta contestação e contra prova do alegado na petição, em 28.º a 30.º, inclusive, e 43.º a 47.º, inclusive”;</font><br>
</p><p><font>- por despacho proferido em 14/05/2019, o Tribunal de 1.ª instância determinou a notificação do Autor/Requerente para juntar esses documentos;</font><br>
</p><p><font>- não tendo sido juntos os documentos aos autos, no início da audiência de julgamento, insistiu pela sua junção, pelo o Autor/Requerente referido que desconhecia o tipo de documentos que o Réu/Requerido pretendia, além de que considerou inócuos os documentos cuja junção foi requerida;</font><br>
</p><p><font>- o Juiz do Tribunal de 1.ª instância decidiu não notificar o requerente para a pretendida junção, sem prejuízo de “se no decorrer da produção de prova se fizer menção a algum documento concreto, e se vislumbrar a necessidade de que seja apresentado, o Tribunal oficiosamente o determinará”;</font><br>
</p><p><font>- até ao final das audiências de julgamento realizadas, o Tribunal de 1.ª instância não determinou a junção de qualquer documento. </font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação …. entendeu que não se verificava a exceção de caso julgado. </font><br>
</p><p><font>O Réu/Requerido insurge-se contra essa decisão do Tribunal da Relação …., insistindo que ocorreu a violação do caso julgado, que a segunda decisão do Tribunal de 1.ª instância pôs em causa o despacho de 14/05/2019, que havia ordenado que o Autor/Requerente juntasse os documentos, despacho que havia transitado em julgado. </font><br>
</p><p><font>Vejamos.</font><br>
</p><p><font>Em primeiro lugar, importa referir que, como ensina Alberto dos Reis, “os despachos que mandarem juntar documentos ao processo, que indeferirem o pedido de junção ou que mandarem retirar documentos dos autos estão manifestamente fora do âmbito dos despachos de puro expediente. Admitir ou rejeitar um meio de prova é um acto que pode ter consequências graves sobre o próprio direito substancial que se controverte na causa, porque pode conduzir à procedência ou improcedência da acção; pertence, na técnica de Carnelutti, à categoria das ordens com eficácia material, isto é, a uma categoria intermédia entre as ordens propriamente ditas (actos de puro governo do processo) e as injunções (actos de composição da lide).</font><br>
</p><p><font>Se o acto do juiz pode ter alcance tão considerável, pode causar a uma das partes prejuízo decisivo, é evidente que o despacho respectivo não entra na classe dos despachos de mero expediente.”</font><br>
</p><p><font>- Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, 1945, pág.182 – </font><br>
</p><p><font>Assim, em face deste ensinamento, o despacho que ordenou a notificação do Autor/Requerente a juntar os documentos a requerimento do Réu/Requerido, proferido nos termos do disposto no artigo 429.º do Código de Processo Civil, não é um despacho de mero expediente.</font><br>
</p><p><font>Ora, prescreve o artigo 620.º do Código de Processo Civil que:</font><br>
</p><p><font>1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.</font><br>
</p><p><font>2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.</font><br>
</p><p><font>E no n.º 1 deste preceito refere que não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário (o que não é aplicável ao caso dos autos). </font><br>
</p><p><font>A figura prevista no artigo 619.º do Código de Processo Civil é distinta da figura prevista no artigo 620.º do Código de Processo Civil. </font><br>
</p><p><font>Se a decisão recai sobre o mérito da causa, sobre a relação jurídica substancial, temos o caso julgado material (citado artigo 619.º).</font><br>
</p><p><font>Se a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, temos o caso julgado formal (artigo 620.º citado). </font><br>
</p><p><font>No caso presente, estamos em presença de caso julgado formal, porquanto a decisão recaiu sobre a relação jurídica processual.</font><br>
</p><p><font>- Daí que irreleva, pronunciarmo-nos sobre aquela primeira figura – </font><br>
</p><p><font>Ora, tratando-se de caso meramente formal, a estabilidade é restrita ao processo respetivo, isto é, só tem força obrigatória dentro do processo respetivo. </font><br>
</p><p><font>No caso presente, o Recorrente refere que o despacho que ordenou a notificação do Recorrido a juntar documentos como havia sido por si r | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7jFZu4YBgYBz1XKvl_jP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></div><br>
<p><font> </font>
</p><p><b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>Trading</font></b><font> </font><b><font>Dv</font></b><font> </font><b><font>Bvba</font></b><font> instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra </font><b><font>Sporting</font></b><font> </font><b><font>Clube</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>Portugal</font></b><font> </font><b><font>–</font></b><font> </font><b><font>Futebol</font></b><font> </font><b><font>Sad</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Como título executivo a Requerente apresentou um requerimento de injunção europeia à qual fora aposta fórmula executória. O requerimento de injunção visou obter o pagamento de duas faturas emitidas pela ora exequente em cumprimento de um contrato de prestação de serviços que celebrara com a ora executada, no valor total de €18 500,00, que a executada não havia pago. Assim, na execução a exequente pretende o pagamento da quantia de €18 500,00, acrescida de €9 111,54 a título de juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até à data da instauração da execução – mais reclamando o pagamento dos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.</font><b><font>2</font></b><font>. A execução seguiu a forma sumária, tendo-se procedido à penhora de saldo bancário da executada.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Citada para a execução, a </font><b><font>Executada</font></b><font> deduziu </font><b><font>embargos</font></b><font> </font><b><font>à</font></b><font> </font><b><font>execução</font></b><font>.</font>
</p><p><font>A embargante alegou que:</font>
</p><p><font>- em 29.01.2019 recebeu de dois tribunais belgas documentação contendo, nomeadamente, uma injunção de pagamento europeia requerida contra a ora executada pela ora exequente, reclamando o pagamento de €18 500,00;</font>
</p><p><font>- na documentação enviada incluía-se um formulário por meio do qual a requerida poderia declarar opor-se à injunção, no prazo de 30 dias, com a cominação de a injunção adquirir força executiva;</font>
</p><p><font>- a executada enviou aos dois tribunais belgas, tempestivamente, a referida declaração de oposição à injunção;</font>
</p><p><font>- assim, cabia ao tribunal de origem efetuar nova citação da requerida, para que esta contestasse a ação declarativa que necessariamente se seguiria à manifestação de oposição à injunção;</font>
</p><p><font>- nesta conformidade, não pode haver lugar à formação de título executivo com base na injunção europeia em apreço, mostrando-se preenchidas as previsões constantes das alíneas a) e d) do art.º729.º do CPC, </font><i><font>ex</font></i><font> </font><i><font>vi</font></i><font> do n.º 1 do art.º 857.º e do n.º 3 do art.º 857.º do CPC.</font>
</p><p><font> Subsidiariamente, a Embargante invocou ainda:</font>
</p><p><font>- a preterição de tribunal arbitral face ao teor de cláusula arbitral contida no contrato invocado pela exequente.</font>
</p><p><font>Com esses fundamentos a Executada concluiu pela extinção da execução, devendo entretanto suspender-se a instância executiva até ao trânsito em julgado da decisão final, com dispensa de prestação de caução.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Recebidos liminarmente os embargos, a Exequente apresentou contestação, na qual pugnou pela sua total improcedência.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>5</font></b><font>. Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido </font><b><font>saneador-sentença</font></b><font> em que os embargos foram julgados improcedentes e se determinou a prossecução da execução, com custas pela Embargante.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>6. </font></b><font>Não se conformando com esta decisão, a Embargante interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a seguinte decisão:</font>
</p><p><font>“Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo da apelante, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC)”.</font>
</p><p>
</p><p><b><font>8. </font></b><font> Inconformada com tal decisão, a Embargante veio interpor o presente recurso de revista, formulando, na sua alegação, as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>Da admissibilidade do recurso de revista</font><br>
</p><p><font>1.ª O título dado à execução nos autos principais é constituído por injunção de pagamento europeia à qual foi aposta fórmula executória, apesar de oposição regular e tempestivamente apresentada.</font><br>
</p><p><font>2.ª Entende a recorrente que cabe à jurisdição portuguesa, em sede de embargos de executado, apreciar da legalidade - ou não – da formação do título executivo, face à oposição tempestivamente apresentada.</font><br>
</p><p><font>3.ª A decisão recorrida entende em sentido diverso, considerando que apenas o tribunal de origem (Belga) terá competência para apreciar a legalidade da atribuição de força executiva ao requerimento injuntivo, não podendo tal ser feito pelos tribunais portugueses, no âmbito dos embargos presentes.</font><br>
</p><p><font>4.ª A acrescer, do CONTRATO que o ponto 3) da matéria de facto provada dá por reproduzido, consta, no seu ponto 6, um compromisso arbitral que submete ao tribunal arbitral da FIFA (Player’s Status Committee) a dirimição de qualquer litígio emergente do contrato em apreço.</font><br>
</p><p><font>5.ª A recorrente invocou a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria por preterição do tribunal arbitral, incompetência essa da qual a decisão recorrida não conheceu, por entender que deveria ter sido suscitada no tribunal de origem.</font><br>
</p><p><font>6.ª O presente competência competência revista, ao do CPC recurso tem por fundamento a violação de regras de internacional, bem como a violação de regras de em razão da matéria, o que legitima a interposição de abrigo do disposto na alínea a), do nº 2, do artº 629º</font><br>
</p><p><font>Da nulidade do Acórdão recorrido</font><br>
</p><p><font>7.ª A decisão de primeira instância considerou provado [no ponto 2) dos Factos Provados] que a declaração de executoriedade aposta ao requerimento injuntivo europeu foi notificada à embargante, ora recorrente, o que legitimou o entendimento de que a sindicância da legalidade da formação do título executivo deveria ter sido feita junto do tribunal de origem, aquando dessa notificação.</font><br>
</p><p><font>8.ª Por ter sido demonstrada a inexistência de qualquer evidência (ou sequer alegação) de que a declaração de executoriedade do requerimento injuntivo tenha sido notificada à embargante/recorrente, a decisão recorrida alterou o conteúdo do ponto 2) dos Factos Provados, tendo removido a menção da notificação à embargante/recorrente.</font><br>
</p><p><font>9.ª Apesar disto, o Acórdão recorrido defende que entendendo a recorrente ter sido indevidamente emitida a declaração de executoriedade do requerimento injuntivo, deveria tê-lo suscitado no tribunal de origem.</font><br>
</p><p><font>10.ª Este entendimento poderia ser compatível com a primitiva versão do Facto Provado 2), mas já é incompatível com a versão corrigida desse mesmo facto, da qual foi removida a menção a qualquer notificação à recorrente.</font><br>
</p><p><font>11.ª Não tendo a recorrente sido notificada da aposição de fórmula executória à injunção, o momento processualmente seguinte em que toma conhecimento desse facto é o da a citação para os termos da execução, a qual abre prazo de 20 dias para a dedução de toda a defesa possível, em sede de oposição mediante embargos de executado.</font><br>
</p><p><font>12.ª Se a injunção em apreço não fosse europeia, mas nacional, seria igualmente em sede de embargos de executado que o devedor poderia opor ao credor qualquer ilegalidade na formação do título executivo, mormente decorrente da aposição de fórmula executória apesar de oposição tempestiva.</font><br>
</p><p><font>13.ª Não fundamenta o Acórdão recorrido como justifica a sua decisão de que a sindicância da formação do título executivo dos autos deveria ter ocorrido junto do tribunal de origem (Belga), quando dá por não demonstrado que a declaração de executoriedade tenha sido notificada ao requerido antes da citação para a execução.</font><br>
</p><p><font>14.ª Decorre dos pontos 4) e 5) dos Factos Provados que a recorrente foi citada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para os termos do procedimento injuntivo europeu em 29.01.2019, tendo apresentado oposição mediante o envio do formulário adequado (Formulário F) em 25.02.2019, o qual chegou ao tribunal de destino no dia seguinte, 26.02.2019, factualidade esta que levou a decisão recorrida a concluir pela tempestividade da oposição apresentada (“dir-se-ia que a oposição foi deduzida tempestivamente”).</font><br>
</p><p><font>15.ª Apesar disto, o Acórdão recorrido conclui igualmente que a oposição ao requerimento injuntivo poderá ter sido apresentada extemporaneamente, admitindo a possibilidade – não alicerçada em factos provados – de a citação para os termos da injunção ter sido feita “provavelmente” em 22.01.2019.</font><br>
</p><p><font>16.ª O Acórdão recorrido considera que a recorrente/embargante foi citada em 29.01.2019, mas que também poderá ter sido citada em 22.01.2019. Considera igualmente – e ao mesmo tempo - que a oposição ao requerimento injuntivo foi“deduzida tempestivamente”, mas que também poderá ter sido “apresentada extemporaneamente”.</font><br>
</p><p><font>17.ª O Acórdão recorrido enferma de clara ambiguidade e falta de fundamentação (bem como de contradição na fundamentação), o que torna a decisão ininteligível e por isso nula, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c), do nº 1, do artº 615º, ex vi do nº 1, do artº 666º, ambos do CPC.</font><br>
</p><p><font>A acrescer,</font><br>
</p><p><font>18.ª As decisões de primeira e segunda instância retiram à recorrente a oportunidade de se defender, porquanto entendem que esta teria de ter discutido no tribunal belga algo de que só tomou conhecimento com a citação, em Portugal, para os termos da execução presente.</font><br>
</p><p><font>19.ª Por essa razão, quer em sede de embargos, quer em sede de recurso de apelação, a recorrente invocou os princípios constitucionais do contraditório e da proibição da indefesa, consagrados pelo artº 20º da CRP, como corolário último do seu direito a defender-se e a ver apreciados os seus argumentos - designadamente o da incompetência absoluta do tribunal por preterição de compromisso arbitral-, o que vale por dizer que qualquer argumentário no sentido de que a interpretação do Regulamento (CE) nº1896/2006 obriga necessariamente a que a discussão em torno da legalidade da formação do título executivo ocorra no tribunal do Estado-Membro de origem é violadora dos invocados preceitos constitucionais.</font><br>
</p><p><font>20.ª Apesar da invocação em causa, o Acórdão recorrido não se pronuncia sobre a questão da conformação da decisão recorrida com o artº 20º da CRP, passando totalmente à margem dessa questão, levantada pela recorrente.</font><br>
</p><p><font>21.ª Tal constitui omissão de pronúncia, gerador de nulidade, ao abrigo do disposto na alínea d), do nº 1, do artº 615º, ex vi do nº 1, do artº 666º, ambos do CPC.</font><br>
</p><p><font>Das alegações de revista</font><br>
</p><p><font>22.ª São duas as questões essenciais a apreciar em sede da presente revista: (i) a de saber se o tribunal português - da execução e dos embargos de executado - pode conhecer da inexistência de título executivo europeu por ilegalidade na sua formação; e (ii) a de saber se os tribunais estaduais podem apreciar a pretensão do credor, face ao compromisso arbitral contratualmente estabelecido.</font><br>
</p><p><font>23.ª Por referência à matéria de facto dada por provada, a embargante/recorrente foi confrontada com os seguintes dois sucessivos momentos processuais: (i) um primeiro, em 29 de Janeiro de 2019, quando foi citada para os termos da injunção europeia, à qual se opôs; e (ii) um segundo, em Março de 2020, quando foi citada para os termos da presente execução, tendo apresentado embargos de executado.</font><br>
</p><p><font>24.ª Como decorre da matéria de facto dada por provada e da documentação junta aos embargos de executado, a embargante/recorrente opôs-se à injunção de pagamento europeia mediante a apresentação tempestiva do formulário próprio para dedução de oposição (Formulário F), regularmente preenchido e assinado.</font><br>
</p><p><font>25.ª O modelo tipificado de oposição à injunção europeia não serve para o requerido discutir o mérito da pretensão do requerente ou sequer invocar excepções que obstem ao conhecimento dessa mesma pretensão, nomeadamente a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria por preterição de compromisso arbitral.</font><br>
</p><p><font>26.ª A oposição a injunção de pagamento europeia é uma oposição meramente formal que visa obstar à imediata formação de título executivo. Sendo apresentada oposição, a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado-Membro de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, …” [nº 1 do artº 17º do Regulamento (CE) nº 1896/2006], devendo ser efectuada nova citação, conferindo prazo para contestar acção declarativa, onde, aí sim, todos os argumentos de defesa devem ser apresentados, discutidos e apreciados.</font><br>
</p><p><font>27.ª O momento processualmente admissível para a embargante/recorrente invocar a excepção de incompetência absoluta do tribunal por preterição de compromisso arbitral não era o do oferecimento de oposição por subscrição do formulário “F”.</font><br>
</p><p><font>28.ª Por não ter sido notificada da aposição de fórmula executória ao requerimento injuntivo, e por não ter sido aberta a fase de acção declarativa que deveria ter sido aberta com a apresentação de oposição, o primeiro momento processual embargante/recorrente teve oportunidade de invocar a preterição de tribunal arbitral foi exactamente com a dedução de embargos de executado à execução destes autos.</font><br>
</p><p><font>29.ª Nos termos da matéria de facto dada por provada, não há dúvida de que a embargante/recorrente exerceu o seu direito de defesa regular e tempestivamente. O prazo para dedução de oposição é de 30 dias (artº 16º, nº2 do Regulamento (CE) nº 1896/2006). A embargante/recorrente foi citada a 29 de Janeiro e a sua oposição foi entregue em Juízo a 26 de Fevereiro [Factos Provados 4) e 5)]</font><br>
</p><p><font>30.ª O Acórdão recorrido coloca a hipótese de a embargante/recorrente ter sido citada para os termos da injunção europeia em 22.01.2019, por carta registada com aviso de recepção enviada directamente do tribunal de origem, pelo “oficial de justiça AA”, hipótese esta que não encontra respaldo em matéria que tenha sido dada por demonstrada, porquanto nenhum facto provado ou sequer alegado sustenta uma citação da embargante/recorrente que seja anterior à efectuada pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.</font><br>
</p><p><font>31.ª Para além disso, nos termos do artº 13º do Regulamento (CE) nº 1896/2006, a citação segue os termos da lei do Estado onde é realizada, neste caso o Estado Português. E nos termos da lei nacional, só quando frustrada a citação promovida pela Secretaria Judicial é possível, após despacho judicial, avançar para as demais modalidades de citação, incluindo por agente de execução ou funcionário judicial (cfr artºs 226º, nºs 1 e 3 e 231º, nº 1, ex vi do artº 246, nº 1, todos do CPC).</font><br>
</p><p><font>32.ª No caso dos autos a citação foi realizada pela Secretaria Judicial, como o atesta o Facto Provado 4). Deste modo, nenhuma outra (putativa) modalidade de citação será de considerar.</font><br>
</p><p><font>33.ª A confirmação da regularidade e tempestividade da apresentação da oposição por parte da embargante/recorrente – Factos Provados 4) e 5) – leva a uma inequívoca conclusão: O título executivo foi indevidamente constituído, porquanto foi aposta fórmula executória ao requerimento injuntivo apesar da apresentação da competente oposição. </font><br>
</p><p><font>34.ª Outra conclusão daqui emerge: Não tendo a aposição de fórmula executória sido notificada à requerida, o primeiro momento em que esta tomou conhecimento da existência de título executivo contra si formado foi aquando da citação para os termos da execução presente.</font><br>
</p><p><font>35.ª O Acórdão recorrido entende que, nos termos do artº 20º do Regulamento (CE) nº 1896/2006, apenas o tribunal do Estado-Membro de origem teria competência para reapreciar a injunção europeia à qual foi indevidamente aposta fórmula executória.</font><br>
</p><p><font>36.ª Nos termos do artº21º do Regulamento (CE) nº1896/2006, a execução de requerimento de injunção com aposição de fórmula executória rege-se pela lei do Estado da execução, no caso, o Estado Português.</font><br>
</p><p><font>37.ª Assim, por referência às normas nacionais constantes das disposições conjugadas dos artºs 857º, nº 1 e 3; 729º e 728º, nº 1, todos do CPC, nos 20 dias seguintes à citação para a execução o executado pode opor à execução fundada em injunção europeia o mesmo que poderia opor a execução fundada em injunção nacional, nomeadamente excepções dilatórias e peremptórias de conhecimento oficioso.</font><br>
</p><p><font>38.ª Nos seus embargos de executado (bem como no recurso de apelação) a recorrente invoca a inexistência de título executivo, o que constitui fundamento expressamente previsto na alínea a), do artº 729º do CPC, aplicável ao caso ex vi do nº 1, do artº 857º do CPC e do artº 21º do Regulamento (CE) nº 1896/2006.</font><br>
</p><p><font>39.ª Essa inexistência de título emerge da nulidade na sua formação, porquanto a formação do título executivo, ou seja, a aposição da respectiva fórmula executória, desconsiderou a prévia apresentação de oposição regular e tempestiva.</font><br>
</p><p><font>40.ª A nulidade do processo constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso (artº577º, alínea b) e 578º do CPC), invocável no caso de oposição a execução fundada em injunção, nos termos do preceituado no nº 3, do artº 857º do CPC.</font><br>
</p><p><font>41.ª Sendo instaurada nos tribunais portugueses injunção nacional à qual tenha sido aposta fórmula executória apesar da dedução de oposição tempestiva, ao executado é conferida a possibilidade de se defender nos termos supra referidos.</font><br>
</p><p><font>42.ª Se essa possibilidade de defesa existe na execução de injunção nacional, também existe na execução de injunção europeia, não só por força do nº 1, do artº 21 do Regulamento (CE) nº 1896/2006, mas também por força do seu considerando 27: “(27) Uma injunção de pagamento europeia emitida num Estado-Membro e que tenha adquirido força executiva deverá ser considerada, para efeitos de execução, como se tivesse sido emitida no Estado-Membro no qual se requer a execução…”</font><br>
</p><p><font>43.ª Assim, ao considerar-se incompetente para apreciar das questões suscitadas pela embargante/recorrente, a decisão recorrida violou as disposições constantes dos artºs 857º, nºs 1 e 3; 729º, nº 1; 577º, alínea b) e 578º, todos do Código de Processo Civil Português, bem como do artº 21º, nº 1 e do Considerando 27, ambos do Regulamento (CE) nº 1896/2006.</font><br>
</p><p><font>Da inconstitucionalidade</font><br>
</p><p><font>44.ª O artº 20º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da proibição da indefesa, que garante ao cidadão o direito à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não lhe podendo, por isso, ser denegada justiça.</font><br>
</p><p><font>45.ª Denegação de justiça foi o que a decisão recorrida fez, ao considerar-se internacionalmente incompetente para apreciar das questões suscitadas pela embargante/recorrente, e estribando-se para isso no artº 20 do Regulamento (CE) nº 1896/2006.</font><br>
</p><p><font>46.ª O 20º do Regulamento (CE) nº1896/2006 não significa que a capacidade de defesa do requerido em injunção europeia à qual foi aposta fórmula executória fique circunscrita à sua reapreciação no tribunal de origem, particularmente quando a lei nacional do Estado do local da execução confira ao executado meios de defesa em execução baseada em requerimento injuntivo.</font><br>
</p><p><font>47.ª A embargante não pode ser privada do seu direito à apresentação de defesa conforme à lei processual portuguesa sob o entendimento de que o artº 20º do Regulamento (CE) nº 1896/2006 obriga a que os fundamentos da defesa só possam ser apreciados pelo tribunal de origem. </font><br>
</p><p><font>48.ª A fazer-se isto, está a desaplicar-se o artº seus nºs 1 e 3, às situações em que o título requerimento de injunção com aposição de fórmula nacional, mas europeu.</font><br>
</p><p><font>49.ª A interpretação do artº 857º, nºs 1 e 3, do CPC, no sentido de que o normativo em causa não se aplica às execuções fundadas em injunção de pagamento europeia à qual tenha sido aposta fórmula executória, é inconstitucional, por violação dos princípios da proibição da indefesa e da tutela jurisdicional efectiva, ínsitos no artº 20º da Constituição de República Portuguesa.</font><br>
</p><p><font>50.ª Pelos mesmos exactos argumentos, é igualmente inconstitucional, também por violação dos princípios da proibição da indefesa e da tutela jurisdicional efectiva, a interpretação do artº 20º do Regulamento (CE) nº 1896/2006, no sentido de que é impeditivo da apresentação de defesa a execução fundada em injunção de pagamento europeia à qual tenha sido aposta fórmula executória, no tribunal da execução, ainda que em respeito pela lei local.</font><br>
</p><p><font>E conclui: “apreciadas as invocadas nulidades e os fundamentos do recurso de revista, deverá revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedentes os embargos de executado, assim extinguindo a instância executiva”.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> A Recorrida não apresentou contra-alegações. </font><br>
</p><p><b><font>10.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><font>- Na elaboração do relatório teve-se em consideração o Relatório elaborado no Tribunal da Relação de Lisboa – </font><br>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><b><font>1. Questões prévias</font></b><br>
</p><p><font>No âmbito da presente causa, cujo valor é inferior à alçada do Tribunal da Relação, interpõe a Embargante recurso de revista de um acórdão que confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão do Tribunal de 1.ª instância, que julgou improcedentes os embargos de executado por si deduzidos.</font><br>
</p><p><font>A Recorrente invoca, como fundamentos do recurso interposto, a violação de regras de competência internacional, bem como a violação de regras de competência em razão da matéria por preterição do tribunal arbitral.</font><br>
</p><p><font>Se não se presta a particular discussão – e considerando que se encontram reunidos os restantes pressupostos gerais de admissibilidade do recurso concernentes à natureza e conteúdo da decisão recorrida (artigo 671.º, n.º1, do Código de Processo Civil), à legitimidade da recorrente (artigo 631.º, n.º1, do Código de Processo Civil) e à tempestividade do recurso (artigo 638.º, n.º1, do Código de Processo Civil) – que a revista interposta com o fundamento em violação das regras de competência internacional se mostra admissível, à luz do preceituado na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil –, idêntica conclusão não vale no que toca ao fundamento recursório atinente à preterição de tribunal arbitral.</font><br>
</p><p><font>Com efeito, a Recorrente alega que do contrato a que alude o ponto 3) da matéria de facto provada consta, no seu ponto 6, um compromisso arbitral que submete ao tribunal arbitral da FIFA (Player’s Status Committee) a resolução de qualquer litígio emergente do convénio.</font><br>
</p><p><font>Como é consabido, a convenção de arbitragem consubstancia o acordo das partes em submeter a resolução de um ou mais litígios determinados ou determináveis a uma via arbitral de tipo voluntário, não se confundindo a convenção de arbitragem transnacional, como a invocada nos autos, com a competência internacional dos tribunais portugueses, entendida, nas palavras de Remédio Marques, “como a fração do poder jurisdicional atribuída a estes tribunais portugueses, no seu conjunto, relativamente à fração de poder jurisdicional atribuída, por leis nacionais estrangeiras ou tratados ou convenções internacionais, a tribunais estrangeiros sempre que o litígio seja transfronteiriço, isto é, quando apresente elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras (…)” (</font><i><font>A ação declarativa à luz do Código revisto</font></i><font>, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 268).</font><br>
</p><p><font>Ora, ainda que a preterição do tribunal arbitral por força de cláusula compromissória convencionada seja determinante da incompetência absoluta do tribunal judicial, nos termos do disposto no artigo 96.º, alínea b) do Código de Processo Civil, a verdade é que tal preterição não se inclui nos casos de incompetência absoluta definidos pela alínea a) daquele normativo, relativos a situações de violação das regras de competência em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Daqui se conclui, na linha do que tem sido o entendimento da jurisprudência do STJ na matéria (cf. acórdãos de 8/11/2018 - processo n.º 22574/16.4T8LSB.L1.S1 -, de 22/04/2021 - processo n.º 2654/19.5T8LSB.L1.S1 e de 23/09/2021 - processo n.º 175/17.0TNLSB.L1.S1-) que a preterição do tribunal arbitral por força de cláusula compromissória convencionada não se encontra abrangida pelo regime especial de recorribilidade a que se reportam os artigos 629.º, n.º2, alínea a) e 671.º, n.º3, parte inicial, ambos do Código de Processo Civil. Donde não se conhecerá do objeto do recurso neste particular.</font><br>
</p><p><font>Delimitado o objeto cognoscível do recurso, há que concluir que este Supremo Tribunal de Justiça apenas se poderá pronunciar sobre as nulidades suscitadas pelo recorrente na medida que as mesmas apresentem conexão com tal objeto. </font><br>
</p><p><font>Com efeito, como sublinha o acórdão do STJ de 16/12/2020 (processo n.º 12380/17.4T8LSB.L1.S1) de “</font><i><font>ainda que, segundo o disposto no artigo 674º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, a revista possa ter por fundamento as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do artigo 615.º do mesmo código, certo é que aquela norma não pode deixar de ser conjugada com o preceituado no n.º 4 deste último artigo, segundo o qual, tais nulidades só são arguíveis por via recursória quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, ou seja, como fundamento acessório desse recurso.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>Destarte, como deu nota o acórdão do STJ de 7/09/2020 (processo n.º 12651/15.4T8PRT.P1.S1), “</font><i><font>a apreciação das nulidades decisórias do acórdão recorrido da Relação, nos termos do art. 615.º, n.º 4 («As nulidades mencionadas nas als. b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.»), e 666.º, n.º 1, aplicáveis por força do art. 679.º, sempre do CPC, implica que, uma vez convocado o art. 674.º, n.º 1, al. c), do CPC, essa sindicação constitui um fundamento acessório do objecto recursivo admitido </font></i><b><i><font>e, se o recurso for admitido</font></i></b><i><font> na modalidade de revista excepcional (art. 672.º, n.º 3, do CPC) </font></i><b><i><font>ou a título especial («sempre admissível») ou extraordinário de revista (art. 629.º, n.º 2, do CPC), é necessariamente vinculada ao objecto (questão ou matéria) ou fundamento de admissão dessas revistas. </font></i></b><i><font>Se estas revistas forem admitidas para a apreciação de questão ou matéria que não tenha conexão substantiva ou processual com o fundamento da nulidade decisória, há que interpretar restritivamente o art. 615.º, n.º 4, quando admite a apreciação dessa nulidade no recurso, atenta a teleologia dessa apreciação, a fim de não a admitir (…)</font></i><font>” (sublinhado nosso).</font><br>
</p><p><font>Tendo o presente recurso sido admitido nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, o objeto da presente revista mostra-se vinculado à matéria que determinou a sua admissibilidade extraordinária, pelo que apenas as nulidades que apresentem conexão substantiva ou processual com tal matéria deverão integrar o objeto cognoscível da revista. Assim, a apreciação da nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia invocada a respeito do fundamento recursório que exorbita os poderes de cognição deste Tribunal e que atine à incompetência absoluta do tribunal por preterição de compromisso arbitral compete, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 615.º, n.º4 (este interpretado restritivamente) e 617.º, n.º6 do Código de Processo Civil, ao tribunal recorrido (que já a efetuou).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:</font><br>
</p><p><font>i. Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, por oposição entre fundamentos e decisão e por ambiguidade que torna a decisão ininteligível;</font><br>
</p><p><font>ii. Da competência internacional dos tribunais portugueses para apreciação dos concretos fundamentos de oposição por embargos deduzidos. </font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> Trading Dv Bvba instaurou a execução sumária a que estes autos estão apensos contra Sporting Sociedade Desportiva de Futebol Sad, apresentando, como título executivo, procedimento europeu de injunção de pagamento (cfr. documentos juntos com o requerimento executivo e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);</font><br>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> No âmbito do procedimento de injunção referido em 1), a declaração de executoriedade foi emitida em 05 de Junho de 2019, e notificada ao aqui embargante.</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Entre embargante e embargado foi ajustado, com data de 14 de Setembro de 2007, um documento denominado CONTRATO, junto com o requerimento executivo como doc. 1 (fls. 6-8 dos autos executivos principais) e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDKru4YBgYBz1XKvHiuV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA </font><br>
<br>
<font>AA, BB e CC, residentes no lugar de V..., M.., Felgueiras, propuseram a presente acção com processo especial contra DD, residente na Rua …, …, ..º direito, P…, pedido que, na sua procedência, seja decretada a interdição, por anomalia psíquica, da requerida, sua mãe, invocando, para o efeito, e, em síntese, que esta padece de anomalia psíquica que a torna incapaz de governar a sua pessoa e de reger os seus bens.</font><br>
<font>Na contestação, a requerida impugna os factos constantes da petição inicial, concluindo pela improcedência da acção e ainda no sentido da condenação dos autores como litigantes de má-fé. </font><br>
<font>Na réplica e na tréplica, as partes mantiveram as posições já constantes dos seus anteriores articulados.</font><br>
<font>No âmbito da prova preliminar, foi efectuado o interrogatório judicial e realizado o exame pericial, a que aludem os artigos 949º a 951º, do Código de Processo Civil (CPC), tendo-se concluído, neste último, que a examinada apresenta um episódio de depressão maior, em que foi necessário internamento (25/06 a 22/07/1992), após o qual manteve um ano de tratamento ambulatório [1], apresenta um período de 2 anos (2000/2001 e 2001/2002) com dispensa da componente lectiva [2] e não apresenta, actualmente, qualquer manifestação psico-patológica que lhe diminua, física ou afectivamente, as suas capacidades intelectuais [3], devendo ser considerada capaz de reger a sua pessoa e bens.</font><br>
<font>Realizado o exame pericial requerido pelos autores, o Exmo. perito médico elaborou o relatório pericial, junto a folhas 245 a 250, onde destaca, na parte da “Discussão”, que: </font><br>
<font>1) A observanda trabalhou durante trinta e dois anos como professora primária, reformando-se em 2004. Usufruiu durante quatro anos de dispensa da componente lectiva. </font><br>
<font>2) Explicita ter sido vítima de violência doméstica e de ameaças que terão estado na origem da sua separação. (?) </font><br>
<font>3) Vive desde há quatro anos sozinha num apartamento alugado. </font><br>
<font>4) À luz das informações que nos foram proporcionadas tem gerido a sua pessoa e bens adequadamente. </font><br>
<font>5) Negou a prática de bruxaria, feitiçaria ou outras actividades, assim como negou gasto excessivo de dinheiro ou tendência a cometer furtos ou roubos. (?) </font><br>
<font>6) Foi absolvida de uma acusação de furto que terá sido praticado por outrem. (?)</font><br>
<font>7) À data do exame actual encontrava-se lúcida embora tivesse explicitado um outro conteúdo paranóide mas compreensível à luz da sua vivência, sem que integre qualquer pensamento delirante.</font><br>
<font>8) Tem antecedentes de tratamento psiquiátrico nomeadamente após a morte do pai. Negou tratamento no Hospital Magalhães de Lemos. </font><br>
<font>9) Para termos um conhecimento rigoroso da personalidade da observanda necessitaríamos de informações complementares, nomeadamente, dos filhos e marido, concluindo no sentido de que “Não detectámos que a observanda padeça de qualquer anomalia psíquica que permita interditá-la ou inabilitá-la por anomalia psíquica”.</font><br>
<font>Notificados do teor deste relatório do exame médico-legal psiquiátrico, os autores requereram que:</font><br>
<font>“1 - O Senhor Perito, depois de ter relatado os antecedentes familiares da requerida, aliás, transmitidos por esta, no exame que efectuou em 14 de Agosto de 2000, refere que a examinada “exala um ou outro esguicho levemente paranóide sem que consubstancie um pensamento delirante...” e “capta-se alguma ansiedade estado provavelmente, também, caracterial”; </font><br>
<font>2 - Ora, pretendem os requerentes que o Senhor Perito melhor esclareça qual ou quais o esguicho ou esguichos paranóides da requerida - que tipo ou tipos; Se esses esguichos a incapacitam ou podem incapacitar; Se podem agravar-se com o decorrer da idade. </font><br>
<font>3 - Também pretendem os requerentes que o Senhor Perito esclareça o grau de ansiedade da requerida, qual a sua causa e que implicações tem no seu comportamento;</font><br>
<font>4 - Ainda, pretendem os requerentes que o Senhor Perito esclareça se os aludidos “esguichos paranóides” e ansiedade são habituais em pessoas normais. </font><br>
<font>5 -</font><i><font> </font></i><font>Na parte da discussão o Senhor Perito, no n° 9, refere que para ter conhecimento rigoroso da personalidade da observanda necessitaria de informações complementares, designadamente dos filhos e do marido; </font><br>
<font>6 - Ora os filhos, aqui requerentes, e o marido estão disponíveis para prestarem essas informações complementares; </font><br>
<font>7 - E só, no entendimento do Senhor Perito, escudado nessas informações, poderá produzir um relatório bem fundamentado; </font><br>
<font>8 - Ora, é de um relatório pericial bem fundamentado, atenta a matéria em causa, que se precisa, para que se obtenha prova plena; </font><br>
<font>9 - Por isso, devem os filhos e o marido serem ouvidos pelo Senhor Perito, em data a designar; </font><br>
<font>10 - Devendo, depois, aquele completar o relatório pericial e esclarecer os pontos sobreditos. </font><br>
<font>Porém, o Exº Juiz indeferiu “o pedido de esclarecimento ínsito na reclamação de fls. 255-256, porquanto no requerimento em causa não é assinalada qualquer contradição, deficiência ou obscuridade, apenas se referenciando pontos concretos relativamente aos quais são suscitadas questões adicionais ou complementares que, atento o objecto que foi definido para a perícia e o teor do relatório pericial, se mostram dotados de um carácter meramente instrumental”.</font><br>
<i><font> </font></i><font>Então, os autores interpuseram recurso de agravo do mesmo despacho.</font><br>
<font>A sentença julgou a acção improcedente, bem assim como o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé.</font><br>
<font>Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado não provido o agravo e improcedente a respectiva apelação, confirmando o despacho e a decisão impugnados.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação do Porto, os mesmos autores interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e anulação de todo o processado, a partir do indeferimento da reclamação e dos esclarecimentos à perícia, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br>
<font>1ª – A perícia que concluiu não detectar motivos para interditar a requerida, por anomalia psíquica é nula, por falta de fundamentação e por contradição entre a fundamentação e a decisão;</font><br>
<font>2ª - Pois o próprio relatório diz necessitar de mais informações e esclarecimentos;</font><br>
<font>3ª - Além disso, não respondeu aos 9 itens que o Sr. Perito Médico estava obrigado a responder, e respondeu apenas a três questões factuais e não periciais relatadas pela própria requerida.</font><br>
<font>4ª - O despacho que indeferiu os esclarecimentos e reclamação, violou a lei que regula as perícias e torna nulo todo o processo subsequente.</font><br>
<font>5ª - A decisão da matéria de facto, nomeadamente aquela que decide pela não verificação da necessidade da interdição da requerida, por adesão ao exame pericial nulo, é nula por violação das regras imperativas da apreciação da prova.</font><br>
<font>6ª – O acórdão recorrido, ao não dar provimento ao agravo e à apelação, e ao confirmar o despacho e a sentença da primeira instância, violou os art.s 587°, 951°, 952°, n° 2, 954°, n° 4, 653°, n° 2, 158°, n°s 1 e 2, todos do CPC, e art.s 341°, 347°, 389°, 392° e 138°, n° 1, todos do CC, por errada interpretação e aplicação da Lei.</font><br>
<font>A requerida não apresentou contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas reproduz:</font><br>
<font>1. A requerida, então, com 25 anos, contraiu matrimónio, no dia … de Novembro de 19…, com EE, com precedência de convenção antenupcial, em que se estipulou o regime da comunhão geral de bens - A).</font><br>
<font>2. Os requerentes AA, BB e CC têm a paternidade e a maternidade registadas, em nome de EE e da requerida, tendo nascido em 14/10/1976, 28/10/1979 e 09/03/1983, respectivamente - B).</font><br>
<font>3. Há cerca de 20 anos, a requerida sofreu de uma depressão nervosa e foi internada, na Clínica de ..., Braga -…º.</font><br>
<font>4. A requerida esteve internada, durante cerca de um mês, com distúrbios e perturbações mentais e em estado de ansiedade - 2º. </font><br>
<font>5. A requerida passou a ser seguida, por diversos psiquiatras, e a frequentar o Hospital Magalhães Lemos, no Porto - 3º. </font><br>
<font>6. Devido à sintomatologia mental da requerida, esta foi dispensada da componente lectiva, durante um período de dois anos, nos anos lectivos de 2000/2001 e 2001/2002 - 5º. </font><br>
<font>7. A requerida levantava-se bastante cedo e, a cada passo, ia ao cemitério - 7º. </font><br>
<font>8. A requerida, em Maio de 2004, saiu de casa, situação que se mantém à data e, apesar de toda a família pretender que ele regressasse, não mais o fez, não dizendo para onde ia morar - 11º e 16º. </font><br>
<font>9. Quando a requerida saiu de casa, a filha solteira estudava, em Macedo de Cavaleiros, no “Instituto Piaget”, não contribuindo com qualquer verba para esta - 18º. </font><br>
<font>10. A requerida não participa no pagamento de um empréstimo que a família fez e arrendou um imóvel da família, sem autorização ou consentimento do marido - 19º. </font><br>
<font>11. A requerida convenceu-se que o filho mais velho, o AA, lhe queria fazer mal - 21º. </font><br>
<font>12. A requerida imputa à família agressões e injúrias - 23º. </font><br>
<font>13. A requerida não apresenta, actualmente, qualquer manifestação psicológica que lhe afecte, física ou afectivamente, as suas capacidades intelectuais - 24º. </font><br>
<font>14. A requerida sempre trabalhou, até atingir a reforma, e, quando não exerceu funções de docência, exerceu funções técnico-administrativas - 25º. </font><br>
<font>15. Os requerentes apenas moveram a presente acção, devido à situação de litígio existente entre a requerida e o seu marido, e à falta de consenso quanto à administração e fruição dos bens do casal - 27º. </font><br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão da nulidade da perícia.</font><br>
<font>II – A questão da nulidade da decisão sobre a matéria de facto.</font><br>
<br>
<font> I. DA NULIDADE DA PERÍCIA</font><br>
<br>
<font>Sustentam os autores que a perícia é nula, por ter concluído não detectar motivos para interditar a requerida, por anomalia psíquica, quer por falta de fundamentação, quer por contradição entre a fundamentação e a decisão. </font><br>
<font>Ultrapassada que foi a fase inquisitória do processo, na sequência da contestação da requerida e dos resultados do interrogatório judicial e do exame pericial efectuado, entrou-se na fase contenciosa, seguindo-se “os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados”, com a instrução do processo, através da realização de um “novo exame médico da requerida”, ao qual se aplicam “as disposições relativas ao primeiro exame”, nos termos do disciplinado pelo artigo 952º, nº 2, do CPC.</font><br>
<font>Nesta fase contenciosa, seguir-se-ão, assim, os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados, ou seja, os termos dos artigos 508º a 675º, do CPC, aplicando-se a este segundo exame médico “as disposições relativas ao primeiro exame”, a que alude o artigo 951º, com exclusão manifesta do regime dos artigos 589º a 591º, todos do CPC, por se tratarem de normas privativas da segunda perícia, que não valem para o caso concreto, onde vigoram as normas relativas ao relatório da perícia inicial, nas quais se molda o exame pericial do requerido em processo de interdição por anomalia psíquica.</font><br>
<font>Assim sendo, continua a valer, na realização do novo exame médico à requerida, o regime consagrado pelo artigo 587º, do CPC, que não admite recurso autónomo do despacho judicial que não atenda as reclamações formuladas pelas partes, a propósito do relatório pericial (1).</font><br>
<font>Estipula este artigo 587º, nº 2, do CPC, que “se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações”.</font><br>
<font>O acórdão recorrido concluiu no sentido da falta de consistência da reclamação dos autores e que o despacho do Tribunal de 1ª instância não violou quaisquer normas legais e que se mostra, devidamente, fundamentado, sendo certo que do relatório do exame pericial não se descortina qualquer contradição, deficiência ou obscuridade e que os esclarecimentos pretendidos não tinham interesse para a decisão da causa, apresentando-se as conclusões, devidamente, justificadas, tendo-se escrito, a final, que “não detectámos que a observanda padeça de qualquer anomalia psíquica que permita interditá-la ou inabilitá-la por anomalia psíquica”.</font><br>
<br>
<font> II. DA NULIDADE DA DECISÃO DA ATÉRIA DE FACTO</font><br>
<br>
<font>Alegam ainda os autores que a decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente, na parte em que decidiu pela não verificação da necessidade da interdição da requerida, por adesão ao exame pericial nulo, é nula por violação das regras imperativas da apreciação da prova.</font><br>
<font>Em matéria de prova, dispõe o artigo 655º, nº 1, do CPC, que, em princípio, “o Tribunal…aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente, como acontece com a prova pericial, que tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, que não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, atento o nº 2 do normativo legal acabado de citar.</font><br>
<font>Porém, mesmo no domínio da prova pericial, vigora o princípio da prova livre, o que não significa a assunção da prova arbitrária, mas, também, que não pode ser entendida como prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada (2) , nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do Código Civil, onde vigora o sistema da prova legal. </font><br>
<font>Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica.</font><br>
<font>Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais (3).</font><br>
<font>E isto porque o juízo técnico, científico ou artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova (4), mas antes e, tão-só, que a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são o fundamento do juízo pericial é bastante para que o relatório pericial não se imponha ao julgador (5) .</font><br>
<font>Deste modo, o Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando entenda que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3, e 722º, nº 2, do CPC.</font><br>
<font>Efectivamente, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir de prova testemunhal extratada nos autos e da demais produzida que sirva de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os elementos probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 712º, do CPC.</font><br>
<font>Assim sendo, e, em síntese, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, destinada a averiguar da observância das regras de direito probatório material e a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes (6) .</font><br>
<font>Ora, não cabendo a este Supremo Tribunal de Justiça, no caso em apreciação, a modificação da matéria de facto fixada pelas instâncias, há que a declarar como aceite, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, em conformidade com o que já consta do texto deste acórdão.</font><br>
<font> Assim sendo, não se mostra inquinado de nulidade o despacho que indeferiu os esclarecimentos e a reclamação apresentados pelos autores, nem a decisão sobre a matéria de facto que conduziu à não interdição da requerida, tendo subjacente o exame pericial efectuado, por se não se ter demonstrado a violação de normas imperativas de apreciação da prova.</font><br>
<font>Não procedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista dos autores, não se encontrando violadas as disposições legais invocadas ou outras de que, oficiosamente, importe conhecer.</font><br>
<br>
<font>CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>I - O novo exame médico realizado ao requerido, na fase contenciosa da acção de interdição por anomalia psíquica, segue os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados, ao qual se aplicam as disposições relativas ao primeiro exame, que não admite recurso autónomo do despacho judicial que não atenda as reclamações formuladas pelas partes, a propósito do relatório pericial.</font><br>
<font>II - No domínio da prova pericial civil, vigora o princípio da prova livre, e não da prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada.</font><br>
<font>III - O juízo técnico, científico ou artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova.</font><br>
<br>
<font>DECISÃO:</font><br>
<font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas da revista, a cargo dos autores.</font><br>
<br>
<font>Notifique.</font><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Dezembro de 2010</font><br>
<font>Helder Roque (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>____________________</font><br>
<font>1)- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 129.</font><br>
<font>2)- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 340.</font><br>
<font>3)- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 566 a 571; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 340, citado; STJ, de 30-12-77, BMJ nº 271, 185.</font><br>
<font>4)- Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, 1996, 1º, 642.</font><br>
<font>5)- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 4ª edição, revista e actualizada, FDUL, 2008, 217 e 218.</font><br>
<font>6)- STJ, de 25-2-2003, CJ (STJ), Ano XI (2003), T1, 109; STJ, de 30-1-97 (Processo nº 751/96, 2ª secção); STJ, de 14-1-97 (Processo nº 605/96, 1ª secção), www.dgsi.pt</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SDLLu4YBgYBz1XKvkj16 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"AA" intentou acção com processo ordinário contra BB pedindo a sua condenação a registar a cessão da quota da sociedade “Empresa-A”, que lhe fez, ou em alternativa, caso não apareça o livro de actas, que seja outorgada a escritura de cedência da quota, com efeitos a partir de 1982.</font><br>
<br>
<font>Pediu, ainda, a condenação do Réu a indemnizá-lo, em quantia a liquidar em fase executiva, pelos danos que a ausência do registo lhe causar, assim como na quantia de 20.000 euros, a titulo de danos não patrimoniais, acrescida de juros, desde a citação.</font><br>
<br>
<font>Na 14ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, a acção foi julgada improcedente.</font><br>
<br>
<font>O Autor apelou tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado.</font><br>
<br>
<font>Pede, agora, revista, assim concluindo:</font><br>
<br>
<font>- O autor constatando que o Tribunal a quo tinha dado como não provados factos que tinham sido provados em audiência (e por documentação junto aos autos) vide Doc. 2 da P.I) os AA. tinha anteriormente reclamado do despacho do tribunal a quo que erradamente deu factos como não provados que na realidade foram provados em sede de audiência de julgamento - e que eram deveras importantes para a pretensão dos AA.</font><br>
<br>
<font>- Com efeito ao abrigo do nº 4 do artigo 653º do CPC, o A ao analisar o referido despacho constatou que existiram enormes deficiências e contradições na decisão que julgou sobre a matéria de facto e as deficiências e contradições consistiram no facto de o referido despacho judicial não ter tido em conta a prova documental (constante em vários documentos da P.I e da própria contestação apresentada pelo R.) que demonstra que o apelante a partir de 1982 deixou de facto de exercer na aludida empresa qualquer actividade (conforme o próprio apelado confessou no seu depoimento de parte e as testemunhas, nomeadamente o Sr. CC).</font><br>
<br>
<font>- De facto as partes acordaram que o autor cederia a partir de 1982 a quota do autor ao réu, ficando o acordo escrito no livro de actas da sociedade em que - Empresa-A -, e uma vez que o acordo ficou escrito no livro actas da sociedade, o autor ficou convencido de que deixou de ser sócio da aludida empresa desde 1982, tendo a testemunha CC e o próprio Réu por confissão prestaram depoimento nesse sentido, no entanto o tribunal a quo simplesmente não teve em conta?</font><br>
<br>
<font>- A sentença praticamente apenas deu como provados factos ou irrelevantes para a decisão da causa e factos alegados pelo réu, não atendendo à profícua prova documental que claramente demonstra que o réu recebeu quantias de muitos milhares de contos, e simplesmente não procedeu ao pagamento de quaisquer dívidas da empresa, com a consequente propositura de acções contra o aqui apelante.</font><br>
<br>
<font>- Mais, a douta sentença considerou provado que o livro de actas da década de 80 não aparece - facto L provado, mas não teve em conta que a testemunha CC disse que o livro de actas estava na posse do apelado.</font><br>
<br>
<font>- Aliás, o tribunal a quo violou claramente o principio do dispositivo, e da verdade material pois sem ter em conta o alegado pelos apelantes na p.i simplesmente e laconicamente o tribunal a quo, sem ter em conta os testemunhos proferidos em audiência e a prova documental junta, resolveu decidir no sentido de que “Os acordos de fls. 57 e 58 a 62, enfileiram na mesma linha de considerações: os acordos carecem de forma exigida por lei para valerem - escritura pública - e os factos tinham de ser levados a registo”.</font><br>
<br>
<font>- E seguidamente vem a sentença em clara incongruência referir factos provados para concluir sem especificar e fundamentar que “e se o autor tem sido demandado em acção por via de ser sócio e gerente da sociedade em causa, tem sido bem demandado”.</font><br>
<br>
<font>- Ora, se nem sequer o réu e aqui apelado invocou e defendeu que o apelante foi bem demandado, como pode agora o tribunal a quo fundamentar a sua decisão para além do que foi invocado pelas partes (ou seja o tribunal a quo viola directamente o principio do dispositivo) dizendo que o recorrente foi bem demandado.</font><br>
<br>
<font>- O recorrente também provou claramente que tem tido enormes percas económicas e percas morais com todos estes processos em que foi demandado - como provou claramente CC, mas o tribunal a quo não teve em conta tal prova.</font><br>
<br>
<font>- O recorrente, perante tudo isto - e sobretudo porque lhe foi impossibilitado a possibilidade de poder ter acesso ao conteúdo das cassetes pois o tribunal a quo não quis transcrever nem gravar as 3 cassetes que o apelante facultou - só pode presumir que os depoimentos não foram ouvidos com a sempre necessária atenção.</font><br>
<br>
<font>- Assim, a sentença é deveras insuficiente e curiosamente, a sua argumentação contraria o que se estava a discutir no caso concreto.</font><br>
<br>
<font>- De facto, a sentença em apreço não fez uma devida apreciação da prova, nem tão pouco uma adequada aplicação do direito.</font><br>
<br>
<font>- Deve dar-se provimento ao presente recurso e, revogando-se a sentença recorrida, julgar-se totalmente procedente o presente recurso devendo a ré ser condenada nos pedidos formulados pelos autores, pois, </font><br>
<br>
<font>- Impõe-se a modificabilidade da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto ao abrigo da alínea a) e b) do nº 1 do artigo 712º do CPC pois do processo consta prova documental e o depoimento do CC que deram como provados a quase totalidade dos factos invocados pelo apelante. Por isso a sentença errou ao considerar que os pedidos do autor não poderiam proceder.</font><br>
<br>
<font>- Caso o STJ entenda que no processo não conste todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 712º do CPC permitam a reapreciação da matéria de facto, requeremos que a Relação anule, a decisão da 1ª instância por ser insuficiente, obscura e contraditória - aliás conforme alegação do aqui recorrente quando reclamou do despacho que deu como provado e não provados os factos produzidos em audiência de julgamento - devendo ser repetido o julgamento, conforme estabelece o nº 4 do artigo 712º do CPC e renovada a prova testemunhal, ao abrigo do nº 3 daquele artigo 712º.</font><br>
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<br>
<font>Não foram oferecidas contra alegações.</font><br>
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<font>As instâncias deram por assentes os seguintes </font><u><font>factos</font></u><font>:</font><br>
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<font>- A Empresa-A, tem sede na Azinhaga das Galhardas, .., Lisboa, e está matriculada com o nº 41635 a fls. 133 v do livro C103 a respectiva CRC, como se vê de fls. 10 e ss.</font><br>
<br>
<font>- O capital social é de 60.000$00 dividido em três quotas, duas de 20.000$00 e outra dividida em duas de 10.000$00.</font><br>
<br>
<font>- Uma quota e meia é do sócio réu; outra quota e meia do sócio autor; cada um tem 30.000$00 de capital; ambos são gerentes.</font><br>
<br>
<font>- A sociedade obriga-se com a assinatura conjunta dos dois gerentes.</font><br>
<br>
<font>- A sociedade tinha e tem uma oficina de reparação de automóveis na Azinhaga da Fonte Velha, ..., Paço do Lumiar, Lisboa.</font><br>
<br>
<font>- O autor veio a ser citado no processo nº 199/02, da 1ª secção da 2ª Vara Cível de Lisboa, em que DD pede ao aqui autor a quantia de 60 mil euros por alegadas rendas vencidas e não pagas (relativas ao contrato de arrendamento em que é inquilina a aludida sociedade).</font><br>
<br>
<font>- O autor veio a ser responsabilizado no Processo de Execução Fiscal nº 3344-92/101064, no Tribunal Tributário de Lisboa.</font><br>
<br>
<font>- Autor e réu na data dele constante outorgaram de seu punho o escrito de fls. 58 a 62.</font><br>
<br>
<font>- O autor tem vindo a ser demandado como réu e/ou executado em acções por dividas da sociedade.</font><br>
<br>
<font>- Relativamente ao escrito de fls. 58 a 62 nunca foi outorgada escritura, nem os factos foram levados a registo.</font><br>
<br>
<font>- O livro de actas da sociedade relativamente à década de 80 não aparece.</font><br>
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<font>- Na oficina de automóveis da sociedade, sita na Azinhaga da Fonte Velha, ..., Paço do Lumiar, opera presentemente em pintura de automóveis CC.</font><br>
<br>
<font>- O autor era pessoa alegre e animada.</font><br>
<br>
<font>- As partes exploravam outra oficina de automóveis na Sobreda da Caparica.</font><br>
<br>
<font>- Autor e Réu na data dele constante outorgaram de seu punho o escrito de fls. 57.</font><br>
<br>
<font>- Autor e Réu eram muito amigos, existindo entre eles uma grande confiança mútua.</font><br>
<br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
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<font>Tal como fizera na apelação, o âmbito do recurso circunscreve-se à discordância sobre matéria de facto que foi dada por assente, imputando-se ao aresto em crise erro na apreciação da prova, cuja repetição pede.</font><br>
<br>
<font>Conhecendo, </font><br>
<br>
<font>1- Poderes do STJ.</font><br>
<font>2- Duplo grau de jurisdição.</font><br>
<font>3- Ampliação da matéria de facto.</font><br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Poderes do STJ.</font><br>
<br>
<font>Como julgou este STJ, em igual conferência (Acórdão de 18 de Abril de 2006 - 06A871) “cumpre ás instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1ª instância. </font><br>
<font>O STJ, e salvo situações de excepção legalmente previstas só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais, só é sindicável se foi aceite um facto sem a produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.”</font><br>
<font>Este principio resulta do artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro - sendo que a intervenção do STJ se restringe à averiguação da observância das regras de direito probatório material, artigo 722º nº 2 do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729º nº 3.</font><br>
<font>Mas a ampliação da matéria de facto pressupõe que o facto a inserir de novo tenha sido alegado pelas partes, no momento e em sede adequados.</font><br>
<font>Terá de considerar-se ter havido, aquando da fixação da base instrutória, preterição de “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, nos precisos termos do nº 1 do artigo 511º do diploma adjectivo.</font><br>
<font>Ora, “in casu”, a Relação ao fixar a matéria de facto não incumpriu o citado nº 2 do artigo 722º (dando como assente um facto sem a produção de prova legalmente indispensáveis ou infringindo as normas reguladoras da força probatória de determinado meio de prova), nem o Autor tal refere precisamente. </font><br>
<font>Outrossim, este Supremo Tribunal não pode exercer qualquer censura por a Relação não ter feito uso dos poderes de alteração ou anulação da decisão da 1ª instância em matéria de facto.</font><br>
<font>É por isso que a decisão que exerça esses poderes é irrecorrível, “ex vi” do nº 6 daquele preceito.</font><br>
<br>
<font>2- Duplo grau de jurisdição.</font><br>
<br>
<font>Recorde-se, ainda, que a garantia daquele “duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca pode envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.” (in preâmbulo do Decreto Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro).</font><br>
<font>A decisão da 1ª instância pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 690º A do CPC, a decisão proferida com base neles.</font><br>
<font>A acção foi intentada em 15 de Setembro de 2003.</font><br>
<br>
<font>É lhe aplicável a redacção do artigo 690º A do Código de Processo Civil, introduzida pelo Decreto-lei nº 183/2000, de 18 de Agosto (artigo 8º).</font><br>
<font>Na redacção anterior (Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro) o nº 2 exigia ao recorrente, “sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”.</font><br>
<font>Actualmente, cumpre, apenas, ao recorrente “indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º C”.</font><br>
<font>E o nº5 do mesmo preceito impõe à Relação a audição ou visualização dos depoimentos indicados, “excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas, para tanto contratadas pelo tribunal.”</font><br>
<font>Escreveu-se no Acórdão do STJ de 6 de Julho de 2006 – 06 A1838 – desta mesma conferência:</font><br>
<font>“Mas também incumbe ao impugnante da matéria de facto indicar os “concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.</font><br>
<font>O nº1 do artigo 712º do diploma adjectivo dispõe a possibilidade de alteração, pela Relação, da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, se do processo constarem todos os elementos que serviram de base à decisão ou se, tendo ocorrido a gravação, tiver havido impugnação de acordo com o citado artigo 690º A.</font><br>
<font>Como refere o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Novembro de 2005 (Pº 3153/05-1ª) “foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do Decreto-Lei nº 39/95, criar um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, embora temperada pelo ónus imposto ao recorrente de delimitação concreta do objecto do recurso e da respectiva fundamentação, a fim de evitar a impugnação genérica da decisão de facto no seu todo.”</font><br>
<font>E assim é porque - embora a Relação forme a sua própria convicção dentro do princípio da livre apreciação das provas nos mesmos termos do Tribunal </font><br>
<font>“a quo” - a ausência da imediação do contacto directo com a prova, a não suficiência, para percepção de detalhes e características idiossincráticas das testemunhas (o que releva para estribar convicções), de sistemas de gravação, não permitem uma perfeita documentação do ocorrido na 1ª instância.</font><br>
<font>Será uma actividade difícil e penosa, passar várias horas a ouvir gravações, tentando identificar e reconhecer vozes dos depoentes e de outros intervenientes, relacioná-las com o que consta da acta e cotejá-las com as motivações, tantas vezes sem o necessário apuro técnico.</font><br>
<br>
<font>Por isso é que o 2º grau de jurisdição em matéria de facto deve ser visto com cautela buscando interpretações rigorosas - embora não necessariamente restritivas - dos preceitos que o regulamentam.</font><br>
<font>A exigência da alínea a) do nº 1 do artigo 690º A do Código de Processo Civil - e deixemos a da alínea b), por já acima abordada - destina-se precisamente a balizar, com rigor, a área de reapreciação, evitando uma reprodução integral de toda a prova, com as escolhas atrás acenadas.</font><br>
<font>A importância dessa especificação é tal que o legislador fulmina a sua ausência com a rejeição do recurso.”</font><br>
<font>Ora o recorrente não cumpriu esse ónus não indicando, com precisão os pontos de facto que pretendia ver reapreciados pela Relação.</font><br>
<font>Nem se diga que pode reportar-se, genericamente, a “todos os factos”, como refere o Autor.</font><br>
<font>Esse entendimento esvaziaria de sentido o nº 1 do citado artigo 690º A que impõe não só a referência (“obrigatoriamente”) aos “concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” (a) como aos “concretos meios probatórios” (…) “sobre os pontos da matéria de facto impugnada” (b).</font><br>
<br>
<font>3- Ampliação da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Finalmente, não tem este Tribunal razoes para, oficiosamente, lançar mão do nº 3 do artigo 729º da lei processual.</font><br>
<font>Trata-se de medida de excepção só utilizável quando ao conhecer do mérito - a questão de direito - concluir que existem contradições essenciais em pontos de facto que vão comprometer a decisão final, ou quando não foram considerados factos alegados pelas partes, ou, finalmente, quando foi desconsiderada matéria de conhecimento oficioso.</font><br>
<font>Só se concluindo que, sem eliminação dessas contradições, ou sem o alargamento da matéria de facto, a solução final está comprometida, é que se faz apelo a essa faculdade. (cf., no mesmo sentido, e v.g, o Acórdão do STJ - também desta conferência - de 30 de Maio de 2006 - Pº 1440/06-1ª).</font><br>
<font>Incensurável, em consequência, o Acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>4- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Resta concluir que:</font><br>
<br>
<font>a) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 712º do CPC é incensurável pelo STJ sendo a respectiva decisão irrecorrível.</font><br>
<font>b) O STJ é essencialmente um Tribunal de revista, vocacionado para a uniformização de jurisprudência.</font><br>
<font>c) O uso da faculdade do nº 3 do artigo 729º do CPC é excepcional e dela só pode lançar-se mão se se concluir pela existência de contradições essenciais, desconsideração do alegado pelas partes ou matéria de conhecimento oficioso, tudo em pontos de facto, sem cuja eliminação, consideração ou esclarecimento fique comprometida a decisão final.</font><br>
<font>d) A redacção do artigo 690º A do CPC introduzida pelo Decreto-Lei nº 183/2000 de 18 de Agosto, dispensa o recorrente, que impugna a matéria de facto, de proceder à transcrição das passagens da gravação em que se funda, mas impõe-lhe a indicação dos pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgada que deve constar da alegação, nos termos do nº 1, alínea a) do artigo 690º A do CPC, sob pena de rejeição do pedido de reapreciação.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, acordam negar a revista.</font><br>
<br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Junho de 2007</font><br>
<br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8DLyu4YBgYBz1XKvu1-x | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
I - A intentou acção com processo ordinário contra B, Lda., pedindo que se declare anulado o contrato de compra e venda celebrado entre a ré e o autor, devendo ser restituídas ao autor as quantias de 565999 escudos e de 30000 escudos acrescidas de juros e se condene a ré a pagar ao autor a título de indemnização 2959000 escudos e juros.<br>
<br>
Alegou que a ré, através de actuação dolosa, vendeu ao autor produtos deteriorados e impróprios, o que lhe acarretou danos no montante do pedido.<br>
Contestando, a ré sustentou que os produtos vendidos se encontravam em perfeitas condições, além de que se encontra caduco o direito de propor a acção.<br>
O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência parcial da acção e condenou a ré como litigante de má fé.<br>
Apelou a ré.<br>
O Tribunal da Relação concedeu parcial provimento ao recurso.<br>
Inconformada, recorre a ré para este Tribunal.<br>
<br>
Formula as seguintes conclusões:<br>
- O acórdão recorrido, apesar de reconhecer assistir razão à recorrente no que diz respeito a deverem dar-se como admitidos por acordo os factos constantes dos artigos 80 e 81 da contestação, visto que não sofreram impugnação e os mesmos integram uma excepção de caducidade, entendeu que o artigo 471 do C. Comercial não é aplicável em virtude de a recorrente ter agido com dolo;<br>
- Mas, salvo melhor opinião, não é assim;<br>
- Nos termos do artigo 470 e 471 do C. Comercial, não tendo sido feita a referida comunicação no prazo de 8 dias, encontra-se caduco o direito de proposição de qualquer acção de anulação do contrato;<br>
- Assim, encontrava-se caduco o direito de propositura da presente acção;<br>
- Até porque, dada a celeridade e segurança que devem existir nas relações comerciais, o regime estabelecido no C. Comercial é completa e intencionalmente diferente do Civil, não podendo aplicar-se aqui as considerações expendidas na sentença recorrida acerca do dolo do vendedor;<br>
- Em primeiro lugar, porque os factos dados como provados no s n.ºs 4.1.23: "A ré sabia que os produtos vendidos ao autor se encontravam deteriorados e com o prazo de validade ultrapassado" e 4.1.27: "A ré sabia que o autor nunca adquiriria tais produtos se suspeitasse da sua falta de validade", não são suficientes para integrar o conceito de dolo;<br>
- A junção aos autos da certidão de teor da Conservatória do Registo Comercial prova que a constituição da Sociedade ora recorrente se deu em 3 de Março de 1994, sendo impossível que em 12 de Outubro de 1994 já estivesse a comercializar produtos deteriorados e com o prazo de validade ultrapassado;<br>
- Mas, mesmo que se entendesse haver dolo, o que não se concede, tal circunstância não impediria a caducidade prevista no artigo 471 do C. Comercial;<br>
- O recurso aos artigos 913 e seguintes do C. Civil só teria cabimento se considerássemos estarmos face a uma lacuna do Direito Comercial, o que não acontece;<br>
- Acresce que o autor pede apenas a anulação do contrato celebrado em 12 de Outubro de 1994 no montante de 565999 escudos, e apesar de na sentença recorrida se fazer referência à anulação do contrato referido em 4.1.1, é manifesto querer fazer-se referência ao contrato referido em 4.1.4, tratando-se de erro material rectificável nos termos do artigo 667 do C.P. Civil;<br>
- E o autor não discrimina, tendo obrigação de o fazer, quais os prejuízos que derivaram do contrato anulado e os que derivaram da compra à ré de outros produtos, que totalizam o valor de 3200000 escudos;<br>
- Foi dado como provada na sentença recorrida que os defeitos eram de todos os produtos vendidos pela ré ao autor, mas não se especifica, dos 600000 escudos que o autor teve de gastar, para proceder à substituição dos produtos tomados como defeituosos, qual é a parte gasta para proceder à substituição dos produtos incluídos no contrato objecto de anulação;<br>
- O mesmo raciocínio se podendo aplicar relativamente à quantia de 459000 escudos que o autor diz ter gasto na pintura de 6 automóveis;<br>
- Tratando-se, no caso vertente, de aplicação das regras da venda de coisa defeituosa, só deverão indemnizar-se os danos resultantes do contrato que vier a ser anulado, e não de qualquer outro;<br>
- Não se sabendo quais são, não podem indemnizar-se nenhuns;<br>
- Quanto à litigância de má fé, refira-se que a ré apenas se limitou a impugnar especificadamente os factos alegados pelo autor e que na sua perspectiva eram contrários à verdade;<br>
- Sem que alguma vez tenha usado da má fé;<br>
- Não resulta demonstrada má fé de uma parte pela sua sucumbência quanto à prova dos factos que tenha alegado;<br>
- De qualquer forma, nos termos do artigo 456 do C.P. Civil, a pessoa colectiva não é susceptível de condenação como litigante de má fé, pelo que deve ser absolvida também quanto a este aspecto;<br>
- Mesmo a considerar-se ter havido litigância de má fé, o que só por dever de patrocínio se invoca, a multa aplicada é manifestamente exagerada;<br>
- Não decidindo assim, a sentença recorrida violou os artigos 505 e 490 do C.P. Civil, artigos 470 e 471 do C. Comercial, 667 do C. P. Civil, 908 e 909 do C. Civil e 456 e 458 do C. P. Civil.<br>
<br>
Não houve contra-alegações.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
<br>
II - Vem dado como provado:<br>
O autor dedica-se à revenda de tintas e derivados e pintura de automóveis.<br>
A ré dedica-se ao comércio e revenda de tintas e derivados.<br>
A ré tem como sócios C, casado com D, e E, SA, sendo seus gerentes o indicado C e também F.<br>
No exercício das respectivas actividades, a ré vendeu ao autor as mercadorias discriminadas na venda a dinheiro n.º 01/000069, com data de emissão de 12 de Outubro de 1994, e cujo montante, acrescido de IVA, atinge os 565999 escudos.<br>
O acordo referido foi efectuado com o autor e G, funcionário ao serviço da ré.<br>
A 30 de Setembro de 1996 foi exarada sentença de condenação no pedido do aqui autor, na acção que correu os seus termos na 2ª Secção do 17º Juízo Cível de Lisboa, sob o n.º 754/95, sendo que a mesma decisão teve o seu trânsito em julgado no dia 24 de Outubro de 1997;<br>
Em meados de 1994, o autor foi contactado pelo mencionado G, que se apresentou como sendo um dos sócios gerentes da ré e como representante exclusivo da E, SA.<br>
Nessa altura, o autor dedicava-se exclusivamente à reparação de chapa e pintura de automóveis, sendo considerado um "razoável consumidor" dos produtos relativos à reparação de chapa e pintura de automóveis.<br>
O mencionado G convenceu o autor a abrir uma loja para venda de tintas e produtos similares.<br>
Para tal, G ofereceu ao autor: o exclusivo da comercialização da marca E, no distrito de Coimbra e franjas do distrito de Leiria e Aveiro; descontos de 20% em todos os produtos, acrescidos de 5%, naqueles em que houvesse pronto pagamento.<br>
G prometeu ao autor melhor colaboração e apoio técnico por parte da ré, por forma a que o autor obtivesse o melhor desempenho possível na sua actividade e, ainda, fornecimento de catálogos.<br>
Para isso, o autor teria de consultar um stock de produtos capaz de satisfazer as necessidades do mercado que a ré lhe destinara, cujas vendas perspectivava serem de grande dimensão, dada a elevada qualidade dos produtos a vender.<br>
O autor adquiriu, então, à ré um stock de mercadorias que totalizaram o montante de 3200000 escudos.<br>
O autor confiou nas indicações do dito G.<br>
Após ter montado a sua estrutura comercial, o autor não pode iniciar a sua actividade, na integralidade, por falta de catálogos.<br>
Nos produtos enviados pela ré ao autor, constatou-se que: o betume secava com "demasiada rapidez"; os corantes não "ligavam"; as tintas não "aderiam"; os vernizes formavam "silicones".<br>
Os diluentes ficavam com gordura e empolavam, não dando "acabamento à pintura".<br>
Igualmente os clientes do autor, aos quais este havia vendido aqueles produtos, começaram a apresentar o mesmo tipo de reclamações.<br>
Após insistências por parte do autor, a ré fez deslocar um seu técnico - afinador de tintas - às instalações daquele, sendo que tal técnico nada solucionou.<br>
Perante a continuação das reclamações dos seus clientes, o autor entrou em contacto com a mencionada empresa E.<br>
A E referiu ao autor que não tinha incumbido a ré de criar qualquer tipo de representantes ou representações da sua marca.<br>
Os técnicos da mesma E analisaram as reclamações, concluindo que esses mesmos produtos se encontravam deteriorados, pela passagem do prazo de validade.<br>
A ré sabia que os produtos vendidos ao autor se encontravam deteriorados, e com prazo de validade ultrapassado.<br>
Os defeitos só se notavam aquando da aplicação dos produtos ali referidos, obrigando a que fosse necessário desfazer o trabalho entretanto executado, com nova execução com produtos de outras marcas.<br>
Por virtude disso, o autor teve de adquirir imediatamente novos produtos de outras marcas.<br>
A aquisição de produtos teve o fim de efectuar as reparações que o autor tinha entre mãos e para minorar os prejuízos sofridos pelos seus clientes.<br>
A ré sabia que o autor nunca adquiriria tais produtos se suspeitasse da sua falta de validade.<br>
O autor contactou com a ré no sentido de devolver a esta toda a mercadoria que adquiriria e que ainda tinha em stock.<br>
Tais produtos encontram-se depositados no estabelecimento do autor que se encontra, desse modo, ocupado parcialmente por aqueles.<br>
Para proceder à referida substituição dos produtos tomados como defeituosos, o autor teve de gastar a quantia de 600000 escudos.<br>
E teve de gastar ainda a quantia de 459000 escudos, com vista a liquidar o custo das horas e material que havia despendido na indemnização de dois clientes seus (isto na pintura de seis automóveis, na qual se despendeu 90 horas e 850$00/h).<br>
O autor teve de reiniciar o trabalho junto dos clientes com vista a convencê-los a continuar a consumir os seus produtos.<br>
<br>
III - Autor e ré celebraram entre si um contrato de compra e venda, mediante o qual a ré vendeu àquele bens de comércio destinados a revenda.<br>
O autor, sustentando que lhe foram vendidos produtos defeituosos e que a ré actuou com dolo, pediu que se declarasse a anulação do contrato e se condenasse a ré no pagamento de uma indemnização.<br>
As instâncias julgaram a acção parcialmente procedente.<br>
Daí o recurso da ré.<br>
São quatro as questões suscitadas nas conclusões das alegações:<br>
Caducidade do direito de propositura da acção.<br>
Não existência de dolo.<br>
Direito à indemnização.<br>
Má fé.<br>
Vejamos então a problemática em causa.<br>
Está-se perante venda comercial, já que as coisas (móveis) adquiridas pelo ora recorrido se destinavam a ser revendidas (artigo 463 do Código Comercial). Distingue-se assim da compra e venda civil, que tem por fim normal ou ordinário o consumo ou o uso pessoal do comprador ou qualquer outro emprego não lucrativo.<br>
Tendo em conta a natureza da venda, os recorrentes invocam os artigos 470 e 471 do C. Comercial para concluírem que se encontrava caduco o direito de propositura da presente acção.<br>
Os referidos artigos consagram efectivamente um prazo de caducidade. O contrato considerar-se-á perfeito se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar ou, se não as examinando, não reclamar dentro de oito dias.<br>
Dada a natureza supletiva dos preceitos e tendo em conta o princípio da autonomia privada subjacente ao nosso ordenamento jurídico civil, os prazos referidos poderão ser alterados por convenção das partes.<br>
A razão de ser de tão curto prazo é pacificamente entendida na doutrina e na jurisprudência como sendo a necessidade de tornar certa em pouco tempo a compra e venda mercantil, atenta a celeridade da vida económica (hoje mais do que nunca) e a necessidade de segurança das transacções, além do mais porque as mesmas geram, normalmente, um sucessivo encadeamento de operações comerciais.<br>
O comprador veio invocar o cumprimento defeituoso depois de ultrapassados tais prazos, pelo que, na tese da recorrente, teria operado a caducidade.<br>
Pensamos que o problema não pode ser equacionado e resolvido nesta perspectiva.<br>
Face à factualidade apurada está-se perante venda de coisas defeituosas. Vem de facto dado como provado que nos produtos enviados pela ré ao autor se constatou que o betume secava com demasiada rapidez, os corantes não "ligavam", as tintas não "aderiam", os vernizes formavam "silicones", os diluentes ficavam com gordura e empolavam, não dando "acabamento à pintura". Os produtos vendidos ao autor encontravam-se deteriorados e com o prazo de validade ultrapassado.<br>
Trata-se pois de vícios que impedem a realização do fim a que as tintas e derivados se destinavam, de falta de qualidade necessária para que os produtos vendidos fossem utilizados para a finalidade que levou à sua aquisição. Verificam-se assim alguns dos vícios enunciados no artigo 913 do C. Civil.<br>
De harmonia com este artigo há que observar, com as devidas adaptações, o previsto na secção precedente, ou seja o disposto nos artigos 905 a 912 do mesmo Código.<br>
Para que o comprador de coisas defeituosas possa recorrer às medidas que a lei estipula para sua protecção, deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa (artigo 916 n.ºs 1 e 2 do C. Civil).<br>
O n.º 1 deste artigo consagra, contudo, uma importante ressalva. A denúncia do vício ou da falta de qualidade da coisa só é necessária no caso de simples erro. Existindo dolo, independentemente de denúncia, o comprador pode intentar acção de anulação, segundo o regime específico deste vício da vontade.<br>
No acórdão recorrido fundamentalmente concluiu-se pela existência de dolo, tal como já se tinha decidido na bem estruturada decisão de 1ª instância.<br>
Há assim que apurar se face aos factos provados se verificam ou não os elementos constitutivos do dolo.<br>
O artigo 253 n.º 1 do C. Civil dá-nos a noção de dolo. Trata-se de um erro determinado por um certo comportamento da outra parte.<br>
Existirá dolo quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo ou comissivo), ou quando tenha lugar a dissimulação pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (dolo negativo ou omissivo).<br>
Pode tratar-se de um processo enganatório simples, como mentiras, ou de uma "mise em scéne" mais complicada - Prof. Mota Pinto- "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª ed., págs. 518/524.<br>
Em concreto, está, a propósito, provado que um funcionário ao serviço da ré convenceu o autor a abrir uma loja para venda de tintas e produtos similares, mediante a promessa de colaboração e apoio técnico, para além dos descontos que permitiriam o lucro do autor.<br>
Confiando nas indicações desse funcionário o autor adquiriu um stock de mercadorias que totalizaram o montante de 3200000 escudos.<br>
À medida que os produtos foram aplicados, ía-se constatando os vícios e falta de qualidade já enumerados.<br>
Os produtos vendidos ao autor encontravam-se deteriorados e com o prazo de validade ultrapassado, o que era do conhecimento da ré. Sabia também a ora recorrente que o autor nunca adquiriria tais produtos se suspeitasse da sua falta de validade.<br>
Tal factualidade integra claramente o dolo como vício da vontade.<br>
Mesmo que se considere que se está perante dolo negativo (o que não é líquido) e que por isso só constituirá dolo ilícito quando exista um dever de elucidar, por força da lei, de estipulação negocial ou das concepções dominantes no comércio jurídico (artigo 253 n.º 2, 2ª parte), ainda assim se está perante dolus malus.<br>
Vender produtos sensíveis, como é o caso de tintas e derivados, quando os mesmos já ultrapassaram o prazo de validade e estão deteriorados, tendo o vendedor perfeito conhecimento de tais vícios e sabendo que o comprador nunca adquiriria tais mercadorias se suspeitasse do seu estado, não pode de forma alguma ser considerado dolus bonus, ou dolo irrelevante.<br>
O dolo só pode ser assim classificado quando o deceptor recorre a artifícios ou sugestões usuais, consideradas legítimas, segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, o que não é, obviamente, o caso.<br>
Uma coisa é o elogio das pretensas qualidades do produto, a sugestão ou artifício que facilitem para o vendedor o negócio jurídico, outra a venda de mercadorias impróprias para o fim a que se destinavam ou para qualquer outro e que, em bom rigor, nem podiam ser transaccionadas.<br>
Como escreve o Prof. Carvalho Fernandes - "Teoria Geral do Direito Civil", 2ª ed., vol. II, pág. 144, "a fixação dos limites para além dos quais as sugestões ou artifícios dolosos são relevantes, quando não seja feita com moderação, pode trazer para o campo do Direito a consagração da má fé, do arbítrio e da ganância dos mais habilidosos, sobre a boa fé, a justeza e a moderação das pessoas de bem e honestas".<br>
Cabe assim à jurisprudência a criteriosa fixação dos limites do dolo relevante ou irrelevante.<br>
Existindo, como existe, dolo, um dos efeitos é a anulabilidade do negócio (artigo 254 n.º 1 do C. Civil), que deve ser arguida por quem para tal tem legitimidade, dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (artigo 287 n.º 1 do referido Código).<br>
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida sem dependência do prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.<br>
Ora, o contrato em causa, como correctamente concluíram as instâncias, não foi cumprido. Não só os deveres laterais inerentes à compra e venda não foram cumpridos, como a prestação dolosa não pode ser tida como cumprimento pontual do negócio jurídico - Ac. STJ de 24 de Janeiro de 1969, BMJ n.º 183, pág. 274.<br>
Nem se diga que o regime estipulado no artigo 471 do C. Comercial está fixado em norma especial, que não pode ser derrogada pelo regime geral.<br>
O artigo em causa não contempla a hipótese de dolo, razão pela qual, perante a omissão do Código Comercial, são de aplicar as correspondentes disposições do C. Civil (artigo 3 do C.Comercial).<br>
Acrescem duas razões.<br>
A unidade do sistema jurídico leva a interpretar o artigo 471 do C. Comercial de forma análoga ao estabelecido no artigo 916 do C. Civil - Prof. Pedro Romano Martinez - "Cumprimento Defeituoso", págs. 422/426.<br>
Por outro lado, as razões que motivam os prazos curtos em nome da segurança e em desfavor muitas vezes da justiça não têm razão de ser face ao dolo.<br>
Os interesses em causa e a preocupação de um direito justo levam a que não se possa premiar uma actuação dolosa.<br>
Não se pode, face ao dolo, sustentar (por exemplo) que a razão do artigo 471 está na vantagem de não deixar por muito tempo exposto o vendedor a reclamação por defeito da coisa vendida - Ac. STJ de 26 de Janeiro de 1999, Revista n.º 1076/98, desta 1ª Secção, "Sumários" 1999, pág. 23.<br>
Uma actuação contrária à boa fé, que deve estar presente nos negócios jurídicos, e, designadamente, na actividade mercantil, não merece a protecção do direito.<br>
A censurabilidade do dolo na nossa ordem jurídica afasta a protecção do vendedor e sobrepõe-se à necessidade de certeza em curto espaço de tempo, que é característica da vida comercial.<br>
Não ocorre assim a caducidade.<br>
O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração (artigo 254 n.º 1 do C. Civil).<br>
À anulabilidade do negócio jurídico, acresce a responsabilidade pré-negocial do autor do dolo (artigo 227 do C. Civil). Trata-se de uma responsabilidade pelo interesse contratual negativo, correspondente ao dano de confiança.<br>
O enganado tem direito a ser indemnizado pelo danos que não teria sofrido se não tivesse confiado. Tem assim o direito de repristinação da situação anterior ao negócio e à cobertura dos danos que sofreu por ter confiado no negócio e que não teria sofrido sem essa confiança.<br>
No acórdão recorrido fixaram-se montantes, que a recorrente questiona.<br>
Como é sabido, ao Supremo Tribunal de Justiça como Tribunal de revista, só cumpre em princípio, decidir questões de direito e não julgar matéria de facto. Embora no recurso de revista seja admissível apreciar a eventual violação da lei adjectiva, tal só é possível dentro de apertados limites (artigos 729 e 722 n.º 2 do C. Processo Civil).<br>
Não sendo permitido apreciar a factualidade apurada, e sendo a anulação, a restituição e a indemnização devidas, nada há a tal respeito a alterar, por se mostrar feito o correcto enquadramento jurídico.<br>
Suscita por fim a recorrente a questão da má fé, não se conformando com a condenação como litigante de má fé.<br>
O artigo 456 n.º 2 do C. Processo Civil estipula que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; quem tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; quem tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.<br>
Pondo fim à diversidade de opiniões existentes, a actual redacção veio consagrar a tese de que o dolo ou a negligência grave são relevantes para efeitos de má fé.<br>
Ao alargamento do conceito, abrangendo expressamente a negligência grave, parece estar subjacente a ideia de moralização da lide.<br>
Não se diz o que é "grave", devendo caber à jurisprudência a clarificação do conceito.<br>
Tem-se entendido que a questão da má fé não pode ser vista com linearidade, merecendo especiais cuidados, sob pena de se limitar o direito das partes, designadamente, o direito de defesa, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil e tem foros de garantia constitucional.<br>
A apreciação do dolo ou da negligência grave não cabem no processo civil em estereótipos rígidos. Assim se decidiu no Ac. de 20 de Outubro de 1998, revista n.º 819/98 e no Ac. de 27 de Abril de 1999, Revista n.º 232/99, "Sumários" n.º 24, pág. 29, com o mesmo relator.<br>
Importa em concreto salientar que o facto de a actuação da ré ser considerada dolosa enquanto parte do negócio jurídico, não se reflecte necessariamente na sua conduta processual. Uma coisa é a posição da ré na relação jurídica controvertida, outra a sua actividade como parte no processo.<br>
Na revista, a ré recorrente defende que operou a caducidade, que a sua conduta não preenche os requisitos do dolo e discute ainda o direito do recorrido à indemnização.<br>
Tudo questões jurídicas susceptíveis de mais do que um enquadramento e que como tal não levam só por si a concluir pela existência de má fé.<br>
É certo que a ré moveu uma oposição algo temerária e não carreou para o processo todos os factos, mas, numa questão como aquela que aqui se discute, tal comportamento tem que se considerar como fazendo parte do direito de defesa e conforme aos instrumentos que a lei põe à disposição do réu.<br>
Entende-se assim que é de revogar a condenação por litigância de má fé mantendo-se em tudo o mais o decidido.<br>
Pelo exposto concede-se parcialmente a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 26 de Junho de 2001.<br>
Pinto Monteiro,<br>
Lemos Triunfante,<br>
Reis Figueira.<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
5zLru4YBgYBz1XKv71gB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>No Tribunal de Família do Porto correram termos o inventário para separação de meações em que foi requerente e cabeça de casal A e requerida B, no qual, por sentença (transitada) de 8.6.00, foi homologada a respectiva partilha e adjudicados os bens aos interessados.</font><br>
<font>A 2.10.00, veio o cabeça de casal requerer a partilha adicional do imóvel que constituiu a casa de morada de família, sito em Leixezelo, cuja identificação completa forneceu, tendo alegado que o mesmo, apesar de se encontrar construído em terreno doado à interessada B, foi construído totalmente a expensas suas, na constância do matrimónio.</font><br>
<font>Veio a requerida B opor-se, defendendo, por um lado, que o referido imóvel constitui um bem próprio seu, já que o terreno de implantação lhe foi doado pelos pais, por escritura de 2.12.82, por conta da legítima e, por outro, que o custeamento da edificação do imóvel foi feito com dinheiro que os seus próprios pais lhe deram.</font><br>
<font>Instruídos os autos, veio a ser proferida sentença que determinou que, em sede de partilha adicional, se procedesse à necessária compensação no património do ex-casal do valor actualizado da construção do edifício, a apurar por peritagem a efectuar posteriormente nos autos.</font><br>
<font>Inconformada, veio a interessada B, apelar para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a revogação da decisão proferida na 1ª instância e defendendo que se deveria ordenar a remessa das partes para os meios comuns.</font><br>
<br>
<font>Igualmente inconformado, veio o cabeça de casal interpor recurso subordinado, pedindo a revogação da decisão proferida e a sua substituição por uma outra, onde se decidisse que o bem em causa constitui bem comum do casal dissolvido, devendo, como tal, ser relacionado e partilhado.</font><br>
<font>Foi proferido douto acórdão, onde, no que concerne ao recurso principal se entendeu que, in casu, não haveria lugar para remeter as partes para os meios comuns, mas antes deveria o prédio ser relacionado como bem comum do casal, assim se revogando a douta sentença recorrida.</font><br>
<font>No que respeita ao recurso subordinado, foi o mesmo, naturalmente, julgado procedente.</font><br>
<font>Do acórdão acabado de referir, veio a interessada B, a interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que concluiu pela forma seguinte:</font><br>
<br>
<font>1ª) A decisão recorrida violou, por errada interpretação o disposto nos artigos 1790º, 1724º, 1722º, 1728º Código Civil, e 1350º, nº 1, 1336º, nº 2, do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>2ª) Mesmo para quem defenda que o disposto no artigo 1790º, do Código Civil, tem apenas o significado de que o cônjuge culpado não pode é receber, em valor, mais do que aquilo que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos, uma coisa é clara: a determinação de tal valor implica, necessariamente, que seja feita a prévia discriminação dos bens que se consideram próprios e comuns.</font><br>
<font>3ª) O circunstancialismo do caso "subjudice", em que o ex-cônjuge marido não trouxe para a "comunhão" do extinto casal quaisquer bens próprios e a Recorrente trouxe, pelo menos, o terreno que lhe foi doado pelos seus pais em que foi implantada a casa de habitação do extinto casal, impõe, face ao estatuído no artigo 1790º do Código Civil, que o regime matrimonial por que deve reger-se a partilha é o de bens adquiridos.</font><br>
<font>4ª) Pelo que, mesmo para quem defenda a tese do "valor" na interpretação do artigo 1790º, do Código Civil, haverá sempre que averiguar se o prédio misto em causa deve ser relacionado como "próprio" (por força do regime matrimonial por que deve reger-se a partilha - o de adquiridos), se como "comum", e, para tanto, há que averiguar qual a origem do dinheiro com que foi custeada a sua construção, pois que, de entre os bens que, de acordo com a lei, são exceptuados da comunhão, conservando a qualidade de bens próprios, encontram-se "as benfeitorias feitas com valores ou bens próprios de um dos cônjuges" - Artigo 1723º, alínea c), do Código Civil.</font><br>
<font>5ª) Reproduz-se aqui o sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6-12-1974, in Bol. 41-301, que melhor se debruçou sobre esta questão, em que claramente se decidiu "Feita uma doação a ambos os cônjuges, mas em atenção à mulher, filha do doador, e verificado mais tarde o divórcio por culpa do marido, no inventário de separação de bens não devem os bens doados ser descritos como comuns"</font><br>
<font>6ª) Não tendo a prova sumária produzida sido suficiente para se apurar se a moradia em questão foi custeada com dinheiro comum do ex-casal, com dinheiro próprio do requerente, com dinheiro próprio da requerida doado por seus pais, ou com dinheiro de terceiros, deverão as partes ser remetidas para os meios comuns.</font><br>
<font>7ª) Averiguado em tal sede que o edifício foi custeado com dinheiro dado pelos pais da Recorrente, não deve tal prédio ser, de todo, relacionado nos autos, pois que o escopo do artigo 1790º, do Código Civil, é o de afastar o cônjuge culpado do divórcio da comunhão nos bens que, segundo o regime da comunhão de adquiridos, são próprios do cônjuge inocente.</font><br>
<font>8ª) No caso de não resultar apurada a referida origem do dinheiro com que foi custeada a construção do edifício, o prédio misto em causa deverá ser referido nos autos como "bem próprio" da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 1726º, nºs 1 e 2 , do Código Civil, de modo a que, em sede de partilha adicional se proceda à necessária compensação ao património comum do ex-casal, do valor actualizada da construção do edifício.</font><br>
<br>
<font>Sem prescindir,</font><br>
<font>9ª) No caso de se entender que as partes não deverão ser remetidas para os meios comuns - o que não se concede - deverá, face à comprovada doação do terreno em que o edifício foi construído, o prédio misto em causa ser descriminado nos autos como "bem próprio" da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 1726º, nºs 1 e 2, do Código Civil, de modo a que, em sede de partilha adicional se proceda à necessária compensação ao património comum do ex--casal, do valor actualizado da construção do edifício.</font><br>
<font>Foram apresentadas contra-alegações, onde se defendeu a manutenção do Julgado no Tribunal da Relação do Porto.</font><br>
<font>Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>Decidindo:</font><br>
<font>Foram dados como provados os factos seguintes:</font><br>
<font>1. Por escritura pública de 2.12.82, os pais da interessada B, C, e mulher D, declararam que, por conta da legítima, doavam àquela um terreno lavradio, denominado "Campo do Bispo", sito no lugar da Igreja, freguesia de Seixezelo, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o artº 389.</font><br>
<font>2. A requerida aceitou a doação.</font><br>
<font>3. Na altura a requerida era casada no regime da comunhão geral de bens com o requerente A.</font><br>
<font>4. Nesse terreno os cônjuges construíram uma casa de dois pisos com a área coberta de 172m2, logradouro com a área de 413m2 que, com o terreno lavradio sobrante com a área de 415m2, constitui o actual prédio misto sito na Rua do Rodelo, nº ....., Seixezelo, inscrito na matriz sob os artºs 396 urbano e 389 rústico.</font><br>
<font>5. A sentença proferida em 17.3.98, transitada em julgado, nos autos principais, decretou o divórcio litigioso entre requerente e requerida e declarou o requerente A o único culpado.</font><br>
<font>6. O valor matricial do referido prédio é de 3.705$00, parte rústica, e de 7.028.236$00, parte urbana.</font><br>
<font>7. Tal prédio está inscrito no registo predial em nome dos ex-cônjuges pela apresentação 14 de 19.11.99.</font><br>
<font>Perante esta factualidade, foi feito o respectivo enquadramento jurídico no douto acórdão recorrido, que é de uma absoluta clareza e com cuja fundamentação nos identificamos na sua plenitude. Assim, nenhuma censura entendemos dever fazer-lhe, nomeadamente no que respeita à decisão stricto sensu, pelo que será confirmado na íntegra e em conformidade com o nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Por uma questão de metodologia e melhor percepção da razão por que se entende dever confirmar, em conformidade com a norma supra mencionada, o acórdão recorrido, passa-se a fazer a transcrição da sua fundamentação:</font><br>
<br>
<font>"Do recurso principal (apelante B)</font><br>
<font>O conhecimento do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise da seguinte questão: se face à factualidade provada, em sede de inventário, o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter-se abstido de decidir, remetendo as partes para os meios comuns.</font><br>
<font>Apreciemos, pois.</font><br>
<font>Tendo em conta que o ex-casal foi casado no regime de comunhão geral de bens, o bem doado - imóvel - à apelante é bem comum do casal (artigo 1732º do Código Civil).</font><br>
<font>Nesse imóvel foi construído o prédio urbano.</font><br>
<font>E tal prédio urbano, construído pelos ex-cônjuges, deverá ser qualificado como benfeitoria ou como acessão imobiliária?</font><br>
<font>Relativamente a tal questão diz-nos o Prof. Vaz serra o seguinte: "...A benfeitoria e a acessão, embora efectivamente se apresentem com caracteres idênticos, pois há sempre um benefício material para a coisa, constituem realidades jurídicas distintas. A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. São benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo enfiteuta, pelo possuidor (artigos 1273-1275), pelo locatário (artigos 1074 e 1082), pelo comodatário (artigo 1138) e pelo usufrutuário (artigo 1450); são acessões, os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um simples detentor ocasional" (Rev. Leg. Jur., ano 108, pg. 266).</font><br>
<font>Ora, integrando-se o bem doado - terreno - nos bens da comunhão geral, não existem dúvidas que a construção pelos ex-cônjuges nesse terreno de uma casa constitui uma benfeitoria e não uma acessão.</font><br>
<font>Por isso, se entende que ao caso não é aplicável o disposto no artigo 1728 nº 1 do Código Civil, como defende o Meritíssimo Juiz a quo, na medida em que o regime adoptado pelos cônjuges foi o da comunhão geral de bens - artigo 1732º do Código Civil - , e o terreno onde foi construída a casa perdeu a sua natureza rústica passando a constituir um prédio misto, uma realidade autónoma.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, deve constar do inventário, e assim ser relacionado, o prédio misto, por ser bem comum do casal, independentemente da casa ter sido construída com dinheiro do ex-marido ou com dinheiros dados pelos pais da ex-mulher, por o artigo 1790 do Código Civil não ser aplicável, neste momento, ao caso.</font><br>
<font>Com efeito, determina este artigo que o cônjuge declarado único ou principal culpado não pode, na partilha, receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>Tal preceito legal não diz que se o regime de bens do casamento foi o da comunhão, há que considerar, para efeitos de partilha, que o regime que vigorou foi o da comunhão de adquiridos, ou que este seja forçosamente aplicável.</font><br>
<font>O regime de bens não é de forma alguma alterado.</font><br>
<font>Por isso, e na hipótese dos autos, todos os bens dos cônjuges (presentes e futuros à data da celebração do casamento), são, em princípio, comuns. E, como tal, devem ser partilhados, sem ter que considerar-se massas patrimoniais diversas, uma constituída por bens próprios levados pelo cônjuge para o casamento, que lhe advierem por sucessão ou doação, adquiridos na constância do matrimónio por direito próprio anterior, sub-rogados no lugar de bens próprios, etc. - artigos 1722, 1723, 1726, e 1729 -, e outra constituída por bens comuns (artigos 1724, 1726), só estes devendo ser partilhados.</font><br>
<font>Por outro lado, nada impede que os bens doados a um dos cônjuges venham a ser licitados pelo outro.</font><br>
<font>O que o cônjuge culpado é receber, em valor, mais do que aquilo que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>Assim, não haverá lugar, no caso, à remessa dos autos para os meios comuns, mas antes deve o prédio misto ser relacionado como bem comum do casal.</font><br>
<font>Do recurso subordinado (apelante A)</font><br>
<font>O conhecimento do presente recurso passa pela análise da seguinte questão: se o urbano constituído pelo ex-casal na vigência do matrimónio e um imóvel doado à ex-mulher, deve ser considerado bem comum.</font><br>
<font>Tal questão já foi tratada anteriormente a determinar a procedência do recurso.."</font><br>
<br>
<font>Efectivamente, tendo sido doado à recorrente B, quando já era casada com o recorrido, o prédio em que viria a ser construído pelo ex-casal a sua casa de habitação, e sendo o regime adoptado o da comunhão geral de bens, tal prédio passou a pertencer ope legis, em comum, aos então cônjuges - cfr. artigo 1732º do Código Civil. </font><br>
<font>E se é certo que o casamento dos dois se dissolveu por divórcio, em que foi o recorrido tido como único culpado, não é menos certo que o dito bem não deixou de ser tido como bem comum, por essa razão.</font><br>
<font>É que o artigo 1790º do Código Civil não determina, de forma alguma, uma alteração do regime de bens; unicamente dispõe que o cônjuge culpado não poderá, na partilha, receber mais do que receberia caso o regime de bens fosse o da comunhão de adquiridos, porquanto, fora dos casos admitidos, taxativamente (cfr. artigo 1715º do Código Civil) pela lei, não se torna possível alterar o regime de bens depois da celebração do casamento.</font><br>
<font>O artigo 1790º em questão apenas estabelece um comando que deverá ser observado na partilha e jamais desta exclui os bens que um dos cônjuges receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>Neste sentido, vejam-se (entre muitos outros) os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.84 e 5.7.90, proferidos, respectivamente nos processos nºs 071919 e 079437 (retirados do site do Supremo Tribunal de Justiça).</font><br>
<font>Neste indicado sentido vai igualmente a nossa mais consagrada doutrina.</font><br>
<br>
<font>Assim, a propósito do artigo 1790 do Código Civil, escreve Jacinto Bastos em Notas ao Código Civil, págs. 227 e 228: "O disposto neste artigo não significa que tenha necessariamente de observar-se as regras que regulam a partilha no regime da comunhão de adquiridos; o que há que averiguar é se o cônjuge declarado único culpado é favorecido na partilha realizada segundo o regime de bens do seu casamento, em comparação com o regime da comunhão de adquiridos se a aplicação do regime de bens adoptado no casamento lhe fixar menos meação, esse regime será o aplicado."</font><br>
<font>Também, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, IV, 1992, a pag. 562, ensinam: "Seja qual for o regime de bens convencionado ou aplicado por força da lei, esse cônjuge não pode receber na partilha mais do que lhe pertenceria, se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>A sanção prescrita na lei não significa que o regime aplicável à partilha seja necessariamente o da comunhão de adquiridos, artigo 1790. O que importa, na correcta aplicação da lei e do pensamento legislativo, é confrontar o resultado que advém para o cônjuge declarado único culpado ou principal culpado da aplicação do regime convencionado ou legalmente fixado com o que se obteria mediante a aplicação do regime da comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>Porque só no caso de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo é que a lei manda aplicar este último."</font><br>
<font>Em suma: a sanção prescrita no artigo 1790º do Código Civil não equivale a dizer que o regime aplicável à partilha seja, forçosamente, o da comunhão de adquiridos.</font><br>
<font>Posto isto, será importante relevar que tendo o terreno (rústico) sido doado à recorrente na constância do seu casamento e, como tal, logo à partida, dever ser considerado como bem comum e, independentemente de, posteriormente, o ex-casal nele ter edificado uma casa (com dinheiro do ex-marido ou dos pais da recorrente - tal não foi possível apurar, mas o certo é que, para o caso, tal não é importante), o certo é que o prédio misto assim constituído, não deixou de ter a qualificação de bem comum, só pelo facto de ter havido um divórcio com culpa exclusiva do recorrido.</font><br>
<font>E como bem comum que é, assim deverá ser relacionado e partilhado, sem que haja alguma necessidade de considerar acervos patrimoniais distintos.</font><br>
<font>Por outro lado, como muito bem é referido no douto acórdão recorrido, nada impede que os bens doados a um dos cônjuges venham a ser licitados pelo outro ou mesmo a ser atribuídos, por efeito de partilha, ao outro.</font><br>
<font>O que é importante, por aplicação do prescrito no artigo 1790º do Código Civil, é que o cônjuge considerado culpado não poderá receber, em valor, mais do que aquilo que receberia, caso o casamento houvesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. </font><br>
<br>
<font>Termos em que ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e, em consequência, confirmar o douto acórdão recorrido, fazendo também uso, para tanto, do que é prescrito no artigo 713º nº 5 do Código Processo Civil.</font><br>
<font>Lisboa, 29 de Outubro de 2002</font><br>
<font>Ponce Leão,</font><br>
<font>Afonso de Melo,</font><br>
<font>Afonso Correia..</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7DIcvIYBgYBz1XKvP5ho | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Na comarca de Lagos, A propôs contra B, J. Martins & Martins, Lda, e Companhia de Seguros Tranquilidade a presente acção de indemnização por acidente de viação, na qual pediu que os réus fossem condenados solidariamente a pagarem-lhe a quantia de 504000 escudos de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu do acidente de viação ocorrido em 24 de Setembro de 1976.<br>
Nas suas contestações os réus J. Martins & Martins Lda e Companhia de Seguros Tranquilidade pediram a improcedência da acção e o primeiro réu não contestou.<br>
No saneador, além de ser concedida ao autor a assistência judiciária, deixaram-se para final a apreciação das excepções e, depois, organizaram-se a especificação e o questionário.<br>
Seguiu o processo os tramites normais e foi feito o julgamento mas, em consequência de recurso, foi anulado o processo desde inclusive o julgamento.<br>
Realizado um segundo julgamento, nele pediu o autor a ampliação do pedido com fundamento na correcção monetária e nos juros, o que foi admitido.<br>
Mas já antes a ré Tranquilidade havia feito parte do pagamento do remanescente do capital garantido pela apólice, no montante de 199700 escudos, e mais pediu se declarasse extinta a instância relativamente a ela, pedido este que, contudo, foi indeferido.<br>
Após o julgamento, a sentença de 1 instância condenou os réus solidariamente a pagarem ao autor a quantia de 1664000 escudos acrescida de juros à taxa anual de 5 por cento desde 20 de Fevereiro de 1980 até 5 de Agosto de 1980, à taxa anual de 23 por cento desde 6 de Agosto até 28 de Abril de 1987 e à taxa anual de 15 por cento desde esta última data até integral pagamento, sendo, porém, que a ré Tranquilidade pagará, apenas, os juros decididos às taxas anuais acabadas de referir, "desde 1 de Junho de 1984, momento em que deixou de estar em mora, por ter pago o capital seguro ao autor, juros que incidirão, tão só sobre a quantia de 197000 escudos".<br>
Desta sentença interpuseram recurso a ré J. Martins & Martins Lda, este recurso principal, e a ré Tranquilidade, este recurso subordinado no que respeita<br>
à condenação em juros.<br>
Posteriormente, o Tribunal da Relação decidiu não conhecer do recurso subordinado interposto pela ré Tranquilidade.<br>
Mas, já antes, a mesma ré Tranquilidade havia requerido a sua adesão ao recurso da apelante J. Martins & Martins Lda, nos termos e para os efeitos dos ns. 3 e 4 do artigo 683 do Código de Processo Civil, o que foi deferido.<br>
Seguidamente o Tribunal da Relação deu parcial provimento ao recurso da ré J. Martins & Martins Lda e condenou esta a pagar ao autor a quantia de 808000 escudos e juros contados sobre a quantia de 504000 escudos à taxa anual de 23 por cento entre 21 de Junho de 1983 até 28 de Abril de 1987 e à taxa anual de 15 por cento desde 29 de Abril de 1987 até integral pagamento e manteve em tudo o mais a sentença recorrida, assim improcedendo a apelação da ré Tranquilidade.<br>
Deste acórdão recorreram para o Supremo o autor e a ré Tranquilidade.<br>
Na sua alegação, o autor conclui assim:<br>
I - a actualização monetária é devida e deve atender ao muito tempo decorrido e à grande inflação verificada;<br>
II - são devidos juros pelo muito tempo decorrido e de acordo com as taxas de inflação;<br>
III - são os lesantes e não o lesado quem terá de suportar os efeitos da desvalorização e do não pagamento tempestivo;<br>
IV - a sentença de 1 instância não merece censura e deve ser mantida, uma vez que interpretou correctamente as disposições legais, mas o acórdão recorrido deve ser revisto.<br>
Na sua alegação, a ré Tranquilidade conclui assim:<br>
I - nenhuma razão há para o Tribunal da Relação não ter conhecido do recurso da Tranquilidade, o qual se prevê na alínea c) do n. 1 do artigo 483 e não na alínea a) do mesmo preceito.<br>
II - ao efectuar o pagamento comprovado a folhas 230, a ora recorrente extinguiu a sua obrigação e, parcialmente, e da sua ("seguradora" é lapso manifesto) e o autor aceitou esse pagamento e seu pressuposto de que com ele se esgotava o capital seguro e, consequentemente, a obrigação da recorrente, nada obstando a que pagasse tudo aquilo a que estava obrigada ou possa estar, antes da decisão final do pleito;<br>
III - ao receber, há cerca de 9 anos, o capital em dívida, o autor beneficiou do real valor da moeda nessa altura, pelo que será absurdo condená-la em juros, desde essa data;<br>
IV - Com o pagamento de folhas 230 extinguiu-se a obrigação da recorrente e até lá não houve mora no cumprimento da obrigação.<br>
V - o autor aceitou expressamente o pagamento, com ele se conformando e só em alegações do recurso da sentença veio pedir juros.<br>
VI - a decisão recorrida violou os artigos 683 n. 2 alínea a) do Código de Processo Civil, 12 e 806 n. 1 do Código Civil, pelo que deve ser revogada, absolvendo a recorrente do pedido.<br>
Como o autor não tivesse especificado a norma jurídica violada, foi este recorrente convidado a indicá-la, nos termos do disposto no n. 3 do artigo 690 do Código de Processo Civil, e, então, disse que eram os artigos<br>
805 e 806 do Código Civil.<br>
A recorrida J. Martins & Martins Lda não contra-alegou.<br>
Vêm provados os factos seguintes:<br>
1 - o acidente verificou-se em 24/9/76;<br>
2 - o acordo de seguro feito entre a ré J. Martins & Martins Lda e a ré Tranquilidade responsabilizava esta até ao capital de 200000 escudos e esta última pagou ao autor 199700 escudos em 1 de Junho de 1984 e, ao tempo da propositura da acção, já dispunha 300 escudos para elaboração dos autos.<br>
Apreciemos os recursos, começando pelo do autor.<br>
Se bem entendermos, o recurso deste limita-se à seguinte questão: pretende a actualização da indemnização tanto por força dos juros devidos pelo não pagamento tempestivo duma indemnização, pelo que entende ser de manter a sentença de 1 instância e não o acórdão recorrido.<br>
Não tem contudo, razão.<br>
Efectivamente, não é permitido cumular o aumento do montante indemnizatório decorrente da desvalorização da moeda com os juros de mora pelo não pagamento tempestivo de indemnização porque isso implicaria um indevido enriquecimento do lesado por aplicação simultânea do n. 2 do artigo 566 e do n. 3 do artigo 805, ambos do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1987, Boletim do Ministério da Justiça 370 , 505; acórdãos das Relações,<br>
C. J. 1989, T2, 42 e T3, 123 e Boletim do Ministério da Justiça 366, 590; F. Correia das Neves, Manual dos Juros, 327).<br>
E acontece, a este respeito, que o n. 3 do artigo 805 do Código Civil, na redacção introduzida pelos Decretos-Lei 262/83, de 16 de Junho, se não aplica ao presente caso, por ser inválido e é aplicável nos casos em que o termo inicial da mora por ele fixado (a citação) ocorre já depois do início da sua vigência (F. Correia das Neves, ob. cit., 326).<br>
Na verdade, é interpretativa "toda a lei que, ou por declaração expressa ou pela sua intenção de cessar, exteriorizar, se propõe determinar o sentido de uma lei precedente" (Francisco Fenaca, traduzido por Manuel<br>
Morale em Ensaios sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 2 edição, 132); por sua vez, Oliveira Ascenção afirma que uma lei interpretativa tem por fim interpretar a lei antiga e este fim é anunciado por declaração expressa do diploma ou ver seu preâmbulo (O Direito, Introdução e Teoria Geral, 196). Mas nada disto se verifica quanto ao Decreto-Lei 262/83, pelo contrário, dos próprios textos do preâmbulo resulta tratar-se da lei inovadora. E a jurisprudência, de longe maioritária, tem empregado esta mesma tese (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21/02/85,<br>
5/02/87, 19/02/87, 05/05/88 e 23/04/90, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 344, 427, 364, 319, 364, 845, 377, 471 e 396, 393).<br>
Sendo assim, vale, neste caso, ainda o texto do n. 3 do artigo 805 anterior à actuação do Decreto-Lei 262/83, segundo o qual, sendo o crédito ilíquido, não há mora enquanto se não tornou líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável às decisões.<br>
Nesta conformidade, só haveria lugar a juros quando o crédito da indemnização se tornasse líquido.<br>
Simplesmente, que a ré J. Martins & Martins Lda não recorre do acórdão da Relação que a condenou em juros desde 21/06/93 até integral pagamento, tal acórdão transitou nesta parte e só resta obedecer-lhe, não obstante a desconformidade com a lei.<br>
No entanto, há ainda uma outra parte em que o acórdão recorrido tocou e em que o autor obteve ganho de causa.<br>
Vejamos.<br>
A Relação aumentou a indemnização por virtude da desvalorização da moeda, consoante a ampliação do pedido, e fixou-a em 1008000 escudos, após o que lhe deduziu o montante do seguro pago pela ré Tranquilidade, reduzindo-a a 808000, mas só condenou em juros sobre a quantia inicialmente pedida de 504000 escudos.<br>
Ora, entendemos que os juros devem incidir sobre aquela quantia de 808000 escudos, porquanto na altura do inicio dos juros, já o montante da indemnização, aumentava por força da inflação, e diminuída por via do pagamento do capital do seguro, se cifrava naqueles 808000 escudos, sendo esta a quantia não paga tempestivamente ao lesado, isto é, desde o momento em que a Relação estabeleceu que eram devidos juros.<br>
Nesta ordem de ideias, o recurso do autor tem parcial provimentos, pois que se mantém a condenação da ré J. Martins & Martins Lda a pagar ao autor a quantia de 808000 escudos, com juros nos termos decididos pela<br>
Relação ou contados sobre esta quantia de 808000 escudos e não sobre a quantia de 504000 escudos.<br>
Passando ao recurso da ré Tranquilidade, vê-se que este ataca o acórdão recorrido que a condenou a pagar juros sobre a quantia de 197000 escudos, às taxas anuais fixadas para a outra ré, desde 1/6/84 e pretende se julgue que não tem a pagar quaisquer juros.<br>
Decorre dos autos que as citações dos réus tiveram lugar em fins de Dezembro de 1979 e princípios de Janeiro de 1980, portanto muito antes do início de vigência do Decreto-Lei 262/82, que começou a vigorar em 21/06/83.<br>
E nós já vimos que o n. 3 do artigo 805 do Código Civil, na redacção dada por este Decreto-lei, é inovador e não se aplica ao caso presente, porque o termo inicial da mora ocorre antes do início de uma vigência, isto é, as citações foram feitas antes do início de vigência do novo regime do n. 3 do artigo 805.<br>
Mas, aplicando-se o regime anterior, como também já se disse, não havia mora, nos casos de crédito ilíquido, enquanto este se não tornasse líquido.<br>
E o crédito do autor sobre a ré Tranquilidade veio a liquidar-se muito depois de esta ré ter pago todo o montante do seguro em 1/6/84.<br>
Com efeito, tem sido controvertido o momento em que o crédito se torna líquido, ou seja, o momento a partir do qual se vencem juros moratórios. Parte da jurisprudência tem entendido que esse momento é o do encerramento da discussão em 1 instância a que alude o n. 1 do artigo 663 do Código de Processo Civil, mas a parte maioritária da jurisprudência e a doutrina vêm defendendo que o crédito só se torna líquido com a fixação da indemnização por decisão definitiva transitada em julgado, sendo a partir daí que se contam os juros moratórios (acs. do Supremo Tribunal de<br>
Justiça de 21/2/85 e de 5/2/87, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça 344, 427 e 364 e 819; Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência 102, 85; Vaz Serra, Revista de legislação e Jurisprudência 112, 327; A. Pinto Monteiro, Inflacção e Direito Civil, 24 e seguintes; F. Coreia das Neves, ob. cit, 316).<br>
Mas, no caso sub-judice, não é preciso tomar partido na controvérsia, já que, quer se atenda ao momento do encerramento da discussão em 1 instância quer se atenda ao momento do trânsito em julgado da decisão, sempre estariamos em face de acontecimentos ocorridos após o pagamento ao lesado pela ré Tranquilidade do montante do seguro, pelo que nunca esta ré chegou a estar em mora e por isso não deve quaisquer juros.<br>
Nesta conformidade procede inteiramente o recurso da ré Tranquilidade, impondo-se nesta parte, a revogação do acórdão recorrido.<br>
É certo que a Relação decidiu não conhecer do recurso subordinado interposto pela ré Tranquilidade, que já se disse.<br>
Todavia, a mesma ré aderiu ao recurso da ré J. Martins & Martins Lda, nos termos da alínea c) do n. 2 do artigo 683 do Código de Processo Civil, visto terem ambas sido condenadas como devedoras solidárias. Tal adesão conferiu-lhe o direito de tornar à posição de parte principal, nos termos do n. 4 deste artigo 683 não só quando a primitiva recorrente haja desistido como quando continue com o recurso (Alberto Reis C.P.C. Anotado, Volume V, 294 e seguintes). Daí a necessidade de apreciar semelhante recurso, como se fez.<br>
Pelo exposto, concedendo parcial provimento ao recurso do autor e inteiramente ao da ré Tranquilidade, condena-se a ré J. Martins & Martins a pagar ao autor a quantia de 808000 escudos, acrescida de juros legais sobre esta mesma quantia, à taxa de 23 por cento ao ano desde 21/6/83 até 28/4/87 e à taxa de 15 por cento ao ano desde 29/4/87 até integral pagamento, e absolve-se a ré Tranquilidade do pagamento de quaisquer juros.<br>
Custas pela ré J. Martins & Martins Lda, na proporção de metade para cada um, decerto, porém, atendeu-se a que o autor goza de assistência judiciária.<br>
Rasurei:"veio", "não", "assistência", "desde", "acórdão". Interlinhei "conhecido".<br>
Lisboa, 21 de Setembro de 1993.<br>
Fernando Fabião.<br>
César Marques.<br>
José Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
9TIFvIYBgYBz1XKvHXkh | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A e mulher B (aquele entretanto falecido na pendência desta acção, sendo julgados habilitários aquela e o filho de ambos C) intentou acção ordinária contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Pombal, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 10670000 escudos, bem como a importância indemnizatória que se vier a liquidar em execução de sentença.<br>
O processo correu seus termos com contestação da Ré, tendo os Autores apresentado réplica, a qual foi julgada processualmente inadmissível, com o consequente desentranhamento dos autos, tendo dessa decisão agravado aqueles, sem êxito.<br>
Após audiência de julgamento foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, dela tendo apelado os<br>
Autores também sem êxito, pelo que recorreu agora de revista.<br>
Formulam eles nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
1 - A defesa da Ré, ao contrário do que se julgou nas instâncias, comporta verdadeira excepção, a que os<br>
Autores deviam ser admitidos a responder.<br>
2 - Daí a pertinência da réplica, atempadamente apresentada e logo, indevidamente mandada desentranhar pela Juíza, que ao tempo dirigia o processo.<br>
3 - E a falta da réplica, onde se apresentavam factos que não puderam ser tomados em conta, enfraqueceu necessariamente a posição dos Autores, privados de deduzir e fazer valer toda a defesa que lhes pertencia.<br>
4 - O agravo só não deve obter provimento, por perda de objecto, se apesar da posição de fraqueza criada aos<br>
Autores, a acção mesmo assim deva proceder, como se crê ser o caso.<br>
5 - Com efeito, o contrato celebrado entre Autores e Recorrentes, conquanto denominado de conta corrente, reconduz-se a uma relação obrigacional de mútuo, só diferindo deste no que concerne ao momento da constituição da obrigação do pagamento e à data do vencimento da dívida, coincidente, como é sabido, com o encerramento da conta.<br>
6 - Assim, a obrigação de disponibilidade da importância mutuada tanto se verifica no contrato de mútuo, como no contrato de conta corrente.<br>
7 - Não pode, pois, a distinção entre contrato de conta corrente e o simples contrato de mútuo ter sido a razão da improcedência do pedido.<br>
8 - O que está em causa é o incumprimento por parte da caixa da obrigação de colocar à disposição dos Autores a importância do aumento estabelecido na escritura de<br>
17 de Junho de 1991, e não, como se considera no acórdão, a promessa de um financiamento mais vasto, a que a Caixa faltou e que poderá ser objecto de outro procedimento baseado no contrato de promessa.<br>
9 - Essa obrigação é corolário de assinatura de escritura de ampliação do crédito, e a ela não obstou a matéria dada como provada, com a resposta positiva aos quesitos 14 a 19, pois, uma coisa, é a Caixa ter posto tais condições para concessão do crédito, outra que essas condições devessem persistir após a assinatura do contrato delas dependente.<br>
10 - E sabe-se que na prática, como é natural e de boa prudência tais condições são exigidas como condicionantes de celebração da escritura.<br>
11 - O que leva a concluir que na hora em que a escritura foi assinada os Autores haviam satisfeito as condições indispensáveis, ou delas foram dispensados por quem representava a credora, já que estes bens conheciam os efeitos definitivos e irrevogáveis de tal acto.<br>
12 - E se acaso assim não fosse devia ter-se exarado na escritura a obrigação de satisfazer tais exigências, como condição da eficácia da mesma, pois, se tratava de cláusulas para as quais se verifica a mesma exigência da forma.<br>
13 - Deste modo, ou as respostas aos quesitos 14 a 19 são tomadas no sentido de uma exigência prévia à celebração da escritura, ou devem considerar-se nulas, por violarem o artigo 655 n. 2 do Código de Processo<br>
Civil.<br>
14 - Os registos feitos sobre o mesmo prédio, constantes da certidão junta aos autos na audiência de julgamento, não podem servir como desculpa do incumprimento por parte da Caixa, porque são posteriores ao incumprimento por este, e, mais do que isso, consequência desse incumprimento.<br>
15 - A falta de disponibilização da importância constante da escritura, com que os Autores contavam para satisfazer encargos imediatos, criou a estes as maiores dificuldades, que se avolumaram no decorrer do tempo e obrigaram a operações de emergência, demasiado onerosas, numa tentativa de salvar o que ainda era susceptível de ser salvo.<br>
16 - Foi essa uma das queixas apresentadas na petição e por tais consequências se pediu, e é justo que se decrete, a respectiva indemnização, em parte liquida e noutra parte a liquidar.<br>
17 - Por fim argumenta-se no acórdão sob censura com uma cláusula inserta no documento complementar, segundo a qual o crédito aberto podia cessar se os devedores deixassem de cumprir qualquer das obrigações de mutuário.<br>
18 - Mas além do valor relativo de tais cláusulas, chamadas gerais, face ao disposto no Decreto-Lei 446/85 de 25 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei 220/95 de<br>
31 de Agosto, não há dúvida de que se trata de cláusulas preventivas da conduta dos devedores na vigência do contrato, e nada têm a ver com a obrigação assumida pela credora no momento em que se assina a escritura.<br>
19 - Finalmente, o acórdão, depois de julgar aplicável o n. 3 do artigo 393, digo, aplicável ao caso o artigo<br>
236 do Código Civil, contrapõe-lhe o n. 3 do artigo<br>
393, como se este abrisse a porta da prova testemunhal para casos como o presente.<br>
20 - Mas, citando o n. 1 do artigo 238, omite o que dispõe o n. 2, "in fine", desse artigo, que constitui por assim dizer, a chave do problema, ao exigir a mesma forma legal para cláusulas de que dependa a eficácia do contrato.<br>
21 - Violadas foram, pois, pelo acórdão recorrido, todas as disposições legais citadas ao longo das presentes conclusões e ainda os artigos 406 do Código<br>
Civil e 502 e 511 do Código de Processo Civil.<br>
Não houve contra alegação.<br>
Corridos os vistos cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais a matéria de facto dada como provada:<br>
1 - Os Autores idealizaram e lançaram no lugar de Água<br>
Travessa um largo empreendimento de minicultura, obedecendo às mais modernas técnicas conhecidas;<br>
2 - Não dispondo de todo o dinheiro necessário a tão vultuoso empreendimento, os Autores desde meados de<br>
1990, entraram em contacto com a Ré em ordem a obter desta o financiamento necessário e para o qual ela está, por princípio, vocacionada.<br>
3 - E obtiveram desta a promessa de apoio financeiro inicialmente estimado em 30000000 escudos, mas, posteriormente, ampliado até ao limite de 70000000 escudos.<br>
4 - Os Autores obtiveram num primeiro momento um financiamento de 4000000 escudos, concretizado por escritura, de 30 de Março de 1990, (documento de folhas<br>
7 a 13) e mais tarde um reforço de 10000000 escudos, concedidos por escritura de 17 de Maio de 1991.<br>
5 - Tais escrituras foram precedidas do registo de hipoteca sobre o prédio descrito na Conservatória sob o n. 01469, da freguesia de Pelariga.<br>
6 - Os Autores endereçaram às Rés as cartas datadas de<br>
5 e 9 de Julho de 1991, constantes de folhas 24 e 25.<br>
7 - Apesar da escritura de 17 de Maio de 1991, a Ré recusou-se a pôr à disposição dos Autores a importância da última ampliação, ou seja, 10000000 escudos.<br>
8 - Os Autores avançaram com a obra à custa de recursos próprios e algumas ajudas particulares.<br>
9 - O total dos trabalhos realizados ronda a quantia não apurada.<br>
10 - Devido à falta de financiamento por parte da Ré, no que respeita à quantia de 10000000 escudos, houve um atraso na obra por tempo não determinado.<br>
11 - A tal atraso correspondeu um prejuízo não apurado.<br>
12 - Os Autores, com vista à obtenção de tal empréstimo e por diligência da Ré, obtiveram registos e elaboraram estudo económico.<br>
13 - Em despesas de registo dispenderam quantia não apurada.<br>
14 - Com o custo da escritura dispenderam quantia não apurada.<br>
15 - Com cópias do projecto para entregar à Ré gastaram quantia não apurada.<br>
16 - Com deslocações para adquirir outros elementos necessários dispendeu quantia não apurada.<br>
17 - O financiamento em causa ficou condicionado ao cumprimento pelos Autores de algumas obrigações que se traduziram, para além da hipoteca, referida, na celebração de contrato de seguro, junto da Companhia de Seguros "O Trabalho", consubstanciado na celebração de todos os seguros obrigatórios e de incêndios, e<br>
18 - A não oneração do prédio dado em garantia, nem celebração de contrato promessa de alienação, nem deterioração do mesmo prédio e<br>
19 - A entrega à Ré de certidão de registo de hipoteca e da fotocópia da apólice do contrato de seguro efectuado.<br>
20 - Os Autores não celebraram o contrato de seguro na<br>
Companhia de Seguros "O Trabalho".<br>
21 - Para ampliação do crédito a Ré exigiu, para além das obrigações já referidas, que os Autores provassem documentalmente o pagamento dos investimentos realizados até àquela data.<br>
22 - Os autores não provaram documentalmente os referidos investimentos.<br>
Feita esta enumeração dos factos provados, começaremos por salientar que os Autores carecem de razão quando alegam que a réplica que apresentaram devia ter sido admitida, contrariamente ao que foi decidido, já que no seu entender o Autor se defendeu por excepção.<br>
Com efeito, preceitua-se no n. 2 do artigo 487 do<br>
Código de Processo Civil que:<br>
"O Réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo Autor; defende-se por excepção quando alega factos que obstem à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido".<br>
Por outro lado, estabelece-se no artigo 502 n. 1 também do Código Processo Civil que à contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção, e somente quanto à matéria desta...<br>
Significa isto desde logo que mesmo no processo ordinário passou a haver, em princípio, apenas dois articulados, deixando, assim, a réplica de ser um articulado normal.<br>
E porque tal sucede tem relevância a distinção entre defesa por impugnação e defesa por excepção, como se evidência no caso "sub judice".<br>
Como destaca o Professor Antunes Varela, in Rev. Leg. e<br>
Jur. ano 121, página 16, e se refere no acórdão recorrido: "A admissibilidade da réplica depende, no actual sistema, da questão delicada de saber se o réu na contestação apenas se defendeu por impugnação, ou também deduziu alguma excepção, quer processual, quer material.<br>
Como o juiz, não tem, no entanto que proferir despacho prévio autorizando o autor a replicar, é sobre o advogado do autor que uma vez notificado da apresentação da contestação passou a recair, na prática o ónus de classificação da defesa apresentada pelo réu, para saber se pode e deve ou não, replicar na defesa dos interesses do seu constituinte.<br>
Não quer isto dizer que o juiz, fique deste modo liberto do julgamento da dificuldade.<br>
Quando, findos os articulados, ou logo que o réu reclame contra a simples apresentação da réplica, o processo lhe vá às mãos o juiz terá que se pronunciar sobre a admissibilidade da réplica, classificando a defesa apresentada pelo réu e tirando dela as consequências adequadas, que incluem naturalmente a possibilidade de rejeição do segundo articulado do<br>
Autor".<br>
Ora foi justamente isto que sucedeu no caso presente, tendo o juiz entendido que havia tão só defesa por impugnação, o que de modo algum enfraqueceu a posição processual dos Autores ora recorrentes, contrariamente ao por eles afirmado - diferente seria se estes entendessem que só tinha havido defesa por impugnação e o juiz entendesse que tinha havido defesa por excepção, pois, neste caso, se os Autores não replicassem sofreriam as consequências referidas nos artigos 505 e<br>
490 do Código de Processo Civil (v. o Acórdão da<br>
Relação do Porto de 3 de Abril de 1990, C.J. XV, 2,<br>
222, em que se salienta, além do mais, que a distinção entre a negação motivada e a excepção peremptória é susceptível de provocar, na prática algumas dúvidas, e entende-se que, então, a defesa deve ser qualificada como impugnação, pela maior garantia dada à verdade material em face dos efeitos resultantes da falta de resposta).<br>
Correcto o entendimento do juiz e a afirmação no acórdão de que se está em presença de uma negação da Recorrente motivada, isto é, na afirmação desta de que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica; de uma versão diferente do facto visado - aceitando-se, porém, algum elemento dele - e tal que daí não pode ter resultado o efeito jurídico pretendido pelo autor; numa contraversão ou contra - exposição do mesmo facto (v.<br>
Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo<br>
Civil, 1993, reimpressão, páginas 127 e seguintes).<br>
E tudo isto, porque, em suma, a Ré na sua contestação alega que aceitou conceder aos Autores um financiamento, mas que este estava subordinado ao cumprimento de determinadas obrigações por parte destes, as quais eles não cumpriram, não sendo, por isso, verdade que ela culposamente, e sem mais se obstinasse em não cumprir a obrigação que contratualmente assumira.<br>
Pelo exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, se conclui e decide no sentido da inadmissibilidade da réplica apresentada pelos<br>
Autores.<br>
Posto isto, encaremos agora a questão da procedência ou não procedência do pedido formulado por eles.<br>
Como primeira nota a este propósito o ser sabido que a existência de tipos contratuais legais, de catálogos de modelos contratuais consignados na lei e aí regulamentados de modo tendencialmente completo ou pelo menos suficiente, suscita a qualificação dos contratos que são celebrados na vida de relação.<br>
A qualificação de um certo contrato como deste ou daquele tipo tem consequências determinantes no que respeita à vigência da disciplina que constitui o modelo regulativo do tipo. Como modelo injuntivo e como direito dispositivo, o modelo regulativo do tipo dá sempre um contributo importantíssimo para a disciplina do contrato julgado típico - v. Pedro Pais Vasconcelos,<br>
Contratos Atipicos, 1995, página 160, que acrescenta que na doutrina tipológica a qualificação não constitui um processo de subsunção a um conceito, mas de correspondência do contrato a um tipo. A qualificação é um juízo predicativo que tem como objecto um contrato concretamente celebrado e que tem como conteúdo a correspondência de um contrato a um ou mais tipos, bem como o grau e o modo de ser dessa correspondência.<br>
Feitas estas considerações diremos nesta sede, e no que concerne ao caso "sub judice", que estamos em face de um contrato de abertura de crédito referenciado no artigo 362 do Código Comercial.<br>
Na verdade, nesta disposição se estatui que:<br>
"São comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerários ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de crédito, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador".<br>
Na decisão de um caso semelhante ao presente, assinala-se no Acórdão deste S.T.J. de 8 de Junho de<br>
1993 (in Col. Jur., Acórdão do S.T.J., I, 3, páginas 5 e seguintes) que o dito contrato, não está, porém, regulamentado, dependendo dos termos contratuais, salvaguardados os limites legais (artigo 405 do Código<br>
Civil).<br>
Não há uma conceptualização e regulamentação no direito português de tal contrato, dependendo do auto-governo jurídico privado, que os contraentes definam em cada caso concreto, ressalvados os princípios gerais imperativos.<br>
Ora nesta base fácil é constatar que o concreto contrato de abertura de crédito em apreço não é constitutivo de qualquer direito da creditada a um pagamento pela creditante.<br>
O que o clausulado assente e já referenciado revela é apenas um contrato tipo preliminar ou titulador de algo como promessa de empréstimo ou empréstimos mediante o condicionalismo que previu (cfr. Prof. Antunes Varela,<br>
Rev. Leg. Jur. 124, 255/256).<br>
E isto nada tem de estranho pois, até no concernente a um comodato (por definição, contrato gratuito pode haver um preliminar (artigo 1129 do Código Civil;<br>
Professor Antunes Varela e P. Lima, "Anotado" II, 3. edição, página 660).<br>
Com efeito, "in casu", a creditante assumiu uma obrigação "de contrahendo", ou seja, de vir a realizar empréstimos propostos pela creditada, verificados que fossem os respectivos pressupostos, e, designadamente enquanto nenhuma das partes pusesse fim ao contrato.<br>
Está assim tipificada obrigação de "facere" que de modo algum se identifica com pagamento (cfr. Professor J.J.<br>
Pinto Coelho, R.L.J. 82, v.g. páginas 228/229), o que, aliás, se revela na presente acção, em que está em foco um eventual injustificado incumprimento da obrigação por parte da Ré, com base no preenchimento nos pressupostos da responsabilidade civil - sabe-se bem que no direito civil no sector do incumprimento de obrigações vigora a regra de que, em princípio a obrigação de indemnizar se tem de ligar a um comportamento culposo daquele sobre quem ela impende,<br>
(cfr. artigo 483 do Código Civil).<br>
E o que se torna certo no caso "sub judice" é o não cumprimento por parte dos peticionantes, que não da Ré, provado como está que os Autores não preencheram as condições que lhe foram impostas para poderem beneficiar do financiamento em causa, sendo, assim, de todo insubsistente e injustificado pedido de indemnização com base no incumprimento contratual por parte da Ré.<br>
Com isto se vai caminhando no sentido de salientar a impertinência das conclusões das alegações dos autores recorrentes, que chamaram também à colacção razões de forma no concernente às condições ou cláusulas várias de que dependia o efectivo financiamento deles por parte da Ré, mas sem razão.<br>
Na verdade, há que ter em conta o que se preceitua nos artigos 2, 29 e 36 do regulamento previsto no<br>
Decreto-Lei 231/82 de 17 de Junho, e único do<br>
Decreto-Lei 32765 de 29 de Abril de 1993 e 396 do<br>
Código Comercial a apontar no sentido de que se admite qualquer género de prova nesta sede.<br>
E sabe-se que no direito dos contratos privados constitui regra geral a liberdade da forma.<br>
Nada a impedir, portanto, o impor das condições, que os<br>
Autores não cumpriram, pela forma que a Ré o fez (cfr. documento de folhas 5 e seguintes?, além do mais) e o dar-se como provado o seu não específico cumprimento por parte daqueles, nos termos das respostas aos pertinentes quesitos...<br>
E o simples exame dos documentos em causa configuram e denunciam, para os olhos de um declaratário normal, a sua regularidade e normalidade em termos vinculativos.<br>
E não se pode esquecer que os contratos são para se cumprir e que há que atender ao carácter normativo-prático dos negócios jurídicos, onde se busca a vontade jurídico-negocial, devendo essa procura nortear-se por princípios jurídico-normativos, como justamente o da boa fé (v. Professor Castanheira Neves,<br>
Questão de Facto e Questão de Direito).<br>
Aliás, quando os contratos se não esgotam no próprio acto do contratar, quando se prolongam para o futuro, implicam sempre promessas, que têm de ser cumpridas.<br>
Os contratos são, como se sabe também, módulos de regulação que contêm imanente em si um projecto próprio de justiça, e esta última não se faria se fosse dada razão aos Autores recorrentes, pois, foram eles que não cumpriram as condições validamente acordadas com a Ré.<br>
Por tudo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, se consideram improcedentes todas as conclusões das alegações dos Autores recorrentes.<br>
Decisão:<br>
1 - Nega-se a revista.<br>
2 - Condenam-se os recorrentes nas custas.<br>
Lisboa, 18 de Fevereiro de 1997.<br>
Fernandes de Magalhães,<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Silva Paixão.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KDLsu4YBgYBz1XKvJFmP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>Companhia de Seguros A, S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra B, pedindo, em exercício do direito de regresso, a condenação deste no pagamento de 3.341.630$00, acrescidos dos juros legais desde a data da citação até integral pagamento, quantia que pagou aos lesados em virtude do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5357252 relativo ao veículo matrícula SF, alegando, em síntese, que, no dia 20.12.92, ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo supra referido conduzido pelo R. e o motociclo ZP conduzido por C, apresentando aquele uma TAS de 0,60 g/l, que lhe provocava um estado de euforia, além de diminuir o tempo de reacção aos obstáculos normais da circulação, bem como a percepção as distâncias aos objectos e veículos em andamento, o que foi, sem dúvida, causal do acidente. Do acidente, que ocorreu por culpa exclusiva do R., resultou a morte do condutor do motociclo.</font><br>
<font>Tendo pago as indemnizações ficou a A. com direito de regresso contra o R.</font><br>
<br>
<font>Contestou o R. alegando que o acidente se ficou a dever à conduta do condutor do motociclo que circulava sem as luzes acesas e a velocidade superior a 100 km/h. Mais impugnou a sua alcoolémia - cujo teste só foi realizado cerca de 1.30 h depois do acidente -, uma vez que, após o embate se teria dirigido ao bar sito no posto de abastecimento de combustíveis, onde teria bebido uma cerveja.</font><br>
<font>Prosseguindo a acção seus termos, realizou-se audiência de julgamento, tendo-se respondido ao questionário sem ocorrência de reclamações</font><br>
<font>Em 12 de Outubro de 2001, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o Réu a pagar à A. a quantia de 3.341.630$00, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação (17-11-95) até 16-04-99 à taxa de 10% e, a partir desta data, à taxa de 7%, bem como nos juros vincendos até integral pagamento - fls. 117 a 121.</font><br>
<font>Inconformado, apelou o Réu, tendo, porém, o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 7 de Março de 2002, julgado improcedente o recurso, confirmando a sentença apelada - fls. 160 a 167.</font><br>
<font>Continuando inconformado, traz o Réu a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>1. O Tribunal da 1ª instância fundamentou a procedência da acção no facto de não ter ficado provada a matéria de facto constante dos quesitos 16º e 17º da base instrutória, aliás, também confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora.</font><br>
<font>2. O acidente sub judice ocorreu no dia 20/Dez./92 pelas 1h30m, sendo que a audiência de julgamento nos presentes autos só foi realizada no dia 12/Fev./2001, isto é, decorridos que foram cerca de oito anos e dois meses depois, o que prejudicou seriamente o ora Recorrente.</font><br>
<font>3. Em resultado do mesmo acidente, o R. foi julgado em processo crime em 1995, tendo sido absolvido, fundamentalmente, por terem ficado provados os seguintes factos: "Submetido a teste de alcoolémia, cerca de uma hora após a ocorrência do acidente, o arguido apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,60 grs./l. Entre o momento da ocorrência do acidente e a realização do teste de alcoolémia, o arguido dirigiu-se ao Bar da Estação de Serviço e aí bebeu uma cerveja".</font><br>
<font>4. Se o ora recorrente tivesse sido submetido ao teste de alcoolémia imediatamente a seguir ao acidente, teria, com todo o grau de probabilidade, uma taxa inferior ao máximo legal permitido, isto é, inferior a 0,5 g/l.</font><br>
<font>5. Entenda-se que o ora recorrente ingeriu, após o acidente, uma garrafa de cerveja de 33 cl., na ausência de qualquer outra especificação da sua quantidade.</font><br>
<font>6. Contudo, a audiência de julgamento no processo crime foi realizada decorridos que foram cerca de três anos após a ocorrência do acidente, isto é, em 1995.</font><br>
<font>7. As testemunhas arroladas por ambas as partes (A. e R.) nos presentes autos, eram exactamente as mesmas que foram arroladas no processo crime (Mº Pº e Arguido) em questão.</font><br>
<font>8. Enquanto que as testemunhas que prestaram depoimento na audiência de julgamento realizada no processo crime, nomeadamente o agente da GNR que tomou conta da ocorrência, assegurou que o Réu só tinha sido submetido ao teste de alcoolémia cerca de uma hora depois da ocorrência do acidente,</font><br>
<font>9. No presente processo cível, exactamente as mesmas testemunhas já não se lembravam de nada, o que é manifestamente natural, quando confrontadas com factos que haviam ocorrido há cerca de oito anos sobre a data do acidente.</font><br>
<font>10. Seguramente que os depoimentos das testemunhas prestados em audiência de julgamento no processo crime realizado em 1995 (+ - 3 anos depois do acidente) traduzem melhor clareza, melhor conhecimento e melhor reconstituição dos factos do que os depoimentos das mesmas testemunhas prestados em 12/Fev./2001 (8 anos depois do acidente), na audiência de julgamento realizadas nos presentes autos.</font><br>
<font>11. O R., na audiência de julgamento realizada em 12/Fev./2001, juntou uma fotocópia da sentença proferida no processo crime, para a prova dos quesitos 16º e 17º.</font><br>
<font>12. Lamentavelmente, o Tribunal de 1ª instância acabou por não fazer a análise crítica de tal prova, nem tão pouco, a quis conhecer.</font><br>
<font>13. O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto no nº 3 do artº 659º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegando, a A./Recorrida pugna pela manutenção do julgado.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>II</font></div><font>São os seguintes os factos que as instâncias deram como provados:</font><br>
<font>1. Em 20.12.92 vigorava entre a A. e o R. um contrato de seguro no ramo "Automóvel" titulado pela apólice 5357252, pelo qual o segundo transferira para a autora a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de viação relativamente ao veículo SF.</font><br>
<font>2. No referido dia 20.12.92, pelas 1h 30m, o réu conduzia o SF, no seu interesse na Estrada Nacional 125, no sentido Tavira-Olhão.</font><br>
<font>3. Ao Km 115,400 o réu pretendeu voltar à esquerda.</font><br>
<font>4. O local é uma extensa recta com boa visibilidade.</font><br>
<font>5. Quando o réu efectuava a manobra para mudar à esquerda foi embatido na frente lateral direita da sua viatura pelo motociclo de matrícula ZP, conduzido por C, transportando, além deste, um passageiro.</font><br>
<font>6. Tal embate ocorreu a cerca de 1,50 metros da berma delimitadora direita do sentido Olhão-Tavira.</font><br>
<font>7. A estrada no local mede 7 metros de largura.</font><br>
<font>8. Do acidente resultou a morte do condutor do motociclo C, ferimentos no passageiro D e danos no referido motociclo.</font><br>
<font>9. O réu foi submetido ao teste de alcoolémia tendo acusado uma TAS de 0,60 g/l.</font><br>
<font>10. Em sentido oposto, Olhão-Tavira circulava o motociclo ZP pela sua faixa de rodagem.</font><br>
<font>11. O R. cortou a linha de marcha do motociclo.</font><br>
<font>12. A A. pagou aos pais do falecido C a quantia de 3.300.000$00 a título de indemnização.</font><br>
<font>13. E, em despesas administrativas, ao Hospital Distrital de Faro por assistência ao passageiro D, e ao Centro Regional de Segurança Social de Faro por comparticipação nas despesas de funeral, pagou a quantia global de 41.630$00.</font><br>
<font>14. Após o acidente o R. dirigiu-se ao bar sito no posto de abastecimento de combustível.</font><br>
<div><font>III</font></div><font>Questão prévia:</font><br>
<font>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br>
<br>
<font>1 - Reeditando, praticamente na íntegra, as conclusões que formulara na antecedente apelação, o presente recurso estaria inevitavelmente destinado a soçobrar.</font><br>
<font>Na verdade, em face das respectivas conclusões, incide o mesmo sobre o julgamento da matéria de facto, uma vez que não foi - e, segundo o recorrente deveria ter sido - considerado provado que "foi submetido a teste de alcoolémia cerca de uma hora após a ocorrência do acidente", que, então, "apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0, 60 grs/l" e que "entre o momento da ocorrência do acidente e a realização do teste de alcoolémia, o arguido dirigiu-se ao Bar da Estação de Serviço e aí bebeu uma cerveja" (sic).</font><br>
<br>
<font>Assim, sem ponderar as judiciosas e pertinentes considerações formuladas no acórdão recorrido, o Recorrente repete, quase textualmente, as conclusões da apelação, sem, sequer, atentar em que não cabe a este STJ debruçar-se sobre o apuramento de matéria de facto quando tal tem lugar através do recurso a meios de prova livremente valoráveis pelo juiz de acordo com a convicção por ele formada.</font><br>
<font>Acresce que não estamos perante nenhum dos casos em que o artigo 722º, nº 2, do CPC permite ao STJ controlar a factualidade apurada, aliás sempre em função de meios de prova de valor legalmente determinado, pelo que não se pode alterar o que a Relação deu como assente.</font><br>
<font>Na verdade, a fixação da matéria de facto é da competência das instâncias, sendo inalterável a decisão do Tribunal da Relação quanto a esta matéria, salvo havendo ofensa de lei que exija prova vinculada da existência do facto ou estabeleça o valor de determinado meio de prova - artigos 722º, nº2, e 729º, nº 2, do CPC.</font><br>
<br>
<font>1.1. - Acontece, no entanto, que, como bem se disse na sentença da 1ª instância, "a presente acção destina-se a fazer valer o direito de regresso da A. ao abrigo do disposto no art. 19º do D.L. 522/85, de 31.12 (...)" (1) - cfr. fls. 119.</font><br>
<font>Ou seja, no caso dos autos, a questão de fundo que se coloca é a que consiste em saber quais são os requisitos que a alínea c) do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor que tiver agido sob influência do álcool. Ou, por outras palavras, quais são os elementos constitutivos do direito de regresso de uma seguradora que pagou uma indemnização a terceiro em consequência de acidente de viação da responsabilidade do seu segurado, se este conduzia com uma taxa de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gr/l.</font><br>
<br>
<font>2 - Sobre a matéria foi recentemente proferido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2002 (Processo nº 3470/2001 - 2ª Secção), de 28 de Maio de 2002 (2) , nos seguintes termos:</font><br>
<font>"A alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob a influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito de álcool e o acidente".</font><br>
<font>Ora, o certo é que, in casu, não foi feita prova desse nexo de causalidade.</font><br>
<font>E, como se sabe, a temática relativa ao nexo de causalidade tem, a par de uma perspectiva naturalística, que constitui matéria de facto, uma vertente jurídica, que integra matéria de direito (3) .</font><br>
<font>A circunstância de, surpreendentemente, o Recorrente não ter, sequer, equacionado tal problemática, não nos dispensa de dela tomarmos conhecimento oficioso.</font><br>
<br>
<font>2.1. - Recorde-se que, em 1ª instância, a questão chegou a ser colocada, ao escrever-se o seguinte:</font><br>
<font>"Não se desconhece quanto à questão subjacente - existe ou não direito de regresso - a controvérsia jurisprudencial no que respeita à exigência (ou não) da prova do nexo de causalidade entre a situação de alcoolémia e o acidente, apontando uns para a necessidade de tal prova e outros dispensando-a, grosso modo, por pressupor aquela situação a culpa na produção do acidente"</font><br>
<font>Todavia, apesar de a decisão proferida em 1ª instância ter "dispensado" a prova daquele nexo de causalidade entre o estado de alcoolémia e o acidente (a cargo da seguradora), tendo condenado o réu nos termos do pedido, o certo é que, ao apelar, o recorrente se limitou a esgrimir argumentos tendentes a tentar demonstrar que os quesitos 16º e 17º deveriam ter sido considerados provados (4 ).</font><br>
<font>Tendo presente o objecto da apelação, incidente sobre matéria de facto, entendeu o Acórdão recorrido, na improcedência do recurso, confirmar a sentença da 1ª instância.</font><br>
<font>O certo, porém, é que, sem prejuízo de a questão ter passado completamente "ao lado" do réu / recorrente, veio a alcançar-se uma solução contrária ao entendimento constante do referido acórdão uniformizador, uma vez que a A./seguradora não logrou provar, como lhe cumpria, o nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.</font><br>
<font>Na verdade, como ali se refere, o direito de regresso fundamenta-se na circunstância de o condutor seguir sob a influência do álcool, sendo este o facto constitutivo do direito da seguradora a ser reembolsada pelos prejuízos sofridos. Ora, nos termos do artigo 342, n. 1, do Código Civil, cabe ao autor (seguradora, no caso) a prova de que o acidente se deu com o condutor sob a influência do álcool e que foi por isso que ele ocorreu.</font><br>
<br>
<font>2.2. - É verdade que, no caso dos autos, tendo-se verificado o embate nas circunstâncias referidas na factualidade acima descrita, há que concluir que o R. não se assegurou de que podia realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda sem que, da mesma, pudesse resultar perigo de colisão, designadamente, com qualquer veículo que circulasse em sentido contrário pela semi-faixa de rodagem que, necessariamente, ia atravessar, donde o R. agiu com culpa na produção do acidente, ficando obrigado a reparar os danos a que deu causa nos termos do art.483.º do C.C.</font><br>
<font>Só que a condução nessa circunstâncias permite concluir pela culpa do condutor, mas não pode fazer presumir os pressupostos do direito de regresso, isto é, não pode, sem mais, permitir concluir pela existência de um nexo de causalidade entre o álcool e o acidente.</font><br>
<font>Sendo o fundamento do direito ao reembolso pela seguradora a condução sob o efeito do álcool, cabe a quem invoca o direito o ónus de provar os pressupostos de que ele depende, entre os quais se inclui a existência de alcoolémia e do nexo causal dela com a produção do acidente (5) .</font><br>
<font>Como se escreveu no Acórdão Uniformizador, citado, "os elementos que constituem o fundamento do direito de regresso são factos constitutivos do direito, que ao autor cabe demonstrar".</font><br>
<br>
<font>2.3. - Logo numa interpretação puramente literal da alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, é de concluir que, para a existência do direito de regresso por parte da seguradora, não é suficiente que o condutor , no momento do acidente, estivesse sob a influência do álcool. É necessário, nos termos da lei, que o condutor tenha agido sob essa influência, ou seja, que o acidente tenha como causa adequada o álcool ingerido pelo condutor ou que, pelo menos, essa ingestão de álcool tenha sido uma das causas do acidente.</font><br>
<font>Sugestivamente, extrai-se do Acórdão do STJ de 09-01-97 (Processo nº 539/96), 2ª Secção: "Ao referir-se a "agir sob a influência do álcool, a lei não quer contemplar a simples situação estática de se estar com álcool, mas, muito mais que isso, contemplar a realidade dinâmica de se actuar por causa do álcool" (6) .</font><br>
<font>Necessário se torna, pois, a prova da existência do nexo de causalidade entre a condução do veículo sob a influência do álcool e a verificação do acidente e dos danos deste resultantes (7) .</font><br>
<font>É que a condução sob o efeito do álcool não é, por si mesma, e sem outra averiguação, necessariamente causal do acidente. Representa um perigo, passível de corresponder a uma contra-ordenação grave (artigo 146º, alínea m), do C.E.) ou muito grave (artigo 147º, alínea j), do C.E.) ou a um crime (artigo 292º do Código Penal), mas haverá que saber se esse perigo foi causa adequada da produção do evento (8) .</font><br>
<br>
<font>2.4. - No caso dos autos não se fez prova de que o réu tenha atingido um estado de euforia decorrente da taxa de alcoolémia de que era portador, que lhe perturbasse o tempo de reacção aos obstáculos normais e a percepção das distâncias aos objectos e veículos em andamento. Assim como não se provou que, se não se encontrasse sob a influência do álcool, não teria provocado o acidente.</font><br>
<font>Quais as razões por que não foi feita a referida prova?</font><br>
<font>A Autora levou tal materialidade à petição inicial - cfr. artigo 21º, do seguinte teor: "A condução de veículos com tal taxa de álcool, provocava no R. um estado de euforia, além de lhe diminuir o tempo de reacção aos obstáculos normais da circulação, bem como a percepção das distâncias aos objectos e veículos em andamento, o que foi, sem dúvida, causal do acidente".</font><br>
<font>O certo, porém, é que tal matéria não foi questionada na base instrutória.</font><br>
<font>Quesitados que foram os factos invocados pelo réu, ao contestar - designadamente, os factos 16º e 17º, já referidos -, omitiu-se a quesitação da materialidade susceptível de permitir concluir a respeito do nexo de causalidade entre o estado de alcoolémia e o acidente.</font><br>
<font>Em face da decisão condenatória obtida em 1ª instância - e mais tarde confirmada na Relação -, bem se compreende que não interessasse à Autora, ao contra-alegar, suscitar a questão da falta de prova do referido nexo de causalidade. Não obstante, com a sua contra-alegação na antecedente apelação, juntou a Autora fotocópia de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que, perfilhando, embora, entendimento diferente do que fez maioria no já citado "Acórdão Uniformizador", tem como objecto a questão da prova, pela seguradora, do nexo de causalidade entre o álcool e o evento - cfr. fls. 135 e seguintes.</font><br>
<br>
<font>2.5. - Resulta do que se expôs que se impõe a quesitação da materialidade fáctica em apreço, com a subsequente produção de prova a seu respeito.</font><br>
<font>Com efeito, atenta a insuficiência da matéria de facto, nos termos assinalados, não é possível solucionar a questão de saber se a Autora/recorrida tem direito de regresso, ao abrigo da alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, contra o Réu/recorrente.</font><br>
<font>Uma adequada decisão jurídica está, por isso, dependente da ampliação, nos termos indicados, da decisão de facto.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se ordena, em conformidade com o disposto nos artigos 729º, n.º 3, e 730º, n.º 1, do C.P.C., a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para aí ser de novo julgado, de harmonia com o direito aplicável acima definido, se possível, pelos mesmos Exmºs Juízes Desembargadores que intervieram no anterior julgamento.</font><br>
<font>Custas pelo vencido a final.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Outubro de 2002.</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos,</font><br>
<font>Pinto Monteiro.</font><br>
<font>______________________</font><br>
<font>(1) Para uma mais clara e global compreensão da questão na sua dimensão teórica, justifica-se reproduzir a totalidade do texto do artigo 19º do D/L nº 522/85, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe "Direito de regresso da seguradora". Prescreve o seguinte:</font><br>
<font>"Satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem o direito de regresso:</font><br>
<font>a) Contra o causador do acidente que o tenha causado dolosamente;</font><br>
<font>b) Contra os autores e cúmplices de roubo, furto e furto de uso do veículo causador do acidente;</font><br>
<font>c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandono do sinistrado;</font><br>
<font>d) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento;</font><br>
<font>e) Contra o tomador do seguro, nos termos do nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 162/84, de 18 de Maio;</font><br>
<font>f) Contra o responsável pela apresentação do veículo a inspecção periódica que não tenha cumprido a obrigação decorrente do disposto no nº 2 do artigo 36º do Código da Estrada e diplomas que o regulamentam, excepto se o mesmo provar que o sinistro não foi provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo".</font><br>
<font>(2) Publicado no "Diário da República, I Série-A, de 18 de Julho de 2002.</font><br>
<font>(3) Cfr., verbi gratia, os seguintes Acórdãos deste STJ: de 23-09-98, Processo nº 643/97; de 26-06-97, Procº nº 148/97; de 12-10-99, Procº nº 534/99; e de 06-06-2000, Procº nº 251/2000.</font><br>
<font>(4) Era o seguinte o respectivo teor: Quesito 16º: "Após o acidente o réu dirigiu-se ao bar sito no Posto de abastecimento de combustível onde ingeriu uma cerveja?"; Quesito 17º: "E o teste de alcoolémia só lhe foi efectuado cerca de 1h30m depois do embate".</font><br>
<font>Foram as seguintes as respostas dadas aos referidos quesitos: 16º: "Provado apenas que após o acidente o réu se dirigiu ao bar sito no Posto de abastecimento de combustível"; 17º: "Não provado".</font><br>
<font>(5) Cfr. os Acórdãos do STJ de 19 de Junho de 1997, in B.M.J., nº 468, pág. 376, de 14 de Janeiro de 1997, in C.J. (STJ), Ano V, Tomo I, pág. 39, e de 22 de Fevereiro de 2000, in B.M.J., nº 494, pág. 325.</font><br>
<font>(6) Publicado no BMJ nº 463, pág. 206. No mesmo sentido, lê-se no sumário do Acórdão do STJ de 07-10-1997, Processo nº 333/97, 1ª Secção: "O artº 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 522/85 não alude ao condutor que esteja sob a influência do álcool mas que tenha agido sob essa influência, e daí que se defenda que para existir o direito de regresso da autora seguradora, seja necessário que o acidente tenha tido como causa adequada, ou, pelo menos, como uma das causas, o álcool ingerido pelo réu condutor.</font><br>
<font>(7 ) Cfr., neste sentido, quase textualmente, entre muitos outros, o Acórdão deste STJ de 14-01-1997 (Recurso nº 88.382), publicado na CJ-ASTJ, Ano V; Tomo I, 1997, pág. 39.</font><br>
<font>(8) Neste sentido, cfr. o Acórdão deste STJ de 18-11-99, Revista nº 706/99, 2ª Secção, e o Acórdão proferido na Revista nº 1147/99, 1ª Secção, de que foi Relator o mesmo do presente.</font></font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
KDL0u4YBgYBz1XKv-mKr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que o Banco A, hoje Banco B, move a C e mulher D, reclamou a E, a verificação do seu crédito de 8531169 escudos, graduando-se no lugar que lhe competir, a fim de ser pago pelo produto dos bens penhorados.<br>
Entendendo que o montante reclamado pela E não encontra, no que excede o valor de 6551795 escudos e setenta centavos, correspondência com o registo da hipoteca, impugnou o exequente pedindo a sua redução.<br>
Após resposta, foi proferida sentença que julgou verificado e reconhecido o crédito pelo montante reclamado, e o graduou em primeiro lugar.<br>
Apelou, com êxito, o exequente tendo a Relação reduzido o crédito por da garantia excluir a capitalização de juros a que a apelada procedera.<br>
Irresignada, pediu revista a reclamante, pretendendo a manutenção da sentença, pelo que, em suma e no essencial, concluiu em suas alegações:<br>
- assiste-lhe o direito de capitalizar os juros no concreto contrato de mútuo para habitação, operação que correctamente foi feita;<br>
- os juros capitalizados transformam-se em capital, integram-no e aumentam-no, passando para todos os efeitos a seguir o seu regime;<br>
- a garantia da hipoteca abrange, para além do capital inicialmente mutuado, a elevação deste resultante da capitalização dos juros não pagos;<br>
- violado, por errada interpretação, o disposto nos arts. 686-1, 687, 693-1 e 2 CCIV66, CRP e 7 n. 3 e 23 n. 5 do dec-lei 328-B/86, de 30.09.<br>
Contraalegando, pugnou o exequente pela confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto considerada provada pelas instâncias:<br>
a) - na acção executiva instaurada pelo Banco A, a que sucedeu o Banco B, contra C e D, foi penhorada, em 96.05.17, a fracção designada pelas letras «AQ», correspondente ao 8º andar C do prédio urbano sito na freguesia da Póvoa de Santa Iria, concelho de Vila Franca de Xira, penhora essa objecto de registo predial em 98.04.30;<br>
b) - em 87.10.19, em escritura pública lavrada no 1º Cartório Notarial de Vila Franca de Xira, F e G declararam:<br>
- confessar-se devedores à E, de 4050000 escudos, em razão de empréstimo regulado pelo dec-lei 328-B/86, de 30.09, à taxa de juro contratual legal máxima vigente em cada momento, inicialmente de 18,5% ao ano;<br>
- os mesmos e a E que, em caso de mora, os respectivos juros seriam calculados à taxa que ao tempo vigorasse para os juros remuneratórios contratuais, acrescidos de uma sobretaxa até 4%;<br>
- a E reservou-se a faculdade de, a todo o tempo, e independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir todo o regime deste;<br>
- os mesmos que, para garantia do empréstimo, respectivos juros e despesas constituíam hipoteca sobre a fracção predial mencionada na al. a);<br>
- os mesmos e a E que os juros remuneratórios só ficavam cobertos pela garantia hipotecária até à taxa de 18,5% e que fixavam para efeito de registo as despesas extrajudiciais de 162000 escudos;<br>
c) - sobre a fracção predial penhora está inscrita, desde 1987.06.29, na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, a favor da E uma hipoteca para garantia do empréstimo de 4050000 escudos, juro anual de 19,5% e despesas de 162000 escudos, montante máximo de 12936190 escudos;<br>
d) - em 98.11.19, a E comunicou a F e a H que o capital de 7055958 escudos incluía, de acordo com o art. 7 do dec-lei 328-B/86, 3005958 escudos de juros capitalizados, e que o montante de 5699062 escudos de juros correspondia a três anos, de 93.06.19 a 96.06.19, no montante de 1419681 escudos e a juros devidos desde então (rectificação efectuada na base do documento referido na al., a fls. 15, e em que esta assenta).<br>
<br>
Decidindo: <br>
<br>
1. - Instâncias e partes concordam sobre a legalidade da operação de capitalização de juros tendo o acórdão recorrido expressamente reconhecido a mesma (fls. 83) - o contrato de mútuo de que derivou o direito de crédito da reclamante integrou-se no regime especial de crédito jovem bonificado previsto no dec-lei 328-B/88, de 30.09, cujo art. 7-3 permitia a capitalização operada.<br>
Não se afigura passível de qualquer censura a conclusão sobre a legalidade da operação.<br>
Concordância ainda se verifica em relação ao segmento do acórdão onde afirma que, com a operação de capitalização, ocorre uma transformação de um crédito acessório de juros em um crédito de capital, aumentando este em medida correspondente à diminuição daquele.<br>
A divergência surge quando o acórdão a considera ineficaz em relação a terceiros, aqui o exequente, pois que não foi levada a registo o que era essencial para lhes ser oponível.<br>
<br>
2. - Porque na hipoteca o registo é constitutivo (CC- 687) impõe-se saber o que realmente foi levado ao registo e dele consta.<br>
À resolução desta questão desinteressa observar que o «montante máximo assegurado pela hipoteca ... é claramente superior ao valor reclamado pela ora recorrente» (alegações a fls. 92).<br>
Trata-se de argumentação que não responde à questão e pode denunciar fragilidade de posição (saber-se que a garantia não cobre a totalidade do crédito reclamado e pretender que se considere tal por o seu montante ser inferior ao montante máximo levado ao registo).<br>
Além do crédito, a hipoteca assegura os acessórios que constem do registo e, tratando-se de juros (sejam eles remuneratórios sejam moratórios), nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a 3 anos, o que não impede o registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida (CC- 693,1 a 3). Isto é, este art. não proíbe que se executem juros de mais de três anos, apenas os exclui da garantia, salvo se, concretamente em relação a estes, tiver sido registada nova hipoteca.<br>
Visa-se assim proteger o interesse de terceiros, evitando-se a acumulação de juros sem o seu conhecimento, e, do mesmo passo, estimula-se a diligência do credor a não deixarem acumular juros sem recorrerem aos meios judiciais (P. de Lima-A. Varela in CCAnot I/717)<br>
Dispunha o CRP vigente à data, tal como ainda dispõe o actualmente vigente, no seu art. 96 n. 1 a), que o extracto da inscrição de hipoteca deve conter ... o fundamento da hipoteca, o crédito e seus acessórios e o montante máximo assegurado.<br>
Ao exigir que se indique o limite máximo assegurado está-se ainda e também a proteger o interesse de terceiros. O cálculo desse montante não poderá desrespeitar o prescrito na lei substantiva sobre a garantia hipotecária; com mais rigor, tal montante não resulta da vontade dos interessados mas apenas da lei, o que não significa que a declaração por aqueles seja de todo irrelevante (cfr. Mouteira Guerreiro in Noções de Direito Registral, nota 1 à p. 224).<br>
Tal montante «corresponde à soma de todas as verbas parcelarmente citadas na inscrição: o capital, os juros remuneratórios, os moratórios, as despesas, enfim, quaisquer acessórios que a garantia abranja» (aut. e op. cits., p. 223-224).<br>
Qualquer elevação do capital assegurado e de momento em dívida (ainda, portanto, que o inicial tivesse sido reduzido, v.g., através de pagamentos parcelares periódicos), como resultado de operação legal de capitalização de juros, tinha como contrapartida a diminuição do crédito de juros. Ainda como efeito desta operação o capital inicial poderá vir sempre a ser "refeito" se é que não mesmo ‘superado’ e irá passar, muito naturalmente, a vencer juros. É um ‘acessório’ que desaparece dando lugar, por acrescer ao capital em dívida, a um ‘novo’ capital que, por sua vez, irá conhecer ‘novo acessório’.<br>
A questão que se põe é não a da sua legalidade, que, como se disse antes, obtém resposta positiva, mas a de o valor em si da elevação e os juros que a mesma vai passar a conhecer, por direito próprio, estarem ou não abrangidos pela garantia hipotecária anteriormente celebrada para assegurar o pagamento de um outro capital (aquele que não inclui essa elevação) e uns outros juros (aqueles que não recaem sobre esse valor da capitalização).<br>
Por outras palavras, são coisas distintas a legalidade da operação e a extensão da garantia. Do reconhecimento daquela não decorre que o valor capitalizado e os juros fiquem por lei abrangidos nesta.<br>
Além das normas acima referidas e da sua razão de ser, é o comando do nº 3 do art. 693 a indicar o caminho num caso paralelo - o que surge a «mais» em relação ao inicialmente contemplado apenas beneficiará de garantia hipotecária se uma nova e sobre esse «mais» tiver sido constituída.<br>
A garantia hipotecária não abrange o valor da elevação do capital inicial, o mutuado, por capitalização de juros não pagos nem os juros sobre esse valor acrescido. Esta, a regra.<br>
<br>
3. - Defende a reclamante a existência de uma norma específica que relativamente a este tipo de crédito permite solução diversa. É, em seu entender, o art. 23-5 do dec-lei 328-B/86, de 30.09 -<br>
- «Nos casos em que o regime de amortização conduza ao aumento do saldo devedor do empréstimo, a hipoteca a que se alude no nº 1 poderá ser registada pelo montante máximo que se prevê, venha a atingir aquele saldo, ...».<br>
Independentemente da interpretação desta norma poder abonar ou não a tese da recorrente, observe-se que não se prescinde do registo, antes se exige que esse aumento seja dele objecto.<br>
Mantém-se, portanto, a exigência que do registo conste o facto jurídico que dá origem à hipoteca.<br>
A hipótese posta pela lei (a amortização conduzir ao aumento do saldo devedor) observa-se quando não há pagamento integral de juros e se capitalizam os que não tenham sido pagos. Está-se então perante as chamadas prestações progressivas.<br>
Aquele art. 23-5 veio, em relação ao disposto no CRP, dizer como se calcula o montante máximo assegurado - já não só nos termos antes aqui referidos mas incluindo aquele aumento previsível e, ao permitir poder a hipoteca ser registada por este montante máximo previsível, abriu uma excepção ao regime do art. 693 n. 2 CC ainda que indirectamente (arts. 7-3 e 23-5 do dec-lei 328-B/86).<br>
A publicização que o registo pretende dar (CRPr- 1), a realidade que a inscrição pretende definir (CRPr- 91,1), a natureza do registo da hipoteca (CC- 687), e o carácter facultativo que a lei estabelece ("poderá ser registada ..." - art. 23-5 do dec-lei 328-B/86), postulam que, quando ocorrer esta hipótese e a entidade bancária que concedeu esse empréstimo quiser aproveitar-se da extensão da garantia, leve ao registo essa menção.<br>
A menção tem de ser concreta. Para ser eficaz, maxime em relação a terceiros, tem de por eles poder ser conhecida e entendida. <br>
Se do registo apenas constar «montante máximo», expressão comum às situações normais e a esta outra, não poderão terceiros ficar a conhecer que se está perante a situação que não a normal, isto é, a hipoteca assegurar o pagamento preferencial de um "aumento máximo previsível".<br>
Na escritura pública lavrada em 87.10.19 foi prevista a capitalização de juros.<br>
Analisando a concreta inscrição da hipoteca, lê-se a seguinte menção: «montante máximo que se prevê venha a atingir o saldo devedor do empréstimo» (a certidão não permite ler o valor na expressão total); «montante máximo» 12936190 escudos» (doc. a fls. 72).<br>
Prevista, na escritura pública, a capitalização de juros e levada essa menção ao registo.<br>
A menção ínsita na inscrição, tal como está redigida, permite conhecer, sem equívocos, estar-se perante um regime especial e identificar qual e suas implicações.<br>
<br>
4.- Reclamando, a E indicou ser credora da quantia de 12810550 escudos (7055958 escudos de capital, 5699062 escudos de juros e 55530 escudos de despesas) mas que, em conformidade com o disposto no art. 693 CC, a quantia que reclama é de 8531169 escudos (crédito + juro dos 3 últimos anos + despesas) - fls. 2 e 3.<br>
Face à oposição do exequente, explicitou, na sua resposta, que o capital de 7055958 escudos é o resultado da inclusão de 3055958 escudos, de juros capitalizados, no capital inicial em dívida (fls. 30). O resto, para o montante reclamado, descontado o valor das despesas, representa os juros de 3 anos.<br>
Com o presente recurso, pretende a E que se mantenha a decisão da 1ª instância quer quanto ao montante do seu crédito (8531550 escudos e juros de mora até ao termo do prazo referido no art. 693-2 CC) quer quanto à sua graduação (em primeiro lugar).<br>
Divergem a reclamação (fls. 4) e a sentença (fls. 34) - além de o crédito reclamado ser de valor inferior (8531169 escudos) ao constante da sentença, há a inclusão de juros de mora, o que não foi pedido.<br>
Tendo o acórdão revogado a sentença e reconhecido que o crédito era inferior, deve o STJ, no recurso interposto pela reclamante, conformar a decisão ao pedido, isto é, não pode dar procedência nos termos pedidos nas alegações, mas sim, e porque procedente a reclamação, pondo-a de acordo com o pedido nesta formulado (redução do valor e exclusão do segmento da decisão quanto a juros de mora).<br>
Este o caminho a seguir se, porém, desde já se pudesse concluir que o valor capitalizado é igual ou inferior ao aumento máximo previsível levado a registo. Todavia, e como se referiu, a certidão (a fls. 72) da inscrição não permite que se leia o valor deste na sua expressão total (por deficiência da fotocópia).<br>
A decisão de facto pode e deve ser ampliada (CPC- 729,3).<br>
<br>
Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 730-1 CPC, se ordena a remessa do processo à Relação para ser de novo julgado se possível pelos mesmos Exº Juízes desembargadores que intervieram no anterior julgamento.<br>
Custas a final.<br>
<br>
Lisboa, 6 de Junho de 2000.<br>
<br>
Lopes Pinto.<br>
José Saraiva.<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KDL5u4YBgYBz1XKvhGih | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>A veio propor a presente acção, com processo ordinário, contra - B e mulher C; - D; - E; - F e mulher G; - H e mulher I; - J e mulher L; alegando, em síntese:</font></b><br>
<b><font>O Autor é dono de seis lotes de terreno para construção, adquiridos por via de partilhas, todos descritos na Conservatória do Registo Predial de Setúbal e inscrita a propriedade a seu favor.</font></b><br>
<b><font>Cada um dos Réus ocupa um dos referidos lotes, contra vontade do Autor, nem título legítimo que justifique tal ocupação.</font></b><br>
<b><font>Com isso, estão os Réus a causar-lhe grandes prejuízos que só poderão ser calculados em execução da sentença.</font></b><br>
<b><font>Assim, pede que seja declarado legítimo proprietário dos lotes e condenados os Réus a largarem mão deles, restituindo-os ao Autor e a lhe pagarem a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença.</font></b><br>
<b><font>Todos os Réus contestaram, tendo pedido em reconvenção a condenação do Autor a celebrar, no prazo fixado pelo Tribunal, escritura pública de compra e venda dos lotes que ele lhes prometera vender, só o não tendo feito, por não ter conseguido obter alvará de loteamento; ou, em alternativa, a reconhecê-los como proprietários por via de acessão industrial visto terem construído nas parcelas de terreno em causa, casas com valor muito superior a essas parcelas.</font></b><br>
<b><font>Pedem, ainda, os Réus que, quando assim se não entenda, seja o Autor condenado a pagar-lhes uma indemnização, a apurar de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, equivalente ao valor das casas ou ao decréscimo do valor destas por estarem implantadas em terreno alheio.</font></b><br>
<b><font>O Réu J clarificou, ainda, terem entrado na posse do lote que ocupam, em 1976, por via do contrato-promessa celebrado com o Autor, constante de fl. 71 a onde construíram uma vivenda com autorização deste que também consentiu nessa ocupação.</font></b><br>
<b><font>O Réu E para além de esgrimir com a indevida coligação de Réus, sustenta ter acordado verbalmente na compra do terreno que lhe é reivindicado, em 1976, tendo pago por ele, nessa altura, o justo preço de 67500 escudos.</font></b><br>
<b><font>Refere, ainda, que entrou, desde logo, na posse do lote, onde edificou uma casa e outras construções, tudo com a autorização do Autor.</font></b><br>
<b><font>Na réplica, o Autor rejeita as versões carreadas pelos Réus, pugnando pela improcedência das reconvenções e pela procedência da acção.</font></b><br>
<b><font>No saneador, foram julgados improcedentes os pedidos reconvencionais formulados pelos Réus, as excepções deduzidas pelos mesmos Réus, bem como o pedido indemnizatório a liquidar em execução de sentença formulado pelo Autor.</font></b><br>
<b><font>No mais, julgou-se a acção procedente, declarando-se o Autor legítimo proprietário dos prédios ou lotes reivindicados, e condenando-se os Réus, em conformidade, a largarem mão deles, restituíndo-os ao Autor e abstendo-se de violar o seu direito de propriedade.</font></b><br>
<b><font>Os Réus apelaram desta decisão e o Autor, por sua vez, interpôs recurso subordinado, na parte em que improcedeu o seu pedido.</font></b><br>
<b><font>Julgando admissíveis os pedidos reconvencionais, o Acórdão da Relação de Évora de 07-05-98, constante de fls. 242 e seg., concedeu provimento às apelações quer principais, quer subordinadas e revogou o saneador-sentença, determinando que a acção prossiga seus termos, com organização da especificação e do questionário, nos termos do art. 511 da CPC.</font></b><br>
<b><font>Inconformado, o Autor recorreu para o Supremo, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:</font></b><br>
<b><font>1 - Na apreciação da douta sentença da 1ª instância, ao contrário do que parece resultar do Acórdão recorrido, não há apenas que nos atermos aos factos alegados pelas partes, dentro do limite das conclusões, mas também aos docs. juntos aos autos, não impugnados, certo como é aquela que foi proferida a par do saneamento e condensação do processo (arts. 510 e 511 do CPC em vigor à data da entrada da acção em Tribunal).</font></b><br>
<b><font>2 - E desde já se concluiu que a decisão de uma questão devia ter sido mantida e o direito de propriedade do Autor sobre os lotes em causa, porquanto:</font></b><br>
<b><font>a) alegou e provou tê-la adquirido por partilha das meações do seu dissolvido casal com M, que ambos tinham comprado ao N e mulher relativamente ao prédio rústico - não que deu lugar ao loteamento por aquele promovido e obtido (arts. 1316, 1788 e 369 do CC, e 7 e 34 do CPC);</font></b><br>
<b><font>b) tais documentos aliás autênticos não foram impugnados pelos Réus;</font></b><br>
<b><font>c) Os Réus confessaram tal matéria contida nos arts. 1, 2 e 3 da p. i., ou expressamente ou implicitamente, nos termos do art. 490 n. 1 do CPC, como se vê dos arts. 7 e 11 da contestação do Réu E, 1 a 3 dos Réus B e mulher e 1 e 2 dos restantes.</font></b><br>
<b><font>3 - Acresce que só o Réu E pediu o cancelamento do registo do Autor, o que era indispensável para contrariar tal direito, como decorre do art. 8 do CRP.</font></b><br>
<b><font>4 - Está comprovado por todos os Réus que eles se encontram na posse dos lotes em causa há menos de 20 anos, que o loteamento é de 14-07-83 e que se recusam restituí-los (arts. 10, 11, 12 da p.i., não impugnados, como eram obrigados pelo art. 490 n. 1 do CPC).</font></b><br>
<b><font>5 - Deste modo devia a Relação ter julgado a acção procedente, "in totum" já que relativamente à indemnização a liquidar em execução de sentença, acolheu a tese do Autor (nos termos da al. a) do n. 1 do art. 510 da CRC).</font></b><br>
<b><font>E a isso não obstava qualquer excepção, nem as reconvenções deduzidas que são inadmissíveis.</font></b><br>
<b><font>6 - Todos os Réus, com excepção do E, invocam contrato-promessa de compra e venda de 1975 e 1976, alegando que os mesmos não puderam ser cumpridos porque não estava feito o loteamento, pelo que o Autor deveria ser condenado a celebrar as escrituras, com redução dos preços acordados em função da redução das áreas dos lotes e fixando o Tribunal o prazo para a sua celebração, nos termos do art. 1456 do CPC.</font></b><br>
<b><font>7 - Ora a reconvenção só é admissível nas hipóteses previstas no n. 2 do art. 274 do CPC, nas quais se não encaixam as dos autos e, ainda, por cima a fixação judicial do prazo reveste a forma especial do art. 1456 do CPC, o que não é permitida pelo art. 274 n. 3 do mesmo Código.</font></b><br>
<b><font>É que estamos perante uma acção de reivindicação, por parte do Autor (art 1315 do CC) e os pedidos reconvencionais dos Réus pretendem o cumprimento de uma prestação de facto.</font></b><br>
<b><font>8 - E nem os Réus alegaram factos conducentes à improcedência da acção, à procedência das reconvenções, segundo o exigido pelos arts. 467 n. 1 als. a) e e) e 193 n. 2 do CPC.</font></b><br>
<b><font>9 - Acresce que tais pedidos seriam inviáveis e, de qualquer modo, improcedentes, na medida em que nos pretensos contratos-promessa houve recebimento de sinal, por conta do preço e, num caso, o preço total (o que é o mesmo nos termos do art. 441 do CC) deles não constando a declaração de que as partes desejavam a execução específica dos contratos.</font></b><br>
<b><font>E tendo eles de revestir a forma escrita (art. 410 n. 2 e 875 do CC) não era possível a sua execução específica por força do n. 2 do art. 830 do CC, apenas funcionando as consequências do incumprimento previstas no art. 442, aliás não pedidas pelos Réus não constando dos mesmos a autorização para estes entrarem na posse dos lotes, até porque não havia ainda loteamento.</font></b><br>
<b><font>10 - Os contratos promessas invocados pelos Réus H, B e mulher, e F, são nulos, nos termos dos arts. 975, 410 n. 2 e 220 do CC, pois tem apenas como suporte simples recibo (fls. 69 a 74), não qualquer contrato subscrito pelo promitente e ainda por cima têm como objecto fracções indivisas.</font></b><br>
<b><font>11 - Quanto ao Réu J ele assente no doc. de fl. 71 subscrito apenas por este e pelo Autor, em que já se fala numa parcela de terreno e nele se consignou expressamente que era o promitente-comprador que, logo que tivesse preparado os necessários documentos, teria de avisar o Autor da realização da escritura no prazo mínimo de três dias.</font></b><br>
<b><font>Ora, o Réu não alegou ter interpelado o Autor nesse sentido, o que era indispensável nos termos do art. 224 n. 1 da CC, sendo que ele nem sequer lançou mão do direito no art. 777 do CC.</font></b><br>
<b><font>12 - De qualquer modo, as consequências do eventual incumprimento seriam sempre as do n. 2 do art. 830 e 442 da CC, o que o Réu não pediu, mas a execução específica.</font></b><br>
<b><font>13 - Quanto ao Réu I ele pediu reconvencionalmente o reconhecimento de que adquiriu o lote através de usucapião, mas a factualidade alegada para esse efeito não preenche essa figura.</font></b><br>
<b><font>14 - Por não estar, assim, de harmonia com as exigência do art. 1293 e seg. do CC, porquanto:</font></b><br>
<b><font>a) O Réu não tem junto título, nem, consequentemente o seu registo (arts. 1259 e 1294 do CC);</font></b><br>
<b><font>b) Nem registo da mera posse, aliás não invocada (art. 1295 do CC);</font></b><br>
<b><font>c) Nem a boa fé, nos termos do n. 1 do art. 1260 da CC, presumindo-se até a má fé, pois não abdica razoavelmente pensar que era dono do terreno antes de ser autorizada a escritura, com prévio loteamento, como é do conhecimento geral e corrente.</font></b><br>
<b><font>15 - Assim, o prazo exigível seria de 20 anos, que o Réu reconhece não ter decorrido (art. 1296 n. 2 do CC).</font></b><br>
<b><font>16 - Quando à acessão imobiliária invocada por todos os Réus, nos termos do arts. 1310 n. 1 e 1325 do CC, também ele é inviável porquanto.</font></b><br>
<b><font>a) os Réus não podiam desconhecer que o terreno era alheio.</font></b><br>
<b><font>b) os Réus não invocam a autorização da então mulher do Autor que dado o regime da comunhão geral era indispensável (art. 1628 A n. 1 al. c) do CC, o que fez cair a hipótese no art. 1345, sendo certo que era aos Réus que incumbia o ónus da alegação e prova desse requisito, como do demais, nos termos dos arts. 342 n. 1, 511 e 664 do CPC).</font></b><br>
<b><font>c) Os Réus não alegaram o valor que o terreno tinha antes das implantações das construções, a fim de se determinar se o valor acrescentado pelas obras ao terreno foi maior do que o que este tinha antes (n. 1 do art. 1340 do CC) - "valor acrescentado que nem sequer quantificaram, até porque as obras foram clandestinas, por falta de licenciamento municipal e contra as leis do loteamento urbano, sujeitas a demolição (art. 165 do R. DEV, DL 289/73, DL 448/91 de 29 de Novembro, DL 334/95 de 29 de Novembro, L 26/96 e 1-VIII 96, L 17/94 de 23 de Maio, DL 445/91, alterado pela L 29/92 de 5 de Setembro, DL 250/94 de 15 de Outubro).</font></b><br>
<b><font>17 - Finalmente, todos, com excepção do Réu E, formularam pedido de indemnização para a hipótese de virem a ser condenados a restituir ao Autor os lotes, com base nos arts. 473 e 479 do CC.</font></b><br>
<b><font>Mas também este pedido é inviável;</font></b><br>
<b><font>a) pois que inadmissível é tal pedido nas hipóteses do n. 2 do art. 274 da CPC;</font></b><br>
<b><font>b) e nem sequer alegaram factos suficientes para consubstanciarem um enriquecimento sem causa;</font></b><br>
<b><font>c) como se demonstrou não estamos perante a hipótese do n. 1 do art. 1340, do CC, mas sim do art. 1341 pelo que é o Autor que tem legitimidade para optar pela demolição ou pelo pagamento de indemnização e não os Réus.</font></b><br>
<b><font>18 -Julgando em contrário ofendeu a Relação as disposições legais invocadas.</font></b><br>
<b><font>19 - Deve ser concedido provimento ao recurso, revogado o Acórdão recorrido e julgada a acção totalmente procedente.</font></b><br>
<b><font>Os Réus H e mulher, J e mulher, F contra-alegaram, pugnando pela manutenção do Acórdão recorrido.</font></b><br>
<b><font>Posteriormente, o Autor juntou aos autos documentos comprovativos de ter vendido aos Réus F e mulher, D, H e mulher, B e mulher os lotes que lhes reivindica.</font></b><br>
<b><font>Assim e por despacho de 04-03-99, já transitado, foi julgada extinta a instância quanto a estes Réus, por inutilidade superveniente da lida, nos termos do art. 287 al. a) do CPC.</font></b><br>
<b><font>Assim, a instância mantém-se apenas quanto aos Réus E e J e mulher.</font></b><br>
<b><font>Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:</font></b><br>
<br>
<b><font>Foi invocada, por qualquer dos Réus subsistentes, a acessão industrial imobiliária, tipificada no art. 1340 do Código Civil, e isto face a factualidade alegada com esse fim, é quanto basta para não se ter de reconhecer, quanto a estes , o direito de propriedade sobre as parcelas de terreno, reivindicadas pelo Autor que são precisamente as mesmas sobre que teria incidido os modos de aquisição brandido pelos demandados.</font></b><br>
<b><font>Esse direito de propriedade reclamado pelo Autor só poderá, porventura, ser declarado perante os Réus em apreço, se não se vier a provar como adiante melhor se explicará, os factos integrantes da oposta acessão carreados nas suas contestações.</font></b><br>
<b><font>Como se sabe, a acessão constitui uma causa originária de aquisição e, talqualmente sucede com o usucapião, por isso mesmo, em nada é prejudicada ou afectada pelas vicissitudes registrais que atingiram o anterior direito, que precisamente se extingue por via dela (Prof. Oliveira Ascensão, Direito Civil - Direito Reais, 3 ed., p. 309 e Prof. Menezes Cordeiro, Direitos Reais II, p. 1052).</font></b><br>
<b><font>Não se contesta aqui a veracidade dos factos tabularmente consignados, o que se contrapõe é a criação originária de um novo direito a favor da cada um dos Réus e, por sua razão, não há lugar neste caso, ao pedido de cancelamento do registo exigido pelo art. 8 n. 1 do Código de Registo Predial (obs. Monteiro Guerreiro, Noções de Direito Registral p. 71).</font></b><br>
<b><font>O Réu J e mulher pedem em reconvenção, a execução específica do contrato-promessa relativo à porção de terreno a eles reivindicada, celebrado em 20-07-76, pelo Réu Marido e pelo Autor.</font></b><br>
<b><font>Nela se consignou, além do mais que "o prazo para fazer a escritura será logo que o promitente comprador tenha preparado os necessários documento para que tal se possa realizar, tendo para isso de avisar o promitente vendedor com pelo menos três dias de antecedência".</font></b><br>
<b><font>Porém, o promitente comprador na sua contestação, imputa ao Autor, promitente vendedor a não realização do contrato definitivo alegando não lhe ter sido possibilitada pelo segundo no despeito da procuração a fl. 72, por este, a ele passada, mas em termos insuficientes, ao que parece com vista também a viabilizar a promessa assinada - a aquisição da necessária licença de construção no terreno e ter-se o mesmo promitente, ora Autor, ausentado, sem deixar o seu contacto, para só aparecer oito anos após a celebração do contrato-promessa, em 1984, tendo então suscitado dificuldades à feitura do contrato definitivo e desaparecido novamente, em condições idênticas, até Novembro de 1992, nessa altura, segundo a defesa, pretendeu devolver o sinal com juros, aceitando, todavia, a possibilidade da celebração do contrato definitivo, mas em condições mais gravosas para o promitente</font></b><br>
<b><font>comprador.</font></b><br>
<b><font>É evidente que todo este circunstancialismo vai ao sentido de se imputar ao promitente vendedor a impossibilidade de se materializar a interpelação a efectuar, nos termos do contrato, pelo promitente comprador.</font></b><br>
<b><font>Pois bem a interpelação assim frustrada, mercê da actuação desenvolvida, nesse sentido, pelo promitente vendedor " torna-se dispensável" "A obrigação vence-se independentemente dela (Prof. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3 ed., pág. 195; Prof. Antunes Varela, Da Obrigação em Geral vol. II, 4 ed., pág 114)".</font></b><br>
<b><font>Acresce que o promitente vendedor, ao se recusar celebrar o contrato definitivo, nas condições acordadas no contrato promessa, e ao propor novas condições mais gravosas para esse efeito, revela, a todas ao lugar, o seu firme propósito de não cumprir a promessa a que estava vinculado.</font></b><br>
<b><font>Ainda nesta conjuntura, deve entender-se que a obrigação se vence, "in continuo", sem necessidade de interpelação, conforme vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência dominantes (Prof. Galvão Telles, ob. cit. 106; Prof. Pessoa Jorge, Obrigações, 1966, pág. 296; Prof. Calvão da Silva, Sinal - Contrato Promessa, 6 ed., pág 122; Ac. do STJ de 15-03-83, Bl. 325, pág 561; Acs. da Rel. Coimbra de 26-03-92, CC 1992, II, pág. 50, de 22-05-90, col. 1990, III, pág. 48; do STJ de 07-01-93, col. 1993, I, pág 15 etc.).</font></b><br>
<b><font>Tudo isto assenta, porém, em matéria controvertida e, daí, a necessidade da sua integração no questionário, com vista ao seu julgamento e apuramento definitivo.</font></b><br>
<b><font>Diga-se, por último a este sujeito, que não se pode olvidar que nos termos do art. 662 n. 2 al. b) do Código de Processo Civil, a citação para a acção vale como interpelação quando, como é o caso, através dela se pede o próprio cumprimento da obrigação assumida no contrato-promessa (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 24-08-78, Col. 1978, IV, pág. 1360; Acs. do STJ de 27-01-67, Bl. 163 pág. 296 e de 27-08-70, Bl. 200, pág. 249).</font></b><br>
<b><font>Objectou, ainda, o recorrente não ser viável, neste caso, a execução específica, por ter havido recebimento de sinal, por conta do preço, e não constar do texto do contrato promessa enfocado que tenha sido emitida declaração nesse sentido.</font></b><br>
<b><font>De acordo com a versão factual apresentada pelo promitente comprador, a inexecução do contrato definitivo dever-se-ia ao próprio Autor, ao abandonar as negociações, ausentando-se, por 8 anos, após o contrato promessa, para só reaparecer em 1984, e, mesmo assim, abstendo-se, nessa altura, de cumprir.</font></b><br>
<b><font>Assim, o atraso no cumprimento da obrigação seria imputável ao próprio Autor e teria ocorrido, ao que parece, no âmbito da redacção do art. 830 dada pelo DL 238/80 de 18-07, nela não se fazia corresponder à existência de sinal a cláusula de exclusão da execução específica.</font></b><br>
<b><font>Ora, não temos dúvidas em subscrever, face à natural e óbvia revogação do regime contido na versão anterior do preceito referido (art. 2 daquele DL), o entendimento de que tal normativo, na redacção referenciada, se aplica a todos os contratos promessa, cujo não cumprimento (incluindo, portanto, a mora) se tenha verificado após a sua entrada em vigor.</font></b><br>
<b><font>E isto manteve-se até à introdução, pelo DL 379/86 de 11-11, da nova redacção a esse mesmo dispositivo (veja-se no sentido indicado, Prof. Calvão da Silva in Contrato-Promessa, Bl 349, pág. 53 e seg.).</font></b><br>
<b><font>Os termos gerais da formulação do artigo em análise (redacção do DL 238/80), não toleram qualquer interpretação tendente a restringi-la à espécie particular da promessa de venda de prédios urbanos ou fracções autónomas para habitação do promitente comprador. A redacção enfocada de tal artigo "transcende o âmbito deste particular tipo de contrato-promessa, aplicando-se "expressis verbis" a todos os contratos promessas (Calvão da Silva, Contrato-Promessa, cit. pág. 61).</font></b><br>
<b><font>Não será, por outro lado, despiciendo lembrar aqui a doutrina do Assento do STJ de 19-12-89 (DR I série, de 23-02-90) assim expressa: "No domínio dos arts. 442 n. 2 e 830 n. 1 do Código Civil, com a redacção introduzida pelo DL 236/80 de 18-07, o direito à execução específica não depende de ter havido tradição da coisa, objecto do contrato-promessa para o promitente comprador" e, portanto, da existência de qualquer cláusula nesse sentido. Como Também não depende da existência da convenção facultando o exercício dum direito, pois, em parte alguma, a lei formula tal exigência.</font></b><br>
<b><font>De todo o modo, toda esta matéria, mormente a relativa à imputação da mora e ao momento da sua verificação é objecto de controvérsia entre as partes, a nível factual e, daí, a necessidade de levá-la, também, a julgamento.</font></b><br>
<b><font>A demais, a interpretação do art. 830 do Código Civil - para aí falar no preceito que mais directamente nos interessa referir, neste caso, no âmbito da disciplina do contrato-promessa - mesmo na sua versão actual, continua a enfrentar graves escolhas, traduzindo-se numa tarefa verdadeiramente espinhosa, como tal adversa de censuras e harmonia, e acabando, por isso, por desaguar em resultados muitas vezes contraditórios (Prof. Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, em especial pág. 85 e seg. 87 e seg., 126 e segs.; Prof. Calvão da Silva, Sinal - Contrato-Promessa, 6 ed. pág. 161 e seg.; Prof. Menezes Cordeiro, Estudos do Direito Civil, vol I, p. 11 e seg. e pág. 91 e seg.; Prof. Brandão Proença, D. incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, in Bl. Faculdade de Direito de Coimbra, Estudos em Homenagem ao Prof. Ferrer Correia, II, pág. 184 e seg.; Prof. Almeida Costa, Contrato-Promessa pág. 46 e seg.).</font></b><br>
<b><font>Tudo aconselha, portanto, a ponderação e cuidado na dilucidação e resolução desta temática, tudo apontando para um prévio e cauteloso apuramento dos factos, seleccionados, "segundo as várias redacções plausíveis da questão de direito", como exige a lei (art. 511 n. 1 do Código de Processo Civil).</font></b><br>
<b><font>Face às proposições atrás perfilhadas o único entendimento credível a dar ao pedido reconvencional da celebração da escritura relativa ao negócio definitivo é o de, ao fim e ao cabo, se pretender a execução específica da promessa.</font></b><br>
<b><font>O que os Réus J e esposa efectivamente pretendem é a realização do contrato prometido o que se pode obter, desde logo, se se comprovarem os respectivos pressupostos, através da execução específica.</font></b><br>
<b><font>Através desta via fica satisfeita a sua pretensão que é, neste particular, apenas, como se disse, a celebração do contrato definitivo.</font></b><br>
<b><font>Mas se assim é, então não tem qualquer justificação o pedido de fixação de um prazo para aquele efeito.</font></b><br>
<b><font>De todo o modo, a não se entender assim, nunca seria necessária a fixação de um prazo para o cumprimento, pois, como atrás se explicou, a sair vitoriosa a versão dos Réus em causa, já se deve ter como vencida a obrigação estando o promitente vendedor, sem mais, em falta.</font></b><br>
<b><font>Relativamente à inadmissibilidade do pedido reconvencional de execução específica - a considerá-lo integrante da pretensão dos Réus J e mulher - por não se integrar em nenhuma das hipóteses previstas nas alíneas do n. 2 do art. 274 do Código de Processo Civil, o nosso entendimento é outro. É que tal pedido, quanto a nós emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa que é a existência de um contrato-promessa susceptível de execução específica ou um qualquer caso, de posterior efectivação, mas, desde logo, determinada na sentença.</font></b><br>
<b><font>Portanto a pretensão reconvencional enfocada, encontra justificação legal na al. a) do n. 2 de art. 274 do Código de Processo Civil.</font></b><br>
<b><font>No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-07-63 (BMJ 129, pág. 410) ponderou-se e sem perda de actualidade e com o aplauso do Prof. Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório I, pág. 174 e nota 2) - que quando aquela alínea (al. a) do n. 2 do art. 274) fala em facto jurídico que serve de fundamento à defesa "refere-se" a facto que tenha efeito defensivo útil", a que acentuaria o carácter excepcional das disposições do art. 274 n. 2, dado fazerem excepção à regra da estabilidade da instância (art. 268 do mesmo Código; cfr. Prof. Alberto dos Reis, Rev. Leg. Jur. 77, p. 386).</font></b><br>
<b><font>E o mesmo se diga relativamente ao pedido reconvencionado de fixação de prazo, já analisado, sendo, portanto, que não é a sua admissibilidade que pode estar em causa, face à lição da al. a) do n. 2 do citado art. 274, mas sim o seu prejuízo por outras questões substanciais atrás expostas.</font></b><br>
<b><font>De todo o modo, deixar-se-á a última palavra, quanto à falta de fundamento de tal pedido - e não quanto à sua admissibilidade reconvencional à sentença que vier a ser proferida, depois de estabelecidos os factos apurados, por ser a solução mais prudente, nesta altura.</font></b><br>
<b><font>E chegou o momento de nos debruçarmos sobre as objecções postas pelo recorrente quanto à eventualidade da verificação de acessão industrial imobiliária de harmonia com o art. 1340 n. 1 do Código Civil, alegada por qualquer dos Réus subsistentes, relativamente às parcelas de terreno que lhes são reivindicadas pelo Autor.</font></b><br>
<b><font>Segundo o recorrente, esse modo de aquisição estaria excluído neste caso, desde logo porque os Réus não podiam desconhecer que essas parcelas de terreno, onde edificaram obras, era alheia, ou seja, pertença do próprio Autor.</font></b><br>
<b><font>Assim, não teriam agido de boa fé, como exige o preceito citado.</font></b><br>
<b><font>Esta argumentação não procede pois na definição de boa fé, o n. 4 da mesma disposição legal, considera, em alternativa, como boa fé, o desconhecimento de que o terreno era alheio ou a autorização da incorporação da obra pelo dono do terreno.</font></b><br>
<b><font>Ora, os Réus em causa alegaram que a incorporação das obras incorporadas fora autorizada pelo Autor.</font></b><br>
<b><font>De resto, é defensável a verificação da boa fé, quando o autor da incorporação julgue ter direito bastante para a realizar, recorrendo-se, aqui, para justificar esta posição, à lição do art. 1260 n. 1 do Código Civil, aplicável por analogia (Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, II, p. 719 e nota 1118 e I, p. 437; Carvalho Martins, Acessão, pág.125 e nota 204).</font></b><br>
<b><font>Nesta óptica, facticidade alegada, a propósito, pelos Réus permite ainda, a comprovar-se em julgamento, a afirmação da boa-fé como requisito da pretendida acessão.</font></b><br>
<b><font>O recorrente esgrime, ainda, em prol da tese contrária, com a falta de autorização para incorporação de obras, por parte da então mulher do Autor, que sendo casados segundo o regime de comunhão geral de bens, o que, segundo ele, se remeteria a questão da acessão para o âmbito do art. 1341, sem que, contudo, os Réus tivessem alegado a facticidade necessária ao funcionamento deste preceito.</font></b><br>
<b><font>Esta defesa não foi anteriormente suscitada, mormente na réplica, pelo Autor e por isso está-lhe vedado brandir com ela agora, per saltum, para o Supremo.</font></b><br>
<b><font>É que o Tribunal de recurso só pode, em princípio, apreciar questões já colocadas no Tribunal recorrido.</font></b><br>
<b><font>Isto, porque os recursos não se destinam a conhecer questões novas, mas apenas a modificar decisões sobre questões já apreciadas (cfr. Acs. STJ de 20-03-92, Acord. Doutrina 355, p. 934; de 06-03-91, AJ 17, p. 8).</font></b><br>
<b><font>E não há razão para não se seguir estas directivas no caso sub judice.</font></b><br>
<b><font>De todo o modo - dir-se-á num à parte - a falta de autorização da mulher para os fins referidos - se se aceitar a objecção ora contemplada - determinando, como se sabe, uma mera anulabilidade só poderia ser invocada pelo cônjuge que não deu o seu consentimento e caducaria se não fosse oposta no prazo estabelecido pelo art. 1687 do Código Civil (ainda: art. 1682-A, do mesmo diploma; cfr. Prof. Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, I, T2, p. 55).</font></b><br>
<b><font>Também se rejeita a situação de que os Réus teriam omitido facticidade donde se pudesse concluir, para se poder considerar verificada a acusação a favor deles, ser o valor acrescentado pelas obras superior ao valor do terreno onde foram implantadas.</font></b><br>
<b><font>Na verdade, e contrariamente a esta posição do Autor, os Réus alegaram factos donde é possível extrair a ilação da superioridade do valor acrescentado.</font></b><br>
<b><font>Assim, quanto ao Réu J e mulher tenha-se em conta como a matéria por eles carreada nos arts. 17, 38 e 39 da respectiva contestação, e, quanto ao Réu E, chama-se à atenção para o que consta dos arts. 13, 15, 16 e 17 da sua contestação.</font></b><br>
<b><font>É claro que não está posto, a este respeito, que este ponto não possa ser afinado através de um ou outro esclarecimento integrado nas respostas aos quesitos pertinentes. Não nos referimos, obviamente a respostas excessivas, não permitidas pela lei processual mas tão só as respostas explicativas, que se compreendam no âmbito da matéria articulada (neste sentido Acs. do STJ, de 03-12-74, Bl 242, pág. 212 e da Rel. de Coimbra, Col. 1977, 2 ed., pág.300).</font></b><br>
<b><font>Face ao exposto, torna-se evidente que não se impõe, a priori, a necessidade de sair do círculo do art. 1340, para se solucionar a problemática da alegada acessão.</font></b><br>
<b><font>Assim, se se vier a constatar, com apoio na factualidade apurada, pela verificação da acessão presumida no n. 1 daquele artigo, então dessa mesma factualidade poderá resultar - pois há elementos alegados suficientes para isso - qual o quantum indemnizatório a pagar pelos Réus ao Autor, nos termos definidos por aquele mesmo preceito.</font></b><br>
<b><font>Se, pelo contrário, a prova for no sentido de se considerar factualmente preenchida a hipótese de n. 3 da mesma disposição, então poderá estar encontrado o valor da indemnização a pagar pelo Autor aos Réus, em consonância com tal normativo.</font></b><br>
<b><font>O pagamento das indemnizações eventualmente devidas a um ou a outros, de acordo com o esquema traçado, por-se-á como deflui dos termos dos preceitos em referência, como consequência directa da aplicação destes mesmos preceitos sem necessidade da formulação expressa do pedido, num ou noutro sentido.</font></b><br>
<b><font>Essas indemnizações não são, porém, calculadas, segundo as regras do enriquecimento sem causa - como acontece na hipótese prevista no art. 1341 do Código Civil (última parte) - coincidindo, então, com o valor da própria coisa.</font></b><br>
<b><font>O Prof. Menezes Cordeiro (Direitos Reais, II, pág. 720 col. 1119) chama precisamente a atenção para a diversidade dos montantes ressarcitórios a que se pode chegar, consoante o valor da coisa incorporada seja calculado segundo o próprio valor da coisa ou de acordo com as regras do enriquecimento sem causa. Neste último caso o valor considerado é o do enriquecimento, isto é o valor efectivamente acrescentado pela intervenção (até ao montante despendido) e não o valor despendido, (cfr. Pereira Coelho, O enriquecimento, e o dano, M. Cordeiro).</font></b><br>
<b><font>Também os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, III, 2 ed., pág 168) ponderam que o facto do art. 1341 mandar calcular, pelas regras do enriquecimento sem causa, o montante da restituição a que tem direito o agente de má fé, enquanto que noutros casos - como os tipicisados no art. 1340 - fala, em regra, no pagamento do valor da coisa, revela sem dúvida o propósito de fixar uma restituição eventualmente inferior a este valor, quando seja menor o montante do enriquecimento do dono do terreno.</font></b><br>
<b><font>Ora, os Réus ao pedirem, em reconvenção, uma indemnização a calcular de harmonia com as directivas do enriquecimento sem causa, reportam-se precisamente à hipótese de se ter frustrado a pretensão antes deduzida de aquisição através de acessão industrial imobiliária - o que acarretaria outra medida indemnizatória, como há pouco se salientou - e caindo-se, então, no domínio da situação prevista na última parte do art. 1341 do Código Civil, se esta fosse a preferida pelo Autor, como permite esse mesmo preceito.</font></b><br>
<b><font>Recorrendo novamente à lição da al. a) do n. 2 do art. 274 do Código de Processo Civil vemos ser ainda admissível o pedido reconvencional em perspectiva, por se afigurar que ele se insere também no âmbito da defesa dos Réus ora equacionadas, assentando, assim, em facto que pode igualmente ter efeito defensivo útil, como atrás encontrámos, a outro propósito.</font></b><br>
<b><font>E o substracto factual desse pedido pode vir a resultar das r | [0 0 0 ... 0 0 0] |
4TIMvIYBgYBz1XKv8oI8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na Comarca de Lisboa, A propôs contra Laboratório de Análises Clínicas de ..., Limitada e Dr. C a presente acção com processo ordinário na qual pediu que estes réus fossem solidariamente condenados a: a) reconhecer os autores como legítimos donos da fracção individualizada pela letra B, identificada na petição, sendo a posse dos réus insubsistente por falta de qualquer título que a legitime, b) desocupar essa fracção, restituindo-a devoluta aos seus proprietários, c) indemnizar o autor pelos prejuízos decorrentes do não recebimento de qualquer rendimento dessa fracção, consoante o discriminado no artigo 30 da petição, os quais até Agosto de 1992 inclusivé perfazem o montante de 5742912 escudos, bem como os que incorrerem até efectiva entrega da fracção em causa, calculados segundo o artigo 31 da mesma petição, e ainda os juros legais de mora, d) pagar as custas, procuradoria e as demais despesas que o autor faça, designadamente com advogado e solicitador, na medida em que ultrapassem as custas da parte e procuradoria que venham a ser atribuídas, a liquidar em execução de sentença.<br>
Para tanto alegou a aquisição derivada e originária da fracção, a constituição entre ele e o réu Dr. C da Sociedade ré, o funcionamento desta naquela fracção, o acordo verbal entre os mesmos de que a sociedade deliberaria pagar ao autor a quantia de 50000 escudos mensais, anualmente actualizável de harmonia com os índices oficiais fixados para os arrendamentos comerciais, deliberação que, porém, nunca veio a ser tomada nem qualquer renda paga, o que levou o autor a afastar-se da sociedade e, em 1988, a ceder a sua quota ao réu Dr. C e à mulher deste por escritura pública, após o que entregou ao mesmo réu uma minuta do contrato de arrendamento da fracção.<br>
Na sua contestação, os réus, depois de confessarem alguns factos e negarem outros e de afirmarem que o autor nunca se dispôs a formalizar a celebração do arrendamento comercial por escritura pública, o que os levou a não pagar as rendas, terminaram pedindo a sua absolvição do pedido.<br>
No saneador-sentença, o réu Dr. C foi absolvido dos pedidos e a ré Laboratório de Análises Clínicas de ... Limitada foi apenas condenada a reconhecer o autor como legítimo dono da fracção referida e foi absolvida dos restantes pedidos, para além de que foi fixado à acção o valor de 6142912 escudos.<br>
Desta decisão apelou o autor, mas a Relação negou provimento ao recurso.<br>
Do acórdão da Relação interpôs o autor este recurso de revista, tendo, na sua alegação, concluído assim:<br>
I - vistos os factos provados e sua evolução, resulta claro que, em 1988, quando o réu C redige a minuta do contrato de arrendamento por escrito particular naqueles precisos termos, mais não se está que a concluir as grandes bases dos negócios que projectaram;<br>
II - nessas precisas circunstâncias em que duas pessoas resolvem avançar com a confiança inerente e assentam nas grandes bases dos negócios ou contratos, tal não dispensa que esses contratos atinjam a sua perfeição com a manifestação e encontro das vontades livremente manifestadas e sem vícios que as afectem e em toda a extensão relativamente a cada contrato;<br>
III - o contrato de sociedade atingiu a sua perfeição com a outorga da respectiva escritura mas o mesmo não se poderá dizer do contrato de arrendamento, não obstante a ocupação permitida e a determinação do montante da renda, aquando da definição das grandes bases, dado se não ter ultrapassado o impedimento do destino habitação do local;<br>
IV - competia aos recorridos na acção de reivindicação, quando excepcionassem a existência do arrendamento, provar que esse contrato existia como perfeito, quanto mais não fosse pela exibição de um qualquer pagamento de renda (artigo 342 n. 2 e 1088 do Código Civil).<br>
V - aquando da fixação das grandes bases do negócio, a sociedade, antes da sua constituição, não tinha personalidade jurídica pela mágica disposição do revogado artigo 107 do Código Comercial e nem se poderá dizer que adquiriu direitos após a sua constituição, visto esses direitos não passarem dessas grandes bases ou preliminares do conjunto que projectaram; e mesmo que algo se queira salvar através da responsabilidade do representante, a verdade é que a sociedade não pode ser, neste caso, considerada como terceiro e gozar da protecção da boa fé de terceiros;<br>
VI - os recorridos, ao valerem-se de que não pagam renda porque não dispõem de escritura pública e ao contestarem a regularidade da acção de reivindicação, porque a acção de despejo era a adequada e onde não será sua intenção valerem-se da falta de título, evidenciam uma postura inconsequente;<br>
VII - mesmo admitindo, o que só por hipótese se concede, que existe arrendamento, contra o princípio da certeza a aplicação do disposto na revogada e fufaz norma do n. 3 do artigo 1029 do Código Civil, porque inconstitucional, não é de aceitar, devendo os tribunais recusar-lhe acolhimento;<br>
VIII - nada justificava, mesmo ignorando a nossa tradição jurídica e de harmonia com os limites traçados pelo artigo 18 n. 2 da C.R.P., o normativo constante do dito n. 3 do artigo 1029, visto as restrições então existentes a favor dos inquilinos já salvaguardarem esses interesses constitucionalmente protegidos, não havendo justificação moral, social ou económica para dar ao locatário a escolha entre invocar a nulidade por falta de forma e optar pela validade do contrato com violação do princípio da igualdade jurídica das partes;<br>
IX - ao acolher-se a sobredita disposição, fere-se o disposto no artigo 205 da C.R.P. que comete não deverem os tribunais acolher leis ordinárias que estejam em desacordo com os princípios fundamentais consagrados na Constituição e esses são os consignados nos artigos 13, 20 n. 2, 12 n. 1 e 62 da C.R.P.;<br>
X - deve conceder-se a revista, com a condenação dos recorridos no pedido.<br>
Na sua contra-alegação, os recorridos concluíram deste modo:<br>
I' - existe e já está em vigor um arrendamento de natureza comercial entre a recorrente e a recorrida, o qual não está regularmente perfeito por falta de escritura pública, mas nada impede, como não impediu, a sua existência desde o início até à presente data;<br>
II' - os recorridos continuaram desde o seu início a exercer normalmente a sua actividade nas instalações do arrendado;<br>
III' - nem a decisão da 1. instância nem a da Relação violaram a lei, pelo contrário, limitaram-se a confirmar jurisprudência anterior;<br>
IV' - nunca foi posta em causa a constitucionalidade ou quaisquer outros princípios constantes dos normativos aplicados ao caso vertente, pelo que à data dos factos a lei era a invocada pelos recorridos, tendo as instâncias aplicado correctamente as normas em que basearam as decisões;<br>
V' - deve manter-se na integra o acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br>
A Relação deu como provados os factos seguintes:<br>
1 - o autor tem inscrita a seu favor a propriedade da fracção individualizada pela letra B, que constitui o rés do chão do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de Odivelas, Concelho de Loures, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n. 16329 a folhas 144/v do Livro B-46;<br>
2 - Esta fracção foi adquirida pelo autor por escritura de 28 de Maio de 1982, no 23. Cartório Notarial de Lisboa (Doc. n. 2) e, após esta aquisição, o autor, no interesse do seu casal, vem administrando tal fracção, pagando as inerentes despesas, taxas camarárias, contribuições e impostos, despesas de água e electricidade, e usando-a segundo o seu interesse, fruição e posse material do conhecimento público, sem turbação e de modo continuado e de boa fé, posse esta que, de igual modo, foi exercida pelos seus antecessores há mais de 20 anos;<br>
3 - por escritura de 31 de Janeiro de 1986, o autor e o réu Dr. C constituíram a sociedade ré Laboratório de Análises Clínicas ... Limitada, com um capital social de 1000 contos, pertencendo metade a cada um e tendo por objecto social a exploração de laboratório de análises clínicas, com a sua sede na referida fracção;<br>
4 - esta Sociedade começou a funcionar como laboratório em 1988, mas, quer antes da sua constituição quer depois, a dita fracção foi utilizada no interesse desta sociedade, utilização que se iniciou em 1985, no dia 1 de Setembro, sendo que, nessa ocasião, o autor e o réu Dr. C acordaram verbalmente deliberar que a sociedade pagará ao autor a quantia de 50000 escudos mensais, anualmente actualizável de harmonia com os<br>
índices oficiais que viessem a ser fixados para os arrendamentos comerciais, mas tal deliberação, após a constituição da sociedade, nunca veio a ser tomada, sendo certo que, segundo resulta da cláusula 9., parágrafos 1 a 3, do pacto social se exigia que ambos os sócios assinassem para que a sociedade ficasse obrigada.<br>
5 - em Março de 1988, o autor e o réu Dr. C acordaram que aquele se afastaria da sociedade, cedendo a sua quota, após divisão, ao 2. réu e mulher, o que fizeram por escritura pública de 18 de Março de 1988, ficando estes últimos como únicos sócios, constando também desse acordo a promessa, em escrito que não chegou a ser assinado, de o autor "arrendar, a partir da data da cessão da quota, ao segundo contraente, as instalações onde se situa o Laboratório acima referido pelo preço mensal de 61848 escudos...", valor de renda a pagar pelo réu Dr. C, que o autor corrigiu para 62130 escudos devido ao erro de cálculo praticado por aquele e de modo a fazê-lo coincidir com a aplicação dos coeficientes de actualização das rendas, entretanto publicado, ao montante de 50000 escudos acima referido, e constando ainda do mesmo acordo escrito que "as rendas vencidas e vincendas serão pagas pelo segundo outorgante estabelecendo-se, para isso, a seguinte metodologia: a) 600000 escudos (seiscentos mil escudos) - na altura da celebração do contrato de arrendamento definitivo; b) o restante - durante os 12 meses seguintes, em duodécimos iguais", escrito este que foi elaborado pelo réu Dr. C, que o remeteu ao autor acompanhado da nota por si assinada e indicando-lhe o cartório e data/hora onde seria lavrada a escritura de cessão de quotas (doc. 5 e 6);<br>
6 - no parágrafo único do artigo 12 da escritura de constituição da sociedade (folha 24) consta que:<br>
"Acontecendo a liquidação referida (liquidação da sociedade), a sociedade obriga-se a entregar ao sócio<br>
A, ou aos seus herdeios, o edifício onde vai funcionar a sua sede social completamente livre e desocupado, dado que é propriedade exclusiva daquele sócio";<br>
7 - o arrendamento ainda não foi formalizado por escritura pública;<br>
8 - pela utilização da fracção referida, o autor ainda não recebeu nada;<br>
9 - em Março de 1990, o autor entregou ao réu Dr. C minuta do contrato de arrendamento (Doc. n. 7) onde consta a renda que seria devida desde 1 Janeiro de 1990 - 72660 escudos - até Agosto seguinte, e, a partir daí, de 79933 escudos, isto é, sempre resultante da aplicação dos índices oficiais, sendo aqueles 72660 escudos, já eles, produto da aplicação desses índices;<br>
10 - Do mesmo documento também consta que o destino do arrendado era a habitação, ficando desde logo o réu Dr. C autorizado a afectá-lo a laboratório de análises clínicas, podendo realizar obras à sua custa, bem como, por outro lado, o autor, senhorio, se obrigava a outorgar a escritura de arrendamento - cláusula 6. - logo que, realizadas as obras de adaptação exigidas pela Câmara Municipal, fossem obtidas as necessárias licenças, e que significava, como era do conhecimento do autor e do réu C, que o local estava afecto a habitação e era necessário efectuar obras e obter autorização quer do condomínio quer da Câmara, para formalizar a escritura de arrendamento, não obstante, na prática, funcionar como laboratório;<br>
11 - o autor tentou evitar o recurso à via judicial e fê-lo por diversos meios, procurando obter uma solução negociada, do que é exemplo a carta escrita em nome do autor pelo seu advogado, datada de 27 de Fevereiro de 1991, com registo de 1 de Março de 1991 (documentos 9 e 10), e igualmente a carta, também registada, de 2 de Agosto de 1991 (documentos 11 e 12), por isso se viu obrigado a recorrer a tribunal com recurso a advogado, despesas judiciais e extrajudiciais a que não deu causa, para fazer valer os seus direitos.<br>
Segundo o disposto no n. 3 do artigo 1029 do Código Civil - este n. 3 foi adicionado pelo artigo 1 do Decreto-Lei 67/75, de 19 de Fevereiro, e veio a ser revogado pelo artigo 5 do Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro - no caso da alínea b) do n. 1 (este estabelece que devem ser reduzidos a escritura pública os arrendamentos para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal), a falta de escritura pública é sempre imputável ao locador e a respectiva nulidade só é invocável pelo locatário, que poderá fazer a prova do contrato por qualquer meio.<br>
Atentos os factos provados relativos à formação ou não formação do contrato de arrendamento sob exame e o disposto no n. 2 do artigo 12 do Código Civil quanto à lei aplicável à forma dos factos, é indiscutível que este n. 3 do artigo 1029 é o preceito aplicável no nosso caso.<br>
Ora bem, de harmonia com a doutrina e a jurisprudência correntes, a validade de um contrato de arrendamento para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal está sujeita por lei a escritura pública, mas se esta faltar, a correspondente nulidade não pode ser invocada pelo locador, só o podendo ser pelo locatário, que pode fazer por qualquer meio a prova do contrato (Vaz Serra, R.L.J. 109, páginas 171 e 315, 110, páginas<br>
233 e 347; Pereira Coelho, Direito Civil I Arrendamento, 66; Antunes Varela, R.L.J. 122, página 84; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de<br>
Dezembro de 1978, B.M.J. 282, página 177, e de 3 de Maio de 1990, B.M.J. 397, página 461).<br>
Assim, o autor, neste caso o senhorio locador, não poderá invocar a nulidade do contrato de arrendamento, se este existir.<br>
Por outro lado, também temos como certo que o n. 3 do artigo 1029 não era inconstitucional, por não ofender qualquer princípio fundamental consagrado constitucionalmente.<br>
De facto, os artigos 12 n. 1 (princípio da universalidade), 20 n. 2 (Direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário) e 62<br>
(direito à propriedade privada) da Constituição, que o recorrente aponta como consagrando princípios fundamentais que teriam sido ofendidos neste caso, nada têm a ver com a aplicação do n. 3 do artigo 1029.<br>
Porém, já o artigo 13 da Constituição, que consagra o princípio da igualdade, merece que vejamos se foi ou não ofendido.<br>
Pois bem, segundo entendimento uniforme do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, olhado em sentido material e enquanto vinculador da própria actividade legislativa, exige que a lei dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que trate de forma distinta o que for dissemelhante; tal princípio não importa, portanto, uma proibição absoluta de descriminação no tratamento legal de uma dada matéria, mas tão somente que essas discriminações sejam arbitrárias ou irrazoáveis isto é, desprovidas de fundamento material bastante; este princípio funciona como um limite objectivo da discricionaridade legislativa, proibindo a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. (Acs. do Tribunal Const. de 3 de Dezembro de 1991, 20 de Maio de 1992, 14 de Julho de 1992, 28 de Janeiro de 1993, in respectivamente, B.M.J. 412, página 71, 417, página 227, 419, página 763, 423, página 138, entre os mais recentes).<br>
No caso sub-judice, contudo, há razões objectivas para distinguir a situação do locador da situação do locatário.<br>
Na verdade, logo no próprio preâmbulo do Decreto-Lei 67/75, de 19 de Fevereiro, se diz ter-se tomado em conta "a linha de defesa das classes mais desprotegidas e das partes contratuais menos favorecidas", o que, sem dúvida, aponta, para a diferença entre a situação do locador, o proprietário, em relação a cujo direito se justificam eventuais restrições e limitações em consequência da função social da propriedade, como também se refere no mesmo preâmbulo, e a situação do locatário, o qual será a parte mais desprotegida ou menos favorecida.<br>
Depois, não sofre dúvida que se justifica o diferente tratamento para o locador e o locatário. É que, consoante salientou o Professor Pereira Coelho, com o n. 3 do artigo 1029, pretendeu-se garantir a continuidade da exploração comercial, industrial ou de profissão liberal exercida em prédio arrendado, facilitar a circulação da empresa, de que, por vezes, o direito ao arrendamento, é o elemento mais importante, e defender a integridade do valor económico do estabelecimento ou da profissão liberal do arrendatário, valor por este criado e que poderia ser consideravelmente afectado se o comércio, indústria e profissão liberal tivesse de passar a exercer-se em local diferente (Ob. Cit., 66).<br>
Há, pois, boas razões para favorecer o locatário e daí não existir ofensa do princípio da igualdade na aplicação do preceito em causa.<br>
Mas o recorrente começou por esgrimir com outro argumento, o qual consiste, fundamentalmente, na inexistência do contrato de arrendamento, o qual não terá atingido a sua perfeição com a manifestação e encontro das vontades dos contraentes, livremente manifestadas e sem vícios que as afectem.<br>
Tanto a 1. instância como a Relação entenderam existir um contrato de arrendamento entre o autor e a ré Laboratório de Análises Clínicas de ...<br>
Limitada, desde 1 de Setembro de 1985, a primeira porque o autor e o réu Dr. C, os dois sócios daquela ré, aceitaram reciprocamente a utilização da mencionada fracção, para o exercício da actividade daquela ré, mediante o pagamento de certa quantia pecuniária, inicialmente fixada em 50000 escudos por mês, e a segunda porque, havendo já uma sociedade irregular esta podia responsabilizar-se, como se responsabilizou por actuação do réu Dr. C, e porque logo entrou a utilizar o local (a fracção) ao mesmo tempo que era acordado com o proprietário o pagamento de uma retribuição mensal.<br>
Será assim?<br>
Antes de tomar posição, há que resolver uma questão prévia, a qual consiste em saber se este Supremo Tribunal pode censurar o decidido pelas instâncias quanto à existência do contrato de arrendamento, optando, por exemplo, pela não existência desse contrato.<br>
Pois bem, segundo o disposto no n. 2 do artigo 722 do Código de Processo Civil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa duma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>
E, no tocante à determinação da vontade das partes, a doutrina e a jurisprudência vêm defendendo que é matéria de facto a determinação da vontade real dos declarantes e que é matéria de direito a interpretação das declarações negociais, à luz do estatuído no artigo<br>
236 n. 1 do Código Civil, para apurar o sentido jurídico relevante das mesmas (Vaz Serra, R.L.J. 110, páginas 42 e 349; Antunes Varela, R.L.J. 122, página 307; e, para só falar nos mais recentes os acórdãos do<br>
Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1992, 11 de Novembro de 1992, 29 de Abril de 1993, 12 de Janeiro de 1994, 1 de Fevereiro de 1994, 1 de Fevereiro de 1994, in, respectivamente, B.M.J. 418, página 766, 421, página 364, C.J. do Supremo 1993, tomo II, página 73, 1994, tomo I, página 31, 1994, tomo I, página 79).<br>
Ora, no presente caso, é legalmente possível censurar a decisão das instâncias quanto à existência do contrato de arrendamento.<br>
Em primeiro lugar, tanto a 1. instância como a Relação, ao estabelecerem os factos provados, cometeram um erro manifesto, o qual consistiu na eliminação do termo "deliberar", inserto no artigo 9 da petição, quando se referem ao acordo verbal, pois dizem "acordaram verbalmente que a sociedade pagaria ao A. a quantia de<br>
50000 escudos mensais" quando deviam ter dito "acordaram verbalmente deliberar que a sociedade pagaria ao A. a quantia de 50000 escudos mensais". É este um erro que vai contra a força probatória derivada do acordo das partes, nos termos do n. 1 do artigo 511 do Código de Processo Civil, e por isso é sindicável por este Supremo Tribunal.<br>
Depois, na interpretação das cláusulas contratuais, ou seja, dos factos apurados como sendo a vontade real dos declarantes, as instâncias, pelo menos implicitamente, tiveram de recorrer aos critérios interpretativos fixados nos artigos 236 n. 1 e 238 do Código Civil, pelo que é possível a fiscalização deste tribunal de revista.<br>
E, finalmente a subsunção dos factos provados no conceito de locação estabelecido pelo artigo 1022 do Código Civil é uma operação de natureza jurídica que contende com a aplicação da lei aos factos, por conseguinte dentro da esfera da competência do tribunal de revista (artigo 729 n. 1 do Código Civil).<br>
Posto isto, vejamos se o autor e a ré Laboratório de Análises Clínicas de ... Limitada, esta através da actuação do réu Dr. C, celebraram um contrato de arrendamento para a exploração de laboratório de análises clínicas.<br>
Para concluírem pela afirmativa (celebração de contrato de arrendamento), as instâncias basearam-se, salvo no tocante ao termo "deliberar", como já se disse, nos factos seguintes: a sociedade ré começou a funcionar como laboratório em 1988, mas, quer antes da sua constituição (esta teve lugar em 31 de Janeiro de 1986) quer depois, a fracção referida foi utilizada no interesse dessa sociedade, utilização esta iniciada em 1 de Setembro de 1985, ocasião em que o autor e o réu Dr. C acordaram verbalmente deliberar que a sociedade pagaria ao autor a quantia de 50000 escudos mensais, anualmente actualizável de harmonia com os<br>
índices oficiais que viessem a ser fixados para os arrendamentos comerciais, mas tal deliberação após a constituição da sociedade nunca veio a ser tomada.<br>
Pois bem, a locação, como a define o artigo 1022 do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. São, assim, três os elementos essenciais deste contrato: a obrigação de proporcionar à outra parte o gozo de uma coisa, gozo este temporário e mediante retribuição (Pereira Coelho, ob. cit., páginas 10 e seguintes; Isidro Matos, Arrendamento e Aluguer, páginas 19 e seguintes; M. Januário C. Gomes, Arrendamento para Habitação, 13).<br>
Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 217 do Código Civil, a declaração negocial é um elemento integrante do negócio jurídico, sem a qual este não tem existência jurídica, e, de acordo com o artigo 232 do mesmo código, um contrato só está concluído quando as partes tiverem chegado a um acordo entre elas sobre todas as cláusulas julgadas necessárias, ou seja, o contrato conclui-se mediante uma declaração negocial, a proposta contratual, e uma outra declaração negocial, a aceitação dessa proposta.<br>
Segundo a doutrina, a declaração negocial é todo o comportamento de uma pessoa que, segundo os usos da vida, convenção dos interessados ou até, por vezes, segundo disposição legal, aparece como destinado, directa ou indirectamente, a exteriorizar um certo conteúdo de vontade negocial ou em todo o caso o revela ou traduz; e os seus elementos constitutivos são: a) a declaração negocial propriamente dita (comportamento declarativo), b) a vontade, que se decompõe em três sub-elementos, a vontade da acção (voluntariedade ou consciência e intenção), a vontade da declaração (consciência de que o comportamento declarativo querido tem o significado de uma declaração negocial) e a vontade negocial (vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração). (Manuel Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, ed. de 1953, páginas 69 e seguintes; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, ed. de 1973, páginas 487 e seguintes; Heinrich E. Horster, Teoria Geral do Direito Civil, páginas 433 e seguintes).<br>
Ora, os factos provados não demonstram que tenha havido uma proposta contratual de uma parte e a sua aceitação pela outra parte relativos ao arrendamento da fracção em causa, ou seja, à cedência do gozo da fracção, temporariamente, mediante uma retribuição.<br>
Com efeito, quanto aos elementos do contrato de arrendamento de tal fracção, apenas se provou que a sociedade ré utilizou essa fracção, no seu interesse, desde de 1 de Setembro de 1985. E mais nada, sendo que todos os demais factos provados apontam contra a celebração de um contrato de arrendamento da fracção em 1 de Setembro de 1985.<br>
Ora veja-se:<br>
- se o autor e o réu Dr. C "acordaram verbalmente deliberar que a sociedade pagaria ao autor a quantia de 50000 escudos mensais..., isto significa que eles acordaram em tomar tal deliberação, mas não logo nessa ocasião (1 de Setembro de 1985), mas só quando a sociedade se constituísse e já na qualidade de sócios desta;<br>
- se a sociedade só se constituiu em 31 de Janeiro de 1986 por escritura pública e só começou a funcionar como laboratório de análises clínicas em 1988, é razoável pensar, em caso de dúvida, que o arrendamento da fracção, onde a sociedade passou a ter a sua sede e a explorar o laboratório de análises clínicas, seja contemporâneo da constituição da sociedade;<br>
- mas a prova insofismável de que não foi celebrado qualquer contrato de arrendamento, podendo embora ter havido um contrato-promessa de arrendamento, resulta dos factos constantes dos documentos 5 e 6 e supra inseridos no n. 5 (é um escrito do réu Dr. C em que se fala de contrato-promessa e da promessa de arrendar feita pelo autor e das rendas, etc.) bem como dos factos constantes do documento 7 e acima inseridos nos ns. 8, 9 e 10 (refere-se que o autor nada recebeu pela utilização da fracção e há uma minuta do contrato de arrendamento, entregue pelo autor ao réu Dr. C em Março de 1990, da qual constam as rendas a pagar, o destino do arrendado e a autorização para afectação a destino diferente e para a realização de obras e ainda a obrigação de o autor outorgar a escritura de arrendamento, ultrapassados os obstáculos legais, etc).<br>
Não houve, por conseguinte, qualquer contrato de arrendamento, embora se admita como possível a existência de um contrato-promessa de arrendamento.<br>
E, já agora, sempre se dirá que a mesma conclusão se impõe, se olharmos a situação sob o ângulo da interpretação dos negócios jurídicos, à luz do artigo 236 do Código Civil.<br>
Na verdade, de acordo com o n. 1 deste artigo, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, mas, segundo o n. 2 do mesmo artigo, não será assim sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, pois que, então, esta é que prevalece.<br>
Portanto, em princípio, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que lhe daria um declaratário normal ou razoável, ou seja, medianamente instruído, arguto e diligente, normalmente esclarecido, zeloso e sagaz, colocado na posição do declaratário real, perante o comportamento do declarante (v., por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, volume I, 4. edição página 223; Mota Pinto, obra cit., páginas 624 e seguintes; Vaz Serra, R.L.J. 110, páginas 349 e seguintes, Henrich E. Horster, ob. cit., páginas 508 e seguintes; e, entre outros, os acórdãos do<br>
Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988,<br>
24 de Abril de 1991, 11 de Novembro de 1992, 29 de Abril de 1993, 13 de Abril de 1994, in, respectivamente, B.M.J. 374, página 436, 406, página<br>
629, 421, página 364, C.J. do Supremo 1993, Tomo II, página 73, 1994, Tomo II, página 32).<br>
Ora, um declaratário como o que se acabou de idealizar e a lei consagra nunca teria seguramente concluído que lhe fora feita uma proposta de arrendamento e que, por outro lado, a mesma havia sido aceite, pois que, neste caso, até se pode dizer que faltam as declarações negociais a interpretar, segundo a teoria da impressão do destinatário legalmente adoptada.<br>
Recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu um acórdão versando matéria muito parecida com a que nos ocupa e a solução não foi diferente (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1991, B.M.J. 408, página 512).<br>
O que acabou de dizer-se sobre a inexistência do contrato de arrendamento da fracção vale para a inexistência da sociedade ré antes da sua constituição por escritura pública de 31 de Janeiro de 1986, mesmo como sociedade irregular.<br>
É que os elementos essenciais das sociedades em geral, de harmonia com o disposto no artigo 980 do Código Civil, são três, a saber: 1) que os associados formem um fundo comum de capital ou de indústria, ou de capital e indústria conjuntamente, 2) que esse fundo seja destinado a operações lucrativas, 3) que os associados tenham participação nos lucros ou nas perdas resultantes dessas operações; mas, para a existência da sociedade mercantil são ainda precisas mais duas condições, nos termos do artigo 104 do Código Comercial ainda vigente até 1 de Novembro de 1986 (artigo 2 do Decreto-Lei 262/86, de 2 de Setembro): que tenha objecto comercial e que tenha firma comercial (Ferrer Correia, Sociedades Comerciais, ed. de 1954, páginas 3 e seguintes; Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, Fascículo I, páginas 177 e seguintes; Pires de Lima e<br>
Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, páginas 225 e seguintes).<br>
E acontece que o autor e o réu Dr. C não emitiram, antes de 31 de Janeiro de 1986, quaisquer declarações negociais de onde pudesse depreender-se a vontade de constituir a sociedade ré, muito embora sem obediência aos tramites indicados no Código Comercial<br>
(artigo 107), pelo que não se pode falar em sociedade irregular. Consequentemente, não é de por a hipótese de a sociedade ré, enquanto sociedade irregular, ter anulado, através da actuação do sócio Dr. C, a fracção referida, independentemente da questão de saber se ela podia ser titular do direito ao arrendamento (cf. Ferrer Correia, ob. cit., página 200).<br>
Como se viu, o autor pediu também que os réus fossem solidariamente condenados a indemnizá-lo pelos prejuízos decorrentes do não recebimento de qualquer rendimento da fracção, consoante o discriminado nos artigos 30 e 31 da petição... (alínea c) do pedido).<br>
E as instâncias, porque consideraram legítima a ocupação da fracção, atento que, segundo elas, tinha havido um contrato de arrendamento, disseram que a ré sociedade não era responsável por facto ilícito e por isso não havia lugar a indemnização.<br>
Mas nós, agora decidimos não ter havido qualquer contrato de arrendamento, embora se tenha provado a utilização da fracção no interesse da ré sociedade desde 1 de Setembro de 1985 sem que o autor tivesse recebido algo por essa utilização, pelo que cabe perguntar se é de condenar na indemnização pedida (cfr. alínea c) do pedido).<br>
Como resulta do artigo 684 ns. 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil e a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, por forma que o Tribunal<br>
Superior só pode apreciar as questões delas constantes e não outras, mesmo que abordadas no contexto da alegação, tramitando em julgado, consequentemente, todas as questões não inseridas nessas conclusões<br>
(Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, páginas 310 e 311; Castro Mendes, Recursos, 23 e 57 e seguintes; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III Recursos, 241 e seguintes, e, entre muitos outros, os acórdãos do S.T.J. de 19 de Setembro de 1989, 9 de Maio de 1990, 31 de Janeiro de 1991, 6 de Junho de 1991, 14 de Dezembro de 1994, in, respectivamente, B.M.J. 389, página 536, 397, página 423, 403, página 382, 408, página 431, C.J. do Supremo 1994, tomo III, página 171).<br>
Ora acontece que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, não abordou esta questão da indemnização, talvez porque a tivesse considerado como um corolário da inexistência do contrato de arrendamento, e apenas se limitou a pedir a condenação dos recorridos no pedido, pedido este que abrange, na sua alínea c), esta questão da indemnização. Será isto o bastante para se poder dizer que o recorrente | [0 0 0 ... 0 0 0] |
3zL7u4YBgYBz1XKv62t6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>I- A, (entretanto falecida, tendo sido habilitados como seus herdeiros os demais autores), B, C e D intentaram a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra E, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 2844406 escudos e cinquenta centavos, acrescida de juros legais desde 1-3-83, por indevida retenção dessa quantia pelo réu, na qualidade de advogado de F.</font><br>
<font>Houve contestação e réplica.</font><br>
<font>No despacho saneador, julgaram-se improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de erro na forma de processo.</font><br>
<font>Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 471 e segtes, a acção foi julgada procedente, com a condenação do réu no pedido de 50 UC.</font><br>
<font>O réu interpôs recurso de apelação (da sentença) e de agravo (do despacho saneador, do despacho que decidiu as reclamações contra a especificação e o questionário e do despacho de fls. 444, que indeferiu a arguição de nulidade por falta de notificação do dia e hora designado na carta rogatória para inquirição de testemunha).</font><br>
<font>O acórdão de fls. 512 e segtes negou provimento aos recursos, salvo quanto à condenação por litigância de má fé.</font><br>
<font>Neste recurso de revista, o réu fórmula, em resumo, as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- o acórdão recorrido é nulo porque conheceu da questão de inconstitucionalidade material dos arts 847º nº 1, 848º e 1161º d, do Cód. Civil e 84º nº 1 do EOA, invocada na alínea f) das conclusões apresentadas perante a Relação, o que configura a nulidade dos arts 668 nº 1 d, e 716º nº 1 do Cód. P. Civil;</font><br>
<font>- a petição inicial é inepta, por falta de causa de pedir, pois os autores limitaram-se a transcrever passagens de acórdãos de Conselhos da OA, sem terem invocado factos concretos em fundamento do pedido;</font><br>
<font>- ao não se considerar verificado esse vício, houve violação do disposto no artº 193º nº 2 a, do Cód. P. Civil;</font><br>
<font>- os autores fundam a sua pretensão num contrato de mandato, cujas contas pedem ao recorrente, mas estas só poderiam ser pedidas em processo especial de prestação de contas;</font><br>
<font>- ao não se atender essa excepção de erro na forma de processo, houve violação dos arts 1161º d, do Cód. Civil, 83º nº 1 g, do EOA e 199º e 1014º do Cód. P. Civil;</font><br>
<font>- os factos alegados 32 e 38 da contestação não foram impugnados na réplica e vieram a ser quesitados;</font><br>
<font>- com o indeferimento da reclamação para a sua especificação violou-se o disposto nos artº 505º e 511º nº 1 do Cód. P. Civil;</font><br>
<font>- deveria ter sido notificado do dia e hora designados para a inquirição da testemunha na carta rogatória;</font><br>
<font>- o indeferimento da arguição da correspondente nulidade violou-se o disposto no artº 11 da Convenção de Haia e o caso formulado pelo despacho de fls 372 vº;</font><br>
<font>- invocou expressamente a excepção peremptória de compensação, no sentido de que fosse julgada a extinta a obrigação de restituir aos autores a quantia peticionada com o crédito de honorários pelos serviços prestados ao falecido Bordalo;</font><br>
<font>- ao não se admitir essa compensação, houve violação dos artigos acima citados em primeiro lugar, os quais são inconstitucionais, na interpretação que lhes foi dada;</font><br>
<font>- prestou os serviços discriminados nos documentos juntos com a contestação;</font><br>
<font>- os honorários fixados mostram-se adequados e, considerando-se estes e as despesas efectuadas, verifica-se a aludida compensação.</font><br>
<font>Os autores, por sua vez, sustentaram a improcedência do recurso.</font><br>
<font>II - Factos dados como provados:;</font><br>
<font>Os autores são os únicos herdeiros de F, falecido em 21-12-81.</font><br>
<font>O réu foi por ele mandatado no sentido de lhe prestar serviços profissionais de advocacia.</font><br>
<font>Como advogado, o réu prestou ao F e a G os serviços discriminados no douto de fl 59-67.</font><br>
<font>No exercício da sua profissão de advogado, em nome e por ordem do F, o réu recebeu as quantias de 1845465 escudos (em 6-12-77), 655139 escudos (em Janeiro de 78) e 2960244 escudos e oitenta centavos (em meados de 1978).</font><br>
<font>O réu recebeu tais quantias para com elas pagar as quantias exequendas nos autos de execução fiscal nº 967/76 e 1125/77 que contra o F corriam termos no 5º e 1º Juízos do Tribunal da 1ª instância das Contribuições e Impostos de Lisboa, o que não chegou a fazer.</font><br>
<font>Por carta de 13-3-79, o F comunicou ao réu a sua intenção de pôr termo definitivamente às procuração a favor deste.</font><br>
<font>Em 28-6-79, o réu enviou àquele a sua nota de despesas e honorários com o teor do documento de fls 57 a 67.</font><br>
<font>O réu, daquelas quantias que recebeu, devolveu ao F, em 28-6-79, o montante de 2616423 escudos e setenta centavos, correspondente à diferença entre a soma dessas quantias e a dos honorários e despesas constante do documento de fls. 57 a 67.</font><br>
<font>Em 30-11-79, o F apresentou à Ordem dos Advogados a participação com o teor do documento de fls 233 a 235.</font><br>
<font>O F indicou ao réu que se deveria tentar efectuar o pagamento das referidas execuções através do direito à indemnização por nacionalização relativa às acções de que o mesmo fora titular no BPA.</font><br>
<font>O réu fez as despesas e recebeu para provisão e cobertura de despesas os montantes referidos a fls 57-67.</font><br>
<font>O F não aceitou as notas de honorários apresentados pelo réu.</font><br>
<font>Deram-se ainda como reproduzidos os documentos de fls. 15 a 34 (acórdão da Ordem dos Advogados de 23-10-87), 133 a 143 (petição de recurso contencioso interposto pelo réu daquele acórdão para o TAC de Lisboa) e 151 a 222 (diversas peças de processos que correram termos no Tribunal Cível de Lisboa)</font><br>
<font>III - Quanto ao mérito do recurso:</font><br>
<font>O Cód. P. Civil é aqui aplicável, salvo quanto à generalidade das normas respeitantes à tramitação do recurso, sem as alterações nele introduzidas em 1995/96 (artº 16º e 25º do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12-12).</font><br>
<font>Ao contrário do sustentado pelos recorridos, pode haver reapreciação dos aspectos processuais, por não ser aplicável o disposto no artº 754 nº 2 daquele Código, na sua actual redacção (nº 1 do cit. artº 25º).</font><br>
<font>As questões suscitadas no recurso são, no essencial, as seguintes: nulidade do acórdão recorrido; ineptidão da petição inicial; erro na forma do processo; impugnação do despacho que julgou as reclamações contra a especificação e o questionário; falta de notificação na carta rogatória; e a compensação de créditos.</font><br>
<font>1º Nulidade do acórdão recorrido:</font><br>
<font>Reporta-se a omissão de pronúncia quanto "a questão de inconstitucionalidade" invocada na alínea t, das conclusões do recurso de apelação, onde se alegou a inconstitucionalidade dos arts 847º nº 1, 848º e 1161º d, do Cód. Civil e 84º nº 1 do EOA, quando interpretados no sentido de impedirem o exercício da compensação, por advogado, entre o crédito de honorários e as quantias que ele tenha de restituir ao cliente, por violação dos arts 58º nº 1 e 59º nº 1 da Constituição.</font><br>
<font>Aquela nulidade consiste em deixar o juiz de se pronunciar "sobre questões que devesse apreciar" (artº 668 nº 1, do cód. P. Civil) e constitui a sanção para violação do disposto no artº 660 nº 2, onde se manda "resolver todas as questões" que as partes tenham suscitado.</font><br>
<font>Essa expressão "questões" não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas, por ser o juiz livre na "interpretação e aplicação das regras de direito".</font><br>
<font>Lisboa, 15 de Dezembro de 1998.</font><br>
<font>Martins da Costa,</font><br>
<font>Pais de Sousa,</font><br>
<font>Afonso de Melo.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
oTIUvIYBgYBz1XKvwIwH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1 - No 15 Cível de Comarca de Lisboa, A accionou CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos EP, em liquidação, atinente a obter a sua condenação no pagamento total de 2482343 escudos, pelos títulos peticionados e que seja ordenada a inclusão de tais créditos no mapa a que se refere o artigo 8 n. 2 Decreto-Lei n. 137/85, onde deverá ser graduado.<br>
A Ré, devidamente citada, defendeu-se por excepção e por impugnação.<br>
Excepcionando alegou a Autora recebeu compensação, assinando recibo no qual se previa a plena e total quitação, consequente à cessação do contrato de trabalho, pelo que remitiu eventuais dívidas, dado que se trata de crédito renunciável; e, mesmo que assim não fosse, os créditos peticionados estariam prescritos - artigo 38 n. 1 Decreto-Lei 49408.<br>
No saneador o conhecimento das excepções levantadas foi relegado para a sentença final.<br>
Nesta foi a acção julgada procedente e provada.<br>
Em apelação o douto Acórdão da Relação de Lisboa - folhas 404 a 412 - dando provimento ao recurso, absolveu a Ré dos pedidos.<br>
Daí a revista.<br>
2 - Nas suas alegações a Autora recorrente conclui: a) Ao concluir que os créditos retributivos foram, também, objecto de remisão, o douto Acórdão recorrido, violou os artigos 236 e 238 do Código Civil, com o que decidiu em contradição com a fundamentação de facto. b) e ao recorrente deve ser reconhecido o direito a tais créditos salariais, sob pena de violação dos artigos 24 n. 2 e 5 (este "a contrário") e 26 do Decreto-Lei 519-C/79, de 29 de Dezembro; do artigo 13 n. 1 alínea c) Decreto-Lei 260/76, na redacção do Decreto-Lei 29/84, de 20 de Janeiro e do artigo 4 n. 2 do Decreto-Lei 353-H/77, de 29 de Agosto. c) Ao concluir que o contrato de trabalho cessou por caducidade, tal como se conclui no artigo 4 n. 1 alínea c) Decreto-Lei 137/85, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 8 n. 1 alínea b) Decreto-Lei 372-A/75 dando-lhe, aliás, interpretação inconstitucional, como violou os artigos 18, 53 e 168 n. 1 da C.R.P.. d) Ao partir desse pressuposto sobre a forma de cessação do contrato para concluir pela existência de vontade negocial do recorrente, o douto Acórdão violou o artigo 349 do Código Civil; e) de todo o modo a indemnização pela cessação do contrato, nos casos em que é devida, radica em motivos de ordem pública e é imposta por disposição imperativa absoluta - artigo 31 do Decreto-Lei 372-A/75, que o douto Acórdão recorrido violou; f) concluir pela ulterior renunciabilidade de tal indemnização configura fraude à lei, tal como imposta no artigo 31 (em si à luz dos artigos 5 a 7 do mesmo Decreto-Lei n. 372-A/75). g) O douto Acórdão recorrido incorreu em contradição com a fundamentação de facto, designadamente a constante do texto do próprio recibo (cfr. também seu canto inferior esquerdo) o que assume a ocorrência de nulidade prevista no artigo 668 n. 1 alínea c) do Código de Processo Civil e violou o despacho conjunto de 9 de Maio de 1985 (em si e à luz do protocolo de 8 de Maio de 1985, seu ponto III 9) como violou os artigos 341 e 349 do Código Civil; h) de todo o modo, inexistindo vontade negocial, em particular, remissiva, o douto Acórdão recorrido violou o artigo 863 do Código Civil; i) tendo-se pronunciado pela existência de contrato remissivo (que não pela sua validade como refere, ao que parece com lapso) o douto Acórdão recorrido omitiu apreciação sobre parte das alegações da própria apelante (conclusões 5 e 6). j) de todo o modo, a prova de que o recorrente "quis" assinar o recibo no consente a ilação de que tal vontade foi livre não "defeituosa". k) A prova de que o recorrente quis assinar o recibo de quitação de quantia recebida, não consente a ilação de que quis - para mais com ausência de vontade "defeituoso" - o seu demais conteúdo; l) pelo seu lado, ao tornar incidível a entrega do auxílio social do Estado de assinatura do recibo, de texto inalterável (cfr. folha 5/verso do Acórdão, linha 20) a recorrida agiu com abuso do direito de cobrar recibo. m) ao decidir pela "validade" de remissão o douto<br>
Acórdão fez indevida aplicação do artigo 352 n. 2 do Código Civil e violou o artigo 255.<br>
A Ré contra-alegou.<br>
3 - Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
4 - Dando ordem lógica e cronológica à matéria assente pela Relação temos: a) O Autor prestou o seu labor profissional, sob as ordens e directivas da Ré desde 3 de Abril de 1951 até 7 de Maio de 1985. b) Em 7 de Maio de 1985, o Autor vinha desempenhando as funções contratualmente integrantes de categoria de contramestre Electricista (grupo C) em que aliás, se encontrava classificado. c) O Autor vinha auferindo na mesma data, a remuneração base de 31400 escudos e oito diuturnidades cujo valor unitário a Ré vinha mantendo, desde 1 de Março de 1983 em 450 escudos, sendo que a última se venceu a 1 de Junho de 1983. d) Aquela remuneração base só lhe vinha sendo paga desde de 1 de Março de 1984, já que, desde 1 de Março de 1983, até então, o Autor apenas auferia, por esse título 26800 escudos. e) Ao pagar, apenas os quantitativos acima referidos a Ré, fê-lo a pretexto da publicação do regime sucedâneo estabelecido pelo despacho conjunto dos<br>
Ministros de Trabalho e de Habitação Obras Públicas e Transportes. f) Já enquanto vinculado à Ré o Autor necessitava do produto do seu trabalho para sustento próprio e do seu agregado familiar. g) No dia 8 de Maio de 1985 entrou em vigor o Decreto-Lei 137/85, de 3 de Maio, que determinou a extinção da Ré. h) Na data da publicação desse diploma, a Ré enviou uma carta a todos os trabalhadores do seu serviço, entre quais o Autor. i) Aí, invocando esse Decreto-Lei 137/85 a Ré comunicou que, o contrato de trabalho caducaria e, que os seus diversos serviços e instalações encerrariam, pelo que, se deveria considerar desobrigado do dever de comparência. j) Tudo o peticionado foi objecto de reclamação. k) Dou por reproduzido o documento folha 25. l) A compensação era atribuída aos trabalhadores que não vieram a integrar os quadros da Portline ou Transinsular, ou outra empresa ligada ao sector. m) Ora acontece que o Autor recebeu compensação, no montante de 1067600 escudos conforme recibo - documento n. 2. n) E assinou o respectivo recibo no qual se previa a plena e total quitação consequente à cessação do contrato de trabalho, renunciando ao crédito acrescido e prescindindo de quaisquer outros direitos. o) Com efeito o Autor declarou "considerar integralmente satisfeitos eventuais direitos de crédito que detinha sobre o património em "liquidação". p) A Ré não pagou ao Autor qualquer quantia a título de diferenças retributivas, aviso prévio ou indemnização. q) A quantia constante do recibo folha 34 só seria entregue ao Autor desde que este assinou aquele recibo, sem qualquer alteração. r) A comissão liquidatária da Ré recusou-se a fazer a entrega da aludida quantia sem precedência da assinatura do Autor no referido recibo. s) Mais advertiu o Autor e seus colegas, sendo os reformados até por escrito, que não autorizava a aposição, no recibo, de qualquer rasura ou observação. t) O Autor receava pela sobrevivência própria e de seus familiares. x) No dia de extinção da Ré, só em Lisboa, o número de desempregados foi elevado em cerca de 5000.<br>
5 - No artigo 4 Decreto-Lei 137/85, de 3 de Maio, diploma que determinou a extinção da C.T.M. - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, EP, dispõe na alínea c) do seu n. 1: A extinção da C.T.M. implica:<br>
"A extinção, por caducidade imediata, de todos os contratos de trabalho em que seja parte a C.T.M., com excepção dos outorgados com pessoal de um embarcado, os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações em dívida à data da extinção do contrato de que se trata."<br>
A extinção da Ré implica a extinção dos contratos de trabalho, sem necessidade de qualquer processo ou sequer de qualquer comunicação.<br>
Dado que a caducidade do contrato de trabalho, nos termos da lei geral, não confere direito a indemnização, interroga-se sobre a constitucionalidade daquele artigo 4 n. 1 alínea c) aferido pela compatibilidade deste com o regime traçado no artigo 53 da Constituição.<br>
O Acórdão do Tribunal Constitucional de 27 de Abril de 1994 afirma:<br>
"Compreende-se por que é que a extinção de uma empresa não pode implicar, de per si, a caducidade dos contratos de trabalho. A ser assim, e pese embora a garantia constitucional da segurança no emprego, a entidade patronal através desta via, e sem pagamento de qualquer indemnização, poderia fazer cessar todos os contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores".<br>
E conclui:É inconstitucional, por ofensa dos artigos 18 n. 3, 53 e 168 n. 1 alínea b) da Constituição, a norma constante da alínea c) do n. 1 artigo 4 Decreto-Lei 137/85, de 3 de Maio, no ponto em que, pela extinção da<br>
C.T.M., implica extinção, por caducidade imediata, dos contratos de trabalho em que essa companhia seja parte".<br>
Nesta parte tem o recorrente razão.<br>
Contudo o ponto decisivo a resolver não está em saber se estamos perante caducidade ou despedimento colectivo, mas sim na interpretação e eficácia de documento junto folha 34 - recibo assinado pelo Autor.<br>
6 - Nele o Autor declarou ter recebido da Ré, em liquidação, por conta e ordem do Estado Português, a quantia de ... e considerou "integralmente satisfeitos eventuais direitos de crédito que advenham sobre o património em liquidação, em virtude de cessação de seu contrato de trabalho por força de extinção da C.T.M...."<br>
É efectivamente irrenunciável o direito dos trabalhadores a salários e subsídios, mas apenas durante a vigência do contrato de trabalho.<br>
Fundamenta-se em que, nessa vigência, pela subordinação jurídica própria de relação laboral, o trabalhador não gozaria de plena liberdade sobre a disponibilidade daquele direito.<br>
O que não é o caso dos autos.<br>
7 - Segundo o artigo 1 n. 1 Decreto-Lei 260/76 são empresas públicas:<br>
- as empresas criadas pelo Estado;<br>
- com capitais do próprio Estado ou de outra entidade pública;<br>
- para exploração duma actividade económica ou social;<br>
- de acordo com o planeamento económico nacional.<br>
À semelhança do que toca à sua criação, também a extinção é decidida em Conselho de Ministros e formalizada por decreto.<br>
Com ela visa-se: ou a reorganização da empresa, fundindo-a com outra ou cindindo-a ou pôr termo à sua actividade.<br>
Ponto é que não se aplica o processo de liquidação de sociedades, nem os institutos de falência de insolvência.<br>
Extinta, a Ré comunicou aos seus trabalhadores, incluindo o Autor, o encerramento dos serviços e instalações, desobrigando-os de comparecer.<br>
Daí - documento folha 25 a 33 - foi-lhes apresentado compensação dado que não integrou os quadros da Portline ou da Transinsular ou outra empresa ligada ao sector.<br>
O Autor aceitou, recebeu a compensação e assinou o respectivo recibo - documento folha 34 - no qual ainda declarou "considerar integralmente satisfeitos eventuais direitos de crédito que detenha sobre o património em liquidação".<br>
8 - O direito romano admitia: a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pectum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pectum in rem - ou contra determinada pessoa - pectum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido - Professor Vaz Serra, Boletim 43, página 57.<br>
Hoje na remisão - artigo 863 do Código Civil - extinguindo-se a obrigação, e interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.<br>
"Na remissão é o próprio credor que, com a aquiescência embora do devedor, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando, definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse, que a lei lhe conferia" - Professor A. Varela , Ob., 3. edição, volume II, página 208.<br>
Por isso "a remissão da dívida é, por conseguinte, a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com aquiescência da contraparte".<br>
É, pois, um contrato.<br>
Como igualmente a considerou o Código Civil Alemão - artigo 97 - Suiço - artigo 115 -; grego - artigo 454; brasileiro artigo 1053 a 1055.<br>
Como acto unilateral é recebido pelo artigo 1236 do Código Civil Italiano.<br>
E como doação - o artigo 1187 do Código Civil Espanhol.<br>
Por outro lado o artigo 443 do nosso código distingue entre contratos a favor de terceiro com eficácia real, obrigacional e liberatórios.<br>
Com efeito, apesar de o artigo 863 incluir no conceito de remissão só o contrato entre o devedor e o credor, o n. 2 do citado artigo 443 é explícito ao consagrar a validade dos contratos de remissão de dívida a favor de terceiro: A e B contratam a remissão de dívida de C para com B - Professor Leite Campos, contratos a favor de terceiro, página 26.<br>
É normal a remisão resultar de intervenção de terceiros, por exemplo quando um estabelecimento em situação de pré-falência, vê surgir um interessado na sua aquisição, mas pondo como condição um abatimento no montante dos créditos aos principais credores.<br>
Temos proposto deste terceiro a sua aceitação pelo instrumento de quitação.<br>
Foi em termos paralelos o que aconteceu nesta acção: a aceitação de proposta pelo Autor tornou perfeito o contrato de remisão.<br>
Assim tem sido entendido como jurisprudência pacífica deste Supremo.<br>
Supondo o negócio a título oneroso um correspectivo um equivalente, um equilíbrio económico-jurídico, poder-se-ia dizer que a remissão é elemento de uma novação, ou de uma dação em cumprimento ou de uma transacção.<br>
Assim: A remite o seu crédito contra B, porque este assume, em vez da sua dívida primitiva para com A, uma nova dívida (novação); A, que é credor e devedor de B, dá em cumprimento a este a remissão do crédito que tem contra aquele (dação em cumprimento) e, porque tendo-se suscitado litígio entre A e B, A remite parte de seu crédito contra B a fim de se pôr termo a este litigio (transacção) - Professor Vaz Serra, Boletim 43, Página 46.<br>
Ora, na esteira deste entendimento, poder-se-à dizer que a extinção da Ré tornou impossível o cumprimento da obrigação de pagamento ao Autor, do que ele solicita.<br>
Daí que o Autor passou a ser titular de um outro direito; o crédito à indemnização devida pelo incumprimento daquela obrigação.<br>
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1993 escrevia-se "pelo contrato, as partes acordaram sobre o montante de indemnização ou "compensação" devido ao Autor e, com o recebimento dessa quantia, a correspondente obrigação da Ré, surgida em substituição da obrigação inicial, extinguiu-se pelo pagamento.<br>
A situação jurídica deve assim qualificar-se como de contrato de transacção extrajudicial sobre o conteúdo ou extensão de obrigação da Ré (artigo 1248 do Código Civil) e a sua extinção, por cumprimento".<br>
9 - O Acórdão recorrido chega à mesma conclusão partindo de remissão, em perfeita consonância interpretativa de declaração inscrita no recibo, junto a folha 34.<br>
Não existe, pois, a invocada nulidade prevista no artigo 668 n. 1 alínea c), do Código de Processo Civil.<br>
É exacto que o protocolo de 8 de Maio de 1985, junto folhas 25 a 33, no seu ponto III-9 - folha 31 - refere "A atribuição das compensações referidas no ponto 6 é feita sem prejuízo dos princípios legais aplicáveis".<br>
E este ponto foi plenamente preenchido pela análise correcta juridicamente, como vimos, da matéria fáctica provada.<br>
Alega finalmente o recorrente que ele estava em notória situação de inferioridade e dependência ao assinar o recibo, pelo que, não manifestando qualquer vontade negocial, não tomou uma opção livre e consciente, uma "escolha", no tocante à assinatura de todo o texto do recibo.<br>
Estaríamos perante uma coacção e abuso de direito, dado que a Ré agiu ilicitamente, ameaçando o recorrente de o privar do auxílio social do Estado em caso de recusa de assinar o recibo, nos seus exactos termos.<br>
A ilicitude não estaria na exigência do recibo, por tal ser conforme ao direito - artigo 787 do Código Civil.<br>
É sabido que nos termos do artigo 255 do Código Civil o mal cominado para se obter a declaração negocial só releva se a sua cominação for ilícita.<br>
E tal declaração de ciência e vontade inserta no recibo corresponde à realidade.<br>
A proposta oferecida ao Autor era inteiramente lícita.<br>
O Autor encontrando-se já liberto da relação jurídica laboral, podia dispor livremente do seu crédito, tornando a mudar de posições: ou aceitava a quantia nas condições apresentadas ou correria o risco de vir a receber em face do resultado de liquidação.<br>
Não há, pois, qualquer coacção, nem abuso de direito.<br>
10 - Termos em que, negando provimento ao recurso, se confirma o douto Acórdão recorrido.<br>
Custas pelo Autor recorrente, tomando em consideração o apoio judiciário.<br>
Lisboa, 24 de Janeiro de 1995.<br>
Torres Paulo;<br>
Ramiro Vidigal;<br>
Cardona Ferreira.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mjL2u4YBgYBz1XKv-GRa | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
I - Da Tramitação Processual<br>
<br>
A, propôs acção ordinária contra B, C, e D, alegando:<br>
Em 29 de Outubro de 1992 celebrou com a B um contrato de locação financeira mobiliária, pelo qual lhe locou o veículo Honda, modelo Civic Sedan, 06-46-BD, pelo prazo de 36 meses, com rendas trimestrais, tendo esta destinado o veículo a aluguer de longa duração, com entrada na posse do D.<br>
O cumprimento do contrato, pagamento de doze rendas, foi garantido pela C através de seguro-caução, à primeira solicitação da A., sem qualquer formalidade e no prazo de quarenta e cinco dias, sendo beneficiária a A. e tomadora a B.<br>
A A. resolveu o contrato por incumprimento da B, que não restituiu o veículo, que entretanto foi apreendido cautelarmente; a C não pagou o capital seguro.<br>
Termina pedindo a condenação solidária das rés C e B a pagarem-lhe:<br>
- 1349224 escudos, correspondentes ao valor das rendas com IVA, vencidas e não pagas até resolução do contrato de locação;<br>
- 237799 escudos, a título de juros de mora sobre esse montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem até integral pagamento;<br>
- 904636 escudos, a título de rendas vincendas;<br>
- 56658 escudos, correspondentes a juros de mora sobre aquele montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem até integral pagamento.<br>
Pede a condenação da ré B e do réu D a restituirem-lhe o veículo locado.<br>
Subsidiariamente pede a condenação das rés B e C a pagarem-lhes 1811018 escudos, sendo:<br>
- 1349224 escudos, correspondentes ao valor das rendas com IVA, vencidas e não pagas até resolução do contrato de locação;<br>
- 237799 escudos, a título de juros de mora sobre esse montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem até integral pagamento;<br>
- 200466 escudos, relativos à indemnização calculada nos termos do artigo 15º nº 2 das Condições Gerais do contrato de locação financeira, que corresponde a 20% da soma das rendas vincendas e do valor residual do veículo locado;<br>
- 23529 escudos, a título de juros de mora sobre esse montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem até integral pagamento.<br>
Pede a condenação da B e do D a restituírem-lhe o veículo locado.<br>
Citados, veio o D nomear à acção E, que aceitou a nomeação, passando a substituir no processo o D.<br>
Contestaram as RR, pedindo:<br>
A C, a improcedência da acção e, em reconvenção, a condenação da A. a pagar-lhe a indemnização que vier a liquidar-se em execução de sentença, pelos prejuízos alegadamente por si sofridos em consequência desta ter dado origem a que a Ré B se apropriasse fraudulentamente das rendas recebidas da nomeada.<br>
A Ré B, a procedência parcial da acção com a condenação da C no pedido indemnizatório formulado pela A.; a sua absolvição de qualquer dos pedidos, incluindo o da devolução do veículo; a declaração sem efeito da resolução do contrato de locação financeira; e a declaração de nulidade da cláusula 15ª, 2, do contrato de locação financeira.<br>
A E, a improcedência da acção e o provimento da reconvenção que formula, julgando-se sem efeito a resolução do contrato de locação financeira, com a sua absolvição do pedido de restituição do veículo, e condenando-se a A. a pagar-lhe a importância de 5000000 escudos, por prejuízos causados, bem como a indemnização que se liquidar em execução de sentença, por prejuízos futuros.<br>
O processo prosseguiu seus termos, vindo a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decretou a resolução do contrato de locação financeira e:<br>
Condenou a C a pagar à A: 1349224 escudos, correspondente ao valor das rendas com IVA vencidas e não pagas até à resolução do contrato de locação, com 237799 escudos a título de juros de mora vencidos até 27 de Outubro de 1995, a que acrescem juros vincendos até integral pagamento; 904636 escudos a título de rendas vincendas, com 56658 escudos a título de juros de mora vencidos até 27 de Outubro de 1995, a que acrescem os juros de mora vincendos e até integral e efectivo pagamento.<br>
Absolveu a B da pedida condenação solidária nesses montantes, por a sua responsabilidade ter sido transferida pelo seguro outorgado para a C.<br>
Julgou prejudicada a apreciação do pedido subsidiário formulado pela A.<br>
Condenou as rés B e E a restituir à A o veículo locado.<br>
Absolveu, por outro lado, a A, dos pedidos reconvencionais formulados pelas rés C e E.<br>
Apelaram A e RR.<br>
A Relação julgou completamente improcedente a apelação da ré E, parcialmente improcedente a da A., no sentido de haver condenação solidária das B e C; parcialmente procedente a da C, alterando a sentença no sentido de ser condenada a pagar à A a quantia de 1811081 escudos, sendo 1349224 escudos, correspondentes ao valor das rendas com IVA, vencidas e não pagas até resolução do contrato de locação; 237799 escudos, a título de juros de mora sobre esse montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem até integral pagamento; 200466 escudos, relativos à indemnização calculada nos termos do artigo 15º nº 2 das Condições Gerais do contrato de locação financeira, que corresponde a 20% da soma das rendas vincendas e do valor residual do veículo locado; 23529 escudos, a título de juros de mora sobre esse montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem até integral pagamento.<br>
<br>
II - Dos Recursos<br>
<br>
1 - Das Conclusões<br>
Inconformadas, recorreram para este Supremo tribunal as C e B, concluindo, deste modo, as suas alegações:<br>
A "C":<br>
a - A questão essencial dos autos prende-se com a interpretação da cláusula sobre o objecto da garantia inserta nas Condições Particulares do seguro de caução directa a que se refere a apólice dos autos.<br>
b - da cláusula consta que a garantia respeita a rendas do veículo Honda Civic, matrícula 06-46-BD. mas as partes não concretizaram se se trata das rendas devidas pela B à A, por força do contrato de locação financeira, ou de rendas devidas pelo locatário final, em resultado do contrato de aluguer de longa duração.<br>
c - É certo que, pelas respostas aos nsº 1, 2 e 3 do questionário, o tribunal deu como provado que o seguro caução garantia o pagamento de todas as rendas do contrato de locação financeira.<br>
d - Mas esse entendimento não tem no texto da cláusula um mínimo de correspondência ainda que imperfeitamente expresso.<br>
e - Porque o Tribunal da Relação não anulou essas respostas, pode o Supremo exercer censura sobre o uso que a Relação fez dos poderes conferidos pelo artigo 712º do CPC.<br>
f - O impropriamente chamado aluguer de longa duração não tem consagração ou base legal, nem corresponde a um modelo contratual específico, revestido de autonomia jurídica, designadamente o de locação financeira.<br>
g - A B funcionava como intermediária entre a A e os particulares interessados na aquisição de veículos automóveis para uso próprio.<br>
h - A A e a B, ambas conluiadas, contornaram as normas legais que proibiam a locação financeira de coisas móveis para usos não afectos a actividades empresariais, havendo interposição real da B no negócio em causa para prosseguir um objectivo ilícito em fraude à lei.<br>
i - Logo o contrato celebrado entre a A e a B é nulo.<br>
j - A apólice emitida não garante as quantias reclamadas na presente acção.<br>
l - Nunca a recorrente poderia responder por qualquer indemnização decorrente da resolução do contrato e respectivos juros, por tais obrigações não estarem incluídas no objecto seguro.<br>
m - A recorrente e a B ao celebrarem os protocolos existentes nos autos, recorreram à figura do contrato.quadro, pelo que tais protocolos são elementos imprescindíveis para a compreensão da apólice no tocante à questão do objecto da garantia, bem como a quaisquer outras.<br>
n - Como contrato a favor de terceiro o seguro aproveita ao respectivo beneficiário apenas nos precisos termos contratados entre a seguradora e o tomador do seguro.<br>
o - Foram violados os artigos 511º nº 1 do CPC de 1961, 659º nº 3 e 653º nº 2 do CPC actual, artigos 238º, 236º, 280º, 281º, 364º, 562º, 564º, 566º, 632º, nº 1, 762º e 798º, do CC, artigo 426º do C.Comercial, artigo 8º do Decreto-Lei nº 183/88, artigos 19º alínea c) e 12 do Decreto-Lei nº 446/85, artigos 1º, 2º e 6º do Decreto-Lei 171/79, redacção então vigente, e Decreto-Lei nº 103/86, de 19 de Maio.<br>
A B<br>
a - O Acórdão recorrido não teve em consideração que o seguro de caução directa é uma garantia autónoma, automática, à primeira interpelação, não tendo a natureza jurídica de fiança sendo, no caso, tomador a B e beneficiário a A.<br>
b - incumprindo o tomador do seguro as obrigações garantidas pela apólice, constituiu-se a C na obrigação de pagar ao beneficiário a quantia que devia receber da B pela celebração do contrato de locação financeira.<br>
c - A A não accionou directamente a C, como fora negociado, antes resolvendo o contrato, pelo que agiu com abuso de direito.<br>
d - A B não pode ser condenada solidariamente com a C no pagamento à A por, não tendo o seguro caução a natureza jurídica da fiança, não haver devedores solidários.<br>
e - Se a C pagasse o estipulado na apólice, ou seja, as rendas vencidas e não pagas, bem como as vincendas, não havia que restituir o veículo à A, pois esta ficava ressarcida, devendo o veículo ser entregue à B que, por sua vez, o entregaria ao seu locatário de ALD (no caso de estar em cumprimento perante a B, nem haveria que pagar qualquer indemnização à A, sob pena de enriquecimento sem causa.<br>
f - Foram violados os artigos 236º a 238º, 334º, 398º, 405º, 406º e 805º, do CC, 426º e 427º, do C. Comercial, 668º alíneas b), c), d) e e), do CPC, e ainda o Decreto-Lei nº 183/88, de 24 de Maio.<br>
Houve contra alegações.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
<br>
2 - Dos Factos Provados: <br>
A Autora é uma instituição de crédito que tem por objecto a locação financeira.<br>
A A celebrou com a B, com início em 10 de Novembro de 1992 e termo em 10 de Novembro de 1995, o contrato de folhas 16 e seguintes deste processo, no seus precisos termos e condições, cujo objecto era o veículo automóvel "Honda", modelo "Civic Sedan" de matrícula 06-46-BD, pertença da A que a B recebeu.<br>
Para a celebração do contrato a A exigiu da B a apresentação de caução para assegurar o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de locação financeira, isto é, de pagamento da totalidade das rendas.<br>
A B celebrou com a C o contrato de seguro, na modalidade de genérico, de caução directa, em referência ao veículo locado 06-46-BD, cuja apólice está junta a folhas 45, sendo beneficiária a A pelo prazo, pelas condições e pelo objecto aí aludidos.<br>
Tal caução foi prestada, mediante esse seguro.<br>
A B deixou de pagar à A as prestações aludidas no contrato referido, apesar de solicitada, nomeadamente as vencidas a 10 de Agosto de 1994, 10 de Novembro de 1994 e 10 de Fevereiro de 1995, sendo as duas primeiras de 448453 escudos, cada, e a terceira de 452318 escudos, no montante global de 1349224 escudos.<br>
Em consequência, na data delas constante foram enviadas à B as cartas de folhas 33 a 35 deste processo, que as recebeu.<br>
A 6 de Março de 1995 estava em vigor um seguro caução que garantia à A o pagamento de todas as rendas do contrato de locação financeira.<br>
O veículo em causa foi apreendido em 8 de Novembro de 1995.<br>
Na data que dela consta a A enviou à C a carta de folhas 48, que a recebeu conforme folhas 49.<br>
Os montantes das prestações jamais foram pagos à Autora pela C, apesar de a A ter enviado àquela, que os recebeu, na data que deles consta os documentos de folhas 46 a 47 deste processo.<br>
A B, mediante contrato, e no exercício da sua actividade comercial, cedeu depois a utilização do veículo à E, nos termos do contrato documentado a folhas 123, 144.<br>
Jamais esta se obrigou a pagar à A qualquer montante no âmbito do contrato.<br>
Jamais a A avisou a E do incumprimento por parte da B.<br>
A E aceitou a utilização do veículo por necessitar de uma viatura para a actividade profissional dos sócios, no caso o D, cirurgião vascular.<br>
Tal necessidade, após o envio da carta de folhas 49, continuou a existir e a E teve de suportar de seu bolso despesas com meios alternativos de transporte para atender às necessidades de serviço do aludido clínico.<br>
<br>
3 - Das Questões a Decidir:<br>
De notar que a decisão da 1ª instância é definitiva quanto à B, relativamente à condenação de restituição à A do veículo 06-46-BD, por ter transitado em julgado a decisão do Exmo Desembargador Relator que decidiu não tomar conhecimento do recurso de apelação - folhas 706.<br>
São as seguintes as questões a apreciar:<br>
- contrato de locação financeira<br>
- contrato de seguro caução<br>
- natureza do contrato de seguro caução<br>
- nulidade do contrato de locação financeira<br>
- abuso de direito<br>
- enriquecimento sem causa<br>
- indemnização e juros.<br>
<br>
4 - Do Contrato de Locação Financeira:<br>
A Autora é uma instituição de crédito que tem por objecto a locação financeira.<br>
Celebrou com a B, com início em 10 de Novembro de 1992 e termo em 10 de Novembro de 1995, o contrato de folhas 16 e seguintes, tendo por objecto o veículo automóvel "Honda", modelo "Civic Sedan" de matrícula 06-46-BD, sua propriedade que a B recebeu, deixando de lhe pagar as rendas devidas, apesar de solicitada, nomeadamente as vencidas a 10 de Agosto de 1994, 10 de Novembro de 1994 e 10 de Fevereiro de 1995, sendo as duas primeiras de 448453 escudos, cada, e a terceira de 452318 escudos, no montante global de 1349224 escudos.<br>
Por esse motivo a A enviou à B, que a recebeu, a carta de folhas 33 a 35, considerando resolvido o contrato se no prazo de oito dias a contar da data da carta não fossem liquidadas as rendas vencidas e os respectivos juros de mora.<br>
Porque estes factos alegados pela A não foram impugnados tem-se o contrato como celebrado.<br>
<br>
5 - Do Contrato de Seguro Caução:<br>
A A para celebrar o contrato de locação financeira com a B exigiu uma garantia financeira, que esta lhe prestou através de contrato de seguro caução, que teve como segurador a C.<br>
O Professor Almeida Costa, Rev.leg.Jur., 129, 20, define o contrato de seguro como sendo a convenção por virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.<br>
Trata-se de um contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso e de execução continuada.<br>
No caso vertente está em causa uma particular modalidade do contrato de seguro:<br>
o contrato de seguro caução, com disciplinar específica no Decreto-Lei 183/88, de 24 de Maio.<br>
Como refere o ilustre Professor o contrato de seguro caução assume a feição típica de um contrato a favor de terceiro: é celebrado entre a empresa seguradora e o devedor da obrigação a garantir ou o contragarante, a favor do respectivo credor (artigo 9º nº 2 do Decreto-Lei nº 183/88), abrangendo apenas o risco de incumprimento temporário ou definitivo de obrigações que, por lei ou convenção, sejam susceptíveis de caução, fiança ou aval (artigo 6º), limitando-se a obrigação de indemnizar, por parte da seguradora, à própria quantia segura (artigo 7º nº 2).<br>
Por ele, atribui-se um direito a quem é estranho à sua celebração.<br>
Nos termos do nº 1 do artigo 8 do DL nº 183/88, de 24 de Maio, do contrato de seguro de caução devem constar, além do estabelecido no C.Comercial, a identificação do tomador do seguro e do segurado, no caso de as duas figuras não coincidirem na mesma pessoa, a obrigação a que se reporta o contrato de seguro, percentagem ou quantitativo do crédito seguro e prazos de participação do sinistro e de pagamento das indemnizações.<br>
O tomador é, pois, o devedor da obrigação; o segurado ou beneficiário é o credor da obrigação a garantir; o segurador é garante da obrigação.<br>
Nos termos do artigo 1º da s Condições Gerais da apólice do contrato de seguro dos autos o tomador do seguro é definido como a entidade que contrata com a C, sendo responsável pelos pagamentos dos prémios, o beneficiário como a entidade a favor de quem reverte o direito a ser indemnizado pela C, e o sinistro como o incumprimento atempado pelo tomador do seguro da obrigação assumida perante o beneficiário.<br>
Das Condições particulares da apólice outra interpretação não decorre que não seja a de que o tomador foi a B, o segurado ou beneficiário a A, o segurador a C e o objecto do contrato (o risco coberto pelo contrato) a garantia da Companhia de Seguros, perante a A. do pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de 5235256 escudos, referentes ao veículo Honda Civic 06-46-BD, seguro feito pelo prazo de 36 meses, com início em 5 de Novembro de 1992 e termo em 4 de Novembro de 1995.<br>
Este contrato nada tem a ver com o aluguer de longa duração que a B proporcionou à E.<br>
De assinalar que a resposta ao quesito 7º, em que se perguntava se aquele seguro garantia o pagamento das rendas devidas pela E à B, teve resposta negativa.<br>
Por tudo isto, não merecem censura as respostas aos quesitos 1, 2 e 3. <br>
<br>
6 - Da Natureza do Contrato de Seguro Caução:<br>
O contrato de seguro é um contrato formal, que deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro - artigo 426º do C.Comercial - e, além do estabelecido neste Código, como se viu, dele deve constar, o enunciado nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 8º do DL nº 183/88, de 24 de Maio.<br>
Sendo a apólice um documento ad substantiam a declaração dela constante não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso - artigo 238º do CC.<br>
Não é viável, por isso, proceder a outras indagações que possam adulterar o sentido exposto, como procurar averiguar se, em eventuais negociações preliminares havidas, se teria acordado na existência de outro tomador, em qualquer cláusula de pagamento "à primeira interpelação" (at first demand - auf erstes Anfordern), ou em outras cláusulas.<br>
De realçar, também, que não é possível aplicar, sem mais, ao contrato de seguro caução os princípios da autonomia que, é usual, constarem das garantias bancárias.<br>
É que o seguro caução está tipificado na lei - artigo 1º nsº 1 e 5 do DL nº 183/88 - e os princípios que esta consagra podem ser incompatíveis com aquela autonomia, na medida em que a seguradora tem a faculdade de, na apólice, subordinar a eficácia do seguro a condição, bem como a estabelecer prazos constitutivos de sinistro - nº 2 do artigo 8º.<br>
Por outro lado, há que referir que foi a B que negociou com a C o contrato de seguro caução, não se vinculando a A nesse contrato, celebrado em seu benefício mas em que não interveio, a accionar designadamente só a C pelo incumprimento do contrato de locação, postergando os princípios gerais de direito em matéria de responsabilidade civil, nem tão pouco isso aconteceu no contrato que celebrou com a B.<br>
O seguro caução foi clausulado para, em caso de incumprimento do contrato, funcionar como reforço da possibilidade de a A, com mais facilidade, obter o que lhe é devido, não tendo qualquer outro significado como seja a renúncia a uma eventual solidariedade de devedores - cfr. artigo 512º do CC, artigos 100º, onde se estabelece a solidariedade dos co-obrigados nas obrigações comerciais, salvo estipulação em contrário, 427º e 441º, do C.Comercial; e, também, as cláusulas 11ª nº 2 e 14, das Condições Gerais da apólice, onde se diz, que o beneficiário obriga-se sempre a ressarcir-se dos prejuízos sofridos valendo-se, em primeiro lugar, de débitos relativamente ao tomador do seguro, salvo se o contrário for expressamente convencionado nas condições particulares e que a C fica sub-rogada nos direitos do beneficiário sobre o tomador do seguro ou contra terceiros, emergentes do presente contrato, até à concorrência da indemnização paga, obrigando-se o beneficiário a abster-se de praticar quaisquer actos ou omissões que possam prejudicar a sub-rogação, sob pena de responder por perdas e danos.<br>
Aliás do Protocolo de 1 de Novembro de 1992, então em vigor, resulta claramente que eram emitidos dois tipos de apólices:<br>
Uma, relativamente aos seguros de caução que a B exigia aos seus clientes, destinados a garantir o pagamento das prestações de veículos adquiridos por aqueles, em aluguer de longa duração (artigo 1º); outra, em que o tomador era a B ou quem esta indicasse, até ao montante de 750000 escudos, mediante o pagamento de um prémio de 12500 escudos, indicando a B a entidade jurídica a favor de quem era constituído o benefício (artigo 8º).<br>
<br>
7 - Da Nulidade do Contrato de Locação Financeira:<br>
Alega a recorrente Seguradora que a A e B, conluiadas, contornaram as normas legais que proibiam a locação financeira de coisas móveis para usos não afectos a actividades empresariais, havendo interposição real da B no negócio em causa para prosseguir um objectivo ilícito em fraude à lei.<br>
Vejamos.<br>
O DL nº 171/79, de 6 de Junho, diz no artigo º 2 que a locação financeira de coisas móveis respeita sempre a bens de equipamento, mas não define o que sejam.<br>
Tem, por isso, de se considerar que são, como no caso dos autos, os necessários ao desenvolvimento da actividade de uma empresa do sector terciário da actividade económica: serviços - compreendendo estes, residualmente, tudo quanto não cabe nos sectores primário (a agricultura, a pesca e a caça) e secundário (a indústria): comércio, transportes, fornecimentos de água, gás, electricidade, actividades seguradoras, bancária, liberais, etc.) - cfr. prof. Coutinho de Azevedo, Curso de Direito Comercial, I, 15.<br>
A B como flui dos autos, dedica-se ao aluguer de longa duração (ALD) de veículos automóveis. Estes, porque necessários ao desenvolvimento da sua actividade específica, constituem bens do seu equipamento, podendo ser objecto de locação financeira.<br>
No caso dos autos a utilização do veículo Honda, modelo Civic Sedan, 06-46-BD, foi cedido à E, que necessitava de uma viatura para a actividade profissional dos sócios, no caso o D, cirurgião vascular.<br>
Pela circunstância da B possibilitar, através de um contrato promessa, que os veículos automóveis no fim do ALD fossem adquiridos pelos seus locatários em nada lhes retira a qualidade de bens de equipamento. Por outro lado nada indica que a E não pudesse tomar o veículo de aluguer de longa duração e de o adquirir no fim desse aluguer.<br>
Não se vislumbra, por isso, que a B e a A se conluiassem para prosseguir um objectivo ilícito em fraude à lei.<br>
De realçar a profunda divergência entre o contrato de ALD com promessa de compra e o contrato de locação financeira. Neste o locatário, no fim do contrato, adquire o bem locado se assim o entender; no contrato de ALD com promessa de compra o locatário tem por obrigação efectuar a aquisição, sob pena de incumprimento do contrato com sujeição às consequências daí advindas.<br>
Por outro lado, com o contrato de seguro caução a B quis atribuir à A um direito em nome e interesse próprio, tornando-a credora de um benefício; garantia da C do pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de 5235156 escudos, referentes ao veículo Honda Civic 06-46-BD, seguro feito pelo prazo de 36 meses, com início em 5 de Novembro de 1992 e termo em 4 de Novembro de 1995.<br>
A C não se comprometeu a cumprir a obrigação da B, mas comprometeu-se a realizar uma obrigação própria, com carácter indemnizatório.<br>
Esse direito, um direito novo, autónomo em relação à obrigação base, entrou na esfera jurídica da A por mero efeito do contrato, não lhe sendo impostas quaisquer obrigações por nele não ter intervindo, nada impedindo, porém, que algumas resultem da fruição normal da vantagem que adquiriu; esse direito só se extingue com o cumprimento do contrato.<br>
Portanto, e em princípio, a C não pode excepcionar, para não cumprir, as relações entre a A e a B, pois, ao garantir o pagamento das prestações perante a A, sem intervenção desta no contrato, renunciou a esse meio de defesa. Mas se não pode opor os meios de defesa que advenham de uma relação entre a A e a B, já pode opor todos os derivados do contrato que celebrou com esta.<br>
Acresce que a justificação que a B deu para o incumprimento do contrato com a A foi a sua situação económica precária, quer devido à quebra pelo contrato geral deste tipo de mercado, quer ao facto de muitos outros locatários de ALD terem deixado de cumprir com as suas obrigações. Como é óbvio, não se trata de uma recusa justificada de incumprimento do contrato.<br>
A finalizar este ponto dir-se-á que, embora o contrato de ALD não esteja tipificado na lei, é uma aplicação da regra da liberdade negocial no âmbito da autonomia privada, consagrada no artigo 405º do CC.<br>
<br>
8 - Do Abuso do Direito:<br>
A ré B alega que, embora assistisse à A o direito de resolver o contrato, ao exercê-lo sem ter accionado judicialmente o seguro caução que garantia as obrigações a cumprir, o que afastava o direito de resolução, agiu a A com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé.<br>
Não tem razão a recorrente.<br>
A A não se comprometeu a não resolver o contrato, como resulta da resposta negativa ao quesito 5, onde se perguntava se A e B acordaram em que existindo um eventual incumprimento por parte da B, a A abdicava de proceder á resolução do contrato, e accionaria a caução.<br>
Não procedeu, por isso, em contradição com conduta anterior em que fundadamente a B tivesse confiado.<br>
Nada impedia, pois, que a A, sem ter accionado judicialmente o seguro caução, resolvesse o contrato, não fazendo isso incorrer em manifesto abuso de direito, num venire contra factum proprium.<br>
Quanto ao pedido de restituição do veículo, que a ré B também qualifica como abuso de direito, dir-se-á, apenas, que é tarde para vir objectar à sua restituição à A, pois, nessa parte transitou em julgado a sentença da 1ª instância, como atrás se deixou dito.<br>
<br>
9 - Do Enriquecimento Sem Causa:<br>
A B alega enriquecimento sem causa da A por pedir a restituição do veículo e, ainda, as rendas vencidas e não pagas.<br>
Não se vislumbra que isso tenha acontecido, pois, a B sabia que findo o contrato que celebrou com a A era obrigada a restituir-lhe o veículo, a menos que tivesse optado pela sua aquisição ou pela renovação do contrato, o que não aconteceu; por outro lado, o Acórdão da Relação só condenou nas rendas vencidas e em indemnização calculada nos termos do artigo 15º nº 2 das condições gerais do contrato de locação financeira, junto como Doc. 1 à petição inicial, correspondente a 20% da soma das rendas vencidas e do valor residual do veículo locado.<br>
Dispõe o artigo 801º nº 2 do CC que tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.<br>
Este preceito, contudo, não tem carácter imperativo.<br>
Os artigos 810º e 811º do CC prevêem a hipótese de as partes acordarem numa cláusula de responsabilidade e, nesse seguimento, a A e a B assim o fizeram no nº 2 do artigo 15º das Condições Gerais do contrato de locação financeira, estabelecendo uma cláusula penal desviante do nº 2 do citado artigo 801º.<br>
Foi prevista para o caso da A resolver o contrato por falta de cumprimento da B.<br>
A resolução funciona, assim, um pressuposto da exigibilidade da cláusula penal.<br>
<br>
10 - Da Indemnização e Juros:<br>
Tem razão a C, quando alega que não pode responder por qualquer indemnização decorrente da resolução do contrato.<br>
Como se disse, a C não se comprometeu a cumprir a obrigação da B, mas comprometeu-se a realizar uma obrigação própria, com carácter indemnizatório, tendo a sua obrigação de indemnizar como limite a própria quantia segura - artigo 7º nº 2 do DL 183/88.<br>
Essa obrigação traduzia-se, no caso de incumprimento da B, na garantia de pagamento de 12 rendas trimestrais no valor de 5235156 escudos, referentes ao veículo Honda Civic 06-46-BD, seguro feito pelo prazo de 36 meses, com início em 5 de Novembro de 1992 e termo em 4 de Novembro de 1995.<br>
Como a A resolveu o contrato tem direito a exigir da C o valor global das rendas vencidas e não pagas e respectivo IVA, até à data em que ocorreu a resolução - artigos 798º e 802º nº 2 do CC.<br>
É, também, devedora dos juros vencidos e vincendos sobre aquela quantia, porque foi interpelada para cumprir e não o fez - artigos 804 e 805, do CC.<br>
<br>
11 - Da Decisão:<br>
Acorda-se em se negar a revista, relativamente à B, confirmando-se o Acórdão recorrido nessa parte; e em conceder a revista parcial, no tocante à C, que apenas responde solidariamente com a B no pagamento da quantia de 1349224 escudos, correspondentes ao valor rendas com IVA, vencidas e não pagas até resolução do contrato de locação, com 237799 escudos a título de juros de mora sobre esse montante até 27 de Outubro de 1995, acrescidos dos que se vencerem à taxa legal até integral pagamento.<br>
Custas pela B no respeitante ao seu recurso; e pela C e pela A na proporção do vencimento.<br>
<br>
16 de Dezembro de 1999.<br>
Aragão Seia,<br>
Lopes pinto,<br>
Ribeiro Coelho.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uDLuu4YBgYBz1XKvclvS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>A e B intentaram a presente acção declarativa sob a forma ordinária contra C, pedindo se declare o direito das AA. a procederem, como procederam, à resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado com o R. e, em consequência, seja este condenado a pagar às AA. o dobro de todas as quantias que lhe foram entregues a título de sinal, ou seja, a quantia de 45400000 escudos.</font><br>
<font>Para tanto, alegaram, em resumo, o seguinte: (a) em 21-03-1991, o R. assinou uma promessa unilateral de venda a favor da 1ª A. A, respeitante à fracção I do prédio sito na Rua ....., no Porto, pelo preço de 23500000 escudos; (b) a referida A. satisfez todos os pagamentos a que se havia obrigado a título de sinal e seu reforço no montante de 15000000 escudos + 7000000 escudos, em dez prestações mensais de 700000 escudos até ao final da data acordada (Março de 1992) e ainda parte do preço (700000 escudos) que apenas deveria ter pago na data da escritura, pelo que já pagou ao A. 22700000 escudos dos 23500000 escudos do contrato, só lhe faltando, portanto, pagar 800000 escudos dos 1500000 escudos que se havia obrigado a entregar aquando da celebração da escritura, que deveria ocorrer até ao final do mês de Março de 1992; (c) em conformidade com cláusula constante da aludida promessa, a 1ª A. comunicou ao R. que a escritura iria ser celebrada em nome da 2ª A. (B), mas, não obstante o tempo decorrido e as sucessivas interpelações ao R., feitas pelas AA. ao longo dos anos, e apesar de ter sido fixado judicialmente prazo para o cumprimento da promessa, o R. não cumpriu; (d) por isso, as AA. advertiram o R. de que, se a escritura não fosse celebrada até 01-02-2000, consideravam o contrato resolvido por terem perdido o interesse na celebração do contrato definitivo.</font><br>
<font>Contestando a acção, o R. alegou que não estava estipulado em parte alguma que a escritura tivesse de ocorrer até Março de 1992 e que sempre diligenciou no sentido da sua efectivação, a qual só não se realizou ainda por circunstâncias a que é alheio, designadamente devido à inércia de autoridades administrativas, mormente da Câmara Municipal do Porto. Afirma que tudo tem feito, como é do conhecimento das AA., no sentido de que a escritura se possa fazer o mais rapidamente possível, tendo, entretanto, constituído a propriedade horizontal do prédio, efectuado registos e pago taxas com vista à realização da vistoria. Mais alegou que a actuação das AA. sempre foi, ao longo dos tempos, caracterizada por uma postura cordata, criando no R. a convicção de que jamais invocariam a resolução do contrato promessa unilateral, pelo que a actual pretensão das AA. mais não é do que um expediente para se locupletarem à custa dele, R., e constitui abuso de direito.</font><br>
<font>Replicando, as AA. sustentam a improcedência da excepção de abuso de direito, além do que alegam, a partir da análise dos documentos que o próprio R. juntou, ao contestar, que a fracção prometida vender nunca foi pertença do R., com o qual foi feito o negócio (mas sim de "D - Comércio de Importação e Exportação, Ldª"), além de que a referida fracção tem área inferior à constante da promessa (45 m2 contra 53,75 m2).</font><br>
<font>Realizada audiência preliminar, sem que tivesse sido possível alcançar um acordo, foi, em 21-12-2000, lavrado saneador que julgou a Ré B parte ilegítima, prosseguindo a acção entre a A. Ae o R., após o que se entrou imediatamente na apreciação do mérito da causa, vindo a acção a ser julgada procedente, por incumprimento definitivo do R., sendo este condenado a pagar à A. A a quantia de 45400000 escudos - cfr. fls. 269 a 280, na versão "dactilograficamente" completa do texto do saneador-sentença.</font><br>
<font>Inconformado, apelou o R., tendo, porém, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 27-11 2001 (fls. 287 a 290) confirmado a sentença recorrida, para ela remetendo nos termos do artigo 713º, nº 5.</font><br>
<font>Continuando inconformado, traz o R. a presente revista, na qual, ao alegar, oferece as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. O douto acórdão recorrido deve ser revogado em virtude de o Mmº Juiz de 1ª instância e o do Tribunal "a quo" ter confirmado a decisão, ao julgar que a mora se transformou em incumprimento definitivo, violou o disposto nos artºs 442º, 801º e 808º, todos do C.C.</font><br>
<font>2. O Recorrente, ao não outorgar a competente escritura pública da fracção em apreço no prazo de 45 dias, fixado por sentença judicial, constitui-se em mora, como dispõe o artº 804º, nº 2, do C.C.</font><br>
<font>3. O credor não pode resolver o negócio com fundamento em mora do devedor e apenas exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização dos danos sofridos - artigo 804º do C.C.</font><br>
<font>4. Resulta inequívoco dos autos e da matéria dada como assente que jamais o Recorrente assumiu uma recusa categórica de cumprimento, ao invés, sempre demonstrou às AA. interesse em cumprir a prestação, dando-lhes a conhecer que tal dependia exclusivamente de um acto de terceiros - a vistoria da Câmara Municipal do Porto.</font><br>
<font>5. No caso em apreço a mora não se transformou em incumprimento definitivo pelo que o promitente credor não goza do direito potestativo de resolução do contrato, já que mister se tornava que a prestação do promitente devedor se tivesse tornado impossível por causa imputável a este.</font><br>
<font>6. A verificação de algumas das situações abrangidas pelo artº 808º do C.C. constitui uma espécie de "contra-excepção", cuja alegação e prova competiam às AA.</font><br>
<font>7. "A contrario" do sibilinamente veiculado para os autos, manda a verdade dizer que foram as Recorridas, e só elas, a optar pela fracção "J" do 3º andar direito frente, em detrimento da prometida vender fracção "I", pelo que em matéria de cumprimento contratual o mesmo teria sempre de se reportar à primeira fracção e não a esta última.</font><br>
<font>8. Pelo exposto, estão criadas as condições para a revogação do acórdão recorrido e para a improcedência da acção de condenação.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegando, a A./recorrida pugna pela manutenção do julgado - fls. 316-320.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>II</font></div><font>Não sendo questionada a matéria de facto apurada na 1ª instância, para ela se remete, nos termos do artigo 713º, nº 6, do CPC.</font><br>
<font>Destacam-se, de entre a extensa factualidade dada como assente, os seguintes factos:</font><br>
<font>1. Em 21 de Março de 1991, o Réu assinou uma "promessa" de venda a favor da A. A, respeitante à fracção "I", com a área de 53,75 m2, do prédio sito na Rua ....., Porto, pelo preço de 23500000 escudos - documento de fls. 17.</font><br>
<font>2. A Autora Apagou o valor a que se obrigara a título de sinal - 15000000 escudos - e todas as dez prestações de reforço de sinal no valor unitário de 700000 escudos, ou seja, 7000000 escudos, até final da data acordada - Março de 1992.</font><br>
<font>3. E pagou ainda parte do preço - 700000 escudos - que só deveria ter sido pago no momento da celebração do contrato prometido, ou seja, com a outorga da escritura pública de compra e venda.</font><br>
<font>4. O Réu nunca entregou a fracção prometida vender, pelo que as AA. nunca estiveram na sua posse.</font><br>
<font>5. Apesar de repetidamente interpelado pelas AA. para vir marcar a escritura de compra e venda , referente à aludida promessa, o R. nunca o fez.</font><br>
<font>6. Assim por carta datada de 08-04-99, remetida pelas AA. a 08-04-99 e recebida pelo R. a 09-04-99, foi este interpelado para, definitivamente, marcar a escritura até ao final do mês de Abril de 1999 - cfr. fls. 32.</font><br>
<font>7. (...) por carta datada de 05-05-99, através de mandatário forense (...), as AA. voltaram a interpelar o R. tendo este recebido a mesma a 10-05-99 - fls. 36.</font><br>
<font>8. Na referida carta de 05-05-99, foi concedido ao Réu novo prazo para marcar a escritura, agora até ao dia 21-05-99.</font><br>
<font>9. Em resposta a esta missiva, o R. remeteu ao mandatário das AA. carta datada de 14-05-99, na qual informa: "(...) estamos a aguardar da Câmara Municipal do Porto a vistoria final para que a seguir nos seja passada a licença de habitabilidade, logo que a mesma esteja em nosso poder informaremos V. Exª e podemos celebrar a escritura de imediato".</font><br>
<font>10. Por carta datada de 19-05-99, recebida pelo R. a 24-05-99, as AA. solicitaram-lhe o envio dos documentos necessários para proceder à escritura prometida, a saber: - a certidão predial do imóvel; - caderneta predial; - dados identificativos do vendedor; - e cópia do pedido de vistoria à C.M.P.</font><br>
<font>11. Atingiu-se o dia 21 de Maio de 31-05-1999 e o Réu não marcou nem realizou a prometida escritura.</font><br>
<font>12. (...) a 08-07-99, as AA. intentaram Notificação Judicial Avulsa, a qual foi efectuada no 9º Juízo do Tribunal Cível do Porto, tendo o R. sido notificado no dia 16-07-99 de que deveria comparecer no Quinto Cartório Notarial do Porto, no dia 30-07-99, pelas 10 horas, para outorgar a escritura pública de compra e venda da fracção que prometeu vender.</font><br>
<font>13. No dia 28-07-99, o R. (...) informou o mandatário das AA. que não iria comparecer ao acto para o qual havia sido notificado judicialmente porque "não se encontra ainda regularizada a situação do prédio perante a Câmara Municipal do Porto".</font><br>
<font>14. (...) a 15-09-99, as AA. deram entrada e fizeram distribuir a Acção Especial de Fixação de Prazo, a qual correu termos sob o nº 860/99, na 2ª Secção do 3º Juízo Cível da Comarca do Porto.</font><br>
<font>15. Findos os articulados, foi proferida sentença a 24-11-99, nos termos da qual foi fixado o prazo de 45 dias para celebração da escritura de compra e venda prevista no contrato promessa.</font><br>
<font>16. O prazo judicialmente fixado ao Réu terminou a 20-01-2000.</font><br>
<font>17. Notificadas da sentença, a 03-12-99, as AA. remeteram missiva ao R., por ele recebida a 06-12-99, na qual lhe solicitavam a remessa de todos os documentos necessários à marcação da escritura prometida.</font><br>
<font>18. O Réu (...) respondeu com carta datada de 27-11-99, informando que "estava a tratar de toda a documentação necessária para que possamos informar V. Exª e proceder à marcação da respectiva escritura".</font><br>
<font>19. Por carta de 06-01-2000 (...), as AA. voltam a conceder novo prazo ao R. para a realização da escritura - até 01-02-2000 - advertindo-o que, derradeiramente, se a escritura não fosse realizada até tal data, consideravam o contrato resolvido.</font><br>
<font>20. Por carta datada de 10-01-2000, o R. afirma às AA. que continua a tratar dos assuntos necessários à realização da escritura prometida - mas não indicou a data em que esta se realizaria.</font><br>
<font>21. O R. não vendeu a fracção prometida às AA. até ao dia 20-01-2000, nem até ao dia 01-02-2000.</font><br>
<font>22. Por carta datada de 26-01-2000, o Réu afirma às AA. que "a escritura da fracção que comprou será realizada impreterivelmente até à última semana do próximo mês" (Fevereiro/2000).</font><br>
<font>23. Até à data em que as AA. propuseram a presente acção judicial não voltaram a ser contactadas pelo R.</font><br>
<font>24. A fracção "I", referida em 1., integra-se no prédio sito na Rua .... 375/377, Porto, descrito na 1ª CRPPorto, sob o nº 50887, adquirido por compra por "D - Comércio de Importação e Exportação, Ldª" e aquisição registada a seu favor, em 07-09-1989.</font><br>
<font>25. Em 22-12-98, foi feita, em nome da "D", a declaração para a inscrição ou alteração de prédios na matriz - conforme doc. de fls. 93/96.</font><br>
<font>26. Em 05-01-2000, foi constituída, pela "D", a propriedade horizontal do dito prédio, levada ao registo em 12-01-2000 - doc. de fls. 97/130.</font><br>
<font>27. Segundo a escritura pública de constituição da propriedade horizontal (fls. 104), a dita fracção "I" tem apenas a área de 45 m2.</font><br>
<font>28. Em 08-03-2000, procedeu-se o pagamento das taxas municipais, em nome da "D", com vista à realização da vistoria da Câmara Municipal do Porto.</font><div><font>III</font></div><font>Questão prévia</font><br>
<font>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br>
<font>Todavia, na conclusão 7ª, vem o Recorrente invocar factualidade jamais alegada até agora, razão por que a mesma, porque de todo em todo extemporânea, não poderá ser tomada em consideração por este Supremo Tribunal.</font><br>
<font>Ademais, trata-se de questão nova, pelo que está excluída do objecto do presente recurso. Na verdade, representa afloramento de jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, aquela segundo a qual a questão nova não pode ser apreciada pelo STJ, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais órgãos de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida, impedindo-a (quando fosse o STJ a conhecer de tal questão) de recorrer (1).</font><br>
<font>Do âmbito objectivo do presente recurso fica, portanto, excluída a matéria a que se refere a conclusão 7ª, acima reproduzida.</font><br>
<font>Em face do exposto, a única questão de direito que cumpre apreciar consiste em determinar se houve ou não incumprimento definitivo por parte do Réu.</font><br>
<font>A resposta não pode deixar de ser afirmativa, na esteira do decidido pelas instâncias.</font><br>
<font>Vejamos porquê.</font><br>
<font>1 - Por razões de método, justifica-se que, antes do mais, se proceda a uma breve digressão de contornos teóricos ao redor do instituto do incumprimento definitivo de um contrato-promessa, após o que se procederá à apreciação da situação concreta, à luz de tais ensinamentos.</font><br>
<font>É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que o incumprimento do contrato-promessa tem de ser aferido pelas regras gerais do não cumprimento das obrigações a que se refere o citado artigo 808º. Assim sendo, não basta que, havendo sido estipulado um prazo para a celebração do contrato prometido, um dos promitentes não o tenha respeitado e não haja, por isso, outorgado o contrato definitivo. Num caso desses, sendo a prestação ainda possível, entrar-se-á apenas numa situação de mora ou atraso no cumprimento da prestação, prevista nos artigos 804º, nº 2, e 805º, nº 2. Tal incumprimento ainda não definitivo basta para que possa haver lugar a execução específica do contrato-promessa (artigo 830º, nº 1), mas é insuficiente para fundamentar a sua resolução contratual.</font><br>
<font>Para constituir fundamento de resolução do contrato e poder servir de justificação à reposição do sinal em dobro, o incumprimento culposo, equiparável à impossibilidade da prestação imputável ao devedor, tem de ser definitivo. Como se escreve no Acórdão do S.T.J., 2ª Secção, de 13-02-97 (Recurso nº 457/96), "para que o credor possa resolver o contrato, desonerando-se da sua prestação, torna-se necessário, em princípio, que a prestação da outra parte se tenha tornado impossível, por facto imputável ao devedor (artigo 801º, nº 1, do Código Civil), ou seja, quando haja incumprimento definitivo imputável ao devedor".</font><br>
<font>Também já se escrevera no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Novembro de 1989, no B.M.J., nº 391, págs. 538 e segs., que "só no caso de o credor perder o interesse na prestação ou de esta não ser realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, é que se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação, com o consequente direito potestativo de resolução, por impossibilidade culposa (artigo 801º, nº 1, e 808º, nº 1, do Código Civil)" (2). </font><br>
<font>2. - Com efeito, para além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa consuma-se nas três hipóteses seguintes:</font><br>
<font>a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;</font><br>
<font>b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta;</font><br>
<font>c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato (3).</font><br>
<br>
<font>2.1. - Atentemos na primeira situação. Nesse caso, a perda do interesse não pode resultar de um simples capricho do credor.</font><br>
<font>Dir-se-á apenas que a superveniente falta de utilidade da prestação, ou até eventual prejuízo, para o accipiens terá que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio - (artigo 808º, nº 2), bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respectivo "programa obrigacional" (4).</font><br>
<font>Por outro lado, não basta a simples diminuição do interesse do credor, exigindo-se uma perda efectiva desse interesse. Ou seja, impõe-se uma perda subjectiva do interesse com justificação objectiva. Perda de interesse que, no regime do Código civil alemão, analisado por Antunes Varela, é uma perda absoluta, completa, de interesse na prestação (kein interesse) - e não de mera diminuição ou redução de tal interesse - traduzida por via de regra no desaparecimento da necessidade que a prestação visava satisfazer (5).</font><br>
<font>A este propósito, observava Baptista Machado que a utilidade que a prestação representa para o credor está em estreita relação com o particular emprego que ele lhe pretenda dar, sendo certo que tal utilidade, por seu turno, foi determinante relativamente à decisão de contratar e de assumir a obrigação de dar o correspectivo prometido.</font><br>
<font>Após o que acrescenta o mesmo Autor: "Pelo exposto, e em termos gerais, deverá, em princípio, ser considerada grave e, como tal, susceptível de fundamentar o direito de resolução toda aquela inexecução ou inexactidão do cumprimento (quer sob a forma de atraso no cumprimento, quer sob a forma de inexactidão quantitativa ou qualitativa da prestação) que torne inviável um certo emprego do objecto da prestação ou que impossibilite o credor de o aplicar ao uso especial que ele tinha em mira" (6).</font><br>
<font>Segundo Antunes Varela, a perda do interesse tem que resultar da mora no cumprimento e não de qualquer outra circunstância. Exigência que tem pleno cabimento em face do artigo 808º: "se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação (....)" (7).</font><br>
<font>Verificada esta perda de interesse na prestação por parte de um dos promitentes, considera-se que o outro faltou definitivamente à promessa, ficando o promitente cumpridor na titularidade de um poder potestativo à resolução do contrato (artigo 808º), com as consequências estabelecidas no artigo 442º, nº 2, em termos de restituição ou perda do sinal - que será em dobro se o faltoso for o promitente vendedor e em singelo se for o promitente comprador.</font><br>
<font>2.2. - Apreciemos agora a segunda situação. Nesse caso, e desde que um dos promitentes esteja em mora relativamente à celebração do contrato definitivo, o outro poderá notificá-lo, concedendo-lhe um prazo razoável para o cumprimento, sob pena de considerar definitivamente não cumprido o contrato - notificação admonitória (artigo 808º, nº 1). Interpelação admonitória que deve conter três elementos: (a) Intimação para o cumprimento; (b) Fixação de um termo peremptório com dilação razoável para o cumprimento; (c) Cominação de que a obrigação se terá como definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo (8).</font><br>
<font>Trata-se de uma solução que melhor se ajusta àqueles casos em que o credor ainda não perdeu de todo o interesse na prestação, mas tal interesse já diminuiu em parte. Esta interpelação cominatória terá de ser feita em termos claros e peremptórios - normalmente por carta registada com aviso de recepção ou por notificação judicial avulsa - de modo a que o interpelado fique bem ciente do sentido dessa declaração e das consequências resultantes no caso de não vir a ser atendida.</font><br>
<font>2.3. - O terceiro caso em que pode ocorrer incumprimento definitivo independentemente de mora ou de interpelação, é aquele em que um dos promitentes, mantendo-se a prestação ainda possível, declara ao outro, inequívoca e categoricamente, que não cumprirá o contrato. Em face de uma intenção tão claramente expressa por um dos contraentes no sentido de que não vai honrar o compromisso, a jurisprudência tem entendido não se justificar a fixação de um prazo razoável para cumprir. O recurso à notificação admonitória representaria, então, um acto inútil e uma pura perda de tempo, motivo por que se considera tal notificação substituída por aquela declaração antecipada de não cumprimento (9).</font><br>
<font>3. - Apreciemos a situação sub judice à luz dos princípios enunciados.</font><br>
<font>Resulta com exuberância da factualidade dada como assente - a mais relevante da qual se encontra reproduzida supra - que, por várias vezes, a Autora/recorrida interpelou o Réu/recorrente para a celebração da escritura de compra e venda, sempre sem qualquer êxito.</font><br>
<font>Porque da promessa, que data de 21 de Março de 1991, não consta a data de celebração do contrato prometido, a Autora requereu a fixação judicial do prazo para o efeito. Na sequência da referida acção, foi fixado o prazo de quarenta e cinco dias para a celebração da escritura. O referido prazo expirou em 20 de Janeiro de 2000. Por carta de 6 de Janeiro desse ano, as AA. informaram o R. de que lhe concediam novo prazo, a expirar em 1 de Fevereiro de 2000, para a marcação da escritura e que, se isso não acontecesse, consideravam o contrato resolvido. O Réu não vendeu a fracção em apreço às AA. até ao dia 20 de Janeiro de 2000 nem até ao dia 1 de Fevereiro do mesmo ano.</font><br>
<font>É por demais manifesto que a referida factualidade é subsumível ao disposto no nº 1 do artigo 808º do C.C., mais concretamente à segunda situação analisada no ponto anterior (cfr. supra, 2.2.). Situação que, recorde-se se pode sintetizar da seguinte forma: estando o devedor em mora, o credor fixa-lhe um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realiza a prestação em falta.</font><br>
<font>Que o devedor estava em mora, é realidade incontroversa, aliás, reconhecida (confessada) pelo recorrente - cfr. conclusão 2ª.</font><br>
<font>Que a A. lhe fixou um prazo razoável para cumprir e que o R., ainda assim, não realizou a prestação em falta, isso resulta indiscutivelmente provado da factualidade apurada.</font><br>
<font>Indiferente é, pois, neste contexto, que o R. tenha - ou não - querido cumprir o contrato.</font><br>
<font>Atenta a presunção de culpa constante do artigo 799º, nº 1, do C.C., cumpria ao devedor, isto é, ao Réu/recorrente, ter provado que aquele incumprimento não lhe era imputável.</font><br>
<font>O Réu não só não o fez, como desenvolveu actividade consubstanciada em documentação cuja junção aos autos ele próprio promoveu, de que resulta que, no termo do prazo fixado pela Autora, não estava em condições de lhe vender a fracção - ou de outorgar na respectiva escritura (10). Na verdade, além do mais, só em 8 de Março de 2000 se procedeu "ao pagamento das taxas municipais, em nome da "D", com vista à realização da vistoria da Câmara Municipal do Porto".</font><br>
<font>Por outro lado, se se atentar nos pontos 24 a 27 da factualidade supra seleccionada, constata-se que não só o prédio de que a fracção faz parte integrante não está em nome do Réu, mas também a fracção prometida vender tem uma área inferior à que consta da promessa. Razões por que o incumprimento não pode deixar de ser imputável ao Réu nos termos do artigo 801º do Código Civil.</font><br>
<font>Atento o exposto, tem a Autora/recorrida o direito de haver para si o dobro do sinal que prestou. Improcedem, pois, as conclusões, não tendo ocorrido qualquer violação das disposições legais indicadas.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista, confirmando-se a decisão recorrida.</font><br>
<font>Custas pelo Recorrente.</font><br>
<font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos,</font><br>
<font>Pinto Monteiro.</font><br>
<font>---------------------------</font><br>
<font>(1) Cfr. verbi gratia, o Acórdão deste STJ de 28-05-97, Processo nº 127/97, 2ª Secção.</font><br>
<font>(2) No sentido de que, havendo sinal passado, basta a mora para que possa operar-se a resolução do contrato-promessa, pode ver-se, verbi gratia, o Acórdão deste S.T.J., 2ª Secção, de 13-03-97 (Recurso nº 850/96).</font><br>
<font>(3) Cfr., verbi gratia, o Acórdão de 19-11-96, da 1ª Secção do S.T.J. (Processo nº 87604).</font><br>
<font>(4) Para o repúdio da fundamentação puramente subjectiva da perda do interesse e para o papel do Supremo na apreciação da objectividade exigida no nº 2 do artigo 808º, cfr. Antunes Varela, R.L.J., Ano 118º, págs. 54-57, anotação ao Acórdão do STJ de 3-12.81.</font><br>
<font>(5) Cfr. loc. cit., pág. 55.</font><br>
<font>(6) Cfr. "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, vol. II, Iuridica, págs. 343 e segs, maxime, págs. 363 e seguintes.</font><br>
<font>(7) Cfr. loc. cit., pág. 56.</font><br>
<font>(8) Cfr. os Acórdãos do S.T.J., 1ª Secção, de 29-10-96 (Processo nº 429/96), e 2ª Secção, de 13-02-97 (Processo nº 457/96).</font><br>
<font>(9) Cfr. os Acórdãos do S.T.J., 1ª Secção, de 10-12-96, (Processo nº 296/96), e 2ª Secção, de 13-03-97 (Processo nº 850/96).</font><br>
<font>(10) E o mesmo se diga relativamente ao termo do prazo que, derradeiramente, o R. comunicou, por carta datada de 26-01-00, às AA., missiva em que informava que "a escritura da fracção que comprou será realizada impreterivelmente até à última semana do próximo mês" - Fevereiro/2000"</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTLuu4YBgYBz1XKvc1vV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>A, intentou, em 11 de Julho de 2000, no Tribunal Judicial de Ferreira do Alentejo, a presente acção de condenação sob a forma sumária contra B, pedindo a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da Ré a despejar a parcela que traz de exploração, bem como no pagamento das rendas em falta acrescidas de juros de mora à taxa de 10% desde a data dos vencimentos até ao seu efectivo pagamento.</font><br>
<font>Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: (a) na qualidade de cabeça de casal por óbito de seus pais, incumbe-lhe a administração do prédio rústico denominado "Quinta de São Vicente"; (b) em 2 de Dezembro de 1996 foi celebrado contrato-promessa de arrendamento rural entre seu pai, C, e a Ré, tendo sido estipulado que o início do prazo do arrendamento seria no dia 15 de Agosto de 1995 e que a referida promessa se converteria automaticamente em contrato definitivo, sem mais formalidades, após a publicação da portaria de reversão do aludido prédio, o que veio a acontecer no dia 4 de Agosto de 1998; (c) mais ficou estipulado que a renda a pagar se venceria no dia 15 de Agosto do ano a que dissesse respeito, não tendo a Ré pago quaisquer rendas devidas até ao dia 15 de Outubro de 1999, data em que entregou um cheque de 1346877 escudos, referindo que se tratava da renda correspondente ao ano de 1999, tendo tal quantia sido imputada pelo Autor ao ano agrícola de 1995/1996, continuando assim por pagar as rendas relativas aos anos agrícolas de 1996/1997, 1997/1998 e 1998/1999.</font><br>
<font>Contestando, a Ré, para além de se defender por excepção, alega, em resumo, que o que foi convencionado pelas partes foi um contrato promessa de arrendamento rural que só passaria a ser um contrato de arrendamento definitivo na data da publicação da portaria de reversão, tendo em conta, desde logo, que, até essa data, C não era proprietário do prédio em causa, uma vez que o mesmo havia sido expropriado pelo Estado.</font><br>
<font>Na resposta à contestação, o A. defende a improcedência das excepções invocadas pela Ré.</font><br>
<font>Após saneamento, condensação e audiência de julgamento, foi, em 2 de Maio de 2001, proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 4.121.430$00, correspondente à soma das rendas referentes aos anos agrícolas de 1995/1996, 1996/1997 e 1997/1998, a que acrescem os respectivos juros de mora à taxa legal relativamente a cada uma dessas rendas, devidos, respectivamente, desde a data do vencimento de cada uma delas; e a quantia de 26933 escudos, relativa à diferença entre a renda paga e a renda devida referente ao ano agrícola de 1998/1999, montantes esse que sairiam da quantia depositada à ordem do processo e serão entregues ao autor - cfr. fls. 113 a 120.</font><br>
<font>Inconformada, apelou a Ré, tendo, porém, o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 10 de Janeiro de 2002, julgado improcedente o recurso e confirmado a sentença recorrida - fls. 160 a 165.</font><br>
<font>Continuando inconformada, traz a Ré o presente recurso de revista em que, alegando, formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. O contrato de arrendamento dos autos teve o seu início em 4 de Agosto de 1998, data da publicação da Portaria nº 733/98.</font><br>
<font>2. A cláusula que estipula o pagamento de rendas antes daquela data é nula, atenta a indisponibilidade do arrendado por parte do recorrido.</font><br>
<font>3. Ao condenar ao pagamento das rendas anteriores a Agosto de 1998 violou o acórdão recorrido o disposto nos artºs 1305º, 292º, 473º e 270º do CC e o artº 4º, al. f), do DL nº 383/88, de 25 de Outubro.</font><br>
<font>4. Pelo que deverá ser revogado, decretando-se a nulidade da cláusula do contrato que impunha o pagamento de rendas anteriores a Agosto de 1998.</font><br>
<br>
<font>Contra-alegando, o Recorrido pugna pela manutenção do julgado.</font><div><font>II</font></div><font>São os seguintes os factos que as instâncias deram como provados:</font><br>
<font>1 - Em 2-12-96, C, D e E, estes últimos da qualidade de representantes da Ré, subscreveram um documento, cuja cópia se mostra a fls. 26 e segs., intitulado "Contrato promessa de arrendamento rural", pelo qual declararam o primeiro prometer dar de arrendamento à Ré uma parcela de 293,8365 ha do prédio rústico denominado "Quinta de São Vicente", descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Alentejo sob a ficha 02912/981210 da freguesia de Ferreira do Alentejo, pelo prazo de 10 anos, com 3 renovações obrigatórias de 2 anos, contando-se o início a partir de 15 de Agosto de 1995 (al. A).</font><br>
<font>2 - Pelo mesmo documento, acordaram o pagamento anual pela Ré, a 15 de Agosto de cada ano, dos seguintes valores: a) nos primeiros 5 anos, 50% do valor máximo da tabela oficial em vigor à data do pagamento; b) nos segundos 5 anos, 60% do valor máximo da tabela oficial em vigor à data do pagamento; c) nos terceiros 5 anos, 75% do valor máximo da tabela oficial em vigor à data do pagamento; d) nos últimos 4 anos, 100% do valor máximo da tabela oficial em vigor à data do pagamento (al. B).</font><br>
<font>3 - Consta ainda do referido documento o seguinte: "A presente promessa de arrendamento converter-se-á automaticamente em contrato definitivo após a publicação da portaria de reversão, sem necessidade de quaisquer outros formalismos" (al. C).</font><br>
<font>4 - No dia 4 de Agosto de 1988, foi publicada no DR II série a portaria mediante a qual o Governo mandou reverter as áreas de 200 ha, 156,1370 ha e 304,1880 ha do prédio rústico "Quinta de São Vicente", "(...) com a consequente derrogação da Portaria nº 740/75, de 13 de Dezembro (...)" (al. D).</font><br>
<font>5 - No dia 15 de Outubro de 1999, a Ré entregou, referente a rendas devidas, a quantia de 1346877 escudos, referindo que se tratava de renda correspondente ao ano de 1999 (al. E).</font><br>
<font>6 - Em Setembro de 2000, a Ré enviou ao Autor cheque sobre a CCAM de Ferreira do Alentejo, no valor de 1373810 escudos, juntamente com carta na qual referia assim "(...) liquidar a renda do ano 2000 (...)" (al. F).</font><br>
<font>7 - Além dos valores referidos nos pontos 5 e 6, a Ré não entregou, antes ou depois das datas ali constantes, qualquer quantia a título de rendas (resposta ao quesito 2º).</font><br>
<font>8 - O valor das rendas dos anos de 1996 em diante cifra-se em 1373810 escudos (3º).</font><br>
<font>9 - No dia 16-02-2001, a Ré depositou no Balcão de Ferreira do Alentejo da CGD, a quantia de 6000000 escudos, referindo ser relativa a "(...) rendas do prédio rústico Quinta de S. Vicente - artº 1º, secção HH1 (...)" - e tratar-se de depósito condicional, invocando como motivo do mesmo, o "Desacordo quanto ao valor e tempestividade das rendas".</font><br>
<font>O Tribunal a quo entendeu ainda, ao abrigo do artigo 712º, nº 1, alínea b), do CPC, considerar também provado o seguinte facto (1):</font><br>
<font>10 - Em 02-12-1996, a Ré fez entrega a C de uma parcela de 304,1880 ha do prédio rústico denominado "Quinta de São Vicente", inscrito na matriz da freguesia e concelho de Ferreira do Alentejo, sob o artº 1º da Secção HH1, parcela essa que tem vindo a explorar.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>III</font></div><font>Questão prévia</font><br>
<font>Em face da clareza da questão suscitada no presente recurso e da manifesta falta de procedência das razões alegadas pela recorrente, poderia, muito simplesmente, fazer-se uso do mecanismo previsto no artigo 713º, n.º 5, do CPC, remetendo-se para os fundamentos do acórdão impugnado. </font><br>
<font>Com efeito, a decisão recorrida, em sentido diverso do defendido pela recorrente, equacionou bem a solução jurídica do caso sub judice e interpretou e aplicou correctamente as normas pertinentes à situação em apreço. A sua fundamentação é clara, precisa e merece total acolhimento. Nenhuma questão ficou por responder.</font><br>
<font>Verifica-se, assim, o condicionalismo dos artigos 713º, n.º 5, e 726º, ambos do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>No entanto, para que não subsistam dúvidas, considerou-se poder justificar-se a produção de uma reflexão complementar, mediante a elaboração de algumas considerações adicionais.</font><br>
<font>1 - Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br>
<font>Dito isto, a questão suscitada na presente revista é tão só a que consiste em saber se é nula a cláusula do contrato que estabeleceu o pagamento de rendas anteriores a 4 de Agosto de 1998, data da publicação da portaria de reversão. O que, a verificar-se, importaria como consequência a ilegalidade da condenação da Recorrente decidida pelas instâncias no pagamento de rendas referentes ao período anterior a 04-08-98.</font><br>
<font>2 - Sustenta a Recorrente que, até à data da publicação da portaria de reversão (Portaria nº 733/98), isto é, até 4 de Agosto de 1998, o prédio em apreço se encontrava na esfera patrimonial do Estado, em consequência da expropriação operada pela Portaria nº 740/75, de 13 de Dezembro, por força da qual o mesmo saiu da "esfera jurídica dos anteriores proprietários". Assim sendo, só depois da data de publicação da Portaria nº 733/98, "é que teve início o contrato de arrendamento celebrado entre a recorrente e o recorrido". Antes disso, não podia a renda ser paga a quem não era proprietário, mas apenas titular da simples expectativa jurídica de vir a tornar-se proprietário.</font><br>
<font>Daí que seja nula a cláusula "que impunha o pagamento das rendas anteriores a Agosto de 1998", "atenta a indisponibilidade do arrendado por parte do recorrido".</font><br>
<font>3 - É, porém, claro que não tem razão.</font><br>
<font>Nas suas alegações, a Recorrente incorre em manifesta confusão a respeito da validade de duas distintas cláusulas constantes do "Contrato Promessa de Arrendamento Rural" (cfr. fls. 26 a 28): por um lado, a cláusula 2ª, in fine, segundo a qual o início do contrato "se conta a partir de 15 de Agosto de 1995"; por outro, a cláusula 10ª, do seguinte teor: "A presente promessa de arrendamento converter-se-á automaticamente em contrato definitivo após a publicação da portaria de reversão, sem necessidade de quaisquer outros formalismos".</font><br>
<br>
<font>Ora, a circunstância de a cláusula 10ª ser nula, não implica que seja também nula a cláusula 2ª, na parte em que estabelece que o início do contrato se conta a partir de 15 de Agosto de 1995.</font><br>
<font>Passemos à demonstração do que acaba de se afirmar, começando por uma breve apreciação da cláusula 10ª.</font><br>
<font>Através de tal cláusula, as partes subordinaram a eficácia do contrato de arrendamento rural a uma condição suspensiva, consistente na futura e incerta publicação da portaria de reversão.</font><br>
<font>Como bem se salientou em 1ª instância, com essa cláusula as partes acabam por introduzir um elemento perturbador da qualificação do acordo que intitularam "Contrato Promessa de Arrendamento Rural" como um típico contrato-promessa, uma vez que, como resulta do disposto no nº 1 do artigo 410º do C.C., o contrato-promessa é a "convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato". Obrigação esta que, por força daquela cláusula, ficava, desde logo, excluída, uma vez verificado o facto que constituía a condição suspensiva, isto é, logo que fosse publicada a portaria de reversão. Na verdade, mais do que prometer celebrar um contrato definitivo de arrendamento, as partes estipularam desde logo que a promessa se converteria automaticamente em contrato definitivo após a publicação da falada portaria, sem necessidade de outros formalismos. Daí que as cláusulas do contrato de arrendamento definitivo tivessem, desde logo, sido incluídas no documento em apreço que, nominativamente, titula o contrato-promessa.</font><br>
<font>Resulta do exposto que o contrato celebrado entre as partes foi, como bem entendeu o Tribunal recorrido, um contrato de arrendamento sujeito à condição suspensiva de vir a ser publicada a portaria de reversão relativa ao prédio em apreço.</font><br>
<font>4 - Todavia, entre as disposições legais que constituem o estatuto legal do contrato de arrendamento rural, que, atendendo a razões de interesse e ordem pública, não podem ser afastadas por vontade das partes, conta-se a alínea f) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, segundo a qual são nulas as cláusulas contratuais em que "as partes subordinem a eficácia ou validade do contrato a condição resolutiva ou suspensiva" (2).</font><br>
<font>Por constituir uma condição suspensiva, é, portanto, nula a cláusula 10ª, que visava subordinar a eficácia do contrato de arrendamento rural à publicação futura e incerta da portaria de reversão do prédio.</font><br>
<font>Mas, como bem evidencia o acórdão recorrido, e em conformidade com o disposto pelo artigo 292º do C.C., a nulidade de tal cláusula não determina a invalidade de todo o contrato, "salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada".</font><br>
<font>Opera-se, na redução, uma mera alteração quantitativa - e não uma alteração qualitativa - do negócio jurídico. O que fica a vigorar é o mesmo negócio, ainda que amputado - e não um negócio novo.</font><br>
<font>A redução só não terá lugar se for demonstrada, pelo contraente a quem cabe o respectivo ónus, a essencialidade da cláusula nula, isto é, no caso ora em apreço, a essencialidade da condição suspensiva, ou seja, que, sem ela, senhorio e arrendatário não teriam celebrado o negócio. Ora, in casu, nada permite concluir que, sem tal cláusula condicional de diferimento de eficácia, o contrato de arrendamento rural não teria sido celebrado. Antes pelo contrário, como resulta da cláusula 2ª, in fine, que faz retroagir a eficácia do contrato a 1995 e, bem assim, da tese da Recorrente, que sustenta, justamente, que a nulidade da cláusula não acarreta a nulidade de todo o contrato - cfr. fls. 173.</font><br>
<font>Resulta do exposto que, não tendo, assim, a Ré/Recorrente, sobre quem impendia o respectivo ónus, feito prova da essencialidade da cláusula 10ª, o contrato de arrendamento rural vigora desde a convenção outorgada em 2 de Dezembro de 1996, de acordo com o aí estipulado, o que significa que o respectivo termo a quo se reporta a 15 de Agosto de 1995 (3).</font><br>
<font>5 - No entanto, como sustenta a Recorrente, o recorrido - rectius, seu falecido Pai, C - não era, antes da reversão, proprietário do prédio, pelo que, segundo ela, não poderia dispor, como senhorio, do arrendado antes da data de publicação daquela portaria.</font><br>
<font>Sendo a premissa correcta, já o mesmo não se pode dizer da conclusão.</font><br>
<font>Como se explica no acórdão recorrido, para o qual se remete (artigo 713º, nº 5, e 726º do CPC), o senhorio não tem necessariamente que coincidir com o titular do direito de propriedade. Bem pode o senhorio ser titular de outro direito real ou mesmo da própria posse, enquanto esta evidenciar a possibilidade de aproveitamento económico do prédio. O que acontece no caso sub judice.</font><br>
<font>Tem legitimidade para dar de arrendamento um prédio a pessoa que é titular do direito de gozo do imóvel (4).</font><br>
<font>Ora, quanto a este ponto, importa sublinhar que foi a própria Recorrente, através dos seus representantes, que, em 2 de Dezembro de 1996 - data da celebração do contrato de fls. 26 e segs. -, fez entrega a C de uma parcela de 304,1880 ha, localizada na "Quinta de São Vicente", parcela essa que a Ré/Recorrente "tem vindo a explorar" - cfr. fls. 82 e supra, facto nº 10.</font><br>
<font>Por outro lado, na Portaria nº 733/98, que operou a reversão do prédio, refere-se expressamente que se confirmou "a existência do requisito exigido (...) para a reversão, ou seja, que os anteriores proprietários regressaram à posse das áreas infra-identificadas" - cfr. fls. 29.</font><br>
<font>Ou seja, o Recorrido obteve, da própria Recorrente, a posse do arrendado, em 2 de Dezembro de 1996, o que, aliás, constituía requisito legal para lhe ser concedida a reversão da parcela locada, de acordo com o artigo 44º da Lei nº 86/95, de 1 de Setembro.</font><br>
<font>É certo que, à data da celebração do contrato de fls. 26 a 28, isto é, em 2 de Dezembro de 1996, o primeiro outorgante, C, não era, ao contrário do afirmado na cláusula 1ª, "proprietário" do prédio rústico em referência, que tinha sido expropriado pela Portaria nº 704/75, sem que, até então, tivesse operado a respectiva reversão. Mas sendo, como se demonstrou, seu "legítimo possuidor", como ali também se afirma, não releva, do ponto de vista jurídico, aquela incorrecta qualificação como "proprietário". Qualificação esta possivelmente devida ao facto de, em conformidade com a intenção das partes, o "contrato-promessa" se vir a converter automaticamente em contrato definitivo após a publicação da portaria de reversão (cláusula 10ª).</font><br>
<font>O que, in casu, assume indiscutível relevo do ponto de vista jurídico é que, a partir de 2 de Dezembro de 1996, data da celebração do contrato de fls. 26 e do "termo de entrega" de fls. 82, o referido primeiro outorgante passou a ter a posse exclusiva da parcela arrendada, dispondo de título bastante para se obrigar a proporcionar à outra parte o gozo temporário do prédio, com efeitos a partir da data que livremente acordaram. Entretanto, a posterior publicação da portaria de reversão veio a dar concretização à legítima expectativa de que tinha no sentido de ser restituído à qualidade de proprietário do prédio. Facto que sempre representaria como que a "convalidação" de tal expectativa, constituindo, se tal fosse necessário, uma forma de "ratificação" da relação locatícia já convencionada. Acresce que a solução alcançada é a única que, em face da materialidade de facto dada como provada, encontra tradução no correcto exercício dos direitos das partes, dentro do respeito dos limites impostos "pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico" desses direitos (artigo 334º do Código Civil).</font><br>
<font>Resulta ainda do exposto e, bem assim, do facto - reconhecido pela própria - de a Recorrente não ser titular de qualquer outra relação locatícia, mormente com o Estado, que, a vingar a tese que defende, resultaria para ela um manifesto enriquecimento sem causa, uma vez que ficaria isenta do pagamento de renda até Agosto de 1998, apesar de ter explorado o prédio e de se ter livremente obrigado ao respectivo pagamento a contar de 15 de Agosto de 1995.</font><br>
<font>Improcede, pois, a tese da Recorrente, não tendo ocorrido violação das disposições legais indicadas.</font><br>
<font>A aposição no contrato de arrendamento rural de termo que as partes livremente acordaram para o início da respectiva eficácia não é proibida por lei nem inválida - artigos 278º, 272º e 273º do C.C. e artigo 4º do Decreto-Lei nº 385/88, já citado.</font><br>
<font>Tendo a Recorrente convencionado com o Pai do Recorrido que a eficácia do contrato retroagiria a 15 de Agosto de 1995, termo a quo do prazo de dez anos, com as renovações contratualmente previstas, deverá entender-se que as partes ficaram vinculadas pela relação locatícia a partir daquela data.</font><br>
<br>
<font>Termos em que é negada a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pela Recorrente.</font><br>
<font>Lisboa, 28 de Maio de 2002</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos,</font><br>
<font>Pinto Monteiro.</font><br>
<font>------------------------------------</font><br>
<font>(1) Facto comprovado no processo por documento particular subordinado à epígrafe "TERMO DE ENTREGA", constante de fls. 82, apresentado pelo Recorrido e assinado pelos representantes do Recorrente, cujas letras e assinaturas não foram impugnadas.</font><br>
<font>(2) Como observa Pereira Coelho, citado por Aragão Seia e outros, compreende-se que a lei proíba a aposição de condição resolutiva ao contrato de arrendamento, no interesse do arrendatário e no próprio interesse geral da estabilidade da relação locativa. Mas já não se vê tão claro por que razão, ao contrário do que acontece no arrendamento urbano, não seja permitido apor condição suspensiva ao contrato de arrendamento rural. Talvez a lei tenha receado que o prédio não fosse convenientemente explorado no período da pendência da condição, dada a situação de incerteza existente no prédio - cfr. Jorge Aragão Seia, Manuel da Costa Calvão e Cristina Aragão Seia, "Arrendamento Rural"; Almedina, 3ª edição, pág. 39. De qualquer modo, concorde-se ou não se concorde - no plano de jure constituendo -, o certo é que, por comando legal expresso, o contrato de arrendamento rural não admite e é incompatível com a sujeição a condições resolutivas e suspensivas.</font><br>
<font>(3) Entendeu-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 1999: "Apesar do título "contrato-promessa de arrendamento", nada impede o tribunal de qualificar o contrato como de arrendamento se as prestações acordadas integrarem este tipo negocial" - cfr. C. J., Ano XXIV, 1999, Tomo V, págs. 125 e segs. Veja-se ainda, no mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 3 de Dezembro de 1987 (B.M.J. nº 372, pág. 467), em cujo sumário se pode ler o seguinte: "Ainda que as partes tenham denominado certo contrato como promessa de arrendamento, se vier a ocorrer a ocupação da coisa mediante certa retribuição mensal, tal situação deve definir-se como contrato de arrendamento".</font><br>
<font>(4) Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Novembro de 1994, B. M. J., nº 441, pág. 406</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ozLwu4YBgYBz1XKv5V3p | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> No Tribunal Judicial de Albergaria-a-Velha, em execução contra ela proposta pelo BANCO A, veio a executada B deduzir embargos em que pede a sua absolvição do pedido exequendo.</font><br>
<font> Contestados os embargos, logo no despacho saneador se decidiu no sentido da sua improcedência, o que a Relação de Coimbra confirmou ao julgar o recurso de apelação interposto pela embargante.</font><br>
<font> No presente recurso de revista que, inconformada, interpôs contra o acórdão ali proferido, a embargante ofereceu alegações em que formulou as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. A embargante alegou factos, nomeadamente os dos arts. 12º a 14º e 18º da petição de embargos, onde invoca o pagamento dos títulos, não já à C, mas ao próprio embargado, pois os títulos e as quantias para amortização e pagamento dos mesmos lhe foram entregues.</font><br>
<font>2. O embargado não deu quitação à recorrente para as sucessivas amortizações e para o pagamento, como lhe impunha o art. 39º da LULL.</font><br>
<font>3. Atenta a factualidade alegada e controvertida, deveria a recorrente ser admitida a fazer prova do seu pagamento à recorrida, ainda que por interposta pessoa, pois feita tal prova obteria a procedência dos embargos.</font><br>
<font>4. O Tribunal de 1ª instância, bem como o de 2ª instância que confirmou a decisão daquele, não deram cumprimento, como deviam, ao disposto nos arts. 511º e 659º do CPC, deixando de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, o que determina a nulidade da sentença nos termos do art. 668º, nº 1, al. d) do mesmo diploma legal.</font><br>
<font>5. Ao decidir nos termos em que o fizeram, os Tribunais de 1ª instância que proferiu a sentença primitiva, e o da Relação de Coimbra que a confirmou, violaram o disposto nos arts. 39º da LULL; 511º e 659º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font> Estamos adentro de uma execução movida para obter o pagamento de onze letras sacadas por C sobre a recorrente e por esta aceites, letras essas que vieram à titularidade do recorrido, seu portador actual.</font><br>
<font> A recorrente invocou nos embargos factos com os quais pretendeu demonstrar que tais letras haviam sido objecto de reforma, por isso não sendo devidas as quantias por elas tituladas.</font><br>
<font> Tais factos foram os seguintes:</font><br>
<font>1. Todas as letras foram pronta e atempadamente reformadas por novas letras que a embargante remeteu à C;</font><br>
<font>2. Estas remessas foram acompanhadas das respectivas amortizações e das quantias necessárias para satisfazer os juros e os encargos da negociação;</font><br>
<font>3. A C garantiu à embargante que tais letras foram entregues aos balcões do embargado para reforma dos títulos.</font><br>
<br>
<font>Para haver reforma de uma letra - o que se traduz na substituição de uma letra por outra, de montante igual ou inferior e acompanhada, neste caso, pelo pagamento parcial daquela - é necessário que os intervenientes numa e noutra acordem nessa substituição, que implicará a extinção dos direitos e obrigações que a letra reformada incorporava.</font><br>
<font>E isto porque o aceitante de uma letra não tem, à face da LULL, qualquer direito a obter a sua reforma.</font><br>
<font>A recorrente não alegou, ao embargar, os factos necessários para que pudesse concluir-se pela insubsistência dos títulos exequendos.</font><br>
<font>Desde logo, porque a cabal expressão fáctica da sua versão passaria pela identificação dos títulos que teria oferecido para reforma daqueles, designadamente com menção das quantias neles inscritas, e pela correspondente referência às quantias que para a alegada amortização entregara.</font><br>
<font>Depois, porque não alegou que o embargado houvesse recebido essas amortizações; na verdade, tendo dito que entregara à C as novas letras e as amortizações, não alegou que tudo fora por esta entregue ao embargado, apenas referindo como tal os novos títulos e não o dizendo quanto às quantias destinadas às amortizações.</font><br>
<font>O que consta da conclusão 1ª excede, pois, e a este último propósito, o que foi alegado na petição de embargos, o que é, manifestamente, improfícuo.</font><br>
<font>Não havendo alegação de factos bastantes, ainda que controvertidos, para dar apoio à pretensão da recorrente, não havia que elaborar condensação, com adequada base instrutória, para averiguação dos factos impugnados, já que, a provarem-se estes, mesmo assim os embargos não procederiam.</font><br>
<font>Tudo, como se viu, por insuficiência da devida alegação - cfr. art. 664º do CPC.</font><br>
<font>Não houve, portanto, qualquer indevida omissão de pronúncia geradora de nulidade.</font><br>
<font>E a decisão a proferir não poderia, pelas razões expostas, ser outra que não a constante do acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>A propósito da conclusão 2ª cabe dizer que a questão da existência, ou não, de quitação passada pelo embargado igualmente não tem aqui qualquer cabimento já que, como se disse, não foi alegado que o embargado houvesse recebido qualquer pagamento.</font><br>
<font> Nega-se a revista.</font><br>
<font> Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 5 de Março de 2002</font><br>
<font> </font><br>
<font>Ribeiro Coelho (Relator)</font><br>
<font>Garcia Marques</font><br>
<font>Ferreira Ramos</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 1] |
DzIRvIYBgYBz1XKvzork | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1 - Por apenso à acção de divórcio litigioso entre A e B, que correu termos pelo 3. Juízo do Tribunal de Família de Lisboa, veio esta pedir que lhe fosse atribuído o direito ao arrendamento da casa que fora de morada da família.<br>
O Acórdão da Relação de Lisboa confirmou a sentença da 1. instância que declarou transmitida para a B a posição de arrendatário de A à casa de morada da família em questão.<br>
Daí o presente recurso.<br>
2 - Nas suas alegações o recorrente conclui: a) Ao atribuir a casa de morada de família à recorrida, o tribunal "a quo" concedeu relevo excessivo ao facto de ter sido atribuído à recorrida o exercício de poder paternal, sobre a filha do casal. b) A situação patrimonial do recorrente encontra-se bastante limitada, face à contribuição para as despesas da filha do casal, incomensuravelmente superiores às que são suportadas pela mãe, sendo certo que a capacidade económica de um e de outra são sensivelmente iguais. c) A confirmar-se a decisão recorrida, relega o recorrente para uma situação de autêntico desespero, pois fica, na prática, impossibilitado de arranjar casa para viver, se tomarmos em consideração a crise existente no sector da habitação e as despesas que o mesmo suporta com a filha. d) Acresce que a filha do casal tem, actualmente, 19 anos de idade, sendo de prever que, a curto prazo, abandone a casa materna, para fazer uma vida totalmente independente dos pais mais que não seja pelo mau ambiente ali existente, como resulta dos processos de divórcio e de regulação do poder paternal. e) A confirmar-se tal previsão, torna-se chocante e injusto que uma casa com a dimensão da dos autos venha a ser habitada por uma única pessoa e que a outra, o recorrente, fique impossibilitado de adquirir qualquer casa para nela habitar.<br>
Conclui por pedir que lhe seja atribuído o direito ao arrendamento sobre a casa de morada de família.<br>
A recorrida não contra alegou.<br>
3 - Corridos os vistos, cumpre decidir:<br>
4 - Está provado pela Relação: a) Autor e Ré casaram-se um com o outro a 4 de Novembro de 1978, tendo sido decretado o divórcio litigioso entre ambos, por sentença de 30 de Abril de 1991, que transitou em julgado em 16 de Maio de 1991. b) Consta dessa sentença, como fundamento do divórcio, que: Em Agosto 1989 a Ré atingiu o Autor com uma máquina fotográfica, provocando-lhe ferimentos. Em Setembro de 1989 a Ré agrediu o Autor com um berbequim eléctrico na cabeça. Desde há cerca de um ano o Autor deixou de contribuir para a alimentação e vestuário da Ré. O Autor chamava "puta" à Ré; a Ré teve de ir trabalhar como empregada doméstica porque o Autor deixou de contribuir para as suas despesas. c) Nessa sentença, foram declaradas culpas iguais dos cônjuges no divórcio. d) C, filha da requerente e do requerido nasceu em 24 de Junho de 1975. e) A casa de morada de família - na qual ambas as partes residem - é do I.G.A.P.H.E. e tem quatro quartos, sala, cozinha e um W.C.. f) Essa casa foi atribuída em Junho de 1976 ao requerido em regime de arrendamento, sendo a renda actual de 1320 escudos, que tem sido paga pelo requerido. g) Tal atribuição foi feita antes do casamento, tendo a requerente e o requerido ido habitá-la, então, altura em que vivam em união facto. h) Nessa casa ainda hoje vivem ambos com a filha de ambos, que tem actualmente 17 anos. i) Ela é estudante do 11. ano de escolaridade. j) Ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, exercendo esta o poder paternal, ficando, porém, o pai a ser, para efeitos escolares, o encarregado de educação - acordo homologado a 9 de Julho de 1992. l) Ficou estipulado que ela tomava os almoços com a mãe ou a cargo desta e os jantares com o pai ou a cargo deste; o pai comprará os livros e suporta as despesas médico-medicamentosas, o pai suporta as despesas de vestuário e a mãe as despesas com o calçado; o pai entregará à C o seu abono de família. m) A requerente vive do seu trabalho de empregada de limpeza a dias; trabalha dez horas por dia, em seis dias por semana, ganhando 350 escudos por hora. n) O requerido é aposentado da função pública, vivendo da pensão de 98000 escudos líquidos por mês e tem uma outra pequena actividade esporádica, remunerada relativa a fotografia. o) O requerido trabalhou desde os 19 anos. p) O requerido, além dos suas despesas pessoais, paga a renda da casa, a luz, água, gás e telefone e a favor da filha tem pago o abono de família e o passe social. q) A requerente, além das suas despesas pessoais, tem suportado as restantes despesas da filha. r) A requerente tem 53 anos de idade e o requerido<br>
59. s) Cada uma das partes quer deter a referida casa, com exclusão da outra.<br>
5 - C, filha da requerente e do requerido, nasceu em 24 de Junho de 1975.<br>
À data - Junho 93 - em que foi proferida a sentença da 1. instância era estudante, frequentando o 11. ano de escolaridade.<br>
- Estava em pleno desenvolvimento a sua formação académica e profissional.<br>
Daí que frente ao estatuído no artigo 1880 do Código Civil os pais continuem obrigados a assumir as suas responsabilidades naquela formação da filha.<br>
Ultrapassada esta questão prévia há que focar ainda dois pontos: a) A C nasceu em 1975; a casa foi arrendada ao ora recorrente, em Junho de 1976; a requerente e requerido só casaram entre si, posteriormente, em Novembro de 1978.<br>
Isto significa que viveram em união de facto, com uma filha já nascida, durante mais de dois anos, na casa arrendada, situação posteriormente legalizada pelo casamento.<br>
O Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1987, publicada no Diário da República I série, de 28 de Maio de 1987, dispunha:<br>
"As normas dos ns. 2, 3 e 4 do artigo 1110 do Código Civil não são aplicáveis às uniões de facto, mesmo que destas haja filhos menores".<br>
O actual artigo 84 do R.A.U. limitou-se a reproduzir o texto do artigo 1110 ns. 2, 3 e 4, pelo que não se operou a caducidade daquele Assento.<br>
Só que, o Tribunal Constitucional (Plenário) no Acórdão n. 359/91, de 9 de Julho de 1991, Boletim 409, Página 170, decidiu declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, daquele Assento, "por força da violação do princípio de não discriminação dos filhos, contido no artigo 36 n. 4 da Constituição".<br>
Daqui resulta que o princípio inserto no n. 4 do artigo 36 da Constituição impede que filho nascido ou concebido fora do casamento sofra, indirecta ou reflexamente, qualquer diminuição jurídica, desde que o "interesse do filho" seja item e que o tribunal deve atender no seu julgamento, mesmo com carácter hipotético ou eventual por haver outros critérios a atender, para proferir decisão sobre a transmissão da relação locatícia.<br>
No caso em apreço, uma vez que à união de facto se seguiu um casamento, não interessa apurar qual a estabilidade, qual a duração dessa "comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges" para atingir a aludida eficácia, o artigo 1871 n. 1 alínea c) do Código Civil.<br>
Dois anos - artigo 2020? Cinco anos, por analogia com o artigo 85 n. 1 alínea e) da R.A.U.? Ou, preferentemente, incumbirá antes ao julgador suspender, caso a caso, quando estão preenchidos os requisitos de duração e estabilidade subjacente à noção de união de facto?<br>
No caso em apreço tudo se passará, pois, como se o arrendamento, em questão, tivesse ocorrido posteriormente.<br>
E tal é importante, por um dos critérios do n. 2 artigo 84 ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento.<br>
É que sendo, como é, posterior, o "cônjuge" arrendatário, o ora recorrente, só por isso, não goza de qualquer preferência face à recorrida.<br>
Com efeito, pondo em equação os interesses do senhorio e da protecção da casa de morada de família, o legislador esqueceu completamente os daquele.<br>
O carácter pessoal deste direito ao arrendamento igualmente se infere de ponderação finalista dos critérios vasados no n. 2 artigo 84 R.A.U. visando a protecção daquele dos cônjuges que mais fortemente seria atingido pelo divórcio ou separação, "quanto à estabilidade da habitação familiar ao qual, porventura, ventura, os filhos tivesse ficado confiados" - Professor P. Coelho, Rev. Leg. Jurisp. ano 122, Página 207. b) O n. 2 artigo 84 R.A.U. estatui que na falta de acordo, o tribunal decidirá, tendo em conta:<br>
- a situação patrimonial dos cônjuges;<br>
- as circunstâncias de facto relativas à ocupação da casa;<br>
- o interesse dos filhos;<br>
- a culpa imputada ao arrendatário na separação ou divórcio;<br>
- o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento;<br>
- quaisquer outras razões atendíveis.<br>
À semelhança do n. 3 do artigo 1110 do Código Civil, revogado, não há qualquer relação hierárquica entre estes itens.<br>
Estamos perante mais uma feliz manifestação do nosso sistema aberto, da sistemática móvel.<br>
A ideia de mobilidade foi proposta por Wilbug, em 1950 e depois largamente desenvolvida por Conaris.<br>
Com ela, "visa exprimir-se a inexistência de hierarquias intra-sistemáticas e a intermutabilidade das diversas proposições" - Professor M. Cordeiro, Boa Fé, volume II, Página 1262.<br>
Em abstracto as proposições encerram em si a mesma potencialidade.<br>
O concurso desfaz-se quando o intérprete ao debruçar-se sobre o caso concreto, ao aplicá-los, vai buscar a solução, frente à força com que então se apresentam.<br>
Ponderadamente, com regrabilidade, com equidade.<br>
Não a equidade espécie - artigo 4 do Código Civil - que visa corrigir a generalidade abstracta da lei por meio da apreciação das particularidades da espécie.<br>
Mas a geral, visando aproximar-se do ideal de justiça e, como tal, recebido pelo sistema.<br>
"Desde que se admita que a lei deve ser interpretada visando a justiça, a equidade deixa de estar fora, para passar a fazer parte do sistema jurídico positivo" - De Castro, Direito Civil, volume I, Páginas 470 e 471.<br>
É o apelo à "jurisprudência do presente", filtrada pela incorporação no sistema de princípios assumidos com base numa casuística.<br>
É aquela que Esser - Princípio e Norma Páginas 83 e 84, qualificando-a como Tupoi, considera, não um princípio jurídico moralizador de natureza própria, mas "uma necessária perspectiva social dentro do sistema".<br>
Tudo sempre como factor preciso de humanização do direito, como fonte permanente de juventude para o direito constituído.<br>
Esta generalização absoluta, esta noção quantitativa, esta vaguidade, traduzidos em indeterminação, vão retirar sentido próprio ao conceito.<br>
Sem se referir expressamente, por tal ir contra a metodologia inserta no artigo 4 do Código Civil, por exemplo - artigo 570, na compensação de culpas e no então artigo 1110, hoje, artigo 84 R.A.U., aponta para a indeterminação, sem fazer apelo directo à equidade, mas no fundo está a jogar com aquele seu conceito geral, atrás referido.<br>
Aqui, como vimos, o que a lei pretende é que a casa de morada de família, instalada em imóvel arrendado, passe a ser utilizada pelo ex-cônjuge a quem for mais "justo" atribui-la, ou seja, a quem mais dela necessitar "proteger o que mais seja atingido quanto à estabilidade de habitação familiar".<br>
É igualmente a entrada de perspectiva social dentro do sistema.<br>
O assinalado artigo 84 do R.A.U. não fala de casa de morada de família, mas impõe-se concluir que o preceito se refere só à casa residência habitual, principal.<br>
A expressão "casa de morada da família" foi introduzida pela Reforma de 1977 - artigo 1682-A; 1682-B; 1775 ns. 2 e 3, 1793 e 2103-A, do Código Civil.<br>
Nasceu então um novo conceito de família e a família conjugal - cônjuges e filhos.<br>
Núcleo para o qual o cônjuge entra pelo casamento e os filhos pela filiação.<br>
A situação versada nos autos não recebia protecção jurídica pelas regras do direito comum.<br>
Por isso nasceu uma realidade protectora: a casa de morada de família.<br>
Do n. 1 artigo 1673 poder-se-à dizer que ela é a casa de residência comum dos cônjuges, visando as exigências da sua vida profissional, os interesses dos filhos e a salvaguarda de unidade da vida familiar.<br>
Como índices a ser ponderados com regrabilidade pelo tribunal, o artigo 84 da R.A.U., não indica expressamente a necessidade de cada um dos ex-cônjuges.<br>
E, quando se trata de casa comum ou própria do outro, os índices pautados pelo artigo 1793 n. 1 do Código Civil são, nomeadamente, a dita necessidade de cada um e o interesse dos filhos do casal.<br>
Mas ela está espelhada na situação patrimonial dos cônjuges, no interesse dos filhos, também analisada pelo prisma de quem ficou a pertencer a sua guarda, tratando-se de menores e, por último "outras razões atendíveis", que se poderão relacionar com a idade, estado de saúde, aproximação ao local de trabalho e a todo o imponderável que a riqueza da vida real dê força.<br>
Neste conjunto está o primeiro grau de relevância a ser surpreendido pelo tribunal.<br>
6 - Voltemos ao caso.<br>
Não são, efectivamente, boas as situações patrimoniais do recorrente e recorrida.<br>
Mesmo assim a daquele é menos frágil.<br>
Com efeito tem uma reforma, pequena, de 98000 escudos líquidos mensais, mas estável, a que se acrescentará uma pequena actividade, esporádica, remunerada, relativa a fotografia.<br>
Enquanto que a requerida, já então com 53 anos de idade, vive do trabalho de empregada de limpeza, com toda a carga de instabilidade dele emergente.<br>
Talvez por tudo isto é que, na realidade, no acordo homologado em 9 de Julho de 1992, o recorrente ficou com um maior quinhão de responsabilidade, relativamente à filha do casal, ao suportar despesas superiores às da recorrida.<br>
Por outro lado há que convir que a filha C, nascida em 24 de Junho de 1975, hoje, portanto, próxima dos 20 anos, continuando a estudar, foi entregue à recorrida.<br>
Não obstante a sua idade, é seu interesse viver na casa com a recorrida, ou seja, na casa onde sempre viveu e junto a quem foi confiada, por acordo.<br>
É evidente que a consideração deste interesse da C não surge, como base para atribuição à requerente, ora recorrida, sua mãe, de um direito subjectivo, mas, como vimos, de um elemento forte a ponderar para atribuir a esta o direito à transmissão do arrendamento.<br>
Finalmente não foram apontados factos e situações que venham a ser subsumidos à expressão legal "quaisquer outras razões atendíveis", a não ser a natural situação desvantajosa em que ficar o vencido deste pleito.<br>
Pena é que ao aproximar do fim de uma vida, recorrente e recorrida, divorciados há cerca de quatro anos, vivendo ainda na mesma casa, que é boa e de renda barata, se digladiem agora na presença da única filha, pela detenção da titularidade do arrendamento, sabendo que, para a estruturação do resto das suas vidas, aquela casa é de importância vital.<br>
Da ponderação de todos estes elementos resulta que a recorrida é a mais atingida pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.<br>
E o secundário critério da culpa no divórcio, que deverá ser observado igualmente pela relevância da culpa imputada aqui à recorrida, nada adianta.<br>
Com efeito, quanto a tal, ambos, na sentença, foram declarados igualmente culpados.<br>
7 - Termos em que se nega a revista, confirmando-se o douto Acórdão recorrido.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 26 de Abril de 1995.<br>
Torres Paulo,<br>
Cardona Ferreira,<br>
Ramiro Vidigal.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rTIrvIYBgYBz1XKv6bEl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferencia, neste Supremo:-<br>
No dia 5-10-77, pelas 15,30 horas e na estrada nacional n. 118 (que liga Porto Alto a Alcochete), junto da Ponte do Vau, ocorreu embate entre a "lambreta", de matricula LU-72-60 e o veiculo pesado, de matricula SR-22-43, que ali circulavam em sentidos opostos, seguindo o primeiro em direcção a Alcochete.<br>
Na "lambreta" seguiam, o seu dono, A, casado, que a conduzia, e B, residentes respectivamente, em Jardia e Alto Estanqueiro, concelho de Montijo.<br>
O segundo era conduzido por C, motorista, residente em Venda Nova, Amadora, por ordem e ao serviço da sociedade "D Lda", dona do veiculo e que, contratualmente, o tinha seguro, quanto a terceiros, mas so ate ao limite de um milhão de escudos, na Companhia de Seguros Douro, que posteriormente foi integrada na Aliança Seguradora.<br>
O acidente ocorreu por culpa exclusiva deste condutor, C. E ambos os ocupantes da "lambreta" sofreram graves lesões corporais.<br>
De tal forma que o A, que então trabalhava como ajudante de motorista na distribuição de "Sumol", não pode voltar a trabalhar, e não se sabe se alguma vez o podera fazer. E o B, que então estava a prestar o serviço militar obrigatorio, não tendo profisssão renumerada, veio a ser considerado incapaz para aquele serviço.<br>
Em 17-3-82, aquele A e B, demandaram, por esta acção, os referidos C, a "D, Lda" e a Companhia de Seguros Douro (agora Aliança Seguradora), pedindo que fossem solidariamente condenados a pagar (embora a Seguradora so ate ao limite do seguro), pelos danos materiais e não patrimoniais sofridos no dito acidente:-<br>
- ao A, a quantia de 1763806 escudos (sendo 800000 escudos pelos danos morais), a que deverão acrescer os vencimentos vincendos (incluindo o 13 mes e os subsidios de ferias) ate a sentença;<br>
- ao B, a quantia de 480000 escudos (sendo 200000 escudos pelos danos morais).<br>
Ambos pediram logo que fosse tido em conta o indice inflacionario para actualização do montante indemnizatorio. E mais tarde, com a publicação do Decreto-Lei n. 262/83, vieram, chamando-lhe ampliação do pedido, pedir que, face a actual redacção do n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil, acrescessem juros de mora, a taxa legal, a indemnização que viesse a ser fixada, a contar dessa nova redacção deste n. 3.<br>
Contestaram todos os reus. Mas no inicio da audiencia de julgamento, a Aliança Seguradora e os autores fizeram transação, que foi homologada, tendo aquela feito a estes a entrega do milhão de escudos que o Seguro abarcava, ficando elas de fora no prosseguimeto da causa.<br>
Feito o julgamento, foi proferida a sentença onde, declarada a culpa exclusiva do reu C, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo condenados o mesmo C e a "D, Lda" a pagar solidariamente aos dois autores a importancia global de 2198237 escudos, por dela cabendo 110000 escudos ao autor B; mas, face a referida entrega do milhão de escudos pela Seguradora, e isto deduzido naquela que fica reduzida a 1198237 escudos.<br>
Desta sentença recorreram os autores e os dois reus condenados.<br>
A Relação de Lisboa, dando provimento so ao recurso-apelação dos autores, alterou o quantitativo indemnizatorio fixando-o, para ambos os autores e deduzidos ja os mil contos por eles recebidos de Seguradora, em 6777951 escudos, que resulta de 7469951 escudos, para o A, mais 310000 escudos para o B, menos os mil contos ja recebidos, "a distribuir entre eles na devida proporção".<br>
Do Acordão da Relação so os reus C e "D, Lda", recorrem.<br>
Em seu entender, nele se viola o disposto nos artigos 562, 564, 566-2 e 496-3, do Codigo Civil, e 472-1 e 661 do Codigo de Processo Civil, devendo ser revogado porque:- a) - As verbas atribuidas a titulo de indemnização por danos morais são exageradas e ate superiores ao pedido pelos autores. Por outro lado, b) - faz-se no Acordão uma aplicação erronea da taxa de inflacção na fixação da indemnização, que so devera ser atendida (a inflacção) a partir de março de 1982, "uma vez que relativamente aos anos de 1977 a 1981 são conhecidos os salarios reais para cada um dos anos"; e tambem "ha erro na aplicação da taxa de inflacção ao montante da indemnização arbitrada ao A pelos prejuizos sofridos na "lambreta". c) - Finalmente, ha um erro material na soma da indemnização total do A, que e de 7464951 escudos e não 7469951 escudos, o que influencia a importancia final da condenação que sera de 6774951 escudos e não 6779951 escudos.<br>
Os recorridos defendem a manutenção do Acordão, no total improvimento do recurso.<br>
Vem este recurso restringido, como se ve das conclusões da alegação, a questão dos montantes indemnizatorios.<br>
O que, alias, se verificara tambem nas apelações.<br>
As questões de culpa (atribuida so ao Reu C) e da responsabilidade (imputada aos dois recorrentes), estão fora do seu objecto.<br>
E a impugnação relativa aos montantes indemnizatorios e ainda limitada, como se viu, aos valores dos danos não patrimoniais e a aplicação da actualização ao valor dos salarios perdidos pelo autor A (ao B não foi atribuida qualquer indemnização por salarios perdidos) ate a propositura da acção (Março de 1982), e aos prejuizos da "lambreta".<br>
O primeiro reparo dos recorrentes dirige-se a valoração atribuida no Acordão aos danos não patrimoniais de cada um dos autores.<br>
Rege a este proposito o artigo 496, seus ns. 1 e 3, do Codigo Civil. E não se pondo em duvida, como não põe, que a situação gerou para qualquer deles danos não patrimoniais atendiveis, basta que nos concentramos logo no n. 3.<br>
E este determina que a correspondente indemnização sera fixada equitativamente, mas tendo sempre em atenção as circunstancias referidas no procedente artigo 494.<br>
Este recurso ao criterio da equidade impõe-se exactamente porque, tratando-se de danos morais, não pode a sua valoração ser traduzida num somatorio de numeros resultantes de factos materiais.<br>
Dai advem que tal valoração esta ja fora de mera questão de facto; e os criterios da equidade levam-nos para o plano juridico que integra o dominio das questões que este Supremo pode apreciar.<br>
Visa esta indemnização conceder ao lesado um montante monetario que, em certa medida, lhe permita compensar-se dos incomodos e sofrimentos que as consequencias do acidente lhe acarretaram.<br>
E a este proposito, deu a Relação como provado:- Quanto ao A<br>
Tinha ele, então, 25 anos, era pessoa saudavel, ja casado e pai de uma menor.<br>
Sofreu no acidente traumatismo craneano com perda do conhecimento e ficou em estado de coma durante 15 dias, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Alem disso, sofreu fracturas de ambas as pernas, nos dois ossos, e dos dois ossos do braço esquerdo, e diversas perfurações e escoriações na cabeça.<br>
No proprio dia do acidente foi submetido a intervenção cirurgica nas pernas e braço.<br>
Ficou, durante longa temporada, imobilizado no leito e coberto por placa de gesso, das pernas ao peito. E, posteriormente, removida essa placa, foi submetido a nova intervenção cirurgica, naquele Hospital, as pernas e braço.<br>
Porque não cicatrizava uma extensa ferida localizada na perna esquerda, foi obrigado a submeter-se a mais tres intervenções cirurgicas, no Hospital do Montijo.<br>
Perdeu, ainda, seis dentes. E sofreu muitas dores, não se sabendo se alguma vez podera voltar a trabalhar.<br>
Quanto ao B:<br>
Sofreu fracturas de ambas as pernas e esteve internado durante mais de dois meses no Hospital, acabando por ser submetido a intervenção cirurgica. Sendo antes pessoa robusta e saudavel, acabou por ser considerado incapaz para o serviço militar.<br>
Sofreu muitas dores e esteve cerca de um ano sem trabalhar.<br>
Na petição, o A computava a indemnização por estes seus danos não patrimoniais em 800000 escudos: o B limitava-se aos 200000 escudos.<br>
Um e outro mantiveram estes numeros na alegação da apelação.<br>
As instancias adoptaram, tambem nisto, criterios muito divergentes. Enquanto na 1 instancia se baixou para os 200000 escudos e 100000 escudos, respectivamente, na Relação subiu-se para os 900000 escudos e 300000 escudos, tambem respectivamente.<br>
Pois bem. Tudo ponderado, designadamente que nada se apurou sobre o nivel social e a situação economica dos autores, do reu C e de D Lda, mas considerando que o A era, aquando do acidente, ajudante de motorista na distribuição de mercadorias e que o B não tinha, então profissão remunerada e atendendo ao tipo de vida normal em pessoas do que sera o sector socio-economico deles, sem esquecer o actual nivel do valor da moeda (reportado a data do termo do julgamento na<br>
1 instancia), temos como equilibrados e ajustados os valores apontados e pedidos pelos proprios lesados, que mantiveram, repete-se, mesmo na alegação da apelação. Se baixa-los pode levar a valores exigeros, face ao quadro da situação sofrida por cada um deles, certo e que tambem nos parece que a sua elevação se não justifica.<br>
Assim, fixa-se a indemnização pelos danos não patrimoniais em 800000 escudos para o autor A, e em 200000 escudos para o autor B. Neste ponto e neste sentido se alterando, pois, o Acordão recorrido.<br>
Quanto a indemnização pelos danos patrimoniais, os recorrentes discutem apenas a arbitrada ao autor A. A dos 100000 escudos, atribuida ao B não sofre qualquer impugnação.<br>
A do A foi fixada no Acordão recorrido em 6564951 escudos, sendo 6346200 escudos, de salarios perdidos desde o acidente ate ao encerramento do julgamento na 1 instancia, devidamente actualizados atraves da aplicação das taxas da inflacção naquele periodo, 208751 escudos do valor da "lambreta" actualizada pelo mesmo sistema, e mais 10000 escudos de despesas feitas pelo autor em transporte, para pagar tratamentos.<br>
Determinar o valor parcelar dos danos e (ou) lucros cessantes e materia de facto da exclusiva competencia da instancia. E o mesmo se pode dizer da correcção ou actualização dos valores monetarios, uma vez que a lei não fixa para isso qualquer criterio.<br>
Mas ja e materia de direito, face ao disposto nos artigos 562 a 566, designadamente no n. 2 deste ultimo, do Codigo Civil, a determinação e fixação dos elementos a considerar no sentido de saber quais os danos englobaveis na indemnização, ou seja, indemnizaveis, bem como a determinação do ambito material e temporal da correcção monetaria.<br>
Como se disse, os recorrentes trouxeram ao recurso apenas a materia relativa a indemnização arbitrada ao A.<br>
E dentro disso ainda restringem a impugnação ao valor da "lambreta" e a actualização operada relativamente aos salarios perdidos entre a data do acidente e a da propositura da acção.<br>
Quanto a "lambreta", não discordam do valor base de que se partiu (o valor dela na data do acidente, e não o dos prejuizos que era muito superior), nem da sua correcção. Unica e simplesmente lhes parece ter havido erro na aplicação da taxa de inflacção, de que na opinião deles, podera resultar uma diferença, para mais no valor corrigido, de mil e tal escudos.<br>
Pelo que atras se disse, trata-se de materia de facto de exclusiva competencia das instancias e nem o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais pode ser objecto de recurso (artigos 722-2 e 729 ns. 1 e 2, do Codigo de Processo Civil).<br>
Nada a fazer aqui, pois, quanto a isso.<br>
-Quanto a actualização dos salarios vencidos, e perdidos, melhor, entre a data do acidente e a propositura da acção, ja e, sem, questão de direito, que cabe na nossa apreciação, como resulta do que acima se deixou dito (o ter ela, ou não, lugar).<br>
E entendemos que não tem razão os recorrentes. Os prejuizos para o autor começaram no dia do acidente e não no da propositura da acção. E o que determina a necessidade da actualização ou correcção monetaria do valor desses prejuizos e a mora no seu ressarcimento e não o facto de eles na data em que se foram verificando serem, ou não, correspondentes ao valor actualizado da epoca. Assim, que importa que os salarios de cada um dos anos de 77 a 81 fossem considerados com o valor real da altura, se o autor os não recebeu então e ainda a que esta sem eles?<br>
Para que se satisfaça a diferença entre a situação patrimonial do autor na data do encerramento do julgamento na 1 instancia (que e considerada a mais recente que pode ser atendida) e a que ele teria se sempre pudesse ter trabalhado e ganho os salarios correspondentes, e necessario, face a desvalorização inflacionaria da moeda desde a data do acidente, que agora todos os salarios, incluindo os caidos desde esta data ate a propositura da acção sejam sujeitos a correcção segundo o mesmo criterio por que o foram os restantes.<br>
Alias, e como se nota no Acordão deste Tribunal de 18-7-85 (Boletim 349, e 499), vem sendo pacifica na sua jurisprudencia a solução de que a actualização deve ser feita a partir da data do acidente.<br>
Por outro lado, esta correcto o entendimento adoptado no Acordão recorrido quanto a não acumudabilidade desta actualização com os juros de mora a que se refere o n. 3 do artigo 805 do Codigo Civil.<br>
Assim, improcede, neste ponto, a impugnação dos recorrentes e a indemnização do A correspondente aos danos patrimoniais tem que ser mantida nos 6564951 escudos.<br>
Quanto ao erro ou inexactidão da soma, apontado e reclamado na alegação, no total da indemnização do A, não pode ser tal reclamação atendida aqui - n. 2 do artigo 667 do Codigo de Processo Civil.<br>
Mas isso não importara porque, uma vez que e alterado esse total, tera sempre que ser reformulada essa soma.<br>
Pelo exposto, vai parcialmente concedida a revista, alterando-se, no sentido indicado, os montantes da indemnização pelos danos não patrimoniais de cada um dos autores, e no mais se mantem o Acordão recorrido.<br>
Pelo que se fixa em 7364951 escudos (6564951 escudos mais 800000 escudos) a indemnização total do autor A, e em 210000 escudos (200000 escudos + 10000) a do autor B, somando ambas 7574951 escudos; mas deduzindo neste total os mil contos ja recebidos, por ambos, da Seguradora, fica o total reduzido a 6574951 escudos, importancia que ambos os reus recorrentes ficam condenados a pagar solidariamente aos autores, que a dividirão entre si na respectiva proporção.<br>
Custas por recorrentes e recorridos na proporção do vencido.<br>
Lisboa, 26 de Fevereiro de 1991.<br>
Joaquim de Carvalho,<br>
Marques Cordeiro,<br>
Leite Marreiros.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QzIRvIYBgYBz1XKv-Ipc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordão no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - Em execução ordinária para pagamento de quantia certa, instaurada por "Banif-Banco Internacional do Funchal,<br>
S.A." contra "Hiper-Caça, Lda." o exequente nomeou à penhora o "saldo de quaisquer contas que existam nos seguintes Bancos", entre eles a "Caixa Geral de Depósitos com sede no Largo do Calhariz, em Lisboa".<br>
Ordenada a penhora e notificada a Caixa, veio esta alegar a impossibilidade de lhe dar cumprimento, o que foi indeferido pelo despacho de fls. 26.<br>
O acórdão da Relação, de fls. 38 e seguintes, negou provimento ao agravo interposto desse despacho.<br>
Neste novo recurso, a Caixa pretende a revogação daquele acórdão com base, em resumo, nas seguintes conclusões:<br>
- a penhora dos saldos de contas bancárias consubstancia-se na penhora de créditos, sujeita à disciplina dos artigos 856 e 837 n. 5 do C.P.C.;<br>
- tem legitimidade para questionar a legalidade do mandado de penhora que lhe é notificado;<br>
- aquela penhora pressupõe a identificação da conta, a Agência em que se encontra constituída e o montante do respectivo saldo ou, no mínimo algum ou alguns destes elementos que permitam determinar o direito que dela é objecto;<br>
- o requerimento em causa não satisfaz esses requisitos;<br>
- está vinculada à observância do sigilo profissional bancário, sob pena de incorrer em responsabilidade civil e criminal:<br>
- esse dever de sigilo prevalece sobre o de informar, salvo nos casos previstos na lei, o que aqui não ocorre;<br>
- ficou assim na situação de impossibilidade de cumprimento do mandado de penhora;<br>
- foi violado o disposto nos citados artigos 837 n. 5 e<br>
856 e no artigo 78 ns. 1 e 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n. 298/92, de 31 de Dezembro.<br>
Não houve contra-alegações.<br>
II - Situação de facto:<br>
O exequente nomeou à penhora, além de outros bens, e como já se notou, o "saldo de quaisquer contas que existam ..." na "Caixa Geral de Depósitos com sede no Largo do Calhariz, Lisboa" (fls. 19).<br>
Ordenou-se a penhora desses saldos, até ao montante da quantia exequenda, e a notificação dos Bancos de que "os referidos saldos ficam à ordem do tribunal e para em cinco dias acusarem o saldo penhorado ou o que tiverem por conveniente" (desp. de fls. 20).<br>
Notificada desse despacho, a Caixa apresentou o requerimento de fls. 21 e seguintes, em que alegou a impossibilidade de dar cumprimento à penhora, por fundamentos idênticos aos do presente recurso.<br>
III - Quanto ao mérito do recurso:<br>
No despacho da 1. instância, considerou-se que: só interessa a penhora do montante do saldo; isso em nada colide com o sigilo bancário; a Caixa devia "informar apenas qual o montante penhorado ou o que tiver por conveniente".<br>
No acórdão recorrido, por sua vez, salientou-se que: à Caixa não assiste legitimidade para discutir a legalidade da decisão que ordenou a penhora; por virtude daquele sigilo, não podia exigir-se ao exequente integral cumprimento do citado n. 5 do artigo 837, bastando que fosse cumprido o seu n. 1; a penhora ordenada e as declarações previstas no n. 2 do artigo 856 não colidem com o sigilo; tais declarações integram-se no formalismo da penhora de créditos e, ainda que colidissem, estar-se-ia "perante uma derrogação desse mesmo sigilo".<br>
A caixa não é parte na acção executiva e, nessa medida, não lhe assiste, em princípio, o direito de discutir a legalidade da decisão aí proferida, ao ordenar a penhora, o que é inteiramente compatível com o direito, reconhecido pelo artigo 858, de "contestar a existência do crédito".<br>
Aliás, a falta de algum dos elementos mencionados no citado n. 5 do artigo 837, no requerimento de nomeação de crédito, só deverá constituir nulidade "quando influa na efectivação da penhora", a qual não é de conhecimento oficioso, devendo pois ser arguida pelas partes (E. Lopes Cardoso, no Manual ...; p. 409).<br>
Ponto essencial, pelo menos, é que o requerente tenha feito a indicação mínima necessária à identificação do crédito, sob pena de se dever considerar que não houve qualquer nomeação e de não poder ter lugar a consequência prevista pelo n. 3 do citado artigo 856 para a falta de declaração do devedor, uma vez que o reconhecimento da existência da obrigação nos termos estabelecidos na nomeação ..." depende, necessariamente, de nela se ter feito aquela identificação.<br>
Ora, tendo-se requerido a penhora do "saldo de quaisquer contas que existam ...", não se procedeu, em rigor, à nomeação à penhora de qualquer crédito determinado.<br>
Acresce que o pedido foi dirigido à sede da Caixa e, como se sabe, esta tem Agências espalhadas por todo o país, onde são aberta as contas dos clientes, não parecendo razoável que se possa exigir à sede a efectivação de uma penhora nos termos amplos em que foi requerida e ordenada.<br>
A penhora de saldos de contas bancárias deverá antes ser pedida à Agência onde tais contas tenham sido constituídas.<br>
A questão fundamental respeita, porém, ao aspecto do sigilo profissional, e desde já se nota que assiste razão<br>
à recorrente.<br>
Pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, quaisquer pessoas que prestem serviço nas instituições de crédito "não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações destas com os seus clientes ..." e "estão, designadamente, sujeitos a segredo o nome dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias" (artigo 78 ns. 1 e 2); para além da hipótese de "autorização do cliente" e de outras que nada têm a ver com este caso, "os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados ... nos termos previstos na lei penal e de processo penal e quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo" (artigo 79); e a sua violação, "sem prejuízo de outras sanções aplicáveis ... é punível nos termos do Código Penal" (artigo 84).<br>
Não se trata aqui da aplicação de quaisquer normas do processo penal nem mesmo do artigo 185 do C. Penal, o qual se reporta apenas à exclusão da ilicitude do agente que tiver revelado segredo a que estava, em princípio, sujeito.<br>
Por outro lado, várias disposições têm procedido à limitação daquele dever, como por motivo de emissão de cheques sem provisão ou por pessoas privadas desse direito (artigo 2 do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro), em relação à prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes (artigo 60 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro), na cooperação com a Alta Autoridade Contra a Corrupção (artigo 7 n. 2 da Lei 45/86, de 1 de Outubro) e nos processos respeitantes ao combate à corrupção e criminalidade económica e financeira (artigo 5 da<br>
Lei 36/94, de 29 de Setembro).<br>
No domínio do processo civil, porém, desconhece-se qualquer norma que dispense os funcionários das instituições de crédito do cumprimento do dever de sigilo, sendo certo que, nos termos do citado artigo 79, só estariam dele dispensados se houvesse norma legal expressa nesse sentido.<br>
E não pode sequer invocar-se o disposto no artigo 519 n. 3 do C.P.C., uma vez que nele próprio se prevê a legitimidade da recusa de cooperação se esta "importar violação ... do sigilo profissional".<br>
Neste domínio vigora pois o princípio de total supremacia do dever de sigilo bancário sobre o de cooperação com a justiça, como aliás se tem entendido, embora com referência ao regime ainda mais limitativo da lei anterior, a Lei 2/78, de 9 de Janeiro (Parecer da Proc.<br>
Ger. Rep. de 30 de Novembro de 1978, no Bol. 286, p. 156, acórdão deste tribunal de 8 de Fevereiro de 1990, no Bol.<br>
394, p. 417, e acórdão da Relação do Porto de 6 de Maio de 1993, na Col., XVIII, 3, p. 195).<br>
Será porventura discutível o rigorismo da lei, que acaba por conceder aos devedores uma protecção excessiva, mesmo em função dos objectivos deste sigilo, explicitados no relatório da cit. Lei 2/78 com a consideração de que "a reconstrução do país implica o estabelecimento de um clima de confiança na banca que permita a captação e recuperação do dinheiro entesourado ...", o que até já não terá, actualmente, verdadeira justificação, mas, de qualquer modo, trata-se de simples questão de política legislativa que não cabe aqui apreciar.<br>
Se em execução para pagamento de quantia certa o exequente (que não pode obter dos Bancos informação directa sobre a existência de contas bancárias em nome do executado) requerer ao tribunal o pedido dessa informação e tal requerimento for deferido, seguramente que eles não são obrigados e estão mesmo impedidos de prestá-la, sob pena de violação do segredo profissional, por se não tratar de qualquer dos casos excepcionais ressalvados na lei.<br>
Ora, os termos em que foi requerida e ordenada a penhora do "saldo de quaisquer contas que existam ..." reconduzem-se a situação inteiramente idêntica àquela: efectuada alguma penhora, a Caixa teria de prestar as informações relativas ao crédito (n. 2 do artigo 856), o que se traduziria num meio indirecto de violação do sigilo; se não fizesse qualquer declaração, verificar-se-ia a situação acima apontada de se ter como reconhecida a existência de uma obrigação de conteúdo não identificado, aliás sempre uma posterior informação seria indispensável ao prosseguimento e fins da execução, o pagamento da dívida exequenda; ou seja, o objectivo pretendido pelo exequente seria alcançado apenas através dos elementos fornecidos pela instituição de crédito, com a consequente violação do sigilo profissional.<br>
Por outro lado, é certo que se poderá proceder à penhora do saldo de contas bancárias do executado, por todos os seus bens responderem, em princípio, pelo cumprimento das suas obrigações (artigos 601 do C.CIV. e 821 do C.P.C.).<br>
Para tanto, porém, será indispensável, pelos menos, a identificação da conta bancária, do seu titular e da respectiva instituição de crédito; nessa hipótese, já as informações que devem ser prestadas pelo devedor, nos termos do disposto no citado artigo 856 n. 2, designadamente quanto ao montante do saldo ou ao seu vencimento, se podem ter como mera consequência da penhora efectuada ou como cumprimento daqueles deveres; os interesses protegidos pelo sigilo não são então violados, uma vez que a penhora é efectuada regularmente, sem qualquer colaboração da instituição de crédito, a qual se limita depois a cumprir as obrigações decorrentes desse acto processual.<br>
Em conclusão:<br>
No domínio do processo civil, vigora o princípio de total supremacia do dever de sigilo bancário sobre o de cooperação com a justiça (artigos 78 e 79 do Regime aprovado pelo Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, e 519 n. 3 do C.P.C.).<br>
O mandado dirigido à sede de um Banco para penhora do "saldo de quaisquer contas que existam ..." em nome de certa pessoa é inexequível, por falta de identificação do respectivo crédito (artigo 837 n. 5 do citado Código) e por implicar a efectivação dessa penhora violação daquele segredo profissional.<br>
A penhora do saldo de conta bancária pressupõe, pelo menos, a identificação dessa conta, do seu titular e da respectiva instituição de crédito.<br>
Pelo exposto:<br>
Concede-se provimento ao recurso.<br>
Revoga-se o acórdão recorrido, bem como a decisão da<br>
1. instância, a qual deve ser substituída por outra que indefira a pretensão do exequente.<br>
Custas dos recursos pelo Banco recorrido.<br>
Lisboa, 19 de Abril de 1995<br>
Martins da Costa.<br>
Pais de Sousa.<br>
Santos Monteiro.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SzL_u4YBgYBz1XKvbnGj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<div>I</div>A propôs no tribunal da comarca de Amares, contra B, S.A., acção de responsabilidade civil em que pediu a condenação desta na quantia de 24500165 escudos, depois ampliada para 28924666 escudos, e juros moratórios legais, com fundamento em acidente de viação causado por um veículo pesado conduzido por um empregado da segurada da ré que, circulando em excesso de velocidade e pela esquerda da faixa de rodagem, atingiu gravemente o autor que se deslocava segundo todas as regras, em sentido contrário, num velocípede motorizado.<br>
A demandada impugnou os factos e imputou a culpa na produção do acidente, pelo menos em parte, ao autor, por ir no momento a ultrapassar outro veículo.<br>
Realizada a audiência, foi proferida a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 14449013 escudos e juros à taxa legal desde a citação.<br>
Ambas as partes recorreram.<br>
A Relação julgou totalmente improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a do autor, alterando a indemnização por danos não patrimoniais de 2000000 escudos para 4000000 escudos mantendo, no mais, a sentença, com um voto de vencido no sentido de que teria havido culpa exclusiva do condutor do auto pesado.<br>
O autor interpôs novo recurso, agora de revista, em que formula, em síntese, as seguintes conclusões:<br>
1ª - O acórdão recorrido imputou ao condutor do auto pesado uma contravenção - a circulação pela esquerda - e ao autor, duas - seguir perto do eixo da via e muito próximo de um veículo que seguia à sua frente - atribuindo 70% de culpa àquele condutor e 30% ao autor.<br>
2ª - Mas a única contravenção causal do acidente foi a do condutor do auto pesado porque se não circulasse pela metade esquerda da faixa de rodagem, nunca colheria o autor.<br>
3ª - Àquele incumbia provar que a invasão desta meia faixa foi estranha à sua vontade ou motivada por caso fortuito ou de força maior, o que não provou.<br>
4ª - Também o dever de previsão dos condutores não pode ir até ao ponto de lhes ser imposto que contem com as condutas culposas dos outros condutores.<br>
5ª - Foi violado o artigo 5º do Código da Estrada em vigor à data do acidente.<br>
A recorrida defende a posição do acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>1 - Foram dados como provados pelas instâncias os seguintes factos:<br>
a) No dia 03-08-1993, cerca das 7,40 horas, na E.N. nº 308 ao Km. 57,845, no lugar de Regueira, freguesia de Goães, concelho de Amares, ocorreu um acidente de viação em que intervieram o velocípede com motor 1-AMR, conduzido pelo autor e o veículo pesado de mercadorias de matrícula ZE, propriedade de B, Ldª, conduzido por D (al a) da espec.).<br>
b) O velocípede com motor 1-AMR circulava na E.N. nº 308 no sentido de Santa Marta do Bouro - Goães; em sentido contrário ao veículo pesado de mercadorias ZE que circulava no sentido Goães - Santa Marta (resp. ques. 1º a 3º).<br>
c) O ZE circulava a velocidade não inferior a 60 Km/hora (ques. 5º).<br>
d) Ao chegar ao local referido em a) da especificação a estrada descrevia uma curva para a esquerda, atento o sentido em que seguia o ZE (ques. 12º).<br>
e) O ZE ao descrever uma curva para a esquerda consoante o seu sentido de marcha, invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem (ques. 6º).<br>
f) Quando o ZE descrevia essa curva, surgiu-lhe em sentido contrário um veículo automóvel e o condutor do ZE quando o avistou, travou de imediato, deixando um rasto de travagem com a extensão de 23,8 metros e que se iniciou a cerca de 1,90 metros da berma do seu lado esquerdo (ques. 7º).<br>
g) O embate com o velocípede com motor conduzido pelo autor, ocorreu na metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha do ZE, a menos de 50 cm. do eixo da via (ques. 8º).<br>
h) O velocípede com motor 1-AMR circulava imediatamente atrás a não mais de 3, 4 metros do veículo automóvel referido na resposta ao quesito 7º, pela metade direita da faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, próximo do eixo da via (ques. 14º).<br>
i) O embate ocorreu entre a roda da frente esquerda de ZE e a frente do 1-AMR (ques.15º).<br>
j) Após ter embatido no velocípede o ZE atravessou a metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha e foi parar na berma do mesmo lado da estrada (ques.9º).<br>
l) Após o embate os veículos vieram ocupar a posição do "croquis" elaborado na participação do acidente de viação de fls. 8 dos autos (ques. 16º).<br>
m) Em consequência do embate o autor sofreu:<br>
a) traumatismo crânio-encefálico;<br>
b) fractura das plataformas verticais de C4 e C5;<br>
c) fractura cominutiva do corpo C7 e uma lâmina esquerda do C7;<br>
d) fractura dos ossos da perna esquerda, fémur e côndilo femural externo;<br>
e) esfacelo do joelho esquerdo;<br>
f) fractura dos ossos do antebraço direito;<br>
g) fractura de extremidade distal do rádio esquerdo (ques. 17º).<br>
n) Do local do acidente foi logo transportado para o Hospital de São Marcos em Braga, onde foi imediatamente submetido a uma intervenção cirúrgica (al. b) e c) espec.).<br>
o) Esteve internado em vários serviços do Hospital de São Marcos e foi em 18-08-93 submetido a outra intervenção cirúrgica (al. d) e ques. 19º).<br>
p) Teve alta hospitalar em meados de Outubro de 1993, altura em que passou a ser seguido na consulta externa (ques. 20º e 21º).<br>
q) Em 13-09-93 começou a fazer tratamento de fisioterapia de 2ª a 6ª feira, até 30-05-94 (ques. 22º).<br>
r) O autor, apesar dos tratmentos a que se submeteu, ficou a padecer definitivamente de:<br>
a) franca diminuição da força muscular do membro superior direito;<br>
b) rigidez do punho e joelho esquerdos;<br>
c) cicatrizes do joelho e exerese da rótula;<br>
d) sinais de artrose precoce nas superfícies articulares no que respeita ao joelho e punho esquerdos;<br>
e) síndrome pós-comocional (ques. 23º).<br>
s) Em consequência dessas sequelas, o autor ficou com uma IPP de 65% e totalmente incapaz para o exercício da sua actividade profissional de construção civil (ques. 24º e 25º).<br>
t) Sofreu dores muito intensas, quer no momento do acidente quer no decurso do tratamento e as sequelas com que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas e um grande mal estar, que o vão acompanhar toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo (ques. 26º a 29º).<br>
u) O autor sente um profundo desgosto por, na pujança da vida, se ver totalmente inválido (ques. 30º).<br>
v) Na altura do acidente tinha 22 anos de idade, era fisicamente bem constituído, saudável, dinâmico e trabalhador (al. e) e ques. 32º).<br>
x) Na altura exercia a profissão de trolha com um salário mensal de 75000 escudos acrescido de igual montante de subsídio de férias e de Natal e do susídio diário de alimentação de 505 escudos (als. s), f), g) e h).<br>
z) O autor aos sábados, com regularidade, fazia trabalhos de trolha em pequenas obras ou serviços de reparação, ganhando por dia 6000 escudos (ques. 35º e 36º).<br>
aa) Nessa actividade extra emprego fazia em média 18000 escudos mensais (ques. 38º).<br>
bb) Desde o acidente o autor nunca mais trabalhou (ques. 40º).<br>
cc) O autor gastou:<br>
a) 37000 escudos em honorários médicos;<br>
b) 32600 escudos em meios de diagnóstico;<br>
c) 2924 escudos em medicamentos;<br>
d) 20250 escudos no Hospital de S. Marcos;<br>
e) 8400 escudos num par de muletas;<br>
f) 2625 escudos num par de canadianas;<br>
g) 19140 escudos em transportes para os tratamentos;<br>
h) 243220 escudos em transportes dos bombeiros para os tratamentos (ques. 41º).<br>
dd) O autor ainda vai ter de se submeter a algumas intervenções cirúrgicas para a extracção de material de osteossíntese, intervenções essas que a custos actuais não lhe irão ficar por menos de 1000000 escudos (ques. 42º e 43º).<br>
ee) Pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 675178 a ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo pesado de mercadorias ZE propriedade de C Ldª., e que no momento da colisão circulava sob a sua direcção e interesse, conduzido pelo seu empregado D, no exercício das suas funções laborais de que o tinha incumbido e a quem tinha cedido o seu uso (al. I).<br>
ff) O 1-AMR foi avaliado em 90000 escudos (al. l).<br>
gg) O C.R.S.S. pagou ao autor a título de subsídio de doença 30498 escudos (al. m).<br>
hh) A ré adiantou ao autor a quantia de 250000 escudos (al. j).<br>
2 - A questão que vem dada como controvertida consiste em saber se o autor contribuiu para o acidente e, em caso afirmativo, em que medida, daí se extraindo as inerentes consequências a nível indemnizatório.<br>
O autor sustenta que o exclusivo causador do acidente foi o condutor do auto pesado.<br>
A ré, na contestação, distribuiu as responsabilidades na proporção de 50% para cada um; na apelação propôs 40% para o autor e 60% para o condutor do pesado; na revista aceitou o resultado das instâncias.<br>
As instâncias fixaram a graduação em 30% para o autor e 70% para o outro condutor.<br>
No voto de vencido, finalmente, atribuiu-se a responsabilidade por inteiro ao condutor do pesado.<div>III</div>1 - A apreciação das questões apresentadas impõem a dilucidação de dois problemas que aqui surgem confundidos: um, relativo à culpa; o outro, respeitando à causalidade, ambos enquanto pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos - artigo 483º do Código Civil, diploma a que pertencerão os normativos que se venham a indicar, sem menção da sua fonte.<br>
1.1. - Com efeito, dois dos pressupostos condicionantes, na responsabilidade por factos ilícitos, da obrigação de indemnizar imposta ao lesante, são a imputação do facto ao lesante (culpa) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano - Antunes Varela, "Das Obrigações em geral", vol. I, 7ª edição, pág. 516.<br>
Para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o autor tenha agido com culpa. Não bastando que tenha agido objectivamente mal, é preciso, atento o disposto no artigo 483º, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa.<br>
Agir com culpa, segundo Antunes Varela, significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo (loc. cit., pág.554).<br>
A culpa implica que o lesante conhecesse, ou tivesse podido conhecer, o desvalor da acção que cometeu.<br>
Diferente do dolo, em qualquer das suas variantes, é o conceito da mera culpa ou negligência, a qual consiste na omissão da diligência exigível ao agente. No âmbito da mera culpa cabem, em primeiro lugar, os casos - excluídos do conceito do dolo - em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar - culpa consciente.<br>
Ao lado destes, há as situações em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida - culpa inconsciente.<br>
O grau de censura ou de reprovação será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo, e mais forte e intenso o dever de o ter feito (Ibidem, págs. 565 e 566).<br>
Ao prescrever que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2), o Código Civil consagrou expressamente a tese da culpa em abstracto.<br>
1.2. Apenas os danos resultantes do facto (artigo 483º), os danos causados por ele, são incluídos na responsabilidade do agente.<br>
O nexo de causalidade traduz-se numa relação entre o facto praticado pelo lesante e o dano, segundo a qual ele fica obrigado a indemnizar os prejuízos - todos os prejuízos - que causar ao lesado, ou, na formulação legal, os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º).<br>
Ou seja, a obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano. A disposição do artigo 563º, colocando a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão,mostra que se aceitou a doutrina da causalidade adequada - cfr. Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, pág. 578. <br>
Como ponderou Vaz Serra, não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado. Ora, sendo assim, prossegue o citado Autor, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária - cfr. "Obrigação de indemnização", nº 5, no BMJ, nº 84. Veja-se ainda, do mesmo Autor, a anotação crítica ao acórdão do STJ, de 4 de Maio de 1971, aí também publicado, na RLJ, ano 105º, págs. 168 e segs.<br>
Pode-se, assim, afirmar que a causa juridicamente relevante será a causa em abstracto adequada ou apropriada à produção desse dano segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante e que pode ainda ser vista, numa formulação positiva, como a condição apropriada à produção do efeito segundo um critério de normalidade, ou, numa formulação negativa, que apenas exclui a condição inadequada, pela sua indiferença ou irrelevância, verificando-se então o efeito por força de circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.<br>
Do conceito de causalidade adequada, pode extrair-se o corolário segundo o qual o que é essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente acontece, ele seja apenas uma das condições (adequadas) desse dano (Antunes Varela, "Das Obrigações (...), pág. 893).<br>
2. A actuação do condutor do pesado é, sem dúvida, ilícita e culposa, ligando-a ao acidente um nexo indiscutível de causalidade adequada. Trata-se de matéria incontroversa.<br>
2.1. Com efeito, infringiu o nº 2 do artigo 5º do Código da Estrada (CE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 39672, de 20 de Maio de 1954, em vigor ao tempo do acidente, norma mantida inalterada pelo Decreto-Lei nº 270/92, de 30 de Novembro, que alterou o Código da Estrada.<br>
O problema que se coloca tem que ver com a conculpabilidade do autor. A este são atribuídas duas contravenções: uma, por não seguir suficientemente próximo da berma da direita; outra, por circular demasiadamente junto de um veículo automóvel que circulava à sua frente.<br>
Dir-se-á, a título de parêntesis, que, na subsunção de tais contravenções às normas correspondentes do CE, não se teve em consideração, nas instâncias, as já referidas alterações introduzidas ao Código da Estrada pelo Decreto-Lei nº 270/92. O que se justificava, uma vez que, sendo a vacatio deste diploma de 180 dias após a data da sua publicação - cfr. artigo 2º -, o mesmo já se encontrava em vigor à data da ocorrência do acidente.<br>
As duas indicadas contravenções passaram a estar previstas, respectivamente, pelos nºs 4 e 8 (que substituiram os primitivos nºs 3 e 5) do artigo 5º do Código da Estrada. A referida alteração de enquadramento normativo, matéria de que oficiosamente se podia, a todo o tempo, tomar conhecimento, não tem, no entanto, consequências no plano da decisão. Tratou-se de simples alteração da numeração das normas aplicáveis, sem que lhe corresponda modificação da respectiva substância.<br>
Aquilo que importa ponderar traduz-se na questão de saber se as referidas contravenções cometidas pelo recorrente são fundamento da decisão de graduação de culpa feita pelas instâncias - 70% para o condutor do pesado; 30% para o recorrente.<br>
E o problema cardeal que é necessário resolver diz respeito à verificação, ou não, dum nexo de causalidade adequada entre as referidas contravenções e o acidente.<br>
Ou seja, há que responder às duas seguintes questões: O autor contribuiu ou não para a verificação do acidente?; Em caso de resposta afirmativa, em que medida e qual a proporção da sua culpa?<br>
2.2. Dissertando acerca da problemática relativa ao concurso de culpa do lesado, escreveu Vaz Serra, "Conculpabilidade do Prejudicado", BMJ, nº 86, págs. 131 e segs: "Parece de exigir que o facto do prejudicado possa considerar-se uma causa (ou melhor, concausa) do dano (...), em concorrência com o facto do responsável, causa também do dano. Ambos os factos devem, pois, ser causa do dano e o nexo causal é de apreciar segundo o mesmo critério (o da causalidade adequada, se for este o admitido)".<br>
Prosseguindo, a respeito do requisito segundo o qual o procedimento do prejudicado deve ser culposo, observa Vaz Serra : "Visto que se está em face de um facto de terceiro, causador de dano, quer-se dizer que o facto do prejudicado só contribui para redução da indemnização, quando este tenha omitido a diligência exigível com a qual poderia ter evitado o dano. Entende-se que aquela redução só é razoável quando o prejudicado não tenha adoptado as medidas exigíveis com que poderia ter impedido o dano" - Loc. cit., págs. 135 e 136.<br>
2.3. A matéria é objecto da disciplina do artigo 570º, nº 1, que assim dispõe: "Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída".<br>
Significa isto que, para que o tribunal goze da faculdade conferida nesta disposição, é necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente (cfr. artigo 563º).<br>
Tem sido orientação constante deste Supremo Tribunal aquela segundo a qual a prova da inobservância de leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando-se a prova em concreto da falta de diligência - cfr. acórdãos de 21/2/1961, 14/10/1982 e 6/1/1987, publicados, respectivamente, nos BMJ nº 104, pág. 417, nº 320, pág. 422, e nº 363, pág. 488.<br>
Esta linha de pensamento tem o apoio de Sinde Monteiro, "Responsabilidade por Conselhos, Recomendações e Informações", págs. 263-267, o qual, ao referir-se expressamente às normas legais de protecção de perigo abstracto, diz que a conduta infractora que as infringe, traduzindo a inexistência do necessário cuidado exterior, só não responsabilizará o agente se este demonstrar ter tido o necessário cuidado interior - tendo este o ónus da "(...) prova das circunstâncias morais e intelectuais de que preponderantemente se compõe o cuidado interior que excepcionalmente possam afastar a culpabilidade (...)".<br>
Passemos, então, à consideração do problema central que consiste em saber se, entre as contravenções e o acidente, existe o nexo causal já referido.<br>
Como se escreve no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22/01/1997 - Revista nº 161/96, a violação de uma norma de perigo abstracto tende a proteger determinados interesses - aqueles para cuja protecção a norma foi criada.<br>
Esta circunstância tem tido, na doutrina e prática jurídicas, reflexos que foram ao ponto de se defender que, em tais casos, seria de dispensar a demonstração de um nexo de causalidade adequada relativamente aos "primeiros danos". Nesse caso, tratando-se de responsabilidade a título de culpa, dispensar-se-ia a formulação de um juízo de adequação; este juízo, em tal caso, seria uma pura repetição daquilo que o legislador já fizera ao emitir a norma de protecção, visto que esta, destinada à protecção de certos interesses, foi concebida de modo a proibir as condutas que, por experiência da vida, se sabe já que são idóneas para violar aqueles interesses.<br>
Defendendo que esta ideia não é de defender em termos absolutos, Sinde Monteiro, op. cit.,pág, 280, reserva ao critério da adequação um papel de segundo plano na área das disposições de protecção, dizendo que "no mínimo, o critério da adequação servirá de auxiliar indispensável para a interpretação do fim da norma (...), não devendo na dúvida aceitar-se que por ele sejam abrangidas consequências atípicas ou extradordinárias (...)".<br>
Assim, a investigação de um nexo de causalidade adequada entre a conduta e o dano servirá, nestes casos, para excluir do âmbito definido para a responsabilidade decorrente de certo facto as consequências que não são típicas ou normais.<br>
Ensaiemos a aplicação destes princípios às duas concretas contravenções imputadas ao recorrente. <br>
Para isso, importa analisar, do ponto de vista teleológico, as normas que estabelecem as referidas contravenções, a fim de desvendar a respectiva intencionalidade.<br>
Quanto à primeira contravenção, convém começar por recordar, na parte que interessa à economia dos autos, a previsão da norma violada. Estabelece o nº 4 do artigo 5º do CE, na redacção dada pelo referido Decreto-Lei nº 270/92, que os veículos transitarão sempre o mais próximo possível das bermas ou passeios, mas a uma distância destes que permita evitar qualquer acidente.<br>
Parece claro que o tipo de acidente que, em termos de causalidade adequada, se pretende evitar foi, justamente, o que pudesse resultar de um embate com outra viatura que seguisse em sentido contrário e que, por qualquer motivo, passasse para a outra metade da faixa de rodagem. Com efeito, nesse caso, o acidente poderia ser evitado se o primeiro veículo circulasse o mais próximo possível da berma ou passeio. <br>
Tendo o embate , no acidente que deu causa aos presentes autos, ocorrido a menos de cinquenta centímetros do eixo da via, é manifesta a existência do nexo causal entre a condução, em infracção ao disposto na norma em apreço, por parte do recorrente, e o acidente. Isto sem pôr obviamente em causa o nexo causal já afirmado relativamente ao condutor do veículo pesado.<br>
Trata-se de uma causalidade estabelecida pela própria lei e que necessariamente intercede desde que o acidente - que a previsão da norma pretendia evitar - ocorra em circunstâncias subsumíveis à situação normativamente prevista - circulação em infracção ao disposto no referido nº 4.<br>
Estamos, para utilizar a terminologia adoptada na breve explanação teórica acima ensaiada, no âmbito das consequências típicas ou normais, ou seja, no quadro daquelas consequências que respeitam aos fins que a norma de protecção acautela.<br>
Consideremos agora a segunda contravenção. <br>
Prescreve-se, na norma, que os veículos em marcha devem guardar entre si a distância necessária para que possam fazer qualquer paragem rápida sem perigo de acidente.<br>
Qual o "acidente" que, em termos de causalidade adequada, é de possível, se não provável, ocorrência, no caso de violação da disciplina prescrita? Manifestamente o embate com o veículo que segue à frente e em relação ao qual não se guardou a necessária e prudente distância.<br>
Ou seja, não ocorreu, no presente caso, um nexo causal entre a contravenção ao nº 8 do artigo 5º do CE - anterior nº 5 - e o acidente.<br>
Socorrendo-nos das considerações de índole dogmática a que procedemos supra, com subsídios recolhidos no Acórdão do STJ de 22 de Janeiro de 1997, já citado, dir-se-á inexistir, neste caso, um nexo de causalidade naturalística. As consequências ocorridas não são, a essa óptica, típicas ou normais. A falta em concreto do nexo de causalidade naturalística excluirá, nessa medida, a responsabilidade.<br>
3. O que se expôs tem consequências na graduação das culpas e na determinação do montante da indemnização.<br>
Enunciam-se, em forma de síntese, e por razões de método, os três seguintes pontos: <br>
- O primeiro para reconhecer que existe nexo causal entre uma parte da conduta contravencional do recorrente e o embate com o veículo segurado na ré.<br>
- O segundo para observar que a parte restante da referida conduta contravencional não apresenta nexo causal com o aludido embate;<br>
- O terceiro para reiterar as considerações já produzidas no próprio acórdão recorrido, a propósito do grau muito elevado de culpa do condutor do veículo pesado.<br>
Para o corroborar, bastará ter presentes os seguintes factos:<br>
- As características de peso e potência de um veículo pesado de mercadorias o são completamente distintas das de um velocípede com motor, sendo, em tese geral, totalmente diferentes as consequências de um hipotético embate em ambas as viaturas e nas pessoas que nelas, também hipoteticamente, circulem.<br>
- É particularmente censurável a condução de um pesado de mercadorais que, a velocidade não inferior a 60 km/hora, ao descrever uma curva para a esquerda, invade a metade contrária da faixa de rodagem, indo, por isso, embater com um velocípede que segue "na sua mão", nessa metade esquerda da via, embora bastante perto do respectivo eixo.<br>
- Se não é recomendável, representando, pelo contrário, e como se viu, conduta contravencional, conduzir perto do eixo da via, muito mais grave é invadir a outra metade da faixa de rodagem, como fez o condutor do pesado.<br>
Pelas razões indicadas e restando apenas, com relevância, no que à conculpabilidade do lesado se refere, a prática de uma contravenção (e não duas), entende-se dever alterar, para efeitos de indemnização, a graduação das culpas, que se fixam nas seguintes percentagens: 80% para a Companhia de Seguros recorrida e 20% para o recorrente.<br>
Da alteração da graduação das culpas resultam em termos indemnizatórios as seguintes consequências:<br>
Ao montante dos danos sofridos pelo autor, ora recorrente, que foi fixado, na 1ª instância, em 21042159 escudos, há que adicionar a quantia de 2000000 escudos, resultante da indemnização alterada pela Relação no que se refere aos danos não patrimoniais (4000000 escudos - 2000000 escudos). Desse total de 23042159 escudos, o recorrente tem direito a 80%, ou seja, a 18433727 escudos, a que há a deduzir as quantias de 250000 escudos, que já recebeu da recorrida e 30498 escudos, que recebeu do C.R.S.S., tendo, por conseguinte, a receber 18153229 escudos, a que acrescem juros de mora desde a citação.<br>
Termos em que se dá parcial procedência à revista.<br>
Custas pelas partes na proporção do vencimento e tendo-se em atenção o benefício concedido ao autor.<br>
Lisboa, 10 de Março de 1998.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Pinto Monteiro. </font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
SzLwu4YBgYBz1XKvil06 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A, B e C, propuseram pelo Tribunal de Círculo de Torres Vedras contra D e E, uma acção com processo ordinário pela qual pediram a declaração da ilegalidade da escritura de justificação celebrada pelos réus e pela qual foi declarado serem estes donos de um prédio rústico por o terem comprado verbalmente e estarem na sua posse há mais de vinte anos, assim violando os direitos dos legítimos herdeiros de F, a qual, com seu marido, o comprara verbalmente e possuíra durante mais de vinte anos.<br>
Após contestação, réplica, saneamento, condensação e audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou procedente a acção e declarou sem efeito a escritura impugnada, ordenando o cancelamento do registo feito a favor dos réus na Conservatória de Registo Predial de Torres Vedras sobre o prédio em causa.<br>
Apelaram os réus, com êxito, já que a Relação de Lisboa proferiu acórdão que revogou a sentença e absolveu os réus do pedido.<br>
Daqui trouxeram os autores o presente recurso de revista no qual, pedindo que se reponha a decisão da 1ª instância, formulam conclusões em que defendem o seguinte:<br>
I- Os recorridos não beneficiam de inversão do ónus de prova porque a escritura é falsa, assentando em depoimentos errados, falsos e dolosos;<br>
II- A escritura não lhes dá a presunção a que se refere o art. 7º do CRPredial;<br>
III- A resposta negativa aos quesitos 1º a 5º e 8º a 15º fundou-se nos depoimentos das testemunhas de ambas as partes, assim se ilidindo a presunção registral;<br>
IV- A desconformidade entre o teor da escritura e a realidade dos factos deve levar à declaração oficiosa da falsidade da escritura.<br>
<br>
Houve resposta em que os recorridos defenderam a improcedência deste recurso.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Não há controvérsia das partes a respeito dos factos que foram dados como assentes e não se levanta a propósito dos mesmos qualquer questão que deva ser tratada oficiosamente, pelo que se remete para a descrição que dos mesmos consta do acórdão recorrido, nos termos dos arts. 713º, nº 6 e 726º do CPC - o que, uma vez que nele se usou já a mesma faculdade, significa que a remissão agora feita se reporta, afinal, à sentença da 1ª instância.<br>
Tais factos resumem-se, no que aqui nos interessa, ao teor da escritura de justificação celebrada em 1/8/95, tal como fora já retido no rol dos factos assentes elaborado por ocasião da condensação.<br>
Da base instrutória apenas proveio, na sequência das respostas dadas aos quesitos 6º e 7º, a afirmação de que os recorridos exerciam a actividade de carvoeiros.<br>
As questões a decidir serão compreendidas de modo mais perfeito se se fizer uma descrição dos termos em que a lide se desenvolveu até este momento.<br>
Os autores alegaram na petição inicial, nomeadamente, que: a) em 1976 o prédio rústico em causa fora adquirido verbalmente por F e seu marido G, tendo este pago a respectiva sisa e feito inscrever o mesmo nas Finanças em seu nome; b) após essa aquisição o casal comprador tomou posse do prédio, permitindo que seus netos ali implantassem e explorassem fornos de carvão vegetal; c) os réus, querendo fazer seu esse prédio, promoveram a celebração da escritura de justificação aqui impugnada, nela fazendo exarar declarações falsas no sentido de terem sido eles, e não aqueles, quem o comprara verbalmente e posteriormente o possuíra, após o que haviam feito registar a aquisição a seu favor no registo predial.<br>
Na contestação os réus contrapuseram, além do mais, a sua versão quanto à compra e posse do prédio e arguiram a nulidade por falta de forma da compra e venda alegada na petição, daí extraindo o pedido da sua absolvição quanto ao mérito.<br>
No saneador, em sede de conhecimento desta excepção peremptória, aí julgada improcedente, foi dito que a impugnação feita quanto às declarações constantes da escritura tornava incerto o direito nela afirmado e por isso insuficiente para fundar a presunção do art. 7º do CRPredial e que a acção cabia na categoria das acções de simples apreciação negativa, com a consequência de os réus ficarem onerados com o encargo da prova dos factos constitutivos do seu direito.<br>
Por isso, e passando à condensação, a base instrutória foi elaborada com inclusão dos factos, controvertidos, que os réus haviam alegado na contestação.<br>
Em julgamento quase todos esses factos - designadamente os que constituíram os pontos 1º a 5º e 8º a 15º da base instrutória - foram julgados não provados.<br>
Daí, coerentemente, resultou a sentença que deu procedência à acção visto que os réus não haviam provado os factos constitutivos do seu direito.<br>
Mas a Relação veio dizer depois que o entendimento da 1ª instância quanto ao ónus de prova apenas tinha razão de ser nos casos em que os justificantes não tivessem conseguido efectuar o registo em seu favor; caso contrário, como foi o caso, beneficiam da presunção a que se refere o mencionado art. 7º, o que fará recair sobre quem impugna a escritura o ónus de provar o seu direito; e, na falta dessa prova, decidiu no sentido da improcedência da acção.<br>
"Quid iuris"?<br>
Uma vez que estão sujeitos a registo os actos que determinam a constituição ou a aquisição do direito de propriedade sobre imóveis e que, em princípio, a respectiva inscrição só pode ser feita com base em documento que os comprove legalmente, a lei permite, como válvula de escape, que a falta deste seja suprida, entre outros meios, através de uma escritura de justificação notarial - cfr. arts. 2º, nº 1, al. a), 43º, nº 1 e 116º, nº 1 do CRPredial e arts. 89º, nº 1 e 96º, nº 1 do C. Notariado aprovado pelo DL nº 207/95, de 14/8 (antigos arts. 100º, nº 1 e 105º, nº 1 do Código anterior).<br>
Para que esta escritura dê lugar à feitura do correspondente registo é necessário que seja publicada num jornal e que se emita certidão da mesma, não antes de decorrerem trinta dias sobre aquela publicação e, cumulativamente, desde que se não receba comunicação da pendência de impugnação judicial do facto justificado - cfr. arts. 100º e 101, nº 2 do mesmo CRPredial (antigos arts. 109º e 109º-A, nº 2 do anterior). <br>
A jurisprudência vem entendendo pacificamente que a acção em que se faz esta impugnação é uma acção de simples apreciação negativa, visto que por ela se pretende destruir o facto gerador da aquisição contra a qual se reage - cfr. o acórdão deste STJ proferido em 26/4/94, Col. Jur. - STJ, 1994-II-68, bem como os da Relação de Lisboa de 15/5/97, Col. Jur. 1997-III-85, da Relação do Porto de 2/4/87, Col. Jur. 1987-II-227, e de 17/6/93, Col. Jur. 1993-III-231, e da Relação de Coimbra de 25/11/97, Col. Jur. 1997-V-23.<br>
Daí decorre, em princípio, a aplicação do disposto no art. 343º, nº 1 do CC, que prescreve um regime especial de ónus de prova, fazendo-se recair sobre o réu o ónus de provar os factos constitutivos do direito afirmado na escritura impugnada.<br>
Resta saber se assim é sempre, tendo aqui interesse uma curta incursão pelo regime legal que se acha delineado a propósito da justificação notarial.<br>
Como se disse acima, esta modalidade de escritura é um instrumento usado para suprir a falta de documento bastante para a prova do direito de um interessado na efectivação da primeira inscrição.<br>
O direito que se pretende justificar logra nela afirmação através das declarações dos interessados, confirmadas por declarantes.<br>
É patente a insegurança deste meio, pelo que o legislador rodeou de cautelas razoáveis a consumação daquele suprimento, obrigando à sua publicitação e a um tempo de espera com vista a dar tempo a que eventuais opositores tomem a iniciativa da competente impugnação judicial.<br>
Não surgindo entretanto qualquer impugnação, poderá ser emitida certidão da escritura e com base nela poderá promover-se a inscrição registral devida.<br>
Surgindo alguma impugnação dentro daqueles trinta dias, a referida certidão não poderá ser emitida antes do averbamento da decisão definitiva da acção.<br>
No entanto, ainda uma outra hipótese pode ser posta, qual seja a de - na primeira das duas alternativas acabadas de gizar - vir a ser deduzida uma impugnação judicial extemporaneamente - isto é, após o decurso dos mesmos trinta dias - e já depois de feita a inscrição registral da escritura de justificação; foi este o caso dos presentes autos.<br>
Ora, enquanto que na hipótese de a impugnação judicial ser deduzida dentro daqueles trinta dias não oferece dificuldades a aplicação do citado art. 343º, nº 1, já assim não é no caso de impugnação deduzida extemporaneamente e após a efectivação do registo.<br>
Na verdade, neste último caso avulta o disposto no art. 7º do CRPredial, de acordo com o qual se presume que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.<br>
E esta presunção não se coaduna com a imposição, ao réu, do ónus de provar os factos constitutivos do seu direito, já que impor este ónus ao réu, que é um titular inscrito, equivale a negar aquela.<br>
A afirmação simultânea dessa presunção e desse ónus equivale à sua recíproca exclusão, por isso sendo inconciliáveis.<br>
O acima referido acórdão deste STJ, proferido em 26/4/94, salientou que, sendo embora a escritura um documento com força probatória plena, esta limita-se ao que foi percepcionado pelo notário - ou seja, à emissão das declarações que dela constam como feitas pelos interessados e pelos declarantes -, não abrangendo a veracidade das declarações por ele atestadas como efectivamente produzidas; e, uma vez impugnada a escritura, tornar-se-ia incerto o direito nela afirmado com base naquelas declarações, ficando sem fundamento a aludida presunção.<br>
Não parece, porém, que esta argumentação haja visado resolver o aludido conflito, existente na hipótese em apreço, no sentido de privilegiar a imposição do ónus de prova ao réu e sacrificar a presunção de que ele, enquanto titular inscrito, beneficiaria.<br>
De facto, na hipótese versada nesse acórdão não houvera efectivação do registo, mas apenas da escritura de justificação, pelo que não estava em causa a aplicabilidade daquela presunção; e por isso o essencial era a constatação, feita nesse acórdão, de que as declarações feitas na escritura apenas relevavam para efeitos de descrição registral enquanto não fossem impugnadas; sendo-o, já não relevariam para esse efeito e, portanto, não viriam a dar lugar a que se invocasse a referida presunção.<br>
Por isso, em tal caso a imposição do ónus de prova ao réu não contende com aquela presunção, então inexistente.<br>
Diferentes são, todavia, as coisas na "fattispecie" que nos ocupa.<br>
Os réus, aqui recorridos, são titulares inscritos, em condições de beneficiarem da referida presunção.<br>
A distinção que há a fazer - e acima apontada - quanto ao âmbito da força probatória plena de uma escritura pública pode ser levada em conta numa acção em que apenas ela esteja em causa.<br>
Não é isso que aqui se passa, pois que à escritura se seguiu a inscrição registral, com a inerente presunção.<br>
Isto é, as reservas que se levantassem agora quanto ao conteúdo da escritura mas sem que se mostrasse ilidida essa presunção traduziriam a negação desta, sem que isso se mostre autorizado nem pela letra nem pelo espírito do citado art. 7º - destinado, como é, a fazer valer a fé pública do registo.<br>
Estar-se-ia, ao fazê-lo, a pôr em causa o acto inscrito no registo sem se observar o que a lei exige para tanto.<br>
Daí que, tal como entenderam o acórdão recorrido e também os atrás citados acórdãos de 2/4/87 e de 15/5 e 25/11/97, aquele regime especial decorrente do art. 343º, nº 1 do CC ceda perante a força da presunção a que se refere o art. 7º do CRPredial, fazendo operar, por respeito a esta, uma inversão do ónus da prova.<br>
Onerados com este encargo estão, pois, os autores nesta acção, ora recorrentes.<br>
<br>
Daí que as duas primeiras teses dos recorrentes, atrás mencionadas em súmula, não tenham sucesso.<br>
Também a terceira tese dos recorrentes não pode ser aqui acompanhada.<br>
É certo que os pontos 1º a 5º e 8º a 15º da base instrutória, que encerravam a tese dos recorridos, tiveram resposta de "não provado".<br>
Tal não ilide, porém, a presunção advinda do registo.<br>
O afastamento de uma presunção legal só pode ter lugar através da prova de factos que a contrariem - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pgs. 312-313.<br>
Como é sabido, uma vez tido como não provado determinado facto, não se segue que possa ter-se como assente o seu contrário, tudo se passando como se nada a esse respeito houvesse sido averiguado.<br>
Em confronto com a afirmação de um facto - "provado que aconteceu X" -, pode conceber-se a sua negação cabal - "X não aconteceu" - e ainda um estádio intermédio em que a realidade não foi reconstituída pela positiva, apenas se ficando numa situação de desconhecimento da realidade - "não provado que X aconteceu" -, o que, se não é incompatível com a segunda destas hipóteses, se mostra inidóneo para a afirmar.<br>
Daí que as mencionadas respostas de "não provado" sejam obviamente insuficientes para dar como ilidida a presunção, não podendo pensar-se - ao contrário do que os recorrentes pensam - em recorrer à fundamentação das respostas à base instrutória nem ao suposto teor de depoimentos que não foram gravados em audiência para dar outro sentido ao conteúdo dessas respostas.<div></div>Não obstante a afirmada comunhão com as ideias nele defendidas, a solução ditada pelo acórdão recorrido não é de manter.<br>
Afirmou-se nele, na parte final da fundamentação, o seguinte:<br>
"Como nem os autores nem os réus - para além do registo - provaram os factos alegados para fundamentarem a usucapião do prédio, tem o pedido dos autores de improceder".<br>
Mas relembremos o que acima dissemos ao descrever o desenvolvimento da lide.<br>
Os autores, aqui recorrentes, alegaram na petição inicial factos tendentes à demonstração de que o direito de propriedade sobre o prédio teria sido adquirido pelo casal formado pela F e seu marido.<br>
Dispuseram-se, pois, a fazer a prova da inexistência do direito afirmado na escritura impugnada.<br>
No entanto, e dado o entendimento que no saneador se exprimiu sobre o regime de ónus de prova aplicável, à base instrutória apenas foram levados os factos alegados pelos réus na contestação, e não também aqueles que os autores haviam alegado e eram controvertidos.<br>
Uma vez que, como se disse, aquele regime sobre ónus de prova não era o correcto, ressalta à vista que a falta de prova dos factos que podem viabilizar a pretensão dos autores se não deve a qualquer insucesso probatório, mas, apenas, à circunstância de não terem sido averiguados.<br>
É caso de aplicação do disposto no art. 729º, nº 3 do CPC, devendo ser ordenada aqui a ampliação da matéria de facto por forma a ser colmatada essa lacuna.<br>
Em face do exposto, manda-se que os autos baixem à Relação de Lisboa para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Excelentíssimos Desembargadores, se providencie pela ampliação da matéria de facto nos termos indicados e por posterior repetição do julgamento da causa, com observância, na medida em que haja que fazer apelo ao regime de ónus de prova, daquele que se deixou definido.<br>
As custas deste recurso serão suportadas consoante a responsabilidade que a final se determinar.<br>
<br>
Lisboa, 19 de Março de 2002.<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
ezLwu4YBgYBz1XKvvV1c | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
I<br>
1. A 2.4.97, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Cerveira, A, propôs acção declarativa com processo ordinário contra B e mulher C, pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de 7925063 escudos, acrescida de juros à taxa legal de 15%.<br>
Para tanto, e em síntese, alegou dedicar-se à venda de material desportivo e afins, no exercício de cuja actividade vendeu aos réus os artigos constantes de facturas que perfazem o valor peticionado, sem que eles tenham pago qualquer quantia, não obstante ter sido acordado que o pagamento deveria ser efectuado no prazo de 30 dias a contar da data da emissão da respectiva factura.<br>
Os réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção, alegando que as mercadorias lhes foram entregues à consignação, mercadorias que devolveram por as não terem vendido, pelo que nada devem.<br>
No despacho saneador, a 3.11.98, fixou-se a matéria de facto assente e elaborou-se a base instrutória, do que não houve reclamação, tendo, então, sido requerida, pelo mandatário dos réus, a gravação da audiência ao abrigo do disposto no artigo 522º-B do CPC (cfr. fls. 62).<br>
Após julgamento, e respostas aos quesitos (fls. 107), foi proferida, a 17.10.2000, sentença que julgou a acção procedente, condenando os réus a pagar ao autor a quantia de 6588063 escudos, acrescida de juros (fls. 121).<br>
Inconformados, apelaram para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 31.05.2001, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença (fls. 186).<br>
<br>
2. Recorreram, então, de revista para este Supremo Tribunal, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões:<br>
"a) Está em causa a qualificação jurídica do contrato acordado entre as partes, sendo que, por força do que se mostra assente nas alíneas C), D) e E) da Especificação, e contrariamente ao que entenderam as instâncias, autor e réu acordaram que este venderia artigos do comércio daquele e que os artigos que vendesse pagá-los-ia por depósito numa conta do autor, em Lisboa, ou remetendo cheque para o domicílio do mesmo;<br>
b) Donde, o contrato acordado entre autor e réu traduz-se naquilo que vulgarmente se denomina por compra e venda à consignação, segundo o qual o comprador, do que o vendedor lhe entregar para ele vender, pagará o preço dos artigos que efectivamente vender e devolverá aqueles que não vender;<br>
c) Condenando os réus a pagar os artigos que não venderam e que, por isso, devolveram, o douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 874º do Código Civil;<br>
d) E, tendo autor e réu acordado num contrato de compra e venda à consignação o autor só poderia exigir o pagamento dos artigos que provasse ter o réu vendido e, por isso, o Tribunal da Relação, obrigando os réus a pagar artigos que o autor não provou que eles tivessem vendido, violou as regras sobre a repartição do ónus da prova e, consequentemente, o disposto no artigo 342º do Código Civil;<br>
e) A qualificação jurídica do contrato acordado entre as partes envolve apreciação de matéria de direito e é, por isso, da competência do STJ;<br>
f) Porque as respostas dadas aos quesitos 1º e 2º contradizem o que se mostrava já assente nas identificadas alíneas da Especificação, devem as mesmas (respostas) ter-se por não escritas e o STJ tem, salvo o devido respeito por melhor opinião, competência para assim as considerar pois que, cumprindo-lhe aplicar o direito tem que estar-lhe assegurada a faculdade de eliminar as contradições e divergência factuais desde que indispensáveis, como é o caso, a uma correcta aplicação da lei;<br>
g) O douto acórdão sob recurso enferma da nulidade prevista no nº 1, alínea d), do artigo 668º do CPC, traduzida na circunstância de se ter recusado a reapreciar a prova, pois que dispunha de todos os elementos que serviram de base à formação da convicção do julgador de 1ª instância, não sendo legítimas, face à letra e ao espírito da lei processual - artigos 522º-B e 712º, nº 1, alínea a), ambos do CPC - as razões invocadas para obstaculizarem à reapreciação, acrescendo que a nulidade traduzida em não ter anulado o julgamento para que, em sua repetição, fosse de novo ouvida a testemunha D, cujo depoimento não é audível na gravação durante cerca de sete minutos;<br>
h) É que a norma do artigo 522º-B, permitindo que a parte requeira a gravação da audiência, pressupõe o seu direito à efectiva gravação de todos os depoimentos e a poder ver reapreciada a prova em 2ª instância, sendo que o poder conferido ao Tribunal da Relação pelo artigo 712º, nºs 1, a), e 4, é vinculado e não discricionário;<br>
i) Não reapreciando a prova e não anulando o julgamento, o Tribunal da Relação, além de praticar as arguidas nulidades violou, por não ter usado os poderes aí conferidos, o disposto no falado artigo 712º do CPC, nº 1, alínea a) e nº 4, e o não uso indevido de tais poderes é, sempre salvo o muito e devido respeito, sindicável pelo STJ;<br>
j) Ora, em consequência do que se concluiu em a), b), c), d) e) e f) deve o recurso ser julgado procedente e, por isso, decretar-se a absolvição dos réus;<br>
l) Mas, se assim se não entender, deve ordenar-se a baixa dos autos ao tribunal de recurso para que, anulando o julgamento, determine a repetição da audição da testemunha D ou, ao menos, reaprecie toda a prova gravada para, depois, decidir conforme for de direito".<br>
<br>
O recorrido pugnou pela confirmação do julgado (fls. 211-213).<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II<br>
Da matéria de facto considerada provada - para a qual se remete, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 713º, nº 6, e 726º, ambos do CPC - destacaremos, oportunamente, a propósito de cada uma das questões então em análise, os pontos julgados mais pertinentes e relevantes.<br>
No caso vertente, sabido que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões suscitadas são: <br>
- nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de o acórdão não ter apreciado a questão da impugnação da decisão de facto;<br>
- contradição entre a matéria assente nas alíneas C), D), e E) da Especificação e as respostas aos quesitos 1º e 2º;<br>
- anulação do julgamento para que, em sua repetição, seja de novo ouvida uma testemunha cujo depoimento é inaudível na gravação durante um certo período de tempo;<br>
- qualificação jurídica do contrato.<br>
Apreciemo-las pela ordem acabada de enunciar.<br>
<br>
1ª Questão<br>
Os recorrentes fazem derivar esta causa da nulidade que apontam ao acórdão da não apreciação da questão da impugnação da decisão de facto, como lhe cumpria face ao disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), segunda parte, do CPC.<br>
Não têm razão.<br>
Com efeito, embora aceitando que o concreto ponto da inaudibilidade ou imperceptibilidade do depoimento da testemunha D não foi especificamente apreciado pelo acórdão, impõe-se reconhecer que ele abordou, de algum modo, a questão da pretendida alteração da decisão de facto face à gravação dos vários depoimentos prestados em audiência, nomeadamente do prestado por aquela testemunha "em relação ao qual a gravação não regista o seu depoimento na totalidade" (fls. 186).<br>
Essa era a essência da questão posta ao tribunal.<br>
E sobre ela houve, pois, pronúncia - e pronúncia expressa.<br>
2ª Questão<br>
1. Para dela ajuizar impõe-se que se conheça o conteúdo das invocadas alíneas da Especificação, bem assim das respostas aos quesitos.<br>
A saber:<br>
- em Agosto de 1995 propôs o autor aos réus que estes vendessem, em Lisboa, artigos do seu comércio (C);<br>
- os réus aceitaram e logo o autor lhes entregou alguns artigos que eles trouxeram consigo acabado que foi o período de férias (D);<br>
- os pagamentos dos artigos que vendessem, segundo ficou combinado, fá-los-iam os réus por depósito, em Lisboa, na conta bancária do autor, e remetendo para o domicílio deste cheques preenchidos com as quantias em dívida (E);<br>
- no exercício da sua actividade o autor vendeu aos réus, a seu pedido, artigos de desporto constantes de facturas que juntou, nas datas e pelos preços que delas constam, no valor global de 7925063 escudos (1º);<br>
- o autor e os réus acordaram que o pagamento de tais quantias deveria ser efectuado no prazo de 30 dias, a contar da data da emissão da respectiva factura (2º).<br>
2. Estamos perante questão já suscitada perante o Tribunal da Relação, que entendeu não se verificar qualquer incompatibilidade.<br>
Pensa-se que bem.<br>
Haveria contradição se os factos considerados assentes na Especificação e os emergentes das respostas aos quesitos tivessem um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando eles não pudessem subsistir utilmente, implicando necessidade de derrogar, no todo ou em parte, algum desses factos.<br>
O que não é o caso.<br>
Como quer que seja, sempre haveria de entender-se que se trata de matéria reservada à competência da Relação, que este Supremo não pode censurar.<br>
3ª Questão<br>
1. O DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, veio consagrar, na área do processo civil, uma solução legislativa traduzida na admissibilidade do registo das provas produzidas ao longo da audiência de discussão e julgamento.<br>
E tal, com um objectivo triplo, de que ora ressaltaremos a criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto - garantia <font>(A consagração desta nova garantia das partes implicou a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, como adiante melhor se verá.)</font> que, todavia, nunca poderá envolver a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (do respectivo preâmbulo).<br>
Há, na verdade, uma profunda diferença entre a posição do juiz que, dirigindo a audiência, assiste à prestação dos depoimentos, ouvindo o que as testemunha dizem e vendo como se comportam enquanto ouvem as perguntas que lhes são feitas e a elas respondem, e a outra, bem diversa, daquele que apenas tem perante si a transcrição, nas alegações, do teor dos depoimentos e a possibilidade de ouvir as respectivas gravações sonoras (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil", LEX, 1997, pp. 399-400, António Abrantes Geraldes, "Temas da Reforma do Processo Civil", vol. II, 2ª ed., pp. 270-271, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.04.2001, Proc. nº 435/01).<br>
Mas então, sendo o juiz de 1ª instância quem se encontra em melhor posição para avaliar, de forma objectiva e global, o valor a atribuir a um depoimento nas formação da sua convicção, qual o "papel" reservado ao Tribunal da Relação?<br>
Desde logo, sublinhe-se a reapreciação das provas (nº 2 do artigo 712º do CPC), bem assim a renovação dos meios de prova produzidos (nº 3 do mesmo artigo).<br>
Como se salientou no referido acórdão de 19.04.2001, a lei consagrou aqui um regime de substituição e não de cessação - à Relação cabe, não a anulação da decisão para que o tribunal de 1ª instância a reformule, mas, diferentemente, a imediata alteração do que foi inicialmente decidido, substituindo-se, em tal caso, ao tribunal a quo.<br>
Por isso, prossegue o acórdão que estamos a acompanhar, a alteração que a Relação introduza terá subjacente a nova e diferente convicção entretanto formada e, ao confirmar a decisão da 1ª instância, estará, numa formulação verbal mais correcta, a aderir à convicção àquela subjacente e não, simplesmente, a ter como razoável o que aí se consagrou - "num caso e noutro a nova convicção deverá radicar-se no teor dos depoimentos invocados e transcritos, no número e qualidade das testemunhas em cada sentido opinantes, nos outros elementos probatórios ao seu alcance e, inclusivamente, no próprio teor da fundamentação da decisão impugnada".<br>
<br>
2. Fechado este excurso teórico, importa conhecer, ainda que sucintamente, o quadro legal atinente à matéria.<br>
A gravação da audiência pode ser requerida na audiência preliminar (artigo 508º-A, nº 2, alínea c), do CPC).<br>
"As audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados são gravados sempre que alguma das partes o requeira, por não prescindir da prova nelas produzida, ou quando o tribunal oficiosamente determinar a gravação", sendo a gravação "efectuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de meios audiovisuais ou outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor" (artigos 522º-B e 522º-C, do CPC <font>(Redacção à data vigente.</font><br>
<font>O DL nº 183/2000, de 10 de Agosto, deu nova redacção a esses artigos, e também ao artigo 690º-A.)</font>).<br>
Os artigos 3º a 9º do citado DL nº 39/95 regem acerca da gravação: efectuada por funcionários de justiça, de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram, incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar cópia a cada um dos mandatários ou partes que o requeiram.<br>
"Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade" (artigo 9º).<br>
De primordial significado, atenta a economia do presente recurso, sublinhe-se que o DL 39/95 acrescentou uma segunda parte à alínea a) do n. 1 do artigo 712 do CPC, a qual veio permitir à Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto:<br>
"se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A, a decisão com base neles proferida".<br>
Artigo 690-A que veio impor um particular ónus de alegação a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, o qual se traduz na necessidade de especificar:<br>
- quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;<br>
- quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, caso em que, tendo sido gravados os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas, incumbe ainda ao recorrente proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda (nºs 1 e 2).<br>
Ónus que, tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, deve ser satisfeito, se bem se pensa, nas alegações de recurso para a Relação (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 527-528, Armindo Ribeiro Mendes, "Os Recursos no Código de Processo Civil Revisto", LEX, 1998, pp. 59-60, António Abrantes Geraldes, ob. e loc. cits, pp. 268-269).<br>
Assim se compreende que o nº 6 do artigo 698º estabeleça que os prazos para as alegações e resposta referidos nos números anteriores "são acrescidos de 10 dias" se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada - acréscimo que se justifica pelo ónus de transcrição das passagens da gravação em que as partes fundamentam a impugnação, imposto pelos nºs 2 e 3 do citado artigo 690º-A (Miguel Teixeira de Sousa, ob. e loc. cits.).<br>
3. No caso em apreço, requerida e deferida a gravação de depoimentos, veio o recorrente impugnar a decisão de facto ao abrigo do disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), segunda parte.<br>
Dispõe o nº 2 deste artigo 712º:<br>
"No caso a que se refere segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e de recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados".<br>
Em anotação a este artigo, Lopes do Rego escreve:<br>
"A forma e a amplitude da apreciação do recurso sobre a matéria de facto, quando as provas houverem sido gravadas, dependerá, em boa medida, da seriedade da impugnação e da plausibilidade do erro no julgamento, liminarmente valorada face ao conteúdo das alegações. (...)<br>
Se o conteúdo das alegações e contra-alegações criar dúvida razoável quanto ao acerto da decisão sobre os pontos impugnados, o recurso será naturalmente julgado em conferência, fundando-se a decisão prioritariamente nas razões (e transcrições) aduzidas pelas partes, sem prejuízo de a Relação poder oficiosamente considerar quaisquer outros elementos probatórios, ainda que omitidos pelas partes, mas que hajam servido de fundamento ao decidido sobre a matéria impugnada.<br>
Finalmente, em casos de excepcional e particular complexidade, goza ainda a Relação da possibilidade de, mesmo oficiosamente, determinar a renovação, perante si, de certo ou certos meios probatórios, quando repute tal diligência absolutamente indispensável ao apuramento da verdade" <font>("Comentário ao CPC", 1999, p. 485.)</font>.<br>
4. Está em causa o depoimento da testemunha do réu, D, cujo "depoimento ficou gravado com início do lado A da cassete nº 1 no nº 542 terminando no lado B da mesma cassete no nº 167" (cfr. fls. 103).<br>
Testemunha que respondeu aos quesitos 4, 7, 8, 11, 12, 16, 17 e 18, a todos sendo respondido "não provado", à excepção do 8º, provado parcialmente.<br>
E na motivação escreveu-se: "assentam os factos provados e não provados no depoimento das testemunhas ouvidas" (cfr. fls. 107).<br>
Ao abrigo do disposto no artigo 7 do DL nº 39/95 foi facultada aos ora recorrentes uma cópia da gravação (fls. 112 e 113).<br>
No seguimento do que os réus/recorrentes levantaram, nas alegações do recurso de apelação, a questão de o depoimento da testemunha D não ser "perceptível durante cerca de sete minutos, o que gera a impossibilidade de se saber o que ela disse e a relevância do que disse" (cfr. alegações a fls. 139), pelo que "haverá que anular o julgamento para que, na sua repetição, seja de novo ouvida a testemunha dos réus D, pois que o respectivo depoimento não é, durante cerca de sete minutos, audível, e, por isso, não se sabe que perguntas lhe foram feitas e que respostas deu em parte substancial do seu depoimento" (cfr. conclusão m), a fls. 146).<br>
E com as alegações juntaram, em escrito dactilografado separado, transcrição dos depoimentos das várias testemunhas, embora não do da referida D.<br>
5. Sobre a questão posta, o acórdão, após consignar que "a gravação não regista o seu <font>(Da testemunha D, entenda-se.)</font> depoimento na totalidade", ponderou:<br>
"Desde logo os réus não alegaram que o depoimento prestado por esta testemunha foi relevante para as respostas que se pretendem alterar. Os próprios réus fundamentam o seu pedido de alteração das respostas no depoimento da testemunha E e não nesta; e em parte alguma das suas alegações alegaram que o depoimento da testemunha D continha declarações que levariam à reapreciação da prova. Os recorrentes invocam, tão-só, o facto de não existir gravação de parte do seu depoimento. Ora neste contexto nada justifica a repetição da prova, quando a própria parte não alega razão de ser para essa repetição no contexto da prova produzida e relevante para as questões em apreciação" (cfr. fls. 187).<br>
Que dizer?<br>
Desde logo, que a questão, suscitada nas alegações de recurso, o foi na peça própria e atempadamente - como já antes se intentou demonstrar (na parte final do antecedente ponto 2).<br>
Concretizando: se a "incompletude" ou "vício" da gravação só pode ser detectado e apercebido após a sua audição, e não ocorrendo a audição durante a audiência, aquando da recolha do depoimento, não poderá razoavelmente defender-se que o vício tenha de ser arguido na própria audiência, nem que seja a partir dela que começa a correr um qualquer prazo para essa arguição.<br>
Seria mesmo uma impossibilidade prática; aliás, como se disse já, o prazo das alegações é, então, dilatado (nº 6 do artigo 698º).<br>
<br>
6. Portanto, em nosso entender os réus não só suscitaram a questão, impugnando a matéria de facto, em tempo oportuno, como também o fizeram de modo adequado, dando satisfação - quanto baste e lhes era exigível face ao circunstancialismo concreto - ao especial ónus de alegação que sobre eles faz impender o artigo 690º-A.<br>
O que significa, e com respeito se diz, que não podemos acompanhar, no seu todo, o passo do acórdão transcrito no ponto antecedente.<br>
Na verdade, se a gravação, tal como se consignou no acórdão, não regista o depoimento da testemunha na totalidade - os réus falam em sete minutos que são inaudíveis ou imperceptíveis -, pode dizer-se até, numa dada vertente, que estamos, apesar de legalmente requerida e deferida a gravação da prova, perante um depoimento não gravado e, consequentemente, perante uma formalidade que, em bom rigor, foi omitida e que, influindo no exame e decisão da causa, importa nulidade <font>(Acórdão do STJ de 01.03.2001, Proc. nº 3981/00, onde também se considera que a formalidade da gravação, sendo ela possível, visa possibilitar ao requerido o exercício do contraditório mas, sobretudo, permitir ao tribunal de recurso reavaliar a apreciação dos meios de prova feita pelo tribunal que procedeu à inquirição.</font><br>
<font>Cfr. acórdão do STJ de 22.02.2001, Proc. nº 3678/00.)</font>.<br>
Como quer que seja, no circunstancialismo descrito não é razoável argumentar-se que "os réus não alegaram que o depoimento prestado por esta testemunha foi relevante para as respostas que se pretendem alterar", que esse depoimento "continha declarações que levariam à reapreciação da prova", nem, enfim, que "nada justifica a repetição da prova, quando a própria parte não alega razão de ser para essa repetição no contexto da prova produzida e relevante para as questões em apreciação".<br>
Como assim?<br>
Se o depoimento não consta, por qualquer forma, dos autos, se inexiste, semelhante argumentação não pode colher.<br>
Como assinalam os recorrentes, sendo o depoimento inaudível ou imperceptível durante cerca de sete minutos é impossível saber o que a testemunha disse e a relevância do que disse, não se sabendo que perguntas lhe foram feitas e que respostas deu em parte substancial do seu depoimento.<br>
E assim sendo, como "quod non est in actis, non est in mundo", não era sequer possível ao acórdão recorrido uma efectiva reapreciação ou renovação da prova a que se referem os nºs 2 e 3 do artigo 712º do CPC.<br>
Contexto em que tem interesse recordar o teor do já citado artigo 9º do DL nº 39/95:<br>
"Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade".<br>
<br>
Face a todo o exposto concluímos, a nosso ver fundadamente, que a matéria de facto ainda não está devidamente fixada, pelo que se impõe a revogação do acórdão com o consequente regresso dos autos ao Tribunal da Relação para que seja de novo julgado o recurso <font>(Cfr. citado acórdão de 19.04.200.</font><br>
<font> E assim sendo, não há que apreciar a última questão enunciada.)</font>.<br>
<br>
Termos em que se revoga o acórdão recorrido e se determina que os autos voltem ao Tribunal da Relação do Porto para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Senhores Desembargadores, se julgue de novo o recurso, nos termos que se deixaram apontados.<br>
Custas pelo recorrido.<br>
<br>
Lisboa, 12 de Março de 2002<br>
Ferreira Ramos,<br>
Lemos Triunfante,<br>
Reis Figueira.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fDIhvIYBgYBz1XKvvqH7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I - Relatório.<br>
Pelo 1 juízo cível da comarca do Porto, corre execução movida pelo Banco Borges e Irmão SA, contra A, tendo sido penhorada uma fracção autónoma de prédio urbano propriedade deste.<br>
Citada a mulher do executado B, nos termos do artigo 825 n. 1 do Código de Processo Civil, para requerer a separação de bens, veio ela, por apenso, deduzir os presentes embargos de terceiro contra o exequente.<br>
Alega que é terceiro, casou em regime de comunhão geral de bens, tinha posse do andar porque o habita, a dívida do marido é de aval, um mero favor e ela não retirou disso qualquer proveito, o que tudo conduz à inadmissibildade da penhora com restituição do andar à sua posse.<br>
O embargado sustenta que a dívida é comercial, não está sujeita à moratória do n. 1 do artigo 1696 do Código Civil, face ao artigo 10 do Código Comercial pelo que os embargos devem improceder.<br>
No despacho saneador foi logo decidido que a moratória estava excluída porque a dívida subjacente ao aval era comercial e, como fora requerida a citação do cônjuge do executado, julgou improcedente os embargos.<br>
Sujeito a recurso por parte do embargante, esta decisão foi revogada no sentido de o processo prosseguir, a fim de se averiguar, perante a matéria de facto alegada e a provar, da natureza comercial, ou não, da relação subjacente.<br>
O acórdão teve um voto de vencido quanto ao prosseguimento do processo, no sentido de a comercialidade substancial da dívida ter de ser provada em acção declarativa, proposta préviamente também quanto à mulher.<br>
Baixado o processo à 1 instância e realizado o julgamento, foi proferida sentença a dar como improcedentes os embargos por se estar perante dívida substancialmente comercial e estar excluída a moratória, podendo penhorar-se bens comuns, uma vez que fora requerida a citação do cônjuge.<br>
Interposto recurso desta decisão, pela embargante, foi negada a apelação e confirmada a sentença.<br>
Volta ela a recorrer para este Tribunal terminando as suas alegações com estes pontos conclusivos:<br>
1 - A dívida resultante deste aval, carece de definição prévia de que o fim visado com a contracção do aval - e não do aceite - fosse o proveito comum do casal.<br>
2 - Esta definição há-de ser produzida através de uma acção declarativa de forma a que o Banco embargado convença a recorrente da comercialidade substancial da dívida, artigo 4 do Código de Processo Civil.<br>
3 - Se o não fizer, terá de se sujeitar à moratória do artigo 1696 n. 1 do Código Civil.<br>
4 - "O processo de embargos de terceiro destina-se a verificar se existe ou não ofensa da posse da embargante com a penhora. Porque o que é posto em crise é o título executivo, e o objecto dos embargos de terceiro circunscreve-se à discussão do âmbito da sua exigibilidade.<br>
5 - Decidindo o contrário, ofende-se a previsão do artigo 50 n. 2 e a regra do artigo 45 n. 1 do Código de Processo Civil.<br>
6 - "Porque o título executivo se forma antes da acção executiva, não é a decisão dos embargos de terceiro que pode fundar uma penhora ordenada e realizada com antecedência, à maneira de providência cautelar".<br>
7 - Não há lugar a caso julgado formal pois, consoante se vê da primeira decisão do Tribunal da Relação, o acórdão vencedor não se pronunciou sobra a prévia necessidade de acção declarativa.<br>
8 - Apenas se pronunciou sobre a necessidade de o processo prosseguir para a prova da natureza substancialmente comercial da relação subjacente.<br>
9 - A decisão do prosseguimento do processo não tomou posição, porque também para tal não foi solicitada pelas partes, sobre a necessidade ou não de haver uma prévia acção declarativa.<br>
10 - Pelo que se ofendeu o disposto no artigo 672 do Código de Processo Civil.<br>
11 - Dada a autonomia das obrigações cambiárias é em relação ao aval que o exequente deve provar a comercialidade substancial e, relativamente ao aval não foi efectuada qualquer prova sobre a comercialidade substancial da dívida.<br>
12 - Não foi efectuada qualquer distinção entre o aceite e o aval.<br>
13 - A prova produzida recai sobre o aceite e a resposta aos quesitos dizem respeito ao aceite.<br>
14 - Ofende-se desta forma o disposto nos artigos 10, 15 do Código Comercial, 1696 n. 1 do Código Civil, e 825 n. 2 do Código de Processo Civil, entre outros.<br>
Conclui pela revogação da decisão.<br>
O recorrido contra-alegou concluindo:<br>
1 - Os embargos de terceiro são meio adequado para se discutir a comercialidade substancial da dívida e, consequentemente, para se decidir se há ou não lugar à moratória prevista no n. 1 do artigo 1696 do Código Civil.<br>
2 - Tendo-se formado caso julgado relativamente ao ponto anterior, não pode suscitar-se novamente essa questão.<br>
3 - Estando provada a comercialidade substancial da dívida, resulta inatacável a justeza da decisão recorrida.<br>
Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
II - Fundamentos.<br>
1 - São os seguintes, os factos provados:<br>
O exequente-embargado é tomador e portador legítimo de cinco livranças que constituem folhas 4 a 8 da execução a que estes autos estão apensos (A).<br>
O executado A prestou o seu aval à sociedade subscritora dessas livranças dadas à execução, livranças essas que, apresentadas a pagamento, não foram pagas (B).<br>
Na execução a que estes embargos estão apensos, foi penhorada a fracção Z do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Praceta ..., Vila Nova de Gaia, correspondente ao 5 andar esquerdo, com entrada pelo n. 109, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n. 60029 a folhas 70 do Livro B-155 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o n. 4182 (C).<br>
Essa fracção Z está no registo predial inscrita a favor do executado A, casado com a embargante no regime de comunhão geral de bens (D).<br>
A embargante tem vivido, cozinhado e dormido na fracção penhorada (E).<br>
O executado A é sócio gerente da sociedade Barros, Oliveira e Marques Lda., subscritora das livranças ajuízadas e nessa qualidade assinou as livranças com a firma da sociedade como subscritora (F).<br>
As livranças dadas à execução representavam empréstimo de numerário feito pelo Banco exequente à sociedade subscritora dessas livranças (1).<br>
A responsabilização do executado A pela dita sociedade naquelas livranças visou o recebimento por essa sociedade do montante desse empréstimo bancário (2).<br>
A embargante é dona de casa (3).<br>
É dos proventos que recebia na sua actividade comercial<br>
(na sociedade subscritora das livranças) que A alimentava, vestia e pagava todas as despesas correntes e outras, do seu casal (4).<br>
Sem a concessão do empréstimo referido nos quesitos (1) e (2) não ficaria assegurado o bom funcionamento da sociedade de que o executado A era sócio gerente e, consequentemente o recebimento por este da normal retribuição do seu trabalho (5).<br>
2 - Antes de mais, há que ponderar se existe ou não caso julgado relativamente ao conhecimento neste processo, da comercialidade substancial da dívida.<br>
O acórdão recorrido decidiu que estava preenchida a possibilidade de remeter, quanto a esta matéria, as partes para a acção declarativa, uma vez que o primeiro acórdão da Relação aceitara a discussão da comercialidade da dívida, nos embargos e determinou o prosseguimento do processo, a despeito de um voto de vencido no sentido de se impôr a propositura de acção declarativa para a apreciação dessa comercialidade.<br>
A recorrente sustenta não haver caso julgado, sendo, não só legal, mas oportuna ordenar a remessa das partes para o processo declarativo para apreciação da comercialidade substancial da dívida.<br>
A questão surge face ao voto de vencido, do qual se procura extrair a conclusão de que a posição vencedora teria implícitamente decidido que tal comercialidade pode ser apreciada neste processo, com força de caso julgado formal. Com efeito, ordenando o prosseguimento dos embargos, o acórdão pressuporia que a comercialidade pudesse ser apreciada neste e só neste.<br>
Mas o voto de vencido, embora assente numa precedência lógica e de meios processuais relativamente à questão da comercialidade da dívida, não teve repercussão no acordão que não se pronunciou sobre isso, nem o seu conhecimento lhe foi solicitado por qualquer das partes; o acórdão apenas se pronunciou sobre a necessidade de o processo prosseguir por insuficiência de elementos de prova para uma decisão de mérito. Ora, para além de a decisão só constituir caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (artigo 673 do Código de Processo Civil), acontece que a decisão implícita - como seria o caso - só se justifica quando a questão tenha sido posta e ventilada no processo, de harmonia com os próprios termos da causa, o que não aconteceu (cfr. J. A. Reis, Código de Processo Civil, anotado, volume V, 58 e seguintes). Não há assim violação do artigo 672 do citado Código pois não se verifica caso julgado implícito no sentido de que a comercialidade substancial da dívida só possa ser apreciada neste processo e não relegada para o processo declarativo.<br>
3 - Mas mesmo não existindo decisão implícita, isto não quer dizer que não deva nos embargos de terceiro promovidos pelo cônjuge contra a penhora de bens comuns, na execução movida por dívida da exclusiva responsabilidade do outro cônjuge, poder discutir-se a comercialidade substancial da dívida, porque pode.<br>
Para chegar a esta conclusão, convém ponderar as situações mais frequentes:<br>
1 - Ser a dívida contraída só da responsabilidade de ambos os cônjuges; o título executivo a ambos obriga e não há dúvida de que respondem os bens comuns (artigo 1695 do Código Civil).<br>
2 - Ser a dívida contraída por um só, mas poder ser responsabilizado o outro cônjuge pela obrigação <br>
(dívidas contraídas em proveito comum); no exercício do comércio excepto se não forem realizadas em proveito comum, etc. (artigo 1691 do Código Civil). Esta responsabilização, que envolve a comunicabilidade da dívida, exige uma averiguação daqueles pressupostos que só a acção declarativa consente, pois não há título executivo contra o outro cônjuge, e à qual têm de ser chamados os dois cônjuges (artigo 19, 2 segmento, do<br>
Código de Processo Civil, artigo 330 alínea d) do citado Código), a fim de o credor obter título executivo contra ambos para penhora nos bens comuns.<br>
3 - Ser a dívida da exclusiva responsabilidade de um deles. Neste caso, a lei toma uma de duas atitudes: a) - em princípio, na defesa dos interesses da família, não permite a penhora nos bens comuns que só respondem depois de dissolvido o matrimónio, concedendo uma moratória forçada que apenas permite a penhora no direito à meação nos bens comuns, seguida da suspensão da execução quanto a esses bens até que, após aquela dissolução, possam ser penhorados tais bens (artigos 1696 n. 1 do Código Civil e 825 n. 1 do Código de Processo Civil). b) - em contados casos, e porque considera prevalentes os interesses de certos credores, a lei estabelece a dispensa de moratória, permitindo a penhora nos próprios bens comuns, forçando até a partilha, desde que o credor - exequente peça a citação do outro cônjuge para requerer a separação de bens (artigo 825 n. 2 do Código de Processo Civil), o que acontece, como situações mais salientes em relação às dívidas de crimes, indemnizações, custas e multas (artigos 1696 n. 3 e 1691 b) do Código Civil); dívidas provenientes de contrato de trabalho; dívidas fiscais; obrigações emergentes de actos de comércio mesmo que unilaterais (artigo 10 do Código Comercial).<br>
Assim, se um credor, munido de título executivo contra um dos cônjuges procura obter, não a comunicabilidade da dívida, mas apenas desde logo a penhora em bens comuns, pode requerer essa penhora, contanto que peça a citação do cônjuge do executado como as normas acabadas de citar autorizam.<br>
Não há, nestes casos que propôr prévia acção declarativa, até porque não se trata de responsabilizar o cônjuge do executado pela dívida, de que não é devedor, mas sim responsabilizar apenas os bens comuns.<br>
Isto não obsta porém a que esse cônjuge não possa defender a sua posse nos bens comuns, provando não se verificarem os pressupostos aludidos, o que fará precisamente em embargos de terceiro (artigo 1038 e seguintes do Código de Processo Civil).<br>
No que respeita aos títulos de crédito, de que promanam dívidas comerciais, surge porém uma situação mais complexa porque, segundo o Assento de 13 de Abril de 1978, a dispensa de moratória só ocorrerá se tais dívidas forem substancialmente comerciais, e não apenas formalmente devido à mera subscrição do título. Com efeito, dispõe ele: "nas execuções fundadas em títulos de crédito, o pagamento das dívidas comerciais de qualquer dos cônjuges, que tiver de ser feito pela meação do devedor nos bens comuns do casal, só está livre da moratória estabelecida no artigo 10 do Código Comercial, mesmo no domínio das relações mediatas, se estiver provada a comercialidade substancial da dívida exequenda".<br>
Mas é questão que gira à volta da penhorabilidade de bens comuns, o que permite na execução discutir-se a eventual legalidade dessa penhora em embargos de terceiro.<br>
O problema de saber a quem cabe o ónus da prova dessa omercialidade, se ao embargante, se ao embargado, é outro e não está posto nestes autos.<br>
Os embargos de terceiro não se destinam apenas, como pretende a recorrente a discutir o âmbito da exigibilidade do título executivo, pelo que não houve ofensa dos artigos 50 n. 2 e 45 n. 1 do Código de Processo Civil.<br>
4 - Uma vez que se concluiu poder, nos embargos de terceiro propostos pelo cônjuge, apreciar a comercialidade substancial da dívida para saber se ela está ou não sujeita à moratória pois disso depende a legalidade ou não da penhora nos bens comuns do casal, há que focar agora esta matéria.<br>
A execução respeita ao aval prestado pelo executado em cinco livranças subscritas pelo mesmo como sócio gerente da sociedade sacadora.<br>
Embora o aval seja um acto objectiva e formalmente comercial (artigo 2 do Código Comercial), por força do Assento citado, deve apurar-se se a dívida exequenda - no caso a do aval - é também substancialmente comercial, isto é, se a relação subjacente está intimamente ligada à actividade comercial do executado, porque, se assim for o artigo 10 do Código Comercial permite a dispensa da moratória e a penhora nos bens comuns.<br>
Ora, dos factos provados conclui-se sem margem para dúvidas que, tanto o fim para que foram subscritas as livranças, como o fim a que se destinou o aval, implicam a natureza comercial das relações subjacentes.<br>
A subscrição das livranças representou empréstimo de numerário feito pelo Banco à sociedade, e destinou-se à sua actividade comercial porque, sem a concessão desse empréstimo não ficaria assegurado o bom funcionamento dela.<br>
Por sua vez, a concessão do aval visou o recebimento pela sociedade do montante desse empréstimo bancário e, sem este não ficaria também assegurado o recebimento por parte do executado, da normal retribuição do seu trabalho. É dos proventos que recebia na sua actividade na sociedade que o executado alimentava, vestia e pagava todas as despesas correntes e outras do seu casal, sendo a embargante dona de casa.<br>
A intervenção do avalista não foi mera intervenção de favor, teve por fim assegurar não só o bom funcionamento da sociedade, como a percepção por ele, da normal retribuição do seu trabalho, com que fazia face às despesas correntes e não só, do seu casal. Por isso a relação subjacente ao aval é substancialmente comercial e da própria constituição da dívida, resulta o proveito comum do casal.<br>
Ao contrário do que afirma a recorrente, a prova produzida esclareceu tanto a relação subjacente ao aceite como a subjacente ao aval, não se mostrando ofendidos, mas respeitados os artigos 10, 15 do Código Comercial, 1696 n. 1 do Código Civil e 825 n. 2 do Código de Processo Civil, visto ser legal a penhora ordenada.<br>
III - Decisão.<br>
Em conclusão decide-se, mas pelos fundamentos expostos, negar a revista, com custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 25 de Novembro de 1992.<br>
Ramiro Vidigal,<br>
Santos Monteiro,<br>
Miguel Montenegro.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I - Sentença de 89.11.17 do 1 Juízo Cível do Porto;<br>
II - Acórdão de 92.12.06 da Relação do Porto.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7TL9u4YBgYBz1XKv4m49 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Por A e sua mulher B foi proposta, pelo Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, uma acção declarativa com processo ordinário contra C e também contra o ESTADO PORTUGUÊS em que pediram o reconhecimento do seu direito de preferência na venda de um prédio rústico de que são arrendatários, realizada por negociação particular sem que dela lhes houvesse sido dado conhecimento, e a sua substituição à ré C, sua compradora, mediante o pagamento do preço e demais encargos, bem como a condenação da compradora a abrir mão desse imóvel a seu favor, com as consequências legais.<br>
Após contestação, saneamento, condensação e audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, o que a Relação de Coimbra, em apelação dos autores, confirmou.<br>
Neste recurso de revista os autores pedem a revogação do acórdão recorrido e que se julgue procedente a acção, oferecendo, nesse sentido, as seguintes conclusões:<br>
I - A sentença e o acórdão violaram o estatuído no nº 1 do art. 28º do DL nº 385/88, de 25/10, e o art. 416º do CC, porquanto não consideraram estarem preenchidos os requisitos essenciais para o exercício, pelos AA., do direito de preferência na aquisição do prédio objecto dos autos;<br>
II - Violou a sentença, por erro de interpretação, o estatuído no nº 3 desse art. 28º por entender que o aí consagrado é um requisito prévio essencial para que os AA. pudessem exercer o seu direito de preferência;<br>
III - O acórdão violou, por erro de interpretação da matéria de facto provada, o disposto no nº 3 do art. 892º (redacção antiga) do CPC ao considerar que as circunstâncias fazem presumir que a notificação chegou ao conhecimento dos AA.;<br>
IV - Mesmo que, por hipótese, se considerasse que a notificação tivesse chegado ao conhecimento dos AA., nunca estes tiveram qualquer conhecimento das cláusulas do contrato, pelo que o acórdão violou o estatuído no nº 1 do art. 416º do CC;<br>
V - Estão verificados nos autos todos os requisitos para o exercício do direito de preferência pelos AA., pelo que se encontra, no acórdão, violado o estatuído no art. 28º e no art. 416º citados.<br>
Tanto a C como o Ministério Público contra-alegaram a defender o decidido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Vêm dados como provados os seguintes factos:<br>
1 - Amora & Ribeiro, Lda. foi proprietária, até 18/1/94, de um prédio rústico composto de terra de cultivo, com um poço, vinha e macieiras, com a área de 19.160 m2, sito nas Fontes, freguesia de Lavos, concelho de Figueira da Foz;<br>
2 - Por escritura pública de 18/1/94 tal prédio foi vendido, pela Fazenda Nacional e por negociação particular, à ré C, por 2010000 escudos, livre de quaisquer ónus ou encargos, na sequência de execução fiscal em que era executada a sua proprietária;<br>
3 - Este prédio foi arrendado ao autor marido, com início em 1/1/83, por contrato escrito celebrado entre este e o então proprietário, em 28/9/82, mediante o pagamento da renda anual de 15000 escudos, a pagar durante o mês de Dezembro do ano a que dissesse respeito;<br>
4 - A quando da feitura do contrato o prédio achava-se em pousio ou paul e a sua principal actividade era servir de pastoreio de cavalos e éguas, actividade que os autores, sua filha e genro exercem noutros terrenos, com recurso a assalariados;<br>
5 - Os autores, que são agricultores e residem no lugar de Pontes, freguesia de Cadime, concelho de Cantanhede, a mais de 35 Km do local do terreno, não foram notificados pessoalmente do projecto de venda, do dia e hora da arrematação e da hora da entrega dos bens;<br>
6 - A venda do prédio foi ordenada, por meio de propostas em carta fechada, em 19/1/92, pelo valor base de 938840 escudos, e foi publicitada por edital de 26/11/91, afixado em 1/12/91, na porta da Repartição de Finanças da Figueira da Foz, na sede da Junta de Freguesia de Lavos e na última residência conhecida do executado (no caso, a sede da executada e anunciada no jornal "A Voz da Figueira";<br>
7 - Frustrada a venda por propostas em carta fechada, foi ordenada a venda por negociação particular e a notificação edital dos titulares do direito de preferência por edital de 9/12/93, afixado nas Juntas de Freguesia de S. Julião e de Lavos, no "placard" da Repartição de Finanças e no portão de acesso ao terreno.<br>
<br>
A propósito deste último facto interessa salientar, porque consta da certidão junta a fls. 49 e segs., que dessa notificação edital assinada pelo chefe da repartição consta o seguinte: "... notificando os titulares do direito de preferência para requererem querendo, tal direito até à data da entrega do bem, que ocorrerá em 18/01/1994 pelas 10,30 horas, resultante da venda por negociação particular do prédio a seguir descrito ...", seguindo-se a descrição do prédio acima mencionado em 1..<br>
<br>
As conclusões formuladas pelo recorrente ao alegar encerram, ressalvadas as questões que sejam de conhecimento oficioso, a delimitação objectiva do recurso, pelo que, em princípio, de todas elas e só delas há que tratar para o seu julgamento.<br>
Porém, e porque os recursos se não destinam a produzir decisões novas, mas apenas a reapreciar o teor da decisão recorrida, tem que se entender que não são de conhecer, em recurso, questões não versadas na decisão recorrida.<br>
Serve isto para afirmar que não haveria que tomar conhecimento, aqui, do que se diz na conclusão II.<br>
De facto, na sentença da 1ª instância fez-se improceder a acção porquanto, sendo embora os autores arrendatários rurais e, nessa medida, titulares de direito de preferência na venda do prédio arrendado ao abrigo do nº 1 do art. 28º do DL nº 385/88, de 25/10, não teriam feito a prova, havida na sentença como a seu cargo, do requisito que estaria contido no nº 3 do mesmo artigo - cultivar o prédio directamente, como seu proprietário, durante, pelo menos, cinco anos, salvo caso de força maior, devidamente comprovado.<br>
A Relação considerou que os autores, então e ora recorrentes, eram arrendatários rurais - e por isso titulares de direito de preferência na venda -, mas que tiveram, por via edital, conhecimento da venda e dos seus termos essenciais; esta afirmação foi feita com fundamento em que a execução de uma sociedade, especialmente quando os bens vão à praça e em zonas rurais, é coisa do conhecimento público, não sendo de admitir que os autores dela não houvessem tomado conhecimento. E, não tendo exercido o seu direito no momento devido, não poderiam ser admitidos a fazê-lo agora.<br>
Não apreciou, pois, a razão de improcedência invocada na 1ª instância.<br>
E por isso mesmo não haveria que, neste recurso, cuidar dessa questão, que, aliás, na conclusão II se diz reportar-se ao decidido na sentença, que não está aqui em causa.<br>
No entanto, não queremos deixar de sobre o assunto dizer duas curtas palavras, apenas para desmontar o grave equívoco em que a sentença se fundou.<br>
É, na verdade, manifesto que o nº 3 do citado art. 28º não constitui um elemento constitutivo do direito de preferência.<br>
Desde logo, porque seria notória a desconformidade entre este nº 3 e o nº 1 do mesmo artigo - este quando confere o direito de preferência ao arrendatário rural que o seja há, pelo menos, três anos, aquele quando entendido como exigindo para tanto o seu cultivo durante cinco anos.<br>
Depois, porque as consequências da inobservância deste prazo de cinco anos estão definidas, no nº 4 do mesmo artigo, com óbvia e única aplicação posterior à consumação do exercício do direito de preferência e apenas podendo, aliás não necessariamente, conduzir a que o prédio fique pertencendo a quem foi preterido por esse exercício, mas não impedindo, portanto, esse exercício.<br>
Não sendo, no tocante a tal exercício, facto constitutivo nem, também, impeditivo, modificativo ou extintivo, do respectivo direito, é totalmente inócuo para a decisão deste recurso.<br>
Arredada assim esta conclusão II, segue-se ainda a conveniência de afirmar, também já, a improcedência da conclusão III.<br>
De facto, os recorrentes discutem, através dela, uma conclusão de facto que o acórdão recorrido tirou a partir dos factos que a 1ª instância deu como assentes; usou a Relação, para isso, o mecanismo das presunções judiciais.<br>
Estamos dentro de campo em que este STJ não pode imiscuir-se - art. 722º, nº 2, do CPC, diploma ao qual pertencerão as disposições que de seguida citarmos sem outra identificação.<br>
Assim, e porque o acórdão recorrido não vem impugnado na parte em que teve os autores como titulares de um direito de preferência na venda do prédio arrendado, apenas há que curar de saber se este direito foi em devido tempo exercido.<br>
Veja-se o quadro legal aplicável.<br>
O citado art. 28º, nº 1 confere, como se disse já, em caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, o direito de preferência nessa transmissão aos respectivos arrendatários com, pelo menos, três anos de vigência do contrato.<br>
O exercício deste direito pode ser feito, ou não, por via judicial, como se vê do seu nº 5.<br>
Não havendo qualquer regulamentação específica sobre os mecanismos a seguir, há que tomar em conta, por analogia, o regime geral vigente em matéria de direitos de preferência, designadamente o constante dos arts. 416º e segs. e 1410º do CC - tal como, aliás, prescrevia expressamente o anterior art. 29º, nº 2, da Lei nº 76/77, de 29/9, e prescreve actualmente, quanto ao arrendamento para habitação, o paralelo art. 97º, nº 3, do RAU.<br>
A este propósito há que fazer uma destrinça fundamental: a remissão para os arts. 416º e segs. interessa, em especial, aos casos em que o exercício do direito de preferência antecede a venda ou dação, ao passo que a consideração do art. 1410º é de reservar para os casos em que, por desrespeito daqueles, esse exercício é posterior à transmissão tida como irregular e segue a via judicial.<br>
E, como a venda teve lugar em processo de execução correndo termos nas instâncias tributárias competentes, tem ainda que se ter em conta o disposto no CPTributário então vigente - o aprovado pelo DL nº 154/91, de 23/4.<br>
Nada se dizendo neste diploma quanto ao exercício do direito de preferência eventualmente existente sobre os bens penhorados e a vender, e vista a subsidiariedade afirmada na al. f) do seu art. 2º, somos remetidos para o disposto no Código de Processo Civil, obviamente na versão anterior à recente reforma de 1995/96.<br>
Teremos, então, que levar em conta a distinção entre venda judicial - por propostas em carta fechada ou por arrematação em hasta pública, de acordo com o art. 883º, nº 1 - e venda extrajudicial - designadamente, por negociação particular, nos termos da al. d) do nº 2 do mesmo artigo.<br>
No tocante à venda judicial o direito de eventuais preferentes é objecto de regulamentação, quanto ao respectivo exercício, no art. 892º.<br>
Começa por ser aí previsto o seu exercício prévio, já que o nº 1 deste artigo manda notificar aos preferentes o dia e hora da arrematação ou o dia e hora da entrega dos bens ao proponente - consoante se tratar de venda por arrematação ou por propostas em carta fechada -, a fim de que nos subsequentes actos da praça ou da adjudicação possam exercer o seu direito - cfr., ainda, o art. 897º, nº 4.<br>
E, como hipótese residual, surge prevista no nº 3 do art. 892º a possibilidade de esse exercício ser feito, "a posteriori", por via judicial quando o preferente houver sido notificado por éditos e as circunstâncias façam presumir que não haja tomado a tempo conhecimento da notificação.<br>
Mas já a regulamentação da venda extrajudicial é omissa no tocante a normas sobre o papel dos preferentes na mesma.<br>
No entanto, é óbvio que a necessidade de serem notificados para o efeito deriva, desde logo, de uma visão abrangente e coordenada do direito objectivo; o contrário significaria o desconhecimento ou o desrespeito do direito substantivo aplicável, que acima se mencionou.<br>
Acresce que tal trâmite está também previsto para os casos em que seja pedida a adjudicação dos bens penhorados pelo exequente ou por credor reclamante - cfr. arts. 876º, nº 2 e 877º, nº 1 -, o que deixa intuir que o legislador não quis que a venda executiva se processasse à margem do instituto do direito de preferência.<br>
Assim, a omissão de regulamentação deste ponto a propósito da venda por negociação particular deve-se, muito simplesmente, ao facto de esta venda dever ser feita de acordo com as regras que regem a venda particular - cfr., neste indiscutível sentido, José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. II, pgs. 328-329, que, em especial, aí escreveu: "... o mandatário, antes de efectuar a venda e quando já tiver oferta de preço que entenda dever aceitar, deve colocar os preferentes, se os houver, em condições de poderem exercer o seu direito, isto é, deve avisá-los, por meio de notificação ou de comunicação extrajudicial, de que está disposto a vender por determinado preço, a fim de que eles, se quiserem, usem da preferência."<br>
O mesmo se extrai dos ensinamentos de Lopes Cardoso no seu Manual da Acção Executiva, 3ª edição. Aí refere-se, ao tratar da adjudicação de bens, a aplicação, nesse campo, do art. 892º - pgs. 546 e 547; mas já isso se não repete a propósito da venda por negociação particular, onde se opina, diversamente, o seguinte: "Se houver pessoas com direito a preferência na compra, o mandatário tem, todavia, que as avisar, em termos legais, do preço por que vai ser feita para essas pessoas poderem fazer valer o seu direito."<br>
Daí que, tratando-se de venda por negociação particular, o exercício do direito de preferência obedece às regras que o CC prescreve, podendo, designadamente, ter lugar por via extrajudicial, se, como é devido, tiver lugar "ex ante", ou, caso contrário, por via judicial.<br>
Terá, pois, o encarregado da venda de oferecer a preferência ao titular do respectivo direito, quando a tal houver lugar.<br>
No plano do seu exercício prévio é impensável transpor para este campo a regra do art. 892º, nº 1, pela sua evidente falta de cabimento dada a sua inserção sistemática, e também por não ser de reconhecer qualquer analogia relevante; de facto, na venda judicial o preferente é convocado para um acto onde terá, antes de exercer o seu direito, possibilidade de conhecer as condições da venda em que é chamado a preferir, possibilidade que não existe na venda por negociação particular, onde nenhum acto comparável existe.<br>
Uma outra consequência se impõe tirar: a de que, no que toca ao seu exercício "a posteriori", não é aplicável o nº 3 do art. 892º, pois que este assenta na falta do preferente a um acto judicial onde poderia ter comparecido para o efeito em vista. Assim, a chamada acção de preferência rege-se, apenas, de acordo com as condicionantes que lhe impõe o art. 1410º do CC.<br>
<br>
É a altura de passar a analisar, face a estas noções, o que se passou no caso dos autos.<br>
Começou por ser ordenada uma venda por propostas em carta fechada. Tinha cabimento, adentro desta modalidade, a notificação a que se refere o art. 892º, nº 1; mas não chegou a ser efectuada porque não houve propostas que determinassem o processado regulado nos arts. 893º e 894º.<br>
Como se vê da respectiva certidão junta a fls. 54 e 55, a publicitação acima referida em 6. não se dirigiu aos titulares de direitos de preferência, sendo antes aquela que, prevista no art. 890º, se destina a suscitar o aparecimento de proponentes candidatos à compra. Por ela foi também feita a citação de credores desconhecidos e sucessores de credores preferentes, nos termos do art. 321º, nº 2, do CPTributário; mas, a este propósito, cabe esclarecer aqui, para prevenir dúvidas, que a expressão "credores preferentes" usada neste artigo apenas equivale a credores com garantia real, nada tendo a ver com titulares de direito de preferência, os quais, aliás, nessa qualidade não são titulares de qualquer direito de crédito - cfr., neste sentido, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, 3ª edição, pg. 692.<br>
Aos preferentes respeitou, isso sim, a notificação edital referida em 7..<br>
Mas, relembrando o que acima se disse sobre a forma como esta notificação deve ter lugar, há que concluir que a notificação edital foi manifestamente inidónea para o efeito.<br>
Efectivamente, tal notificação não deve revestir a forma de acto processual.<br>
Por outro lado, e por isso mesmo, não tem cabimento a sua realização por éditos.<br>
Finalmente, e mais importante que tudo o resto, a oferta da preferência não deu conhecimento do projecto de venda e das cláusulas do respectivo contrato, como impõe o art. 416º, nº 1, do CC. Só com esse conhecimento poderiam os preferentes perder, pelo não exercício atempado, o seu direito.<br>
Não tendo havido oferta do negócio nos termos legalmente impostos, passa o exercício da preferência a dever ser configurado como uma acção a propor nos termos do citado art. 1410º; e não foi contra ela levantada a excepção da sua caducidade por ultrapassagem do prazo de seis meses a que este artigo alude - excepção que, aliás, seria inoperante visto a acção ter sido proposta em 5/7/94.<br>
<br>
Procedendo assim as conclusões I, IV e V das alegações dos recorrentes, concede-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e a por ele confirmada sentença da 1ª instância e, em consequência, reconhece-se aos autores o direito de preferirem na venda que à ré C foi feita tendo por objecto o prédio referido em 1. e ao qual respeita a certidão registral de fls. 84-86, substituindo-se nesse negócio, mediante o pagamento do preço - nos termos do art. 28º, nº 5, do DL nº 385/88 - e demais encargos, os autores à compradora, que do dito prédio deverá abrir mão a favor daqueles.<br>
Será cancelada na conservatória competente a inscrição de aquisição feita a favor da ré C.<br>
Custas pela ré C, aqui e nas instâncias.<br>
Lisboa, 9 de Julho de 1998.<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos. </font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eTL2u4YBgYBz1XKv42QE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A instaurou no Tribunal Judicial de Peniche a presente acção declarativa com processo sumário em que pede a condenação do Fundo de Garantia Automóvel a pagar-lhe a quantia de 6686445 escudos, a título de indemnização por perdas e danos sofridos, emergentes de acidente de viação, quantia actualizável segundo a taxa de inflação desde a data do acidente e com juros moratórios a partir da citação.<br>
Alega, em síntese, o seguinte: (a) No dia 17.04.88, pelas 22.00 horas, seguia pelo passeio, do lado esquerdo, na Rua António Conceição Bento, em Peniche, quando, de repente, um veículo automóvel cuja matrícula desconhece e que apenas sabe ser um Renault 9 vermelho, conduzido por alguém que também desconhece, galgou o passeio, a cerca de 80 km/hora e atingiu-o na anca e perna direita, em pleno passeio; (b) O condutor do veículo nem sequer parou e, de imediato, se pôs em fuga do local do acidente; (c) O A. foi transportado ao Hospital de Peniche e, depois, ao Hospital das Caldas da Rainha, onde esteve internado dois meses, tendo sofrido vários ferimentos, designadamente, na anca, perna e pé direito; (d) Do embate resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais que discrimina e que foram computados, os primeiros, em 5936445 escudos e os segundos em 750000 escudos.<br>
Contestando, o Réu disse desconhecer os factos alegados pelo A., mas que o montante pedido a título de danos morais se encontra inflacionado e que o limite da sua responsabilidade é de 6000000 escudos.<br>
Saneado e condensado o processo, foi o despacho saneador objecto de reclamação decidida por despacho de fls. 64.<br>
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido aditado mais um quesito à matéria do questionário (quesito 23) - cfr. fls. 90, vs.<br>
O Tribunal respondeu ao questionário conforme consta do despacho de fls. 89.<br>
Seguidamente, foi proferida sentença - fls. 92 a 95 - que, julgando a acção parcialmente provada e procedente, condenou o R. a pagar ao A. uma indemnização global de 2940848 escudos, com juros de mora desde 12.03.90.<br>
O A. apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que decidiu anular o julgamento, determinando a elaboração de um novo quesito, contemplando a matéria de facto alegada no artigo 28º da petição inicial, repetindo-se o julgamento nos termos da parte final do nº 2 do artigo 712º do CPC - fls. 112-115.<br>
Em obediência ao assim decidido foram elaborados dois quesitos conforme resulta do despacho de fls. 123, aos quais foram atribuídos os nºs 21 e 22, o que apenas por lapso se explica, uma vez que deveriam ter sido numerados como quesitos 24º e 25º - cfr. fls. 89, vs., 60 e 64, vs.<br>
Realizada nova audiência de julgamento, foi aos dois novos quesitos respondido "não provado" - cfr. despacho de fls. 162.<br>
Por despacho de fls. 172-173 foi indeferida a reclamação do A. sobre as respostas a estes dois quesitos, tendo o A. interposto recurso de tal despacho, que foi admitido como agravo e com subida diferida - fls. 179.<br>
Com data de 27-07-98, foi proferida sentença - fls. 183 a 191 - que, julgando a acção parcialmente procedente por provada, decidiu condenar o Réu a pagar ao A. a quantia de 3966115 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento, absolvendo o R. do demais peticionado.<br>
Inconformados, apelaram A. e Réu, apenas tendo alegado o primeiro - cfr. requerimentos de fls. 196, 202 e despacho de fls. 203.<br>
Por acórdão de 22 de Junho de 1999 - fls 225 a 241 -, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, em síntese, o seguinte: (a) Negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida; (b) Conceder parcial provimento à apelação, condenando o Réu a pagar ao A. a quantia de 4000000 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 27.07.98 e até integral pagamento, absolvendo o R. da restante parte do pedido.<br>
Continuando inconformado, o A. traz a presente revista, apresentando alegações quase coincidentes com as que oferecera na apelação, e formulando as seguintes conclusões:<br>
<br>
A) Deve ser rectificado o lapso manifesto contido na sentença;<br>
B) O lesante actuou com culpa;<br>
C) São devidos ao A. vencimentos de, pelo menos, 1650 contos;<br>
D) Devem ser confirmados os 125 contos de despesas médicas;<br>
E) A remissão da IPP de 40,15% que o A. tem deve ser fixada em pelo menos 7500 contos, por ser mais equitativa e justa;<br>
F) Os danos morais devem ser sentenciados em pelo menos 2000 contos, face às lesões e sequelas;<br>
G) Devem ser sentenciados juros legais de mora desde pelo menos a citação até integral pagamento, pois essa tem sido a Jurisprudência dominante, e a tal impõe o artº 805-3 do C.C.;<br>
H) A nova alçada das Relações, que entrou em vigor em 13/1/99, pela Lei 3/99, subiu para 3000 contos, pelo que mesmo na hipótese de responsabilidade pelo risco, o limite máximo é de 6000 contos e não 4000 contos, devendo a nova indemnização a fixar ter em conta este novo limite do dobro da alçada da Relação.<br>
<br>
Notificado, o Recorrido não contra-alegou.<br>
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.<div>II</div>Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada:<br>
<br>
1. No dia 17.04.88, em momento que não foi possível apurar com precisão, entre as 17h30m e as 22h00, o A seguia a pé na Rua António Conceição Bento, nesta cidade de Peniche - resposta ao quesito 1º.<br>
2. Na mesma rua e no mesmo momento circulava um veículo automóvel de matrícula desconhecida - resposta ao quesito 2º.<br>
3. O referido automóvel embateu no A., atingindo-o na anca e perna direitas - resposta ao quesito 3º.<br>
4. O A. ficou imediatamente inconsciente - resposta ao quesito 4º.<br>
5. O condutor do veículo automóvel, após o acidente, pôs-se em fuga - resposta ao quesito 5º.<br>
6. O A. ficou estendido no passeio a cerca de 4/5 metros à frente do local do embate - resposta ao quesito 6º.<br>
7. Após o acidente, o A. foi transportado para o Hospital Distrital de Peniche, onde esteve cerca de 1 hora - resposta ao quesito 7º.<br>
8. O A., no dia 18.04.88, deu entrada no Centro Hospitalar de Caldas da Rainha, onde esteve internado até ao dia 05.05.88 - resposta ao quesito 8º.<br>
9. Do embate resultaram para o A. fractura do planalto tibial externo direito e fractura do colo do peróneo direito - resposta ao quesito 9º.<br>
10. Só em Junho de 1988, o A. deixou de andar de muletas - resposta ao quesito 15º.<br>
11. O A. tinha na altura um vencimento na C.M. de Peniche de 35000 escudos - resposta ao quesito 17º.<br>
12. Em consequência do embate, o A. despendeu 125000 escudos em despesas médicas - resposta ao quesito 18º.<br>
13. Em consequência do acidente, o A. teve fortes dores e sofrimento moral, estando afectado psicologicamente - resposta ao quesito 19º.<br>
14. O A. ainda se encontra desempregado - resposta ao quesito 22º.<br>
15. Em consequência do acidente, o A. ficou afectado com uma incapacidade permanente parcial de 40,15% - resposta ao quesito 23º.<div>III</div>1 - As alegações da presente revista, constantes de fls. 245 a 247, são, com a excepção que se vai indicar, exactamente iguais às que o Recorrente apresentara no recurso interposto para o Tribunal da Relação. A excepção consiste no aditamento ao arrazoado e às conclusões da matéria da alínea H, relativa à nova alçada da Relação. Posteriormente, o Recorrente apresentou breve alegação complementar sobre a matéria dos juros de mora - cfr. fls. 252 -, em consequência do que aditou à alínea G) das conclusões o segmento final, em que é feita referência ao artigo 805º, nº 3, do C.C.<br>
Quer isto dizer que o teor das conclusões A) a F), bem como o arrazoado que lhes serve de suporte, é absolutamente idêntico ao da alegação da apelação, o que significa que o Recorrente não teve sequer em consideração o conteúdo e os fundamentos constantes do detalhado e bem elaborado acórdão recorrido, continuando, afinal, a insurgir-se contra a sentença da primeira instância. Bem elucidativo do que se afirma é a insistência do Recorrente em aludir, sem qualquer esforço de originalidade argumentativa, a um "lapso manifesto contido na sentença", assim ignorando ostensivamente o que, a esse propósito, foi esclarecido e decidido pelo acórdão recorrido.<br>
Também são de considerar irrelevantes as alterações constantes do aditamento relativo à matéria da alínea G), como melhor se verá.<br>
Quanto à questão da alínea H), apesar de não ter sido alegada anteriormente, foi a mesma suscitada pela decisão recorrida que fez apelo ao limite máximo da indemnização correspondente ao dobro da alçada da Relação em vigor à data do acidente (artigo 508º, nº 1, do Código Civil).<br>
Em face do exposto, importa deixar, desde já, consignado o seguinte:<br>
É manifesta a falta de procedência das razões alegadas pela recorrente. Razões que se encontram respondidas, em termos que não merecem reparo, no acórdão impugnado. <br>
A decisão recorrida, em sentido diverso do defendido pelo recorrente, equacionou bem a solução jurídica do caso sub judice e interpretou e aplicou correctamente as normas pertinentes à matéria de facto dada como apurada. A sua fundamentação é clara, extensa e merece total acolhimento. Nenhuma questão ficou por responder. A própria matéria da alínea H) foi tomada em consideração em termos que, como mais detalhadamente se explicará, não merecem reparos e se subscrevem - cfr. fls. 240, ponto V, in fine.<br>
Poder-se-ia, assim, confirmar o acórdão impugnado, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, por se verificar o condicionalismo dos artigos 713º, nº 5, e 726º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma vez que a decisão recorrida já foi proferida na vigência das alterações introduzidas ao C.P.C. por aquele diploma legal.<br>
Todavia, para que dúvidas não subsistam, apreciar-se-ão, com a concisão requerida, as questões suscitadas no caso sub judice.<br>
Não oferece dúvida a matéria das conclusões A) a F), pelo que se confirma, quanto a elas, o constante do acórdão recorrido, quer quanto aos fundamentos, quer no respeitante à decisão. Improcedem, pois, pelas razões já expostas, as referidas conclusões que, como se disse, se limitam a reproduzir ipsis verbis, o teor das correspondentes conclusões - exactamente com as mesmas numeração e redacção - das alegações da apelação.<br>
As considerações que se vão seguir incidirão, pois, fundamentalmente sobre as duas seguintes questões:<br>
a) Desde quando são devidos os juros de mora - matéria da conclusão G);<br>
b) Qual o valor da alçada da Relação a tomar em consideração para o efeito da fixação do limite máximo da indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável - matéria da conclusão H).<br>
Por razões de método, abordar-se-á em primeiro lugar a segunda das questões enunciadas.<br>
<br>
2 - Antes, porém, de se entrar no cerne da questão concreta colocada pelo caso em presença, convirá analisar os normativos aplicáveis no domínio da intervenção do Fundo da Garantia Automóvel, e a respectiva evolução.<br>
<br>
2.1. - Estabelecia o artigo 20º do Decreto-Lei nº 408/79, de 25 de Setembro, diploma que instituiu as linhas fundamentais por que se passou a reger o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que os direitos dos lesados por acidentes ocorridos com veículos sujeitos ao seguro obrigatório poderiam ser efectivados, nos termos que legalmente viessem a ser estabelecidos, contra o fundo de garantia automóvel, a instituir no âmbito do Instituto Nacional de Seguros, entre outros casos, "quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz".<br>
Na mesma data da publicação do Decreto-Lei nº 408/79 foi também publicado o Decreto Regulamentar nº 58/79, cujas normas são aplicáveis ao seguro obrigatório de responsabilidade civil derivada da circulação terrestre de veículos a motor - cfr. artigo 1º. Foi este o diploma que instituiu o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), integrado no Instituto Nacional de Seguros - artigo 2º, nº 1. Nos termos do nº 2 deste artigo 2º compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer as indemnizações de morte ou lesões corporais consequentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório, nos casos previstos no artigo 20º do Decreto-Lei nº 408/79, desta data.<br>
<br>
2.2. - Entretanto, Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, que revogou o Decreto-Lei nº 408/79 e o Decreto Regulamentar nº 58/79 - cfr. artigo 40º - reviu o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.<br>
Um dos aspectos enfatizados no relatório preambular deste diploma diz respeito à deterioração no valor das indemnizações, "que se revela incompatível com o justo ressarcimento dos prejuízos sofridos".<br>
A tal propósito, escreve-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 522/85, o seguinte:<br>
<br>
Esta situação torna-se ainda mais grave com a alteração dos limites máximos das indemnizações devidas por acidentes quando não há culpa do responsável e no momento em que Portugal adere às Comunidades Europeias.<br>
Com efeito, o Decreto-Lei nº 190/85, de 24 de Junho, deu nova redacção ao artigo 508º do Código Civil, passando a indexar os limites da responsabilidade civil pelo risco à alçada da Relação, pelo que tais valores são consideravelmente elevados a partir de 1 de Janeiro de 1986 ( ) Data da entrada em vigor do citado Decreto-Lei nº 522/85 - cfr. o artigo 41º, nº 1.).<br>
Sendo certo que o capital obrigatoriamente seguro fixado pelo Decreto-Lei nº 408/79, de 25 de Setembro, se situa em valores muito mais baixos dos que foram estabelecidos para o artigo 508º do Código Civil, é manifestamente imperiosa a sua adequação a tais valores.<br>
<br>
Quer isto dizer que ressalta expressamente do preâmbulo do Decreto-Lei nº 522/85 a intenção de adequar o seguro obrigatório à redacção dada ao artigo 508º do C.C. pelo Decreto-Lei nº 190/85, de 24 de Junho.<br>
Preocupação que, como é natural, também se encontrava presente neste diploma de revisão do Código Civil, como se retira dos trechos que se passam a reproduzir:<br>
<br>
(...); uma responsabilidade objectiva ilimitada poderia conduzir a consequências menos certas, até porque não será, pelo menos nas actuais circunstâncias, de figurar um seguro obrigatório de responsabilidade também ilimitado. Daí a necessidade de encontrar uma solução que leve a compatibilizar os dois tipos de interesses.<br>
<br>
Reflectindo a propósito do critério adequado para proceder à actualização dos valores monetários até então estabilizados e objecto da erosão da moeda, escreve-se ainda no relatório preambular do Decreto-Lei nº 190/85:<br>
<br>
Tudo ponderado, optou-se por escolher um padrão de referência que, sendo periodicamente actualizado, não o tem sido em ritmo para o presente caso inadequado: as alçadas da Relação. Trata-se de uma referência que envolve, na sua modificação, o próprio sistema judiciário e que é dotada do evidente mérito da fácil cognoscibilidade. Autores há que discordam da adopção da alçada da Relação como critério de referência para os efeitos do artigo 508º, nº 1. Assim, Pires de Lima e Antunes Varela consideram que teria sido preferível adoptar como padrão o salário mínimo nacional, à semelhança do que já fora preconizado por Sinde Monteiro, in "Alteração dos limites máximos da responsabilidade pelo risco", no B.M.J., nº 331, pp. 5 e ss. - cfr. "Código Civil Anotado", vol. I, 4ª edição, p. 524.).<br>
<br>
2.3. - O nº 2 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 522/85, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 122-A/86, de 30 de Maio, em vigor à data do acidente ( ) O artigo 21º em apreço viria a sofrer alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 130/94, de 19 de Abril, que modificou a alínea b) do nº 2 e aditou o nº 5.), prescreve que o FGA garante, por acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação das indemnizações por: (a) morte ou lesões corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido ou eficaz ou for declarada a falência da seguradora ( ) O Fundo de Garantia Automóvel, nos casos em que seja responsável um desconhecido, apenas garante as indemnizações por morte ou lesões corporais e já não as resultantes de danos "meramente materiais" (danos em coisas) - cfr. o Acórdão deste STJ de 25/11/98, Processo nº 813/98, 2ª Secção.).<br>
<br>
Por sua vez, o artigo 508º do CC estabelece, na primeira parte do seu nº 1, o seguinte:<br>
<br>
A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da Relação.<br>
<br>
3 - No nosso direito civil, no tocante à responsabilidade civil extra-contratual, a regra é a da responsabilidade com base na culpa (nº 2 do artigo 483º, do C.C.), sendo a responsabilidade objectiva, de que a responsabilidade pelo risco constitui modalidade, excepcional relativamente àquela. Não obstante, o seu campo de aplicação tem-se vindo a alargar, o que acontece, designadamente, no domínio dos acidentes de viação, para não falar agora noutras áreas temáticas, como é o caso do Direito do Ambiente.<br>
O aumento sem controlo do parque automóvel e o volume crescente dos acidentes de viação criaram a consciência de que os riscos estradais são, cada vez mais, um problema social, que respeita a toda a colectividade e não apenas um problema a dirimir nas relações lesante-lesado - cfr., neste sentido, Sinde Monteiro, Revista de Direito e Economia, Ano IV, 2, pág. 332.<br>
Daí que os Estados procurem, fora dos esquemas tradicionais da responsabilidade individual, encontrar formas de ressarcimento dos danos resultantes dessa fonte de perigos que é a circulação rodoviária, criando o seguro obrigatório e outras formas de assegurar o ressarcimento dos danos, como é justamente o caso dos fundos de garantia.<br>
Sem prejuízo do tratamento da matéria, que se vai seguir, ver-se-á que o mesmo não é decisivo para a solução do caso sub judice.<br>
A ratio social da intervenção do FGA é por demais evidente. Basta atentar no elenco de acidentes que o Fundo garante - cfr. o artigo 21º, nº 2, do D/L nº 522/85 - para o constatar.<br>
O FGA desempenha um papel de repartição colectiva do risco de circulação automóvel, dando protecção às vítimas de acidentes, as quais, de outro modo, ficariam sem qualquer indemnização, por falhar aqui totalmente o binómio da responsabilidade individual: - lesante/lesado ( ) Cfr. Sinde Monteiro, "Reparação de Danos em Acidentes de Trânsito", Coimbra, págs. 50-51).<br>
E, se há campo privilegiado a concitar a "obrigação social" de garantia dos danos, esse é justamente o caso dos acidentes de viação em que, por desconhecimento do veículo interveniente e fisicamente causador do desastre, não é possível carrear elementos suficientes em sede de matéria de facto para estabelecer um juízo em termos de culpa.<br>
Daí a intervenção, em tais situações do FGA, a garantir a satisfação das indemnizações que forem devidas - cfr. os artigos 21º e seguintes do DL nº 522/85. Num caso como o presente, o FGA responde directamente perante o titular do direito de indemnização.<br>
De qualquer modo, porém, não pode deixar de se ter presente a previsão da primeira parte do nº 1 do artigo 508º do C.C., segundo a qual, recorde-se, a indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limite máximo no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da Relação ( ) Pode ler-se no sumário do acórdão deste STJ de 13.05.97: "Para que haja obrigação de indemnizar por parte do Fundo de Garantia Automóvel, é necessário que se verifiquem os pressupostos previstos no artigo 21º do DL nº 522/85, de 31-12, bem como os demais pressupostos da responsabilidade civil com base na culpa ou no risco".<br>
<br>
4 - Ora, em face da factualidade dada como provada, e tendo presente o grau elevado de desconhecimento acerca da forma como os factos se passaram, concluiu-se - e bem - nas instâncias pela ausência de culpa do condutor do veículo que atropelou o A., tendo-se considerado, porém, o mesmo responsável pelo risco. No entanto, por ser desconhecido, quem responde é o FGA (artigo 21º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 522/85.<br>
Todavia, considerando, embora, que o A. sofrera danos no montante global de 5266115 escudos, foi feita aplicação do limite constante do nº 1 do artigo 508º do C.C. <br>
Termos em que, tendo presente o valor da alçada da Relação em vigor à data do acidente - 2000000 escudos -, entendeu o acórdão recorrido que a indemnização a pagar não poderia exceder o máximo de 4000000 escudos.<br>
<br>
5 - Posto isto, enfrentemos, agora, a objecção do Recorrente.<br>
Segundo ele, em consequência da publicação da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, diploma que aprovou a nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, e que elevou para 3000000 escudos o valor da alçada dos Tribunais da Relação, deverá aplicar-se ao caso sub judice o limite máximo de 6000000 escudos e não o de 4000000 escudos.<br>
Os normativos da Lei nº 3/99, agora convocados à reflexão, são o artigo 24º, que estabeleceu o novo valor da alçada das Relações e o nº 4 do artigo 151º, segundo o qual o referido artigo 24º entrou em vigor no dia imediato ao da publicação da Lei.<br>
Será, então, aplicável ao caso dos autos a nova alçada, fixada pela Lei nº 3/99?<br>
A resposta implica a solução de uma questão - simples - de aplicação da lei no tempo.<br>
<br>
5.1. Os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma lei nova podem, ao menos em parte, ser directamente resolvidos por essa mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas "disposições transitórias".<br>
Discorrendo acerca do assunto, escreve Baptista Machado:<br>
"Estas disposições transitórias podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis" (Cfr. "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", pág. 230. Veja-se também, acerca da problemática do "direito transitório", Oliveira Ascensão, "O Direito; Introdução e Teoria Geral", págs. 416 e segs.).<br>
No entanto, a maior parte das vezes ou para a grande maioria dos casos o legislador nada diz em especial sobre a lei aplicável a situações em que se suscita um problema de conflitos de lei no tempo. Deverá então o intérprete socorrer-se dos princípios vertidos no artigo 12º do Código Civil.<br>
Como escreve Menezes Cordeiro, em estudo recente, ("Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias", "Cadernos de Ciência de Legislação", INA, nº 7, Abril-Junho de 1993, pág. 7 e seguintes, maxime, págs. 20 e 22.), o direito transitório formal dispõe hoje de um regime geral, inserido no artigo 12º do Código Civil, preceito que funciona "como uma autêntica bitola profunda da ordem jurídica, dando uma medida de valor que se deve ter sempre em conta".<br>
Prescrevendo acerca da aplicação das leis no tempo, dispõe o artigo 12º do Código Civil:<br>
<br>
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.<br>
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.<br>
<br>
Do preceito reproduzido ressaltam dois princípios: o da não retroactividade da lei e o da sua aplicação imediata.<br>
A lei nova, em princípio, só tem eficácia para o futuro, pelo que, como regra, apresenta eficácia prospectiva, constituindo excepção os casos de eficácia retroactiva. O fundamento do princípio da não retroactividade é geralmente encontrado na necessidade de segurança jurídica, na protecção da confiança, na estabilidade do direito, podendo também encontrar apoio na ideia de que a lei só é obrigatória depois de regularmente elaborada e publicada.<br>
"Destruir o passado, fazer com que aquilo que existiu não tenha existido, é feito que, manifestamente, ultrapassa em muito as forças do homem" (E. PIRES DA CRUZ, "Da aplicação das leis no tempo", 1940, págs. 200 e segs.).<br>
Para o princípio da aplicação imediata da lei nova também se invocam vários fundamentos. Desde o império que dimana da lei nova, como a única vigente no momento da aplicação, passando pela superioridade das leis novas sobre as leis antigas (pelo progresso que, em princípio, revelam), pelo facto de a lei apenas proteger no presente os direitos dos indivíduos, de modo algum os garantindo no futuro, até à razão, decisiva para Paul Roubier, da unidade da legislação num dado país, sob pena de tudo se saldar numa confusão inextricável nas relações jurídicas ("Le Droit transitoire", Dalloz e Sirey, 1960, 2ª edição, pág. 223.).<br>
Os grandes escolhos na aplicação das leis que se sucedem no tempo levantam-se nos casos de situações jurídicas duradouras, que perduram, de "trato sucessivo", como lhes chama Rodrigues Queiró ("Lições de Direito Administrativo", Coimbra, 1976, vol. I, págs.516 e segs.).<br>
Escreve, a esse propósito, Galvão Telles:<br>
"Sucede porém que a lei nova não raro encontra diante de si situações da vida, relações sociais, que vêm já do passado, nele lançam as suas raízes. Isto pode pôr limites e condições à imediata aplicação da lei publicada, a fim de que se não perturbe a necessária estabilidade daquelas situações ou relações. Daí a possível sobrevivência do Direito anterior, que se prolonga na sua aplicação mesmo para além do momento em que foi revogado.<br>
"É o problema extremamente difícil do Direito intertemporal, ou da aplicação da lei no tempo, problema que consiste em saber, publicadas sucessivamente duas leis a segunda das quais revoga a primeira, qual delas é a que se aplica às situações que se colocam por assim dizer na fronteira temporal entre as duas" ("Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1988, vol. I, pág. 209.).<br>
Vejamos qual o entendimento que resulta, para tais situações, do disposto no nº 2 do artigo 12º do Código Civil.<br>
Nesse nº 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor) ( ) Cfr. o parecer nº 239/77, de 21 de Dezembro de 1977, publicado no "Diário da República", II série, nº 74, de 30 de Março de 1978, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 280, pág. 184.<br>
Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela nova lei, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência da unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações duradouras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito abrogada; por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos (Veja-se também BAPTISTA MACHADO, págs. 233 e segs. Para maiores desenvolvimentos, cfr., do mesmo autor, "Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil", Livraria Almedina, Coimbra, 1968, págs. 95 e segs.).<br>
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5.2. - Ora, é manifesto que a norma do artigo 24º da Lei nº 3/99 não é subsumível à previsão da segunda parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil.<br>
Está, assim, abrangida pelo regime geral, caracterizado, repete-se, pela não retroactividade da lei nova e pela sua aplicação imediata. Aplicação imediata (para o futuro) que foi, aliás, determinada, como se disse, pelo nº 4 do artigo 151º da mesma lei.<br>
Nem podia ser de outro modo.<br>
Figurem-se hipoteticamente dois acidentes de viação com as características do caso sub judice, ocorridos na mesma data. Hipotize-se ainda que, apesar de as correspondentes petições iniciais terem também entrado em juízo na mesma data, as contingências processuais fizeram com que a prolação das decisões finais que fixaram as respectivas indemnizações viesse a ocorrer em momentos diferentes, embora, eventualmente, próximos: um anterior e o outro já posterior a 14 de Janeiro de 1999. Reconhecer-se-á que seria de todo ilógico e violador dos princípios da confiança e da segurança e estabilidade da ordem jurídica, aplicar, num caso, o limite máximo de 4000000 escudos, mas permitir, no outro, que o limite em referência ascendesse a 6000000 escudos, porque, entretanto, acabara de entrar em vigor a nova alçada da Relação. A segurança do mundo e do comércio jurídicos não se compatibiliza com circunstâncias fortuitas que, a terem efeitos, poderiam, mesmo, premiar a utilização de expedientes processuais de dilação ou puramente aleatórios.<br>
Recorde-se que, como consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 190/85, optou--se por escolher um padrão de referência que, sendo periodicamente actualizado, constitui uma referência dotada do evidente mérito da fácil cognoscibilidade.<br>
Bem decidiu a Relação de Lisboa, ao considerar que a data a atender para o efeito é a data do acidente. Do que resulta que o limite a que se refere a primeira parte do nº 1 do artigo 508º do C.C. é de 4000000 escudos.<br>
A título lateral caberá chamar a atenção para o facto de que a existência deste limite máximo sempre tornaria, na prática, inócua a discussão acerca dos montantes indemnizatórios parciais. <br>
Improcede, pois, a conclusão H).<br>
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6. - Falta considerar a questão da data a partir da qual são devidos juros de mora.<br>
Entendeu o acórdão recorrido, confirmando a decisão da 1ª instância, que sobre os aludidos 4000 contos serão pagos juros de mora à taxa legal (artigo 559º do C.C. e respectivas Portarias) desde 27.07.98, ou seja, desde a data da sentença do Tribunal de 1ª instância.<br>
Considera o Recorrente, com apelo ao disposto pelo artigo 805º, nº 3, que tais juros de mora devem ser pagos desde a citação.<br>
A quem assistirá a razão?<br>
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6.1. - É bem conhecida a questão colocada pela contraposição do disposto pelo artigo 566º, nº 2, por um lado, e pelo artigo 805º, nº 3, por outro.<br>
Como é geralmente aceite, é de afastar a solução que consistisse na cumulação dos juros e da correcção monetária, relativamente ao período que houvesse mediado entre a citação e a prolação da sentença de primeira instância.<br>
Sem prejuízo da intencionalidade da norma do nº 2 do artigo 566º, tal solução inaceitável pode ser facilmente afastada com apoio no segmento inicial daquele normativo que se reproduz : "Sem prejuízo do preceituado noutras disposições (...)".<br>
Ou seja, "não é possível cumular juros de mora com o montante decorrente da correcção monetária" ( ) Cfr. o Acórdão deste STJ de 6 de Outubro e 1987, Processo nº 75287, publicado no B.M.J., nº 370, págs. 505 e seguintes.). <br>
Escreveu-se no Acórdão do STJ de 18 de Julho de 1996, Processo nº 193/96 ( ) Publicado no B.M.J., nº 458, págs. 287 e seguintes.): "(...) temos por seguro que os juros devem incidir, por inteiro, sobre o montante indemnizatório, reportado que foi ao tempo da propositura da acção, seja qual for o tipo de danos, desde a citação, (...), nos termos do artigo 805º, nº 3, segunda parte, do Código Civil (Decreto-Lei nº 262/83, de 16 de Junho).<br>
"Só assim não seria se a fixação do valor do capital de quaisquer danos tivesse sido reportado a data posterior à citação, para que não houvesse duplicação de valores (...)".<br>
No entanto, como se escreveu no acórdão recorrido, os valores in | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ejL7u4YBgYBz1XKvDGo4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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A propôs contra B e mulher C acção onde, fundada em incumprimento de contrato-promessa, peticiona se o declare resolvido, se lhe reconheça o direito fazer suas as importâncias deles recebidas, e se os condene a restituir-lhe a fracção autónoma que lhes prometeu vender e estes comprar e a indemnizar a autora dos prejuízos sofridos pela não restituição, «à razão de 60000 escudos por mês e juros desde a data da citação,» e pelas deteriorações e depreciação que a ocupação e utilização da mesma ocasionarem.<br>
Contestando, os réus defenderam-se por impugnação e excepção e reconvieram pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa por incumprimento imputável à autora, se a condene a lhes pagar, de dobro do sinal, 1200000 escudos e, como compensação das despesas efectuadas, 110734 escudos, ambas acrescidas de juros legais desde a citação, e se reconheça o direito de retenção enquanto não forem pagos destas quantias.<br>
Prosseguindo a acção, as partes transigiram parcialmente, em audiência de julgamento - nessa data (fls. 136), entregaram os réus à autora, que a aceitou, a fracção autónoma, desistindo esta do pedido de indemnização relativo a deteriorações e depreciações.<br>
Por sentença, foi homologada a transacção, julgada improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção - declarado resolvido o contrato por culpa da autora, condenando-se esta a pagar aos réus 1200000 escudos e reconhecendo-se que gozaram, até à entrega da fracção à autora, do direito de retenção.<br>
Apelou a autora, tendo a Relação de Coimbra mantido a sentença excepto onde absolveu os réus do pedido de indemnização pela não-restituição, condenando-se-os a pagar à autora 2250000 escudos, soma esta acrescida de juros de mora sobre 550000 escudos, desde a citação, e sobre a restante, desde a data do acórdão.<br>
Inconformados, pediram revista os réus, por pretenderem a reposição da sentença, pelo que concluíram, em suma e no essencial, em suas alegações:<br>
- nulo o acórdão ao conhecer de questão (enriquecimento sem causa) não suscitada;<br>
- nulo o acórdão ao condenar em quantia superior ao pedido (indemnização pela ocupação pedida desde a data da citação - 94.05.09; condenação desde data anterior - Junho de 1993);<br>
- o direito de retenção do promitente-comprador compreende o direito de ocupar o imóvel destinado a habitação, maxime quando o próprio contrato-promessa prevê expressamente - como no caso - essa possibilidade,<br>
- o que exclui poder haver enriquecimento sem causa;<br>
- não se pode considerar empobrecido o promitente-vendedor, por se ver impedido de dispor ou arrendar a fracção, quando a não-restituição resulta do direito de retenção, quer haja ocupação (pelo titular deste direito) quer não;<br>
- violado o disposto nos arts. 668-1 d) e e) e 716 CPC, e 755-1 e 473 CC.<br>
Contraalegando, defendeu a autora a confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto considerada provada pelas instâncias (indicando-se apenas a que contende com o objecto do recurso):<br>
a)- por contrato-promessa de fls. 7-8, celebrado em 92.12.07, a autora prometeu vender aos réus, os quais, por sua vez, lhe prometeram comprar, a sua fracção autónoma designada pela letra K, destinada a habitação, correspondente ao 2º andar, trás, esquerdo, do prédio urbano sito no lote 1 da rua Nossa Senhora das Necessidades, freguesia da Esgueira - Aveiro, inscrita na matriz sob o art. 4.773 - K e descrita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº 2610;<br>
b)- segundo o mesmo, os réus obrigaram-se a, no final de cada mês, entregar à autora a quantia de 30000 escudos, a título de juros, pela mora no pagamento da importância em dívida de 7100000 escudos, que deveria ser paga até à celebração da escritura de compra e venda;<br>
c)- os réus entregaram à autora essas prestações mensais de 30000 de Dezembro de 92 até Maio de 93;<br>
d)- na data da celebração do contrato, os réus, mediante autorização da autora, ocuparam a fracção, utilizando-a como única casa de habitação, sua e do seu agregado familiar, no qual se mantiveram até à entrega;<br>
e)- pela carta de 94.02.14, a fls. 23, os réus recusaram a proposta da autora de 94.02.02, a fls. 21, referindo ser sua pretensão receber o dobro do sinal, por considerarem que a autora não cumpriu, por culpa sua, o contrato-promessa;<br>
f)- a fracção prometida tem um valor locativo não inferior a 50000 mensais.<br>
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Decidindo: <br>
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1.- Percorrendo-se a petição inicial observa-se que a autora, como fundamentação jurídica deste pedido indemnizatório que procedeu, indicou que os réus, ocupando indevidamente a fracção, lhe causam um prejuízo equivalente, pelo menos, ao seu valor locativo (pet. in. - 39).<br>
Nessa medida, enquadrando a Relação a fundamentação no instituto do enriquecimento sem causa não conheceu de questão não suscitada - apenas fez uso do poder que lhe é cometido na função de julgar (CPC- 664; da mihi factum, dabo tibi jus).<br>
Não se verifica a alegada nulidade (sem prejuízo de sob outro ângulo se voltar ao assunto).<br>
<br>
2.- Lendo-se esse pedido indemnizatório no modo como foi formulado a fls. 5 v, constata-se que a expressão «desde a data da citação» se reporta ao momento a partir do qual sobre a indemnização devem incidir os juros de mora e não à indemnização em si.<br>
Relativamente à indemnização (mensal), o início a considerar tem de ser encontrado através do que foi articulado e, quanto a este ponto, a autora não é clara, referindo 2 momentos já de si distintos - ou o do incumprimento do contrato pelos réus ou o da recusa à entrega apesar das interpelações.<br>
Nos termos em que foi arguida não existe nulidade, muito embora esta outra consideração mereça vir a ser analisada se se concluir haver lugar a indemnização.<br>
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3.- Definitivamente assente:<br>
- que o incumprimento do contrato-promessa é imputável à autora;<br>
- a sua resolução por culpa desta;<br>
- a condenação da autora a pagar aos réus a quantia de 1200000 escudos, acrescida de juros de mora desde a notificação para contestar o pedido reconvencional;<br>
- o reconhecimento aos réus do direito de retenção sobre a fracção exercido validamente até à entrega da mesma à autora, a qual ocorreu em 97.02.26.<br>
<br>
4.- Improcedente, na sentença, o pedido indemnizatório dos danos pela ocupação da fracção por «a partir do momento em que a A. não cumpriu o contrato passou a estar em mora e os RR. puderam assim invocar o direito de retenção sobre a fracção como garantia do cumprimento do contrato» (fls. 158 v).<br>
Diversamente, o acórdão recorrido julgou-o procedente por o retentor não ter direito de uso e fruição sobre a coisa a menos que o devedor consinta na utilização, o que não sucedeu a partir da cessação do contrato-promessa, por resolução, representando a ocupação após ela um ilegítimo enriquecimento dos réus, os promitentes compradores, «por ser feito à custa da casa do promitente vendedor» (fls. 206).<br>
Contabilizado o valor locativo desde Junho de 1993 («data em que passaram a habitar o andar sem retribuição, por se considerarem desligados do contrato-promessa, em resultado da resolução feita») até 97.02.26 (data da entrega) - 45 x 50000 escudos = 2250000 escudos, e os juros de mora desde a citação sobre a quantia devida até à propositura da acção (11 x 50000 escudos = 550000 escudos) e sobre o mais desde a condenação.<br>
Embora reconhecendo que a resolução se pode fazer mediante declaração à outra parte (CC - 436,1) e que se esta entender que não é legítima (por inexistir o direito de resolução ou ter sido mal exercido), a declaração, para ser actuante, requer sentença (que será simplesmente declarativa), e que os réus resolveram o contrato, as instâncias não indicaram a data respectiva. Apenas a Relação refere ser anterior a 94.02.04 pois que a carta de resposta a fls. 23 (de 94.02.14) a confirma.<br>
<br>
5.- A autora não provou que o incumprimento do contrato era imputável aos réus.<br>
Não há que confundir - nem que em datas fazer coincidir - incumprimento do contrato com resolução do contrato - esta não é obrigatória mas um direito pelo qual o credor pode optar (CC- 801,1).<br>
Aos réus competia o ónus da prova sobre a data da resolução por si operada. Não pode ser considerada, atenta a factualidade provada, data alguma anterior à da recepção da declaração de 94.02.14 (CC - 436,1 e 224-1).<br>
Até esse momento, a ocupação estava justificada e titulada pela traditio; porque assim, não era devida qualquer indemnização até então (incorrecto foi, pois, considerar uma data anterior como incorrecto também fazer coincidir essa data com a do não pagamento mensal de uma importância que já de si não fora, no contrato, relacionada com a ocupação da fracção - cfr. al. b); aliás, a própria autora situava a data mais antiga a que recuou em 94.02.14, por ser a da declaração - escrita - em que os réus, no entender dela, manifestavam incumprir o contrato-promessa).<br>
Quanto ao período subsequente e até à entrega verificada já no decurso da acção, a questão da indemnização terá de ser analisada à luz do direito de retenção reconhecido aos réus.<br>
<br>
6.- O direito de retenção reconhecido aos réus (até à entrega ocorrida no decurso da acção) legitimava a não-restituição da fracção, o que consequentemente a impedia de certos actos como a de a ocupar, o de a arrendar com início em data anterior à restituição, etc.<br>
Qualquer dano que daí adviesse apenas podia ser imputado à própria autora - enquanto não satisfizesse a sua obrigação (pagar a quantia devida - sinal em dobro, acrescida da indemnização moratória), a situação que fora por si criada mantinha-se.<br>
O direito de retenção desempenha uma dupla função - como direito real de garantia garante que o crédito do seu beneficiário será satisfeito, não o sendo voluntariamente, a partir do valor da coisa; como meio coercivo, pressiona o devedor a cumprir sob pena de, enquanto o não fizer, não lograr conseguir a entrega da coisa, ainda que porventura ela valha mais que essa dívida cujo cumprimento garante.<br>
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7.- Mas será que a circunstância de o então promitente comprador continuar a fazer uso da fracção antes detida e fruída com origem na traditio altera a situação conferindo ao inadimplente, o promitente vendedor, o direito a ser indemnizado?<br>
A questão assim posta não reconduz a indemnização a danos que esta fruição possa causar nem a prejuízos que possam ter origem na privação do gozo e disponibilidade pelo inadimplente mas à própria ocupação em si.<br>
Embora face à estruturação do pedido da autora (formulado na base - art. 39 pet. in. - de não poder utilizar nem arrendar a fracção) não haja que colocar a discussão perante este processo, apenas um ligeiro apontamento imposto pela fundamentação de que o acórdão se socorreu para a revogação parcial da sentença e condenação dos réus.<br>
O instituto do enriquecimento sem causa pressupõe haver um enriquecimento, carecer este de causa justificativa e que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a sua restituição (o que é diferente de se exigir que haja empobrecimento - pode não haver diminuição do património do dono da coisa e nem sequer privação dum aumento dele, e haver lugar a se afirmar que o enriquecimento foi obtido à custa de outrem - «tudo quanto os bens sejam capazes de render ou produzir, pertence, em princípio, ao respectivo titular» - vd., P. Lima-A. Varela in CCAnot I/456-457).<br>
Como referem aqueles Mestres, a directriz a seguir é que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa (p. 455), sendo que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial (p. 454).<br>
Enquanto subsistisse o direito de retenção dos réus sobre a fracção não podia ela produzir rendimento algum à autora - concedê-lo seria inclusive retirar (ou poder retirar, deixando a opção ao critério de quem inadimpliu) a função e força coerciva ao direito de retenção (v.g., convir ao inadimplente não satisfazer a sua dívida, mantendo-se privado da coisa por culpa sua mas, sem que lhe fosse lícito estabelecer um contrato ‘imediatamente produtivo’ sobre ela com terceiros ou a gozar, fazê-la produzir e dela obter um rendimento e rendimento esse a impor e retirar do seu credor).<br>
Até à resolução do contrato-promessa a ocupação da fracção estava legitimada por contrato atípico (traditio) celebrado a par do contrato-promessa e, após a resolução, foi-o pelo direito de retenção (não o fazendo cessar e, mais, tendo-o deixado nascer e manter-se, apenas de si se pode queixar; a quem interessava a sua extinção era à autora e tal cessação estava na esfera da sua disponibilidade).<br>
Se antes não havia, pois, a obrigação de restituir, a vantagem patrimonial passou, a partir da resolução, a ter causa a justificá-la pelo que o instituto em causa, já de si de natureza subsidiária (CC- 474), não encontra factualidade que in casu apoie a sua aplicação.<br>
<br>
Termos em que se acorda em revogar o acórdão recorrido no segmento em que condenou os réus que do pedido da autora são absolvidos.<br>
Custas pela autora.<br>
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Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999.<br>
Lopes Pinto,<br>
José Saraiva,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ejLwu4YBgYBz1XKvvF2P | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:-<br>
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A, propôs contra B e mulher C, e D acção a fim de se decretar a resolução do contrato de arrendamento para habitação que com os primeiros celebrou em 96.03.01 e em que o último é fiador, por falta de pagamento de rendas e se os condenar no pagamento das rendas à razão mensal de 140000 escudos vencidas desde Janeiro de 1997 e vincendas até efectiva entrega do locado.<br>
Em 97.08.14, o réu B juntou requerimento ao processo em que, confessando o não pagamento de certas rendas, informou que, a partir dessa data, o arrendado se encontrava devoluto de pessoas e bens, e com as chaves à disposição da autora ou de quem a representar.<br>
A autora respondeu defendendo que o requerido não podia ser entendido como defesa por contestação nem como denúncia do contrato.<br>
O réu D contestou excepcionando a sua ilegitimidade (por não ser fiador) e pediu a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização.<br>
Os réus B e mulher contestaram impugnando os factos, reafirmaram a entrega à qual a autora, segundo alegaram, se opõe para poder receber a indemnização pela mora no pagamento das rendas, locado de que esta, motu proprio, reocupou em 98.05.29 e requereram a sua condenação como litigante de má fé em multa e indemnização.<br>
No saneador, foi absolvido da instância o réu D e, prosseguindo o processo até final, foi proferida sentença a julgar extinta a instância relativamente ao pedido de despejo, a absolver do pedido a ré C e a condenar o réu B no pagamento de 2240000 escudos (16 meses de renda).<br>
Apelou, sem êxito, o réu B.<br>
De novo inconformado, pediu revista por continuar a defender que, pelo requerimento de 97.08.14, denunciou o arrendamento, com efeitos desde Setembro de 1997 ou, pelo menos, a partir de Dezembro desse ano, pelo que, em suma e no essencial, concluiu em suas alegações -<br>
- interpelou a autora de que queria pôr termo ao contrato e ficou provado que, desde a declaração junta aos autos, o imóvel estava livre e devoluto e as chaves à disposição da autora;<br>
- a denúncia do contrato pelo inquilino pode ser feita por escrito particular e por ela se o extingue;<br>
- a declaração junta aos autos configura uma denúncia e cessação do contrato,<br>
- e produz efeitos desde o momento em que chegou ao poder do destinatário (Setembro de 1997) ou quando muito devia-os produzir nos 90 dias de antecedência de Dezembro de 1997;<br>
- o senhorio não tem de autorizar e aceitar a denúncia;<br>
- são devidas apenas as rendas vencidas até à eficácia da denúncia;<br>
- nulo o acórdão por oposição entre os seus fundamentos e a decisão (CPC- 668 c));<br>
- violado o disposto nos arts. 1.055 e 224-1 CC.<br>
Sem contraalegações.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Nos termos dos arts. 713-6 e 726 CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido, sem prejuízo de se destacar aquilo que à resolução do litígio interessa.<br>
No recurso, está fundamentalmente - o restante resulta como efeito da conclusão a que se chegar - em crise apenas saber se pela declaração contida no requerimento de 97.08.14 operou o réu à denúncia do contrato de arrendamento e se esta é relevante.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- No aludido requerimento, o réu B «desde já informa o digníssimo Tribunal que a partir da presente data o imóvel ..., objecto da presente acção de despejo, encontra-se livre, devoluto de pessoas e bens, e no mesmo estado de conservação em que se encontrava no acto da celebração do contrato de arrendamento.<br>
O réu no intuito de não prejudicar a Autora, informa o digníssimo Tribunal que têm as chaves do respectivo imóvel a disposição da Autora ou de quem a representar a partir da presente data».<br>
De seguida, «pelo facto ainda não ter fixado sua residência permanente», informa para onde deve ser contactado.<br>
Este requerimento apenas está por ele assinado.<br>
Notificada do mesmo, por carta registada de 97.09.16, a autora pronunciou-se pela sua irrelevância como contestação - por não estar subscrito por advogado - e por não obstar ao vencimento das rendas pois que «o contrato de arrendamento não foi denunciado nem resolvido» além de que, embora «deixando o locado vago ... com o seu gesto não procedeu à denúncia do contrato. Tanto mais que ... ainda detém a chave .. não lhe entregou a chave nem junto dela procedeu à denúncia do contrato».<br>
Nesta resposta, a autora expressamente relata a «crispação entre ele e a procuradora da A.», crispação que o réu reconhece, na sua contestação, haver embora dando versão diversa e que torna inviável qualquer relacionamento directo bem como a diligência da entrega à mesma por esta pretender cobrar a indemnização pela mora e enquanto ela se mantiver. Mais dá conta da reocupação do locado pela autora e da celebração por esta com terceira pessoa de outro contrato de arrendamento.<br>
Nada respondeu a autora e, na especificação, consignou-se que, em 98.05.29, a autora procedeu à mudança de fechadura da fracção e que ocupou o locado, tendo-a, em data posterior, dado de arrendamento a terceiro.<br>
Por ter havido a reocupação e contratado com terceiro o arrendamento, foi na sentença «declarada extinta a instância relativamente ao pedido de despejo», decisão que transitou.<br>
A autora reside no Panamá e quer na celebração do contrato de arrendamento com o réu quer no seu desenvolvimento, incluindo o recebimento das rendas, tem sido representada.<br>
<br>
2.- A denúncia é uma das formas por que se extingue o contrato de arrendamento.<br>
Aqui, denúncia pelo arrendatário.<br>
Uma vez que contra o réu estava instaurada acção para resolução do contrato, podia a declaração ser produzida, com o seu efeito extintivo, através do processo.<br>
Se eficaz, produz efeito não só sobre o pedido de resolução como ainda serve para se determinar até quando são devidas rendas.<br>
In casu, foi produzida a declaração ainda antes do articulado da contestação.<br>
Declaração receptícia.<br>
À autora foi dado conhecimento da declaração na 2ª metade de Setembro de 1997.<br>
A denúncia pode ser efectuada por escrito particular não carecendo de ser declarada através de advogado.<br>
Se o contrato se tiver extinguido, a indemnização pela mora do locatário no pagamento das rendas não ocorre. A indemnização que poderá haver é a relativa à mora na restituição do locado, mas não foi essa a invocada pela autora na resposta ao requerimento do réu.<br>
Assiste razão à autora em que antes não fora denunciado o contrato - porém, tal não foi invocado pelo réu nem isso estava em discussão. A alegação da autora não se revestiu de interesse, portanto.<br>
Porque denúncia pelo arrendatário, tem ele que ter, para a data anunciada, desocupado o locado entregando-o no estado em que o recebeu ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização. A autora tinha como obrigação aceitar a desocupação e entrega do arrendado; se a denúncia for eficazmente declarada, a não aceitação pelo senhorio fá-lo incorrer em mora creditoris.<br>
O réu anunciou aqueles dois requisitos - desocupação e estado de conservação.<br>
A autora não impugnou qualquer deles.<br>
Dois pontos, pois, para analisar - entrega do locado e, em caso de resposta afirmativa, momento a partir do qual a denúncia foi eficaz.<br>
O réu denuncia através do processo em curso contra si e coloca as chaves à disposição da autora.<br>
A declaração é dirigida à autora, tem a autora como destinatária, o tribunal funciona aí apenas como o veículo de que o réu se serviu na medida em que contra si pendia a acção de despejo.<br>
Dado o ambiente de «crispação» entre ele e a procuradora da autora e conhecendo ele a pretensão indemnizatória daquela sobre ele, não lhe era exigível «impor-lhe» o recebimento in manu das chaves sabendo que ela, segundo alegou, as recusaria sem ver satisfeito o pagamento quer das rendas quer da indemnização pelo atraso no pagamento destas.<br>
A autora não só não impugnou estas alegações de facto como nem sequer alegou ter efectuado qualquer diligência para receber ou tentar receber as chaves, inclusive, o pedido para que, v.g., fossem entregues no tribunal.<br>
Esta posição puramente estática contrasta com o seu comportamento posterior.<br>
Reocupa, mudando as fechaduras, e celebra arrendamento com terceiro em momento anterior quer à pronúncia pelo tribunal sobre o seu pedido de resolução quer à declaração de extinção da instância, em momento, portanto, em que, na lógica da sua argumentação a rebater o réu, o contrato se mantinha em vigor.<br>
A menos que tacitamente reconhecesse a sua mora creditoris e, como tal, se sentisse autorizada a praticar o acto, teria praticado um acto de esbulho e agora a confessá-lo, não o impugnando. Mas ressalta, com clareza, da contestação que não foi como acto de esbulho que ele foi alegado pelo réu - mas sim como acto de cumprimento da sua obrigação quanto à denúncia e de incumprimento pela autora do dever a que por aquela estava obrigada - e aquele articulado não consentia que a autora lhe pudesse dar (fala-se no condicional por não ter havido articulado de resposta) interpretação diversa.<br>
Porque houve mora creditoris não pode ser mantido o acórdão recorrido.<br>
<br>
3.- Arrendamento celebrado segundo o regime de renda livre e pelo prazo de 5 anos.<br>
Contrato de duração limitada (RAU- 98,1).<br>
Embora aqui seja livre a denúncia pelo arrendatário (RAU- 100,4) não pode este impor ao senhorio momento da sua eficácia diferente do prescrito na lei. Pode este aceitá-lo mas não é obrigado a tal.<br>
Sendo assim, atenta a natureza receptícia da declaração de denúncia e face à prova da recepção da comunicação pela autora, o contrato em questão extinguiu-se no final de Dezembro de 1997.<br>
As instâncias deram como provado que a primeira renda em dívida foi a de Janeiro de 1997 e que, por adiantado, a autora recebera uma renda (o cheque 457044252 sobre o BESCL, enviado à procuradora da autora, no montante de 140000 escudos para pagamento de uma renda, nunca descontado, não foi considerado; equivale a dizer que, no montante a receber ele se não incluiu e deverá ser destruído ou devolvido ao réu).<br>
Deve o réu 11 meses de renda - 1540000 escudos (7681,49 euros).<br>
<br>
Termos em que, em parte, se concede a revista e se condena o réu a pagar à autora a quantia de 7681,49 euros.<br>
Custas pela autora e réu, na proporção do vencimento.<br>
<br>
Lisboa, 12 de Março de 2002<br>
Lopes Pinto,<br>
José Saraiva,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ezILvIYBgYBz1XKvxYHb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -<br>
Na Comarca de Braga, Banco Pinto & Sotto Mayor, S.A., requereu execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, distribuida ao 3. Juízo Cível (n. 32/95) contra A, viúva, B, C e D, todos estes casados e com os sinais dos autos, na qualidade de únicos sucessores de E, falecido em 7 de Setembro de 1993, avalista da livrança de 3000000 escudos, subscrita por Alpor, S.A., e não paga, a fim de deles haver esse valor acrescido de juros de mora desde o seu vencimento até integral pagamento.<br>
Ordenada a notificação do exequente para juntar o original da livrança, veio este indicar que juntou certidão judicial da livrança por a estar a dar à execução, noutro processo da mesma comarca (n. 276/93 - 4.<br>
Juízo Cível, 1. Sec.), contra Alpor - Empresa Produtora de Alumínio, S.A., e E, o que a própria certidão específica, razão pela qual não podia dar cumprimento ao despacho.<br>
A execução foi indeferida liminarmente por o original da livrança não lhe estar junto e só este título constituir a causa de pedir na acção executiva.<br>
Agravou para a Relação que, pelos mesmos fundamentos, confirmou o indeferimento.<br>
De novo inconformado, recorreu para o Supremo, concluindo, no essencial e em suma -<br>
- o acórdão recorrido não dá cumprimento ao artigo 383 n. 1 Código Civil que prevê a validade das certidões emitidas pelos funcionários judiciais.<br>
- e viola o artigo 46 alínea c) Código de Processo Civil que prevê com o mesmo valor tais certidões e os artigos 67 e 68 LULL que prevêm a possibilidade de o portador do título tirar cópias dele:<br>
- o não reconhecimento da sua força executiva impossibilitaria de, em muitos casos, ela poder ser dada à execução (por impossibilidade de ser apresentado o original e/ou de executar em momento e comarcas diversas os diferentes obrigados cambiários);<br>
- estando o original da livrança junto a um processo que corre no mesmo Tribunal, a execução deve poder ser instaurada com base em certidão judicial, pois não existe o risco de um terceiro a quem a livrança tenha sido endossada vir a exigir o seu pagamento.<br>
Colhidos os vistos.<br>
Factos com relevo apenas os que constam do relatório.<br>
Decidindo: -<br>
1.- Objecto de um recurso é a decisão proferida. Não há que conhecer de questões novas a menos que tal se imponha ex officio.<br>
Vem isto a propósito de os autos serem totalmente omissos sobre um aspecto e que as instâncias deveriam ter conhecido prioritariamente. Por isso, a decisão a proferir pela 1. instância, caso se não confirme o acórdão recorrido, não poderá prescindir de dele conhecer.<br>
A execução instaurada pelo ora exequente contra a subscritora da livrança foi-o também contra o avalista.<br>
Este faleceu.<br>
Não tem aqui aplicação o disposto no artigo 56 n. 1 Código de Processo Civil por apenas operar para a sucessão verificada antes da propositura da execução.<br>
Todavia, haverá lugar à dedução do incidente de habilitação (Código de Processo Civil - artigo 371) se ela ocorrer na pendência da execução ou se o funcionário (Código de Processo Civil - artigo 371, n. 2) certificar o falecimento do executado.<br>
Comprovado o óbito, suspende-se a acção executiva (Código de Processo Civil - artigo 276, n. 1 alínea a) e artigo 277 n. 1).<br>
Assim, a menos que tenha havido desistência da instância por parte do exequente quanto a este executado - o avalista (ainda que sem prévia suspensão da instância, por apenas ter sido informado mas não comprovado o decesso), a presente execução não deveria ter sido instaurada ou, tendo-o sido, não poderia prosseguir.<br>
Porém, os autos omitem, por completo, o estado dessa outra execução o que terá de ser prioritariamente conhecido na Comarca (Código de Processo Civil - artigo 514 - n. 2, artigo 264 - n. 3 e artigo 266) se a decisão em recurso não for mantida.<br>
2.- A causa de pedir numa execução cambiária (passe a comodidade da designação) é a assinatura do obrigado, não é o título onde ela foi aposta (é com esta aposição, é através dela, que é assumida a obrigação seja ela a de aceitante, a de sacador, a de avalista ou outra), rectificação que se impõe fazer face ao que se lê nas decisões proferidas.<br>
A certos documentos, pelo que eles incorporam e pelo grau de segurança que conferem, reconhece a lei valor e força executiva. Entre eles, estão as letras, livranças e cheques (Código de Processo Civil - artigo 46 alínea c)).<br>
Não impõe a Lei Uniforme (artigo 47 - n. 2) ao portador o dever de accionar simultaneamente todos os devedores nem que, deixando de o fazer, perde o seu direito de acção contra os não demandados ou o veja suspenso. E, aquele artigo, embora afirmando a solidariedade dos obrigados cambiários, afasta a restrição do artigo 519 - n. 1 Código Civil (por todos, vd. RLJ 110/381 e 111/192). Tão pouco, razões processuais postulam, para as execuções cambiárias, a pluralidade passiva.<br>
Estabelecendo o artigo 2 Código de Processo Civil que a todo o direito corresponde uma acção a qual, no caso das obrigações cambiárias, pode desde logo ser destinada a o realizar coercivamente, a interrogação a pôr é a de saber se é possível compatibilizar, na harmonia e unidade do sistema jurídico, a LULL com as disposições da lei civil e processual de modo a que não faça uma interpretação que conduza, directa ou indirectamente, à negação daquela correspondência.<br>
Para isso, importa, antes de mais, não confundir força executiva com fiscalização.<br>
A certidão extraída pelo funcionário judicial, em que atesta a conformidade da fotocópia com o original, tem a força probatória do original (Código Civil - artigo 383, n. 1 e 387, n. 1 e LULL - artigo 67 - I e II).<br>
Mas ter força probatória não é sinónimo de ter força executiva.<br>
Ao sr. funcionário judicial, todavia, é vedado fazer anotações na cópia. Por isso, indicou o mesmo onde se encontrava o original no que satisfez o disposto no artigo 68 - I da LULL.<br>
Pelo confronto do teor dessa certidão com o requerimento inicial desta execução adquire o tribunal um outro dado -<br>
- o portador é o mesmo, o que significa que conserva a possibilidade de exercer o seu direito de acção contra outros obrigados em relação aos quais ainda o não esteja a exercer.<br>
A situação dos autos é diversa da que foi submetida à apreciação deste Supremo e que o acórdão recorrido invoca a seu favor (ac. de 23 de Março de 1993 in CJ STJ I/2/27)<br>
- enquanto ali a questão tinha de ser apreciada face aos artigos 386 e 387 C.CIV. (cópia autenticada e que, portanto, apenas serve para endosso e para o aval), aqui trata-se de certidão judicial extraída para outro processo.<br>
3.- Referem as instâncias que a deferir-se a pretensão do exequente poderia o aceitante ter de pagar uma segunda vez a quem lhe apresentar o original.<br>
Tal prende-se com um outro ponto - saber se só o pagamento do original é liberatório.<br>
Convem retomar a análise mas agora partindo do pressuposto da admissibilidade de uma tal execução, se num caso como este a eventualidade oposta pelas instâncias conhece foros de potencialidade.<br>
Essa eventualidade está, em princípio, arredada num caso como este em que a certidão é tirada de uma execução e alicerça uma outra execução.<br>
Se todos os executados ou alguns fossem os mesmos, a essa eventualidade opor-se-ia a litispendência na medida da coincidência.<br>
Sendo executados apenas outros obrigados, a cópia certificada judicialmente, enquanto se mantiver inserida na execução, não servirá para endossos nem para aval, além de o tribunal dispor de meios eficazes para se opor à possibilidade de uma duplicação de pagamento. Tal matéria não se prende com a força executiva que o documento possa ou deva conhecer mas com os poderes de fiscalização que a lei comete ao tribunal.<br>
E estes passam desde o confronto da certidão com o original (CPC - art. 545) aos cuidados com que a lei rodeia a restituição de documentos (CPC - art. 548) e vão desde o se dever estabelecer oficiosamente comunicação entre as duas execuções, ao abrigo do art. 264 n. 3 CPC, de modo a não haver duplicação de recebimentos nem de actos executivos desnecessários, à exigência da prestação de esclarecimentos (CPC - art. 265).<br>
Com efeito, enquanto inseridas na execução (a cópia certificada judicialmente, a letra, a livrança, o cheque) um (posterior) aval ou endosso não é viável e a intercomunicação entre os dois processos é ou deve ser o bastante para impedir que ocorra pagamento - voluntário ou forçado - em ambos.<br>
O perigo que a Relação pretende esconjurar reporta-se ao levantamento da livrança pelo exequente se ele desistisse na execução 126/93 (certamente, por lapso, referiu-se outro n. que não o 276/93 - vd. fls. 5 e 18) e a endossasse a terceiro que viesse reclamar o seu pagamento.<br>
Argumento mais aparente que real.<br>
Dispõe o art. 548 - n. 2 CPC que, após o trânsito da decisão que pôs termo à causa, pode a parte a quem pertencer o documento pode requerer a sua restituição.<br>
Insere-se esta norma na secção da prova documental. Porém, na execução a livrança tem uma outra função, sem que, contudo, prescinda daquela - a de constituir o próprio título executivo, ela próprio o ser. Significa isso que a restituição do original não se pode processar sem que haja um interesse atendível e sem que, caso tenha havido cumprimento ou coexista outra execução, fique assegurada a sua não-transmissibilidade.<br>
Doutro modo, sempre que a execução cambiária chegasse ao seu termo pelo pagamento da dívida exequenda, havia a possibilidade de o mesmo obrigado ter de a pagar novamente a um outro obrigado anterior.<br>
E, coexistindo outra execução, a restituição do original, a ser admissível, apenas o pode ser para essa outra, por força da segunda parte da alínea I) do art. 68 LULL. Daí que, se a intercomunicação entre os tribunais por onde correm as execuções era um dado adquirido e já se devia estar a processar, mais se impõe agora, duas situações podendo ocorrer - se houve extinção da execução por cumprimento, esta outra também o será; se a instância se tiver extinguido por desistência e se o exequente munido do original não tiver respeitado esse comando, ocorre motivo, depois de o tribunal ter sem êxito apelado ao dever de lealdade e de colaboração daquele, que justifica a suspensão da instância (CPC - art. 279, n. 1 e art. 276 n. 1 alínea c)), se é que não implica a consequência inerente à recusa (LULL - art. 68, II), a menos que, informando já não ser o seu portador provoque a absolvição da instância por ilegitimidade superveniente dele.<br>
4.- O que vem sendo afirmado afasta os receios opostos, mas fá-lo através dos poderes de fiscalização cometidos ao tribunal. Todavia, eles não podem conferir ao título a força executiva - esta existe ou não no próprio título, não pode ser força que lhe advenha posteriormente e dependendo de factores que lhe são externos, e os poderes de fiscalização são posteriores e externos ao documento.<br>
Por isso, embora arredada a fundamentação oposta pelas instâncias, não se segue, como consequência necessária, a conclusão oposta. Há que perguntar se uma certidão judicial de uma livrança, cujo original titula uma execução, pode titular outra execução (ser ou não contra diferente obrigado é questão que se prende com aspectos processuais e não a força executiva do título), se se devem considerar elencada na alínea c) do art. 46 CPC.<br>
Certifica-se um escrito particular que contem a assinatura do devedor. A esse escrito em si confere a lei força executiva, importando saber se a sua certidão judicial destinada àquele fim também a tem.<br>
Distinguindo entre título e direito, já Dias Ferreira referia com aprovação o alargamento introduzido no CPC de 1876 por se tratar de "títulos em que o direito está claramente definido como nas sentenças dos juizes" (CPC Anotado - II/279).<br>
A execução autonomiza-se da acção declarativa, dispensando-a, por assentar em prova documental bastante - o título executivo.<br>
Este não é a causa de pedir nem com esta se confunde.<br>
Como refere Ans. de Castro, "define-se título executivo o instrumento que é considerado condição necessária e suficiente da acção executiva" (A Acção Executiva..., p. 10), o qual lhe "define, por outro lado, o fim e os limites" (p. 11).<br>
"Condição necessária da execução na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção não podem ser praticados senão na presença dele" (p. 10). "Condição suficiente da acção executiva no sentido de que, na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução sem que se torne necessário efectuar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou sobre a existência ou subsistência do direito a que se refere" (p. 10).<br>
"Título é, assim, algo que faz as vezes do direito que vai ser realizado, e se lhe substitui, não podendo, por isso, reduzir-se à natureza de um simples meio de prova"<br>
(p. 11).<br>
A certidão judicial - e só desta se trata aqui - conhece uma especificidade (em função da sua origem, identificação a que procede e fim a que se destina), ou pode-a conhecer, que pode justificar ou, inclusive, implicar um tratamento diferenciado em relação às outras cópias.<br>
Reporta-se a um título (o original) onde o direito está claramente definido e que dispensa uma prévia fase declarativa. Este é um documento representativo de uma obrigação (causa de pedir) e através dele fica-se a saber que se exige uma prestação (fim) sobre o património (objecto) do ou dos vinculados nessa obrigação (legitimidade passiva).<br>
Tal como do original, da certidão judicial consta a obrigação exigenda dispensando-se qualquer prova complementar inicial dessa existência. Através dele alcança-se também o fim, o objecto e a legitimidade passiva.<br>
O numerus clausus da enumeração do art. 46 CPC não exclui em si a inclusão nele da certidão judicial do original do título executivo.<br>
In casu, contém (através da certificação com o original) a assinatura do devedor (causa de pedir) assumindo a obrigação exigenda.<br>
A livrança não só prova o direito como o incorpora e, se preenchidas certas condições que a lei prescreve, goza de exequibilidade. A sua certidão judicial revela exactamente tudo isso.<br>
A utilidade na sua obtenção reside apenas na junção a outro processo - seja só na mira do seu valor probatório seja na possibilidade de quem a obtiver instaurar execução para ver realizado o seu interesse. Por isso, fica, desde logo, aquele a quem for oposta ou apresentada a certidão judicial a conhecer onde está o original e que este está a ser dado à execução como quem o deu e contra quem o deu à execução, o que constitui ainda um conhecimento preventivo desta.<br>
A especificidade da certidão judicial importa ainda outra constatação. A não-junção do original não constitui recusa, apenas representa uma impossibilidade inultrapassável pelo exequente (retirá-la da execução pendente, substituindo-a por certidão judicial, era transferir para esta o problema ora em análise) - mas já passará a haver recusa se, transitada a sentença que pôs termo à causa, ela não for junta pelo exequente a esta outra e daí haverá que extrair as consequências inerentes.<br>
Porque a previsão da al. II do art. 68 LULL apenas à recusa se refere e porque esse não é o caso, conserva o legítimo portador o seu direito de acção contra os obrigados cambiários.<br>
Embora a certidão judicial contenha uma fotocópia, o acento tónico para a decisão não pode ser posto nesta mas naquela, a qual, pelas suas características e fim próprios, pelo grau de autenticidade, de certeza quanto à incorporação do direito e sua definição, de segurança e pelo esvaziamento da propriedade de circulação, lhe confere um "mais" em relação às outras cópias, tornando-a equivalente ao original em força probatória e executiva, pelo que o seu pagamento é liberatório.<br>
Não prevendo a lei processual a possibilidade de fazer intervir terceiros obrigados numa execução em curso e mantendo (não o perdeu nem está suspenso) aquele o seu direito de acção contra estes, a correspondência entre direito e acção tem de ser feita através do recurso à possibilidade de usar uma certidão judicial, a qual pelas suas características, equivale, em força probatória e executiva, ao original do título executivo.<br>
Termos em que se revoga, sem prejuízo do exposto no ponto 1, o acórdão recorrido.<br>
Custas pela parte vencida a final, adiantando-as o recorrente.<br>
Lisboa, 19 de Março de 1996.<br>
Lopes Pinto.<br>
Torres Paulo.<br>
Ramiro Vidigal.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ODLvu4YBgYBz1XKvX1wm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>1. "A" 10.3.97, no Tribunal da Comarca de Lisboa, "A" propôs acção declarativa com processo ordinário contra B, director de publicação periódica, C, editor de publicação periódica, e D, pedindo que os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à autora:</font><br>
<font>- "o valor reparador dos danos patrimoniais, já verificados e os futuros e previsíveis, incluindo os lucros cessantes, mas cujo montante é, de momento, impossível de exacta determinação pelo que se relega a sua liquidação para fase ulterior do processo, ou para liquidação de sentença, atribuindo-se, por ora, o valor de 2.000.001$00;</font><br>
<font>- uma compensação em dinheiro não inferior a 10.000.000$00, por danos não patrimoniais já verificados e os futuros e previsíveis, sem prejuízo da posterior alteração ampliadora do pedido;</font><br>
<font>- juros à taxa legal, desde a citação, sobre as quantias efectivas em que vierem a ser condenados, ou na actualização do seu valor à data em que forem liquidadas, acrescidas de juros, à taxa legal, a partir dessa mesma data e até integral pagamento;</font><br>
<font>- a fazer publicar, no periódico D, com chamadas na capa e, bem assim, a divulgar, como publicidade paga, na SIC, e tudo a expensas dos réus, a sentença que houver de os condenar".</font><br>
<br>
<font>Para tanto, e </font><b><font>em síntese, alegou:</font></b><br>
<font>- que em várias edições de Maio, Julho e Agosto do ano de 1996, do Jornal .... (2º Caderno), foram publicados textos e fotografias relativos à autora, divulgando factos pertinentes à vida privada com intuito de que o público leitor formasse uma imagem negativa da autora ou pusesse em causa a imagem positiva que dela tinha;</font><br>
<font>- o que representa ofensa à personalidade moral da autora, a quem causou sofrimento moral bem como preocupação intensa e duradoura, constituindo também causa adequada de seu desprestígio nos planos moral, intelectual, profissional e do bom conceito desta no meio social em que vive e exerce a sua actividade, e no público em geral.</font><br>
<br>
<font>Os réus defenderam-se por impugnação, e os 1º e 2º também por excepção, invocando a sua ilegitimidade.</font><br>
<font>Na réplica, a autora, afirmando não ser possível a identificação dos autores dos textos, concluiu que tanto o director, o editor, como a empresa proprietária do jornal são solidariamente responsáveis. E, tendo requerido a intervenção principal provocada de E, chefe da redacção do jornal, na qualidade de substituto legal do 1º réu, durante as ausências deste, veio o incidente a ser admitido, tendo o interveniente aderido ao articulado dos réus.</font><br>
<font>Prosseguiu o processo sua tramitação, sendo os 1º e 2º réus considerados partes legítimas no despacho saneador.</font><br>
<font>2. Realizado julgamento sem que as respostas aos quesitos tivessem sofrido reclamação (cfr. fls. 417), a 31.07.2000, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou:</font><br>
<br>
<font>- os réus B, C, D, e o interveniente E a pagarem à autora a quantia de 4.000.000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com juros desde a data da citação, à taxa legal de 10%, sendo de 7% desde 17.4.99, até integral pagamento; </font><br>
<font>- a ré D, a fazer publicar no jornal ... o teor da sentença por extracto, devendo dele constar os factos provados, a identidade dos ofendidos e dos condenados, as sanções aplicadas e as indemnizações fixadas.</font><br>
<font>3. Inconformados, apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa os 1º e 2º réus e o interveniente E - a autora interpôs recurso subordinado "a cada um deles".</font><br>
<font>Tribunal que por acórdão de 24.05.2001:</font><br>
<br>
<font>- negou provimento aos recursos de apelação interpostos pelos 1º e 2º réus e pelo interveniente;</font><br>
<font>- concedeu provimento ao recurso subordinado, condenando réus e interveniente a pagarem, solidariamente, à autora, a quantia de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), a título de indemnização por danos não patrimoniais, mantendo-se o mais decidido na sentença recorrida (fls. 606).</font><br>
<font>4. Irresignados, interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal o réu C e o interveniente.</font><br>
<font>4.1. O primeiro, extraiu das respectivas alegações as conclusões seguintes:</font><br>
<font>"1ª O tribunal recorrido não poderia aplicar ao caso em apreço o disposto no artigo 26° da Lei da Imprensa pois o mesmo regula a responsabilidade criminal de actos praticados pelas pessoas que revestem a qualidade prevista no referido diploma legal, uma vez que os valores e fins da lei penal em nada coincidem com os da lei civil;</font><br>
<font>2ª O recorrente é editor de um jornal e tem como seu superior hierárquico o director do mesmo estando sujeito ao seu poder de direcção;</font><br>
<font>3ª É ao director do jornal que incumbe decidir sobre os escritos e imagens que deverão ser publicados em cada edição do periódico que é o Semanário;</font><br>
<font>4ª O artigo 24º da Lei da Imprensa - regulador da responsabilidade civil dos actos previstos nas normas inseridas naquele diploma -, não prevê a responsabilização do editor quanto a escritos assinados e, por analogia com o disposto no artigo 26° da mesma Lei, não se verifica também tal responsabilidade em relação aos escritos não assinados;</font><br>
<font>5ª O ónus da prova quanto à verificação dos factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil recaía sobre a recorrida que não logrou fazê-lo, em relação ao recorrente, no que toca à ilicitude de qualquer por este praticado;</font><br>
<font>6ª Pelo que a falta de prova demonstrativa dos elementos descritos nos artigos 483°, 484° e 487° do Código Civil, geradores da obrigação de indemnizar, deveria ter conduzido à prolação de um acórdão que substituísse a sentença recorrida no sentido de absolver o recorrente do pedido formulado pela recorrida;</font><br>
<font>7ª Por outro lado, o acórdão recorrido consagrou como provados os factos qualificados como tal pela sentença proferida em primeira instância, nem mais nem menos, pelo que não poderia o mesmo ter condenado solidariamente o recorrente em pagar à recorrida valor superior ao quantum indemnizatório fixado por aquela, na medida em que nem as partes invocaram a apreciação de quaisquer outros danos nem o Tribunal da Relação tomou conhecimento ou apreciou os mesmos;</font><br>
<font>8ª Pelo que o acórdão proferido violou os artigos 24° e 26° da Lei da Imprensa e os artigos 483°, 484° e 487° todos do Código Civil".</font><br>
<font>4.2. Por seu turno, o interveniente E alegando, concluiu:</font><br>
<font>"1ª Porque a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal são duas realidades distintas, o Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, contém uma norma - o artigo 24º - dedicado expressa e exclusivamente à responsabilidade civil e normas específicas para a responsabilidade criminal - os artigos 25º e 26º;</font><br>
<font>2ª Assim, na interpretação da lei devem ser tidos em atenção, prima facie, os elementos literal e lógico pelo que, no caso em revista, foi notória a intenção do legislador em separar a responsabilidade civil da criminal, estabelecendo regimes próprios, com normas específicas e concludentes quanto ao seu preenchimento;</font><br>
<font>3ª Para se determinar a responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da imprensa, o artigo 24º informa-nos que devem ser observados os princípios gerais que, em concreto, se encontram inclusos no Código Civil, nos artigos 483º e seguintes, não se vislumbrando qualquer lacuna que nos leve ao exercício de integração, recorrendo, como foi o caso, à aplicação indevida de normas de carácter penal, vide o artigo 26º da Lei da Imprensa com a redacção dada pela Lei 15/95 de 25 de Maio;</font><br>
<font>4ª Desta forma, são elementos constitutivos deste tipo de responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que se devem verificar cumulativamente para que se constitua o dever de indemnizar;</font><br>
<font>5ª Ora, nos termos do artigo 487 do Código Civil, "é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão", o que a autora não logrou fazer, pelo que, não havendo lugar a responsabilidade objectiva neste campo, mas subjectiva ao invés, não foi imputado o facto ao recorrente, não se preenchendo um dos pressupostos da responsabilidade civil;</font><br>
<font>6ª Contudo, optou o tribunal pela aplicação do artigo 26º da referida Lei de imprensa, dirigida à responsabilidade criminal, por entender que esta constitui um maius em relação à responsabilidade civil, olvidando por completo o regime legal específico estabelecido no artigo 24º, por ser a única forma de se punir, tendo a douta Relação de Lisboa acrescentado que "a ratio dessa norma se prende com a necessidade de se evitar a fácil impunidade em matéria tão delicada como esta, ratio essa que, de igual modo, é relevante no âmbito do apuramento da responsabilidade civil";</font><br>
<font>7ª Mas, salvo o devido respeito, não é esse o entendimento correcto porque, ab initio o artigo 26º da supra citada lei encerrava em si uma inconstitucionalidade gritante, dado que se tratava de uma norma de carácter penal, contendo uma presunção legal de culpa que trazia a si adstrita um ónus da prova recaindo sobre o arguido/lesante, pelo que, à luz da Constituição da República Portuguesa, eram violados os princípios da culpa, da presunção de inocência e do in dubio pro reo, dado que em matéria penal não se presume a culpa do autor sob pena de se inverter toda a lógica do Estado de Direito democrático em que vivemos;</font><br>
<br>
<font>8ª Por ser aberrante o regime da anterior lei da imprensa, a nova Lei da Imprensa, estabelecida pela Lei nº 2/99 de 13 de Janeiro, em primeiro lugar manteve a separação e a concreta definição dos regimes da responsabilidade civil e criminal, vide artigos 29º para aquela e 30º e seguintes para a última, respectivamente; e, em segundo lugar, porque o legislador estava atento, eliminou a presunção de culpa e o correspondente ónus, pelo que o regime do artigo 31º e 39º não é só mais favorável ao recorrente, como restabeleceu a legalidade no âmbito deste regime específico da responsabilidade criminal;</font><br>
<font>9ª No caso concreto houve, pois, a violação dos artigos 24º, 25 e 26 do Decreto-Lei n. 85-C/75 de 26 de Fevereiro, bem como dos artigos 483º, 484º e 487º do Código Civil;</font><br>
<font>10ª É evidente que as necessidades de punição não são sinónimo de punição a todo o custo, nem de aplicação de normas incorrectas, quer por integração de lacunas inexistentes, quer por interpretações ab-rogantes de regimes específicos em vigor, e muito menos por aplicação à responsabilidade civil de normas penais inconstitucionais, que já foram felizmente revogadas, o que também nos vem informar que as necessidades de punição eram tão prementes na vigência da anterior Lei da Imprensa como o são na nova, mas que não podem conduzir a contradições de princípios do nosso ordenamento jurídico, pelo que, apontando para a unidade do mesmo, deveria aplicar-se o regime mais favorável. Isto é, se se segue in casu a tese do maius do regime penal sobre o civil, mais sentido fará a aplicação também dos princípios do direito penal, e não a chamada isolada de uma norma apenas com um intuito de condenação forçada. Por isso o princípio da aplicação da lei mais favorável e a sua invocação são uma consequência lógica do entendimento que vem sido seguido e ora recorrido, devendo por esse prisma ser aplicado o regime da nova Lei de Imprensa;</font><br>
<br>
<font>11ª O contrário implicaria a subversão do sistema jurídico, o afastamento total da ideia de um sistema cuja unidade deve ser procurada e atingida tanto quanto possível, dentro de um quadro de valores e princípios lógicos constitucionalmente consagrados, a fim de ser mantida a legalidade dos processos e a confiança dos cidadãos, quer no legislador quer no julgador;</font><br>
<font>12ª Para além da violação da lei substantiva, foi também violada a lei do processo, dado que se verificou uma contradição entre a matéria de facto provada, que cimentou a fundamentação, e a decisão, pois foi feita prova positiva no entender do tribunal de 1ª instância, que deu como provado que o interveniente não conhecia os escritos publicados quesito 47° versus 1° - o que afasta a presunção legal de culpa e conduz inexoravelmente à absolvição do interveniente E do pedido;</font><br>
<font>13ª Pelo exposto deveria a douta Relação de Lisboa ter alterado a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 712º, nº 1, al. a), do Código do Processo Civil, ou oficiosamente anulando a decisão da 1ª instância, com base no nº 4 do mesmo artigo, por evidente contradição quanto à matéria de facto em causa;</font><br>
<font>14ª Para além disso, também em matéria de quantum indemnizatório o acórdão recorrido merece reparo, já que aumentou o seu valor. Efectivamente, conforme facilmente se extrai da resposta aos quesitos, a lesada não logrou provar a totalidade dos factos em que baseou o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais. Logo, ao elevar a indemnização para aquele valor, o Tribunal da Relação de Lisboa mais não fez que violar o artigo 661º, nº 1, do Código do Processo Civil, que impede a condenação em quantidade superior ao que se pediu;</font><br>
<font>15ª E outro reparo se pode fazer em relação ao recorrente que foi condenado na igual medida dos outros réus. O que não deveria ter sido decidido já que, se foi aplicada uma norma penal, (embora ferida ab initio na sua legalidade intrínseca, onde é exactamente violado o princípio da culpa), então fazendo o necessário paralelismo (civil - penal) com a tese seguida pelos tribunais recorridos, estar-se-ia perante uma comparticipação e, nestes casos, "cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes", conforme obrigam o artigo 40º, nº 2, do Código Penal e do próprio artigo 29º do mesmo diploma legal que foram por isso violados".</font><br>
<font>A recorrida pugnou pela confirmação do julgado (cfr. fls. 657-663 e 665-669).</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>II</font></div><b><font>Factos provados:</font></b><br>
<br>
<font>"1. Nas edições de: 4 de Maio de 1996; 25 de Maio de 1996; 13 de Julho de 1996; 20 de Julho de 1996; 27 de Julho de 1996; 3 de Agosto de 1996; 17 de Agosto de 1996; e 14 de Setembro de 1996, no jornal "..." (2º Caderno), foram publicados textos e fotografias visando a autora;</font><br>
<font>2 Na edição de 4.5.96 afirma: "Baby-boom" O F ouviu dizer que A está de esperanças;</font><br>
<font>3. Na edição de 25.5.95 escreve-se: Vips Só não dei por A que, afinal, não está grávida;</font><br>
<font>4. E, ainda na mesma página dessa edição: Bébé "out" A não está grávida. Uma notícia feliz para G, que assim já não terá a preocupação de pensar numa substituta para "co-pivot" do programa "Crossfire";</font><br>
<font>5. Na edição de 13.7.96, nova referência:</font><br>
<font>Romances de Verão</font><br>
<font>Romances confirmados: G com A (in love no "Capote", Domingo à noite)...;</font><br>
<font>6. Na edição de 20.7.96, as referências continuam:</font><br>
<font>No banco</font><br>
<font>São assim as grandes paixões, não olham a horas nem lugares. A e G a viverem uma relação escaldante, optaram pelos ares frescos da Ericeira. Primeiro, num banco de jardim público, trocaram beijos e juras de amor. Depois seguiram para o melhor restaurante de peixe onde, entre olhares e petiscos, reconfirmaram as juras de um amor que até pode ser eterno.</font><br>
<br>
<font>7. Na edição de 27.7.96 desdobram-se as referências</font><br>
<font>Lua-de-Mel no Brasil</font><br>
<font>...Nos bastidores sabe-se que G e A partiram recentemente para o Brasil e diz quem viu que a viagem de avião decorreu em ambiente romântico;</font><br>
<font>8. E, ainda na mesma edição:</font><br>
<font>Apaixonados e nem de propósito. Que bem que estavam G e A, no avião da TAP, a caminho do Recife para umas "merecidas" férias brasileiras. Ela, apaixonada, dormia no ombro de G. Ele, feliz, a tentar esquecer os problemas da casa...;</font><br>
<font>9. E, mais abaixo:</font><br>
<font>H e I já trocaram umas impressões sobre a separação deste e de A. G que se cuide;</font><br>
<font>10. Na edição de 3.8.96, sob o título:</font><br>
<font>"I" já substitui A.</font><br>
<font>"I" já encontrou um substituto para A, que abandonou a sua casa civil, trocando-a pelo gabinete de G, o director da .... Segundo apurou a "...", I terá optado por uma personalidade da cultura a mesma que G chegou a ter assegurado para chefiar a sua própria casa civil e que, segundo fontes próximas, lhe poderá ser mais leal. O caso, que está a ganhar uma notoriedade crescente na chamada imprensa do coração, está já a agitar os meios políticos e a concentrar as atenções de Belém;</font><br>
<font>11. Na edição de 17.8.96, sob o título:</font><br>
<font>H despede "I".</font><br>
<font>Foi um simples anúncio no boletim "meios" da Associação de Imprensa Não Diária que faz parte do Universo H, que fez quebrar a relação entre os dois até agora íntimos colaboradores, que era de tal modo forte que até conseguiu sobreviver à transferência de A da chefia da Casa Civil de I para funções homólogas na Casa Civil de G, o braço direito de H para os audiovisuais e capataz da ....</font><br>
<font>O anúncio em causa é das Selecções do Reader's Digest e intitula-se «Momentos de Prazer».</font><br>
<font>...Mas O terá considerado, como confidenciaram fontes próximas do processo à «Gazeta», que o desenho dos pés em várias posições, especialmente a da cozinha (ver gravura), que sugere um relacionamento sexual a três;</font><br>
<br>
<font>12. Na edição de 31.8.96, sob o título:</font><br>
<b><font>Casinha</font></b><br>
<font>Antes de irem para o Arquiparque em Miraflores, à procura de casa para comprar, G e A tentaram outras alternativas.</font><br>
<font>Contactaram, por exemplo, a J para compra de apartamento em Nova Campolide, em Lisboa. Mas L garantiu-me que logo desistiram. É que o atraso na construção do empreendimento do grupo não acompanhava de forma alguma o ritmo de amor crescente e cada vez mais escaldante;</font><br>
<font>13. Na edição de 14.9.96, sob o título</font><br>
<b><font>EXPLOSIVO</font></b><br>
<font>G e A</font><br>
<font>Ninho de Amor em Nápoles</font><br>
<font>A e G foram vistos na segunda-feira, à hora de almoço, em Nápoles, alimentando rumores da imprensa cor-de-rosa sobre a existência de um ninho de amor secreto do casal, algures em Itália. Em Nápoles, .... não conseguiu localizar o ninho da paixão, mas confirmou a vontade firme do casal se manter longe dos mexericos dos colunistas do jet e das teleobjectivas dos «paparazzi». No início da semana, o par mais mediático da "rentrée" passou descontraído nos corredores do aeroporto de Nápoles, num sossego que nem os próprios esperavam, mesmo fora do país. A e G têm, de facto, optado por refugiar-se no exterior, fugindo assim da acidez de alguns comentários da imprensa cor-de-rosa sobre o evoluir do seu enlace. Desde que o romance entre ambos desabrochou, A e G já foram referenciados no Brasil e na Ericeira, entre outras paragens paradisíacas propícias ao alimentar de uma paixão sem fronteiras. Ainda assim, o simpático par, já eleito Casal do Ano entre os principais cronistas sociais, não tem logrado o sossego a que tanto ambiciona. Uma "troupe" de atentos "paparazzi" acompanha todos os movimentos do casal não lhe dando um minuto de descanso. E na incursão italiana de segunda-feira, o casal português só terá passado despercebido pelo facto do divórcio da princesa Stephanie, do Mónaco, ter obrigado à deslocação de alguns dos mais importantes «paparazzis», de Nápoles para o Principado.</font><br>
<font>Segundo apurou M, pelo menos seis caçadores de imagens furtivas aguardavam, na madrugada de Domingo para Segunda, a chegada a Nápoles de A e G. Em Itália, o casal parece ter finalmente conquistado paz propícia ao frutificar da sua forte ligação, que apesar de recentemente nascida não deixa de emocionar todo o público português. G e A vivem o sonho sonhado por muitos. Ele talentoso jornalista, brilhante condutor de tropas de informação, príncipe mais que perfeito da comunicação. A, a diva do debate político, uma mulher cheia de força, um potentado de análise. Amigos do casal revelaram à ... a hipótese de A e G terem filhos da sua relação está, para já, posta de parte. Um e outro querem manter-se em regime de atenção absoluta e rigorosamente absoluta, guardando para mais tarde a transformação do ninho de amor num lar mais alargado. A relação está solidificada depois dos problemas iniciais. Recorde-se que a relação entre o director e a jornalista da ... se iniciou numa altura em que G estava comprometido com outra pessoa e em que A mantinha ainda legalmente vivo o seu casamento com o administrador do «...» I;</font><br>
<font>14. E nessa mesma página</font><br>
<b><font>A, sozinha</font></b><br>
<font>antes de gozar os prazeres da Itália, já G e a sua eterna A tinham tomado uma importante decisão: A passará a apresentar sózinha o programa de debate político que a SIC vai ter na grelha, às terças-feiras. N ficou de fora. É o poder do amor;</font><br>
<font>15. O 1º e 2º réus insinuaram que a autora se servia do relacionamento amoroso com o Dr. G para ganhar maior estatuto como jornalista da televisão SIC, inclusive excluindo colegas de profissão, como é o caso do Dr. N;</font><br>
<font>16. Nenhuma dessas afirmações reproduzidas nas citadas edições do jornal propriedade da 3ª ré está assinada por alguém que se identifique como seu(s) autor(es);</font><br>
<font>17. A ficha técnica dessa edição revela que o Editor Principal e responsável pelo 2º caderno é o 2º réu;</font><br>
<font>18. A secção do jornal intitulado F vem inserida no 2º caderno;</font><br>
<font>19. E foi nela que os réus inseriram e divulgaram os citados textos em que a autora é visada;</font><br>
<font>20. O "F" surge num contexto de proliferação de colunas sociais e de programas televisivos cujos protagonistas são pessoas que exercem actividades de grande exposição pública;</font><br>
<font>21. O jornal "..." é uma publicação periódica registada na D.G.C.S.;</font><br>
<font>22. A 3ª ré, D, é a proprietária dessa publicação;</font><br>
<font>23. O Dr. I foi marido da autora, e no tempo dos citados artigos, encontravam-se separados de facto;</font><br>
<font>24. O Dr. I era e é administrador do ..., empresa que faz parte do grupo em que a SIC se insere;</font><br>
<font>25. O 1º e 2º réus e o interveniente são, respectivamente, o Director, Editor e o Chefe de Redacção e eram-no ao tempo das edições mencionadas na matéria de facto provada;</font><br>
<font>26. Cada um dos 1º e 2º réus e o interveniente não auferem menos de 500 contos/mês; </font><br>
<font>27. O 2º réu, na qualidade referida em 25., não só não se opôs à publicação dos textos e imagens mencionados em 2. a 14., como esteve de acordo com os mesmos e conheceu-os previamente. O 1º réu, na qualidade referida em 25., não só não se opôs à publicação dos textos e imagens mencionados apenas em 2., 3., 4., 5., 6., 13. e 14., como esteve de acordo com os mesmos e conheceu-os previamente;</font><br>
<font>28. O 1º réu, no período entre 27.7.96 e a primeira semana de Setembro de 1996, esteve no estrangeiro a cobrir os Jogos Olímpicos, entrando de seguida em férias;</font><br>
<font>29. Com todas estas afirmações, os réus quiseram visar e visaram a autora;</font><br>
<font>30. Foram impressos cerca de 40.000 exemplares de cada edição;</font><br>
<font>31. Com cada uma dessas edições e com todas no seu conjunto, os réus afirmaram e divulgaram factos pertinentes à intimidade da vida privada da autora;</font><br>
<font>32. Fizeram-no com o propósito de que o público leitor pusesse em causa a imagem positiva que tinha da autora;</font><br>
<font>33. O 1º e 2º réus, ao actuarem da forma descrita em 27., também tiveram o intuito de aumentar as vendas do jornal;</font><br>
<font>34. Pela sua sucessão no tempo, reiteração das referências, enquadramento com outros textos publicados nessas edições, os réus dirigiram uma autêntica campanha de imprensa visando a autora;</font><br>
<font>35. A autora jamais tornou pública a sua vida íntima;</font><br>
<font>36. A autora já se deixou fotografar com os filhos;</font><br>
<font>37. A divulgação da existência de uma relação amorosa entre a autora e o Dr. G - salpicada de referências a uma hipotética gravidez, a relações escaldantes que não olham a horas nem lugares, a trocarem beijos e juras de amor, a viagens em ambiente romântico, a dormir apaixonadamente no ombro de G, a ritmo de amor crescente e cada vez mais escaldante - causou sofrimento à autora;</font><br>
<font>38. O processo de divórcio por mútuo consentimento da autora foi instaurado em 27 de Setembro de 1996;</font><br>
<font>39. A autora é mãe de três filhos menores;</font><br>
<font>40. De entre eles, o filho mais velho, O, apercebeu-se de comentários que terceiros faziam sobre os textos e imagens mencionados de 2. a 14.;</font><br>
<font>41. O que determinou no filho O instabilidade emocional;</font><br>
<font>42. E agravou o sofrimento moral e a preocupação da autora;</font><br>
<font>43. A autora é reconhecida como profissional séria, empenhada e rigorosa;</font><br>
<br>
<font>44. O referido em 43. constitui para a autora um pressuposto indispensável para a manutenção da posição, social e profissional, que conquistou;</font><br>
<font>45. Os textos e imagens descritos de 2. a 14. causaram desprestígio profissional da autora e afectaram o bom conceito que dela tinha o público em geral;</font><br>
<font>46. Causando-lhe também sofrimento moral, angústia e preocupação;</font><br>
<font>47. E que a autora tenha pedido e continue a pedir a si própria um esforço agregador de energias para recobrar a sua intimidade e reafirmar o seu sentimento de honra perante si mesmo e os outros;</font><br>
<font>48. Toda a campanha feita contra a autora foi objecto de generalizada crítica por parte de outros órgãos de comunicação social;</font><br>
<font>49. E que foi objecto de repulsa feita por alguns dos mais prestigiados jornalistas portugueses".</font><div><font>III</font></div><font>1. A personalidade moral de uma pessoa, o seu bom nome e consideração social, são valores legalmente tutelados (artigos 70º e 484º do Código Civil), até mesmo com consagração constitucional nos artigos 25º e 26º do Diploma Fundamental (acórdãos do STJ de 24.2.99 e 27.5.99, Processos nºs 119/99 e 1112/98).</font><br>
<font>O direito ao bom nome e reputação "consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., pp. 180-181).</font><br>
<font>"A honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância... Em sentido amplo, inclui também o bom nome e reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes da unicidade de cada indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político" (Rabindranah Capelo de Sousa, "O Direito Geral da Personalidade", 1995, pp. 303-304).</font><br>
<br>
<font>Maria Paula G. Andrade, "Da ofensa do crédito e do bom nome", 1996, p. 97, diz ser a honra "bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso".</font><br>
<br>
<font>2. Estabelece o artigo 484º do Código Civil:</font><br>
<font>"Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".</font><br>
<font>E responde, sublinhe-se, desde que se verifiquem os pressupostos definidos no artigo 483º.</font><br>
<font>Na verdade, a ofensa prevista no artigo 484º mais não é que um caso especial de facto antijurídico definido no artigo precedente que, por isso, se deve ter por subordinada ao princípio geral consignado nesse artigo 483º, não só quanto aos requisitos fundamentais da ilicitude, mas também relativamente à culpabilidade (cfr. acórdãos do STJ de 14.5.76, BMJ, nº 257-131, e de 17.10.2000, Proc. nº 372/00).</font><br>
<font>Ou seja, para além das duas disposições básicas de responsabilidade civil constantes do artigo 483º, o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares que concretizam ou complementam aquelas, entre elas, e desde logo, a do artigo 484º.</font><br>
<font>Assim, Mário Júlio de Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 5ª ed., p. 453, após considerar que um dos casos especiais de ilicitude previstos no Código Civil é o da ofensa do crédito ou do bom nome, conclui que "parece indiferente ... que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada".</font><br>
<font>Também Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", vol. II, p. 349, entende que a ofensa do crédito ou do bom nome está sujeita às regras gerais dos delitos, concluindo pela responsabilidade de quem, com dolo ou mera culpa, viola o direito ao bom nome e reputação de outrem, após o que afirma que "é indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário. Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual".</font><br>
<font>Segundo Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., p. 567, além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos, o primeiro dos quais é o da afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa (artigo 484º).</font><br>
<font>Autor que prossegue (ob. cit., pp. 567-568), dizendo que "pouco importa que o facto afirmado ou divulgado seja ou não verdadeiro - contanto que seja susceptível, ponderadas circunstâncias do caso, de diminuir a confiança na capacidade e na vontade da pessoa para cumprir as suas obrigações (prejuízo do crédito) ou de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que ela seja tida (prejuízo do bom nome) no meio social em que vive ou exerce a sua actividade" (1). </font><br>
<font>3. Dispõe o artigo 483º do Código Civil:</font><br>
<font>"Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".</font><br>
<font>Como pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, costumam ser apontados o facto voluntário do agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.</font><br>
<font>O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente, o qual, podendo ser uma omissão, consiste, em regra, num facto positivo que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto, bastando, para fundamentar a responsabilidade civil, a possibilidade de controlar o acto (ou omissão), não sendo necessária uma conduta predeterminada, orientada para certo fim (Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, 9ª ed., 1996, pp. 545-548).</font><br>
<font>O segundo pressuposto é a ilicitude, cujo conceito o Código vigente procurou fixar em termos precisos, descrevendo concretamente | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UTLzu4YBgYBz1XKv7mHu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
"A", propôs pelo 14º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Lisboa uma acção declarativa em que pediu contra as rés B. e C a declaração de nulidade da deliberação de amortizar a sua quota, bem como a sua anulação. E, subsidiariamente, pediu que se declarasse a amortização da raiz da quota da autora mediante o pagamento do respectivo valor a apurar em execução de sentença.<br>
Contestada a acção por ambas as rés, houve saneador-sentença em que se declarou a nulidade da amortização em causa por a autora não ter sido convocada para a assembleia geral em que foi tomada.<br>
Apelaram as rés, mas a Relação de Lisboa julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão da 1ª instância.<br>
Ainda inconformadas, as rés interpuseram o presente recurso de revista em que, pedindo a revogação do acórdão recorrido, formulam conclusões com o seguinte teor:<br>
A- A assembleia geral extraordinária da sociedade B de 10/8/93 foi estatutária e legalmente convocada, bem como a deliberação que, formalmente, amortizou a quota do falecido sócio D e, por isso, não enferma nulidade. Porquanto:<br>
B- A cláusula oitava do pacto social da sociedade B estipula que, no caso de morte de qualquer sócio, a sociedade fica com o direito de amortizar a sua quota pelo valor que lhe tiver sido atribuído no último balanço geral aprovado.<br>
C- Direito que, abstractamente, a sociedade detinha ainda em vida dos sócios e que, automaticamente, se concretiza com o falecimento de qualquer sócio.<br>
D- O sócio D faleceu em 4/6/93.<br>
E- A assembleia geral extraordinária da sociedade, na qual teve lugar a deliberação da amortização da quota, realizou-se em 10/8/93.<br>
F- Em 17/8/93 a A, por carta da sócia gerente C, tomou conhecimento de tal deliberação e recebeu um cheque da sociedade de 380.000$00, que movimentou e fez seu o crédito correspondente ao valor da raiz da quota.<br>
G- Tudo dentro do prazo de 90 dias a que alude o nº 2 do art. 225º do C.S.C..<br>
H- A cláusula oitava do pacto social da sociedade B. deverá ser interpretada como sendo uma cláusula de continuação e estabilidade do normal funcionamento da sociedade.<br>
I- No mesmo sentido, dispõe o nº 1 do art. 225º do C.S.C. que o contrato da sociedade pode estabelecer que falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos sucessores do sócio falecido. Dispositivo legal que se aplica ao caso "sub judice".<br>
J- Esta restrição abrange todos os sucessores do sócio falecido, sem qualquer distinção, inclusivamente quanto à sua fonte legal ou testamentária da sucessão e quanto ao carácter da herança ou legado.<br>
K- Tratando-se de uma cláusula de estabilização, como efectivamente se trata, a morte do sócio D é causa de dissolução do vínculo social e, automaticamente, a sua quota transferiu-se para a sociedade.<br>
L- Assim sendo, a A não chegou, sequer, a ser sócia da sociedade B., mas apenas titular de um crédito, que recebeu.<br>
M- Não sendo sócia da sociedade, a A não tinha que ser convocada para participar e votar na assembleia geral extraordinária de 10/8/93, na qual foi deliberada a amortização.<br>
N- Ainda que, por mera hipótese, a A tivesse que ser convocada para dar o seu consentimento à amortização da quota, ao receber e movimentar o cheque em proveito próprio, nos termos do disposto no art. 55º do C.S.C., tacitamente deu o seu acordo e ratificou a amortização.<br>
<br>
Não houve resposta.<br>
<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div></div>Os factos dados como assentes no acórdão recorrido não são postos em causa, pelo que nessa parte para ele se remete, nos termos do art. 713º, nº 6 do CPC.<br>
Destacam-se os seguintes:<br>
1- D, falecido em 4/6/93, era titular de uma quota de 380.000$00 na sociedade ré, tendo deixado testamento pelo qual legou à autora a raiz da mesma e à ré C o respectivo usufruto;<br>
2- O art. 8º do pacto social tem a seguinte redacção: "Dissolve-se a sociedade nos casos legais, mas no caso de morte ou interdição de qualquer sócio a sociedade fica com o direito de amortizar a sua quota pelo valor que lhe tiver sido atribuído no último balanço geral aprovado";<br>
3- A sociedade amortizou a quota de 380.000$00 em assembleia geral extraordinária realizada em 10/8/93;<br>
4- Após falecimento do D a autora não foi convocada para qualquer assembleia geral, como também o não foi para a assembleia na qual foi tomada a deliberação em causa.<div></div>Começando pela última questão levantada pelas recorrentes na conclusão N acima transcrita, deve dizer-se que a mesma é totalmente descabida.<br>
Na verdade, nunca nos articulados produzidos nestes autos foi alegado que tivesse sido movimentado pela autora um cheque enviado para pagamento do valor da amortização da quota e que essa movimentação traduzisse uma declaração tácita de acordo em relação à dita amortização.<br>
Como o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes nos articulados - cfr. arts. 151º e 664º do CPC -, é evidente que a sobredita conclusão contém uma tese cujos fundamentos de facto - que, aliás, não estão dados como provados - nunca poderiam ser aqui aceites<br>
Aliás, essa tese, por ser uma questão nova - não foi, na verdade, suscitada em fase anterior dos autos -, não poderia também ser aqui considerada.<br>
Assim, como bem se diz no acórdão recorrido, a questão que se impõe decidir é a de saber se a autora, devido à sua qualidade de legatária da nua propriedade de uma quota da sociedade ré, tinha que ser convocada para a assembleia geral que deliberou a amortização dessa quota na sequência do falecimento do sócio que dela era titular.<br>
Já na apelação as ora recorrentes defenderam, como agora, que a supracitada cláusula 8ª do pacto social tem a natureza de cláusula de estabilização e que, por isso, o falecimento do sócio D operou "ipso facto" a dissolução, parcial, do vínculo social no tocante à sua quota, pelo que as suas sucessoras não chegaram a nela suceder, razão que igualmente conduziria à conclusão segundo a qual não teriam que ser, como não foram, convocadas para a assembleia geral que deliberou no sentido da amortização da mesma quota.<br>
O acórdão recorrido não aceitou esta construção; reconduzindo aquela cláusula à categoria das cláusulas de opção, extraiu daí a ideia de que as sucessoras sucediam imediatamente na quota do sócio falecido, embora numa situação de suspensão dos seus direitos a ela inerentes, a qual, porém, não dispensava a necessidade da sua convocação para uma assembleia geral da qual poderia resultar uma alteração ou dissolução da sociedade, nos termos do art. 227º, nº 2 e 3 do C. Soc. Com. - diploma ao qual pertencerão as disposições que adiante citarmos sem outra menção identificadora.<br>
Perante estas posições assim extremadas, impõe-se dizer que a razão está do lado das recorrentes, se bem que por razões jurídicas diferentes das que alinharam na sua argumentação.<br>
Mas, de facto, a verdade é que a ora recorrida não tinha que ser convocada para a assembleia geral que deliberou a amortização da quota do sócio D.<br>
Porquê?<br>
Estamos perante uma questão que, em última análise, se traduz em saber quais são, quanto a uma quota de uma sociedade comercial, os efeitos jurídicos do falecimento do sócio que era o seu titular.<br>
Falecido o D em 4/6/93, somos levados a considerar as normas jurídicas vigentes nessa data, por força da primeira parte do nº 2 do art. 12º do CC - no que ambas as partes assentem, como se vê do facto de jogarem, nos seus raciocínios, como disposições do CSC.<br>
De um lado, e por força do art. 2025º, nº 1 do CC, temos que, face ao princípio-regra da transmissibilidade das relações jurídicas do "de cuius", a quota por aquele detida na B. só não será de transmitir aos seus sucessores se, por força da sua natureza ou da lei, houver que extinguir-se.<br>
Por outro lado, e considerando o teor do art. 225º, nº 1, torna-se evidente que o regime próprio das sociedades comerciais não altera esta regra sucessória básica; na verdade, ao admitir que o contrato de sociedade estatua no sentido dessa não transmissão ou do seu condicionamento a certos requisitos, a lei está a aceitar que, na falta dessas estatuições, a transmissão se dará nos termos gerais.<br>
Discutiu-se, como se viu, nestes autos se a cláusula 8ª é uma cláusula de estabilização ou se é uma cláusula de opção.<br>
Numa rápida abordagem dir-se-á que aqui não estamos perante noções legais, mas apenas doutrinárias, já que o CSC - aliás tal como a anterior Lei das Sociedades por Quotas - não se lhes refere; com essas expressões se designavam, a par de uma terceira categoria - a das cláusulas de transmissão -, disposições pactícias correntes sobre o destino jurídico das quotas sociais em caso de falecimento do seu titular; eram de "estabilização" aquelas em que se impedia a transmissão da quota a favor dos sucessores do sócio e se determinava a continuação da sociedade apenas com os sócios sobrevivos, de "transmissão" aquelas em que se estabelecia a continuação da sociedade com quem sucedesse ao sócio falecido e de "opção" aquelas em que se atribuía aos sócios a possibilidade de deliberação sobre o regime subsequente, designadamente sobre se a quota do sócio falecido se transmitia aos seus sucessores ou se a sociedade permanecia apenas com os sócios sobrevivos - cfr. Raul Ventura, Sociedades Comerciais, Dissolução e Liquidação, Vol. I, pg. 327, já citado no acórdão recorrido. A frequência e a importância destas cláusulas vinha do facto de no direito anterior ao vigente - cfr. o originário art. 120º, designadamente os seus §§ 1º e 5º, do CCom e o art. 42º da LSQ - a morte de qualquer sócio determinar, em princípio, a dissolução das sociedades em nome colectivo ou, sendo um sócio de responsabilidade ilimitada, das sociedades em comandita.<br>
Destas noções se extrai, com inteira segurança, a total falta de razão das recorrentes quando defendem estar-se perante uma cláusula de estabilização; ficando a sucessão na quota condicionada a que a sociedade não tomasse a iniciativa de deliberar a sua amortização, seguro é que os sócios sobrevivos ficam, por força da cláusula 8ª, com a possibilidade de fazer subsistir a sociedade apenas com eles próprios, assim evitando a solução que, em primeira linha, é de configurar - a da sua continuação também com os sucessores do sócio falecido. Trata-se, pois, de uma cláusula de opção.<br>
Mas, apesar desse seu erro de qualificação, não passa por aqui o apuramento da razão ou da falta de razão das recorrentes.<br>
Qualquer das limitações do princípio geral da transmissibilidade legalmente possíveis à luz do art. 225º, nº 1 tem, apesar de na sua origem estar um regime de livre disponibilidade, um regime jurídico imperativo constante do nº 2 do mesmo artigo, designadamente o de a sociedade dever deliberar em 90 dias, para que a transmissão se não efective, no sentido de amortizar a quota, de a adquirir para si própria ou de a fazer adquirir por um sócio ou por terceiro; não o fazendo, a quota considera-se transmitida.<br>
Isto quer dizer que uma cláusula de estabilização como a referida por Raul Ventura - por força da qual os sucessores do sócio falecido ficavam sempre e apenas com um direito de crédito correspondente ao valor da quota, mas sem que alguma vez pudessem adquirir a qualidade de sócios - seria, actualmente, nula por violação de lei imperativa - cfr. art. 280º do CC.<br>
Daí, também, poder afirmar-se que o regime actual reduz semelhante cláusula de estabilização a uma simples cláusula de opção, não sendo possível dizer que na cláusula de opção há uma imediata sucessão, embora condicionada, e que na cláusula de estabilização não há sucessão.<br>
Valerá, em qualquer dos casos, o disposto no art. 227º, que nos dá a este respeito duas indicações preciosas.<br>
Por um lado, no nº 1 diz que, tendo lugar a amortização ou a aquisição da quota, se dá uma retroacção dos seus efeitos à data do óbito; por outro lado, nos seus nº 2 e 3 estabelece, quanto aos sucessores, um regime híbrido, que se caracteriza por uma regra segundo a qual os seus direitos e obrigações ficam suspensos e por uma excepção que, em casos limitados, os habilita ao imediato exercício de certos direitos.<br>
Daqui se infere, logicamente, que a quota do falecido D foi objecto, embora em termos especiais e precários, de um fenómeno sucessório em favor de quem era seu sucessor - cfr., neste sentido, Raul Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª edição, pg. 548.<br>
Erraram, pois, aqui as recorrentes.<br>
Apesar disso, não merece confirmação o acórdão recorrido.<br>
Como ensina Raul Ventura, obra citada, pg. 569, a tutela excepcional a que se refere o art. 227º, nº 3 pode respeitar à defesa da existência da posição jurídica precária do transmissário, à defesa dos limites e consequências dessa precariedade e à defesa do respectivo conteúdo jurídico.<br>
"Em nenhuma destas categorias se insere o direito de voto quanto ao próprio destino da quota - amortização, aquisição por entidade designada pela sociedade ou nenhuma destas medidas - pois a posição do sucessor jurídico define-se pela possibilidade de ser alterada por acto alheio (da sociedade) e a tutela só pode respeitar à situação como tal, não à mudança dessa posição. O direito de votar nessas deliberações está, pois, suspenso" - cfr. pg. 570. Os direitos a exercer apesar da suspensão decretada no art. 227º, nº 2 serão apenas os que "... se destinarem a assegurar eficazmente aos sucessores a situação em que a lei os colocou e que outras entidades pretendam violar; ......... a tutela em vista apenas respeita à conservação da quota, com o seu conteúdo jurídico, absoluto e relativo, isto é, em si mesmo e relativamente às posições dos outros sócios" - ibidem.<br>
A assembleia geral em que se delibere sobre a amortização da quota não é, nestes casos, uma assembleia em que o sucessor da quota tenha o direito de votar.<br>
Assim, se este direito de voto está no âmbito daquela suspensão, não tem lugar a convocação do seu titular para a assembleia geral.<br>
Não se invoque, em contrário, o disposto no art. 248º, nº 5.<br>
Se é certo que, mesmo nos casos em que esteja impedido de aí votar, o sócio não pode ser privado de participar numa assembleia geral - o que obriga à sua convocação, sob pena de invalidade do que se deliberar -, semelhante exigência não tinha aqui lugar; o direito a participar na assembleia geral não pode ser reconhecido ao sucessor do sócio devido à mencionada suspensão.<br>
Assim, a recorrida não tinha que ser convocada para a assembleia geral aqui impugnada, não padecendo do vício que lhe apontou a deliberação de amortização da quota de que era legatária.<br>
Pelo exposto, concedendo-se a revista, revoga-se o acórdão recorrido e absolvem-se as rés, ora recorrentes, do pedido formulado.<br>
Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da autora, aqui recorrida.<br>
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Lisboa, 23 de Janeiro de 2001.<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mDL9u4YBgYBz1XKvrW52 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I<br>
A instaurou acção com processo ordinário contra B, ambas com os sinais dos autos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 3164364 escudos, acrescida de juros vencidos no montante de 141746 escudos e vincendos até integral pagamento.<br>
Alegou, em síntese, que vendeu à Ré 4330 Kg de miolo de camarão pelo preço de 3164364 escudos, que esta não pagou atempadamente, encontrando-se, por isso, em mora desde 27 de Novembro de 1994.<br>
A Ré contestou por excepção, opondo a sua ilegitimidade, e por impugnação, alegando que nada comprou à Autora, tendo antes adquirido miolo de camarão a uma outra empresa denominada "Peixaria 70".<br>
Na réplica, a Autora pugnou pela improcedência da excepção e pediu a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a 100000 escudos.<br>
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré. Seguiu-se a condensação, não tendo a especificação e o questionário sido objecto de reclamações.<br>
Procedeu-se a julgamento que terminou com as respostas aos quesitos, também sem reclamações.<br>
No decurso da audiência, a Autora prescindiu de uma testemunha por si arrolada, tendo, posteriormente, a Ré requerido, por duas vezes, a sua inquirição nos termos dos artigos 264, n. 3, e 645, n. 1, do C.P. Civil, o que o Meritíssimo Juiz indeferiu. Dos respectivos despachos de indeferimento agravou a Ré, tendo o agravo sido admitido para subir a final.<br>
Em 20 de Dezembro de 1996, foi lavrada sentença que julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 3164364 escudos, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde 27 de Novembro de 1994 até integral pagamento. E que condenou ainda a Ré como litigante de má-fé na multa de 30000 escudos e indemnização de 100000 escudos à Autora.<br>
Inconformada, a Ré deduziu apelação para a Relação de Coimbra, tendo oferecido as alegações dos correspondentes recursos - cfr. peças de folhas 112 e seguintes e 134 e seguintes.<br>
Por acórdão de 20 de Janeiro de 1998, o Tribunal da Relação negou provimento ao agravo, tendo julgado parcialmente procedente a apelação, em consequência do que absolveu a Ré do pedido de condenação como litigante de má-fé, mantendo, no mais, o decidido.<br>
Ainda inconformada, trouxe a Ré a presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br>
1. Tendo em consideração que o negócio sobre (1) apreciação foi realizado entre C e D, é imprescindível o depoimento deste último, com vista à descoberta da verdade.<br>
2. Sendo o negócio em causa bilateral e, resultando evidente na audiência de julgamento que os intervenientes na transacção foram aqueles, é inadmissível que o Tribunal tenha indeferido os requerimentos apresentados pela Recorrente, no sentido de se inquirir o D.<br>
3. Nos termos do disposto no artigo 645, n. 1 do C.P.C., mesmo na redacção anterior ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, deve considerar-se que a prerrogativa do Tribunal é um dever ou poder-dever, em conjugação com o princípio fundamental da descoberta da verdade.<br>
4. Face à injustificada recusa do Tribunal em inquirir o D violou-se ainda o princípio do contraditório.<br>
5. Ainda que tenha ficado registado nestes autos que a testemunha C é sócio-gerente da "Peixaria 70", não está minimamente esclarecido que função desempenhou neste negócio. Ou seja, sendo comerciante, se agiu em nome próprio ou em nome da Recorrida.<br>
6. Sendo o C comerciante, os actos por si praticados presumem-se no exercício do seu comércio - artigo 13, n.<br>
1, do Código Comercial, por conseguinte, a transacção por si efectuada e objecto desta acção jamais poderia envolver e beneficiar a Recorrida.<br>
7. Por tudo quanto a Recorrente alegou, é manifesta a insuficiência da decisão de facto para constituir base suficiente para a decisão de direito, como tal deve ser dado cumprimento ao disposto no n. 3 do artigo 729, do C.P. Civil.<br>
Como consequência, formula-se a pretensão no sentido de que, na procedência do recurso, seja ordenada a repetição do julgamento da causa, inquirindo-se o D, ou, quando assim não se entenda, baixem os autos à 2. instância para ampliação da matéria de facto, ou, ainda assim não se entendendo, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue improcedente a acção.<br>
A Recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II<br>
É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelas instâncias:<br>
Da especificação<br>
A) A autora dedica-se à comercialização e indústria de peixe congelado e bacalhau salgado.<br>
B) A Ré dedica-se à comercialização, importação e exportação de produtos alimentares congelados.<br>
Das respostas aos quesitos<br>
- A Autora em 4 de Novembro de 1994 vendeu à Ré 4330 Kg de miolo de camarão pelo preço de 3164364 escudos (Respostas ao quesito 1.).<br>
- Tal mercadoria, quando foi vendida pela Autora à Ré, encontrava-se depositada à ordem e em nome daquela, nas câmaras frigoríficas da Beira-Frio S.A. (Resposta ao quesito 2.).<br>
- Aquela mercadoria referida no quesito 1., integrada num lote de 444 caixas, deu entrada na Beira-Frio em 20 de Outubro de 1994 (Resposta ao quesito 3.).<br>
- Foi nas instalações da Beira-Frio que, no dia 20 de Outubro de 1994, a Ré levantou 144 caixas de miolo de camarão pertencentes à Autora e no dia 27 de Outubro levantou mais 288 caixas (Respostas aos quesitos 4. e 5.).<br>
- Em 9 de Novembro de 1994 a Autora enviou à Ré a factura constante de folhas 10 (n. 10364), que a Ré recebeu em 10 de Novembro de 1994 e devolveu em 21 de Novembro de 1994 alegando que nada havia comprado à Autora (Respostas aos quesitos 6., 7. e 8., pelos documentos de folhas 10 a 15).<br>
- A Ré comprometeu-se a pagar a mercadoria referida no quesito 1. no prazo de 30 dias a contar da entrega (Resposta ao quesito 9.).<br>
- Os frigoríficos da Beira-Frio são utilizados por diversas empresas que ali armazenam os seus produtos congelados destinados a revenda (Resposta ao quesito 12.).<br>
III<br>
É em face das conclusões das alegações do recorrente que se circunscreve o objecto do recurso - artigos 684, n. 3, e 690, do CPC, diploma a que pertencerão os normativos que se indiquem sem menção da origem.<br>
São essencialmente duas as questões a resolver: a) A admissibilidade do depoimento de D, ao abrigo do disposto pelo artigo 645, n. 1, em conexão com o artigo 264, n. 3; b) A suficiência, ou não, da prova produzida e da matéria de facto dada como assente para fundamentar a decisão recorrida.<br>
Vejamos, pois.<br>
3.1. - Aplica-se, in casu, como a própria Recorrente reconhece, o disposto pelo C.P.Civil, na redacção anterior ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, atento o disposto pelo artigo 16 deste diploma.<br>
À luz do CPC/61 preponderava o princípio do dispositivo (artigo 264, n. 1), matizado por alguns laivos do poder inquisitório do juiz, de molde a prosseguir o apuramento da verdade material. Representam afloramentos do princípio do inquisitório os artigos 264, n. 3, e 645, n. 1, que, na redacção anterior à reforma de 1995/96, dispunham o seguinte:<br>
Artigo 264, n. 3: O juiz tem o poder de ordenar ou realizar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (2).<br>
Artigo 645, n. 1: Quando se reconheça, pela inquirição, que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, pode o tribunal ordenar que seja notificada para depor" (Sublinhado agora).<br>
3.2. - Após a reforma processual de 1995/96, o normativo em causa passou a dispor o seguinte:<br>
Quando, no decurso da acção, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor (Sublinhado agora).<br>
O cotejo entre o conteúdo anterior da norma e a redacção que lhe foi dada pelo DL 329-A/95 permite reflectir melhor acerca da natureza do poder concedido ao juiz pelo antecedente n. 1 do artigo 645.<br>
A par de outras alterações, agora de menor relevo, importa atentar na substituição da forma verbal do presente do indicativo do verbo "poder" pela correspondente do verbo "dever". A posição dominante, há doutrina e na jurisprudência, aponta, em correspondência com essa alteração, o facto de, presentemente, a inquirição por iniciativa do tribunal constituir um poder-dever, ao passo que, na anterior redacção, era um simples poder discricionário.<br>
Distinção da maior relevância, no plano das consequências práticas, mormente em sede de recurso das decisões tomadas no exercício do referido poder, tendo presente o disposto no artigo 679, segundo o qual não admitem recurso os despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário.<br>
3.3. - É certo que não é unânime, na doutrina, a consideração deste poder como discricionário. Assim, José Alberto dos Reis, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Fevereiro de 1946, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 79, n. 2828, págs.<br>
105 e seguintes, entende tratar-se de um "poder limitado e condicionado, dum poder-dever, e não de um poder arbitrário e discricionário" (3). Escreve, a propósito, este Autor: "O poder discricionário caracteriza-se pela ausência de limites. O tribunal está investido de poder discricionário quando lhe é lícito fazer ou deixar de fazer, quando depende exclusivamente de acto da sua vontade determinar-se num ou noutro sentido. Poder discricionário quer dizer poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objectivas ou subjectivas".<br>
Colocada, a seguir, a questão de saber se satisfaria a este requisito o poder estatuído na norma correspondente ao falado artigo 645, n. 1 (4), o ilustre processualista respondia negativamente, entendendo, já então, que o tribunal tinha "o dever de ordenar a notificação quando pela inquirição se mostre que a pessoa referida tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, isto é, de factos relevantes susceptíveis de influir na decisão".<br>
Termos em que, visando retirar consequências do entendimento exposto, concluía o referido Mestre: "Ora, desde que há possibilidade de o poder ser exercido ou deixado de exercer em contravenção da lei, importa que o procedimento do tribunal da 1. instância esteja sujeito, mediante recurso, à censura dos tribunais superiores"(5).<br>
3.4. - No entanto, a doutrina e a jurisprudência mais recentes e representativas, têm-se inclinado para o entendimento de que se trata do exercício de um poder discricionário do juiz.<br>
Assim, no que tange à jurisprudência deste STJ, e para além do já citado Acórdão de 5 de Fevereiro de 1946, que mereceu a referida anotação crítica por parte de Alberto dos Reis, pode mencionar-se o Acórdão de 21 de Outubro de 1988, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.<br>
380, pág. 444 e segs., segundo o qual o poder atribuído ao tribunal pelo artigo 645, n. 1, em sintonia com o artigo 264, n. 3, para inquirir pessoa não oferecida como testemunha, mas que se reconheça ter conhecimento de factos importantes para a decisão da causa, deve ser considerado como um poder discricionário.<br>
No aresto em referência faz-se a crítica do entendimento de Alberto dos Reis, perfilhando-se, em contrapartida, a lição do Conselheiro Rodrigues Bastos, segundo o qual se trata "de uma faculdade de que o tribunal pode usar e de que só ele pode tomar a iniciativa. Nesta liberdade de ordenar ou não a diligência, sem possibilidade de esta lhe ser requerida, é que está a discricionaridade do acto".<br>
Prosseguindo, escreve o Autor que ora se acompanha:<br>
"As partes não têm, nesta hipótese, qualquer direito a ver ordenada a inquirição, e daí que não possam considerar-se vencidas relativamente a qualquer resolução que, nesta matéria, o tribunal possa tomar. Ora, (...) só o vencido é titular do direito ao recurso" (in "Notas ao Código de Processo Civil", volume III, Lisboa, págs. 201 e segs.).<br>
3.5. - Não obstante o exposto por esta tese, com a qual se está genericamente de acordo, será possível sustentar que não se trata de uma discricionaridade absoluta, mas sim de um poder discricionário vinculado aos seguintes pressupostos de facto:<br>
- Reconhecimento, pelo tribunal, de que determinada pessoa tem conhecimento de factos importantes para a decisão da causa;<br>
- Ter esse reconhecimento resultado da inquirição das testemunhas indicadas pelas partes;<br>
- A referida pessoa não ter sido oferecida como testemunha.<br>
Em face deste condicionalismo, poderá considerar-se admissível a interposição de recurso da decisão do tribunal a respeito da existência, ou não, dos requisitos de facto que são o pressuposto do exercício do mencionado poder inquisitório, previsto no n. 1 do artigo 645.<br>
Pense-se, verbi gratia, que, perante um determinado caso concreto, o tribunal não pode arbitrariamente - sabe-se que a "discricionaridade" é um conceito distinto do "arbítrio" - ordenar a notificação, para depor, da pessoa referida. O exercício do seu poder discricionário está subordinado ao condicionalismo acima indicado, sendo a pessoa chamada a depor se a inquirição revelar que ela está de posse de factos importantes para a decisão da causa e desde que ela não tenha sido oferecida como testemunha.<br>
No entanto, tratando-se de matéria de facto, não pode o Supremo Tribunal de Justiça, salvo casos excepcionais, como melhor se verá a respeito da questão subsequente, ocupar-se de tal problemática.<br>
Termos em que, não sendo, manifestamente, caso para aplicação do disposto nos artigos 722, n. 2, e 729, n. 2, não pode ser concedida procedência à pretendida inquirição de D, matéria a que se referem as conclusões 1. a 4..<br>
4. - Nesta conformidade, também no que diz respeito à questão de saber se o Tribunal já dispunha nos autos de factos suficientes para se pronunciar através da prolação de uma decisão de fundo, impõe-se reconhecer que se está perante um juízo em matéria de facto, da competência exclusiva das instâncias. É neste sentido a jurisprudência pacífica do STJ, como melhor se vai passar a ver.<br>
4.1 - Justifica-se que, com a brevidade requerida, se dê uma panorâmica geral dos poderes da Relação e deste STJ em relação à matéria de facto.<br>
Como se sabe, cabe às instâncias, e designadamente, à Relação, apurar a factualidade relevante, sendo a este propósito a intervenção deste Supremo Tribunal residual e destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material - artigo 722, n. 2, do CPC - ou a mandar ampliar a decisão sobre matéria de facto - artigo 729, n. 3, do mesmo diploma - cfr. verbi gratia, os acórdãos deste STJ de 14 de Janeiro de 1997, no Processo n. 605/96, 1. Secção, e de 30 de Janeiro de 1997, no Processo n. 751/96, 2. Secção.<br>
Aliás, não poderá esquecer-se que só à Relação compete censurar as respostas ao questionário através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 712 do CPC - cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste STJ de 14 de Janeiro de 1997, Processo n. 591/96, e de 4 de Fevereiro de 1997, no Processo n. 712/96, ambos da 1. Secção. Também constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento segundo o qual a Relação não pode alterar resposta ao quesito dada a partir de prova testemunhal não extractada nos autos, não constando dele todos os elementos probatórios que lhe serviram de base, não ocorrendo as situações subsumíveis às alíneas do n. 1 do artigo 712 do CPC - cfr. o acórdão de 31 de Outubro de 1991, no Processo n. 80181.<br>
4.2. - Inexistem, por outro lado, motivos para lançar mão do mecanismo previsto no artigo 729, n. 3, e 730, n. 1, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela reforma de 1995/96, ex vi do artigo 25 do Decreto-Lei 329-A/95.<br>
Com efeito, não se divisa, no caso dos autos, que a decisão de facto possa e deva ser ampliada, em ordem e a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.<br>
4.3. - Se não, vejamos.<br>
Em resposta aos quesitos 1., 2., 4., e 5., foram dados como provados os seguintes factos:<br>
- A Autora vendeu à Ré 4330 Kg de miolo de camarão pelo preço de 3164364 escudos;<br>
- Tal mercadoria, quando foi vendida pela Autora à Ré, encontrava-se depositada à ordem e em nome daquela, nas câmaras frigoríficas da Beira-Frio S.A.;<br>
- Foi nas instalações da Beira-Frio que, no dia 20 de Outubro de 1994, a Ré levantou 144 caixas de miolo de camarão pertencentes à Autora e no dia 27 de Outubro levantou mais 288 caixas.<br>
Com que fundamento vem agora a Ré alegar "a insuficiência da decisão de facto para constituir base suficiente para a decisão de direito"?- conclusão 7.<br>
É que - importa que tal se tenha presente - nem a especificação e o questionário, nem as respostas aos quesitos, foram objecto de qualquer reclamação por parte da Recorrente.<br>
Indiferente à manifesta improcedência da excepção de ilegitimidade por si deduzida, torna-se claro que a actuação processual da Ré se caracterizou por uma sucessão de inflexões e de insistências, visando responsabilizar as instâncias pela total ausência da prova de factos que só tardiamente veio alegar e a cuja atempada articulação, em homenagem ao princípio dispositivo, a ela competia proceder - artigos 511 e 664, 2. parte, na redacção anterior ao Decreto-Lei 329-A/95.<br>
Considerações estas que se aplicam ao conteúdo das conclusões 5. e 6.<br>
Assente que a Ré comprou à Autora o que esta diz ter-lhe vendido por certo preço, que não pagou, é manifesta a falta de fundamento da presente revista.<br>
Termos em que, na improcedência do recurso, se confirma o acórdão recorrido.<br>
Custas a cargo da Recorrente.<br>
Lisboa, 23 de Setembro de 1998.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Pinto Monteiro.<br>
(1) Pretender-se-ia, por certo, escrever "sob".<br>
(2) Com a actual reforma do processo civil, as partes perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, tendo o tribunal passado a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio. É neste contexto que se explica a nova redacção dada ao n. 3 do artigo 264, que passou a ter o seguinte teor: "Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório".<br>
(3) Veja-se também no mesmo sentido, do mesmo Autor,<br>
"Código de Processo Civil Anotado", volume IV,<br>
Reimpressão, Coimbra, 1987, páginas 483 e seguintes.<br>
(4) Tratava-se então do artigo 646 do CPC.<br>
(5) No mesmo sentido, Joaquim Gualberto de Sá Carneiro, in Revista dos Tribunais, Ano 62, n. 1476, págs. 178 e 179.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OjLtu4YBgYBz1XKvE1pf | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font><br>
<br>
<br>
<font>A propôs contra B acção a fim de ser reconhecido como filho do réu que com sua mãe C manteve relações sexuais de cópula completa desde 1977 a finais de Agosto de 1979, únicas desta, de que resultou o nascimento do autor em 79.11.28.</font><br>
<font>Contestando, o réu, embora reconhecendo ter tido esse relacionamento com a mãe do autor, dele excluiu o período entre o Natal de 1978 e fins de Abril de 1979.</font><br>
<font>Prosseguindo até final, com gravação da prova, procedeu a acção por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>Novamente inconformado, pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações –</font><br>
<font>- a Relação recusou-se a apreciar e a alterar a matéria de facto julgada provada em 1ª instância conquanto se impusesse a apreciação ou a renovação em 2ª instância;</font><br>
<font>- cabia ao autor a prova do que alegava, sendo que em 2ª instância não há inversão do ónus da prova;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 712-1 a) e 2 CPC e 342-1 CC.</font><br>
<font>Sem contraalegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Matéria de facto julgada provada :</font><br>
<font>a)- em 79.11.28, em Lisieux, Calvados, França, nasceu o autor, o qual foi registado como sendo filho de C;</font><br>
<font>b)- entre o réu e a mãe do autor não existem quaisquer laços de parentesco ou afinidade que obstem ao reconhecimento da paternidade;</font><br>
<font>c)- o réu e a mãe do autor conheceram-se em França, em meados de 1975, em Lisieux, em casa do irmão dela, D , onde se encontrava frequentemente com o réu por este ser amigo dos irmãos dela (da mãe do autor) e visita da casa deles;</font><br>
<font>e)- cerca de dois anos depois de se terem conhecido, a mãe do autor e o réu passaram a relacionar-se sexualmente;</font><br>
<font>f)- a partir de 1977 o réu passou a sair com frequência, quase diária, com a mãe do autor como verdadeiros namorados;</font><br>
<font>g)- visitavam-se ao fim de semana, encontravam-se durante a semana e mantinham entre si relações sexuais de cópula completa;</font><br>
<font>h)- este relacionamento amoroso e sexual entre a mãe do autor e o réu era e foi sempre do conhecimento dos irmãos da mãe do autor, que sempre dele se aperceberam;</font><br>
<font>i)- o relacionamento sexual entre a mãe do autor e o réu desenvolveu-se durante os anos de 1977, 1978 e até Abril de 1979, altura em que o réu regressou definitivamente a Portugal;</font><br>
<font>j)- o réu chegou a escrever cartas à mãe do autor, tal como a de fls. 10;</font><br>
<font>l)- durante todo o tempo que se manteve em França, desde 1975 até ao nascimento do autor, a mãe deste não manteve qualquer tipo de relacionamento com qualquer outro indivíduo que não o réu;</font><br>
<font>m)- nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do autor, a sua mãe apenas manteve relações de sexo com o réu;</font><br>
<font>n)- o réu reconheceu perante a tia do autor, E - do que os tios D e F (este marido daquela) souberam -, que a gravidez da mãe do autor se devia às relações sexuais que mantinham exclusivamente entre si.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- A prova foi gravada.</font><br>
<font>Apelando, pretendeu o réu que as respostas aos quesitos 13, 14 e 16 fossem alteradas para não provado, o que não foi deferido pela Relação, e que o autor sofresse o efeito de não ter provado «como devia e pelos meios de prova científica que estavam ao seu alcance, o vínculo biológico e, por isso, que o réu era seu pai» (fls. 81).</font><br>
<font>Defendeu ainda a improcedência da acção por na sentença se ter afirmado que não foi provada qualquer das presunções do art. 1.781-1 CC.</font><br>
<font>A Relação, expressamente conhecendo e analisando as questões suscitadas pelo réu, não só manteve a decisão de facto como ainda explicou, se necessário fosse e não o era, a passagem da sentença em que o Sr. Juiz se referiu ao art. 1.781-1 CC, chamando a atenção para a leitura de passagens posteriores e que revelavam o sentido da anterior.</font><br>
<font>Qualquer das decisões tomou como ponto inquestionável a necessidade de se partir da prova da filiação biológica e que in casu essa foi feita.</font><br>
<font>O referido seria suficiente para o acórdão poder feito por remissão ao abrigo dos arts. 713-5 e 726 CPC. Porém, uns brevíssimos considerandos.</font><br>
<br>
<font>2.- A Relação, apesar da leitura que faz do art. 712-1 a) CPC – a convicção criada pelo juiz, quando a prova é gravada, só poder ser abalada e determinar a alteração das respostas em casos pontuais e excepcionais (fls. 116; vd., o que a propósito consta do relatório do dec-lei 39/95, de 15.02, onde essa interpretação encontra um certo apoio) – não se recusou a, de seguida, analisar e a apreciar a prova em moldes mais latos que exigidos por aquela interpretação.</font><br>
<font>Não o ter feito do modo exaustivo que possivelmente o apelante esperaria ou não ter concluído no sentido que este pretendia é diverso da acusada recusa nem isso traduz qualquer inversão do ónus da prova.</font><br>
<font>Aliás, nem o próprio recorrente consegue explicar onde está e em que consiste a dita inversão do ónus da prova.</font><br>
<font>A introdução da possibilidade de gravação da prova não significou o fim do princípio da imediação nem a alteração ao princípio do princípio da liberdade de julgamento.</font><br>
<font>Aquela convive com estes e articulam-se sem contudo deixar de se reconhecer que o registo da prova importa riscos de quebra da imediação na produção da prova (curiosamente, é o CPC95 a explicitamente reforçar o princípio da imediação, sendo este que explica medidas limitativas à expedição de cartas precatórias, a renovação – agora presencial – do depoimento prestado naquelas, etc; aliás é o relatório citado antes a afirmar que o registo da prova permitirá ainda ao julgador rever e confirmar, com maior segurança, as impressões pessoais que foi colhendo).</font><br>
<font>3.- O autor logrou demonstrar a filiação biológica.</font><br>
<font>A lei não exige o recurso a meios científicos nem os tem como únicos meios de prova a valorizar.</font><br>
<font>A lei não onerou com a requisição dos meios científicos investigante nem investigado, tanto um como outro os podem requerer, ambos têm interesse, se bem que de sinal contrário, em o fazer, o que legitima a possibilidade de qualquer deles os requerer – possibilidade apenas, não impõe sequer que sejam produzidos.</font><br>
<font>Não é a circunstância de não ter sido requerido que impede o tribunal de se convencer, através da prova produzida, da realidade dos factos e a fixar, a qual in casu se traduziu na existência de relações sexuais de cópula completa entre a mãe do autor e o réu, e apenas com este, durante o lapso de tempo tido como período legal de concepção, das quais resultou a gravidez daquela e o nascimento do autor.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 01 de Outubro de 2002.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lopes Pinto (Relator)</font><br>
<br>
<font>Ribeiro Coelho</font><br>
<br>
<font>Garcia Marques</font><br>
<br>
<br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 1] |
jTLsu4YBgYBz1XKvelkZ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><font>I</font></div><font>1. A 19.10.95, no Tribunal da Comarca de Lisboa, "A"- Sociedade de Financiamento de Vendas a Crédito, S. A., propôs acção com processo ordinário contra "B"-Gabinete de Gestão, Lda., pedindo que seja:</font><br>
<font>- reconhecida judicialmente a resolução do contrato de compra e venda a prestações VCR/602, à data de 18.2.94, celebrado em 5.8.92 e referente ao equipamento discriminado em anexo ao contrato junto como doc. n.º 1;</font><br>
<font>- condenada a restituir à autora o equipamento vendido, no estado em que o mesmo lhe foi entregue, ressalvadas as deteriorações decorrentes de um uso prudente durante a vigência do contrato (cfr. fls. 75).</font><br>
<font>Para tanto, e em síntese, alegou que, em 5.8.92, foi celebrado o contrato de compra e venda a prestações, com reserva de propriedade, n. VCR/602, entre a ré e "C" - Comércio e Aluguer de Bens e Serviços, S.A., que cedeu à autora a sua posição contratual, tendo a ré deixado de fazer os pagamentos a que se havia obrigado nesse contrato.</font><br>
<font>A ré defendeu-se por impugnação e por excepção, sustentando, nomeadamente, a ilegitimidade da autora.</font><br>
<font>2. No saneador-sentença, a 15.01.2001 julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade, e procedente e provada a acção em relação à restituição do equipamento vendido, com fundamento na resolução do contrato (fls. 91).</font><br>
<font>Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 18.12.2001, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida (fls. 127).</font><br>
<font>3. Irresignada, interpôs o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo ao alegar:</font><br>
<br>
<font>"1ª O douto acórdão é nulo,</font><br>
<font>a) por ter confirmado a sentença, apesar de ter discordado dos fundamentos da mesma;</font><br>
<font>b) por, ao negar provimento ao recurso, ter fundamentado com outras razões diversas das expressas na sentença, sem ter concedido o prazo a que se refere o artigo 715°, nº 2, do CPC;</font><br>
<font>c) por ter fundamentado a confirmação da sentença, com factos não alegados na petição e apenas veiculados pela recorrida na réplica, numa autêntica alteração da causa de pedir.</font><br>
<font>2ª A recorrida enviou as cartas de interpelação e de resolução em seu próprio nome.</font><br>
<font>3ª Intentou a acção em seu próprio nome.</font><br>
<font>4ª Jamais, tanto nas cartas como na petição, fez qualquer referência à existência de tal procuração.</font><br>
<font>5ª O mandato deve ser exercido em nome e representação do mandante (artigos 1178°, nºs 1 e 2, e 268° do Código Civil).</font><br>
<font>6ª A recorrida não tinha assim legitimidade para, em seu próprio nome, proceder à resolução do contrato celebrado entre a recorrente e a "C".</font><br>
<font>O douto Acórdão recorrido violou os artigos 3°, nº 3, 668°, nº 1, alíneas c) e d), 715°, nºs 2 e 3, do CPC, e os artigos 1157°, 1178°, nºs 1 e 2, do Código Civil".</font><br>
<font>A recorrida pugnou pela confirmação do julgado (fls. 139-170).</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<div><font>II</font></div><font>Não tendo sido impugnada, nem se justificando uma alteração oficiosa da matéria de facto que vem dada como provada, para ela se remete nos termos do disposto nos artigos 713º, nº 6, e 726º, do CPC.</font><br>
<font>Das conclusões da recorrente, delimitadoras que são do âmbito do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CP), emerge como questão fundamental, prejudicial do conhecimento das demais, saber se o acórdão violou a norma do nº 3 do artigo 3º do CPC, que estabelece:</font><br>
<font>"O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem".</font><br>
<font>1. Tomando como parâmetro a lei fundamental, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar a consagração do princípio do contraditório como algo integrado no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP.</font><br>
<font>O direito de acesso aos tribunais é, na verdade, dominado por uma ideia de igualdade, uma vez que o princípio da igualdade vincula todas as funções estaduais, jurisdição incluída (acórdão do TC nº 147/92, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., pp. 623 e ss.) - vinculação que significa igualdade perante os tribunais, donde decorre que "as partes têm que dispor de idênticos meios processuais para litigar, de idênticos direitos processuais" (acórdão do TC nº 223/95, DR, II série, de 27.6.95).</font><br>
<font>O princípio do contraditório - escreveu-se no acórdão do TC nº 177/2000, DR, II série, de 27.10.2000 -, enquanto princípio reitor do processo civil, exige que se dê a cada uma das partes a possibilidade de - deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e outras" (cfr. Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 1956, p. 364).</font><br>
<br>
<font>2. Não se duvida que a norma transcrita - nº 3 do artigo 3º, introduzida pela Reforma de 1995/96 - veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, como garantia de uma discussão dialéctica ou polémica entre as partes no desenvolvimento do processo.</font><br>
<br>
<font>A uma concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia constitucional do ‘rechtliches Gehõr’ germânico, entendida como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo" (José Lebre de Freitas, "Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, p. 96, e "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, 1999, p. 8).</font><br>
<font>Pondo o enfoque no plano das questões de direito, a norma proíbe, como este Autor logo sublinha, as decisões-surpresa, isto é, as decisões baseadas "em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes".</font><br>
<font>Proibição, pois, das decisões "surpresa, enquanto violadoras do princípio do contraditório, conforme este Supremo Tribunal tem tido oportunidade de decidir (cfr., entre outros, os acórdãos de 18.11.99, Proc. nº 794/99, 16.02.2000, Proc. nº 732/99, 5.12.2000, Proc. nº 3247/00, e de 05.07.2001, Proc. nº 2038/01).</font><div><font>III</font></div><font>Os elementos recenseados permitem se passe à abordagem e decisão da questão enunciada.</font><br>
<font>Em relação à qual entendemos que assiste razão à recorrente.</font><br>
<font>Como se passa a demonstrar.</font><br>
<font>1. Porque nas alegações do recurso de revista foram suscitadas nulidades, a Relação lavrou, a 14.05.02, o acórdão de fls. 176, no qual concluiu que o acórdão recorrido não enferma de qualquer vício, nem constitui qualquer decisão "surpresa.</font><br>
<font>Para tanto, produzem-se nesse acórdão algumas considerações que, com respeito, não podemos acompanhar - designadamente quando se diz "que dele (1) não resulta que tenha confirmado a sentença, apesar de ter discordado dos fundamentos da mesma; e do acórdão também não resulta que ao negar provimento ao recurso tivesse fundamentado com outras razões diversas das expressas na sentença, alterando a causa de pedir".</font><br>
<font>Vejamos com mais pormenor.</font><br>
<font>2. Na petição inicial a autora alegou que, tendo sido celebrado um contrato de compra e venda a prestações entre a ré e a "C", esta veio, depois, a "ceder à autora a sua posição contratual, conforme documento que se junta (doc. nº 2)" (artigo 4º, a fls. 3).</font><br>
<font>A ré arguiu, logo na contestação, a ilegitimidade da autora para a acção, dizendo que a "C" não cedeu qualquer posição contratual à autora, constituindo o doc. nº 2 junto com a petição tão-só um contrato de cessão de créditos, que não confere legitimidade para pedir o reconhecimento judicial da resolução do contrato de compra e venda (fls. 49).</font><br>
<font>Replicando, a autora veio, então, alegar que a legitimidade lhe advém, e tem como fundamento, uma procuração irrevogável que a "C" emitiu a seu favor (fls. 73-74).</font><br>
<font>3. Sem questionarmos que a alteração da causa de pedir era permitida face ao disposto no artigo 273º, o que mais importa relevar, e reter, é que houve, de facto, alteração da causa de pedir.</font><br>
<font>Ao passo que no artigo 4º da petição inicial a autora invocara uma cessão da posição contratual (embora o doc. nº 2, para que aí se remetia, incorporasse um "contrato de cessão de créditos"), na réplica, após invocar uma procuração irrevogável emitida pela compradora a seu favor, rematou assim: "deste modo, a autora tem legitimidade para resolver o contrato de compra e venda a prestações efectuado, e de pedir o seu reconhecimento judicial" (artigo 5º, a fls. 64).</font><br>
<font>4. Como assim, apresenta-se como indispensável recordar o que na sentença de 1ª instância se ponderou, e decidiu, a propósito dessa questão da "ilegitimidade da autora", a saber:</font><br>
<font>- Constata-se dos docs. juntos que a Soc. "C" (a que fez o negócio com a ré) cedeu todos os créditos e todos os direitos referentes ao incumprimento do negócio à autora.</font><br>
<font>Diz o artigo 582º do Código Civil que, com a cessão de créditos, se transmitem todas as garantias e acessórios.</font><br>
<font>Portanto, a autora passou a ser sujeito da relação jurídica controvertida, pelo que improcede esta excepção" (fls. 90).</font><br>
<font>Se bem interpretamos este passo, dele flui, com clareza bastante, que a sentença fez radicar a legitimidade da autora na cessão de créditos - aliás, lida toda a sentença, constata-se que nenhuma referência nela é feita à procuração.</font><br>
<br>
<font>5. Contra o assim decidido, a ré reagiu apelando para o Tribunal da Relação, alegando e concluindo que o contrato de cessão de créditos não transmite ao cessionário o direito de resolução do contrato, direito que não faz parte das garantias e acessórios do crédito cedido, pelo que a autora não tem legitimidade para resolver o contrato celebrado entre a ré/apelante e a "C" (cfr. conclusões 1ª a 3ª, a fls. 100 v.).</font><br>
<font>Entendimento este que diverge, claramente, da tese defendida na 1ª instância, a ela se opondo sem margem para dúvidas.</font><br>
<font>5.1. E foi esse entendimento, vazado nas referidas conclusões, que veio a ser perfilhado pelo acórdão recorrido.</font><br>
<font>Como flui, com segurança, dos passos seguintes:</font><br>
<font>- "...na cessão de créditos não se transmite para o cessionário o direito de resolver o contrato donde nasceu o crédito cedido";</font><br>
<font>- "para a "A" (autora) apenas se transmitiu o crédito e as garantais do crédito";</font><br>
<font>- "...é óbvio que com base na cessão de créditos a "A" não tinha legitimidade para resolver o contrato de compra e venda e pedir o reconhecimento judicial dessa resolução".</font><br>
<font>Estes trechos não consentem se duvide que o acórdão, divergindo da sentença (que havia considerado, ao menos de forma implícita ou tácita, que o direito de resolução se transmitiu com a cessão), aceitou a tese da recorrente, considerando que, com base na cessão, a autora seria parte ilegítima.</font><br>
<font>5.2. Todavia, após afastar a legitimidade com esse fundamento - o único que a sentença recorrida ponderara -, o acórdão prosseguiu chamando a terreiro um outro, e diverso, fundamento - a procuração -, do qual fez derivar a legitimidade, que assentou nessa procuração junta aos autos, de fls. 66 a 72.</font><br>
<font>A propósito, ponderando:</font><br>
<font>"...há que reconhecer que a mesma conferia à "A" o poder de resolver o contrato de compra e venda a prestações celebrado com a ré, e à sombra dessa procuração lhe assistia legitimidade para pedir em juízo o reconhecimento judicial dessa resolução e que a ré fosse condenada a restituir-lhe o equipamento vendido".</font><br>
<font>Após o que, imediatamente, decidiu assim:</font><br>
<font>"Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida".</font><br>
<font>Portanto, sentença confirmada, face aos termos expostos no acórdão.</font><br>
<font>Ou seja, a legitimidade da autora - com a consequente procedência da acção -, teve como fundamento (e causa de pedir), não o contrato de cessão de créditos, como entendera a 1ª instância, mas a procuração referida.</font><br>
<font>Ora, sobre esta procuração e sua relevância para a decisão, a recorrente não se havia pronunciado - nem tinha que o fazer, perante os termos em que a 1ª instância decidiu a questão.</font><br>
<div><font>IV</font></div><font>Face ao exposto, entendemos que o acórdão recorrido constitui uma decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório.</font><br>
<font>1. E não se diga, como faz o acórdão de 14.05.2002, que a recorrente poderia ter respondido à réplica em que a causa de pedir foi alterada, mediante apresentação de tréplica (artigo 503º, nº 1).</font><br>
<font>Como também não colhe argumentar-se com a possibilidade que ela teve de se pronunciar sobre a procuração junta com a réplica.</font><br>
<font>É necessário distinguir.</font><br>
<font>Com efeito, não é a sentença de 1ª instância que ora está em causa (esta, sim, poderia ter decidido a questão com fundamento na procuração sem que isso constituísse uma decisão-surpresa, face às possibilidades que a ré teve de sobre ela se pronunciar).</font><br>
<font>Porém, o que aqui se discute e aprecia é a questão de saber se o acórdão recorrido constitui ou não uma decisão-surpresa.</font><br>
<font>2. Ora, as considerações oportunamente desenvolvidas sobre a extensão actual do princípio do contraditório, conjugadas com as produzidas sobre o caso dos autos, permitem se conclua, fundadamente, pela afirmativa.</font><br>
<font>Ou seja, propendemos a entender que o acórdão não poderia ter decidido a questão da legitimidade com um fundamento frontalmente diverso e não ponderado, por qualquer forma, pela sentença de 1ª instância, sem antes ter convidado a recorrente a se pronunciar e tomar posição sobre essa questão de direito.</font><br>
<font>Em suma, o acórdão baseou a decisão num fundamento que não foi previamente considerado pela recorrente.</font><br>
<font>E, "dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua observância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa" (Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1997, p. 48) - a omissão do convite às partes para tomarem posição, gera nulidade (José Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil Anotado", vol. 1º, 1999, p. 9).</font><br>
<br>
<font>Termos em que se anula o acórdão recorrido e se determina que os autos voltem ao Tribunal da Relação de Lisboa, para que aí, se possível com intervenção dos mesmos Senhores Desembargadores, se dê cumprimento ao princípio do contraditório e, após, se proceda a julgamento.</font><br>
<font>Custas pela recorrida.</font><br>
<br>
<font>Lisboa 15 de Outubro de 2002</font><br>
<font>Ferreira Ramos,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font><br>
<font>_________________</font><br>
<font>1 Leia-se, acórdão recorrido.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
jjIMvIYBgYBz1XKvuYLA | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
American Telephone and Telegraph Company, com sede nos<br>
Estados Unidos da América propôs no Tribunal da Comarca de Lisboa acção declarativa com processo sumário contra<br>
A.T.T. - Equipamentos e Acessórios de Electrónica e<br>
Telemática, Limitada, com sede em Lisboa pedindo a condenação da Ré a abster-se de utilizar a expressão<br>
A.T.T. ou qualquer outra confundível, quer na sua denominação social, que por qualquer outra forma e ainda a pagar-lhe a ela A. uma indemnização pelos prejuízos sofridos, que venha a liquidar-se em execução de sentença.<br>
Fundamenta os seus pedidos no facto de ter registado definitivamente a seu favor e em Portugal as marcas<br>
AT&T n. 222030 destinada a "equipamentos de telecomunicações incluindo telefones, aparelhos de ligação, computadores e equipamento de computadores", e n. 222031 destinada "serviços de comunicações radiofónicas, telegráficas ou telefónicas" pelo que a actividade da Ré se como usurpação ou imitação da marca, lesando os legítimos interesses da A., causando-lhe uma diminuição de vendas e pondo em causa a sua reputação.<br>
O processo correu seus termos, com contestação da Ré, vindo após audiência de julgamento a ser proferida sentença que absolveu a Ré quanto ao pedido de indemnização, mas a condenou quanto ao restante.<br>
A Ré apelou, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado tal recurso procedente e a acção improcedente.<br>
Recorre agora de revista a Autora, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: a) O acórdão recorrido não fez a correcta interpretação e integração das normas jurídicas aplicáveis ao caso<br>
"sub judice". b) Com efeito, a recorrente tem registadas as suas marcas ns. 222030 e 222031 "AT&T" destinadas a distinguir, no mercado, equipamentos de telecomunicações, incluindo telefones, aparelhos de ligação, comunicações radiofónicas, telegráficas ou telefónicas. c) As referidas marcas foram registadas em 22 de Março de 1990 e 22 de Julho de 1991. d) Em 22 de Abril de 1992 constitui-se a sociedade<br>
A.T.T. - Equipamento e Acessórios de Electrónica e<br>
Telemática, Limitada, visando exercer a sua actividade na mesma área da recorrente. e) Nos termos do artigo 212 C.P.I. constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, o serviço ou o crédito dos concorrentes, bem como as referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiarem do crédito de uma marca alheia. f) A adopção pela recorrida de uma firma que constitui imitação das marcas da recorrente é um acto de concorrência desleal. g) E nem se diga, como no Acórdão que o confronto não pode ser feito entre marcas e que a recorrente não tem registada a sua firma. h) Pois, dispõe o artigo 8 da Convenção da União de<br>
Paris de 1883 que o nome comercial será protegido em todos os países da União, sem obrigação de depósito ou registo. i) A expressão nome comercial deve ser entendida, na opinião da mais moderna doutrina, como referindo-se à firma-denominação, pois, a função principal do artigo 8 da C.U.P. é a de garantir a circulação internacional do nome comercial. j) Está assim protegido em Portugal, o "nome comercial da recorrente, embora sem ter sido objecto de qualquer registo. l) A adopção da firma A.T.T. pela recorrida é um acto de concorrência desleal por, também, envolver a possibilidade de confusão com a firma AT&T. m) Igualmente a firma da recorrida é confundível com as marcas e nome comercial da recorrente. n) O exame comprovativo entre firmas e marcas pode e deve ser feito - Acórdãos do S.T.J. de 30 de Março de<br>
1962 e Acórdão da R.L. de 4 de Janeiro de 1983. o) Ora é patente que a firma A.T.T. não tem a necessária eficácia distintiva. p) Sendo confundível com as marcas e o nome comercial da recorrente, a firma da recorrida viola os artigos 1,<br>
2 ns. 2 e 5, do Decreto-Lei 42/89 de 3 de Fevereiro, artigo 10 ns. 4 e 5 C.S.C., e artigo 144 n. 6 C.P.I. q) Igualmente o artigo 5 do novo C.P.I. dispõe que os registos de marca constituem fundamento de recusa ou anulação de denominações sociais ou firmas. r) Sendo notórias as marcas da recorrente elas devem beneficiar, nos termos dos artigos 95 C.P.I. e 6 da<br>
C.U.P, de uma especial protecção. s) Tais factos implicam que, também por este motivo, se considere existir concorrência desleal. t) O registo da firma A.T.T. foi, pois, feito com violação de normas legais. u) O facto de a recorrente não ter comunicado ao<br>
R.N.P.C. as suas marcas não constitui causa para a improcedência da sua acção. v) Com efeito, os princípios da verdade e da novidade são de interesse e ordem pública e vinculativos e não dependem do cumprimento de formalidades administrativas, nomeadamente as constantes do artigo 2 n. 6 do Decreto-Lei 42/87. x) O que o preceito significa é que os serviços só podem confrontar as denominações sociais pretendidas com marcas, desde que os titulares desses sinais os tenham comunicado ao R.N.P.C. y) Não podem, pois, ser atribuídos efeitos ao disposto naquela disposição legal, pois, o conceito "termo oportuno" não está esclarecido no diploma e só pode significar enquanto o interessado puder defender o seu direito ao uso exclusivo das marcas. z) O acórdão recorrido violou, assim, as normas dos artigos 6 e 8 da C.U.P., os artigos 1, 2 ns. 2 e 5 do<br>
Decreto-Lei 42/89 de 3 de Fevereiro, os artigos 79, 94,<br>
95, 187 n. 4, 144 n 6 e 212 C.P.I. e o artigo 10<br>
C.S.C., pelo que deve ser revogado.<br>
Houve contra alegação da Ré recorrida a defender o<br>
Acórdão recorrido.<br>
Corridos os vistos, cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais a matéria de facto que o Acórdão recorrido considerou provada:<br>
1- A Autora registou definitivamente a seu favor em<br>
Portugal as marcas AT&T n. 222030 destinada a "equipamentos de telecomunicações, incluindo telefones, aparelhos de ligação, computadores, e equipamentos de computadores" e n. 222031 destinada a "serviços de comunicações radiofónicas, telegráficas ou telefónicas.<br>
2- Por escritura pública de 24 de Fevereiro de 1992 foi constituída a sociedade Ré, com a denominação social<br>
A.T.T. - Equipamentos e Acessórios de Electrónica e<br>
Telemática, Limitada, tendo como objecto social: projecto, comercialização, instalação e manutenção de equipamento de electrónica, telecomunicações, telemática e doméstica.<br>
3- A constituição da Ré foi registada em 5 de Julho de<br>
1992.<br>
4- Em 13 de Março de 1992 foi apresentado no Registo<br>
Nacional de Pessoas Colectivas um pedido de certificado de admissibilidade das seguintes denominações sociais:<br>
A.T.T. - Equipamentos, Cabos e Acessórios de<br>
Electrónica e Telemática, Limitada, e C.O.N.E.C.T.I.C.A. - Equipamentos, Cabos e Acessórios de Electrónica e Telemática, Limitada.<br>
5- Em 18 de Março de 1992 o R.N.P.C. certifica a admissibilidade da denominação A.T.T. - Equipamentos e<br>
Acessórios de Electrónica e Telemática, Limitada.<br>
6- A sede e estabelecimento da Autora é nos E.U.A.,<br>
Avenue of the América, New York, NY 100013 - 2412.<br>
7- A A. dedica-se ao fabrico e comercialização de produtos, aparelhos e equipamentos electrónicos, destinados às telecomunicações e telemática, bem como à prestação de serviços conexos com aquelas actividades.<br>
8- Na actividade que vem desenvolvendo em todo o mundo ao longo de décadas, a A. grangeou notoriedade e prestígio, a nível nacional e internacional como fabricante e prestadora daqueles bens e serviços.<br>
9- A A. usa as marcas referidas para assinalar e distinguir os seus produtos e serviços, o que vem fazendo com regularidade em vários países estrangeiros e em Portugal, desde há vários anos.<br>
10- Tem também a A. promovido a divulgação dos seus produtos e serviços sob as marcas A.T.& T., mediante o recurso a várias firmas de publicidade.<br>
11- A notoriedade da A. e a fama dos seus produtos e serviços tem originado situações em que terceiros pretendem usar as marcas, para através da confusão que se estabelece, beneficiarem do seu prestígio.<br>
12- Os registos das marcas designadas AT&T com processos relacionados no Instituto Nacional de<br>
Propriedade Industrial com os ns. 222031 e 222030, foram comunicados a estes serviços (do Registo Nacional das Pessoas Colectivas) em 18 de Setembro e 12 de<br>
Outubro de 1992, respectivamente.<br>
Enumerados assim os factos provados e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da recorrente, começaremos por fazer o enquadramento correcto da questão que é posta e que tem de ser solucionada em face da matéria fáctica já referida.<br>
E para tal é necessário salientar que, no caso "sub judice, anteriormente à data do registo em Portugal da firma A.T.T., a favor da Ré, já a Autora American<br>
Telephone And Telegraph Company havia registado também em Portugal a seu favor as marcas ns. 222030 e 222031<br>
"A.T.&T.", destinadas a distinguir no mercado equipamento de telecomunicações, incluindo telefones, aparelhos de ligação e comunicações radiofónicas, telegráficas ou telefónicas.<br>
É que, efectivamente, é este, em suma, o fundamento da acção movida pela A. à Ré, estendendo àquela, ora recorrente, que tal registo a seu favor implica a propriedade e uso exclusivo das ditas marcas em todo o território nacional, estendendo-se aquela propriedade e aquele exclusivo uso ao confronto com denominações sociais - o juízo fundamental na presente acção é o da existência ou não entre as marcas da Autora e a denominação social que a Ré pretende usar, em termos de esta ser condenada a abster-se de utilizar a expressão<br>
A.T.T., ou qualquer outra com esta confundível, quer na sua denominação social, quer por qualquer outra forma.<br>
Como se sabe firma e marca são coisas distintas.<br>
A marca pode ser definida em termos gerais, como o sinal distintivo que serve para identificar o produto proposto ao consumidor (Carlos Olavo, Propriedade<br>
Industrial, Noções Fundamentais, C.J. XII, 1987, 2 20).<br>
A firma é o nome ou designação que identifica o comerciante na sua actividade mercantil (v. Brito<br>
Correia, Direito Comercial 1989 I/236 e Acórdão do<br>
S.T.J. de 19 de Junho de 1984, B.M.J. 338/436).<br>
Mas isso não impede que sejam susceptíveis de confusão, quando não pertençam ao mesmo interessado, como se salienta no Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de<br>
Janeiro de 1983 (C.J. VIII, I, 21).<br>
Refere a Autora, ora recorrente, na sua petição inicial ter a Ré com a sua conduta incorrido na prática de concorrência desleal, lesando com ela os seus legítimos interesses (artigo 212 do C.P.I.).<br>
Como já se salientou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 1958 (B.M.J. 73/363) concorrência é o esforço no campo de actividade económica de outrém, no sentido de atrair clientela, sendo desleal quando exercida com fraude - constituem concorrência desleal os actos, repudiados pela consciência normal dos comerciantes, como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízos à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela.<br>
E como refere o Acórdão deste S.T.J. de 30 de Março de<br>
1962, B.M.J. 115/564 as disposições do C.P.I. são aplicáveis ao confronto entre marcas e denominações sociais.<br>
Tal significa, no que importa agora considerar pela resolução do caso "sub judice", que uma denominação social, numa firma que constitua imitação de marca de outrem é um acto de concorrência desleal a analisar em face das disposições do Cod. Prof. Ind. de 1940 (cfr. também o C.P.I. de 1995) em vigor à data do registo de firma "A.T.T." - v. também artigo 12 C. Civil.<br>
E o artigo 212 de tal Código definia que: "Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica".<br>
Ora entendemos ser esta a situação existente com relação à A. e à Ré, pois, o registo da firma "A.T.T." a favor desta, que é uma empresa portuguesa, é patentemente confundível com as marcas "A.T. & T." que aquela registou.<br>
Sabe-se que a função da marca consiste em identificar a proveniência de um produto ou serviço, e é através dela que o consumidor é capaz de reconduzir um determinado produto ou serviço à pessoa que o fornece (v. Carlos<br>
Olavo, C.J. XII, , página 21).<br>
E a confusão estabelecida neste ponto é susceptível de desencadear uma injustificada atracção de clientela pela "A.T.T." (por razões de fidelidade à marca "A.T. &<br>
T." da Autora, face à sua grande e conhecida reputação) ou pode até conduzir à perda de confiança dos produtos da marca "A.T. & T.", se os produtos confundidos forem de qualidade inferior.<br>
Em suma, "ATT" e "AT&T" são designações ostensivamente confundíveis - o registo da firma "ATT" é susceptível de criar confusão com os produtos e serviços "AT&T", identificados com marcas dessa designação (artigo 212 n. 1 do C.P.I. de 1940).<br>
De salientar, como decorre das respostas aos quesitos<br>
1, 2, 3, 4 e 5, que a A. fabrica e comercializa produtos, aparelhos e equipamentos electrónicos para telecomunicações e telemática, e presta serviços conexos, desenvolvendo essa actividade há décadas em todo o mundo com notório prestígio nacional e internacional, tendo também divulgado os seus produtos e serviços sobre a marca A.T. & T. através de várias firmas de publicidade, e de tal modo que a sua notoriedade e a fama dos seus produtos e serviços tem originado situações em que terceiros pretendem usar as marcas para através da confusão que se estabelece, beneficiarem do seu prestígio.<br>
Eis o que acontece no caso presente com a Ré, que como também vem provado (alínea B) da especificação) tem como objecto social o projecto, comercialização, instalação e manutenção de equipamentos de electrónica, telecomunicação, telemática e domótica, movendo-se, assim, ao desenvolver a sua actividade económica em<br>
área semelhante ou idêntica à da A.<br>
Não pode, pois, a Ré pretender com o registo da sua firma "A.T.T." beneficiar do crédito da marca alheia<br>
"A.T. & T." da Autora também registada.<br>
E porque assim é não pode manter-se tal registo de firma já que a lei não dá cobertura à concorrência desleal (v. artigo 187 n. 4 C.P.I. 1940 que indicava como fundamento da recusa de patente, depósito ou registo o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção (cfr. Acórdão do<br>
S.T.J. de 21 de Março de 1961, B.M.J. 105/651, bem como o artigo 2 do Decreto-Lei 42/89 de 3 de Fevereiro).<br>
E no caso presente não se pode olvidar, no que concerne<br>
à A., que o direito à marca se reconduz, em primeira linha, à possibilidade de utilização exclusiva daquele sinal, se trata de um direito exclusivo, o que implica a possibilidade de os titulares das marcas se oporem à sua usurpação ou perturbação por outras pessoas, maxime" através de um outro elemento de outro direito privativo de propriedade industrial.<br>
Tal direito à marca impede, obviamente, o registo de nome ou insígnia de um estabelecimento (ou de uma sociedade) quando neste se fabricam ou vendem produtos ou serviços a que a marca se destina.<br>
E quanto a firmas ou denominações a lei exige que entre elas e a marca exista tal semelhança, que possa induzir o público em erro sobre a titularidade dos sinais distintivos, o que significa, que a lei não permite que os elementos caracterizadores da firma ou denominação sejam semelhantes aos de uma marca de outrem, quando entre a actividade a que aquela se destina e os produtos ou serviços a que esta se reporta haja alguma afinidade.<br>
E quando tal sucede, evidente se torna, que o registo assim efectuado, com violação da ordem jurídica não pode deixar de ser impugnável.<br>
Sabe-se, com efeito, que sempre que um acto contraria a previsão normativa, o Direito atribuía-lhe um valor negativo que se manifesta na sua não produção de efeitos, em determinados termos, como consequência natural das defesas do sistema jurídico, enquanto modelo de conduta que, para ser observado, necessita de mecanismos vantajosos para quem conduza a sua conduta em conformidade, e desvantajosos, no caso contrário (v.<br>
Das Invalidades Atípicas, Esboço de uma Teoria Geral,<br>
Ana Paula Ribeiro, Página 15, bem como os artigos 294 e<br>
295 do Código Civil).<br>
E aqui no caso "sub judice" é, no fundo, o acto de registo da firma A.T.T., com a inerente publicidade que corporiza a já apontada concorrência desleal por parte da Ré com relação à A., com suas registadas marcas<br>
"A.T. & T.", devendo acrescentar-se que as causas impeditivas de um registo se transformam em causas de invalidade desse mesmo registo se ele, vier a final a ser realizado.<br>
Chegados a este ponto apenas resta acrescentar que há que apreciar em termos hábeis o que preceitua o n. 6 do artigo 2 do Decreto-Lei 42/89 de 3 de Fevereiro, que procedeu à reforma do Registo Nacional de Pessoas<br>
Colectivas.<br>
Com efeito, o seu texto foi decisivo para o Acórdão recorrido, para este revogar a sentença da 1. instância absolvendo a Ré do pedido em que tinha sido condenada.<br>
E é ele do teor seguinte:<br>
"Para que possam prevalecer-se do disposto no número anterior os titulares de nomes de estabelecimentos, insígnias ou marcas devem, em tempo oportuno, comunicar o seu direito ao Registo Nacional de Pessoas<br>
Colectivas, em impresso próprio".<br>
De acentuar desde logo que é a própria lei que faz o cruzamento da protecção dos vários sinais distintivos, mas fá-lo, na parte, que agora importa considerar para decurso do caso "sub judice", usando um conceito indeterminado de tempo, o que desde logo nos leva a afastar a solução rigorista aceite na decisão recorrida de que como o R.N.P.C. tem que ter em seu poder todos os elementos no momento em que sucede a admissibilidade da denominação para poder respeitar a lei, e por culpa da Autora não os tinha, a autorização está perfeitamente legal e há que respeitá-la.<br>
Anote-se que o Acórdão recorrido assenta a este propósito na inexactidão de que as marcas da recorrente não estavam registadas em Portugal...<br>
Não refere a lei quando é o apontado momento oportuno<br>
(cf. o artigo 5 n. 3 do C.P.I. de 1995 que refere que:<br>
"Os registos de marca...constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com elas confundíveis e cujos pedidos de constituição sejam posteriores aos respectivos pedidos de registo").<br>
Mas há que atentar no disposto no artigo 6 do citado<br>
Decreto-Lei 42/89 que diz no seu n. 1 que o direito à exclusividade de firma ou denominação só se constitui após o registo definitivo pelo respectivo titular no serviço legalmente competente, no seu n. 2 que o certificado de admissibilidade de firma ou denominação constitui mera presunção de exclusividade, e no seu n.<br>
3 que o disposto no n. 1 não prejudica a possibilidade de declaração, anulação ou revogação do direito à exclusividade por sentença judicial ou por declaração da sua perda, nos termos da lei.<br>
E isto para se significar que nunca a ultrapassagem daquele apontado prazo pode precludir o recurso ao que<br>
é permitido por este n. 3 do artigo do Decreto-Lei<br>
42/89.<br>
O contrário iria levar a uma "sanção" desproporcionada e conferir pouco valor ao registo da marca, como que se estabelecendo uma duplicidade de registo deste.<br>
O alcance que se poderá surpreender ao mencionado prazo<br>
é o de dever o titular do direito privativo para obter a tutela do seu direito, realizar previamente essa comunicação ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas.<br>
Mas, sempre tendo presente que o efeito impeditivo do registo de firma confundível, se consolida logo com o pedido de registo da marca e não depende de nenhuma prioridade de inscrição ou notificação ao Registo<br>
Nacional de Pessoas Colectivas (v. também neste ponto o parecer junto a folha 270 pelo Professor Oliveira<br>
Ascensão e Doutor P. Nunes de Carvalho).<br>
Concorrência leal é o que pretende a lei e é nessa conformidade que a interpretamos, concluindo que a conduta da Ré integra uma concorrência desleal com relação à A. pelo modo já apontado...<br>
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, se decide:<br>
1- Conceder a revista e revogar o Acórdão recorrido na parte em que absolveu a Ré do pedido formulado pela A. de condenação daquela a abster-se de utilizar a expressão "A.T.T." ou qualquer outra com esta confundível, quer na denominação social, quer por qualquer outra forma, condenando a Ré em tal pedido.<br>
2- Condenar a Ré recorrida nas custas em ambas as instâncias e deste recurso.<br>
Lisboa, 13 de Fevereiro de 1996<br>
Fernandes de Magalhães,<br>
Miguel Montenegro,<br>
Fernando Fabião.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XTIbvIYBgYBz1XKvTJcB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:<br>
<br>
Na Comarca de Lisboa (10 Juízo), foi apenso à execução ordinária n. 4213 para pagamento de quantia certa os executados A e mulher B.<br>
Vieram deduzir contra a exequente Locapor - Companhia Portuguesa de Locação Financeira Imobiliária, S. A. os presentes embargos de executado, pedindo a procedência dos mesmos, tendo para tanto alegado que a exequente preencheu só uma das 5 letras assinadas em branco pelos embargantes e preencheu-a por um valor superior ao débito do embargante marido, que era de 19305000 escudos mas dos quais já havia pago 5000000 escudos, além de que a letra se refere a um contrato de locação financeira não outorgado pela embargante mulher.<br>
Na sua contestação, a embargada, aceitando embora alguns dos factos alegados pelos embargantes, negou o preenchimento abusivo quanto ao montante da letra ajuizar e terminou pedindo a improcedência dos embargos.<br>
No saneador-sentença, os embargos foram julgados parcialmente procedentes, ordenando-se o prosseguimento da execução pelo valor de 8712835 escudos mais juros de mora sobre 7939798 escudos, à taxa de 15 por cento ao ano, desde 7 de Agosto de 1991 até efectivo e integral pagamento.<br>
Desta decisão apelou a embargada e o Tribunal da Relação negou procedimento de recurso.<br>
Deste acórdão interpôs a mesma embargada o presente recurso de revista e, na sua alegação, concluiu assim:<br>
I- A forma e os efeitos da resolução dos contratos de locação financeira sub-judice, previstos no artigo 12 dos mesmos e aceites pelas partes no acto da celebração dos referidos contratos, assentam a sua validade na convenção estabelecida, afastando em consequência, o regime legal previsto no Código Civil em tudo o que contraria aquela convenção;<br>
II- Os números 2 e 3 do artigo 12 de tais contratos consagram os efeitos previstos para a resolução dos mesmos, cabendo ao locador optar por aqueles que, em caso de incumprimento, melhor se adequem aos seus interesses, pelo que válidos são a forma e os efeitos da resolução contratual previstos nos contratos sub-judice;<br>
III- a resolução contratual, na sequência da falta de cumprimento das obrigações acordadas, impede o surgimento de tal direito de opção na esfera jurídica da locatária, obrigando esta ao cumprimento do estipulado no referido artigo 12.<br>
IV- as consequências estabelecidas nesse artigo 12 n. 3 para a resolução contratual não contrariam, pois, a essência da locação financeira, pelo que não existe fundamento legal nem contratual que justifique a improcedência do pedido da recorrente tal como formulado na sua petição inicial, termos em que se deve anular o acórdão recorrido e julgar procedente o pedido formulado pela recorrente na sua petição inicial.<br>
Os recorridos não contra-alegam.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Vem provada a seguinte matéria de facto:<br>
I- em 17 de Novembro de 1989, entre o embargante e a requerente foi celebrado o contrato de locação financeira incorporado nos documentos de folhas 12 a 31, relativo ao equipamento TO 15-C, marca Messer, ano de 1989, a fornecer pela Fassis Limitada e com entrega imediata (contrato n. 11270/2/1), o que sucedeu;<br>
II- por esse contrato, as receitas eram trimestrais e em número de 16, sendo a primeira de 3846154 escudos e as restantes de 1273466 escudos cada uma, e com valor residual 990000 escudos, tudo acrescido de IVA.<br>
III- nos termos do artigo 12 do contrato, subordinado à rubrica "Resolução do Contrato".<br>
"1- O contrato poderá ser resolvido por iniciativa do locador, sem qualquer outra formalidade, oito dias após a comunicação da intenção de resolução ao locatário, por carta registada e com aviso de recepção, no caso de o locatário não pagar qualquer das receitas ou ...";<br>
"2- em qualquer dos casos de resolução referidos no número anterior , o locatário fica obrigado a: a) restituir o equipamento ao locador ...; b) pagar as receitas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora calculados nos termos do n. 7 do artigo 6, bem como todos os encargos suportados pelo locador por força da resolução; c) a título de perdas e danos sofridos pelo locador, pagar uma importância igual a 20 porcento da adição das receitas ainda não vencidas, na data da resolução, com o valor residual;<br>
"3- em alternativa do n. 2, pode o locador optar por exigir o pagamento do montante de todas as rendas vencidas, acrescido dos juros calculados nos termos do n. 7 do artigo 6, desde as datas de vencimento dessas rendas até às da sua efectiva cobrança, das rendas vincendas e do valor residual";<br>
IV- por escrito de 21 de Novembro de 1989 assinado por ambos os embargantes e dirigido à embargada, que o recebeu, aqueles dão "o nosso consentimento expresso para que as letras que junto se enviam a favor de Vossa Excelência, preenchidas em caso de incumprimento e ou resolução do contrato de locação financeira n. 11270/2/1, convosco celebrado. Assim, caso se verifique alguma das referidas situações, serão tais letras pagáveis á vista, sendo os montantes correspondentes ás rendas vencidas e não pagas, indemnização, juros e encargos decorrentes do preenchimento das letras e sua apresentação a pagamento e outras despesas contratuais, tal como o previsto, nomeadamente no artigo 12";<br>
V- as letras referidas na alínea anterior eram 5, todas assinadas em branco por ambos os executados;<br>
VI- para pagamento da primeira renda e IVA (este no valor de 653846 escudos), o embargante entregou 1500000 escudos em dinheiro e foi-lhe retomado equipamento pelo valor de 3000000 escudos;<br>
VII- o embargante pagou 5000000 escudos, que a embargada imputou nas primeira e segunda vez e em parte da vencida em 16 de Maio de 1990;<br>
VIII- por carta registada e com aviso de recepção a embargada comunicou, em 10 de Abril de 1991, a embargante que, se, no prazo de oito dias, não regulariza a situação (os pagamentos em dívida), considerava automaticamente resolvido o contrato (folhas 32-33);<br>
IX- a embargante deu à execução uma letra do aceite de ambos os executados, datada de 7 de Agosto de 1991, pagável à vista, pelo valor de 19908138 escudos (folhas 49-51), pedindo o capital e juros de mora;<br>
X- fazendo corresponder esse valor à seguinte soma:<br>
- 5066311 escudos de prestações vencidas e não pagas até à data da resolução do contrato e IVA;<br>
- 773037 escudos de juros de mora sobre essas rendas;<br>
- 13078790 escudos de rendas vincendas, sem IVA;<br>
- 990000 escudos, sem IVA.<br>
O âmbito deste recurso limita-se à questão de saber se a cláusula do n. 3 do artigo 12 das condições gerais deste contrato de locação financeira (ver página 29) é ou não válida.<br>
Não sofre dúvida que estamos em presença de um contrato de locação financeira regulamentado pelo Decreto-Lei 171/79, de 6 de Junho, um contrato nominado misto, com elementos da compra e venda e da locação, segundo algumas (Leite de Campos, Boletim da Faculdade de<br>
Direito, Volume LXIII, 73) e ainda do mútuo, segundo outros (Moitinho de Almeida, Boletim Ministério da Justiça, 231, 11).<br>
Trata-se de um contrato de adesão, em que os contraentes declararam sujeitar-se, além de às cláusulas inerentes do contrato singular, às cláusulas contratuais gerais do mesmo contrato (as ditas condições gerais) previamente elaboradas pelo locador com modelos negociais.<br>
Como decorre do n. 1 do artigo 405 do Código Civil, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, mas esta liberdade contratual é apenas reconhecida dentro dos limites da lei.<br>
Isto é, a regra da livre fixação do conteúdo dos contratos está sujeita a limitações, com vista a assegurar a lisura e a correcção com que as partes devem agir na preparação e na execução dos contratos, a garantir a justiça real, comutativa nas relações entre as partes, a proteger a parte económica, social ou intelectualmente mais fraca, a preservar princípios fundamentais ou valores essenciais á vida de relação e imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves mestras em que se alicerça a ordem económica e social (Antunes Varela, Das Obrigações em Penal, 7 edição, Volume I, 257, Hermich E. Horster, Teoria geral do Direito Civil, 59 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4 edição, 199 e 200, Baptista Machado, obra dispersa, Volume I, 642 e seguintes).<br>
Ora será que a referida cláusula do n. 3 do artigo 12 das Condições Gerais deste contrato sub-judice deve considerar-se nula por estar abrangida por tais limitações?<br>
A nossa resposta é afirmativa.<br>
Para começar é de referir que, diferentemente do que acontece no n. 2 do mesmo artigo 12, o n. 3 não esclarece se, na hipótese nele presente, é o locatário quem fica com o equipamento ou se este tem de ser restituído ao locador, pois apenas diz:<br>
"3. Em alternativa ao n. 2, pode o locador optar por exigir o pagamento do montante de todas as rendas vencidas, acrescido dos juros calculados nos termos do n. 7 do artigo 6, desde as datas do vencimento dessas rendas até às da sua efectiva cobrança, das rendas vincendas e do valor residual".<br>
É de admitir que, em tal hipótese, o locador não queria também a restituição do equipamento, dado pedir as rendas vincendas e o valor residual - este último corresponderá ao preço de aquisição do equipamento locado no fim do prazo do contrato, nos termos do n. 3 do artigo 10 do Decreto-Lei 171/79 - além de que, na petição inicial da execução, não pediu a restituição do equipamento.<br>
Contudo, na dúvida e na ignorância do comportamento futuro da embargada relativamente à propriedade do equipamento, há que contar com a hipótese de também o querer para si.<br>
Mas, a ser assim, é indiscutível a nulidade da cláusula em apreço pelas razões que se seguem.<br>
Segundo o disposto no n. 2 do artigo 762 do Código Civil, as partes devem proceder de boa fé, tanto no cumprimento da obrigação como no exercício do direito correspondente; por outro lado, nos termos do artigo<br>
334 do mesmo Código, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.<br>
Nos termos de qualquer destes dois preceitos, agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência, razoável poderia tolerar, é não proceder de modo a impor sacrifícios intoleráveis à contraparte (Antunes Varela Colectânea de Jurisprudência, 1986, Tomo III, 13; Almeida Costa, Ob. Cit., 92 e 93; 845 e<br>
846; Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça 74, 45).<br>
Pois afigura-se-nos que o exercício pelo locador do direito contido na cláusula n. 3 do artigo 12 referido excede manifestamente os limites da boa fé, ao menos quando exercitado conjuntamente com o direito a ficar com a propriedade do equipamento, na medida em que uma tal solução implicaria uma solução gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico precedente na comunidade social, uma injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico prevalente (Manuel Andrade,teoria geral das obrigações, 1958, 63 e seguintes; Almeida Costa, Ob. Cit., 60 e seguintes; Antunes Varela, Comunicação à A.N. em 26 de<br>
Novembro de 1966; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4 edição, Notas ao artigo 334), dado que o locador, ao ficar com todas as rendas, vencidas e vincendas, juros e valor residual, receberia o valor do equipamento, sendo de todo em todo injustificável que ficasse ainda com esse equipamento.<br>
Claro que o exercício ilegítimo de um direito determina a nulidade, nos termos gerais do artigo 294 do Código Civil (Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. cit., Notas ao artigo 334).<br>
De harmonia com o disposto no n. 2 do artigo 280 do Código Civil, é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.<br>
Por ordem pública, deve entender-se o conjunto de princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico em que se alicerça a ordem económica e social, cuja prevalência interessa ao Estado e á sociedade e que devem sobrepor-se à vontade individual e são por ela inderrogáveis (Batista Machado, ob. cit., 642 e 643; Mota Pinto, teoria geral do Direito Civil, 1973,<br>
646.<br>
E contra a ordem pública estão as cláusulas "amordaçantes", ou seja, "aquelas que limitam desmesuradamente (excessiva e irrazoavelmente) a liberdade pessoal ou económica de uma das partes, contendem com a "liberdade de consciência, das pessoas ou sujeitam estas a sacrifícios de todo irrazoáveis (injustificado) ou inexigíveis, ou a vinculação de todo incompatíveis com uma vontade racional" (Baptista Machado, Ob. Cit., 644).<br>
Por sua vez os bons costumes, noção variável no tempo e no espaço, são o "conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento" ( Mota Pinto, Ob. Cit., 647).<br>
E também as mencionadas cláusulas "amordaçantes" estão contra estes bons costumes.<br>
E, a nosso ver, a faculdade contida no dito n. 3 do artigo 12, exercitada conjuntamente com o direito de propriedade do equipamento tem de considerar uma dessas cláusulas "amordaçantes" e por isso nula, nos termos dos já referidos artigos 280 n. 2 e 294 do Código Civil.<br>
Finalmente, nos termos do n. 1 do artigo 282, é anulável, por usura, o negócio jurídico quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.<br>
É de realçar que este artigo 282, após a redacção dada pelo Decreto-Lei 262/83, de 18 de Junho, considera anuláveis, por usura todos os negócios em que uma das partes aproveite conscientemente a situação anormal em que a outra parte se encontre, para lhe extorquir a promessa ou concessão de benefícios manifestamente excessivos ou injustificados (Antunes Varela, das obrigações em geral, 7 edição, Volume I, 258, em nota).<br>
Ora, ainda nos parece que a caracterizada situação de facto (a falada faculdade do n. 3 do artigo 12 mais o direito de propriedade do equipamento) se pode olhar como abrangida por este artigo 282 e portanto, anulável, dado o locador ter obtido benefícios injustificados e excessivos, aproveitando-se da situação de necessidade ou inexperiência ou ligeireza do locatário, pois é de admitir que este, se não se encontrasse numa destas situações, não teria subscrito tal cláusula.<br>
Porém, a reprovação e consequente nulidade da cláusula em apreço vem consagrada no Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, o qual veio disciplinar as cláusulas contratuais gerais através de normas expressas.<br>
Com efeito, além de um princípio geral assente na boa fé, a proibir as cláusulas contratuais gerais contrárias a esta (artigo 12) - e nós já vimos que a dita situação de facto é atentatória da boa fé -, o artigo 19 alínea c), aplicável nas relações com os consumidores finais por força do artigo 20, proíbe as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.<br>
Ora, não há dúvida que, na hipótese considerada, há uma manifesta desproporção entre o permitido pela cláusula do n. 3 do artigo 12 conjuntamente com a propriedade do equipamento e os danos a ressarcir, sofridos pelo locador (cfr. Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 47).<br>
Pois bem, segundo o artigo 12, são nulas as cláusulas contratuais gerais proibidas pelo diploma em causa.<br>
Consideremos, agora a hipótese em que o locador opta pela faculdade contida no n. 3 do artigo 12 das condições gerais do contrato mas prescinde da propriedade do equipamento locado, que ficará a pertencer ao locatário, em resultado dessa opção.<br>
Neste caso, estamos em crer que a dita cláusula já não dará aso às reprovações acabadas de lhe apontar e à sua inerente nulidade.<br>
Todavia, é susceptível de ser atacada por outras vias.<br>
Em princípio,a resolução do contrato tem efeito retroactivo (artigo 434 n. 1 do Código Civil), importando a destruição do contrato e a consequente restituição de tudo o que as partes houverem recebido.<br>
Mas, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas (artigo 434 n. 2 do Código Civil), funcionando, em regra, como uma verdadeira denúncia, pois que apenas impede a continuação do contrato para o futuro (Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. cit., volume I, 4 edição, 410; Almeida Costa, Ob.cit., 251; Antunes Varela das obrigações em geral, volume II, 4 edição, 266; Galvão Teles, direito das obrigações, 4 edição, 465).<br>
O contrato de locação financeira é um contrato de execução continuada ao periódica ( cfr. Almeida Costa, Ob. cit. 570 e seguintes; Antunes Varela das obrigações em geral, 7 edição, volume I, 93 e seguintes), pelo que a resolução não implica restituição das rendas já vencidas e pagas pelo locatário ( cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Março de 1993, no recurso n. 83115, relatado pelo Senhor Conselheiro Cura Mariano, que se saiba, ainda não publicado).<br>
Por outro lado,na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433 do Código Civil).<br>
Mas, se é assim, isto é, se o contrato é destruído e se se volta à situação anterior, salvo quanto às prestações já efectuadas, não poderá pedir-se o cumprimento do contrato quanto às prestações vincendas e ao valor residual, obrigando o locatário a comprar o equipamento.<br>
De acordo com este entendimento parecem estar alguns arrestos do Supremo Tribunal de Justiça e da Relação de Lisboa (o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ainda não publicado, o qual decidiuá que a resolução implica o pagamento das rendas vencidas e não pagas, indemnização nos termos da lei e juros de mora, além da restituição do equipamento; o acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 1992, Colectânea de Jurisprudência 1992, T III, 178, o qual decidiu que o locatário não pagando as rendas tem de satisfazer as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros, a perda das rendas vencidas e já pagas e a restituição imediata do equipamento locado; o acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Março de 1990, Colectânea de Jurisprudência 1990, T II, 129, a qual decidiu que a resolução do contrato consiste na destruição da relação contratual; o acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Janeiro de 1990, Colectânea de Jurisprudência 1990, T I, 149, que decidiu que o não pagamento das rendas determina a rescisão do contrato e a devolução do bem locado ao locador).<br>
Por outro lado, a própria regulamentação da locação financeira opõe-se à imposição da aquisição da propriedade do bem locado pelo locatário.<br>
Com efeito, do disposto nos artigos 1, 10 n. 3 , 16, 19 alínea c), 22 alínea e) e 24 alínea f), do Decreto-Lei 171/79 resulta claro que o locador é que é o proprietário do bem locado enquanto o locatário não optar pela sua compra através do exercício do correspondente direito potestativo, certo sendo que a locação financeira é um contrato dirigido a "financiar" alguém através do uso de um bem, estando-lhe subjacente transferir para o locatário não a propriedade de determinados bens mas a sua posse e utilização para certo fim, conferindo-lhe o direito potestativo de futura aquisição da propriedade (Leite de Campos, Boletim da Faculdade de Direito, LXIII, 10, 40;<br>
Moitinho de Almeida, Boletim do Ministério da Justiça 231, 5, 11, 17, 18 e 19; cit. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1993).<br>
Assim sendo, ou seja, se é o locatário que tem o direito potestativo de optar pela aquisição da propriedade do bem locado, forçoso é concluir que uma tal aquisição da propriedade lhe não pode ser imposta pelo locador, com consequência da resolução do contrato ( cit. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Março de 1993; cit. acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Março de 1990).<br>
Vê-se, pois, que a dita cláusula do n. 3 do artigo 12 das condições gerais do contrato de locação financeira em apreço se não compagina, pressuposto que o bem locado fica propriedade do locatário, nem com o regime da resolução dos negócios jurídicos de execução continuada ou periódica nem com o regime desse mesmo contrato de locação financeira, pelo que se deve considerar nula (artigo 294 do Código Civil).<br>
Pelo exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 28 de Outubro de 1993<br>
Fernando Fabião;<br>
César Marques;<br>
José Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ijL2u4YBgYBz1XKv7GRi | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.<br>
A solteira intentou, a presente acção, com processo ordinário, contra herança ilíquida, indivisa aberta por óbito de B, representada pelo único herdeiro, C, alegando que viveu maritalmente com o falecido, durante cerca de nove anos, com o conhecimento público e até à data do seu falecimento, sobrevivendo com o apoio económico que o mesmo lhe prestava, pois entregava-lhe cerca de 50000 escudos mensais, para satisfazer as despesas com a habitação alimentação vestuário, artigos de higiene, assistência médica e medicamentos, deslocação, luz, água etc, já que ela só auferia, com a sua actividade profissional, 46787 escudos mensais líquidos que era manifestamente insuficiente para satisfazer tais encargos.<br>
Alega que tendo requerido pensão de sobrevivência na Caixa Geral de Aposentações, foi-lhe exigida sentença judicial que reconhecesse os pressupostos indispensáveis a tal atribuição.<br>
Pede, assim, que seja judicialmente reconhecido e declarado que a Autora viveu maritalmente com o falecido B, desde os princípios de 1986 e até 11 de Janeiro de 1995, data da sua morte, em comunhão de cama, mesa, habitação e na sua dependência económica, como se fossem marido e mulher, numa comunhão de facto, verdadeira, idêntica à convivência conjugal.<br>
Pretende, ainda, que se lhe reconheça, por via do disposto, e nos termos do artigo 2020 n. 1 do C.Civil direito a alimentos da herança do finado B.<br>
O arguido herdeiro único reconhecendo-se como encabeçado em tal herança, veio contestar, aceitando a alegada convivência marital, mas impugnando a factualidade tendente a demonstrar a necessidade alimentar.<br>
Em minuta a Autora corrigiu o valor da remuneração ilíquida mensal para o valor de 62284 escudos.<br>
A culminar o julgamento foi proferida sentença onde se condenou a Ré "Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de B" a reconhecer que a Autora viveu maritalmente com o mencionado B, desde os princípios da 1986 e até à data da sua morte, bem como o direito a alimentos dessa mesma herança". <br>
A Relação de Coimbra, para onde apelou o representante da Ré, não manteve aquele veredicto, revogando-o em tudo o mais que não seja o reconhecimento da aludida união de facto.<br>
Inconformada, a Autora recorreu para o Supremo, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:<br>
1. A lei condicionou a atribuição das pensões de sobrevivência, nas hipóteses de união de facto, à circunstância de ter havido uma sentença judicial, fixando no interessado o direito a alimentos.<br>
2. A Autora intentou um acção contra a herança do falecido para que aí fosse reconhecido um mesmo direito, com vista à concessão da pensão de sobrevivência pela Caixa Nacional de Aposentações.<br>
3. Da factualidade apurada resultou provado que a Autora viveu maritalmente com o falecido por mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges e que necessitava de alimentos <br>
4. A Ré não logrou provar a possibilidade da Autora obter alimentos nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009 do C.Civil.<br>
5. Pelo que o direito a alimentos da Autora deve ser reconhecido, nos termos do disposto no artigo 2020 do C.Civil.<br>
6. Ao revogar a douta sentença na parte em que reconhece o direito a alimentos à Autora, o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 342 n. 1 e 2, 2009 a 2020, todos do C.Civil e os artigos 40 a 41 do DL 142/73 de 31 de Março na redacção dada pelo DL 191-B/79 de 25 de Junho, dos quais fez uma errada interpretação e aplicação.<br>
7. Assim, deve revogar-se a decisão em recurso, reconhecendo-se à recorrente o direito a alimentos.<br>
Na contra - alegação, a Ré manifesta-se pela denegação da revista.<br>
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar a decidir:<br>
Quanto à matéria de facto, limitamo-nos a remeter para a que as instâncias consideraram fixada, nos termos do n. 6 do artigo 713 do C.P. Civil.<br>
A questão essencial que aqui se suscita consiste em saber se a Autora tem, como pretende, direito a exigir alimentos da herança de B, com quem manteve uma união concubinária de mais de dois anos .<br>
Põe-se propositadamente de banda, todas e quaisquer lucubrações críticas a propósito da legitimidade das partes por ser tema definitivamente arrumado no saneador, face ao Assento de 1 de Fevereiro de 1963 (Bol. 124, pág 414), cuja força vinculatória se mantém dentro da ordem dos Tribunais Judiciais, nos termos do artigo 117 do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro.<br>
É que aos Tribunais não cabe discutir ou resolver questões académicas ou doutrinais que não tenham repercussão útil no andamento e despacho do pleito.<br>
Passemos pois, à análise da problemática equacionada ab initio.<br>
A pretensão da Autora visa dar satisfação ao artigo 41 n. 2 do DL 142/73 de 31 de Março (redacção do DL 191-B/79 de 25 de Junho) que exige uma decisão judicial consangrado o direito invocado para viabilizar a concessão da pensão de sobrevivência a que ela aspira.<br>
Dentro do quadro formal adoptado que tem por destinatário a herança do falecido B, de harmonia com o disposto no artigo 2020 , n. 1 do C.Civil, entendeu a Relação, subscrevendo, nesta parte, a lapidar alegação da recorrente, não ter a Autora provado um dos requisitos do direito reclamado, exigido por aquele normativo, qual seja o de só poder valer-se desta, se não puder obter os alimentos, nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009 do Código citado. <br>
Significa isto que a requerente dos alimentos só poderá socorrer-se do dispositivo do artigo 2020 quando não tenha possibilidade de obter os alimentos de que carece, nem do seu cônjuge ou ex-cônjuge, nem dos seus descendentes, ascendentes ou irmãos.<br>
Ao tratarem deste tema, os Profs. Pires de Lima, Antunes Varela (Anotado V, pág 29),: inculcam a ideia de se dever considerar tal requisito - a par dos demais por eles enunciados como verdadeiro elemento constitutivo do direito pretendido.<br>
Dentro desta perspectiva, forçoso é reconhecer que a Relação, ao reconhecer a inexistência da prova de tal requisito, decidiu dentro da mais estrita legalidade, ao denegar a pretensão deduzida, com tal fundamento.<br>
Este entendimento não deixa todavia de levantar algumas dúvidas, defluentes da formulação negativa dum pressuposto, o que poderá eventualmente apontar no sentido de se tratar não de um facto constitutivo, mas antes de um facto impeditivo, cuja prova competiria à Ré (artigo 342 n. 2 do C.Civil).<br>
É que o problema da distinção entre factos constitutivos e factos impeditivos assenta num terreno bastante movediço e, como tal, adverso, em muitos casos, a soluções límpidas ou inequívocas.<br>
Conscio das dificuldades que tal diferenciação, pode acarretar, o legislador procurou solucioná-las, emitindo a seguinte regra geral : " Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito". (artigo 342 n. 3 do C.Civil).<br>
A dificuldade de distinção apontada é facilmente apreensível se tivermos em conta que os factos que integram as normas impeditivas são concomitantemente ou que intervêm na norma fundamentadora ou constitutiva do direito invocado.<br>
"Esta circunstância permite, de outro modo, com igual legitimidade, dizer-se que a norma, impeditiva é complementar da norma constitutiva, tendo, como tal, os respectivos factos de ser negativamente provados, contra ou por quem os invoque, sempre que sejam alegados no processo. Por outras palavras: o facto impeditivo apresenta-se com um carácter ambivalente, susceptível de ser tomado quer como pressuposto negativo do direito, isto é, de sinal contrário, a acrescentar aos restantes pressupostos quer como um pressuposto distinto de uma norma oposta e autónoma" (Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório III, pág 352 e seg.).<br>
Estas breves considerações para além de justificarem o equacionamento da questão posta, servem também para fundamentar as dúvidas que legitimamente se suscitam, noutro caso, acerca da natureza constitutiva ou impeditiva do requisito enfocado.<br>
Dessas dúvidas não nos é permitido sair, lançando mão da máxima "negativa nom sunt probanda" por não ter hoje o menor apoio na lei, nem na doutrina (Anselmo de Castro, ob. cit,, pág 354 e seg., ; Prof Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil pág 188), Assenta esta posição na ideia de que não há que tomar em conta a dificuldade intrínseca à prova dos factos negativos, " circunstância que é irrelevante para quem interpreta e aplica a lei..".<br>
Na ausência de pistas que nos desfaçam as dúvidas suscitadas, neste caso, e não fornecendo o texto da lei qualquer indicador decisivo num ou noutro sentido, outro remédio não temos do que recorrer à transcrita regra do n. 3 do artigo 342 do C.Civil - que consagrou a doutrina do Prof. Manuel de Andrade, a este respeito - e, assim, considerar o requisito em referência como constitutivo do direito invocado.<br>
Daí que a sua prova competisse à Autora, nos termos do n. 1 do artigo 342 do C.Civil, que a mal fez.<br>
E isso determinou o soçolho da sua pretensão.<br>
Assim, nega-se a revista, condenando-se a recorrente nas custas:<br>
Lisboa, 16 de Dezembro de 1999.<br>
Machado Soares,<br>
Tomé de Carvalho,<br>
José Magalhães.</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
ijL5u4YBgYBz1XKvxGiM | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
A e B celebraram em 23 de Novembro de 1983, no Condado de Santa Clara, E.U.A., o acordo documentado a fls. 8 e seg. no qual consta, além do mais - 12 - "Acordamos em que todos os bens adquiridos por qualquer de nós depois da data da nossa última separação como acima vem indicado (24 de Outubro de 1983), foram aplicados em exclusivo benefício do adquirente, e cada um de nós renúncia e prescinde de todos os direitos sobre todos os bens subsequentemente adquiridos pelo outro".<br>
Em 16 de Julho de 1987, por escritura pública, a A comprou pelo preço de 4000000 escudos, a fracção autónoma letra Z, que constitui o 5. andar do prédio em regime de propriedade horizontal designado por lote 46, em...<br>
Por sentença de 22 de Maio de 1993, transitada em julgado em 7 de Junho de 1993, foi decretado o divórcio, por mútuo consentimento, entre A e B.<br>
Este requereu inventário para a partilha dos bens, pendente no Tribunal Judicial de Oeiras.<br>
Em 9 de Janeiro de 1996, A demandou judicialmente no Tribunal de Círculo de Oeiras, B, pedindo que:<br>
a) Se declare que a referida fracção autónoma foi adquirida pela Autora posteriormente ao decretamento do divórcio das partes proferido pelo Tribunal de Santa Clara do Estado da Califórnia e ao decretamento do divórcio pelo Tribunal Português.<br>
b) Se declare ter sido o referido acordo escrito no âmbito do processo de divórcio requerido no Tribunal de Santa Clara da Califórnia, pelo qual o Réu renunciou válida e antecipadamente aos direitos que porventura lhe ficassem a pertencer em aquisições de bens, móveis e imóveis, que a Autora viesse a efectuar a partir da última separação de facto em 24 de Outubro de 1983.<br>
c) Se declare que, mercê da referida renúncia, a Autora fique dispensada de pagar quaisquer tornas ao Réu no âmbito do processo de inventário do 2. Juízo Cível da Comarca de Oeiras, se nele a Autora vier a licitar no referido andar, que constitui a verba n. 2 daquele inventário.<br>
O Réu contestou.<br>
No despacho saneador o Mmo. Juiz julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu dos pedidos, com o fundamento de que o acordo violou o princípio da imutabilidade da convenção antenupcial, contra o disposto no artigo 1715 do CCIV.<br>
A Relação:<br>
a) Anulou a sentença, invocando o n. 3 do artigo 712 do CPC, por não indicar os factos em que assentou a decisão.<br>
b) Considerou que a acção teria sempre de ser julgada no despacho saneador (artigo 510, n. 1, alínea b), do CPC) e, aplicando o artigo 715 do mesmo Código, conheceu do objecto do recurso julgando-o improcedente com fundamento de que não é formalmente válido o acordo estabelecido entre a Autora e o Réu.<br>
Nesta revista a Autora pede a revogação do acórdão recorrido e da sentença da 1. instância, pois:<br>
a) O acórdão violou os artigos 1714 e 1715, do CCIV, e o artigo 712, n. 4, do CPC.<br>
b) A "mens legislatoris" do artigo 1714 do CCIV só pode ser a tutela dos direitos e interesses de terceiros que negoceiem com os cônjuges e não os direitos e interesses destes, que não estão feridos de "capitis diminutio" para negociar antecipadamente as suas relações patrimoniais no futuro post-divórcio.<br>
c) O acordo que celebraram é válido em relação a bens futuros desde que estes sejam determináveis, o que acontece "in casu".<br>
d) O acordo patrimonial de 23 de Janeiro de 1983, porque se refere a bens futuros, constitui um contrato-promessa de partilha "dos direitos a partes indivisas do direito à meação sobre tais bens que, adquiridos após a separação de facto, continuaram a ser bens comuns".<br>
e) O acordo consubstancia renúncia dos cônjuges a bens futuros e é válido quanto à forma, por ter sido, celebrado no âmbito de um processo<br>
jurisdicional, nos Estados Unidos, excluindo assim a aplicação do artigo 89, alínea a), do Código do Notariado.<br>
f) A base factual existente nos autos é suficiente para a prolação de uma decisão de mérito.<br>
O Réu sustentou a improcedência do recurso pois, ou deve ser mantido o acórdão ou, se revogado, deve ser proferida decisão considerando o acordo inválido nos termos decididos na 1. instância.<br>
1) No saneador-sentença o Mmo. Juiz não discriminou os factos que considerou provados, como determina o n. 2 do artigo 659 do CPC, dando causa à nulidade prevista na alínea b), do n. 1 do artigo 668 do mesmo Código.<br>
Totalmente alheio à nulidade de que a Relação conheceu é o n. 3 do artigo 712 do CPC.<br>
A arguição pelo recorrente da violação do n. 4 deste artigo, que corresponde ao n. 2 anterior, não é feliz pois a decisão foi proferida na 1. instância findos os articulados e a recorrente sustenta que a base factual existente nos autos permite decidir de mérito.<br>
2) O pedido formulado pela Autora foi o declaração de validade da renúncia antecipada pelo Réu aos direitos que lhe viessem a pertencer nas aquisições efectuadas pela mulher, a partir da separação de facto entre ambos iniciada em 24 de Outubro de 1983.<br>
Considerou a Relação:<br>
Autora e Réu divorciaram-se amigavelmente no Tribunal de Santa Clara, Califórnia, E.U.A.<br>
Não consta dos autos certidão comprovativa da revisão da sentença americana.<br>
No âmbito do respectivo processo de divórcio, a Autora e o Réu subscreveram em 23 de Novembro de 1983 o acordo documentado a fls. 8 e seg.<br>
Este acordo não configura uma promessa de partilha dos bens comuns dos cônjuges.<br>
Visando eventuais aquisições patrimoniais feitas por cada um dos cônjuges, contém uma renúncia a direitos reais nula por não revestir a forma de escritura pública - artigo 89, alínea a) do Código do Notariado.<br>
Consta do acordo:<br>
Autora e Réu, casados desde 25 de Janeiro de 1958, separaram-se em 24 de Outubro de 1983.<br>
Devido a desentendimentos surgidos, acordaram em permanecer e viver separados.<br>
Foi intentada pela Autora a acção de dissolução do casamento no Tribunal do Condado de Santa Clara.<br>
O objectivo do acordo é o de estabelecer uma completa regulamentação dos direitos e obrigações mútuos.<br>
A comunhão e quase-comunhão patrimonial, incluindo direitos reais<br>
e obrigacionais, foi equitativamente dividida antes e como antecipação do acordo.<br>
Assim, a esposa transferiu para o marido, como direito próprio deste, todos os direitos de que era titular sobre o imóvel sito em San José, Califórnia, recebendo em contrapartida 8500 dólares americanos. <br>
O marido assumiu a responsabilidade pelos pagamentos dos ónus hipotecários que incidem sobre o imóvel.<br>
Todos os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges depois da separação ocorrida em 24 de Outubro de 1983 foram aplicados em exclusivo benefício do adquirente, e cada um dos cônjuges renuncia e prescinde de todos os direitos sobre todos os bens subsequentemente adquiridos pelo outro.<br>
O acordo será submetido ao tribunal para efeitos de incorporação e integração no processo de dissolução do casamento, tornando-se efectivo em 23 de Novembro de 1983.<br>
O contrato-promessa de partilha dos bens comuns do casal, celebrado pelos cônjuges tendo em vista o seu divórcio ou separação judicial, deixa intocado o estatuto que define o regime de bens do casamento, pois envolve apenas a promessa de imputar os bens comuns concretos na meação de cada um dos cônjuges. (1) <br>
"In casu", o acordo incidiu sobre o regime de bens do casamento, regulando o estatuto dos bens adquiridos por cada um dos cônjuges durante a sua separação, considerada irremediável, e procedendo à divisão de bens comuns.<br>
Não se trata assim de mero contrato-promessa de partilha.<br>
A Relação, ao julgar nula por falta de forma legal a renúncia contida no acordo, terá eventualmente entendido que era aplicável a 2. parte do n. 1 do artigo 36 do CCIV.<br>
Acontece que, ao contrário do que parece pressupor, não houve uma renúncia concreta a direitos reais, especificadamente à propriedade da fracção autónoma comprada pela Autora.<br>
O que houve, sim, foi uma renúncia genérica a direitos futuros (2) - renúncia do Réu à contitularidade automática, por força do regime matrimonial de comunhão de bens, de todos os móveis ou imóveis que a Autora viesse a adquirir até ao divórcio de ambos.<br>
Não se punha assim a questão da necessidade de escritura pública nos termos do artigo 89, alínea a) do Código do Notariado.<br>
É porém uma renúncia nula - artigo 294 do CCIV -, porque contra o disposto no artigo 714, n. 1, do mesmo Código (norma imperativa), altera o regime de bens do casamento, atribuindo em propriedade exclusiva à Autora bens que devem ser comuns.<br>
Ao contrário do que a recorrente diz, a imutabilidade das convenções antenupciais ponderou não apenas os interesses de terceiros como ainda os riscos de ascendência de um cônjuge sobre o outro.<br>
Neste termos e com este fundamento, negam a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
<br>
(1) Assim, Guilherme de Oliveira, R.L.J., 129 p. 281.<br>
(2) Sobre esta renúncia, cfr. F.M.B. Pereira Coelho, A Renúncia Abdicativa no Direito Civil, p. 142 e seg.<br>
<br>
Lisboa, 25 de Maio de 1999.<br>
Afonso de Melo,<br>
Fernandes Magalhães,<br>
Pinto Monteiro.<br>
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XjL0u4YBgYBz1XKvDWHu | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<div>I</div>A, em 26.3.98, alegando ser proprietário do prédio urbano sito em Mateus, prédio esse cujo rés-do-chão ou loja os RR., sem título para tal, ocupam, intentou, pelo Tribunal de Círculo de Vila Real, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B e mulher, C, pedindo: <br>
- que se considere o Autor proprietário do imóvel antes identificado e se condene o réu a reconhecer tal direito;<br>
- que se considere que tal imóvel é ocupado pelo R. sem qualquer título que o legitime;<br>
- que se condene o R. a devolver ao Autor a parte ocupada, livre de pessoas e coisas;<br>
- que se condene o R. a pagar-lhe uma indemnização de 55000 escudos mensais até efectiva entrega.<br>
Os RR. deduziram contestação, pugnando pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediram a condenação do Autor a pagar-lhes a quantia de 580000 escudos pela aquisição do estabelecimento e pela realização de benfeitorias. Mais pediram a condenação do A. a indemnizá-los, por ter litigado de má-fé, na quantia de 200000 escudos como compensação do que terão que pagar de honorários ao seu advogado.<br>
Houve réplica, tendo o autor pugnado pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional.<br>
Na 1.ª instância, no despacho saneador, considerando-se que o Autor actuara com abuso do direito, absolveram-se os RR dos pedidos. Decidiu-se ainda, em face da improcedência da acção, não apreciar o pedido reconvencional.<br>
O A., inconformado com a decisão da 1.ª instância, apelou para o Tribunal da Relação do Porto, terminando as suas alegações pedindo que a sentença fosse revogada e substituída por outra que desse provimento ao pedido, com o prosseguimento dos autos para decisão sobre o pedido reconvencional.<br>
O Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 08/05/2000, dando parcial provimento ao recurso, condenou os RR. a reconhecerem o direito de propriedade do Autor, mas, no que respeita aos restantes pedidos contra aqueles formulados, embora divergindo do fundamento em que se escorou a 1.ª instância - já que entendeu não se verificar "...conduta abusiva do direito plasmada na conduta do Autor" -, manteve a absolvição dos RR. decretada na 1.ª instância.<br>
Continuando inconformado com o decidido na 2.ª instância, o A. recorre agora de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:<br>
1.ª - Constando dos autos que foi transmitido por venda judicial o direito ao arrendamento, separadamente das máquinas existentes e sem que outros elementos tenham sido transferidos, não se pode qualificar tal situação como trespasse.<br>
Para se considerar transmitido um estabelecimento como universalidade (trespasse) há-de tal transferência envolver um mínimo da organização existente, pelo que transmitindo-se apenas "a chave" ou direito ao arrendamento, tal não é suficiente para caracterizar a venda como trespasse.<br>
Ao decidir de forma diferente, o acórdão impugnado fez errada interpretação dos factos e errada aplicação das normas jurídicas aos mesmos, com errada qualificação jurídica da situação provada.<br>
2.ª - O contrato de arrendamento celebrado com um alfaiate para sua oficina, caduca com a morte deste, salvo se os sucessores pretenderem continuar com o contrato.<br>
Para tanto terão de notificar o senhorio e provar os seus direitos a tal sucessão.<br>
Não o fazendo o contrato caduca. - artº 112º do RAU - mesmo que esteja penhorado por motivo de dívida do seu titular.<br>
Não entendendo desta forma, o acórdão violou esta disposição legal.<br>
3.ª - A venda do direito ao trespasse do arrendamento efectuada pela Repartição de Finanças configura uma cessão da posição do locatário.<br>
Porque essa cessão se efectuou sem o consentimento do locador, o adjudicatário, em acção de reivindicação, não pode por forma relevante, opor em sua defesa o estar a deter o andar em resultado daquela adjudicação.<br>
Não se entendendo assim, violou o acórdão o direito de propriedade do autor e o art.º 1311, n.º 2 do C.Civil.<br>
<br>
Terminou referindo dever "...revogar-se o acórdão recorrido, ordenando-se a entrega ao autor do imóvel de que é proprietário".<br>
<br>
Não houve contra-alegações.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>O Tribunal da Relação, ao decidir, invocou a seguinte matéria de facto em que se baseou a 1.ª instância:<br>
<br>
A) O Autor é dono de um prédio urbano, sito em Mateus, inscrito na matriz predial da Freguesia de Mateus, sob parte do art. 364º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real, sob o nº ...., a fls. 38 do Livro B-325.<br>
B) No dia 1 de Janeiro de 1977, o rés-do-chão, ou "loja", deste prédio foi dado de arrendamento a D, para nele exercer a actividade de alfaiate, pela renda mensal de 500 escudos.<br>
C) O referido D faleceu a 24.6.96.<br>
D) A 4 de Junho de 1996, e na sequência de execução fiscal que foi movida ao identificado D, o Estado, através da Repartição de Finanças de Vila Real, penhorou o direito ao "trespasse do arrendamento", respeitante ao rés-do-chão descrito na al. B).<br>
E) No âmbito dessa execução fiscal, procedeu-se, no dia 8 de Maio de 1997, à venda por propostas em carta fechada do aludido direito.<br>
F) Porque a proposta oferecida pela Ré foi a mais elevada - 505000 escudos - foi-lhe adjudicado o referido direito.<br>
G) Tendo a ré efectuado o tempestivo pagamento do preço daquela venda judicial.<br>
H) O Autor foi notificado da efectivação da penhora do direito em causa, bem como da data da venda judicial do mesmo, não tendo deduzido qualquer oposição, nem exercitado o seu direito de preferência.<div>III</div>Ponto de ordem:<br>
São as seguintes as questões fundamentais a decidir no presente recurso:<br>
a) Saber se é de considerar, como entendido pelo Acórdão recorrido, que o que efectivamente foi penhorado e vendido no processo de execução fiscal, foi o estabelecimento comercial;<br>
b) Se é de ter como assente que, com a morte do arrendatário (executado na referida execução fiscal), o contrato de arrendamento em causa caducou;<br>
c) Se aquela venda, para que aos adquirentes (aqui recorridos) fosse permitido invocar a detenção do arrendado como causa obstativa da entrega que lhes é pedida na acção, tinha de ter obtido o consentimento do ora recorrente.<br>
<br>
Apreciemos as referidas questões pela ordem por que foram enunciadas.
<p>1 - A Relação entendeu que o que efectivamente foi penhorado e vendido no processo de execução fiscal foi o estabelecimento comercial (cfr. fls. 135). O recorrente discorda desse entendimento. A seu ver, o que a Repartição de Finanças penhorou foi "o direito ao trespasse do arrendamento", sendo inequívoco, sustenta, que "com isto quis significar que estava a vender apenas o direito ao arrendamento", até porque se procedeu à venda, em separado, das "máquinas existentes na alfaiataria". Vejamos.<br>
1.1. - Não há dúvida de que o que foi dado como provado na 1ª instância (de harmonia, aliás, com o que consta do auto de penhora), foi que o Estado, através da Repartição de Finanças de Vila Real, penhorou o direito ao "trespasse do arrendamento", respeitante ao rés-do-chão em causa. Isso não obsta, porém, a que se entenda, como o fez a Relação, que o que efectivamente se penhorou (e, subsequentemente, se adjudicou), foi o estabelecimento comercial. A expressão "penhora do direito ao trespasse do arrendamento", não tendo - porque o direito ao trespasse do arrendamento é algo que não existe - qualquer significado lógico quer no domínio da linguagem corrente, quer no domínio da linguagem jurídica, só ganha algum significado coerente (ainda assim inexacto, como adiante se explicitará) se entendida como a entendeu a Relação, como "penhora do direito ao trespasse e arrendamento" .<br>
O que não tem sentido é pretender ver-se o trespasse excluído da penhora em causa, e esta restringida ao direito ao arrendamento, apesar de, na expressão utilizada no processo (bem como no auto de penhora e em outros documentos do processo de execução fiscal que estão juntos aos presentes autos), expressamente constar como penhorado "o direito ao trespasse...". Nem a mencionada expressão utilizada, apesar de incorrecta, o permite, nem, como adiante se procurará demonstrar, o permite a factualidade que foi dada como assente.<br>
Assim, quer se atenda à expressão que a Relação considerou - "direito ao trespasse e arrendamento" -, quer se atente na utilizada na 1ª instância - "direito ao trespasse do arrendamento", quer se considere esta apenas na parte em que refere o direito ao trespasse, o certo é que sempre será de considerar que a penhora e, consequentemente a venda, incidiram também sobre o arrendamento, na medida em que o trespasse, ou seja, "a transmissão definitiva, por acto entre vivos, (...) da titularidade, juntamente com o gozo do prédio, do estabelecimento comercial ou industrial nele instalado" ( ) Cfr. Aragão Seia, "Arrendamento Urbano Anotado e Comentado", 5ª edição, em anotação ao art.º 115.º; Antunes Varela, RLJ, nº 115, pág. 253, nota 1), implica, em regra, (regra esta que não é afastada no caso sub judice, como adiante se verá), a transmissão da posição contratual de locatário do arrendado onde funciona o estabelecimento comercial ou industrial "trespassado"( ) Decidiu a Relação de Lisboa, no Acórdão de 18/01/1963, in Jurisprudência das Relações, 9.º, pág. 42, o seguinte: "A arrematação do direito ao trespasse dum estabelecimento dá ao arrematante o direito ao arrendamento e a tudo o que o estabelecimento compreende...".).<br>
Parece evidente que, em caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial, a manutenção do local onde este funciona e, portanto, tratando-se de arrendado, a transferência da posição de locatário, é algo de primordial importância, que deve ocorrer como regra. Por ser assim, a lei dispensa, em caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial, que o senhorio autorize a transmissão da posição do arrendatário ( ) Prescreve o artigo 115.º, n.º 1 do RAU: "É permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial".). <br>
Todavia, não é juridicamente correcto falar-se de penhora "do direito ao trespasse", nem da penhora "do direito ao trespasse e arrendamento".<br>
Com efeito, conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 03/02/81 ( ) Publicado no BMJ n.º 304, pág. 348, a na RLJ, Ano 115º, nº 3701, págs. 251 e segs.), não faz sentido penhorar-se o direito ao trespasse de estabelecimento, devendo entender-se a nomeação à penhora do direito ao trespasse e arrendamento como a nomeação à penhora do próprio estabelecimento enquanto unidade jurídica. Mais se extrai do sumário do citado aresto que não tem lugar no auto de penhora do estabelecimento a descrição dos respectivos elementos constitutivos.<br>
Concordando, no essencial, com tal entendimento, escreveu Antunes Varela: "O poder de trespassar o estabelecimento comercial não existe, com efeito, no património do respectivo titular como um direito subjectivo (autónomo), susceptível de ser penhorado pelos credores exequentes". Explicitando o seu pensamento, acrescenta o mesmo Autor: "O poder de trespassar o estabelecimento está para o direito ao estabelecimento (ou sobre o estabelecimento) como o poder de dispor está para o direito de propriedade sobre a coisa, ou até para o direito de crédito à prestação, na medida em que o credor pode dispor do crédito como um valor objectivado do seu património. É apenas uma das múltiplas faculdades em que se desdobra o conteúdo do direito do titular (...) sobre o estabelecimento" ( ) Cfr. R.L.J. citada, pág. 253.).<br>
Na linha do decidido no citado Acórdão de 03/02/81, o STJ pronunciou-se já por diversas vezes expressando o entendimento de que a nomeação à penhora do direito ao trespasse e arrendamento de um estabelecimento comercial ou industrial deve ser entendida como a nomeação à penhora do próprio estabelecimento, enquanto unidade jurídica ( ) Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 07/01/92, processo nº 81382, e de 06/05/98, processo nº 409/98.).<br>
Assim, no caso dos autos, não obstante os dizeres do auto de penhora respectivo, há que concluir que se pretendeu penhorar "o direito ao trespasse e arrendamento", como bem concluiu a Relação, penhorando-se, afinal, como também correctamente entendeu o Tribunal a quo, o estabelecimento comercial do então arrendatário do rés-do-chão ora em causa.<br>
1.2. - Poder-se-á, porém, defender, in casu, como sustenta o recorrente, a negação de trespasse, com o fundamento de que "as máquinas existentes foram penhoradas e vendidas em separado da venda do direito ao arrendamento" "sem que outros elementos tenham sido transferidos"?<br>
Afigura-se que não. Em primeiro lugar, as referidas afirmações do recorrente não têm correspondência na matéria fáctica dada como assente pelas instâncias. Por outro lado, mesmo socorrendo-nos dos documentos juntos, não é possível dar como assente que, com o estabelecimento, não tenham sido transmitidos os elementos essenciais a este que permitissem aos adquirentes a continuação da actividade industrial de alfaiataria ( ) Decidiu-se no Ac. do STJ de 29-04-1999 (Revista n.º 255/99 - 2.ª Secção), que "... para que se afirme a existência de um trespasse não é imprescindível a transmissão de todos os elementos que no momento integram o estabelecimento; basta que sejam aqueles que o caracterizam.".). Não se afigura, pois, haver nos autos suporte fáctico que permita sustentar o referido entendimento do recorrente ( ) Tanto quanto resulta dos autos, apenas há notícia de que foram penhoradas duas máquinas de costura. Ainda que se dê por assente a venda, em separado, destas máquinas (não se sabe até se eram as únicas existentes no estabelecimento), tal não se afigura suficiente para descaracterizar o trespasse.).<br>
<br>
2 - Alega ainda o recorrente que o contrato de arrendamento em causa caducou, em virtude da morte, ocorrida em 24/06/1996, do arrendatário D, já que ninguém lhe comunicou tal óbito, nem os sucessores do falecido comunicaram a intenção de manter o arrendamento. Caducidade esta que inquinou a adjudicação aos ora recorridos que teve lugar em 8 de Maio de 1997.<br>
Também se considera não ser de acolher tal entendimento.<br>
2.1. - Conforme consta da matéria que vem dada como provada, o rés-do-chão (ou "loja") em causa, "...foi dado de arrendamento a D, para nele exercer a actividade de alfaiate"( ) O arrendamento respeita ao exercício da actividade industrial de alfaiataria, pese embora o facto de o recorrente, nas suas alegações, referir que a Exma. Juíza da 1.ª instância entendeu que o arrendamento integrava um arrendamento para profissão liberal de alfaiate.). Tratou-se, pois, de um arrendamento destinado ao exercício da indústria de alfaiataria, que se encontra abrangido pelo campo de aplicação do artigo 110º do RAU e ao qual é aplicável a disciplina do artigo 112º do mesmo diploma. Trata-se, aliás, de um ponto em relação ao qual não parece haver discordância por parte do recorrente, já que ele próprio invoca, nas suas alegações de revista, o n.º 2 do mencionado artigo 112º, para sustentar que, não tendo ocorrido a comunicação que nele se refere, teria caducado o contrato de arrendamento em causa.<br>
Ora, no arrendamento para comércio ou indústria, a regra é a de que o contrato não caduca por morte do arrendatário. Trata-se de um desvio ao princípio proclamado no art.º 1051º, n.º 1, al. d), do Código Civil e no n.º 1 do art.º 66.º do RAU, desvio esse abrangido pela ressalva que nesta última disposição legal se faz na parte que se refere aos "regimes especiais".<br>
Com efeito, referindo-se na alínea d) do n.º 1 do citado artigo 1051º a morte do locatário, como uma das ocorrências que determinam a caducidade do contrato de locação, o n.º 1 do art.º 66.º do RAU prescreve que o arrendamento caduca nos casos fixados pelo artigo 1051° do Código Civil, mas "sem prejuízo do disposto quanto aos regimes especiais". Ora, um desses regimes especiais é justamente o relativo ao arrendamento para comércio ou indústria, estabelecendo, a propósito, o artigo 112.º do RAU, sob a epígrafe "morte do arrendatário", o seguinte:<br>
<br>
1 - O arrendamento não caduca por morte do arrendatário, mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia ao senhorio no prazo de 30 dias.<br>
2 - O sucessor não renunciante deve comunicar, por escrito, ao senhorio a morte do arrendatário, a enviar nos 180 dias posteriores à ocorrência e da qual constem os documentos autênticos ou autenticados que comprovem os seus direitos.<br>
3 - O arrendatário não pode prevalecer-se do não cumprimento dos deveres de comunicação estabelecidos neste artigo e deve indemnizar o senhorio por todos os danos derivados da omissão.<br>
<br>
2.2. - Assente que a regra é a de que o arrendamento não caduca por morte do arrendatário (1.ª parte do n.º 1 do art.º 112), importa verificar se tal caducidade ocorre no caso de o sucessor não renunciante não proceder à comunicação que se refere no n.º 2 do citado art.º 112.<br>
A primeira observação que se afigura de fazer quanto a esta matéria é a seguinte: se bastasse um comportamento omissivo por parte do sucessor do arrendatário para que, na sequência da morte deste, operasse a caducidade do arrendamento, então mal se compreendia a razão que motivara o legislador a prescrever, no n.º 1 do artigo 112º, que a renúncia à transmissão carece de uma comunicação nesse sentido a efectuar pelo sucessor ao senhorio.<br>
Por outro lado, em sede alguma se prescreve expressamente, ao contrário do que seria normal se fosse essa a intenção do legislador em matéria de tal sensibilidade, que o não cumprimento dos deveres de comunicação a cargo do sucessor do arrendatário que não pretenda renunciar à transmissão tem como consequência a caducidade do contrato.<br>
A tese da caducidade derivada do não cumprimento do aludido dever de comunicação tem sido defendida com apelo ao disposto no n.º 3 do artigo 112 e ao que estabelece o artigo 113º, n.º 1 do RAU ( ) Dispõe o n.º 1 do citado art.º 113.º: « Salvo no caso de perda da coisa ou no do artigo 112º, n.º 3, se o arrendamento cessar por motivo de caducidade ou por denúncia do senhorio, o arrendatário tem direito, sem prejuízo da indemnização referida no artigo 67º, a uma compensação em dinheiro, sempre que por facto seu o prédio arrendado tenha aumentado de valor locativo.».).<br>
No entanto, como resulta da lição de Pereira Coelho ( ) Cfr. "Breves Notas ao «Regime do Arrendamento Urbano», in RLJ, Ano 125.º, n.º 3822 e seguintes.), são outras, que não a da transmissão do contrato, as vantagens - a que se reporta o n.º 3 do art.º 112 - de que o sucessor que não tenha comunicado ao senhorio a morte do arrendatário não se pode prevalecer. Com efeito, o n.º 1 do art.º 113.º do RAU, ao referir-se ao caso de o arrendamento "cessar por motivo de caducidade", está a reportar-se às causas de caducidade do arrendamento previstas nos artigos 66.º e 67.º do RAU. O alcance do mencionado artigo 113º, n.º 1, é o seguinte: "...o sucessor do arrendatário, a quem o arrendamento se transmitiu, mas que não cumpriu o dever de comunicação que o artigo 112.º lhe impunha, não goza de direito a uma compensação em dinheiro se por facto seu ou do anterior arrendatário tiver aumentado o valor locativo do prédio e o arrendamento vier a cessar por alguma dessas causas de caducidade (ou ainda por denúncia do senhorio); não pode «prevalecer-se», nos termos do n.º 3 do artigo 112.º dessa vantagem patrimonial, uma vantagem de que beneficiaria se tivesse cumprido aquele dever» ( ) Cfr. Pereira Coelho, RLJ, Ano 125.º, n.º 3897, pág. 373.).<br>
Será de concluir, assim, que o não cumprimento pelo sucessor do arrendatário do dever de comunicação estatuído no artigo 112º, n.º 2, do RAU, não obsta à transmissão do arrendamento, ou seja, não implica a caducidade deste ( ) Cfr., neste sentido, além de Pereira Coelho, loc. cit., pág. 370, Aragão Seia, "Arrendamento Urbano Anotado e Comentado", 5.ª edição, em anotação ao art.º 112.º e Ac. da Relação do Porto de 12/02/98, in Col. Jur., Ano XXIII, tomo I, pág. 210.<br>
Contra este entendimento, Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Coimbra, 1996, pág.590.).<br>
Como escreve Pereira Coelho, "o incumprimento ou cumprimento retardado do defeituoso do dever imposto ao sucessor não renunciante de comunicar ao senhorio a morte do arrendatário, nos termos previstos no nº 2 do artigo 112º do RAU, não prejudica a transmissão do contrato, valendo, pois, nos arrendamentos para comércio, indústria, ou exercício de profissão liberal o mesmo regime que vale nos arrendamentos para habitação (artigo 89º, nº 3)" ( ) Cfr. Pereira Coelho, loc. cit., pág. 370.).<br>
Acresce que a norma do citado artigo 112.º, n.º 3 do RAU, interpretada no sentido de que o não cumprimento do aí estatuído importaria a caducidade do arrendamento, estaria ferida de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito, tendo em conta que, no regime anterior ao RAU, não caducando o arrendamento para comércio ou indústria por morte do arrendatário (art.º 1113.º do CC), nada se prescrevia no sentido de que a falta de comunicação do óbito do arrendatário implicava a caducidade do direito, a norma do n.º 3 do art.º 112.º, interpretada no apontado sentido da caducidade, importaria um desvio ao regime anterior, desvio esse não abrangido pelo âmbito da lei de autorização legislativa n.º 42/90, de 10 de Agosto, ao abrigo da qual foi editado o "Regime Geral do Arrendamento Urbano" ( ) Neste sentido, Pereira Coelho, loc. cit., pág. 371 e Aragão Seia, "Arrendamento Urbano Anotado e Comentado", 5.ª edição, em anotação ao art.º 112.º.).<br>
Como escreve Aragão Seia, "só munido de autorização legislativa o Governo podia editar um preceito com aquela regra da caducidade do arrendamento por morte do arrendatário". "Ora essa autorização não existe, como decorre da alínea n) do nº 2 da Lei nº 42/90 (...), segundo a qual o Governo só ficou credenciado para proceder à modificação do regime de transmissão por morte da posição do arrendatário habitacional, sem prejuízo da salvaguarda dos interesses considerados legítimos".<br>
Em face do exposto, ao contrário daquilo que sustenta o recorrente, não se pode concluir pela caducidade do contrato de arrendamento em causa. <br>
O recorrente afirma que "está provado que não foi feita qualquer comunicação ao senhorio, designadamente a que é referida no art. 112, n.º 2 do RAU" (fls. 151, verso). Ora, além de tal matéria não constar do elenco da matéria de facto que a primeira instância considerou provada e que a Relação aceitou, acresce que, ainda que se tivesse por assente a omissão da mencionada comunicação, isso em nada alteraria a conclusão a que se chegou quanto à não caducidade do contrato, face ao entendimento acabado de expor quanto à irrelevância, para esse efeito, de tal omissão.
</p></font><p><font>3 - Atento o que acima se expôs, fica sem base de sustentação a matéria da conclusão 3.ª do recorrente. A venda efectuada na Repartição de Finanças não configura uma cessão da posição do locatário, não dependendo de qualquer autorização do senhorio (cfr. o artigo 115.º n.º 1, do RAU, segundo o qual "é permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial").<br>
Assim, provando-se que a detenção, pelos recorridos, do rés-do-chão em causa, é lícita, decorrendo da posição de arrendatários que lhes foi transmitida na sequência da venda efectuada no âmbito dos autos de execução fiscal, não pode proceder o pedido de entrega formulado pelo ora recorrente (art.º 1311, n.º 2 do CC), nem os restantes pedidos que dependiam da procedência daquele. <br>
<br>
Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.<br>
Custas a cargo do Recorrente.<br>
Lisboa, 16 de Janeiro de 2001.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Pinto Monteiro.</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UDL5u4YBgYBz1XKvnmi_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> <div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: <br>
</div><br>
I- "A" intentou a presente acção de processo comum, na forma sumária, contra "B", pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias de 431410 escudos, 750831 escudos, 307646 escudos e 1890389 escudos, acrescidas de juros legais, bem como as pensões de 29233 escudos mensais que se venceram desde Julho de 1996 até ao encerramento da discussão da causa e as que se venceram desde essa altura, a liquidar em execução de sentença na medida do pagamento que a autora for efectuando, com fundamento em direito de regresso pela responsabilidade assumida, como seguradora, perante a entidade patronal de sinistrado em acidente de viação e de trabalho imputado a culpa do condutor de veículo segurado na ré. <br>
Houve contestação e resposta. <br>
No despacho saneador, relegou-se para final o conhecimento da excepção de prescrição. <br>
Procedeu-se a julgamento e, pela sentença de fls. 142 e segtes , julgou-se improcedente aquela excepção e procedente a acção. <br>
Em recurso de apelação, o acórdão de fls. 168 e segtes, revogou essa sentença quanto às prestações relativas ao período decorrido desde a propositura da acção até ao encerramento da discussão (porque a autora não provou ter efectuado o seu pagamento) e às prestações futuras (porque não pode haver sub-rogação em relação a prestações ainda não pagas). <br>
Interpuseram recurso de revista a ré e a autora. <br>
A primeira pretende a revogação do acórdão e formula, em resumo as seguintes conclusões: <br>
- a lei de acidentes de trabalho fala em direito de regresso mas consagra uma sub-rogação legal; <br>
- as responsabilidades da seguradora laboral e da seguradora por acidente de viação não configuram uma obrigação solidária; <br>
- o prazo de prescrição do direito da autora é o mesmo do lesado, ou seja, o de 3 anos do artº 498º nº 1 do Cód. Civil ; <br>
- esse prazo já tinha decorrido quando foi citada para esta acção; <br>
- não é aqui aplicável o disposto no nº 3 desse artº 498º e o respectivo prazo também já teria decorrido; <br>
- o reconhecimento da dívida, para efeito de interrupção da prescrição, deve obedecer aos requisitos do artº 325º nº 2 do cit. Código, o que se não verifica pela carta de fls. 103; <br>
- foi violado o disposto nos artºs 323º, 325º e 498º do cit. Cód. Civil. <br>
A autora, por sua vez, pretende a revogação do acórdão recorrido, na parte em que alterou a sentença da 1ª instância, com base nas seguintes conclusões: <br>
- é solidária, ainda que tenha causas distintas, a responsabilidade dos diversos responsáveis pela reparação dos danos decorrentes de acidente de viação e de trabalho; <br>
- o direito que assiste è entidade patronal ou à sua seguradora de ser ressarcida, pelo terceiro responsável, de todas as despesas que haja suportado, é um direito de regresso e não de sub-rogação; <br>
- foi violado o disposto no nº 4 da Base XXXVII da Lei nº 2127. <br>
Em contra-alegações, cada uma das partes sustenta posição idêntica à da sua alegação. <br>
II- Factos dados como provados: <br>
No dia 11 de Janeiro de 1990, em Mesão Frio-Guimarães, na E. N. 101, ao Km 117, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros OD-42-89 pertencente à C, conduzido por D, e o velocípede com motor 1FAF-12-72 pertencente a E e por ele conduzido. <br>
Em consequência do acidente, correu termos com o nº 98/91, na 2ª secção do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Guimarães, o processo de acidente de trabalho em que foi sinistrado o E e entidade responsável a ora A., no qual foi efectuado um acordo parcial, homologado por sentença, e proferida decisão quanto ao mais em discussão, ambas transitadas em julgado. <br>
Em função das decisões referidas, a ora A. ficou obrigada a pagar ao sinistrado, a partir de 20 de Abril de 1991, a pensão mensal de 29.233$00, actualizável e vitalícia. <br>
O E intentou contra a Ré a acção sumária nº 90/92 do 2º Juízo - 2ª secção do tribunal de Guimarães, em que pediu o valor dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu no acidente, acção que terminou por transacção em 17.2.94, homologada por sentença transitada em julgado, com redução do pedido e compromisso de a Ré pagar a parte não reduzida. <br>
Na referida acção, a Ré solicitou que fosse pedido à ora A., em requerimento datado de 25 de Outubro de 1993, para vir a essa acção indicar o que já havia pago ao sinistrado, tendo a ora A. procedido a tal, por requerimento apresentado em 18.11.93. <br>
Por contrato de seguro, a responsabilidade por danos decorrentes da circulação do OD-42-89 encontrava-se transferida para a Ré. <br>
Em consequência do acidente, o E sofreu as lesões referidas nos artigos 45º e 46º da p. i. e ficou com as sequelas referidas nos artºs. 68º e 69º da mesma p.i.. <br>
Tais lesões provocaram-lhe doença com incapacidade para o trabalho pelo período de 400 dias e uma incapacidade de 42,05% para a profissão de pedreiro, ficando com uma incapacidade residual de 57,97% para as profissões compatíveis com as lesões. <br>
Em virtude do acidente, a A. pagou ao E as quantias referidas nos artºs. 77º e 79º da p. i.. <br>
Entre a autora e José Pinheiro Fernandes, patrão do E, vigorava, à data do acidente, um contrato de seguro de acidente de trabalho. <br>
A ré enviou à autora a carta, com data de 25-3-94, junta a fls.103 <div> III- Quanto ao mérito dos recursos : </div>São suscitadas, no essencial, duas questões: a excepção de prescrição (recurso da ré); e o âmbito da condenação, com referência às prestações vencidas depois da propositura da acção (recurso da autora). <div> </div>1º - Excepção de prescrição: <br>
Por não serem questionados nos recursos, devem ter-se como assentes os seguintes pontos: o acidente em causa foi, simultaneamente, de viação e de trabalho; ele resultou de culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel com seguro na ré; o sinistrado E sofreu graves lesões corporais e o prazo do procedimento criminal pela infracção cometida por aquele condutor era de 5 anos; a autora, como seguradora da entidade patronal do sinistrado, pagou a este as quantias incluídas no pedido líquido. <br>
Na sentença da 1ª instância, a improcedência da excepção de prescrição do direito da autora baseou-se no prazo previsto no artº 498º nº 2 do Cód. Civil e em terem os pagamentos ao sinistrado sido feitos há menos de 3 anos, reportados à data da propositura da acção. <br>
O acórdão recorrido fundamentou essa improcedência do seguinte modo: o direito da autora é de sub-rogação e não de regresso; o prazo de prescrição do direito é de 5 anos, nos termos do nº 3 do cit. artº 498º; porque a ré foi citada em 2-10-96, estaria prescrito o crédito relativo aos pagamentos efectuados entre Abril de 1990 e 24 de Maio de 1991 (docs. de fls. 104 a 134) e às pensões pagas antes de 2-10-91; porém, por virtude da carta de fls. 103, houve interrupção da prescrição e início de novo prazo de 5 anos em 25 de Março de 1994, nos termos dos artºs. 325 nº 1 e 326º nº 1 do Cód. Civil. <br>
O acórdão recorrido, apesar de haver qualificado o direito da autora como de sub-rogação e não como de regresso, acabou por fazer aplicação do disposto no nº 2 do cit. artº 498º, onde se determina que "prescreve igualmente no prazo de ..., a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis". <br>
Desde logo, entende-se que o prazo de prescrição se conta aqui nos termos desse nº 2 do artº 498º e não do seu nº 1, como defende a recorrente. <br>
O direito que se pretende exercer na acção é o previsto no nº 4 da Base XXXVII da Lei nº 2127, de 3-8-65, no qual se reconhece à entidade patronal ou à sua seguradora "que houver pago a indemnização pelo acidente ... o direito de regresso contra os responsáveis" pelo mesmo acidente. <br>
Já se tem sustentado que se não trata de um verdadeiro direito de regresso mas de sub-rogação legal da entidade patronal nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização (cfr. A. Varela e Vaz Serra, na Rev. Leg. J., 103º, p. 30, e 111º, p. 67, respectivamente). Porém, a lei, que designou antes o direito como de sub-rogação (artº 7º da Lei nº 1942, de 27-7-36), volta a designá-lo como de regresso (artº 31º nº 4 da Lei nº 100/97, de 13-9) e, em rigor, a seguradora da entidade patronal não fez o pagamento como um "terceiro" mas como um dos vários responsáveis perante o lesado, numa relação de solidariedade passiva, ainda que imperfeita, pelo que o reembolso exercido contra a seguradora do veículo causador do acidente pode ser qualificado como direito de regresso (artºs 512º, 524º e 589º do Cód. Civil). <br>
De qualquer modo, os direitos de regresso e de sub-rogação apresentam grandes afinidades, estando subordinados ao elemento comum de prévio pagamento da obrigação e destinando-se ao seu reembolso total ou parcial, e o "direito de regresso" previsto no º 4 da cit. Base está incluído no direito, com a mesma qualificação, a que se refere o nº 2 do cit. artº 498º, até porque em ambos há o regresso ou reembolso "entre os responsáveis". <br>
Acresce que o direito em causa só pode ser exercido pela entidade "que houver pago a indemnização...", o que significa que, também por aplicação do princípio geral consignado no artº 306º nº 1 do Cód. Civil, o prazo da respectiva prescrição só começa a correr depois de efectuado aquele pagamento. <br>
Aliás, se o prazo de prescrição para a seguradora da entidade patronal fosse o mesmo do lesado, previsto no nº 1 do cit. artº 498º, e se este lhe exigisse o pagamento da indemnização no termo desse prazo, aquela ficaria, normalmente, sem qualquer prazo para exercício do direito de reembolso. <br>
O prazo de prescrição é aqui de 5 anos, nos termos do nº 3 do cit. artº 498º: o único requisito para aplicação desse preceito é o de "o facto ilícito constituir crime "sujeito a prazo de prescrição mais longo do que o dos nºs 1 e 2 desse preceito; o que importa é a maior gravidade do facto, sendo irrelevante a circunstância de ter havido ou não procedimento criminal, designadamente por motivo de amnistia ou de falta de queixa; é esta, aliás, a posição que tem sido dominante neste tribunal (entre outros, acórdão de 22-2-94, no Bol. 434, p. 625). <br>
Mesmo por aplicação do referido prazo de prescrição de 5 anos, alguns dos créditos da autora estariam prescritos, como se nota no acórdão recorrido, mas, como aí também se decidiu, considera-se que houve interrupção da prescrição, através da carta de fls. 103, nos termos do artº 325º do Cód. Civil. <br>
Por esse preceito, a prescrição é interrompida "pelo reconhecimento do direito ..." (nº 1) e este, sendo tácito, "só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam" (nº 2). <br>
Como sustenta Vaz Serra (no Bol. 106, p. 217 e segtes ), este efeito interruptivo "é justificável pois, se o prescribente reconhece o direito do titular, é razoável que perca o benefício do prazo ... já decorrido"; trata-se de simples acto jurídico, consistente numa "mera declaração de ciência (conhecimento do direito do titular)", e não é de exigir que o seu autor a faça "com a intenção de interromper a prescrição" pois, se "reconhece o direito da parte contrária ..., é legítimo entender que deseja cumprir a obrigação...". <br>
Em suma, reconhecer um direito é confessá-lo ou fazer a declaração do conhecimento da sua existência, o que não tem de abranger, necessariamente, toda a extensão do direito, uma vez que o que importa é a declaração da situação de sujeito passivo de uma obrigação, feita ao respectivo credor. <br>
Por outro lado, o reconhecimento tácito do direito pode ser manifestado por diversos meios, desde que incompatíveis ou inconciliáveis com a vontade de o devedor se valer da prescrição, e, entre outros, têm sido apontados os de pagamento de juros, cumprimento de uma prestação ou pedido de moratória. <br>
Ora , na carta de fls. 103, enviada à autora em 25-3-94, a ré comunica que, "relativamente ao acidente de trânsito..., e no sentido de uma resolução do assunto, uma vez que no julgamento em tribunal pagamos apenas ..., estamos na disposição de liquidar a V. Exªs, como recobro das despesas havidas no processo de acidente de trabalho ..., na proporção de ... ou 20% das mesmas", e esta carta deve ser ainda conjugada com a posição assumida pela ré na acção movida contra ela pelo lesado, onde, em 25-10-93, alegou o conhecimento de pagamentos feitos pela aqui autora ao mesmo lesado, como seguradora da entidade patronal, e requereu a sua notificação "para vir dizer aos autos que quantias já foram pagas ao A., a que título, e quais as que está obrigada a pagar no futuro" (fls. 47), o que foi oportunamente satisfeito pela autora (fls. 49). <br>
Daqui resulta que a ré reconheceu, perante a autora, a obrigação de reembolso de pagamentos por esta efectuados ao lesado, sendo irrelevante a circunstância de esse reconhecimento se reportar apenas a parte de tais pagamentos, pois a possível discussão sobre o montante do crédito da autora seria incompatível com a invocação da prescrição. <br>
Aliás, a razão invocada no docto de fls. 103 (ter pago ao lesado apenas certa quantia "no julgamento em tribunal") está na sequência da posição assumida no referido docto de fls.47 e serve de fundamento lógico para o apontado reconhecimento do direito da autora. <div> </div>Âmbito da condenação: <br>
Sustenta a autora que a condenação da ré deveria ter abrangido as prestações futuras, mesmo em relação à data do encerramento da discussão em 1ª instância, porque a sua pretensão não se funda em sub-rogação mas antes em direito de regresso. <br>
Porém, independentemente da qualificação jurídica do fundamento do direito da autora, e mesmo que se trate de direito de regresso (aspecto que já foi apreciado), a solução seria sempre a mesma: também no caso de direito de regresso só pode exigir-se o reembolso de prestações anteriormente pagas (artº 524º do Cód. Civil); a proibição de condenação em prestações futuras resulta do disposto no artº 472º nº 2 do Cód. P. Civil, tal como foi interpretado pelo "assento" de 9-11-1977 (no Bol. 271, p. 100); é irrelevante a referência aí feita a "sub-rogação", por ser, o seu regime jurídico, para o efeito em causa, igual ao do direito de regresso; aliás, a hipótese que foi objecto desse "assento" era em tudo idêntica à dos presentes autos; poderá porventura discutir-se a razoabilidade da solução fixada por tal "assento" mas o certo é que este tribunal está por ela vinculado enquanto não proceder à sua reapreciação em plenário das secções cíveis (artºs 17º nº 2 do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12/12, e 732º-A nº 2 do Cód. P. Civil); não foi requerida a intervenção desse plenário e a mesma também não se sugeriu porque se afigura que solução diversa daquela depende de intervenção do legislador, através de alteração do disposto no nº 2 do cit. artº 472. <div> </div>Em conclusão: <br>
O direito da entidade patronal (ou sua seguradora) de sinistrado em acidente de viação e de trabalho, contra o terceiro responsável pelo acidente, para reembolso das quantias pagas, pode ser qualificado como direito de regresso (nº4 da Base XXXVII da Lei nº 2127, de 3-8-65 e artº 524º do Cód. Civil). <br>
O prazo de prescrição desse direito é o previsto no artº 498º nº 2 do Cód. Civil, sem prejuízo do disposto no seu nº 3. <br>
O reconhecimento do direito, para efeito de interrupção da prescrição, traduz-se na confissão ou declaração de conhecimento da sua existência mas não tem de abranger toda a extensão do direito (artº 325º do cit. Código). <br>
A proibição de condenação em prestações futuras abrange tanto a hipótese de sub-rogação como a de direito de regresso (artº 472º nº 2 do Cód. P. Civil e "assento" de 9-11-77). <br>
Pelo exposto: <br>
Nega-se a revista. Custas de cada um dos recursos pelo respectivo recorrente.<br>
Lisboa, 1 de Junho de 1999.<br>
Martins da Costa,<br>
Pais de Sousa,<br>
Machado Soares.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nDLwu4YBgYBz1XKv3131 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
No concurso de credores apenso à falência de A foram os créditos reconhecidos/verificados graduados na 1ª instância pela seguinte forma:<br>
Pelo produto da venda dos três imóveis<br>
1º- Os créditos dos ex-trabalhadores, com excepção dos concernentes ao subsídio de alimentação;<br>
2º- Os créditos da B, atendendo-se, quanto a juros, apenas aos vencidos nos três últimos anos anteriores à data da declaração da falência;<br>
3º- Os créditos do C, com a restrição atrás indicada quanto aos juros;<br>
4º- Os demais créditos reconhecidos.<br>
Pelo produto dos bens móveis identificados no documento junto a fls 231-238 do vol 1º do apenso de reclamação de créditos.<br>
1º- O crédito da B, no montante de 56169292 escudos (37316950 escudos de capital + 18852042 escudos de juros + 300 escudos de despesas);<br>
2º- Os créditos dos reclamantes ex-trabalhadores, com excepção dos concernentes a subsídio de alimentação;<br>
3º- Os demais créditos.<br>
Pelo produto da venda dos demais bens apreendidos de natureza mobiliária<br>
1º- Os créditos dos reclamantes ex-trabalhadores, com excepção dos concernentes a subsídio de alimentação e complemento de reforma que a falida se obrigou a pagar a parte dos seus ex-trabalhadores (os indicados a fls 224 destes autos de recurso em separado);<br>
2º Os demais créditos reconhecidos.<br>
Devendo proceder-se a rateio, na proporção dos respectivos montantes, relativamente a todos os créditos graduados e que foram igualmente privilegiados.<br>
Tendo sido reconhecidos/verificados, entre outros, os crédito do ex-trabalhador D, no montante de 4667389 escudos (sendo 3549900 escudos de indemnização por rescisão do contrato sem justa causa, retribuições, férias e subsídio de Natal e 1117489 escudos de juros de mora), e do E , no valor de 91706332 escudos (sendo 65500000 escudos de capital e 26206332 escudos de juros), na sentença de graduação do passivo, ficaram sempre a ocupar o último lugar. <br>
Inconformados com a decisão, dela apelaram o E e o Ministério Público no interesse do trabalhador D. <br>
A Relação de Lisboa deu provimento ao recurso do E e parcial provimento ao do Ministério Público, considerando para isso o seguinte circunstancialismo:<br>
Na 15ª Vara do Tribunal Cível de Lisboa, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 1993, foi declarada a falência de A;<br>
Foram apreendidos para a massa três imóveis (2 prédios rústicos e 1 urbano) e diversos bens móveis; <br>
Sobre o equipamento da falida, composto pelos bens móveis especificados no doc. junto a fls. 231-238 do Vol. I do apenso de reclamação de créditos, foi constituído um penhor a favor da reclamante B;<br>
Sobre os imóveis incidem hipotecas da titularidade dos reclamantes B e C; <br>
O crédito reclamado pelo E resultou de três apoios financeiros no âmbito do emprego e da formação profissional, concedidos em 10.12.82, 29.3.83 e 8.2.85; <br>
Foram reclamados, reconhecidos ou verificados diversos créditos de ex-trabalhadores da falida, relativos a salários em atraso, subsídios de férias de Natal e respectivos juros de mora e indemnizações por rescisão dos contratos por justa causa fundada em salários em atraso; <br>
Tais créditos foram graduados para serem pagos em 1º lugar pelo produto da venda dos imóveis e da generalidade dos bens móveis e em 2.° lugar pelo produto do equipamento/mobiliário empenhado à B, constante de tls.231-238;<br>
O crédito do ex-trabalhador D, no montante de 4667389 escudos, está reconhecido por sentença proferida no Proc. nº 100/93 do 4.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa e respeita a indemnização por rescisão do contrato com justa causa, subsídios de férias e Natal, retribuições/salários e respectivos juros de mora;<br>
Esse crédito, tal como o do E, surgem graduados em último lugar em relação às diversas categorias de bens, como créditos comuns.<br>
Graduou os créditos pela seguinte ordem:<br>
Pelo produto da venda dos imóveis<br>
1º- O crédito do E;<br>
2º- Os créditos verificados dos ex-trabalhadores, incluindo o de D;<br>
3º- O crédito verificado da B garantido por hipoteca;<br>
4º O crédito verificado do C garantido por hipoteca;<br>
5º- Os demais créditos reconhecidos, rateadamente.<br>
Pelo produto da venda dos móveis constantes do doc. de fls. 231-238 do Vol. I, do apenso de reclamação de créditos<br>
1º- O crédito do E;<br>
2º- O crédito de 56169292 escudos da B, garantido por penhor;<br>
3º- Os créditos verificados dos ex-trabalhadores, neles incluído o de D;<br>
4º- Os demais créditos reconhecidos, rateadamente;<br>
Pelo produto da venda dos restantes bens móveis<br>
1º- O crédito do E;<br>
2º- Os créditos verificados dos ex-trabalhadores, neles incluído o de D;<br>
3º- Os demais créditos reconhecidos, rateadamente.<br>
.Inconformados com esta decisão dela recorreram para este Supremo os ex-trabalhadores e a B.<br>
Os primeiros, concluíram a minuta de recurso com as seguintes<br>
Conclusões:<br>
1- O presente recurso tem por objecto a decisão que alterou a graduação feita na 1ª Instância, e que colocou os créditos reconhecidos dos ex-trabalhadores em 2º lugar, no tocante aos bens móveis e aos bens imóveis, com excepção dos identificados a fls 231-238 do vol. I do apenso da reclamação de créditos, caso em que os créditos dos ora recorrentes são colocados em 3° lugar, depois dos créditos do E e da B;<br>
2- Os nºs 2 e 3 do ano 12º da Lei 17/86, de 14-6, estabelecem o princípio creditório geral, sobre móveis e imóveis, a favor dos créditos dos trabalhadores, abrangidos por salários em atraso; <br>
3- Os créditos dos ora recorrentes, devidamente reconhecidos, resultaram de salários em atraso; <br>
4- Nos termos do artº 733º do CC privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa dos créditos, concede a certos credores, de serem pagos em preferência a outros; <br>
5- O privilégio fixado na Lei 17/86, de 14-6, a favor dos créditos dos ex-trabalhadores, decorrentes de salários em atraso, teve em vista proteger de forma especial, quem se encontra, como é o caso dos trabalhadores em tal circunstância, em manifesta situação de desigualdade, comparativamente com os restantes credores, que puderam proteger os seus créditos com garantias reais; <br>
6- Por tal razão, os seus créditos gozam, nos termos da Lei, de privilégio creditório, que os coloca à frente dos créditos dos demais credores, nomeadamente do E e da B; <br>
7- Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou o disposto no ano 12º da Lei 17/86, de 14-6, <br>
Devendo o acórdão ser revogado, colocando-se os créditos reconhecidos dos recorrentes em 1º lugar, quer no que diz respeito aos bens imóveis, quer no que diz respeito aos bens móveis.<br>
Por seu turno, a B, fechou as alegações com as seguintes<br>
Conclusões:<br>
1- Os institutos públicos integram a administração indirecta do Estado; <br>
2- O artº 152º do CPEREF, a fazer alguma distinção, é entre administração central do Estado e administração local do Estado, e não entre administração directa e indirecta; <br>
3- Pelo que Estado, para efeitos do art. 152º do CPEREF, abrange também os institutos públicos e, neste caso, o E; <br>
4- Donde o crédito reclamado pelo E não beneficiar dos privilégios creditórios consagrados no artº 7º do DL 437/78, de 28.12, em virtude de lhe ser aplicável o art. 152º do CPEREF;<br>
5- Reforça este entendimento o facto de na génese do artº 152º estar a intenção de promover a recuperação de empresas e o não alheamento dos credores comuns nas falências quando em concorrência com créditos cujo volume e garantias frustavam tais objectivos, tanto mais que devem ser esses credores os primeiros a dar o exemplo de participação no sacrifício comum para a efectiva recuperação das empresas;<br>
6- O E é uma das entidades cujos créditos e garantias frustavam esses desideratos, pelo que também por aqui se deve entender que o conceito de Estado é o que a sentença de 1ª instância acolheu e que aqui propugnamos; <br>
7- Além do mais, verifica-se e dela importa conhecer, a inconstitucionalidade do art. 7º do DL 437/78, de 28/12, na medida em que o privilégio imobiliário geral venha implicar a graduação do crédito do E em preferência ao da B, garantido por hipoteca (por via do artº 2º do DL 512/76, de 3/7), o que viola o princípio da segurança jurídica e da confiança do cidadão consagrados no art. 2º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente do Estado de Direito; <br>
7- Tal violação resulta basicamente de: essa preferência acarretar a existência de um ónus oculto, à margem portanto do registo predial, que dificulta a constituição e circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis; a confidencialidade tributária impedir os cidadãos de apurar a existência de dívidas ao E; a inexistência de um limite temporal e a natureza de privilégio geral à margem de qualquer conexão entre imóvel onerado com a garantia e o facto que gerou a dívida trazer uma lesão desproporcionada no comércio jurídico; existir um meio proporcional para a salvaguarda dos interesses do E que é a constituição de hipoteca; <br>
8- Sendo então também violado o princípio da proporcionalidade ou de proibição do excesso consagrado no nº 2 do art. 18º da CRP; <br>
9- Assim o entenderam para situação similar a jurisprudência citada;<br>
10- Pelo que, mesmo a não se considerar aplicável o art. 152º do CPEREF, o que não se concede, sempre no que respeita aos bens imóveis dados de garantia hipotecária à B serão os créditos do E graduados após o crédito da ora recorrida.<br>
Devendo o recurso ser julgado procedente, mantendo-se na íntegra a sentença de verificação e graduação de créditos proferida pela 1ª instância ou, mesmo a verificar-se entendimento diverso, sempre o crédito do E deverá ser graduado após o da B no que concerne aos bens imóveis onerados com hipoteca, sob pena de inconstitucionalidade do art. 7º do DL 437/78, de 28/12 aos princípios supra invocados.<br>
Contra-alegou o E, pedindo se negue provimento à revista interposta pela B, com a manutenção do crédito do recorrido antes do da recorrente.<br>
Corridos os vistos legais, passemos a apreciar e a decidir.<br>
Vejamos.<br>
A Relação de Lisboa considerando que só por lapso é que o crédito do recorrente D não foi incluído no agrupamento dos restantes ex-trabalhadores da falida, colocou-o na nova graduação em igualdade com eles.<br>
Todavia, mantendo a graduação relativa entre os aludidos créditos dos ex-trabalhadores e da B, quanto às várias espécies de bens apreendidos para a massa falida, colocou à frente deles o crédito do E.<br>
Daí os dois recursos para este Supremo.<br>
O crédito do E, na quantia de 91706332 escudos (dos quais 65500000 escudos de capital e 26206332 escudos de juros de mora vencidos), é proveniente da concessão à falida de três empréstimos para pagamento de salários em atraso e para manutenção de postos de trabalho.<br>
Nos termos do artº 7º do DL nº 437/78, de 28/12, os créditos resultantes de apoios financeiros concedidos pelo E gozam de:<br>
a) Privilégio mobiliário geral sobre os bens móveis do devedor, graduando-se logo após os créditos referidos na al. a) do artº 747º do Código Civil, nos mesmos termos dos créditos previstos no artigo 1º, nº 1 do DL nº 512/76, de 3 de Julho, com prevalência sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior;<br>
b) Privilégio imobiliário sobre bens imóveis do devedor, graduando-se logo após os créditos referidos no artº 748º do Código Civil nos mesmos termos dos créditos previstos no artº 2º do DL nº 512/76, de 3 de Julho;<br>
c) Hipoteca legal sobre os bens imóveis do devedor, graduando-se nos mesmos termos dos créditos previstos na al. a) do artº 705º do Código Civil.<br>
Como se decidiu no acórdão deste Supremo, de uniformização de jurisprudência, de 28.11.2000 (DR IS-A, de 2.1.01), não cabendo o E, por ser um instituto público, dentro do conceito de Estado usado no artº 152º do Código de Processo Especial de Recuperação de Empresas e de Falência, aprovado pelo DL 132/93, de 23/4, e a extinção de privilégios creditórios operada por esta disposição não abrange aqueles que garantem, por força do artº do DL 437/78 de 28/12, créditos daquele instituto.<br>
Este acórdão é recente e tem uma natural força persuasiva que deve ser acatada mesmo pelo Supremo, a menos que surjam entretanto novos e decisivos argumentos legais que possam sustentar uma nova maneira de encarar as coisas, o que não é o caso.<br>
Apetece aqui transcrever as palavras de Abrantes Geraldes, in Valor da Jurisprudência Cível, CJSTJ, 1999, II, 20): <br>
«... o respeito pela jurisprudência uniformizada ou estabilizada deve começar pelos próprios elementos que integram os tribunais superiores, sendo dificilmente compreendido que continuem a ser proferidas decisões versando a mesma questão de direito, ao arrepio da tese aprovada com intervenção de larga maioria dos elementos que integram o órgão decisor, sem que se apresentem outras razões ou circunstâncias justificadoras de diversa solução.<br>
Aqui, como noutras áreas da vida, a formação de consensos alargados, através de mecanismos próprios que admitem o contributo de todos os elementos, como sucede com a jurisprudência uniformizada, deve conduzir, em regra, à perfilhação da tese vencedora e ao consequente esbatimento dos argumentos esgrimidos em sentido oposto, mas que apesar de ponderados, não tenham convencido a maioria dos restantes co-responsáveis pela paternidade da doutrina....».<br>
E que dizer da questão da inconstitucionalidade da al. b) do citado artº 7º na medida em que o privilégio imobiliário geral venha a implicar a graduação do crédito do E à frente do crédito hipotecário da B?<br>
Deflui daquela alínea que os créditos resultantes de apoios financeiros concedidos pelo E gozam de privilégio imobiliário sobre os imóveis do devedor, graduando-se após os créditos referidos no artº 748º do Código Civil, nos mesmos termos dos créditos previstos no artº 2º do DL nº 512/76, de 3 de Julho. <br>
Diz este artigo, por seu turno, que os créditos pelas contribuições do regime geral de previdência e respectivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artº 748º do Código Civil.<br>
Este último preceito reza que os créditos com privilégio imobiliário se graduam pela ordem seguinte:<br>
a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações;<br>
b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.<br>
Ora o privilégio creditório, na definição do artº 733º do CC, é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros, e que os privilégios imobiliários são sempre especiais, nos termos do artº 735º, nº 3, ibidem.<br>
E, ex vi artº 751º, ainda da lei substantiva, os privilégios imobiliários preferem à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior.<br>
O artº 7º, b) do DL nº 437/78, de 28/12, ao criar um privilégio imobiliário geral que prefere à hipoteca nos termos do artº 751º do CC, está realmente inquinado de inconstitucionalidade, desde logo por violação do princípio do Estado de Direito democrático.<br>
Com efeito, o artº 2º Constituição estatui que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização de democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.<br>
E como referem Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino, na Constituição da República Portuguesa Comentada, pág. 72:<br>
«Trata-se de um verdadeiro princípio fundamental, dado o seu cariz congregador de inúmeros outros princípios (ou subprincípios) e regras, com destaque para os seguintes:...da protecção contra o arbítrio, da tutela da confiança...».<br>
Ora o artº 7º, b) em referência, mediante a aplicação do regime do artº 751º do CC, confere ao privilégio creditório imobiliário geral a natureza de verdadeiro direito real de garantia, munido de sequela sobre todos os imóveis existentes no património da entidade devedora dos apoios financeiros do E no âmbito do emprego e formação profissional, atribuindo-lhe preferência sobre a hipoteca da B. Não estando tal privilégio imobiliário geral sujeito a registo, viola, ao neutralizar a garantia real da hipoteca registada, o princípio da confiança, a segurança jurídica que o registo predial visa garantir, consubstanciando um ónus oculto e configurando uma arbitrariedade com que a A não podia razoavelmente contar.<br>
Podia de resto o E ter registado a hipoteca legal conferida pela al. c) do artº 7º, pelo que nem sequer o privilégio imobiliário geral lhe era imprescindível, sendo, por conseguinte, também violador do artº 18º, nº 2 da Lei Fundamental, que estabelece o princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, ao comandar que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. <br>
É pois inconstitucional a al. b) do artº 7º do DL nº 437/78, de 28/12, por violação dos artºs 2º e 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, enquanto interpretada aquela alínea no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido tem preferência sobre a hipoteca da recorrente B.<br>
Idêntico juízo de inconstitucionalidade, por violação do artº 2º da Constituição, formulou o Tribunal Constitucional no Acórdão de 22/3/2000, publicado no BMJ 495, pág. 49 e 50, a propósito, além de outro, do artº 2º do DL nº 512/76, de 3/7, enquanto interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário geral nele conferido prefere à hipoteca, nos termos do artº 751º do Código Civil<br>
No que tange à graduação dos créditos pelo produto dos bens imóveis apreendidos para a massa falida, não pode portanto o crédito do E ficar à frente do crédito da B e dos créditos dos trabalhadores.<br>
Quanto a estes, o artº 12º nº 1 da Lei nº 17/86, de 14/6 (Lei dos salários em atraso) estabelece privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral para os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados por essa lei.<br>
O nº 2 do mesmo dispositivo legal acrescenta que os privilégios daqueles créditos, ainda que resultantes de retribuições em falta antes da entrada em vigor da citada lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça, sem prejuízo, contudo, dos privilégios anteriormente constituídos, com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da lei dos salários em atraso <br>
Ora, os créditos dos ex-trabalhadores incluídos na operada graduação são créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela lei dos salários em atraso.<br>
A sua graduação é feita, consoante o nº 3 do artº 12º em apreço, pela seguinte ordem:<br>
a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do artº 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artº 737º do mesmo Código;<br>
b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artº 748º do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.<br>
Todavia, o crédito do E resulta de três empréstimos à falida (respectivamente de 10.12.82, 29.3.83 e 8.2.85) para pagamento de salários em atraso e manutenção de postos de trabalho.<br>
Sendo tais empréstimos anteriores à entrada em vigor da Lei nº 17/86, de 14/6 (Lei dos salários em atraso), o crédito do E tem preferência sobre os créditos dos trabalhadores garantidos por privilégio mobiliário geral, por força da excepção prevista no nº 2 do artº 12º da Lei dos salários em atraso, que se dá por reproduzido.<br>
Ademais, o crédito do E tem também preferência sobre o crédito pignoratício da B com referência aos bens móveis elencados a fls 231-238 do vol. I do apenso de reclamação de créditos, atento o teor do artº 7º , al. a) do já transcrito DL nº 437/78 que aqui se dá também por integrado.<br>
Finalmente, os trabalhadores não recorreram da graduação de créditos operada na 1ª instância, pelo que perderam a oportunidade de se revelarem contra a graduação do crédito pignoratício da B à frente dos seus créditos.Tendo deixado transitar a decisão da 1ª instância, não podem agora colocar a pretensão de o seu crédito com privilégio mobiliário geral preferir sobre o crédito da B garantido por penhor.<br>
Tudo visto e ponderado, acordam em conceder parcial provimento às revistas, mantendo a graduação de créditos tal como foi feita no acórdão da Relação, excepto no que tange à graduação pelo produto da venda dos bens imóveis, graduando nessa parte o crédito do E em último lugar, com os demais créditos reconhecidos e nesse lugar graduados, rateadamente.<br>
Custas pela massa falida.<br>
Lisboa, 5 de Março de 2002.<br>
Faria Antunes,<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
gzLeu4YBgYBz1XKv9UvX | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - O Município de Oeiras intentou acção com processo ordinário contra A, pedindo que se anule o contrato de arrendamento celebrado entre autora e ré e se condene esta a entregar o fogo livre e devoluto.</font>
</p><p><font>Alegou que celebrou com a ré um contrato de arrendamento, ao abrigo de um programa de realojamento, sendo certo que a ré não estava em condições de beneficiar do mesmo, facto que ocultou da autora.</font>
</p><p><font>B deduziu intervenção espontânea, que foi admitida. Pediu que fosse atribuída a manutenção do arrendamento ao seu agregado familiar.</font>
</p><p><font>O autor veio pedir que a ré fosse condenada a apagar as rendas em dívida.</font>
</p><p><font>Contestando, a ré sustentou que celebrou o arrendamento para realojamento do seu agregado familiar, nada tendo ocultado.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência parcial da acção e improcedência do pedido formulado pelo interveniente.</font>
</p><p><font>Apelou o interveniente.</font>
</p><p><font>O Tribunal da relação confirmou o decidido.</font>
</p><p><font>Inconformado, recorre o interveniente para este tribunal.</font>
</p><p><font>Formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><br>
<font>- No acórdão recorrido ao decidir-se pelo não provimento do recurso, confirmando-se a decisão recorrida, que conclui pela anulabilidade do referido contrato de arrendamento, e pela improcedência do pedido reconvencional deduzido pelo interveniente, ora recorrente, violou-se o disposto nos artigos 247º, 289º, 304º nº 5, 334º, 342º, 437º e 439º do C. Civil, bem como o regime do arrendamento social estatuído pelo Dec-Lei nº 166/93, de 7 de Maio;</font><br>
<br>
<font>- Ressalta dos presentes autos que o contrato de arrendamento em causa, foi celebrado entre o autor, ora recorrido e a ré, em atenção ao agregado familiar da mesma;</font><br>
<br>
<font>- Do agregado familiar da ré, na altura da celebração do contrato de arrendamento, faziam, pois, parte o interveniente, ora recorrente, a companheira deste C, o filho de ambos D e o irmão daquele E;</font><br>
<br>
<font>- B, C, D, E e A, encontravam-se todos inscritos no cartão de morador referente ao respectivo agregado familiar;</font><br>
<br>
<font>- Aquela composição do agregado familiar, para efeitos de realojamento, foi dada como provada pelo acórdão de que se recorre;</font><br>
<br>
<font>- Foi com base neste agregado familiar que o autor, ora recorrido, celebrou com a ré o contrato de arrendamento em apreço;</font><br>
<font>a Municipal, neste processo de realojamento, agrupava as pessoas por laços de parentesco, concedendo-lhes uma só casa para todos, independentemente de viverem ou não juntos na mesma casa no bairro da Pedreira dos Húngaros;</font><br>
<br>
<font>- A atribuição do fogo municipal ao agregado familiar em causa resultou da carência habitacional efectiva do interveniente, ora recorrente, e de todo o mencionado agregado familiar;</font><br>
<br>
<font>- Na verdade, todos residiam numa barraca sem condições habitacionais no denominado Bairro Pedreira dos Húngaros;</font><br>
<br>
<font>- Nessa barraca não existem condições de higiene; a chuva, o frio e o calor entravam; não existia casa de banho, nem cozinha; não tinham luz e água canalizada; não existiam condições de privacidade do agregado familiar, designadamente o local onde o agregado familiar descansava e dormia não tinha paredes de separação, pois o espaço habitacional da barraca não tinha separação física entre si;</font><br>
<br>
<font>- Os serviços sociais do Departamento de Habitação do autor, ora recorrido, procederam em momento prévio à celebração do contrato de arrendamento, ao levantamento das descritas condições habitacionais, bem como da situação pessoal e económica dos elementos que constituíam este referido agregado familiar;</font><br>
<br>
<font>- Foi com base na falta de condições habitacionais do agregado familiar em causa, e na insuficiência económica deste, que o interveniente, ora recorrente, e os restantes elementos do agregado familiar viram suprida a sua carência habitacional, através do arrendamento em causa;</font><br>
<br>
<font>- É certo que, em momento posterior à celebração do contrato de arrendamento a ré abandonou o agregado familiar e o local arrendado;</font><br>
<br>
<font>- Disso, foi dado conhecimento ao Departamento de Habitação do autor, ora recorrido, com vista à manutenção da habitação do agregado familiar naquele fogo habitacional;</font><br>
<br>
<font>- Foi dado como provado que a ré comunicou ao autor, que já não residia no locado pois havia comprado casa própria, por carta datada de 16.03.99;</font><br>
<br>
<font>- O interveniente é pedreiro da construção civil, não auferindo qualquer remuneração de carácter regular e permanente, e o seu referido irmão é estudante;</font><br>
<br>
<font>- O interveniente, ora recorrente, tem toda a legitimidade e razão para reclamar o direito ao arrendamento dos autos, atento o facto de o mesmo ter sido realizado tendo por base o agregado familiar daquele, visando e destinando-se à sua habitação;</font><br>
<br>
<font>- Não corresponde à verdade que a vontade formulada pelo autor, ora recorrido, quando firmou o contrato de arrendamento com a ré estivesse viciada, havendo um erro sobre a causa determinante da celebração do negócio jurídico, dado que o interveniente, ora recorrente, preenchia todos os requisitos, confirmados pelos serviços do autor, para lhe ser atribuído o direito de habitar o fogo municipal disponibilizado para o feito, nos termos do disposto na cláusula V do mencionado contrato de arrendamento;</font><br>
<br>
<font>- O contrato de arrendamento, objecto dos presentes autos, foi celebrado com base no Dec-Lei nº 166/93, de 7 de Maio;</font><br>
<br>
<font>- Como resulta do regime estatuído naquele diploma legal, assim como do contrato de arrendamento in casu, para a celebração deste tipo de arrendamento é fundamental a avaliação pessoal e económica dos elementos constitutivos do agregado familiar;</font><br>
<br>
<font>- Os serviços do autor, ora recorrido, levaram a cabo aquela avaliação pessoal e económica dos elementos constitutivos do agregado familiar;</font><br>
<br>
<font>- O autor, ora recorrido, sempre teve conhecimento de que o interveniente, ora recorrido, e o seu irmão E, que, aliás, constam do processo elaborado pelo Departamento de Urbanismo do autor, cumprem os requisitos para continuar a habitar aquele espaço;</font><br>
<br>
<font>- Não se compreende que a sentença recorrida, confirmada pelo acórdão de que se recorre, imponha ao interveniente, ora recorrente, a anulabilidade do contrato de arrendamento, com vista à entrega do fogo atribuído, completamente livre e devoluto, não reconhecendo ao recorrente o direito de habitar;</font><br>
<br>
<font>- Conforme consta do contrato de arrendamento, o fogo objecto do presente arrendamento destina-se exclusivamente a fins de habitação do segundo outorgante e do respectivo agregado familiar à data deste contrato;</font><br>
<br>
<font>- Define-se agregado familiar no artigo 3º nº 1, alínea a) do Dec-Lei nº 166/93, de 7 de Maio, como "conjunto de pessoas constituído pelo arrendatário, pelo cônjuge ou pessoa que com ele viva há mais de cinco anos em condições análogas, pelos parentes ou afins na linha recta ou até ao 3º grau da linha colateral, bem como pelas pessoas relativamente às quais, por força de lei ou de negócio jurídico que não respeitem directamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos e, ainda, outras pessoas a quem a entidade locadora autorize a coabitação do arrendatário";</font><br>
<br>
<font>- É o próprio acórdão recorrido a reconhecer que decorre deste normativo um conceito de agregado familiar em sentido duplo;</font><br>
<br>
<font>- E daí que legitimamente o autor, face à falta de casas, junte as pessoas pelos laços familiares e na ponderação das suas necessidades habitacionais e carência económica, formam um grupo, um núcleo, a quem atribui uma casa;</font><br>
<br>
<font>- Atendendo que o fogo em causa foi arrendado com base no agregado familiar, do qual o interveniente, ora recorrente, faz parte, este tem direito à manutenção do arrendamento, atento fazer parte integrante do respectivo contrato;</font><br>
<br>
<font>- O autor celebrou o referido contrato de arrendamento com a ré devido à ausência do interveniente, ora recorrente, de Oeiras, por motivos profissionais;</font><br>
<br>
<font>- O processo de avaliação do agregado familiar, levado a cabo pelo Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Oeiras, foi realizado tendo por base o interveniente, ora recorrente, na posição de inquilino;</font><br>
<br>
<font>- Apenas a circunstância do interveniente, ora recorrente, se encontrar ausente de Oeiras, por motivos profissionais, na data da celebração do contrato de arrendamento, levou ao autor a realizar com a ré este contrato;</font><br>
<br>
<font>- Assiste ao interveniente e ao seu agregado familiar a manutenção do contrato de arrendamento;</font><br>
<br>
<font>- É o próprio acórdão recorrido que afirma: "Neste contexto, o autor juntou um só, dois agregados familiares "strictu sensu" - o formado pela família do B, ora recorrente, e o da ré, sua irmão, com o irmão de ambos, E";</font><br>
<br>
<font>- O autor reconhece a existência de dois agregados familiares, aos quais impõe uma única habitação e, depois não reconhece o direito à permanência na mesma do agregado familiar do interveniente, ora recorrente, em virtude da saída, ou por irregularidade imputável à ré, é que, em bom rigor, não integra o agregado familiar do Sr, B, ora recorrente;</font><br>
<br>
<font>- A posição assumida pelo autor consubstancia um flagrante abuso de direito, porquanto não assiste legitimidade ao autor, atendo, inclusive, o fim económico e social do direito em causa, e em desrespeito pelos limites impostos pela boa-fé, ao pretender a anulabilidade ou o distrate unilateral do contrato de arrendamento social, que tem por objectivo superior o realojamento das pessoas que viviam em condições degradantes;</font><br>
<br>
<font>- Deve reconhecer-se ao interveniente, ora recorrente, e ao seu agregado familiar, a manutenção do referido arrendamento, atendendo a que o respectivo contrato foi celebrado face às especiais condições pessoais, económicas e de habitabilidade do agregado familiar do interveniente, ora recorrente;</font><br>
<br>
<font>- Devem todas e cada uma das conclusões do presente recurso serem procedentes.</font>
</p><p><font>Contra-alegando, o autor defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>O autor como primeiro outorgante, através do respectivo Presidente da Câmara e a ré A, como segundo outorgante, subscreveram em 25.06.98, o doc. de fls. 8 e 9 dos autos, no qual opuseram as respectivas assinaturas, acordado conforme consta desse documento e estipulando, nomeadamente as seguintes cláusulas;</font>
</p><p><font>O primeiro outorgante dá de arrendamento ao segundo outorgante o T2 nº 30, piso 0-B, do prédio sito na Rua Dr. .., em Porto Salvo;</font>
</p><p><font>O arrendamento é pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Agosto de 1998, considerando-se sucessivamente renovado por iguais períodos, se não for denunciado por qualquer dos outorgantes com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termos do facto contratual;</font>
</p><p><font>O fogo objecto do presente arrendamento destina-se exclusivamente a fim de habitação do segundo outorgante e do respectivo agregado familiar à data desse contrato;</font>
</p><p><font>Para este efeito, considera-se como agregado familiar elementos registados constantes no processo familiar do morador;</font>
</p><p><font>O abandono da casa por qualquer dos membros do agregado familiar, não prejudica o direito de habitar dos restantes membros do respectivo agregado familiar;</font>
</p><p><font>A transmissão da posição do arrendatário efectua-se nos termos previstos na lei, para os membros do agregado familiar;</font>
</p><p><font>Tal acordo resultou de uma operação de realojamento que o autor procedeu para eliminação do núcleo habitacional conhecido como "Pedreira dos Húngaros";</font>
</p><p><font>Mostra-se inscrita na C.R. Predial de Agualva, Cacém, por apresentação nº 169, de 17.10.97, convertida em definitivo por apresentação nº 176, de 04.02.98, a aquisição a favor de A, por compra, da fracção autónoma, designada por letra "B", do prédio urbano sito na Praceta Manuel Nunes André, nº ..., Agualva, Cacém, descrito na Conservatória sob o nº 01795/296487;</font>
</p><p><font>A ré dirigiu ao Sr. Presidente da Câmara de Oeiras a missiva datada de 24.07.98, tendo tal missiva dado entrada na CMO, em 03.08.98;</font>
</p><p><font>A ré, em Abril de 1999, deixou de pagar as rendas e não procedeu ao depósito das mesmas;</font>
</p><p><font>A ré ocultou a aquisição da fracção referida, aos serviços do autor, quando estes realizaram o inquérito ao bairro degradado;</font>
</p><p><font>O autor confirmou documentalmente esse facto em 29.04.99;</font>
</p><p><font>O autor, se fosse conhecedor dessa aquisição, não teria celebrado o acordo;</font>
</p><p><font>Os serviços do autor, antes de atribuírem casas às famílias mais necessitadas, fazem o levantamento dos agregados familiares sendo indicado, por cada família, um representante com o qual é celebrado o contrato de arrendamento;</font>
</p><p><font>Em Maio de 1993, aquando do levantamento dos vários agregados familiares existentes no Bairro da Pedreira dos Húngaros, foi indicado como representante do agregado familiar da ré, a própria, e não B;</font>
</p><p><font>O acordo aludido foi celebrado em atenção ao agregado familiar da ré;</font>
</p><p><font>Desse agregado familiar fazia parte o E;</font>
</p><p><font>A ré e o E são irmãos;</font>
</p><p><font>A atribuição do fogo municipal resultou da carência habitacional;</font>
</p><p><font>A ré e o E viviam numa barraca no Bairro Pedreira dos Húngaros;</font>
</p><p><font>Os serviços sociais do departamento de habitação do autor procederam em momento prévio à celebração do acordo ao levantamento das condições de habitabilidade;</font>
</p><p><font>Procederam ao levantamento das condições pessoais e económicas da ré e seu irmão E;</font>
</p><p><font>Em momento posterior à celebração do acordo aludido, a ré deixou o locado;</font>
</p><p><font>O B é pedreiro da construção civil;</font>
</p><p><font>A ré comunicou ao autor que já não residia no locado pois havia comprado casa própria, por carta datada de 16.03.99.</font>
</p><p><font>III - Autor e ré celebraram entre si um contrato de arrendamento, mediante o qual aquele cedeu a esta, com a contrapartida de uma renda mensal, um andar destinado exclusivamente a habitação da ré e do seu agregado familiar.</font>
</p><p><font>O acordo inseriu-se numa operação de realojamento a que o Município procedeu, procurando eliminar o núcleo habitacional de um bairro degradado.</font>
</p><p><font>Trata-se de um arrendamento social, com renda apoiada (Dec-Lei nº 166/93, de 7 de Maio).</font>
</p><p><font>Por esse motivo os serviços do autor antes de atribuírem casas às famílias mais necessitadas fizeram o levantamento dos agregados familiares, tendo, com base nessa necessidade, celebrado o arrendamento.</font>
</p><p><font>Só que, quando o negócio jurídico foi concretizado em 26.06.98, já a ré era proprietária de uma fracção que tinha adquirido.</font>
</p><p><font>A ré ocultou essa aquisição sendo certo que se o autor fosse conhecedor da mesma, não teria celebrado o contrato.</font>
</p><p><font>Saliente-se, aliás, que na cláusula IX, nº 1 do documento subscrito por autor e ré consta que o senhorio pode denunciar o contrato se o inquilino incorrer "em qualquer irregularidade para obtenção da casa".</font>
</p><p><font>Face a esta factualidade, o autor pediu a anulação do contrato celebrado.</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido (confirmando a decisão da 1ª instância) julgou a acção procedente e anulou o contrato.</font>
</p><p><font>Está correcta a anulação, diga-se desde já, embora perpasse pelos autos uma certa confusão acerca dos conceitos doutrinários e correspondentes disposições legais.</font>
</p><p><font>Está-se indubitavelmente perante um erro: o declarante (Município) só emitiu a declaração negocial por estar convicto de que a destinatária carecia em absoluto da casa, objecto do contrato, o que não correspondia à verdade. Efectivamente, a declaratária era já na altura proprietária de uma fracção. </font>
</p><p><font>Esta situação não configura, contudo qualquer erro na declaração ou erro obstáculo, pelo que não é de invocar e aplicar em primeira linha o artigo 247º do C. Civil. Tal erro configura uma divergência não intencional entre a vontade e a declaração. O declarante tem a consciência de emitir uma declaração negocial, mas, por lapso de actividade ou por "error in judicando", não se apercebe de que a declaração tem um conteúdo divergente da sua vontade real.</font>
</p><p><font>Não é isso que aqui se verifica. Não há qualquer divergência entre a vontade e a declaração, já que as partes emitiram declarações negociais em correspondência com a vontade.</font>
</p><p><font>O que aqui acontece é coisa bem diferente. Existiu por parte do declarante, ora recorrido, o desconhecimento de uma circunstância de facto que foi determinante na decisão de efectuar o negócio,. Se o autor estivesse esclarecido acerca dessa circunstância, se tivesse conhecimento dessa realidade, ou seja, de que a aqui recorrente era proprietária de uma fracção por a haver adquirido, o declarante não teria realizado o negócio.</font>
</p><p><font>Trata-se assim, não de um erro na formulação da vontade, mas assim de um erro na formação da vontade, ou seja, de um erro nos motivos determinantes da vontade, de um vício na formação da vontade, de um erro vício, em suma.</font>
</p><p><font>Tal erro pode incidir sobre a pessoa do declaratário (sobre a identidade ou sobre as qualidades), sobre o objecto do negócio ou sobre os motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (artigos 251º e 252º do C. Civil).</font>
</p><p><font>Em concreto, terá que se concluir que se trata de um erro que recai sobre as qualidades da pessoa do declaratário. Na realidade, o declarante emitiu a declaração negocial por estar convencido (devido a levantamentos dos agregados familiares feitos pelos seus serviços) de que a ré por insuficiência económica, estava carecida de uma habitação, tendo só uma barraca para viver juntamente com a família, o que não correspondia à verdade, já que tinha casa própria.</font>
</p><p><font>Foi esse desconhecimento ou falsa representação da realidade que determinou a celebração do negócio. Seria assim aplicável o regime instituído pelos artigos 251º e 247º do C. Civil.</font>
</p><p><font>Diga-se a propósito, que contrariamente ao que vem referido, não se está perante erro sobre a base do negócio, a que se refere o nº 2 do artigo 252º do C. Civil.</font>
</p><p><font>Para que tal erro seja relevante é necessário, além do mais, que se trate de um erro bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico. As partes ao celebrarem determinado negócio deram como verificadas certas circunstâncias essenciais que não existem ou são diferentes das que elas tomaram como certas. Não é aqui o caso, uma vez que o declaratário conhecia as circunstâncias exactas e o declarante só delas não tomou conhecimento por a outra parte as ter ocultado.</font>
</p><p><font>Tratando-se, como se trata, de erro vício, não é, contudo, um erro simples, mas sim um erro qualificado por dolo.</font>
</p><p><font>Vem a este respeito provado que a ré adquiriu uma fracção e ocultou tal aquisição aos serviços do autor quando estes realizaram o inquérito ao bairro degradado. Se o autor fosse conhecedor dessa aquisição, não teria celebrado o acordo.</font>
</p><p><font>Esta factualidade preenche claramente o conceito de dolo, que, como se sabe, consiste em qualquer sugestão ou artifício sob a forma de acção ou omissão, que intencional ou conscientemente tenda a induzir ou manter outrem em erro ou a dissimular o erro em que esta haja caído.</font>
</p><p><font>Trata-se de um dolo relevante, já que o declarante caiu em erro por efeito da conduta artificiosa do declaratário. Ocorre aqui a chamada dupla causalidade do dolo já que este é causa do erro e este, por sua vez, foi causa determinante do negócio.</font>
</p><p><font>O efeito deste dolo "malus" e relevante é a anulabilidade do negócio, podendo ainda gerar responsabilidade civil para o "deceptor", de harmonia com o disposto nos artigos 253º nº 1 do C. Civil.</font>
</p><p><font>O fundamento é, como resulta do que está dito, o ter havido uma viciação da vontade do autor do negócio pela conduta ilícita do deceptor - Prof. Castro Mendes - "Teoria Geral" II, designadamente, págs. 115 e segs.; Prof. Oliveira Ascensão - "Teoria Geral III, pág. 144 e segs.; Prof. Mota Pinto - "Teoria Geral", 3ª ed., pág. 505 e segs. e 518 e segs.; Prof. Carvalho Fernandes - "Teoria geral", 2ª ed., II, págs. 123 e segs. e 142 e segs.</font>
</p><p><font>Face à invalidação do negócio, perde razão de ser a pretensão do interveniente.</font>
</p><p><font>Não é possível operar a transmissão do arrendamento, tendo este sido anulado. Essa hipótese só poderia ser equacionada se o contrato fosse válido, o que não acontece pelas razões já referidas.</font>
</p><p><font>Por outro lado, é inquestionável que foi a ré e não o interveniente quem celebrou o contrato de arrendamento na qualidade de representante da família.</font>
</p><p><font>Não procedem assim as razões do recorrente.</font>
</p><p><font>Pelo exposto, nega-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas pelo recorrente</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 30 de Setembro de 2004</font>
</p><p><font>Pinto Monteiro</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante</font>
</p></font><p><font><font>Reis Figueira</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UjLZu4YBgYBz1XKvCUo4 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" propôs acção contra B a fim de se o condenar a lhe pagar a soma de 9.051.036$00, acrescida de juros de mora vincendos, relativa à parte do preço em dívida no contrato de empreitada, acrescida de juros de mora vencidos e de trabalhos extra exigidos pelo réu (os pagamentos eram parcelares, consoante as fases acabadas).</font><br>
<br>
<font>Contestando, o réu excepcionou a exceptio non adimpleti contratus por, tendo denunciado a existência de defeitos graves, o autor os não ter eliminado, obra que não aceitou, e após confessar a existência de trabalhos extra e lhe dever 2.469.750$00, reconveio, para pedir a condenação deste na reparação dos defeitos e, subsidiariamente, a proceder a nova construção das partes da casa em que aqueles foram detectados e, a nenhum proceder, a restituição, por redução em 35% do preço da obra, de 5.569.662$00, valor entregue e que excede o da redução, e, em qualquer caso, em indemnização a liquidar em execução de sentença. Finalmente, pediu a condenação do autor, em multa e indemnização, como litigante de má fé.</font><br>
<br>
<font>Prosseguindo, sem resposta (em contrário ao afirmado no acórdão recorrido), até final, onde improcedeu a acção e procedeu a reconvenção, em parte, condenando o autor na reparação dos defeitos e vícios da obra, o qual foi ainda condenado como litigante de má fé, por sentença alterada pela Relação - condenado o réu o pagar o remanescente (8.089,50€) do preço inicial da empreitada, acrescendo juros de mora desde 99.06.05, revogada a sua condenação por litigância de má fé e mantida, no restante, a sentença.</font><br>
<font>Inconformado agora o réu, por pretender a confirmação da sentença, pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>- não tendo havido entrega da obra, não podia ter sido aceite;</font><br>
<font>- por apresentar enormes e gravíssimos defeitos, não se pode ter por acabada;</font><br>
<font>- tem direito a ver eliminados os defeitos ou a exigir uma nova construção e, em qualquer caso, a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos,</font><br>
<font>- o que lhe dá direito a reter o valor residual do preço, a compensá-lo com o valor dos prejuízos que já teve e continua a ter, e a não pagar ao autor enquanto o autor não cumprir com a obrigação de reparar ou construir de novo,</font><br>
<font>- e coloca autor e réu perante uma situação de colisão de direitos, na qual tem o daquele de obrigatoriamente ceder perante o do réu;</font><br>
<font>- no acórdão recorrido, as als. a) e d) são contraditórias das als. f) a i);</font><br>
<font>- é manifesta a má fé com que o autor litiga;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 335, 754, 847, 1.207, 1.208, 1.211-2, 1.221-1, 1222-1 e 1.223 CC, e 456-1 e 2 a), b) e d), 665 e 659-2 e 3 CPC.</font><br>
<font>Contraalegando, defendeu o autor a confirmação do julgado.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Nos termos dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Direito: -</font><br>
<font>1.- O relatório encerra não só o retrato da posição das partes e das decisões proferidas como encerra o que se tem como fundamental para o acórdão a proferir.</font><br>
<font>Da sentença apenas apelou o autor e o réu apelado não requereu a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do art. 684-A CPC e o autor não recorreu de revista.</font><br>
<br>
<font>Transitou a decisão de improcedência da acção, a de procedência do pedido reconvencional quanto ao pedido de eliminação dos defeitos e a de improcedência deste pedido quanto à condenação do autor em indemnização.</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, a contestação é a peça processual onde o réu expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e é aí que deve tomar posição definida perante os factos articulados na petição, sob pena de preclusão (CPC- 488 e 490).</font><br>
<font>Finalmente, os recursos não se destinam a conhecer de questões novas a não ser que de conhecimento oficioso.</font><br>
<font>Destes princípios retira-se que o objecto cognoscível da revista é apenas a da exceptio non adimpleti contractus.</font><br>
<font>Com efeito,</font><br>
<font>assente que a obra não está acabada (condenação a eliminar defeitos) e que o autor não tem de indemnizar o réu (absolvição desse pedido reconvencional);</font><br>
<br>
<font>ininvocável quer o direito de retenção quer a compensar (ex vi da preclusão e o que os torna agora em questões novas, e não são de conhecimento oficioso; se não houvesse lugar a falar em preclusão, fazendo o réu assentar esses direitos, bem ou mal é aqui irrelevante, no crédito de indemnização que quis ver reconhecido, a respectiva absolvição do autor impedia que pudesse fazer vencimento).</font><br>
<br>
<font>2.- O autor obrigou-se a realizar para o réu certa obra mediante um preço que este satisfaria - contrato de empreitada (CC- 1.207).</font><br>
<font>A obra não foi acabada - há defeitos a eliminar, como o tribunal reconheceu e declarou.</font><br>
<br>
<font>As prestações do empreiteiro e do dono da obra são correlativas e, in casu, tal foi acentuado ao estabelecer que os pagamentos eram parcelares correspondendo às diversas fases da execução da obra (a lei permite - art. 1.211-2 CC), isto é, cada uma destes era o motivo determinante do pagamento da parcela correspondente do preço. Este era pago com o termo de cada fase.</font><br>
<br>
<font>Daí a legitimidade do dono da obra para fazer funcionar a exceptio. Esta não é uma causa de exoneração da dívida, confere-lhe apenas o direito a não a liquidar enquanto o autor não cumprir a sua prestação, o que passa pela eliminação dos defeitos verificados.</font><br>
<font>Porque antes não é exigível, não podia o réu ter sido condenado réu em juros de mora, isso pressuporia ter incorrido em mora e tal não ocorrera.</font><br>
<br>
<font>O remanescente do preço é devido mas enquanto o empreiteiro não cumprir a sua prestação assiste ao dono da obra o direito a, repondo o cumprimento simultâneo, desde que invoque a exceptio, não efectuar a sua prestação antes da daquele.</font><br>
<br>
<font>3.- Pedindo que o autor fosse condenado como litigante de má fé, em multa e indemnização, o réu quantificou esta em 280.000$00 «pelas despesas suportadas e a suportar, nomeadamente com honorários do mandatário», além da a fixar para «satisfação dos demais prejuízos sofridos».</font><br>
<br>
<font>A sentença condenou o autor, como litigante de má fé, na multa de 10 UC e indemnização de igual montante.</font><br>
<font>A Relação revogou esta condenação.</font><br>
<br>
<font>O réu, em ponto algum da sua contestação, identifica quais os prejuízos que a litigância dita de má fé do autor lhe causou e só esses (e não os causados pelo incumprimento do contrato), além das despesas a que o obrigou, poderiam ser atendidos.</font><br>
<font>O réu não apelou nem requereu a ampliação da âmbito do recurso de apelação - a sentença (há seguramente um lapso nesta: - depois de afirmar que a multa é de 20 UC e que a indemnização é de igual montante, condenou em valor diferente) não definira o conteúdo da indemnização e, por isso, além de dever ter pedido a sua aclaração, tinha a porta aberta para que a Relação, sob iniciativa sua, apreciasse a pretensão tal como fora formulada. Não o fez.</font><br>
<br>
<font>A Relação absolveu o autor por a lide não ser maliciosa, apenas pugnado sob pontos de vista diferentes e convictos.</font><br>
<font>Embora a lei fale em dolo ou negligência grave (CPC- 456,2), sucede que a Relação se pronunciou, em sede de facto sob a convicção do autor concluindo diversamente da sentença (através do seu comportamento inclusive desde a propositura da acção). Conclusão em matéria de facto e, como tal, insindicável pelo STJ.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se concede parcialmente a revista, revogando-se o acórdão no segmento em que condena o réu em juros de mora - o pagamento de 8.089,50 apenas é exigível com o cumprimento, pelo autor, da prestação a que foi condenado -, acórdão que, no restante, se mantém.</font><br>
<font>Custas pelo réu e autor na proporção de, respectivamente, 2/3 e 1/3.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 11 de Janeiro de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LjLgu4YBgYBz1XKvpE09 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
"A", propôs contra B, pedindo se a condene a lhe pagar 3.056.304$00, acrescidos de juros de mora vencidos, que contabiliza em 502.250$00, e vincendos, alegando ter esta celebrado com ela contrato de prestação de serviços de arquitectura não lhe tendo pago o equivalente às duas primeiras fases de execução embora já vencidas.<br>
Contestando, a ré impugnou, concluindo pela sua absolvição do pedido.<br>
Após réplica, prosseguiu o processo até final, tendo procedido parcialmente a acção por sentença que a Relação revogou, absolvendo a ré do pedido.<br>
Irresignada agora a autora, pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:a<br>
- estabeleceu-se entre as partes um contrato de prestação de serviços para que a autora efectuasse diligências necessárias à aprovação do projecto existente na Câmara Municipal, serviços que se enquadram na actividade profissional da recorrente;<br>
- porque se presume oneroso, incumbia à ré a prova de o não ser, a qual não foi feita;<br>
- a Relação extravasou o âmbito do recurso e alterou a convicção do tribunal;<br>
- violado o disposto nos arts. 1.154, 342 e 334 CC.<br>
Contraalegando, a ré pugnou pela confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada:<br>
a)- através do seu mandatário a autora enviou à ré, em 00.11.16, um carta solicitando o pagamento de 3.056.324$00 devidos pela adjudicação e aprovação do projecto prévio de arquitectura para a nova sede do Jornal o Primeiro de Janeiro e duas facturas;<br>
b)- a ré, em 99.01.11 solicitou à C. M. do Porto a apreciação do pedido de informação prévia referente à viabilidade das construções da sede do Primeiro de Janeiro;<br>
c)- em 99.03.29 a C.M. Porto informou que o pedido deveria ser objecto de parecer da Comissão Municipal de Defesa do Património e que era excedido o valor máximo previsto no art. 2º do DM;<br>
d)- a Comissão Municipal de Defesa do Património da C.M.Porto, em 99.04.29 emitiu parecer desfavorável ao pedido;<br>
e)- a C.M. Porto, em 99.07.19 indeferiu o pedido;<br>
f)- a autora elaborou os documentos de fls. 99 a 105;<br>
g)- a autora dedica-se à prestação de serviços de "design" e elaboração de projectos de arquitectura;<br>
h)- autora e ré acordaram que a primeira realizaria para a segunda serviços tendentes a aproveitar um projecto de arquitectura realizado por terceiro que havia sido indeferido na Câmara Municipal;<br>
i)- com o acordo da ré, a autora através do seu colaborador C, efectuou diligências e estudou alternativas para que o projecto inicial, que não era da sua autoria, fosse aprovado;<br>
j)- no âmbito dos serviços prestados à ré, a autora, por duas vezes, sugeriu a alteração da proposta inicial;<br>
l)- a ré informou o arquitecto D que o projecto inicial (do primeiro arquitecto), mesmo com as alterações sugeridas pela autora, foi indeferido na Câmara Municipal e que, por isso, desistia do projecto e da construção das novas instalações.<br>
<br>
Decidindo:<br>
<br>
1.- A autora accionou a ré alegando ter com ela celebrado um contrato de prestação de serviços incumprido por esta.<br>
As instâncias concluíram que o foi celebrado e nada se provando quanto a retribuição.<br>
Partindo destas conclusões, a sentença condenou a ré a pagar quantia a liquidar tendo como limite máximo o valor do pedido - 3.558.854$00 (contradizendo-se - após ter afirmado só serem devidos juros de mora desde a liquidação, incluiu no valor da condenação o que a autora imputou a juros mora vencidos); outra, porém, foi a posição do acórdão - absolver por a autora ter decaído na satisfação do ónus de prova de os serviços efectivamente prestados, diversos dos alegados, deverem ser objecto de retribuição autónoma.<br>
<br>
2.- A enunciação das posições das instâncias impõe que se questione qual a causa de pedir desta acção, podendo suceder que nenhuma das fundamentações esteja correcta muito embora uma das soluções finais eventualmente o possa estar.<br>
Causa de pedir não é o facto jurídico como categoria abstracta; é sim o facto jurídico concretamente invocado, aquele de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente o seu pedido.<br>
Alegou: ter-lhe a ré solicitado um orçamento relativamente ao custo de um projecto de arquitectura para construção da futura sede do Jornal 1º de Janeiro, no Porto, importando o que lhe enviou o valor global de 7.463.500$00 e que o pagamento seria efectuado parcelarmente conforme as várias fases de execução do projecto; ter a ré aceite o orçamento e plano de pagamentos; terem-se iniciado os estudos e trabalhos preparatórios, consistindo o trabalho realizado na adjudicação e estudo prévio do projecto; ter a ré de liquidar 10% aquando da adjudicação e mais 25% aquando da aprovação do estudo prévio, ao que acresce o IVA devido; a ré nada liquidou das duas parcelas vencidas (pet. in.- 2 a 11).<br>
Assim enunciado, o contrato configurado é de prestação serviços e tem um concreto conteúdo - este o facto jurídico concreto, a causa de pedir em que a autora faz assentar a sua pretensão.<br>
<br>
3.- Conhecida a causa de pedir importa confrontá-la com a matéria de facto provada.<br>
Havia um projecto de arquitectura realizado por outrem e que a ré pretendia aproveitar, projecto que fora indeferido na Câmara Municipal. Autora e ré acordaram que aquela realizaria para esta serviços tendentes a aproveitá-lo, tendo ela efectuado diligências e estudado alternativas com vista à sua aprovação, sugerindo à ré, por duas vezes, alteração da proposta inicial; mesmo com as alterações, não foi aprovado na Câmara Municipal.<br>
À contestação pode o autor responder na réplica, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta.<br>
A ré excepcionou a ilegitimidade substantiva (não a processual), por não ter contratado com a autora acrescentando que o arquitecto com quem, a título individual, tratou nada acordara (este, apenas por iniciativa sua e, embora sabendo da inviabilidade, teria realizado o estudo prévio se é que foi realizado).<br>
A autora não aproveitou a réplica para alterar a causa de pedir (CPC- 273,1), ainda que pudesse eventualmente não vir a ser admitida.<br>
<br>
4.- Autora e ré acordaram em que aquela realizaria para esta serviços tendentes a aproveitar um projecto de arquitectura realizado por outrem e que fora indeferido.<br>
A autora efectuou diligências e estudou alternativas alterando aquele projecto inicial, mas o alcançado assim foi igualmente indeferido.<br>
Os contornos do acordo e os pontos sobre que incidiu apresentam-se muito vagos e insuficientemente definidos.<br>
Enquanto a autora tem como celebrado um contrato de prestação de serviços, a ré, se bem interpretamos a sua defesa, após recusar ter com a autora celebrado contrato algum, situa os factos que disse terem ocorrido com o arquitecto, a título individual, no domínio das negociações preliminares.<br>
O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo (CC. 232).<br>
Acordar em todas cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário não é o mesmo nem é incompatível com a presunção de onerosidade a funcionar para quando o demandado alegue a gratuitidade e não logre provar esse carácter do concreto contrato.<br>
Se do provado for possível retirar que foi concluído o alegado contrato (se bem que partindo de conteúdo factual diverso - arrancando já não do zero mas de um projecto que elaborado por um terceiro fora indeferido), então a ré deverá ser condenada a pagar quantia a liquidar em execução de sentença mas tendo como limite máximo não o indicado na sentença mas um menor - o de 746.350$00. A autora, na sua petição, além de indicar o montante global acordado (mas não provado), enunciou o plano de pagamentos que diz ter sido acordado (mas não provado) onde referiu que havia fases - a primeira de 10% (no acto da adjudicação), a segunda de 25% (com a aprovação do estudo prévio, o que não sucedeu).<br>
Autora e ré, nos seus articulados, concordam terem os ‘contactos’ sido estabelecidos com o arquitecto A e ainda que o estudo prévio, se realizado foi (questionado pela ré), foi elaborado por esse arquitecto. Divergem, contudo, quanto à qualidade em que aquele interveio e actuou - se integrado na e pela sociedade autora (tese desta), se a título individual (tese da ré) - a prova fixada, quanto a este ponto da divergência, dá cobertura à tese da autora.<br>
A ré viu indeferido o projecto, já com as alterações sugeridas, e comunicou desistir do mesmo e da construção das novas instalações.<br>
A autora não se pronunciou sobre esta desistência nem forneceu a interpretação que, a seu ver, ela pode ter.<br>
O emprego dos termos «sugeriu» e «sugeridas» (als. j) e l)) parece apontar no sentido de ainda se estar no domínio das negociações preliminares, apoiando a versão da ré, repete-se, se é que a se está a interpretar bem.<br>
A ré, crendo ser possível aproveitar um projecto (elaborado por terceiro) indeferido, pede à autora para sugerir alterações a fim de ser novamente apresentado a aprovação municipal, mas reservando-se a faculdade de desistir se não for aprovado e esta reserva dirige-se ainda à desistência de tentar de novo, à construção, portanto; a autora aceita.<br>
Esta uma das leituras possíveis a extrair e que se traduz em lhe pedir uma sondagem que, se conhecer êxito, irá desembocar na conclusão de um contrato, em que esta elaborará os passos seguintes projectando (pormenorizada e definitivamente) a construção a ser levada a cabo.<br>
À ré, porque gabinete de arquitectura organizado em sociedade, interessava efectuar a sondagem e vir a concluir, em consequência da aprovação do projecto com as alterações que sugerisse, o contrato de prestação de serviços.<br>
Se a leitura dever ser esta, se estiver correcta, a ré será absolvida do pedido e à autora, se o pretender, restará demandá-la com base em causa de pedir que não a accionada e formular o pedido que àquela corresponda.<br>
<br>
5.- A ré, contestando, alegou que o arquitecto A realizou, se realizado tiver sido, sponte sua e sem que o devesse ou tal fosse necessário, o estudo prévio.<br>
Com esta alegação procurou responder, contrariando, o que teve por implicitamente alegado pela autora (continha-se, se bem que de modo não explícito, na conjugação dos arts. 5 e 6 de pet. in.) - o estudo prévio inserir-se na prestação que vinculava a autora, englobar-se nos serviços que esta referia terem sido contratados pela ré.<br>
Já antes nos pronunciamos sobre a qualidade em que este arquitecto interveio e sobre, a ter sido celebrado contrato, o quantum retributivo que a autora poderá eventualmente alcançar através desta acção.<br>
O que importa aqui é, todavia, um outro aspecto e que não altera essas conclusões - saber se esse estudo prévio foi objecto do acordo - não daqueles acordos que sucessivamente se vão estabelecendo, fazendo parte do iter negotii, até se concluir o contrato, mas do global e final de vontades traduzindo o próprio contrato.<br>
A provar-se-o, isto constitui elemento a demonstrar que os factos já não se situarão no domínio das negociações preliminares ao contrato, mas que a elaboração do estudo prévio representa um acto no desenvolvimento do contrato firmado, um acto integrado na prestação devida pela autora, pelo que a acção procederá parcialmente (no sentido apontado antes no nº 4, mas, claro, acrescendo o IVA e a indemnização moratória, se devida for).<br>
A provar-se que foi celebrado contrato de prestação de serviços, a circunstância de a actividade da autora partir não do zero mas de um projecto já elaborado por terceiro, como a ré alegara, não significa que a concreta causa de pedir accionada seja diversa da provada, mas sim que dos factos que a autora alegara como a integrando alguns se não provaram.<br>
<br>
6.- A mesma conclusão de equivocidade dos factos se alcança se confrontarmos o que a autora alegou, em sede do facto, com a normalidade que com este tipo de contratos de arquitectos.<br>
Na normalidade, há fases que são assumidas e às quais vão corresponder pagamentos parciais - a celebração do contrato, a aprovação do programa base pelo dono da obra, o estudo prévio aceite pelo dono da obra (é nesta fase que se estabelece o acordo final da obra ou se rompe o contrato - nesta fase, ou as partes se entendem ou não, portanto), a aprovação pelas entidades públicas (quando o estudo prévio é apresentado às entidades públicas é porque, em princípio, houve aprovação pelo dono da obra), o projecto de execução (no fundo, o caderno de encargos para o concurso) e a assistência técnica. No geral, cabe ao dono da obra pagar, em relação ao total acordado, as percentagens de, respectivamente, 10%, 10%, 15%, 25%, 30% e 10%.<br>
A autora alegou haver contrato, suprimiu a segunda fase e entrou directamente na 3ª/4ª fases (sem que nisso tivesse sido inequívoca quanto à aceitação do estudo prévio pela ré, a dona da obra) e, quanto a pagamentos, também o apresentado escapa ao esquema normal referido (só alega 10% e 25%, percentagens que reporta à celebração do contrato e aprovação do estudo prévio pelas entidades públicas). Se a razão de ser tiver sido ir trabalhar sobre um projecto de terceiro que fora indeferido, ganha sentido a tese de estar ainda no domínio das negociações preliminares e daí se falar em «sugeridas», não resultarem as alterações de qualquer estudo prévio e sua aceitação pela ré.<br>
A prova, tal como fixada, mantém a equivocidade de interpretação dos factos e, como se referiu, a autora não se pronunciou sobre a desistência da ré nem forneceu a sua interpretação do facto. Desistência quanto a concluir um contrato ou desistência de um contrato já concluído (relembre-se que, se o contrato já tiver sido concluído, a ruptura ocorre normalmente na fase do estudo prévio, e daí o relevo que assume saber se este foi realizado no desenvolvimento do contrato concluído se no pressuposto que as alterações seria aprovadas pelas entidades públicas e, no seguimento, concluiriam o contrato deixando a situação pré-contratual havida até então)?<br>
<br>
7.- Há, portanto, que ampliar a decisão sobre o facto a fim de se interrogar do ponto de facto apontado (a redigir, claro, em termos que não envolvam conclusão de direito), instruindo-o ainda que com recurso a factos instrumentais (CPC- 264,2 e 265-3), ampliação em si necessária para se poder decidir o pleito e possível (CPC- 729,3).<br>
A manter-se a equivocidade dos factos, não permitindo pois uma leitura segura, não poderá a acção proceder.<br>
Se do provado for possível retirar que foi concluído o alegado contrato a ré deverá ser condenada a pagar quantia a liquidar em execução de sentença tendo como limite máximo 746.350$00, à qual acresce o IVA e a indemnização moratória, se a esta houver lugar.<br>
<br>
Termos em que se anula o julgamento a fim de se ampliar a decisão do facto devendo a causa ser, se possível, julgada, de novo, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores que intervieram no anterior julgamento.<br>
Custas a final.<br>
<br>
Lisboa, 25 de Março de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
-TLau4YBgYBz1XKv70oV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<font>"A", advogado e agricultor, propôs em 29.12.1986 acção especial de restituição de posse, nos termos dos artigos 1033º e seguintes do C.P. Cível contra B e mulher C, agricultores, pedindo se decrete a restituição da posse da sua propriedade herdade de ..., ordenando-se aos RR que se abstenham de qualquer acto que ponha em causa os direitos de exploração e de propriedade do A..</font><br>
<font>Na 1ª instância, por sentença de 9.7.1997, foi a acção julgada improcedente, com a absolvição dos RR do pedido.</font><br>
<font>O A. apelou para a Relação de Évora que, por acórdão de 4.3.2004, julgou improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença.</font><br>
<font>Novamente inconformado, recorre agora o A. de revista, tirando as seguintes</font><br>
<font>Conclusões:</font><br>
<font>1ª - Os recorridos, únicos que puderam apresentar prova testemunhal, alegaram e provaram ter existido um contrato de arrendamento verbal, celebrado em Outubro de 1982;</font><br>
<font>2ª - A acção entrou em 1986;</font><br>
<font>3ª - A herdade tem centenas de hectares, pelo que, nos termos do artigo 3º, nº3 da Lei 73/77, o arrendamento era obrigatoriamente reduzido a escrito, mesmo que o arrendatário fosse agricultor autónomo, se a superfície agrícola fosse superior a 1 ha;</font><br>
<font>4ª - Nos casos em que não era obrigatória esta redução a escrito, o contrato podia ser provado nos termos do artigo 4º, o que não é, evidentemente, o caso;</font><br>
<font>5ª - É inaplicável o artigo 3º do DL 385/88, mas se o fosse, só por documento escrito (o próprio contrato) podia ser provado o arrendamento, já que os recorridos não alegaram, e menos provaram que houve notificação do recorrente e recusa deste na redução a escrito do contrato;</font><br>
<font>6ª - A nulidade do contrato de arrendamento verbal foi invocada, à cautela, na Réplica, e objecto de recurso de apelação;</font><br>
<font>7ª - A prova única de um contrato de arrendamento, que só é válido se revestir a forma escrita, é o documento escrito, nos termos do 393º, nº 1 do CC, norma esta não aplicada, e por isso violada por omissão;</font><br>
<font>8ª - O acórdão violou, por erro de interpretação, o artigo 3º, quer da Lei 73/77, quer do DL 385/88 de 25 de Outubro, norma esta, de resto, inaplicável;</font><br>
<font>9ª - O facto de o recorrente não provar o esbulho, como não provou, apenas determinaria que o Tribunal lhe reconhecesse a posse, perturbada pelos recorridos, e não a improcedência da acção de restituição de posse, pelo que foi violado o artigo 1033º, nº 2 do CPC;</font><br>
<font>10ª - Está provada a propriedade (logo, a posse) do prédio detido pelos recorridos, tendo estes confessado essa detenção.</font><br>
<font>Deve a acção proceder, reconhecendo-se que o recorrente é possuidor do prédio, e os recorridos ser condenados a entregá-lo ao recorrente, e se assim não for entendido, deve ser declarado que não existe, por ser nulo, o contrato de arrendamento invocado pelos recorridos, anulando-se a resposta aos quesitos 30º, 31º e 32º, por ser inadmissível a prova testemunhal.</font><br>
<font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<font>Foram dados como provados pelas instâncias os seguintes factos:</font><br>
<font>1. A Herdade do ..., sita na freguesia de Pedrógão, do concelho de Vidigueira, tem uma área não inferior a 600 hectares (A)); </font><br>
<font>2. Em 1979, tal herdade deixou de estar ocupada pelos elementos populares que a tinham ocupado em 1975, tendo sido entregue ao Autor pelos serviços do Ministério da Agricultura e Pescas (B)); </font><br>
<font>3. Depois que a Herdade do ... lhe foi restituída pelos serviços do Ministério da Agricultura e Pescas, o Autor não retomou em pleno a exploração a mesma (C)); </font><br>
<font>4. O A. procedeu, pelo menos, aos arrendamentos de campanha, a que aludem os docs. de fls. 503 e 504 (5º); </font><br>
<font>5. Os RR, a partir do Verão de 1982, transportaram para a Herdade do ... gado e sacos de adubo, que guardaram nos casões (9º e 22º); </font><br>
<font>6. Após a feitura do acordo referido no quesito 30º, o R. marido instalou, e na parte urbana da Herdade do ..., destinada a habitação, o mobiliário necessário, quer à sua estadia na herdade, quando ali se deslocava com frequência, quer à estadia do pessoal que ali tinha empregado, com vista à exploração da herdade (23º, 24º e 40º); </font><br>
<font>7. A Herdade do ... é composta por uma zona de cerca de 200 hectares, própria para floresta, por uma zona ou área de cerca de 100 hectares de montado e outras árvores frutíferas que, na sua maior parte, permite culturas intercalares, por entre as árvores, de cereais ou forragens, embora nela se possa praticar a pastorícia, e por uma área de cerca de 300 hectares, na qual se podem praticar, com inteiro cabimento e cabal aproveitamento, culturas cerealíferas ou outras, consoante se queira (29º); </font><br>
<font>8. No Verão de 1982, o Autor e o Réu marido acordaram em que este passaria a explorar, destinando-as aos fins de uma exploração agrícola e pecuária, de forma regular, e fruindo-as apara a realização de tais fins, todas as partes rústicas e urbanas da Herdade do ..., com excepção apenas da área da parte rústica destinada a exploração florestal. referida no quesito 29º (30º); </font><br>
<font>9. Ficou convencionado entre A. e o R. marido que o acordo referido no quesito 30º teria início em 1 de Outubro de 1982 (31º);</font><br>
<font>10. E ficou convencionado que o R. marido, como contrapartida da cedência pelo A. da exploração e fruição referidas no quesito 30º, pagaria a este, anualmente, a quantia de Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos) (32º); </font><br>
<font>11. No ano agrícola que começou em 1 de Outubro de 1982, logo o Réu marido começou a alqueivar as partes da Herdade do ... que destinou a culturas cerealíferas e a sementeiras de forragens (36º); </font><br>
<font>12. O R. marido utilizou adubos em tais culturas, bem como máquinas e alfaias agrícolas e semeou cereais na herdade (37º); </font><br>
<font>13. Chegada a época das ceifas, o Réu marido alugou os serviços de ceifeiras mecânicas, para ceifa e debulha dos cereais semeados (38º); </font><br>
<font>14. O R. marido entregou, nos celeiros ou locais de recolha de cereais da Empresa Pública de Abastecimento de Cereais, as quantidades de cereais que colheu na herdade do ... (39º); </font><br>
<font>15. O mobiliário (referido no ponto 6 da matéria provada) não foi retirado da herdade, pelo menos, até à efectivação da providência cautelar (41º); </font><br>
<font>16. O R. marido fez o seguro de seu pessoal contra riscos de trabalho, com expressa menção do pessoal permanente que trazia ao seu serviço na Herdade do ... (42º); </font><br>
<font>17. O Réu marido fez o seguro das alfaias, das colheitas de cereais, do recheio das partes habitacionais e das palhas e dos casões e demais partes urbanas da Herdade do ..., contra os riscos de incêndios (43º);</font><br>
<font>18. O Réu marido continuou a alqueivar as partes da Herdade do ... que, segundo os afolhamentos, em cada ano, destinava a serem cultivadas de cereais ou de forragens para o gado, alternada e seguidamente, e a fazer as adubações respectivas, ao longo dos anos (44º); </font><br>
<font>19. Ao longo dos anos, o Réu marido gastou verbas diversas na reparação dos telhados das partes urbanas da herdade, nas caiações das mesmas partes e noutras reparações (45º); </font><br>
<font>20. O Réu marido continuou a fazer, com carácter de continuidade, seguros de colheitas, de pessoal e contra incêndios de móveis, imóveis e outros objectos e coisas referentes à Herdade do ... (46º); </font><br>
<font>21. O Réu marido recebeu, com referência aos trabalhos de máquinas agrícolas realizadas na Herdade do ..., ao longo de anos, os correspondentes subsídios de gasóleo (47º); </font><br>
<font>22. No ano agrícola que teve início em 1 de Outubro de 1986 e até à efectivação da providência cautelar, em 22-12-86, o réu marido fez, na Herdade do ..., na época própria, as sementeiras das partes da herdade que destinou a sementeiras de trigo e outros cereais, as adubações, os alqueives e as reparações nos telhados (50º) e os seus empregados, continuaram a trabalhar na dita herdade (51º); </font><br>
<font>23. Os gados continuaram a pastar na Herdade do ..., até à efectivação da providência cautelar (52º); </font><br>
<font>24. O R. marido continuou nesse ano agrícola, até à efectivação da providência cautelar, a habitar e a ocupar, com pessoal e por si, as partes urbanas de Herdade do ... (54º), como sempre fizera nos anos, anteriores, desde que começou a vigorar, no dia 1 de Outubro de 1982, o acordo referido no quesito 30º (55°).</font><br>
<font>Diz o artº 36º do DL nº 385/88, de 25/10 (Lei do Arrendamento Rural) que:</font><br>
<font>1- Aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei aplica-se o regime nela prescrito.</font><br>
<font>2- ...</font><br>
<font>3- O novo regime previsto no artigo 3º da presente lei apenas se aplicará aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor a partir de 1 de Julho de 1989.</font><br>
<font>4- O presente diploma não se aplica aos processos pendentes em juízo que à data da sua entrada em vigor já tenham sido objecto de decisão em 1ª instância...</font><br>
<font>5- ...</font><br>
<font>6- ...</font><br>
<font>Ora, tendo embora a presente acção especial de restituição de posse sido proposta em 29.12.1986, a sentença apenas foi proferida em 9.7.1997, quando a nova LAR há muito estava em vigor.</font><br>
<font>Portanto, ao invés do que sustenta o recorrente, o regime da nova LAR, e designadamente o seu artº 3º, é aplicável no caso vertente.</font><br>
<font>Dispõe esse artº 3º que:</font><br>
<font>1- Ao arrendamentos rurais... são obrigatoriamente reduzidos a escrito.</font><br>
<font>2- ...</font><br>
<font>3- Qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a redução a escrito do contrato.</font><br>
<font>4- A nulidade do contrato não pode ser invocada pela parte que, após a notificação, tenha recusado a sua redução a escrito.</font><br>
<font>Tendo em conta o conjunto destes dispositivos legais (e ainda o disposto no artº 35º, nº 5, que se dá por reproduzido) constata-se que o legislador quis que todos os contratos de arrendamento rural fossem reduzidos a escrito, sendo essa, aliás, a tendência legislativa que já vinha de pretérito (DL 201/75 e Lei 76/77).</font><br>
<font>O nº 1 do artº 3º tem carácter imperativo, não só para protecção das partes (especialmente dos arrendatários, que normalmente são o "elo mais fraco"), mas também tendo em vista o interesse público, como resulta do nº 2 do mesmo preceito, segundo o qual, o senhorio tem a obrigação de, no prazo de 30 dias, contados do contrato, entregar o original deste na repartição de finanças da sua residência habitual e uma cópia nos respectivos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação.</font><br>
<font>Todavia, relativamente ao contratos verbais em vigor em 30.10.1988 (data da entrada em vigor da nova LAR), a obrigatoriedade de redução do contrato a escrito passou a vigorar apenas em 1 de Julho de 1989 (nº 3 do artº 36º).</font><br>
<font>Até essa data deviam pois as partes deste processo ter formalizado o ajuizado contrato verbal de arrendamento rural, que a partir daí era obrigatoriamente escrito.</font><br>
<font>Tanto o recorrente como os recorridos tinham a faculdade de exigir a redução do contrato a escrito, mediante a notificação da parte contrária (nº 3 do artº 3º).</font><br>
<font>Ora, o contrato não foi reduzido a escrito, e, apesar de os recorridos terem alegado que interpelaram o recorrente para o reduzir a escrito, não provaram essa interpelação e recusa (respostas negativas aos quesitos 34º, 35º, 48º e 49º).</font><br>
<font>Como provaram o arrendamento verbal mas não provaram a alegada convocatória e recusa do A., não provaram a excepção peremptória que seria bastante para obstaculizar a procedência do pedido de restituição de posse formulado pelo A..</font><br>
<font>Só provariam essa peremptória (impeditiva do nascimento do direito do A. à restituição da posse) se tivessem provado a existência de um contrato de arrendamento escrito, imposto pelo artº 3º em referência, ou então se provassem que a culpa da inexistência da formalização do contrato verbal era inteiramente do A., por ter sido notificado para a redução do contrato a escrito e a tal se ter recusado.</font><br>
<font>Não tendo feito esta última prova, embora tenham provado o arrendamento meramente verbal, os recorridos são culpados pela inexistência do contrato escrito, pois tinham a faculdade de exigir a formalização do contrato por escrito e não fizeram uso dela.</font><br>
<font>O contrato verbal dos autos (respostas aos quesitos 30º a 32º) é nulo, e essa nulidade podia ser invocada pelo A., como foi, por não ter sido convocado pelos RR para a redução a escrito.</font><br>
<font>Como se depreende do nº 4 do artº 3º, o A. só não poderia arguir a nulidade do contrato verbal se tivesse sido provado que foi instigado a formalizá-lo e se recusou a fazê-lo, pois a admitir-se nessas circunstâncias a arguição pelo A. daquela nulidade isso seria dar guarida a um venire contra factum proprium.</font><br>
<font>No sentido de que se nenhuma das partes convocou a outra para a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, nenhuma delas pode invocar em juízo o contrato verbal, e de que a nulidade pode ser invocada pela parte que se apresentou à prática do escrito, ou por ambas se nenhuma delas tiver feito notificar a outra, pode consultar-se também o acórdão do STJ, de 23.1.2001, na revista 1959/00 da 2ª secção (relator o Cons. Roger Lopes).</font><br>
<font>Também no aresto do STJ, de 1.7.2003, no agravo 1771/03 (relator Cons. Nuno Cameira) se expendeu que se nenhuma das partes convocou a outra para a redução a escrito do contrato, nenhuma delas poderá invocar em juízo o contrato verbal.</font><br>
<font>Na mesma senda, ainda, o Cons. Aragão Seia, quer no Arrendamento Rural, 4ª Edição, pág. 33 a 36, quer no voto de vencido que elaborou no ac. do STJ, de 6.10.1998, CJSTJ, 1998, III, 53 a 55.</font><br>
<font>Deixar funcionar a favor dos RR, como peremptória, a existência do contrato de arrendamento meramente verbal, seria premiá-los por não terem usado da faculdade de interpelação da contraparte para a redução a escrito, perpetuando uma situação de não formalização não querida pelo legislador, deixando sem alcance prático o novo regime impositivo do contrato escrito em todos os arrendamentos rurais.</font><br>
<font>Se, como deflui do nº 5 do artº 35º, se exige, para o recebimento ou prossecução de uma acção judicial, o acompanhamento de um exemplar do contrato, quando exigível, ou ao menos que logo se alegue que a falta dele é imputável à parte contrária, é lógico que para a procedência da mesma acção se exigirá, ou o contrato escrito, ou ao menos a prova da imputação da sua inexistência à contraparte.</font><br>
<font>E se, como no caso que nos prende, os RR excepcionam com um contrato de arrendamento verbal, devendo logo alegar que a contraparte recusou a convocatória para o reduzir a escrito, são obrigados logicamente, depois, para fazerem vingar a peremptória alegada, a provar não só o contrato arrendamento meramente verbal mas também que interpelaram o A. para o reduzir a escrito e ele recusou. </font><br>
<font>Eis por que se entende que os recorridos não podem prevalecer-se do contrato verbal que comprovaram, porquanto, ou teriam de provar o contrato escrito exigido por lei, ou que a falta dele é imputável ao A., improcedendo portanto a excepção peremptória por eles arguida.</font><br>
<font>De resto, o contrato meramente verbal sempre seria nulo por falta de forma, como legitimamente reivindica o recorrente.</font><br>
<font>As respostas positivas aos quesitos 30º e 32º e restritiva ao quesito 31º, referem-se ao arrendamento verbal articulado pelos recorridos, não podendo ser anuladas, ao invés do que pretende o recorrente, porque um arrendamento verbal pode provar-se por testemunhas.</font><br>
<font>Coisa diferente, é tirar qualquer virtualidade desse arrendamento a favor dos recorridos, o que já se disse não ser possível. </font><br>
<font>A 1ª instância considerou que o A. não provou a existência de qualquer facto que possa qualificar-se como esbulho. Por isso concluiu que a acção tinha de improceder (cfr. pág. 643, último parágrafo)</font><br>
<font>A Relação concordou com esse entendimento.</font><br>
<font>Sustenta porém o A., na revista, que, nos termos do agora revogado artº 1033º, nº 2 do CPC, nesta acção ainda aplicável, não havendo realmente lugar à procedência da restituição da posse da herdade, por não ter logrado provar o requisito do esbulho, devia e deve, no entanto, ser decretada a manutenção da sua posse sobre a articulada herdade.</font><br>
<font>Embora o A. não tenha formulado na acção também o pedido de manutenção da posse e a questão da condenação neste pedido não tenha sido colocada no recurso de apelação, sendo portanto uma questão nova, entendemos que pode e deve ser apreciada e decidida pelo STJ, por se tratar de uma questão de direito, atento o teor do revogado artº 1033º, nº 2 do CPC.</font><br>
<font>Porém, a pretensão agora formulada pelo A. não pode ser deferida, atento o quadro factual provado.</font><br>
<font>É que os RR não se limitaram a turbar a posse do A.. Eles ocuparam e ocupam materialmente a herdade. São eles que têm a posse material dela, não o A.</font><br>
<font>Como se não tratou de actos de mera turbação (continuando o A. a deter a posse material do prédio), não há que decretar a manutenção da posse.</font><br>
<font>Nem há lugar, evidentemente, à restituição da herdade ao A., uma vez que a acção proposta não foi a de reivindicação, com base na propriedade (como porventura devia ter sido), mas sim a de restituição de posse, com base no esbulho desta.</font><br>
<font>Termos em que acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido mas apenas enquanto fundamentado na falta de prova do esbulho, e não também com base na ininvocabilidade da nulidade do contrato de arrendamento verbal pelo demandante.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 9 de Novembro de 2004</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JzLbu4YBgYBz1XKvq0sk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" e marido B (a prosseguir com os sucessores deste - a autora, C, D e E, propuseram contra F e mulher G acção de reivindicação a fim de, reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio rústico identificado nos arts. 1 a 3 da pet. in., se os condenar a se absterem de transitar sobre a faixa de terreno questionada e que é parte integrante daquele, a restituírem-na aos autores e a lhes pagarem 500.000$00 a título de indemnização pelos danos causados e despesas ocasionadas.</font><br>
<font>Contestando, os réus impugnaram os factos alegados concluindo pela improcedência da acção.</font><br>
<font>Prosseguindo até final, procedeu parcialmente a acção por sentença que a Relação, sob apelação dos réus confirmou.</font><br>
<font>De novo inconformados, pediram revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>- a sentença contempla uma alteração substancial da resposta afirmativa ao quesito 17 quando já se esgotara o poder jurisdicional do julgador;</font><br>
<font>- a não se entender tal, há erro de julgamento pois que a matéria de facto provada não acolhe o ponto 1-A) da sentença;</font><br>
<font>- a não se entender assim, é nula por os seus pontos 1-A), 2 e 3 não se compaginarem com os pedidos formulados, pelo que houve condenação em objecto diverso do que foi peticionado;</font><br>
<font>- a ‘parcela’ ficcionada e ilustrada pelos autores nos seus pedidos e a violação dominal imputada aos réus nada têm a ver com a posse da ‘parcela referida’, mencionada nas decisões em crise, sendo que não flui da sentença que parcela será essa, atento a resposta negativa ao quesito 9;</font><br>
<font>- condenados os réus a indemnizar sem se entender quais são os prejuízos, tão pouco peticionados;</font><br>
<font>- a sentença, totalmente acolhida pela Relação, apenas não deve ser revogada quanto ao seu ponto 1;</font><br>
<font>- violado o disposto no art. 668-1 e) CPC.</font><br>
<font>Contraalegando, defenderam os autores a manutenção do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<font>Da matéria de facto -</font><br>
<font>A fls. 215 respondeu o tribunal à base instrutória organizada fls. 85-88.</font><br>
<font>Ao quesito 9 («Ocupando cerca de 96,45m²?») respondeu não provado e ao quesito 17 («Os AA. e antecessores, há mais de 10, 20 e 30 anos que usam a parcela referida em 9), roçando o mato, plantando e cortando pinheiros e eucaliptos?») respondeu provado.</font><br>
<font>À primeira vista, a simples leitura destas respostas traduz uma incongruência entre elas, a qual, contudo, é aparente e se desfaz com facilidade por se tratar de lapso de escrita revelado pelo contexto quer da base instrutória quer da decisão que lhe respondeu, e como tal rectificável (CC- 249 e CPC- 667,1), rectificação que ocorreu se bem que não referida a qualquer dispositivo legal e sem sequer ser expressamente afirmada.</font><br>
<font>Na realidade, pelo quesito 9 procurava conhecer-se a área da parcela, parcela esta que era definida através dos três quesitos anteriores, onde os réus praticaram actos para os quais, segundo os autores, não tinham legitimidade, quesitos que receberam resposta afirmativa.</font><br>
<font>Não houve, portanto, alteração da decisão de facto (e ... menos ainda ‘substancial’) e para a rectificação não se esgotara o poder jurisdicional (já de si, se o problema não fosse de rectificação, teria de ser analisado à luz do disposto no art. 659-3 CPC, isto quanto à 1º instância, e no art. 712 CPC, para a Relação).</font><br>
<font>Aliás, os réus, embora procurem extrair de tal lapso efeito que este não comporta, têm, pelo teor das suas alegações quer na apelação quer revista, consciência que é de rectificação que se trata.</font><br>
<font>Face ao exposto, remete-se, ao abrigo dos arts. 713-6 e 726 CPC, a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Decidindo (no mais):</font><br>
<br>
<font>1.- Pela sentença, confirmada pela Relação, foi reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o prédio descrito nos 3 primeiros artigos da petição inicial (ponto 1), serem possuidores da parcela em causa (ponto 1-A) e foram os réus condenados nesse reconhecimento e a se absterem de transitar sobre ela, restituindo-a àqueles (ponto 2) e a lhes pagar, a título de «indemnização por prejuízos causados», quantia a liquidar em execução de sentença (ponto 3).</font><br>
<font>A acção é de reivindicação, os autores formularam contra os réus, por os terem como ‘possuidores’ de uma parcela do seu prédio rústico, os pedidos de reconhecimento da titularidade do seu direito de propriedade, de a restituição a processar contra eles por não terem título legítimo de ocupação e de se absterem de transitar sobre ela.</font><br>
<font>Corresponde isto ao disposto no art. 1.311 CC.</font><br>
<font>Provou-se que os autores adquiriram por usucapião o prédio rústico dele fazendo parte a parcela, integra-o, sobre a qual os réus praticaram actos, ocupando-a, sem terem quer a sua posse quer título legítimo de detenção da mesma.</font><br>
<font>Quer a posse quer a detenção não requerem a permanência contínua, amiúde e diária de actos. Os actos de ocupação praticados permitiram e permitem que sobre ela transitem e para o efeito não têm título legítimo.</font><br>
<font>Os factos provados permitiram ao tribunal definir com segurança essa parcela, o que equivale não só a se não ter provada a versão dos réus como a ter sido considerada irrelevante a precisão da sua área - a parcela situa-se dentro dos limites geográficos e físicos do prédio e é isso o que interessa, é a titularidade do direito de propriedade sobre esse prédio que foi reconhecida e a restituição ordenada, o que implica a abstenção do trânsito sobre ele desde que não autorizado.</font><br>
<font>Este reconhecimento e esta condenação estão conformes o pedido formulado e este corresponde ao dispositivo legal.</font><br>
<br>
<font>2.- No art. 35 da petição inicial, os autores peticionaram uma indemnização «referente aos estragos causados, ao valor do mato que roçaram e dos pinheiros e eucaliptos que cortaram e se apropriaram, às perdas de tempo e ganho com a obtenção de elementos e documentos necessários à propositura desta acção e ao custo destes».</font><br>
<font>Por ‘estragos causados’ compreenderam a limpeza e escavação superficial do prédio de modo a fazerem o novo acesso (a dita parcela) e ao longo dele, o derrube de um muro de alvenaria que serve de divisória entre o prédio dos autores e o dos réus, colocação de um portão de ferro com cerca de 3 metros de largura e aterro e destruição da trincheira aberta pelos autores.</font><br>
<font>Este o pedido indemnizatório que quantificaram em 500.000$00.</font><br>
<font>Os réus foram condenados a pagarem, a título de indemnização, quantia a liquidar em execução de sentença relativo aos danos causados pelo derrube do muro em pedra ou alvenaria e com a limpeza e escavação superficial do prédio dos autores e com a colocação do portão de ferro (respostas aos quesitos 10, 6, 12 e 13 e fls. 226 da sentença).</font><br>
<font>Entendem os réus que os autores só reclamaram de prejuízo o valor do mato roçado, os pinheiros e eucaliptos que cortaram e se apropriaram, perdas de tempo e de ganho com a obtenção dos documentos para a acção, o seu custo.</font><br>
<font>Peca este entendimento ao não incluir nem ver qual a compreensão dada à expressão «estragos causados» e que deve ser encontrada, como se fez supra, noutros artigos da petição inicial.</font><br>
<font>Defendem os réus ainda que «a limpeza é uma benfeitoria». Se, com efeito, a limpeza constitui, por vezes, uma benfeitoria nem sempre o será, seja por critérios de oportunidade seja pelo modo como é realizada seja por outras causas. Além de os réus recorrentes não a justificarem como benfeitoria, acresce um dado fundamental - toda a defesa deve, em princípio, ser deduzida na contestação (CPC- 489, 1); seria nesse articulado que teriam de justificar tal de modo a destruir o que fora alegado como dano (a limpeza ter sido associada à escavação superficial, nisso consistindo o dano) e pelos aos autores, a quem incumbia demonstrar, provado.</font><br>
<font>Só quando a reconstituição natural não for possível assiste direito a indemnização em dinheiro (CC- 562 e 566-1).</font><br>
<font>Derrubando o muro, os réus violaram o direito de propriedade dos autores.</font><br>
<font>É possível a reparação natural, repondo o muro.</font><br>
<font>A alegação de danos pelo derrube do muro é ambígua - tal como foi alegado, crê-se que o objectivo é o de obterem a sua reposição pelos autores mas custeada pelos réus (se sim, o pedido é característico, embora incorrectamente formulado, de uma execução para prestação de facto; todavia, não há ainda título para tal), já que nada foi alegado quanto a danos colaterais (v.g., em árvores, em cultura, etc., directamente causados pelo modo como o derrube ocorreu). Há que distinguir o dano consistindo no derrube destes outros.</font><br>
<font>Os alegados danos causados, a menos que o contrário tivesse sido alegado e provado pelos autores, são passíveis de reparação natural pela reposição do muro e do terreno no estado em que se encontravam.</font><br>
<font>Não a tendo sido pedido não pode ser decretada e, sendo, em princípio, possível não autoriza uma indemnização pecuniária.</font><br>
<font>Os réus abriram um portão de ferro, com cerca de 3 m. de largura, no topo nascente do prédio dos autores, junto à extrema sul (resposta aos quesitos 12 e 13) sem o poderem ter feito (não lhes assiste o direito de transitar por ele, e isso é o que o portão permitiria). O pedido correspondente que os autores poderiam ter feito era o de os réus serem condenados a tapá-lo.</font><br>
<font>Se tivesse sido pedida e ordenada uma (a reparação natural) e outra (taparem a abertura), poderiam os autores dar à execução a prestação de facto em que aqueles fossem condenados mas dos termos desta, maxime do art. 934 in fine CPC, não se pode retirar argumento a favor da procedência, neste tocante, do pedido indemnizatório nesta acção.</font><br>
<font>Não pode manter-se, portanto, a condenação em indemnização que, a dever proceder, teria de conhecer um limite - a quantia a apurar em execução de sentença não ultrapassar o pedido de 500.000$00.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se concede parcialmente a revista absolvendo-se os réus do pedido de indemnização, mantendo-se no mais o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes e recorridos na proporção de 4/5 e 1/5.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 26 de Outubro de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8zLuu4YBgYBz1XKv5VsN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - "A", em seu nome e em representação do seu marido B, intentou acção emergente de acidente de viação contra Companhia de Seguros C, pedindo que a ré seja condenada a pagar a quantia de 54.466.208$00.</font>
</p><p><font>Alegou que o marido, quando conduzia o velocípede com motor 1PVZ, foi embatido pelo veículo automóvel de matrícula FO, seguro na Companhia ré. Do acidente, ocorrido por culpa do condutor do veículo automóvel, resultaram para os autores danos no montante do pedido.</font>
</p><p><font>Contestando, a ré sustentou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do marido da autora, razão pela qual não tem qualquer obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência parcial da acção.</font>
</p><p><font>Apelaram autores e ré.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso dos autores e deu provimento parcial ao recurso da ré.</font>
</p><p><font>Inconformados recorrem os autores para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Formulam as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- A apreciação das culpas no acidente não pode fazer-se em termos abstractos com recurso apenas à hierarquização relativa das normas violadas;</font><br>
<font>- Seguindo por uma povoação, numa via marginada por casas e num entroncamento, o condutor do automóvel deveria acatar o limite máximo de velocidade de 50Km/h;</font><br>
<font>- Ao circular aí a mais de 90Km/h e, ainda por cima, completamente distraído, o dito condutor agiu com culpa muito grave;</font><br>
<font>- Ao condutor do velocípede não se impunha o dever de contar com o procedimento infractor do automobilista;</font><br>
<font>- Não obstante o desrespeito do sinal "STOP", o condutor do velocípede teria seguido o seu caminho sem ser embatido, desde que o automóvel seguisse à velocidade a que devia, pelo que esta infracção não foi causal do acidente;</font><br>
<font>- Ainda que assim se não entenda, nada justifica, tendo em conta a gravidade da infracção do automobilista que a sua culpa seja julgada três vezes menor do que a do condutor do velocípede, atentas as circunstâncias em que se deu o acidente;</font><br>
<font>- Devendo, no máximo, considerar-se idênticas as culpas dos condutores, além do mais, tendo em conta o disposto na parte final do nº 2 do artigo 506º do C. Civil;</font><br>
<font>- Independentemente das culpas, importa avaliar as respectivas consequências, nos termos do nº 1 do artigo 570º do C. Civil;</font><br>
<font>- E é indiscutível que as consequências da culpa do automobilista, motivadas pelo tipo de veículo que conduzia e pela perigosidade que lhe é inerente, devem considerar-se duas vezes mais graves que as derivadas da culpa do condutor do velocípede;</font><br>
<font>- Ao não se pronunciar sobre a avaliação comparativa das consequências das culpas de cada um dos condutores, o Tribunal de que se recorre não observou a norma do nº 2 do artigo 660º do CP Civil, estando o acórdão recorrido ferido da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do mesmo Código.</font>
</p><p>
</p><p><font>Contra-alegando, a recorrida defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>No dia 2 de Setembro de 1996, pelas 20 horas e 20 minutos, D, técnico de análises clínicas, residente na freguesia de Macieira, Vila do Conde, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula FO, pela Estrada Nacional nº 13, no sentido de marcha Porto-Esposende, pela respectiva metade direita da faixa de rodagem;</font>
</p><p><font>O piso da referida via era em asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação;</font>
</p><p><font>Nas circunstâncias de tempo referidas e no lugar de Pedrinha, freguesia da Estela, na Póvoa de Varzim, B, conduzia o velocípede com motor 1-PVZ;</font>
</p><p><font>O qual circulava pela rua da Pedrinha que entronca na EN nº 13, do lado direito, atento o sentido Porto-Esposende;</font>
</p><p><font>E pretendia entrar na EN nº 13 com vista a nela circular, no sentido Esposende-Porto;</font>
</p><p><font>B e A são casados entre si;</font>
</p><p><font>B nasceu no dia 30 de Junho de 1949;</font>
</p><p><font>A nasceu no dia 1 de Setembro de 1950;</font>
</p><p><font>O proprietário do veículo FO, tinha, à data do acidente, transferido para a Companhia de Seguros C, SA, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 2-1-727/82/09 responsabilidade civil decorrente de acidente de viação relativamente a tal veículo;</font>
</p><p><font>O condutor do veículo FO seguia a mais de 90Km/h;</font>
</p><p><font>Ao chegar ao Km 32,9, no lugar de Pedrinha, freguesia de Estela, desta comarca, onde a estrada descreve uma curva muito disfarçada para a esquerda, atento o seu sentido de trânsito, foi embater com o seu veículo no velocípede 1-PVZ, conduzido por B;</font>
</p><p><font>O velocípede 1-PVZ preparava-se para entrar na EN nº 13 e virar à esquerda, atento o sentido Esposende-Porto;</font>
</p><p><font>A EN nº 13 no local tem a largura de sete metros;</font>
</p><p><font>Sendo marginada por casas;</font>
</p><p><font>Era dia claro e o lugar onde ocorreu o embate tinha total visibilidade mesmo para a Rua da Pedrinha, de onde o marido da autora procedia;</font>
</p><p><font>O condutor do FO só se apercebeu do velocípede quando nele embateu;</font>
</p><p><font>Em resultado do embate, o velocípede foi projectado para a frente - em relação à trajectória do automóvel - indo cair vinte e sete metros além do lugar de colisão, na berma do lado direito;</font>
</p><p><font>O mesmo aconteceu com o marido da autora que ficou caído igualmente junto à linha que separa a estrada da berma, nove metros e quarenta centímetros além do ponto onde ocorreu o choque entre os veículos;</font>
</p><p><font>O D não accionou os travões do automóvel em momento algum, tendo seguido a sua marcha e o veículo veio a imobilizar-se na berma esquerda do lado esquerdo da estrada, atento o seu sentido de marcha, a uma distância não inferior a 30 metros depois do lugar do embate, sem deixar qualquer rastos de travagem;</font>
</p><p><font>O FO circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;</font>
</p><p><font>No local onde ocorreu o embate a estrada é plana e desenha-se uma curva disfarçada para a esquerda, atento o seu sentido de marcha do veículo 82;</font>
</p><p><font>No termo da estrada municipal que entronca na EN nº 13 pelo lado direito, atento o sentido Porto-Esposende, denominada Rua da Pedrinha e junto à EN nº 13, existe um sinal de STOP;</font>
</p><p><font>Tal sinal de STOP está com a frente virada para o lado da referida estrada municipal;</font>
</p><p><font>O condutor do 1-PVZ circulava na referida estrada municipal;</font>
</p><p><font>Ao chegar à EN nº 13, vindo da referida estrada municipal e pretendendo passar a circular na EN nº 13, em direcção à Póvoa do Varzim, não parou em obediência ao dito sinal de STOP;</font>
</p><p><font>Continuou a sua marcha, abrandou-a ligeiramente e entrou na EN nº 13;</font>
</p><p><font>O embate ocorreu na metade direita da faixa de rodagem da EN nº 13, atento o sentido de marcha do FO;</font>
</p><p><font>Em consequência directa e necessária do acidente, B sofreu as lesões descritas no documento de fls. 20;</font>
</p><p><font>As quais, entre o mais, lhe determinaram um estado comatoso profundo e incurável, com total impossibilidade de uso das capacidades intelectuais, de utilização e movimentação do corpo, de exercício dos sentidos e da prática da linguagem;</font>
</p><p><font>Deixando-o totalmente na dependência e como encargo da autora e dos filhos do casal;</font>
</p><p><font>Situação que é para estes um fardo pesado que os impossibilita de levarem as suas vidas normalmente;</font>
</p><p><font>Por motivo das lesões que sofreu, teve que ser socorrido no Hospital da Póvoa do Varzim, tendo-lhe sido debitada a quantia de 16.065$00 pelos tratamentos que lhe foram ministrados;</font>
</p><p><font>E esteve internado no mesmo Hospital desde 07.10.96 até 10.01.97, sendo-lhe facturada a este título a quantia de 1.943.070$00;</font>
</p><p><font>Foi-lhe debitada a quantia de 1.000$00, montante este correspondente à cobrança de uma taxa moderadora, que foi paga pela autora;</font>
</p><p><font>No período entre 02.09.96 e 07.10.96, o marido da autora esteve internado no Hospital de S. João, no Porto;</font>
</p><p><font>Por esse internamento e tratamento lá recebidos, foi debitado ao marido da autora a quantia de 1.698.610$00, que se encontra por liquidar;</font>
</p><p><font>O veículo em que o marido da autora seguia quando do acidente ficou também seriamente danificado, orçando a sua reparação em 508.216$00;</font>
</p><p><font>Antes do acidente, o marido da autora dedicava-se à agricultura em conjunto com ela;</font>
</p><p><font>Nomeadamente, cultivavam em estufas, alfaces, tomates, feijões, pepinos, pimentos, nabos e melões, uma área global de 6.000 m2 (seis mil metros quadrados);</font>
</p><p><font>O que lhes proporcionava uma receita mensal média não inferior a 500.000$00;</font>
</p><p><font>Enquanto que os custos da exploração não excediam a média mensal de 200.000$00;</font>
</p><p><font>Para este rendimento de 300.000$00, a contribuição do marido da autora era superior à dela, dado que a autora também confeccionava as refeições e procedia ao arranjo da casa;</font>
</p><p><font>Agora é a autora quem tem o encargo de o lavar, nutrir, vestir e cuidar de tudo o mais que o marido precisa, tendo ficado impossibilitada de trabalhar no campo;</font>
</p><p><font>Perdendo o casal todos os proventos daí derivados;</font>
</p><p><font>O marido da autora não só perdeu rendimentos, como terá de arcar com despesas suplementares de fraldas, cuidados de enfermagem, medicamentos, assistência médica, que importam em média 50.000$00 mensais;</font>
</p><p><font>Desde a alta do marido da autora em 10.01.97 até ao presente (20.10.98) foram já despendidos 1.050.000$00 com o material referido;</font>
</p><p><font>A situação em que se encontra o marido da autora prolongar-se-á por vinte anos;</font>
</p><p><font>Foi necessário adquirir uma cama articulada para o marido da autora que importou, acrescida de acessórios complementares, em 245.000$00;</font>
</p><p><font>O marido da autora ficou impossibilitado definitivamente de ter consciência de si, de se relacionar com os outros, de sentir, de procriar, de se determinar e afirmar como ser humano;</font>
</p><p><font>Transformando-se um pesado encargo para os seus familiares.</font>
</p><p>
</p><p><font>III - Nesta acção emergente de acidente de viação foi pedida a condenação da ré no pagamento de 54.466.208$00.</font>
</p><p><font>Na 1ª instância, fixou-se em 50% a contribuição de cada um dos condutores para o acidente e condenou-se a ré a pagar a quantia de 16.410.141$00 e juros.</font>
</p><p><font>No Tribunal da Relação considerou-se que 75% da culpa cabia ao autor e 25% ao condutor do veículo seguro na ré e isto porque o autor conduzindo um velocípede com motor não respeitou o sinal "STOP" e o condutor do veículo automóvel seguia com excesso de velocidade, resultando o acidente dessa conjugação de culpas.</font>
</p><p><font>Face a essas percentagens, a ré foi condenada no pagamento de 8.205.071$00.</font>
</p><p><font>Recorrem os autores.</font>
</p><p><font>Defendem que:</font>
</p><p><font>Devem, "no máximo" ser consideradas idênticas as culpas dos condutores;</font>
</p><p><font>As consequências da culpa do automobilista, motivadas pelo tipo de veículo que conduzia e pela perigosidade que lhe é inerente, devem considerar-se duas vezes mais graves que as derivadas da culpa do condutor do velocípede;</font>
</p><p><font>Ao não se pronunciar sobre a avaliação comparativa das consequências das culpas de cada um dos condutores, o acórdão recorrido está ferido de nulidade.</font>
</p><p><font>São estas as questões a resolver.</font>
</p><p><font>Como ponto prévio diga-se que a apreciação da culpa, como juízo de censura ético-jurídica, é questão de direito e como tal da competência deste Supremo (artigo 729º do CP Civil).</font>
</p><p><font>Está-se no campo da responsabilidade civil extracontratual, ou seja da que resulta da violação de um dever de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito de personalidade, direito real). Neste tipo de responsabilidade é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, e sendo a culpa apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º do C. Civil).</font>
</p><p><font>Agir com culpa significa actuar por forma a que a conduta do agente seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo - Prof. Antunes Varela - "Das Obrigações em Geral", II, 7ª ed., pág. 97.</font>
</p><p><font>Em concreto, fez-se a prova de que o condutor do veículo seguro na Companhia ré circulava a velocidade superior a 90Km/h e conduzia distraído. Actuou assim com culpa, já que podia e devia ter agido de outro modo.</font>
</p><p><font>Responde por isso a título de responsabilidade subjectiva.</font>
</p><p><font>Certo é porém que o autor não respeitou o sinal "STOP" existente.</font>
</p><p><font>No acórdão recorrido considerou-se que ambos os condutores contribuíram para a verificação do acidente, sendo a proporção de 75% para o autor e 25% para o condutor do veículo ligeiro segurado da ré.</font>
</p><p><font>Tendo o autor cometido uma infracção ao não respeitar um sinal de prescrição absoluta (artigo 3-A, B2 do Regulamento do Código da Estrada e artigo 29º nº 1 do C. da Estrada, aqui aplicável), entrando numa estrada nacional de grande movimento sem atentar na proibição e invadindo a faixa de rodagem do outro condutor, é evidente que contribui com maior grau de culpa para a ocorrência do acidente. Nem se justificam, face à factualidade apurada e à análise feita na decisão impugnada, maiores considerações a tal propósito.</font>
</p><p><font>Defendem ainda os recorrentes que o acórdão recorrido está ferido de nulidade por não se ter pronunciado sobre "a avaliação comparativa das consequências das culpas de cada um dos condutores".</font>
</p><p><font>Socorrem-se do disposto no artigo 660º nº 2 do C. Processo Civil e do artigo 570º nº 1 do C. Civil, mas sem razão diga-se desde já.</font>
</p><p><font>O referido artigo 570º do C. Civil rege a contribuição do lesado para os danos sofridos, aplicando-se quando o facto praticado pelo lesado for causa do prejuízo ou do seu aumento em concorrência com o facto praticado pelo outro interveniente e o lesado tenha actuado com culpa - Prof. Almeida Costa - "Obrigações", 3ª ed., pág. 535.</font>
</p><p><font>Esta concorrência de culpas foi apreciada pormenorizadamente na decisão em causa.</font>
</p><p><font>Acresce que apenas ocorre a omissão de pronuncia geradora de nulidade (artigo 668º nº 1, alínea d) do CPC) quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões suscitadas pelas partes e não sobre simples argumentos ou razões invocadas em seu apoio. Por questões deve entender-se os problemas concretos a decidir e não opiniões, doutrinas ou especulações sobre a matéria de facto apurada. É este o entendimento pacífico deste Supremo e que se baseia no que, a tal respeito, escreveu o Prof. Alberto dos Reis - "Código de Processo Civil Anotado" V, pág. 143 - Entre vários, o Ac. STJ de 28.03.2000, Revista nº 126/00, 6ª Secção e Ac. STJ de 12.01.99, Agravo nº 1072/98, 1ª Secção.</font>
</p><p><font>O recorrente, afigura-se-nos, parte de um raciocínio que não tem fundamento legal. Efectivamente, o artigo 506º do C. Civil em que no fundo se baseia, rege a questão da colisão de veículos mas quando nenhum dos condutores tiver culpa no acidente. Nesse caso é que a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos e se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.</font>
</p><p><font>Ora, não se está perante caso de inexistência de culpa, já que, como está referido, ambos os condutores tiveram culpa, contribuindo em maior grau o autor. A hipótese em análise é de responsabilidade subjectiva e não objectiva ou pelo risco.</font>
</p><p><font>Determinada que está a culpa dos dois condutores e a percentagem em que cada um deles contribuiu, não tem aplicação o artigo 506º do C. Civil.</font>
</p><p><font>Carecem assim de razão os fundamentos invocados.</font>
</p><p><font>Pelo exposto nega-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas pelos recorrentes, tendo-se em conta o benefício concedido.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 21 de Maio de 2002 </font>
</p><p><font>Pinto Monteiro,</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante,</font>
</p></font><p><font><font>Reis Figueira.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KTJyu4YBgYBz1XKvegq8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Processo nº706/04.5TBEVR.E2.S1</font><br>
<br>
<div><br>
<br>
<b><font>Acórdão</font></b>
<p></p></div><br>
<br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<br>
<b><font>I Relatório</font></b><br>
<br>
<b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>Outros</font></b><font>, cabeça de casal e interessados nos autos de inventário em referência, interpuseram recurso de apelação da sentença homologatória da partilha, visando a apreciação da matéria relativa ao “incidente de reclamação de bens”, concluindo que deve manter-se a decisão proferida sobre o incidente de reclamação de bens [de 1ª instância], que a julgou procedente, determinando-se a exclusão das verbas 1 a 7, 33 a 67 e 75 a 78 da relação de bens, por já partilhados extrajudicialmente, assim como a decisão de condenação do interessado </font><b><font>BB</font></b><font>, como litigante de má fé.</font><br>
<b><font>2</font></b><font>. O Senhor Juiz Desembargador Relator decidiu não poder conhecer-se do objeto do recurso.</font><br>
<br>
<b><font>3. </font></b><font>Os Recorrentes reclamaram para a conferência. </font><br>
<br>
<b><font>4</font></b><font>. O Tribunal da Relação de Évora decidiu “julgar improcedente a reclamação para a Conferência, e, em consequência, confirmar a decisão do relator, não se conhecendo do objecto do recurso”.</font><br>
<br>
<b><font>5. </font></b><font>Inconformados com tal decisão, os Apelantes vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
<font>1.ª - O Tribunal da Relação de Évora deveria ter admitido, conhecido e decidido o recurso apresentado pelos aqui recorrentes, em nome do princípio da igualdade consagrado no art.20° da CRP.</font><br>
<font>2.ª - Não o tendo admitido e conhecido, vedou aos recorrentes o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.</font><br>
<font>3.ª - Em sede de conferência de interessados, foi admitido o incidente de reclamação de bens formulado pela cabeça de casal e demais interessados, e após produção de prova, foi decidido julgar a reclamação de bens procedente, por provada, e em consequência determinou que fossem eliminadas da relação de bens comuns a partilhar, os bens constantes das verbas 1 a 17, 33 a 67, e 75 a 78, por se ter considerado já terem sido objecto de partilha entre requerente/interessado BB, cabeça de casal AA e restantes interessados, nos termos que ficaram a constar do acordo consignado em conferência de interessados realizada em 26.04.2010, e em consequência, por partilha extrajudicial da totalidade do acervo hereditário:</font><br>
<font>a) Julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;</font><br>
<font>b) Condenou o requerente/interessados BB, como litigante de má-fé, ao abrigo do disposto no art.456, n°,s 1 e 2, ais.a), b) e d), do Código Processo Civil e art.27° do Regulamento das Custas Processuais, na multa de 5 (cinco) UC'S;e</font><br>
<font>c) Julgou totalmente improcedente a condenação da cabeça de casal AA como litigante de má-fé.</font><br>
<font>4.ª- De tal douta decisão, recorreu o interessado BB para o Tribunal da Relação de Évora, tendo obtido procedência na sua apelação, tendo sido determinada a revogação da sentença recorrida e assim o prosseguimento dos autos de inventário, para partilha dos bens móveis em falta, ou seja, dos bens constantes das verbas n°.s 1 a 17, 33 a 67, 77 e 78.</font><br>
<font>5.ª - Inconformados, a cabeça de casal e demais interessados, apresentaram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo este ditado a infra indicada decisão:</font><br>
<i><font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a I</font></i><i><sup><font>a </font></sup></i><i><font>secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em não conhecer do objecto do recurso interposto pela cabeça de casal e outros interessados, por se, encontrar excluído, por ora, o recurso de revista da decisão interlocutória que recaiu sobre o incidente da reclamação de bens, em processo de inventário, que, apenas, com o recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória de partilha, poderá vir a subir e, eventualmente, a ser apreciado, julgando-se, consequentemente, extinta a instância recursiva,</font></i><br>
<font>Decorre do exposto que,</font><br>
<font>6.ª - A decisão ditada pelo Supremo Tribunal de Justiça veio a contrariar totalmente o entendimento esgrimido pelo Tribunal da Relação de Évora, no que se reporta à admissão do recurso incidente sobre a matéria do incidente da reclamação de bens que determinou o prosseguimento dos autos de inventário para partilha dos móveis em falta.</font><br>
<font>7.ª - Face ao teor do aludido douto Acórdão de Évora - na sequência do recurso interposto pelo interessado BB - o processo de inventário prosseguiu os seus legais termos na I</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância, para partilha dos bens móveis em falta, e constantes das verbas n°.s 1 a 17, 33 a 67, 77 e 78, tendo sido proferido douto despacho a designar data para realização da respectiva conferência de interessados.</font><br>
<font>8.ª - Atento o teor da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, os aqui recorrentes, invocaram, então, a nulidade prevista no art.195</font><sup><font>0</font></sup><font>, n°.l, do CPC, de tal douto despacho, a qual, foi desatendida pelo Tribunal.</font><br>
<font>9.ª - O processo de inventário prosseguiu os seus legais termos tendo culminado com a sentença homologatória de partilha, por referência aos bens constantes das verbas 1 a 17, 33 a 67, e 75 a 78 da relação de bens.</font><br>
<font>10.ª - Porém, tal não poderia suceder, por tais bens já terem sido partilhados, extrajudicialmente.</font><br>
<font>11.ª - Na Conferência de Interessados, o interessado, BB mais se obrigou expressamente “</font><i><font>a não reclamar mais nenhum bem móvel ou imóvel, assim como quaisquer direitos, sem prejuízo do resultado da prestação de contas que corre por apenso aos presentes autos, e </font></i><b><i><font>tudo com efeito a partir da presente data" </font></i></b><font>- sublinhado nosso</font><br>
<font>12.ª - Ou seja, todos os interessados, para além de terem descrito com detalhe e dado forma concreta à partilha - sintomaticamente - mais fizeram constar que a referida prestação de contas teria como limite temporal, a data de tal acordo.</font><br>
<font>13.ª - Não se pode ou deve olvidar que os bens imóveis e os bens móveis registáveis, objecto de partilha por meio de escritura, foram precisa e exactamente adjudicados aos respectivos interessados, segundo o que ficara estabelecido na Conferência de Interessados, realizada no dia 26 de Abril de 2010.</font><br>
<font>14.ª - A acta dos actos judiciais constitui um documento autêntico, fazendo prova plena dos mesmos - Cfr. art.371° do C.C.</font><br>
<font>15.ª - Deveria ter sido tomado em consideração as regras de interpretação plasmadas nos arts.236° a 238° do C.C, as quais, traduzem e consagram a teoria objectivista na modalidade da teoria da impressão do destinatário.</font><br>
<font>16.ª - O consignado na Acta da Conferência de Interessados, em causa, não permite, razoavelmente, a um declaratário normal extrair outra conclusão que não seja a de os interessados terem tido o propósito confesso de alcançarem um acordo quanto à partilha efectiva da totalidade dos bens do acervo hereditário.</font><br>
<font>17.ª - O Tribunal violou, nomeadamente, o correcto entendimento e interpretação do disposto no art.691° (do CPC revogado), ora art.644° do CPC, pois a decisão interlocutória que decidiu o incidente de reclamação de bens apenas admite recurso com a decisão final.</font><br>
<font>18.ª - A douta decisão deverá ser objecto de revogação, e em consequência, deverá manter-se a douta decisão proferida sobre o incidente de reclamação de bens, que a julgou por procedente, por provada, determinando a<br>
exclusão das verbas 1 a 17, 33 a 67, e 75 a 78 da relação dos bens, por já partilhados, extrajudicialmente, assim como, a douta decisão de condenação do interessado BB, como litigante de má-fé.</font><br>
<b><font>6.</font></b><font> O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
<font>1.ª - Por via do presente recurso, pretendem os Recorrentes que este Venerando supremo Tribunal de Justiça se venha a pronunciar sobre questão já decidida anteriormente e devidamente transitada em julgado.</font><br>
<font>2.ª – Os Recorrentes pretendem que este Venerando Tribunal seja chamado a pronunciar-se duas vezes sobre a mesma questão, colocando em causa tudo quanto à estabilidade das decisões, afrontando directamente sobre a figura do caso julgado.</font><br>
<font>3.ª – O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.</font><br>
<font>4.ª – Em recurso anteriormente intentado, foi o tribunal da Relação, chamado a pronunciar-se sobre questões decididas em sentença que punha fim aos autos, pondo-se fim ao processo de inventário.</font><br>
<font>5.ª – Em consequência, muito bem decidiu o tribunal da Relação que, em Superior Decisão, vertida no Douto Acórdão de 11 de Setembro de 2014, julgou procedente a apelação intentada pelo aqui recorrido BB, e, revogou a sentença recorrida quanto às decisões tomadas sob as alíneas a), b) e c) do dispositivo, determinando o prosseguimento dos autos de inventário para partilha dos bens móveis que se achavam por partilhar.</font><br>
<font>6.ª – Proferida tal decisão, os ora recorrentes, decidiram interpor recurso para o Venerando Supremo tribunal de Justiça, recurso admitido e ordenado subir pelo tribunal da Relação.</font><br>
<font>7.ª – Chegados os autos a este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi decidido não conhecer do recurso, porquanto, foi entendimento que se tratava de decisão interlocutória, e que, por conseguinte, não podia ser apreciada naquele momento.</font><br>
<font>8.ª – Impunha-se aos ora recorrentes que caso discordassem da Douta Decisão, reagissem à decisão proferida pelo STJ.</font><br>
<font>9.ª – Não tendo reagido, a decisão cristalizou, por decorrência do trânsito em julgado.</font><br>
<font>10.ª – Com efeito, a decisão que se encontrava em crise, recaia sobre sentença que havia EXTINTO OS AUTOS. Ou seja, sobre decisão que punha fim ao processo, e que julgará extinta a instância.</font><br>
<font>11.ª – Mas nada foi feito pelos Recorrentes que se conformaram com o decidido.</font><br>
<font>12.ª – Assim, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação, transitou em julgado.</font><br>
<font>13.ª – Assim, proferida que foi tal Superior decisão, em Douto Acórdão, os autos haveriam de prosseguir, com a questão da falta de partilha dos bens acusados pelo interessado BB, por partilhar. E esta questão ficou definitivamente decidida.</font><br>
<font>14.ª – Trazer novamente à colação questão, sobre a qual o Tribunal da Relação já se pronunciou, e que transitou em julgado, para além de inadmissível, viola frontalmente a estabilidade das decisões, sem descurar a violação dos mais elementares princípios constitucionais.</font><br>
<font>15.ª – Face a tudo quanto se deixou dito, o presente recurso, está votado ao mais absoluto insucesso, não merecendo acolhimento a pretensão vertida pelos Recorrentes.</font><br>
<font>16.ª – Como resulta da análise dos factos, verifica-se que sobre as declarações das partes não recaiu qualquer despacho homologatório da partilha de bens assim apresentada. O único despacho proferido na ocasião, recaiu apenas e tão-só sobre o pedido de suspensão da instância com vista à partilha extrajudicial dos bens que compunham o acervo hereditário.</font><br>
<font>17.ª – O que resulta das declarações das partes é que a suspensão foi pedida na perspectiva (renovada) de ser alcançado um acordo, e nunca que tinha já efectivamente sido alcançado um acordo.</font><br>
<font>18.ª – E tanto assim é que, já em momentos anteriores tinham existido outros pedidos de suspensão, em sede de conferência de interessados, e nem por isso se deu como partilhados bens.</font><br>
<font>19.ª – Perspectivaram a justa composição do litígio nos moldes aí gizados, obrigando-se as partes em 15 dias a reduzir o idealizado acordo por escritura e a juntar as mesmas aos autos.</font><br>
<font>20.ª – Ou seja, as partes apenas gizaram um processo de intenções, consubstanciado na possibilidade de vir a celebrar um acordo num futuro próximo, que tinha um limite temporal de 15 dias.</font><br>
<font>21.ª – O processo de intenções tinha princípios orientadores e limite temporal, que decorrido desvincula as partes.</font><br>
<font>22.ª – Decorrido o prazo fixado as partes não lograram obter qualquer acordo.</font><br>
<font>23.ª – As negociações continuaram, e com os habituais avanços e recuos, haveria projectada partilha extrajudicial, no que concerne, única e exclusivamente, aos bens constantes nas escrituras públicas juntas aos autos.</font><br>
<font>24.ª – De fora ficavam os bens móveis não registáveis do acervo hereditário, bem como a ultimação da prestação de contas, conforme resulta de requerimento de fls., apresentado pelo ora Recorrente em 3 de Maio de 2011.</font><br>
<font>25.ª – Ou seja, por força do acordo alcançado muitíssimo para além do prazo convencionado em Conferência de Interessados e nos termos aí gizados, haveriam as partes de apenas se “entenderem” quanto a parte dos bens.</font><br>
<font>26.ª – tal conclusão da parcialidade da partilha é óbvia e resulta de vários elementos probatórios juntos aos autos e de fácil dedução.</font><br>
<font>27.ª – O que resulta dos autos é que apenas foram objecto de partilha bens imóveis e bens móveis sujeitos a registo.</font><br>
<font>28.ª – E conformando-se com tal realidade, foram os próprios Recorrentes quem vieram interpelar o Recorrido para a realização de nova escritura para partilha do restante património, conforme se alcança do teor da missiva junta aos autos e reproduzida no item 8 da matéria de facto dada como provada.</font><br>
<font>29.ª – São os próprios Recorridos quem efectivamente admitem que os bens móveis não sujeitos a registo até então não tinham sido objecto de partilha.</font><br>
<font>30.ª – Os comportamentos convocados são insuficientes para satisfazer o âmbito mínimo de concludência exigível de uma declaração de vontade do Recorrido em anuir à partilha dos bens móveis não sujeitos a registo de forma diferente do conteúdo da proposta gizada em Conferência de Interessados de 26/04/2010.</font><br>
<font>31.ª – Dos autos resulta a consentânea oposição do recorrido, e manifestada desde sempre, quanto à possibilidade de se idealizar a partilha da totalidade do património.</font><br>
<font>32.ª – É pois manifesto que a matéria de facto constante nos autos não autoriza a ilação jurídica tirada.</font><br>
<font>33.ª – Deste modo, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, e, em consequência ser mantido in totum a decisão em crise.</font><br>
<font>Conclui pela improcedência do recurso. </font><br>
<b><font>7.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<br>
<b><font>II Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
<font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente.</font><br>
<font>Assim, a questão colocada pelos Recorrentes consiste em saber se o Tribunal da Relação de Évora deve admitir e conhecer do recurso de apelação por eles interposto. </font><br>
<br>
<b><font>III Fundamentação</font></b><br>
<b><font>1. Factualidade relevante:</font></b><br>
<b><font>1.1.</font></b><font> Em sede de conferência de interessados, foi admitido o incidente de reclamação de bens interposto pela cabeça-de-casal e restantes interessados. </font><br>
<b><font>1.2.</font></b><font> Após produção de prova, o Tribunal de 1.ª instância proferiu decisão que “julgou a presente reclamação à relação de bens procedente por provada, e em consequência, determinou que sejam eliminadas da relação de bens comuns a partilhar, os bens constantes das verbas 1 a 17, 33 a 67, e 75 a 78, por se considerar já terem sido objecto de partilha entre requerente/interessado BB, cabeça de casal AA e restantes interessados, nos termos que ficaram a constar do acordo consignado em conferência de interessados realizada em 26.04.2010, e, em consequência, por partilha extra-judicial da totalidade do acervo hereditário [a], julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide [b], condenando o requerente/interessado BB, como litigante de má-fé, ao abrigo do disposto no artigo 456.º, n.ºs1 e 2, als. a), b) e d), do Código de Processo Civil e artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais, na multa de 5 (cinco) UC´s [c], julgando totalmente improcedente a condenação do cabeça-de-casal AA como litigante de má-fé.” [d].</font><br>
<b><font>1.3.</font></b><font> O interessado BB interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora que julgou procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença recorrida, quanto às decisões tomadas, sob as alíneas a), b) e c) do dispositivo, determinando o prosseguimento dos autos de inventário, para partilha dos bens móveis em falta, ou seja, dos bens constantes das verbas n.ºs 1 a 17, 33 a 67, 77 e 78.</font><br>
<b><font>1.4.</font></b><font> Do Acórdão do tribunal da Relação de Évora, a cabeça-de-casal AA e outros interessados interpuseram recurso de revista.</font><br>
<b><font>1.5.</font></b><font> O STJ, por Acórdão de fls.1692 (destes autos em papel), decidiu “Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em não conhecer do objecto do recurso interposto pela cabeça-de-casal e outros interessados, por se encontrar excluído, por ora, o recurso de revista da decisão interlocutória que recaiu sobre o incidente da reclamação de bens, em processo de inventário, que, apenas, com o recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória de partilha, poderá vir a subir e, eventualmente, a ser apreciado, julgando-se, consequentemente, extinta a instância recursiva.”</font><br>
<b><font>1.6.</font></b><font> Realizada a conferência de interessados, elaborado o mapa de partilha, foi proferida sentença homologatória de partilha (cfr. fls. 1920).</font><br>
<b><font>2. Apreciação</font></b><br>
<font>Os Recorrentes vieram interpor recurso de revista do Acórdão da Relação de Évora que decidiu não tomar conhecimento do recurso de apelação interposto pelos recorrentes da decisão sobre a reclamação de bens.</font><br>
<font>E, tendo presente a factualidade atrás descrita, o Tribunal da Relação de Évora decidiu bem.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Após a admissão do incidente de reclamação de bens e a produção de prova, foi proferida decisão no Tribunal de 1ª instância que “julgou a presente reclamação à relação de bens procedente por provada, e em consequência, determinou que sejam eliminadas da relação de bens comuns a partilhar, os bens constantes das verbas 1 a 17, 33 a 67, e 75 a 78, por se considerar já terem sido objecto de partilha entre requerente/interessado BB, cabeça de casal AA e restantes interessados, nos termos que ficaram a constar do acordo consignado em conferência de interessados realizada em 26.04.2010, e, em consequência, por partilha extra-judicial da totalidade do acervo hereditário [a], julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide [b], condenando o requerente/interessado BB, como litigante de má-fé, ao abrigo do disposto no artigo 456.º, n.ºs1 e 2, als. a), b) e d), do Código de Processo Civil e artigo 27.º do Regulamento das Custas Processuais, na multa de 5 (cinco) UC´s [c], julgando totalmente improcedente a condenação do cabeça-de-casal AA como litigante de má-fé.” [d]. </font><br>
<font>Perante esta decisão, o interessado BB, sentindo-se prejudicado com essa decisão, interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença recorrida, quanto às decisões tomadas, sob as alíneas a), b) e c) do dispositivo, determinando o prosseguimento dos autos de inventário, para partilha dos bens móveis em falta, ou seja, dos bens constantes das verbas n.ºs 1 a 17, 33 a 67, 77 e 78.</font><br>
<font>Agora, ficaram inconformados a cabeça-de-casal AA e os outros interessados, que interpuseram recurso de revista.</font><br>
<font>No recurso de revista, Acórdão de fls. 1692/1703 (dos autos em papel), o STJ decidiu: “Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em não conhecer do objecto do recurso interposto pela cabeça-de-casal e outros interessados, por se encontrar excluído, por ora, o recurso de revista da decisão interlocutória que recaiu sobre o incidente da reclamação de bens, em processo de inventário, que, apenas, com o recurso que vier a ser interposto da sentença homologatória de partilha, poderá vir a subir e, eventualmente, a ser apreciado, julgando-se, consequentemente, extinta a instância recursiva.”</font><br>
<font>Confrontados com esta decisão, os ora Recorrentes não se pronunciaram.</font><br>
<font>Os autos prosseguiram, tendo-se realizado a conferência de interessados, para cumprimento do decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, e proferida sentença homologatória de partilha.</font><br>
<font>Neste momento os Recorrentes (a cabeça-de-casal e os restantes interessados/herdeiros, com exceção do recorrido BB) interpuseram recurso de apelação, com a pretensão de que o Tribunal da Relação decidisse pela exclusão dos bens a partilhar e declarasse a inutilidade superveniente da lide como havia sido primeiramente pelo Tribunal de 1ª instância.</font><br>
<font>Ora, em face do atrás descrito, o Senhor Juiz Desembargador Relator (e depois a Conferência) nada mais poderia dizer do que afirmou:</font><br>
<font>- a Relação não poderia conhecer do objeto do recurso de apelação porquanto já havia decidido que os autos deveriam prosseguir para se proceder à partilha dos bens móveis atrás referidos, por a partilha desses bens ainda não se ter realizado pois já havia decidido, por Acórdão que não tinha sido revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>E assim é: o Tribunal da Relação de Évora já havia decidido (e por essa razão os autos prosseguiram), não podendo o Tribunal da Relação voltar a pronunciar-se sobre a mesma questão, sendo certo que essa decisão não foi alterada pelo STJ no recurso de revista interposto pela cabeça-de-casal AA e os outros interessados herdeiros, com exceção do herdeiro BB (</font><b><u><font>não tendo os Recorrentes suscitado qualquer reparo ao Acórdão do STJ</font></u></b><font>), pois se mostrava esgotado o poder jurisdicional (n.º1 do artigo 613.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 666.º, n.º1, do mesmo diploma legal).</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, a não admissibilidade do recurso de revista não viola preceitos constitucionais.</font><br>
<font>Como se referiu no Acórdão desta secção, no âmbito do processo nº1849/16.8YLPRT.L1.S1,”…o princípio da admissibilidade ilimitada dos recursos ou o da não delimitação do seu objecto … não encontra sustento no texto da Constituição e a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem assumindo que, no nosso ordenamento jurídico, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, particularmente em matéria cível, não é infindo, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária”.</font><br>
<font>Por isso a jurisprudência constitucional vem unanimemente afirmando que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso não integra forçosamente um triplo ou, sequer, duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário o estabelecimento do conteúdo do genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais com uma redução intolerável ou arbitrária. Porém, uma tal arbitrariedade não afeta, manifestamente, as normas citadas com a dita interpretação, que são, compreensivelmente, justificadas pela necessidade da racionalização dos (escassos) meios disponibilizados para administrar a Justiça, com a qual o proclamado princípio da tutela jurisdicional efetiva se deve compatibilizar.</font><br>
<font>Também tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, págs. 99 e 100).</font><br>
<font>Como se afirma no Acórdão nº415/01, de 3 de outubro de 2001, do Tribunal Constitucional, “ não se tratando de um recurso interposto num processo de natureza penal, caso em que haveria que tomar em conta o disposto no nº1 do seu artigo 32º, cabe começar por determinar se a Constituição garante o direito ao recurso no âmbito do processo civil em geral ou, em particular, no domínio das providências cautelares, como é o caso.</font><br>
<font>Ora a verdade é que, como o Tribunal Constitucional tem afirmado uniforme e repetidamente, não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no citado artigo 20º da Constituição.</font><br>
<font>Como, por exemplo, se entendeu expressamente no acórdão nº638/98 (Diário da República, II Série, de 15 de Maio de 1999), e ainda recentemente se reafirmou no acórdão nº202/99 (Diário da República, II Série, de 6 de Fevereiro de 2001), aprovado em plenário, “7. O artigo 20º, nº1, da Constituição assegura a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.</font><br>
<font>Tal direito consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Ao fim e ao cabo, este direito é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legalmente protegidos.</font><br>
<font>Mas terá de ser assegurado em mais de um grau de jurisdição, incluindo-se nele também a garantia de recurso? Ou bastará um grau de jurisdição?</font><br>
<font>A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a última revisão constitucional (constante da Lei Constitucional nº1/97, de 20 de Setembro), passou a incluir, no artigo 32º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32º.</font><br>
<font>Para além disso, algumas vozes têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (ver, a este respeito, as declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente no Acórdão nº65/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11, pág.653, e no Acórdão nº202/90, id., vol.16, pág.505).</font><br>
<font>Em relação aos restantes casos, todavia, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.</font><br>
<font>Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p.126), que impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional – artigo 210º) terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr., a este propósito, Acórdãos nº31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.9, pág.463, e nº340/90, id., vol.17, pág.349)</font><br>
<font>Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (cfr. os citados Acórdãos nº31/87, 65/88, e ainda 178/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 12, pág.569); sobre o direito à tutela jurisdicional, ainda Acórdãos nº359/86, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 8, pág.605), nº24/88, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.11, pág.525), e nº450/89, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.13, pág.1037).</font><br>
<font>(…) Não existe, desta forma, um ilimitado direito de recorrer de todas as decisões jurisdicionais, nem se pode, consequentemente, afirmar que a garantia da via judiciária, ou seja, o direito de acesso aos tribunais, envolva sempre, necessariamente, o direito a um duplo grau de jurisdição (com excepção do processo penal) ”.</font><br>
<font>- procedeu-se a esta longa transcrição do Acórdão do Tribunal Constitucional por nele estar contida toda a fundamentação utilizada pelo Tribunal Constitucional sobre esta questão e que é uniformemente reiterada pelo mesmo Tribunal –</font><br>
<br>
<font>No caso presente, mais do que o direito ao recurso, o que os Recorrentes pretendem é que o Tribunal da Relação de Évora proceda de novo à apreciação de questão que já havia decidido, sem que um Tribunal Superior lhe impusesse essa obrigação.</font><br>
<br>
<font>Deste modo, o recurso deve improceder.</font><br>
<br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><br>
<font>Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido. </font><br>
<br>
<font>As custas ficarão a cargo da Recorrente. </font><br>
<br>
<div><br>
<font>Lisboa, 8 de setembro de 2020</font>
<p><font>(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina)</font></p></div><br>
<div><br>
<font> Pedro de Lima Gonçalves (Relator)</font></div><br>
<br>
<br>
<br>
<font>Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto – Lei n.º20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade da Senhora Juíza Conselheira Fátima Gomes (1.ª Adjunta) e do Senhor Juiz Conselheiro Acácio das Neves (2.º Adjunto)</font><br>
<div><font> </font></div></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjFYu4YBgYBz1XKvg_jY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I </font></b><font>R</font><b><font>elatório</font></b><br>
</p><p><b><font>1</font></b><font>. </font><b><font>AA António</font></b><font> intentou a presente ação declarativa contra </font><b><font>BB</font></b><font> e </font><b><font>Bankinter</font></b><font>, </font><b><font>S.A.,</font></b><font> pedindo que fosse declarado que:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>1 - A fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ....º, situada na Rua ..., ..., ... ... (atual endereço), constitui bem próprio do A.;</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - A dívida ao Banco Bankinter, S.A., Sucursal em Portugal, ainda por liquidar, é da exclusiva responsabilidade do A. e, em consequência,</font></i><br>
</p><p><i><font>3 – O A. é o único titular da conta com o IBAN ...51, onde o 2.º R debita as prestações ordinárias do empréstimo n.º ...77; </font></i><br>
</p><p><i><font>4 - Após a dissolução do casamento o A. pagou ao Bankinter, S.A., as prestações ordinárias do empréstimo que se foram vencendo, e pagou o Imposto Municipal sobre Imóveis referente à mesma fração, no montante total de € 1821,40 (mil oitocentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos), nos termos consignados nos artigos 31.º e 32.º do articulado;</font></i><br>
</p><p><i><font>5 - O veículo automóvel de marca ..., matrícula ..-GM-.., constitui bem próprio do A.;</font></i><br>
</p><p><i><font>6 - Após a dissolução do casamento, o A. pagou despesas referentes ao mesmo veículo no valor global de € 2435,93 (dois mil quatrocentos e trinta</font></i><font> </font><i><font>e cinco euros e noventa e três cêntimos), nos termos consignados nos artigos 38.º e 39.º do articulado.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>O Autor formulou, ainda, o seguinte pedido subsidiário:</font><br>
</p><p><font>“</font><i><font>Requer-se seja declarado que</font></i><font>:</font><br>
</p><p><i><font>1 – O A. investiu na compra da fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ....º, situada Rua ..., ..., ... ..., a quantia total de € 186149,98 (cento e oitenta e seis mil cento e quarenta e nove euros e noventa e oito cêntimos) proveniente de bens próprios, nos termos consignados nos artigos 9.º a 29.º do articulado;</font></i><br>
</p><p><i><font>2 - O A. investiu na compra do veículo automóvel de marca ..., matrícula ..-GM-.., a quantia de € 13500,00 (treze mil e quinhentos euros), proveniente de bens próprios, nos termos consignados nos artigos 34.º a 37.º do articulado</font></i><font>.”</font><br>
</p><p><font>Para o efeito, alegou, em síntese, que:</font><br>
</p><p><font>i) A. e R. contraíram matrimónio no dia 17.6.2006, sob o regime supletivo de bens de comunhão de adquiridos, vindo o casamento a ser dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 11.1.2018.</font><br>
</p><p><font>ii) Na constância do matrimónio foi adquirida a fração ... do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...81 (atualmente artigo ...º), situada na Rua ..., ..., ... ... (atual endereço), pelo preço de €280.000,00, com recurso a empréstimo bancário no montante de €155.000,00, figurando como credor hipotecário o 2º R. (por ter sucedido ao Barclays Bank PLC), pago mensalmente por débito direto na conta, atualmente, com o IBAN ...51...</font><br>
</p><p><font>iii) A diferença entre o preço da fração e o valor do empréstimo bancário contraído, no montante de €125.000,00, foi exclusivamente custeada por bens próprios do A., tal como o foram as despesas pagas no ato da escritura, IS, IMT, e despesas notariais, tudo no montante total de €138.614,43, através de parte do valor de venda de uma fração propriedade do A., resgate de certificados de aforro de que era titular e doações que os pais do A. lhe fizeram.</font><br>
</p><p><font>iv) Para além dos valores referidos provenientes de bens próprios, na vigência do casamento o A. fez amortizações extraordinárias do empréstimo bancário contraído junto do Barclays no montante global de €47.535,55, através de resgate de certificados de aforro de que era titular, e doações que a mãe lhe fez.</font><br>
</p><p><font>v) Aquando da instauração da ação de divórcio já tinha sido amortizada, de forma extraordinária, ao empréstimo bancário, a quantia total de €80.000,00, dos quais apenas €46.331,44 o foram com bens comuns do casal, sendo, na data da dissolução do casamento, a dívida ao 2º R. de apenas €60.641,01, em cuja amortização a R. deixou de participar, vindo o A. a efetuar o pagamento das prestações no valor mensal de €123,00.</font><br>
</p><p><font>vi) O A. investiu na compra da fração e na amortização do empréstimo bancário contraído para a respetiva aquisição um total de €186.149,98 provenientes de bens próprios, correspondente a 66,48% do valor da compra. </font><br>
</p><p><font>vii) Efetuou, também, o pagamento do IMI referente ao ano de 2017, no montante de €468,40.</font><br>
</p><p><font>viii) Na constância do matrimónio, foi, ainda, adquirido o veículo Renault Grand Espace, matrícula ..-GM-.., pelo preço de €22.000,00, para cujo pagamento os pais do A. lhe doaram a quantia de €12.000,00, e entregaram ao vendedor o veículo automóvel ... de matrícula ..-..-SZ, de que eram proprietários, ao qual foi atribuído valor de retoma de €1.500,00, pelo que apenas 38,64% do valor de compra do veículo em causa, correspondente aos €8.500,00, constitui bem comum do casal.</font><br>
</p><p><font>ix) Após a dissolução do casamento, o A. continuou a pagar o seguro e o IC do veículo no montante de €469,70, e €344,61, respetivamente, bem como pagou as despesas de manutenção do referido veículo no montante de €1.621,62.</font><br>
</p><p><b><font>2.</font></b><font> Citados, os Réus vieram contestar individualmente, sendo a R., </font><i><font>por</font></i><font> </font><i><font>impugnação</font></i><font>, pugnando pela improcedência da ação.</font><br>
</p><p><b><font>3.</font></b><font> Realizou-se audiência prévia, na qual o Autor “prescindiu” dos pedidos formulados contra o Réu, tendo sido proferido </font><b><font>despacho</font></b><font> que absolveu o Réu da instância quanto aos pedidos 2 e 3; Mais foi proferido despacho que saneou o processo, fixou o objeto da lide, elencou os factos já provados, e enunciou os temas da prova.</font><br>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Proferida decisão, o Tribunal de 1.ª instância julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência declarou que o Autor investiu na compra da fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ...º, situada Rua ..., ..., ... ..., a quantia total de €125.000,00, proveniente de bens próprios, e absolveu a Ré do demais peticionado.</font><br>
</p><p><b><font>5.</font></b><font> Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação.</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, sendo o teor decisório o seguinte: “Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, alterando-se, em consequência, a sentença recorrida, e, julgando a ação parcialmente procedente, declara-se que: 1) a fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ...º, situada na Rua ..., ..., ... ... (atual endereço), constitui bem próprio do A.; 2) o veículo automóvel de marca Renault Grand Espace, matrícula ..-GM-.., constitui bem próprio do A.</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada, a Ré BB veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª O presente recurso é interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou procedente a apelação do Autor, alterando a sentença recorrida, no sentido de alterar a natureza jurídica da fração e do veículo automóvel, passando a considerá-los bens próprios do Recorrido, ao invés da sentença recorrida que tinha mantido a natureza de bens comuns.</font><br>
</p><p><font>2.ª A decisão de que ora se recorre padece de erros na aplicação do direito, bem como na sua fundamentação.</font><br>
</p><p><font>3.ª O tribunal a quo fundamentou a sua decisão nas declarações do Autor, ora Recorrido, e nos depoimentos indiretos das testemunhas por este indicadas: CC e DD.</font><br>
</p><p><font>4.ª O Supremo Tribunal de Justiça é competente para conhecer se a fundamentação da matéria de facto obedece aos parâmetros legais estabelecidos, nomeadamente, no que respeita à admissibilidade e valoração atribuída às declarações de parte do Recorrido e aos depoimentos indiretos das testemunhas arroladas.</font><br>
</p><p><font>5.ª É certo que o STJ, “</font><u><font>pode e deve (…) avaliar da legalidade do uso dos poderes de livre apreciação da prova </font></u><font>(...) até onde tal lhe for possível, ou seja, ao menos até à exigência de que tal processo de formação da convicção seja devidamente objectivado e motivado e que o resultado final esteja em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivada.” (Ac. STJ, Proc. nº 03P3766, de 15/01/2004) (sublinhado nosso).</font><br>
</p><p><font>6.ª O Tribunal a quo entendeu que o tribunal de primeira instância desconsiderou, a priori, as declarações de parte do A., por considerar que as mesmas deveriam ser ponderadas no cotejo da restante prova produzida. No entanto, a primeira instância ponderou todo o conteúdo das declarações do Recorrido e concluiu que “</font><i><font>dado o seu interesse na decisão da causa a seu favor, e sendo certo que no âmbito destas o mesmo não reconheceu nenhum facto que o desfavorecesse, tendo o mesmo já exposto a sua versão dos factos nos articulados, não revestiam qualquer relevância probatória.”</font></i><br>
</p><p><font>7.ª O tribunal de primeira instância não desacreditou, à priori, as declarações de parte do A., antes pelo contrário, analisou a forma como o Recorrido as prestou, a sua coerência e verosimilhança, tendo em conta a situação concreta e as regras de experiência comum.</font><br>
</p><p><font>8.ª Aliás, tal como resulta da jurisprudência maioritária, nada obsta a que as declarações e os depoimentos de parte sejam apreciadas livremente pelo julgador, mas “(…) </font><i><u><font>desde que observada a devida cautela. pois por natureza é um depoimento interessado</font></u></i><font>” e que a “</font><i><u><font>prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes.”</font></u></i><font> (Ac. TRG, Processo n.º 294/16.0Y3BRG.G1, de 18/01/2018) (sublinhado nosso)</font><br>
</p><p><font>9.ª O tribunal de primeira instância apreciou as declarações de parte do Recorrido, dentro dos limites da livre apreciação da prova a que está sujeito, constatando que este se limitou a reproduzir o conteúdo dos seus articulados, não reconheceu ou confessou nenhum facto que lhe fosse desfavorável, pelo que, atendendo ao seu interesse na causa, pouco ou nada acrescentou do ponto de vista probatório.</font><br>
</p><p><font>10.ª Dado o interesse direto na causa por parte do Recorrido, haverá que aplicar analogicamente os arts. 393º a 395º do CC., quanto à inadmissibilidade/exclusão das declarações de parte e à sua valoração. Tais preceitos impõem exclusões à admissibilidade da prova testemunhal cuja razão de ser radica na falibilidade da mesma, tida como inidónea para provar determinados factos com um grau de certeza que as testemunhas e as partes não podem dar (In “As Declarações de Parte. Uma síntese”, de Luís Filipe Pires de Sousa, Juiz Desembargador, Abril de 2017).</font><br>
</p><p><font>11.ª Por isso, em nome da previsibilidade e segurança do tráfego jurídico, a lei dá prevalência a prova documental sobre a prova testemunhal, coartando a apetência das partes para recorrerem a esta com intuitos de infirmar aquela.</font><br>
</p><p><font>12.ª Por outro lado, o Tribunal da Relação, entendeu que a primeira instância, também tinha desconsiderado os depoimentos das testemunhas, CC e DD, aprioristicamente.</font><br>
</p><p><font>13.ª Ao contrário do entendimento do tribunal a quo, a sentença recorrida apreciou devidamente os depoimentos das testemunhas CC e DD, mas não os considerou relevantes, porque estas apenas relataram aquilo que o Recorrido, ou a mãe deste lhes contaram, não conhecendo diretamente sobre tal matéria fáctica e nada acrescentando à convicção do juiz relativamente à matéria em discussão, concluindo, e bem, que os “</font><i><font>depoimentos das demais testemunhas inquiridas não revestiram relevância probatória porquanto as mesmas não demonstraram conhecimento directo nem tiveram intervenção nestes, limitando-se a reproduzir o que lhes foi transmitido pelo Autor ou pela Ré.</font></i><font>”</font><br>
</p><p><font>14.ª Acresce que os depoimentos destas testemunhas, também, não foram corroborados pela prova documental dos autos e, atendendo ao que acima se deixou escrito, relativamente aos artº 393º a 395º do CC, em nome da previsibilidade e segurança do tráfego jurídico, a lei dá prevalência a prova documental sobre a prova testemunhal, coartando a apetência das partes para recorrerem a esta com intuitos de infirmar aquela.</font><br>
</p><p><font>15.ª Pelo que, tendo sido devidamente apreciados as declarações de parte do Recorrido e os depoimentos das testemunhas e, não existindo prova documental que corrobore o alegado por estes, deve o entendimento sufragado pelo tribunal de primeira instância, prevalecer sobre o decidido pelo Tribunal da Relação, não se atribuindo qualquer relevância probatória às declarações de parte do Recorrido, bem como aos depoimentos das testemunhas CC e DD.</font><br>
</p><p><font>16.ª O depoimento da testemunha EE, também foi apreciado, pelo tribunal de primeira instância. No entanto, não pode deixar o mesmo de ser confrontado com a restante prova existente nos autos.</font><br>
</p><p><font>17.ª E, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, ponderada toda a prova documental com o depoimento desta testemunha, o tribunal de primeira instância considerou que, do “</font><i><font>confronto dos documentos e depoimento acima referenciados verificou-se que apesar da existência de transferências provenientes da mãe do Autor para a conta do Barclays utilizada para pagamento das despesas do casal estas não correspondem às parcelas da amortização do empréstimo que igualmente saíam dessa conta, e que para além dos rendimentos do trabalho do A. esta espelha igualmente</font></i><font> </font><i><font>investimentos em variados produtos financeiros, pelo que não suscitando dúvidas a existência das doações da mãe do Autor ao mesmo referidas no depoimento desta </font></i><i><u><font>a prova produzida não foi idónea a demonstrar a sua utilização apenas para a amortização do empréstimo.”</font></u></i><font> (sublinhado nosso), pelo que, resulta evidente que o tribunal de primeira instância, apesar de sucintamente, ponderou e fundamentou a decisão por si proferida, face à totalidade da prova produzida.</font><br>
</p><p><font>18.ª Acresce que, da fundamentação do acórdão recorrido, o Tribunal da Relação considerou que, os extratos bancários da conta conjunta do extinto casal do Barclays (IBAN: ...09),</font><i><font> “na sua maioria não são completos, tendo sido junta apenas uma parte das folhas dos mesmos, e não são seguidos, tendo sido juntos, apenas, os referentes a alguns meses, não permitindo uma visão completa das movimentações da conta, e por forma a permitir uma conclusão segura sobre a afetação dos dinheiros depositados.</font></i><br>
</p><p><font>19.ª Mais resulta daquele acórdão recorrido o seguinte:</font><i><font> “Por outro lado, consta dos referidos extratos, a existência de PPRe (...) a existência de ações em carteira, e, mesmo, compras e vendas de ações em montantes elevados (...) a demonstrar a opção do A. por outro tipo de aforro, e </font></i><i><u><font>suscitando dúvidas sobre a afetação exclusiva das quantias depositadas pela testemunha EE nesta conta às amortizações em causa, sendo certo que a mesma referiu que dava o dinheiro ao filho, mas era este que decidia o que fazia com ele</font></u></i><i><font>.”</font></i><br>
</p><p><font>20.ª Note-se que, todas os rendimentos do casal eram depositados nas contas de que eram titulares, fossem eles provenientes dos rendimentos de trabalho do Recorrido, dos instrumentos financeiros por este subscritos, ou os provenientes de doações dos seus pais. Bem assim, todas as despesas do casal eram pagas com o saldo destas contas, não se excluindo, assim, as amortizações do empréstimo, as despesas fiscais e notariais, associados à aquisição da fração sita no ..., bem como a aquisição do veículo automóvel de marca Renault Grand Espace, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo.</font><br>
</p><p><font>21.ª Ora, se para o Tribunal da Relação não resultou claro que os montantes (muito variados) das transferências feitas pela mãe do A. para a conta do Barclays, já na constância do casamento deste com a Ré., não fossem para o casal, não pode concluir que as doações de montante mais elevado do que o habitual e em momento próximo de uma amortização, foram realizadas em benefício exclusivo do Recorrido, até porque dos autos não constam os extratos completos (tal como salienta o próprio tribunal a quo), desconhecendo-se, por isso, se houve ou não outras transferências, noutros períodos temporais, de montantes mais elevados do que o habitual que pudessem, ou não, aproveitar ao ex-casal.</font><br>
</p><p><font>22.ª Com o devido respeito, entende a Recorrente que, apesar do depoimento da testemunha EE, as quantias transferidas para a conta comum do casal, foram sempre realizadas em proveito de ambos devendo, por isso, prevalecer a posição sufragada pelo tribunal de primeira instância, já que o tribunal a quo valorou para além daquilo que é legalmente admissível, violando a limitação imposta pelos artº 393º a 395º do CC, relativamente à prevalência da prova documental sobre a prova testemunhal.</font><br>
</p><p><font>23.ª Pelo que, é evidente que as quantias depositadas pela mãe do Recorrido na conta conjunta deste e da Recorrente, tais como outras doações, nomeadamente, em géneros e por dispensa da empregada, ao longo da vida conjugal, destinavam-se a ajudar o casal na sua economia familiar, de acordo com as prioridades definidas por este, sendo certo que têm quatro filhos em idade escolar e a Recorrente não exercia qualquer atividade profissional, cuidando da casa e dos filhos.</font><br>
</p><p><font>24.ª Pelo que, não poderá ser assacada conclusão diferente senão a de que todas as quantias doadas pelos pais do Recorrido, foram sempre feitas em favor dos dois cônjuges, conjuntamente.</font><br>
</p><p><font>25.ª Independentemente do entendimento adotado pelo Tribunal da Relação, por força dos artsº 944º nº 1, 1725º e 1729.º nº 1 do Código Civil, os valores depositados na conta conjunta do casal, presumem-se comuns, pelo que devem ser consideradas doações em favor da comunhão. Aliás, reforça tal entendimento, o disposto nos artigos 512.º e 516.º do C.C. e no artigo 780.º do C.P.C., que presume que os depósitos bancários com vários titulares, são compropriedade destes, em partes iguais.</font><br>
</p><p><font>26.ª Conforme resulta da sentença e do acórdão recorridos, os pais do Recorrido sabiam que a conta bancária do Barclays, ...09, para onde foram transferidos os montantes doados pelos pais do Recorrido, era uma conta conjunta, cotitulada por este e pela Recorrente.</font><br>
</p><p><font>27.ª Acresce que, não resultando da matéria de facto provada consagrada na sentença e no acórdão recorridos, que a mãe do Recorrido tenha declarado, aquando dos depósitos na conta conjunta do casal, que tais montantes que aí depositava consubstanciavam doações exclusivamente a favor do seu filho, todas as quantias depositadas devem ser entendidas como feitas em favor dos dois cônjuges conjuntamente, para fazer face às despesas da sua vida em comum, não tendo, por isso, o Recorrido conseguido ilidir a presunção de que tais montantes são comuns, nos termos do artigo 944.º, n.º 1, 1725.º e 1729.º, n.º 1 do C.C.</font><br>
</p><p><font>28.ª Note-se que, no que respeita aos certificados de aforro, que foram resgatados e depositados nas contas da Recorrente e do Recorrido, os mesmos, chegaram a ter como movimentadoras, a mãe do Recorrido e a própria Recorrente. Pelo que, segundo as regras de experiência comum, se a doação não fosse destinada ao casal, os pais do Recorrido (doadores)nunca teriam designado a Recorrente como movimentadora daqueles certificados e, por isso, sempre os mesmos, deverão ser considerados como bens comuns.</font><br>
</p><p><font>29.ª Dúvidas não restam, pois, que todos os montantes depositados nas contas com o IBAN PT50 ...09 e IBAN ...55, tituladas pela Recorrente e pelo Recorrido, efetuados pela mãe do Recorrido, deverão ser considerados doações em favor do ex-casal, sendo, por isso, bens comuns.</font><br>
</p><p><font>30.ª Quanto à aquisição da fração designada pelas letras ... do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., inscrita na matriz sob o artigo ...º, situada na Rua ..., ..., ... ..., a natureza do bem deverá manter a sua qualidade de bem comum.</font><br>
</p><p><font>31.ª Isto porque, tal como dispõe a alínea c) do artigo 1723.º do C.C.: </font><i><font>“conservam a qualidade de bens próprios os bens adquiridos (...) com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documentação equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”.</font></i><br>
</p><p><font>32.ª Nos autos em apreço, a escritura de compra e venda da fração em causa, para além de ter sido subscrita por ambos os cônjuges, nada refere quanto à proveniência dos valores que serviram de base ao pagamento do preço do imóvel.</font><br>
</p><p><font>33.ª Relativamente a esta discussão, existem duas correntes dominantes na doutrina e na jurisprudência. A primeira, que entende que o artigo 1723.º, alínea c) do C.C., deve ser interpretado no sentido literal, ou seja, se do documento de aquisição não constar a proveniência do dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, considerar-se-á sempre que o bem é comum. A segunda entende que tal preceito deverá ser objeto de uma interpretação restritiva e, só deve ser aplicado, no caso de estar em causa interesses de terceiros.</font><br>
</p><p><font>34.ª O acórdão recorrido sufragou esta última tese, e considerou que os bens constituem património próprio do Recorrido, seguindo o AUJ n.º 12/2015 do STJ, Processo n.º 899/10.2TVLSB.L2.S1, de 02/07/2015.</font><br>
</p><p><font>35.ª Os acórdãos de uniformização de jurisprudência apenas têm caráter vinculativo no processo em que são proferidos, não tendo qualquer força obrigatória geral, limitando-se a consubstanciar um critério orientador nos casos semelhantes.</font><br>
</p><p><font>36.ª A Recorrente entende que, a situação em apreço, não tem qualquer semelhança com a situação discutida naquele AUJ. Isto porque, para além de, nestes autos, ambos os cônjuges terem estado presentes na escritura da aquisição do imóvel, da mesma, também, não fizeram constar, qual a proveniência dos dinheiros com que realizaram o pagamento do preço, tendo inclusive ambos contraído neste ato, um mútuo com hipoteca sobre aquela fração, garantindo-se ambos (e não só o Recorrido), por tal obrigação. Só por si, isto mesmo já seria suficiente para não haver qualquer dúvida de que o bem teria sempre que revestir a natureza de bem comum.</font><br>
</p><p><font>37.ª O mesmo entendimento é sufragado pela Prof. Rita Lobo Xavier, que, resumindo, defende que os requisitos previstos na al. c) do art. 1723º CC. são requisitos de natureza absoluta, razão pela qual a omissão da indicação da proveniência do dinheiro ou valores empregues na aquisição dos bens no respetivo documento de aquisição e a não intervenção de algum dos cônjuges implica necessariamente que tais bens sejam considerados comuns, sem que haja a possibilidade de se alterar essa sua natureza, mesmo que ulteriormente se venha a demonstrar que tais bens foram adquiridos com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, caso em que, este, apenas terá direito a ser compensado pelo património comum (Retirado de “Sub-rogação real indireta – comentário ao AUJ n.º 12/2015, de 13 de outubro, de Mariana Fidalgo Online, julho de 2017).</font><br>
</p><p><font>38.ª A lei não distingue entre o interesse dos cônjuges e o interesse dos credores, pelo que não cabe ao intérprete fazê-lo. A segurança e a estabilidade das relações jurídicas impõem uma solução unívoca, não se afigurando correto que os bens passem a ter ora natureza comum, ora natureza própria em função dos interesses em presença, quer estejamos perante uma relação entre cônjuges ou com terceiros.</font><br>
</p><p><font>39.ª Acresce que, aquele AUJ, ao qual o tribunal a quo recorre para alterar a natureza do bem, foi objeto de vários votos de vencido, dos quais se destacam os seguintes: o do Juiz Conselheiro Orlando Viegas Martins Afonso, que entende que o art. 1723.º c) do CC não permite a interpretação de que a exigência naquele feita relativamente à proveniência do dinheiro ou dos valores mencionada no documento de aquisição, não se aplica quando estão em causa apenas os interesses dos cônjuges porque a lei não faz qualquer distinção entre interesses dos cônjuges e interesses de terceiros, e, portanto, decidindo-se, como se decidiu, está-se por via interpretativa a dar o que só a lei pode conceder. Aliás, não faz sentido que um bem imóvel possa ao mesmo tempo ser considerado próprio e comum conforme se dirija a interesses dos cônjuges ou a interesses de terceiros. Mais refere que a interpretação que permite que a prova da proveniência do dinheiro ou de quais quer outros valores utilizados na aquisição de um bem imóvel possa ser feita por qualquer meio contradiz o disposto no art. 364.º do CC.</font><br>
</p><p><font>40.ª No mesmo sentido, Tavares de Paiva, também como voto de vencido naquele AUJ, defendeu o sufragado pelo Juiz Conselheiro Orlando Afonso, acrescentando o facto de que a falta de menção da proveniência do dinheiro ou valores com que a aquisição seja feita constitui presunção iuris et de iure de que estes meios são comuns não só para efeitos de qualificação dos bens adquiridos, mas também para o acerto das relações entre o património comum (seria este, em princípio, o devedor na hipótese em exame) e o património próprio de cada cônjuge, devendo, por isso, aplicar-se os requisitos do citado art. 1723 alínea c) do C Civil, quer estejam em causa apenas interesses dos cônjuges, quer interesses de terceiros, máxime credores, não havendo, por isso, lugar a distinções que a norma não faz.</font><br>
</p><p><font>41.ª Assim, ambos consideram que o entendimento do STJ no AUJ, ao admitir que, nas relações entre os cônjuges, a falta dos requisitos do art. 1723º alínea c) do C Civil possa ser substituída por qualquer meio de prova viola o preceituado no citado art. 364º do C. Civil.</font><br>
</p><p><font>42.ª Nota-se, pois, que tais votos de vencido vão no sentido do defendido nos autos pela Recorrente, uma vez que tal como resulta da lei, a solução defendida pelo tribunal a quo, colide com a disciplina imperativa do art. 364º nº 1, com referência ao art. 875º, ambos do CC. A compra e venda de imóveis deve ser celebrada por escritura pública ou documento particular autenticado, não podendo essa forma de declaração ser substituída por outro meio de prova ou outro documento que não seja de força probatória superior.</font><br>
</p><p><font>44.ª Em suma, no caso em apreço, da escritura de aquisição nada consta sobre a proveniência dos valores empregues no pagamento do bem, não existe documento probatório superior em que a Recorrente e o Recorrido reconheçam que a fração foi adquirida com bens próprios deste, nem a Recorrente confessou nos autos, essa circunstância, pelo que, deverá o bem imóvel manter a natureza do bem comum.</font><br>
</p><p><font>45.ª Por outro lado, ao contrário do entendimento do tribunal a quo e do AUJ, entende a Recorrente que existem terceiros afetados pela alteração da natureza do bem, nomeadamente, o banco credor, que celebrou o mútuo com hipoteca na convicção de que o bem hipotecado era de ambos os cônjuges. O empréstimo a que a Recorrente e o Recorrido recorreram para poderem comprar o imóvel integra o património conjugal comum, sendo certo que os ex-cônjuges são devedores solidários e responsáveis pelas obrigações decorrentes daquele perante o terceiro credor (Banco).</font><br>
</p><p><font>46.ª A manter-se a solução preconizada pelo Tribunal recorrido, a mesma terá efeitos distintos consoante se esteja perante relações “intra-cônjuges” ou perante relações “extra-cônjuges”, o que vai contra a segurança jurídica, corolário do princípio do estado de direito democrático, constitucionalmente consagrado no artº 2º da CRP. O Recorrido passará a ser o único proprietário do imóvel, mas nas relações “extra-cônjuges”, a Recorrente continuará a responder perante o Banco credor, relativamente à obrigação assumida decorrente do crédito à habitação destinado à sua aquisição.</font><br>
</p><p><font>47.ª O mesmo se dirá relativamente à Administração Tributária, que também, se configura como terceiro em relação aos cônjuges, estando a Recorrente obrigada ao pagamento dos impostos decorrentes da aquisição do imóvel e respetiva titularidade, a saber, IMT, IS e IMI, assim como nas relações com o condomínio da fração em causa nos autos e demais condóminos, em que a Recorrente continuará responsável pela comparticipação nestas despesas, inclusive, por todos os danos emergentes de sinistros que vierem a ocorrer nesta fração.</font><br>
</p><p><font>48.ª Ou seja, adotando como válido o entendimento do Tribunal a quo, a Recorrente será responsabilizada por todas as obrigações e prejuízos decorrentes da propriedade da fração em causa nos autos, apesar de não poder colher qualquer benefício da mesma, pois tal bem é próprio do Recorrido, sendo tal tese incompreensível e contrária aos princípios base do estado de direito.</font><br>
</p><p><font>49.ª Nada tendo sido mencionado no documento de aquisição quanto à proveniência dos montantes com que procederiam ao pagamento do preço e respetivas amortizações do empréstimo, a vontade declarada da Recorrente e do Recorrido, aquando da compra da fração autónoma supra descrita, sem dúvida, era a de que o bem se destinava ao património comum. E se fosse intenção daquele que a fração fosse apenas sua, disso teria feito menção no ato da escritura, o que não sucedeu.</font><br>
</p><p><font>50.ª Por outro lado, relativamente às doações que os pais do Recorrido efetuaram em favor deste e da Recorrente, caso quisessem que as mesmas fossem afetas apenas ao proveito próprio do filho, teriam sempre que o declarar.</font><br>
</p><p><font>51.ª Também o Recorrido, no momento da celebração do contrato, optou por não fazer qualquer menção à natureza própria do dinheiro empregue no pagamento do preço, com intenção de que o bem fizesse parte do património comum do casal.</font><br>
</p><p><font>52.ª E, se os cônjuges não mencionaram no documento de aquisição que o bem estava a ser adquirido com valores próprios do Recorrido, as despesas notariais e fiscais não podem ser desassociadas do sentido da declaração negocial constante do documento autêntico no qual foi exarado o contrato de aquisição da fração autónoma ... e, por conseguinte, as despesas afetas à aquisição daquele bem (IS, IMT e despesas notariais) devem ser, igualmente, tratados como bens comuns.</font><br>
</p><p><font>53.ª Razões pelas quais deve manter-se a sentença proferida em primeira instância que considerou que a fração em discussão é bem comum.</font><br>
</p><p><font>54.ª Relativamente ao veículo automóvel de marca R | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LjJru4YBgYBz1XKvSgWt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><div><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></div><br>
<br>
<font> </font>
<p><b><font>I. Relatório</font></b><br>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font>, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta pela morte de sua mãe, BB, propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra </font><b><font>CC,</font></b><font> pedindo que o Tribunal declare como fazendo para da herança a partilhar o montante de €115 000,00 sacados da conta da autora da herança através do cheque nº .....80 da conta nº ........92 do Millennium BCP, ser o pretenso contrato de mútuo declarado nulo nos termos e para os efeitos dos artigos 1143º, 364º, nº 1 e 220º do Código Civil Português e ser o Réu condenado a restituir à herança o montante de €115 000,00 (cento e quinze mil euros), nos termos e para os efeitos do artigo 299º, 1, do Código Civil Português.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que foi descontado/pago da conta da sua mãe, na Agência de ......, um cheque com o n.º .....80 no valor de € 115.000,00, decorridos cerca de 15 dias após a sua morte, supostamente passado pela sua mãe ao outro herdeiro, CC, ora Réu. Essa quantia deve ser devolvida à herança, pois não há motivo que justifique tal transferência.</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citado o Réu veio contestar, defendendo-se por exceção, invocando a incompetência internacional dos tribunais portugueses e a ineptidão da petição inicial, e por impugnação, impugnando os factos articulados pela Autora e referindo que emprestou a referida quantia à mãe para que esta fizesse face a despesas, numa altura em que não tinha dinheiro disponível. </font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido saneador onde se julgou improcedente as matérias das exceções e fixados os temas da prova.</font>
</p><p><b><font>4</font></b><font>. Realizada a audiência de julgamento foi proferida a seguinte decisão:</font><br>
</p><p><font>“…o Tribunal, julgando a presente acção procedente, decide condenar o réu a restituir à massa da herança de BB, a quantia de €115 000 (cento e quinze mil euros)”. </font><br>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformado com esta decisão, o Réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ......</font><br>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação de ..... veio a “julgar procedente a apelação, em consequência revogam a decisão recorrida que substituiu por estoutra que julga a acção improcedente por não provada, absolvendo-se o Réu do pedido.”</font><br>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font><br>
</p><p><font>1.ª A ora Recorrente propôs contra o ora Recorrido acção declarativa tendo em vista que o Tribunal declarasse como fazendo parte da herança da falecida mãe de ambos o montante de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros), e condenasse o Réu à respectiva restituição;</font><br>
</p><p><font>2.ª Isto porque veio a Autora a ter conhecimento de que o Recorrido havia descontado da conta da sua mãe o referido montante através de cheque, decorridos quinze dias da morte da de cujus, tendo o Réu em sede de procedimento cautelar anterior à presente acção alegado que tal cheque serviria para pagamento de um alegado mútuo, tendo o Réu junto um suposto “recibo de empréstimo” que foi devidamente impugnado por conter rasuras;</font><br>
</p><p><font>3.ª Razão pela qual a Autora na sua Petição Inicial peticionou que o mútuo fosse declarado nulo e o montante de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) fosse consequentemente reintegrado na massa da herança;</font><br>
</p><p><font>4.ª Nos referidos autos ficou provado à saciedade que foi o Réu quem preencheu o cheque e que não existia qualquer contrato de mútuo que justificasse tal movimentação;</font><br>
</p><p><font>5.ª O Tribunal de 1ª Instância, face a toda a prova produzida, julgou procedente a acção intentada pela Autora, condenando o Réu ora Recorrido a restituir à massa da herança de BB, a quantia de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros).</font><br>
</p><p><font>6.ª Porém, veio o Réu recorrer para o Tribunal da Relação de ...... que julgou procedente o Recurso interposto.</font><br>
</p><p><font>7.ª Contudo, e salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com o douto Acórdão que faz uma errada aplicação das normas de Direito, e acima de tudo é injusto no que respeita à verdade material dos factos apurados em sede de julgamento, senão vejamos</font><br>
</p><p><font>8.ª Ao contrário do que resulta do douto Acórdão a respeito do ónus da prova, a Autora, ora Recorrente alegou os factos, juntou as provas que tinha em sua posse, produziu prova testemunhal e requereu ao Tribunal que ordenasse ao réu que juntasse o original do contrato de mútuo, os comprovativos dos levantamentos de dinheiro que supostamente teria entregue à sua mãe, o original do alegado recibo de empréstimo e que ordenasse perícia para apurar a veracidade das assinaturas apostas e a autenticidade dos documentos juntos pelo Réu;</font><br>
</p><p><font>9.ª Sendo certo que, nem o Réu juntou aos autos tais documentos, nem o Tribunal de 1ª Instância deferiu a realização de perícia;</font><br>
</p><p><font>10.ª O nº2 do art. 342.º do Código Civil prevê expressamente uma inversão do ónus da prova quando esteja em causa a prova de factos negativos;</font><br>
</p><p><font>11.ª E, tendo sido o Réu a juntar em sede de Procedimento Cautelar e nos presentes autos um “recibo de empréstimo”, como poderia a Autora provar que a sua mãe nunca celebrou um contrato de mútuo com o Réu ora Recorrido?!</font><br>
</p><p><font>12.ª Ao invés, cabia ao Réu provar que efectivamente tal contrato por si alegado foi efectivamente celebrado, que entregou o montante de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) à de cujus e que o cheque em causa no caso sub judice que o Réu preencheu e depositou na sua conta, havia sido emitido e assinado pela sua mãe para pagamento do alegado empréstimo;</font><br>
</p><p><font>13.ª Ainda que não conste do elenco de factos considerados como provados, resultou provado à saciedade que a de cujus nunca teve problemas financeiros, e que era ela quem emprestava dinheiro aos filhos e não o contrário, sendo ainda absolutamente inverosímil que uma senhora transmontana de 83 anos que levava uma vida comedida no Brasil, que como é facto notório tem das maiores taxas de criminalidade do mundo, pedisse € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) em dinheiro (numerário) para fazer face a despesas correntes de 2 meses;</font><br>
</p><p><font>14.ª Como resulta da sentença do Tribunal de Primeira Instância o Réu não logrou provar de forma alguma “</font><b><font>as</font></b><font> </font><b><font>circunstâncias</font></b><font> </font><b><font>concretas</font></b><font> </font><b><font>em</font></b><font> </font><b><font>que</font></b><font> </font><b><font>o</font></b><font> </font><b><font>cheque</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>€</font></b><font> </font><b><font>115.000,00</font></b><font> </font><b><font>(cento</font></b><font> </font><b><font>e</font></b><font> </font><b><font>quinze</font></b><font> </font><b><font>mil</font></b><font> </font><b><font>euros)</font></b><font> </font><b><font>chegou</font></b><font> </font><b><font>à</font></b><font> </font><b><font>conta</font></b><font> </font><b><font>bancária</font></b><font> </font><b><font>do</font></b><font> </font><b><font>Réu,</font></b><font> </font><b><u><font>bem se havia</font></u></b><font> </font><b><u><font>fundamento para a existência de tal depósito</font></u></b><u><font>.</font></u><font>” (sublinhados nossos).</font>
</p><p><font>E que </font><u><font>“</font></u><b><u><font>não se provou que o montante sacado da conta da mãe da autora e</font></u></b><font> </font><b><u><font>do réu, mediante cheque de € 115 000, tivesse correspondido ao</font></u></b><font> </font><b><u><font>pagamento de qualquer empréstimo que o réu tivesse efectuado àquela</font></u></b><font> </font><b><u><font>antes do seu decesso</font></u></b><u><font>.</font></u><font>” (sublinhados nossos).(…)</font>
</p><p><font>“</font><b><u><font>Resulta, contudo, da matéria de facto provada, que o réu viu integrar no</font></u></b><font> </font><b><u><font>seu património tal quantia, sem que tivesse conseguido fundamentar o</font></u></b><font> </font><b><u><font>motivo para tal evento</font></u></b><font>.” (sublinhados nossos)</font><br>
</p><p><font>15.ª Não existindo contrato de mútuo, não teria cabimento analisar da respectiva nulidade, não merecendo por isso qualquer reparo a sentença de Primeira Instância ao considerar que tal situação configura um claro enriquecimento sem causa, previsto no art. 473.º, n.º1 e 2 do Código Civil;</font><br>
</p><p><font>16.ª Sendo certo que, ainda que assim não fosse o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona sem contudo conceder, se efectivamente por absurdo os factos dados como provados pudessem configurar a existência de um contrato de mútuo, este suposto contrato sempre teria de ser declarado nulo, nos termos e para os efeitos dos artigos 1143.º e 364.º, n.º1 do Código Civil;</font><br>
</p><p><font>17.ª O Tribunal da Relação veio ainda alterar a redacção da alínea h) dos factos considerados como provados, o que salvo o devido respeito, constituiu excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 635.º do Código de Processo Civil;</font><br>
</p><p><font>18.ª O pedido de alteração da referida redacção não consta nem das alegações, nem das conclusões do Réu ora Recorrido, nem tão pouco se trata de uma questão de conhecimento oficioso, tratando-se por isso de matéria já transitada em julgado, pelo que não poderia o douto Tribunal da Relação ter-se pronunciado a respeito da mesma;</font><br>
</p><p><font>19.ª Face ao exposto, tendo ocorrido excesso de pronúncia por parte do Tribunal ad quem, estamos perante uma causa de nulidade do Acórdão, nos termos e para os efeitos dos arts. 666.º e 615.º, n.º1, alínea d) in fine do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>20.ª Por sua vez, entendeu ainda o Tribunal da Relação que o Tribunal de Primeira Instância não poderia ter aplicado o instituto do enriquecimento sem causa uma vez que não se encontra demonstrada que na origem da emissão e do desconto do cheque esteja qualquer actuação do Réu, entendimento com o qual a Recorrente não se poderá conformar;</font><br>
</p><p><font>21.ª O Réu juntou em sede de procedimento cautelar devidamente identificado nos autos um alegado recibo que constituía uma certificação de fotocópia feita em Portugal de uma certificação de fotocópia feita em São Paulo datada de 07.11.2013 e depois na acção principal um novo recibo com a assinatura reconhecida por semelhança em 09.07.2016, ou seja, 4 anos depois da morte da de cujus;</font><br>
</p><p><font>22.ª Sendo que, como se chamou à atenção do Tribunal de Primeira Instância se tratavam de dois documentos diferentes, bastando sobrepô-los para aferir das diferenças, documentos esses não legalizados no Consulado e rasurados;</font><br>
</p><p><font>23.ª E, tendo a Autora requerido que o Réu o viesse juntar aos autos nos termos e para os efeitos do art. 429.º do Código de Processo Civil, o Réu nunca o fez.</font><br>
</p><p><font>24.ª A Autora provou efectivamente que não só o Réu enriqueceu à custa da massa da herança, como também que o Réu o fez sem qualquer causa demonstrativa;</font><br>
</p><p><font>25.ª O douto Tribunal de Primeira Instância, face a toda a prova produzida, formou e bem a convicção de que não existiu qualquer contrato de mútuo, nem qualquer outra justificação para que o Réu se fizesse pagar do montante de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros), pelo que não merece qualquer reparo a sentença do referido Tribunal que condenou ao Réu ora Recorrido a restituir à massa da herança tal montante, por ser esta a única decisão compatível com a mais elementar justiça.</font><br>
</p><p><font>26.ª No entanto ainda que assim não se entendesse o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona sem contudo conceder, mais uma vez, e salvo o devido respeito, houve excesso de pronúncia por parte do Tribunal da Relação uma vez que nas alegações do Recorrente e nas suas conclusões não consta qualquer menção ao instituto do enriquecimento sem causa ou à sua inaplicabilidade.</font><br>
</p><p><font>27.ª Pelo contrário, o Réu limitou-se a arguir a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º1 b) e c) do Código de Processo Civil, pelo que, e tendo ocorrido excesso de pronúncia do Tribunal ad quem, estamos perante uma causa de nulidade do Acórdão, nos termos e para os efeitos do art. 666.º e 615.º, n.º1, alínea d) in fine do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>28.ª Por último, refere o douto Tribunal da Relação o disposto no art. 33.º da LUCH, porém o que está em causa não é a extinção dos efeitos do cheque. O que está em causa é o facto de o Réu ter preenchido um cheque cuja assinatura foi devidamente impugnada, e ter-se feito pagar do montante de € 115.000,00 (cento e quinze mil euros) quinze dias depois da morte da sua mãe, alegando para o efeito que lhe havia feito um empréstimo nesse montante em numerário que o Tribunal de Primeira instância considerou e bem nunca ter existido, pelo que condenou ao Réu a restituição à massa da herança, com o que se fez justiça.</font><br>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso. </font><br>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> O Réu contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, e concluindo pela improcedência do recurso.</font><br>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir.</font><br>
</p><p><b><font>II Delimitação do objeto do recurso</font></b><br>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:</font><br>
</p><p><font>- da nulidade do Acórdão, por excesso de pronúncia;</font><br>
</p><p><font>- reapreciação da matéria de facto pela Relação;</font><br>
</p><p><font>- enriquecimento sem causa.</font><br>
</p><p><br>
</p><p><font> </font><b><font>III. Fundamentação</font></b><br>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> A Autora e o seu irmão, CC, ora Réu, são os únicos filhos de BB, que morreu no estado de viúva e intestada. </font><br>
</p><p><b><font>1.2. </font></b><font>A Autora é cabeça de casal da herança aberta pela morte da sua mãe BB.</font><br>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Entre as partes supra identificadas corre seus termos processo de inventário com o n.º 2059/........... no Cartório Notarial de ...... do Sr. Dr. DD.</font><br>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> No âmbito do processo de inventário veio o ora Réu requerer nos termos do artº. 16.º, n.º3 do RJPI, a remessa para os meios judiciais comuns da questão suscitada quanto ao montante de € 115.000,00, sacado da conta bancária da inventariada, BB, a favor do interessado CC, ora Réu, e a prossecução do processo de inventário com vista à partilha.</font><br>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Por despacho datado de 27.09.2016, depositado na plataforma www.inventarios.pt sob o número ....284, foi determinado o deferimento da pretensão do interessado, prosseguindo o processo de inventário sem a verba reclamada até que haja decisão definitiva sobre a questão suscitada pela Autora acima devidamente identificada.</font><br>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> No dia 03 de Dezembro de 2012, a mãe da Autora e do Réu, já supra identificada, entrou em coma, tendo vindo a falecer 3 dias depois (06 de Dezembro de 2013).</font><br>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> A de cujus era titular de uma conta com o n.º ........92 e de várias aplicações financeiras junto do Millenium BCP, na agência sita na Rua ......................, N.º.., ....-... .......</font><br>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> Foi descontado/pago da conta da sua mãe, na Agência de ......, um cheque com o n.º .....83480 no valor de € 115.000,00, decorridos cerca de 15 dias após a sua morte, onde consta no lugar do sacado uma assinatura manuscrita com o nome de BB mãe do e como beneficiário, também manuscrito, CC, ora Réu </font><b><font>(alterado pelo Tribunal da Relação de ......)</font></b><font> </font><br>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> A Autora apresentou queixa-crime contra CC que correu termos na 3ª Secção de Processos dos Serviços do Ministério Público de ...... com o n.º 2861/13......, cujos autos foram arquivados em 23.03.2017.</font><br>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> BB tinha dinheiro aplicado em depósitos a prazo, um deles venceu-se e foi parar à conta corrente, sendo que o outro foi automaticamente renovado.</font><br>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> O vencimento do depósito a prazo que não foi automaticamente renovado foi no valor de € 120.000,00, no dia 03 de Dezembro de 2012. </font><br>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> Entre as partes correu ainda seus termos uma Providência Cautelar para conservação dos bens da herança com o Proc. N.º 3645/14.............., na … Unidade Local Cível do Núcleo de ......, Tribunal Judicial da Comarca de ..............</font><br>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> Em Novembro de 2012, BB estava em Portugal.</font><br>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> As sociedades Petrópolis Paulista Participações, Ldª e Águas Petrópolis Paulista, Ldª. no ano de 2012, não procederam à distribuição de dividendos.</font><br>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> A mãe da A. e R. deu uma viatura automóvel a um dos filhos da R.</font><br>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> O R. desempenha cargos nas sociedades Petrópolis Paulista Participações, Ldª e Águas Petrópolis Paulista, Ldª.</font><br>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Bem como no Sindicato Nacional de Águas Minerais.</font><br>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> É .... da sociedade R & B, Rastreabilidade, SA.</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>2. E deram como não provados os seguintes factos:</font></b><br>
</p><p><b><font>2.1. </font></b><font>No cheque referido em d) foi aposta data anterior.</font><br>
</p><p><b><font>2.2. </font></b><font>BB tinha quase todo o seu dinheiro aplicado em depósitos a prazo.</font><br>
</p><p><b><font>2.3.</font></b><font> O referido cheque referido em d) foi entregue ao Réu apenas assinado, com o restante preenchimento em branco para um qualquer pagamento e, depois da morte da sua mãe, o réu preencheu-o a seu favor, apesar de não estar autorizado a isso e com completo desconhecimento da sua irmã, ora A. </font><br>
</p><p><b><font>2.4.</font></b><font> Devido a idade avançada de BB (mais de 80 anos), a mesma já deixava todos cheques assinados. </font><br>
</p><p><b><font>2.5.</font></b><font> BB nunca tinha na sua posse dinheiro de elevado montante, pelo contrário, preferia fazer vários levantamentos de pequenos montantes, conforme as suas necessidades para não correr qualquer risco de furto ou roubo.</font><br>
</p><p><b><font>2.6.</font></b><font> Em momento algum, BB necessitou de algum empréstimo dos filhos. </font><br>
</p><p><b><font>2.7. </font></b><font>BB tinha disponíveis aproximadamente € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) na sua conta do Brasil. </font><br>
</p><p><b><font>2.8.</font></b><font> O Réu sempre dependeu financeiramente da sua mãe. </font><br>
</p><p><b><font>2.9.</font></b><font> BB assinou o cheque nº ...........77, datado de 04.12.2012, no montante de € 7 500, emitido a favor de EE, escultor, para pagamento da criação e construção de um busto de CC, pai da A. e R.. </font><br>
</p><p><b><font>2.10.</font></b><font> O depósito a prazo de € 120 000 referido em l) não foi renovado por vontade da mãe da A. e R., porquanto tal montante se destinava ao pagamento do empréstimo contraído perante o R, bem como a dívida ao escultor, EE. </font><br>
</p><p><b><font>2.11.</font></b><font> A mãe da A. e R. acordou com o R. e com o escultor EE que o pagamento dos cheques por si emitidos e entregues seriam apresentados a pagamento, apenas, após o vencimento da aplicação de €120 000. </font><br>
</p><p><b><font>2.12.</font></b><font> E foi, no cumprimento de tal acordo, que o réu e o escultor EE procederam à apresentação dos cheques emitidos, anteriormente entregues pela mãe da A. e R., apenas no vencimento da referida aplicação.</font><br>
</p><p><b><font>2.13.</font></b><font> A mãe da A. e R. tinha quase todos os seus activos em aplicações financeiras.</font><br>
</p><p><b><font>2.14.</font></b><font> Sendo que, a mesma tinha como exclusiva fonte de rendimento, os lucros das sociedades Petrópolis Paulista Participações, Ldª e Águas Petrópolis Paulista, Ldª. </font><br>
</p><p><b><font>2.15. </font></b><font>Foi por força da situação referida em o) que a mãe da A. e R. teve necessidade de solicitar ao R. o empréstimo de € 115 000. </font><br>
</p><p><b><font>2.16.</font></b><font> Designadamente, para fazer face às despesas da sua deslocação a Portugal, e para fazer face às suas despesas no Brasil (alimentação, saúde e habitação) e no pagamento de uma viatura automóvel de um dos filhos da A.. </font><br>
</p><p><b><font> </font></b><br>
</p><p><b><font>3. Nulidade do Acórdão</font></b><br>
</p><p><font>A Recorrente refere que o Acórdão do Tribunal da Relação de ...... é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na alínea d), in fine, do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, em duas questões – a alteração da redação da alínea h) dos factos considerados provados (o atrás citado ponto 1.8. dos factos provados) e quando se pronuncia sobre o instituto do enriquecimento sem causa -, porquanto:</font><br>
</p><p><font>“17.ª O Tribunal da Relação veio ainda alterar a redacção da alínea h) dos factos considerados como provados, o que salvo o devido respeito, constituiu excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 635.º do Código de Processo Civil;</font><br>
</p><p><font>18.ª O pedido de alteração da referida redacção não consta nem das alegações, nem das conclusões do Réu ora Recorrido, nem tão pouco se trata de uma questão de conhecimento oficioso, tratando-se por isso de matéria já transitada em julgado, pelo que não poderia o douto Tribunal da Relação ter-se pronunciado a respeito da mesma;</font><br>
</p><p><font>19.ª Face ao exposto, tendo ocorrido excesso de pronúncia por parte do Tribunal ad quem, estamos perante uma causa de nulidade do Acórdão, nos termos e para os efeitos dos arts. 666.º e 615.º, n.º1, alínea d) in fine do Código de Processo Civil”.</font><br>
</p><p><font>E por: “26.ª No entanto ainda que assim não se entendesse o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona sem contudo conceder, mais uma vez, e salvo o devido respeito, houve excesso de pronúncia por parte do Tribunal da Relação uma vez que nas alegações do Recorrente e nas suas conclusões não consta qualquer menção ao instituto do enriquecimento sem causa ou à sua inaplicabilidade.</font><br>
</p><p><font>27.ª Pelo contrário, o Réu limitou-se a arguir a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do art. 615.º, n.º1 b) e c) do Código de Processo Civil, pelo que, e tendo ocorrido excesso de pronúncia do Tribunal ad quem, estamos perante uma causa de nulidade do Acórdão, nos termos e para os efeitos do art. 666.º e 615.º, n.º1, alínea d) in fine do Código de Processo Civil”. </font><br>
</p><p><font>Ora:</font><br>
</p><p><font>A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou </font><i><font>error in procedendo</font></i><font> e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil).</font><b><font> </font></b><br>
</p><p><font>No caso em presença, convoca a Recorrente, de forma expressa, a nulidade típica prevista na alínea d), parte final, do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (</font><i><font>excesso de pronúncia</font></i><font>). </font><br>
</p><p><font>De harmonia com o disposto no artigo 608º, nº 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no nº2 do artigo 663º do Código de Processo Civil – deve conhecer, em primeiro lugar, de todas </font><i><font>as </font></i><b><i><font>questões processuais</font></i></b><font> (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.</font><br>
</p><p><font>Seguidamente, devem ser conhecidas as </font><b><i><font>questões de mérito</font></i></b><font> (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo 608º.</font><br>
</p><p><font>Nesta linha, </font><b><i><font>constituem questões</font></i></b><font>, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda </font><b><i><font>cada uma das exceções</font></i></b><font> dilatórias ou </font><b><i><font>perentórias invocadas pela defesa</font></i></b><font> ou que devam ser suscitadas oficiosamente. </font><br>
</p><p><font>Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito. </font><br>
</p><p><font>E o </font><b><font>excesso de pronúncia</font></b><font> ocorre quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, sendo, questões a conhecer, em sede de recurso, apenas as que o recorrente tenha suscitado nas conclusões das suas alegações recursivas, por força do disposto na parte final da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (</font><i><font>ex vi</font></i><font> artigo 666º, nº1, do mesmo diploma) – cf., ainda, artigo 635.º do Código de Processo Civil.</font><br>
</p><p><font>Esta nulidade apenas incide sobre as questões colocadas pelas partes e não sobre os fundamentos que possam ou não ter sido invocados. </font><br>
</p><p><font>No caso concreto, não se verifica a nulidade arguida pela Recorrente. </font><br>
</p><p><font>Assim:</font><br>
</p><p><font>A Recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na parte final da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, invocando duas situações em que terá ocorrido essa nulidade:</font><br>
</p><p><font>A primeira reporta-se à decisão do Tribunal da Relação de ...... à alteração da redação da alínea h) dos factos considerados provados (o atrás citado ponto 1.8. dos factos provados) e a segunda quando se pronuncia sobre o instituto do enriquecimento sem causa.</font><br>
</p><p><font>No entender da Recorrente, o Recorrido, no seu recurso de apelação, não se havia formulado qualquer pretensão sobre essas questões. </font><br>
</p><p><font>O Tribunal de Relação de ......., no seu Acórdão de 8/10/2020 (constante de fls.309/312 dos autos em papel), afirma que não foi cometida essa nulidade, pois o Recorrente havia suscitado a questão da reapreciação da matéria de facto, pretendendo que se alterasse a resposta de não provado relativamente aos factos indicados sob os pontos 15. e 16. (os atrás identificados sob os números 2.15. e 2.16.) e essa reapreciação estava relacionada com a referida alínea h) dos factos considerados provados (o atrás citado ponto 1.8. dos factos provados) e que, por outro lado, no que concerne ao instituto do enriquecimento sem causa, quer nas alegações do recurso de apelação quer nas contra-alegações apresentadas pela ora Recorrente se discutiu a questão da aplicabilidade do instituto do enriquecimento sem causa. </font><br>
</p><p><font>Da análise das alegações do Recorrente (ora Recorrido), no recurso de apelação, verifica-se que aquele suscitou a questão da reapreciação da matéria de facto e a questão da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa.</font><br>
</p><p><font>Quanto à primeira questão, o Recorrente no recurso de apelação havia suscitado que os factos dados como não provados e indicados sob os pontos 9, 10, 11, 15 e 16 (atrás indicados como pontos 2.9, 2.10, 2.11, 2.15, 2.16) deveriam ser dados como provados, tendo fundamentado a sua pretensão.</font><br>
</p><p><font>Por outro lado, o Apelante suscitou a questão de ser “titular de um título de crédito – o cheque – que constitui título executivo, nos termos do artigo 703.º alínea c) do C.P.C.”, tendo a ora Recorrente, na sua resposta, referido que “Assim sendo, a douta sentença recorrida, deve ser mantida uma vez que e muito bem o Tribunal “a quo”, fazendo aplicação das mais elementares regras de direito julgou o Réu, ora recorrente viu integrar no seu património tal quantia, sem que tivesse conseguido fundamentar o motivo para tal evento.</font><br>
</p><p><font>Situação que configura um claro enriquecimento sem causa e previsto no artigo 473.º, n.ºs1 e 2 do Código Civil Português.” (conclusões: 21.ª e 22.ª da resposta às alegações apresentadas no recurso de apelação).</font><br>
</p><p><font>Deste modo, se verifica que o Tribunal da Relação de ....... tinha de se pronunciar sobre o instituto do enriquecimento sem causa que tinha sido o fundamento para a condenação do Réu no Tribunal de 1.ª instância, tendo o Apelante invocado que tinha uma causa para enriquecer e a Apelada (no seguimento do que havia decidido o Tribunal de 1.ª instância) que tinha havido um enriquecimento indevido do Apelante em detrimento da herança aberta por óbito da mãe do Apelante e da Apelada. </font><br>
</p><p><font>Importa, ainda, referir que a pretensão da ora Recorrente que o STJ censure o Tribunal da Relação de ...... por este ter modificado a referida alínea h) dos factos considerados provados (o atrás citado ponto 1.8. dos factos provados) não configura uma nulidade tipificada no artigo 615.º do Código de Processo Civil, podendo, contudo, configurar uma nulidade processual e que se prende com o domínio do julgamento da matéria de facto, o que se apreciará adiante. </font><br>
</p><p><font>Pelo exposto, se concluiu que não se verifica a nulidade do Acórdão arguida pela Recorrente e prevista na parte final da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (</font><i><font>ex vi </font></i><font>artigo 666.º do mesmo diploma legal).</font><br>
</p><p><font> </font><br>
</p><p><b><font>4. Reapreciação da matéria de facto</font></b><br>
</p><p><font>Como se referiu o Apelante suscitou a questão da reapreciação da matéria de facto, pretendendo que o Tribunal da Relação de ....... passasse a considerar como provados os factos indicados sob os n.ºs 9, 10, 11, 15 e 16 (referidos atrás sob os pontos 2.9., 2.10., 2.11., 2.15., e 2.16.) dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª instância.</font><br>
</p><p><font>O Tribunal da Relação de ......, reapr | [0 0 0 ... 0 1 0] |
PjJuu4YBgYBz1XKvQQc2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><b><font>Processo nº2156/17.4T8STR.E1.S1</font></b>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>Acórdão</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>I. Relatório</font></b>
</p><p><b><font>1.</font></b><font> </font><b><font>AA. </font></b><font>instaurou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra </font><b><font>Sociedade Lusitana ……, S.A.</font></b><font>, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização no montante de €127 000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa em vigor, até integral e efetivo pagamento.</font>
</p><p><font>O Autor alega, em síntese, que.</font>
</p><p><font>- foi nomeado vogal do Conselho de Administração para o triénio…, na assembleia geral de Ré de 7 de fevereiro de 2017;</font>
</p><p><font>- foi destituído, sem justa causa, na assembleia geral de 17 de maio de 2017;</font>
</p><p><font>- a remuneração base fixa para o exercício do cargo de administrador da Ré foi de €3 640,00, quantia que deixou de receber a partir de junho de 2017, sendo-lhe devida as quantias corresponde a todas as remunerações até ao termo do mandato. </font>
</p><p><b><font>2</font></b><font>. Citada, a Ré veio contestar, concluindo pela improcedência da ação, alegando que a destituição do Autor ocorreu com justa causa e que o Autor não sofreu os prejuízos que alega.</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font>. Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.</font>
</p><p><b><font>4.</font></b><font> Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.</font>
</p><p><b><font>5. </font></b><font>Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ……….</font>
</p><p><b><font>6.</font></b><font> O Tribunal da Relação …… veio a “julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida”. </font>
</p><p><b><font>7.</font></b><font> Inconformado com tal decisão, veio o Autor interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:</font>
</p><p><font>1.ª Veio o Tribunal da Relação …….. por meio do Acórdão a fls… dos autos julgar procedente, por provada, a destituição sem justa causa do Recorrente do cargo de Administrador da Sociedade Recorrida, nos termos alegados pelo primeiro, vindo, todavia, numa decisão inédita e surpresa, a julgar a ação improcedente com fundamento na ausência de alegação e prova dos danos sofridos pelo Recorrente, sob a forma de lucros cessantes, na perspetiva da (ausência de) atividade remunerada exercida, conforme se passa a expor: </font><i><font>“não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”.</font></i>
</p><p><font>2.ª Termos em que, o objeto do presente recurso, ao abrigo do artigo 674.º n.º 1 a) e c) do Código de Processo Civil, restringe-se à prova dos danos alegados pelo aqui Recorrente, ou, de outra forma, à suficiência da sua alegação e prova, único requisito de que depende a procedência da ação, conforme sustentado pelo Tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font>, ou Tribunal da Relação ……, no Acórdão ora em crise.</font>
</p><p><font>3.ª Entende o Recorrente, sempre com todo o respeito e consideração, de que padece o mesmo Acórdão de manifesta nulidade, por excesso de pronúncia, ao conhecer de matéria da qual não podia ter tomado conhecimento, nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º 1 d), aplicável </font><i><font>ex vi </font></i><font>artigo 666.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil, bem como de erro na aplicação do Direito, com fundamento na errada interpretação da norma especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais e na violação do principio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da colaboração entre os sujeitos processuais, consagrados, entre outros, no artigo 413.º do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>4.ª Sem prejuízo do manifesto erro na aplicação do Direito de que padece o Acórdão em crise, o qual redunda na ilegalidade da decisão contida no mesmo, no que concerne à improcedência dos danos alegados pelo Recorrente, conforme se explanará melhor </font><i><font>infra, </font></i><font>entende este último que, previamente ao vício vindo de referir, padece o Acórdão em crise de manifesta nulidade, ao conhecer, na presente fase processual, da pretensa insuficiência da matéria de facto alegada à prova dos danos por si sofridos;</font>
</p><p><font>5.ª Concretizando, no que concerne à nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 666.º n.º 1 do mesmo diploma, sempre se diga que, a decisão </font><i><font>surpresa </font></i><font>contida no Acórdão ora em crise, inédita nos presentes autos, é nula na parte em que conclui pela ausência de alegação e prova dos danos incorridos pelo Recorrente, em nexo de causalidade com a destituição do cargo de Administrador da Sociedade Recorrida, tendo em conta a pretensa insuficiência da matéria de facto alegada aos autos, nesse mesmo sentido, em sede de Petição Inicial, quando ao invés, e segundo o Acórdão em crise, impendia sobre o mesmo a alegação e prova dos lucros cessantes incorridos sob a perspetiva, agora conhecida, de que “</font><i><font>não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído”.</font></i>
</p><p><font>6.ª A (alegada) insuficiência da matéria de facto carreada aos autos, pelo Recorrente, no que à prova dos danos concerne, não foi objeto de qualquer convite ao aperfeiçoamento dirigido a este último, na fase de saneamento do processo, conforme impõe o artigo 590.º n.º 4 do Código do Processo Civil.</font>
</p><p><font>7.ª Do mesmo modo que, nenhuma apreciação relativa ao mérito dos danos alegados pelo Recorrente foi feita em sede de sentença proferida pelo Tribunal </font><i><font>a quo, </font></i><font>sendo certo que, a matéria alegada nesse mesmo sentido, pelo Recorrente, sob os artigos 98.º a 100.º da Petição Inicial foi dada por integralmente provada, sob os artigos 29.º e 30.º do elenco dos Factos Provados.</font>
</p><p><font>8.ª A omissão do referido dever, contido no artigo 590.º n.º 4 do Código do Processo Civil, é causa da nulidade da decisão que decida pela improcedência da ação, com fundamento na imprecisão da alegação da matéria de facto, quando não precedida de qualquer convite ao aperfeiçoamento – como é o caso dos autos - o que redunda na impossibilidade de conhecimento, pelo Tribunal da Relação ……., no Acórdão ora em crise, da invocada insuficiência da matéria de facto, no que concerne à sua alegação e prova, erigida a fundamento da improcedência da ação, nos termos do artigo 615.º n.º 1 d) do Código de Processo Civil, aplicável </font><i><font>ex vi </font></i><font>artigo 666.º n.º 1, do mesmo diploma.</font>
</p><p><font>9.ª Do mesmo modo que, a decisão surpresa vinda de referir, ora inquinada de nulidade, é violadora dos princípios da justa composição do litígio e da colaboração entre os sujeitos processuais, previstos, respetivamente, nos artigos 6.º n.º 1, 7.º n.º 1 e 411.º, todos do Código de Processo Civil.</font>
</p><p><font>10.ª Mais se diga que, a decisão ora em análise, cuja matéria não podia o Tribunal da Relação conhecer, encontra-se, ainda, inquinada por erro na aplicação ou interpretação do Direito, por referência à norma especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, que consagra um regime especial no que concerne à alegação e prova dos danos decorrentes da destituição sem justa causa do cargo de Administrador de Sociedade Anónima, como é o caso dos autos, não sendo aplicável, conforme pretendido pelo Tribunal da Relação ……, as regras gerais da responsabilidade civil, entre as quais se contam o Artigo 566.º n.º 2 do Código Civil, que consagra a </font><i><font>Teoria da Diferença</font></i><font>, a qual, contrariamente à disposição específica contida no Código das Sociedades Comerciais, impõe a alegação e prova da situação anterior e posterior ao facto ilícito.</font>
</p><p><font>11.ª Termos em que, a interpretação sufragada pelo Tribunal da Relação ……, no Acórdão em crise, segundo a qual a indemnização a arbitrar ao Administrador destituído, sem justa causa, nos termos do artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, exige a alegação e prova da ausência de prática de atividade profissional remunerada, no período pós-destituição, a cargo do aqui Recorrente ou Administrador destituído, viola as regras basilares da interpretação jurídicas, contidas no artigo 9.º do Código Civil, não encontrando sustentação material bastante na Letra da Lei.</font>
</p><p><font>12.ª Deste modo, nada na letra da Lei contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, permite sufragar o entendimento vindo de referir, sustentado no Acórdão em crise, através do qual se onera o aqui Recorrente com o ónus da prova dos factos impeditivos do direito à indemnização peticionada, como sejam a ausência de exercício de atividade remunerada, o qual, bem está de ver, deverá ser imputado à Sociedade Recorrida, conforme impõe o artigo 343.º n.º 2 do Código Civil, violando, igualmente por esta via, o Acórdão em crise, a disposição legal última, vinda de referir.</font>
</p><p><font>13.ª Ainda neste concreto ponto de análise, mais se diga que, na senda da jurisprudência relevante na matéria, temos que, a disposição especial contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais consagra uma </font><i><font>presunção natural </font></i><font>em benefício do Administrador destituído no sentido da existência de dano decorrente da perda de remuneração, consequência da destituição sem justa causa do cargo de Administrador, interpretação essa que deverá ser aplicada ao caso dos autos, concluindo-se pelo preenchimento do ónus de alegação e prova, a cargo do aqui Recorrente, e pelo erro na interpretação do direito, incorrido no Acórdão em crise, por referência à norma contida no artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais.</font>
</p><p><font>14.ª Mal andando o Tribunal da Relação …… ao decidir como decidiu, à revelia dos artigos 9.º e 342.º n.º 1 do Código Civil e artigo 403.º n.º 5 da Código das Sociedades Comerciais.</font>
</p><p><font>15.ª Por último, e sem prescindir, ainda que se sufrague o entendimento constante do Acórdão em crise, no sentido de que o artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais exige a alegação e prova da ausência de atividade remunerada exercida pelo Recorrente, no período posterior à destituição, o que se alega por mero dever de cautela e patrocínio e sem conceder, sempre se diga que os autos contêm matéria de facto bastante, nesse mesmo sentido, a qual foi oportunamente alegada e decidida, conforme se alcança do elenco dos Factos Não Provados, sob os artigos 70.º e 71.º;</font>
</p><p><font>16.ª Termos em que, ainda que a matéria de facto cuja prova vem agora o Tribunal da Relação, numa decisão inédita e surpresa, exigir ao Recorrente, tenha sido alegada pela Sociedade Recorrida – e não pelo primeiro, conforme pretendido – temos que, a existência e julgamento dessa mesma matéria de facto, essencial à procedência da ação, não pode deixar de beneficiar o aqui Recorrente, conforme impõe o artigo 413.º do Código de Processo Civil, que consagra os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da verdade material.</font>
</p><p><font>17.ª Assim sendo, o não aproveitamento da aludida prova, em benefício do Recorrente, com fundamento em pretensos argumentos formais, conforme pretendido pelo Tribunal da Relação ……. mais não consubstancia, sempre com todo o respeito e consideração, do que uma derradeira violação dos princípios referidos no artigo anterior, ínsitos ao artigo 413.º do Código de Processo Civil, bem como uma denegação da justiça.</font>
</p><p><font>18.ª Por todo o exposto, temos que, igualmente por esta via, ter-se-ão de dar como provados os danos alegados pelo aqui Recorrente, ainda que em apelo à teoria interpretativa contida no Acórdão em crise, julgando-se procedente, por provada, a ação dos autos, o que se requer, expressamente.</font>
</p><p><font>E conclui pela procedência do recurso.</font>
</p><p><b><font>8.</font></b><font> A Ré contra-alegou, pugnando pelo infundado da revista, concluindo pela improcedência do recurso e, antes de mais, pelo não recebimento do recurso por, no seu entendimento, se verificar a dupla conforme.</font>
</p><p><b><font>9.</font></b><font> Cumpre apreciar e decidir; o Relator proferiu despacho a admitir o recurso nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, por não se estar em presença de dupla conforme porquanto a fundamentação das decisões é muito diversa.</font>
</p><p><b><font>II. Delimitação do objeto do recurso</font></b>
</p><p><font>Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões, expressamente apresentadas pelo Recorrente e que têm o seguinte teor: </font>
</p><p><font>- do excesso de pronúncia do Tribunal da Relação ….. – causa de nulidade do Acórdão, prevista no artigo 615.º, n.º 1, d) aplicável </font><i><font>ex vi </font></i><font>artigo 666.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil – ao apreciar matéria de facto, alegadamente omissa, sobre a qual não fora dirigido ao aqui Recorrente um pedido de aperfeiçoamento do seu articulado, nos termos do artigo 590.º n.º 4 do CPC;</font>
</p><p><font>- Do erro de julgamento, por violação do artigo 403.º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, na aplicação do direito à concreta matéria de facto dos autos – incorrido pelo Tribunal da Relação ….., no Acórdão em crise, ao aplicar, os princípios gerais da responsabilidade civil – previstos no artigo 483.º e 566.º n.º 2 do Código Civil – ao regime jurídico especial da destituição de Administrador de Sociedade Anónima;</font>
</p><p><font>- Do erro de julgamento incorrido pelo Tribunal da Relação ….., nos termos e ao abrigo do artigo 413.º do Código de Processo Civil, no que concerne à suficiência da matéria de facto nos autos à prova de que “não foi desde aquele momento [a destituição] conseguida outra atividade remunerada pelo administrador destituído.</font>
</p><p><b><font>III. Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font>1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><b><font>1.1.</font></b><font> A Ré é uma sociedade comercial anónima cujo objecto social consiste no exercício da indústria de….., nomeadamente a produção de………, bem como a sua comercialização. (artº 1º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.2.</font></b><font> A sociedade Ré é uma sociedade familiar cuja estrutura acionista é totalmente composta pelos membros da família B……. e cujo Conselho de Administração sempre foi integrado por membros da família. (artº 2º da petição inicial e 9º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.3.</font></b><font> Após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração CC. em 13.11.2016, a sua herança encontra-se por partilhar. (artº 10º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.4.</font></b><font> O Autor foi Vogal do Conselho de Administração da sociedade Ré até 17 de agosto de 2015, data em que renunciou ao cargo. (artº 4º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.5.</font></b><font> Na sequência do falecimento em 13 de Novembro de 2016 de seu pai CC., accionista principal e Presidente do Conselho de Administração da Ré desde a aquisição desta em 1994, o Autor foi novamente designado Vogal do Conselho de Administração da Ré para o triénio 2017/2019, na sequência de deliberação tomada na Assembleia Geral da Ré de 7 de Fevereiro de 2017. (artºs 5 e 6º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.6.</font></b><font> Nessa reunião da Assembleia Geral (07.02.2017), e para além da recondução dos membros do Conselho Fiscal, foram nomeados para o Conselho de Administração para o triénio 2017/2019:</font>
</p><p><font>- DD., mãe do Autor, para o cargo de Presidente do Conselho de Administração;</font>
</p><p><font>- AA., ora Autor, para o cargo de Vogal do Conselho de Administração;</font>
</p><p><font>- EE., irmão do Autor, para o cargo de Vogal do Conselho de Administração. (artº 7º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.7.</font></b><font> Nos termos dos Estatutos em vigor, a sociedade Ré obriga-se com as assinaturas de dois administradores ou de administrador e procurador com poderes bastantes. (artº 33º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.8.</font></b><font> A inscrição da nomeação do A como vogal da Ré para o mandato em curso só ocorreu a 14 de Fevereiro de 2017. (artº 25º (parte) da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.9.</font></b><font> Em 2 de Maio de 2017 foi expedida pelo Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Dr. FF., aviso convocatório de Assembleia Geral extraordinária para o dia 17 de maio de 2017 cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos era a “Destituição do administrador AA.”. (artº 9º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.10.</font></b><font> A reunião da assembleia geral tomou a forma de assembleia universal uma vez que estavam presentes todos os accionistas, representando a totalidade do capital social da Sociedade Ré, e pelos mesmos foi expressamente manifestada tal vontade. (artº 10º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.11.</font></b><font> Na referida reunião extraordinária da Assembleia Geral de 17 de maio de 2017 foi apresentada a proposta de destituição com justa causa do Autor subscrita pelos acionistas da Ré, DD., GG., HH. e EE., com os seguintes fundamentos: “Neste novo conselho de Administração, a relação entre os Administradores, EE. e AA. foi desde cedo muito complicada tendo cada um uma linha de raciocínio própria e não complementar, estratégias diferentes, abordagens aos problemas diferentes, e um sentido de responsabilidade e de educação, totalmente incompatíveis.</font>
</p><p><font>Assim:</font>
</p><p><font>a) AA., entrou em meados de Março deste ano, no gabinete de EE., e ameaçou-o fisicamente;</font>
</p><p><font>b) AA., em diversas ocasiões criou muito mau ambiente com todos os elementos administrativos, lançando suspeitas e criando incerteza quanto ao futuro dos mesmos; </font>
</p><p><font>c) AA., diz que elabora relatórios e outros documentos, mas não entrega qualquer cópia dos mesmos nem aos outros elementos da administração nem a qualquer accionista, nem tão pouco nos dá conhecimento da maioria deles;</font>
</p><p><font>d) AA. não aceita qualquer critica, opinião, ou qualquer outro facto desde que esse seja contrário ao que ele preconiza, manifestando desde logo uma atitude de "ou é como eu digo ou bloqueio."</font>
</p><p><font>e) AA., mistura frequentemente, assuntos privados com assuntos de empresa;</font>
</p><p><font>f) AA. tem conhecimento de todos os assuntos da administração e da sociedade, desde sempre, mas recusa-se a assinar, para vir depois dizer que não assina porque não lhe é dado conhecimento; Só assina(ou) maioritariamente cheques â ordem das suas empresas ...</font>
</p><p><font>g) AA., até a folha de vencimentos de todos os funcionários se recusou a assinar ultimamente;</font>
</p><p><font>h) AA., estando a par de toda a realidade dos assuntos que passam pela administração, até hoje não conseguiu desenvolver qualquer solução a duas tarefas que ele directamente afirma que lhe tinham sido dadas, sem dar qualquer justificação para o sucedido, tem continuamente uma atitude manifestamente inconsequente;</font>
</p><p><font>i) AA. numa tentativa directa de "bloquear" a normal actividade da SLD, não assinando nada, vem depois dizer que ele não assina e que a sociedade obriga a duas assinaturas, não tendo sequer consciência clara de que existem outros dois administradores em funções com plenos poderes para o fazer;</font>
</p><p><font>j) AA. com este comportamento de recusa de assinaturas, criou na actual gestão, problemas no que respeita ao financiamento da normal actividade da SLD, sendo que a solução encontrada foi a de convencer os parceiros financeiros de que DD. e EE. responderiam eles próprios pela sociedade. E de que a solução de sucessão tinha sido encontrada, acalmando todos os parceiros estratégicos, e não só os financeiros, por forma a defender os interesses da SLD.</font>
</p><p><font>k) AA. está continuamente a emitir suspeitas sobre todos os outros accionistas que não ele próprio;</font>
</p><p><font>l) AA., enquanto Administrador e accionista, continua a reclamar uma dívida de um contrato ilegal, que ele próprio assinou com o então Presidente do Conselho de Administração, e tem dado ordens directas aos serviços administrativos, que contabilizem as facturas "falsas" de serviços, nunca prestados à SLD, e emitidas por empresas suas ou das quais tem interesses directos, à luz de uma prática que remonta de 2011.</font>
</p><p><font>m) O AA., tem neste momento, em seu poder três cheques emitidos a mando dele.</font>
</p><p><font>n) À data de hoje, o valor de recebimentos indevidos ou pagos por conta do acionista e administrador AA. soma os 402.150.84€ e pagos ou suportados pela SLD - Sociedade Lusitana de Destilação S.A., a que se junta a listagem actualizada para que conste em acta. </font>
</p><p><font>o) Concluindo e após esta conduta assumida pelo AA., os restantes accionistas perderam a confiança desejável para que este possa continuar a representar a SLD e a defender os interesses da mesma.</font>
</p><p><font>p) A mudança de rumo e de estratégia que ele queria impor à força à SLD, não defendiam minimamente os interesses da sociedade, não servindo assim de forma alguma os interesses da maioria dos accionistas.</font>
</p><p><font>q) Muitos dos seus comportamentos, quer pela sua gravidade e/ou consequência, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre este e a SLD e entre este e os restantes administradores, também pela sua repetitiva postura assumida de desentendimento, comprometendo a boa marcha dos negócios sociais.</font>
</p><p><font>r) Existe assim, decorrente de alguns dos seus comportamentos, uma violação grave dos deveres dos administradores, como a sua inaptidão para o exercício normal das suas funções decorrente dos seus actos.</font>
</p><p><font>s) Foram assim violados pela sua conduta os mais básicos princípios de lealdade, enquanto é exigível aos administradores, exclusivamente terem em vista os interesses da sociedade e procurarem satisfazê-los, abstendo-se, portanto, de promover o seu próprio benefício ou interesse.</font>
</p><p><font>t) Toma-se assim claro que com estas práticas levadas a cabo pelo administrador AA. têm consequências. (artºs 11º e 12º da petição inicial e artº 15º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.12.</font></b><font> A proposta foi aprovada com os votos favoráveis de todos os accionistas presentes com excepção do próprio. (artº 13º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.13.</font></b><font> A administradora DD. está totalmente arredada do dia a dia da vida da sociedade, possuindo o administrador EE. uma procuração que lhe foi passada por ela, de que existe cópia a fls. 82, apenas e só para dar o seu aval a quaisquer letras ou livranças em que sejam intervenientes a Sociedade Lusitana de Destilação SA e a I......., SA – doc. n.º 10. (artº 34º da petição inicial e artº 55º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.14.</font></b><font> A R. solicitou à Caixa Central de Crédito Agrícola (CCCA) uma modificação aos contratos de financiamento vigentes entre esta e a Ré e um reforço do apoio à tesouraria (de € 2.000.000,00) para fazer face ao aumento das previsões de compra de matéria-prima indispensável ao relançamento da actividade da Ré. (artº 37º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.15.</font></b><font> A CCAM exigiu a prestação de aval pessoal do A., o que este recusou. (artºs. 38º e 39º da petição inicial e 46º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.16.</font></b><font> O A. e CC., em representação da SLD – Sociedade Lusitana de Destilação, S.A., subscreveram o escrito particular, denominado “Reconhecimento de Dívida”, datado de 30 de Setembro de 2011, de que existe cópia a fls. 42, no qual se reconhece que a Ré tem para com o Autor uma dívida de € 500.000,00, e no qual se convenciona que a dívida será paga em 96 prestações mensais e sucessivas no montante unitário de € 5.208,33 cada uma, na conta bancária da J........, SL, que emitirá a factura. (artºs 64º e 65º da petição inicial e artº 26º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.17.</font></b><font> Tal acordo foi objecto de aditamento assinado em 31 de Julho de 2012, nele se estipulando que ao montante em dívida são deduzidos € 96.000,00 (noventa e seis mil euros) pelo motivo aí consignado (assunção por CC. da qualidade de fiador de um empréstimo para aquisição de um imóvel por parte da L........., Lda., em benefício de uma irmã do Autor). (artº 66º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.18.</font></b><font> O crédito do Autor tem vindo a ser pontualmente pago pela Ré, ainda que por via de prestações de periodicidade variável e de montante diverso do inicialmente convencionado. (artº 67º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.19.</font></b><font> A existência do crédito do A. é do conhecimento de todos os accionistas da Ré, pelo menos após o falecimento de CC. (artº 68º e 83º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.20.</font></b><font> A J........, SL, tem como administrador único o A. e sede em ……. (artº 27º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.21.</font></b><font> O A. é sócio-gerente da sociedade L………, Ldª., a qual tem um capital de 80% pertencente à sociedade J…… e os restantes 20% pertencentes ao próprio A. (artº 36º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.22.</font></b><font> A entrega da casa pré-fabricada ao A. ocorreu em momento anterior à sua nomeação como administrador da Ré para o mandato em curso. (artº 90º (parte) da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.23.</font></b><font> Quer no período referente ao mandato em curso (Fevereiro a Maio de 2017), quer em períodos anteriores de exercício do cargo por parte do A. e do irmão EE., houve discussões de parte a parte com nítida divergência de pontos de vista quanto à gestão da Ré e das demais sociedades familiares. (artº 22º (parte) da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.24.</font></b><font> O A. recusou-se a assinar a folha de vencimentos da Ré relativa ao mês de Abril de 2017. (artº 27º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.25.</font></b><font> No domínio das relações pessoais, a relação do A. com os irmãos (todos acionistas) tem sido de conflitos frequentes e discussões na presença de funcionários. (artº 7º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.26.</font></b><font> O A. só fala com sua mãe, tendo cortado relações com os seus três irmãos, sendo certo que a mãe é uma acionista não presente na empresa. (artº 21º da contestação).</font>
</p><p><b><font>1.27.</font></b><font> O A. tem em seu poder três cheques da R., emitidos a favor da sociedade L……., Lda., sem qualquer assinatura. (artºs 75º, 76º (parte) e 79º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.28.</font></b><font> Em 21 de Março de 2017, o Autor recebeu do administrador EE. o e-mail, de que existe cópia a fls. 44. (artº 76º (parte) da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.29.</font></b><font> A remuneração base fixada para o exercício do cargo de administrador da Ré foi de € 3.640,00. (artº 98º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.30.</font></b><font> A qual lhe foi abonada ainda no mês de maio de 2017. (artº 99º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>1.31.</font></b><font> EE. é actualmente Presidente do Conselho de Administração da R.</font>
</p><p><b><font>1.32.</font></b><font> A sociedade obriga-se, designadamente, pelas assinaturas de a) Dois administradores; b) Um administrador e um procurador com poderes bastantes.</font>
</p><p><b><font>1.33.</font></b><font> Nos triénios de 2005/2007, 2007/2009, 2011/2013, 2014/2016, mostra-se registado que o Conselho de Administração era composto pelo Presidente, CC., e pelos vogais, AA. e EE..</font>
</p><p><b><font>1.34.</font></b><font> Pelas Ap. 6 e 7, de 31.08.2015, foi registada a cessação de funções, por renúncia, de AA., e a sua substituição, na posição de vogal, por DD..</font>
</p><p><b><font>1.35.</font></b><font> Após a destituição do Autor, consta registado que o actual presidente do Conselho de Administração é EE., tendo sido designada vogal, HH..</font>
</p><p><b><font>2. E foram julgados como não provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>Da petição inicial:</font>
</p><p><b><font>2.1. </font></b><font>22º (parte) - Não tendo, porém, tal acarretado qualquer prejuízo para a gestão corrente da actividade da Ré ou para a tomada colegial de decisões e deliberações que essa mesma gestão necessariamente convoca.</font>
</p><p><b><font>2.2. </font></b><font>25º (parte) - (…) e a actualização das fichas bancárias da Ré só se efectuou durante o mês de Março de 2017 (sob o pretexto de alegada inépcia dos serviços jurídicos várias vezes avançado pelo administrador EE.), pelo que, entre a sua nomeação e tal actualização, o Autor esteve impedido – por motivo a que era alheio - de assinar quaisquer documentos de gestão que implicassem a vinculação da Ré perante terceiros. (artº 25º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>2.3.</font></b><font> 28.º Com efeito, a 23 de Março de 2017, porque nenhuma informação lhe era transmitida a esse respeito não obstante os pedidos que fazia, o Autor, numa manifestação de gestão criteriosa e ordenada própria do exercício das funções que lhe estavam atribuídas, solicitou à colaboradora MM. que lhe remetesse, por correio electrónico, o mapa de transferências que se realizavam para pagamento de vencimentos, para ter essa informação e exercer a vigilância e controlo que se lhe impunha enquanto administrador. (artº 28º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>2.4.</font></b><font> 29.º - Não tendo, contudo, obtido qualquer resposta à sua solicitação. (artº 29º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>2.5.</font></b><font> 31.º - O que, aliado ao facto de nunca lhe ter sido apresentado até então qualquer documento de gestão para efeitos de assinatura, levou a que o mesmo se recusasse assinar a folha de vencimentos referente ao citado mês de Abril de 2017. (artº 31º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>2.6.</font></b><font> 32.º - Facto que, como é bom de ver, não causou qualquer prejuízo à Sociedade Ré e aos seus trabalhadores, pois não só a Ré não ficou impedida de pagar tais vencimentos como também os mesmos não deixaram de ser pontualmente pagos. (artº 32º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>2.7.</font></b><font> 37.º (parte) - Com efeito, após o falecimento do Presidente do Conselho de Administração da Ré e a nomeação dos membros do Conselho de Administração para o mandato em curso, o Autor promoveu, com a necessária aquiescência dos demais administradores, um relatório de análise e de diagnóstico da situação económico-financeira da Ré, tendo, do ponto de vista financeiro na sequência das medidas sugeridas em tal relatório.</font>
</p><p><b><font>2.8.</font></b><font> 70.º - Tratando-se, apenas e só, da regularização de uma dívida contraída pela Ré perante o Autor relacionada com fornecimento, na década passada, de aguardantes e destilados por parte da N.........., S.A., sociedade comercial ……. detida pelo Autor, e pelo facto deste último ser responsável pela compra para a Ré de produtos intermédios em ……… entre 1996 e 2008. (artº 70º da petição inicial).</font>
</p><p><b><font>2.9.</font></b><font> 71.º Com o falecimento do Pai do Autor, e estando, desde então, projectada a sua nomeação como administrador da Ré, este tomou a decisão de suspender a emissão d | [0 0 0 ... 0 1 1] |
ebCF1YYBoeRqYgWuxiC1 | 1.ª Secção (Cível) |
<p>
</p><p><span><span>Processo n.º 295/17.0T8STR.E1.S1 </span></span></p><p><br><span><span>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</span></span></p><p><br><span><span>I – AA(falecida na pendência acção, tendo, por sentença de 03.04.2019, sido habilitados como seus herdeiros, o autor BB e o réu CC) e BB intentaram acção declarativa com processo comum, contra CC, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Central Cível de Santarém-Juiz 4), à qual atribuíram o valor de € 1 558 593,54, alegando factos (no âmbito do falecimento de DD, do qual as partes se arrogam herdeiros), tendentes a peticionar: <br>1 – O decretamento da nulidade de duas escrituras (habilitação de herdeiros e partilha) que o réu outorgou; <br>2 – O reconhecimento da autora como cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD. <br>3 – A condenação do réu na restituição à herança aberta por óbito do referido DD dos bens que identifica no artigo 64.º da petição; <br>4 – A condenação do réu no pagamento aos autores da quantia de € 150.000,00, a título de danos morais, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. </span></span></p><p><span><span>Citado, o réu veio contestar, por excepção e por impugnação, arguindo naquela sede, a ilegitimidade do autor, a preterição de litisconsórcio legal necessário e a falsidade da certidão de nascimento que o autor apresentou. </span></span></p><p><span><span>Na réplica, os autores pugnaram pela sua legitimidade activa, pela inexistência de preterição de litisconsórcio, bem como pela genuinidade dos documentos que ofereceram. </span></span></p><p><span><span>Realizou-se, em 12.09.2017, audiência prévia na qual estiveram presentes os mandatários das partes, tendo o julgador proferido decisão no sentido da improcedência, quer da excepção da ilegitimidade activa, quer do incidente de falsidade do documento, bem como concluiu pela inexistência de preterição de litisconsórcio legal necessário.</span></span></p><p><span><span>Procedeu-se a audiência final, vindo a ser proferida, em 27.03.2018, sentença em cujo dispositivo se fez constar:</span></span></p><p><span><span>"Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra referidas, considera-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência: </span></span></p><p><span><span>A) Condena-se o Réu CC, a reconhecer que os únicos e universais herdeiros de DD, falecido em ... são, além do Réu: – AA, que é igualmente cabeça de casal, e – BB <br>B) Declara-se a nulidade da escritura de partilhas outorgada no dia 22 de Janeiro de 2016, no Cartório Notarial ..., perante a Notária EE, pelo ora Réu CC, por si e na qualidade de procurador de AA, lavrada de fls, cinquenta e cinco a folhas cinquenta e seis verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas número duzentos e quarenta e seis, do referido Cartório<br>C) Condena-se o Réu CC a restituir à herança aberta por óbito de DD, todos os bens partilhados através da referida escritura: <br>1) Prédio rústico, sito no lugar de ..., ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número cinco mil trezentos e setenta e nove daquela freguesia, registada a favor do autor a herança pela Ap. oito mil novecentos e oitenta e dois/zero nove/trinta, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 17 secção BL com o valor patrimonial de € 475,59. <br>2) Prédio rústico, sito no lugar de ..., limite de ..., pousio C0111 oliveiras com a área de mil novecentos e setenta e dois metros quadrados, a confrontar do norte com FF, do sul com GG, do nascente com HH e do poente com ribeiro, freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo …, anterior artigo … da freguesia da ..., com o valor patrimonial de € 328,04.<br>3) Prédio urbano, para habitação e logradouro, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número setecentos e quarenta e um da freguesia de ..., registado a favor de II pela Ap. Nove mil novecentos e noventa e quatro/zero um/catorze, anterior artigo urbano 2006 da freguesia de ..., com o valor patrimonial de € 73.390,00.<br>D) Absolve-se o Réu CC dos restantes pedidos deduzidos pelos Autores. <br>Custas por Autores e Réu, na proporção do decaimento.</span></span></p><p><span><span>Remanescente da taxa de justiça: o processo desenvolveu-se ao longo de duas sessões, teve alguma complexidade e envolveu inquirição por meios tecnológicos para a ..., pelo que, desde já, se consigna que não se dispensa o remanescente do pagamento da taxa de justiça previsto no art.º 6.º n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais.</span></span></p><p><span><span>Inconformados, quer o Réu quer os AA. apelaram, tendo a Relação julgado parcialmente procedentes as apelações e, em consequência, decidiu:</span></span></p><p><span><span>“1) Revogar a sentença na parte que decidiu não dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, determinando-se essa dispensa, quer no âmbito da acção propriamente dita, quer no âmbito dos recursos de apelação interpostos. <br>2) Modificar a parte decisória da sentença no que se refere: a) À respectiva alínea A) que, em face do supra exposto, passará a ter a seguinte redacção: <br>A) Condena-se o Réu CC, a reconhecer que são herdeiros de DD, falecido em ..., além do Réu: – AA, que é igualmente cabeça de casal, e – BB. <br>b) À respectiva alínea C) que, em face do supra exposto, passará a ter a seguinte redacção: <br>C) Condena-se o réu CC a restituir à herança aberta por óbito de DD os seguintes bens: <br>1. Prédio rústico, sito no lugar de ..., ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número cinco mil trezentos e setenta e nove daquela freguesia, registada a favor do autor da herança pela Ap. oito mil novecentos e oitenta e dois/zero nove/trinta, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 17 secção BL com o valor patrimonial de € 475,59. <br>2. Prédio rústico, sito no lugar de ..., limite de ..., pousio com oliveiras com a área de mil novecentos e setenta e dois metros quadrados, a confrontar do norte com FF, do sul com GG, do nascente com HH e do poente com ribeiro, freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., anterior artigo ... da freguesia da ..., com o valor patrimonial de € 328,04. <br>3. Prédio urbano, para habitação e logradouro, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número setecentos e quarenta e um da freguesia de ..., registado a favor de II pela Ap. Nove mil novecentos e noventa e quatro/zero um/catorze, inscrito na matriz sob o artigo 2178, anterior artigo urbano 2006 da freguesia de ..., com o valor patrimonial de € 73.390,00. <br>4. Veículo ligeiro da marca ..., com matrícula -CA-. <br>5. Arma de caça, marca ..., Modelo de série ..., Livrete n.º .... <br>6. Quantia de € 16.782,41, depositados na conta à ordem n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>7. Quantia de € 135.607,50, depositados na conta a prazo n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>8. Quantia de € 200.900,00, depositados na conta a prazo n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>9. Quantia de € 1.130.000,00, depositados na conta a prazo n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>3) Custas de parte, em ambos os recursos pelo réu (cfr. disposições combinadas dos art.ºs 663º n.º 2, 607º n.º 6, 527º n.º 1 e 2, 529º n.º 4 e 533º n.º 1 e 2, todos do CPC).”</span></span></p><p><span><span>Interpôs, novamente, o R. recurso, ora de revista, recurso que foi admitido.</span></span></p><p><span><span>O R. apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:</span></span></p><p><span><span>1. O douto acórdão, ao basear a alteração da matéria de facto apenas e só, no documento (18) de fls. 170 dos autos em papel, violou as normas e diplomas que determinam que o contrato de depósito e de abertura de conta é um contrato formal, sujeito a forma escrita, que só pode ser provado através do contrato de depósito e do contrato (vulgo “ficha”) de abertura de conta, nomeadamente: artigo 376.º do Código Civil (doravante CC), o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de outubro (adiante designado LCCG); artigo 407.º do Código Comercial, Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro; Regime dos depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito encontra-se regulado pelo Decreto-Lei n.º 430/91, de 2 de Novembro, instruções do Banco de Portugal para a abertura de conta – n.º s 48/96 26/2005, 11/2005, 3/2007 e aviso n.º 2/2018.<br>2. O Recorrente, quer no procedimento cautelar de arresto, quer na presente ação, sempre colocou em crise a existência de tais bens, tanto é que impugnou toda a matéria alegada no requerimento inicial de arresto, bem como na petição inicial da ação principal, respetivamente, impugnando ainda todos os documentos juntos com tais articulados legais.<br>3. Tendo o Recorrente impugnado o documento em causa, conclui-se que o douto acórdão, ao basear-se no mesmo para alterar a decisão da matéria de facto violou as regras imperativas, nomeadamente o princípio do contraditório plasmado no artigo 3.º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 341.º e ss. do CC.<br>4. Se o Recorrente impugnou o documento, não lhe pode ser atribuída a força probatória que o Tribunal da Relação lhe atribuiu.<br>5. No caso em apreço, a prova dos factos em causa, nomeadamente da existência das contas bancárias do de cujus e dos valores depositados nas mesmas, apenas podia ser feita através dos respetivos contratos de abertura de conta e de depósito, atendo o disposto nos mencionados diplomas legais, ou seja, a(s) lei(s) assim o exige(m)! O que significa que o documento (18) de fls. 170 dos autos em papel não permite dar como provada a existência de contas bancárias, nem os supostos saldos existentes na mesma.<br>6. O acórdão recorrido está em contradição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 31 de março de 2011, referente ao processo n.º 281/07.9TBSVV.C1.S1;<br>7. O contrato de abertura de conta o mesmo implica o preenchimento de uma ficha, com os seguintes elementos: identificação e assinatura do(s) titular(es) num local bem definido, data, número e tipo de depósito bancário a ela associado. É através da assinatura da “ficha”/contrato que se manifesta o acordo com as condições nele previstas. Sendo a abertura da conta efetuada mediante o preenchimento e assinatura de impressos próprios, fornecidos pela instituição de crédito, os quais, geralmente, constituem o contrato. <br>8. Assim, a abertura de conta traduz a existência de uma convenção sobre o conjunto de regras que norteiam créditos e débitos que possam nascer entre ambos os contraentes. Sendo que por via do contrato de depósito - escrito (como requisito formal) – a Entidade Bancária solicita ao cliente para assinar um documento de abertura de conta, de acordo com a modalidade que se pretende, tendo em conta o seu funcionamento e movimentação. <br>9. Há que salientar que estes contratos que a Entidade Bancária apresenta ao cliente revestem as características de verdadeiros contratos de adesão, até porque não é permitido ao cliente negociar o seu conteúdo por forma a salvaguardar a sua posição contratual.<br>10. Assim, necessário se torna atentar às exigências legais, no âmbito da formação e negociação deste contrato, quer no tocante à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (LCCG), quer no tocante à Lei do Consumidor e restante legislação avulsa nesta matéria.<br>11. Se compulsarmos o Dec. Lei nº 359/91, de 21 de Setembro que vem estabelecer as regras mínimas quanto ao crescendo de contratos de crédito ao consumo, transpondo para o direito interno as Diretivas do Conselho das Comunidades Europeias nºs 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990, temos que, surgem determinados requisitos que procuram proteger a posição do consumidor/cliente das instituições de crédito. Entre outras, consideramos importante realçar, o requisito formal da redução a escrito destes contratos (artigo 6.º).<br>12. Por outro lado, as instruções do Banco de Portugal para a abertura de conta – nº 48/96, n.º 26/2005, 11/2005, 3/2007 e aviso n.º 2/2018 – impõem a forma escrita para os contratos em causa.<br>13. Sendo que estas instruções, na medida em que contenham normas jurídicas, ou seja, regras gerais e abstratas com força vinculativa, também têm a natureza de regulamentos (cfr., v.g., José Simões Patrício, ob. e loc. cit.; Augusto de Athayde e outros, ob. e loc. cit.), sendo publicadas no Boletim Oficial do Banco de Portugal (art.º 59.º, n.º 3, al. a) da LOBP).</span></span></p><p><span><span>Termos em que deve ser revogado o douto acórdão, com os legais efeitos. SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!</span></span></p><p><span><span>Houve contralegações, nas quais se concluiu na seguinte forma:</span></span></p><p><span><span>Prima facie,<br>3.1 – A apreciação do recurso de revista ordinário, interposto com fundamento no artigo 671.º, n.º 1, e no artigo 674.º, n.º 1, alínea a) e segunda parte do n.º 3, ambos do C.P.C., deve ser indeferido por falta de cumprimento dos pressupostos ou condicionantes estabelecidas naquelas disposições legais para a sua admissão.<br>Pois,<br>3.2 – O ora Apelante não alega e indica, suficientemente, qual a lei substantiva violada, a disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto em causa e, ainda, qual a norma expressa que fixa a força de determinado meio de prova para a matéria em apreciação.<br>De facto, <br>3.3 – Percorrendo o teor (e o sentido) de cada uma das disposições normativas, diplomas legais, instruções ou avisos do Banco de Portugal citadas nas Alegações de Recurso, constata-se que nenhuma delas exige certa espécie de prova ou fixa a força de um qualquer meio de prova, nem consubstanciam, no caso das instruções ou avisos do Banco de Portugal, sequer, leis substantivas.<br>Assim,<br>3.4 – O que Apelante pretende é sindicar a apreciação realizada pelo Tribunal recorrido sobre a matéria de facto.<br>3.5 – Desiderato que está vedado, por lei, ao Supremo Tribunal de Justiça, porquanto, como é consabido, o superior tribunal tem a sua competência jurisdicional circunscrita, em recurso de revista, à apreciação da matéria de direito.<br>Por sua vez,<br>3.6 - A apreciação do recurso de revista extraordinário, interposto com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do C.P.C., deve ser indeferida por falta de cumprimento dos pressupostos ou condicionantes estabelecidas naquela disposição e na norma do n.º 2, alínea a), do artigo 672.º.<br>Ocorre que,<br>3.7 – Do teor da Alegação de Recurso aduzida nos autos resulta que o mesmo não identifica e indica os motivos que, eventualmente, existam para considerar que a apreciação da questão, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e, ainda, que exista uma errada ou má aplicação de direito em termos extremos que justifiquem a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.<br>Finalmente, <br>3.8 – Deve, ainda, a apreciação do recurso de revista extraordinário, interposto com fundamento no artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do C.P.C., ser indeferido por falta de cumprimento dos pressupostos ou condicionantes estabelecidas naquela disposição e na norma do n.º 2, alínea c), do artigo 672.º.<br>Porquanto,<br>3.9 – O recorrente não alega os aspectos de identidade que estarão na origem do recurso de revista excepcional, não apresenta cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento, nem demonstra, de resto, que tal decisão transitou em julgado.<br>De qualquer forma, <br>3.10 – É manifesto que o Acórdão recorrido e o acórdão-fundamento não incidem sobre a mesma questão de direito e, por tal, não existe qualquer contradição entre os mesmos, subsistindo, apenas, remotamente, uma mera oposição implícita ou pressuposta e não uma frontal oposição na vexata quaestio.<br>Não obstante isso,<br>3.11 – O Acórdão recorrido não é passível de qualquer crítica ou censura, porque não violou qualquer disposição legal, substantiva ou processual, e, como tal, deverá ser mantido, integralmente, nos seus precisos termos. <br>Com efeito,<br>3.12 – O Apelante insurge-se, somente, quanto à parcial alteração da decisão sobre a matéria de facto, emanada pelo Tribunal recorrido, quanto ao ponto 4. dos factos provados, de molde a nele fazer incluir, como pertença de JJ, pelo menos, e além do mais, as quantias depositadas, à ordem ou a prazo, na instituição de bancária acima melhor referenciada.<br>3.13 – Sustentando que aqueles factos apenas poderiam ser considerados provados através do contrato de depósito e do contrato (vulgo “ficha”) de abertura de conta e não, como sucedeu, no seu entendimento, apenas, e só, pelo teor do documento n.º 18 da Petição inicial, constante de fls. 170, dos autos em papel.<br>Cremos nós, ao invés,<br>3.14 – Que os contratos de abertura de conta bancária e de depósito bancário são negócios de natureza, meramente, consensual, não resultando da lei qualquer imposição quanto à forma ou prova da abertura de conta (ou depósito), ou seja, quanto à forma e consequente força probatória e validade do respectivo contrato.<br>E,<br>3.15 – Que a demonstração da existência e titularidade das quantias depositadas em contas bancárias podem ser comprovadas, judicialmente, por qualquer meio de prova legalmente admissível, especificadamente, por confissão ou por documento particular com a força probatória plena como, in casu, sucedeu.<br>Pois, <br>3.16 – Não resulta da lei qualquer imposição quanto à forma ou prova da abertura de conta (ou depósito), ou seja, quanto à forma e consequente força probatória e validade do respectivo contrato.<br>Por conseguinte,<br>3.17 – Não existindo lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência de uma conta bancária e dos montantes nelas depositado ou que fixe a força de determinado meio de prova.<br>Nesta perspectiva,<br>3.18 – Revisando o teor das peças processuais relevantes para a matéria, ora, em apreciação – sem prejuízo do entendimento supra perpassado que tal avaliação estará fora das competências atribuídas ao Supremo Tribunal de Justiça – constatamos que o Apelante nunca contestou ou impugnou a relação de bens evidenciada nos autos ou a assinatura do documento em causa.<br>Aliás,<br>3.19 – Sempre assumiu, expressamente, que tinha ficado com os bens que o seu pai, o falecido DD tinha em Portugal.<br>E,<br>3.20 – A impugnação que o mesmo entende ter aduzido mais não passa do que uma impugnação genérica, global e não concretizada que não é compatível com o ónus de impugnação que se impõe, sobretudo, numa situação onde o Apelante entende ser exigível uma certa espécie de prova.<br>Efectivamente,<br>3.21 – A simples e incipiente afirmação: (…) impugnando-se todos os documentos juntos com o mesmo articulado legal (…), firmada pelo Apelante nos articulados, não é impugnação da letra ou assinatura a que se refere o artigo 374.º nem a arguição da falsidade do documento a que se refere o artigo 376.º, ambos do C.C.<br>3.22 – A simples afirmação impugnam-se os documentos firmada pelo Apelante nenhum relevo tem nesta sede nem põe em crise a genuidade do documento apresentado pelo ora Apelado.<br>E, assim,<br>3.23 – Face à atitude do Apelante (não impugnação), considera-se reconhecida a autoria do documento (nos termos do artigo 374.º, do C.C.).<br>Pelo que,<br>3.24 – Bem andou o Tribunal da Relação de Évora ao proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto provada nos moldes gizados no Acórdão recorrido.<br>Sem prejuízo disso,<br>3.25 – Uma eventual procedência da argumentação gizada pelo Apelante na suas Alegações de Recurso – que não se concebe, mas se admite, aqui, por mero exercício académico – não conduziria à imediata revogação da decisão de alteração da matéria de facto considerada provada pelo tribunal de primeira instância.<br>Já que,<br>3.26 - Considerando indevidamente provado um certo facto e se a prova do mesmo não pode ser realizada perante o Supremo Tribunal de Justiça através de documentos juntos ou a juntar, deve aquele tribunal superior determinar a baixa ao tribunal recorrido para que neste se realize a prova necessária, nomeadamente, promovendo o Tribunal a quo as faculdades que lhe são processualmente cometidos, actualmente, na busca da verdade material e na justa composição do litígio.<br>Porquanto,<br>3.27 – No contexto de facto e desenvolvimentos processuais supra referenciados, deve o Supremo Tribunal de Justiça determinar que o Tribunal recorrido ordene a junção do(s) documento(s) necessários para comprovar a existência das 4 (quatro) identificadas contas bancárias em causa nos presentes autos, em conformidade com o disposto nos artigos 6.º, 411.º e 662.º, do C.P.C.<br>3.28 – Designadamente, ordenando a produção da certa espécie de prova para a existência do facto que a norma violada dispõe.<br>Finalmente,<br>3.29 – Cumpre sedimentar que os argumentos perpassados na decisão recorrida no que concerne à dispensa do pagamento da taxa de justiça no recurso de apelação do Tribunal de primeira instância para o Tribunal da Relação de Évora têm, salvo melhor entendimento, total aplicação à taxa de justiça devida com o presente recurso de revista.<br>Pelo que,<br>3.30 – A dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso pelo Apelado justificar-se-á, também, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do R.C.P., pois, fundamentalmente, as únicas questões a apreciar nesta sede cingem-se, unicamente, à apreciação da admissibilidade do recurso de revista, ordinário ou extraordinário, e à avaliação da decisão de modificação da matéria de facto realizada pelo Tribunal da Relação de Évora.<br>Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerando Tribunal, deve a apreciação do presente recurso de revista, ordinário e/ou extraordinário, ser indeferido, por inadmissibilidade legal.<br>Não obstante isso, sempre o mesmo deverá ser julgado totalmente improcedente determinando-se, em consequência, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora deverá ser, integralmente, mantida.<br>Porém, V. Ex.as decidirão como for de JUSTIÇA.</span></span></p><p><span><span>O recurso foi admitido como revista, o que não merece discussão.</span></span></p><p><span><span>Cumpre apreciar e decidir. </span></span></p><p><span><span>II – Fundamentação</span></span></p><p><span><span>II.1. Nas instâncias foi dada como provada a seguinte factualidade (com as alterações introduzidas pela Relação):</span></span></p><p><span><span>O autor da herança <br>1. DD faleceu no dia ..., na freguesia de Nossa .., concelho ..., no estado de casado com AA, ora Autora, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. [Vide fls. 19 e 20 e fls.l72] <br>Os herdeiros <br>2. O Autor BB é filho registado de DD. [Vide fls. 130v, 131 e 1711 <br>3. O Réu CC é filho registado de DD e de AA. [Vide fls. 156] <br>Os bens da herança <br>4. Era pertença de JJ, pelo menos, <br>a) os seguintes imóveis: <br>1. Prédio rústico, sito no lugar de ..., ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número cinco mil trezentos e setenta e nove daquela freguesia, registada a favor do autor a herança pela Ap. oito mil novecentos e oitenta e dois/zero nove/trinta, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 17 secção BL com o valor patrimonial de €475,59. <br>2. Prédio rústico, sito no lugar de ..., limite de ..., pousio com oliveiras com a área de mil novecentos e setenta e dois metros quadrados, a confrontar do norte com FF, do sul com GG, do nascente com HH e do poente com ribeiro, freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ... anterior artigo ... da freguesia da ..., com o valor patrimonial de €328,04. <br>3. Prédio urbano, para habitação e logradouro, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número setecentos e quarenta e um da freguesia de ..., registado a favor de II pela Ap. Nove mil novecentos e noventa e quatro/zero um/catorze, inscrito na matriz sob o artigo 2178, anterior artigo urbano 2006 da freguesia de ..., com o valor patrimonial de €73.390,00. <br>Que o prédio veio à posse do autor da herança por escritura de compra lavrada a folha cento e quarenta e duas do livro seiscentos e quarenta e cinco-A do extinto Cartório Notarial .... <br>b) os seguintes móveis: <br>1. Veículo ligeiro da marca ..., com matrícula - CA- <br>2. Arma de caça, marca ..., Modelo de série ..., Livrete n.º .... <br>c) as seguintes quantias: <br>1. € 16.782,41, depositados na conta à ordem n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>2. € 135.607,50, depositados na conta a prazo n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>3. € 200.900,00, depositados na conta a prazo n.º ..., domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>4. € 1.130.000,00, depositados na conta a prazo n.º ... domiciliada no MILLENIUM BCP. <br>5. No dia 19 de Novembro de 2015, no Cartório Notarial ... e perante a Notária EE, o ora Réu CC declarou:<br>Habilitação, representação e partilha <br>"Que é cabeça de casal na herança a cuja habilitação de herdeiros a seguir se procede:<br>Que, no dia quinze de novembro de dois mil e quinze, na freguesia de Nossa .., concelho ..., faleceu seu pai DD, natural da freguesia de ..., concelho ... e que teve a sua última residência na Rua … n" …, ..., ..., ... e ..., ..., no estado de casado em primeira núpcias de ambos sob o regime imperativo de separação de bens com AA. <br>Que o falecido não deixou testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, tendo deixado por seus herdeiros: <br>O cônjuge sobrevivo, AA, viúva, natural da freguesia ..., concelho de ..., residente em ...., …, …, .... <br>Seu único filho: <br>Ele outorgante, CC, acima identificado. <br>Que, as indicadas pessoas são os únicos e universais herdeiros do falecido, não havendo quem lhes prefira ou com eles possa concorrer à sucessão. " [fls.46 a 48] <br>6. No dia 04 de Janeiro de 2016, na Chancelaria do Consulado Geral de Portugal em ..., ..., AA, outorgou a favor de CC, uma procuração, mediante a qual lhe concedia poderes para "Com os demais interessados proceder à partilha dos bens deixados por óbito de DD, natural de ..., ..., falecido em …, residente que foi em ..., concorda com a composição dos respectivos quinhões, dar ou receber tornas e dar a respectiva quitação" <br>7. Mediante o mesmo instrumento concedeu, ainda, poderes para "Vender, pelo preço, cláusulas e condições que entender convenientes, quaisquer prédios que pertençam à herança aberta por óbito do referido DD, realizar as respectivas escrituras e receber o preço e dele dará a respectiva quitação," <br>8. E ainda para”... movimentar qualquer conta de que seja titular, podendo fazer depósitos e levantamentos, podendo requerer qualquer informação e solicitar extratos" [Vide fls. 41 e 42] <br>9. No dia 22 de Janeiro de 2016, no Cartório Notarial ..., perante a Notária EE, o ora Réu CC, por si e na qualidade de procurador de AA, no uso da procuração que lhe conferia poderes para fazer negócios consigo mesmo, outorgou escritura pública de partilha do património de DD [Vide fls, 49 a 53] <br>10. Declarou na referida escritura que o património de DD era "...composto pelos seguintes imóveis, não contíguos os rústicos entre si: <br>1. Prédio rústico, sito no lugar de ..., ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número cinco mil trezentos e setenta e nove daquela freguesia, registada a favor do autor a herança pela Ap. oito mil novecentos e oitenta e dois/zero nove/trinta, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 17 secção BL com o valor patrimonial de € 475,59 e a que atribuem igual valor.<br>2. Prédio rústico, sito no lugar de ..., limite de ..., pousio com oliveiras com a área de mil novecentos e setenta e dois metros quadrados, a confrontar do norte com FF, do sul com GG, do nascente com HH e do poente com ribeiro, freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ... anterior artigo ... da freguesia da ..., com o valor patrimonial de €328,04 e a que atribuem igual valor.<br>3. Prédio urbano, para habitação e logradouro, sito no lugar de ..., freguesia de ..., ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número setecentos e quarenta e um da freguesia de ..., registado a favor de II pela Ap. Nove mil novecentos e noventa e quatro/zero um/catorze, inscrito na matriz sob o artigo 2178, anterior artigo urbano 2006 da freguesia de ..., com o valor patrimonial de €73.390,00 e a que atribuem igual valor. <br>Que o prédio veio à posse do autor da herança por escritura de compra lavrada a folha cento e quarenta e duas do livro seiscentos e quarenta e cinco-A do extinto Cartório Notarial ...." <br>11. Na referida escritura é, ainda, mencionado: <br>"Que somam os bens a partir o valor global de setenta e quatro mil cento e noventa e três euros e sessenta e três cêntimos. <br>Este valor divide-se em duas partes iguais de trinta e sete mil e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos, que constituem o quinhão hereditário de cada herdeiro. <br>PROCEDEM À PARTILHA PELA FORMA SEGUINTE: <br>Que em pagamento do outorgante, são-lhe adjudicados todos os imóveis acima identificados, no valor global de setenta e quatro mil cento e noventa e três euros e sessenta e três cêntimos levando a mais do que o seu direito o valor de trinta e sete mil e noventa e seis euros e oitenta e dois cêntimos, que já entregou à sua representada em dinheiro a título de tornas, tendo a mesma declarado já ter recebido." [Vide fls. 49 a 53] <br>12. No dia 02 de Fevereiro de 2016, na Chancelaria do Consulado Geral de Portugal em ..., ..., AA, na qualidade de herdeira de JJ, outorgou a favor de CC Maia, uma procuração, mediante a qual lhe conferia "os suficientes poderes para em seu nome e representação, junto do Banco Comercial Português S.A., receber os valores depositados em nome do falecido, dando a respectiva quitação, bem assim como para celebrar negócios consigo mesmo, requerer e assinar tudo o que se torne necessários ao indicado fim, (Vide fls.43] <br>13. O Réu CC outorgou as escrituras de habilitação e de partilha referidas nos pontos 5. e 9. a 11., prestando declarações que sabia não serem verdadeiras e omitindo propositadamente a existência do Autor BB como herdeiro, com a finalidade de se apropriar de todos os bens.</span></span></p><p><span><span>II.2. – Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 637.º, n.º 2, e 639.º, n.os 1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nela colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 608.º, n.º 2, também do CPC. </span></span></p><p><span><span>São, consequentemente, apenas objecto do recurso as seguintes:</span></span></p><p><span><span>a) Violação das regras relativas à prova na alteração da matéria de facto;<br>b) Violação do princípio do contraditório e dos artigos 341.º e ss. do CC;<br>c) Contradição com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Março de 2011, in proc. n.º 281/07.9TBSVV.C1.S1.</span></span></p><p><span><span>II.3. – É sabido, serem exíguos os poderes do STJ no domínio da matéria de facto.</span></span></p><p><span><span>A alteração pela Relação da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto é uma faculdade prevista no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, na redacção da Lei 41/2013 de 26 de Junho.</span></span></p><p><span><span>As decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo não admitem recurso, ex vi do disposto no seu n.º 4. </span></span></p><p><span><span>Este normativo não é inovador relativamente à lei processual anterior já que o n.º 6 do artigo 712.º CPC consagrava a mesma regra na sequência da adopção de um entendimento jurisprudencial maioritário nesse mesmo sentido (cf | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QjKdu4YBgYBz1XKvKiOJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. - RELATÓRIO</font></b>
</p><p><font>Em dissensão com o julgado proferido na apelação que havia impulsado da decisão da primeira instância, que havia julgado “[a] acção parcialmente procedente, reconhecendo às Autoras a qualidade de herdeiras de AA e condenando a Ré, BB, a reconhecer que o veículo com a matrícula -0R e a quantia de € 1.550,00 (mil, quinhentos e cinquenta euros) são propriedade da herança deixada por óbito daquele AA e, em consequência, condenar a Ré a entregar aquele veículo e aquela quantia às Autoras, sendo esta acrescida de juros remuneratórios à taxa legal, calculados desde 12 de Abril de 2006 e até integral pagamento, absolvendo a Ré de tudo o mais que vem peticionado”; e “[a] reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condenar as Autoras, CC e DD, a reconhecerem que a Ré é a exclusiva proprietária do veículo com a matrícula -GT e a absterem-se de qualquer acto perturbador do exercício desse direito, absolvendo as Autoras do mais que vem peticionado”, recorre, de revista, a Ré/reconvinte, BB, havendo a considerar os sequentes,</font>
</p><p><b><font>I.A. – Antecedentes Processuais.</font></b>
</p><p><font>CC e DD, interpuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Felgueiras, 2º Juízo, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB e EE, na qual foi peticionaram: “o reconhecimento da sua qualidade sucessória e, em consequência, estes condenadas a entregarem todos os bens que compõem a herança do falecido AA, nomeadamente constantes dos nºs 8, 31, 36 e 41 da Petição Inicial; o ordenamento do cancelamento do registo de propriedade sobre o Renault Clio, com a matrícula -GT e/ou de todos os registos posteriores ao falecimento do mesmo AA, com referência aos veículos que se fazem referência nos autos; a declaração de nulidade da venda de um gerador de corrente ou, caso se prove a boa-fé do comprador, a condenação da R a restituir-lhes a quantia de 400,00 €, assim como a pagarem-lhes a quantia de 1.550,00 € levantada de conta bancária de tal falecido; ser considerada a posse dos RR ilegal e de má-fé; e condenados os RR a uma indemnização pelos prejuízos decorrente da recusa injustificada da entrega dos bens reclamados.”</font>
</p><p><font>Alegaram, para tanto, em síntese apertada, serem herdeiras do falecido (filhas), o qual viveu cerca de nove anos em união de facto com a R, tendo esta ficado na posse de todos os bens que integravam a sua herança. Alguns dias depois da sua morte a R entregou alguns dos seus bens mas não lhes entregou vários outros (um veículo Mercedes, com a matrícula -KD, um estabelecimento comercial “A ...”, várias moedas, peças de relojoaria, anéis, fios, pulseiras, o recheio da casa de habitação, um cofre, dinheiro, documentos, registos, apólices, uma máquina fotográfica, um telemóvel, uma mira de carabina telescópica, um veículo marca Nissan, com a matrícula -OR, um veículo marca Renault, com a matrícula -GT e três outros veículos como um de marca Austin, um BMW antigo e um Renault 11 ou 9, quanto a estes, desconhecendo-se se a sua propriedade se encontra devidamente registada a favor do de cujus, ainda a quantia de 1.550,00 € de conta bancária, cujo único titular era o falecido e a soma de 400,00 € relativa à venda, efectuada pela R a terceiro de um gerador de corrente, que era também da propriedade do falecido), e o R mantém em sua posse uma moto BMW com a matrícula …II, também da propriedade do falecido, assim, considerando essas posses ilegítimas e de má-fé.</font>
</p><p><font>Regularmente citados, veio o R alegar, sumariamente, que se dedica ao exercício da actividade comercial de compra e venda de veículos motorizados, detinha um crédito sobre o falecido, os negócios da auto-caravana e da moto BMW foram distintos, o primeiro concretizando-se plenamente e, por isso, as AA litigam de má-fé. Em reconvenção, peticionou a condenação das AA a pagarem-lhe uma indemnização a “liquidar em execução de sentença”, mas nunca inferior a 3.000,00 €, devido à privação de disposição plena e livre daquela moto por causa de providência cautelar, assim como, por causa de tal litigância, em multa e indemnização a seu favor em montante igualmente a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>Por sua banda, a R alegou, em síntese, a ineptidão da petição inicial, a sua ilegitimidade “material”, por as AA por não poderem peticionarem a nulidade de negócio contra si, e a ilegitimidade das AA.</font>
</p><p><font>Em sede impugnatória, afirmaram, em súmula, desconhecer certos factos, que o falecido, quando se divorciou foi viver em sua casa, desde 1998, onde está instalado o dito estabelecimento comercial, sendo ela quem o geria e explorava de forma individual e autónoma, a conta bancária citada tinha dinheiro seu e do falecido, afirmando-se sua “co-titular”. Mais frima que entregou às AA todos os bens que pertenciam ao falecido e alguns dos que são referidos no nº 8 da Petição Inicial, desconhece a sua existência, desconhecia a situação jurídica de veículos comercializados pelo falecido, sendo que era seu o veículo Renault Clio, com matrícula -GT bem como o veículo Nissan com matricula -OR, pelos motivos aduzidos nos nºs 26 a 54 da contestação. Quanto ao que se refere no nº 28 do articulado inicial, atinente com o estabelecimento comercial, os bens móveis do mesmo, mais que não fosse, foram por si adquiridos por usucapião. Adio que estes procedimentos judiciais lhe estão a causar danos patrimoniais e de natureza moral e, finalmente, que as AA litigam de má fé. </font>
</p><p><font>Termina deduzindo pedido reconvencional, para as AA sejam condenadas a reconhecerem: “que é única dona e exclusiva possuidora e legitima proprietária do dito estabelecimento comercial, constituído e integrado pelos bens que designou no nº 30 da contestação, abstendo-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício; o mesmo acontecendo com o recheio da sua casa de habitação, adquirido por via derivada (dois guarda fatos, mesa de cabeceira, cómoda e cama); com os veículos automóveis com as matrículas -OR (Nissan Navarra), desde 05.03.202, e -GT (Renault Clio), desde Dezembro de 2005, adquiridos por via derivada, no primeiro caso declarando-se ainda a caducidade do respectivo registo; com um telemóvel (Vitamina Sharp, 703); ser legítima contitular da conta nº …; bem como, a pagarem-lhe uma indemnização nunca inferior a 5.000,00 € por litigância de má fé e uma indemnização a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela restrição do direito de propriedade em consequência do decretamento da providência cautelar apensa; igualmente, a título subsidiário; que contribuiu com o montante de 15.000,00 € na aquisição no citado veículo de matricula -OR e a restituírem-lhe esse valor; que foram depositados na aludida conta 2.000,00 € pelo que restituírem-lhe esse valor, em ambos os casos, nomeadamente pelo mecanismo do enriquecimento sem causa; e ser a única e exclusiva possuidora e dona, quer por aquisição derivada quer por aquisição originária, assente na usucapião, de todos os bens móveis que compõem o aludido estabelecimento comercial referidos no citado nº 30.”</font>
</p><p><font>Foi apresentada réplica relativamente a ambas as contestações, onde se respondeu à citada nulidade de ineptidão de petição inicial, à excepção de ilegitimidade e às reconvenções, requereu-se a ampliação da causa de pedir quanto à aceitação da herança, ao alegado no nº 5 da contestação e ao pedido de cancelamento de registo de propriedade de veículos, a título subsidiário, no que respeita designadamente à natureza da posse do falecido sobre os bens que se invocaram como dele, e, igualmente subsidiariamente, do pedido. No mais, mantendo a sua posição inicial, referiram também que a coabitação entre o falecido e a R foi iniciada em princípios de 1997 e, desde 24.05.2000, toda a facturação do estabelecimento era apresentada nos Serviços de Finanças em nome do falecido e, não obstante isso, todos os actos necessários à sua abertura foram requeridos pelo mesmo. Aceitaram e aceitam a herança do falecido, e dessume pedindo a qualificação da Ré como litigante de má fé, bem como o R, e que aquela age em abuso de direito.</font>
</p><p><font>A ampliação do pedido consistia em os RR serem condenados a reconhecerem que o falecido era o único dono e legítimo proprietário dos bens identificados nos nºs 8, 31, 36 e 42 da Petição Inicial, quer por via derivada quer por via originária assente na usucapião, e para a hipótese de alguns bens cuja restituição se peticiona não serem encontrados, serem condenados também numa indemnização por equivalente, a ser determinado em execução de sentença, assim como serem condenados como litigantes de má fé e considerar-se a R ter agido em abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio.</font>
</p><p><font>Os RR treplicaram, ambos persistindo nas suas posições que já haviam assumido nos articulados precedentes.</font>
</p><p><font>A fls. 382 a 385, vieram as AA requerer intervenção principal provocada de FF e GG, o que foi indeferido a fls. 443.</font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador (fls. 444 a 460) onde foram admitidas as reconvenções, se rejeitou a ampliação do pedido e da causa de pedir formulados pelas AA, se julgou não haver ineptidão da Petição Inicial e não serem as partes ilegítimas, tendo-se fixado também os factos assentes e a Base Instrutória.</font>
</p><p><font>Apensos a estes autos, está a providência cautelar de arrolamento interposta pelas AA contra a R de que resultou o seu provimento (A, fls. 109 a 119) e o Recurso de Agravo, interposto pela R deste, que não obteve provimento (B). </font>
</p><p><font>Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, altura em que AA e o R transigiram e foi proferida decisão sobre a matéria de facto, não se constatando qualquer reclamação (fls. 606 a 608, 679/680 e 684 a 697). </font>
</p><p><font>Foi prolatada sentença, na qual se julgou a acção e a reconvenção parcialmente procedente, reconhecendo-se às AA a qualidade de herdeiras do citado falecido e condenando-se a R a reconhecer que o veículo com a matrícula -OR e a quantia de 1.550,00 € são propriedade da herança deixada por óbito daquele e, em consequência, condenando-se ainda a mesma a entregar aquele veículo e aquela quantia às AA, sendo esta acrescida de juros remuneratórios à taxa legal, calculados desde 12.04.2006 até integral pagamento, bem como ainda absolvendo-se a R de tudo o mais que contra ela foi peticionado, quanto à reconvenção, condenando-se as AA a reconhecerem que a R é a exclusiva proprietária do veículo com a matrícula -GT e a absterem-se de qualquer acto perturbador do exercício desse direito, e, igualmente absolvendo-se as AA do mais que contra si foi pedido.</font>
</p><p><font>Da sentença prolatada interpôs recurso de apelação a R., tendo este vindo a ser julgado, improcedente. </font>
</p><p><font>Irresignada com a sorte dada à apelação, recorre, de revista a demandada, tendo dessumido a arenga alegatória com o sequente:</font>
</p><p><b><font>I.B. – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><font>1.º) Face à matéria de facto dada como Assente em </font><u><font>D); E) e F)</font></u><font> em conjugação com as respostas dadas aos quesitos </font><u><font>38.º a 42.º</font></u><font> da base instrutória e, ainda, com a </font><u><font>resposta positiva</font></u><font> que legalmente merece o </font><u><font>quesito 53.º</font></u><font> da base instrutória, deverá, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 408.º, n.º 1; 879.º, al. a); 1252.º, n.º 2; 1253.º, n.º 1; 1259.º; 1260.º; 1268.º; 1287.º; 1288.º; 1299.º, n.º 1 todos do Código Civil e a Doutrina fixada no Acórdão de uniformização de Jurisprudência de 14.05.2006 publicado DR n.º 144 de 24.061996, ser dado provimento ao pedido formulado a título principal na al. a) da reconvenção ou seja: “Declarar-se ser as Autoras condenadas a reconhecer que a Ré é a única, dona, legitima possuidora e exclusiva proprietária do estabelecimento comercial de bebidas denominada “A ..." composto por um café e uma tasca sito no lugar do Assento, Vila Cova da Lixa, constituído e integrado pelos bens referidos no art. 30° supra, os quais por uma questão de economia processual aqui se dão por reproduzidos, e absterem-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício</font><i><font>" </font></i>
</p><p><font>2.º) O Tribunal “ad quem" ao decidir manter a resposta negativa ao quesito 53.º da base instrutória, incorreu numa incorrecta interpretação dos preceitos legais relevantes al. a) do art. 1253.º e n.º 1 do art. 1260.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>É que a conclusão de que existiu posse não exige a prova </font><i><font>positiva </font></i><font>da existência da intenção de actuar como proprietário. O n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil inverte o ónus da prova quanto à existência de </font><i><font>posse, </font></i><font>assente na prova da </font><i><font>detenção. </font></i>
</p><p><font>No caso, provada a detenção, incumbia à parte contrária, nos termos do n.º 2 do artigo 1252.º e da doutrina fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribuna de Justiça de 14.05.2006 publicado no DR n.º 144, de 24.06.1996, ter ilidido a presunção de posse, demonstrando-se estar-se presente uma das situações previstas nas diversas alíneas do artigo 1253.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>Não havendo qualquer prova de que a recorrente agiu sem intenção de actuar como proprietária, da prova da detenção extrai-se a presunção de posse. </font>
</p><p><font>Considera-se assim que a recorrente adquiriu a posse "pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, de acordo e de harmonia com o que dispõe o artigo 1263.º a) do Código Civil", pelo que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal" ad quem", a Ré ora Recorrente tem a posse causal do estabelecimento comercial, devendo por isso em consequência ser dado provimento ao pedido reconvencional declarando-se do mesmo ser sua dona e legitima possuidora. </font>
</p><p><font>3.º) Com o mesmo fundamento jurídico aduzido para o pedido principal, refere-se que face à matéria dada como assente em </font><u><font>D); E) e F)</font></u><font> em conjugação com as respostas dadas aos quesitos </font><u><font>38.º a 42.º, 44.º a 48.º</font></u><font> da base instrutória, e à </font><u><font>resposta positiva</font></u><font> que legalmente merece o art. 53.º da base instrutória, deve esse douto Supremo Tribunal de Justiça e atento o disposto nos arts. 408.º, n.º 1; 879.º, al. a); n.º 2 do 1252.º; 1253.º, n.º 1; 1259.º; 1260.º; 1268.º; 1287.º; 1288.º; 1299.º, n.º 1; 1287.º, 1288.º, 1299.º; 1 1316.º e 1317.º, a) do Código Civil, dar provimento ao pedido subsidiário formulada pela Ré/ Reconvinda/Recorrente e, em consequência, declarar ser as Autoras condenadas a reconhecer que a Ré é a única, dona, legitima possuidora e exclusiva proprietária quer por via derivada quer por via originária assente na usucapião, de todos os bens móveis que compõem o estabelecimento comercial referido no art. 8.º da petição inicial e 30.º da contestação e que por uma questão de economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos. </font>
</p><p><font>4.º)</font><b><font> </font></b><font>A matéria dada como </font><u><font>assente</font></u><font> em </font><u><font>O); E) e F)</font></u><font>em conjugação com as </font><u><font>respostas</font></u><font> dadas aos quesitos </font><u><font>38.º a 53.º</font></u><font>e, bem assim, ao quesito </font><u><font>75.º </font></u><font>da base instrutória, consubstancia a violação do direito de propriedade num dos seus núcleos e, por isso, tal comportamento é gerador de responsabilidade extra-contratual cuja tutela jurídica advém do art. 483.º e seguintes do Código Civil, tanto mais que na petição inicial não se mostram alegados quaisquer factos sustentadores da titularidade sobre o estabelecimento comercial em questão, mau grado tratar-se de uma acção de natureza real, o que por si só induz e demonstra a falta de possibilidade séria por parte das Autoras, de harmonia com o disposto nos art. 387.º, n.º 1 e 423.º, n.º 1 do C.P. Civil, da verificação da probabilidade da procedência da acção principal, encontrando-se assim preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, desse modo, deve proceder na íntegra o pedido formulado pela Ré ora Recorrente a título principal sob a alínea f) da sua reconvenção; </font>
</p><p><font>5.º) Da formulação factual e da resposta dada o quesito 62.º da base instrutória dúvidas não restam que a Ré ora Recorrente utilizava o veículo para o transporte de mercadorias, pelo que, nos termos do disposto no art. 1253.º do Código Civil, é a mesma detentora do veículo No entanto caso assim se não entenda sempre deverá esse douto e Venerando Supremo Tribunal de Justiça usar da prerrogativa prevista no n.º 3 do art. 729.º do C.P. Civil ordenando a ampliação da matéria de facto. No que se refere à resposta negativa dada ao quesito </font><u><font>63.º.</font></u><font> pelas razões e argumentos já apontadas no presente recurso e que verte dos pontos 1.º, 2.º e 3.º das presentes conclusões as quais que aqui se dão por reproduzidas por uma questão de economia processual, atento as disposições combinadas dos art. 1252.º, n.º 2 e 1253.º do Código Civil e a doutrina fixada no Acórdão de fixação de Jurisprudência publicado no DR 11 Série, n.º 144, de 24.06.1996, tal resposta negativa deverá ser alterada e ao invés deve a mesma ter uma resposta positiva e, em consequência, deverá a Ré/Reconvinte/ Recorrente ser considerada possuidora ou pelo menos compossuidora do veículo automóvel de marca" Nissan Navara 4x4 de matrícula -0R". </font>
</p><p><font>6.º) O Tribunal " a quo" na resposta ao referido quesito 62.º da base instrutória, não respeita as regras da repartição do "ónus da prova" na medida em que nos termos das disposições conjugadas dos arts. 1268.º, n.º 1 e 342.º, n.ºs 2 e 3 todos do Código Civil, uma vez gozando da presunção do registo, incumbia-lhes a prova da data do inicio da posse, </font><u><font>dado esse facto configurar uma facto extintivo, pelo que deverá esse douto Supremo Tribunal ao abrigo do disposto nos artigos 722.º, n.º 2 e 684.º-A, n.º 2 ambos do C.P. Civil, alterar a resposta dada ao quesito 62.º, ficando, a constar, o alegado dia 5 de Março de 2002</font></u><font>, como data do inicio da posse ou composse por parte da Ré ora Recorrente e, em consequência, nos termos do disposto no art. 1268.º, n.º 1 do Código Civil, dando provimento ao pedido formulado pela Ré/Reconvinte/Recorrente na al. c) da reconvenção, declarar ser as Autoras condenadas a reconhecer que a Ré é única dona, legitima possuidora continua e ininterruptamente desde 5 de Março de 2002 e por via derivada exclusiva proprietária do veículo automóvel de marca" Nissan Navara 4 x 4" de cor cinza escura, com a matricula -OR, e absterem-se de quaisquer actos turbadores do seu exercício, devendo em consequência declarar-se a caducidade do respectivo registo. </font>
</p><p><font>7.º)</font><b><font> </font></b><font>Da matéria </font><u><font>constante de C) dos factos assentes</font></u><font> resulta, nos termos dos arts. 374.º, n.º 1 e 376.º, n.º 2 do Código Civil, a força formal e material, documento de fls. 68 do apenso A, intitulado termo de entrega datado de 7 de Março de 2006", pelo que, as declarações constantes desse documento tem </font><u><font>força probatória plena</font></u><font> quanto aos factos nela contidas, na medida em que são contrários os interesses da Autora conforme resulta da impugnação à matéria alegada pela Ré nos artes 27.º e 28.º da sua reconvenção. Do referido documento consta além do mais: "a carrinha Navarra foi paga pela D. BB em dinheiro (cerca de 3.000 contos), foi comprada em Lousada na feira do automóvel. Será fornecida cópia do registo de propriedade e Livrete à mandatária das herdeiras, bem como a indicação e o local onde o mesmo se encontra</font><i><font>". </font></i>
</p><p><font>No</font><b><font> </font></b><font>quesito 59.º pergunta-se</font><b><font>: </font></b><font>Para a ré concretizar a aquisição do OR, a ré entregou ao dono HH € 15.000? </font>
</p><p><font>E respondeu-se – Não provado. </font>
</p><p><font>Este quesito teve como fonte a matéria alegada pela Ré ora Recorrente nos arts. 27.º e 28.º da sua reconvenção, impugnada pelas Autoras, pelo que, sustentando as Autoras que a Ré ora Recorrente não entregou para pagamento da carrinha a quantia de 3.000 contos ou € 15.000,00, as declarações contidas em tal documento é contrária aos seus interesses, o que implica que seja atribuído nos termos do disposto nos arts. 374.º, n.º 1 e 376.º, n.º 2 do Código Civil força probatória plena aos factos nele contidas, devendo, por isso, o quesito 59.º, da base instrutória, merecer </font><u><font>resposta positiva</font></u><font>. Assim, deve esse douto Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos arts. 722.º, n.º 2 e 684.º-A, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, alterar a resposta dada ao quesito 59.º da base instrutória no sentido de a mesma ser </font><u><font>considerada como provada</font></u><font>. </font>
</p><p><font>8.º) Face ao principio da indivisibilidade da confissão previsto no art. 360.º do Código Civil, a resposta ao quesito 59.º da base instrutória deve considerar-se, nos termos do disposto no art. 649.º do C.P.C, </font><u><font>não escrita</font></u><font> na medida em que o documento referido na </font><u><font>al. C) dos factos assentes</font></u><font> tem força probatória plena e não se mostra alegado pelas Autoras factos extintivos referentes à entrega pela Ré ora Recorrente da quantia de 3.000 contos, sendo certo que, o referido quesito 59.º tem por fonte a matéria alegada pela Ré nos arts. 27.º e 28.º da sua reconvenção e impugnada pelas Autoras </font>
</p><p><font>9.º) A resposta ao quesito 25.º é suportada na confissão judicial, assim as Autoras Recorridas uma vez herdeiras, face ao disposto nas disposições conjugadas dos arts. 360.º do CC (principio da indivisibilidade da confissão) e 2068.º e 2071.º, n.º 2 do CC (responsabilidade da herança e do herdeiro), para ver reconhecido o peticionado direito à quantia em questão, teriam obrigatoriamente de </font><u><font>fazer prova do pagamento das despesas com o funeral, pelo que</font></u><font> não se mostrando verificada essa prova de pagamento, ao invés da condenação, o Tribunal deveria isso sim absolver a Ré do pedido peticionado pelas Autoras/Recorridas e consistente na restituição da quantia de €1.550,00 e respectivos juros. </font>
</p><p><font>10.º) A presente decisão violou entre outras: Doutrina fixada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14.06.96-DR n.º 144 de 24.06.96; arts. 342.º, n.º 2 e 3; 350.º; 363.º; 374.º; 376.º; 483.º; 1260.º; 1287.º; 1299.ª; 1305.º; 2068.º; e 2071.º, todos do Código Civil </font>
</p><p><font>Termos em que</font><b><font> </font></b><font>deve ser dado provimento ao presente Recurso e em consequência, proferir douta decisão a condenar as Autoras Recorridas nos pedidos formulados pela Ré Recorrente na reconvenção a </font><u><font>titulo principal</font></u><font> sob </font><u><font>as alíneas a), c). e)</font></u><font>, a titulo subsidiário sob as alíneas </font><u><font>a) e c) </font></u>
</p><p><font>As demandantes/recorridas não produziram contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>I.C. – Questões a merecer apreciação</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Os temas que a recorrente pretende ver apreciados na revista que interpôs do julgado prolatado pelo Tribunal da relação de Coimbra, vêm enunciadas a fls. 1042 – a) propriedade e posse do estabelecimento comercial; b) responsabilidade civil extracontratual; c) Posse e propriedade sobre veículo automóvel; d) pedido de restituição da quantia de € 1.550,00 – sendo que para o desiderato pretendido para o sucesso da sua pretensão pede que este Supremo tribunal faça uso dos poderes contidos no artigo 722.º, n.º 2 e 684.º-A, ambos do Código Processo Civil. </font>
</p><p><font>Na economia do quadro conclusivo extractado, tem o tribunal por pertinentes para a solução da revista, as seguintes questões:</font>
</p><p><font>a) - Alteração (modificação) da decisão de facto. Poderes do Supremo Tribunal de Justiça;</font>
</p><p><font>b) - Posse do estabelecimento comercial;</font>
</p><p><font>c) - Detenção e posse sobre um veículo automóvel; </font>
</p><p><font>d) - Responsabilidade civil extracontratual (por as AA. haverem formulado na providência cautelar de arrolamento, o arrolamento do estabelecimento comercial “...” e como isso terem privado, eventualmente, a demandada/reconvinte de transaccionar o estabelecimento, limitando, desta forma o seu direito de propriedade); </font>
</p><p><font>e) - Restituição da quantia de mil quinhentos e cinquenta euros (€ 1.550,00). </font>
</p><p><b><font>II. – Fundamentação.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – De Facto</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Vem adquirida, pela imodificabilidade que a decisão da Relação consolidou à decisão de facto da 1.ª instância, a sequente factualidade:</font>
</p><p><font>“1- No dia 15.02.2006, faleceu AA, no estado de divorciado, sem fazer testamento ou doação por morte, sucedendo-lhe como únicas herdeiras duas filhas, as AA.</font>
</p><p><font>2- Encontra-se registado a favor de II o veículo Renault, de matrícula -GT, pela Ap. 2902 de 10.12.2004 (cfr título de registo de cópia a fls. 159 do apenso A).</font>
</p><p><font>3- Teor declarado do documento de fls. 68 do apenso A, intitulado termo de entrega e datado de 07.03.2006.</font>
</p><p><font>4- Por escrito datado de 13.11.1996, de cópia a fls. 99, cujo teor se dá por repetido, intitulado contrato de arrendamento para comércio, foi consignado que JJ, como senhorio e BB, como inquilina, celebraram um contrato de arrendamento para comércio de café, snack-bar e adega.</font>
</p><p><font>5- Declaração de início de actividade em nome da R, apresentada em 14.11.1996 para a actividade de café e snack-bar e adega, de cópia a fls. 100, cujo teor se dá por repetido.</font>
</p><p><font>6- Teor declarado do alvará de abertura de estabelecimento de bebidas emitido em Maio de 1997 pelo Governo Civil do Porto em nome da R, de cópia a fls. 110.</font>
</p><p><font>7- O falecido AA, há cerca de nove anos, que vivia com a R, como se fossem marido e mulher, partilhando habitação, mesa e leito, no estabelecimento de café, tasca e bebidas denominado a “...”.</font>
</p><p><font>8- Após o óbito do AA, a Ré apoderou-se de 1.550,00 € do falecido, da conta bancária à ordem nº…..</font>
</p><p><font>9- O falecido, há cerca de quinze anos, exercia a actividade de compra e venda de automóveis.</font>
</p><p><font>10- O falecido colocou para venda o seu veículo automóvel com a matrícula DE- no stand M... – Comércio de Automóveis, sito em ..., ..., Vila Meã.</font>
</p><p><font>11- O veículo OB- foi acordado ser adquirido pelo falecido a KK.</font>
</p><p><font>12- A R, entre 15 e 20.02.2006, levantou da conta do falecido, identificada a fls. 74 do apenso A, a soma de 1.550,00 €.</font>
</p><p><font>13- A Ré ajustou e negociou o acordo referido no nº 4 destes factos para si própria, formulando os requerimentos de fls. 100 e 109.</font>
</p><p><font>14- As facturas de fls. 111 a 113 e 129 e a vendas a dinheiro de fls. 130 foram emitidas no nome da R.</font>
</p><p><font>15- Desde a abertura da ... que a R administra tal estabelecimento, encomendando aos fornecedores todos os víveres e géneros e o gás.</font>
</p><p><font>16- A R figura como arrendatária no contrato referido no nº 4 destes factos.</font>
</p><p><font>17- As facturas da água, da taxa de resíduos, da luz e da TV cabo são emitidas no nome da R.</font>
</p><p><font>18- Requeria as licenças camarárias, a sua renovação periódica e realizou obras.</font>
</p><p><font>19- A R pratica os actos referidos nos nºs 13, 14, 15 e 18 destes factos à vista de toda a gente e sem interrupção.</font>
</p><p><font>20- O OR era utilizado no transporte de mercadorias e em deslocações à caça.</font>
</p><p><font>21- A R movimentava tal conta com o cartão multibanco do falecido.</font>
</p><p><font>22- Com a providência do apenso A, a Ré ficou impedida de transaccionar os seus bens.</font>
</p><p><font>23- Encontra-se registado a favor de AA o veículo de marca Nissan, de matrícula -OR, pela Ap.0028 de 15.04.2002 (cfr certidão de fls. 407 e segs. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><font>24- Encontra-se registado a favor de GG o veículo de marca Volkswagen, de matrícula DE-, pela Ap.05246 de 28.04.2006 (cfr certidão de fls. 390 e segs. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><font>25- Encontra-se registado a favor de GG o veículo de marca Mercedes-Benz, de matrícula OB-, pela Ap.05175 de 28/04/2006 (cfr. certidão de fls. 395 e segs. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><font>26- Pela Ap. 03531, de 09.06.2006, a R procedeu ao registo da aquisição do veículo marca Renault, com a matrícula -GT (cfr certidão de fls. 406 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).</font>
</p><p><font>27- Pela Ap.7912 de 20.10.2006, as AA procederam ao registo da acção relativamente ao veículo marca Renault, com a matrícula -GT (cfr certidão de fls. 406 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).”</font>
</p><p><b><font>II.B. – De Direito.</font></b>
</p><p><b><font>II.B.1. – Alteração (modificação) da decisão de facto. Poderes do Supremo tribunal de Justiça.</font></b>
</p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - pelo que a sua capacidade de cognoscibilidade em matéria de recurso (de revista) está confinada a questões de direito - cfr. artigo 722.º e 729.º, ambos do Código Processo Civil. Essa confinação de cognoscibilidade apenas sofre um “desvio” ou entorse nos casos em que o Supremo, analisada a factualidade adquirida pelas instâncias, verifica não ser compaginável com a assumpção ou eleição de uma arrimada decisão de direito. Neste caso, depois de fixar a questão de direito, o Supremo envia o processo para ampliação da decisão de facto para a 2.ª instância. </font>
</p><p><font>Mesmo no campo da possibilidade de censura da decisão de facto os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão confinados aos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 722.º do Código Processo Civil. </font><br>
<font>A este propósito escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 01-03-2012, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Beleza: “[como] se observou, por exemplo, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 4 de Novembro de 2010 (proc. nº 2916/05.9TBVCD.P1.S1), ou de 3 de Fevereiro de 2011 (proc. nº 29/04.0TBRSD.P1.S1), ambos relatados pela presente relatora e disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, por princípio apenas existe um grau de recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nesse domínio está limitada aos casos previstos no nº 2 do artigo 722º e no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, ou seja, às situações em que o erro no julgamento de facto resulta, não de uma desajustada ponderação das provas produzidas, à luz do princípio da livre apreciação (artigo 655º do Código de Processo Civil), mas de uma incorrecta aplicação de critérios legalmente definidos relativamente à sua admissibilidade ou ao seu valor (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 2 de Novembro de 2006, de 31 de Maio de 2007, de 26 de Junho de 2008, de 18 de Dezembro de 2008 ou de 20 de Janeiro de 2010, disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><u><font>.</font></u><font> como processos nºs 06B2641, 07B1333, 07B335, 07B3434 e 09B195). </font><br>
<font>Isto significa que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova</font><i><font>”</font></i><font> para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer </font><i><font>“erro na apreciação das provas”</font></i><font> ou na </font><i><font>“fixação dos factos materiai | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QjKju4YBgYBz1XKvJiVr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><b><font>Recorrente: AA.</font></b>
</p><p><b><font>Recorridas: “BB, S.A.”; “CC, S.A.”; “DD, Lda.”.</font></b><br>
</p><p><b><font>I. – Relatório</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Iterando a sua dissensão quanto à decisão prolatada na apelação que havia interposto da decisão proferida no Tribunal Judicial de Amarante, que na respectiva improcedência, confirmou a decisão de improcedência que havia sido ditada neste último tribunal, recorre, de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, o autor, AA, havendo a considerar os seguintes</font><b><font>, </font></b>
</p><p><b><font>I.1. – Antecedentes Processuais.</font></b>
</p><p><font>AA, casado, residente em Rio Novo, lote 157, na Nazaré, intentou acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra “CC – , SA, com sede em ......, Fregim, Amarante e BB, SA, com sede no ........, 00 em Lisboa alegando, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- a 28 de Julho de 2001, o autor encontrava-se em Amarante e decidiu, conjuntamente com a sua família e alguns amigos, deslocar-se ao Parque Aquático, propriedade da 1ª ré, sito em ......, naquele concelho, tendo entrado no estabelecimento pelas 15,00 horas;</font>
</p><p><font>- já dentro do estabelecimento comercial, o autor utilizou por várias vezes as diferentes instalações de diversão existentes no parque aquático e acessíveis a todos os respectivos utentes;</font>
</p><p><font>- pelas 17,30 horas decidiu utilizar uma das piscinas aí instaladas, que tem agregada um “ escorrega” aquático, diversão comum a todos os parques desta natureza;</font>
</p><p><font>- para tanto, subiu o elemento de ascensão vertical de acesso ao dito escorrega e, uma vez atingido o topo do escorrega, aguardou a sua vez de iniciar a descida;</font>
</p><p><font>- durante o período que permaneceu aguardando pela sua vez de iniciar a descida, a utilização do escorrega foi interrompida pelos agentes de vigilância em serviço no parque aquático, porquanto o caudal de água que habitualmente circula em tais escorregas se interrompeu, por razões que o autor desconhece e a isso não se encontrava obrigado;</font>
</p><p><font>- certo é que decorridos que foram cerca de 20 minutos, a água voltou a correr escorrega abaixo e a utilização do mesmo foi permitida;</font>
</p><p><font>- o autor foi o primeiro a utilizar o escorrega após a falta da água;</font>
</p><p><font>- o autor iniciou a descida na posição ventral e quando mergulhou na piscina embateu com o crânio no fundo da mesma;</font>
</p><p><font>- como resultado directo do impacto, o autor sofreu “ fractura-luxação C5 C6 com instalação de tetraplegia “, conforme relatório médico emitido pelo Centro de Medicina de reabilitação de Alcoitão;</font>
</p><p><font>- o autor foi de imediato transportado par ao hospital de Amarante para primeiros socorros;</font>
</p><p><font>- aí se constatou o seu gravíssimo estado e a necessidade de transferência para o Hospital Central de S. João, no Porto, onde foi submetido a intervenção cirúrgica para redução;</font>
</p><p><font>- permaneceu neste hospital até 30 de Julho de 2001, tendo, nessa data, sito transferido para o Hospital de Penafiel para iniciar programa de reabilitação;</font>
</p><p><font>- neste último hospital, foi “ conectado a prótese ventilatória por traqueostomia durante cerca de dois meses com posterior transferência para o serviço de traumatologia da mesma unidade hospitalar;</font>
</p><p><font>- a 21 de Janeiro de 2002, teve alta desta unidade hospitalar e a 29 deu entrada no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, onde ficou internado para programa de reabilitação onde permaneceu até 10 de Maio de 2002;</font>
</p><p><font>- durante o período inicial de tal permanência, o autor tinha, não só um quadro clínico neuro-motor de tetraplegia ASIA C que se veio a revelar permanente;</font>
</p><p><font> - lhe foi atribuído um grau de desvalorização permanente de deficiência de 80%;</font>
</p><p><font>- sustentava a sua família – esposa e filho com 5 anos de idade – exercendo a profissão de jogador de futebol profissional;</font>
</p><p><font>- até ao termo da época desportiva de 2000/2001, o autor era jogador do Futebol Clube de Famalicão e após o termo dessa época havia sido contratado pelo União Sport Clube de Paredes, para desempenhar a sua actividade de jogador de futebol;</font>
</p><p><font>- o referido contrato, para além de prémios de jogo e por objectivos, de carácter aleatório, o autor iria auferir um salário base de PTE 500.000$00, hoje equivalente a € 2.493,99 euros;</font>
</p><p><font>- o autor tinha a legítima e normal expectativa de desempenhar a sua actividade de jogador profissional de futebol por vários anos mais;</font>
</p><p><font>- tudo isto se impossibilita por força do acidente supra descrito;</font>
</p><p><font>- necessita permanentemente de apoio familiar para os actos mais simples da vida quotidiana;</font>
</p><p><font>- para além dos tratamentos custeados pela SS e pelo Sistema Nacional de Saúde, viu-se obrigado a realizar o montante global de 8.889,29 € e desconhece neste momento quais os montantes que irá, forçosamente, despender por força do seu quadro clínico.</font>
</p><p><font>Conclui pedindo a condenação das rés na quantia de € 642.542,94 corrigida pela taxa de inflação que correr até trânsito em julgado, bem como em juros de mora e sanção pecuniária compulsória nos termos legais.</font>
</p><p><font>Citadas as rés, vieram contestar por impugnação e por excepção:</font>
</p><p><font>Por excepção, a primeira ré invocou a sua ilegitimidade por apenas ser proprietária do espaço cuja exploração foi cedida à Sociedade ......., Lda, tendo invocado, também, a ineptidão da petição inicial por o autor, na sua perspectiva, se ter limitado a alegar o acidente fundado nas deficientes condições sem, contudo, alegar os factos em que as sustenta;</font>
</p><p><font>Por excepção, a segunda ré invocou que está excluído do âmbito do seguro os danos resultantes de actos praticados que contrariem ou violem as regras de segurança.</font>
</p><p><font>Por impugnação alegam, fundamentalmente, que:</font>
</p><p><font>- foram adoptadas pela ré CC, enquanto proprietária do parque, e pela ..........., enquanto exploradora do mesmo, todas as providências possíveis e precauções tidas como idóneas, com o fim de prevenir os danos, maxime quanto a medidas para garantir a segurança dos utentes do PA;</font>
</p><p><font>- por isso, o autor não pode invocar a seu favor o desrespeito das regras de segurança, seja na construção, seja na manutenção, estipuladas para os Parques Aquáticos, nem imputar a causa do acidente às condições deficientes do escorrega e do tanque no dia do acidente;</font>
</p><p><font>- na verdade, como o próprio confessa, o acidente deveu-se ao facto de o autor não ter respeitado duas das regras básicas de segurança do PA, em concreto a que proíbe a descida do escorrega em posição ventral e a regra que não permite mergulhar no tanque de recepção;</font>
</p><p><font>- acresce que o autor, para além de ter em posição ventral e mergulhado no tanque de recepção, num gesto absolutamente imprudente, no momento imediatamente anterior ao da entrada no dito tanque, deu um impulso com as mãos, de modo a entrar na água numa posição vertical e não de um modo oblíquo não tomando, assim, os cuidados necessários a que contratualmente estava obrigado;</font>
</p><p><font>- a água do tanque de recepção, onde ocorreu o acidente, encontrava-se no nível adequado, a poucos centímetros da saída das pistas e com cerca de 1,30 metros de profundidade;</font>
</p><p><font>- estavam proibidos mergulhos na piscina.</font>
</p><p><font>Concluem pela improcedência da acção e, em consequência, pela sua absolvição do pedido.</font><br>
</p><p><font>Na réplica, o autor pugnou pela improcedência das excepções e requereu a intervenção principal provocada da Sociedade DD como associada das rés.</font><br>
</p><p><font>Estabelecido o contraditório, o incidente foi admitido e ordenada a citação da sociedade DD, a qual contestou, invocando a ineptidão da petição inicial e, ainda, a prescrição do eventual direito do autor por terem decorridos mais de três anos e que a ocorrência do acidente se ficou a dever ao facto do autor ter desrespeitado as regras básicas da segurança.</font>
</p><p><font>Conclui pela procedência das excepções e, para a hipótese, de assim se não vir a entender pela improcedência da acção.</font>
</p><p><font>Foi apresentada réplica.</font>
</p><p><font>A fls. 520 foi proferido despacho a convidar o autor a vir aos autos explicitar as reais condições em que se encontrava o escorrega que terá dado origem aos factos em apreço.</font>
</p><p><font>A fls. 526 o autor veio dizer que alegou na sua petição inicial que o acidente se deveu às deficientes condições em que o escorrega se encontrava mais alegou a interrupção do caudal de água, ou seja, verificou-se um longo período durante o qual a água não desceu pelos escorregas, o que, seguramente terá implicado uma redução do nível de água na piscina.</font>
</p><p><font>As rés, bem como a chamada, pronunciaram-se.</font>
</p><p><font>No despacho saneador as excepções dilatórias de nulidade decorrente da ineptidão e de ilegitimidade, bem como a excepção peremptória de prescrição foram julgadas improcedentes.</font>
</p><p><font> A primeira ré e a chamada não se conformando com a decisão interpuseram recurso, respectivamente, de agravo e de apelação</font>
</p><p><font>Decorrida a primeira sessão de audiência de discussão e julgamento, o autor veio, a fls.1300, requerer a ampliação da matéria da base instrutória por se concluir da instrução existirem factos que podem ser considerados essenciais para o conhecimento e a decisão da causa e que não se encontram vertidos na base instrutória.</font>
</p><p><font>As rés e a chamada pugnaram pelo indeferimento.</font>
</p><p><font>A fls.1325/1326 foi proferido o seguinte despacho:</font>
</p><p><font>“ Deflui do art. 264.º, nº3, do CPC que serão considerados na decisão os factos essenciais à procedência da pretensão formulada que sejam complemento ou concretização de outros factos que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa desde que a parte interessada manifeste vontade deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.</font>
</p><p><font>O autor alegou que iniciou a descida em posição ventral e que quando chegou à piscina embateu com o crânio – arts. 19 e 20 da petição.</font>
</p><p><font>Pretende agora que seja quesitado em função da prova já produzida, e com oposição das partes contrárias, que:</font>
</p><p><font>72º No momento em que se iniciou a descida do escorrega o autor partiu na posição de sentado?</font>
</p><p><font>73º Depois da descida o autor alterou a posição em que seguia passando a descer de joelhos e acenando?</font>
</p><p><font>74º Antes de entrar na água o autor retomou a posição de sentado?</font>
</p><p><font>75º No momento em que termina o percurso no escorrega o autor sentiu um impacto após o qual passou a ter dificuldades em nadar e em vir à superfície?</font>
</p><p><font>Esta factologia é complemento ou concretização da alegada na petição, a qual, é muito parca e vaga. Nesta decorrência o inciso citado permite ao autor, alavancar na instrução da causa, suprir a lacunosa alegação inicial, não se podendo coarctar ao autor uma estratégia/válvula de escape que o sistema lhe concede para não comprometer a sua pretensão com base numa deficiente alegação para a qual a parte não contribui e em prol da verdade para-processual.</font>
</p><p><font>Por tudo isto, admito a ampliação da base instrutória com os quesitos 72 a 75 supra-referidos admitindo ainda a prestação de esclarecimentos por parte dos Srs. Peritos quanto a esta factologia.</font>
</p><p><font>“(…)”.</font>
</p><p><font>As rés, bem como a chamada, inconformadas interpuseram recurso.</font>
</p><p><font>Finda a audiência de discussão e julgamento foi fixada a matéria de facto, a qual não foi objecto de reclamação e, de seguida, foi proferida sentença que absolveu as rés, bem como a interveniente DD, Lda do pedido deduzido pelo autor.</font>
</p><p><font>Inconformados com esta decisão interpôs recurso o autor recurso de apelação, no qual vieram a ser apreciadas as seguintes questões: a) reapreciação da decisão de facto proferida pela 1.ª instância; b) excepção de prescrição; c) erro na interpretação e aplicação do direito.</font>
</p><p><font>A final, o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso de agravo que a interveniente principal “”DD, Lda.” havia interposto da decisão que havia julgado improcedente a excepção de prescrição, tendo-o julgado improcedente, do mesmo passo que julgou improcedente a apelação interposta pelo Autor, com o que manteve inalterada a decisão proferida na 1.ª instância.</font>
</p><p><font>É desta decisão que vem interposto recurso, de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, para o que foi alinhado o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><b><font>I.2. – Quadro Conclusivo.</font></b>
</p><p><b><font>“I. O Tribunal a quo não apreciou os diversos enquadramentos jurídicos, em sede de responsabilidade civil, nomeadamente a hipótese de responsabilidade contratual, ou mesmo a responsabilidade pelo risco, pelo que a Douta Decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 668.º/1/d) CPC, aplicável aos recursos ex vi artigos 716.º e 732.º do CPC, na redacção ainda aplicável a estes autos. </font></b>
</p><p><b><font>II. O Douto Acórdão recorrido errou na reapreciação da matéria de facto, sendo a fundamentação nele contida insuficiente, para além de que existem contradições evidentes na fundamentação e valoração de meios de prova em moldes que não estão de acordo com o previsto na lei. </font></b>
</p><p><b><font>III. O tribunal valorou incorrectamente os depoimentos prestados pelas testemunhas, nomeadamente no que respeita a alegadas contradições ou inexactidões entre os depoimentos das testemunhas do autor/recorrente, para além de que valorizou o depoimento sobre factos não provados que em nada relevaram para a decisão final, por não ter sido quantificada indemnização a favor do autor. </font></b>
</p><p><b><font>IV. O Douto Acórdão recorrido erra ao considerar que os danos teriam sido causados devido a um comportamento por parte do autor, quanto à posição de descida, comportamento esse que não ficou provado nos autos, tanto mais que não foi possível provar, com exactidão, o momento em que teria ocorrido o alegado impulso. </font></b>
</p><p><b><font>V. O Douto Acórdão recorrido erra novamente, quando valora e aprecia erradamente a prova pericial produzida nos autos, tanto mais que o excerto que foi levado à decisão recorrida nada prova quanto à causalidade entre o comportamento do autor e o dano sofrido. </font></b>
</p><p><b><font>VI. Novamente, erra a Douta decisão recorrida quanto extrai de documentos dos autos a prova do regular funcionamento, naquele dia e naquela hora em que os danos foram produzidos no autor, o normal funcionamento do parque aquático e o cumprimento das regras de segurança, mais a mais depois das ocorrências verificadas naquela data, quanto aos cortes de abastecimento de água ao escorrega. </font></b>
</p><p><b><font>VII É evidente que mesmo um estabelecimento que está licenciado para laborar pode dar causa a danos, por sua responsabilidade, nomeadamente por factos estranhos ou anormais, que podem sempre ocorrer e, por isso mesmo, obrigam à existência de seguro, por imposição legal. </font></b>
</p><p><b><font>VIII. O autor não teria de provar que o nível de água no tanque de recepção estaria baixo, a partir do momento em que alegou e provou, os diversos cortes de abastecimento de água, na data do sinistro e imediatamente antes deste (v. pontos 2 a 4 da matéria de facto dada como provada). </font></b>
</p><p><b><font>IX. A Douta decisão recorrida não fundamenta em que medida é que o comportamento do autor/recorrente teria sido, por si só, a causa única dos danos sofridos, ao ponto de ser excludente de qualquer dever de indemnização a cargo das rés e/ou da interveniente principal. </font></b>
</p><p><b><font>X. A resposta dada ao ponto 14 da BI vai além do que foi alegado pelas partes e levado à matéria a provar. </font></b>
</p><p><b><font>XI. O Douto Acórdão recorrido não procedeu à aplicação de critérios racionais de apreciação dos factos e da prova, por meio de um ajuizamento racional da actividade probatória, nem aventou uma correcta exposição dos motivos e/ou razões pelas quais o Tribunal considerou demonstrados determinados factos ou realidades jurídica e processualmente relevantes. </font></b>
</p><p><b><font>XII. Assim o Douto Acórdão recorrido vai contra os artigos 341.º, 342º, 344.º/1, 349º, 350º, 362.º, 371.º, 389.º e 396.º do CC, bem como os artigos 591.º, 655.º e 712.º/1 (em especial, a alínea a) desse número) e 2 do CPC, sendo errada a conclusão de que a prova testemunhal, pericial e documental levaria a confirmar a decisão da primeira instância. </font></b>
</p><p><b><font>XIII. O Douto acórdão recorrido erra igualmente ao considerar ilidida a presunção de culpa, decorrente do artigo 493.º do CC. </font></b>
</p><p><b><font>XIV. Erra igualmente quanto se baseia no facto de, alegadamente, o comportamento do autor ser a causa única dos danos sofridos, já que quer a proprietária, quer a exploradora do parque aquático, ré e interveniente nos autos, não demonstraram ter cumprido integralmente as condições de segurança. </font></b>
</p><p><b><font>XV. O simples cumprimento de obrigações legais, baseadas na sinalética (cujo efectivo conhecimento pelo autor não ficou provado) e na existência de licenças não permite, por si só, considerar ilidida a presunção de culpa por parte das proprietária e/ou da exploradora do parque, ao ponto de o autor ter sofrido aqueles danos apenas por sua culpa. </font></b>
</p><p><b><font>XVI. Tal juízo não se coaduna com o facto de o tipo de serviços prestados naqueles parques aquáticos comportar riscos acrescidos, na medida em que existe exposição pessoal e física a actividades desportivas, impondo uma especial exigência para lograr a ilisão daquela presunção. </font></b>
</p><p><b><font>XVII. Como vem sendo entendido pela Doutrina, a leviandade ou ligeireza daquele que o dever visa proteger implicará apenas uma ponderação do seu concurso para a produção do dano que sofreu ao abrigo do art. 570 do Código Civil, mas não exclui necessariamente a indemnização, que pode manter-se na íntegra ou limitar-se a ser reduzida. </font></b>
</p><p><b><font>XVIII. Ficou provado nos autos a existência de culpa por parte da proprietária e/ou da exploradora do parque aquático, nomeadamente quanto aos deveres de cuidado e de vigilância que estava obrigada a assegurar, caso a caso, em relação a cada utente, e que são inerentes a uma relação contratual daquela natureza, para além da prova dos demais pressupostos da responsabilidade civil. </font></b>
</p><p><b><font>XIX. Um comportamento de risco, por parte do autor/recorrente, a existir, nunca seria excludente da responsabilidade civil das recorridas. </font></b>
</p><p><b><font>XX. Ou seja, o Douto Acórdão recorrido é ilegal, também: </font></b>
</p><p><b><font>Por violação do artigo 500º do CC, no que toca à conduta dos funcionários do parque aquático; </font></b>
</p><p><b><font>Em qualquer caso, por violação dos artigos 798.º a 800.º do CC; </font></b>
</p><p><b><font>Se assim não se entender, por violação do artigo 493º/2 do CC; </font></b>
</p><p><b><font>Por último, e só se nenhum dos anteriores fundamentos proceder, por violação dos artigos 483.º/1, 486º, 490º, 496.º e 497.º do CC; </font></b>
</p><p><b><font>Por violação dos artigos 562.º e 570º do CC. </font></b>
</p><p><b><font>Termo em que, sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente e, consequentemente: </font></b>
</p><p><b><font>Ser julgada procedente a arguição de nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, com as cominações previstas na lei; e, em qualquer caso, </font></b>
</p><p><b><font>Serem as recorridas condenadas no pedido formulado pelo autor, no termos do artigo 729.º/1 do CPC; ou, se assim não se entender, </font></b>
</p><p><b><font>Ser ordenada a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, para proferir uma decisão conforme à lei, se necessário for com alteração ou ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 729.º/3 e 730.º CPC,”</font></b>
</p><p><b><font>Sem epítome conclusivo, responderam a “BB, S.A.” – cfr. 1707 a 1709 – e a “”CC , S.A.” – cfr. fls. 1718 1728. </font></b>
</p><p><b><font>I.3. – Questões a resolver.</font></b>
</p><p><b><font>Das conclusões extractadas supra, sacam-se para a apreciação da revista, as sequentes questões:</font></b>
</p><p><b><font>- Nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia – cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código Processo Civil;</font></b>
</p><p><b><font>- Responsabilidade civil – Pressupostos – Actividade Perigosa – Responsabilidade Objectiva – Responsabilidade Contratual. </font></b>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO.</font></b>
</p><p><font>“1- No dia 28 de Julho de 2001, pelas 17.30 mn, o autor, a fim de utilizar uma das piscinas instaladas no Parque Aquático, sito em ......., Fregim, Amarante, que tem agregado um escorrega, subiu o elemento de ascensão vertical de acesso ao mesmo e atingindo o topo aguardou a sua vez de iniciar a descida.</font>
</p><p><font>2- Durante o período de tempo em que aguardou pela sua vez de iniciar a descida, a utilização do escorrega foi interrompida pelos agentes de vigilância aí em serviço, porquanto o caudal de água que por aí circulava se interrompeu.</font>
</p><p><font>3- Interrupção essa causada por sucessivas interrupções de energia eléctrica, devido a trovoadas que se faziam sentir, tendo essa interrupção se prolongado por um período temporal que em concreto não foi possível apurar, mas nunca inferior a 10 mn e nunca superior a 20 mn.</font>
</p><p><font>4- Quando a água voltou a correr pelo escorrega a sua utilização foi imediatamente autorizada pelos vigilantes.</font>
</p><p><font>5- Depois dessa autorização, o autor utilizou o escorrega.</font>
</p><p><font>6- Na altura em que o autor se preparava para descer pelo escorrega, encontrando-se junto do mesmo um vigilante, aquele autor providenciou por se colocar na posição de sentando com as pernas para a frente.</font>
</p><p><font>7- O autor posicionou-se dessa forma.</font>
</p><p><font>8- O autor, após ter descido uma parte de percurso do escorrega, em concreto não apurada, alterou a posição em que seguia, passando a deslizar de joelhos e depois de deitado de cabeça para a frente, tendo deste modo mergulhado na água.</font>
</p><p><font>9- Em virtude dessa posição ventral e da velocidade que adquiriu durante o percurso do escorrega, a entrada do autor na água não foi amortecida, tendo o autor, nesse momento da entrada, sentido um impacto, após o qual passou a ter dificuldades em nadar e em vir à superfície.</font>
</p><p><font>10- Na altura e que o autor desceu o escorrega, a água no tanque de recepção encontrava-se com 1,30m de profundidade.</font>
</p><p><font>11- No escorrega utilizado pelo autor existe um painel indicando que é proibida a sua utilização na posição ventral e que é proibido mergulhar no tanque de recepção.</font>
</p><p><font>12- Esse painel encontrava-se num sítio de passagem dos utentes que antes de chegarem à zona de início da descida têm de passar em fila por dois corredores delimitados por gradeamento de ferro, de modo que, quando entram no segundo corredor, ficam virados para esse painel.</font>
</p><p><font>13- Tal painel encontrava-se visível e era legível.</font>
</p><p><font>14- O parque Aquático é dotado de um regulamento interno afixado na portaria, junta às bilheteiras de entrada, onde consta a proibição de mergulhar nos tanques de recepção, bem como a proibição dos lançamentos de pé ou de forma diferente da indicada, para cada equipamento, no placard afixado junto à respectiva plataforma de saída.</font>
</p><p><font> 15- Aí é identificado que é proibida a posição ventral.</font>
</p><p><font>16- O escorrega utilizado pelo autor era, à data do sinistro em causa nos autos, formado por quatro pistas paralelas com separadores, com uma directriz recta na secção aberta, sendo que o material da superfície de deslizamento, as inclinações das pistas, a velocidade que as mesmas permitiam atingir e as demais condições estavam de acordo com a legislação então em vigor.</font>
</p><p><font>17- A parte final da pista foi concebida de modo a abrandar a velocidade da descida dos utentes e a prepará-la para a chegada numa posição segura ao tanque de recepção.</font>
</p><p><font>18- Em virtude do impacto provocado pela entrada de água na posição ventral, o pescoço do autor sofreu uma hiper-flexão forçada, o que lhe provocou uma fractura-luxação C5-C6 com instalação de tetraplegia.</font>
</p><p><font>19- Foi, de imediato, transportado para o hospital de Amarante para ser submetido a primeiros socorros.</font>
</p><p><font>20- Após, foi transferido para o Hospital de S. João, no Porto, onde foi submetido a intervenção cirúrgica para redução-fixação da fractura-luxação de C5 – C6. </font>
</p><p><font>21- Permaneceu neste hospital até 29-07-2001, altura em que foi transferido para o hospital de Penafiel, para iniciar programa de reabilitação.</font>
</p><p><font>22- Aí esteve síndroma de insuficiência respiratória.</font>
</p><p><font>23- Em virtude disso foi transferido para o hospital de S. João, onde foi conectado a prótese ventilatória por traqueotomia durante dois meses.</font>
</p><p><font>24- No final do mês de Outubro de 2001, foi submetido a desconectação da prótese ventilatória e posterior transferência para o serviço de Traumatologia da mesma unidade hospitalar.</font>
</p><p><font>25- Tendo tido alta no dia 21 de Janeiro de 2002.</font>
</p><p><font>26- No dia 29-01-2002, foi internado no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, onde ficou internado para programa de reabilitação.</font>
</p><p><font>27- Onde permaneceu até ao dia 10 de Maio de 2002.</font>
</p><p><font>28- Durante o período inicial de tal permanência, o autor tinha um quadro clínico neuromotor de tetraplegia ASIA C, que veio a revelar permanente.</font>
</p><p><font>29- Era necessário fazer esvaziamento do esfíncter vesical de três em três horas, por terceira pessoa e era obrigado a manter algália no período nocturno.</font>
</p><p><font> 30- Apresentava úlceras de pressão grau 1 a nível da região sagrada/sulco interglúteo e orifício de traqueotomia permeável com bordos epitetelizados.</font>
</p><p><font>31- E foi submetido a litoterícia, por litíase vesical a 13 de Março de 2002.</font>
</p><p><font>32- No dia 10 de Maio de 2002, o autor mantinha o quadro neuro-motor de tetraplegia ASIA C, deambulava de forma independente em cadeira de rodas, necessitava de ajuda nas transferência e para assumir a posição de pé no standing-frame, alimentava-se sem necessidade de ajudas de técnicas, necessitando de ajuda na preparação de alguns alimentos, apresentava escrita com traço seguro com caneta de feltro e engrossador, estava independente na técnica de algiação intermitente limpa, tinha treino intestinal instituído em dias alternados com emolientes e supositório de bisacodil e apresentava disfunção eréctil ligeira, pelo que de imediato foi medicado com citrato de sildenafil.</font>
</p><p><font>33- Esse quadro clínico é irreversível, o que o impede de desempenhar qualquer tipo de actividade e de ter um dia a dia normal.</font>
</p><p><font>34- Ficou com uma incapacidade de 80%.</font>
</p><p><font>35- Antes do acidente era uma pessoa saudável, sustentava-se e sustentava a sua esposa e o filho, exercendo a profissão de jogador de futebol profissional.</font>
</p><p><font>36- Até ao termo da época desportiva 2000/2001, foi jogador do Futebol Clube de Famalicão, sendo que, à data do sinistro em causa nos autos, já se havia iniciado a pré-época seguinte e o autor, nessa altura, já era jogador de futebol do União Sport Clube de Paredes.</font>
</p><p><font>37- NO Futebol Clube de Famalicão, auferiu, na época de 2000/2001, o montante liquido anual de €20.000,00 liquidada em 10 prestações mensais de igual valor, englobando-se nas referidas prestações os valores correspondentes aos meses de Junho e Julho e ao subsídio de Natal, sendo que, no União Sport Clube de Paredes, começou a auferir um valor, em concreto não apurado , mas nunca inferior aquele montante.</font>
</p><p><font>38- O autor tina a expectativa de desempenhar a sua actividade de jogador profissional de futebol por mais alguns anos.</font>
</p><p><font>39- O autor necessita permanentemente de apoio de terceiros para se deslocar do leito para a cadeira de rodas e não consegue satisfazer as suas necessidades fisiológicas sem apoio.</font>
</p><p><font>40- Não tem capacidade para desempenhar qualquer das actividades profissionais a que, normalmente, as pessoas imobilizadas em cadeiras de roda podem aceder.</font>
</p><p><font>41-A Segurança Social atribuiu ao autor, para seu sustento e da sua família, uma quantia em concreto não apurada, mas nunca inferior a € 290,00 e nunca superior a € 350,00.</font>
</p><p><font>42- Para além daquela quantia e dos rendimentos provenientes da actividade profissional da esposa, este agregado familiar não tem outra fonte de rendimento.</font>
</p><p><font>43- O autor paga a prestação mensal pelo empréstimo bancário em virtude de aquisição da sua habitação o montante de €370,00.</font>
</p><p><font>44- Em despesas médicas e hospitalares o autor despendeu a quantia de € 8.889,29.</font>
</p><p><font>45- Por referência à data da propositura da acção, o autor continuará a necessitar de tratamentos médicos e paramédicos, não sendo possível, por ora, quantificar o respectivo montante.</font>
</p><p><font>46- Os familiares e amigos têm ajudado/auxiliado financeiramente o agregado familiar do autor.</font>
</p><p><font>47- Na altura do acidente e posteriormente, o autor sentiu fortes dores, as quais atingiram o grau 7 numa escala de 7 graus de gravidade.</font>
</p><p><font>48- O autor continuará a sentir dores para o resto da vida.</font>
</p><p><font>49- O autor sofreu e continuará a sofrer de um quadro de depressão.</font>
</p><p><font>50- O autor nasceu no dia 26 de Agosto de 1971.</font>
</p><p><font>51- A aquisição do direito de propriedade, por compra, do prédio urbano constituído, para além do mais, por parque aquático, com área de 118.340 m2, sito em ......, Fregim, Amarante, encontra-se registada, através da inscrição G1, a favor da ré CC, SA, desde 24-07-1991.</font>
</p><p><font>52- Por documento datado de 2 de Janeiro de 1998, denominado contrato promessa de cessão de exploração, a ré CC, SA, declarou prometer ceder e a ré DD, Lda, declarou prometer aceitar a cessão da exploração do Parque Aquático supra identificado.</font>
</p><p><font>53- A partir dessa data, a requisição das vistorias, a obtenção de licenças indispensáveis ao funcionamento do parque, o cumprimento das disposições legais em vigor durante o seu funcionamento e abertura ao público e a sua exploração, competia à ré DD, Lda.</font>
</p><p><font>54- Á data do acidente, a ré DD, Lda., enquanto exploradora do parque aquático em causa nos autos, era titular de licença de funcionamento relativa ao mesmo, emitida pelo IND em 5 de Junho de 2000.</font>
</p><p><font>55- A réDD, Lda., transferiu a responsabilidade civil relativa à sua exploração profissional para a ré BB SA, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 00000000 sujeito a uma franquia contratual de 10%, no mínimo de € 149,64 e com capital máximo por sinistro de por ano de € 498.800,00.</font>
</p><p><font>56- A garantia decorrente dessa apólice não abrange os danos resultantes de actos praticados que contrariem ou violem normas de funcionamento e de segurança, assim como recomendações dos vigilantes, nem os danos sofridos por qualquer pessoa em consequência de acto voluntário por ela praticado contra o expressamente determinado por quem de direito.</font>
</p><p><font>De acordo com o disposto no artigo 659,nº3 do CPC é de ter, ainda, em conta os seguintes factos:</font>
</p><p><font>- EE | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QjKtu4YBgYBz1XKvmC1a | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - AA, BB, CC e DD instauraram contra EE-“Companhia de Seguros F... – M..., S.A.” acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes 847.219,88€, sendo 210.837,50€ para o primeiro, 210.837,50€ para a segunda, 212.272,44€ para a terceira e 213.272,44€ para o quarto, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação e até efectivo pagamento.</font><br>
<br>
<font>Alegaram, em síntese relevante, que no dia 7 de Setembro de 2002, o motociclo conduzido por FF, filho do primeiro e da segunda AA., que transportava a esposa GG, filha dos terceiro e quarto AA., foi embatido pelo veículo automóvel UX-...-..., seguro na Ré, em consequência do que os aludidos FF e GG sofreram ferimentos que lhes vieram a provocar a morte.</font><br>
<br>
<font>A Ré contestou impugnando a responsabilidade do acidente atribuída ao seu segurado e acrescentou que GG faleceu antes do marido, que foi seu herdeiro, com as consequências daí resultantes.</font><br>
<br>
<font>A final, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar:</font><br>
<font>1) ao Autor AA: </font><br>
<font>- a) o montante de €1.120,83 relativo aos danos produzidos no veículo LZ; </font><br>
<font>- b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que seu filho FF envergava no momento do acidente; </font><br>
<font>- c) a quantia de €4.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo filho nos momentos que precederam a morte;</font><br>
<font>- d) a quantia €30.000 alusiva à perda do direito à vida de FF;</font><br>
<font>- e) a quantia de €20.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda do filho; </font><br>
<font>- f) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) a e) até integral e efectivo cumprimento;</font><br>
<font>2) à Autora BB:</font><br>
<font>- a) o montante de €1.120,83 relativo aos danos produzidos no veículo LZ; </font><br>
<font>- b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que seu filho FF envergava no momento do acidente; </font><br>
<font>- c) a quantia de €4.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo filho nos momentos que precederam a morte;</font><br>
<font>- d) a quantia €30.000 alusiva à perda do direito à vida de FF;</font><br>
<font>- e) a quantia de €20.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda do filho; </font><br>
<font>- f) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) a e) até integral e efectivo cumprimento;</font><br>
<font>3) aos Autores CC e esposa DD o montante de €2.869,88 correspondente ao custo do funeral de sua filha e genro, acrescido de juros à taxa legal de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 até integral e efectivo cumprimento;</font><br>
<font>4) ao Autor CC: </font><br>
<font>- a) o montante de €229,16 relativo aos danos produzidos no veículo LZ; </font><br>
<font>- b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que sua filha GG envergava no momento do acidente; </font><br>
<font>- c) a quantia de €1.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela filha nos momentos que precederam a morte;</font><br>
<font>- d) a quantia de €25.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda da filha; </font><br>
<font>- e) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) e d) até integral e efectivo cumprimento;</font><br>
<font>5) à Autora DD: </font><br>
<font>a) o montante de €229,16 relativo aos danos produzidos no veículo LZ; </font><br>
<font>b) o que vier a ser liquidado relativamente ao valor das roupas e calçado que sua filha GG envergava no momento do acidente; </font><br>
<font>c) a quantia de €1.500 relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela filha nos momentos que precederam a morte;</font><br>
<font>d) a quantia de €25.000 referente aos danos não patrimoniais próprios decorrentes da perda da filha; </font><br>
<font>e) juros à taxa de 4% desde 13 de Dezembro de 2005 relativamente às quantias referidas em a) e desde a presente data relativamente aos referidos em c) e d) até integral e efectivo cumprimento.</font><br>
<br>
<font> Apelaram Autores e Ré.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Relação julgando totalmente improcedente a apelação dos AA., mas parcialmente procedente a da Ré, revogou a condenação da Ré no pagamento das quantias estipuladas a título de danos sofridos pela GG nos momentos que antecederam a sua morte, bem como pela dor sofrida pelos AA. CC e mulher com a perda daquela filha, em tudo o mais mantendo a sentença.</font><br>
<br>
<br>
<font> Os Autores pedem ainda revista.</font><br>
<font> No que denominaram de “conclusões” (mas, em boa verdade, corresponde à repetição das alegações), em termos úteis, escrevem:</font><br>
<font>A-) São quatro as questões que se colocam no âmbito do presente recurso: </font><br>
<font>Primeira: A não atribuição de qualquer montante indemnizatório aos autores decorrente da perda do direito à vida da vítima GG ; </font><br>
<font>Segunda: Os valores atribuídos no tocante ao dano pré-morte da vítima FF e quanto ao dano não patrimonial dos pais deste; </font><br>
<font>Terceira: A não atribuição de qualquer montante indemnizatório aos pais da GG pelos danos morais por si sofridos em consequência da perda da filha; </font><br>
<font>Quarta: A não atribuição de qualquer indemnização aos AA. decorrente do dano pré-morte da GG .</font><br>
<font>(…);</font><br>
<font>D-) A indemnização dos pais pelos danos morais sofridos em consequência da morte da sua filha, em consequência do acidente dos autos, emana da própria condição destes. A sua qualidade de pais é, por si só, bastante para que lhes seja atribuída indemnização pelos danos morais que inegavelmente sofreram e que têm tutela legal, no artigo 496º, nº 2 do Código Civil; </font><br>
<font>E-) É que tendo ficado viúvo o FF, igualmente vítima do acidente, os pais da GG têm, concomitantemente com este que ser indemnizados, pela morte desta – nº 1 do artigo 2142º do Código Civil; </font><br>
<font>G-) O douto acórdão recorrido deve ser revogado nesta parte e novamente arbitrada indemnização aos autores pais da GG, pelos danos morais sofridos em consequência da perda da filha, indemnização essa que se deve computar em montante nunca inferior a 30.000,00€ para cada um deles; </font><br>
<font>H-) No que se refere ao dano moral sofrido pela GG, pelo sofrimento tido antes da sua morte, e em consequência do acidente dos autos, têm igualmente que ser indemnizados os pais da vítima, em paralelo com o falecido marido; </font><br>
<font>J-) Deve nesta parte ser também o douto acórdão revogado e arbitrada indemnização a favor dos autores pais da GG, pelo dano pré-morte desta, em montante nunca inferior, para cada um destes, a 35.000,00€; </font><br>
<font>K-) Quanto à primeira questão colocada, e que não mereceu acolhimento no douto acórdão recorrido, deve ser fixado o montante indemnizatório de 60.000,00€ (sessenta mil euros), decorrente da perda do direito à vida da GG ; </font><br>
<font>L-) Tal montante deverá ser distribuído, nos termos do disposto no nº 1, do artigo 2142º do Código Civil; </font><br>
<font>M-) E assim teremos 20.000,00€ para o A. AA e 20.000,00€ para a A. BB, que tanto correspondia às duas terças partes herdadas pelo seu falecido filho FF, uma vez que este faleceu antes de sua esposa GG; e os restantes 20.000,00€, correspondentes à outra terça parte, a dividir de forma igual pelos progenitores da GG , isto é, o montante de 10.000,00€ para CC e 10.000,00€ para DD; </font><br>
<font>N-) Como se referiu igualmente os montantes indemnizatórios relativos ao dano pré-morte da vítima FF e os montantes relativos aos danos não patrimoniais sofridos pelos l.ºs. AA. e decorrentes da morte do seu filho, são exageradamente baixos; </font><br>
<font>0-) Foi fixado o montante de 9.000,00€ pelos danos morais sofridos pelo FF, cuja morte só se viria a confirmar já no hospital, como é afirmado na douta sentença recorrida; </font><br>
<font>P-) Tal revela que a vítima teve a possibilidade de antever a sua morte, cuja angústia, paralelamente às dores atrozes que sofreu, fazem com que estejamos perante um dano não patrimonial elevadíssimo, e que se deve situar nos 35.000,00€;</font><br>
<font>R-) O montante indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais sofridos pelos 1ºs AA., enquanto pais do FF, é absolutamente insuficiente;</font><br>
<font>U-) Não se diga que 20.000,00€ é adequado à dor e ao sofrimento que vai marcar cada um deles para o resto das suas vidas;</font><br>
<font>V-) Deve, pois, o montante indemnizatório devido a cada um dos 1ºs. autores, pela morte do seu filho, ser fixado em 50.000,00€, ao invés dos 20.000,00€.</font><br>
<br>
<font>A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font>2. - Como enunciadas nas conclusões da alegação dos Recorrentes, propõem-se, para apreciação, as seguintes </font><b><font>questões:</font></b><br>
<br>
<font>- Se há lugar a atribuição de indemnização aos Autores, na sua qualidade de pais e sogros, decorrente da perda do direito à vida da vítima GG no acidente, a quem sobreviveu o cônjuge; </font><br>
<font> - Se há lugar a atribuição de indemnização aos AA., enquanto pais da mesma GG , pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a perda dessa filha;</font><br>
<font> - Se os mesmos Autores, pais da GG , são titulares de direito a indemnização pelos danos pré-morte sofridos por esta;</font><br>
<font>- Valoração dos danos pré-morte sofridos pela também vítima FF e dos danos não patrimoniais sofridos pelos AA., seus pais.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font>3. - Ao conhecimento do objecto do recurso podem interessar, de entre os provados, os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font>1. No dia 7 de Setembro de 2002, cerca das 18h15, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o motociclo LZ-...-... e o automóvel UX-...-..., seguro na Ré; </font><br>
<font>(…);</font><br>
<font>12. Em virtude do acidente a infeliz vítima FF sofreu gravíssimas lesões, pelo que foi transportado para o Hospital de Fafe, onde veio a falecer (</font><font>no mesmo dia 7, às 18,50 horas</font><font>);</font><br>
<font>13. Em consequência directa e necessária do acidente resultou para o falecido FF, os ferimentos constantes do relatório de autópsia, nomeadamente, infiltração sanguínea do tecido celular subcutâneo e músculos intercostais, mais acentuadamente, na metade anterior e direita, fractura do externo, fractura dos 3º, 5º. 6º, 7º, 8º, 9º e 10º arcos costais, na sua porção anterior direita, derrame sanguíneo em ambas as cavidades pleurais, fractura da tíbia e peróneo e outros, ferimentos e lesões essas que lhe determinaram a morte;</font><br>
<font>14. Também em virtude do acidente a infeliz vítima GG sofreu gravíssimas lesões, pelo que foi transportada para o Hospital de Fafe onde veio a falecer (</font><font>também em 7 de Setembro, às 18,45 horas</font><font>);</font><br>
<font>15. Em consequência directa e necessária do acidente resultou para a falecida GG os ferimentos constantes do relatório de autópsia, nomeadamente, infiltração sanguínea a nível do 1º dente incisivo direito do maxilar superior, presença de hemorragia meníngea recobrindo o cerebelo e tronco cerebral, fractura dos 4º, 5º, 6º, 9º, 10º e 11º arcos costais direitos, com infiltração sanguínea dos músculos intercostais e todos topos ósseos, presença de derrame hemático volumoso na cavidade pleural direita, presença de inúmeras lesões de contusão hemorrágica no revestimento do pulmão esquerdo, contusão do baço, laceração do fígado e outros, ferimentos e lesões essas que lhe determinaram a morte;</font><br>
<font>16. O FF era casado com GG e não tinham descendentes;</font><br>
<font>17. O falecido FF de 24 anos de idade, era filho do primeiro e da segunda Autores;</font><br>
<font>18. Por sua vez, a falecida GG , de 23 anos de idade, era filha dos terceiros Autores;</font><br>
<font>(…);</font><br>
<font>23. O terceiro Autor ficou doente devido ao falecimento da filha;</font><br>
<font>24. O primeiro e a segunda Autores sofreram muito com a perda do seu filho FF;</font><br>
<font>25. Os terceiros Autores também sofreram muito com a perda da sua filha;</font><br>
<font>26. O FF não faleceu de imediato;</font><br>
<font>27. Em consequência do acidente sofreu dores e angústia;</font><br>
<font>28. Havia uma boa relação entre o sinistrado FF e os seus pais;</font><br>
<font>29. O primeiro e a segunda Autores sofreram e continuam a sofrer muito com a perda do filho;</font><br>
<font>30. E jamais se apagará da sua memória o trágico desaparecimento do filho;</font><br>
<font>31. A GG não faleceu de imediato;</font><br>
<font>32. Em consequência do acidente sofreu dores e angústia;</font><br>
<font>33. Os terceiros Autores dedicavam à GG intenso amor;</font><br>
<font>34. A falecida GG também era boa filha, que se preocupava com os pais, telefonando e visitando-os frequentemente para saber do seu bem-estar;</font><br>
<font>35. Os terceiros Autores sofreram e continuam a sofrer muito com a perda da filha;</font><br>
<font>36. E jamais se apagará da sua memória o trágico desaparecimento da filha;</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso:</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Em discussão, neste recurso, como, de resto, acontecia já no de apelação, está apenas o direito a indemnização por danos não patrimoniais (dano morte, dano pré-morte e dano moral dos pais das vítimas) e respectivos montantes.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> No acórdão recorrido decidiu-se que o direito à indemnização por morte da vítima, cabe originariamente às pessoas mencionadas no n.º 2 do art. 496º C. Civil, por direito próprio, razão por que, tendo o cônjuge FF sobrevivido à sua mulher GG, não pode aos pais desta ser atribuída a indemnização pedida pela perda da vida da filha nem pela dor sofrida com tal perda.</font><br>
<font> Mais se decidiu, igualmente com fundamento na sobrevivência do FF, não atribuir aos AA., pais da GG, indemnização pelos padecimentos desta que precederam a sua morte, por ser direito dos pais do FF, enquanto sucessores do cônjuge sobrevivo.</font><br>
<font> Decidiu-se, ainda, também com a discordância dos Recorrentes, manter a compensação de 20.000,00€ pelo dano moral de cada um dos pais do falecido FF e a de 9.000,00€ pelo dano pré-morte da mesma vítima aos mesmos Autores.</font><br>
<br>
<br>
<font> Os Recorrentes insistem na pretensão de verem atribuídos 60.000,00€, como indemnização pela perda do direito à vida da vítima GG, quantia a distribuir entre todos os AA., segundo as regras da sucessão legítima, do mesmo passo que os AA. CC e DD reclamam, para cada um, 30.000,00€ apenas pela “sua qualidade de pais”, encontrando tutela para a pretensão nos arts. 496º-2 e 2142º-1, ambos do C. Civ., que invocam e, sem alusão a qualquer suporte jurídico, 35.000,00 pelo dano pré-morte da mesma GG.</font><br>
<font> Em substituição das verbas de 9.000€ e de 20.000,00€ referidas, que reputam de escassas, os AA. AA e BB pedem, respectivamente, 35 mil e cinquenta mil euros.</font><br>
<br>
<br>
<font> </font><br>
<font>4. 2. - Titularidade do direito a indemnização pela perda da vida.</font><br>
<br>
<font> A indemnizabilidade da lesão do direito à vida, como dano autónomo, mau grado a manutenção de algumas divergências na doutrina, é, hoje, solução pacificamente aceite pela nossa jurisprudência, no culminar do caminho percorrido na interpretação do art. 496º C. Civil, desde a sua entrada em vigor, em que avulta, como decisivo marco no sentido da uniformização, o acórdão do STJ de 17 de Março de 1971 (BMJ 205º-150), tirado em reunião conjunta de secções e com tal objectivo, nos termos do art. 728º-3 CPC (redacção então em vigor).</font><br>
<br>
<br>
<font> Sempre sobra, porém, a questão de determinação de quem é detentor, e com que fundamento, da titularidade do direito à indemnização pela perda da vida da vítima da facto danoso.</font><br>
<font> Põe-se, então, o problema de saber se se está perante um direito que ainda se integra no património da falecida vítima e se transmite, por via sucessória, aos seus herdeiros ou, por uma “via sucessória especial” às pessoas referidas no n.º 2 do art. 496º C. Civil ou se, diversamente, se trata de um direito próprio das pessoas mencionadas no dito n.º 2 do art. 496º que, como tal, lhes é atribuído directamente.</font><br>
<br>
<br>
<font> De notar que não estão aqui em causa danos de natureza não patrimonial sofridos pela vítima em consequência do facto danoso que lhe provoca a morte, mas antes desta.</font><br>
<font> Estes foram considerados transferíveis, por via sucessória, do titular designado pelo art. 496º-2 para as pessoas designadas na mesma norma. </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> São conhecidos os argumentos a favor da tese da aquisição do direito pelo </font><i><font>de cujus </font></i><font>(</font><i><font>iure</font></i><font> </font><i><font>hereditario</font></i><font>) e sua transmissão e da atribuição </font><i><font>ex novo</font></i><font> (</font><i><font>iure</font></i><font> </font><i><font>proprio</font></i><font>)</font><i><font> </font></i><font>de tal direito em conformidade com a nomeação do art. 496º-2 (vd., por todos, R. CAPELO DE SOUSA, “</font><i><font>Lições de Direito das Sucessões</font></i><font>”, I, 3ª ed., 290 e ss; DELFIM MAYA DE LUCENA, “</font><i><font>Danos Não Patrimoniais</font></i><font>”, 47 e ss).</font><br>
<font> </font><br>
<font> Temos entendido, sem razão para alteração da posição, ser esta última a solução que, por corresponder à acolhida pela lei, se impõe ao intérprete.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Na verdade, como vem sendo posto em evidência, vai decisivamente nesse sentido a história do preceito, afastando-se, como se afastou, na sua versão definitiva, do que constava do Anteprojecto VAZ SERRA - “</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>”, BMJ 101º-138 – art. 759º-4 -, em que se adoptava inequívoca posição no sentido de que o direito a essa indemnização «</font><i><font>transmite-se</font></i><font> </font><i><font>aos</font></i><font> </font><i><font>herdeiros</font></i><font> desta (vítima), mesmo que o facto lesivo tenha causado a sua morte e esta seja instantânea», versão que sobreviveu à 1ª Revisão Ministerial mas sucumbiu à 2ª, com a oposição do seu Autor.</font><br>
<font> Depois, a expressão «o direito à indemnização …</font><i><font>cabe </font></i><font>(…)», inculca a ideia de uma aquisição originária do direito à indemnização pelas próprias pessoas referidas na norma, afastando a de uma primeira atribuição e sucessiva transmissão, do mesmo passo que, ao designar essas pessoas e ao hierarquizá-las, o preceito, regendo em matéria de direito das obrigações, parece pretender dispor de forma auto-suficiente sobre ela, ora designando directamente os titulares do direito, ora escalonando-os em termos não coincidentes com os do direito sucessório, mas atendendo a outros critérios, certamente ligados a vínculos atinentes ao relacionamento familiar com o falecido.</font><br>
<br>
<br>
<font> A propósito da titularidade e fundamento do direito à indemnização pelo dano morte, escreveu-se no acórdão de 24/5/2005, também relatado pelo ora relator e subscrito pelo Exmo.1º Adjunto, o seguinte:</font><br>
<font>Trata-se de um caso em que a lei atribui a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, sucessivamente, a titularidade do direito a indemnização por danos próprios, mas por factos em que considera lesado alguém que não é o titular do direito violado.</font><br>
<font>Desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima.</font><br>
<font>A opção pela indicação taxativa e graduada das pessoas cujos danos são atendíveis deve-se a razões de certeza e segurança, apesar de poder verificar-se que o facto cause danos, porventura mais graves, a outras pessoas ou mesmo que as pessoas contempladas sofram dor ou desgosto por forma não coincidente com a ordem de precedências estabelecida no preceito. O legislador quis sacrificar "as excelências da equidade (...) às incontestáveis vantagens do direito estrito" (P. DE LIMA e A. VARELA, "C. Civil, Anotado", 4ª ed., 501).</font><br>
<font>A letra da lei exclui, pois, da titularidade do direito, quer quaisquer pessoas nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela precedência da respectiva graduação. </font><br>
<br>
<font>No mesmo sentido vai a orientação predominante neste Supremo Tribunal, como se dá conta no acórdão de 17/12/2009 - proc. 77/06.5TBAND (sobre o caso específico, o ac. de 16/6/2005-p.05B1612).</font><br>
<br>
<br>
<font>Esse direito a indemnização é deferido pela norma, em termos hierarquizados, a grupos de pessoas, em conjunto, mas não simultânea ou indistintamente a todas as pessoas nela indicadas.</font><br>
<font>Por opção legislativa, em homenagem, como se aludiu, à certeza do direito, elegeram-se sucessivos grupos, em que se revelam critérios de decrescente proximidade afectiva, em prejuízo da maior equidade (justiça da concreta situação) a que, pelo menos algumas vezes, a casuística não deixaria de conduzir.</font><br>
<font>Mas, que assim é, mostra-o clara e incontornavelmente a letra da lei ao utilizar as expressões «na falta destes» e «por último”, de forma que cada classe ou grupo resulte excluído pelo anterior.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Consequentemente, tendo sobrevivido à GG o marido, a quem cabia, na precedência legal, por aquisição originária, própria e directa, o direito à totalidade da indemnização pela perda da vida da mulher, não podem já reclamá-lo os pais, incluídos na segunda ordem de titularidade do direito.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Ao também assim decidir, ou seja, no sentido de que o direito à indemnização por morte da vítima, consagrado no n.º 2 do art. 496º C. Civil, cabe originariamente às pessoas nele indicadas, por direito próprio, com a consequente negação da pretensão dos Recorrentes quanto ao dano morte da GG, o acórdão impugnado tem de ser mantido.</font><br>
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<br>
<font>4. 3. - Atribuição de indemnização por danos morais sofridos pelos Recorrentes CC e mulher em consequência da perda da filha. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Em causa estão, agora, já não danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, como a perda da sua própria vida, mas danos sofridos directamente por terceiros, como os sofrimentos provocados, designadamente aos pais, pela morte do lesado.</font><br>
<br>
<font>Relativamente a estes danos não pode pôr-se em causa que o direito à indemnização não pertença a esses terceiros/familiares, em termos de relação jurídica obrigacional, vale dizer fora do campo do direito sucessório e de qualquer ideia de transmissão.</font><br>
<br>
<font>Assim sendo, a questão proposta pelos Recorrentes, reclamando indemnização pelo simples facto de serem pais da vítima, colocando-se exclusivamente no âmbito de aplicabilidade do art. 496º-2 e 3 C. Civil, só pode reconduzir-se a saber se, mesmo contemplados no segundo grau da hierarquia de titulares do direito, podem beneficiar da atribuição da indemnização.</font><br>
<br>
<br>
<font>A resposta não pode deixar de ser negativa pelas mesmas razões já convocadas a propósito da titularidade a atribuição do dano morte, isto é, da respeitabilidade da ordem sucessivamente excludente estabelecida no n.º 2 do art. 496º, e das razões que a tal estão subjacentes.</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, também merece confirmação o acórdão impugnado na parte em que, com os referidos fundamentos, decidiu não poder, “</font><i><font>lamentavelmente</font></i><font>” [</font><font>por entender, de certo, que o direito estrito não acolhe o que a equidade poderia conferir</font><font>], ser atribuída aos pais da GG indemnização pela dor advinda da morte desta.</font><br>
<font> </font><br>
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<br>
<font>4. 4. - Não atribuição de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela GG antes da sua morte.</font><br>
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<font>A questão da titularidade activa e da atribuição da indemnização pelo dano não patrimonial ante-morte sofrido pela GG passa, uma vez mais, pela adopção de uma das referidas posições: caber o direito ao falecido, transmitindo-se, depois, aos seus herdeiros legais ou testamentários; caber o direito inicialmente ao </font><i><font>de cujus</font></i><font> transmitindo-se sucessoriamente para as pessoas indicadas no n.º 2 do art. 496º, ou, finalmente, tratar-se de direito adquirido originariamente pelas pessoa mencionadas nessa norma.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Aqui em causa estão, agora, os sofrimentos da vítima antes da sua morte que, como os danos morais sofridos directamente por terceiros, colhem referência expressa no segundo segmento do n.º 3 do art. 496º.</font><br>
<font>Tais danos surgem e radica-se ainda na titularidade da própria vítima, pressupondo sempre a morte não instantânea.</font><br>
<br>
<font>Ora, crê-se que, também quanto a este ponto, não sendo o direito exercido pelo próprio lesado antes da morte, haverá de ser no n.º 2 do art. 496º que terá de se encontrar a determinação do sujeito da titularidade da indemnização devida, nomeadamente no tocante à ordem por que se opera a transferência do direito originariamente da vítima. </font><br>
<br>
<font>Efectivamente, por um lado, o n.º 2 do art. 496º alude ao direito à indemnização «por danos não patrimoniais”, sem quaisquer limitações ou restrições, em abrangência de todos os danos originados «por morte da vítima», enquanto, por outro lado, o n.º 3 refere que «no caso de morte» podem ser atendidos os danos «sofridos pela vítima» e também os sofridos pela pessoas referidas no n.º 2.</font><br>
<font>Parece, pois, que se quis englobar num mesmo regime, auto-suficiente, todos os danos não patrimoniais inerentes a um acto lesivo que tenha conduzido à morte do lesado.</font><br>
<font>Assim, como nota CAPELO DE SOUSA (</font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, pg. 298 e nota (433)), foi alterado o Projecto VAZ SERRA, “estendendo aos familiares ora referidos no art. 496º-2 do Código Civil o direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima (n.º 2 e 3 do art. 498º da 2ª Ver. Min.), para além do direito de indemnização por danos morais que eles mesmos tenham sofrido pela morte do </font><i><font>de cujus</font></i><font> (o que já constava do n.º 2 do art. 759º do art. de VAZ SERRA e do n.º 3 do art. 476º da 1ª Rev. Min.)”.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, também neste caso, o direito compensatório cabe às pessoas eleitas pelo legislador de entre as ligadas por certas relações familiares ao falecido, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório.</font><br>
<font>Numa palavra, o direito à indemnização pelos danos não patrimoniais que a vítima tenha sofrido antes do seu decesso transfere-se para as pessoas indigitadas no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada. </font><br>
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<font> </font><br>
<font>Como se refere no acórdão impugnado, quem pediu a indemnização pelos danos em apreciação foram os pais da GG, que continuam a reclamá-los, direito que, por aplicação da regra jurídica adoptada, não lhes cabe, dada a sobrevivência do marido FF.</font><br>
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<font>4. 5. - Montantes indemnizatórios.</font><br>
<br>
<font>4. 5. 1. - Os Recorrentes AA e BB, enquanto pais e titulares dos direitos indemnizatórios pelo dano pré-morte do FF e pelo danos não patrimoniais próprios sofridos com a sua perda, reclamam o aumento dessas compensações de, respectivamente, nove mil euros para 35.000,00€ e de vinte mil euros (para cada um) para 50.000,00€, reputando-as de exíguas.</font><br>
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<font>Indiscutível, pela sua gravidade, a indemnizabilidade dos danos (art. 496º-1 C. Civil).</font><br>
<br>
<font>Trata-se, num e noutro caso de encontrar uma compensação de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.</font><br>
<font>Na Jurisprudência vem sendo acentuada a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo, e não meramente simbólico.</font><br>
<br>
<font>O critério de fixação é o recurso à equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, situação económica do lesante e do lesado e, entre as circunstâncias do caso, à gravidade do dano a que a compensação deve ser proporcionada, lançando mão, tanto quanto possível, de um critério objectivo (arts. 496º e 494º cit.).</font><br>
<br>
<font>Para tanto, hão-de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, os sofrimentos por elas provocados e seu grau ou intensidade, o período por que perduraram, a dor dos familiares, sempre relacionada com o seu relacionamento afectivo, entre outras.</font><br>
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<font>4. 5. 2. - O quadro fáctico evidencia, sem dúvida, ter a vítima sofrido gravíssimas lesões.</font><br>
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<font>Apesar de se ter provado que sofreu dores e angústia, nada ficou demonstrado quanto à intensidade dessas dores e sua duração, designadamente se o falecido se manteve consciente e sensível à dor durante os cerca de 35 minutos de vida que separaram o acidente do seu decesso e se se apercebeu de que este ia acontecer.</font><br>
<br>
<font>Ora, perante o escasso quadro probatório fixado - onde não constam as «dores atrozes» e a angústia de antevisão da morte que os Recorrentes invocam -, não se encontram razões para alteração do montante arbitrado.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>4. 5. 3. - Também, quando aos danos próprios, se não vislumbram motivos de modificação.</font><br>
<br>
<font>Provados vêm os normais laços afectivos entre pais e filhos, decorrentes de uma “boa relação”, o que também é normal, com o inerente sofrimento presente e futuro.</font><br>
<br>
<font>Como se refere no acórdão recorrido, citando decisões jurisprudenciais, as verbas atribuídas - de 20.000 euros a cada progenitor - situam-se dentro dos parâmetros utilizados na prática deste Supremo em casos similares. </font><br>
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<font>De manter, pois, o </font><i><font>quantum</font></i><font> compensatório fixado pelas Instâncias.</font><br>
<font> </font><br>
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<font>5. - Decisão.</font><br>
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<font>Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Confirmar o decidido no acórdão impugnado; e,</font><br>
<font>- Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br>
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<font> </font><br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
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<font>Lisboa, 22 Junho de 2010, </font><br>
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<font>Alves Velho (Relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
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<font> </font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
XjKYu4YBgYBz1XKvCyDz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font>I - AA, intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra BB, CC e DD, EE e FF, GG e HH pedindo que seja declarada judicialmente a resolução do contrato de promessa que referenciam; sejam os RR condenados a pagar à A, a quantia de €100,000,00, a título de devolução de sinal passado em dobro, nos precisos termos do n. o 2 do art. o 442</font><sup><font>0</font></sup><font> do Código Civil; sejam os RR condenados a pagar à A, a título de indemnização, os juros de mora, vencidos de € 361,64, bem como os vincendos, à taxa legal, sobre a verba de €100.000,00, calculados desde 30/03/2005 até efectivo e integral pagamento; sejam os RR condenados a pagar à A., a título de indemnização, a quantia de € 2.097,96, correspondente ao valor global das despesas suportadas pela A directamente decorrentes das operações de compra e venda e de concessão de crédito bancário; condenados a pagar à A, a titulo de indemnização, os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre a verba de € 2.097,96, calculados desde a data da citação para presente acção até efectivo e integral pagamento e, ainda, condenados a pagar à A, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00. </font>
</p><p><font>Alega, em síntese, que por documento particular de 04-08- 2004, celebrou com a 2</font><sup><font>a</font></sup><font> R. mulher - esta por si e como procuradora dos demais RR - um contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano que identifica, registado a favor dos RR em comum e sem determinação de parte ou direito, nos termos do qual prometeu comprar e os RR vender o aludido prédio, livre de ónus ou encargos, pelo preço de € 600.000,00, vindo a também R HH a subscrever, também, o dito contrato.</font>
</p><p><font>A escritura de compra e venda deveria realizar-se logo que estivesse reunida toda a documentação necessária por parte dos RR, o que se previa acontecesse no prazo de 100 dias contados da data do contrato-promessa, ocorrendo, porém, que os RR não criaram as condições para a realização do contrato prometido, apesar de várias vezes instados para o efeito, situação essa que conduziu a que, por carta de 30-03-2005, tenha manifestado, invocando a perda de interesse no negócio, a sua intenção de resolução do contrato e exigindo, em consequência a restituição do sinal passado, em dobro, ou seja, € 100.000,00; acrescenta que o incumprimento contratual dos RR lhe acarretou vários prejuízos relativos a despesas com emolumentos, despesas notariais, bancárias, IMT, remuneração bruta deixada de auferir, no montante total de € 2.097,96 e que sofreu danos não patrimoniais com a frustração da compra os quais avalia em € 2.500,00. </font>
</p><p><font>Contestaram os RR BB e HH alegando que a eventual responsabilidade perante a A será apenas dos demais RR, que não sua já que havia falta de poderes da 2</font><sup><font>a</font></sup><font> R. para outorgar o contrato-promessa e vincular os restantes RR e mais arguindo a nulidade do contrato promessa em causa, por "não estar a ser prometida a venda de um bem da herança", de que o imóvel em causa faz parte, "e omissão de assinatura dos outorgantes com reconhecimento presencial." </font>
</p><p><font>Contestaram os 2°, 3° e 4° RR invocando a inoponibilidade da resolução, por ausência de notificação das cartas de resolução, no que aos RR. EE, DD, e BB concerne e Imputando à A - a quem assacam má-fé negocial por via da "</font><i><font>inopinada resolução do contrato promessa</font></i><font>" - o efectivo incumprimento do contrato, deduzindo no mais impugnação e concluindo com a improcedência da acção com retenção do sinal a seu favor.</font>
</p><p><font>Houve réplica da A, pugnando pela improcedência das excepções arguidas pelos RR., e concluindo como na petição inicial. </font>
</p><p><font>Por requerimento de folhas 236-240, deduziu a A incidente de habilitação dos sucessores do 1° R, BB sendo, por sentença de folhas 265, habilitados os requeridos como "únicos e universais herdeiros de BB, para com eles em lugar deste prosseguirem os presentes autos". </font>
</p><p><font>A folhas 282-284, requereu a A a notificação dos RR para procederem ao pagamento de juros moratórios vencidos, no montante de € 18.819,81, sob pena de capitalização e a admissão da ampliação do pedido de condenação dos Réus, no pagamento do valor de € 18.819,81. </font>
</p><p><font>O processo seguiu seus termos operando-se saneamento, relegando para final o conhecimento das arguidas excepções; foi realizada audiência final e, em sua sequência foi proferida sentença que, julgando </font><i><font>parcialmente procedente por provada </font></i><font>a acção, condenou os RR: </font>
</p><p><i><font>a) a pagar à A a quantia de </font></i><font>€ </font><i><font>100.000,00, a titulo de devolução do sinal em dobro,(€50.000,00x2), quantia à qual acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da recepção da carta de resolução do contrato, 05-04-2005 até 24-05-2012 que ascendem a 28.558,90 e vincendos desde 23-05-2012 até efectivo e integral pagamento (artigos 805</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> e 806~ ambos do CC); </font></i>
</p><p><i><font>b) a pagar à A a quantia de </font></i><font>€ 2729,96, </font><i><font>quantia à qual acrescem juros de mora, à taxa legal para </font></i><font>os </font><i><font>juros civis, que ascendem a </font></i><font>€ 599, </font><i><font>13, contados desde a data da citação </font></i><font>- 5- </font><i><font>04-2005 até hoje </font></i><font>- </font><i><font>24-05-2012 e </font></i><font>os </font><i><font>vincendos, desde </font></i><font>22- </font><i><font>05-2012, até efectivo e integral pagamento; </font></i>
</p><p><font>c) a </font><i><font>pagar a quantia de </font></i><font>€</font><i><font>1</font></i><font> </font><i><font>000,00, quantia à qual acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal de </font></i><font>4%, </font><i><font>desde a citação </font></i><font>- </font><i><font>05-04-2005 e até à presente data </font></i><font>- </font><i><font>24-05-2012 </font></i><font>- </font><i><font>que se computam em </font></i><font>€ 285,59, </font><i><font>bem como </font></i><font>os </font><i><font>vincendos, sobre aqueloutra quantia desde 22-05- 2012 até efectivo e integral pagamento (artºs. 805</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> e 806</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> do CC). </font></i><font> </font>
</p><p><font>Inconformados, recorreram os RR CC, EE e BB, e, separadamente, a Ré HH tendo, na sequencia desse recurso, sido proferido o acórdão constante de fls 628 a 657 que, na procedência das apelações, revogou a sentença recorrida, absolvendo os RR do pedido.</font>
</p><p><font>II. Deste acórdão vem interposto o presente recurso de revista.</font>
</p><p><font>Apresentou a recorrente as suas alegações que constam de fls. 672 a 686, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo havido contra alegações da parte da R recorrida HH, constantes de fls. 694 a 702 e da parte dos restantes recorridos no termos constantes de fls 706 a 715, cujo teor, de umas e de outras, se dá, igualmente por reproduzidos.</font>
</p><p><font>Em resultado das alegações referidas, e delimitando o objecto do recurso, resulta fundamentalmente colocada a questão de saber se dos factos provados se pode concluir pela verificação de uma situação que justifique a perda de interesse contratual da A</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, enquanto promitente compradora, traduzindo esses mesmos factos uma vontade séria e determinada dos promitentes compradores em não quererem (ou poderem) cumprir – artigo 808º CC</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>III. Os Factos: </font>
</p><p><font>III. 1 – Dados como assentes -</font>
</p><p><font>A) Por documento particular designado por contrato promessa de compra e venda, a 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R, declarou outorgar por si, e pelo 1° e 4° RR, em virtude de procuração, e, sem procuração, na qualidade de cabeça de casal de sua mãe, em representação dos seus irmãos, os 5° e 3° RR., tendo declarado prometer vender à A, o prédio urbano Regueira dos Cepos, sito em Fontanelas, S. João das Lampas, descrito na 1 a conservatória de registo predial de Sintra sob o nº 09068, pendente à data de rectificação de áreas, e a A declarou comprar, pelo valor de €600.000, sendo a escritura a realizar logo que estivesse reunida toda a documentação necessária, por parte dos RR, em termos e condições que constam de fls. 20, 21 e 22 cujo teor se dá por integralmente reproduzido; </font>
</p><p><font>B) Em data posterior à outorga do documento supra referido, a 5</font><sup><font>a</font></sup><font> R. assinou o referido documento; </font>
</p><p><font>C) O imóvel em apreço tem pela apresentação 18/19102004, a propriedade registada em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos RR em termos de fls. 24; </font>
</p><p><font>D) A A efectuou o registo da aquisição provisória a seu favor por meio da ap. 01/20041207, tendo, na mesma data, sido efectuado o registo provisório das hipotecas a seu favor, cf fls. 24; </font>
</p><p><font>E) No dia 4/9/2003, o 1°R constituiu sua procuradora a 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R., com diversos poderes, de entre os quais o de prometer comprar e vender quaisquer bens móveis e imóveis de que seja proprietário ou co-proprietário em Portugal, nos termos de fls. 25 que ora se dão por reproduzidos; </font>
</p><p><font>F) No dia 28/10/2004, o 3°R constituiu sua procuradora a 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R., com diversos poderes, de entre os quais o de vender a parte que lhe pertence no prédio misto sito em São João das Lampas, Sintra, com a matriz predial urbana U- 04065 e R- 00067YY, nos termos de fls. 27 e 28, sito na Estrada Principal das Azenhas do Mar, Fontanelas, que ora se dão por reproduzidos, tendo FF, igualmente 3</font><sup><font>a</font></sup><font>R autorizado a venda, em termos de fls. 29; </font>
</p><p><font>G) No dia 7/5/2003 o 4°R constituiu sua procuradora a 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R, com diversos poderes, de entre os quais o de vender a parte que lhe pertence no prédio misto sito em São João das Lampas, Sintra, com a matriz predial urbana U-04065 e R- 00067YY, nos termos de fls. 31, sito na Estrada Principal das Azenhas do Mar, Fontanelas, que ora se dão por reproduzidos; </font>
</p><p><font>H) </font><i><font>No dia 4 de Março de 2005, pelas 11 h, nas instalações do SIC, sitas em Lisboa, na Rua Andrade Corvo, foi agendada a realização da escritura pública de compra e venda do imóvel referido em A), tendo comparecido a A e todos os RR, com excepção do 1 °R, representado no acto pela 2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font>R</font></i><font>; </font>
</p><p><font>I) No dia 2/3/2005 foi pago pela A, o valor de €36.000, correspondente ao IMT sobre a aquisição em causa, cf. fls. 49; </font>
</p><p><font>J) </font><i><font>A escritura pública em apreço não foi outorgada, tendo sido certificado pelo cartório em causa, que a 5</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font>R não pretendeu celebrá-la por discordar com a forma de distribuição do produto da venda, cf. fls. 53;</font></i><font> </font>
</p><p><font>L) </font><i><font>Por carta datada de 30/3/2005, dirigida à 2</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font>R por si e na qualidade de procuradora do 1°, 3° e 4°RR, a A declarou a sua intenção de resolver o contrato promessa, em termos e condições que constam de fls. 54 e cujo teor se dá por reproduzido</font></i><font>; </font>
</p><p><font>L 1)</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> </font><i><font>Por carta datada de 30/3/2005, dirigida à 5ª R, que a recebeu, a A declarou resolver o contrato por perda de interesse na realização do negócio prometido, conforme documento de fls 57 a 59, que aqui se dá por reproduzido;</font></i>
</p><p><font>M) O 1° R outorgou no dia 25/2/2005 uma declaração onde fixou o destino a dar ao quinhão hereditário resultante do produto dessa venda, cf. fls. 108; </font>
</p><p><font>N) A A pretendeu efectuar no dia da escritura o pagamento da quantia remanescente em dívida, por meio de cinco cheques visados, de €343.750 a favor do 1°R, por corresponder a 20/30 avos do imóvel, de €51.562,50 a favor de cada um dos demais RR, correspondente a 3/32 avos de cada um; </font>
</p><p><font>O) No dia da escritura a 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R pretendeu receber o valor correspondente ao seu quinhão e de seu pai, 1°R, num único cheque, endereçado em seu nome. </font>
</p><p><font>III.2 - Da base instrutória </font>
</p><p><font>1 - A quantia de €50.000, correspondente ao sinal e princípio de pagamento referido no documento mencionado em A), foi entregue pela A. à 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R. </font>
</p><p><font>2 - A 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R entregou à A. cópia das procurações referidas de E) a G). </font>
</p><p><font>3 - O cartório notarial recusou inicialmente marcar a escritura de compra e venda em virtude de a propriedade do imóvel ainda se encontrar, fiscalmente, na caderneta predial, em nome do 1°R., e não de todos os RR, não permitindo a liquidação do IMT. </font>
</p><p><font>4 - E ainda em virtude de as procurações referirem a descrição do imóvel objecto de venda não actualizada. </font>
</p><p><font>5 - Destes factos a A deu conhecimento à 2</font><sup><font>a</font></sup><font>R. </font>
</p><p><font>6 - A 26/1/2005, a inscrição na matriz relativa ao imóvel em causa, estava efectuada em nome dos RR. </font>
</p><p><font>7 - </font><i><font>No dia da escritura referido em H), os RR não lograram obter consenso sobre a forma de distribuição do produto da venda prometida</font></i><font>. </font>
</p><p><font>8 - </font><i><font>A A. contactou os RR diversas vezes com vista a ser realizada a escritura em apreço, sendo que após o dia da escritura referida em H), a A contactou os RR com vista a ser realizada a escritura em apreço. </font></i>
</p><p><i><font>9 - Nunca tendo os RR acedido a tal</font></i><font>. </font>
</p><p><font>10 - Por emolumentos registais derivados do registo provisório de aquisição e hipoteca a A. despendeu €489,26. </font>
</p><p><font>11 - E €393,35 a título de despesas notariais cobradas pela escritura agendada, apesar de não realizada. </font>
</p><p><font>12 - E a título de despesas bancárias cobradas pela operação de crédito à habitação aprovada junto do BES a A. suportou €375 a título de comissão de estudo do processo e €208,25 pela avaliação. </font>
</p><p><font>13 - A A desmobilizou saldos da sua conta poupança com vista à aquisição do imóvel em causa, tendo perdido a quantia de €632, 1 de remuneração bruta. </font>
</p><p><font>14- A não aquisição da casa criou desgosto e angustia na A. </font>
</p><p><font>15 - Porque tinha projectado na mesma uma nova vida para o seu filho. </font>
</p><p><font>16 - A A foi reembolsada do valor despendido em IMT. </font>
</p><p><font>III.3 - Prova Documental, nos termos do art. 657° do CPC. </font>
</p><p><font>17° O contrato promessa descrito em A. não tem as assinaturas reconhecidas presencialmente - cf. doc. fls 20 a 22 cujo teor se dá por reproduzido. </font>
</p><p><font>18° A requisição de Registo provisório a favor da A da propriedade do imóvel objecto do contrato promessa descrito em A está assinada por todos os RR. - cf. doc fls 212 e 213 cujo teor se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font> IV – Do mérito – </font>
</p><p><font>Ao contrário do entendimento que esteve subjacente à decisão proferida pela 1ª Instancia – </font><i><font>os factos provados são suficientes para a A, como qualquer cidadão médio concluir que os RR não celebrariam a escritura e para, consequentemente, haver uma objectiva e justificada perda de interesse na efectivação/celebração do contrato prometido </font></i><font>– entendeu-se no acórdão recorrido, pelas razões que aí se mencionam, que esses mesmos factos apenas configuravam uma situação de mora e não dispensavam a A (promitente compradora) de proceder à necessária interpelação admonitória dos RR (promitentes vendedores) com vista a converter a mora em incumprimento definitivo</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Nas condições que são reflectidas pela factualidade provada, constatamos que os RR prometeram vender à A um imóvel cuja propriedade se encontra registada em seu nome, em comum e sem determinação de parte ou direito (comunhão hereditária)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>; nestes termos, e esta circunstância é de particular relevância para toda a análise que iremos efectuar, a celebração/efectivação do contrato definitivo em termos válidos e eficazes imporia a intervenção de todos os promitentes vendedores – artigos 2091º, 1404º e 1408º 2 CC.</font>
</p><p><font>Para além disto, está igualmente demonstrado (v. teor do contrato promessa referido na alínea A dos factos assentes) que esse mesmo contrato promessa foi celebrado em 4/8/2004 e que nele era prevista a realização da escritura no prazo de 100 dias, sendo certo que esse acto notarial apenas veio a ser marcado para 4/3/2005; demonstrou-se, também, que a escritura não foi outorgada pelo facto de a R HH ter declarado expressamente não a querer celebrar, conforme consta do documento notarial constante de fls. 53 (documento 16), acrescendo, ainda, que nesse dia os RR não lograram obter consenso (entre eles) sobre a forma de distribuição do produto da prometida venda</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>, sendo certo, como acima tivemos ocasião de referir, que dada a situação de titularidade do imóvel objecto do contrato – propriedade registada em comum sem determinação de parte ou direito – apenas através do acordo e da intervenção de todos os promitentes vendedores era possível a realização do contrato prometido.</font>
</p><p><font>Evidencia, ainda, a factualidade provada que a A recorrente, mesmo após o dia da não outorga da escritura, contactou os RR para ser realizada a escritura nunca tendo estes acedido a tal, tendo ela A, na sequencia destes factos </font><i><font>(que designa como “sucessão de incidentes”)</font></i><font>, enviado as cartas constantes dos pontos L e L1 dos factos provados, pelas quais comunica aos RR a perda de interesse na celebração do contrato.</font>
</p><p><font>Perante os factos, todos os factos tomados por relevantes, temos que ter presente, com vista à subsunção jurídica dos mesmos que a resolução - art. 432º CC - tem de ser consequência, legal ou convencional, da violação do </font><i><font>programa negocial</font></i><font> e não é admitida sem que a mora se converta em incumprimento definitivo, seja através de interpelação admonitória, seja pela verificação de perda, objectivamente considerada, do interesse do credor – art. 808º, nºs 1 e 2, CC; o direito de resolução é, recordemos, um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, ou seja para que exista tem de verificar-se um facto determinativo ou constitutivo desse direito, sendo que tal facto ou fundamento é o facto do incumprimento ou situação de inadimplência - </font><i><font>J. Baptista Machado “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro, II, Scientia Jurídica, págs. 348/349.</font></i>
</p><p><font>Sublinhe-se, por outro lado e num breve percurso pelo quadro legal que tomamos por incontornável na tomada de decisão, que no conceito legal de incumprimento cabem quer as situações de incumprimento definitivo,<br>
quer as situações de impossibilidade de cumprimento ou a declaração antecipada de não cumprimento.</font>
</p><p><font>Como, de forma muito clara e precisa, se refere no acórdão deste STJ de 28/6/2011 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas) o incumprimento definitivo (cuja eventual verificação haverá de relevar para efeitos da decisão a proferir) restringe-se a quatro situações:</font>
</p><p><i><font>- recusa de cumprimento (repudiation of a contract ou riffuto di adimpieri);</font></i><font> </font>
</p><p><font>- termo essencial (prazo fatal);</font>
</p><p><font>- cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretractibilidade);</font>
</p><p><font>- ou, finalmente e aqui com especial interesse, </font><i><font>perda do interesse na prestação, sendo que, nesta ultima situação, essa perda de interesse do credor deve ser apreciada objectivamente, em termos concretos, não bastando que este se limite a alegá-lo, mais concretamente, tem de ter na base uma razão objectivamente perceptível e compreensível para o cidadão comum</font></i><a><i><u><sup><font>[8]</font></sup></u></i></a><i><font>.</font></i>
</p><p><font>Para o que aqui releva temos como certo que para a conversão de uma situação de mora em incumprimento definitivo a interpelação admonitória não se torna necessária naqueles casos em que tenha verificado uma situação qualificável como recusa de cumprimento ou tenha ocorrido e sido justificadamente invocada a perda de interesse do credor; nestes referidos casos relevam, de forma directa ou indirecta, enquanto princípios sempre presentes nas relações jurídicas os princípios da boa fé e da confiança, princípios fundamentais que impõem num plano ético-jurídico que uma parte não defraude as expectativas da outra e que o iter negocial decorra, sem excepções, com a lisura normalmente exigível às pessoas de bem</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>.<br>
É, precisamente, em homenagem ao princípio do pontual cumprimento dos contratos - art. 406º CC - e à confiança que os contraentes colocam no cumprimento das prestações recíprocas que se considera constituírem fundamento para a resolução do contrato aqueles casos ou situações em que o comportamento do devedor evidencie, de todo, uma clara e inequívoca vontade de não cumprir ou em que o devedor actue por forma a justificar a perda objectiva do interesse contratual por parte do credor.</font>
</p><p><font>Dependendo o referido exercício do direito à resolução de uma ponderação objectiva de interesses terá que existir uma adequação entre a eficácia extintiva da figura e os pressupostos ou limites que conformam o instituto; essa exigência de um fundamento importante,</font><i><font> de um fundamental breach na linguagem anglo-saxónica</font></i><font>, isto é, de um incumprimento com relevante gravidade (</font><i><font>apreciada sobretudo pela intensidade da possível culpa, pela amplitude, pelas consequências o reiteração da violação e, portanto, em função do todo da relação contratual</font></i><font>) está em sintonia com a finalidade do instituto da resolução (ratio extrema ou ultima ratio) e permite submeter a figura a um controlo axiológico balizado pela boa fé que obste a situações de manifesto abuso do seu exercício decorrentes de um incumprimento insignificante ou pouco prejudicial nos seus efeitos, ou e situações em que o credor alega factos determinados por razões de mera conveniência pessoal ou que revelem e se traduzam num aproveitamento das circunstâncias</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Revisitando, à luz de tudo o que acima deixamos dito, os factos provados que temos por essenciais no processo de tomada de decisão destacamos que, após o decurso de um prazo marcado pelas vicissitudes reveladas nos pontos 3 e 4 dos factos provados e que excedeu significativamente os 100 dias que estavam previstos a promitente compradora a A recorrente - </font><i><font>que já tinha despendido as significativas quantias de € 50000 de sinal e € 36000 de IMT (estes últimos depois reembolsados) </font></i><font>– se confrontou com a declaração expressa e inequívoca de uma das promitentes vendedoras (HH) no sentido de se recusar a cumprir, declaração essa que se encontra exarada em documento notarial (ponto de factos J e documento de fls.53). Não podia, perante isto, a A deixar de considerar e ponderar na decisão de manter ou não a vontade negocial (e essa consciência tê-la-iam, também, os RR promitentes vendedores) que esse facto, esse circunstancia, inviabilizava em absoluto a outorga do contrato prometido atenta a situação de indivisão (comunhão hereditária) em que se encontrava o imóvel objecto do contrato. Acresce a isto – como evidenciam os factos nºs 7 e 8 relativos a respostas dadas à base instrutória – que a A se confrontou, ainda e na mesma altura (data designada para a celebração da escritura), com um desacordo entre os vários RR sobre a forma de repartição do produto da venda, sendo certo, por outro lado, que na sequencia destes factos os RR nunca acederam à marcação de nova data para a escritura apesar de para isso contactados (pontos 8 e 9).</font>
</p><p><font><br>
No contexto de facto que ficou referido a actuação dos RR, particularmente da R HH que recusou cumprir inviabilizando a concretização do contrato prometido como reflecte o documento notarial lavrado na data designada para a escritura mas igualmente dos restantes RR que manifestando divergências entre eles quanto à repartição do preço não atenderam ás insistências da A no sentido da realização da escritura, tem que considerar-se reveladora de uma atitude de injustificável protelamento do cumprimento do contrato incompatível com o principio da boa-fé negocial e violadora da confiança depositada pela A na concretização do contrato prometido, objectivamente fundamentadora da criação de uma perda de interesse contratual. </font>
</p><p><font>Devemos tomar em conta que quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de protelar injustificadamente o cumprimento através de atitudes que tornem justificável a perda de interesse do credor ou de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o não tem, nestes casos, o credor de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação.</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a>
</p><p><font>No caso em apreço a situação de perda de interesse que justifica a atitude resolutiva por parte da accipiens justifica-se pela situação de retardamento no cumprimento da prestação acompanhada de recusa de cumprimento por parte de um dos promitentes vendedores e de circunstanciais desacordos entre outros que justificam o invocado desinteresse do credor na execução do contrato.</font>
</p><p><font><br>
Ainda que na perspectiva da doutrina e da jurisprudência se tenha maioritariamente por assente que para a perda de interesse legitimadora do direito potestativo de resolução ou da possibilidade de liquidação da relação, na acepção germânica, não é suficiente que o contraente fiel afirme, mesmo convictamente, que já não tem interesse na prestação verdade é que, em face das circunstâncias, se mostra alegado e provado que a perda do interesse corresponde, neste caso, a uma disfuncionalidade objectiva da relação contratual que impede a execução do contrato</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Os factos revelam uma vontade séria e determinada, por parte dos recorrentes (promitentes-vendedores) de não quererem cumprir o programa negocial justificando-se a invocada perda do interesse contratual o que permite considerá-los inadimplentes de forma definitiva, sem necessidade de notificação admonitória</font><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Em conclusão: </font>
</p><p><font>1. O princípio do pontual cumprimento dos contratos e a confiança que os contraentes depositam no cumprimento das prestações recíprocas, justificam a resolução do contrato, por violação do princípio da boa-fé, que abrange os </font><i><font>deveres acessórios de conduta</font></i><font>, nos casos em que o comportamento do devedor evidencie uma clara e inequívoca vontade de não cumprir ou seja justificadamente determinante da perda de interesse do credor.</font>
</p><p><font>2. A vontade de não cumprir pode resultar de </font><i><font>comportamentos concludentes</font></i><font> apreensíveis pela actuação da parte inadimplente em função dos deveres convividos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato.</font>
</p><p><font>3. Esses actos relevam desde que objectivamente apreciados mereçam inquestionável censura, não sendo justo que o credor, por mais tolerante que tenha sido na expectativa do cumprimento, esteja atido à vontade lassa do devedor</font><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>4. A resolução surge, nestes casos, como um remédio para uma perturbação da estabilidade contratual e como forma de evitar efeitos perversos nos interesses postos em jogo através da convenção contratual querida e assumida pelos intervenientes na relação contratual</font><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>IV – Decisão – Nestes termos acorda-se em conceder a revista revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a decisão contida na sentença proferida em 1ª Instancia.</font>
</p><p><font>Custas, nas instancias e neste recurso, pelos RR (aqui recorridos).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 29 de Janeiro de 2014</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>Mário Mendes (Relator) *</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
</p><p><font> -------------------------</font>
</p><p><font> </font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> A perda objectiva de interesse, referida no nº 2 do artigo 808º implica o recurso ao padrão da pessoa normal, funcionando em concreto – Menezes Cordeiro, Estudos de Direito Civil, 1º, 55. Como refere Galvão Telles (Obrigações, 3ª edição, 253) não basta a declaração do credor de que a prestação já lhe não interessa devendo verificar-se (jurisdicionalmente) se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas.</font>
</p><p><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> No acórdão de 6 de Fevereiro de 2007, de que é relator o Conselheiro Sebastião Póvoas defende-se que o direito de resolução terá de ser “aferido em termos de razoável normalidade negocial, com apego aos princípios de honestidade no trato contratual não dependendo de meros caprichos ou impulsos de ocasião”. A perda de interesse não é um mero não quero mas tem de se fundar numa causa objectiva que o cidadão comum possa apreender e compreender. E tenha-se presente que a perda do interesse tem de resultar da mora, isto é, de relevante retardamento da prestação. (cf. Prof. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obras Dispersas I, 1991, 137/146; Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., 924 e Prof. A. Varela, RLJ 118-55. No mesmo sentido, os Acórdãos de 14 de Abril de 2011 e de 20 de Outubro de 2009.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Cabe à A alegar e provar os factos objectivos e concretos que substanciem a perda do interesse, susceptível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir; a perda de interesse reveste, a esta luz, a natureza de facto constitutivo do direito que o credor se arroga de proceder, com esse fundamento, à liquidação da relação contratual (art. 342.º, n.º 1, do CC) – acórdão deste STJ de 15/3/2012 (relator Conselheiro Gabriel Catarino).</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Aditado nos termos que constam do acórdão recorrido.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Entendemos que a operação de apreciação objectiva da perda de interesse é uma questão de direito sindicável pelo STJ em sede de recurso de revista – em sentido contrário o acórdão de 13/9/2012 (relator Conselheiro Serra Batista).</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Alíneas A) e C) dos factos assentes.</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Ponto 7 dos factos provados na BI.</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Com se refere no acórdão deste STJ de 15/3/2012 (relator Conselheiro Gabriel Catarino) - já acima referido - a objectividade do critério não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hDKbu4YBgYBz1XKvwCKi | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> 1. - Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa – “acção de pagamento de renda”, prevista no art. 15º-2 do NRAU – em que é Exequente “AA” e são Executadas “BB, S.A.” e “CC, , S.A.”, deduziram estas Demandadas oposição à execução, pedindo a sua extinção total, com fundamento na nulidade dos contratos de “arrendamento” e de “fiança” ou, subsidiariamente, na caducidade do “arrendamento”, a partir de 31/12/2007, ou na sua resolução por alteração anormal das circunstâncias.</font>
</p><p><font> Para tanto alegaram, em síntese e ao que ainda interessa referir, que a sociedade comercial “DD (Centro), Ld.ª”, única que poderia utilizar as instalações, foi declarada insolvente e cessou a actividade, tendo Executada devolvido à Exequente o arrendado totalmente livre e devoluto, após o que se seguiram negociações entre as Partes, tendo a Exequente aceite a resolução amigável do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 28.02.2009.</font>
</p><p><font> De qualquer modo, mesmo antes da resolução por alteração as circunstâncias decorrentes da crise económica iniciada em 2008, o contrato de arrendamento caducou, em 31.12.2007, a partir da cessação total e definitiva da actividade social da “DD, Ld.ª”, dada a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a </font><i><font>“falsa”</font></i><font> arrendatária o gozar e fruir. </font>
</p><p><font> A Exequente contestou, pugnando pela validade e eficácia do título dado à execução. </font>
</p><p><font>Alegou que desconhece a dimensão do “Grupo F........” e a identidade da empresa que laborou no imóvel, sendo que as Executadas não invocam, nem tinham, qualquer fundamento para devolver o locado e/ou denunciar o contrato com efeitos imediatos, denúncia que nunca efectuaram, e que o contrato de arrendamento não caducava, nem podia ser resolvido, em virtude da cessação de um eventual contrato de subarrendamento que a arrendatária tivesse celebrado com terceira entidade, relativamente à qual mantivesse uma relação de domínio, de participação ou de grupo.</font>
</p><p><font> A oposição à execução foi julgada parcialmente procedente, com fundamento na extinção do contrato, por caducidade, em 09/10/2008, e, em consequência, determinado o prosseguimento da execução intentada pela Exequente, mas apenas para pagamento da quantia de €357.413,42, acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos, contados à taxa comercial, a partir de 4.12.2009 e até efectivo e integral pagamento. </font>
</p><p><font> Apelaram ambas as Partes.</font>
</p><p><font> O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso das Executadas, mas concedeu-o à da Exequente, julgando inverificada a caducidade do contrato de arrendamento e, por via disso, a oposição à execução totalmente improcedente.</font>
</p><p><font> As Oponentes pedem ainda revista, pretendendo ver total ou parcialmente extinta a execução, mediante a declaração de caducidade do contrato de arrendamento, com efeitos desde 31/12/2007, ou, pelo menos, nos termos decididos na 1ª Instância.</font>
</p><p><font> Para tanto, as Recorrentes argumentam nas conclusões da alegação:</font>
</p><p><font>“ (…);</font>
</p><p><font>4. Face à matéria de facto provada e constante das alíneas B), C) E), L) P) e Q) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 11º, 12º, 17º, 45º, 46º e 47º da B.I. resulta claramente a impossibilidade definitiva, absoluta e superveniente da Executada/Recorrente gozar e fruir o locado, por si só ou através de qualquer outra sociedade ou empresa. </font>
</p><p><font>5. O prédio objecto do contrato consiste numas instalações criadas de raiz exclusivamente para uma concessão de venda e reparação de veículos da marca Mitsubishi, como melhor se alcança da resposta dada ao quesito 4º da BI. </font>
</p><p><font>6. A "falsa" arrendatária, BB, tem como objecto social "a gestão e promoção imobiliária, compra e venda de imóveis", como consta provado nos autos, nomeadamente, na alínea L) da Matéria Assente. </font>
</p><p><font>7. A empresa que laborava no locado era a DD, Ld.ª, sociedade cujo capital social era detido na totalidade pela CC e que tinha por objecto o comércio automóvel e rodoviário, sendo distribuidor autorizado das marcas Mitsubishi, Fiat e Citroen. </font>
</p><p><font>8. Em 31.12.2007, em consequência directa e necessária da denúncia dos contratos de distribuição operada pela Mitsubishi, Fiat e Citroen, a DD (Centro) cessou total e definitivamente a sua actividade. </font>
</p><p><font>9. "Não existindo qualquer entidade que, com a "BB" ou com a "CC", esteja em relação de domínio, participação ou grupo, pudesse utilizar o imóvel em causa" - resposta ao quesito 11º da B.I. </font>
</p><p><font>10. A Exequente/Recorrida tinha </font><i><font>ab</font></i><font> </font><i><font>initio</font></i><font> pleno e total conhecimento da situação física do locado e da situação financeira das Executadas/Recorridas. </font>
</p><p><font>11. Assim como sabia perfeitamente que a BB nunca exerceu qualquer actividade no local antes da celebração do aludido contrato de arrendamento, informações a que teve acesso privilegiado porquanto tinha em sua posse os elementos de identificação da "falsa" arrendatária e da fiadora, CC, como decorre das respostas dadas aos quesitos 12º, 45º, 46º e 47º da B.I. </font>
</p><p><font>12. Face aos factos provados, a conclusão expendida no 2º parágrafo, da página 20 do douto Acórdão recorrido, nos termos da qual ti (. . .) não se pode considerar como evento gerador da caducidade do arrendamento em apreço, aceite ou previsto pelas partes, a cessação total e definitiva da actividade social no locado por parte da sociedade DD Ldª, mantendo-se a prestação - cedência do uso e fruição do locado objectiva e subjectivamente possível" surge igualmente desprovida de qualquer sentido, veracidade e fundamento. </font>
</p><p><font>13. Ao tempo da propositura da presente acção o grupo em causa estava reduzido a três sociedades operacionais sediadas em Braga, Guimarães e Viana do Castelo, distribuidoras autorizadas das marcas Opel e Chevrolet nos distritos de Braga e Viana do Castelo, bem assim como a meia dúzia de pequenas sociedades de direito espanhol que operavam na área da comercialização e reparação de automóveis na província espanhola da Cantábria, também elas distribuidoras das marcas Nissan, Hyunday e Kia nessa região, como resulta provado das respostas aos quesitos 1º e 2º da B.1. </font>
</p><p><font>14. De todas estas sociedades actualmente apenas resta uma, sediada em Guimarães, distribuidora da marca Chevrolet e cujo capital não é participado nem pela CC nem pela BB. </font>
</p><p><font>15. Da conclusão expendida no referido 2º parágrafo do Acórdão recorrido, a páginas 20 e transcrito na conclusão 13, supra, parece decorrer que a caducidade só opera se o facto que a gerou tiver sido aceite ou previsto pelas partes. Ora, </font>
</p><p><font>16. A ideia que subjaz aos casos de caducidade previstos no Código Civil (art. 1051º) é a da "extinção automática do contrato, como mera consequência de algum evento a que a lei atribui esse efeito. Aqui o contrato resolve-se ipso iure, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade, jurisdicional ou privada, tendentes a extingui-los".. </font>
</p><p><font>17. A enumeração dos casos de caducidade previstos no art. 1051 º, nº 1, do C. Civil, embora" seja muito vasta e tendencialmente exaustiva, não terá real carácter taxativo, bem podendo ocorrer na prática, onde a imaginação criadora é sempre insuperável, eventos caducantes não cobertos por qualquer das descrições do preceito. Pela própria natureza deles, de resto, será em princípio plenamente admissível a ocorrência de eficácia extintiva de um certo evento, independentemente de ter sido como tal concretamente descrito na lei". </font>
</p><p><font>18. Dos factos provados resulta paradigmaticamente a caducidade do ajuizado contrato de arrendamento por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva da "falsa" arrendatária gozar e fruir o imóvel objecto imediato do mesmo, como bem decidiu o douto Tribunal de 1ª Instância. </font>
</p><p><font>19. Por último, sempre se dirá que a Exequente/Recorrida não sofreu qualquer prejuízo com a celebração da operação bancária de financiamento que celebrou com a Executada/Recorrente, conforme melhor se explanou nas páginas 2 a 5 das Alegações de Apelação apresentadas e que ora, por comodidade, se dão por integralmente reproduzidas, desde logo porque há muito tempo que trás o referido imóvel arrendado a outro grupo. </font>
</p><p><font>20. O Acórdão recorrido encontra-se inquinado de nulidade uma vez que a decisão e os fundamentos dele constantes encontram-se em frontal oposição com a matéria de facto provada, como resulta do controvertido no art. 668º, nº 1, alínea c) do C. P. Civil”.</font>
</p><p><font> A Recorrida apresentou resposta, sustentando a inviabilidade da pretensão das Recorrentes. </font>
</p><p><font> 2. - Do conteúdo das conclusões transcritas emergem duas </font><b><font>questões</font></b><font>, </font>
</p><p><font> - uma, de natureza processual, consubstanciada na arguida nulidade do acórdão impugnado, que vem qualificada como oposição entre os fundamentos e a decisão; e,</font>
</p><p><font> - a outra, de direito substantivo, que tem por objecto a verificação da extinção do contrato de arrendamento, por caducidade, e, em caso, afirmativo, em que data. </font>
</p><p><font> 3. - De entre a factualidade provada, interessa à apreciação do objecto do recurso, tal como se encontra delimitado, a que segue.</font>
</p><p><font> 1. </font><i><font> </font></i><font> 1. O exequente, AA representado por AA de Investimento Imobiliário, SA, intentou contra as executadas BB, SA (a seguir também designada por “BB) e CC, SA, (a seguir também designada por “CC”) a acção executiva de que estes autos são um apenso, dando à execução o contrato de arrendamento, interpelações e documentos apresentados com o requerimento executivo</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 2. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 11.01.2006, a executada BB, SA, declarou vender e o exequente AA, representado por CC, SA, declarou comprar, pelo preço de quatro milhões de euros já recebido, </font><i><font>“o prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito na Avenida Dr. ............., n.º 0000, freguesia e concelho de São João da Madeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o número .................../São João da Madeira, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0000”;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 3. Em 11.01.2006, o exequente, AA, representado por CC, SA, na qualidade de senhorio e ali designada por </font><i><font>“primeiro outorgante”</font></i><font>, a executada BB, SA, na qualidade de inquilina e ali designada por </font><i><font>“segunda outorgante”</font></i><font> e a executada F........., CC, SA, na qualidade de fiador e ali designada por </font><i><font>“terceiro outorgante”,</font></i><font> celebraram o contrato de arrendamento constante do documento apresentado com o requerimento executivo, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, através do qual a </font><i><font>“primeira outorgante”</font></i><font> deu de arrendamento à </font><i><font>“segunda outorgante”</font></i><font> o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 0000 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0000, pelo prazo de sete anos, com início na referida data e mediante o pagamento da renda mensal inicial global de €26.667,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor na data de pagamento, a efectuar por crédito na conta NIB 000000000000000, aberta no B.......................Funchal, SA, no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que disser respeito</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 4. De acordo com o teor da cláusula segunda do aludido contrato de arrendamento, o valor da renda seria actualizada anualmente por aplicação do valor do coeficiente de actualização das rendas publicado pelo Governo, processando-se a primeira actualização um ano após a data de início da vigência do contrato e as seguintes um ano após a actualização anterior</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 5. Em conformidade com o estipulado na cláusula terceira do mencionado contrato de arrendamento, </font><i><font>“Os locais arrendados destinam-se à instalação e funcionamento de serviços e actividades da Segunda Outorgante, não lhes podendo ser dado outro destino, ou exercida qualquer outra actividade, sem o consentimento expresso do Senhorio, a ser dado sob a forma de aditamento escrito ao presente contrato (…) As áreas objecto do presente contrato são arrendadas no estado de manutenção e conservação em que se encontram, que a Arrendatária expressamente declara conhecer e aceitar, reconhecendo ainda as aptidões do locado aos fins a que se destina”;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 6. Na cláusula décima primeira do mesmo contrato de arrendamento ficou consignado que </font><i><font>“A arrendatária fica, desde já, autorizada a celebrar, com entidades que, consigo ou com a Terceira Outorgante, estejam em relação de domínio, participação ou grupo, um ou mais contratos de cedência de espaço ou subarrendamento, que tenham por objecto parte(s) do locado, não se considerando tal cedência, a qualquer título, como subarrendamento, total ou parcial do locado para efeitos do número Três (…) Caso no exercício da faculdade que lhe é concedida nos termos no número anterior a Arrendatária venha a autorizar a ocupação de parte do locado, deverá obter da concessionária declaração expressa em que esta se comprometa a restituir o espaço cedido, totalmente livre e devoluto de pessoas e bens, à Arrendatária, previamente à cessação, por qualquer forma”;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 7. Na cláusula décima segunda do referido contrato de arrendamento ficou exarado que </font><i><font>“A Terceira Outorgante constitui-se fiadora e principal pagadora, assumindo solidariamente com a Inquilina a obrigação de fiel, pontual e integral cumprimento de todas as cláusulas deste contrato e suas renovações, e bem assim declarando que a fiança que prestará subsistirá ainda que haja alteração de renda fixada e mesmo depois de ter decorrido o prazo de cinco anos a que alude o número 2 do artigo 655.º do Código Civil, mantendo-se a fiança até à restituição do locado livre e devoluto e liquidados todos os créditos do Senhorio provenientes desta relação locatícia (…) Apresente fiança é prestada com renúncia expressa ao benefício de excussão prévia do devedor</font></i><font>”</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 8. Na cláusula décima quinta consignou-se que </font><i><font>“A sociedade inquilina terá o direito de adquirir o locado a partir do final do quinto ano de vigência do presente contrato de arrendamento para fins comerciais, devendo – para o efeito – notificar, com um mínimo de seis meses de antecedência, a Primeira Outorgante de que pretende exercer tal direito (…) O preço de aquisição será igual ao valor médio de duas avaliações a realizar para o efeito (…”;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 9. O Grupo F......... precisava de financiamento e os contratos de compra e de arrendamento referidos em B) e C) dos factos assentes tiveram por finalidade a angariação dos montantes de que necessitava</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 10. O exequente é um Fundo ...................... com o Regulamento de Gestão constante do documento apresentado com o requerimento executivo</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 11. As executadas BB, SA e F........., CC, SA, pertencem ao denominado Grupo F.........</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 12. A executada BB, S.A., com sede em Braga, tem como objecto social a gestão e promoção imobiliária, compra e venda de imóveis</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 13. A executada F......... CC, S.A., com sede em Braga, tem como objecto social a gestão de participações sociais, como forma indirecta de exercício de actividades económicas</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 14. O denominado Grupo F......... actualmente está reduzido a três sociedades operacionais sediadas em Braga, Guimarães e Viana do Castelo, distribuidoras autorizadas das marcas Opel e Chevrolet nos distritos de Braga e Viana do Castelo</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 15. Bem assim como a meia dúzia de pequenas sociedades de direito espanhol que operam na área da comercialização e reparação de automóveis na província espanhola da Cantábria, também elas distribuidoras autorizadas das marcas Nissan, Hyundai e Kia nessa região</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font>(…);</font>
</p><p><font> 32. A sociedade DD (Centro) – , Lda., com sede na Avenida Dr. ............., n.º 0000, em S. João da Madeira, tendo por objecto social o comércio automóvel e rodoviário, foi constituída com o capital social de €250.000,00, divididos em duas quotas de €175.000,00 e 75.000,00, ambas pertencentes a F......... – CC, SA, exercendo a respectiva gerência EE, FF, GG e HH</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 33. A referida sociedade DD (Centro) – , Lda, foi declarada insolvente por sentença proferida em 14.10.2008 e transitada em julgado em 24.11.2008</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 34. A empresa que laborava no prédio objecto do contrato de arrendamento, a sociedade comercial por quotas que girava sob a denominação de DD (Centro), Lda, cessou total e definitivamente a sua actividade em 31.12.2007, em consequência directa e necessária das denúncias dos contratos de concessão por parte das marcas Mitsubshi, Fiat e Citroen</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 35. O prédio objecto do contrato de arrendamento referido em C) dos factos assentes consiste numas instalações criadas de raiz para uma concessão de venda e reparação de veículos da marca Mitsubishi e por isso exclusivamente destinadas à actividade de reparação e exposição de veículos e estação de serviço</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 36. Não existindo qualquer entidade que, com a “BB” ou a “CC”, esteja em relação de domínio, participação ou grupo, pudesse utilizar o imóvel em causa</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 37. A executada BB, SA, em 6.10.2008, remeteu ao exequente a carta de fls. 39/40, informando da sua intenção de devolver o imóvel e solicitando informação sobre o local onde poderia proceder à entrega das chaves</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 38. Após a expedição da referida carta seguiram-se negociações entre as partes</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 39. Em 2.12.2009, a exequente remeteu às executadas BB, SA e CC SA, as cartas registadas com aviso de recepção apresentadas com o requerimento executivo, interpelando-as para proceder ao pagamento da quantia de €872.000,71, referente às rendas não pagas dos meses de Novembro de 2007 a Dezembro de 2009, acrescida do montante de €436.000,35 a título de indemnização nos termos do artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 40. As executadas BB, SA e CC, SA, não dispunham de meios financeiros para pagar as prestações em atraso, pelo que a executada “BB” propôs à exequente uma dação em pagamento da dívida integral, mediante a transferência da propriedade de bens e direitos (…);</font>
</p><p><font> 41. A exequente mandou proceder à avaliação dos imóveis</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 42. Após a realização das avaliações referidas, e no seguimento das reuniões havidas, as partes chegaram a elaborar a minuta de resolução por acordo do contrato de arrendamento, nos termos documentados a fls. 45 a 48</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 43. Uma vez que o património que as executadas pretendiam transferir para a exequente não era suficiente para liquidação integral da dívida, seria necessário que a executada “BB” liquidasse o capital em dívida remanescente</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 44.Este último ponto não foi consensual e, por isso, as negociações frustraram-se, não tendo havido qualquer acordo entre as partes</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> (…);</font>
</p><p><font> 49. A executada “BB” pagou à exequente €708.419,98 correspondente às rendas até Outubro de 2007 (inclusive)</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 50. As executadas sempre criaram no exequente a convicção de que são sociedades coligadas, mantendo entre elas uma relação de participação, de domínio ou de grupo</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 51. Foi a executada CC quem pagou à consultora imobiliária I.......... os honorários devidos pela sua intervenção no negócio celebrado entre a exequente e as executadas, apesar de o contrato de mediação imobiliária ter sido celebrado pela executada BB</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 52. A exequente conhecia a situação física do local arrendado e a situação financeira das executadas</font><i><font>;</font></i><font> </font>
</p><p><font> 53. E também sabia que a executada “BB” nunca exerceu qualquer actividade no local antes da celebração do aludido contrato de arrendamento</font><i><font>; </font></i>
</p><p><font> 54. A exequente pediu os elementos de identificação da arrendatária e da fiadora</font><i><font>.</font></i>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> 4. 1. - Nulidade do acórdão.</font>
</p><p><font> As Recorrentes argúem a nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 668º-1-c) CPC – alegando que “</font><i><font>os fundamentos dele constantes encontram-se em frontal oposição com a matéria de facto provada</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Se bem se interpreta, as Recorrentes, que nada concretizam, invocam, como vício do acórdão, oposição entre os fundamentos de facto (matéria de facto provada) e os fundamentos de direito ou fundamentação jurídica da decisão.</font>
</p><p><font> A nulidade prevista na norma invocada respeita a uma contradição lógica da decisão, a um vício formal de incompatibilidade entre as premissas e a conclusão no silogismo judiciário. Há-de ocorrer entre os fundamentos e a decisão, por esta conter uma conclusão a que aqueles logicamente não conduziriam.</font>
</p><p><font> Sem prejuízo de poder ocorrer erro de julgamento, por eventual erro de subsunção dos factos ao regime jurídico aplicável ou erro na interpretação ou aplicação do direito, certo é não existir o arguido vício formal.</font>
</p><p><font> Improcede, portanto, a arguição de nulidade.</font>
</p><p><font> 4. 2. - A caducidade do contrato.</font>
</p><p><font> As Recorrentes continuam a sustentar que o contrato de arrendamento celebrado entre a Exequente e a Executada “BB, SA”, como locatária, se extinguiu, por caducidade, por “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva” da arrendatária gozar e fruir o imóvel objecto do contrato.</font>
</p><p><font>Argumentam que, consistindo o locado numas instalações criadas de raiz, exclusivamente para uma concessão de venda e reparação de veículos da marca “Mitsubishi”, nele laborando a Sociedade comercial “DD”, cujo capital era detido pela CC, e tendo a “DD” cessado a actividade em 31/12/2007, sem que existisse qualquer sociedade que com a “BB” ou a “CC” estivesse numa relação de domínio ou grupo, que pudesse utilizar o imóvel, o contrato caducou naquela data. </font>
</p><p><font> O acórdão impugnado, depois de considerar que não se está perante um caso de caducidade do contrato de arrendamento previsto no art. 1051º C. Civil, propôs-se “indagar se contratualmente as partes previram a ocorrência de um qualquer evento gerador de caducidade do contrato, como o apontado na decisão recorrida (sentença)”, questão a que respondeu negativamente, considerando que as Executadas não alegaram a factualidade de que lançou mão o julgador da 1ª Instância, a qual, por via disso, também não poderia ter-se por provada.</font>
</p><p><font> As Recorrentes não põem em causa que as normas relativas à extinção do contrato de locação, por caducidade, elencadas no art. 1051º do Código Civil, não prevêem a hipótese que o caso reflecte.</font>
</p><p><font> Invocam, como evento caducante, como dito, a impossibilidade superveniente de a arrendatária gozar e fruir o imóvel locado, dada a cessação de actividade da “DD”, que nele laborava.</font>
</p><p><font> A caducidade, como facto jurídico extintivo de direitos, opera </font><i><font>ope legis</font></i><font>, resolvendo ou dissolvendo automaticamente o negócio, independentemente de qualquer manifestação de vontade das partes. </font>
</p><p><font>Com efeito, verificado o facto legal ou convencionalmente previsto como susceptível de dela ser fundamento, a caducidade surge e opera, dependendo de simples constatação desse evento impeditivo da eficácia.</font>
</p><p><font>De notar que, por assentarem sempre num fundamento legal, as situações que geradoras de caducidade não se encontram, elas mesmas, na disponibilidade das partes, podendo estas, tão só, estipular os respectivos pressupostos. Por isso, como esclarece P. ROMANO MARTINEZ (“</font><i><font>Da Cessação do Contrato</font></i><font>”, 48), “a liberdade contratual pode moldar e permitir o recurso à caducidade, mas esta causa de cessação do vínculo não resulta da autonomia das partes, mas sim da lei”.</font>
</p><p><font>Sendo o evento prejudicial superveniente, isto é, ocorrendo após o início da produção de efeitos do negócio, a ineficácia, traduzida na cessação de vigência, produz-se para futuro, ocorrendo a dissolução (cfr. ANÍBAL DE CASTRO, “</font><i><font>A Caducidade</font></i><font>”, 2ª ed., 216). </font>
</p><p><font> De caducidade pode falar-se quando a base negocial que presidiu às estipulações das partes tenha assentado em pressupostos que deixam de existir. </font>
</p><p><font>Assim, nos casos de impossibilidade superveniente da prestação, designadamente, quando conduza à extinção do vínculo contratual, nos termos previstos no art. 795º C. Civil. </font>
</p><p><font>A impossibilidade absoluta e definitiva é um facto ou evento que, concorrendo os pressupostos respectivos, “opera por si”, sem necessidade de valoração. Bastará, pois, que se demonstre que, por qualquer circunstância, “o comportamento exigível do devedor, segundo o conteúdo da obrigação, se torna inviável” (P. R. MARTINEZ, </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, 46; A. VARELA, “</font><i><font>Das Obrigações em geral</font></i><font>”, II, 6ª ed., 66).</font>
</p><p><font> Aqui chegados, resta averiguar se, perante o conteúdo do quadro factual disponível, está demonstrada a verificação de um evento ou circunstância, subtraído à vontade das Partes, que tenha tornado inviável a utilização do imóvel arrendado pela locatária, por si ou pelas entidades às quais poderia cedê-lo, nos termos previsto na cláusula 11ª (facto 6). </font>
</p><p><font> Ora, a resposta terá de ser, necessariamente, negativa.</font>
</p><p><font>Se, efectivamente, é verdade que, após a cessação de actividade da “DD, Lda.” não existia qualquer entidade que, com as Executadas estivesse em relação de domínio ou grupo, e pudesse utilizar o imóvel, não pode deixar de ter-se presente que, antes disso, nada, do clausulado no contrato de arrendamento ou para além dele provado, fazia depender a eficácia do mesmo ou ser o seu fim, exclusivo ou não, a cedência à “DD” ou mesmo a qualquer outra sociedade em situação jurídica idêntica.</font>
</p><p><font>Escapa, portanto, ao conteúdo da obrigação, segundo o convencionado, a inexigibilidade do respectivo cumprimento por impossibilidade superveniente: - arrendatária é a “BB”, a cuja instalação e funcionamento de serviços e actividades se destinou o locado, apenas tendo ficado autorizada a cedê-lo em certas condições e com determinadas limitações (cláusulas 3ª e 11ª), não sendo a cedência e sua possibilidade o fim contratual convencionado, mas uma mera faculdade. </font>
</p><p><font> Por isso, insiste-se, se, como, em sede de matéria de facto, decidiu definitivamente o Tribunal da Relação, não se pode considerar, por nem sequer ter sido alegado, que as Partes </font><i><font>sabiam</font></i><font> </font><i><font>que o locado seria exclusivamente utilizado pela DD </font></i><font>e que</font><i><font> a Exequente não ignorava que as Executadas não dispunham de outra entidade que pudesse utilizar o imóvel</font></i><font>, afastada está a existência de qualquer facto susceptível de ser utilizado - como se admite que esses o pudessem ser - como pressuposto do recurso à figura da caducidade.</font>
</p><p><font> Nesta conformidade, na improcedência das conclusões do recurso, a decisão impugnada não merece censura.</font>
</p><p><font> 4. 3. - Respondendo, em síntese conclusiva, à questão substantiva enunciada, dir-se-á:</font>
</p><p><font> - Pode ocorrer extinção do contrato de locação, por caducidade, para além das hipóteses elencadas no art. 1051º C. Civil, quando a base negocial que presidiu às estipulações contratuais das partes tenha assentado em pressupostos que deixaram de existir, designadamente nos casos de impossibilidade superveniente da prestação susceptíveis de conduzirem à extinção do vínculo contratual, nos termos previstos no art. 795º do mesmo Código. </font>
</p><p><font> - Para tanto, em contrato de arrendamento, há-de verificar-se um evento ou circunstância, subtraído à vontade das partes, que tenha tornado inviável, por inexigível, atento o fim contratual, a utilização do imóvel arrendado pelo locatário. </font>
</p><p><font> 5. - Decisão.</font>
</p><p><font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font> - Negar a revista;</font>
</p><p><font>- Confirmar a decisão recorrida; e,</font>
</p><p><font>- Condenar as Recorrentes nas custas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Lisboa, 8 de Maio de 2013 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alves Velho (Relator)</font>
</p><p><font>Paulo Sá</font>
</p><p><font>Garcia Calejo</font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hDKeu4YBgYBz1XKv5CPj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – RELATÓRIO</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>AA, </font></b><font>residente na Rua ......, nº ......, Figueira da Foz, intentou acção especial de interdição contra seu marido</font><b><font> BB, </font></b><font>advogado</font><b><font>, </font></b><font>residente na mesma morada, pedindo que seja decretada a interdição por anomalia psíquica do requerido, por o mesmo se mostrar totalmente incapaz de governar a sua pessoa e os seus bens, ou, em alternativa, ser decretada a sua inabilitação pela incapacidade de reger os seu património.</font>
</p><p><font>Alega, em resumo, que o requerido sofre de doença bipolar desde cedo, é diabético desde os 50 anos (tendo actualmente 74 anos de idade), sofreu um AVC em 1997, implantou um </font><i><font>pace maker</font></i><font> em 2008, tem vindo a perder memória desde 1997 apresentando sintomas de demência senil e agressividade, afirma que quer fazer da casa de morada de família um lar para os sem-abrigo e deixar tudo aos Franciscanos, tem vindo a realizar negócios ruinosos dissipando o património comum do casal, estando incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens.</font>
</p><p><font>Foram publicados editais e anúncios (art. 945º do Código de Processo Civil).</font>
</p><p><font>Citado, o requerido, advogando em causa própria, apresentou contestação onde impugna os factos alegados pela requerente, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação da mesma como litigante de má fé.</font>
</p><p><font>Foi efectuado o interrogatório do requerido e realizado o exame médico-legal psiquiátrico previstos nos arts. 949º a 951º do Código de Processo Civil, tendo-se concluído neste último que “</font><i><font>o examinado não padece de doença mental, no sentido estrito e rigoroso do conceito. Do ponto de vista psiquiátrico-forense, não se apura a existência de razões de natureza psiquiátrica que revelem para efeitos da sua interdição ou inabilitação por anomalia psíquica</font></i><font>” (fls. 336/342).</font>
</p><p><font>Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção, e indeferiu o pedido de condenação da requerente como litigante de má fé. (fls. 353/354).</font>
</p><p><font>De tal decisão apelou a requerente, com inêxito uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra, por maioria, no seu Acórdão de 12/06/12 (fls. 398/402), decidiu confirmar a sentença recorrida.</font>
</p><p><font>A recorrente manteve-se inconformada e interpôs recurso de revista que foi aceite. Nas alegações que apresenta formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1- Nos termos do artigo 944º do C.P.C, a Requerente, mulher do Requerido requereu a sua interdição/inabilitação por anomalia psíquica, mencionando na P.I. os factos reveladores dos fundamentos invocados e indicou as pessoas que devem compor o conselho de família e exercer a tutela ou curatela.</font>
</p><p><font>2- Foram afixados editais e publicados os anúncios, nos termos do artigo 945º do C.P.C.</font>
</p><p><font>3- Citado regularmente o Requerido apresentou contestação.</font>
</p><p><font>4- Foi designada data para realização do interrogatório, que foi iniciado na presença da Meritíssima Juíza, com a assistência da Requerente e da sua mandatária, do Requerido e da sua mandatária e do perito nomeado.</font>
</p><p><font>5- Quando a mandatária da Requerente sugeriu a formulação de algumas perguntas, relativas aos factos reveladores dos fundamentos invocados, o Exmo. Perito alegou que não havia sido notificado das peças processuais da presente acção e que desconhecia os actos de administração ruinosos, praticados pelo Requerido, nomeadamente, os que são expressamente referidos na P.I. nos artigos 20º a 29º, bem como toda a factualidade vertida na P.I</font>
</p><p><font>6- Comprometeu-se, o Exmo. Perito, a formular aquelas e outras perguntas ao Requerido, logo que fosse notificado da P.I. e da Contestação. Ou seja, houve um compromisso entre a Meritíssima Juíza, o Exmo. Perito e a Requerente/Recorrente em marcar nova data para a continuação do interrogatório (ainda que, após o exame pericial), que nunca sucedeu, com grave prejuízo para esta última.</font>
</p><p><font>7- Foi marcado exame pericial que se realizou nas instalações do Instituto de Medicina Legal em Coimbra.</font>
</p><p><font>8- Tomando conhecimento da marcação da perícia, a Requerente veio solicitar a continuação do Interrogatório, na presença do Exmo. Perito, para poder ver respondidas as questões que havia formulado aquando do início do interrogatório e para se poder aferir da capacidade do Requerido para administrar a sua pessoa e, principalmente, os seus bens, sob pena de a Requerente promover exame numa clínica da especialidade, a expensas suas, nos termos do nº 4 do artigo 951º do CPC, o que na douta sentença é considerado um acto processual inútil.</font>
</p><p><font>9- A Requerente viu coarctado o direito de formular, as questões no Interrogatório, que considera que não foi concluído, recorrendo da sentença, porquanto impugnou matéria de facto que impunha decisão diversa nomeadamente a continuação do interrogatório. - (artigo 729º nº 3 do CPC).</font>
</p><p><font>10- A Requerente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto relativa ao relatório pericial de fls. 336 e ss, como é referido na douta sentença, porquanto é totalmente omisso quanto ao alegado pela Requerente na Petição Inicial e, ainda, porque tal perícia é contraditória.</font>
</p><p><font>11- A perícia é contraditória, porquanto, conclui que o examinado não padece de Doença mental, no sentido estrito e rigoroso do conceito, e que, do ponto de vista psiquiátrico-forense, não se apura a existência de razões de natureza psiquiátrica que relevem para efeitos da sua interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, o que contraria totalmente as conclusões dos exames complementares de "Inventário de Sintomas Psicopatológicos (BSI)" e de "Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (M. M. P. I.)"</font>
</p><p><font>12- A conclusão do exame complementar de (BSI) afirma que não se pode assegurar que não exista sintomatologia psicopatológica. Já a conclusão do exame complementar de (M. M. P. I.) afirma que o perfil obtido não pode ser considerado válido...indicia uma postura de grande defensividade, ocorrendo distorção de respostas...e representando uma repressão ou negação de traços desfavoráveis (na tentativa de omitir alguns problemas psicológicos de que possa padecer).</font>
</p><p><font>13- Sendo certo que se alega na P.I. uma doença bipolar genética do Requerido e sintomatologia de demência senil, deveria o julgador estar alerta aos exames complementares e sua conclusão, e não apenas às conclusões do relatório pericial, que, para todos os efeitos, contrariam os referidos exames.</font>
</p><p><font>14- A Requerente impugnou a decisão sobre a matéria de facto porquanto o Interrogatório do Requerido não foi concluído.</font>
</p><p><font>15- A Requerente impugnou a decisão sobre a matéria de facto porquanto o Relatório é totalmente omisso quanto ao alegado pela Requerente na Petição Inicial e, ainda, porque tal perícia contém contradições entre a conclusão dos exames complementares e as conclusões finais da Perícia. - (artigos 729º nº3 e 730º do CPC).</font>
</p><p><font>16- Ora, apercebendo-se, o STJ, de que a decisão de facto em apreço pode e deve ser ampliada para viabilizar correcta decisão de Direito ou que, na decisão de facto, existem contradições, como as que são patentes no relatório médico, o STJ, não podendo julgar, propriamente, factualidade, pode decidir que o Tribunal a quo refaça a sua própria decisão, definindo o Direito que deverá ser aplicado (artigos 729º nº 3 e 730º do CPC), o que mui respeitosamente se requer a V. Exas.</font>
</p><p><font>17- A Requerente impugna a decisão sobre matéria de direito, porquanto a douta sentença ofendeu e violou o disposto no artigo 948º e do nº 2 do artigo 952º, ambos do CPC, uma vez que a acção de interdição/inabilitação nº 2382/09.OTBFIG, que correu os seus termos pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, foi contestada, devendo seguir os termos do processo ordinário, devendo realizar-se a competente audiência de discussão e julgamento para o apuramento da verdade e plena realização da JUSTIÇA.</font>
</p><p><font>18- Em consonância com a Recorrente decidiu o I. Desembargador, com voto de vencido, subscrevendo o sentido em que opina Lopes do Rego e aponta o preâmbulo do DL nºs 329-A/95, que refere expressamente: "Se, findos o interrogatório e exame, a acção tiver sido contestada, ou o processo, em qualquer caso, não oferecer elementos suficientes, a acção terá seguimento, como ordinária", (artigos 731º e 716º do CPC).</font>
</p><p><font>Motivos pelos quais se pede a anulação do douto acórdão e, consequentemente, da douta sentença que o antecede, devendo concluir-se pela procedência do presente recurso, decidindo que o Tribunal a quo refaça a sua própria decisão, definindo o Direito que deverá ser aplicado em harmonia com as conclusões da Recorrente (artigos 729º nº3 e 730º do CPC) e ainda, em harmonia com o voto de vencido da Apelação.</font>
</p><p><font> O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font><font> </font><font>As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil – doravante CPC) – consubstanciam as seguintes questões, numa ordem lógica:</font>
</p><p><font> a) matéria de facto ou perícia contraditória;</font>
</p><p><font> b) se</font><font> </font><font>foi violado o disposto nos arts. 948º e 952º, nº 2 do CPC;</font>
</p><p><font> c) se a decisão de facto em apreço pode e deve ser ampliada.</font>
</p><p><font> </font><font> </font></p><div><br>
<b><font>I I – FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font> DE FACTO</font></b>
<p><b><font> </font></b><font>Os factos constantes do relatório que antecede.</font>
</p><p><font> </font><b><font> DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>A) </font><u><font>Matéria de facto ou perícia contraditória</font></u>
</p><p><font> Expressa a recorrente como razão de ser desta revista a discordância da decisão da matéria de facto relativa ao relatório pericial de fls. 336 e segs, porquanto é totalmente omisso quanto ao por si alegado na petição inicial e, ainda, porque tal perícia contém contradições entre a conclusão dos exames complementares e as conclusões finais da perícia (cfr. conclusões 5ª a 15ª).</font>
</p><p><font>É pouco esclarecedora e precisa a recorrente nesta sua imprecação, do que entende por decisão da matéria de facto e teor do relatório pericial, aparentando estar a dirigir-se a este quando invoca impugnar aquela. E porque assim é, acautelando a total abrangência da sua discordância, e plena elucidação, dir-se-á o que segue.</font>
</p><p><font>Primeiramente, se se reporta à matéria de facto que as instâncias valorizaram nas suas decisões, importa tenha presente que o Supremo, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 722º, nº 3 e 729º, nºs 1 e 2 do CPC).</font>
</p><p><font>Isto é, o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela Relação quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se houver desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, excepções que claramente não estão aqui em causa.</font>
</p><p><font>Porém, se o seu insurgimento se dirige única e primordialmente, como tudo parece fazer transparecer, contra o teor do relatório pericial, sobre tal a Relação deu resposta adequada, detalhada, e proficiente</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, que subscrevemos e por isso mesmo nos dispensa de aqui ter de repetir à exaustão. </font>
</p><p><font>Em poucas palavras, pode acrescentar-se que da acta resulta que “</font><i><font>não se decidiu pela continuação do interrogatório, nomeadamente sobre “actos de administração ruinosos</font></i><font>”“, e que o exame pericial se molda pelo regime estabelecido nos arts. 580º a 589º do CPC, de entre os quais releva o nº 2 do art. 587º, segundo o qual “</font><i><font>se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Iniciativa esta que a requerente não tomou, remetendo para a apelação o momento para arguir as insuficiências e contradições que agora aponta. </font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação, movendo-se no quadro normativo estabelecido no nº 1 do art.712º do CPC, não viu motivos para se afastar do parecer do perito médico/psiquiátrico, o mesmo é dizer para alterar a decisão sobre a matéria de facto, e quanto à contradição, por não haver sido suscitada em sede de reclamações (nº 2 do art. 587º), considerou precludido o seu conhecimento.</font>
</p><p><font>Observe-se a este respeito que a convicção do tribunal conducente à decisão da matéria de facto em questão resultou de prova pericial. Trata-se de prova de livre apreciação, e não de prova que disponha de força probatória legal plena (art. 389.º do Código Civil - CC).</font>
</p><p><font>Não se integra, por consequência, na hipótese recortada no n.º 3, in fine, do artigo 722.º do CPC que permitiria a este Supremo Tribunal alterar a matéria de facto.</font>
</p><p><font> B) </font><u><font>Se foi violado o disposto nos arts. 948º e 952º, nº 2 do CPC</font></u>
</p><p><font> A recorrente considera que foi violado o disposto nos artigos 948º e 952º, nº 2 do CPC, uma vez que a acção foi contestada, devendo seguir os termos do processo ordinário, com realização da audiência de discussão e julgamento para o apuramento da verdade.</font>
</p><p><font>Entendimento igualmente perfilhado pelo Exmo Juiz Desembargador, 2º Adjunto, no voto de vencido que exarou, subscrevendo o sentido em que opina o Exmo Juiz Conselheiro Lopes do Rego e apontando o preâmbulo do DL nºs 329-A/95 que refere expressamente: “</font><i><font>Se, findos o interrogatório e exame, a acção tiver sido contestada, ou o processo, em qualquer caso, não oferecer elementos suficientes, a acção terá seguimento, como ordinária</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>Estamos perante matéria sindicável em via de recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça em conformidade com o estabelecido no art. 722º, nº 1, al. b) do CPC.</font>
</p><p><font>Como tal, dispõe o nº 1 do art. 952º que: “</font><i><font>Se o interrogatório e o exame do requerido fornecerem elementos suficientes e a acção não tiver sido contestada, pode o juiz decretar imediatamente a interdição ou a inabilitação</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Por sua vez, o nº 2 estabelece: “</font><i><font>Nos restantes casos, seguir-se-ão os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados; sendo ordenado na fase de instrução novo exame médico do requerido, aplicar-se-ão as disposições relativas ao primeiro exame</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Na decisão impugnada a posição que fez vencimento considerou que da conjugação destes dois números resulta que se do interrogatório e exame pericial efectuado ao requerido se concluir no sentido da sua interdição ou inabilitação por anomalia psíquica, e o mesmo não contestou a acção, pode logo ser decretada a sua incapacidade (por interdição ou inabilitação), mas “</font><i><font>a letra desta norma (nº2) está longe de impôr a continuação do processo sempre que haja contestação. Tal é a situação em apreço. O requerido contestou negando encontrar-se em situação psíquica ou física que o tornam incapaz de reger a sua pessoa e bens. O exame a que se submeteu, subscrito por perito médico especializado em psiquiatria, veio dar-lhe razão.</font></i><font> </font>
</p><p><font>(...) </font><i><font>Neste conspecto, a realização de outras diligências em fase instrutória revelar-se-ia inútil, porque nada mais há a apurar, nomeadamente “actos de administração ruinosos” imputados pela requerente ao requerido. A interdição e a inabilitação fundamentam-se em situações de anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira, quando pela sua gravidade tornem o interditando incapaz de reger a sua pessoa e bens (art.138º/C.C.), ou não excluem totalmente a sua aptidão para gerir os seus interesses (art.152º/C.C.). A presente acção especial destina-se justamente a averiguar a existência de deficiências físico-psíquicas que fundamentem a interdição ou inabilitação.</font></i>
</p><p><i><font>Não detectado no requerido qualquer anomalia psíquica que justique a sua interdição ou inabilitação nos termos legais apontados, segue-se que a decisão proferida na fase preliminar no sentido de negar provimento à pretensão da recorrente, foi correcta e oportuna.</font></i><font> “.</font>
</p><p><font>Com todo o respeito que nos merecem os seus subscritores, e é muito, não sufragamos o entendimento perfilhado na sua plenitude.</font>
</p><p><font>Sem dúvida que não havendo contestação, após o interrogatório e o exame pericial (arts. 950º e 951º), se estes fornecerem elementos suficientes, pode o juiz decretar imediatamente a interdição (n.º 1 do art. 952º). </font>
</p><p><font>E compreende-se que assim seja, porque se os subsequentes interrogatório e exame pericial forem convergentes fornecendo elementos suficientes no sentido dessa incapacidade, como que poder-se-á entender a não contestação do interditando, seja por si, através de mandatário judicial ou pelo seu representante constituído, pelo menos aparentemente, por sinal concordante com a imputação da incapacidade feita pelo requerente</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, podendo o juiz decretar imediatamente a interdição uma vez que nada mais de útil há para apurar. A aparente harmonia do requerente e requerido, é fortalecida pelos meios de prova.</font>
</p><p><font>Mas se houver contestação, como é o caso, a acção deverá ter seguimento com os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados (art. 952º, nº 2).</font>
</p><p><font>Aqui, não obstante a convergência do interrogatório e do exame pericial com a impugnação do requerido, no sentido da inverificação da incapacidade, mantém-se uma área de divergência entre o requerente e o requerido que importa clarificar e esclarecer. </font>
</p><p><font>Assim acontecendo, importa o respeito do princípio dispositivo, e para o efeito, competirá a ponderação não só dos meios de prova oficiosos já produzidos, interrogatório e exame pericial, como dos oferecidos pelas partes, a produzir, e ainda novo exame pericial (nº 2 do art. 952º).</font>
</p><p><font>Diferente era o regime consagrado pelo Código de Processo Civil de 1939 concedendo a faculdade legal de o juiz declarar logo a interdição, não chegando o processo a entrar na sua fase contenciosa, se aqueles dois meios (na altura eram três com o prescindido conselho de família) de averiguação oficiosa fossem concordantes e favoráveis ao pedido do requerente. O interditando nem sequer tinha ensejo de contestar o pedido, numa situação de excepção ao princípio fundamental de que ninguém pode ser condenado sem ser admitido a deduzir oposição (art. 3º do CPC) .</font>
</p><p><font>Da mesma forma, no caso inverso, perante a convicção, obtida através dos mesmos meios de averiguação oficiosa, de que o requerido não era incapaz, o juiz podia indeferir, de imediato, a petição inicial</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Idêntica faculdade consagrou o Código de Processo Civil de 1961 no art. 952º, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12, em que a norma funcionava em ambos os sentidos, para deferir ou indeferir a pretensão. Dispunha “</font><i><font>Se o parecer do conselho de família e os resultados do interrogatório e do exame forem concordantes e fornecerem prova global da incapacidade ou da capacidade do arguido, o juiz, conforme os casos, decretará a interdição ou inabilitação, ou indeferirá o pedido</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A reforma de 1995, atenta a particular delicadeza das situações visadas e danos que podiam decorrer da liminar publicidade da acção, introduziu algumas alterações no processo especial de interdição, desde logo a apreciação liminar pelo juiz da petição inicial (art. 945º, nº 1), a eliminação da intervenção do conselho de família (art. 949º), a adequação aos princípios gerais do regime de representação do requerido (art. 947º), e o afastamento da norma contida no art. 952º poder funcionar nos dois sentidos</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Depois desta, como se disse, o juiz só pode decidir imediatamente no sentido da interdição, se após o interrogatório e o exame pericial, fornecerem estes elementos suficientes, e não houver contestação (n.º 1 do art. 952º). Porque o conjunto destes dados aponta para uma evidência relativamente à necessidade da interdição, que dispensa um formalismo mais rigoroso.</font>
</p><p><font> Evidência comprometida, não obstante eventual convergência do interrogatório e do exame pericial preliminares, se houver contestação enquanto não for proporcionado ao requerido que produza e demonstre a força dos seus meios de prova, e seja submetido a novo exame médico que ajude a dissipar essa sombra de dúvida.</font>
</p><p><font>Assim, já está vedado ao julgador que indefira o pedido de imediato, ainda que dos meios de averiguação oficiosa resulte a concordância de que o requerido não é incapaz, tenha este oferecido, ou não, contestação. Isto, dado que na primeira situação se mantém uma área de divergência entre o requerente e o requerido que importa apurar, e na segunda por respeito do princípio dispositivo.</font>
</p><p><font>Deste modo, a redacção do art. 952º do CPC, introduzida pela reforma de 1995, implicou um desvio à tramitação neste segmento. Impõe o seu n.º 2 que na circunstância de a acção haver sido contestada se sigam os termos do processo ordinário posteriores aos articulados.</font>
</p><p><font>Poder-se-ão caracterizar, então, as seguintes situações:</font>
</p><p><font>1.º. Não havendo contestação e fornecendo o interrogatório e o exame do arguido elementos suficientes favoráveis ao pedido formulado, deverá o juiz singular decretar imediatamente a interdição (nº 1 do art. 952º);</font>
</p><p><font>2.º. Não havendo contestação, mas não fornecendo o exame pericial elementos seguros sobre a capacidade ou incapacidade do interditando, pode o requerente promover o seu exame numa clínica da especialidade (nº 4 do art. 951º)</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>, mas se o não requerer, seguem-se os termos do processo ordinário (nº 2 do art. 952º). </font>
</p><p><font>O mesmo acontece se o interrogatório e o exame do requerido, que não padeça daquela fragilidade, não convergirem;</font>
</p><p><font>3º. Não havendo contestação, fornecendo o interrogatório e exame elementos convergentes no sentido contrário ao do requerente, seguem-se os termos do processo ordinário (nº 2 do art. 952º);</font>
</p><p><font>4º. Havendo contestação, mesmo que o interrogatório e o exame do arguido forneçam elementos convergentes, em qualquer dos sentidos, favorável ou não ao requerente, seguem-se os demais articulados previstos para o processo ordinário (nº 2 do art. 952º);</font>
</p><p><font>5º. Havendo contestação, não fornecendo o exame pericial elementos seguros sobre a capacidade ou incapacidade do interditando, pode o requerente promover o seu exame numa clínica da especialidade (nº 4 do art. 951º) ou, se o não requerer, seguem-se os termos do processo ordinário (nº 2 do art. 952º).</font>
</p><p><font>A mesma solução quando o interrogatório e o exame, que não padeça daquela fragilidade, não convergirem.</font>
</p><p><font>Destarte se observa o disposto no nº 2 do art. 952º, segundo o qual sempre que a acção seja contestada, ou o processo, em qualquer caso, não ofereça elementos seguros e suficientes, a acção terá seguimento, como ordinária.</font>
</p><p><font>Neste mesmo sentido parece a anotação feita a este normativo pelo Conselheiro Lopes do Rego, nos seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1999, pág. 631.</font>
</p><p><font> Perfilhando entendimento contrário, o Desembargador Emídio Santos, na sua citada obra, págs. 81/84, como motivos para que, se o interrogatório e o exame pericial forem inequívocos quanto à plena capacidade do requerido, não se encontrem razões para o prosseguimento do processo, haja ou não contestação, indica uma causa de ordem estritamente processual, a remissão para os termos do processo ordinário posterior aos articulados sê-lo-á implicitamente para o disposto no art. 510º, </font><i><font>maxime</font></i><font> al. b) do nº1, a coberto da qual o juiz pode conhecer imediatamente do mérito da causa se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas, e um argumento de natureza substantiva ancorada nos princípios da necessidade e da proporcionalidade a que estão sujeitas não só as leis restritivas da capacidade civil (art. 18º, nº 2 da CRP) mas igualmente as normas do processo especial de interdição ou de inabilitação. </font>
</p><p><font>Vistas as coisas, preconiza a mesma solução do CPC de 1961, na redacção do art. 952º anterior ao Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12.</font>
</p><p><font>Reconhecendo o indesmentível peso e valor de tais argumentos, com o respeito devido por tão valioso contributo, permitimo-nos discordar porque nesta perspectiva ficaria esvaziado de sentido o nº 1 do art. 952º, da razão para autonomizar a hipótese nele contemplada, uma vez que, então, sempre após o exame pericial, na fase do saneador, se poderia decidir de mérito nesse sentido.</font>
</p><p><font>Esta autonomização normativa, a nosso ver, aponta para que o legislador, ao estatuir da forma que o fez no nº 2, esteja a afastar qualquer imediata decisão de mérito, seja em que sentido for, antes pretendendo que se entre, sem mais, na fase contenciosa, seguindo-se “os termos do processo ordinário, posteriores aos articulados”, com a instrução do processo, o que tem forte apoio nos seus elementos literal e lógico com a simultânea imposição de “novo exame médico”.</font>
</p><p><font>O que igualmente encontra algum arrimo na evolução legislativa acima mencionada em que é notória uma crescente protecção processual do interditando e defesa dos seus interesses, a par de melhor adequação deste processo especial ao regime geral, atenta a particular delicadeza da situação.</font>
</p><p><font>Como tal, reafirmando, sempre que a acção seja contestada, ou o processo, em qualquer caso, não ofereça elementos suficientes, a acção terá seguimento, como ordinária.</font>
</p><p><font>Não foi esta a solução encontrada na decisão recorrida, em que não obstante haver contestação considerou correcta a decisão proferida na 1ª instância a julgar improcedente a pretensão da requerente/recorrente, no termo da fase inquisitória prescindindo da fase contenciosa.</font>
</p><p><font>Não pode subsistir tal decisão.</font>
</p><p><font> C) </font><u><font>Se a decisão de facto em apreço pode e deve ser ampliada</font></u>
</p><p><font> A requerente invoca ainda que a matéria de facto pode e deve ser ampliada para viabilizar correcta decisão de Direito, porquanto não só há total omissão quanto ao por si alegado na petição inicial, como existem contradições no relatório médico. Reclama, por isso, a remessa dos autos ao tribunal recorrido (arts. 729º nº 3 e 730º do CPC).</font>
</p><p><font>A solução dada à anterior questão de alguma forma prejudica o conhecimento desta, porquanto a prossecução dos autos determinada permitirá colmatar a insuficiência apontada.</font>
</p><p><font>Ainda assim será útil que se destaquem alguns pontos de indiscutível cabimento e interesse.</font>
</p><p><font>O processo especial relativo às interdições e inabilitações regulado nos artigos 944º a 958º do CPC está em correspondência com os artigos 138º a 156º do CC.</font>
</p><p><font>Como resulta do disposto no art. 138º do CC, podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que, para o caso que nos interessa, por anomalia psíquica, se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens,</font>
</p><p><font>Efectivamente, os pressupostos da interdição por anomalia psíquica são: a maioridade do sujeito; a incapacidade de reger os bens e a pessoa em razão de anomalia psíquica e a anomalia psíquica revestir determinadas características (art. 138º, nºs 1 e 2).</font>
</p><p><font>Exige a lei, no art. 138º, que o julgador constate uma relação de causa-efeito entre a anomalia psíquica e a incapacidade, esta tenha naquela a sua origem, dela resulte.</font><font> </font><font>Só uma anomalia psíquica (nela abrangendo-se não só as deficiências de intelecto, de entendimento ou discernimento, como as deficiências da vontade e da própria afectividade ou sensibilidade) incapacitante, actual, habitual ou duradoura, pode determinar a interdição da pessoa que dela sofre</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Conforme já se deixou acima dito, as causas de interdição são incapacitantes quando sejam de tal modo graves, que tornem a pessoa inapta para se reger a ela própria e aos seus bens.</font>
</p><p><font>Se a causa não assumir essa gravidade, ela não determina a interdição, embora possa determinar a inabilitação.</font>
</p><p><font>A exigência deste requisito decorre dos arts. 138º, parte final do n.º 1, e 152º do mesmo CC.</font>
</p><p><font>Considerou a decisão recorrida que não detectado no requerido qualquer anomalia psíquica não se justificava não só a sua interdição como nem a sua inabilitação.</font>
</p><p><font>Verifica-se que, tal como a sentença da 1ª instância, assentou por adesão ao relatório pericial. </font>
</p><p><font>Ora, se é aceitável que de acordo com este se poderia dar por assente inexistir anomalia psíquica que justificasse a interdição do requerido, sabendo-se que a procedência desta pressupõe aquela, todavia, constata-se não ter sido ponderado o pedido alternativo de inabilitação na sua integral dimensão. Parece ter-se omitido que a inabilitação também pode ter como fundamento a “habitual prodigalidade” do requerido que o torne incapaz de reger convenientemente o seu património (2ª parte do art. 152º do CC). </font>
</p><p><font>A requerente alegou diversos factos na petição inicial tendentes a demonstrar também essa prodigalidade</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>. Aliás, o facto de se haver requerido a interdição, nada obsta a que o tribunal, em face do grau de incapacidade revelado, decrete a inabilitação (art. 954º, nº 1 do CPC).</font>
</p><p><font>Acircunstância de a acção ter sido decidida na fase inquisitória não permitiu a fase de produção de prova que, no caso concreto, e tendo em conta as lacunas apontadas, seria relevante para adoptar a solução mais ajustada, pelo que semp | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hDKou4YBgYBz1XKv7SkR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- </font><b><font>AA</font></b><font>, residente na Urbanização .............., Bloco ..... ......., Quarteira, Vila Moura, propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB – Indústria Cerâmica, S.A.</font></b><font>, com sede na zona industrial da ....., Apartado ....., Í......, </font><i><font>pedindo</font></i><font> que:</font>
</p><p><font> a) Seja declarado que a R. violou culposamente as obrigações contratuais que assumiu através de contrato de agente comercial que celebrou com o A., com o que deu causa à resolução do contrato pelo A. ; </font>
</p><p><font> b) A R. seja condenada a pagar ao A. : </font>
</p><p><font> -27.500 € a título de indemnização pelo dano resultante da diminuição da retribuição e aumento dos custos da actividade do autor entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004;</font>
</p><p><font> -80.000 € a título de indemnização pelo dano emergente e lucro cessante derivado da extinção do contrato ; </font>
</p><p><font> -76.000 € a título de indemnização de clientela. </font>
</p><p><font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que a R. dedica-se à comercialização de pavimentos e revestimentos cerâmicos, tendo resultado da fusão, por incorporação e mediante transferência global de património, das sociedades “CC Cerâmicas, S.A.” e “DD, Ldª”, na “EE – Mosaicos EE os, S.A.”. Em Fevereiro de 1992, o A. celebrou com a “CC EE , S.A.” contrato de agente comercial que perdurou até 30/9/2004. Acontece que, em Outubro de 2003, a R. decidiu unilateralmente alterar as condições do contrato que mantinha com o A., alterando-lhe as zonas de comercialização, reduzindo-lhe a retribuição e retirando-lhe os principais cliente, o que implicou uma diminuição da retribuição do A., além de lhe ter aumentado os custos da sua actividade. Em Junho de 2004 o A. tomou conhecimento de vários comportamentos da R. que, conjugados com os factos já referidos, tornaram impossível a manutenção do contrato pelo que, por carta de 30/6/2004, o A. procedeu à resolução do contrato que o ligava à R.. O facto de o A. ter sido obrigado a pôr termo ao contrato, de ter perdido o mercado que construiu, capital de clientela, relações e contactos, e a sua única fonte de rendimento, causou-lhe danos. Acresce que, graças à actividade de comercialização e promoção desenvolvida pelo A. longo dos anos, até Novembro de 2003, a R. fidelizou a clientela de que já dispunha, aumentou o número e a facturação dos seus clientes. </font>
</p><p><font> A R. contestou defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência da acção. </font>
</p><p><font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font>
</p><p><font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou-se que o A. resolveu validamente o contrato de agência com fundamento em violação culposa das obrigações contratuais da R., condenando-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000 a título de indemnização de clientela.</font>
</p><p><font> No mais, a acção foi julgada improcedente, absolvendo a R. do pedido </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram a R. e o A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 16-11-2010, julgado procedente o recurso da R., revogando-se a sentença recorrida, absolvendo-se a R. do pedido contra ela formulado. Mais se negou provimento ao recurso interposto pelo A., confirmando, na parte por ele impugnada, a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> 1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Contrariamente ao decidido pelo douto acórdão impugnado, os factos provados preenchem os requisitos legais constitutivos do direito à indemnização de clientela peticionado pelo Autor, </font>
</p><p><font> 2ª- pelo que, decidindo de modo diverso, o douto acórdão ofendeu o disposto, entre outros, no art. 33°, nº 1, do DL 178/86, de 3 de Julho. </font>
</p><p><font> 3ª- O douto acórdão confirmou a douta sentença de primeira instância que negou ao Autor o direito de ser indemnizado pelos danos da diminuição da retribuição e aumento dos custos da sua actividade de agente comercial entre Novembro de 2003 e Setembro de 2004, resultantes de decisões unilaterais da Ré que desrespeitam obrigações contratuais. </font>
</p><p><font> 4ª- Essas decisões (incluindo, ao que agora interessa, o douto acórdão da Relação) assentam no princípio da irreparabilidade do chamado </font><i><font>interesse contratual positivo </font></i><font>nas hipóteses de resolução contratual, </font>
</p><p><font> 5ª- princípio esse que, ao contrário do decidido, não é absoluto, contraria, no caso, a </font><i><font>"finalidade da resolução" </font></i><font>e nem sequer se aplica à resolução de contratos de agência (por serem de execução continuada), como tudo resulta das disposições conjugadas dos nºs 1 e 2 e do art. 434° CC e 32° do DL 178/86, de 3 de Julho. </font>
</p><p><font> 6ª - A </font><i><font>"necessidade de ponderar </font></i><font>os </font><i><font>interesses </font></i><font>em </font><i><font>jogo </font></i><font>à </font><i><font>luz da boa fé negocial </font></i><font>- como acentua o Ac. STJ de 12.02.2009 -, o incumprimento grave e reiterado da Ré que determinou a resolução do contrato e as demais circunstâncias do caso, justificam a atribuição ao Autor duma indemnização pelos danos resultantes da diferença entre a retribuição contratada e a que foi paga, e pelo agravamento dos custos que o Autor teve de suportar por força de decisões unilaterais da Ré que desrespeitaram obrigações contratuais por ela assumidas, </font>
</p><p><font> 7ª- indemnização essa que terá de ser fixada na quantia peticionada pelo Autor, de 27.500,00 € (vinte e sete mil e quinhentos euros). </font>
</p><p><font> 8ª- Os mesmos pressupostos de facto e de direito - que legitimam o ressarcimento do chamado </font><i><font>interesse contratual positivo </font></i><font>- impõem que ao Autor seja atribuída a indemnização de 80.000,00 € (oitenta mil euros) que peticionou pelo dano emergente e lucro cessante que foram consequência adequada da violação do contrato pela Ré e da sua inevitável resolução pelo Autor. </font>
</p><p><font> 9ª- A tal não constitui obstáculo a circunstância de o Autor não ter logrado fazer prova do montante exacto desses danos. </font>
</p><p><font> 10ª- Seja porque ficaram demonstrados os demais elementos constitutivos da obrigação de indemnizar - com especial relevo para a violação ilícita e culposa dos direitos do Autor por parte da Ré e a existência de danos que são consequência adequada dessa violação (quanto a estes, desde logo, por simples presunção natural emergente do quadro factual assente na instância) -, </font>
</p><p><b><font> </font></b><font>11ª- seja porque a esse resultado - e pela via da equidade - conduziriam o disposto no art. 566°, 3, CC, ou a aplicação analógica - </font><i><font>ad majorem </font></i><font>do regime instituído pelo nº 2 do art. 32° do DL 178/86, de 3 de Julho. </font>
</p><p><font> 12ª - Quando assim se não entendesse, o Tribunal sempre deveria ter relegado o cômputo da indemnização devida para liquidação em execução de sentença, por força do que dispõem os arts 564°, 2, CC, e 661°, 2, CPC. </font>
</p><p><font> 13ª - Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão ofendeu os referidos preceitos normativos. </font>
</p><p><font> 14ª- Por último, a aplicação aos factos provados do regime legal estabelecido no art. 34° do DL 178/86, de 3 de Julho (na redacção do DL 118/93, de 13 de Abril), impõem que a indemnização de clientela que é devida ao Autor seja fixada no montante de 76.000,00 € (setenta e seis mil euros) por si peticionado </font>
</p><p><font> 15ª - Tal solução é a única compatível, do ponto da vista da justiça e da equidade, com a elevada dimensão dos benefícios que a Ré continuou a auferir em resultado da actividade que o Autor (um dos seus dois melhores agentes) desenvolveu ao longo de cerca de treze anos na promoção e penetração dos produtos da Ré, benefícios que são função directa da fidelização da clientela de que a Ré dispunha e do incremento feito pelo Autor do número e facturação dos clientes, e do crescimento exponencial do volume dessa mesma facturação potenciado pelo Autor e estabilizado (fidelizado) graças a si. </font>
</p><p><font> 16ª- Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão fez errada aplicação do citado art. 34°. </font>
</p><p><font> TERMOS EM QUE, </font>
</p><p><font> revogando o douto acórdão recorrido e julgando o recurso procedente, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA! </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se o A. tem direito à indemnização de clientela que pediu.</font>
</p><p><font> - Se A. tem o direito de ser indemnizado pelos danos da diminuição da retribuição e pelo aumento dos custos da sua actividade de agente comercial que exerceu a favor da R.</font>
</p><p><font> - Se o A. tem direito a ser indemnizado pelo dano emergente e lucro cessante derivado da extinção do contrato de agência que celebrou com a R..</font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> 1- A R. é uma sociedade comercial que explora a actividade de produção e comercialização de pavimentos e revestimentos cerâmicos.</font>
</p><p><font> 2- Resultou da fusão, por incorporação e mediante transferência global de património, das sociedades “CC Cerâmicas, S.A.” e “DD – Contabilidade, Gestão e Recursos Humanos, Ldª”, na sociedade “EE – Mosaicos Cerâmicos, S.A.”, que alterou a designação social para “BB – Indústria Cerâmica, S.A.”. </font>
</p><p><font> 3- A. e R. estabeleceram contrato verbal, em Fevereiro de 1992, que vigorou desde então até ao dia 30/9/2004.</font>
</p><p><font> 4- Nesse acordo, o A. obrigou-se a promover, por conta da “CC Cerâmicas, S.A.”, como seu agente exclusivo e não podendo exercer nem explorar nenhuma outra actividade comercial concorrente, a venda dos produtos “S.........”, “C.........”, “Amarona” e “Maronagres” por ela fabricados e comercializados.</font>
</p><p><font> 5- Numa zona geográfica que abrangia o Algarve e parte do Alentejo. </font>
</p><p><font> 6- Suportando o A., a expensas próprias, todos os custos e despesas dessa actividade que desenvolvida, gasolina, refeições, viaturas e demais instrumentos de trabalho, escritórios.</font>
</p><p><font> 7- No desempenho das funções e cumprimento das obrigações a que ficou adstrito, o A., sem poderes para celebrar os respectivos contratos de fornecimento e/ou compra e venda, que eram formalizados apenas pelo principal. </font>
</p><p><font> 8- O A., só ele, fazia na referida zona prospecção do mercado, angariava e contactava clientes, difundia aqueles produtos e serviços, negociava preços, quantidades e prazos de entrega, actividade que se passa a designar como de promoção e comercialização.</font>
</p><p><font> 9- Em articulação com as antecessoras da R. e, depois, com esta e de acordo com os seus objectivos comerciais. </font>
</p><p><font> 10- Mas com autonomia uma vez que era ele que organizava, segundo os seus critérios de necessidade e oportunidade, a actividade que desenvolvia, em termos de horários, percursos, agendamento, programação de contactos.</font>
</p><p><font> 11- A partir de 1/4/1998, por acordo das partes, o A. passou a desenvolver a actividade que acima ficou caracterizada também na zona geográfica da Grande Lisboa, identificada como “Zona 211”, definida através duma linha imaginária que passava, a norte, entre Torres Vedras e Campo Maior e, a sul, entre Póvoa e Alvito.</font>
</p><p><font> 12- Continuando a desenvolvê-la na anterior zona geografia Algarve e parte do Alentejo, designada como “Zona 210”.</font>
</p><p><font> 13- O A. aceitou, nessa altura, deixar de comercializar os produtos “Maronagres”.</font>
</p><p><font> 14- Continuou a promover e comercializar, nos exactos termos em que o fazia antes, os produtos “S.........”, “C.........” e “Amarona”.</font>
</p><p><font> 15- Até 2003, a actividade do Autor não incluíam, nem na Zona 210, nem na Zona 211, os produtos “EE”.</font>
</p><p><font> 16- Em 30/9/2004 cessaram, em definitivo, as relações contratuais que vigoraram entre a R. e suas antecessoras e o A., desde 1992.</font>
</p><p><font> 17- Foram os seguintes os valores da retribuição auferida pelo A., apenas em comissões, durante os últimos cinco anos: </font>
</p><p><font> -Entre 1/10/1999 e 31/12/1999, 17.993,48 €. </font>
</p><p><font> -No ano de 2000, 68.993,88 €. </font>
</p><p><font> -No ano de 2001, 103.435,45 €. </font>
</p><p><font> -No ano de 2002, 84.466,72 €. </font>
</p><p><font> -Entre 1/1/2003 e 1/10/2003, 45.012,52 €.</font>
</p><p><font> -A partir de 1/11/2003, 62.982,61 €.</font>
</p><p><font> 18- A última destas verbas inclui retribuições devidas por promoções e comercialização desenvolvidas antes de 1/11/2003, mas pagas apenas depois dessa data.</font>
</p><p><font> 19- O A., até Junho de 1998, auferiu uma retribuição correspondente a 3,5% do valor da facturação da R. na zona 210 e 2,8% do valor da facturação na zona 211.</font>
</p><p><font> 20- A partir de Julho de 1998 e até Outubro de 2003, a remuneração pela sua actividade era de 4,5% sobre o valor da facturação para a zona 210 e de 3,25% sobre o valor da facturação para a zona 211. </font>
</p><p><font> 21- Entre Novembro de 1998 e Novembro de 1999, a R. abonou ao A. a quantia de 65.000$00 mensais para pagamento de renda de casa em Lisboa que serviu de suporte logístico à sua actividade nessa zona.</font>
</p><p><font> 22- Em Outubro de 2003, a R. decidiu, contra a vontade do A., alterar as condições do contrato que mantinha com ele e vigentes até então.</font>
</p><p><font> 23- Decidiu a R. retirar-lhe a promoção e comercialização da zona 210 Algarve e parte do Alentejo que atribuiu a outro agente.</font>
</p><p><font> 24- E atribuir-lhe uma nova zona geográfica descontínua que passou a abranger uma parte a Sul do Tejo, todo o lado oeste duma linha imaginária entre Porto Alto e Setúbal, saltava para Alverca, Vila Franca de Xira, Cartaxo e Santarém e daí para Leiria e Monte Redondo, até 8 km a norte de Pombal.</font>
</p><p><font> 25- Retirou-lhe alguns dos seus principais clientes entre os quais “Ma.......”, “P..........i” e “A......”. </font>
</p><p><font> 26- E atribuiu-os a outro agente.</font>
</p><p><font> 27- O A. passou a ter como clientes da sua actividade uma lista de trinta e quatro indicada pela R.. </font>
</p><p><font> 28- Decidiu a R. atribuir-lhe a promoção e comercialização dos produtos “EE” que o A. nunca tinha feito.</font>
</p><p><font> 29- A R. reduziu a remuneração do A., que era de 4,5% na Zona 210 e 3,25% na Zona 211, para a percentagem única de 3%. </font>
</p><p><font> 30- Desde 1992, o A. não exerceu nenhuma outra actividade comercial nem profissional senão a promoção e comercialização dos produtos da R. e suas antecessoras.</font>
</p><p><font> 31- Que era a sua única fonte da sua sobrevivência comercial, económica e pessoal.</font>
</p><p><font> 32- O A. manifestou à R. o seu desagrado perante as modificações que implicavam um agravamento das condições de exercício da sua actividade. </font>
</p><p><font> 33- O A. passou a ter de pernoitar mais dias fora da residência da família, em Quarteira.</font>
</p><p><font> 34- O ponto da nova zona geográfica mais próximo da sua residência distava daquela 245 km.</font>
</p><p><font> 35- Os clientes a contactar estavam dispersos por essa zona, distando entre si muitas dezenas de quilómetros.</font>
</p><p><font> 36- O que levou o A. a ter de pernoitar em hotéis mais dias.</font>
</p><p><font> 37- Passava grande parte desse tempo em deslocações entre os diversos clientes.</font>
</p><p><font> 38- O referido em 34. a 37. aumentou os custos do A. dispendidos em combustível, portagens, refeições e alojamento em montante concretamente não apurado.</font>
</p><p><font> 39- O A. reclamou sempre contra a diminuição da percentagem da retribuição.</font>
</p><p><font> 40- A partir de 1/11/2003, começou a exercer a sua actividade na nova zona a partir de então designada como zona 6.</font>
</p><p><font> 41- A R. atribuiu a um sobrinho do seu director comercial os principais clientes do A. em Lisboa. </font>
</p><p><font> 42- Em Janeiro de 2004, na apresentação dos orçamentos anuais, a R. fixou ao A. a quantia mínima de 116.000 € por mês de facturação.</font>
</p><p><font> 43- Na terceira semana desse mesmo mês de Janeiro de 2004, a R., por decisão sua unilateral, subiu esse valor para 112.677 € por mês.</font>
</p><p><font> 44- Sempre sem obter o acordo do A., voltou a elevar esse montante, em 16 de Fevereiro seguinte, para 167.350 € por mês. </font>
</p><p><font> 45- Um dos novos clientes do A., sediado em Vila Franca de Xira, tinha lojas espalhadas por toda a Zona da Grande Lisboa (Sacavém, Odivelas, Centro de Lisboa, etc.), tendo ele de o visitar ao lado das quais existem outros clientes da R., que estavam atribuídos a outro agente.</font>
</p><p><font> &nb | [0 0 0 ... 0 0 0] |
hjKku4YBgYBz1XKv8CbL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><b><font>Proc. nº 1024/10.5TYVNG.P1.S1</font></b><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> </font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><br>
<p><font> </font><b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>1</font></b><font> – “</font><b><font>AA, S. A.</font></b><font>” requereu, em 23.12.10, no </font><i><font>Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia</font></i><font>, a declaração da insolvência de “</font><b><font>BB – Empreendimentos Turísticos, S. A.</font></b><font>”, aduzindo, para o efeito, factualidade consubstanciadora dos </font><i><font>factos-índice</font></i><font> ou </font><i><font>presuntivos</font></i><font> daquela insolvência e que se mostram previstos nas als. a), b), d), e) e h), todas do nº1 do art. 20º do CIRE (“</font><i><font>Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas</font></i><font>” aprovado pelo DL nº 53/04, de 18.03, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 282/07, de 07.08)</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, tudo suportado na invocação de factos demonstrativos da sua qualidade de credora da requerida.</font>
</p><p><font> Citada, a requerida deduziu oposição, impugnando a factualidade invocada pela requerente para integração dos sobreditos </font><i><font>factos-índice</font></i><font> e afirmando a inexistência do crédito que a requerente lhe contrapõe, como por si sustentado na oposição deduzida à execução contra si instaurada pela requerente e pendente, sob o nº .../09.3TBMAI, no Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Maia e, bem assim, na acção por si instaurada contra a requerente e que, sob o nº .../08.0TBMAI, pende no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca da Maia. Em consonância, termina a respectiva oposição pedindo a improcedência da pretensão formulada pela requerente.</font>
</p><p><font> Foi, de seguida e de imediato, proferida sentença que, tendo por controvertido o crédito invocado pela requerente – a determinar que a obrigação correspondente não é certa, líquida e exigível –, julgou improcedente a acção.</font>
</p><p><font> Inconformada, </font><b><font>apelou a requerente</font></b><font>, vindo a Relação do Porto, por acórdão de 12.12.11 (Fls. 316 a 325 vº), a julgar </font><b><font>procedente a apelação</font></b><font>, “revogando-se, consequentemente, a decisão e prosseguindo o processo os ulteriores termos, com realização de julgamento e produção de prova”.</font>
</p><p><font> Daí, a presente </font><b><font>revista</font></b><font> trazida, sob invocação do preceituado no art. 14º, nº1, 2ª parte, pela </font><b><font>apelada-requerida</font></b><font>, visando a revogação do acórdão impugnado, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes </font><b><font>conclusões</font></b><font>:</font>
</p><p><font> /</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I – Vem o presente recurso interposto, uma vez que, com todo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente discorda do douto acórdão proferido;</font>
</p><p><font>II – Vem o recurso interposto nos termos do n° 1 do art° 14° do CIRE, juntando a recorrente cópia de dois acórdãos que decidiram a mesma questão fundamental de direito em causa nestes autos, no domínio da mesma legislação, de forma oposta à do douto acórdão recorrido;</font>
</p><p><font>III – Essa questão fundamental e a única a decidir nos presentes autos, é a de saber se o credor cujo crédito que serve de fundamento ao pedido de insolvência se mostra litigioso, tem legitimidade para requerer a insolvência de uma sociedade;</font>
</p><p><font>IV – A esta questão, respondeu o douto acórdão recorrido afirmativamente;</font>
</p><p><font>V – E responderam negativamente os acórdãos de que se juntam cópias, um do Tribunal da Relação de Lisboa (P. .../2008-7 de 05/06/2008) e outro do Tribunal da Relação de Coimbra (P. .../08.5 TJ CBR.C1 de 03/12/2009);</font>
</p><p><font>VI – Sempre com todo o devido respeito pela decisão do douto acórdão recorrido, a recorrente entende que, sendo o crédito da recorrida litigioso (qualificação pacífica, face à matéria considerada assente na decisão da 1ª instância e face ao teor das doutas alegações da recorrida como recorrente para o Tribunal da Relação) não tem ela legitimidade para requerer a declaração de insolvência da recorrente;</font>
</p><p><font>VII – o Apesar da forma de qualificação ampla, prevista no n° 1 do art° 20° do CIRE, para que o credor tenha legitimidade de requerer a insolvência de um devedor, ele tem, em primeiro lugar, de poder ser qualificado como isso mesmo, "credor";</font>
</p><p><font>VIII – Quem se arroga titular de um crédito litigioso sobre alguém, (crédito ainda não certo e exigível) só pode ou não, ser considerado credor, depois de trânsito em julgado da decisão que coloque um termo à acção em que esse pretenso crédito se encontra em discussão;</font>
</p><p><font>IX – Até essa altura, falta ao titular desse tipo de crédito o primeiro requisito para ter legitimidade de requerer insolvência do pretenso devedor: o de ser credor;</font>
</p><p><font>X – Caso assim não fosse, facilmente o processo de insolvência poderia ser usado de forma abusiva;</font>
</p><p><font>XI – Sendo o crédito da recorrida litigioso, como é, enquanto o for, não pode esta afirmar-se credora do recorrente, peio que não tem legitimidade para requerer a insolvência;</font>
</p><p><font>XII – Em abono desta tese, está a redacção do n° 1 do art. 20° do CIRE, ao atribuir explicitamente a legitimidade para requerer a insolvência na situação de crédito condicional;</font>
</p><p><font>XIII – Atribuição explicita, demonstrativa de que, afinal, não é qualquer e todo o tipo de crédito que cabe na previsão do preceito legal em causa;</font>
</p><p><font>XIV – Não existindo previsão semelhante para o crédito litigioso;</font>
</p><p><font>XV – Por outro lado e ainda em abono da tese por si agora defendida, a recorrente entende, ao contrário do douto acórdão recorrido, que a diferença de tratamento concedida ao pretenso credor, caso esta tese procedesse, na situação dele requerer a insolvência, ou reclamar o seu crédito litigioso em insolvência já decretada, não é repugnante, antes até pelo contrário;</font>
</p><p><font>XVI – A recorrente entende que os requisitos para a legitimidade de requerer a insolvência sejam mais exigentes, que os requisitos para apresentação de reclamação de créditos em insolvência já decretada;</font>
</p><p><font>XVII – Finalmente, e sempre a favor da tese defendida pela recorrente, a possibilidade de o próprio processo de insolvência conhecer da questão da litigiosidade do crédito de quem requer a insolvência, é uma possibilidade em nada consentânea com a vocação própria deste processo;</font>
</p><p><font>XVIII – Além disso e mais grave ainda, o atribuir ao processo de insolvência a tarefa de decidir sobre o carácter litigioso do crédito, e sobre a qualidade do credor ou não, de quem requer a insolvência, potencia situações de incerteza e conflito jurídicos, pela possibilidade real de produção de duas decisões judiciais contraditórias;</font>
</p><p><font>XIX – O que é demonstrado à evidência na situação concreta deste processo, em que os presentes autos poderiam decidir essa questão de uma forma, e o Tribunal Judicial da Maia, no processo interposto pela recorrida contra a recorrente, de forma diferente;</font>
</p><p><font>XX – Por todo o exposto, e com todo o devido respeito por opinião contrária, a recorrente discorda da decisão do douto acórdão recorrido, concordando com a decisão proferida em 1ª instância e pugnando pela sua manutenção;</font>
</p><p><font>XXI – Ao decidir como decidiu e na modesta opinião da recorrente, o douto acórdão recorrido interpretou de forma errada o disposto no n° 1 do art° 20° do CIRE, sendo que a interpretação que o recorrente reputa como adequada, é de que o titular de um crédito litigioso, não tem legitimidade para requerer a insolvência de devedor, baseando esse pedido de insolvência nesse crédito.</font>
</p><p><font>XXII – Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o douto acórdão recorrido e mantida a douta decisão proferida em primeira instância, com todas as necessárias e legais consequências.</font>
</p><p><font> Contra-alegando, defende a recorrida a manutenção do julgado.</font>
</p><p><font> Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><b><font>2</font></b><font> – A </font><i><font>Relação</font></i><font> teve por </font><b><font>provados</font></b><font> os seguintes </font><b><font>factos</font></b><font> (complementados com os demais que emergem do antecedente relatório):</font>
</p><p><font> /</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1 – O presente processo de insolvência foi instaurado, em 23.12.10;</font>
</p><p><font>2 – Em 18.07.08, no Tribunal Judicial da Maia, a requerida, “BB – Empreendimentos Turísticos, S. A.”, e CC intentaram contra a requerente, “AA, S. A.”, uma acção declarativa que corre os seus termos sob o nº .../08.0TBMAI.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><b><font>3</font></b><font> - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 660º, nº2, 661º, 672º, 684º, nº3, 685º-A, nº1 e 726º, todos do vigente CPC) –, constata-se que uma única questão é suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso: a de saber se o titular de um crédito litigioso é dotado de legitimidade para requerer o decretamento da insolvência do seu devedor.</font>
</p><p><font> Apreciando:</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><b><font>4</font></b><font> – </font><b><font>I</font></b><font> – Começar-se-á por, na esteira do preceituado no art. 579º, nº3, do CC, definir crédito litigioso como o crédito “que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado”. Como, a propósito, ensinam os </font><b><font>Profs. Pires de Lima</font></b><font> e </font><b><font>Antunes Varela</font></b><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, “…não se exige que a contestação incida sobre a </font><i><font>substância</font></i><font> do direito, embora se exija que o </font><i><font>direito</font></i><font> tenha sido contestado (o que afasta as hipóteses de apenas se ter contestado a competência do tribunal ou a forma de processo usada, por exemplo). Mas” – acrescentam – “continua a exigir-se que haja um </font><i><font>processo</font></i><font> em que o direito seja contestado, não bastando a </font><i><font>eventualidade</font></i><font> da contestação”.</font>
</p><p><font> Não se suscitando, pois, qualquer dúvida quanto à necessária qualificação como tal do crédito invocado pela recorrida-requerente em apoio do formulado pedido de decretamento da insolvência da requerida e, ora, recorrente, “BB – Empreendimentos Turísticos, S. A.”: existe correspondente acordo das partes e é o que emerge, sem sombra de dúvida, da factualidade provada.</font>
</p><p><font> Mas, enquanto a recorrente nega a sobredita legitimidade à recorrida, esta sustenta, convicta e consistentemente, o contrário. No que foram acompanhadas pela 1ª instância e pela Relação, respectivamente.</font>
</p><p><font> Com respeito pela opinião contrária, estamos em sintonia com a Relação.</font>
</p><p><font> Vejamos porquê.</font>
</p><p><font> /</font>
</p><p><b><font>II</font></b><font> – </font><b><font>a)</font></b><font> – </font><i><font>Desde logo</font></i><font>, porque a própria redacção do correspondente comando legal impõe tal entendimento, sendo sempre de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº3 do CC). </font>
</p><p><font> Com efeito, estatui-se no art. 20º, nº1 (na parte que, aqui, releva) que “A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida…por qualquer credor, </font><b><font>ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito</font></b><font>…” (Negrito de nossa autoria) O que, contendo-nos numa cabida interpretação meramente declarativa de tal preceito legal, inculca, à partida, que o legislador não coloca qualquer entrave a que a declaração de insolvência do devedor possa ser requerida pelo titular de crédito litigioso sobre o mesmo, uma vez que proclama a indiferença, em tal perspectiva, da natureza do crédito cuja titularidade é invocada como pressuposto de legitimação do requerente de tal declaração, para além, pois, dos estreitos limites decorrentes da classificação constante dos arts. 47º a 49º e podendo, pois, o mencionado crédito ser, designadamente, de natureza pública (fiscal, da segurança social, autarquias, etc.) ou laboral.</font>
</p><p><font> Aliás, o resultado propiciado pela sobredita interpretação é, sobremaneira, reforçado com a consideração da “</font><i><font>mens legis</font></i><font>” subjacente ao diploma legal que aprovou o CIRE e que o respectivo Preâmbulo, claramente, evidencia. Assim:</font>
</p><p><font>--- No respectivo nº3, proclama-se como objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos – sem mais – dos credores;</font>
</p><p><font>--- No sequente nº6, enfatiza-se que é sempre a vontade dos credores a que comanda todo o processo;</font>
</p><p><font>--- No respectivo nº10, volta a insistir-se na afirmação da supremacia dos credores no processo de insolvência, acompanhada da intensificação da desjudicialização do processo, abandonando-se a anterior dicotomia recuperação/falência; e</font>
</p><p><font>--- No sequente nº14, faz-se referência expressa ao favorecimento do desencadeamento do processo por parte dos – novamente, sem qualquer outro acrescento – credores.</font>
</p><p><font> Sendo, pois e desde logo, de fazer apelo à máxima de que “</font><i><font>ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus</font></i><font>”;</font>
</p><p><font> </font><b><font>b)</font></b><font> – </font><i><font>Por outro lado</font></i><font>, é de natureza processual ou “</font><i><font>ad causam</font></i><font>” e não substantiva a legitimidade para requerer a declaração de insolvência de um devedor, nos termos previstos no corpo do nº1 do art. 20º</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Assim, porque tal não contraria qualquer disposição do CIRE e em homenagem ao preceituado no art. 17º, deverá aquele conceito de legitimidade processual ser definido ou determinado mediante a convocação da pertinente regulamentação constante do CPC. Sendo, pois, dotado de legitimidade para requerer a declaração de insolvência quem </font><b><font>se atribua</font></b><font> a qualidade de credor do requerido e não – necessariamente – quem seja, </font><b><font>efectivamente</font></b><font>, </font><b><font>na realidade</font></b><font>, credor do demandado (Cfr. art. 26º do CPC). É que a questão de saber se o requerente é ou não credor do requerido prende-se com o mérito ou com o fundo da causa e não com a questão da legitimidade “</font><i><font>ad causam</font></i><font>” para deduzir o pedido de insolvência, a qual apenas contende com a verificação de um pressuposto processual positivo, consubstanciador, em caso de inverificação, de correspondente excepção dilatória, não podendo, pois, aquele ser privado da subsequente possibilidade processual de justificar e provar a real existência do seu invocado crédito. </font>
</p><p><font> Aliás, paralelamente, em sede de acção executiva singular e em princípio, a legitimidade em apreço é conferida a quem, no título executivo, </font><b><font>figure</font></b><font> como credor e à pessoa que, </font><b><font>no título, tenha</font></b><font> a posição de devedor (Cfr. art. 55º, nº1, do CPC) e não – necessariamente – a quem, </font><u><font>efectivamente e na realidade</font></u><font>, </font><b><font>seja</font></b><font> credor ou devedor, respectivamente;</font>
</p><p><font> </font><b><font>c)</font></b><font> – </font><i><font>Acresce</font></i><font> que o entendimento contrário traduziria um tratamento discriminatório em desfavor do titular de crédito litigioso relativamente aos credores condicionais (mesmo tendo em conta as especificidades da correspondente previsão legal</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>), sem que qualquer atendível razão material o justificasse. Com efeito, em tal tese, o titular de crédito litigioso seria </font><b><font>sempre </font></b><font>desprovido de legitimidade para requerer a declaração de insolvência do seu invocado devedor apenas em consequência da verificada litigiosidade do crédito cuja existência real não se poderia ter por excluída, enquanto que ao titular de um crédito sujeito a condição suspensiva que acabasse por não se verificar ou ao titular de um crédito sujeito a condição resolutiva que viesse a verificar-se</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> (pese, embora, o constante do art. 94º) assistiria, </font><b><font>sempre</font></b><font>, tal legitimidade. O que, além do mais, violaria o princípio da “</font><i><font>par conditio creditorum</font></i><font>” (Cfr. art. 194º), conquanto na antecâmara do processo de insolvência;</font>
</p><p><font> </font><b><font>d)</font></b><font> – </font><i><font>Além do mais</font></i><font>, a tese adversa à propugnada enferma, a nosso ver, de duas fragilidades passíveis de crítica: </font><u><font>por um lado</font></u><font>, pressupõe um juiz totalmente passivo e alheado das vicissitudes processuais subsequentes à apresentação da p. i. da declaração de insolvência por iniciativa do credor (apreciação liminar da petição, com possibilidade de indeferimento liminar – art. 27º, nº1 –, eventual dedução de oposição por parte do devedor – art. 30º, nº/s 1 a 4 – e eventual audiência de discussão e julgamento – art. 35º) e que não deixam de possibilitar ao juiz – que há que pressupor sensato e atento à realidade social e económica – um controlo mínimo sobre o bem ou mal fundado do pedido de declaração de insolvência</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>; e, </font><u><font>por outro lado</font></u><font>, menospreza o </font><b><font>princípio da auto-suficiência</font></b><font> do processo de declaração de insolvência, quer na vertente da </font><i><font>tutela provisória da aparência</font></i><font>, quer na perspectiva da </font><i><font>extensão da correspondente competência material</font></i><font> para o conhecimento de todas as questões cuja decisão se mostre imprescindível para a sentença a proferir no processo de insolvência (Cfr. art. 96º, nº1, do CPC);</font>
</p><p><font> </font><b><font>e)</font></b><font> – </font><i><font>Ainda porque</font></i><font> – o que não pode ser entendido como simples argumento “</font><i><font>ad terrorem</font></i><font>” –, negando-se a questionada legitimidade ao titular de crédito litigioso, afunilar-se-ia, gravemente e sem correspondente justificação plausível, o acesso à tutela jurisdicional dos direitos de crédito prosseguida pelo processo de insolvência, ante o soar do “alarme” que, as mais das vezes, promana da respectiva impugnação judicial, tantas vezes com intuitos meramente dilatórios e de simples chicana processual: bastaria, em tal tese, que o devedor contestasse, em juízo, ainda que sem qualquer fundamento, o crédito invocado pelo requerente da insolvência, para retirar a este a correspondente legitimidade. O que, além do mais, viria a traduzir-se na frontal minorização do diagnóstico constante do nº13 do Preâmbulo do DL nº 53/04, de 18.03, quando reconhece que “Uma das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência residiu no seu tardio início”… e “Uma lei da insolvência é tanto melhor quanto mais contribuir para maximizar </font><i><font>ex post</font></i><font> o valor do património do devedor sem por essa via constituir </font><i><font>ex ante</font></i><font> um estímulo para um comportamento negligente”;</font>
</p><p><font> </font><b><font>f)</font></b><font> – </font><i><font>Finalizando</font></i><font>, dir-se-á que não nos impressiona, sobremaneira, o argumento invocado “</font><i><font>ex adverso</font></i><font>” por quem acena com a possibilidade de ocorrência de julgados contraditórios, no processo de insolvência e naquele em que tenha sido suscitada a litigiosidade do crédito: para além de tal não poder ser ocasionado pelo simples reconhecimento da sobredita e questionada legitimidade </font><b><font>processual</font></b><font>, antes pelo subsequente julgamento de mérito, serão, certamente, nulos ou muito residuais os casos em que, atento o disposto no art. 20º, nº1, al. b), o incumprimento de uma só obrigação determine, </font><b><font>por si só</font></b><font>, a declaração da insolvência do devedor. Além de que a magra vantagem conferida ao credor requerente pelo art. 98º, nº1 para pagamento do respectivo crédito, de longe é superada pela desvantagem da sua eventual responsabilização cível pela dedução de pedido infundado de declaração de insolvência (art. 22º), o que, sem dúvida, funcionará como grandemente inibidor daquela dedução. </font>
</p><p><font> Decorrendo, pois, de quanto ficou expendido que o titular de um crédito litigioso se encontra legitimado para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor – </font><i><font>tendo, assim, sido já decidido, designadamente, nos Acs. da Relação do Porto, de 29.09.11 (Proc. 338/11.1TYVNG.P1), 03.11.10 (Proc. 49/09.8TYVNG.P1), 26.01.10 (Proc. 97/09.8TYVNG.P1), 16.12.09 (Proc. 242/09.3TYVNG.P1) e 15.10.07 (Proc. 0754861) e da Relação de Lisboa, de 22.11.11 (Proc. 433/10.4TYLSB.L1-7) e de 02.11.10 (Proc. 1498/09.7TYLSB.L1-7, todos acessíveis em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><font> –, improcedem as conclusões formuladas pela recorrente, nenhuma censura merecendo, pois, o douto acórdão impugnado, para onde, no omitido e “data venia”, se remete.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><b><font>5</font></b><font> – </font><b><u><font>Sumariando</font></u></b><font> (arts. 713º, nº7 e 726º, ambos do CPC</font>
</p><p><font> /</font>
</p><p><b><font>I</font></b><font> – O titular de crédito litigioso encontra-se legitimado, ao abrigo do preceituado no art. 20º, nº1, do CIRE, para requerer a declaração de insolvência do respectivo devedor;</font>
</p><p><b><font>II</font></b><font> – Trata-se, “</font><i><font>in casu</font></i><font>”, de legitimidade processual ou “</font><i><font>ad causam</font></i><font>”, não contendente com o mérito da causa a que diz respeito a existência ou inexistência do controvertido crédito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><b><font>6</font></b><font> – Na decorrência do exposto, acorda-se em </font><b><font>negar</font></b><font> a revista.</font>
</p><p><font> Custas pela recorrente.</font>
</p><p><font> /</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 29 de Março de 2012.</font>
</p><p>
</p><p><font>Fernades do Vale (Relator)</font>
</p><p><font>Marques Pereira</font>
</p><p><font>Azevedo Ramos</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>_____________________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Processo distribuído, neste Tribunal, em 14.02.12.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> </font><b><font>Relator</font></b><font>: Fernandes do Vale (07/12)</font><br>
<font> </font><b><font>Ex. mos Adjuntos</font></b><br>
<font> Cons. Marques Pereira</font><br>
<font> Cons. Azevedo Ramos</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> In “</font><b><font>CC Anotado</font></b><font>”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 597.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Assim, </font><b><font>Catarina Serra</font></b><font>, in “</font><i><font>A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito</font></i><font>” -2009 -, pags. 263/264</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Cfr. art. 50º e , bem assim, respectiva anotação em “</font><i><font>Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa</font></i><font>s”, Vol. I, pags. 236-239, de </font><b><font>Luís A. Carvalho Fernandes</font></b><font> e </font><b><font>João Labareda</font></b><font> e </font><b><font>Prof. Menezes Leitão</font></b><font>, in “</font><i><font>Direito da Insolvência</font></i><font>”, 2ª Ed., pags. 108/109.</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Cfr., também com interesse, os arts. 270º e 276º, ambos do CC.</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Cfr. </font><b><font>Catarina Serra</font></b><font>, in “</font><i><font>O Novo Regime Português Da Insolvência</font></i><font>”, 3ª Ed., pags. 76-79<br>
</font></p><hr></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
azKHu4YBgYBz1XKvBBaz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>PROCESSO nº 850/09.2TVLSB.L1.S1 </font></b><br>
<b><font>Recorrente: “SEGURO AA, S.A.” </font></b><br>
<b><font>Recorrido: “SEGURO BB, S.A.”</font></b><br>
<font> </font><br>
<b><font>I. RELATÓRIO.</font></b><br>
<font>“</font><i><font>SEGURO AA, S.A</font></i><font>.”, instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra “</font><i><font>SEGURO BB, S.A</font></i><font>.”, e CC e DD e EE, pedindo a condenação: «</font><i><font>a.) a seguradora (...) condenada a pagar à A. SEGURO AA, o valor total que esta pagou aos RR. CC, DD e EE, e que até 10/07/2008 ascendia a euro 158.046,43, acrescido de juros de mora desde a data da respectiva citação, e até efectivo e integral pagamento; b.) a "SEGURO AA" (...) desonerada da obrigação de pagamento determinada por douta sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de … no processo especial de acidentes de trabalho nº 141/2002, relativamente às pensões vincendas a pagar aos RR., CC, DD e EE</font></i><font>». </font><br>
<font>Para a pretensão jurisdicional que impetra, alinha, em síntese apertada, a sequente factualidade:</font>
<p><font>- No dia 30/02/2002, cerca das 10,30 horas, ocorreu um acidente de viação no nó de saída da RN 175/ A84 para a RD 937, em direcção a ..., atento o sentido de marcha ... - ..., na localidade de ... - ..., em França. </font>
</p><p><font>- Foi interveniente nesse sinistro o veículo pesado de mercadorias com semi-reboque marca "Renault T", modelo EURO 2/470 -18T, matricula XXX740CF, propriedade de "</font><i><font>FF, S.A</font></i><font>.”, conduzido por GG, e no qual era passageiro HH; </font>
</p><p><font>3º A posse e direcção efectiva do XXX740CF pertenciam a "</font><i><font>FF, S.A.</font></i><font>”; </font>
</p><p><font>- O condutor, GG, e o passageiro, HH, encontravam-se vinculados à "</font><i><font>II, Lda</font></i><font>.”, através de contratos individuais de trabalho, no âmbito dos quais lhes havia sido conferida a categoria profissional de motorista de pesados, e exerciam as inerentes funções. </font>
</p><p><font>- No desempenho das funções profissionais desenvolvidas ao serviço da "</font><i><font>II, Lda.</font></i><font>”, e em plena execução das funções laborais que lhe haviam sido cometidas pela empregadora "</font><i><font>II, Lda</font></i><font>.”, que prosseguiam em nome, no interesse e sob as ordens da mesma, ingressaram na RN 175/A84 no sentido ... - ..., atento esse sentido de marcha;</font>
</p><p><font>- à direita apresenta-se uma via rodoviária que assegura o nó de ligação à RD 973, em direcção a ..., na qual, por volta das 10,25 horas, o XXX 740 C se incorporou, ainda com o GG, ao volante, e o HH, como passageiro. </font>
</p><p><font>- Este acesso comporta um único sentido de trânsito, de acordo com o qual descreve uma curva acentuada à direita, e apresenta uma ligeira inclinação ascendente. </font>
</p><p><font>- O piso é em betuminoso flexível, e a via encontra-se ladeada por separadores laterais de protecção, que a separam de uma ravina com cerca de 10 metros de profundidade. </font>
</p><p><font>- Era de dia, chovia intensamente e o pavimento encontrava-se muito molhado e escorregadio. </font>
</p><p><font>- A velocidade máxima permitida no identificado nó de ligação da RN 175/A84</font><i><font> </font></i><font>à RD 973 era de 50 km/h. </font>
</p><p><font>- O local encontrava-se dotado da sinalização rodoviária que se passa a enunciar: </font>
</p><p><font>a) sinal vertical de limitação de velocidade a 50 km/h (Tipo B 14); </font>
</p><p><font>b) sinal vertical de aproximação de curva perigosa à direita (Tipo A1aa) </font>
</p><p><font>- Nestas circunstâncias de lugar e tempo, o XXX 740 C seguia a velocidade não inferior a 80 km/h. </font>
</p><p><font>- O seu condutor seguia desconcentrado e desatento da condução estradal, configuração, e demais obstáculos na via. </font>
</p><p><font>- Não empregava todo o cuidado e prudência exigíveis na condução, e que são especialmente acrescidos num pesado de mercadorias carregado. </font>
</p><p><font>- a sua habilitação legal na condução de pesados datava de 06/07/2001, e a experiência ao volante de um pesado da dimensão do sinistrado, e com a carga que este transportava, era ainda mais recente, </font>
</p><p><font>- Quando se encontrava sobre a curva do nó de ligação, o GG perdeu o controlo da direcção do XXX740C. </font>
</p><p><font>- tendo o veículo entrado em despiste, embatendo contra os separadores laterais de protecção e arrancando-os ao longo de uma extensão de cerca de 60 (sessenta) metros. </font>
</p><p><font>- Após o que os transpôs, sendo projectado para fora da via rodoviária, sobre a ravina. </font>
</p><p><font>- Até a cabine do veículo chocar contra uma árvore, e aí se imobilizar, ejectando o condutor e passageiro para o exterior, através do pára-brisas. </font>
</p><p><font>- A produção do acidente ficou, pois, a dever-se, exclusivamente, à imprudência, imperícia e culpa do condutor do XXX740C que violou o limite de velocidade máxima absoluta permitida de 50 km/hora e a obrigação de adequar a velocidade às demais condições limitadoras de circulação, como a chuva, a visibilidade, o traçado da via, a tipologia e peso do veículo, e a sua própria inexperiência. </font>
</p><p><font>- Como consequência directa e imediata do sinistro, o HH sofreu lesões corporais que lhe causaram a morte. </font>
</p><p><font>- Os RR. CC, DD e EE são, respectivamente, a viúva e filhos menores deste, e seus únicos e universais herdeiros. </font>
</p><p><font>- A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho ocorridos com o HH ao serviço da "</font><i><font>II, Lda</font></i><font>.”, nas condições supra identificadas, encontra-se validamente transferida para a A. "SEGURO AA", através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0000000001582. </font>
</p><p><font>- A responsabilidade pelos danos causados pelo XXX740C, e emergentes da respectiva circulação rodoviária, encontrava-se transferida para a seguradora R, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº E-1 000/00001000/227 </font>
</p><p><font>- No âmbito das coberturas de danos laborais e rodoviários de cada uma das sobreditas apólices, o sinistro foi participado: </font>
</p><p><font>a) pela "</font><i><font>II, Lda</font></i><font>.” à A. "SEGURO AA"; </font>
</p><p><font>b) pela "</font><i><font>FF, S.A</font></i><font>.”, à seguradora R; </font>
</p><p><font>- Para reparação dos danos emergentes do acidente aqui descrito, e que foi causa directa e imediata da morte do HH, a A. "SEGURO AA" pagou aos RR CC, DD e EE, que dela receberam e embolsaram, fazendo-as suas, as quantias que se passam a discriminar: </font>
</p><p><font>a) despesas de funeral- € 2.784,00; </font>
</p><p><font>b) subsídio por morte - € 4.176,00; </font>
</p><p><font>c) despesas médicas - € 59,00; </font>
</p><p><font>d) despesas judiciais - € 4.952,80. </font>
</p><p><font>- para reparação dos danos emergentes do sinistro dos presentes autos, correu termos pelo Tribunal de Trabalho de … o processo especial de acidentes de trabalho nº 141/2002, no em 19/05/2004 foi proferida a douta sentença, devidamente transitada em julgado, que condenou a A. "SEGURO AA" a pagar, com inicio em 21/02/2002: </font>
</p><p><font>a) à R. CC, DD e EE a pensão anual e vitalícia, no montante de € 2.057,24 até perfazer a idade de 65 (sessenta e cinco) anos, e no montante de € 2.742,99, a partir daquela idade; </font>
</p><p><font>b) aos RR. DD e EE a pensão anual de € 2.742,99 até perfazerem 18. 22 ou 25 anos enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário, curso equiparado ou o ensino superior;</font><i><font> </font></i>
</p><p><font>- Em cumprimento desta decisão, a A. "SEGURO AA": </font>
</p><p><font>a) pagou aos RR. CC, DD e EE, que dela receberam e embolsaram, fazendo-as suas as pensões vencidas até 10/07/2008 no valor de € 30.963,51; </font>
</p><p><font>b) constituiu provisão matemática para o pagamento das pensões com vencimento entre essa data e 10/07/2008, no valor de € 66.242,56. </font>
</p><p><font>- Para indemnização dos danos emergentes do sinistro dos presentes autos, e que foi causa directa e imediata da morte do HH, a R. Seguradora pagou aos RR. CC, DD e EE, que dela receberam e embolsaram, fazendo-a sua a quantia de € 115.111,12</font><i><font>. </font></i><br>
<font>Foi citada a sociedade “</font><i><font>JJ, S.A</font></i><font>.”, que seria, segundo a Demandante, representante em Portugal da 1ª Ré, que contestou invocando a sua ilegitimidade passiva, a incompetência territorial dos tribunais portugueses e quanto ao tema da prescrição – que ora inteeressa – alegou que:</font>
</p><p><font>- A ré SEGURO BB foi citada para contestar a presente acção em 06.02.2012. </font>
</p><p><font>- A autora indica no artigo 40º da petição que pagou aos 2º réus quantias referentes a despesa de funeral, subsídio por morte, despesas médicas, despesas judiciais, não referindo contudo em que data(s) terão ocorrido esses pagamentos. </font>
</p><p><font>- Refere ainda no artigo 42º da sua petição o pagamento aos 2º réus do valor de pensões vencidas até 10/07/2008. </font>
</p><p><font>- Confessa também a autora que foi condenada no processo especial de acidente de trabalho em sentença proferida em 19/05/2004 e transitada em julgado. </font>
</p><p><font>- A autora baseia a sua reclamação nos artigos 483º e 592º do Código Civil e paralelamente invoca o direito de regresso.</font>
</p><p><font>- O exercício do eventual direito de regresso da autora já se encontra prescrito, porquanto já decorreu o prazo previsto no art. 498º, nº 2 - três anos - após o cumprimento pela A. dos montantes indemnizatórios aos 2ºs réus. </font>
</p><p><font>- Não é invocável o benefício do prazo previsto no nº 3 do art. 498º, porquanto este dispositivo tem aplicação restrita à eventual indemnização a favor dos lesados e não às relações entre responsáveis por tal indemnização. </font><br>
<font>Após discussão e julgamento da causa, veio a ser proferida sentença que julgou a acção «</font><i><font>totalmente não provada e improcedente, absolvendo a R. do pedido contra si formulado</font></i><font>».</font><br>
<font>Interposta apelação, o tribunal de 2ª instância veio a ser decidido (sic). </font><i><font>“(…) ainda que com fundamentação parcialmente distinta, julgamos a apelação da Autora totalmente improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>Interposto recurso – cfr. fls. – veio a ser admitido como revista excepcional – cfr. fls. 811 a 817 – com a fundamentação que a seguir queda impressa (sic): ““</font><i><font>A recorrente fundamenta a sua alegação da existência de oposição de julgados, alegando, em suma: </font></i>
</p><p><i><font>No que diz respeito ao prazo prescricional aplicável in casu - questão referida em a) - ambas as decisões sustentaram que não seria de aplicar o prazo de prescrição alargado decorrente da aplicação do art. 498º, nº 3 do Cód. Civil, mas tão só o prazo de 3 anos nos termos do disposto no art. 498º, nº 2 do Cód. Civil. </font></i>
</p><p><i><font>O entendimento plasmado pelas duas instâncias espelha-se, sumariamente, no seguinte trecho constante do Douto Acórdão ora posto em crise: “(...) A seguradora na acção de regresso não exerce um direito igual ao do lesado que indemnizou, não propõe contra o réu uma acção de indemnização por danos, antes se limita a exigir o reembolso do que pagou e o alongamento do prazo de prescrição compreende-se quando esteja em causa o direito do lesado, mas não o direito de regresso da seguradora (...) </font></i>
</p><p><i><font>A patentear que estamos perante realidades distintas, temos que são completamente diversos os termos iniciais: enquanto no nº 1 do art. 498º - que se refere ao ressarcimento dos danos no âmbito da responsabilidade extracontratual - esse momento temporal é o correspondente à data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, no nº 2 - que se refere exclusivamente ao direito de regresso - releva o tempo do cumprimento. </font></i>
</p><p><i><font>Não se materializa, assim, do desenho circunstancial constante dos autos, motivo justificativo da aplicação do prazo prescricional de 5 anos. Aplica-se, antes, ao caso em apreço, o disposto no nº 2 daquele artigo que determina que "prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis". </font></i>
</p><p><i><font>E, salvo o devido respeito por diversa opinião, a tese nele expendida a propósito da aplicação do prazo de prescrição de 3 anos ao caso subjudice, por inaplicabilidade do disposto no art. 498º, nº 3, do Cód. Civil, encontra-se em manifesta contradição com o entendimento constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/01/2015, proferido no Processo nº 143/13.0TBVLN.G1, onde se lê: "Atendendo a que o pagamento peticionado pela recorrente corresponde à indemnização por esta já satisfeita ao lesado, de tal decorre que os poderes que a este assistia no sentido de serem ressarcidos da indemnização respeitante aos danos pelo mesmo sofrido será transferido para a Seguradora autora, pelo que, beneficiando aquele lesado do alargamento do prazo prescricional indicado no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, por força da aludida transmissão, a autora também de tal beneficia - Ac. do STJ de 11/1/11, disponível na internet em </font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font> e também Ac. do ST J de 9/3/10, disponível no mesmo sítio. " </font></i>
</p><p><i><font>É patente que, perante duas situações fácticas muito semelhantes, foram proferidas suas decisões contraditórias quanto à aplicabilidade do art. 498º, nº 3 do Cód. Civil, aos casos em que a Seguradora peticiona da sua congénere, civilmente responsável pelo acidente, o reembolso do montante que liquidou ao lesado em cumprimento das obrigações para si emergentes do contrato de seguro de acidentes de trabalho. </font></i>
</p><p><i><font>Estriba-se ainda o presente recurso de revista na manifesta contradição entre teses seguidas na nossa Douta Jurisprudência a propósito da questão supra referida em b), ou seja, nas situações em que não estão discriminadas as quantias indemnizatórias relativas a danos patrimoniais e não patrimoniais, compete à Seguradora responsável pelo acidente de viação que se pretende desonerar, o ónus da prova de que o dano laboral se encontra integralmente ressarcido através do pagamento da indemnização acordada ao lesado, prova essa que não se basta com a demonstração genérica de que a indemnização foi a titulo de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais. </font></i>
</p><p><i><font>Com efeito, quanto a esta problemática, entendeu-se mo douto acórdão recorrido o seguinte: "(...) Esta menção fáctica, com esta dimensão abrangente, foi acolhida no art. 19º dos factos provados, de forma integral, nos seguintes termos: «19. O pagamento aos herdeiros da vítima mortal efectuado pela Ré SEGURO BB foi a título de indemnização por todos os danos, quer danos morais, quer danos patrimoniais ". </font></i>
</p><p><i><font>Ficou, pois, feita a demonstração que se reclama não existir. </font></i>
</p><p><i><font>Neste contexto, teve razão o Tribunal "a quo" ao referir que «Esta) leia-se, a Ré) satisfez integral e prontamente a indemnização global a que os lesados tinham direito e por nada mais é responsável. Cabia à Seguradora de acidentes de trabalho ter averiguado se os lesados não teriam já recebido a indemnização devida e ter excepcionado essa circunstância na acção de acidentes de trabalho. " </font></i>
</p><p><i><font>Acresce que a tese expendida no douto acórdão recorrido a propósito desta questão encontra-se em manifesta contradição com o entendimento constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/06/2011, proferido no âmbito do Processo nº 175/10.0TVLSB.L1-6, onde se pode ler: Aqui chegados, podemos afirmar que, tendo o apelante provado o pagamento efectuado ao sinistrado, em cumprimento, aliás, de sentença judicial que a condenou a pagar o montante que reclama na acção, cabia à apelada demonstrar que já tinha ressarcido esse dano laboral no âmbito da transacção efectuada na acção penal onde fora deduzido pedido cível pelo sinistrado por se tratar de facto extintivo do direito da apelante (art. 342º, nº 2 CC) </font></i>
</p><p><i><font>A falta de discriminação dos danos ressarcidos no âmbito da transacção resolve-se contra a apelada. Não tendo sido demonstrado que foi ressarcido o dano laboral no âmbito da referida transacção, procede a apelação. (...) </font></i>
</p><p><i><font>Sempre com o devido respeito por entendimento diverso, parece-nos por demais notória a contradição existente entre a tese vertida no douto acórdão recorrido e a tese explanada no douto acórdão-fundamento, nesta concreta questão jurídica. </font></i>
</p><p><i><font>D. Para que exista oposição de julgados é necessário que as duas decisões em confronto versem a mesma situação, que esta releve para a decisão da causa e que a contradição seja expressa e não implícita. </font></i>
</p><p><i><font>No caso temos que a questão versada é a mesma em ambas as hipóteses: a aplicação do prazo do prazo prescricional dos nº 2 ou do nº 3 do art. 498º do C. Civil; a necessidade de alegar e demonstrar o ressarcimento do dano laboral. Dúvidas não existem de que ambas são essenciais para a apreciação do litígio. </font></i>
</p><p><i><font>Quanto à contradição temos que, também em qualquer dos casos ela é expressa e directa: </font></i>
</p><p><i><font>No primeiro referindo-se na decisões em confronto: </font></i>
</p><p><i><font>Não se materializa, assim, do desenho circunstancial constante dos autos, motivo justificativo da aplicação do prazo prescricional de 5 anos. (quando a autora é a seguradora que exerce o seu direito de regresso. </font></i>
</p><p><i><font>E: “os poderes que a este assistia no sentido de serem ressarcidos da indemnização respeitante aos danos pelo mesmo sofrido será transferido para a Seguradora autora, pelo que, beneficiando aquele lesado do alargamento do prazo prescricional indicado no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, por força da aludida transmissão, a autora também de tal beneficia. </font></i>
</p><p><i><font>E no segundo referindo-se nas respectivas decisões: Esta menção fáctica, com esta dimensão abrangente, foi acolhida «19. O pagamento aos herdeiros da vítima mortal efectuado pela Ré SEGURO BB foi a título de indemnização por todos os danos, quer danos morais, quer danos patrimoniais ". </font></i>
</p><p><i><font>Ficou, pois, feita a demonstração que se reclama não existir. </font></i>
</p><p><i><font>E ... A falta de discriminação dos danos ressarcidos no âmbito da transacção resolve-se contra a apelada. Não tendo sido demonstrado que foi ressarcido o dano laboral no âmbito da referida transacção, procede a apelação. (…) </font></i>
</p><p><i><font>Com o que se verifica o pressuposto invocado. Deve, por isso, ser aceite o recurso. </font></i>
</p><p><i><font>Pelo exposto, acordam em admitir a revista excepcional</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>Para o tema que interessará resolver, face à admissibilidade da revista excepcional, extracta-se o quadro conclusivo que a seguir queda transcrito (na parte interessante).</font><br>
<b><font>I.a.) – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><i><font>“DO OBJECTO DO RECURSO: </font></i>
</p><p><i><font>(…) 19. Sendo que o âmbito do presente recurso se cinge à apreciação de duas questões: </font></i>
</p><p><i><font>a. Aplicação do alargamento do prazo prescricional previsto no art. 498º, n.º 3 do Cód. Civil, nas situações previstas no art. 498º, nº 2, por via da sub-rogação legal do direito do sinistrado de que a seguradora se encontra investida ao reclamar os créditos pagos em sede de acidente de trabalho à seguradora responsável pelo acidente de viação </font></i>
</p><p><i><font>b. Nas situações em que não estão discriminadas as quantias indemnizatórias relativas a danos patrimoniais e não patrimoniais, compete à Seguradora responsável pelo acidente de viação que se pretende desonerar, o ónus da prova de que o dano laboral se encontra integralmente ressarcido através do pagamento da indemnização acordada ao lesado, prova essa que não se basta com a demonstração genérica de que a indemnização foi a título de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais. </font></i>
</p><p><i><font>I. DA RESPONSABILIDADE INFORTUNISTICO-LABORAL VS RESPONSABILIDADE CIVIL: FALTA DA PROVA DO RESSARCIMENTO DO DANO LABORAL PELA SEGURADORA R. E SUAS CONSEQUENCIAS:</font></i>
</p><p><i><font>20. Andou mal o Meritíssimo Tribunal "a quo" ao considerar que a Seguradora Recorrida logrou provar, de forma cabal, que de entre a indemnização paga aos lesados, se encontrava integralmente ressarcido o dano laboral e que, por esse motivo, inexiste qualquer direito de crédito no qual a aqui A. se possa sub-rogar. </font></i>
</p><p><i><font>21. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, temos que na apreciação desta questão, olvidou o Venerando Tribunal da Relação o carácter imperativo das normas jurídicas aplicáveis em sede de responsabilidade infortunístico-laboral e a natureza irrenunciável das indemnizações advenientes de acidentes infortunístico-laborais. </font></i>
</p><p><i><font>22. Com efeito, dúvidas não subsistem de que na génese dos presentes autos está a responsabilidade civil extracontratual pela ocorrência de acidente de viação que foi simultaneamente acidente de trabalho. </font></i>
</p><p><i><font>23. E que o concreto dano que está na base do direito de sub-rogação da recorrente é o dano laboral. </font></i>
</p><p><i><font>24. Sendo certo que teremos sempre que ter igualmente em mente que a responsabilidade infortunístico laboral não é destinada a ressarcir todos os danos sofridos pelo sinistrado ou in casu dos seus beneficiários legais, abrangendo unicamente os danos patrimoniais concretamente especificados na LAT. </font></i>
</p><p><i><font>25. Ao contrário, já os danos que se pretendem ver ressarcidos através do instituto da responsabilidade civil extracontratual são de âmbito muito mais alargado. </font></i>
</p><p><i><font>26. Constitui também entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano laboral e o dano emergente da responsabilidade civil extracontratual são complementares, mas nunca cumuláveis. </font></i>
</p><p><i><font>27. Isto porque sendo o dano, na sua génese, apenas um, diversa solução levaria a um duplo ressarcimento do mesmo dano. </font></i>
</p><p><i><font>28. Quid iuris, então, nas situações em que, como nos presentes autos, vem a Seguradora Apelante sub-rogar-se nos direitos dos lesados/beneficiários por força dos valores que comprovadamente lhes pagou no estrito cumprimento das obrigações que sobre si impendem enquanto responsável laboral e em que comprovadamente houve já um ressarcimento aos lesados da Seguradora enquanto responsável civil? </font></i>
</p><p><i><font>29.O que se verifica no caso em apreço é que, efectivamente, e no que tange ao pagamento efectuado pela recorrida é que, apenas se provou que: "O acidente de viação ocorreu a 20/02/2002 e a ré SEGURO BB pagou aos herdeiros beneficiários da vítima mortal a quantia de 155.111,12 euros conforme recibo com data de 12/07/2002" </font></i>
</p><p><i><font>"O pagamento aos herdeiros da vítima mortal efectuado pela ré SEGURO BB foi a título de indemnização por todos os danos, quer danos morais, quer danos patrimoniais. </font></i>
</p><p><i><font>30.Ou seja, não ficou demonstrado que nesse pagamento estaria incluído o dano laboral, qual o seu concreto montante, dano esse que constitui, ao fim e ao cabo, a génese do pedido de reembolso formulado nos presentes autos pela aqui apelante. </font></i>
</p><p><i><font>31.E tendo sempre em consideração que o direito dos lesados, neste segmento de dano laboral e tal como se apontou supra, é absolutamente irrenunciável, inalienável e impenhorável, jamais a aqui recorrida se poderia desonerar da sua obrigação ressarcitória sem demonstrar de forma cabal que a indemnização que comprovadamente pagou incluiu a totalidade dos danos laborais que inequivocamente assistem aos lesados, primitivos credores, discriminando-os. </font></i>
</p><p><i><font>32.Salvo o devido respeito por diverso entendimento, andou mal o Meritíssimo Tribunal "a quo” ao não atender ao teor imperativo e irrenunciável dos direitos aqui em causa. </font></i>
</p><p><i><font>33.Exigia-se, pois, e na sequência do citado Acórdão, cuja tese corroboramos, que para que a recorrida ficasse desonerada do pagamento dos valores peticionados nos autos, tivesse alegado e provado, de entre o montante indemnizatório que prestou aos lesados, qual o concreto valor que correspondia à indemnização do dano laboral. </font></i>
</p><p><i><font>34.Tal prova não se pode bastar com a alegação genérica de que foram ressarcidos "todos os danos patrimoniais e não patrimoniais". </font></i>
</p><p><i><font>35.Dado que, constituindo o pagamento um facto extintivo das obrigações, ao abrigo do disposto no art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil, impunha-se à recorrida a sua demonstração, o que não sucedeu. </font></i>
</p><p><i><font>36.Ao decidir diferentemente, o douto acórdão recorrido incorreu, pois e manifesta violação do disposto nos arts. 34º e 35º da LAT e 342º do Cód. Civil, entre outros. </font></i>
</p><p><i><font>DA PRESCRICÃO: Aplicação do prazo alargado decorrente do dispositivo no Art. 498º, n.º 3 do Cód. Civil. </font></i>
</p><p><i><font>37.O direito de regresso/sub-rogação de que a Seguradora recorrente é titular funda-se também em responsabilidade civil extracontratual por facto considerado crime - homicídio por negligência cujo prazo prescricional do procedimento criminal é de 5 anos (Cfr. art. 118º, n.º 1 al. c) e 137º do Cód. Penal) </font></i>
</p><p><i><font>38.Por outro lado, recorde-se, o art. 498º, n.º 1 do Cód. Civil determina que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. </font></i>
</p><p><i><font>(E o n.º 2 do mesmo preceito estipula que prescreve igualmente no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. </font></i>
</p><p><i><font>39.Contudo, o art. 498º, n.º 3 do Cód. Civil vem ainda estabelecer que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável. </font></i>
</p><p><i><font>40.Temos que, da conjugação dos preceitos legais acabados de elencar, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, o prazo prescricional aplicável nos presentes autos é de 5 anos (prazo prescricional legalmente aplicável ao crime de homicídio por negligência). </font></i>
</p><p><i><font>41.Com efeito, o direito de regresso invocado pela Seguradora recorrente beneficia, portanto, do alargamento do prazo de prescrição alargado contemplado no art. 498º, n.º 3 do Cód. Civil. </font></i>
</p><p><i><font>42.Corroborando este entendimento, e a título de mero exemplo, veja-se a decisão recentemente proferida pelo SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no Acórdão de 07/07/2010, disponível on line em </font></i><i><font>www.dgs.pt</font></i><i><font>, e que nos permitimos citar no corpo das presentes alegações </font></i>
</p><p><i><font>43.Ainda neste sentido veja-se igualmente o entendimento consignado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/09/2009, proferido no âmbito do Processo n.º 2270/04.6TBVLG.P12, disponível na íntegra em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, e igualmente o teor do Douto Acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, de 15/01/2015, proferido no âmbito do Processo nº 143/13.0TBVLN.G1 e que constitui o acórdão-fundamento invocado para a presente revista excepcional. </font></i>
</p><p><i><font>44.No caso dos presentes autos impõe-se, pois, aplicar o prazo de prescrição decorrente do disposto no art. 498º, nº 3 do Cód. Civil. </font></i>
</p><p><i><font>(Pelo que, e sempre com o máximo respeito, a douta decisão ora posta em crise, ao consignar diverso entendimento, incorreu em flagrante violação, entre o demais, do disposto nos arts. 498.º, n.º 2 e 3 do Cód. Civil. </font></i>
</p><p><font>46.</font><i><font>O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos legais, nomeadamente para revogação, nesta parte, da douta sentença recorrida</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>Revidou a fundamentação a demandada, “</font><i><font>SEGURO BB, S.A</font></i><font>.” rematando-a com a síntese conclusiva sequente.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. Em ambas as questões suscitadas, não existe contradições entre acórdão recorrido e acórdão fundamentos, pois assentam em conceitos técnico-jurídicos distintos - direito de regresso versus sub-rogação. </font></i>
</p><p><i><font>2.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Só por inconformidades estratégicas. a recorrente veio desistir da instância contra os beneficiários do sinistrado, quando já sabia que tinham sido integralmente compensados pela recorrida. </font></i>
</p><p><i><font>3.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Pretende a recorrida através deste meio processual, indirectamente provocar alteração dos efeitos da matéria dada como provada no pleno exercício do ónus de prova da recorrida. </font></i>
</p><p><i><font>4.</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Assim, não se verificam os requisitos exigíveis no art. 672º, nº 1 da al. c) do C.P. Civil</font></i><font>.” </font><br>
<b><font>I.b.) – Questões a abordar na revista</font></b><font>.</font><br>
<font>As questões, tal como foram escrutinadas no aresto que admitiu a revista excepcional, foram condensadas pela recorrente, em: “</font><i><font>a. alargamento do prazo prescricional previsto no art. 498º, n.º 3 do Cód. Civil, nas situações previstas no art. 498º, nº 2, por via da sub-rogação legal do direito do sinistrado de que a seguradora se encontra investida ao reclamar os créditos pagos em sede de acidente de trabalho à seguradora responsável pelo acidente de viação”</font></i><font>.</font><i><font> </font></i><br>
<b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b><br>
<b><font>II.a.) – DE FACTO</font></b><font>.</font><br>
<font>Vem adquirida para a solução (de direito) do caso, a factualidade que a seguir queda extractada. </font><br>
<i><font>“1. Em Fevereiro de 2002, cerca das 10,30 horas, ocorreu um acidente de viação no nó de saída da RN 175/A84 para a RD 937, em direção a ..., atento o sentido de marcha ... - ..., na localidade de ... - ..., em FRANÇA (A).</font></i><br>
<i><font>2. Foi interveniente nesse sinistro o veículo pesado de mercadorias com semirreboque marca "RENAULT", modelo EURO 2/470 - 18 T, matrícula XXX 740 CF, propriedade de "FF, S.A.", conduzido por GG, e no qual era passageiro HH (B).</font></i><br>
<i><font>3. Quando se encontrava sobre a curva do nó de ligação, o GG perdeu o controlo da direção do XXX 740 C (C).</font></i><br>
<i><font>4. E, por via disso, o veículo entrou em despiste, embatendo contra os separadores laterais de proteção e arrancando-os ao longo de uma extensão de cerca de 60 (sessenta) metros (D).</font></i><br>
<i><font>5. Após o que os transpôs, sendo projetado para fora da via rodoviária, sobre a ravina (E).</font></i><br>
<i><font>6. Até a cabine do veículo chocar contra uma árvore, e aí se imobilizar, ejetando o condutor e passageiro para o exterior, através do para-brisas (F).</font></i><br>
<i><font>7. Os RR. CC, DD e EE são, respetivamente, a viúva e filhos de HH, e seus únicos e universais herdeiros (G).</font></i><br>
<i><font>8. A responsabilidade pelos danos causados pelo XXX 740 C, e emergentes da respetiva circulação rodoviária, encontrava-se transferida para a seguradora R., através do contrato de seguro titulado pela apólice nº E-0000/00001000/227 (H).</font></i><br>
<i><font>9. Concomitantemente, e igualmente para indemnização dos danos emergentes do sinistro dos presentes autos, e que foi causa direta e imediata da morte do HH, a R. Seguradora pagou aos RR. CC, DD e EE, que dela receberam e embolsaram, fazendo-a sua a quantia de EURO 155.111,12 (I).</font></i><br>
<i><font>10. A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho ocorridos com o HH ao serviço da "II, LDA", encontra-se transferida para a A. "SEGURO AA", através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0000000001582 (J).</font></i><br>
<i><font>11. Para reparação dos danos emergentes do sinistro dos presentes autos, correu termos pelo Tribunal de Trabalho de … o processo especial de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTKau4YBgYBz1XKvXCGc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><br>
<b><font>I –</font></b><font> </font><b><font>AA</font></b><font> intentou contra </font><b><font>BB </font></b><font>acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária do processo comum, pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de € 33.400,00, sendo €25.000,00 por danos não patrimoniais e € 8.400,00 por danos patrimoniais.</font><br>
<font>Alegou, para tanto, que foi casada com o R durante 22 anos e que se divorciou em Maio de 2010 por sentença proferida no âmbito de uma acção judicial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge; que por opção do casal, numa primeira fase do casamento, foi mãe e doméstica, tratando do marido e da casa e criando a sua filha e numa segunda fase, que teve início em 1997, começou a trabalhar como educadora de infância num infantário em Espinho.</font><br>
<font>Invocou, também, que abdicou de uma carreira profissional em prol do R e que este em 2008 começou a relacionar-se sexualmente com a patrona do curso de ensino que frequentava, assumindo tal facto, concluindo que o casamento de ambos tinha terminado e tendo saído da casa de morada da família.</font><br>
<font>Acrescentou que até ao divórcio o R, apesar de saber que a A se encontrava desempregada e com a filha aos seus cuidados, não contribuiu com qualquer quantia, que deixou as contas bancárias do casal a zero e que quando saiu de casa tirou os seus bens pessoais e outras coisas, que a proibiu de circular com o automóvel que pertencia a ambos, que em Março de 2009 o R a acusou falsamente de ter sequestrado a filha em casa dos pais desta e que em Julho de 2009 agrediu o pai sexagenário dela A.</font><br>
<font>Concluiu que sofreu danos não patrimoniais por violação dos deveres de respeito, fidelidade e coabitação que quantifica em € 25.000,00 e que o R. deverá pagar a quantia de € 8.400,00, pela violação do dever de assistência, referente ao período compreendido entre o momento em que abandonou o lar conjugal e a data de dissolução do casamento.</font><br>
<font>Contestou o R., alegando que se encontra a correr uma acção de alimentos proposta pela A. e impugnando a quase totalidade dos factos alegados na petição inicial e peticionou a condenação da A. como litigante de má fé.</font><br>
<font>Findos os articulados e tendo dispensada a realização de audiência preliminar, nos termos do art.º 508º-B, nº1, al. b) CPC foi proferida </font><b><font>decisão </font></b><font>que, </font><i><font>relativamente ao pedido de condenação no pagamento da quantia de € 8.400,00 por danos patrimoniais, </font></i><font>a título de alimentos, absolveu o R. da instância, nos termos dos artºs 101º, 105º, nº1 e 494º, al. a), dada a incompetência absoluta do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, em razão da matéria, de acordo com o estipulado pela conjugação dos artºs 62º, do C.P.C e 81º, al. f), da Lei nº3/99, de 13 /01 e, quanto aos danos não patrimoniais, considerou não haver </font><i><font>qualquer fonte das obrigações que suporte o pedido formulado, motivo pelo qual </font></i><font>julgou </font><i><font>improcedente a acção e </font></i><font>absolveu </font><i><font>o R. do pedido. </font></i><br>
<font>Relativamente à litigância de má fé, considerou não existir </font><i><font>qualquer fundamento para </font></i><font>a mesma.</font><br>
<font>Inconformada, interpôs a A recurso de apelação, na sequência do qual foi proferido acórdão que, entendendo que os factos invocados não preenchiam os requisitos ínsitos no nº 1 do artigo 1792º CC (redacção introduzida pela Lei nº 61/2008), decidiu pela improcedência da apelação absolvendo o R de todo o pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>II. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista.</font></b><br>
<font>Apresentou a recorrente as alegações que constam de fls. 598 a 603 (e que aqui se dão por reproduzidas) tendo o recorrido contra-alegado nos termos do que consta de fls. 651 a 654 (que igualmente se dão por reproduzidos.</font><br>
<b><font>Alega, em síntese, a recorrente que:</font></b><br>
<font>- a interpretação do Tribunal da Relação do Porto é no sentido de o artigo 1792 nº 1 CC de apenas se permitir a indemnização pelos danos decorrentes dos efeitos do divorcio (cuja génese seja o próprio divorcio);</font><br>
<font>- a referida disposição consagra, porém, a indemnização pelos danos resultantes da violação dos deveres conjugais, os quais representam uma causa de pedir da acção de responsabilidade civil aludida;</font><br>
<font>- a interpretação no sentido que foi consagrado no acórdão recorrido é inconstitucional por violação dos princípios da tutela judicial efectiva, da proibição da indefesa, do processo equitativo e da proporcionalidade – artigo 20º CRP.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III. Do mérito – </font></b><font>Tal como se enuncia no acórdão recorrido a questão que importa apreciar e decidir – </font><i><font>tendo nomeadamente em conta as conclusões da alegação da recorrente </font></i><font>- consiste exclusiva ou quase exclusivamente em saber qual interpretação a dar ao art.º 1792, nº1 do C.C. (na redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31/10) ou seja, e concretizando, saber se na previsão da norma está exclusivamente prevista a reparação dos danos causados ao cônjuge lesado resultantes da própria dissolução do casamento (</font><i><font>tese que aparece sustentada no acórdão</font></i><font>) ou se essa mesma previsão normativa abrange, igualmente, os danos emergentes daqueles factos que conduziram à ruptura da vida comum e ao divorcio </font><i><font>(tese que vem sustentada nas alegações da recorrente)</font></i><font>.</font><br>
<font>Fazendo o enquadramento geral da questão e com base no quadro legal aplicável importa ter em conta que</font><b><font> </font></b><font>com as alterações introduzidas pela Lei 61/2008 de 31/10 ao regime jurídico do divórcio</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> – </font><i><font>alterações que aqui se aplicam e que determinaram, por um lado, o fim do divórcio litigioso e, por outro, consagração do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (art.º 1773º, n.º 1 CC) nas situações de ausência de acordo ou consentimento mutuo </font></i><font>– o legislador cuja intenção, conforme manifestamente se reconhece na exposição de motivos, foi no sentido de fazer convergir a nossa legislação nesta matéria com a vigente na maioria dos países europeus (</font><i><font>convergência que aparece sustentada num estudo publicado pela Comission on European Family Law de que o nosso País é membro e que naquela exposição de motivos aparece citado</font></i><font>) pôs definitivamente termo à figura do </font><i><font>divórcio-sanção ou divorcio remédio, </font></i><font>ainda que no nosso direito anterior à reforma de 2008 estivesse já consagrado um sistema de compromisso cuja componente dominante era a do divorcio-constatação da ruptura do casamento</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i><br>
<font>Ao mesmo tempo e no sentido de assegurar verdadeira sistematização e coerência lógica a todo o regime implementado e protecção legal adequada ao cônjuge eventualmente lesado eliminou definitivamente aqueles que eram os últimos elementos subsistentes da doutrina da fragilidade da garantia</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, por via da qual a responsabilidade civil se não aplicava, pelo menos em principio, no âmbito dos direitos familiares pessoais</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Com a nova redacção dada ao artigo 1792 pela Lei nº 61/2008, de 31/10 permite-se que o cônjuge lesado possa intentar acção para efectivação de responsabilidade civil nos tribunais comuns, fazendo-o nos termos gerais dos artigos 483º e seguintes.</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> </font><br>
<font>Dispõe o nº 1 do art.º 1792º CC, na redacção introduzida pelo diploma legal acima citado que “</font><i><font>o cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns”, acrescentando no nº 2 que o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea b) do artigo 1781.º (casos de alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum”)</font></i><font> </font><i><font>deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento, devendo este pedido deve ser deduzido na própria acção de divórcio.</font></i><br>
<font>Interpretando restritivamente o disposto</font><i><font> no </font></i><font>nº1 da citada disposição legal entendeu-se no acórdão recorrido, reconhecendo embora que “</font><i><font>o cônjuge que se sinta lesado e que deseje ser ressarcido por danos provocados pelo outro cônjuge, pode requerer uma indemnização junto dos tribunais comuns, através de acção autónoma, ficando com o encargo de alegar e provar o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil”</font></i><font>, </font><b><font>que os danos indemnizáveis deveriam limitar-se </font></b><i><font>“aos danos decorrentes do decretamento do mesmo como sejam os danos morais que sejam consequência da própria dissolução do casamento, entre os quais se podem enunciar os que resultem da desconsideração social para o divorciado, e no meio onde vive, do divórcio decretado, bem como a dor sofrida pelo cônjuge não culpado pela frustração do projecto de vida em comum, pelo mesmo idealizado ao contrair matrimónio” </font></i><font>(cita-se no acórdão recorrido e em suporte da orientação ali seguida o Acórdão deste S.T.J., de 11/1/11, relatado pelo Cons. Sousa Leite</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>) concluindo-se, nessa linha de raciocínio, que não tendo a A “</font><i><font>alegado quaisquer factos atinentes aos efeitos do divórcio, passíveis de reparação, nos termos supra apontados, é manifesta a inexistência de suporte factual e legal para todo o pedido formulado</font></i><font>”. </font><br>
<font>A posição sustentada no acórdão recorrido não tem, como aliás resulta de toda a análise antes efectuada, qualquer suporte legal, não cabendo na letra nem no espírito da actual redacção do artigo 1792 nº 1 uma interpretação no sentido da que ali é efectuada, uma vez que de acordo com essa actual redacção (introduzida, como referimos, pela Lei nº 61/2008) quer os danos eventualmente decorrentes da dissolução do casamento quer os que resultem de factos (ilícitos) que possam ter ocorrido durante a relação conjugal, são indemnizáveis nos termos do regime geral da responsabilidade civil.</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><br>
<b><font>Em conclusão: </font></b><br>
<b><font>a)</font></b><font> com a redacção dada ao nº 1 do artigo 1792 CC pela Lei nº 61/2008, de 31/10, a reparação dos danos causados ao cônjuge alegadamente lesado, quer dos resultantes da própria dissolução do casamento quer de factos que possam ter conduzido à ruptura da vida em comum passa a ser feita nos meios comuns de acordo com os princípios gerais da responsabilidade civil; </font><b><font>b)</font></b><font> com excepção dos casos em que a ruptura do casamento é consequência de alteração das faculdades mentais do outro cônjuge – nº 2 do artigo 1792º CC – a lei deixou de fazer qualquer distinção entre os danos directamente resultantes da dissolução do casamento e os danos resultantes de factos ilícitos ocorridos na constância do matrimónio, nomeadamente os que possam ter conduzido ao divorcio, sendo, uns e outros, pelo menos em abstracto, ressarcíveis através de acção judicial para efectivação de responsabilidade civil;</font><br>
<b><font>c)</font></b><font> numa ou noutra situação cabe ao cônjuge alegadamente lesado a demonstração de factos sustentadores da responsabilidade civil por factos ilícitos – artigo 483º CC;</font><br>
<b><font>d)</font></b><font> no caso em análise a A alegou nomeadamente nos artigos 34º, 50º, 79º e 91º da petição inicial factos que foram impugnados e que, a provarem-se, podem, dentro das soluções juridicamente plausíveis, ser geradores de responsabilidade civil, devendo nestas circunstancias serem elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória prosseguindo os autos os seus regulares termos.</font>
</p><p><font> </font><br>
<b><font>IV. Decisão</font></b><font> - Pelo exposto acorda-se em conceder a revista anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa do processo à 1ª Instancia para que ali se proceda à discriminação dos factos assentes é à elaboração da base instrutória, após o que os autos prosseguirão a demais tramitação legal. Custas a final.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Lisboa, 17 de Setembro de 2013</font><br>
<br>
<font>Mário Mendes (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font>
</p></font><p><font><font>____________________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> V. exposição de motivos constante do Projecto de Lei nº 509/X.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> V. Curso de Direito da Família, Pereira Coelho/Guilherme de Oliveira, páginas 662 e 663.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> A doutrina da fragilidade da garantia tinha como base de sustentação racional a regra da imunidade interconjugal </font><i><font>(interspousal immunity) </font></i><font>que determinava a impossibilidade de um cônjuge poder agir contra o outro para obter ressarcimento de prejuízo causado por acto ilícito praticado pelo outro cônjuge, fora dos deveres conjugais. (Cristina Dias – “Breves notas …” – Direito e Justiça – Estudos dedicados ao Prof. Doutor Carvalho Fernandes – Volume I, pagina 397.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> A garantia constitui um dos elementos fundamentais de toda a relação jurídica materializando-se quando se verifique a violação de um direito existente e susceptível de ser exercido. A maior ou menor fragilidade da garantia está em relação ou é proporcional à intensidade dos meios adequados de oposição à violação, meios (legais) que o Estado proporciona para esse efeito.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Tais direitos apresentavam-se com uma garantia mais frágil do que os direitos de crédito uma vez que a violação dos direitos familiares pessoais, nomeadamente a violação do direito de um dos cônjuges pelo outro, não determinava obrigação de indemnizar, não se aplicando nesta sede as regras da responsabilidade civil – artigos 483 e seguintes CC.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Sobre a doutrina da “fragilidade da garantia” na responsabilidade civil dos cônjuges entre si v. Artigo de Heinrich Ewald Horster – “Scientia Ivridica” – Tomo XLIV – números 253 – 255, páginas 113 a 124, no qual o autor comenta acórdão deste STJ, de 21 de Junho de 1991, no qual se atribui indemnização pela violação culposa de deveres conjugais.</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> V. Cristina Dias – “Breves notas sobre a responsabilidade civil dos cônjuges entre si” – “Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, Direito e Justiça, pagina 391 – onde a autora defende, justificando que os resquícios da doutrina da fragilidade da garantia no domínio dos deveres conjugais pessoais deixam definitivamente de existir com a Lei nº 61/2008, abrindo-se (expressão usada pela autora) “as portas do santuário familiar” que estavam por aquela doutrina fechadas.</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> No projecto de Lei nº 509/X, de alteração do regime do divorcio considerou-se como corolário da retirada da culpa nas acções de divórcio a consagração do principio de os pedidos de reparação dos danos fossem julgados nos termos gerais da responsabilidade civil, sem qualquer restrição.</font><br>
<a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font> O acórdão fundamento depois de referir que, na acção de divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges, o Tribunal não pode determinar e graduar a violação culposa dos deveres conjugais com vista à aplicação de quaisquer sanções patrimoniais ou outras afirma que o lugar próprio para avaliação e reparação de danos resultantes da violação culposa dos deveres conjugais que, afirma, continuam a merecer tutela do direito é a acção judicial de responsabilidade civil para reparação de danos.</font><br>
<a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font> V. Neste sentido o acórdão deste STJ (e desta 1ª Secção) de 8/9/2009, de que foi relator o Conselheiro Sebastião Póvoas.</font><font><br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 1 1] |
uzKpu4YBgYBz1XKvLilC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a></a><font>:</font>
<p><font> AA propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra o “Hospital ...... - Vale do Sousa” (Centro ..........., E.P.E.), BB e “S........... Ld.ª”, com sede em Vila Nova de Famalicão, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de €175.000,00, acrescida de juros legais, desde a citação e até integral cumprimento, invocando, para tanto, em síntese, que, em virtude de errado diagnóstico, efectuado no dia 18 de Agosto de 2002, no réu “Hospital ...... - Vale do Sousa”, por parte do réu BB, que aí prestava serviço como médico, e da consequente errada prescrição e tratamento, o autor sofreu vários danos, irreparáveis e irreversíveis, no caso, a perda do testículo esquerdo, o que lhe causou ainda outros prejuízos, sendo que, por todos, quer ser ressarcido, computando a indemnização a que se julga com direito, no quantitativo de €1.700.000,00.</font>
</p><p><font> Mais alega que a responsabilidade da ré “S........... Ld.ª” advém do facto de ter indicado e cedido ao réu “Hospital ...... - Vale do Sousa”, no âmbito de um contrato de fornecimento de pessoal médico que tinha com este celebrado, os serviços do réu BB.</font>
</p><p><font> Todos os réus contestaram, concluindo pela improcedência da acção, tendo o réu “Hospital ...... - Vale do Sousa”, invocado, no essencial, desconhecer os factos alegados pelo autor e impugnado que o mesmo apresente qualquer incapacidade para o normal desenvolvimento da actividade sexual e para viabilizar a reprodução humana, alegando ainda que o réu médico que assistiu o autor gozava de absoluta liberdade de diagnóstico e de prescrição, tendo agido de acordo com os procedimentos comuns, ou seja, com as “legis artis”</font><i><font> </font></i><font>da medicina</font><i><font>.</font></i><font> </font>
</p><p><font>A ré “S........... Ld.ª” invoca a sua ilegitimidade, pois, não obstante aceitar que, à data dos factos, existia um contrato de prestação de serviços, por via do qual cedeu os serviços médicos prestados pelo co-réu BB ao “Hospital ...... - Vale do Sousa”, não exercia qualquer autoridade, direcção ou fiscalização sobre a actividade médica prestada pelo réu BB, mas, mesmo que assim se não entenda, nunca seria responsável pelo pagamento de qualquer indemnização ao autor, já que havia transferido a responsabilidade civil que lhe pudesse advir pelos actos praticados pelo referido médico, para a “Companhia de Seguros Tranquilidade”, por contrato de seguro, válido e vigente, à data dos factos, com a apólice nº 00000.</font>
</p><p><font> Mais alega a ré que, em 1 de Julho de 2002, foi celebrado entre o réu “Hospital ...... - Vale do Sousa” e ela própria um contrato de prestação de serviços, em que esta se comprometia a disponibilizar 336 horas de trabalho médico, em benefício daquele Hospital, a prestar por médicos ao seu serviço, trabalho esse exercido, “sob orientação hierárquica e direcção técnica” do co-réu Hospital, impugnando ainda, por desconhecimento, os demais factos invocados pelo autor.</font>
</p><p><font>O réu BB veio, também, invocar a sua ilegitimidade, nos mesmos termos que o tinha feito a ré “S........... Ld.ª” e impugnou a versão dos factos apresentada pelo autor na petição inicial.</font>
</p><p><font>Admitida a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros Tranquilidade SA”, com sede em Lisboa, requerida pelo autor, a mesma contestou, terminando com o pedido da improcedência da acção e, em consequência, com a sua absolvição do pedido, alegando, para o efeito, em suma, que nunca foi emitida qualquer apólice que titulasse um qualquer contrato de seguro celebrado entre a chamada e a ré “S........... Ld.ª”, para além de que se encontra prescrito, em relação a si, o direito que o autor pretende fazer valer, por via da presente acção, já que entre a data da sua citação e a data dos factos, decorreram mais de três anos, impugnando, quanto ao mais, por remissão para as contestações dos restantes réus, os factos vertidos na petição inicial.</font>
</p><p><font> Na réplica, o autor defende a legitimidade dos réus BB e “S........... Ld.ª”, e bem assim como a inexistência da prescrição do seu direito contra a seguradora interveniente.</font>
</p><p><font>No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, arguida pelos réus “S........... Ld.ª e BB, tendo sido relegado para sede de sentença final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição. </font>
</p><p><font>A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu todos os réus do pedido formulado pelo autor.</font>
</p><p><font>Desta sentença, o autor interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, totalmente, improcedente e, em consequência, confirmou a decisão impugnada.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, o autor interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font>
</p><p><font>1ª – O autor, um jovem, foi assistido no Hospital ...... por um médico de clínica geral que, após 4 horas de espera pelas análises feitas, e apenas com base na observação directa e na apalpação, em parte porque o Hospital não possuía os instrumentos tecnológicos de diagnóstico adequados ao caso, e noutra parte porque não se enviou o doente para um Hospital Central do Porto, em ordem a ser visto por um urologista, lhe diagnosticou uma epididimíte, doença de que não padecia, antes sim torção testicular. Em resultado deste errado diagnóstico, o autor ficou para o resto da sua vida sem o testículo esquerdo, sofrendo de vários danos. O douto acórdão recorrido entendeu que a prova produzida era insuficiente para condenar os réus, ficando deste modo o autor, vítima inocente de uma situação, pelos vistos, sem responsável, impedido de ser justa e legitimamente ressarcido pelo dano sofrido.</font>
</p><p><font>2ª - Cremos, mal andaram as instâncias ao fixarem a factualidade apurada, no que ao diagnóstico e tratamento respeita, matéria nuclear no presente pleito, com base em depoimento de médicos que não foram testemunhas dos factos sobre que se pronunciaram, quando na verdade, e em rigor, não podem ser considerados testemunhas. Foi com fundamento nesses depoimentos que se veio a fixar a matéria que determinou a improcedência da acção, por um erro, pois, de qualificação jurídica dos depoimentos prestados, em razão de ciência.</font>
</p><p><font>3ª - Foi isso, que constitui um elemento essencial a ter em conta para se poder apreciar correctamente este litígio, que o autor defendeu quando considerou que certas pessoas ouvidas como testemunhas, designadamente os médicos arrolados pelos réus, a propósito da matéria primordial da lide o não poderiam substancialmente ser, em concreto, e não em abstracto. Pois quem não presenciou, não viu o doente, não falou com ele, não o conhece ou só ouviu falar do caso dias ou meses depois da ocorrência dos factos, não se pode arvorar em testemunha destes.</font>
</p><p><font>4</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Sublinhe-se: não está em causa a definição de testemunha na sua capacidade genérica em abstracto, conforme decorre dos artigos 616°, 617° e 618°, do CPC. Nesse sentido meramente formal, todas as pessoas ouvidas cumpriam os requisitos legais, sem dúvida. O que está em causa é a razão de ciência, do conhecimento efectivo que tinham ou não, que podiam ter ou não, da matéria essencial e controvertida na presente lide.</font>
</p><p><font>5</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Assim, o que está em causa é tão só entender que a matéria de facto fixada nas instâncias, a que deve aplicar-se o regime jurídico adequado, nos termos do disposto no n° 1 do artigo 729°, do CPC, deve ser lida à luz de que apesar de terem sido ouvidos vários médicos sobre a situação clínica do autor, o certo é que a matéria de facto fixada ilude ou omite aspectos centrais para a correcta compreensão do que efectivamente se passou.</font>
</p><p><font>6</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Com efeito, o réu Dr. BB foi claro ao admitir que medicou o doente na convicção de que o mesmo sofria de epididimite, e, por isso, medicou-o com um anti-inflamatório e um antibiótico, ainda que a audição do seu depoimento revele, de um modo ao menos implícito, que admite ter-se enganado no diagnóstico, haja em vista a inexistência no hospital, naquele tempo, dos instrumentos tecnológicos auxiliares de diagnóstico, bem como da inexistência do serviço de urologia.</font>
</p><p><font>7</font><sup><font>ª </font></sup><font>- Por sua vez, o médico que operou o doente, especialista na matéria, sustentou de modo absolutamente convicto, que o autor não sofreu de epididimite, mas sim de torção testicular, e que foi por causa desta doença que veio a perder irreversivelmente o testículo esquerdo. O tribunal só não apurou o facto porque desvalorizou o depoimento do médico, considerando incrivelmente que nesta parte não tinha sido isento, e baseando a sua convicção no depoimento dos médicos indicados pelos réus, não especialistas e que não assistiram o autor, e cujo depoimento, naturalmente, visou isentar de responsabilidades a entidade, 1</font><sup><font>o</font></sup><font> réu, para a qual trabalham.</font>
</p><p><font>8</font><sup><font>ª -</font></sup><font> De resto, diga-se, conforme consta do douto acórdão recorrido, por diversas vezes, e julgamos sem razão, são feitas menções despropositadas e infundadas à isenção dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo autor, valorizando-se os depoimentos das testemunhas da parte contrária, sem que exista fundamento para tais juízos, objectivamente discriminatórios. Logo aqui, nestes autos, em que o autor é a única vítima inocente de mais um erro médico, ainda que sem dolo, sofrendo danos significativos, que podem ficar sem reparação alguma, e numa acção judicial que consabidamente, pela doutrina e jurisprudência, é de prova assaz difícil, próxima de uma prova diabólica.</font>
</p><p><font>9</font><sup><font>ª -</font></sup><font> O douto acórdão recorrido manifesta por diversas vezes que a construção da motivação na fixação da matéria de facto se fez na base de pressupostos subjectivos, com um olhar crítico negativo sobre as pretensões formuladas pelo autor. Isso é designadamente patente na forma como são produzidos juízos de valor negativos, do seguinte teor:</font>
</p><p><font>- A página 12 do acórdão, o raciocínio do autor, apelante e ora recorrente, é qualificado como faccioso;</font>
</p><p><font>- A página 17 do acórdão, e a propósito da fixação da hora a que o doente começara a sentir dores, entre as 6 e as 6,30 horas, com base em depoimentos do autor, é escrito o seguinte: "...os depoimentos de todas estas testemunhas verificamos que as mesmas evidenciaram ter, previamente, concertado, entre si, o teor do que iriam declarar". Não se alcança qual o fundamento que levou o tribunal a produzir o seu juízo, sendo certo que as testemunhas do autor, seus familiares, narraram apenas o que viram, ouviram e sabiam, a partir da experiência obtida junto do próprio, pois com ele viviam, e, por isso, acederam ao conhecimento de factos a que mais ninguém acedeu, nem de outro modo era possível conhecer. Que haja coincidência de narrativas, é aquilo que no caso é mais natural. O contrário é que seria talvez estranho.</font>
</p><p><font> 10ª - É espantoso que o tribunal, numa matéria tão essencial e sensível, não tenha conseguido fixar, afinal de contas, qual a exacta doença de que padecia o autor, no dia 18 de Agosto de 2002, facto essencialíssimo para se poder julgar, em atenção à verdade material, o presente pleito, sendo certo que tudo indica que na verdade o autor não padecia de epididimite, pois que nenhuma das análises realizadas permite sustentar a existência no caso desta doença. Dito isto, cremos que este Venerando Tribunal deverá ordenar uma ampliação da matéria de facto, nos termos do n° 3 do artigo 729° do CPC, em ordem a fixar-se que o autor não padecia de epididimite, ou então a fixar-se quesito que permita apurar na realidade a doença de que padecia o autor, no dia em que entrou no hospital.</font>
</p><p><font> 11ª - Estamos convictos, ainda assim, que a matéria de facto apurada permite concluir, pela análise interna das provas produzidas e da factualidade fixada, que houve erro de diagnóstico sobre a doença de que padecia o autor, que não era a epididimite, mas sim a torção testicular, e que em resultado disso, veio o autor a perder o testículo esquerdo, uma vez que era tarde quando se procedeu à sua operação e remoção do órgão afectado, irreversivelmente, tendo-lhe sido causados os danos que ficaram fixados e descritos na factualidade apurada.</font>
</p><p><font> 12ª - Há assim lugar à condenação dos réus, em matéria de responsabilidade civil, por violação, entre outros, dos artigos 483° e 496°, ambos do Código Civil.</font>
</p><p><font> 13ª - O douto acórdão recorrido violou os artigos 483° e 496°, do Código Civil, e as alíneas c) e d), do n° 1 do artigo 668° do CPC, pelo que deve ser revogado, o que é de Inteira Justiça!</font><br>
<font>Nas contra-alegações, que apenas o réu “Hospital ...... - Vale do Sousa” apresentou, este conclui no sentido de que não há lugar a qualquer condenação dos réus, nem o acórdão violou qualquer disposição legal.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. Entre o réu “Hospital ......” e a ré “S.........., Lda” foi celebrado, em 1 de Julho de 2002, o contrato denominado "prestação de serviços", junto a fls. 74 e 75. – A).</font>
</p><p><font>2. O 2.º réu é médico e, no dia 18 de Agosto de 2002, exercia funções, no “Hospital ......” – B).</font>
</p><p><font>3. Entre a “S............, Lda” e o Dr. BB foi celebrado, em 1 de Janeiro de 2002, um acordo nos termos do qual este prestaria serviços médicos, por ordem daquela, no “Hospital ......” – C).</font>
</p><p><font>4. A “S.............., Lda” indicou e cedeu os serviços do 2° réu ao “Hospital ......”, no âmbito do contrato, referido em A). – D).</font>
</p><p><font>5. A “Companhia de Seguros Tranquilidade, SA” foi citada para a presente acção, em 21 de Novembro de 2006 – E).</font>
</p><p><font>6. No dia 18 de Agosto de 2002, o autor dirigiu-se, por volta das 8,30 horas, ao “Hospital ......”, em Penafiel. – 1.º.</font>
</p><p><font>7. Após ter sentido, durante a noite, fortes dores e inchaço, no testículo esquerdo, e vómitos. – 2.º.</font>
</p><p><font>8. No Hospital, o autor foi atendido, cerca das 9 horas. – 3.º.</font>
</p><p><font>9. Pelo médico Dr. BB. – 4.º.</font>
</p><p><font>10. O médico determinou a realização de uma análise à urina do autor. – 5.º.</font>
</p><p><font>11. O autor esperou, cerca de 4 horas, pelos resultados da análise – 6º.</font>
</p><p><font>12. Face aos resultados das análises efectuadas, o médico pôs em dúvida a correcção dos mesmos, porque não indicavam qualquer infecção. – 7º.</font>
</p><p><font>13. O médico decidiu medicar o autor apenas com base no diagnóstico baseado na apalpação e na observação sumária, directa e presencial do doente. – 8º.</font>
</p><p><font>14. Sem determinar a repetição das análises para melhor confirmar o diagnóstico. – 9º.</font>
</p><p><font>15. O médico medicou o autor com Spidifer 600 mg e Loxina. – 11º.</font>
</p><p><font>16. E disse-lhe que, caso não se verificassem melhoras, o autor deveria consultar um urologista. – 12º.</font>
</p><p><font>17. O autor, nas primeiras 24 horas, sentiu ligeiras melhoras. – 13º.</font>
</p><p><font>18. O autor, perante a persistência dos sintomas, viu-se obrigado a consultar, em Lisboa, o Dr. CC, urologista – 14º.</font>
</p><p><font>19. Facto que teve lugar, em 22 de Agosto de 2002 – 15º.</font>
</p><p><font>20. Este urologista ordenou a realização imediata de exames, designadamente, um ecodoppler escrotal. – 16º.</font>
</p><p><font>21. Deste exame resultou que: “o testículo esquerdo se apresentava aumentado de volume, hiporreflector, heterogéneo, com zonas de diferentes sensibilidades acústicas, predominantemente sólidas, embora sendo possível individualizar algumas Imagens lacunares traduzindo provável processo evolutivo isquémico” – 17º.</font>
</p><p><font>22. O Dr. BB diagnosticou ao autor uma epididimite – 19.º.</font>
</p><p><font>23. Situação que considerou de tratamento fácil e sem problemas de maior – 20º.</font>
</p><p><font>24. O autor veio a ser operado, no Hospital Particular de Lisboa, no dia 26 de Agosto de 2002 – 21º.</font>
</p><p><font>25. Tendo-lhe sido aplicado um implante testicular – 22º.</font>
</p><p><font>26. Perante o diagnóstico de torção testicular, é obrigatória uma intervenção médica cirúrgica, nas 6 a 8 horas seguintes ao início dos sintomas da doença – 29º.</font>
</p><p><font>27. O autor sofreu perda irreversível do testículo esquerdo, no que ao seu normal funcionamento respeita – 30º.</font>
</p><p><font>28. Facto que era evitável se a intervenção cirúrgica tivesse sido realizada, nas 6 a 8 horas, como referido em 29º, e se o autor sofresse de torção testicular – 31º.</font>
</p><p><font>29. Devido à perda do testículo, o autor receou, durante algum tempo, a intimidade com elementos do sexo oposto – 35º.</font>
</p><p><font>30. A perda do testículo fez o autor sofrer e angustiou e angustia o mesmo – 38º.</font>
</p><p><font>31. A perda do testículo esquerdo faz o autor duvidar da sua virilidade – 39º.</font>
</p><p><font>32. E fê-lo perder confiança em si próprio – 40º.</font>
</p><p><font>33. O que lhe causou, durante algum tempo, dificuldade na aproximação e contacto com o sexo oposto – 41º.</font>
</p><p><font>34. E fez o autor perder, durante algum tempo, a alegria de viver – 42º.</font>
</p><p><font>35. O autor encontrava-se a preparar os exames das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática (2.ª fase) que tinham lugar, nos dias 3 e 6 de Setembro – 43º.</font>
</p><p><font>36. A situação vivida dificultou-lhe a concentração e o interesse pelo estudo – 44º.</font>
</p><p><font>37. O que contribuiu para a sua reprovação – 45º.</font>
</p><p><font>38. O autor, até à data dos factos, foi um aluno médio, cumpridor, aplicado, motivado e interessado – 46º.</font>
</p><p><font>39. Durante algum tempo, próximo à perda do testículo, tal perda causou um trauma ao autor – 48º.</font>
</p><p><font>40. As dores físicas e morais, o desalento pelo que estava a viver contribuíram para o insucesso do autor, cujos resultados o impediram de ingressar, nesse ano, no ensino superior – 49º.</font>
</p><p><font>41. Durante algum tempo, próximo da perda do testículo esquerdo, o autor andou apático – 50º.</font>
</p><p><font>42. Desiludido com a vida – 51º.</font>
</p><p><font>43. Desinteressado – 52º.</font>
</p><p><font>44. Triste – 53º.</font>
</p><p><font>45. Tal facto originou, além do atraso escolar, uma desmotivação do autor pelo não acompanhamento dos seus antigos colegas, e ainda a frustração de ser "apanhado" pelo irmão mais novo – 55º.</font>
</p><p><font>46. O autor não se sente à vontade para explicar a quem o questiona sobre a sua falta de aproveitamento escolar (e) que a mesma se deveu ao problema em questão – 56º.</font>
</p><p><font>47. O autor, por tudo o que lhe aconteceu, sentiu-se inibido, durante algum tempo, próximo à perda do testículo, nos grupos de familiares e amigos – 58º.</font>
</p><p><font>48. O autor, durante algum tempo, próximo à perda do testículo, sentiu-se inibido quando ia à piscina e à praia, com medo de que as pessoas se apercebessem da sua lesão – 59º.</font>
</p><p><font>49. O autor não se sente à vontade em praticar desporto quando isso envolva expor-se nos balneários masculinos – 60º.</font>
</p><p><font>50. O dano que sofreu tem duração para toda a vida – 63º.</font>
</p><p><font>51. O 2.º réu agia, sob a orientação técnico-profissional do “Hospital ......” – 64º.</font>
</p><p><font>52. E este facultava àquele os recursos técnicos, económicos e organizacionais para o exercício da medicina – 65º.</font>
</p><p><font>53. A epididimite é uma possibilidade diagnóstica face aos sintomas referidos em 2.º – 66º.</font>
</p><p><font>54. A epididimite pode provocar trombose dos vasos espermáticos que degeneram em necrose isquémica – 67º.</font>
</p><p><font>55. O Dr. BB, no dia 18 de Agosto de 2002, disse ao autor que, a manter-se aquele quadro clínico, devia consultar um médico especialista em urologia – 68º.</font>
</p><p><font>56. Ao tempo, 18 de Agosto de 2002, o serviço de urgência do “Hospital ......” não possuía a especialidade de urologia – 69º.</font>
</p><p><font>57. A ré “S............., Lda” havia transferido a responsabilidade que lhe pudesse advir, por actos médicos praticados pelo Dr. BB, para a “Companhia de Seguros Tranquilidade, SA”, por acordo constante de "contrato de seguro", com o n.º 00000, válido e em vigor, em 18 de Agosto de 2002 – 70º.</font>
</p><p><font>58. No dia 18 de Agosto de 2002, no “Hospital ......”, não funcionava o serviço de ecografia – 71º.</font><br>
<font> </font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da ampliação da matéria de facto.</font>
</p><p><font>II – A questão do erro de diagnóstico determinante da culpa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> I. DA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO</font>
</p><p><font> </font><br>
<font>I. 1. O autor sustenta, desde logo, que deve ser ordenada a ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto pelo artigo 729°, nº 3, do CPC, em ordem a estabelecer-se que não padecia de epididimite, ou, então, a fixar-se um quesito que permita apurar, na realidade, qual a doença de que sofria, no dia em que entrou no hospital, porquanto o Tribunal não conseguiu fixar qual a exacta doença de que era portador, facto essencial para se poder julgar, em atenção à verdade material, o presente pleito, sendo certo que tudo indica que, na verdade, não padecia de epididimite, pois que nenhuma das análises realizadas permite sustentar a existência, no caso concreto, desta doença.</font>
</p><p><font>Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o STJ entenda que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, ou, finalmente, quando a decisão de facto possa e deva ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3 e 722º, nº 2, do CPC.</font>
</p><p><font>Contudo, não ocorre, na hipótese em apreço, a situação excepcional em que a decisão proferida pela Relação pode ser alterada pelo STJ, pressuposta pelos artigos 729º, nº 2 e 722º, nº 2, do CPC, isto é, um caso de prova vinculada ou legal.</font>
</p><p><font>Dispõe, então, o artigo 729º, nº 3, do CPC, que “o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”.</font>
</p><p><font>A ampliação da base instrutória tem em vista o objectivo de o Tribunal tomar em consideração a relevância para a decisão da causa de todos os factos que possam ter influência, directa ou indirecta, na decisão desta, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, do ponto de vista de uma ou outra das teses em presença, nos termos das disposições combinadas dos </font><a><font>artigos 264º</font></a><font> </font><font>e 511º, nº 1, do CPC.</font><br>
<font>Trata-se de factos controvertidos e pertinentes que o Tribunal, no exercício do poder-dever que lhe compete, tem de incluir na base instrutória, logo que se aperceba da sua importância, de acordo com os factos alegados pelas partes, que integram a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções, sem prejuízo dos factos que não carecem de alegação ou de prova [artigo 514º,do CPC], daqueles que traduzam um uso anormal do processo [artigo 665º, do CPC] e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa, conforme decorre do estipulado pelo artigo 264º, nºs 1 e 2, do CPC.</font><br>
<font>Efectivamente, o artigo 264º, nºs 2 e 3, de acordo com o princípio da aquisição processual, contemplado pelo artigo 515º, 1ª parte, ambos do CPC, permite ainda que o Tribunal funde a sua decisão nos factos essenciais articulados pelas partes, mas, também, nos factos instrumentais relevantes para o desfecho da lide que resultem da instrução e discussão da causa.</font><br>
<font>Ora, a ampliação da base instrutória, quando determinada por iniciativa do Tribunal, surge nesta conjugação de princípios processuais, de modo a abranger os factos essenciais articulados pelas partes e os factos instrumentais.</font>
</p><p><font>Com efeito, o autor entende que o Tribunal deve fixar, tendo em atenção o princípio da verdade material, qual a exacta doença de que padecia, no dia 18 de Agosto de 2002, sendo certo que tudo indica que não sofria de epididimite, pois que nenhuma das análises realizadas permite sustentar a existência desta doença, na hipótese em apreço.</font>
</p><p><font>O autor inquieta-se pelo facto de as instâncias não terem conseguido estabelecer qual a exacta doença de que padecia, no dia 18 de Agosto de 2002, aquando do seu atendimento no Hospital réu, sendo certo que tudo indica, segundo a sua versão, que não sofria de epididimite.</font>
</p><p><font>I. 2. Efectuando uma síntese conclusiva do essencial relevante que ficou demonstrado, neste particular, importa reter que, no dia 18 de Agosto de 2002, por volta das 8,30 horas, o autor dirigiu-se ao réu “Hospital ......”, por ter sentido, durante a noite, fortes dores e inchaço no testículo esquerdo e vómitos, tendo nele sido atendido, cerca das 9 horas, pelo médico, Dr. BB, ora réu, que determinou, para a situação vertente, a realização de uma análise à urina.</font>
</p><p><font>Porquanto os resultados da análise à urina não indicavam qualquer infecção, o réu médico pôs em dúvida a sua correcção, mas sem determinar a repetição da mesma, para melhor ajuizar a situação, diagnosticou ao autor uma epididimite, que considerou de tratamento fácil e sem problemas de maior, e decidiu medicá-lo com Spidifer 600 mg e Loxina, apenas com base no diagnóstico fundamentado, na apalpação e na observação sumária, directa e presencial do doente, dizendo-lhe ainda que, na hipótese de não se verificarem melhoras, a manter-se o quadro clínico que trouxera ao Hospital réu, deveria recorrer a um urologista.</font>
</p><p><font>Perante a persistência dos sintomas, o autor viu-se obrigado a consultar um urologista, no dia 22 de Agosto seguinte, que ordenou a realização imediata de exames, designadamente, um ecodoppler escrotal, do qual resultou que “o testículo esquerdo se apresentava aumentado de volume, hiporreflector, heterogéneo, com zonas de diferentes sensibilidades acústicas, predominantemente sólidas, embora sendo possível individualizar algumas imagens lacunares traduzindo provável processo evolutivo isquémico”, mas não a falta de irrigação sanguínea do testículo esquerdo, vindo a ser operado, no Hospital Particular de Lisboa, no dia 26 de Agosto imediato.</font>
</p><p><font>Foi-lhe, então, aplicado um implante testicular, sofrendo perda irreversível do testículo esquerdo, no que ao seu normal funcionamento respeita.</font>
</p><p><font>Perante um eventual diagnóstico de torção testicular, se viesse a concretizar-se, mas que não aconteceu, seria obrigatória uma intervenção médica cirúrgica, nas 6 a 8 horas seguintes ao início dos sintomas da doença, como forma de evitar a perda irreversível do normal funcionamento do testículo esquerdo.</font>
</p><p><font>Porém, a epididimite que lhe foi avaliada pelo réu médico é uma possibilidade diagnóstica, face aos sintomas referidos pelo autor, podendo provocar trombose dos vasos espermáticos que degeneram em necrose isquémica.</font>
</p><p><font>Por seu turno, não de demonstrou, conforme foi alegado pelo autor, que “o diagnóstico e a leitura das análises e do exame clínico efectuado pelo réu médico no réu Hospital implicaram uma percepção da situação, um conhecimento da doença e um tratamento médico e medicamentoso errados” e que tal “teve como consequência directa e necessária a posterior perda do testículo”, bem assim como que “o autor, em 18 e Agosto de 2002, sofria de necrose isquémica testicular compatível com o status clínico de torção testicular”, “susceptível de ser diagnosticada nesse dia” e que “obrigasse a uma intervenção médica adequada nas 8 horas seguintes ao início da despistagem da doença”.</font>
</p><p><font>A isto acresce que se provou que, no dia 18 de Agosto de 2002, o serviço de urgência do “Hospital ......” não possuía a especialidade de urologia, nele não funcionando, igualmente, o serviço de ecografia.</font>
</p><p><font>I. 3. Face ao quadro factual da situação em apreço, impõe-se registar que o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica com implante testicular e extracção do testículo esquerdo, quase dez dias após a inicial sintomatologia da epididimite, que definira a patologia de que o mesmo padecia aquando do seu atendimento hospitalar.</font><br>
<font>Porém, o autor defende, como já se disse, que deveria estabelecer-se que não padecia de epididimite, ou, então, qual a doença de que sofria, no dia em que entrou no Hospital.</font><br>
<font>Ora, não ficou provado que “o autor, em 18 e Agosto de 2002, sofria de necrose isquémica testicular compatível com o status clínico de torção testicular”, “susceptível de ser diagnosticada nesse dia” e que “obrigasse a uma intervenção médica adequada nas 8 horas seguintes ao início da despistagem da doença”, sendo certo, outrossim, que a epididimite que lhe foi avaliada pelo réu médico é uma possibilidade diagnóstica, face aos sintomas referidos pelo autor, podendo provocar trombose dos vasos espermáticos que degeneram em necrose isquémica, e que só perante o eventual diagnóstico de torção testicular, se viesse a concretizar-se, o que não aconteceu, seria obrigatór | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vDKKu4YBgYBz1XKvYBib | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font>Por sentença proferida no Tribunal Judicial de Santarém foi o R. </font><b><font>AA</font></b><font> condenado “</font><i><font>a pagar à Autora BB – Produtos Farmacêuticos, S.A. a quantia de € 448.290,64 (quatrocentos e quarenta e oito mil duzentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos) acrescidos de juros vencidos e vincendos contados desde as datas de vencimento das facturas até integral pagamento, às sucessivas taxas legais para juros comerciais</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Na mesma sentença foi ainda julgada</font><i><font> “a reconvenção totalmente improcedente por não provada e, em consequência absolve-se a Autora/Reconvinda BB – Produtos Farmacêuticos, S.A. do pedido reconvencional deduzido pelo Réu/Reconvinte AA</font></i><font>”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. AA de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 3-12-2015, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>1ª- Encontra-se em causa na presente Revista haver o Acórdão recorrido considerado que o Recorrente deveria ter dado cumprimento ao estabelecido na al. b) do nº 2 do art° 640° CPC nas conclusões e que não deu;</font>
</p><p><font>2ª- Salvo o devido respeito por opinião contrária, o art. 640° CPC não impõe que nas conclusões da minuta do recurso que impugne a matéria de facto figurem os concretos meios probatórios como referido na al. b) do nº 2 do art° 640° CPC;</font>
</p><p><font>3ª- O que esta disposição impõe é que o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, especifique "os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impunham decisão (...) diversa da recorrida";</font>
</p><p><font>4ª- Nesta não se indica em que local das alegações de recurso deve a indicação desses concretos meios probatórios constar: se nas conclusões, se na alegação; </font>
</p><p><font>5ª- O único preceito do CPC que regula o formalismo das "conclusões"— art° 639°- apenas impõe específico ónus quando o recurso verse sobre matéria de direito (art. 639°, nº 2); </font>
</p><p><font>6ª-Tirando o recurso sobre a matéria de direito, ou seja, quando, se impugne a decisão da matéria de facto, devem as conclusões, apenas respeitar o previsto no nº 1 do art. 639° CPC; </font>
</p><p><font>7ª-Assim, a indicação dos concretos meios probatórios, a que se refere a al. b) do n°1 do art. 640° CPC, não tem obrigatoriamente de ser feita nas conclusões da alegação. </font>
</p><p><font>8ª- Deve, isso sim, ser feita na alegação do recurso, como meio de permitir ao Tribunal "ad quem" perceber de forma completa (não sintética) onde se encontra a razão da discordância quanto ao julgamento da matéria de facto, ancorando depois, nas conclusões, os fundamentos referidos de forma sintética, por que pede a alteração ou anulação da decisão. </font>
</p><p><font>9ª- Ao decidir em contrário do atrás expendido, o Tribunal da Relação de Évora violou, no seu acórdão ora recorrido, as normas do nº 1 do art. 639º CPC e do art. 640° CPC, este considerado na sua globalidade. </font>
</p><p><font>10ª- A norma que constitui fundamento jurídico da decisão recorrida, a da al. b) do nº 1 (entende-se a menção do n° 2 como erro de escrita), deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de que, nas conclusões do recurso do Recorrente, não era necessário serem indicados os "concretos meios probatórios", uma vez que a tal não obriga, nem o art. 640° CPC — inaplicável ao formalismo das conclusões de recurso —, nem o nº 1 do art. 639° CPC, que rege o conteúdo necessário das conclusões da minuta de recurso. </font>
</p><p><font>11ª- Não deveria, assim, ter sido rejeitado liminarmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como foi, devendo, antes, ter sido julgado.</font>
</p><p><font>Quando assim não se entenda, acresce ainda que</font>
</p><p><font>12ª- O recorrente, nas conclusões e quanto à indicação dos meios probatórios, utilizou a seguinte expressão: "em virtude dos meios probatórios atrás referidos".</font>
</p><p><font>13ª- Partindo do princípio que as conclusões devem ser uma síntese da alegação, tal expressão, não pode deixar de ser considerada como síntese do "atrás referido" quanto aos meios probatórios no corpo da alegação, ou seja, indicação sintética dos documentos, com indicação das folhas dos autos em que e se encontram e dos depoimentos das testemunhas, os quais foram devidamente individualizados, identificados por referência ao início e fim do registo dos sonoro dos seus depoimentos e com indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso se fundamenta.</font>
</p><p><font>14ª- Na motivação do recurso, elencados a cada um dos pontos de facto que se impugnam e se encontram vertidos nas conclusões, vêm referidos os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida.</font>
</p><p><font>15ª- Deu, assim, o recorrente, cumprimento ao estabelecido nas als. a), b) e c) do nº 1 do art. 640° CPC no corpo da sua alegação, da sua motivação de recurso e, de forma sintética verteu para as conclusões "os concretos pontos de facto que considera(ou) incorrectamente julgados" (al. a)); a "decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões, impugnadas" (al. c)) e referiu, por síntese, que "os concretos meios probatórios (...) que impunham decisão diversa da recorrida" eram os constantes, relativamente a cada um dos "concretos pontos de facto impugnados" indicados no corpo da alegação ("atrás referidos"), bem como a decisão que deveria ter sido proferida.</font>
</p><p><font>16ª- Forçoso é, pois, considerar que, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido, o Recorrente, além de incluir nas conclusões do seu recurso os elementos constantes das als. a) e c) do n° 1 do art. 640° CPC (como o Acórdão recorrido não contesta) ainda fez incluir a referência —por remissão— aos elementos constantes da al. b) do mesmo nº 1, embora a tal não estivesse obrigado.</font>
</p><p><font>17ª- Ao decidir em contrário do atrás expendido, o Tribunal da Relação de Évora violou no seu acórdão ora recorrido, as normas do nº 1 do a 1.° 639° CPC e do art. 640° CPC, na sua globalidade.</font>
</p><p><font>18ª- A norma que constitui fundamento jurídico da decisão recorrida, a da al. b) do nº 1 (entende-se a menção do nº 2 como erro de escrita), deveria ter sido interpretada e aplicada no sentido de que, nas conclusões do recurso do Recorrente, a expressão utilizada "em virtude dos meios probatórios atrás referidos" era o suficiente para preencher o requisito previsto no nº 1 do art. 639° CPC de conclusão de forma sintética de fundamentos.</font>
</p><p><font>19ª- Não deveria, assim, ter sido rejeitado liminarmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como foi, devendo, antes, ter sido julgado. Quando assim não se entenda, acresce ainda que</font>
</p><p><font>20ª- Deveria, então, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> ter convidado o Recorrente a aperfeiçoar a parte das suas conclusões no sentido de melhor especificar o que quis dizer quando referiu "em virtude dos meios probatórios atrás referidos" em cada um dos "concretos pontos de facto que considera(ou) incorrectamente julgados" e devidamente identificados nas conclusões, dado que o nº 3 do art. 639° CPC se aplica indistintamente ao recurso quer verse matéria de direito, quer matéria de facto.</font>
</p><p><font>21ª- É, de resto, corolário do que flui das disposições dos arts. 7º, 6º, n°s 1 e 2 e 411º, do CPC (princípios do poder de direcção do processo pelo juiz e do inquisitório) e art. 3º CPC, nºs 1, 2 e 3 (princípio do contraditório e da proibição da indefesa).</font>
</p><p><font>22ª- Ao decidir em contrário do atrás expendido, o Tribunal da Relação de Évora violou no seu acórdão ora recorrido, as normas do n° 3 do art° 639° CPC, bem assim como, as dos arts. 7º, 6º nºs 1 e 2 e 411º, do CPC 3 art. 3º CPC, nºs 1, 2 e 3.</font>
</p><p><font>23ª- Não deveria, assim, ter sido rejeitado liminarmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como foi, devendo, antes, ter sido convidado o Recorrente a completar ou esclarecer as conclusões quanto a esta matéria, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.</font>
</p><p><font>24ª- Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ora recorrido, por se considerar que o recorrente não estava obrigado a dar cumprimento ao disposto na al. b) do n° 1 do art.° 640° CPC nas conclusões do seu recurso, ou que tinha dado cumprimento de forma sintética, ou ainda, que não deveria ter rejeitado liminarmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, sem antes convidar o Recorrente a completar ou esclarecer as conclusões quanto a esta matéria, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela não admissão do recurso e, caso assim se não entenda, pela confirmação do acórdão recorrido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nº 1 </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 679º C.P.Civil)</font>
</p><p><font>Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font>- Se o tribunal recorrido deveria ter realizado a apreciação da matéria de facto requerida pelo apelante.</font>
</p><p><font>- Se o tribunal recorrido deveria ter convidado o apelante ao aperfeiçoamento das alegações. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font>1. A Autora é uma sociedade que se dedica ao comércio e distribuição de produtos e especialidades farmacêuticas e, ainda, de acessórios de farmácia, drogaria e perfumaria. </font>
</p><p><font>2. O Réu é proprietário do estabelecimento de farmácia denominado “Farmácia CC” instalado na Rua …, em Abrantes. </font>
</p><p><font>3. Autora e Réu mantiveram, ao longo de vários anos e até Maio de 2012, relações comerciais de fornecedor/cliente, para fornecimento de medicamentos e outros produtos e mercadorias necessários ao giro comercial da Farmácia CC. </font>
</p><p><font>4. A Autora sucedeu nas relações comerciais com o Réu, à sociedade DD – Distribuição de Produtos Químicos e Farmacêuticos Lda. </font>
</p><p><font>5. Seguindo a prática normal do sector, as mercadorias era diariamente encomendadas pelo Director Técnico da Farmácia, ou por colaboradores ao serviço desta, via telefone ou via </font><i><font>modem</font></i><font>. </font>
</p><p><font>6. E cada encomenda era entregue pela Autora nas instalações da Farmácia acompanhada da respectiva factura, que continha a discriminação da natureza, quantidades e preços das mercadorias fornecidas. </font>
</p><p><font>7. Também de acordo com os usos comerciais, o pagamento das mercadorias adquiridas para a Farmácia não era feito factura a factura, mas sim com referência a um período de funcionamento correspondente a cada mês do calendário gregoriano.</font>
</p><p><font>8. Para o efeito, a Autora emitia e enviava para a Farmácia, mensalmente, no último dia de cada mês, resumos de facturas discriminativos das facturas relativas aos fornecimentos feitos à Farmácia no mês em causa. </font>
</p><p><font>9. Ocorrendo devolução de mercadorias que devessem ser creditadas à Farmácia, os resumos de facturas continham, ainda, devidamente identificadas e creditadas, as notas de crédito emitidas nesse mês pela Autora a favor do Réu. </font>
</p><p><font>10. O preço dos medicamentos e restantes mercadorias vendidas pela Autora em cada período de funcionamento (em cada mês), deduzido das notas de crédito que porventura tivessem sido emitidas nesse mês, era pago a crédito, conjuntamente, no prazo definido no correspondente resumo de facturas. </font>
</p><p><font>11. Esta é a prática utilizada nas transacções entre distribuidoras farmacêuticas e os seus clientes (farmácias), sendo certo que era usada, há longo tempo, entre a Autora e o Réu quanto à Farmácia CC, nunca tendo o Réu reclamado deste procedimento e sempre se conformando com este modo de tratar contabilisticamente a informação relativa aos fornecimentos. </font>
</p><p><font>12. Os resumos de facturas contêm todos os elementos necessários à identificação das facturas que acompanham a encomenda, designadamente os respectivos números e datas. </font>
</p><p><font>13. No exercício da sua actividade, a Autora, vendeu ao Réu, nos meses de Outubro a Dezembro de 2011 e entre Janeiro e Maio de 2012, diversos produtos e especialidades farmacêuticas, acessórios de farmácia, drogaria e perfumaria, para serem comercializados na Farmácia CC, no valor total de € 487.552,91.</font>
</p><p><font>14. O qual foi titulado pelos resumos de facturas nºs RES…915, RES…619, RES…479, RES…537, RES…153, RES…895, RES…395 e RES…935. </font>
</p><p><font>15. Tais resumos de facturas venceram-se, respectivamente, em 13/04/2012, 13/05/2012, 13/06/2012, 14/07/2012, 12/08/2012, 12/09/2012, 12/10/2012 e 12/11/2012. </font>
</p><p><font>16. Desde a data do vencimento dos resumos de facturas em causa, o Réu apenas procedeu ao pagamento da quantia de €38.000,00 correspondente a parte do valor do Resumo de Facturas RES…915, vencido em 13/04/2012, do qual continua, por isso, por liquidar a quantia de €39.770,59. </font>
</p><p><font>17. Os restantes resumos de facturas não foram pagos até à presente data. </font>
</p><p><font>18. Por força de recolha de medicamentos efectuados pela Autora a pedido do Réu, aquela procedeu à emissão de notas de crédito a favor do Réu, correspondentes ao valor das mercadorias que os respectivos laboratórios aceitaram creditar à Farmácia CC, as quais foram remetidas a esta e totalizam o montante de € 1.262,27. </font>
</p><p><font>19. O Réu/Reconvinte era cliente da Autora/Reconvinda, com um prazo de pagamento de 165 dias da data do resumo de facturas mensal. </font>
</p><p><font>20. É prática comercial no sector, distribuidores e farmácias acordarem na concessão de descontos comerciais e condições de pagamentos, para além da margem legal de comercialização. </font>
</p><p><font>21. Devido ao prazo de pagamento a 165 dias que o Réu usufruía, a Autora nunca lhe concedeu quaisquer descontos comerciais, para além da sua margem legal de comercialização; situação que o Réu tinha conhecimento e que ao longo dos anos aceitou </font>
</p><p><font>22. O réu adquiriu à Autora desde 01/01/1999 a 31/05/2012 a quantia de € 9.039.165,51 em medicamentos. ----------------------</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2-2- Como ponto prévio referiremos que, pese embora tenha existido a chamada dupla conforme (a decisão de 1ª instância foi confirmada pela Relação sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente) e que, por isso, não seria admissível a revista (art. 671º nº 3 do C.P.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), o certo é que a questão da não reapreciação da matéria de facto pela Relação suscitada no presente recurso, constitui tema novo (a questão foi somente submetida a apreciação na Relação), pelo que a revista será, quanto a ele, possível.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O recorrente insurge-se pela não reapreciação da matéria de facto pela Relação já que o art. 640° não impõe que nas conclusões da minuta do recurso que impugne a matéria de facto figurem os concretos meios probatórios. O que a al. b) do nº 2 do art. 640° impõe é que o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, especifique "os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo da gravação nele realizada, que impunham decisão (...) diversa da recorrida". Nesta não se indica em que local das alegações de recurso deve a indicação desses concretos meios probatórios constar, se nas conclusões, se na alegação. O único preceito do C.P.Civil que regula o formalismo das "conclusões” (o art. 639°) apenas impõe específico ónus quando o recurso verse sobre matéria de direito (art. 639° nº 2). Tirando o recurso sobre a matéria de direito, ou seja, quando, se impugne a decisão da matéria de facto, devem as conclusões, apenas respeitar o previsto no nº 1 do art. 639°. Assim, a indicação dos concretos meios probatórios, a que se refere a al. b) do n°1 do art. 640°, não tem obrigatoriamente de ser feita nas conclusões da alegação. Deve, isso sim, ser feita na alegação do recurso, como meio de permitir ao Tribunal "</font><i><font>ad quem</font></i><font>" perceber de forma completa (não sintética) onde se encontra a razão da discordância quanto ao julgamento da matéria de facto, ancorando depois, nas conclusões, os fundamentos referidos de forma sintética, por que pede a alteração ou anulação da decisão. Ao decidir em contrário, o Tribunal da Relação de Évora violou, no seu acórdão ora recorrido, as normas do nº 1 do art. 639º e do art. 640°, este considerado na sua globalidade. Não deveria, assim, ter sido rejeitado liminarmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como foi, devendo, antes, ter sido julgado.</font>
</p><p><font>Mesmo que assim não se entenda, o recorrente, nas conclusões e quanto à indicação dos meios probatórios, utilizou a seguinte expressão: "em virtude dos meios probatórios atrás referidos", partindo do princípio que as conclusões devem ser uma síntese da alegação, tal expressão, não pode deixar de ser considerada como síntese do "atrás referido" quanto aos meios probatórios no corpo da alegação, ou seja, indicação sintética dos documentos, com indicação das folhas dos autos em que se encontram e dos depoimentos das testemunhas, que foram devidamente individualizados, identificados por referência ao início e fim do registo dos sonoro dos seus depoimentos e com indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso se fundamenta. Na motivação do recurso, elencados a cada um dos pontos de facto que se impugnam e se encontram vertidos nas conclusões, vêm referidos os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida. Deu, assim, o recorrente, cumprimento ao estabelecido nas als. a), b) e c) do nº 1 do art. 640° no corpo da sua alegação, da sua motivação de recurso e, de forma sintética verteu para as conclusões "os concretos pontos de facto que considera(ou) incorrectamente julgados" (al. a)); a "decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões, impugnadas" (al. c)) e referiu, por síntese, que "os concretos meios probatórios (...) que impunham decisão diversa da recorrida" eram os constantes, relativamente a cada um dos "concretos pontos de facto impugnados" indicados no corpo da alegação ("atrás referidos"), bem como a decisão que deveria ter sido proferida. Forçoso é, pois, considerar que, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, o recorrente, além de incluir nas conclusões do seu recurso os elementos constantes das als. a) e c) do nº 1 do art. 640° (como o acórdão recorrido não contesta) ainda fez incluir a referência —por remissão— aos elementos constantes da al. b) do mesmo nº 1, embora a tal não estivesse obrigado. Ao decidir em contrário, o Tribunal da Relação de Évora violou no seu acórdão ora recorrido, as normas do nº 1 do art. 639°e do art. 640° na sua globalidade. Não deveria, assim, ter sido rejeitado liminarmente o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como foi, devendo, antes, ter sido julgado. </font>
</p><p><font>Isto é, o recorrente sustenta que não tinha a obrigação de levar às conclusões de recurso, quanto à impugnação da matéria de facto, a indicação dos concretos meios probatórios a que se refere a al. b) do n°1 do art. 640°, sendo certo, porém, que fez essa referência no corpo da suas alegações. Não existia, assim, motivo para a rejeição liminar do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, como fez o tribunal recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre a questão no douto acórdão recorrido, para além do mais, afirmou-se que “</font><i><font>o recorrente não especificou, nas conclusões, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada, que, na sua ótica, impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto que impugnou. Limitou-se a fazer referência aos diferentes tipos de desconto e à interpretação que considera correta dos mesmos, de modo a ver sufragada a sua pretensão – conclusões 1ª a 11ª – que considera provada “em virtude dos meios probatórios atrás referidos”. O novo CPC veio, aliás, manter em termos praticamente idênticos todos os ónus anteriormente existentes, aditando ainda o de o recorrente dever especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento. Ora, esta posição recente do legislador «evidencia a desconformidade relativamente à lei, quer no seu elemento literal, quer no sistemático, quer no histórico-actualista, de interpretações complacentes e facilitistas, que por vezes se vêem, que degeneram em violação do princípio da igualdade das partes (ao não tratar diferentemente o cumprimento ostensivamente defeituoso da lei adjectiva), do princípio do contraditório (por impor à parte contrária um esforço excessivo e não previsto na tarefa de defesa, imputável ao transgressor) e do princípio da colaboração com o tribunal (por razões análogas, mas reportadas ao julgador)». A inobservância, por parte do recorrente, do que lhe é imposto pela alínea b) do n º 2 do art. 640º do CPC determina assim a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto</font></i><font>”. Perante a inalterabilidade dos factos assentes em 1ª instância, considerou-se que a sentença recorrida não era passível de qualquer censura e que, por isso, o recurso era improcedente.</font>
</p><p><font>Ou seja, de essencial, o acórdão recorrido rejeitou a possibilidade de reapreciação da matéria de facto impugnada pelo recorrente, em razão de este não ter especificado, nas conclusões, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada que, na seu prisma, impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto que havia impugnado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos:</font>
</p><p><font>Os poderes do S.T.J. em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Assim, o Supremo só poderá proceder a essa análise/modificação nas limitadas hipóteses contidas nos arts. 674º nº 3, 682º nº 2º e 3, isto é, quando a decisão das instâncias vá contra disposição expressa da lei que exija certa prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada), quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, ou quando ocorrem contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Por outras palavras, o S.T.J. só poderá conhecer do juízo da prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa. Em relação a este entendimento parece não existirem quaisquer dúvidas, constituindo tal jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal (entre outros, vide Acórdão do STJ 18-9-2003, Proc 03 B2227ITIJ/Net). Para além disso, o S.T.J. só poderá ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos referidos, ou anular a decisão relativa à matéria de facto por contradição (art. 682º nº 3 do mesmo diploma). De resto, como decorre do disposto no art. 662º nº 4, das decisões da Relação sobre a matéria de facto, não é admissível o recurso para o S.T.J. Trata-se, no essencial, de consagrar o princípio de que a competência jurisdicional do Supremo Tribunal, se limita à apreciação da matéria de direito, como decorre do art. 46º da Lei 62/2013 de 26/8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) segundo o qual “</font><i><font>fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito</font></i><font>”. Neste mesmo sentido refere Amâncio Ferreira (</font><i><font>in </font></i><font>Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 233)</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font> que “</font><i><font>presentemente, também o STJ não pode, a solicitação da parte interessada, exercer censura sobre o uso dos poderes por parte da Relação no que concerne ao julgamento da matéria de facto do tribunal de 1ª instância</font></i><font>.</font><i><font> E isto por a decisão da Relação que implemente tais poderes ser hoje insusceptível de recurso (nº 6 do art. 712º, aditado pelo DL nº 375-A/99 de 20 de Setembro)</font></i><font>”. Em síntese, é às instâncias que compete a fixação da matéria de facto, cabendo ao Supremo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 682º nº 1).</font>
</p><p><font>Porém, a objecção do recorrente não tem em mente, propriamente, uma apreciação/alteração da matéria de facto por parte deste Supremo. O seu inconformismo vai no sentido de censurar a Relação por não ter usado os seus poderes de alteração/modificação da matéria de facto, já que defendeu que não procedeu à reapreciação das provas em que assentou a decisão impugnada, por o recorrente não ter especificado, nas conclusões, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação realizada que, na seu prisma, impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto que havia impugnado. Isto é, pretende o recorrente que o Supremo sindique o correcto ou incorrecto poderes da Relação no tocante aos poderes de alteração/modificação que lhe são conferidos pelo art. 662º. Solicita, no fundo, que este Supremo avalie se a Relação ao não efectuar a dita reapreciação, se conformou, ou não, com a lei e, assim sendo, a avaliação sobre o assunto a realizar será de direito, para o que o STJ tem competência (art. 674º nº 1 al. b)). Em relação a este aspecto refere Alberto Reis (</font><i><font>in </font></i><font>Código Anotado V, pág. 474) que uma coisa é a apreciação das provas por parte da Relação e outra será a de saber se esta fez uso legal do art. 712º (hoje art. 662º), acrescentado que aquela é uma questão de facto, com a qual o Supremo nada tem a ver, sendo esta uma questão de direito, em relação à qual é legítima a censura por parte do Supremo como tribunal de revista.</font>
</p><p><font>O DL nº 39/95, de 15.2 introduziu profundas alterações no nosso ordenamento jurídico ao prever a possibilidade do registo das audiências finais e da prova produzida, concretizando, deste modo, aos interessados o exercício de um completo controlo sob a prova produzida, possibilitando-lhe o recurso a um verdadeiro e duplo grau de jurisdição, já que lhes facultava uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito. No próprio preâmbulo do diploma se aludiu ao duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, dizendo-se, designadamente que “</font><i><font>a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil</font></i><font>” e mais adiante “</font><i><font>a consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação</font></i><font> …”</font>
</p><p><font>Com vista à concretização do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto impôs-se a gravação e registo de prova, abrindo-se assim o recurso amplo sobre a matéria de facto.</font>
</p><p><font>Esta possibilidade foi reforçada com a publicação posteriormente pelo Dec-Leis 329 A/95 de 12/12, 180/86 de 25/9 e 183/2000 de 10/8. Para a prossecução deste desiderato o legislador aditou ao Código de Processo Civil um conjunto de normas relativas ao registo dos depoimentos, designadamente o disposto nos arts. 512º nº 1, 522º A, 552º B e 522º C e 690º A do antigo C.P.Civil.</font>
</p><p><font>Nos termos do art. 662º nº1 do actual Código, a Relação “</font><i><font>deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos com assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Segundo cremos, o legislador ao exprimir-se deste modo e ao dar à Relação as prorrogativas definidas nas alíneas do nº 2 do mesmo art. 662º, pretendeu que o tribunal de 2ª instância fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto. Deve-se, assim, repudiar a posição segundo a qual a actividade da Relação deverá circunscrever-se a um mero controlo formal da motivação efectuada em 1ª instância, procedendo à detecção e correcção de pontuais e excepcionais erros de julgamento, ou a orientação de que o tribunal da 2ª instância não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.</font>
</p><p><font>Como refere Amâncio Ferreira</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font> “…</font><i><font>por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª inst | [0 0 0 ... 0 0 1] |
vDKSu4YBgYBz1XKvARyo | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. – Relatório</font></b><font>.</font>
</p><p><font>AA e BB, casados, intentaram acção declarativa contra CC, pedindo que o réu seja condenado a reconhecer os autores como titulares do direito de propriedade sobre o imóvel descrito no artigo 1.º da petição, a restituir o imóvel livre de pessoas e bens, a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem que os autores gozem de modo pleno e exclusivo as faculdades inerentes ao seu direito de propriedade, a reconstituir a situação existente em momento anterior à sua acção sobre o dito imóvel repondo a vedação, com as dimensões e materiais que a compunham e as terras aí existentes e a restituir aos autores a quantia correspondente à vantagem patrimonial obtida com a intromissão no bem daqueles, importância que ascende, até ao momento, na quantia de € 28.000,00.</font>
</p><p><font>Para pedido que formulam, alegam, em síntese, que são proprietários de um prédio rústico, denominado “...”, sito no lugar de ... ou Monte ..., freguesia de ..., ... e que o réu vem usando, desde algum tempo a esta parte, sem título que o legitime, parcela considerável desse prédio, estabelecendo, na parte por ele apossada, um estaleiro de construção civil, contra a vontade dos autores. </font>
</p><p><font>Procederam à interpelação do réu, por diversas vezes e formas, para restituir o prédio apossado e bem assim reconstruir a vedação e reparar o muro danificado, tendo-se o ré recusado a efectuar qualquer das impetrações formuladas. </font>
</p><p><font>Contestou o réu alegando que acordou com os autores em permutar parte de terrenos de que ambos eram proprietários, tendo os autores recebido do prédio do réu uma parcela de terreno com a área de cerca de 1209,50 metros quadrados e o réu do prédio dos autores uma parcela com a área de 862,560 m2. Ambas as partes, na sequência do acordo, delimitaram os prédios com marcos e com uma vedação constituída por rede de arame. Desde então, exerce a posse sobre a parcela de terreno na convicção de que é o proprietário do mesmo. </font>
</p><p><font>Acrescenta que, desde o momento em que tomou posse do terreno procedeu à sua limpeza, ao corte de árvores aí existentes, à regularização do pavimento, com recurso a máquinas retroescavadoras, à colocação de gravilha no pavimento, ao aparcamento de viaturas, à construção de u murete na parte em que este terreno confina com a via pública, à construção da vedação junto da via pública, à colocação de um portão para acesso ao mesmo, à colocação, no muro, de contadores da água e da luz, à ampliação dos materiais que necessita para o exercício da sua actividade de construtor civil, trabalhos que os autores presenciaram, sem nunca se oporem à sua realização. </font>
</p><p><font>Na réplica que opuseram à contestação dos réus, os autores referem que entabularam negociações com vista à venda do prédio, tendo posteriormente avançado com a possibilidade de permuta de parte do prédio, sem que, contudo, tais negócios viessem a ser celebrados. Ainda que se entenda que tal acordo de permuta foi celebrado, o mesmo é nulo por não obedecer à forma exigida por lei. </font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença – cfr. fls. 121 a 140 – em que foi decidido julgar a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos formulados.</font>
</p><p><font>Em dissídio com o julgado, interpuseram s demandantes recurso de apelação, que por acórdão datado de 12-06-2014, decidiu manter o julgado da primeira instância.</font>
</p><p><font>Formada dupla conforme, impulsaram recurso de revista excepcional, que, por douto acórdão da comissão de apreciação preliminar, datado de 13 de Janeiro de 2015 – cfr. fls. 360 a 363 – foi decidido admitir o requestado recurso, com o fundamente em que se verificava uma contradição, sobre a mesma questão (fundamental) de direito, entre o decidido no acórdão recorrido e um acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 2002. </font>
</p><p><font>Admitida a revista, consta do recurso, o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.</font>
</p><p><b><font>I.A. – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“i</font><i><font>- A admissibilidade da presente revista excepcional tem por fundamento a circunstância de o acórdão recorrido estar em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito; </font></i>
</p><p><i><font>ii- </font></i><i><u><font>No acórdão-fundamento</font></u></i><b><i><u><font> </font></u></i></b><i><u><font>apreciaram-se as seguintes questões</font></u></i><i><font>: "a primeira, se existe abuso de " direito no exercício filiado na nulidade do contrato de compra e venda em causa, por inobservância da forma legal; a segunda, se o abuso de direito justifica (ou não) a validade do contrato de compra e venda em causa, apesar da falta de forma legal, a escritura pública; a terceira, consequências da declaração da nulidade do contrato de compra e venda em causa". </font></i>
</p><p><i><font>iii- Nesse Aresto conclui-se que "o abuso de direito não justifica que se considere válido (subsistente e eficaz) um contrato de compra e venda de bem imobiliário não formalizado por escritura pública"</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>(sublinhado nosso), razão pela qual "o acórdão recorrido não poderá ser mantido ( .. .)" . </font></i>
</p><p><i><font>iv.- </font></i><i><u><font>No acórdão recorrido</font></u></i><b><i><u><font> </font></u></i></b><i><u><font>apreciou-se a questão de saber se</font></u></i><i><font> "não pode ser considerada a figura do abuso de direito no caso da nulidade derivar da falta de forma legar.” </font></i>
</p><p><i><font>v.- Colocada a questão, é desde logo afirmado no Aresto que "é hoje praticamente pacifica a possibilidade de se afastarem os efeitos decorrentes da nulidade por vício de forma através do instituto do abuso de direito"; </font></i>
</p><p><i><font>vi- Descendo ao caso concreto, e considerando ser "razoável admitir que ao actuar como actuaram, os autores criaram no réu a legítima convicção e a confiança de que jamais iriam invocar a nulidade do contrato por falta de forma, para se eximir ao cumprimento da sua parte no contrato e, até, reivindicar a devolução da parte já entregue", entende o Tribunal «a quo» que resulta evidente que "invocar, agora, a nulidade do contrato de permuta, por falta de forma legal, é um evidente abuso de direito, traduzido num venire contra factum proprium e numa injustiça clara que este instituto pretende prevenir. Sendo assim, conclui, e porque as consequências do abuso de direito reflectem-se na paralisação do direito, terá a pretensão dos autores improceder', decidindo, em conformidade, "julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida"; </font></i>
</p><p><i><font>vii.- A questão fundamental de direito tratada num e noutro Acórdãos, e que se demonstrou essencial para determinar o resultado numa e noutra decisões ali proferidas, consistiu em saber se o instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334.º, do Código Civil, é susceptível de paralisar os efeitos produzidos pela nulidade decorrente da inobservância de forma prevista para os negócios translativos do direito de propriedade sobre imóveis, concluindo pela negativa o acórdão-fundamento e pela positiva, como sabido, o acórdão ora recorrido, o que consubstancia uma oposição directa (e não apenas implícita ou pressuposta) entre os dois acórdãos, pondo " em perigo, pela falta de uniformidade jurisprudencial em que se traduzem as decisões, a certeza na aplicação do direito; </font></i>
</p><p><i><font>viii.- A oposição entre os Acórdãos verificou-se à luz de um quadro normativo substancialmente idêntico, conformado, essencialmente, pelos artigos 220.º, 289.º, 334.º, 875.º (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho) e 939.º, do Código Civil, e 80.º (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho) do Código do Notariado; </font></i>
</p><p><i><font>ix.- Entendem os recorrentes que a interpretação conforme ao Direito constituído, i.e., das normas legais à luz das quais deve ser decidido o caso concreto, é aquela da qual se conclui que o instituto do abuso de direito é insusceptível de paralisar os efeitos decorrentes da nulidade, consubstanciada na inobservância da forma legal prescrita, de um negócio translativo do direito de propriedade sobre imóvel, pelo, nesse sentido, é evidente a sua adesão à posição que é sustentada no acórdão-fundamento; </font></i>
</p><p><i><font>x.- Outra interpretação não consente o disposto nos artigos 220.º, 286.º, 289.º, 875.º e 939.º do Código Civil; </font></i>
</p><p><i><font>xi.- Se os efeitos decorrentes da nulidade consubstanciada na inobservância da forma na celebração de negócios jurídicos translativos do direito de propriedade sobre imóveis pudessem ser paralisados por efeito do instituto do abuso de direito, tal significaria um convite à inobservância da forma legal, certo que bastaria o decorrer de um certo, e quiçá curto, lapso de tempo para que a transmissão de propriedade, embora inválida na sua génese, não mais pudesse ser posta em causa, uma vez que a invocação da nulidade, ou a reivindicação da propriedade corresponderia sempre, ou quase sempre, a um abuso de direito. i.e., qual seria o força do imperativo contido na norma legal, que obriga(va) à celebração por escritura pública de negócios que tivessem por objecto a propriedade de bens imóveis, se, embora correndo o risco de o mesmo ser declarado nulo, mas poupando, no caminho, custos consideráveis (que decorreriam da formalização do negócio), iguais efeitos se poderão obter, a jusante, por via directa da boa fé; </font></i>
</p><p><i><font>xii.- As razões que fundamentam aquele conjunto de normas, designadamente, os interesses públicos que as pelas mesmas se visam defender, estão num plano de tal modo elevado que o legislador consente aos próprios "autores" do vício, aqueles que conscientemente não observaram a forma prescrita, a invocação da nulidade daí decorrente - cfr., artigo 286.º°. Ademais, precavendo a hipótese de não ser exercida, por qualquer motivo (inconveniência, desconhecimento,..), pelas pessoas legitimadas, estabeleceu ainda o legislador que a mesma pode ser conhecida, de ofício, pelo tribunal. </font></i>
</p><p><i><font>xiii.- Todas estas circunstâncias dão ao intérprete indícios seguros de que a nulidade, ou a produção seus efeitos, decorrente da não observância da forma legalmente prescrita não podem ser paralisados pelo instituto da boa-fé; </font></i>
</p><p><i><font>xiv.- A posição sustentada pelo acórdão recorrido não encontra nos textos legais em que se apoia o mínimo de correspondência, pelo que é ilegítima semelhante interpretação; </font></i>
</p><p><i><font>xv.- É inexistente no processo a alegação de que o réu, aqui recorrido, confiou que os Autores jamais, invocariam a nulidade do contrato celebrado (vide, articulados apresentados); ademais, o referido "facto" não consta do elenco dos factos provados; por fim, dos factos julgados provados não é possível inferir-se tal realidade; </font></i>
</p><p><i><font>xvi.- O acordo de permuta deveria ter sido julgado nulo e, em consequência, ser determinado, ao abrigo do disposto no artigo 289.º, a restituição de tudo quanto houvesse sido prestado por seu efeito; xvii.- Ao decidir como decidiu violou, pois, o Tribunal «a quo» o disposto nos artigos 9.º, n.º 2, 220.º, 286.º, 289.º, 334.º, 875.º e 939.º do Código Civil, e 80.º, n.º1, do Código do Notariado, com a redacção anterior ao Decreto-lei n.º 116/2008, de 4 de Julho</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Os recorridos não contra-alegaram.</font>
</p><p><b><font>I.B. – Questões a merecer apreciação</font></b><font>.</font>
</p><p><font>A única questão posta em tela de juízo para apreciação no recurso, prende-se com saber “</font><i><font>se não pode ser considerada a figura do abuso de direito no caso da nulidade derivar de falta de forma legal</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Para apreciação do recurso, tem-se por adquirida a factualidade que seguir queda extractada. </font>
</p><p><i><font>“1.- No lugar de ... ou Monte ..., freguesia de ..., concelho de ..., existe um prédio rústico que confronta do Norte com os demandantes, do Sul e Poente com caminho público, e do Nascente com DD, inscrito na matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ….</font></i>
</p><p><i><font>2.- Teor da escritura pública de compra e venda junta aos autos como documento n.º 3, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>3.- Os autores registaram o prédio identificado em 1. em seu nome no dia 21-04-1994.</font></i>
</p><p><i><font>4.- O réu ocupa e usufrui parte do prédio identificado em 1.</font></i>
</p><p><i><font>5.- Desde o momento em que tomou posse do terreno identificado em 4, o réu procedeu à sua limpeza do mato e plantas que aí crescem, ao corte de árvores aí existentes, à regularização do pavimento com o recurso a máquinas retroescavadoras, à colocação de gravilha no pavimento, ao aparcamento de viatura, à construção de um murete na parte em que este terreno confina com a via pública, à construção da vedação junto da via pública, à colocação de um portão para acesso ao mesmo, à colocação no muro de contadores da água e da luz, à ampliação de um anexo já aí existente, e ao armazenamento dos materiais que necessita para o exercício da sua actividade de construtor civil.</font></i>
</p><p><i><font>6.- O réu ocupa o prédio referido em 4. desde Janeiro de 2007.</font></i>
</p><p><i><font>7.- Há mais de 40 anos que os autores, por si e seus antecessores, plantam árvores, cortam a lenha, plantam e colhem alface, plantam e colhem cebolas, plantam e colhem tomates, plantam e colhem cenouras, plantam e colhem feijão, cortam e aproveitam a erva, as silvas e o mato que nasce espontaneamente no prédio identificado em 1., com excepção da parte ocupada pelo réu desde Janeiro de 2007.</font></i>
</p><p><i><font>8.- … de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, e na convicção de que são os únicos proprietários do prédio identificado em 1. com excepção da parte da parcela ocupada pelo réu desde Janeiro de 2007.</font></i>
</p><p><i><font>9.- Em 2010 o réu foi interpelado pelos autores para restituir a parte do prédio que ocupa, o que aquele não fez.</font></i>
</p><p><i><font>10.- No ano de 2006, autores e réu acordaram em redefinir a configuração dos prédios de que eram e são proprietários e que confinavam entre si.</font></i>
</p><p><i><font>11.- Nos termos desse acordo, autores e réu acordaram em permutar parte do terreno que constituía esses seus prédios primitivos.</font></i>
</p><p><i><font>12.- Na sequência desse acordo, os autores receberam do primitivo prédio do réu uma parcela de terreno com a área de cerca de 1209,50 m2, e o réu recebeu do prédio identificado em 1. a área de cerca de 862,50m2.</font></i>
</p><p><i><font>13.- Na sequência desse acordo, autores e réu concordaram igualmente em delimitar os seus prédios, por força da permuta de terrenos supra identificada, com marcos e com uma vedação constituída por rede de arame ou malha-sol.</font></i>
</p><p><i><font>14.- O trato de terreno a que se alude em 4. tem a área de 862,50m2.</font></i>
</p><p><i><font>15.- O acordo de permuta supra referido foi vertido num documento e assinado pelo punho dos autores e do réu.</font></i>
</p><p><i><font>16.- Após a celebração desse acordo, os autores estiveram presentes e participaram na colocação dos marcos divisórios e aceitaram a vedação colocada pelo réu.</font></i>
</p><p><i><font>17.- Desde Janeiro de 2007 que o réu, por si e seus antecessores, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, exerce a sua posse sobre a parcela de terreno identificada em 4. e que antes do dito acordo integrava o prédio identificado em 1, na convicção de que é o proprietário desse terreno.”</font></i>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Negócio jurídico. Forma. Nulidade. Abuso de Direito</font></b><font>. </font>
</p><p><font>A questão que justificou a admissão da revista excepcional prende-se com a divergência constatada na jurisprudência quanto a uma questão fundamental de direito, a saber se o exercício abusivo de um direito, consubstanciado na invocabilidade, ou alegabilidade, de um vício de forma – omissão de uma formalidade que a lei prescreve para a realização de um contrato de permuta (escritura pública) – pode paralisar a nulidade do contrato – tese defendida no acórdão recorrido – ou, ao invés – como se defendeu no acórdão exibido como contraditório – o abuso de direito não possui a virtualidade de paralisar a nulidade de um negócio a que haja falhado uma formalidade legal (escritura pública) exigida por lei. </font><br>
<font>Para a Relação, os autores não poderiam profitar, ou prevalecer-se, do vício formal de falta de forma (redução do negócio a escritura pública) no negócio de permuta para obterem a nulidade do negócio e, consequentemente, retirar dessa declarada nulidade benefícios que se traduziriam na devolução da parcela à sua esfera de dominialidade.</font>
</p><p><font>Justificou a posição assumida, com a sequente argumentação: “</font><i><font>Com efeito, é hoje já praticamente pacífica a possibilidade de se afastarem os efeitos decorrentes da nulidade por vício de forma através do instituto do abuso de direito. Veja-se a extensa lista de acórdãos dos vários tribunais superiores citados na sentença recorrida, por contraponto a apenas um do STJ e já do ano de 2002, citado pelos apelantes.</font></i>
</p><p><i><font>«O abuso de direito, consubstanciado num «venire contra factum proprium», consiste em alguém, comportando-se de maneira a criar na outra parte a legítima convicção de que certo direito não seria exercido, vem depois a exercê-lo.» - Acórdão da Relação do Porto de 29/09/97 in CJ, ano XXII, tomo IV, pág. 200.</font></i>
</p><p><i><font>Como observa Vaz Serra, RLJ, ano 115/167, citado no Acórdão atrás referido «se a nulidade por falta de forma legal é de interesse e ordem pública, também o é a ilegitimidade do exercício do direito por abuso deste. Não parece, pois, que a nulidade formal de um negócio jurídico deva ter sempre prioridade sobre a ilegitimidade do exercício do direito em consequência de abuso». </font></i>
</p><p><i><font>Segundo o artigo 334º do C. Civil, «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».</font></i>
</p><p><i><font> Porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito, não se exige, por parte do titular do direito, a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que, objectivamente, esses limites tenham sido excedidos de forma manifesta e grave – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2010, in </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>Segundo Menezes Cordeiro, citado no referido Acórdão, o abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente e a sua proibição radica no princípio da confiança, pois “(…) um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas". E, segundo ele, os pressupostos da protecção da confiança através do venire contra factum proprium passam por: " 1° - uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium); 2° - uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3° - um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma conduta na base ao factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;</font></i>
</p><p><i><font>4° - Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível."</font></i>
</p><p><i><font>A jurisprudência do STJ, de que são exemplos os acórdãos de 01/03/2007, de 15/05/2007 e de 08/06/2010, insertos na base de dados da ‘dgsi’, aceita serem basicamente estes os pressupostos da figura de «venire contra factum proprium»</font></i>
</p><p><i><font>Ora, é precisamente o que acontece nos presentes autos em que a atitude dos autores, estando presentes e participando na colocação de marcos divisórios, aceitando a vedação colocada pelo réu e todas as obras que o mesmo foi levando a cabo no terreno em questão, que tudo foi praticado à vista dos autores, cuja casa de morada é contígua a este terreno, sem a oposição dos mesmos, certamente que convenceu o réu que agora era o proprietário da parcela em questão e que nunca os autores iriam reivindicar o seu direito de propriedade sobre a mesma, baseando-se no facto de a permuta ser nula por vício de forma. Ou seja, os autores criaram no réu a confiança de que não invocariam a nulidade do contrato por vício de forma.</font></i>
</p><p><i><font>Dos factos provados resulta, assim, que os autores tiveram um comportamento perante o réu que criou uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria deste que acreditou na conduta daqueles.</font></i>
</p><p><i><font>É razoável admitir que ao actuar como actuaram, os autores criaram no réu a legítima convicção e a confiança de que jamais iriam invocar a nulidade do contrato por falta de forma, para se eximir ao cumprimento da sua parte no contrato e, até, reivindicar a devolução da parte já entregue.</font></i>
</p><p><i><font>Invocar, agora, a nulidade do contrato de permuta, por falta de forma legal, é um evidente abuso de direito, traduzido num «venire contra factum proprium» e numa injustiça clara que este instituto pretende prevenir.</font></i>
</p><p><i><font>Importa, ainda, dizer que a boa-fé do réu resulta do facto de ter acreditado que a actuação dos autores nunca conduziria ao pedido agora formulado, ter confiado na estabilidade da actuação daqueles, confiança essa que é plausível e razoável como já se deixou salientado. </font></i>
</p><p><i><font>Sendo assim, e porque as consequências do abuso do direito reflectem-se na paralisação do direito, terá a pretensão dos autores de improceder, improcedendo as conclusões da sua alegação quanto a esta questão</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Por seu turno, o douto acórdão que foi considerado em antinomia com o acórdão recorrido, estimou, numa situação em que uma parcela de um prédio tinha sido comprada sem formalidade prescrita por lei que: “</font><i><font>A noção de abuso de direito foi consagrada no Código de 66 (artigo 334º) segundo a concepção objectiva: para que haja lugar ao abuso de direito é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou o fim com que o titular exerce o direito e o interesse ou interesses a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.</font></i>
</p><p><i><font> Esta contradição é patente no caso de "venire contra factum proprium".</font></i>
</p><p><i><font> A proibição de " venire contra factum proprium" cai no âmbito do "ABUSO de DIREITO", através da fórmula legal que considera ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular excede os limites impostos pela boa-fé, como sejam os casos em que há contradição real, e não aparente, entre a conduta de um dos outorgantes que se vincula a dada situação futura, criando confiança na contraparte e a conduta posterior a frustrar a confiança criada.</font></i>
</p><p><i><font> A ideia imanente na proibição do " venire contra factum proprium" e, conforme aponta BAPTISTA MACHADO, o do "dolus praesens": a conduta sobre que incide a valoração negativa é a conduta presente, sendo a conduta anterior apenas referência para, tendo em conta a situação então criada, se ajuizar da legitimidade da conduta actual "- cf. Tutela de Confiança e venire contra factum proprium", em "OBRA DISPERSA", vol. I, página 385.</font></i>
</p><p><i><font>4. Perante o que se deixa exposto, em conjugação com a matéria fáctica fixada, não temos dúvidas em precisar que o exercício do direito de invocar a nulidade do contrato de compra e venda em causa só por parte do autor traduz-se num caso de "venire contra factum proprium", já que a Autora mulher encontra-se, e encontrou-se, sempre arredada do negócio; ela não vendeu, não recebeu o preço, não participou nas mediações para a construção do muro. Por isso, não se pode falar em abuso de direito por parte da Autora ao intentar, como intentou, a presente acção com vista à declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o Autor marido e o Réu, sem observância da forma legal, a escritura pública conforme o estatuído no artigo 875º, do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font>Se o abuso de direito por parte do Autor/marido justifica (ou não) a validade do contrato de compra e venda em causa apesar da falta de forma legal, a escritura pública.</font></i>
</p><p><i><font> 1. POSIÇÃO DA RELAÇÃO E DOS RECORRENTES:</font></i>
</p><p><i><font> 1.a) A Relação de Coimbra decidiu que revestindo a arguição da nulidade as características de um abuso de direito, impõe-se que se reconheça a sua improcedência, mantendo-se o ajuizado contrato de compra e venda em causa.</font></i>
</p><p><i><font> 1.b) Os autores/recorrentes sustentam que o negócio celebrado entre Autor/marido e Réus não pode ser declarado válido com o fundamento no abuso de direito do mesmo autor, uma vez que para tal alienação seria sempre necessário o consentimento da Autora/mulher.</font></i>
</p><p><i><font>2. O abuso de direito constitui um vício típico, essencialmente distinto da falta de direito - cfr. ensinado VAZ SERRA, no BMJ, n. 85, página 265 -, de tal sorte que se o exercício abusivo do direito causar algum dano a outrem haverá lugar à obrigação de indemnizar; se o vício se tiver reflectido na celebração de qualquer negócio jurídico, este será, em princípio, nulo - cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., pág. 547 / 548.</font></i>
</p><p><i><font> Por outras palavras, a ilegitimidade do abuso de direito tem as consequências de todo o acto ilegítimo: pode dar lugar à obrigação de indemnizar; à nulidade nos termos gerais do artigo 294º; à legitimidade de oposição; ao alargamento de um prazo de prescrição ou de caducidade - cfr. PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., págs. 299/300; VAZ SERRA, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 107, pág. 25.</font></i>
</p><p><i><font> 3. Face a tais consequências na ilegitimidade de abuso de direito, surge o de saber qual a adequada no caso de abuso de direito na invocação da nulidade de contrato de compra e venda verbal, não celebrado por escritura pública.</font></i>
</p><p><i><font> A consequência será a legitimidade de oposição à declaração de nulidade? Ou, será tão só a obrigação de indemnizar?</font></i>
</p><p><i><font> Dito de outro modo, o abuso de direito poderá justificar que o contrato de compra e venda verbal seja válido?</font></i>
</p><p><i><font> 4. A questão tem sido objecto de larga análise quer no estrangeiro (como noticia VAZ SERRA, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 103, págs. 215, nota 2; e MENEZES CORDEIRO, DA BOA FÉ no Direito Civil, vol. I, págs. 771/796) quer contra as normas civilistas, com reflexos na jurisprudência.</font></i>
</p><p><i><font> 4.a) VAZ SERRA, comentando a posição de M. ANDRADE, no sentido de oposição à declaração de nulidade, defende uma dupla solução, atendendo aos fins que o legislador teve em vista quando estabeleceu certa e determinada forma. Assim: a) se a finalidade da disposição legal respeitante à forma se destina a assegurar tão só a ponderação das partes a solução será a de oposição a declaração de nulidade; b) se a finalidade da disposição legal tem em vista um objectivo inconciliável com a eficácia da declaração não formalizada (como seja o caso do contrato de compra e venda de bens imobiliários, para a qual a lei exige escritura pública... não só para assegurar a ponderação das partes, mas para outros fins e, entre eles, a segurança e a certeza acerca da situação da propriedade imobiliária) a solução será a de ilegitimidade de oposição, ou seja, a nulidade pode ser invocada por quem cometeu abuso de direito, mas ter essa pessoa a obrigação de indemnizar a outra parte - cfr. REVISTA LEGISLAÇÃO e JURISPRUDÊNCIA, ano 109, págs. 30/31.</font></i>
</p><p><i><font> 4.b) No mesmo sentido está MENEZES CORDEIRO quando escreve: "a manutenção dos efeitos pretendidos pelos negócios nulos, mercê da intervenção subsequente do exercício do direito pressuposto, por forma que transcende manifestamente os limites impostos pela boa fé, implica a obtenção, mediante obrigações legais, dos efeitos procurados através do acto nulo. É precisamente isso que o Direito, recorrendo ao artigo 289 n. 1, sem atender, de propósito, a especificidades concretas, não quer".</font></i>
</p><p><i><font> E acrescenta: "o exercício de um direito que implique a alegação de nulidade formal pode ser abusivo para contrariar a boa-fé: o titular exercente, em abuso, incorre em previsões de indemnização ou outras, consoante os efeitos práticos a ponderar". Não podem, à face do Direito português, manter-se, por via directa da boa-fé, os efeitos falhadamente procurados pelo acto nulo" - cfr. DA BOA-FÉ no DIREITO CIVIL, vol. II, págs. 795.</font></i>
</p><p><i><font> 4.c) Este Supremo Tribunal de Justiça acolheu os ensinamentos das insígnias civilistas citadas ao firmar a doutrina que o regime das nulidades que decorre dos artigos 285º e seguintes, do Código Civil obsta à procedência da arguição - por inobservância da forma legal - fundada em abuso de direito - cfr. acórdão de 11 de Julho de 1999, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, págs. 735/742.</font></i>
</p><p><i><font> 4.d) As posições de VAZ SERRA e de MENEZES CORDEIRO, a reflectir-se na doutrina do citado acórdão, merece a nossa inteira concordância, porquanto, por um lado, desaparecido o negócio, as partes não ficam desamparadas no que, ao seu abrigo, hajam prestado: assistem-lhes pretensões de restituição, conforme artigo 289º, do Código Civil; por outro lado, a invocação do abuso de direito não pode bloquear quer o poder de qualquer interessado invocar a nulidade do contrato por falta de escritura pública quer o poder do Tribunal de declarar oficiosamente a nulidade, cfr. artigo 286º, do Código Civil.</font></i>
</p><p><i><font> Conclui-se, assim, que o abuso de direito não justifica que se considere válido (subsistente e eficaz) um contrato de compra e venda de bem imobiliário não formalizado por escritura pública.</font></i>
</p><p><i><font> Conclusão a abranger o contrato de compra e venda em causa, de sorte a considerar-se nulo por não ter sido celebrado por escritura pública.</font></i><font>” [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>]</font><br>
<font>A propósito da boa-fé e das diversas formas que pode revestir o instituto jurídico do abuso de direito, tivemos ocasião de escrever, em acórdão por nós proferido, [</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>] que: “Nas relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos jurídicos rege como principio invadeável aquele de que, tanto na formação, como na execução dos contratos e das relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, se devem usar valores de boa-fé e de correcção. No dizer da sentença do tribunal da cassação (italiano), de 18 de Setembro de 2009 “como critérios de reciprocidade, finalizados, substancialmente, em manter uma relação jurídica num binário do equilíbrio e da proporcionalidade” | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zJ8u4YBgYBz1XKvLw-D | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
<b><font>AA </font></b><font>propôs a presente acção de despejo contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo a condenação deste a restituir-lhe imediatamente o seu prédio cujo gozo lhe havia sido cedido mediante contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo (e de parceria agrícola), invocando, para tanto, a caducidade desse contrato, com o falecimento da usufrutuária, em 9-12-2009, que o celebrara (em 31‑03-1990).</font><br>
<font>Na contestação, o R alegou ter comunicado ao A o seu interesse na manutenção do contrato, nos termos do art. 1051º nº 2 do CC. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferida sentença, absolvendo o R do pedido, que a Relação confirmou, sem voto de vencido e com fundamentação essencialmente concordante. </font><br>
<font> </font><br>
<font>O A interpôs </font><b><font>revista </font></b><font>desse acórdão, admitida pela competente Formação, tendo delimitado o objecto do recurso com conclusões em que (re)coloca a questão de saber se o invocado contrato caducou na data (9-12-2009) da morte da locadora Ana Leite, nos termos do art. 1051º, c), do CC, por não ser aplicável ao arrendamento rural a faculdade de o arrendatário obviar à caducidade do contrato por morte da usufrutária comunicando ao senhorio o interesse na sua manutenção, sendo despiciendo tudo o demais alegado pelo recorrente quanto à pretendida cessação do contrato por via da resolução, não só porque não se provaram os factos em que o mesmo estribava esse direito como a admissão do recurso não se poderia estender a tal fundamento.</font><br>
<font>*</font><br>
<font>Importa apreciar a enunciada questão da caducidade, para o que deve atender-se ao antecedentemente relatado e aos factos (com relevo para o conhecimento do recurso) definitivamente fixados na decisão recorrida e que ora se nos impõem.</font><br>
<font>*</font><br>
<font>Em 31-03-1990, foi cedido ao R o gozo dos prédios identificados nos autos, mediante “contrato de arrendamento rural”, com início no dia 1 de Abril de 1990 e pelo prazo de treze anos, celebrado pela usufrutuária de tais prédios, que veio a falecer em 9‑12‑2009.</font><br>
<font> Por cartas registadas de Fevereiro e Março de 2010, o A comunicou ao R o facto com que invocou a cessação do contrato e este, através de notificação judicial avulsa, comunicou àquele, no dia 15-03-2010, o seu interesse na manutenção do contrato.</font><br>
<font>Tal contrato era regulado, na data da sua celebração, pelo DL 385/88, de 25/10, cujo art. 22º preceituava que o arrendamento não caducaria por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio e que, quando cessasse o direito ou findassem os poderes de administração com base nos quais o contrato fora celebrado, observar-se-ia o disposto no nº 2 do art. 1051º do CC, que, então, dispunha: «</font><i><font>No arrendamento urbano, o contrato não caduca pela verificação dos factos previstos na alínea c) do número anterior </font></i><font>[“Quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado”]</font><i><font>, se o arrendatário, no prazo de 180 dias após o seu conhecimento, comunicar ao senhorio, por notificação judicial, que pretende manter a sua posição contratual»</font></i><font>.</font><br>
<font>Aquele diploma, entretanto, foi expressamente revogado pelo DL 294/09, de 13/10, que aprovou o novo regime do arrendamento rural (NRAR), cujo art. 20º, nº 1, estabelece a regra geral de que o arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio, mas o seu 18º prevê a caducidade do contrato de arrendamento quando, designadamente, cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato tenha sido celebrado, sem prejuízo do disposto no artigo 1052º do CC (cuja norma não relevaria para este caso).</font><br>
<font>Porém, por um lado, o regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determine, </font><i><font>ex vi</font></i><font> art. 12º, nº 2, do CC </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, e, por outro, o novo regime é aplicável a contratos de arrendamento existentes à data da sua entrada em vigor (13‑01‑2010), mas somente a partir do fim dos respectivos prazo ou renovação em curso (cf. art. 39º do diploma). </font><br>
<font>Ora, no caso em apreço, não só ocorreu em 9-12-2009 o facto em abstracto idóneo a desencadear a caducidade do contrato, o falecimento da locadora-usufrutuária – portanto, antes da vigência daquele novo regime –, como o termo da renovação contratual em curso apenas surgiria em 1‑04-2016.</font><br>
<font> Razão pela qual entendemos, tal como a Relação, que deve ser aplicado ao caso o citado art. 22º do regime jurídico do arrendamento rural plasmado no DL 385/88.</font><br>
<font>Como já se disse, tal norma previa que, quando cessasse o direito ou findassem os poderes de administração com base nos quais o contrato de arrendamento rural fora celebrado, se deveria observar o disposto no nº 2 do art. 1051º do CC, norma que, em caso de morte do locador-usufrutuário, conferia – por remissão – também ao arrendatário rural a faculdade de comunicar ao senhorio o seu interesse na manutenção do contrato, assim evitando a sua caducidade, à semelhança do previsto para o arrendamento urbano. </font><br>
<font>Mas, como se sabe, esta última disposição sobre o arrendamento urbano, mandada aplicar remissivamente também ao arrendamento rural, foi subsequentemente revogada pelo art. 5º, nº 2, do DL 321-B/90, de 15/10, que aprovou o RAU (“Regime do Arrendamento Urbano”), o qual, no seu art. 66º, reconfigurou a faculdade de o arrendatário (urbano) obviar aos efeitos da caducidade do contrato de arrendamento pela morte do locador usufrutuário, conferindo-lhe o direito a um novo arrendamento (nos termos do artigo 90º). </font><br>
<font>A decisão recorrida – tal como a sentença por ela confirmada – enunciou de modo bastante as três propostas de interpretação que a jurisprudência ofereceu para solucionar o aparente vazio normativo gerado (apenas) em relação ao arrendamento rural pela revogação do nº 2 do art. 1051º do CC: </font><br>
<font>- A sustentada no acórdão invocado como fundamento para a admissibilidade deste recurso </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, apontando para a ideia de que, com a aludida supressão, ficaria sem conteúdo útil a remissão que para este era feita pelo RAR e, por isso, caducaria o contrato de arrendamento rural com a morte do locador-usufrutuário, como qualquer outro contrato de locação em geral; </font><br>
<font>- Uma segunda, defendendo que da dita revogação resultaria a aplicação do RAU e, por conseguinte, o direito à celebração de um novo arrendamento, nas condições neste consagradas </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>; </font><br>
<font>- E uma terceira, sustentando que a revogação pelo RAU do art. 1051º nº 2 do CC apenas operou em relação ao arrendamento urbano, mantendo-se o seu conteúdo em vigor para o arrendamento rural e, por isso, a possibilidade de o arrendatário rural, em caso de falecimento do locador-usufrutuário, obstar à caducidade do contrato, comunicando ao senhorio a pretensão de manter a sua posição contratual, no prazo de 180 dias após o conhecimento desse falecimento </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Aderimos, firmemente, a esta terceira proposta interpretativa, sustentada no acórdão recorrido, por ser a que, de acordo com o que pensamos serem os melhores cânones da hermenêutica, se conforma com o que se extrai ser imposto pela unidade do sistema jurídico e pelas especificidades do arrendamento rural, no confronto com a locação em geral e, até, com o próprio arrendamento urbano.</font><br>
<font>Realmente, uma vez que «</font><i><font>o arrendamento rural está delineado no sentido de lograr um regime de protecção ao rendeiro, por economicamente dependente da exploração da terra</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, não só o arrendamento rural não se harmoniza com o regime do contrato de duração limitada, com renda condicionada, como também não se vislumbra qualquer razão para o legislador ter prosseguido o desígnio de não conferir ao arrendatário rural a faculdade de manter o contrato, tal como sucedia então no arrendamento urbano.</font><br>
<font>Buscando, pois, a solução que alcançaria o maior equilíbrio entre as posições de ambos os interesses em conflito, deve entender-se o RAR (DL 385/88), como tendo conservado a possibilidade de o arrendatário rural obstar à caducidade do contrato, mantendo-o mediante a comunicação ao senhorio dessa sua vontade, no prazo de 180 dias, desde o conhecimento da morte do locador-usufrutuário. </font><br>
<font>Tal como propôs o Conselheiro Aragão Seia e Outros (in “</font><i><font>Arrendamento Rural</font></i><font>”, 4ª ed., Almedina, 2003, pp. 157-159), em anotação ao citado art. 22º, sob pena de a unidade do sistema jurídico sair afectada, «[n]</font><i><font>ão faria sentido que a revogação </font></i><font>[do art. 1051º, nº 2, do CC]</font><i><font> «fosse extensiva ao arrendamento rural porque se tal sucedesse criar-se-ia uma lacuna</font></i><font>», pelo que a mesma «</font><i><font>tem de ser entendida com efeitos restritivos ao arrendamento urbano, que, pela nova legislação, passou a ter um regime substitutivo</font></i><font>» (arts. 66º nº 2 e 90º e ss do RAU), o que não se verificaria quanto ao arrendamento rural. Assim, deve ser entendida como «</font><i><font>remissão material</font></i><font>» aquela que o referido art. 22º efectuava para a norma do art. 1051º, nº 2, do CC, tendo em atenção o conteúdo desta: «(…) </font><i><font>deve ser entendida como uma remissão material, que provocou a sua apropriação ou incorporação no n.º 2 do art. 22.º, continuando, por isso, a vigorar o preceito. Será um caso de supervivência ou de sobrevigência da lei remetida, para o estrito efeito de integrar as normas de reenvio da lei do arrendamento rural, que têm jurisdicidade e vigência próprias</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Por conseguinte, improcede o recurso.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Síntese conclusiva:</font><br>
<font>1. O regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determine, </font><i><font>ex vi</font></i><font> art. 12º, nº 2, do CC – ou seja, na situação em apreço nestes autos, à data do falecimento da locadora-usufrutuária – e, por outro lado, o novo regime do arrendamento rural (NRAR), aprovado pelo DL 294/09, de 13/10, é aplicável a contratos de arrendamento rurais existentes à data da sua entrada em vigor (13-01-2010), mas somente a partir do fim dos respectivos prazo ou renovação em curso (art. 39º do diploma). </font><br>
<font>2. Devendo ser aplicado ao caso o art. 22º do regime do arrendamento rural plasmado no DL 385/88, de 25/10, deve ser entendida como «material» a remissão que essa norma efectuava para a do art. 1051º, nº 2, do CC, então vigente, pelo que a revogação deste último preceito pelo art. 5º, nº 2, do DL 321-B/90, de 15/10 (que aprovou o RAU), não se estendeu ao arrendamento rural, continuando a vigorar para os contratos celebrados no âmbito deste.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><u><font>Decisão</font></u><font>:</font>
</p><p><font>Pelo exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar a decisão recorrida. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font>
</p><p><font>Lisboa, 27/11/2018</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alexandre Reis</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cabral Tavares</font>
</p><p><font>-------------------</font><br>
<a><font>[1]</font></a><font> Não é aplicável a lei nova que não dispõe directamente sobre o conteúdo de uma certa relação jurídica mas sobre os efeitos de determinado facto – como, no caso, sucede com a norma sobre a caducidade decorrente do decesso da usufrutária –, sendo chamada a intervir a lei vigente ao tempo da ocorrência de tal facto. Cf., neste sentido, p. ex., o acórdão desta Secção de 8-02-2011 (p. 12/09 9T2STC.E1.S1).</font><br>
<a><font>[2]</font></a><font> Acórdão da RP de 22-06-1992 (p. 9140803).</font><br>
<a><font>[3]</font></a><font> Neste sentido, os acórdãos deste Supremo de 23-05-1995 (p. 086806) e da RP de 18-11-1996 (p. 9650199.</font><br>
<a><font>[4]</font></a><font> Cf., neste sentido, para que já apontara o acórdão da RP de 11-01-1993 (p. 9210735), p. ex., os acórdãos da RC de 28-03-2017 (p. 51/14.8TBSJP.C1) e da RP de 26-04-2010 (p. 3798/06.9TBPRD.P1), para além das decisões proferidas nestes autos em ambas as instâncias, naturalmente.</font><br>
<a><font>[5]</font></a><font> Acórdão desta Secção de 8-02-2011, já citado.</font><br>
<a><font>[6]</font></a><font> É o que também defende Nuno de Salter Cid (“A Protecção da Casa de Morada de Família no Direito Português”, Almedina, 1996, pp. 220 e s), citando Castro Mendes – segundo o qual, «a remissão material é a remissão para certa norma, em atenção ao seu conteúdo» – e lembrando, muito pertinentemente – como, aliás, o fazem Aragão Seia e Outros na referenciada obra –, que «a autorização legislativa ao abrigo da qual foi emitido o R.A.U. – Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto – não contemplou a possibilidade de ser alterado o regime do arrendamento rural, alteração esta que a opção pela caducidade necessariamente envolve». P. Lima e A. Varela (Código Civil Anot., 4.ª ed. p. 456) sustentam, identicamente, a continuação em vigor da aludida remissão.<br>
</font></p><hr></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zKau4YBgYBz1XKv5yFV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font>1. - A “Administração do Condomínio Sito na Rua ..., nº …, em Lisboa”, intentou acção declarativa contra AA, pedindo a condenação deste a desocupar os vãos do telhado do referido prédio.</font>
</p><p><font>Alegou, em resumo, que sendo o R. condómino do 4º andar do prédio, está a utilizar os vãos do telhado e que no dia 29 de Novembro de 2007, em assembleia de condóminos, foi deliberado não autorizar essa utilização por qualquer condómino, por serem partes comuns do prédio do edifício.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O R. contestou, alegando, designadamente, que adquiriu a fracção autónoma correspondente ao 4º andar do prédio tendo em conta a existência de uma divisão assoalhada que ocupa parte do vão do telhado e que é utilizada como quarto de dormir, bem como a utilização do vão do telhado para arrumos, sendo que aquela divisão assoalhada é utilizada pelo R. e pelos anteriores donos do andar há mais de 40 anos, de forma ininterrupta, na convicção de que a mesma faz parte da fracção, sendo a mesma e o vão do telhado considerados como afectos ao seu uso exclusivo.</font>
</p><p><font>Concluiu que o vão do telhado que o A. pretende ver desocupado não é parte comum, pelo que a acção deve ser julgada improcedente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O processo prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, “</font><i><font>reconhecendo-se os vãos do telhado/sótãos como partes comuns do prédio urbano sito na Rua ..., nº …, em Lisboa, condena(ndo)-se o réu a desocupar os mesmos</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Apelou o R., com êxito parcial, pois que a Relação, alterando a sentença recorrida, condenou-o apenas “</font><i><font>a desocupar o vão do telhado utilizado como arrumos do prédio sito na Rua ..., nº …, em Lisboa”, absolvendo-o “da desocupação do outro vão</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Agora é a Autora que pede revista, reclamando a revogação do acórdão e a sua substituição por “uma decisão que declare os vãos do telhado como parte obrigatoriamente comum, a obra efectuada no 4º andar como uma inovação ilegal por não ter sido autorizada e, finalmente, um abuso de direito a actuação do proprietário do 4º andar, ao apropriar-se de um espaço comum, trazendo riscos acrescidos de segurança para o prédio.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Para tanto, levou às conclusões da respectiva alegação:</font>
</p><p><font> “I. A decisão proferida pela Relação viola a lei, designadamente os artigos 1421° e 1425° do Código Civil; </font>
</p><p><font> II. Com efeito, atenta a função por eles desempenhada, os vãos do telhado devem ser considerados partes imperativamente comuns por serem parte integrante do telhado; </font>
</p><p><font> III. Não são, portanto, presumivelmente comuns e logo não admitem prova em contrário; </font>
</p><p><font> IV. Mas a decisão da Relação viola a lei também quanto ignora a ilegalidade da obra efectuada no 4° andar; </font>
</p><p><font> V. Na verdade, o prédio foi licenciado sem que existisse qualquer ligação entre o 4° andar e o vão do telhado, a não ser um pequeno orifício situado no terraço do prédio por onde se efectuaria o acesso ao vão, para as devidas fiscalizações do estado de conservação do telhado e eventuais reparações; </font>
</p><p><font> VI. A obra ali realizada, independentemente do momento, é e deverá ser qualificada como uma inovação; </font>
</p><p><font> VII. Os restantes condóminos só tiveram conhecimento da realização da referida obra em 2007, daí terem proposto a competente acção judicial face à recusa do proprietário do 4° andar em cessar a utilização do vão e repor o seu estado original; </font>
</p><p><font> VIII. Não tendo tal obra sido objecto de autorização, tem que ser considerada ilegal e o dono da obra obrigado a repor o estado original do prédio; </font>
</p><p><font> IX. Mas a Relação também não se debruçou sobre o perigo que representa para o prédio a ligação material entre a fracção do 4° andar e o vão do telhado; </font>
</p><p><font> X. Como refere a jurisprudência, a realização dessa ligação aumenta os riscos de incêndio e de danos para o telhado do prédio; </font>
</p><p><font> XI. De resto, a utilização dos vãos do telhado é proibida pelo RGEU e pelo RMUEL, aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa, considerando as sobrecargas que nele são colocadas sem a devida compensação ou reforço; </font>
</p><p><font> XII. Por fim, a Relação deveria também ter ponderado a natureza abusiva com que o proprietário exerce o seu direito de usar uma coisa comum (admitindo que esse direito existe), ao colocar em causa os direitos de terceiros e fazendo perigar o prédio, aumentando os riscos de danos e incêndio; </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrido apresentou contra-alegação em que invocou a novidade do alegado quanto à ilegalidade das obras e, no mais, defendeu a manutenção do julgado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2. - Aferidas, como são, pelo conteúdo das conclusões da alegação do Recorrente, vêm suscitadas as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Os vãos de telhado são partes obrigatoriamente comuns do edifício constituído em propriedade horizontal;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Ilegalidade da obra efectuada no 4º andar/vão do telhado, como inovação não autorizada; e,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Abuso de direito de uso de coisa comum.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. - Vem definitivamente provada a factualidade que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1- O réu é proprietário do 4º andar do prédio na Rua ..., nº …, em Lisboa, correspondente à fracção autónoma designada pela letra "….", aquisição que se encontra registada pela apresentação nº 7 de 07.10.1998, convertida em definitiva pela apresentação nº 4 de 06.01.1999;</font>
</p><p><font>2- Na escritura de constituição de regime de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Rua ..., nº …, em Lisboa, outorgada em 28.09.1988, cuja cópia consta a fls. 225 e segs. dos autos, consta, para além do mais,</font><i><font>"(...). Que o referido prédio se compõe de rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, cada um com dois fogos, e piso de cobertura, (quarto andar), com um fogo - todos com saída própria para uma parte comum do prédio, e de logradouro ao nível do rés-do-chão; (...). (...)</font></i>
</p><p><i><font>Fracção …: Quarto andar, composto por três divisões assoalhadas, vestíbulo, cozinha e uma casa de banho, e usufruindo dos dois terraços, que servem de cobertura do prédio (...)</font></i><font>.</font>
</p><p><font>3- Na Conservatória do Registo predial encontra-se registada a constituição de propriedade horizontal sob a ap. 29 de 18.10.1988, fazendo-se menção de "</font><i><font>Direito dos condóminos: a fracção "…" usufrui dos dois terraços, que servem de cobertura do prédio. (...)</font></i><font>”, conforme documento de fls. 8 e segs. dos autos.</font>
</p><p><font>4- O Réu utiliza os vãos do telhado (sótão), um como quarto de dormir e o outro como arrumos. (Facto assente D);</font>
</p><p><font>5- A habitação do 4º andar é, e sempre foi, o único acesso aos vãos do telhado referidos em D). (Facto assente E).</font>
</p><p><font>6- O 4º andar do prédio referido em A) foi casa de porteira até 1986. (Resp. facto controv. 1º);</font>
</p><p><font>7- Pelo menos desde 1970, um dos vãos de telhado referidos em D) é utilizado de forma exclusiva como assoalhada para dormir pela porteira e restantes "possuidores" do 4º andar do prédio (Resp. 2º)</font>
</p><p><font>8- O R., e anteriormente a porteira, fizeram pequenas obras de reparação e procederam à manutenção e limpeza do vão do telhado referido no facto 2º da base instrutória desde que o passaram a utilizar (Resp.9º).</font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. 1. 1. - O vão de telhado ou sótão como parte imperativamente comum.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Recorrente insiste na tese de que o vão de telhado ocupado pelo Réu é imperativamente parte comum do edifício, nos termos previstos no art. 1421º C. Civil, pois que, alega, esses espaços têm a função específica de assentamento do telhado e respectivo arejamento, não sendo concebidos para serem objecto de utilização, pelo que devem ser considerados parte integrante do telhado</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No acórdão impugnado, embora reconhecendo-se que a matéria não é isenta de controvérsia, entendeu-se, diferentemente, que tais vãos não correspondem a uma parte do prédio imperativamente comum, embora se presumam partes comuns, mais se julgando encontrar-se, no caso, ilidida a presunção de compropriedade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Reposta, pois, a questão de a natureza comum do vão de escada ou sótão ser imperativa ou apenas presumida, não questionando, agora, a Recorrente a ilisão da presunção, que vem declarada.</font>
</p><p><font> Sobre a matéria, rege o art. 1421º C. Civil, que especifica em seu nº 1 as partes do edifício necessariamente comuns e descreve no n.º 2 as partes presumidamente comuns, dispondo o nº 3 sobre a possibilidade de, no título constitutivo da propriedade horizontal, se afectarem ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ao que aqui importa pôr em evidência, o n.º 1 do citado preceito identifica como necessariamente comuns “b) </font><i><font>O telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção</font></i><font>”, do mesmo passo que o nº 2 declara que se presumem comuns “e</font><i><font>) Em geral, as coisa que não sejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A introdução no preceito desta cláusula geral residual determina que, diferentemente do que sucede em relação às partes imperativamente comuns, a enumeração constante do n.º 2 deva considerar-se meramente exemplificativa, de sorte que por ela podem ser abrangidos, como pertencentes em compropriedade aos condóminos, partes do edifício ou bens não especificamente destinados ou afectados pelo título constitutivo, mediante a especificação prevista no art. 1418º Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso sob apreciação, perante a absoluta omissão do título constitutivo relativamente ao sótão ou vão de telhado (a cuja existência nem sequer se alude), sua natureza e afectação, coloca-se, então o problema de saber se, apenas por isso, ou seja, por falta dessa especificação, deve considerar-se parte necessariamente comum, esteja ou não no gozo exclusivo de um dos condóminos.</font>
</p><p><font> Como se viu, a Recorrente sustenta que os vãos de telhado, com a função de assentamento e arejamento dessa cobertura, devem ser considerados parte integrante do mesmo, e, como tais, partes imperativamente comuns, a integrar na previsão da al. b) transcrita.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O vão de telhado ou sótão é constituído pelo espaço, de pé-direito mais ou menos reduzido, compreendido entre o tecto do último andar de um edifício e a cobertura, constituída por telhas, com as respectivas estruturas de apoio, ou por outros materiais com idêntica função, apresentando-se, ou não, como terraço.</font>
</p><p><font> Assim sendo, desde logo por definição, o vão de telhado não é naturalisticamente identificável com os conceitos de </font><i><font>telhado</font></i><font> ou </font><i><font>terraço</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>cobertura</font></i><font>, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em consonância, a jurisprudência e doutrina dominantes, vêm entendendo que os sótãos ou vãos de telhado, não integram a estrutura do edifício nem são, pela função que desempenham, partes do mesmo relativamente às quais seja de exigir a afectação ao gozo de todos os condóminos, para caberem na previsão da al. b) do nº 1 do art. 1421º, como coisa obrigatoriamente comum (cfr. acs. RC, de 9-12-86 (</font><i><font>CJ </font></i><font>XI-5-83),</font><i><font> </font></i><font>STJ, de 28-9-1999 (proc. 98B703), de 08-02-2000 (</font><i><font>BMJ</font></i><font> 494-338) e de 16-12-2004 (proc. 04B3814); RUI V. MILLER, “</font><i><font>A Propriedade Horizontal No Código Civil</font></i><font>”, 3ª ed., 163 e F. RODRIGUES PARDAL e M. B. DIAS DA FONSECA, “</font><i><font>da propriedade horizontal</font></i><font>”, 5ª ed., 213). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, como, em sede argumentativa, tem sido convocado, a inclusão desse espaço do edifício entre as partes obrigatoriamente comuns tornaria impossível, em contradição com a realidade conhecida, a individualização e afectação exclusiva do sótão, ou de parte dele, com a inerente consequência de vedar qualquer especificação com esse sentido ou conteúdo, ou de adoptar qualquer cláusula tendente a excluir a comunhão, no título constitutivo da propriedade horizontal, sob pena de violação do seu próprio regime imperativo.</font>
</p><p><font> Acresce que, exigindo-se a inclusão da afectação no título constitutivo, resultaria inútil a admissão das presunções de comunhão, especificadas ou residualmente previstas, contempladas no n.º 2 do artigo, pois que haveriam de se considerar obrigatoriamente comuns todas as partes sem destino fixado no título. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em suma, a natureza e utilidade dos sótãos ou vãos de telhado não impõem, em sede interpretativa, a sua obrigatória qualificação como “instrumentos de uso comum do prédio”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Conclui-se, no seguimento do expendido, que, embora presuntivamente deva ser, como efectivamente é, considerado parte comum do edifício, o sótão ou vão de escada não é de considerar parte imperativamente comum.</font>
</p><p>
</p><p><font> 4. 1. 2. - Dado que a Recorrente se limitou a impugnar a qualificação atribuída ao vão de escada como parte comum, abrangida pela presunção da al. e) do nº 2 do art. 1421º, pugnando apenas pela qualificação como parte necessariamente comum, o recurso encontra-se correspondentemente limitado a essa questão/decisão, não havendo, consequentemente, lugar à reapreciação da questão da ilisão da presunção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 2. - Ilegalidade da obra efectuada no 4º andar/vão do telhado, como inovação não autorizada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Recorrente diz haver que considerar “a questão da legalidade da obra ali efectuada, que a Relação não ponderou na sua decisão, podendo tê--lo feto por ser de conhecimento oficioso”.</font>
</p><p><font> Alude a Recorrente à não previsão do espaço no projecto licenciado pela Câmara Municipal e ao derrube da parede que delimitava a fracção do 4º andar, inovações que a Relação desconsiderou, designadamente quanto à necessária autorização da Assembleia de Condóminos, nos termos do art. 1425º C. Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Está-se perante uma questão inteiramente nova, nunca antes colocada pelas Partes nem abordada na pronúncia das Instâncias.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Apesar disso, como invoca a Recorrente, na medida em que a matéria alegada será susceptível de integrar a violação de normas de direito público, nomeadamente sobre requisitos de direito administrativo relativas às Edificações Urbanas enquanto pressupostos da regularidade de alterações introduzidas no edifício, a novidade da matéria não impediria o respectivo conhecimento (arts. 676º - 1 e 685º-A – 1 CPC). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Sucede, porém, que, analisada a matéria de facto, nela apenas se dá conta de que foram feitas “pequenas obras de reparação … no vão do telhado” que é “utilizado como assoalhada para dormir”.</font>
</p><p><font> Nenhuma indicação ou elemento existe sobre que concretas “pequenas obras de reparação” foram efectuadas, parecendo, desde logo pela sua identificação, apesar de conclusiva, como obras de reparação, estar afastada a ideia de se estar perante obras qualificáveis como </font><i><font>inovações</font></i><font>, cujo conceito remete para alterações na substância ou na forma do imóvel ou para modificação da alteração ou destino (n.ºs 1 e 2, respectivamente, do art. 1425º).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Depois, a A. não alegou a realização de quaisquer obras. Limitou-se a invocar, como causa de pedir, a ocupação, pelo R., de uma parte comum e a sua recusa em abandoná-la, em cumprimento de deliberação da Assembleia de Condóminos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Apresentam-se, deste modo, como manifestamente infundadas, por total ausência de suporte factual, as alegadas ilegalidades das obras, ditas de inovação, designadamente à luz da proibição constante do art. 1425º C. Civil e do eventual também alegado incumprimento de normas dos regime regulamentador das edificações urbanas, designadamente do RGEU e do RMUEL. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 3. - Abuso de direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Finalmente a Recorrente acusa o Tribunal da Relação de, tendo em conta o fim económico e social do direito, se ter abstido de ponderar a natureza abusiva com que o R. exerce o seu direito de usar uma coisa comum, a colocar em causa direitos de terceiros e fazer perigar o prédio, aumentando os riscos de danos e incêndio.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O abuso de direito pressupõe, por definição – art.º 334º CCiv. -, a existência do direito e o excesso manifesto do seu titular no exercício dos poderes para que esse direito está teleologicamente vocacionado, nisso consistindo o seu exercício de forma abusiva.</font>
</p><p><font> No caso, o direito abusivamente exercido e, como tal a paralisar em parte ou limitar, será o direito de gozo exclusivo ou propriedade, do Réu, sobre a parte do sótão ou vão do telhado relativamente à qual viu reconhecido ter ilidido a presunção legal de compropriedade com os demais condóminos, na medida em que viole, de forma intolerável pela ordem jurídica, os respectivos fins económico ou social. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Relevará, então, averiguar se, o direito reconhecido e em exercício, e justamente reconhecido por causa desse exercício – a afectação prática, por destinação objectiva, à data da constituição da propriedade horizontal - , apesar da sua validade formal, se revela, em razão de particularidades ou circunstâncias concorrentes no caso concreto, exercitado em termos ofensivos do sentimento comum de justiça e contradição com o fim a que os poderes correspondentes ao conteúdo do direito e o modo de exercício se encontra adstrito, à luz dos valores ético jurídicos dominantes.</font>
</p><p><font>Dada a natureza do direito alegadamente ferido de abuso, deverá ponderar-se se, segundo critério de proporcionalidade, a actuação correspondente ao exercício do direito de gozo exclusivo se concretiza ou resolve na não realização de interesses pessoais de que o direito reconhecido é instrumento e na negação de interesses relevantes dos outros condóminos, assim se mostrando ultrapassados os limites, inerentes à intersubjectividade dos direitos reais, seja nos seus direitos dos condóminos de proprietários singulares das respectivas fracções, seja como comproprietários das partes comuns, com o direito de gozo exclusivo da parte do sótão pelo Réu afectada à sua fracção autónoma.</font>
</p><p><font>De notar que em causa não está, </font><i><font>in casu</font></i><font>, nenhum problema relativo à função social da propriedade, como não estão relações de vizinhança entre proprietários ou conflitos resultantes do exercício de direitos reais limitados de gozo. Está apenas a função individual do direito de propriedade e extensão do respectivo conteúdo material. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, uma vez mais, mau grado o quadro (só) agora alegado pela Recorrente – prejuízos para os direitos de terceiros e perigos para o prédio, nomeadamente de incêndio e outros danos -, certo é que, da factualidade provada e, antes disso, a articulada, nada consta donde se possam extrair tais valorações susceptíveis de consubstanciarem a falada negação de interesses dos Condóminos e de serem postas em confronto com os interesses reconhecidos (pela lei e declarados na decisão recorrida) ao Recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Nada, portanto, permite sustentar que ocorra utilização excessiva no exercício do fim próprio do direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. 4. - Em síntese final, sobre a questão principal colocada no recurso poderá dizer-se que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - O vão de telhado não é identificável com os conceitos de </font><i><font>telhado</font></i><font> ou </font><i><font>terraço</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>cobertura</font></i><font>, pois que não representa a estrutura de cobertura em si mesma e com a específica função de tapagem superior do edifício, mas um espaço ou área a que é possível dar determinadas utilizações, usualmente de armazenamento, mas sem que se exclua o próprio alojamento habitacional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- Em edifício submetido ao regime de propriedade horizontal, o sótão ou vão de telhado não é de considerar parte imperativamente comum, mas apenas presuntivamente comum.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 5. - Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Negar a revista;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Manter o decidido no acórdão impugnado; e,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Condenar a Recorrente nas custas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Lisboa, 4 Julho 2013 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font> Paulo Sá</font>
</p></font><p><font><font> Garcia Calejo</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TKGu4YBgYBz1XKvWhXR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Processo n.º 6669/11.3TBVNG.S1.</font></b>
<p><b><font>Recorrente: AA. </font></b>
</p><p><b><font>Recorridos: BB; “HOSPITAL CC, S.A.”; “SEGURO DD, S.A.; e “SEGURO EE, S.A</font></b><font>.” </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I. – Relatório.</font></b>
</p><p><b><font>I.a). – Histórico Processual.</font></b>
</p><p><b><font>I.a.1) – Da Demanda.</font></b>
</p><p><font>A demandante, AA, demandou os demandados, BB; “HOSPITAL CC, S.A.”; “SEGURO DD, S.A.; e “SEGURO EE, S.A.”, pedindo a sua condenação, solidária, no pagamento da quantia de duzentos e setenta e cinco mil eros (€ 275.000,00), a título de danos não patrimoniais, com base em responsabilidade extracontratual.</font>
</p><p><font>Para a pretensão jurisdicional que impetram, aduzem a sequente factualidade essencial. </font>
</p><p><font>1. A demandante, AA, nasceu no dia 00-00-1975; </font>
</p><p><font>2. Em 2008, por ter agravado as dores aquando do período menstrual, consultou o ginecologista, FF, no “HOSPITAL CC”;</font>
</p><p><font>3. A consulta foi efectuada sob a cobertura de um seguro de saúde nº 000005272, pertencente à “SEGURO GG, S.A.”;</font>
</p><p><font>4. Foi medicada com analgésicos o que inalterou o estado álgico que a tinha levado à consulta;</font>
</p><p><font>5. Foi posta a possibilidade de a demandante sofrer de endometriose (localização anormal da mucosa que reveste o interior do útero) do septo rectovaginal;</font>
</p><p><font>6. Foi reencaminhada para o ginecologista, BB, para que este ponderasse (sic): “(…) os sintomas de coitalgia [dor </font><i><font>durante </font></i><font>as </font><i><font>relações </font></i><font>sexuais], dismenorreia, proctalgia [dor </font><i><font>nevrálgica </font></i><font>do </font><i><font>ânus], </font></i><font>hematuria </font><i><font>[presença </font></i><font>de </font><i><font>sangue </font></i><font>na urina], rectorragia </font><i><font>[emissão </font></i><font>de </font><i><font>sangue pelo ânus não acompanhado pelas fezes] </font></i><font>perimenstrual intensa e incapacitante, bem como desmaios”;</font>
</p><p><font>7. O ginecologista, BB, em 31-05-2008, procedeu ao exame/consulta da demandante, nas instalações da demandada “HOSPITAL CC”; </font>
</p><p><font>8. Nessa consulta, o 2.º Réu detectou, então, à Autora um volumoso nódulo septo rectovaginal palpável, aparentemente sem envolvimento na mucosa do recto. </font>
</p><p><font>9. A fim de aferir com rigor a origem dos sintomas denunciados pela Autora, o 2.° Réu solicitou-lhe que realizasse, diversos exames, designada mente, uma ressonância magnética, uma cistocospia </font><i><font>[observação médica </font></i><font>da </font><i><font>bexiga] </font></i><font>e uma sigmoidoscopia </font><i><font>[exame médico minimalmente invasivo </font></i><font>do </font><i><font>intestino </font></i><font>grosso, do </font><i><font>recto até </font></i><font>ao </font><i><font>cólon]. </font></i>
</p><p><font>10. Da realização desses exames resultou apurado pela sigmoidoscopia a ausência de lesões da mucosa do recto e a ressonância magnética foi compatível com endometriose volumosa, tendo a cistoscopia levantou, na óptica do 2º Réu, suspeita de invasão vesical; </font>
</p><p><font>11. Para a resolução do problema, o 2.º Réu propôs inicialmente à Autora a realização de uma laparoscopia, mas acabou por optar realizar uma laparotomia. </font>
</p><p><font>12. Em vez da realização de um exame endoscópico da cavidade abdominal, o 2º Réu optou por realizar no corpo da Autora uma abertura cirúrgica da cavidade abdominal. </font>
</p><p><font>13. O 2.° Réu terá dito à Autora que as sequelas da realização de tal cirurgia seriam provisórias e rápidas e que limitar-se-iam única e exclusivamente a: </font>
</p><p><font>a) na parte urinária</font><b><font>,</font></b><font> após a cirurgia, provavelmente iria sair do hospital com algália, que tal facto duraria 4 a 5 dias - no máximo uma semana -, mas que logo de seguida tudo voltaria ao normal; </font>
</p><p><font>b) na parte intestinal</font><b><font>,</font></b><font> o 2º Réu salvaguardou a possibilidade de o tumor a remover poder ser grande e estar demasiado junto do intestino, sendo que nesse caso, iria ter de </font><i><font>raspar </font></i><font>o intestino para retirar o tumor e que se algo corresse mal podia rasgar o intestino; mas também aqui, perante esse cenário, o pior que poderia acontecer à Autora seria ter de colocar um saco durante a fase da cicatrização, sendo, de todo o modo, algo sempre rápido e provisório. </font>
</p><p><font>14. em vista da informação prestada pelo médico, a demandante aceitou submeter-se à cirurgia proposta; </font>
</p><p><font>15. a demandante foi submetida a intervenção cirúrgica, no dia 19-07-2008, nas instalações do estabelecimento hospitalar administrado pelo demandado “HOSPITAL CC”, sob a direcção cirúrgica do demandado, BB;</font>
</p><p><font>16. No bloco operatório, além do 2º Réu, encontravam-se também presentes diversos enfermeiros, anestesista(s) e ainda os Srs. FF e HH, ambos ginecologistas do HOSPITAL CC, administrado pela 1º Ré. </font>
</p><p><font>17. a cirurgia consistiu numa cistectomia parcial </font><i><font>[remoção cirúrgica </font></i><font>de </font><i><font>parte </font></i><font>da </font><i><font>bexiga] </font></i><font>parcial e na remoção do endometrioma </font><i><font>[tecido </font></i><font>do </font><i><font>interior </font></i><font>do </font><i><font>útero </font></i><font>fora da </font><i><font>cavidade uterina] </font></i><font>do septo recto-vaginal;</font>
</p><p><font>18. Da cirurgia foram enviados para análise quatro fragmentos irregulares, totalizando 23.3 gramas, medindo o maior 6,8x2,5xl,5 em, um deles parcialmente recoberto por mucosa vaginal com 3,2x1,2 em, esbranquiçada e lisa. </font>
</p><p><font>19. O exame histológico que incidiu sobre os referidos fragmentos confirmou os aspectos macroscópicos</font><b><font>, </font></b><font>tendo</font><b><font> </font></b><font>mostrado focos de endometriose </font><b><font> </font></b>
</p><p><font>20. Após a cirurgia, a Autora ficou internada nas instalações da 1º Ré, até ao dia 24-07-2008 - data em que teve alta hospitalar. </font>
</p><p><font>21. Uma semana após - no dia 31-07-2008</font><b><font> </font></b><font>-, a Autora constatando que não conseguia urinar de forma normal e natural, deslocou-se ao “HOSPITAL CC” onde deu entrada com uma retenção urinária aguda. </font>
</p><p><font>22. atendido pelo médico, HH, foi algaliada;</font>
</p><p><font>23. a demandante queixou-se que desde a intervenção cirúrgica não defecava normalmente; </font>
</p><p><font>24. A Autora regressou a casa e passado uma semana, atenta a contínua retenção urinária e fecal, deslocou-se novamente ao HOSPITAL CC; </font>
</p><p><font>25, manteve as queixas até que no dia 12-08-2008</font><b><font>, </font></b><font>três semanas após a cirurgia, a Autora, queixando-se repetidamente da retenção urinária e fecal de que estava a padecer, deslocou-se, uma vez mais, ao HOSPITAL CC, onde foi auscultada pelo 2.° Réu. </font>
</p><p><font>26. A demandante terá mantido o mesmo quadro mórbido – dificuldade em urinar e retenção fecal – o que levou a que fosse novamente algaliada e Perante o inalterável cenário, o 2.° Réu retirou a algália à Autora e tentou, uma vez mais, que aquela urinasse de forma natural - o que não logrou conseguir. </font>
</p><p><font>27. com a manutenção do mesmo quadro fisiológico – retenção urinária e fecal – a demandante, no dia 02-09-2008, foi consultada pelo 2.° Réu, tendo este sugerido à Autora a sua avaliação por um urologista, para o que indicou a HOSPITAL II para aí ser examinada pelo urologista, JJ; </font>
</p><p><font>28. este médico, veio a concluir que a Autora padecia de um quadro de bexiga neurogénica atónica [perda do </font><i><font>funcionamento normal </font></i><font>da </font><i><font>bexiga provocado </font></i><font>por </font><i><font>lesões </font></i><font>de </font><i><font>uma parte </font></i><font>do </font><i><font>sistema nervoso], </font></i><font>na sequência da cirurgia a que foi submetida no dia 19 de Julho de 2008. </font>
</p><p><font>28. No dia 10-09-2008,</font><b><font> </font></b><font>o urologista</font><b><font> </font></b><font>JJ, iniciou o tratamento da Autora com a colocação de cistostomia suprapúbica </font><i><font>[conexão criada cirurgicamente entre </font></i><font>a </font><i><font>bexiga </font></i><font>e a </font><i><font>pele, </font></i><font>a </font><i><font>qual </font></i><font>é </font><i><font>utilizada </font></i><font>para </font><i><font>drenar </font></i><font>a </font><i><font>urina </font></i><font>da </font><i><font>bexiga], a</font></i><font>ssociada a medicação oral de estimulantes para a bexiga, bem como laxantes diversos, designada mente </font><i><font>Omnic </font></i><font>e </font><i><font>Mestinon. </font></i>
</p><p><font>29. Em Dezembro de 2008, cinco meses após a cirurgia</font><b><font>,</font></b><font> a Autora os enunciados sintomas do pós operatório, sem quaisquer sinais de recuperação ou melhoria. </font>
</p><p><font>30. Em Fevereiro de 2009</font><b><font> </font></b><font>a Autora foi reavaliada pelo 2.° Réu e manteve o cateter vesical </font><i><font>[sonda que </font></i><font>se </font><i><font>introduz </font></i><font>na </font><i><font>bexiga pela </font></i><font>uretra], tendo no dia 03-07-2009,</font><b><font> </font></b><font>isto é, cerca de um ano após a cirurgia, Sr. JJ, retirado o cateter à Autora e mandou-a fazer, a partir daí, auto-algaliações; </font>
</p><p><font>31. Com o intuito de aferir a sua situação, a Autora submeteu-se, no dia 14-09-2009</font><b><font> </font></b><font>a uma ecografia vesical e uma cistomanometria </font><i><font>[medição </font></i><font>da </font><i><font>tonacidade muscular </font></i><font>e da </font><i><font>capacidade </font></i><font>da </font><i><font>bexiga com </font></i><font>um </font><i><font>cistómetro] </font></i><font>no HOSPITAL KK; 32. Da ecografia vesical</font><b><font> </font></b><font>resultou apurado não se observarem lesões endoluminais na bexiga, para um volume aproximado de 400cc</font>
</p><p><font>33. Da cistomanometria</font><b><font> </font></b><font>resultou apurado que na fase miccional não existiu contracção voluntária do detrusor </font><i><font>[músculo liso </font></i><font>da </font><i><font>parede </font></i><font>da </font><i><font>bexiga] </font></i><font>e que as manobras provocadoras não obtiveram efeito. </font>
</p><p><font>34.</font><b><font> </font></b><font>Tendo sido obtida a conclusão de uma bexiga hipossensível com alta capacidade e sem contracção voluntária do detrusor </font>
</p><p><font>34. No dia 23-09-2009,</font><b><font> </font></b><font>também na supra referida unidade hospitalar a Autora foi submetida a uma cistografia </font><i><font>[estudo </font></i><font>do </font><i><font>funcionamento </font></i><font>da </font><i><font>bexiga </font></i><font>através do </font><i><font>seu preenchimento com líquido visível aos raio X]. </font></i>
</p><p><font>35. Na sequência desse exame, após colocação da algália na bexiga, foi administrado contraste iodado, tendo sido obtidos radiogramas seriados para avaliação da bexiga, tendo resultado que não se evidenciarem lesões endoluminais bexiga, registando-se, no entanto, trabeculação das suas paredes, em relação) provável com bexiga de esforço ou bexiga neurogénica;</font>
</p><p><font>36. Em Dezembro de 2009</font><b><font>, </font></b><font>a Autora teve a última consulta com o 2.° Réu, na qual aquele lhe terá dito que nada poderia fazer para a ajudar uma vez que, aquando da cirurgia terá ocorrido uma denervação, isto é, os nervos responsáveis pelo funcionamento da bexiga e do intestino foram rasgados durante a cirurgia, o que fez com que a bexiga e do intestino tivessem, automaticamente, deixado de cumprir as suas funções e implicando a consequente retenção urinária e fecal de que, agora, padece; </font>
</p><p><font>37. No dia 11-02-2010,</font><b><font> </font></b><font>a Autora foi consultada pelo Sr. DR. LL, gastrenterologista, LL, na HOSPITAL MM, que lhe solicitou que realizasse uma videodefecografia e uma manometria ano-recta!. </font>
</p><p><font>38. Na sequência desse exame observou-se na Autora uma cinética defecatória caracterizada por completa ausência de relaxamento do puborectal com o esforço defecatório, não tendo ocorrido qualquer esvaziamento da ampola rectal, donde se conclui pela dissinergia </font><i><font>[deficiente coordenação dos músculos] </font></i><font>do pavimento pélvico; </font>
</p><p><font>39. da manometria ano-rectal, realizada no dia 04-03-2010, resultou “que a pressão anal de repouso) é normal, pobre contracção voluntária, reflexos à distensão recta I normais e hipossensibilidade rectal muito acentuada; </font>
</p><p><font>40. A demandante mantinha dificuldades em defecar; era incapaz de defecação voluntária normal e natural; passava os fins-de-semana a fazer lavagens intestinais (clisteres) para não necessitar utilizar a casa de banho por vários dias; era obrigada a ter cuidados especiais e permanentes com a alimentação na tentativa de que as suas fezes sejam o menos duras possível; </font>
</p><p><font>41. o médico, NN, após consulta efectuada à demandante comunicou-lhe que a fim de ser evitada uma colostomia </font><i><font>[cirurgia que consiste </font></i><font>na </font><i><font>abertura </font></i><font>de </font><i><font>uma comunicação entre </font></i><font>o </font><i><font>cólon </font></i><font>e o </font><i><font>meio exterior </font></i><font>de </font><i><font>modo </font></i><font>a </font><i><font>permitir </font></i><font>a </font><i><font>saída </font></i><font>de </font><i><font>fezes </font></i><font>e a </font><i><font>colocação </font></i><font>de um </font><i><font>saco onde aquelas são armazenadas], </font></i><font>não perspectivavam uma solução para o problema em Portugal, tendo sugerido um hospital em Londres; </font>
</p><p><font>42. No dia 12-07-2010</font><b><font> </font></b><font>a Autora foi observado por médicos no LL, por uma médica que concluiu que a demandante: </font>
</p><p><font>a) demonstrou uma pressão normal em repouso e diminuída em contracção; </font>
</p><p><font>b) ser incapaz de relaxar durante o esforço; </font>
</p><p><font>c) a ampola rectal estava, efectivamente, dilatada como evidenciado através da distensão rectal com ar, também confirmado por sigmoidoscopia rígida; </font>
</p><p><font>d) a estimulação do nervo sagrado não havia surtido efeito; e que “</font><i><font>(…) as sequelas de que a Autora padece se devem à circunstância de os nervos localizados terem sido severamente danificados durante a cirurgia a que foi submetida no dia 19 de Julho de 2008</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>43. No dia 23-07-2010,</font><b><font> </font></b><font>a Autora foi examinada pelo médico, LL, donde resultou a conclusão de que a Autora padece de desnervação total do intestino delgado e grosso (cólon), “</font><i><font>subsequente a uma invasão dos supracitados órgãos por uma endometriose que obrigou a resolução cirúrgica</font></i><font>”; </font>
</p><p><font>44. No dia 27-07-2010, a Autora foi observada pelo médico cirurgião digestivo e vascular, PP, do HOSPITAL QQ, de Paris, tendo confirmado à demandante que possuía uma bexiga atónica após desnervação, tendo ainda confirmou, que o exame clínico revelava um recto de grande dimensão por distensão passiva e cheio de fezes duras e muito volumosas; </font>
</p><p><font>45. No dia 29-07-2010, a Autora foi examinada pelo médico, RR, no Gabinete do Serviço de Medicina do Trabalho, tendo desse exame resultado, ou apurado, que na sequência da intervenção cirúrgica a que a Autora foi submetida no dia 19 de Julho de 2008, resultou um quadro de bexiga neurogénica atónica, bem como uma desnervação total do intestino delgado e grosso (cólon); que que dessa cirurgia, a Autora não apresentava resultados positivos aos tratamentos, apesar do seu acompanhamento por especialistas de ginecologia, urologia e gastroentrologia, o que implicava para a Autora ter de fazer a auto-algaliação várias vezes por dia, Inclusive no local de trabalho, o que teria feito sobrevir uma infecção urinária crónica </font>
</p><p><font>46. O funcionamento dos seus órgãos fisiológicos foi destruído de forma definitiva e irreversível pelo 2.° Réu. </font>
</p><p><font>47. No dia 17-09-2010,</font><b><font> </font></b><font>a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica no HOSPITAL SS, S.A., na qual lhe foi colocado um ostoma no quadrante inferior esquerdo do abdómen, por a Autora sofrer de total, definitiva e grave disfunção ano-rectal e genito-urinária, o que motiva a realização de colostomia derivativa definitiva e obriga a algaliação para esvaziamento vesical. </font>
</p><p><font>48. Após a cirurgia a que foi submetida, a demandante sofreu graves e irreversíveis lesões; dando-lhe um sentido à vida que jamais pensou vir a ter; tanto mais que se trata de uma mulher muito jovem; impossibilitando-a de fazer algo tão básico como urinar e defecar de forma natural e normal; tendo visto precludida a possibilidade ansiada de vir a ser mãe. </font>
</p><p><font>49. Os danos provocados à Autora tiveram lugar na cirurgia a que foi submetida, não sendo causa necessária daquele tipo de cirurgia, “</font><i><font>posto que é possível intervir cirurgicamente sobre a endometriose sem provocar quaisquer lesões sobre os nervos responsáveis pelo funcionamento da bexiga e do intestino” </font></i><font>e “</font><i><font>muito menos precludir a possibilidade de Autora urinar e defecar de forma normal e natural</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>50. essa é a expectativa normal em intervenções cirúrgicas similares, “</font><i><font>tanto mais que tais aquelas sequelas, em momento algum, antes da cirurgia, foram referidas pelo 2.° Réu à Autora</font></i><font>”; “motivo bastante para entendermos que nem ele próprio as equacionou como uma possibilidade, </font>
</p><p><font>51. “</font><i><font>Se tais sequelas tivessem sido referidas à Autora, esta jamais teria consentido submeter-se à intervenção cirúrgica levada a cabo pelo 2.° Réu, nos termos em que o foi</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>52. “(…) </font><i><font>a qualidade de vida da Autora antes da dita cirurgia não era absoluta mercê da endometriose de que padecia, a verdade é que aquela com que ficou após a cirurgia é muito pior</font></i><font>”;</font>
</p><p><font> 52. a demandante foi submetida a uma Junta Médica no dia 22-11-2010,</font><b><font> </font></b><font>de que resultou </font>
</p><p><font>“</font><i><font>apurado que a Autora era à data - como é actualmente -, portadora de uma deficiência que lhe confere, de acordo com a TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES - ANEXO L aprovada pelo D.L. nº 352/2007 de 23 de Outubro, uma INCAPACIDADE PERMANENTE GLOBAL DE 84,00% (oitenta e quatro por cento)”, a qual é susceptível de variação futura, e devendo ser reavaliada no ano de 2020</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>53. “</font><i><font>desde que foi submetida à intervenção cirúrgica realizada no dia 19 de Julho de 2008, a Autora passou a ser obrigada a recorrer à auto-algaliação 8 (oito) a 10 (dez) vezes por dia e a defecar para um saco</font></i><font>: </font>
</p><p><font>54. No período compreendido entre a realização da cirurgia e a data da propositura desta acção, a Autora não teve qualquer evolução favorável do quadro clínico acabado de referir. </font>
</p><p><font>55. </font><i><font>Mercê da circunstância de no momento actual não se prever a existência de quaisquer tratamentos alternativos para as sequelas da Autora, esta passou, também, a evidenciar sintomatologia do foro depressivo, a qual se tem vindo a agravar</font></i><font>, </font>
</p><p><font>56. “devido às limitações físicas que é obrigada a enfrentar na vida “do dia-a-dia”, com sérias, profundas, graves, irreversíveis Implicações e limitações ao nível pessoal, profissional, social e sexual, necessitando de apoio psicossexual.</font><br>
<font>Com a factualidade que, sumariamente, se deixa vadeada, pede a demandante a condenação, solidária, dos demandados no pagamento da quantia de 275.000,00 € (duzentos e setenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font>Na contestação, o demandado, BB, incoa por discorrer sobre a caracterologia do morbo denominado “endometriose” e, sem deixar de exalçar as suas qualidades profissionais, no apartado referente à impugnação da factualidade que lhe é imputada, contravém, em síntese, que:</font>
</p><p><font>- a demandante já havia recorrido aos serviços clínicos do médico ginecologista, TT, dois anos antes de ter solicitado os serviços do médico ginecologista, FF, tendo ainda efectuado exames de diagnóstico e rotina, nomeadamente Eco Mamária, Eco Pélvica e Citologia (exame usualmente designado de papa Nicolau), recomendáveis no estudo da sintomatologia da paciente;</font>
</p><p><font>- Na consulta ocorrida em 31 de Julho de 2006, a Autora referiu a ocorrência de desmaios com o período menstrual, irregularidades menstruais, dismenorreia intensa e declarou estar medicada com Tri-Minulet;</font>
</p><p><font>- tendo de acordo com o exacto diagnóstico clínico da patologia evidenciada e relatada pela Autora, em tal data (31/7/2006),</font><i><font> </font></i><font>evidenciava ela o útero em rectrofleção o que traduz sintoma típico de situação avançada e/ou em evolução da patologia de endometriose por retracção. </font>
</p><p><font>- Na referida consulta é proposto, pelo referido ilustre clínico, à Autora, o recurso a um implante contraceptivo de uso subdérmico, designado de IMPLANON, o que é hábito quando se está perante um caso de endometriose e é pretendido protelar a intervenção cirúrgica; </font>
</p><p><font>- na consulta ocorrida no dia 29.04.2008,</font><b><font> </font></b><font>face às queixas apresentadas pela Autora - agravamento da dismenorreia com mais intensidade à micção e defecação - e ao resultado do exame objectivo efectuado à paciente, o médico, FF, prescreveu a realização de exames de avaliação e eventual confirmação de endometriose recto-vaginal, nomeadamente ecografia transvaginal;</font>
</p><p><font>- “</font><i><font>o referido exame - ECO - confirmou, de forma inequívoca e positiva, o diagnóstico efectuado pelo Dr. FF, nomeadamente, que a Autora padecia de </font></i><i><u><font>endometriose pélvica do septo recto vaginal, </font></u></i><i><font>sendo que tal diagnóstico foi confirmado já na consulta subsequente, ocorrida no dia 21.05.2008, pelo que o mesmo clínico propôs, em tal data, à paciente a realização de intervenção cirurgia por laparoscopia, tendo mesmo solicitado a elaboração de estudo pré-operatório e bem assim a colaboração do ora contestante</font></i><font>”; </font>
</p><p><font>- “</font><i><font>É, falso o alegado nos artigos 13º e 14.º da P.I., porquanto quando a Autora é observada pelo médico, FF foi-lhe tal doença incapacitante confirmada - e não apenas traçada qualquer mera suspeita clínica</font></i><font>”; </font>
</p><p><font>- “</font><i><font>É, que a primeira consulta da ora A. pelo ora contestante ocorreu em 31.05.2008, consulta essa ocorrida nas instalações do 1º demandado, sendo certo que era já do seu conhecimento que se tratava de paciente enviada pelo Dr. FF com diagnóstico confirmado de endometriose do septo retovaginal incapacitante, com coitalgia e dismenorreia, proctalgia (dor anal e perianal), hematúria (sangue na urina) e retorragias (sangue pelo recto) perimenstrual</font></i><font>”; </font>
</p><p><font>- na mesma consulta referiu a paciente, ora A., que a última menstruação ocorrera em 09.05.2008 e que fazia toma de Cerazette, tendo constatado a presença de volumoso nódulo do septo retovaginal palpável, aparentemente sem envolvimento do recto. </font>
</p><p><font>- dada a existência de retorragia e hematúria solicitou a realização de exames complementares de diagnóstico, concretamente, ressonância/colonoscopia virtual, cistoscopia e protoscopia/retrosigmoidoscopia </font>
</p><p><font>- na mesma consulta foi a Autora informada de todas as sequelas possíveis quer urológicas, quer protológicas e que poderiam ser mais ou menos prolongadas e duradouras ou persistentes </font>
</p><p><font>- na sequência da constatação da existência do referido nódulo, logo o contestante fez notar à A. que um nódulo com aquelas dimensões não cresce em meses mas sim em, pelo menos 1 a 2 anos ou mais e mesmo que já exista em dimensões mínimas, com longos anos, estas podem não ser detectáveis, tendo feito notar à A., que bem entendeu, que a existir sintomas de coitalgia incapacitante, hematúria, proctalgia e retorragia, tal constatação implicaria já a existência de lesões ao nível dos nervos satélites que, concreta e nomeadamente, regulam o normal funcionamento do intestino e bexiga (contracções e distensões destes órgãos) </font>
</p><p><font>- Foi, igualmente, a A. esclarecida destes exames complementares e bem assim informada que se não houvesse lesões endo-luminais, significaria apenas que as </font><u><font>mucosas</font></u><font> estariam livres mas que os nervos que correm ao longo da parede externa dos órgãos já estariam comprometidos e daí a existência de nevralgias. </font>
</p><p><font>- dos apontados exames não foi evidenciada a existência de lesões da mucosa do recto, sendo certo é que do resultado da referida ressonância magnética é constatada a existência de obliteração dos planos adiposos entre a vagina e o recto, numa extensão craneo-caudal de, aproximadamente, 35 mm e transversal de 26 mm. Foi igualmente constatada a existência de aspectos de fibrose no fundo do saco posterior de predomínio à direita numa extensão transversal de, sensivelmente, 40 mm e com espessura pericentimétrica, que revelava pequenos espiculados à direita, que se orientam para o Sacro omolateral. </font>
</p><p><font>- </font><i><font>é falso que, na óptica do ora contestante, existisse qualquer suspeita de possível invasão vesical, suspeita essa apenas levantada pelo Urologista a quem foram solicitados os exames complementares de diagnóstico de tal especialidade médica e de que a A. tem conhecimento pessoal</font></i><font>; </font>
</p><p><font>- </font><i><font>foi por via do referido relatório de Urologia que a cirurgia prevista de laparascopia veio a ser abandonada e tomada a opção de laparatomia, opção de que, igualmente, foi a A. devidamente informada e que com ela concordou, tal 'como foi, igualmente, advertida que a lesão observada por urologia podia não corresponder a endometriose mas antes a edema bolhoso do trígono motivado por esforço miccional por invasão dos nervos e consequente congestão da mucosa</font></i><font>. </font>
</p><p><font>- </font><i><font>nunca foi proposta a realização de qualquer exame laparoscópico de diagnóstico, mas tão só cirurgia por via laparoscópica, o que veio a ser abandonado, dada a suspeita aventada pela especialidade de urologia e, em sua substituição, feita a consequente opção de intervenção cirúrgica por via de laparatomia, o que tudo foi aceite e bem entendido pela paciente, in casu, a ora Autora</font></i><font>. </font>
</p><p><font>- </font><i><font>como é usual neste tipo de patologia, antes da proposta cirúrgica foi a A. proposto prévia tentativa de gestação (dado que a gestação iria melhorar os sintomas temporariamente), o que foi recusado por não ter previsto qualquer companheiro para esse fim e por incapacidade de vida sexual</font></i><font>; </font>
</p><p><font>- </font><i><font>a A., foi informada, tanto das possíveis como das previsíveis sequelas, quer urinárias, quer digestivas, provenientes da doença e/ou tratamento, quer imediatas quer a longo prazo</font></i><font>; </font>
</p><p><font>- “</font><i><font>na consulta subsequente, ocorrida em 15.7.2008, foi a A. relembrada pelo contestante de todas as possíveis consequências pós operatórias, nomeadamente em previsível tempo de recuperação e possibilidade de superveniência, o que tudo aceitou</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>- </font><i><font>uma das consequências pós operatórias típicas deste tipo de doença e abordagem clínica é exacta e precisamente a necessidade de decurso de tempo mais ou menos longo com empenho e esforço pessoal da paciente para reeducar as funções de micção e de defecação, tudo como previamente explicado à Autora</font></i><font>”; </font>
</p><p><font>- </font><i><font>“(…) o acto cirúrgico não incluiu qualquer cistectomia conforme, aliás, se confirma pelo relato operatório, facto pessoal de que a A. tem esclarecido conhecimento pessoal, pois foi devidamente informada que não foi intervencionada na bexiga, nem nos nervos adjacentes, por não se encontrar qualquer lesão visível ou palpável, realidade de que foi pessoalmente informada também pelo ora contestante</font></i><font>”, sendo, porém, “</font><i><font>verdade que na proposta de pré-autorização operatória elaborada para a SEGURO GG, se refere a possibilidade de ocorrência de cistectomia no acto cirúrgico a realizar, possibilidade que foi, naturalmente, formulada com base nos elementos fornecidos pelo urologista</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>- </font><i><font>“(..) a cirurgia decorreu normalmente e sem incidentes, nomeadamente por corte acidental dos nervos responsáveis pelo funcionamento da bexiga e do intestino da A., sendo comum e corresponde a procedimento adequado, substituir a algália após medição do resíduo pós-miccional aquando da alta, por uma de longa duração para iniciar treinos vesicais</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>- </font><i><font>Ignora o contestante e por isso impugna, se corresponde, ou não, à verdade o alegado nos arts. 3°, 10°, 11°,39°,41°,42°,68°,69°,70°,71°,72°,73°,78°,79°, 80°, 83° a 90°, 93° a 120°, 122° a 129º, 131° a 135° e 161° e 183° da p.i</font></i><font>. </font>
</p><p><font>- </font><i><font>na consulta, ocorrida em 12.08.2008 apenas referiu retenção vesical pós operatória, sendo realgaliada por duas vezes e, naquela data, retirou a algália, urinando mais ou menos bem, sendo-lhe recomendado algaliação</font></i><font>; </font>
</p><p><font>- </font><i><font>ao contrário do alegado, a A jamais referiu qualquer retenção fecal, antes e apenas vesical, nomeadamente na consulta de 12.08.2008 e, nesse mesmo dia, a A. removeu a algália, previamente colocada, urinando espontaneamente com esvaziamento razoável da bexiga, embora sem reflexo miccional</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>- </font><i><font>nunca referiu qualquer dificuldade defecatória significativa mesmo quando questionada, como aconteceu em 03/02/2009 e 20/02/2009, e quando informada e medicada com Lucrim depot, para uma potencial recidiva da doença e evitar a sua evolução. </font></i>
</p><p><i><font>- em 30/06/2009 refere mesmo melhoria franca dos sintomas de endometriose e sem coitalgia, ao contrário do que agora afirma, mantendo, no entanto, a auto-algaliação para o que fora informada previamente à cirurgia sendo, ainda, certo que até a última consulta, em 08/0112010, nunca referiu queixas digestivas significativas, antes pelo contrário, tal como nunca referiu incapacidade sexual, cuja melhoria salientou e nesta última consulta solicitou ajuda para cirurgia plástica devido á cicatriz da punção supra-púbica sendo certo que ficando de regressar a consulta dentro de 4 a 6 meses, não mais compareceu</font></i><font>. </font>
</p><p><font>- </font><i><font>a A manteve a confiança clínica na pessoa do contestante e bem assim no Dr. JJ, pelo menos até 8.01.2010 e, entretanto, como confessa e desde data muito anterior, iniciou outras avaliações clínicas não informando os médicos que a assistiam, nomeadamente o contestante e o referido Dr. JJ omitindo a realização e resultados tanto da eco vesical como da cistografia, nomeadamente nas consultas de 20.10.2009 e 8.1.2010</font></i><font>; </font>
</p><p><font>- é “</font><i><font>falso o alegado no art. 92</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> sendo certo que à A. sempre foi referido, mesmo antes da cirurgia, que os nervos já estariam envolvidos pela endometriose do que resultava a hematúria bem como a pseudo imagem de evasão vesical por bexiga de esforço e das rectoragias por esforço na defecação”;</font></i><font> </font>
</p><p><font>- a “</font><i><font>A. foi prévia e claramente informada, antes da realização do acto ope | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zKou4YBgYBz1XKvQCgn | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - “AA Lda." e BB instauraram acção declarativa contra "CC SA.", “DD - Comércio e Reparação de Veículos, Lda." e "EE, Comércio e Reparação de Veículos, Lda.", pedindo a condenação solidária das RR. a pagarem à A. a quantia de 20.075,13€, a título de indemnização por danos patrimoniais, e 5.000,00€, por danos não patrimoniais, a ambos os AA..</font><br>
<font>Alegam para tanto, e em síntese, ter a primeira Autora adquirido uma viatura de marca Renault, destinada ao uso do segundo Autor, a qual desde o princípio apresentou defeitos, para cuja reparação a Autora despendeu a quantia de 20.075,13€. Acrescem os transtornos e desgosto por que passou o Autor BB por ter estado privado do uso da viatura, dano não patrimonial que justifica a compensação dos AA. com não menos de 5.000,00€. </font><br>
<br>
<font>As RR. contestaram, por excepção, arguindo a ineptidão da petição, a sua ilegitimidade e a caducidade do direito, e por impugnação, pedindo a improcedência da acção. </font><br>
<br>
<font>No despacho saneador julgou-se válida e regular a instância, desatendendo-se as excepções de ineptidão da p.i. e de ilegitimidade das Rés.</font><br>
<br>
<font>Na indicação dos meios de prova, os AA. requereram a notificação das RR. para juntarem aos autos documentos, a realização de prova pericial, o que em ambos os casos foi deferido apenas em parte (despacho de fls. 660), despacho de que os AA. agravaram.</font><br>
<br>
<font>Os AA. agravaram ainda do despacho que teve por satisfeito o pedido de junção de documentos e agravaram também do despacho que indeferiu o pedido de prorrogação de prazo para exame de documentos apresentados pelas Rés. </font><br>
<br>
<font>A fls. 1299, os AA. apresentaram articulado superveniente, alegando factos de que apenas teriam tido conhecimento depois de realizada a perícia, mais alegando que entretanto tiveram conhecimento da existência de um caso igual ao seu, requerendo o aditamento à base instrutória dos pertinentes factos.</font><br>
<font>O articulado foi parcialmente deferido, tendo sido aditados à base instrutória mais factos, decisão da qual agravaram a Ré “Renault Portugal SA” e os AA..</font><br>
<br>
<font>Feito o julgamento, foi proferida sentença na qual se julgou a acção improcedente quanto às RR. "DD, Comércio e Reparação de Veículos Automóveis, Lda." e "EE Comércio e Reparação de Veículos Automóveis, Lda.", que absolveu do pedido, mas parcialmente procedente quanto à Ré "CC, SA", que foi condenada a pagar à Autora "AA. Lda.", a quantia de € 10.904,01, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento e ao Autor BB, a quantia de € 500,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento. </font><br>
<br>
<font>Apelaram os AA. e a Ré “Renault Portugal SA”, tendo a Relação decidido:</font><br>
<font>- não tomar conhecimento dos agravos interpostos pelos AA.; </font><br>
<font>- negar provimento ao agravo interposto pela Ré; e,</font><br>
<font>- negar provimento às apelações, confirmando a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<br>
<font>Interpuseram recurso de revista de ambas as Partes, mas só o da Ré acabou por ser admitido neste Tribunal.</font><br>
<br>
<font> Na alegação que ofereceu, a Recorrente pediu, a final, “a reforma do acórdão”: </font><br>
<font>“ </font><i><font>(i) reformando a nulidade resultante da contradição entre a fundamentação e a decisão, absolvendo a Recorrente do pedido; </font></i><br>
<i><font>(ii) reformando a nulidade resultante da omissão de pronuncia sobre o agravo da recorrente relativo à não admissão do articulado superveniente das AA, ordenando a pronúncia sobre este Agravo ao tribunal a quo; e </font></i><br>
<i><font>(iii) sempre, revogando-se a douta decisão recorrida por erros de julgamento, de lei substantiva e de processo, absolvendo-se a Recorrente da totalidade do pedido</font></i><font>”.</font><br>
<font> Para tanto, argumenta nas “conclusões”, que se transcrevem, argumenta como segue:</font><font> </font><br>
<font>I. Consideramos que o douto Acórdão recorrido enferma de duas nulidades que se solicita a V. Ex.as que corrijam: (i) A primeira decorrente de contradição entre os fundamentos de facto dados como provados (com as alterações feitas) e a decisão final; (ii) A segunda por omissão de pronuncia, por não ter decidido o Agravo - Ou sejam, as nulidades do artigo 668°, n.º1, alíneas c) e d) CPC, aplicáveis ex vi do artigo 716° CPC. </font><br>
<font>II. Ainda, das alterações e decisões tomadas pelo douto Acórdão recorrido quanto à matéria de facto, parece-nos que, além do mais, sempre teria necessariamente de resultar decisão final diversa. </font><br>
<font>III. Com efeito, da alteração da matéria de facto decorre necessariamente que a decisão devia ter sido a absolvição da Recorrente, não só (i) por ter deixado de ficar provada a origem da avaria, que assim, não tem causa provada, podendo ter sido a centralina a sua origem, ou outra qualquer, como (ii) por ter ficado provada a causa de exclusão da garantia, nunca poderia ter sido condenado ao abrigo do contrato de garantia, ainda (iii) por ter violado regras de processo ao admitir o articulado superveniente sem estar provado o conhecimento superveniente dos factos ai contidos, aditando à Base Instrutória factos que não são supervenientes. </font><br>
<font>IV. Pelo que se verificam erros de julgamento. </font><br>
<font>V. A matéria de facto foi alterada pela Relação a favor da Recorrente, não existindo agora qualquer facto que impute à recorrente a responsabilidade por culpa na avaria. Apenas poderia eventualmente discutir-se uma imputação a título de responsabilidade objectiva. Mas não foi dessa forma que a sentença impugnada entendeu condenar a Recorrente (pelo que sempre seria uma alteração da causa de pedir). Mas antes a título de responsabilidade contratual por violação do contrato de garantia. </font><br>
<font>VI. Acontece que ficou agora provado, por alteração da matéria de facto, que efectivamente a única razão porque a Recorrente não autorizou a reparação, foi porque uma condição do contrato de garantia não se achava cumprida: ficou provado que a centralina do veículo se encontrava alterada. </font><br>
<font>VI. Ora, nos termos do contrato é excluída a responsabilidade - do Recorrente - sempre que se verifique uma alteração não autorizada dos elementos do motor, o que ficou provado que sucedeu com a centralina, ou programador do motor do veículo. Consta como provado que foi essa a exclusiva razão porque a Recorrente não autorizou a reparação em garantia. E sendo a responsabilidade exclusivamente derivada do contrato de garantia, temos de entender que verificada uma das cláusulas de exclusão da garantia contratual a responsabilidade tem de ser considerada excluída. </font><br>
<font>VII. E dúvidas agora não podem existir que a responsabilidade foi dos AA. Pois foi também agora dado como provado que o veículo permaneceu nas oficinas do A. entre a avaria e a entrada nas oficinas da concessionária Renault (facto n.º 21-A) e provado que está que a A. é uma oficina especializada em reprogramação de centralinas (facto n.º 58). </font><br>
<font>VIII. O douto Acórdão recorrido, confirmando nessa parte a sentença da 1ª instância, afirmou que a responsabilidade da Recorrente deriva exclusivamente do contrato de garantia, e provando-se que se encontra verificada uma condição de exclusão da garantia contratual, por ter sido alterada uma componente do motor - o programador ou centralina - tem de se dar por concluído que a Recorrente não pode afinal ser responsabilizada. Tendo afinal de se absolver a Recorrente inteiramente do pedido. </font><br>
<font>IX. Pelo que não se entende - com a devida vénia - como a Relação, alterando a matéria de facto como o fez, na forma descrita, conclui depois, na decisão, de forma contraditória com os factos provados, por confirmar a condenação da Recorrente, no que é uma contradição entre os fundamentos e a decisão. O que é uma nulidade a necessitar de correcção. </font><br>
<br>
<font>X. A segunda questão prende-se com a relevância do agravo oportunamente interposto pela Recorrente. Na verdade, o douto Acórdão recorrido deu razão à alegação de não poder ser admitido o articulado superveniente da A. por não versar sobre factos supervenientes, mas desconsideraram o agravo por não o entenderem como relevante para a decisão da causa, não o apreciando. </font><br>
<font>XI. Com a devida vénia - que é muita - deve ter ocorrido um lapso, que gera nulidade. Com efeito, talvez a Relação não se tenha apercebido que os factos dados como provados com os n.ºs 69° a 75° foram incluídos na Base Instrutória (Quesitos 76° a 82°) apenas em decorrência do articulado superveniente, Por os AA. os terem alegado e o terem requerido apenas nesse articulado! </font><br>
<font>XII. E como se afirmou no douto Acórdão recorrido, os AA. já tinham conhecimento anterior desses factos e apesar disso não o alegaram na PI, nem na Réplica - locais próprios para o efeito. Como também o afirmaram, no douto Acórdão recorrido, que nos termos do artigo 664° CPC, o tribunal só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (cfr. fls. 20 do douto Acórdão recorrido). Ora estes factos só foram alegados pelas AA. no articulado superveniente que o douto Acórdão recorrido considerou que não deve ser admitido. </font><br>
<font>XIII. Retira-se assim que a decisão sobre o agravo da admissão do articulado superveniente assume toda a importância para a decisão final. </font><br>
<font>XIV. Se se der provimento ao agravo da Recorrente - como entendemos - e não for admitido o articulado superveniente das AA. esses factos (n.ºs 69° a 75°) não podem ser considerados. O que implica necessariamente que a decisão final tem de ser forçosamente alterada para absolvição! </font><br>
<font>XV. Termos em que nos parece que o douto Acórdão recorrido deve ser revisto também nesta parte, dando-se provimento ao agravo, não se admitindo os articulados supervenientes e não se considerando os factos dados como provados com os n.ºs 69° a 75°. </font><br>
<br>
<font>XVI. Como deixamos dito, as alterações já efectuadas na prova fixada na 1 a Instância pelo douto Acórdão recorrido impõem uma decisão de absolvição da recorrente. Na verdade, deixou de estar provado nos autos a causa da avaria. </font><br>
<font>XVII. Essa prova encontrava-se nos factos provados n.ºs 65 e 66, que foram eliminados pelo douto Acórdão recorrido e no facto n.º 67 (que o douto Acórdão recorrido por lapso identifica como n.º 76) que sofreu profundas alterações consonantes com a eliminação dos anteriores factos n.ºs 65 e 66. Além de se encontrar nos Factos n.ºs 69 a 75, que como já referido, se devem ter por não escritos, por resultarem de Articulado Superveniente da Recorrida que não deve ser admitido. </font><br>
<font>XVIII. Não ficou provado nos autos a razão da avaria da centralina e qual a razão da avaria do motor. Assim, não se logrou provar nos autos a causa da avaria. O que era ónus da A. </font><br>
<font>XIX. Pois, contrariamente ao afirmado pelo douto Acórdão recorrido, como vimos, o contrato de garantia foi afastado por se ter apurado uma clausula de exclusão - a alteração da centralina - pelo que ficando provada essa clausula de exclusão (essa sim ónus da prova da Recorrente) cabia ao Recorrido a contraprova desse facto, ou seja que apesar da verificação desse facto de exclusão da garantia teria sido a Recorrente a responsável pela avaria - o que não conseguiu fazer! </font><br>
<font>XX. Erra também o douto Acórdão recorrido quando afirma que seria ónus da prova da Recorrente apurar que a alteração da centralina tinha sido de responsabilidade da Recorrida. Tal não era necessário! Basta ter feito a prova - que se fez - que houve uma alteração da centralina. Isso é suficiente para dar como assente que se verificou um facto que exclui a aplicação da garantia. </font><br>
<font>XXI. O Recorrido ainda tentou provar que a alteração tinha sido da responsabilidade da Recorrente, mas não logrou fazer essa prova. Como também não conseguiu fazer prova - que também lhe competia - que o veiculo já tinha um defeito mesmo antes da avaria do motor, o que não pode presumir-se, desde logo por não estar em causa o motor ou a centralina como causadores da avaria, facto que não ficou apurado. </font><br>
<font>XXII. Tudo ao abrigo da aplicação dos artigos 342º e 346º do Cód. Civil. Assim, apenas ficou apurado nos autos a existência de um facto que implica a exclusão da aplicação da garantia contratual. Nada mais! </font><br>
<font>XXIII. Como também sem se saber a causa da avaria e sem se saber se a Recorrente teve alguma responsabilidade nessa causa, não é possível condenar a Recorrente no pagamento de uma indemnização por danos morais. Claramente falta o facto! Falta também o nexo de causalidade! </font><br>
<font>XXIV. Assim, o douto Acórdão recorrido ao ter mantido a condenação da recorrente no pagamento do motor e da centralina e na indemnização por danos morais, com base na responsabilidade da Recorrente nas avarias, violou o contrato e a lei, errou no julgamento. Pelo que a decisão tem de ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente por falta de prova. </font><br>
<font>XXV. Como também já referido, o douto Acórdão recorrido afirmou expressamente que em causa estava uma responsabilidade com base no contrato de garantia. Mas também foi o mesmo douto Acórdão recorrido que afirmou que a reparação tinha sido recusada pela recorrente apenas por causa da alteração da centralina. </font><br>
<font>XXVI. Ora, a afirmação de que se verificou uma causa de exclusão da garantia, deveria ter levado necessariamente à não aplicação do contrato e à total desresponsabilização da Recorrente! </font><br>
<font>XXVII. É obvio que a recorrente estava legitimada a recusar a aplicação do contrato de garantia, pelo próprio contrato. Assim a douta decisão recorrida errou no julgamento devendo ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente na totalidade dos pedidos da Recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>XXVIII. Devemos ainda invocar e alegar que a douta decisão recorrida errou no julgamento também ao entender que a apreciação do Agravo não teria nenhuma relevância para a decisão final. E assim não a apreciando. Violou as regras de processo (art. 710°/2 CPC). </font><br>
<font>XXIX. Vimos já que de facto a apreciação do Agravo é da maior relevância para a decisão final. Com efeito, só com o articulado superveniente é que a Recorrida alterou toda a apreciação dos factos em julgamento e pôs a tónica sobre a existência de um defeito de origem na viatura - algo que não consta da PI e do resto das suas alegações. </font><br>
<font>XXX. Ora, o seu articulado superveniente não é admissível, desde logo por não ser superveniente. Violando o artigo 506° CPC. </font><br>
<font>XXXI. E, é apenas e só apenas deste articulado superveniente - que o não é - que decorre a introdução na Base Instrutória dos factos que vieram a ser dados como provados como 69 a 75. No nosso entender esses factos foram ilicitamente dados como provados. </font><br>
<font>XXXII. E foram-no em violação das regras de processo, que cabe a V. Ex.s neste recurso também conhecer. Como também o afirmaram, no douto Acórdão recorrido, que nos termos do artigo 664° CPC, o tribunal só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (cfr. fls 20 do douto Acórdão recorrido). </font><br>
<font>XXXIII. Com efeito, apenas pode ser tido em conta pelo tribunal os factos que forem trazidos aos autos pelas Partes, ora os factos em causa foram apenas trazidos aos autos no articulado superveniente que não devia ter sido admitido por violado r das regras de processo. </font><br>
<font>XXXIV. Esse articulado não cumpriu as regras de admissão dos articulados supervenientes, previstos no artigo 506° CPC, desde logo por os factos aí trazidos pelo recorrido já há muito serem do seu conhecimento. Assim, esses factos não podem ser considerados por violadores das regras de processo. Designadamente os artigos 506°, 664° e 710° CPC. </font><br>
<font>XXXV. Ora, ao serem tidos por não escritos, deixa de ficar provada a base em que assentou a decisão condenatória da ora Recorrente, que tem assim de ser absolvida. Claramente a recorrente foi condenada por violação das regras de processo. Pelo que o douto Acórdão recorrido tem de ser revogado e substituído por outro que absolva a recorrente integralmente do pedido. </font><br>
<br>
<font>Não foi apresentada resposta.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 2. - Aferidas pelo conteúdo das repetitivas “conclusões” com que encerra a alegação da Recorrente, colocam-se, por ordem lógica e cronológica de apreciação, as seguintes </font><b><font>questões:</font></b><br>
<br>
<font>A. 1. - nulidade resultante da omissão de pronúncia sobre o agravo da recorrente relativo à não admissão do articulado superveniente das AA., ordenando a pronúncia sobre este Agravo ao tribunal a quo;</font><br>
<br>
<font>A. 2. - erro de julgamento quanto ao mesmo agravo, ao deixar de apreciar, a pretexto da sua irrelevância, o respectivo objecto; </font><br>
<br>
<font>B. - nulidade resultante da contradição entre a fundamentação e a decisão, absolvendo a Recorrente do pedido;</font><br>
<br>
<font>C. - erros de julgamento relativamente à verificação da garantia de que decorre a responsabilidade da Recorrente.</font><br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<br>
<font> 3. – Fundamentos de facto.</font><br>
<br>
<font>Após as modificações introduzidas pela Relação (identificáveis pela utilização de </font><i><font>negrito</font></i><font>), vem fixado o </font><b><font>quadro factual </font></b><font>que segue:</font><br>
<font>1. A 1ª A. é uma sociedade que se dedica à reparação de automóveis, pintura, mecânica, electricista, estofador, compra e venda de viaturas automóveis, transportes públicos, rodoviários de mercadorias por conta de outrem e aluguer de todo o tipo de veículos automóveis sem condutor.</font><br>
<font>2. No dia 27-08-2003, a A. adquiriu uma viatura Renault, modelo Espace L Ini 3.0 D, ligeiro de passageiros, caixa automática, com 2958 cm3 de cilindrada, em estado novo, à concessionária da Renault, “João Henriques dos Santos e Filhos, Lda., vulgarmente conhecida como “Auto Henriques” sita na Cruz do Barro, Torres Vedras, pelo preço de € 56.250,01.</font><br>
<font>3. A viatura foi objecto da matrícula 82-57-VJ, à qual corresponde o chassis nº VF1JKOJDB28971313, com o nº de motor WO25096.</font><br>
<font>4. A A. destinou a viatura identificada ao uso pessoal e particular do 2º. </font><br>
<font>5. A viatura adquirida beneficiava de uma garantia contratual nos termos e condições do teor do documento de fls. 68 a 88 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. </font><br>
<font>6. A A. recebeu da Renault Portuguesa – Comércio de Viaturas SA, hoje 1º ré, carta regista com a/r de 20-02-2004, e constante de fls. 89, cujo teor aqui se dá por reproduzido, na qual, em síntese, se dizia ter constado a possibilidade de disfuncionamento da chauffage eléctrica adicional e se propunham fazer uma intervenção gratuita. </font><br>
<font>7. No dia 04-03-2004, a A. contactou os serviços de assistência a cliente, a fim de proceder à marcação prévia, conforme solicitado, tendo sido informada que a Renault Portuguesa não dispunha das peças necessárias à substituição e logo que disponíveis, seria contactada.</font><br>
<font>8. No dia 02-11-2004, a A. procedeu è entrega da viatura na oficina da “DD” para ser efectuada a substituição do equipamento solicitado na carta referida em 6), tendo a A. reclamado as seguintes avarias: ventilador traseiro; GPS (não lia o CD); turbo (assobiava); caixa de velocidades (deitava óleo pelo respirador).</font><br>
<font>9. Naquele dia ficou ainda agendada a revisão dos 20.000 km.</font><br>
<font>10. A previsão de entrega da viatura era para o dia 03-11-2004 e veio a ser no dia 25-11-04.</font><br>
<font>11. A A. verificou que a viatura apresentava-se riscada tendo sido admitida a responsabilidade da concessionária 2ª Ré, pelos mesmos, predispondo-se a mesma a efectuar a pintura, o que a A. recusou.</font><br>
<font>12. Os riscos na viatura verificaram-se no pára-choques dianteiro, bem como nas duas portas do lado esquerdo (resposta ao quesito 2º).</font><br>
<font>13. A recusa da A., referida em 11), deve-se ao facto de ter ficado mal impressionada com os serviços prestados pela 2ª Ré (quesito 3º).</font><br>
<font>14. No dia 25-11-04, ao sair da oficina da DD, tendo apenas percorrido cerca de 100 m, o 2º A. apercebeu-se de um barulho estranho acompanhado de forte vibração da viatura (quesito 5º).</font><br>
<font>15. O responsável pela oficina experimentou o veículo, mandou recolhe-lo, e 1,5h depois entregaram a viatura, informando que o barulho e vibração haviam sido provocados pelo resguardo que estava solto (quesito 6º).</font><br>
<font>16. No dia 27-11-2004, verificou-se que o tecto panorâmico não funcionava (10º).</font><br>
<font>17. No dia 15-12-2004, a 2ª Ré forneceu o relatório de intervenção efectuada na viatura, constante de fls. 93 que aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea j dos factos assentes).</font><br>
<font>18. No dia 13-03-2005, pelas 16,30h, no regresso do Algarve a Lisboa, ao passar na portagem do Pinhal Novo, a viatura deitou muito fumo e o motor deixou de funcionar (quesito 12º).</font><br>
<b><font>18-A. Este incidente ocorreu cerca de 6.000 km após a revisão dos 20.000 km (resposta ao quesito 13º).</font></b><br>
<font>19. Foi solicitada a assistência em viagem para o 2º A. e família regressarem a casa.</font><br>
<font>20. No dia 14-03-2005, pelas 12.00h, a viatura foi levada para as instalações da EE.</font><br>
<font>21. Naquele dia, foi reclamado que o motor não pegava, fez muito fumo quando deixou de funcionar, tendo soltado óleo da caixa de velocidades e que, pouco tempo antes da avaria, perdia potência (quesito 14º).</font><br>
<b><font>21-A. Entre a avaria referida no art. 12 e a entrada da viatura nas instalações da 3ª Ré, referidas alínea N, a viatura esteve nas instalações da 1ª A., na Amadora</font></b><font> (resposta ao quesito 72). </font><br>
<font>22. Cerca de uma semana depois da entrega da viatura para reparação, foi dito ao 2ºA. que a viatura não podia ter sido intervencionada por a bateria se encontrar a carregar (quesito 15º).</font><br>
<font>23. Quando a 3º Ré iniciou a intervenção no veículo, deparou com a existência de uma massa branca não identificada no exterior da centralina (resposta aos quesitos 73º e 74º).</font><br>
<font>24. No dia 28-03-2005, a Autora foi contactada pela assistência a clientes da 1ª Ré, comunicando-lhe que a Renault não assumia a reparação da viatura ao abrigo da garantia do fabricante, invocando o facto de a centralina haver sido aberta e mexida, o que concluíram por haver massa daquela unidade e que estaria na origem da avaria do motor (alínea n) dos factos assentes).</font><br>
<font>25. As RR imputaram à A. a violação e alteração da centralina de forma que esta considerou ofensiva para o seu bom-nome (quesito 67º).</font><br>
<font>26. Foi o 2º A. quem enfrentou os serviços das RR e sofreu também o vexame da imputação (quesito 68º).</font><br>
<font>27. No dia 29-03-2005, o 2ºA. deslocou-se aos serviços da 3ª R, tendo-lhe sido dito que a centralina não respondia (quesito 16º).</font><br>
<font>28. A viatura andava anteriormente à avaria (quesito 18º).</font><br>
<font>29. O 2º A. verificou que a pouca distância da viatura referida em 2), estava a ser reparada uma viatura da mesma marca, modelo e motorização, matrícula 84-87-VR, à qual também havia sido retirada a centralina (quesito 20º).</font><br>
<font>30. A centralina da viatura referida em 29, apresentava vestígios de massa no exterior (quesito 21º). </font><br>
<font>31. E os números da centralina que supostamente pertencia à viatura referida em 2), correspondiam aos números da centralina da viatura referida em 29º (resposta ao quesito 22º).</font><br>
<font>32. O número constante no interior da centralina supostamente retirada da viatura da A., não condiz com nenhum dos números existentes no exterior da tampa (quesito 23º).</font><br>
<font>33. Para mudar os parâmetros de uma viatura, designadamente a potência do motor, não seria necessário proceder à abertura da centralina (quesito 24º).</font><br>
<font>34. Para aceder à centralina é necessário proceder à retirada da bateria e de uma tampa de protecção, fixada por parafusos (quesito 25º).</font><br>
<font>35. A 3ª R. não podia suspeitar da abertura da centralina, que nunca foi invocado (quesito 26º).</font><br>
<font>36. Um técnico da 1ª Ré procedeu à abertura da unidade de controlo, sem dar prévio conhecimento à A., nem expor-lhe as consequências da abertura da centralina ou solicitar a sua autorização (quesito 27º).</font><br>
<font>37. </font><b><font>A Renault não autoriza os seus concessionários ou funcionários destes, à abertura das centralinas </font></b><font>(resposta ao quesito 30).</font><br>
<font>38. A A. teve de mandar colocar uma nova unidade de controle cujo custo orçou em € 1.242,24 (quesito 32º).</font><br>
<font>39. Porque a viatura esteve imobilizada desde o dia 13-03-2005 e o 2º A. dela necessitava para o seu uso pessoal e familiar (quesito 33º).</font><br>
<font>40. Colocada a centralina no dia 13-04-05, o veículo continuou sem funcionar (quesito 34º).</font><br>
<b><font>41. A Renault recusou-se a reparar a avaria com a justificação de que os AA haviam procedido a alterações na centralina</font></b><font> (resposta ao quesito 35º).</font><br>
<font>42. A Autora, para evitar maiores prejuízos e para repor a viatura em funcionamento, adquiriu no dia 11-05-2005, um motor novo, no valor de € 8.901,20 que encomendara no fim de Abril (quesito 37º).</font><br>
<font>43. A A. mandou proceder à desmontagem do motor avariado e à sua substituição pelo novo motor (quesito 38º).</font><br>
<font>44. As operações de desmontagem e montagem do motor implicaram o dispêndio de, pelo menos, 16,20h de mão-de-obra, cujo valor global corresponde a € 506,33 à razão de € 31,00/hora, acrescido de IVA (quesito 39º).</font><br>
<font>45. A A. teve de proceder a novo carregamento de ar condicionado, operação que custa em valores de mercado € 100,00 mais IVA (quesito 40º). </font><br>
<font>46. O 2º A. ficou privado do uso da viatura desde, pelo menos, o dia 13-04-2005 até data não concretamente apurada, mas posterior a 11-05-05 (quesito 41º).</font><br>
<font>47. …o qual usava a viatura nas suas deslocações diárias, na satisfação das suas necessidades de locomoção própria e de seus familiares (…) (quesito 42º).</font><br>
<font>48. O 2º A. ficou desgostoso por se ver privado do uso da viatura e sofreu incómodos com as deslocações aos serviços das RR (quesito 69º). </font><br>
<font>49. No dia 21-04-2005, a A. recebeu relatório do diagnóstico, junto aos autos a fls. 256, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (…).</font><br>
<font>50. O dito diagnóstico não vem acompanhado da ficha, isto é, não refere o nº de ordem da reparação, data e hora do exame, quem preencheu, o VIN, o nº de motor, os km do veículo, o aparelho de diagnóstico, ou seja omite toda a informação administrativa, os efeitos no cliente e qual o sistema que foi controlado (se motor ou se foi o próprio calculador), quando as fichas padronizadas de diagnóstico da Renault referem esses elementos.</font><br>
<font>51. A A., sendo uma oficina de reparação de veículos, já depois de todos os incidentes aqui referidos, solicitou a sua inscrição no dia 19-05-2005, o que lhe custou € 35,88 para poder aceder aos procedimentos da Renault em matéria de diagnóstico e reparações de viaturas (quesito 44º).</font><br>
<font>52. A A. efectuou um teste diagnóstico com o custo de € 36,60 noutro concessionário Renault tendo o mesmo sido integralmente entregue (quesito 45º).</font><br>
<font>53. O diagnóstico referido em 49, corresponde ao teor da pag. S-63 do doc. nº 26 junto com a p.i. (quesito 46º).</font><br>
<font>54. A avaria a que se alude no diagnóstico referido em 49. surge referenciada no manual de diagnóstico genérico aplicável a todos os calculadores “DENSO” (quesito 47º).</font><br>
<font>55. Em Abril de 2003, a Saab lançara um “recall” do modelo 9-5 3.0 V6 (o mesmo motor que equipa a viatura da A.) doc 59: “</font><i><font>O motor Diesel fabricado pela Isuzu poderá apresentar uma perda de potência ou risco de quebra do turbo. Reprogramação do calculador de gestão do motor e substituição, a título preventivo da sonda de temperatura …(quesito 48).</font></i><br>
<font>56. A A. obteve a indicação de uma lista de defeitos mais comuns relativamente a diversas marcas e respectivos modelos e quanto à Renault surge indicado a “Espace ECUs” e quanto à Isuzu (fabricante do motor) surge referenciado “Isuzu Diesel ECUs” (quesito 49º).</font><br>
<font>57. A A. possui um banco de potência e sabe como são diagnosticados os problemas dos veículos e reprogramados os calculadores, sem ser necessário proceder à sua abertura (quesito 51º).</font><br>
<font>58. A 1ª A. possui uma oficina especializada em reprogramação de centralinas e o aumento de potência de automóveis (quesito 75º).</font><br>
<font>59. Apesar da reclamação referida em 8 (a caixa de velocidades deitava óleo pelo respirador) aquando da reparação efectuada na DD (02-11-2004) não foi efectuada tal reparação (quesito 52º).</font><br>
<font>60. O mesmo sucedeu quando a A. no dia referido em 20 entregou a viatura para ser reparada na EE (quesito 53º).</font><br>
<font>61. Em data concretamente não apurada de Junho de 2005, mas anterior a 30 daquele mês, em virtude de ter acendido a luz indicadora de temperatura excessiva da caixa de velocidades, constatou o 2º A. que a caixa de velocidade estava novamente a verter óleo (quesito 54º).</font><br>
<font>62. A A. levou o veículo referido em 2. no dia 30-06-2005 à EE.</font><br>
<font>63. Nessa altura, a 3ª R. efectuou a mando da 1ª Ré aleatoriamente e numa grande área, furos no resguardo do motor e na caixa de velocidades para refrigeração de todo o sistema do motor (quesito 56º).</font><br>
<font>64. A operação a que se refere o nº 63 foi efectuada à viatura da A. mas também a outras viaturas Renault Espace (quesito 66º).</font><br>
<font>65. (</font><b><font>eliminado pela Relação</font></b><font>).</font><br>
<font>66. (</font><b><font>eliminado pela Relação</font></b><font>).</font><br>
<font>67. </font><b><font>Um nível baixo de óleo é causador de futuras avarias por falta de lubrificação devida</font></b><font> (resposta ao quesito 63). </font><br>
<font>68. A EE enviou à A, o fax de 07-06-2005, a fls. 341, onde consta, além do mais “…</font><i><font>em relação à caixa de velocidades, todas as operações realizadas na EE foram efectuadas de acordo com o preconizado pela marca. A EE disponibiliza-se desde já para analisar as questões por si referidas no que ao nível do óleo da caixa de velocidades diz respeito</font></i><font>.”</font><br>
<font>69. A lubrificação dos cilindros efectuava-se exclusivamente por injectores (apenas um por cilindro) em forma de L, construídos numa liga latão (cobre e zinco), não existindo qualquer chapinhagem da cambota no óleo do cárter que auxilie aquela lubrificação dos cilindros (quesito 76º).</font><br>
<font>70. O injector do cilindro n.º1 encontrava-se completamente obstruído (quesito 77º).</font><br>
<font>71. A falta de lubrificação dos cilindros resultava da ausência de chapinhagem da cambota no óleo (quesito 78º).</font><br>
<font>72. O cilindro nº1 estava gripado e muito deteriorado (quesito 79º).</font><br>
<font>73. Os cilindros nºs 2 e 3 também se encontravam gripados (quesito 80º).</font><br>
<font>74. A situação de gripagem gradual dos cilindros ocorreu devido ao severo aquecimento produzido no cilindro nº1 onde ocorreu a falha de lubrificação que se propagou para os outros dois cilindros contíguos (quesito 81º).</font><br>
<font>75. Os danos ocorridos no 1º cilindro não eram evitáveis pelo utilizador da viatura em presença da anomalia que se verificou (quesito 82º).</font><br>
<font>76. A 1ª Ré é importadora dos veículos marca Renault para Portugal e as 2ª e 3ªs RR são concessionárias dessa marca (admitido por acordo das partes).</font><br>
<font>77. A viatura referida em 2) era a mais luxuosa daquele modelo (admitido por acordo).</font><br>
<b><font>78. O aluguer de uma viatura de carácter luxuoso era de cerca de € 118,77/dia (resposta ao quesito 43º</font></b><font>). </font><br> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_zKpu4YBgYBz1XKvgikb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<br>
<br>
<font> I— RELATÓRIO </font><br>
<br>
<br>
<font> Nos autos de reclamação de créditos, que são apenso do processo especial de falência de “AA”, do 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, foi proferida sentença que, na parte respeitante ao produto da liquidação dos bens imóveis da falida onerados com hipotecas voluntárias legais e privilégios creditórios, conferiu prioridade no pagamento, sucessivamente, aos trabalhadores (relativamente aos créditos fundados nos contratos de trabalho), Fazenda Nacional (por crédito do IMI), ao BCP em paridade com o BPI, CGD, S.A. em paridade com o BCP (todos na qualidade de credores hipotecários), Segurança Social (relativamente a contribuições garantidas por hipoteca legal, privilégio mobiliário geral e créditos referentes ao IRS), e demais credores, considerando no que se refere a juros que só podem ser atendidos os vencidos até à data da sentença de falência, 19 de Outubro de 2005.</font><br>
<font>Inconformada com o teor desta decisão, recorreu para a Relação a credora Caixa Geral de Depósitos, SA.</font><br>
<font>A Relação julgou o recurso improcedente pelo Acórdão de 13/09/10, inserto de fls. 1201 a 1204, considerando haver sido a problemática suscitada pela apelante bem resolvida na sentença recorrida.</font><br>
<br>
<font>Continuando inconformada, vem, agora, pedir revista do acórdão proferido, e nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª - Como o douto acórdão não se pronunciou sobre todas as questões colocadas pela recorrente, designadamente sobre a alegação de que em relação à verba n° 13 e 14, só o BCP e a CGD é que detêm uma hipoteca paritária e que quanto às verbas 15 a 21, o BNU (actual CGD) também detém uma hipoteca conjuntamente com os outros bancos, devendo a graduação de créditos ser também alterada nesse sentido, padece da nulidade prevista no artigo 668-1, d), ex vi do artigo 716, ambos do CPC;</font><br>
<font>2ª - Os factos atinentes à natureza privilegiada do crédito são factos principais/essenciais, isto é, dos que integram a causa de pedir e que necessitam de ser alegados nos termos da alínea c) do artigo 128 e do artigo 342-1, do C. Civil;</font><br>
<font>3ª - Desta forma, os trabalhadores para beneficiarem do privilégio imobiliário especial, previsto no artigo 377-1-b), do C. de Trabalho, tinham que alegar na sua reclamação de créditos o preciso ou o concreto imóvel onde exerciam a sua actividade, quando é certo que no património da insolvente existe mais de um imóvel apreendido e vendido, sob pena de não o fazendo, cessar o direito a invocar aquele privilégio; </font><br>
<font>4ª - Acontece que, como os trabalhadores não alegaram tal facto principal, o MJ ”a quo” mandou notificar o Sr. Administrador para vir informar quais os concretos imóveis onde os trabalhadores exerciam a sua actividade, </font><br>
<font>5ª - Ora, resulta do artigo 264, do CPC, que é vedado ao juiz a consideração de factos principais não alegados pelas partes ou em moldes diversos dos alegados por aquelas, pelo que não se podia considerar que os trabalhadores exerciam a sua actividade naqueles imóveis hipotecados;</font><br>
<font>6ª - Assim, o crédito hipotecário da CGD deverá ser graduado à frente dos créditos laborais, uma vez que o crédito daqueles apenas é garantido por privilégio mobiliário geral, atribuído pelo n° 1, alínea a), do art° 377° do Código do Trabalho;</font><br>
<font>7ª - Sempre e em qualquer caso, nunca os trabalhadores podiam ver reconhecido o privilégio do artigo 377°, do C. de Trabalho quanto aos prédios rústicos, os quais, diga-se, estão a ser alienados de forma independente de outros;</font><br>
<font>8ª - Por todo o exposto, por erro de interpretação e aplicação, violou a decisão recorrida os preceitos legais supra citados e demais disposições legais citadas na presente recurso.</font><br>
<br>
<font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – por diante CPC(1).</font><br>
<font>São as seguintes as questões nelas suscitadas: </font><br>
<font>a) Nulidade do Acórdão por violação do art. 668°, n° 1, al. d), primeira parte, do CPC;</font><br>
<font>b) Se o crédito hipotecário da CGD deverá ser graduado à frente dos créditos laborais.</font><br>
<br>
<br>
<font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font><br>
<br>
<font>DE FACTO</font><br>
<br>
<font>O Acórdão recorrido, como acima referimos, considerou as questões suscitadas na apelação bem resolvidas na sentença da 1ª instância e nessa conformidade para ela remeteu a sua fundamentação, nos termos permitidos pelo disposto no art. 713, n.º 5 do CPC.</font><br>
<font>Por sua vez, nessa decisão recorrida optou-se por não proceder a discriminação autónoma dos factos provados, antes os inserindo no decurso da interpretação e aplicação do direito de forma ajustada ao passo da fundamentação. </font><br>
<br>
<font>DE DIREITO</font><br>
<br>
<font>A) Nulidade do Acórdão por violação do art. 668°, n° 1, al. d), primeira parte, do CPC</font><br>
<br>
<font>Alega a recorrente que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão que lhe colocara relativa à errada graduação dos seus créditos concernente às verbas n° 13, 14, e 15 a 21, e alteração no sentido que propugnou, motivo porque entende ser nulo o seu Acórdão por omissão de pronúncia.</font><br>
<font>Não lhe assiste razão e passamos a explicar.</font><br>
<font>A nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. d) – primeira parte – do CPC é a omissão de pronúncia sobre questões que se devesse apreciar. </font><br>
<font>Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 666º, n.º 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra(2) .</font><br>
<font>Esta nulidade é uma constante nos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.</font><br>
<font>Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes(4) . </font><br>
<font>Sem esquecer isto, visando simplificar, até por razões de celeridade processual, a estrutura dos acórdãos, o art. 713º, n.º 5, do CPC faculta a remissão para a decisão impugnada quando a Relação confirma inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto á decisão quer quanto aos fundamentos.</font><br>
<font>Por essa razão, de que recebe e perfilha os fundamentos da decisão recorrida, não tem a Relação que se debruçar sobre as questões levantadas nas conclusões das alegações, com ressalva das que sejam de conhecimento oficioso, pelo que não envolve tal silêncio alguma violação da obrigação de motivação ou fundamentação das decisões imposta no nº 1 do art. 205º da CRP, como o disse o Tribunal Constitucional no Ac. nº 151/99 de 9/3/99, publicado no BMJ 485º-70 (e no DR, II Série, nº181, de 5/8/99).</font><br>
<font>Mas o uso dessa faculdade de remissão não é irrestrita e descriteriosa, apenas se justifica quando as questões colocadas no recurso tenham sido já analisadas na sentença recorrida e aí tenham sido cabalmente resolvidas, sob pena de, então, sim, incorrer o acórdão em omissão de pronúncia(5) . O que não acontece, por exemplo, se na apelação se impugna a decisão da matéria de facto (6).</font><br>
<font>Revertendo ao caso, temos que a sentença da 1ª instância, após prévia e circunstanciada análise factual e jurídica, procedeu à graduação dos créditos do seguinte modo:</font><br>
<font>“- À verba n° 13, referente a prédio misto, sito no ........, freguesia de …….. - Edifício ……, rés-do-chão e andar, destinado à industria de sapataria, com 582 m2 - artigos 710 e 903 urbanos, 235 e 237 rústicos, descritos na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “ BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas, em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>6.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 14, referente a prédio misto denominado "F…..", sito no ........, freguesia de …... - Edifício de sub-cave e cave amplas para armazém e rés-do-chão com refeitório, salão polivalente e sanitários - 370 m2; Pavilhão amplo destinado à indústria - 1.339 m2; terreno de mato - 141 m2, artigos 953 e 909 urbanos e 2056 rústico, descritos na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo "BCP" até ao montante garantido pela hipoteca registada em 19/11/2002.</font><br>
<font>4.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>5.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 15, referente a prédio rústico composto por pinhal, sito no ........, freguesia de ……, com a área de 1.060 m2, artigo 116, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado nela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, S.A." e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, até ao montantes neles garantidos.</font><br>
<font>6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>7.º) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 16, referente a prédio rústico, denominado por "M… " composto por pinhal, sito no ........, freguesia de ........, com a área de 380 m2, artigo 116, deserte na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da “Caixa Geral de Depósitos, SA” e do “BCP” até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, até ao montantes neles garantidos.</font><br>
<font>6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>7.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 17, referente a prédio rústico, denominado por "F…", composto por pinhal, sito no Lugar da Costa, freguesia de ........, com a área de 785 m2, artigo 160, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e “BCP” até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>6.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 18, referente a prédio rústico, composto por pinhal, sito no Lugar ……, freguesia de ........, com a área de 410 m2, artigo 118, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>6.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 19, referente a prédio rústico denominado por "M……", composto por pinhal, sito no L…, freguesia de ........, com a área de 775 m2, artigo 117, deserto na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4°) Os créditos da “Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, até ao montantes neles garantidos.</font><br>
<font>6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>7.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 20, referente a prédio rústico, composto por pinhal, sito no Lugar do ….., freguesia de ………., com a área de 1.500 m2, artigo 115, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1 °) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.°) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da "Caixa Geral de Depósitos, SA" e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que beneficiam de hipoteca legal, registada em 18 de Julho de 2005, ate ao montantes neles garantidos.</font><br>
<font>6.°) Os demais créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>7.°) Todos os demais créditos verificados.</font><br>
<br>
<font>- À verba n.° 21, refererente a prédio rústico, composto por pinhal, sito no Lugar do ........, freguesia de ……, com a área de 1.102 m2, artigo 128, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.° 000:</font><br>
<font>1.°) Os créditos dos trabalhadores da falida.</font><br>
<font>2.º) O crédito do IMI reclamado pela Fazenda Nacional.</font><br>
<font>3.°) Os créditos reclamados pelo “BPI” e "BCP" até aos montantes garantidos pelas hipotecas registadas em 27/11/1996.</font><br>
<font>4.°) Os créditos da "Caixa Gerai de Depósitos, SA." e do "BCP" até aos montantes garantidos pela hipoteca conjunta de 19/11/2002.</font><br>
<font>5.°) Os créditos do Instituto da Segurança Social que gozem de privilégio mobiliário geral e não beneficiem de hipoteca legal e os créditos relativos ao IRS que beneficiam de privilégio imobiliário.</font><br>
<font>6.°) Todos os demais créditos verificados.”</font><br>
<br>
<font>A recorrente CGD, SA discorda e acusou, na apelação, padecer de erro a graduação dos seus créditos, concretamente em relação às verbas n°s 13 e 14 (deve ser graduado em primeiro lugar, apenas com o BCP) e às verbas nºs 15 a 21 (deve ser graduado em primeiro lugar, conjuntamente com outros bancos, face à hipoteca registada em 27/11/96, e também em segundo lugar, com o BCP, face à hipoteca registada em 19/11/02).</font><br>
<font>Percebe-se que com a remissão e invocação do art. 713º, nº 5, do CPC a Relação assim não entendeu, e quis dizer que perfilhava e se louvava na fundamentação de facto e de direito do tribunal de 1ª instância, como que dela se apropriando, dessa forma manifestando que o entendimento defendido pela recorrente não tinha sustentação e correcto se apresentava o da decisão recorrida. </font><br>
<font>Aliás, a sentença da 1ª instância mostra-se cuidadosamente elaborada e precedida de minuciosa análise, tendo decidido todas as questões que naquela instância foram suscitadas.</font><br>
<font>Por sua vez, o acórdão recorrido, após o relatório, embora sem enumerar explicitamente a totalidade das questões que decidia, fez legal aplicação do disposto no art. 713º, n.º 5, do CPC, decidindo, como se referiu, por remissão, e acrescentando ainda algumas considerações complementares sobre a questão de saber se os trabalhadores da falida deviam beneficiar do privilégio imobiliário especial previsto no art. 377º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/03 de 27/08.</font><br>
<font>Concluindo, ao fazer seus os fundamentos de facto e de direito expostos pelo tribunal recorrido a Relação obviamente apropriou-se da decisão impugnada, também nessa parte. Isto é, pronunciou-se sobre o insurgimento da recorrente neste particular.</font><br>
<font>Não pode, assim, dizer-se que a graduação visada seja questão nova suscitada perante o tribunal de 2ª instância, e sem dúvida que não é de conhecimento oficioso, casos em que lhe estaria vedado fazer uso da remissão por antes a dever apreciar.</font><br>
<font>Em suma, não ocorre omissão de pronúncia, não padece o Acórdão recorrido da consequente nulidade que a al. d), do nº 1, do art. 668º do CPC (aplicável ex vi do art. 716º, nº 1) prevê.</font><br>
<br>
<font>B) Se o crédito hipotecário da CGD deverá ser graduado à frente dos créditos laborais </font><br>
<br>
<font>Sob esta epígrafe, alinha a recorrente a argumentação de aos trabalhadores, para beneficiarem do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 377º, nº 1, al. b), do Código de Trabalho, competir alegar na sua reclamação de créditos o concreto imóvel onde exerciam a sua actividade, quando é certo que no património da insolvente existe mais de um imóvel apreendido e vendido, sob pena de, não o fazendo, cessar o direito a invocar aquele privilégio.</font><br>
<font> Como não o fizeram, não alegaram tal facto principal, o juiz “a quo” não podia considerar que os trabalhadores exerciam a sua actividade nos imóveis hipotecados, após informação do Sr. Liquidatário a sua solicitação, por lhe ser vedado fazer como resulta do art. 264º, nº 2 do CPC.</font><br>
<font>Pretende, pois, que o seu crédito hipotecário seja graduado à frente dos créditos laborais uma vez que, face àquela omissão, o crédito daqueles apenas é garantido por privilégio mobiliário geral, atribuído pelo n° 1, al. a), do art. 377° do Código do Trabalho.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>Constitui jurisprudência uniforme que o momento decisivo para definir o regime normativo aplicável à graduação de créditos no âmbito de um processo de liquidação universal é o do decretamento definitivo da falência, e não o que vigorar, porventura, na data do encerramento da discussão e julgamento do processo de reclamação, verificação e graduação de créditos, tramitado como sua dependência.</font><br>
<font>A data da declaração de falência que vem dada por assente é a de 27 de Maio de 2005.</font><br>
<font>Nesta data já estava em vigor o art. 377º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que revogou as Leis nºs 17/86, de 14 de Junho e 96/2001, de 20 de Agosto, diplomas que anteriormente regulavam a matéria dos privilégios creditórios de que gozavam os créditos dos trabalhadores resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação.</font><br>
<font>Também vem estabelecido que os contratos de trabalho cessaram todos após o início da vigência do art. 377º, em 28 de Agosto de 2004.</font><br>
<font>Não se suscita, pois, qualquer dúvida, nem a recorrente a levanta, de a relação existente entre os trabalhadores e a empresa falida ser de natureza laboral e de ao caso ser aplicável o regime do art. 377º.</font><br>
<font>Dispõe este art. 377.º:</font><br>
<font>“1. Os créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:</font><br>
<font>a) Privilégio mobiliário geral;</font><br>
<font>b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade”.</font><br>
<font>Não se põe em causa que ao trabalhador, que reclame um crédito emergente do contrato de trabalho, incumbe para poder beneficiar do aludido privilégio imobiliário especial, alegar não só a existência e o montante desse crédito, como também o imóvel onde prestava a sua actividade, fazendo, depois, e se necessário, a prova de tais factos de acordo com a regra geral do ónus da prova (art. 342º, nº 1 do Código Civil)(7)(8) .</font><br>
<font>Na realidade, foi o Sr. Liquidatário, a solicitação da Exma Juíza e posterior pedido de esclarecimentos da recorrente, quem deu a saber, conforme fls. 1061 e 1064, e 1083 a 1088, que os imóveis integrantes da massa falida formavam no seu conjunto um todo único e interligado, com alguns deles ainda considerados rústicos tão só porque o processo de licenciamento das instalações fabris ainda se encontrava em aberto, mas sobre os quais já existem edificações ou funcionavam como logradouros alcatroados dos já classificados como urbanos, não havendo na empresa actividade agrícola, silvícola, ou qualquer outra do género, nem trabalhadores rurais.</font><br>
<font>Na sentença de graduação da 1ª instância que se seguiu(9) , não escapou ao decisor a importância do tema aqui trazido posicionando-se na corrente de pensamento expressa no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22/10/09, no Proc. nº 605/04.0TJVNF-A.S1, por essa forma dando por assente que os trabalhadores titulares dos créditos de natureza laboral exerciam a sua actividade nas instalações da falida, em todos os imóveis apreendidos nos autos. </font><br>
<font>Como afirma a dado passo, considera “que todos os imóveis apreendidos nos autos faziam parte do estabelecimento industrial da falida, de forma una e indivisível, onde era exercida a sua actividade produtiva concentrando nesse espaço o local onde os trabalhadores prestavam a sua actividade”, consequentemente sobre todos eles incidindo o privilégio imobiliário especial previsto no art. 377º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto e que revogou a Lei n.º 17/86, de 14 de Junho (cfr. ponto 8 da sentença, fls. 1117 a 1120).</font><br>
<font>Trata-se de questão já colocada a este Supremo Tribunal em diferentes matizes, tendo sido objecto, naquela que ora nos importa, de ponderação e decisões concordantes, relativamente recentes, nos Acórdãos de 22/10/09 já citado, e de 8/06/10 no Proc. nº 3147/04.0TBSTS-A.P1.S1.</font><br>
<font>Não vemos razão para deles dissentir, tendo em conta os princípios impregnados no processo civil. Como se decidiu no primeiro deles, “inserindo-se o procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos num processo global de falência, deve considerar-se processualmente adquirido o facto que se consubstancia na identificação do imóvel onde laborava o estabelecimento fabril da empresa falida, podendo as instâncias, ao proceder à graduação de créditos, terem tal facto em consideração, quando documentado na falência, ainda que não haja sido especificamente alegado no requerimento apresentado pelo reclamante nos termos do art.188º do CPEREF”.</font><br>
<font>Também aqui nos encontramos num processo de falência, e a reclamação de créditos não pode dissociar-se desse processo global de liquidação universal em que se insere. Decorre dos dados trazidos aos autos pelo liquidatário (fls. 1064 e 1084 a 1087) que todos os trabalhadores prestavam trabalho nas instalações da falida, constituídas por um conjunto de edifícios(9) , nem sempre contíguos mas interligados, onde eram exercidas as actividades industriais da mesma, e das certidões prediais juntas aos autos (cfr. fls. 942 a 965) se confirma a apreensão desses imóveis para o processo de falência.</font><br>
<font>Trata-se de um relevante acervo documental que, não se mostrando impugnado por quem quer que seja, não pode merecer a indiferença do julgador e deve considerar-se processualmente adquirido (art. 515º do CPC)(10) . </font><br>
<font>E foi ponderando essa aquisição processual, em conjugação com a caracterizada relação de natureza laboral dos trabalhadores com a falida, que o Exmo Juiz “a quo”, no exercício de um poder legalmente constituído (art. 351º do Código Civil), considerou o acima transcrito, isto é, que todos os trabalhadores exerceram a sua actividade naquele complexo de edifícios constitutivos de um todo uno e interligado, em que se traduzia o estabelecimento industrial da falida.</font><br>
<font>Diga-se, a propósito, que este facto não é passível de censura pelo Supremo Tribunal da Justiça. Como é sabido, a decisão sobre a matéria de facto só pode ser alterada por este Supremo Tribunal nos termos previstos no nº 2 do art. 722º e no nº 3 do art. 729º do CPC (na redacção anterior à conferida pelo Dec. Lei nº 303/2007 de 24/08, que, recorda-se, não é aplicável ao presente recurso), e não ocorre qualquer excepção a esta regra da intangibilidade da matéria de facto apurada pelas instâncias, pois não se verifica qualquer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.</font><br>
<font>Sendo assente haverem todos os trabalhadores exercido a sua actividade naquele complexo de edifícios constitutivos do estabelecimento industrial da falida, beneficiam os seus créditos de privilégio imobiliário especial sobre a totalidade dos imóveis, e é consequente que devem ser graduados antes dos créditos referidos nos arts. 748º e 751º do Código Civil.</font><br>
<font>Deste modo, não colhe a tese da recorrente. Tanto basta para se perceber que o recurso não pode proceder.</font><br>
<br>
<font>III-DECISÃO</font><br>
<font>Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão da Relação do Porto.</font><br>
<font>Custas do recurso pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 10 de Maio de 2011</font><br>
<font>.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Gregório Silva Jesus (Relator) </font><br>
<font>Martins de Sousa</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<br>
<b><font>_____________________</font></b><br>
<br>
<br>
<sup><font>[1]</font></sup><font> No regime anterior ao introduzido pelo Dec. Lei nº 303/07 de 24/08 ainda aqui aplicável (cfr. arts. 11º e 12º deste diploma). </font><br>
<sup><font>[2]</font></sup><font> Cfr. Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 672, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III Volume, 1972, pág. 247 e Acs. do STJ de 13/01/05, 5/05/05, e 31/05/05, respectivamente, Proc. 04B4251, 05B839 e 05B1730, no ITIJ.</font><br>
<sup><font>[3]</font></sup><font> Cfr. neste sentido Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143, Antunes Varela, RLJ, ano 122, pág. 112, Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, pág. 228.</font><br>
<sup><font>[4]</font></sup><font> Cfr. neste sentido os Acs. deste STJ de 7/04/05, Proc. nº 05B205, 21/04/05, Proc. nº 05B490, no ITIJ; Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, pág. 487.</font><br>
<sup><font>[5]</font></sup><font> Cfr. Acs do STJ de 13/01/05, Proc. 04B4031,17/03/05, Proc. nº 05B174, e de 4/02/04, Proc. nº 03S4058, no ITIJ.</font><br>
<sup><font>[6]</font></sup><font> Cfr. Salvador da Costa, Concurso de Credores, 3ª ed., págs. 332/333.</font><br>
<sup><font>[7]</font></sup><font> De salientar, que diferentemente do art. 128º, nº 1, al. c) do CIRE que impõe aos credores da insolvência, sem excepção, que indiquem a sua “natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável ”, o art. 188º do CPEREF, aqui a ter em conta, apenas impunha ao credor do falido, que indicasse “a sua proveniência, natureza e montante”. </font><br>
<sup><font>[8]</font></sup><font> Em que a matéria de facto não foi individualizada como preconizado no nº 2 do art. 659º do CPC, antes surgindo incrustada de modo esparso ao sabor da fundamentação.</font><br>
<sup><font>[9]</font></sup><font> Não correspondendo já os artigos matriciais rústicos a prédios dessa natureza, só como tal permanecendo por à data em que a empresa se apresentou à falência o processo de licenciamento industrial ainda não haver sido concluído.</font><br>
<sup><font>[10]</font></sup><font> O escopo primordial do processo é a realização do direito com o alcance da verdade material. Daí a importância deste normativo consagrando o princípio da aquisição processual, o qual segundo o enunciado de Manuel de Andrade se traduz no facto de “os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo” (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 383).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
aDJ-u4YBgYBz1XKvgBH2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font>Processo n.º 2300/15.6T8PNF.P1.S1</font></b><a><b><u><font>[1]</font></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – AA </font></b><font>e mulher</font><b><font>, BB instauraram </font></b><font>acção declarativa comum de condenação, demandando a ré</font><b><font> CC, S.A, </font></b><font>pedindo o seguinte: </font>
</p><p><font>a) A condenação da ré a reconhecer a situação de invalidez absoluta definitiva da autora esposa, com data de 6 de Agosto de 2013; </font>
</p><p><font>b) A condenação da ré a pagar à instituição de crédito DD, S.A., beneficiária dos contratos de seguro identificados em 6.º e 7.º da petição inicial, o montante que se encontrar em dívida, correspondente ao capital seguro, à data da prolação nestes autos de decisão que ponha fim ao litígio, e que na data da apresentação da petição ascendia a € 67.824,44; </font>
</p><p><font>c) A condenação da ré a reembolsar os autores na quantia de € 542,46, a título de prémio de seguro, bem assim a quantia de € 9.174,14, a título de prestações para amortização do financiamento, pagos após a data de 6 de Agosto de 2013, à ré e à entidade bancária beneficiária do contrato de seguro; </font>
</p><p><font>d) A condenação da ré a pagar juros de mora calculados à taxa legal sobre cada uma das prestações pagas e que perfazem as quantias referidas em c), até efectivo e integral pagamento; </font>
</p><p><font>e) A condenação da ré a pagar aos autores todos os prémios de seguros que os autores entretanto pagarem à ré, bem como todas as prestações de liquidação do empréstimo que pagarem ao DD, S.A., acrescido de juros até efectivo e integral pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto e em síntese, alegam que: são casados entre si, sendo que, em data anterior ao casamento, o autor marido adquiriu a fracção melhor identificada na petição inicial, tendo este, junto do EE, contraído, para o efeito, um financiamento, sendo que aquela instituição financeira exigiu que o autor contratasse um seguro de grupo, tipo vida, o que o autor marido fez; em 30/08/2008, o autor marido transferiu aquele seu seguro para a aqui ré, e bem assim contratou para a autora esposa os mesmo contrato de seguro, designado ..., tendo como beneficiário o EE, como valor seguro, o capital do empréstimo ainda por amortizar, no valor de € 86.000,00; tal contrato de seguro cobre o risco de morte e invalidez de qualquer um dos autores; subscritos os documentos, compostos de formulários designados por propostas, receberam os autores as condições particulares e gerais do contrato; em momento algum prévio ao da outorga da proposta foi explicado a qualquer um dos autores que o âmbito do risco assegurado, mormente no caso de invalidez, fosse outra distinta da impossibilidade absoluta de desempenhar as suas funções profissionais habituais; em Agosto de 2010, a autora adoeceu, tendo-lhe sido diagnosticado um cancro – adenocarcinoma gástrico –, tendo sido submetida a cirurgia para gastrectomia total radical e, após, iniciou tratamentos que quimioterapia; desde essa altura que a autora está total e absolutamente incapaz de trabalhar; em Julho de 2013, após um período de 3 anos de baixa médica, não tendo exercido a sua profissão habitual de costureira, o Instituto da Segurança Social deferiu à autora uma pensão por invalidez, com início a contar de 6 de Agosto de 2013; sujeita a junta médica, foi entendido que a autora era portadora de deficiência com grau de incapacidade de 80%; a autora, através do seu mandatário, participou a ocorrência à ré, a qual acabou por declinar a responsabilidade por entender que as lesões não se enquadram na definição da garantia de invalidez absoluta e definitiva da apólice, que a define como “aquela que, em consequência de acidente ou doença, e após cura clínica comprovada medicamente, impeça a pessoa segura total e definitivamente de exercer qualquer actividade e, cumulativamente, obrigue a assistência permanente de terceira pessoa para a prática dos actos normais da vida” (cfr. art. 5.º, n.º 4, das condições gerais), acrescentando que “ a avaliação e fixação da IAD são exclusivamente feitas por recurso às regras e condições da apólice não sendo possível de comparação ou analogia com as decisões de outras entidades, nomeadamente a Segurança Social”; quando os autores subscreveram as propostas tiveram como única intenção fazer face a um acontecimento que os colocasse perante uma impossibilidade de angariar rendimentos provenientes do seu trabalho; em momento algum a ré comunicou aos autores ou estes assim o entenderam e aceitaram que o conceito de IAD fosse de tal maneira reduzido, que, para além da referida impossibilidade de trabalhar, implicasse, ainda, cumulativamente, a impossibilidade de praticar todos os actos da vida, a implicar necessidade de assistência permanente de terceira pessoa; em momento algum a ré comunicou aos autores ou estes assim o entenderam e aceitaram que, se a junta médica da Segurança Social considerasse a pessoa segura inválida, para efeitos de concessão de pensão de reforma, esta classificação não importaria para aquela; e, tratando-se de cláusulas contratuais gerais não informada aos autores com aquele sentido e alcance, a mesma terá de ser excluída (e sempre seria contrária ao princípio da boa-fé e consequentemente cláusula proibida).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Válida e regularmente citada, a ré excepcionou a ilegitimidade activa do autor marido e da autora mulher, invocou a ineptidão da petição inicial quanto ao mesmo autor marido e, no essencial, impugnou os factos alegados pelos autores, aceitando outros, e excepcionando ter o mediador comunicado aos autores as cláusulas invocadas por eles, como não tendo sido objecto dessa comunicação. E, nos moldes em que estas cláusulas são contratualmente definidas, a autora não se encontra naquela situação. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A ré alega, ainda, que, caso a tese dos autores tivesse vencimento, então, o contrato em causa ficaria vazio de conteúdo, a determinar a sua nulidade. Concluiu, pugnando pela absolvição da ré da instância e, assim não se entendendo, pela sua absolvição do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os autores exerceram o contraditório a fls. 159 a 163 dos autos, deduzindo incidente de intervenção principal provocada do DD, S.A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O tribunal deferiu o referido incidente (cfr. fls. 165 a 167), aceitando a intervenção principal provocada do DD, como associado dos autores. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Regularmente citada, o chamado apresentou o articulado de fls. 170 a 175 dos autos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Autores e ré exerceram o contraditório relativamente ao articulado do DD, a fls. 184 a 192 dos autos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância, se julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa do autor marido e se absolveu a ré da instância quanto aos pedidos deduzidos pelo mesmo, se fixou o objecto do litígio, se seleccionou a matéria de facto assente e se fixaram os temas da prova.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Proferiu-se sentença que julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu a ré CC, S.A., dos pedidos deduzidos pela autora BB, a quem se associou o DD, S.A.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dessa sentença interpôs a A. recurso de apelação, sem sucesso, já que a Relação julgou a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmou a sentença impugnada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a A. de revista excepcional, tendo a Formação admitido o referido recurso, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A A. conclui as suas alegações com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Da Admissibilidade da Revista Excepcional</font>
</p><p><font>I a IV (…). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Da Identidade que Determina a Contradição entre o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido nos presentes autos e o Acórdão-Fundamento</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>V – O Acórdão Recorrido está em frontal contradição com o Acórdão-Fundamento no que diz respeito àquilo que deve ser considerado como Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD) para efeitos de acionamento do contrato de seguro subjacente a um contrato de mútuo, onde figura como beneficiário irrevogável a instituição bancária que concedeu o crédito à A.</font>
</p><p><font>VI – O conceito de IAD é essencial para a decisão a tornar, quer num como noutro Acórdão.</font>
</p><p><font>VII – No Acórdão-Fundamento do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 31/05/2011, ficou decidido que: “Uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.”</font>
</p><p><font>VIII – Decidiu-se ainda que: “Tendo a autora, devido a doença oncológica, ficado incapacitada para o exercício da sua profissão habitual e tendo sido reformada por invalidez, esta incapacidade não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos art.ºs. 236.º e 233.º, n.º 1 do C. Civil, ser este o entendimento que um destinatário médio e de boa fé ao aderir ao contrato de seguro de grupo dos autos extrairia da cláusula da respectiva apólice de seguro, denominada “Invalidez Absoluta e definitiva” por doença.”</font>
</p><p><font>IX – Pela análise de ambos os casos, conclui-se facilmente que os presentes autos são quase um decalque daquele outro processo onde foi proferido o Acórdão Fundamento</font>
</p><p><font>X – Em ambos os casos verificou-se que as Autoras:</font>
</p><p><font>a) Celebraram com a R. um contrato de seguro do ramo VIDA, que garantia o pagamento do capital mutuado no caso de se verificar uma situação de incapacidade absoluta e definitiva (IAD);</font>
</p><p><font>e) A ambas foi diagnosticado cancro gástrico, o que levou a que tivessem de ser submetidas a gastrectomia total;</font>
</p><p><font>d) Ambas têm incapacidade para a actividade habitual;</font>
</p><p><font>e) Em virtude da patologia que lhes foi diagnosticada e do procedimento cirúrgico de que foram alvo, foi-lhes atribuída uma incapacidade permanente de global de 80%, devendo a mesma ser revista, num caso passados 5 anos e no caso dos autos, passados 6 anos.</font>
</p><p><font>f) Atendendo à incapacidade fixada, foi-lhes atribuída uma pensão por invalidez.</font>
</p><p><font>XI – Nos presentes autos, definia a cláusula do artigo 5º, n.º 4 das Condições Gerais: "Para efeitos desta garantia, entende-se por IAD, aquela que, em consequência de acidente ou doença e após cura clínica comprovada medicamente, impeça a Pessoa Segura Total e Definitivamente de exercer qualquer actividade e cumulativamente obrigue a assistência permanente de terceira pessoa para a prática dos actos normais de vida”.</font>
</p><p><font>XII – No Acórdão-Fundamento a situação de IAD verificava-se quando estivessem cumulativamente verificados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>– Possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa;</font>
</p><p><font>– Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória.” [sublinhado nosso]</font>
</p><p><font>XIII – Tanto o Acórdão Recorrido como o Acórdão-Fundamento socorrem-se das normas constantes dos artigos 236.º a 239.º do C.C., conjugadas com os artigos 7.º 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 15 de Outubro, respeitante às Cláusulas Contratuais Gerais.</font>
</p><p><font>XIV – Apesar do recurso aos mesmos normativos legais, as decisões são diametralmente opostas.</font>
</p><p><font>XV – No Acórdão Recorrido sufragou-se o entendimento que “sendo o risco coberto, para além da morte, a invalidez absoluta definitiva, mesmo não havendo especificação do conceito dessa invalidez, o declaratário médio e medianamente sagaz, não pode deixar de entender que a mesma se refere a todo e qualquer trabalho que não apenas ao trabalho habitual do segurado”.</font>
</p><p><font>XVI – Enquanto que no Acórdão-Fundamento se entendeu que “uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.” (Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 313/07.0TBSJM.P1.S1, datado de 29-3-2011, disponível para consulta em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>) [sublinhado nosso]</font>
</p><p><font>XVII – Ainda do Acórdão-Fundamento resulta que a “incapacidade da autora para o exercício da sua profissão habitual, associada à perda de remuneração por incapacidade de a angariar, não pode deixar de corresponder a uma incapacidade absoluta e definitiva, por, de harmonia com o disposto nos art.ºs. 236.º e 238.º, n.º 1 do C. Civil, ser este o entendimento que um destinatário médio e de boa fé ao aderir ao contrato de seguro de grupo dos autos extrairia da cláusula 2.2. alínea b) da respectiva apólice de seguro”</font>
</p><p><font>XVIII – Decidiu assim o Tribunal da Relação de Guimarães que a A. estava numa situação de IAD e por isso abrangida pelo seguro que havia contratado com a R.</font>
</p><p><font>XIX – Em sentido contrário foi o Acórdão Recorrido, ao não enquadrar a situação da A/Recorrente no conceito de IAD definido na cláusula do artigo 5.º, n.º 4, 1.ª parte das Condições Gerais do Contrato de Seguro celebrado com a R.</font>
</p><p><font>XX – No presente caso, a interpretação a dar á 1.ª parte, do n.º 4 do artigo 5.º das Condições Gerais do Contrato de seguro, devia ter sido feita de acordo com a correcta interpretação e aplicação dos artigos 236.º a 239.º do C.C., como aliás aconteceu no Acórdão-Fundamento, partindo-se da “teoria da impressão do sujeito”</font>
</p><p><font>XXI – Isto porque, o cidadão comum, medianamente informado e diligente, não retira do conceito de “invalidez absoluta e definitiva” que a cobertura do seguro subscrito abrange apenas uma situação de tal modo grave que o deixe completamente impossibilitado de exercer toda e qualquer profissão.</font>
</p><p><font>XXII – O adjectivo “absoluta” para um declaratário comum só pode ser aquele em que o segurado esteja numa situação de incapacidade absoluta para o exercício da sua profissão habitual e não para toda e qualquer profissão.</font>
</p><p><font>XXIII – À A/Recorrente não podem ser exigidos conhecimentos técnicos e jurídicos que lhe permitam apreender o sentido e alcance do preenchimento do conceito de IAD, tal como o mesmo é definido no Acórdão Recorrido, atendendo que o que lhe foi proposto foi um seguro apto a acautelar uma situação infortunística, onde o segurado se visse privado da sua capacidade de ganho e que, por isso, não conseguisse amortizar o empréstimo.</font>
</p><p><font>XXIV – Mais, o conceito de IAD deve ser aferido “em face da actividade anteriormente desenvolvida bem como das capacidades e habilitações literárias da pessoa segura” (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. datado de 18/09/2014, proferido no processo n.º 2334/10.7TBGDM.P1.S1, disponível para consulta em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>)</font>
</p><p><font>XXV – A A./Recorrente possui o 4.º ano de escolaridade e desempenhou sempre, desde os 12 anos de idade, a profissão de costureira.</font>
</p><p><font>XXVI – Impõe-se por isso decisão diversa daquela que foi proferida no Acórdão Recorrido, atendendo à extrema relevância social da questão, uma vez que, a existência decisões tão díspares (entre Acórdão Recorrido e Acórdão-Fundamento), é susceptível de afectar um grande número de pessoas, em particular consumidores, em relação à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, no caso, seguradoras, existindo por isso um interesse que ultrapassa significativamente os limites do caso concreto.</font>
</p><p><font>XXVII – Aquelas capacidades e habilitações da A. deviam ter sido tidas em conta no momento da interpretação a dar ao conceito de LAD previsto no artigo 5.º, n.º 4, 1.ª parte das Cláusulas Contratuais Gerais do Contrato de Seguro, nos termos dos artigos 236.º a 239.º do CC.</font>
</p><p><font>XXVIII – Assim, perante as divergências de teses constantes no Acórdão Recorrido e no Acórdão-Fundamento, é entendimento da Recorrente/A, que deve merecer vencimento a tese sufragada no Acórdão-Fundamento, pois é esta que faz a correcta interpretação dos artigos 236.º e 238.º do C.C., atribuindo à cláusula que define o conceito de IAD para efeitos do contrato de seguro o sentido que um destinatário médio e de boa-fé extrairia ao aderir ao contrato de seguro em crise nos autos.</font>
</p><p><font>XXIX – É da mais basilar justiça e prudência que a situação de incapacidade da A/Recorrente integra uma situação de IAD abrangida pelo seguro contratado com a R/Recorrida, devendo por isso ser julgado procedente o presente recurso, seguindo-se assim a mesmíssima posição sufragada pelo Acórdão-Fundamento.</font>
</p><p><font>XXX – O Tribunal da 1.ª Instância, bem assim o Tribunal da Relação do Porto ao não decidirem daquele modo, violaram com a decisão recorrida, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 236.º e 238.º do C. C., mostrando-se ambas as decisões em oposição frontal com o Acórdão-Fundamento, datado de 31-05-2011, transitado em julgado, de que aqui se junta certidão e ainda com o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 29-03-2011, já supra referido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em termos do pedido recursivo entende a recorrente dever dar-se prevalência à tese sufragada no Acórdão-Fundamento, revogando-se em consequência o Acórdão Recorrido, substituindo-o por outro que adopte aquela referida jurisprudência.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Houve contralegações, sustentando a bondade do decidido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cumpridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.A.1 – De facto</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.A.2.</font></b><font> Com interesse para a decisão da causa está provado que:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>1. A autora BB e AA são casados entre si desde 8 de Janeiro de 2005, no regime da comunhão de adquiridos (cfr. certidão de casamento que se junta como doc. n.º 1).</font></i>
</p><p><i><font>2. O marido da autora, AA, adquiriu, ainda no estado de solteiro, por compra e pelo preço de 100.000,00€, a fracção autónoma identificada pela letra "E", correspondente à habitação do tipo T-3, descrita na Conservatória de Registo Predial de Lousada sob o nº 330-E/Meinedo (cfr. documento n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).</font></i>
</p><p><i><font>3. Para o efeito, contraiu o mencionado marido da autora e obteve junto do Banco EE um financiamento no montante de 95.000,00€, sendo que para garantir a amortização do referido empréstimo constituiu hipoteca voluntária sobre a referida fracção, assim como foram prestadas garantias pessoais por terceiros.</font></i>
</p><p><i><font>4. Para além do mais, exigiu a entidade financeira que o mencionado AA contratasse seguro de grupo, do tipo VIDA, tudo conforme resulta da cláusula 5.ª do documento complementar, de modo a garantir ao Banco a liquidação do montante financiado em caso de morte ou invalidez do autor marido (cfr. documento n.º 3, composto de condições gerais do financiamento que se junta e mesmo documento n.º 2 composto de escrita).</font></i>
</p><p><i><font>5. Por forma a preencher essas condições de atribuição de financiamento, o referido AA subscreveu o referido seguro de grupo, do ramo VIDA, para garantir os 95.000,00€ financiados, o que fez com uma seguradora diversa da ré.</font></i>
</p><p><i><font>6. Mais tarde e depois de, por forma não concretamente apurada, ter sido colocado um fim ao referido seguro que havia subscrito, o mencionado AA e a autora BB, junto de um mediador de seguros, subscreveram, cada um deles, um documento intitulado “proposta de subscrição” dirigida à ré de um seguro denominado “FF” (sendo que o documento subscrito pela autora o foi nos moldes constantes do documento de fls. 50 a 52 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido), propostas estas que foram aceites pela ré, dando origem à emissão das seguintes apólices de seguro e respectivas condições particulares:</font></i>
</p><p><i><font>a) 20 – 00 – 000279, da qual consta, entre outras coisas, como tomador de seguro, AA, como pessoa segura, AA, como duração, 25 anos, data de início 30/08/2008 e data de termo 29/08/2033, empréstimo, montante, 86.000,00, como garantias 1.º ano, capital em caso de morte (100%), capital em caso de invalidez absoluta e definitiva – IAD (100%), capital em caso de invalidez total e permanente ITP (0%) e pagamento das mensalidades do empréstimo em caso de incapacidade temporária e absoluta – ITA 0%, como beneficiário irrevogável, Banco EE, S.A., e como outros beneficiários, em caso de capital remanescente: o cônjuge e, na sua falta, os filhos (cfr. documento de fls. 35 e 36 cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);</font></i>
</p><p><i><font>b) 20 – 00 – 000278, da qual consta, entre outras coisas, como tomador de seguro, BB, como pessoa segura, BB, como duração, 25 anos, data de início 30/08/2008 e data de termo 29/08/2033, empréstimo, montante, 86.000,00, como garantias 1.º ano, capital em caso de morte (100%), capital em caso de invalidez absoluta e definitiva – IAD (100%), capital em caso de invalidez total e permanente ITP (0%) e pagamento das mensalidades do empréstimo em caso de incapacidade temporária e absoluta – ITA 0%, como beneficiário irrevogável, Banco EE, S.A., e como outros beneficiários, em caso de capital remanescente: o cônjuge e, na sua falta, os filhos (cfr. documento de fls. 33 e 34 dos autos cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) encontrando-se associadas às referidas apólice as condições gerais constantes do documento de fls. 113 a 124 dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.</font></i>
</p><p><i><font>7. Uma vez subscritos os mencionados documentos (posteriormente à subscrição), compostos de formulários designados por propostas, receberam a autora mulher e o AA, as condições gerais e particulares do contrato de seguro (sendo que as condições particulares reproduziam a proposta subscrita pela autora), nomeadamente todas as suas cláusulas contratuais gerais, sendo que os referidos cadernos chegaram expedidos por correio.</font></i>
</p><p><i><font>8. A autora nasceu em 29/10/1986 e desempenhava profissionalmente funções de costureira, concretamente as funções de termocolagem, por conta de outrem – uma empresa fabril –, desde, pelo menos, o ano de 2003.</font></i>
</p><p><i><font>9. Em Agosto de 2010, a autora adoeceu, tendo-lhe sido diagnosticado um cancro – adenocarcinoma gástrico.</font></i>
</p><p><i><font>10. Foi submetida a cirurgia no IPO para gastrectomia total radical em 15/09/2010 (extracção total do estômago).</font></i>
</p><p><i><font>11. Por ter apresentado gânglios metastizados, iniciou tratamentos de quimioterapia, em data posterior a 5/11/2010.</font></i>
</p><p><i><font>12. Desde 2010 que a autora viu a sua situação clínica alterada, estando a ser seguida e em vigilância no IPO do Porto, encontrando-se há mais de 5 anos sem evidência de doença, tendo o grupo de oncologia médica que faz o seguimento da autora decidido manter em vigilância a autora em consulta após cinco anos, por apresentar alterações a nível da tiróide e com estudo ecográfico tiroideu previamente realizado que mostrou ser benigno.</font></i>
</p><p><i><font>13. Em 2012, após a realização de alguns exames, foi detectada a presença de “pedra” na vesícula da autora, tendo sido encaminhada para o Hospital de ..., passando aí a ser seguida em consulta devido a este problema, o qual, mais tarde, levou a que fosse submetida a intervenção cirúrgica no Hospital da Santa Casa da Misericórdia em ... para extracção da vesícula, em Fevereiro de 2016, tendo já tido alta clínica relativamente a esta situação.</font></i>
</p><p><i><font>14. Desde o aparecimento da doença descrita em 9. a autora esteve com uma incapacidade temporária absoluta para o trabalho durante 3 anos, tendo estado três anos de baixa médica, sendo que durante aquele período temporal a autora esteve incapacitada para o trabalho e não conseguiu fazer as limpezas de casa, carregar as compras quando se dirigia ao supermercado ou à mercearia ou pegar no filho ao colo.</font></i>
</p><p><i><font>15. Durante o período temporal referido, a autora contou com o apoio de familiares, que preparavam as refeições, a acompanhavam ao IPO para tratamentos e que, após a cirurgia, após sessões de quimioterapia e nos momentos de maior fraqueza física, chegaram mesmo a propiciar cuidados de higiene.</font></i>
</p><p><i><font>16. Em virtude do referido problema de saúde, em 31/07/2013, o Instituto da Segurança Social, deferiu à autora uma pensão por invalidez relativa, ao abrigo do DL 187/2007, de 10 de Maio, e L 64-A/08, de 31 de Dezembro, com início a 6/08/2013.</font></i>
</p><p><i><font>17. Em consequência das sequelas de que ficou a padecer na sequência da descrita doença e tratamentos a que foi sujeita, melhor descritas nas páginas 6 e 7, ponto 2, do relatório pericial de fls. 241 a 245 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, desde 31/07/2013 que a autora está, médico-legalmente e de forma irreversível, incapacitada de realizar a sua actividade profissional de costureira no posto de trabalho de termocolagem, estando capaz, médico-legalmente, de realizar toda e qualquer outra profissão que não exija conhecimentos específicos e onde possa evitar a realização de esforços com a região do tronco ou região abdominal, não devendo realizar tarefas que exijam que se curve frequentemente ou que exijam que pegue frequentemente em pesos, e que possa efectuar várias alimentações diárias, necessidade que tem em virtude de ter realizado gastrectomia total.</font></i>
</p><p><i><font>18. A partir daquela data, a autora ficou capaz de realizar os actos correntes e diários da vida, sendo que, em relação a alguns, tem as limitações decorrentes do facto de a autora ter de evitar a realização de esforços com a região do tronco ou região abdominal, não devendo realizar tarefas que exijam que se curve frequentemente ou que exijam que pegue frequentemente em pesos, e que lhe permitam efectuar várias alimentações diárias.</font></i>
</p><p><i><font>19. Em 9/02/2011, na sequência de junta médica a que a autora foi sujeita, foi emitido um “atestado médico de incapacidade multiuso”, respeitante à autora, no qual a presidente da referida junta médica declarou o seguinte: “atesto que, de acordo com a TNI – Anexo I, aprovada pelo DL n.º 352/07, de 23 de Outubro, o utente é portador de deficiência que, nesta data e conforme o quadro seguinte, lhe confere uma incapacidade permanente global de 80% (…), susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2017”.</font></i>
</p><p><i><font>20. A autora esposa, através do signatário da petição inicial, participou a ocorrência à ré, conforme missiva que se junta, que instruiu com todos os relatórios médicos que tinha na sua posse, e que fazem parte integrante do doc. N.º 8, junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.</font></i>
</p><p><i><font>21. Para efeitos de Invalidez Absoluta e Definitiva, entende a ré no seu n.º 4 do artigo 5.º das condições gerais (pré-elaboradas pela ré e não sujeitas a negociação), ser "aquela que, em consequência de acidente ou doença, e após cura clínica comprovada medicamente, impeça a pessoa segura total e definitivamente de exercer qualquer actividade e, cumulativamente obrigue a assistência permanente de terceira pessoa para a prática dos actos normais de vida".</font></i>
</p><p><i><font>22. Das condições particulares das apólices identificadas no anterior ponto 6. constava como capital seguro, em Agosto de 2013, o valor de € 76.773,51, sendo que, à data de 6/08/2013 o capital em dívida respeitante ao financiamento referido em 3. era de € 74.121,63.</font></i>
</p><p><i><font>23. A ré, mesmo após a participação referida em 20., continuou a receber até aos dias de hoje (reportada à data da propositura da acção) todas as prestações correspondentes aos prémios de seguro da apólice identificada no ponto 6., al. b), pagas pela autora, não tendo sido possível apurar, em concreto, qual o valor global desses pagamentos.</font></i>
</p><p><i><font>24. O marido da autora, AA, continuou a amortizar junto da entidade bancária que sucedeu ao DD, S.A. –, todas as prestações desde Agosto de 2013 até ao dia de hoje (reportado à data de 12/05/2017), no montante global de € 16.574,76.</font></i>
</p><p><i><font>25. Conforme a prática da Ré, os seus vendedores/mediadores têm distribuídos apresentadores das diversas modalidades de seguro, tendo em vista os mesmos serem entregues aos proponentes, sendo que a ré dá indicação àqueles para acompanharem aquela entrega com a explicação do produto tendo presente também as condições gerais respectivas, tudo com o objectivo de permitir a transmissão, com clareza, essencialmente das definições, garantias, condições e exclusões.</font></i>
</p><p><i><font>26. Em data anterior a Agosto de 2008, a ré tinha já disponibilizada uma plataforma informática, designadamente junto dos seus mediadores, a qual permitia ao mediador fazer e apresentar ao proponente uma simulação de custos, atendendo essencialmente às seguintes variáveis: garantias subscritas, montante de capitais, tempo de vigência e idade da pessoa, tudo para permitir que o candidato ficasse a saber o conteúdo das garantias que subscreve e o que deixa de subscrever e correspondente prémio.</font></i>
</p><p><i><font>27. Em 22/03/2011, o marido da autora, AA, rescindiu o contrato de seguro da apólice identificada no anterior ponto 6., al. a), e subscreveu novo contrato com as garantias de Morte, Invalidez Absoluta e Definitiva, Invalidez Total e Permanente e Incapacidade Temporária Absoluta, dando origem à apólice 20-00-005020), com data de início em 1/05/2011, o que, em contrapartida, lhe trouxe o encargo de prémio que passou do prémio mensal de 9,68 € para 16,65 € (tudo nos moldes constantes dos documentos de fls. 128 a 133 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).</font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os restantes factos, designadamente que:</font></i>
</p><p><i><font>1. Os documentos referidos em 6. dos factos provados, intitulados “propostas de subscrição”, tivessem sido os únicos que a autora e o seu marido, AA, subscreveram.</font></i>
</p><p><i><font>2. O Banco beneficiário tivesse aceite os contratos de seguro referidos em 6. dos factos provados.</font></i>
</p><p><i><font>3. Desde 2010, a autora viva com mil cuidados por forma a não contrair qualquer infecção, evitando andar na rua, ao tempo.</font></i>
</p><p><i><font>4. Durante o período temporal referido em 14. dos factos provados, a incapacidade para o trabalho aí referida tivesse um carácter permanente, no sentido de irreversível.</font></i>
</p><p><i><font>5. A incapacidade referida em 19. dos factos provados fosse irreversível.</font></i>
</p><p><i><font>6. Para além das limitações referidas em 18. dos factos provados, a partir de 31/07/2013, a autora continuasse totalmente incapaz de fazer qualquer acto da vida diária, designadamente estivesse totalmente incapaz de fazer todo e qualquer tipo de limpezas de casa, de carregar todo e qualqu | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TKVu4YBgYBz1XKv1R5_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - Na sequência da venda por negociação particular que teve lugar nos autos de acção executiva, para pagamento de quantia certa, em que é Exequente AA, Executados BB e CC e Credores o “Banco de DD, S.A.” e “EE - ..., S.A.”, o Adquirente FF deduziu incidentalmente pedido de anulação da venda e indemnização pelos danos sofridos. </font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que a fracção vendida, por escritura de 4 de Março de 2009, que se encontrava apta a ser imediatamente habitada até, pelo menos, 29 de Fevereiro de 2009, foi destruída pelo Executado antes de a abandonar e de ser feita a respectiva entrega ao Adquirente, em 4 de Janeiro de 2010. </font>
</p><p><font>Produzida prova, veio a ser proferida decisão julgando o incidente improcedente, assim indeferindo o pedido de anulação da venda e da indemnização, decisão que a Relação manteve.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Adquirente impugna novamente o decidido, ao abrigo das conclusões que se transcrevem:</font>
</p><p><font>“A) - Vem o presente recurso da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 12 de Dezembro de 2012, que indeferiu o pedido de anulação da venda do imóvel e indemnização pelos prejuízos causados, nos termos do artigo 908.°, do Código Civil;</font>
</p><p><font> B) - O Tribunal a quo julgou mal, interpretando, determinando e aplicando erradamente a norma jurídica aplicável ao caso em questão (artigo 639 n. ° 2, do Código de Processo Civil), </font>
</p><p><font>C) - O Recorrente adquiriu, por venda judicial, a fração autónoma designada pela letra …, sita no Largo Dr. ..., nº …, 1º andar, em ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº …, inscrita na matriz predial sob o número … </font>
</p><p><font>D) Tal aquisição ocorreu em 9 de Março de 2009, tendo o Recorrente pago o valor de € 95.199,25 pelo imóvel. </font>
</p><p><font>E) Previamente a esta compra, em Fevereiro de 2009, o Recorrente visitou o imóvel, juntamente com o encarregado da venda designado pelo Tribunal (…), constatando ambos que o mesmo estava em devidas condições. </font>
</p><p><font>F) O imóvel destinava-se a habitação e encontrava-se em muito bom estado de conservação e apto a ser imediatamente habitado, não só quando foi penhorado, como também, pelo menos, em Fevereiro de 2009, conforme atestado por todas as testemunhas ouvidas em audiência. </font>
</p><p><font>H) Uma vez que o imóvel ainda estava habitado, o despacho para entrega judicial do imóvel foi proferido em 26 de Junho de 2009. </font>
</p><p><font>I) E apenas em 4 de Janeiro de 2010, após várias insistências do Recorrente, se procedeu à entrega judicial do bem, dada a recusa do executado em abandonar voluntariamente a fração. </font>
</p><p><font>J) Aquando da entrega do imóvel, o mesmo encontrava-se totalmente destruído, implicando a reparação dos danos não apenas a instalação de novas canalizações de água, gás e eletricidade, como também a abertura de roços e posterior reboco e pintura e ainda à substituição integral de azulejos, tudo estimado em € 48.410,00, ou seja, mais de metade do valor que o Recorrente despendeu na aquisição do imóvel. </font>
</p><p><font>K) O Recorrente tem fundamento para requerer a anulação do negócio e a indemnização pelos prejuízos causados, nos termos do artigo 908º, do Código Civil, pois o imóvel, aquando da sua entrega, não se encontrava no mesmo estado em que foi publicitada e sua venda e que se encontrava antes da formalização da escritura de compra e venda. </font>
</p><p><font>L) Decorreram dez meses (4 de Março de 2009 e 4 de Janeiro de 2010) </font>
</p><p><font>entre a celebração da escritura de venda a entrega judicial do imóvel e, praticamente, mais três anos para se apreciar o pedido de anulação da venda. </font>
</p><p><font>M) Cabia ao Tribunal proceder à entrega do imóvel, pelo que o atraso na entrega no imóvel tem de lhe ser exclusivamente atribuído, assim como os riscos de perecimento do mesmo, pois nos termos do artigo 20º nº 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, "todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo"; e "para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos", o que neste processo não sucedeu. </font>
</p><p><font>N) Actualmente já decorreram mais de quatro anos desde a data do requerimento de anulação da venda, com o imóvel continuamente a degradar-se. </font>
</p><p><font>O) É impossível determinar em que data concreta o imóvel foi destruído, apenas se podendo afirmar com certeza que tal destruição ocorreu entre a última visita ao imóvel em Fevereiro de 2009 e a entrega do mesmo em Janeiro de 2010. </font>
</p><p><font>P) O valor que o Recorrente deu pelo imóvel, € 95.199,25, foi na pressuposição que o mesmo se encontrava no mesmo estado em que foi publicitado e de acordo com aquilo que viu aquando da sua visita ao mesmo, ou seja, que estava em bom estado. </font>
</p><p><font>Q) O Recorrente, como qualquer pessoa, jamais teria adquirido a fração pela quantia que pagou, se soubesse que a casa estava completamente destruída. </font>
</p><p><font>R) O artigo 908º, do Código de Processo Civil refere expressamente que: "Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, no processo de execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 906º do Código Civil”. </font>
</p><p><font>S) Este erro acerca do estado da fracção, tal como previsto no artigo 908º, do Código de Processo Civil (actual 838º) dispensa os requisitos do regime geral sobre o erro (artigos 247º e seguintes do Código Civil nomeadamente} os requisitos da essencialidade pelo declarante e do conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário, dado que só se verifica posteriormente à venda. </font>
</p><p><font>T) O Recorrente nunca poderia confirmar o estado da fração após a celebração da escritura de compra e venda, mas apenas quando pudesse tomar posse da fracção, o que no caso concreto só veio a suceder dez meses depois. </font>
</p><p><font>U) Quando é certo que, quando manifestou a sua intenção de adquirir a fração e quando celebrou a escritura, o adquirente fê-lo na convicção que estaria a comprar uma casa em boas condições de conservação. </font>
</p><p><font>V) Não estando o imóvel nessas condições e encontrando-se, ao invés, parcialmente destruído, isso configura uma situação de erro, que motiva a anulação do negócio, tal como previsto no artigo 908º, actual 838º, do Código de Processo. </font>
</p><p><font>W) Pelo que estão verificados os pressupostos de que depende a anulação do negócio e indemnização dos prejuízos causados, nos termos do mencionando artigo 908º, nº 1, do Código de Processo Civil. </font>
</p><p><font>X) Não pode invocar-se que o risco de perecimento ou deterioração do imóvel corria por conta do Recorrente, pois estamos perante uma venda judicial, em que o atraso na entrega do bem se deve unicamente ao Tribunal, pelo que terá de ser sempre este a assumir o risco até à entrega efetiva da fração. </font>
</p><p><font>Y) Nos termos do artigo 796º nº 2, do Código de Processo Civil, se “a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a entrega da coisa". </font>
</p><p><font>Z) Logo, estando comprovada a falta de conformidade do imóvel transmitido com aquilo que foi anunciado na venda judicial (artigos 908º, nº 1, 2ª parte e 890º nº 1, do C.P.C., actuais 838º e 817º), existe claramente um erro sobre o imóvel adquirido e, consequentemente, um fundamento para anulação do negócio. </font>
</p><p><font>AA) Os credores dos executados e eles próprios não se opuseram a tal anulação, aceitando a mesma. </font>
</p><p><font>AB) Pelo que estão verificados os pressupostos de que depende a anulação do negócio e indemnização dos prejuízos causados, nos termos do artigo 908º, nº 1, do Código Civil. </font>
</p><p><font>AC) A interpretar-se o artigo 908º de outra forma, nomeadamente que o incidente de anulação apenas pode ter lugar quando exista erro sobre a coisa e não sobre a qualidade da coisa, isso acarretaria uma visão Iimitadora e a inconstitucionalidade do mencionado preceito, por violação do disposto no artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, dado o inegável direito de propriedade do Recorrente sobre o imóvel e a absoluta ausência de tutela do mesmo”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações. </font>
</p><p><font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> colocada, tal como já a definiu o Tribunal da Relação, consiste em saber se, face à matéria de facto provada, se verificam os pressupostos do erro, para efeito de anulação de venda judicial, prevista no art. 908° do Código de Processo Civil de 1961 (art. 838º do NCPC). </font>
</p><p>
</p><p><font>3. - Vem assente o </font><b><font>quadro factual </font></b><font>que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. No âmbito de venda por negociação particular, que teve lugar nestes autos, em escritura pública datada de 04.03.2009, o Adquirente declarou comprar, pelo preço de € 95.199,25, a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra "…", correspondente ao 1° andar, do prédio urbano sito no Largo Dr. ..., nº …, freguesia de ..., concelho de Loures, inscrito na matriz sob o artigo …, e descrito na 1 a Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o nº …, que havia sido penhorada nestes autos ao Executado; </font>
</p><p><font>2. A fracção vendida encontrava-se em bom estado de conservação, não só quando foi penhorada, como também, pelo menos, em Fevereiro de 2009; </font>
</p><p><font>3. Em 04.01.2010 procedeu-se à entrega da fracção ao Adquirente; </font>
</p><p><font>4. A fracção foi destruída pelo Executado antes de a abandonar;</font>
</p><p><font> 5. Todas as 12 janelas do apartamento e respectivos vãos foram arrancados, sendo certo que as 7 da frente eram em vidro duplo, ficando apenas instalados os estores, a maior parte deles estragados; </font>
</p><p><font>6. As casas-de-banho e a cozinha foram destruídas, incluindo azulejos e todo o seu equipamento, nomeadamente sanitas, lavatórios, lava-louças, banheiras, espelhos, bancadas, armários; </font>
</p><p><font>7. As portas interiores e as suas aduelas foram arrancadas, bem como os roupeiros dos quartos; </font>
</p><p><font>8. A instalação elétrica foi destruída, com arranque das caixas de parede, tomadas, interruptores e arranque de fios; </font>
</p><p><font>9. As paredes e soalhos foram estragados, com o arranque ou destruição de ladrilhos, mosaicos e aduelas; </font>
</p><p><font>10. Há necessidade de instalar novas canalizações de água, gás e eletricidade, pois tendo as instalações existentes sido arrancadas, é preciso abrir de novo roças e posterior reboco e pintura, e ainda substituição integral de azulejos; </font>
</p><p><font>11. Se a fracção estivesse por acabar, os custos de acabamentos seriam inferiores aos necessários para a repor no estado em que se encontrava; </font>
</p><p><font>12. Os custos estimados para a reposição da fracção no estado em que se encontrava ascendem a € 49.410,00, a que devem ser retirados € 1.000,00. </font>
</p><p><font>4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - No acórdão impugnado concluiu-se que “</font><i><font>não poderia haver lugar à anulação da venda por via do expediente do incidente previsto no art. 908º do CPC</font></i><font>” ponderando que “</font><i><font>atenta a matéria dada como provada, em que a venda ocorreu em 04-03-2009 (data da celebração da escritura de compra e venda) e em que se ignora quando ocorreram os factos que levaram à danificação do arrendado (sendo certo que impendia sobre o adquirente o ónus de demonstrar a data de tal ocorrência), mas em que não está em causa a coisa em si (não existe erro sobre a mesma) mas sim o seu estado (a sua qualidade) </font></i><font>”, ou seja, como anteriormente se afirma, “</font><i><font>o erro a que se alude no incidente de anulação de venda previsto no art. 908º do CPC, é um erro que recai sobre a coisa e não sobre a qualidade da coisa</font></i><font>”.</font><i><font> </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrente insiste em que “</font><i><font>estando claramente em erro quanto à qualidade do imóvel, aquando da celebração do negócio, pois imaginava adquirir um imóvel em perfeitas condições e apto a habitar, constatando o inverso aquando da entrega do mesmo…está confirmada a desconformidade entre o estado do imóvel anunciado e vista para a venda e o estado do que lhe foi entregue dez meses após a aquisição</font></i><font>”, estão verificados os pressupostos de que depende a anulação do negócio e indemnização pelos prejuízos causados, nos termos do mencionado art. 908º-1.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. 2. - Assim posta a divergência de entendimentos, em causa está a interpretação e aplicação da norma do n.º 1 do art. 908.° do Código de Processo Civil, que prevê os pressupostos de procedência da pretensão anulatória estabelecida a favor do adquirente.</font>
</p><p><font>O preceito contempla dois fundamentos de anulação da venda executiva que passam pelo reconhecimento, depois da venda, (i) “da existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou (ii) da existência “de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ao caso em discussão interessa apenas a segunda das enunciadas causas de anulação, ou seja, a existência de erro sobre o objecto, na modalidade de «erro sobre a coisa transmitida».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por contraposição à primeira daquelas causas, em que o erro incide sobre o objecto jurídico e consiste em vícios de direito (cfr. art. 905º C. Civil – vícios redibitórios), nestoutra contempla-se a hipótese de erro material acerca do objecto, vícios da coisa ou incidentes sobre a própria coisa (art. 251º C. Civil), em qualquer dos casos afectando a formação da vontade de comprar e que, “por isso, </font><i><font>abortam à nascença </font></i><font>o direito adquirido pelo comprador ou adjudicatário” (REMÉDIO MARQUES, “</font><i><font>Curso de Processo Executivo Comum</font></i><font>”, 371).</font><i><font> </font></i><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Este erro, sobre o objecto mediato do negócio, pode recair sobre a própria identidade do objecto (</font><i><font>error</font></i><font> </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>corpore</font></i><font>) ou apenas sobre as suas qualidades (</font><i><font>error</font></i><font> </font><i><font>qualitatis</font></i><font>) e, como é também entendimento unânime na doutrina mais recente, goza de regime especial, na medida em que para a respectiva invocabilidade não se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante nem o da cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário, entendimento e solução que encontram justificação na necessidade de proteger o adquirente “induzido em erro pela descrição do objecto da venda que é feita no próprio processo e assim garantida pelo tribunal” (vd. MOTA PINTO, “</font><i><font>Teoria Geraldo Direito Civil</font></i><font>”, 4ª ed., 507; M. TEIXEIRA DE SOUSA, “</font><i><font>Acção executiva Singular</font></i><font>”, 396; F. AMÂNCIO FERREIRA, “</font><i><font>Curso de Processo de Execução</font></i><font>”, 2ª ed., 285; J. LEBRE DE FREITAS e A. RIBEIRO MENDES, “</font><i><font>CPC, Anotado</font></i><font>”, vol. 3º, 609; REMÉDIO MARQUES, </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>372).</font>
</p><p><font>Assim, suficiente para a procedência do pedido de anulação da venda é o reconhecimento de ter havido erro sobre a identidade da coisa alienada (transmitida) ou sobre as suas qualidades, por verificação de falta de conformidade (divergência) entre as características constatadas aquando da transmissão com as anunciadas (designadamente as vertidas nos editais e anúncios a que alude o art. 890º CPC). </font>
</p><p><font>4. 3. - Ao direito à anulação também não obstará, a nosso ver, a circunstância de, como acontece no caso, não se saber se a casa “foi partida antes da escritura” ou se o foi depois.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sabe-se que o estado de conservação e utilização do imóvel era bom, não só ao tempo da penhora mas também até poucos dias antes da celebração da escritura de compra e venda, ou seja, a fracção manteve-se em bom estado para os fins a que se destinava, habitacionais, durante todo o período de mediou entre a penhora conclusão do contrato de compra e venda por negociação particular até à sua formalização – anúncios, proposta, aceitação da proposta e preparação do título de alienação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É certo que a venda efectuada em processo executivo tem, por regra, os mesmos efeitos da compra e venda em geral.</font>
</p><p><font>Assim, a propriedade transmite-se para o adquirente por mero efeito do contrato, como seu efeito real (arts. 879º-a) e 408º-1 C. Civil).</font>
</p><p><font>Porém, a compra e venda tem ainda como efeitos, também essenciais, as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço – efeitos obrigacionais (als. b) e c) do mesmo art. 879º). </font>
</p><p><font>Todos esses efeitos – real e obrigacionais – podem ocorrer simultaneamente, caso em que a transmissão da posse ou do gozo da coisa é contemporânea da transmissão da propriedade. Mas pode também suceder que a aquisição do gozo resulte do cumprimento da obrigação de entrega só tenha lugar posteriormente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Em qualquer caso, o vendedor só cumpre a obrigação mediante a efectiva entrega ao comprador da coisa adquirida, com as características e qualidades consideradas na conclusão do contrato, isto é, procedendo ao exacto cumprimento da prestação de entrega que é elemento essencial do negócio.</font>
</p><p><font>Isso mesmo reflecte expressamente o art. 822º-1 C. Civil ao estabelecer que a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda, fazendo impender sobre o vendedor “um dever específico relativamente à custódia da coisa que ele deve executar com a diligência de um bom pai de família, nos termos gerais (arts. 799º-2 e 487º-2).” (L. MENEZES LEITÃO, “</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>”, vol. III, 2ª ed. 30). </font>
</p><p><font>Na disciplina da venda executiva, quanto aos efeitos sujeita, como se disse, ao regime da compra e venda em geral, surgem em momentos separados (sucessivos) a conclusão do contrato e a efectiva aquisição da propriedade.</font>
</p><p><font>Assim, como faz notar REMÉDIO MARQUES (</font><i><font>ob</font></i><font>. </font><i><font>cit</font></i><font>., 360), face à regulamentação da venda por propostas em carta fechada, “o legislador parece ter querido autonomizar dois momentos: o da </font><i><font>conclusão do contrato</font></i><font> e o da </font><i><font>aquisição da propriedade</font></i><font>, De facto, uma vez </font><i><font>aceite</font></i><font> a melhor (ou a única) proposta, o contrato acha-se </font><i><font>concluído</font></i><font>. Todavia, a </font><i><font>transferência da propriedade </font></i><font>e a entrega efectiva ficam </font><i><font>condicionadas ao pagamento integral do preço </font></i><font>e da satisfação das obrigações fiscais a que a transmissão dê origem (art. 900º-1 do CPC) pois que só nesse momento é lavrado o despacho de adjudicação e emitido o </font><i><font>título de transmissão </font></i><font>(art. 900º-2, </font><i><font>idem</font></i><font>)”.</font>
</p><p><font>Embora no caso em apreciação se esteja perante uma venda por negociação particular, em que o preço é depositado pelo comprador antes de lavrado o instrumento de venda, também aqui teve lugar o cumprimento da obrigação de entrega, nos termos dos arts. 901º e 930º-3 CPC, em momento muito posterior - dez meses depois -, por facto unicamente imputável ao Tribunal, apesar das insistências do Adquirente.</font>
</p><p>
</p><p><font>Parece dever concluir-se, assim, que, relevante para efeitos de determinação da conformidade do bem transmitido com o anunciado é o momento de entrega judicial do bem ao comprador, em cumprimento da lei processual e da obrigação que constitui efeito essencial da compra e venda.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Nesta conformidade, o pedido de anulação deverá ser atendido, com a consequente devolução ao Adquirente, ora Recorrente, do preço pago.</font>
</p><p>
</p><p><font>4. 4. - O Recorrente reclamou o pagamento de indemnização pelos prejuízos causados, nomeadamente juros do capital, despesas de escritura, fiscais, de registo e outras.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As decisões impugnadas não se pronunciaram sobre tal pedido indemnizatório, o que resulta, desde logo, da circunstância de terem por improcedente a anulação do acto que as pressupunha e lhes servia de fundamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A apreciação e decisão dessa questão pelo Supremo, em substituição da 2ª Instância, traduzir-se-ia numa preterição de jurisdição, preterição que o art. 715º-2 do CPC anterior, aplicável ao recurso de revista, por remissão do art. 726º, previa expressamente para admitir a substituição ao tribunal recorrido. </font>
</p><p><font>Acontece que, conforme já era entendimento largamente seguido neste Supremo Tribunal relativamente aos casos em que se deparava com a supressão de duplo grau de jurisdição, o NCPC, em seu art. 679º, veio declarar a inaplicabilidade do art. 665º (preceito correspondente ao anterior art. 715º), agora na totalidade das suas normas – e não apenas o n.º 1, como no anterior art. 726º -, ao recurso de revista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Perante tal disposição, a impor o afastamento da regra de substituição ao tribunal recorrido, será de aplicar, nestes casos, dado o paralelismo de situações, o regime adoptado n.º 2 do art. 684º NCPC para as nulidades insupríveis pelo Supremo. </font>
</p><p><font>Neste contexto, deverão os autos ser remetidos ao Tribunal da Relação, a fim de ser emitida pronúncia sobre a questão que havia ficado prejudicada pelo decidido em sede de pressuposto do direito à indemnização.</font>
</p><p><font>4. 5. - Em </font><b><font>síntese</font></b><font> </font><b><font>final</font></b><font>, respondendo à questão levantada, poderá concluir-se: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>É suficiente para a procedência do pedido de anulação da venda é o reconhecimento de ter havido erro sobre a identidade da coisa transmitida ou sobre as suas qualidades, por verificação de falta de conformidade - divergência - entre as características constatadas aquando da transmissão com as anunciadas</font>
</p><p><font>Este erro, sobre o objecto mediato do negócio, goza de regime especial, na medida em que para a respectiva invocabilidade não se exige o requisito geral da essencialidade do erro para o declarante nem o da cognoscibilidade do mesmo pelo declaratário.</font>
</p><p><font>Relevante para efeitos de determinação da conformidade do bem transmitido com o anunciado é o momento de entrega judicial do bem ao comprador, em cumprimento da lei processual e da obrigação que constitui efeito essencial da compra e venda.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ao determinar-se, no art. 679º CPC, a inaplicabilidade da regra de substituição ao tribunal recorrido no recurso de revista, será de aplicar à apreciação das questões cujo conhecimento ficara prejudicado na decisão recorrida, o regime adoptado nº 2 do art. 684º.</font>
</p><p><font>5. - Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De harmonia com o exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Conceder a revista;</font>
</p><p><font> - Revogar o acórdão impugnado;</font>
</p><p><font>- Declarar nula a venda executiva, por negociação particular, efectuada, determinando a restituição ao Adquirente/recorrente da quantia depositada e paga a título de preço (noventa e cinco mil cento e noventa e nove euros e vinte cêntimos); e,</font>
</p><p><font> - Determinar a devolução do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento e decisão das questões que teve por prejudicadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> As custas serão suportadas segundo o critério que vier a ser fixado a final.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Lisboa, 17 Junho 2014</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font> Paulo Sá</font>
</p><p><font> Garcia Calejo</font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TKou4YBgYBz1XKvPSgO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Recorrente:</font></b><font>AA</font><br>
<b><font>Recorrido:</font></b><font> BB</font><br>
<font> </font><br>
<b><font>I. – RELATÓRIO.</font></b><br>
<font>Desavindo com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, no julgamento do agravo interposto do saneador/sentença proferida na 1.ª instância tinha considerado não ter o Autor interesse em agir para o impulso processual que promoveu, recorre, novamente, para este Supremo Tribunal, tendo dessumido a sua argumentação com o sequente quadro conclusivo: </font>
<p><i><font>“1. As considerações de Direito do Tribunal a quo são exactas. </font></i>
</p><p><i><font>2. Mas o objecto do presente recurso incide sobre a aferição lógica, ou seja o “Julgamento" que foi feito dos factos apresentados. </font></i>
</p><p><i><font>3. O A. tem interesse processual, porque alegou factos bastantes, ao invés do que o Tribunal decidiu. </font></i>
</p><p><i><font>4. Bastantes, porque alguém que teve a infelicidade de ter uma incapacidade de 80%, seguramente que ao longo da sua vida, já precisou de documentar essa situação. </font></i>
</p><p><i><font>5. E a primeira vez que precisa desse documento, será sempre para uma situação profissional, nunca para manutenção de um contrato de arrendamento dois meses após falecimento do anterior arrendatário. </font></i>
</p><p><i><font>6. Pelo menos assim aponta um espírito atento, em face das regras da experiência. </font></i><br>
<a></a><i><font>7. Se a R. apenas o faz dois meses depois da morte da mãe, isso sugere que o atestado surge para o efeito único de "beneficiar" dessa situação, ao abrigo do contrato de arrendamento. </font></i><br>
<i><font>8. E isso porque à data do falecimento da mãe, pelos vistos, não tinha esse documento e nunca dele tinha precisado. </font></i>
</p><p><i><font>9. A não ser que, claro, a incapacidade tenha surgido naquele momento, o que naturalmente não sucedeu. </font></i><br>
<i><font>10. E se não dispunha previamente desse documento, foi por nunca precisou de documentar essa situação (facto da incapacidade de 80%), o que suscita desconfiança sobre o facto supostamente "atestado". </font></i><br>
<i><font>11. E este juízo sobre os factos que foram alegados (maxime os constantes dos artigos 5.°, 7.° e 8.°) é um passo delicado que passa pela profundidade da interpretação do Julgador. </font></i><br>
<i><font>12. Sendo que, neste aspecto, consideramos que a Relação deveria atender que apenas diante a ausência manifesta de factos, seria possível à primeira instância terminar o processo antes da audiência, pois, muitas vezes, apenas com o julgamento é que os factos saltam do papel dos articulados, com a imediação da prova. </font></i><br>
<font>13.</font><i><font>E nesta matéria deveria a Relação entender que os factos estão alegados e são suficientes para os autos avançarem para a audiência de discussão e julgamento, o que se requer.</font></i><font>” </font>
</p><p><font>Na reacção ao recurso, a Ré rematou o razoamento argumentativo com o sequente epítome conclusivo: </font>
</p><p><i><font>“1. Estando em presença de uma acção de simples apreciação negativa, a incerteza contra a qual se pretende reagir terá de ser objectiva e grave (art. 4º n</font></i><i><sup><font>9</font></sup></i><i><font>2 a) do CPC). </font></i>
</p><p><i><font>2. A Ré enviou ao Autor um atestado de incapacidade multiuso emitido ao abrigo do D.L.174/97 de 19 de Julho por uma Junta Médica constituída em consonância com o disposto no D.L. 202/96 de 23.10 e que efectuou o cálculo da avaliação da incapacidade da Ré de acordo com a TNI, definindo-a como uma incapacidade permanente global de 80% desde 2004 (antes do falecimento da mãe da Ré) . </font></i>
</p><p><i><font>3. O atestado médico emitido a coberto da TNI é um documento autêntico que faz prova plena da avaliação nele certificada e da percentagem de incapacidade atribuída (neste sentido, Acórdão do STA de 16.1.2002, ReI. Conselheiro Benjamim Rodrigues, in Base de dados do ITU). </font></i>
</p><p><i><font>4. Os documentos autênticos fazem prova, por si mesmo, da sua proveniência ou paternidade, e prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles estão atestados, de acordo com o disposto pelo artigo 371º, nº 1, do Código Civil . </font></i>
</p><p><i><font>5.0 Autor, ao contrário do que agora invoca, não alega na petição inicial um único facto susceptível de contrariar a força probatória do atestado de incapacidade multiuso e consequentemente de justificar a propositura da acção de simples apreciação negativa. </font></i>
</p><p><i><font>6. Consequentemente e porque o interesse em agir se traduz na necessidade, objectiva e séria, de recorrer à acção judicial, fenecendo tal pressuposto processual no caso em apreço, deverá manter-se a decisão, duplamente confirmada, de absolvição da Ré da instância.”</font></i><font> </font><br>
<b><font>I.1. – Antecedentes úteis para a decisão a proferir.</font></b><br>
<font>Pela incerteza que lhe causa a incapacidade de que é portadora a locatária da fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 121/19950627-E, freguesia de Alvalade, e inscrito a favor do demandante, AA, BB, o demandante pediu que o tribunal proferisse “(…) declaração judicial consistente na apreciação da situação jurídica supra aludida, mis concretamente do direito a que a demandada se arroga (permanecer no locado por morte da anterior locatária, Alice dos Santos Fernandes, dado ser portadora de uma incapacidade de 80%, o que a confere a qualidade de deficiente, para os efeitos do artigo 85.º do RAU);</font><br>
<font>- Na contestação, a demandada suscitou a excepção da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial – falta da indicação do pedido –, falta de interesse em agir e impugnou os factos que sustentaram a petição inicial, acabando por suscitar o incidente do valor da causa, dado em seu entender estarem em causa interesses imateriais; </font><br>
<font>- Na resposta o demandante tentou revidar a argumentação expendida pela demandada, procurando esclarecer o pedido (ou a ausência dele) no sentido de que fosse entendido como na “não manutenção do contrato de arrendamento, por existência do direito à denúncia do A., porquanto a Ré não é portadora de deficiência que legitime a invocação e aplicação do regime do art. 87.º, n.º 4, al. a) do RAU”;</font><br>
<font>- Procurou contraminar a demais matéria exceptiva, tendo rematado pela improcedência das excepções arguidas; </font><br>
<font>- Depois de decidido o incidente do valor da causa que determinou a transferência do processo dos Juízos Cíveis para as Varas Cíveis do Tribunal Cível da comarca de Lisboa e após a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador em que se decidiu que “</font><i><font>considerando a falta de interesse em agir, que constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, este tribunal decide absolver a Ré, BB, da instância – cfr. artigos 288.º, n.º 1, al. e) e 493.º, n.º 2, do CPC”</font></i><font>. </font><br>
<font>- Depois de vicissitudes incidentais ocorridas pela não observância das regras de notificação interpartes, que determinou a nulidade de todo o processado após a notificação de fls. 126 – cfr. despacho de fls. 158 a 161 – viria o recurso interposto pelo Autor, a obter julgamento, em que foi decidido negar provimento. </font><br>
<b><font>I.2. – Questão a merecer apreciação</font></b><font>.</font><br>
<font>Em face do quadro conclusivo alinhado pelo recorrente colima-se como questão axial a merecer apreciação:</font><br>
<font>- Interesse em agir do Autor. </font><br>
<b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b><br>
<b><font>II.1. – DE DIREITO.</font></b><br>
<font>A condição ou pressuposto processual genérico da acção denominado “</font><i><font>interesse em agir</font></i><font>” não constitui uma categoria autónoma ou diferenciada no conspecto do direito processual vigente, embora se possam detectar na lei adjectiva afloramentos da necessidade de ele estar presente no momento em que o titular do direito (interesse material ou jurídico) pretenda utilizar um meio processual para a definição do respectivo direito. </font>
</p><p><font>Para o Professor António Cabral “O interesse material é a relação entre a necessidade humana e o bem capaz da a satisfazer, uma relação que reside na norma substancial e cuja protecção ou reparação é o escopo da demanda. Da outra parte, o interesse processual (ou interesse em agir) encontra-se ligado à providência requerida ao juiz para satisfação do interesse material. Neste sentido o interesse em agir é comummente descrito como um “</font><i><font>interesse de segundo grau</font></i><font>”, um interesse “</font><i><font>instrumental</font></i><font>” em função do interesse primário de protecção do direito material”. (Tradução nossa do italiano). </font>
</p><p><font>Este autor radica a terminologia no direito processual francês traduzido no brocardo “</font><i><font>pas d’interet pas d’action</font></i><font>” ou “</font><i><font>l’interet est la mesure des actions</font></i><font>” e era tido como uma norma de clausura para as acções atípicas, obrigando a que as acções fossem sempre referidas a um direito subjectivo legalmente tipificado. </font>
</p><p><font>Continuando na dilucidação do conceito desta condição da acção, refere este autor que “[o] debate sobre o interesse em agir quedou-se (na doutrina do último do meio século) entre duas concepções distintas: uma que referia o interesse em agir como “estado de lesão” do direito alegado (do que derivava o conceito de </font><i><font>interesse-necessidade</font></i><font>); e aqueloutra do interesse como utilidade do processo para o autor, fosse com meio, fosse como resultado (</font><i><font>interesse-adequação e interesse-utilidade</font></i><font>). A concepção do </font><i><font>interesse-necessidade</font></i><font> (necessidade de tutela) nasceu de uma visão do processo como última rácio do autor: a demanda deveria ser admissível somente se o autor não tivesse outro meio para satisfazer o seu direito sem a intervenção estatal através do processo. Exigia-se uma efectiva lesão ou violação do direito material do autor de modo a que a causa fosse levada perante o juiz. Daí que o interesse estava classicamente ligado ao incumprimento”. </font>
</p><p><font>“O interesse-utilidade pretende regular a actividade estatal, evitando encher as estantes dos tribunais de processos que poderiam ser resolvidos, se não espontaneamente, pelo manos com menor empenho e custo”. </font>
</p><p><font>Colocavam-se em confronto duas concepções, uma de índole privada e outra de índole publicista. </font><br>
<font>Na doutrina nacional o Prof. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA entende que o interesse processual consiste no “interesse da parte activa em obter tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão dessa tutela”. Porém, como ensina este autor o interesse processual não pode ser negado ou afirmado em abstracto, apenas comparando a situação em que a parte (activa e passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida. O interesse em agir é aferido pela posição de ambas as partes perante a necessidade de tutela jurisdicional e a adequação do meio processual escolhido pelo autor. Em princípio, a necessidade de tutela jurisdicional é aferida objectivamente perante a situação subjectiva alegada pelo autor. O autor tem interesse processual se, da situação descrita, resulta uma necessidade de tutela judicial para realizar ou impor o seu direito. </font><br>
<font>Já para o Prof. ANTUNES VARELA o interesse em agir consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. No fundo, a existência de uma situação de carência que necessite de intervenção dos tribunais. Acrescenta o professor que se tem de tratar de uma situação de necessidade absoluta, não bastando um mero capricho, temos de estar perante uma necessidade justificável, razoável e fundada. </font>
</p><p><font>O interesse em agir está previsto no ordenamento italiano no artigo 100.º do Códice Procedura Civile. [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Para a doutrina italiana o interesse em agir previsto como condição da acção no artigo 100.º do Código de Processo Civil consente distinguir entre a acção de mera jactância daquela que objectivamente se dirige a conseguir o “</font><i><font>bem da vida</font></i><font>” consistente na remoção de um estado jurídico de incerteza em ordem à subsistência de um determinado direito e está identificado numa situação de carácter objectivo derivada do facto lesivo, em sentido amplo, do direito e consistente naquilo que sem o processo e o exercício da jurisdição o actor sofreria um dano. </font>
</p><p><font>O referido interesse é de excluir quando o juízo seja instrumental à solução unicamente em sede académica ou de máxima de uma questão de direito em vista de uma situação futura ou meramente académica. De facto a tutela jurisdicional é para o direito e o processo, salvo casos excepcionais predeterminados pela lei, pode ser utilizado só como fundamento de um direito em vista de uma situação futura ou meramente hipotética. Do que resulta uma necessidade de verificação de carácter actual, pois que só em tal caso transcende o plano de uma mera prospecção subjectiva. Configura a não actualidade e a hipótese de interesse em agir quando o mesmo interesse resulta condicionado do êxito de um outro juízo. </font>
</p><p><font>Quanto à acção de apreciação esta não pode ter como objecto, salvo em casos excepcionalmente previstos na lei, uma mera situação de facto antes deve tender à apreciação de um direito que seja já sugerido ou suscitado, em presença de um prejuízo actual e não meramente potencial.</font>
</p><p><font>Por outro lado a “t</font><i><font>utela jurisdicional e o interesse em agir têm como objecto direitos ou interesses legítimos na sua inteira fattispecie constitutiva e, não, ao contrário, singulares factos juridicamente relevantes, peculiares interpretações ou singulares pressupostos da complexa situação de direito substantivo, não susceptível de tutela jurisdicional em via autónoma, separadamente do direito na sua inteireza</font></i><font>.” [</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>]. Portanto “n</font><i><font>ão são proponíveis acções autónomas de mera apreciação de factos juridicamente relevantes mas que constituam elementos fraccionados ou segmentados da fattispecie constitutiva de um direito, a qual pode constituir objecto de apreciação judiciária só na função genética do direito accionado e portanto na sua inteireza. No entanto são admissíveis questões de interpretações de normas ou de contratos se não em via incidental e instrumental para pronúncia sobre a demanda principal da tutela do direito</font></i><font>. [</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Do mesmo passo, e na medida em que o “i</font><i><font>nteresse em agir deve ter por objecto um direito ou um interesse legitimo, deve ser de excluir a admissibilidade de uma acção de apreciação que tenha por objecto um facto que constitua um só pressuposto do direito</font></i><font>”. Tendo em atenção que o processo pode ser utilizado somente para tutela de direitos substantivos deve concluir-se com o conseguimento do efeito jurídico típico, qual seja com a afirmação ou a negação do direito deduzido em juízo, onde os factos possam ser apresentados ao juiz só como fundamento do direito feito valer em juízo e não de per si os efeitos possíveis que de tal apresentação se pretende arrancar. [</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>] </font><br>
<font>O interesse em agir é uma condição presente em todo o tipo de acções (substanciando-se na requesta de tutela judicial) mas cada uma com diversa relevância prática. Com referência às acções de apreciação o interesse em agir adquire o significado de verdadeiro e próprio limite de admissibilidade. Para que possam ser admitidas torna-se necessária uma contestação ao direito suscitado seja objectiva e actual, idónea a lesar o interesse para que se invoca a tutela. Só assim será possível distinguir as acções de apreciação das acções vexatórias ou de jactância ou directas à resolução de questões meramente académicas, não admitidas no nosso ordenamento. O interesse em agir identifica-se comummente na utilidade concreta que a decisão jurisdicional é idónea a aportar à posição jurídica subjectiva de quem é titular que tenha agido em juízo; e por isso é que, junto à objectividade de concreção, no sentido que a pronúncia deve satisfazer ao interesse efectivo e não também um interesse meramente hipotético ou de outro modo não merecedor de tutela, e de personalidade, ou seja que não resulte em via directa de qualquer modo restaurada a posição substancial de quem tenha agido em juízo, é requerida também a actualidade no sentido de que a expectativa em termos de utilidade que se atende na sentença deve subsistir até ao momento da sua emanação. </font>
</p><p><font>A admissibilidade da demanda judicial está subordinada á subsistência de um interesse em agir, isto é, à verificação da correspondência entre a posição jurídica subjectiva, a lesão denunciada da parte e a providência requerida. O interesse em agir é o interesse em obter a providência requerida e não se confunde com o interesse substancial à tutela de que se trata. A legitimidade em agir, ao invés, atina com a titularidade para demandar. </font>
</p><p><font>“O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção”. Nas acções de simples apreciação “[</font><i><font>d]estinando-se estas acções a </font></i><font>“obter unicamente declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto”</font><i><font> tem-se entendido que não basta qualquer situação de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto, para que haja interesse processual na acção</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>] Ainda segundo estes autores </font><i><font>“[a] incerteza contra a qual o autor pretende reagir deve ser objectiva e grave. Será objectiva a incerteza que brota de factos exteriores, de circunstâncias externas, e não apenas da mente ou dos serviços internos do autor. (…] A gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>“</font><i><font>O interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, por isso mesmo que exprime a necessidade ou situação objectiva de carência judiciária por parte do Autor face à pretensão que deduz, ou do réu, à luz do pedido reconvencional que tenha oportunamente formulado. Esta carência tem, de facto, de ser real, justificada e razoável</font></i><font>”. Ou seja tem de revestir uma carência com feição “</font><i><font>objectiva, justificada, razoável e actual</font></i><font>”. [</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font> Tal como o Autor delineia a acção de simples apreciação a sua pretensão radica em saber se o estado de incapacidade ou de deficiência física da ré é de 80%. Esta pretensão surge como instrumental e ancilar da pretensão de, caso se venha a demonstrar não corresponder à realidade o motivo que invocou para fazer valer o seu direito de suceder no arrendamento que pertencia a sua mãe, o autor pedir a denúncia do contrato de arrendamento. </font>
</p><p><font>Acercando-nos do desenvolvimento do conceito de interesse em agir atinado com as acções de simples apreciação (em italiano de “</font><i><font>tutela o azzione di</font></i><font> </font><i><font>accertamento</font></i><font>” o Autor supra citado inculca a ideia que as concepções tradicionais não se mostram aptas a lidar com as necessidades de tutela neste tipo de acções. [</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>] Defende, por isso, uma nova abordagem mais flexível e abrangente baseada numa concepção dispositiva do processo e na possibilidade de o demandante procurar a solução para o exercício da acção e a tutela do direito numa demanda em que seja ele próprio a definir os contornos da pretensão a obter, ainda que essa pretensão possa, em determinado momento da percurso processual, prefigurar-se como fraccionada ou preliminar da acção destinada a obter a certeza do direito a tutelar. [</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Procurando trazer para o caso concreto o que vem alegado pelo Autor sobressai que este tem fundada incerteza de que a transmissária do direito ao arrendamento da fracção autónoma designada por letra “E” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º0000000000, da freguesia de Alvalade, e inscrito na matriz predial pela apresentação 8, de 191/12/07 possua uma incapacidade de 80%, tal como invocou para suceder no direito ao arrendamento do locado que pertenceu a sua mãe até ao respectivo decesso. O facto alegado pela demandada é pressuposto da transmissão do direito de arrendamento, por morte do arrendatário, para o descendente – artigo 85.º do RAU – e o Autor, que não pretende manter o contrato de locação, pretende ver dilucidada/esclarecida, por via de acção de simples apreciação, a incerteza que possui sobre este facto constitutivo do direito da demandada. </font>
</p><p><font>Em termos pragmáticos o que o Autor pede ao Tribunal é que se pronuncie sobre a veracidade/certeza de um facto constitutivo de um direito – de um descendente aceder no direito ao arrendamento por morte do progenitor – e defina o quadro de incapacidade de que a demandada é portadora. Da pronúncia do tribunal resultará uma de duas soluções: ou a demandada possui o grau de incapacidade que alegou e o Autor não poderá exercer o direito de denúncia que pretende; ou a demandada não possui o grau de incapacidade que alegou e o Autor, por falecer um pressuposto do direito invocado pela demandada, terá possibilidade de exercitar o direito que almeja.</font>
</p><p><font>Dir-se-á, na tese de que o direito deve ser exercitado por inteiro, que o Autor poderia interpor a acção de denúncia do contrato do arrendamento, alegando, como fundamento o facto de a demandada não ser possuidora do grau de incapacidade de que se arroga. Em face da alegação e da prova produzida o tribunal decidiria se o fundamento em que alicerçava o respectivo direito tinha procedência e definiria o direito de forma definitiva. Formar-se-ia, quanto ao julgamento que viesse a ser ditado, caso julgado e o direito a proteger quedaria definitivamente resolvido. Por este modo evitar-se-ia uma duplicação de acções. Uma primeira – afinal esta que o Autor intentou – para determinação da incapacidade e uma outra para denúncia do contrato de arrendamento. </font>
</p><p><font>No entanto o raciocínio poderia ser atalhado com outra argumentação, esta radicado no principio do dispositivo e que vai ao encontro da tese defendida pelo Prof. António Cabral. Se na acção de simples apreciação viesse a ficar definido que a demandada não possuía o grau de incapacidade que alegou para exercício do direito de acessão/transmissão no direito de arrendamento, estaria definido, por antecipação o direito à denúncia por parte do locador. Vale por dizer que falecendo o pressuposto (facto constitutivo do direito à transmissão da posição de arrendatária da descendente) invocado pela demandada esta não teria meio de defesa na acção para denúncia do contrato de arrendamento e certamente não iria a juízo defender-se, de forma temerária, numa acção que estaria votada ao fracasso, pela falência do pressuposto em que tinha feito assentar o seu direito. Nesta veia de raciocínio evitar-se-ia, afinal, uma acção, por ter ficado definido o facto/pressuposto do direito que o Autor pretende venha a ser impugnado. </font>
</p><p><font>No caso concreto a acção de simples apreciação adquire uma feição preliminar mas ao mesmo tempo determinante e autónoma perante o direito material que o demandante pretende ver tutelado – o direito à denúncia do contrato de arrendamento. A determinação/estabelecimento judicial do facto/pressuposto do direito alegado pela demandada impõem-se na configuração do direito material a tutelar – direito à denúncia do arrendamento – como uma individualização jurídica própria a reclamar ou pelo menos a justificar o carácter autónomo de uma apreciação judicial independente e caracterizadora do facto/pressuposto que o autor pretende ver definido e estabilizado. </font>
</p><p><font>A definição/estabelecimento do grau de incapacidade da demandada cabe dentro do direito de tutela jurisdicional a que o Autor aspira e cabe dentro do conspecto configurador do meio-instrumento processual utilizado para o seu exercício. </font>
</p><p><font>Pelo exposto colhem razão os argumentos do Autor no agravo interposto.</font>
</p><p><font>III. – Decisão.</font>
</p><p><font>Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:</font>
</p><p><font>- Conceder provimento ao agravo e, consequentemente, revogar a decisão sob apreciação, ordenando que o processo prossiga os seus termos para apreciação da pretensão do Autor.</font>
</p><p><font>- Custas pela recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 6 de Setembro de 2011 </font>
</p><p><font>Gabriel Catarino (Relator)</font>
</p><p><font> Sebastião Póvoas</font>
</p><p><font> Moreira Alves </font>
</p><p><font>----------------------------------------<br>
<br>
</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Articulo 100.º del Códice Procedura Italiano: “Per proporre una domanda o per contradire alla stessa è necessário avervi interesse” [Para propor uma acção (domanda) ou para a contradizer é necessário ter para tal interesse]. (Tradução nossa)</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Cfr. Sez. 3, Sentenza n. 17877 de 22/08/2007 Sez. U, Sentenza n. 27187 de 20/12/2006), in </font><a><u><font>www.studiolegalebagnardi.it</font></u></a><font>.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Cfr. in loc. cit. Cass. Sez. U, Sentenza n. 27187 del 20/12/2006; Cass. Sez. L, sentenza n. 17165 del 2006).</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Cfr. in loc. cit. Cass. Sez. 3, Sentenza n. 5074 de 05/03/2007)</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in “Manual de Processo Civil”, 1984, Coimbra Editora , pags. 171 e 177. </font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in op. Loc. cit., pág. 177 e 178. </font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> cfr. Remédio Marques, J.P., in “A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 2009, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 393. </font>
</p><p><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> cfr. op. loc. cit. pág. “Per tutto quanto esposto, è manifestamente insoddisfacente l'approccio clássico dell'interesse ad agire, sia quello basato sulla premessa egoista dell'interesse giuridico per i terzi, o sulla premessa privatista e polarizzata del bisogno di tutela, o anche sull'autoritarismo dell'interesse-adeguazione. L’unico binomio che riteniamo importante riguarda l’utilità. </font>
</p><p><font>Ma dobbiamo flessibilizzare la comprensione dell'interesse processuale, autorizzando un intendimento delle condizioni dell'azione partendo dalla visione più dinamica del rapporto processuale e voltato ad ognuno degli atti del processo. Il raziocinio utilitario dell'interesse ad agire, pertanto, deve far attenzione ad ogni modulo o “zona d'interesse” pertinente all'atto o congiunto d'atti che il soggetto desidera praticare.</font>
</p><p><font>È fatto che l'interesse viene legato ad un risultato perché il raziocinio impiegato è utilitario. In effetti, l'atto interessato è sempre teleologicamente orientato perché la causa dell'atto e il risultato proiettato sorgono logicamente nello stesso momento,69 ancorché l'esito non venga ad essere raggiunto. Ciò nonostante, l'utilità che deve orientare la verifica dell'interesse processuale non è quella definita e propagata tradizionalmente, legata al rapporto giuridico, al diritto soggettivo o a qualunque altro formato privatista. L'utilità che deve dirigere lo studio dell'interesse ad agire è un'utilita processualmente rilevante per il soggetto, destinata ad ottenere un risultato favorevole al suo complesso di situazioni giuridiche, processuali o sostanziali.</font>
</p><p><font>Quest'applicazione dell'interesse ad agire pare sia stata adottata dalla giurisprudenza nordamericana dello standing to sue, simile all'interesse processuale. Alcune decisioni hanno verificato lo standing rispetto a diversi topici di uno stesso caso. Così, per esempio, la parte puo avere interesse a confrontare alcuni aspetti di un atto amministrativo, ma non altri.</font>
</p><p><font>Dobbiamo esaminare l'interesse ad agire, tanto per le parti quanto per i terzi, in un contesto più malleabile di quello che usiamo oggi, comprendendo il complesso di tutte le attività permesse ai soggetti durante il procedimento, affrancandone l'attuazione se l'atto specifico abbia attuale e concreta utilità per il richiedente, ossia quando si desidera proteggere valori e situazioni degne di protezione nell'ordinamento, indipendentemente che incidano su un “rapporto giuridico”.</font>
</p><p><font>Inoltre, siccome questi oggettivi e valori variano nel corso del procedimento, l'interesse non può più esser analizzato in maniera unica fin dall'inizio del processo (l'interesse ad causam della domanda), ma verificato per ogni atto o insieme di atti (interesse ad actum). Saremmo così attenti alle situazioni mutevoli e dinamiche che possono sorgere nel processo.”</font>
</p><p><font>[…] Le zone d'interesse, nel verificare uno o alcuni atti processuali, permettono la segmentazione della partecipazione processuale, consentendo l'attuazione e l'intervento per finalità specifiche nel processo, purché utili al postulante.</font>
</p><p><font>L'approccio proposto può servire per la soluzione dei cosiddetti “temi di decisione”, parcelle di una situazione giuridica sostanziale o prequestioni (Vorfragen), ossia situazioni giuridiche previe o premesse per la questione principale.</font>
</p><p><font>Ma il tema è molto polemico, soprattutto alla luce della teoria tradizionale circa la tutela di accertamento. È che la dottrina europea ha teorizzato il problema così: affinché le situazioni giuridiche sostanziali possano essere oggetto di accertamento, due principi devono essere osservati: 1) i diritti soggettivi (o rapporti giuridici tra soggetti) possono essere genericamente oggetto dell'accertamento; 2) viene negata la possibilità di accertamento giudiziale di situazioni giuridiche preliminari (esattamente le Vorfragen, situazioni che sono premesse ai diritti o rapporti giuridici).</font>
</p><p><font>Pertanto, viene spesso negata la possibilità di tutela di accertamento quando la parcella che si pretende vedere analizzata, se considerata isolatamente, non potrebbe essere oggetto di una pretesa autonoma.</font>
</p><p><font>Questo deriva dall'idea che un rapporto giuridico di diritto materiale può essere dedotto solo nella sua interezza, ma non in un quid minoris. Si ammette soltanto cognizione incidentale su questioni che potrebbero essere oggetto di processo autonomo, cioè questioni che hanno “vita propria”. In questa concezione, le situazioni giuridiche meramente preliminari potrebbero essere conosciute solo incidenter ta | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_TL_u4YBgYBz1XKv93GO | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>A intentou acção com processo ordinário contra a Câmara Municipal de Vila Real alegando, em resumo, que sendo arrendatário de um prédio pertencente à ré, sito no Complexo Municipal de Recreação e Lazer de Codessais, vê-se ameaçado pela demandada de esta rescindir o contrato de arrendamento, pretendendo a entrega do prédio. Pede, assim, seja a ré condenada:</font></b><br>
<b><font> 1. a reconhecer que o autor é legítimo arrendatário do prédio identificado no art. 3 da petição inicial;</font></b><br>
<b><font> 2. a reconhecer que este contrato se rege pelas normas do Regime do Arrendamento Urbano e pelas cláusulas contratadas entre as partes no contrato de arrendamento junto aos autos e, como tal, não é livremente denunciável;</font></b><br>
<b><font> 3. a abster-se de quaisquer actos que diminuam ou restrinjam a utilização pelo autor, e para os fins constantes do contrato de arrendamento entre ambos celebrado, do citado imóvel, designadamente para que se abstenha de usar de qualquer meio para obter desocupação forçada do mesmo arrendado por parte do autor.</font></b><br>
<b><font>Contestou a ré, deduzindo reconvenção.</font></b><br>
<b><font>Na contestação diz que celebrou com o autor, como foi vontade das partes, um contrato de concessão do uso privativo de um bar e não um contrato de arrendamento.</font></b><br>
<b><font>Em reconvenção, pede que se considere que nenhuma das partes quis celebrar qualquer contrato de arrendamento e se considere o contrato celebrado como de concessão, temporário e renovável, condenando-se o autor a reconhecê-lo e a pagar-lhe uma indemnização de 130000 escudos mensais mais o que for apurado em execução de sentença pelos prejuízos originados à ré pelo não cumprimento do contrato.</font></b><br>
<b><font>Replicou o autor para contestar a reconvenção e manter a sua posição inicial.</font></b><br>
<b><font>Prosseguindo a acção os seus regulares termos, veio a ser proferida sentença que, do mesmo modo que julgou improcedente a acção, julgou procedente a reconvenção, condenando o autor no respectivo pedido.</font></b><br>
<b><font>Inconformado, apelou o autor.</font></b><br>
<b><font>O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls.292 e seguintes, alterou a sentença recorrida no sentido de que não há que declarar qualquer nulidade de contrato como de arrendamento e na parte em que condenou o autor em indemnização a liquidar em execução de sentença, absolvendo-o do respectivo pedido, confirmando a mesma sentença na parte restante.</font></b><br>
<b><font>Ainda inconformado, recorreu o autor de revista em cuja alegação formulou as conclusões seguintes:</font></b><br>
<b><font>1ª- Para a qualificação jurídica do contrato como sendo de direito público ou de direito privado não deveria lançar-se mão da vontade hipotética das partes porque não cabe às partes decidir o carácter administrativo ou civilístico dos contratos que celebram;</font></b><br>
<b><font>2ª - As partes não divergem quanto à declaração negocial que formularam, divergem sim quanto à qualificação jurídica que fazem do negócio; a Câmara Municipal de Vila Real agora não aceita que ele seja qualificado como um contrato de arrendamento, quando antes sempre como tal o aceitou e o denunciou;</font></b><br>
<b><font>3ª- O contrato em apreço não pode ser considerado uma concessão administrativa porque lhe faltam em absoluto os requisitos de prestação de serviço público e de prossecução de interesse público, não sendo de forma nenhuma a exploração de um bar num complexo de lazer uma actividade típica da administração pública nem um direito exclusivo da actividade pública, mas antes uma actividade de índole eminentemente privada e não agindo a apelada, no acto de celebração do contrato, investido do jus imperii que caracteriza a actividade pública;</font></b><br>
<b><font>4ª- Embora exista no contrato uma cláusula de livre denúncia do mesmo, como ensina Marcelo Caetano, "em vez de caracterizar o contrato pelas suas cláusulas, deve aquilatar-se do valor das cláusulas e da sua validade pela natureza do contrato";</font></b><br>
<b><font>5ª- Se se considerasse o contrato como administrativo - no que se não concede - este tribunal seria absolutamente incompetente em razão da matéria para conhecer da sua validade, da sua denunciabilidade e do seu suposto incumprimento, bem como do pedido indemnizatório nele fundado, por força designadamente do estatuído nos seguintes normativos, art. 51, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Dec. Lei 129/84, de 27 de Abril, art. 3 da Lei de Processo nos Tribunais administrativos aprovada pelo Dec. Lei 267/85, de 16 de Julho, art. 102, n. 1, art. 101 e art. 66, este a contrário, e art. 98, n. 1, todos do Código de Processo Civil. Essa incompetência teria de ser declarada;</font></b><br>
<b><font>6ª- Sendo o contrato - como é - um contrato de índole privada, não pode o mesmo qualificar-se de concessão de exploração de estabelecimento comercial, porque (como se refere no primitivo acórdão do Tribunal da Relação do Porto) in casu ainda não existia qualquer estabelecimento comercial que pudesse ser cedido ou locado;</font></b><br>
<b><font>7ª- Sendo certo que a vontade das partes a averiguar é a vontade na data em que o contrato foi celebrado, estamos assim perante um verdadeiro e próprio contrato de arrendamento de índole privada que como tal foi querido pelas partes e assinado e cujo texto escrito consta de fls. 8 a 10 dos autos;</font></b><br>
<b><font>8ª- Quanto à indemnização peticionada em sede de reconvenção, não existem factos na matéria provada que permitam alicerçar a condenação no montante indemnizatório estipulado. Aliás, a mesma condenação só poderia obter procedência se considerássemos o contrato como administrativo e, nesse caso, este Tribunal seria incompetente em razão da matéria para conhecer do alegado incumprimento e dos inerentes prejuízos invocados;</font></b><br>
<b><font>9ª- O douto acórdão recorrido terá assim feito errada qualificação jurídica do contrato e terá aplicado indevidamente os normativos dos arts. 236, n. 2 e 238, n. 2, do Código Civil, bem como terá aplicado incorrectamente o art. 247, do mesmo diploma legal e terá ainda desrespeitado o princípio da tipicidade dos casos de denúncia estatuído no art. 68, n. 2, do RAU, além de quanto à indemnização ter feito aplicação indevida dos arts. 804, n. 1 e 2, 562 e 564, todos do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>Não houve contra - alegação.</font></b><br>
<b><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font></b><br>
<b><font>Vejamos os factos considerados provados pelas instâncias:</font></b><br>
<b><font>A Câmara Municipal de Vila Real, por deliberação de 11-8-86, entendeu pôr a concurso, por propostas, a concessão de exploração de um bar no Complexo de Lazer de Codessais;</font></b><br>
<b><font>Afixou o respectivo edital, tendo igualmente enviado o mesmo a alguns eventuais interessados, entre os quais o autor;</font></b><br>
<b><font>A esse concurso concorreu o autor, aceitando as respectivas condições e oferecendo a sua proposta, conforme ofício junto a fls. 37;</font></b><br>
<b><font>Este documento, dirigido pelo autor à ré e datado de 19-8-86, tem o seguinte conteúdo:</font></b><br>
<b><font>Após ter tomado conhecimento do texto do edital de 12 do corrente, através do qual foi posta a concurso a concessão da exploração do bar do Complexo Municipal de Recreação e Lazer de Codessais, cujas condições (1ª a 4ª) aceita e dá aqui como transcritos, vem, nos mesmos termos apresentar a seguinte proposta.</font></b><br>
<b><font> 1 - A renda mensal de 20000 escudos;</font></b><br>
<b><font> 2 - Antes da assinatura do contrato, apresentará a caução bancária exigida no citado edital;</font></b><br>
<b><font>Este documento foi redigido e dactilografado pelos serviços camarários, de acordo com as instruções do autor e posteriormente por ele assinado;</font></b><br>
<b><font>Uma vez que não houve mais concorrentes, a Câmara Municipal deliberou, em 25-8-86, "adjudicar a concessão da exploração do bar do Complexo Municipal de Recreação e Lazer de Codessais, nas condições do referido edital" ao autor, pela renda mensal de 20000 escudos;</font></b><br>
<b><font>Essa concessão foi ratificada pela Assembleia Municipal;</font></b><br>
<b><font>No Verão de 1986, o autor foi abordado por pessoas ligadas à autarquia com vista à celebração de um contrato relativo ao bar do Complexo de Codessais;</font></b><br>
<b><font>O bar estava já equipado com maquinaria e pronto a funcionar;</font></b><br>
<b><font>Em 11-5-87, a ré e o autor outorgaram o contrato constante do documento de fls. 8-10;</font></b><br>
<b><font>Trata-se de um documento intitulado de "contrato de arrendamento", em que o presidente da ré intervém "no uso dos poderes que lhe foram conferidos por deliberação tomada em reunião da mesma Câmara em 27-10-86" e de que constam, entre outras, as seguintes condições;</font></b><br>
<b><font>I - O primeiro outorgante (a ré) em execução de deliberação tomada pela C. M. de Vila Real em 25-08-86, dá de arrendamento ao segundo outorgante (o autor) o prédio sito no Complexo Municipal de Recreação e Lazer de Codessais e de que é proprietário o Município de Vila Real.</font></b><br>
<b><font>II - O arrendamento é pelo prazo de um ano, com início em 01-01-87, renovável tacitamente se qualquer das partes o não rescindir, por escrito, com uma antecedência mínima de 90 dias do seu termo.</font></b><br>
<b><font>III - A renda mensal é de 20000 escudos e a sua actualização será feita nos termos da legislação sobre arrendamentos comerciais e será paga nos primeiros oito dias de cada mês na Tesouraria da Câmara Municipal.</font></b><br>
<b><font>IV - O prédio arrendado por este contrato destina-se à exploração de "Bar" pelo segundo outorgante ficando este proibido de sublocar ou ceder por qualquer outra forma os direitos deste arrendamento;</font></b><br>
<b><font>Foi convencionado entre a ré e o autor a concessão do uso privativo do bar, por tempo determinado, nos termos do concurso público realizado a que o autor concorreu;</font></b><br>
<b><font>Este contrato foi celebrado de acordo com uma minuta aprovada por unanimidade em sessão camarária de 27-10-86;</font></b><br>
<b><font>Desde o dia 01-01-87 até à data da instauração da presente acção o autor manteve-se no gozo das instalações que assim lhe foram entregues, aí explorando um estabelecimento de bar, com cujos rendimentos provê à sua subsistência, bem como à do seu agregado familiar;</font></b><br>
<b><font>Esse bar disfruta de uma vasta clientela e foi objecto de largos investimentos em curso à data da instauração da acção, com fornecedores, maquinarias e outros, encetados pelo autor;</font></b><br>
<b><font>Por meio de ofício datado de 26-08-91, o Sr. Director do Departamento de Administração e Finanças da ré deu a conhecer ao autor que seria vontade do executivo camarário promover a rescisão do contrato acima referido, com efeitos a partir de 01-01-92;</font></b><br>
<b><font>E, no seguimento dessa comunicação, no subsequente mês de Outubro de 1991, através de editais e órgãos de informação, a ré publicitou a abertura de um concurso para exploração do "Bar de Codessais" (precisamente aquele cujas instalações estavam cedidas ao autor) pela renda mensal de 150000 escudos;</font></b><br>
<b><font>Inconformado com a vontade de rescisão da ré, o autor fez saber da sua oposição a tal rescisão, por carta enviada à ré em 07-10-91;</font></b><br>
<b><font>Por o autor se ter recusado a entregar o bar, a ré acabou então por desistir do seu propósito de efectuar o concurso público para atribuição do bar à exploração;</font></b><br>
<b><font>O autor passou a depositar a renda na Caixa Geral de Depósitos, o que vem fazendo desde Junho de 1992;</font></b><br>
<b><font>A ré comunicou então ao autor que queria que este lhe entregasse o aludido bar em 31-12-92, por ofícios que lhe mandou em Dezembro de 1991 e Outubro de 1992;</font></b><br>
<b><font>O autor respondeu à ré que não lhe reconhecia o direito de denunciar o contrato, por se tratar de um contrato de arrendamento comercial não passível de ser denunciado pelo senhorio;</font></b><br>
<b><font>Inconformado com esta posição, a ré, em 03-11-92, voltou a instar o autor para que lhe fosse entregue o bar referido até ao final do ano;</font></b><br>
<b><font>Se a ré tomasse posse administrativa do bar, o autor ver-se-ia privado dos rendimentos daí provenientes e veria afastar-se a sua clientela habitual;</font></b><br>
<b><font>Por isso, o autor requereu uma providência cautelar para que fosse ordenado que a ré se abstivesse de praticar qualquer acto que diminuísse ou restringisse o gozo do bar pelo autor, providência esta que veio a ser deferida;</font></b><br>
<b><font>Nunca a Câmara Municipal pretendeu celebrar qualquer contrato de arrendamento do tipo comercial e a título permanente mas apenas permitir a sua exploração nos termos do concurso;</font></b><br>
<b><font>Em 01-01-92, havia concorrentes dispostos a pagar a quantia mensal de 150000 escudos pela exploração do bar;</font></b><br>
<b><font>A Câmara Municipal abriu novo concurso, desta vez para a totalidade do Complexo de Lazer;</font></b><br>
<b><font>Face à posição do autor, o concurso foi reformulado;</font></b><br>
<b><font>O autor, com a sua actuação, causou prejuízos à ré.</font></b><br>
<b><font>Postos os factos, entremos na apreciação do recurso, sabido que o objecto deste é delimitado pelas conclusões insertas na respectiva alegação (arts. 684, n. 3, e 690, n. 1, do Código de Processo Civil).</font></b><br>
<b><font>Delimitado, assim, o objecto do recurso, as questões nele colocadas podem indicar-se assim:</font></b><br>
<b><font> 1ª - Se pode considerar-se de arrendamento o contrato celebrado entre autor e ré;</font></b><br>
<b><font> 2ª - Se o autor pode ser condenado a pagar alguma indemnização à ré.</font></b><br>
<b><font>Abordemos tais questões.</font></b><br>
<b><font>No acórdão recorrido qualificou-se como administrativo o contrato celebrado entre as partes. Tratou-se, diz a Relação, de uma concessão administrativa.</font></b><br>
<b><font>Não é, porém, assim.</font></b><br>
<b><font>O artigo 9, n. 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Dec. Lei 129/84, de 27 de Abril, dá-nos o conceito de contrato administrativo: o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo.</font></b><br>
<b><font>No caso dos autos não se descortina a existência de uma relação jurídica de direito administrativo. Ela só existiria se o fim contratual fosse o da imediata utilidade pública, aferido pelo serviço prestado pela entidade pública contraente.</font></b><br>
<b><font>Ora, no caso que nos ocupa, não houve por parte da Câmara ré, ao celebrar o contrato em causa, o fim de satisfazer uma imediata utilidade pública, mas antes o de obter uma receita com a exploração de um bar num Complexo de Lazer.</font></b><br>
<b><font>Não sendo de direito administrativo, poderá o referido contrato ser qualificado como de arrendamento, como pretende o recorrente.</font></b><br>
<b><font>É o que passamos a ver, interpretando e qualificando o contrato em causa.</font></b><br>
<b><font>Como se diz no acórdão deste Supremo de 13-4-94, Col. Jur. - Acórdãos do STJ - ano II, tomo 2, pag. 33 e seguintes, "pelo critério n. 1 do art. 236, do Cód. Civil, o sentido juridicamente relevante que deve ser atribuído à declaração de vontade é o que lhe daria um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pelo que se supõe ser este uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias (Manuel Andrade, Teoria Geral..., II, p. 309) ou uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dento do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer (Mota Pinto, Teoria Geral...,p. 447)".</font></b><br>
<b><font>Do teor do contrato e das circunstâncias que levaram à sua formação há que salientar o seguinte: a ré pretendeu abrir um concurso, por propostas, com o fim de concessionar a exploração de um bar num Complexo de Lazer; para tanto, afixou o respectivo edital, onde, além de mais, se anunciava que a concessão será feita pelo prazo de um ano, renovável tacitamente, se qualquer das partes o não rescindir, com uma antecedência mínima de noventa dias do seu termo e que no final da concessão, o equipamento, os utensílios e o imóvel deverão ficar conforme o inventário inicial e em bom estado de conservação; o autor aceitou essas condições, sendo certo que o bar estava já equipada com maquinaria e pronto a funcionar, no próprio contrato escrito refere-se que o "arrendamento é feito pelo prazo de um ano, renovável tacitamente se qualquer das partes o não rescindir, por escrito, com uma antecedência mínima de 90 dias do seu termo"; nunca a ré pretendeu celebrar qualquer contrato de arrendamento do tipo comercial e a título permanente mas apenas permitir a exploração do bar nos termos do concurso.</font></b><br>
<b><font>Deste conjunto de circunstâncias pode concluir-se com segurança que o autor, suposto ser pessoa razoável e diligente, não podia contar que do contrato resultasse a constituição de uma relação vinculística própria do arrendamento urbano. Ele apenas adquiriu, porque lhe foi cedido pela ré, o direito de explorar o bar com os limites temporais definidos no contrato.</font></b><br>
<b><font>Trata-se, assim, de um contrato de locação ou de cessão de exploração de estabelecimento comercial.</font></b><br>
<b><font>Nos termos do art. 1085, do Código Civil, então em vigor, a que corresponde o art. 111 do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.</font></b><br>
<b><font>É o caso dos autos.</font></b><br>
<b><font>Com o contrato em causa, a ré, juntamente com a fruição, do prédio, transferiu para o autor, pelo prazo de um ano e mediante a renda de 20000 escudos mensais, a exploração do estabelecimento comercial, o bar, nele instalado.</font></b><br>
<b><font>E não se diga, como o faz o recorrente, que no caso dos autos não havia qualquer estabelecimento comercial que pudesse ser cedido ou locado.</font></b><br>
<b><font>O contrato, como se deixa dito, destinou-se a permitir ao réu a exploração do bar, que já estava equipado com maquinaria e pronto a funcionar. Tratava-se, portanto, de uma organização que permitia o desempenho de uma actividade comercial.</font></b><br>
<b><font>É certo que não se provou que tal estabelecimento, o bar, estivesse já em funcionamento.</font></b><br>
<b><font>Simplesmente, a entrada em funcionamento do estabelecimento não é condição necessária para a existência de um contrato de locação do mesmo. Necessário é que não falte o núcleo central e caracterizante da empresa, ou seja, uma organização apta a realizar uma actividade comercial ou industrial.</font></b><br>
<b><font>Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 18-7-85, Bol. n. 349, pág. 471, "pode ser objecto de contrato de locação ou cessão de exploração o estabelecimento comercial que ainda não tenha entrado em funcionamento, porquanto o que essencialmente importa para chegar à conclusão de que determinada organização constitui um estabelecimento comercial ou industrial é a prova da sua aptidão para entrar em funcionamento, como tal, ou seja, dentro do fim para que foi criado" (cfr. no mesmo sentido o acórdão da Relação do Porto de 2-7-92, Col.Jur., ano XVII, tomo 4, pág. 231).</font></b><br>
<b><font>Pode, assim, concluir-se que no caso dos autos estamos em presença de um contrato de locação ou de cessão de exploração de estabelecimento.</font></b><br>
<b><font>Passemos à 2ª questão colocada no recurso.</font></b><br>
<b><font>O acórdão recorrido, confirmando, nesta parte, a sentença, manteve a condenação do autor no pagamento à ré, a título de indemnização, da quantia de 130000 escudos mensais desde 1-1-92 até à entrega do bar.</font></b><br>
<b><font>Será de manter esta condenação?</font></b><br>
<b><font>Porque o referido contrato não consubstancia um arrendamento do prédio onde está instalado o bar, não tem o mesmo que ser obrigatoriamente renovado, podendo a ré denunciá-lo para o termo do respectivo prazo.</font></b><br>
<b><font>A ré procedeu efectivamente à denúncia do contrato para 31-12-92 (foi para esta data que a ré quis a entrega do bar, mediante ofícios mandados ao autor em Dezembro de 1991 e Outubro de 1992), o que obrigava o autor a restituir o referido bar.</font></b><br>
<b><font>Não tendo o autor efectuado tal restituição, como estava obrigado, está sujeito a indemnizar a ré pelos prejuízos por esta sofridos, nos termos do art. 798 do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>Tais prejuízos podem ser calculados, à luz dos factos provados. Correspondem eles à diferença entre os montantes pagos pelo autor, a título de renda, 20000 escudos mensais, e os montantes que a ré poderia auferir se tivesse concedido a exploração do bar por 150000 escudos por mês. É o que resulta do disposto nos artigos 562 e seguintes do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>Assim, o autor está obrigado a pagar ao município de Vila Real a quantia de 130000 escudos mensais desde 1-1-93 (e não de 1-1-92 como se refere no acórdão recorrido), data em que devia ter feito a entrega do estabelecimento, até efectiva restituição do bar.</font></b><br>
<br>
<b><font>Nestes termos, concedendo em parte a revista, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido e, consequentemente, condena-se o autor a reconhecer que o acordo que celebrou com a ré é um contrato de locação ou de cessão ou concessão de exploração de estabelecimento comercial, temporário, e a pagar à ré, a título de indemnização, a quantia de 130000 escudos por mês desde 1 de Janeiro de 1993 até à entrega do estabelecimento locado, no mais se mantendo o decidido pela Relação.</font></b><br>
<b><font>O autor suportará, nas instâncias e neste Supremo Tribunal, 5/8 das custas, dado que a ré está delas isenta.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 5 de Fevereiro de 1998.</font></b><br>
<b><font>Tomé de Carvalho,</font></b><br>
<b><font>Silva Paixão,</font></b><br>
<b><font>F. Fabião. </font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_jJ8u4YBgYBz1XKvLQ_7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font></p><div><br>
<font> I</font></div><br>
<font> 1. </font><i><font>AA, Lda</font></i><font>. Intentou ação contra </font><i><font>Santa Casa da Misericórdia de ...</font></i><font> ação, pedindo a condenação desta última ao pagamento da quantia de € 55.967,50, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento, sendo € 47.500,00, a título de prejuízos imediatos traduzidos na diferença do valor da proposta irrevogável para o que efetivamente recebeu, acrescidos da diferença do que deveria ter pago a título de IMT e Imposto de selo, nomeadamente 6,5% sobre a diferença (€ 3.087,50) e os 8 por mil sobre a mesma diferença (€ 380,00), bem como dos custos com a presente demanda, que estima cingirem-se a € 5.000,00; fundamenta a Autora o seu direito na responsabilidade pré-contratual da Ré, que emitiu uma proposta contratual irrevogável, consubstanciada na sua comunicação de 8 de maio, que posteriormente retratou, por comunicação de 4 de maio, atuando com culpa, desse modo se tornando responsável pelos prejuízos causados à Autora, à luz do disposto no art. 227.º do Código Civil. </font>
<p><font>Contestou a Ré, contraditando a tese jurídica da Autora.</font>
</p><p><font>Proferido saneador-sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré do pedido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. Apelou a Autora.</font>
</p><p><font>A Relação julgou o recurso parcialmente procedente, revogando a decisão da 1ª instância e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 50.967,50, acrescida de juros legais desde a data da citação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. Pede revista a Ré, formulando a final da alegação as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>«1ª- A recorrente não se conforma com o douto acórdão proferido porquanto entende, salvo o devido respeito, que fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos provados, designadamente, quanto à qualificação da carta para preferência enviada à Autora como sendo uma proposta contratual irrevogável e não um convite para contratar.</font>
</p><p><font>2ª- A questão a apreciar por V. Exªs. consiste em saber se a Ré ainda antes de receber uma eventual reposta da Autora a uma primeira comunicação para preferência, podia ou não alterar os termos da mesma, ou até mesmo desistir do negócio, dado tratar-se de um convite para contratar.</font>
</p><p><font>3ª- A douta decisão da Relação partiu dos pressupostos errados desde logo por vários motivos: a comunicação da Ré não era uma proposta irrevogável; não ocorreu qualquer “retratação posterior”, apenas alteração do valor; e a nova comunicação da Ré foi ainda antes da Autora aceitar a primeira comunicação.</font>
</p><p><font>4ª- Desde logo, salvo melhor opinião, a comunicação para preferência para ser uma proposta irrevogável exige vários requisitos cumulativos: a) ser completa, ou seja conter todos os elementos essenciais do negócio; b) exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar; c) deve revestir a forma para o contrato em causa.</font>
</p><p><font>5ª- E, salvo o devido respeito, não se pode considerar a carta da Ré datada de 04 de maio como proposta negocial, e muito menos irrevogável, pois que não cumpre os requisitos exigíveis mínimos, entre outros “ a forma exigida para o contrato em causa...”, e </font><i><font>in casu</font></i><font> a forma para o contrato de compra e venda é a escritura pública, e a proposta não revestiu essa forma;</font>
</p><p><font>6ª- E só seria uma proposta irrevogável se fosse vinculativa para ambos os contratantes, e não só para um deles, e </font><i><font>in casu</font></i><font> o convidado a preferir pode aceitar ou não, pode querer ou não querer, e até no limite pode comunicar que pretende preferir, e depois não outorga a respectiva escritura, e não há forma de o obrigar a tal.</font>
</p><p><font>7ª- Por outro lado, podendo o obrigado à preferência </font><i><font>“desistir pura e simplesmente do negócio por exemplo, por ter acedido a meios de fortuna que lhe permitam não necessitar (desistir) da alienação projectada”</font></i><font>, também nos parece razoável que o obrigado à preferência possa ainda antes do preferente aceitar, ou não, uma comunicação para preferir, alterar os termos da mesma, pois, tal é jurisprudência uniforme deste mais Alto Tribunal, como decorre do acórdão de 08.01.209 in Proc 2772/08 in CJ 1, pag. 31.</font>
</p><p><font>8ª- Sendo também a posição da doutrina, como consta neste acórdão, citando Antunes Varela, RLJ 121-360 e Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, pg 105 e 106: </font><i><font>“Consequentemente, a notificação para preferir é, no fundo, um convite a contratar, cuja amplitude é o preferente ficar com a possibilidade de aceitar ou não a proposta”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>9ª- Por isso, salvo o devido respeito, podia a Ré enquanto o negócio não se concretizasse com a respectiva escritura pública – que é quando o direito surge na esfera jurídica do preferente - desistir do contrato ou alterar os termos do contrato.</font>
</p><p><font>10º - O acórdão recorrido entendeu que a proposta contratual em certas condições </font><i><font>“sendo aceite pelo destinatário, dá lugar a um contrato</font></i><font>”, o que concordamos, sendo certo, porém, in casu a primeira proposta, enviada em 04 de maio, ainda não tinha sido aceite pela Autora, e por isso nunca podia dar origem a um contrato.</font>
</p><p><font>11ª- A Ré efectuou uma comunicação para preferência em 4 de maio, </font><b><u><font>e ainda antes da Autora ter manifestado o interesse em exercer o direito de preferência, comunicou à mesma as novas condições do negócio</font></u></b><font>, ou seja pelo preço de 425.000,00 €, dentro do principio da autonomia privada, da liberdade contratual e do exercício do direito de propriedade que a Lei e a Constituição lhe confere, e que a Autora aceitou.</font>
</p><p><font>12ª- E como se refere no mesmo acórdão, e apenas no caso de já ter havido comunicação de aceitação – e in casu não tinha havido ainda comunicação de aceitação pelo preferente – </font><i><font>“tal ocorre apenas em teremos meramente obrigacionais e não em termos reais”, fazendo “incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, e não mais que isso”.</font></i>
</p><p><font>13ª- Não sendo o caso dos presentes autos similar à situação descrita / ocorrida no citado acórdão deste STJ de 19.10.2010, pois que no nosso caso a comunicação com o novo preço ocorreu ainda antes da aceitação pela Autora, e no acórdão citado a alteração do preço ocorreu após a aceitação pelos preferentes, e além disso quando já havia um contrato promessa de compra e venda outorgado pelo obrigado e pelo preferente.</font>
</p><p><font>14ª- Aliás, entender-se a mera comunicação como uma vinculação definitiva, sem possibilidade de desistência ou alteração, obrigando à venda ao preferente, constituiria uma violação do direito de propriedade e do princípio da liberdade contratual, estabelecendo um proteccionismo ilegal, injustificado e desproporcionado a favor do inquilino/arrendatário, que a Constituição não consagra.</font>
</p><p><font>15ª</font><i><font>- “Ora, não pretendendo o legislador, com a criação de qualquer direito de preferência, afastar as leis de livre concorrência, não terá o preferente que ficar monetariamente favorecido com o seu direito, beneficiando apenas, em igualdade de preços (ou situações), da faculdade de ser o escolhido (um “primus inter pares”), pelo que, uma vez colocada à venda o prédio, pelo vendedor, por um determinado preço, sendo o mesmo aceite pelo preferente, não lhe assiste o direito de excluir outros interessados que cubram tal quantia, ficando o seu interesse em “stand by”, não estando o vendedor impedido de continuar a negociar, apenas relevando o direito do preferente quando a oferta não subir mais.</font></i>
</p><p><font>16ª- Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido ao enunciar a questão situa-a no domínio da responsabilidade pré-contratual e/ou enriquecimento sem causa, mas, porém, a final condena a Ré a indemnizar a Autora na quantia de 50.967,50 € sem referir a que titulo, se de responsabilidade pré-contratual, se de enriquecimento sem causa.</font>
</p><p><font>17ª- E a título de enriquecimento sem causa não poderá ser, pois que a Ré não enriqueceu indevida ou injustamente, nem recebeu seja o que for sem ser por direito próprio, pelo que a haver enriquecimento sem causa, favorecimento ilegítimo é da Autora, e à custa da Ré, dado que paga pelo valor do bem, menos 47.500,00 € do que o valor a que tinha direito a Ré e que receberia na venda do bem a um terceiro adquirente, sendo o prejuízo da Ré e não da autora.</font>
</p><p><font>18ª- De igual modo, o douto acórdão recorrido não fundamenta a condenação da Ré em responsabilidade pré-contratual, nem há, pois que tal só ocorreria se a Ré por exemplo desistisse do negócio, e com isso causasse prejuízos desnecessários à autora, o que não sucedeu in casu,</font>
</p><p><font>19</font><sup><font>a</font></sup><font>- Havendo assim, nesta parte, salvo melhor opinião, uma absoluta falta de fundamentação de direito no douto acórdão quanto à condenação, pelo que é nula a decisão nos termos do disposto no art. 615</font><sup><font>o</font></sup><font>, n°1, alínea b) do CPC.</font>
</p><p><font>20</font><sup><font>a</font></sup><font>- Por isso salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art. 227</font><sup><font>o</font></sup><font> e 230</font><sup><font>o</font></sup><font> do CC e errada aplicação do art. 1410</font><sup><font>o</font></sup><font>, n° 1 do CC.»</font>
</p><p><font>Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do decidido no acórdão da Relação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<font> II</font></div><br>
<font> </font>
<p><font>5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Autora, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), </font><u><font>a questão a decidir no presente recurso respeita à natureza e aos efeitos jurídicos produzidos pela </font></u><i><u><font>comunicação para preferir</font></u></i><font>, importando, no caso, saber </font><b><font>se a 1ª comunicação pela Ré dirigida ao Autor, em 4 de Fevereiro de 2017, para o exercício, por parte deste, do direito de preferência</font></b><font> [nº 1, alínea a), do art. 1091º do CC</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>], </font><b><font>contendo os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 416º do CC</font></b><font> (nº 4 do art. 1091º), </font><b><font>deve ser qualificada como </font></b><b><i><font>proposta contratual</font></i></b><b><font>, como tal </font></b><b><i><font>irrevogável</font></i></b><font> (nº 1 do art. 230º do CC), </font><b><font>sendo que a modificação produzida, através da 2ª comunicação, de 8 de maio, a fez incorrer em responsabilidade pré-contratual, à luz do disposto no art. 227.º do Código Civil</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Consigna-se, relativamente ao imputado vício de </font><i><font>absoluta falta de fundamentação</font></i><font> ao acórdão recorrido [art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC] – conclusões 16ª a 19ª –, não obstante a qualificação expressa pelos Recorrentes, e como imediatamente se verifica através da leitura das antecedentes conclusões, bem como da última, que a censura é dirigida à solução jurídica, tal como estabelecida no acórdão, pelos mesmos Recorrentes claramente alcançada e atacada </font><i><font>por errónea</font></i><font> – nessa sede será a questão examinada.</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font>
</p><p><font>«1.- A Ré foi, até 14 de junho de 2017, a proprietária do prédio urbano sito ao ..., prédio esse devidamente inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ... sob o artigo 3410, prédio esse composto de casa de 5 pavimentos, conforme caderneta predial junta a fls. 7 e 8, cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font>2.- Até ao referido dia 14 de junho de 2017, a Autora, mediante contrato de arrendamento com mais de 30 anos, era a inquilina da totalidade do mesmo prédio.</font>
</p><p><font>3.- A Ré decidiu publicitar em Jornal de grande tiragem, nomeadamente o Jornal de Noticias, a intenção de vender o referido prédio.</font>
</p><p><font>4.- Nessa sequência, publicitou as condições para a pretendida venda, através da publicação de anúncio, no dia 14 de abril de 2017, concretizando que venderia o prédio que identificava pelo valor base de € 250.000,00.</font>
</p><p><font>5.- Da mesma forma e nesse anúncio, fez conhecer que as propostas em carta fechada rececionadas até às 16 horas do dia 28 de abril de 2017 seriam abertas pelas 17 horas desse mesmo dia, na sede da Ré, conforme documento junto a fls. 2v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido. </font>
</p><p><font>6.- Chegado o dia e hora comunicados, procedeu-se, perante diversos interessados e proponentes de propostas, à abertura de todas elas.</font>
</p><p><font>7.- A Autora recebeu da Ré carta registada com aviso de receção expedida a 04 de maio de 2017, onde é exposto o direito da Autora de preferir e fixar as condições de venda, nomeadamente as explanadas na declaração e proposta negocial publicada, mencionando o preço da melhor proposta, de € 377.500,00 e a identidade da potencial compradora, conforme documento junto a fls. 3 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font>8.- Na mesma comunicação, a Ré fixou, para a realização da escritura pública, o dia 14 de junho de 2017, pelas 15 horas, no cartório Notarial de ..., e a forma de pagamento.</font>
</p><p><font>9.- A Autora rececionou uma outra carta da Ré, registada com AR, expedida em 08 de maio de 2017, a comunicar que a entidade vencedora do direito a adquirir na aquisição do prédio por via de ter apresentado a proposta maior, havia encetado novas negociações com a Ré, e haviam assumido que a venda seria, não pelos € 377.500,00, mas antes por € 425.000,00, conforme documento junto a fls. 13 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font>10.- A Autora envia carta registada com AR à Ré, expedida a 11 de maio de 2017, comunicando que exercia a preferência na aquisição assumida na publicitação de vontade negocial decorrente da proposta de € 377.500,00, sendo que na mesma carta e por cautela assume também a preferência na aquisição pelo segundo valor de € 425.000,00, conforme documento junto a fls. 14, cujo teor aqui se dá por reproduzido.</font>
</p><p><font>11.- Nesta sequência, a Autora, munida de cheque visado de € 425.000,00, das guias de IMT e Imposto de Selo e ata a deliberar o ato assumido, compareceu no cartório marcado e outorgou com a Ré a respetiva escritura, em 14 de junho de 2017, encontrando-se a aquisição registada em seu nome, conforme documentos juntos a fls. 14v.º a 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido.»</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7. </font><u><font>Do direito</font></u><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.1. O </font><b><font>nº 1, alínea a), do art. 1091º do CC</font></b><font> (na referida redação, que aqui releva, da Lei 6/2006) atribui ao arrendatário </font><i><font>o direito de preferência na compra e venda do local arrendado há mais de três anos</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Relativamente aos termos em que é facultado e garantido o exercício de tal direito, o nº 4 do citado artigo remete, com </font><i><font>as </font></i><i><u><font>necessárias adaptações</font></u></i><font>, para o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do mesmo código.</font>
</p><p><font>Interessa nuclearmente, no caso, o disposto no </font><b><font>nº 1 do art. 416º</font></b><font>: </font><i><font>«Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.2. Quanto à questão objeto do presente recurso, respeitante, como foi dito, à natureza e aos efeitos jurídicos produzidos pela comunicação para preferir, vem referenciada em acórdão deste tribunal, de 7.12.2010 (este e os adiante citados, caso a sua publicação não seja de modo diverso indicada, todos disponíveis em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font>, os mais antigos apenas através de sumário), a </font><b><i><font>divergência, quer na doutrina, quer na jurisprudência</font></i></b><i><font>, relativamente a saber se a notificação para preferência envolve uma proposta contratual que, uma vez aceite, se torna vinculativa para o autor daquela comunicação, ou se envolve antes um simples convite a contratar</font></i><font>, tendo-se por largamente dominante a primeira posição (reforçando este entendimento, acórdão de 21.2.2006).</font>
</p><p><font>No sentido de que a notificação para preferência valerá, </font><i><u><font>em regra</font></u></i><font>, </font><i><u><font>desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente</font></u></i><font>, ou seja, </font><u><font>desde que observe os requisitos estabelecidos no nº 1 do art. 418º do CC</font></u><font>, como proposta contratual, a qual, uma vez aceite, se torna vinculativa, além do acórdão de 21.2.2006, entre outros, acórdãos de 19.10.2010, 9.7.98, 11.5.93, 31.3.93, 15.6.89 e de 2.3.99-Proc. 69/99, este constante dos </font><i><font>Sumários de Acórdãos</font></i><font>, publicados em </font><a><u><font>www.stj.pt</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Em sentido divergente, citado pela Recorrente, o acórdão de 8.1.2009; adotando posição intermédia, entendendo que a notificação para preferência </font><i><font>não encerra uma verdadeira proposta contratual no sentido técnico-jurídico, antes se aproximando mais do chamado convite a contratar</font></i><font>, mas sendo-lhe aplicável o art. 227º do CC, acórdão de 19.4.2001-Proc. 419/01, sumário publicado em </font><a><u><font>www.stj.pt</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.3. Comecemos pelo exame do </font><i><u><font>direito de preferência</font></u></i><font>, em resultado do qual fica o imediato destinatário a ele sujeito vinculado à emissão da </font><i><font>comunicação para preferir</font></i><font>.</font>
</p><p><font>O </font><i><font>direito legal de preferência</font></i><font>, conforme qualificação da doutrina, acolhida na jurisprudência deste tribunal, constitui-se como </font><i><u><font>direito potestativo, com eficácia real</font></u></i><font>, enquanto fundado em </font><i><font>razões de interesse e ordem pública</font></i><font> (o </font><i><font>pacto de preferência</font></i><font> só excecionalmente será dotado de eficácia real, desde que objeto de registo, passando a aplicar-se-lhe, </font><i><font>com as necessárias adaptações</font></i><font>, o disposto no art. 1410º do CC, nos termos previstos no art. 421º do mesmo código).</font>
</p><p><font>Obviamente, de </font><i><font>gestação heteroimpositiva</font></i><font> e de modo mais vincado do que os pactos de preferência, </font><b><font>os direitos legais de preferência implicam uma limitação à liberdade contratual e ao próprio exercício do direito de propriedade</font></b><font> (ver-se-á adiante, perante o entendimento a firmar, se o mesmo, como a Recorrente previne nas conclusões 14ª e 15ª da sua alegação, aduzindo ainda violação da livre concorrência, padecerá de inconstitucionalidade, por </font><i><font>protecionismo injustificado e desproporcionado</font></i><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.4. </font><b><font>O dever de comunicação imposto ao vinculado à preferência</font></b><font>, transmitindo</font><i><font> «o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato»</font></i><font>, nos termos estabelecidos no nº 1 do art. 416º do CC (estando o exercício do direito do preferente sujeito a abreviadíssimo prazo de caducidade, conforme o nº 2 do mesmo artigo – prazo esse ampliado pela Lei 64/2018, através da nova redação dada ao nº 4 do art. 2091º do CC), </font><b><font>integra a </font></b><b><i><font>dimensão obrigacional</font></i></b><b><font> do direito em causa</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Dimensão essa outra que não colide, antes </font><i><font>reciprocamente completa</font></i><font> a apontada natureza do direito: </font><i><font>«Por um lado, o preferente é titular de um verdadeiro direito de crédito, quer a preferência tenha, quer não tenha, eficácia real. Por outro lado, gozando de eficácia real, como sucede com os direitos legais de preempção, a preferência atribui ainda a esse sujeito a titularidade de um direito real de aquisição»</font></i><font> (Antunes Varela, RLJ, 105, pp. 12/3).</font>
</p><p><font>A atribuição de eficácia real ao direito em causa é particularmente evidenciada </font><b><font>em caso de incumprimento do dever de comunicação para preferência</font></b><font>, quando permite ao titular do direito fazer seu, nos termos previstos no art. 1410º do CC, o negócio de alienação realizado com terceiro.</font>
</p><p><font>Não interessando ao caso dos autos prosseguir o exame quanto a este ponto, observa-se que entre os </font><i><font>elementos necessários à decisão do preferente</font></i><font>, tais como exigidos no nº 1 do art. 416º e o </font><i><font>«conhecimento dos elementos essenciais da alienação»</font></i><font>, constante do nº 1 do art. 1410º, </font><u><font>não há </font></u><i><u><font>inteira analogia</font></u></i><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.5. Relativamente ao potencial ciclo de vida de aplicação do regime do direito legal de preferência, interessa aqui cuidar da sua primeira fase (não a segunda, restringida aos casos de incumprimento do dever de comunicação para preferência).</font>
</p><p><u><font>O direito de preferência </font></u><i><u><font>emerge</font></u></i><u><font> e é desencadeado, a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio</font></u><font>.</font>
</p><p><b><font>O dever de comunicação para preferência resulta da vontade, da </font></b><b><i><font>vontade séria</font></i></b><b><font>, do obrigado à preferência a contratar</font></b><font> – </font><i><font>«Querendo vender a coisa»</font></i><font>, diz-se no nº 1 da art. 416º (</font><i><font>«Se quiser vender a coisa»</font></i><font>, no nº 1 do artigo seguinte) – </font><b><font>e </font></b><b><i><font>supõe</font></i></b><b><font> a sua realização expressa num projeto concreto, articuladamente delineado, que deverá ser transmitido ao preferente</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Tal comunicação, com o devido respeito por posição contrária, aqui sustentada pela Recorrente, não pode qualificar-se como </font><i><u><font>convite a contratar</font></u></i><font>, devendo por este entender-se apenas um </font><i><font>ato tendente a provocar uma proposta, resumindo-se a um incentivo para que alguém dirija uma proposta contratual a quem convida, cabendo depois a este o papel de aceitar ou não a proposta</font></i><font> (com citação de doutrina, Carlos Lacerda Barata, </font><i><font>Da Obrigação de Preferência</font></i><font>, 2002, pág. 106).</font>
</p><p><b><font>Não é a emissão de ato com essa natureza e finalidade que </font></b><b><i><font>adequadamente resulta dos termos em que se expressa</font></i></b><b><font> o nº 1 do art. 416º do CC</font></b><font> (nº 3, parte final do art. 9º do mesmo código): não tendo previamente sido ajustado determinado contrato de venda do imóvel em causa, </font><i><font>«o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a </font></i><font>preferir</font><i><font>: é, sim chamado a </font></i><font>contratar</font><i><font>, se quiser. E ele </font></i><b><i><font>tem o direito de ser </font></i></b><b><font>chamado</font></b><b><i><font> a preferir, não apenas o </font></i></b><b><font>direito de ser chamado a contratar</font></b><i><font>»</font></i><font> (Antunes Varela, em anotação ao ASTJ, de 22.2.84, RLJ, 3777, 363; realce acresc.).</font>
</p><p><b><font>Quando os requisitos exigidos no nº 1 do art. 416º não tenham na comunicação sido observados</font></b><font> (qualificada a inobservância como </font><i><font>essencial</font></i><font>, em termos de habilitar a decisão do preferente, quanto ao exercício do direito)</font><b><font>, não valerá ela para os efeitos previstos nesse artigo</font></b><font>, abrindo caminho ao preferente, no caso de alienação, para a propositura da ação prevista no citado art. 1410º.</font>
</p><p><u><font>Coisa diferente</font></u><font>, que exorbita do âmbito de previsão desses artigos, e </font><i><font>«é preciso não confundir, como na prática sucede muitas vezes, a notificação para preferência com a proposta de contrato que o obrigado à preferência dirija ao preferente antes de ter qualquer projecto ajustado de venda com terceiro»</font></i><font> (Antunes Varela, RLJ, 105, cit., 14).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.6. Desde que os requisitos enunciados no nº 1 do art. 416º do CC estejam preenchidos, ou seja, </font><b><font>desde que a comunicação para preferência </font></b><b><i><font>contenha os elementos necessários à decisão do preferente</font></i></b><b><font>, aquela </font></b><b><i><font>«deve ser qualificada como uma </font></i></b><b><font>proposta de contrato</font></b><i><font>. Se este não estiver sujeito a forma (ou depender de formalidades a que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente obedeçam), deve entender-se que a declaração de querer preferir feita pelo preferente aperfeiçoa o contrato (…). </font></i><b><i><font>Caso a celebração do contrato dependa de requisitos formais que a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente não preencham</font></i></b><i><font>, importa distinguir (…) </font></i><b><i><font>Se a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente forem feitas em documento assinado</font></i></b><i><font> (A., por exemplo, tendo-se comprometido a dar preferência a B. na venda de determinado imóvel, comunica-lhe por carta que projecta vendê-lo a C. e indica as cláusulas da projectada venda; B., também por carta, responde que quer preferir), </font></i><b><i><font>deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cfr. o artigo 410º, nº2) com as respectivas consequências</font></i></b><i><font> (…)»</font></i><font> (Pires de Lima e Antunes Varela, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, I, 3ª ed., pág. 366, realces acrescs.; anteriormente, Vaz Serra, RLJ, 101, pp. 233 e ss.; igualmente, desde que a comunicação preencha os apontados requisitos legais, correspondendo ela a </font><i><u><font>verdadeira</font></u></i><u><font> </font></u><i><u><font>proposta de contrato</font></u></i><font>, entre outros, além de Pires de Lima e Antunes Varela, adiante citados, Inocêncio Galvão Telles, </font><u><font>Direito das Obrigações</font></u><font>, 7ª ed., 1997, pág. 168, Almeida e Costa, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, 12ª ed., 2009, pág. 450 e António Menezes Cordeiro, </font><i><font>Tratado de Direito Civil Português</font></i><font>, II, tomo II, 2010, pp. 496 e 500).</font>
</p><p><font>Detendo o exame na esfera jurídica do preferente e nos efeitos jurídicos na mesma produzidos, a partir do momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio (Henrique Mesquita, </font><i><font>Obrigações Reais e Ónus Reais</font></i><font>, 1990, Reimpressão, 2003, pp. 225/8; realce acresc.): </font><i><font>«(…) ao preferente assistem sucessivamente, antes que aquele negócio se efetive, os seguintes direitos: o direito (creditório) a que lhe sejam notificados os termos essenciais do projeto de alienação; o direito (potestativo) de, na sequência desta notificação, declarar que pretende preferir - declaração esta que, conjugada com a do notificante, dará origem a uma relação creditória equiparável, pelo seu conteúdo e efeitos, a um contrato-promessa bilateral, ou tornará mesmo perfeito o contrato definitivo, se em ambas as declarações (a do obrigado à preferência, que equivale a uma proposta de contrato, e a do preferente, que se traduz na aceitação dessa proposta) houver sido observada a forma exigida para a celebração deste contrato; </font></i><b><i><font>finalmente, o direito (creditório) de exigir, após ter declarado a vontade de exercer a preferência, que o obrigado a esta realize com ele o negócio projectado, sempre que aquela declaração não baste para o consumar</font></i></b><i><font>»</font></i><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.7. Presentes, naturalmente, as diferenças entre a figura do contrato promessa e a do pacto de preferência (esta para a qual o direito legal de preferência é, com as </font><i><font>necessárias adaptações</font></i><font>, reconduzido), pretende-se integrar o sentido e alcance da comunicação para preferência, a que o obrigado está vinculado, aquando contrata com terceiro a alienação da coisa, na teoria geral do negócio jurídico.</font>
</p><p><u><font>O requisito para a comunicação para preferência revestir a natureza de proposta contratual, relativamente à </font></u><i><u><font>vontade séria e inequívoca de contratar</font></u></i><font> é liminarmente convocado, como </font><i><font>causa desencadeadora</font></i><font> da comunicação para preferência (</font><i><font>supra</font></i><font>, 7.5); </font><u><font>o respeitante ao </font></u><i><u><font>conteúdo</font></u></i><font>, dela devendo, pelo menos, constar </font><i><font>os elementos essenciais</font></i><font> do contrato em causa, estão estes descritivamente presentes no nº 1 do art. 416º </font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, com referência ao contrato projetado, ao qual o preferente é chamado, em substituição do terceiro; </font><u><font>finalmente, no que concerne à </font></u><i><u><font>forma</font></u></i><font>, regendo-se a comunicação pelo princípio da </font><i><font>liberdade de forma</font></i><font> (art. 219º do CC), na prática e em regra, sendo a comunicação prevista no nº 1 do art. 416º realizada por escrito (precisa-se, atualmente, com a redação da Lei 64/2018, no nº 4 do art. 1091º, que a comunicação deverá ser efetuada por carta registada, com aviso de receção), apela-se à verificação de um </font><i><font>contrato promessa</font></i><font>, concetualmente se integrando nessa categoria – e, por via dela, se garantindo – o efeito pretendido pela lei (diretamente resultando, </font><i><font>ope legis</font></i><font>, a natureza da comunicação prevista no art. 416º do CC como </font><i><font>proposta de contrato</font></i><font>, Almeida e Costa, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, 6ª ed., 1994, pp. 373/4).</font>
</p><p><font>A declaração de preferência assume, decorrentemente, o significado de uma aceitação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>7.7. Importa, a esta luz, considerar o teor da comunicação (da 1ª comunicação, datada de 4 de Maio de 2017) dirigida pela Ré à Autora, tal como consta do documento, junto como nº 3, com a petição, comunicação subordinada ao assunto «</font><i><font>Exercício do Direito de Preferência</font></i><font>» e cujos termos são referidos sob os factos 7 e 8. </font>
</p><p><font>Vejamos, diretamente, o documento. </font>
</p><p><font>Escreveu a Ré na referida comunicação:</font>
</p><p><i><font>«(…) Como é do V. conhecimento, a Santa Casa da Misericórdia de ..., procedeu, no passado dia 23.04.11, à abertura de propostas em carta fechada para venda do imóvel de que a V. empresa é arrendatária (…).</font></i>
</p><p><i><font>O imóvel será vendido a esta empresa proponente com sede em (…), pelo valor de 377.500€, caso a V. empresa não pretenda exercer o direito de preferência. </font></i>
</p><p><i><font>Assim, pela presente fica a V. sociedade notificada corno arrendatária para querendo, no prazo de 10 dias uteis a contar da receção desta carta, comunicar se pretende exercer o direito de preferência na aquisição do supra identificado imóvel, sendo as seguintes condições: </font></i>
</p><p><i><font>- Valor 377.500€, a ser pago no ato da escritura mediante entrega de cheque visado de instituição bancária nacional ou por transferência bancária concretizada e comprovada até ao dia da escritura. </font></i>
</p><p><i><f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xjKqu4YBgYBz1XKveyoP | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> </font><font>1-1- </font><b><font>AA</font></b><font>, residente na Rua M... S... B..., ..., ...º Esq., V..., 4... M..., propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>BB </font></b><font>e mulher </font><b><font>CC</font></b><font>,</font><b><font> </font></b><font>residentes em F... de T..., freguesia de T..., T..., V... N... de F... C..., </font><i><font>pedindo</font></i><font> a sua condenação na restituição da quantia de € 26.186,89, outro tanto peticionando para sua ex-mulher,</font><b><font> </font></b><b><font>DD,</font></b><font> filha dos RR., cuja intervenção activa requereu.</font><br>
<font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que enquanto casado com a filha dos RR. viveu, como casal, numa casa pertença destes e em cujos custos de construção comparticipou, pagando alguns materiais e mão-de-obra, própria e alheia, no valor global de € 52.373,76, montante este em que os RR. se enriqueceram e o A. e ex-mulher se empobreceram.</font><br>
<font> </font><font> Os RR. contestaram impugnando a matéria alegada para lá da dada como provada na acção com base em acessão industrial imobiliária que entre as partes correu termos (acção ordinária nº 129/98), que em seu entender constitui caso julgado, limitando a procedência da acção à importância de € 2.912,98, correspondente à comparticipação do A. e ex-mulher nas despesas de construção da casa dos RR..</font><br>
<font> O A. formulou pedido de condenação dos RR. por litigância de má fé, em multa e indemnização extensiva ao pagamento dos honorários de mandatário, sustentando ainda não dever acolher-se o pedido dos RR. de dispensa de pagamento de honorários, face à junção de procuração forense.</font><br>
<font> No despacho saneador, como questão prévia, foi tacitamente indeferido este último pedido, com base em certo entendimento jurisprudencial.</font><br>
<font> Após afirmação de que nos autos, no confronto com a acção ordinária nº 129/98, não se patenteia a situação de caso julgado, foi seleccionada a matéria de facto, com os factos assentes e organização da base instrutória, de que houve reclamação por parte do A., com parcial deferimento.</font><br>
<font> </font><font>Desta decisão reclamou o A., por obscuridade e contradição (na parte relativa ao indeferimento da reclamação).</font><br>
<font> </font><font>Por despacho de 28.9.07 foi indeferido esse pedido com fundamento em que a lei processual não prevê a rectificação da decisão proferida sobre a selecção da matéria de facto, nem pode aplicar-se por analogia o disposto no art. 669º do CPC.</font><br>
<font> </font><font>Inconformado com este indeferimento recorreu o A., de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra.</font><br>
<font> O A. requereu a ampliação do objecto de perícia proposta pelos RR. e, após a oposição destes por impertinência, por despacho igualmente de 28.9.07, foi indeferida a ampliação.</font><br>
<font> </font><font>Discordante desta decisão, recorreu também o A., de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra.</font><br>
<font> Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, tendo sido a acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 14-7-2010, julgado improcedentes os agravos, mas procedente a apelação e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida, julgando-se parcialmente procedente a acção, condenando-se os RR., a título de enriquecimento sem causa, a restituir ao A. metade das importâncias (materiais assinalados e mão-de-obra) com que contribuiu para a edificação do prédio urbano a que corresponde o art. matricial nº ... da freguesia de T..., concelho de V... N... de F... C..., pertencente aos RR., nos valores parciais já líquidos de € 498,00 e € 249,40 e nas demais a apurar em liquidação posterior, em último caso com recurso a juízos de equidade e eventual consideração do valor do uso da habitação de que beneficiou o casal do A., sendo a outra metade imputada ao ex-cônjuge mulher.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> </font><font>1ª- Os Réus, ora Recorrentes, decidiram construir uma casa, a partir de uma garagem e armazém existente ao lado da sua casa de habitação e nela alojar a filha, o genro e as netas. O aqui Recorrente, então seu sogro, encomendou materiais, contratou trabalhadores, acompanhou a obra e pagou parte da mão-de-obra. </font><br>
<font> 2ª- O Recorrido suportou as despesas relativas à grade da varanda e ao portão de entrada, no montante de 498,00 euros, e as relativas aos assentamentos de pedra no valor de 249,40 euros. Realizou as obras de canalizador, abrindo roços nas paredes e lajes e instalando as respectivas canalizações de águas e esgotos, bem como colocou as torneiras e louças, tendo ainda pago parte dos materiais aplicados. </font><br>
<font> 3ª- O Recorrido - que pretendia fosse reconhecida a titularidade da casa, por via da acessão imobiliária, a seu favor e da ex-mulher - viu declarada a improcedência da acção interposta contra os aqui Recorrentes com base em dois fundamentos: decisão de construir da iniciativa dos próprios réus e a não exclusividade na construção (proc. Nº 129/1998 T.J.V.N. Foz Côa)</font><br>
<font> 4ª- Na presente acção, o Autor, alegando o </font><i><font>seu contributo </font></i><font>para a casa, agora com base no </font><i><font>e</font></i><i><u><font>nriquecimento sem causa </font></u></i><font>pediu o seu ressarcimento, com base no enriquecimento sem causa dos aqui Recorrentes. </font><br>
<font> 5ª- A douta sentença proferida em 1ª instância negou a procedência com base na invocação da figura da obrigação natural. Por sua vez, o douto Tribunal da Relação, </font><i><font>com um voto de vencido, </font></i><font>disse verificarem-se no caso os requisitos do enriquecimento sem causa, basicamente, por se ter defendido que "a participação do A. na construção da obra não visou altruisticamente beneficiar os sogros " e que, com o divórcio, "quem disso beneficiou foram os próprios Réus que viram o seu património aumentado".</font><br>
<font> 6ª- O Tribunal da Relação não ponderou devidamente todos os argumentos desenvolvidos na robusta argumentação da sentença da 1ª instância: </font><br>
<font>Com, efeito não pode ser ignorado na ponderação do caso: </font><br>
<font>a) A base económica do casamento </font><i><font>traduzida "no dinheiro auferido pelo Autor, os serviços prestados pela mulher cônjuge e nas ajudas dos sogros" </font></i><br>
<font>b) A conduta do Autor, pautada pelas " </font><i><font>mais elementares normas de civilidade e de justiça </font></i><font>pois que: </font><i><font>"ao financiar a adaptação da casa dos seus sogros para que melhor (em seu próprio entender .. .) ela pudesse servir de casa de morada da família que compôs com a sua esposa e filhos, o aqui autor agiu como mandam as mais elementares normas de civilidade e de justiça". </font></i><br>
<font>c) O </font><i><font>carácter justo </font></i><font>da acção do Recorrido: "O </font><i><font>que está vedado ao autor, precisamente pelo carácter justo que teve a sua acção, é accionar judicialmente qualquer dos aqui réus" </font></i><br>
<font>d) O tratamento por igual quanto à contribuição de ambos os cônjuges (um, com dinheiro, o outro, com a sua disponibilidade e apoio pessoal): </font><i><font>"porque exigências de modernidade social e jurídica impedem a separação, a esse nível, de qualquer dos elementos do casal” </font></i><br>
<font>e) O princípio análogo defendido pelo STJ, no acórdão citado, 18.12.2008: </font><i><font>"Este procedimento" </font></i><font>(suportar um custo para obras) </font><i><font>"é comum e sociologicamente um dado da nossa convivência social que exprime solidariedade familiar, pelo que, razoavelmente, incute confiança e estabilidade que não podem ser traídas por vicissitudes ... " </font></i><br>
<font>f) </font><i><font>Todo o trabalho invisível </font></i><font>da ex-cônjuge do Recorrido: </font><i><font>"não houvesse todo o trabalho invisível de suporte do agregado </font></i><font>- </font><i><font>aquilo a que o povo ainda chama "cama, mesa e roupa lavada </font></i><font>", </font><i><font>bem como a guarda e educação das crianças </font></i><font>- </font><i><font>e jamais sobraria, da profissão do autor cêntimos suficientes para pagar fosse o que fosse ao carpinteiro GG-"A..." ou ao "perito" HH." </font></i><br>
<font> 7ª- "O </font><i><font>autor, ao prover às necessidades do casal integrado pela interveniente e filhos de ambos, cumpriu uma obrigação natural; pode reaver </font></i><font>o </font><i><font>que prestou, de livre vontade de eventuais beneficiários, não pode accioná-los judicialmente </font></i><font>". </font><i><font>(sentença, fls. 11-12) </font></i><br>
<font> 8ª- Além de que o mesmo acórdão é fundadamente passível da critica constante dos fundamentos da douta declaração do distinto desembargador que votou vencido, ao quais se reeditam: </font><br>
<font>São eles: </font><br>
<font>a) A verificação no caso de causa justificativa para a deslocação patrimonial: </font><i><font>"é que as obras efectuadas vieram efectivamente a cumprir </font></i><font>o </font><i><font>destino que era a sua causa, visto que foram efectivamente gozadas pelo Autor e seu agregado familiar" </font></i><br>
<font>b) Uma conduta que traiu as expectativas e confiança criada nos Réus: "o </font><i><font>facto de </font></i><font>o </font><i><font>A. ter com participado na remodelação da casa que era pertença dos RR. sem então exigir daqueles </font></i><font>o </font><i><font>que quer que fosse, só podia criar nos RR. a convicção de que jamais lhe solicitaria as verbas despendidas </font></i><font>... " </font><br>
<font>c) A condenação dos aqui Recorrente como um sacrifício que </font><i><font>excederia sempre os limites impostos pela boa-fé por virtude do "sacrifício económico insuportável que poderia significar </font></i><font>.. </font><br>
<font> 9ª- As particularidades físicas da casa que se fez e do teor da sua documentação permitem adquirir uma compreensão plena do caso, do ponto de vista do entendimento relativo à obrigação natura e da confiança e expectativas criadas: </font><br>
<i><font>1. Particularidades físicas: </font></i><br>
<font>- as mesmas escadas (pré-existentes) de acesso ao 1º andar de ambas as casas </font><br>
<font>- as portas e janelas rasgadas na parede adjacente à referida escada </font><br>
<font>- a existência de uma porta com fechadura do lado da casa dos Recorrentes, a qual ficou a dar para o piso térreo da casa em apreço. </font><br>
<i><font>2. Particularidades da documentação da casa: </font></i><br>
<font>- "Toda a documentação relacionada com o prédio está em nome do aqui Recorrente, seja ela camarária, relativa aos seguros, relativa às facturas dos materiais e outros documentos de compra, etc, etc. </font><br>
<font>- "O aqui Recorrente participou o prédio no serviço de finanças em seu nome. </font><br>
<font>- "A contribuição autárquica do referido prédio era processada e paga todos os anos em nome do Recorrente". </font><br>
<font> 10ª- Não há fundamento para a decisão tomada no douto acórdão pela qual se " ... condenam os Réus a restituir ao Autor metade das importâncias (materiais e mão-de-obra) com que contribuiu para a edificação a apurar em liquidação posterior, em último caso com recurso a juízos de equidade" </font><br>
<font>Com efeito, </font><br>
<font>1. Na presente demanda não logrou o autor provar o que disse que fez e o que disse que pagou </font><br>
<font>Na verdade, na Resposta aos quesitos com elas relacionados deu-se como provado </font><i><font>"apenas que o autor pagou parte não concretamente não apurada dos materiais e mão-de-obra aplicados na construção da casa" tendo merecido esta resposta os quesitos nº </font></i><font>3 -- 5 - 7 - 9 </font><i><font>10-11-12-13-14 </font></i><font>-15- 16- 17- 18- </font><i><font>19-20- 21-22-23--24-25. </font></i><br>
<font>2. Na ausência de elementos para se determinar um dado preço de uma obra ou material, entende-se que se possa e deva recorrer à fixação do preço através de juízos de equidade (art. 1211° do CC com referência ao art. 883° do mesmo Código) </font><br>
<font>3. Porém, o que falta no caso é precisamente a prova da </font><i><font>obra concreta </font></i><font>que se diz que foi feita. O que falta no caso é precisamente a prova do </font><i><font>material concreto </font></i><font>que se diz que se comprou. </font><br>
<font>4. Em uma casa que ficou com </font><i><font>r/c, </font></i><font>1º andar e sótão - é de todo inviável saber sobre que concretas parcelas da totalidade da casa haveria de incidir o juízo de equidade: seria uma tarefa de todo destituída de critério e de sentido. </font><br>
<font>Esta prova era ónus irrecusável do Recorrido. </font><br>
<font> 11ª- A prova a produzir pelo autor ocorreria pela terceira vez, pois que não logrou essa demonstração, nem na 1ª acção, nem na 2ª acção, a presente. </font><br>
<font> 12ª- É que a prova, em sede de liquidação a fazer pelo Autor, não poderia deixar de ser aquela mesma que resultaria dos extensos meios de prova já produzidos nas duas acções, </font><br>
<font> 13ª- Seria um castigo medonho e imerecido aquele com que os aqui Recorrentes - a viver (!) a sua reforma há um bom par de anos já - se achariam confrontados pois que levam 13 anos de acções sobre o mesmo objecto.</font><br>
<font> 14ª- O douto acórdão não considerou as obras e materiais (provados) com os limites dados pelo colectivo na 1ª acção e que foram acolhidas na matéria assente da presente. </font><br>
<font> 15ª- Na verdade, escreveu então o Colectivo, relativamente às "canalizações de águas e esgotos, bem como torneiras e louças" - o seguinte: </font><br>
<font>"O Autor realizou a obra de canalizador, abrindo roços nas paredes e lajes e instalando as respectivas canalizações de águas e esgotos, bem como colocou as torneiras e louças, tendo ainda pago </font><u><font>parte concretamente não apurada dos materiais aplicados</font></u><font>." </font><br>
<font>Considerarem-se "os materiais aplicados </font><u><font>na construção da mesma casa</font></u><font>" equivale a abrangerem-se todos e a cada um dos mais diversos e variados materiais com que se fez a casa. </font><br>
<font> 16ª- O acórdão da relação - determinando que se faça um abatimento do valor de uso da habitação de que beneficiou o autor e ex-cônjuge - não estabelece porém o modo de calcular esse valor do uso: nem os mecanismos para o efeito, nem os critérios dessa determinação. </font><br>
<font> 17ª- Com efeito, estando já assente que "o autor e a ex-mulher usaram e beneficiaram da habitação </font><i><font>com base na equidade, </font></i><font>uma vez que, sendo a casa original propriedade dos RR., não se divisa qualquer critério justo para quantificar esse uso" - não se vislumbra para o caso qualquer "mecanismo de desconto" que permita obter aquela quantificação material. (Declaração de voto do Distinto Desembargador que votou vencido) </font><br>
<font> 18ª- Em suma: O douto acórdão da Relação subsumiu erradamente a factualidade provada às disposições legais e aos princípios jurídicos atrás invocados e aplicáveis ao caso. </font><br>
<font>Deste modo, deve ser acolhida na resolução do presente caso a construção relativa à figura da obrigação natural, tal como acolhido na construção da sentença da 1ª instância e na douta declaração de voto a que se aludiu. </font><br>
<font> Se assim, se não se entender, considerar-se sempre que não há lugar à liquidação, por lhe falecer base legal para tanto, determinada no douto acórdão, mesmo com recurso a juízos de equidade. </font><br>
<font> Mas se assim igualmente se não entender, deverá a decisão confinar-se sempre aos limites da matéria factual colhida na primeira acção, por virtude de o caso julgado não poder ser extensivo aos casos em que causa de pedir da 1ª acção consentiria a dedução de pedido subsidiário contemplado em uma segunda demanda.</font><br>
<font> </font><br>
<font> O recorrido contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Enriquecimento sem causa ou obrigação natural.</font><br>
<font> - Abuso de direito por banda do A.</font><br>
<font> - Liquidação em execução de sentença. </font><br>
<font> - Incorrecção da matéria de facto dada como provada.</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> </font><font>a) Correu termos no Tribunal de V. N. F...C...acção declarativa com forma de processo comum ordinário com o nº 129/98 em que eram autor e réus os mesmos deste e cujo pedido era reconhecer ao A. e à sua ex-esposa, DD, o direito comum de propriedade, por acessão industrial imobiliária, do prédio urbano destinado a habitação, inscrito na matriz da freguesia de T..., sob o art.º ..., pagando estes o valor do terreno antes das incorporadas e autorizadas obras;</font><br>
<font> b) Por sentença de 2.5.03, já transitada, foi a referida acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido, nos termos da sentença certificada de fls. 9 a 16, cujo teor aqui se dá como reproduzido;</font><br>
<font> c) No prédio em causa o A. suportou as despesas relativas à grade da varanda com aproximadamente 5,7 m de comprimento e ao portão da entrada, junto à rua pública, medindo aproximadamente 1,2 x1 m, ambos em ferro, no montante de € 498,00;</font><br>
<font> d) Suportou ainda o A. as despesas relativas ao assentamento de pedra, no valor de € 249,00;</font><br>
<font> e) O A., na construção da referida casa realizou a obra de canalizador, abrindo roços nas paredes e lajes e instalando as respectivas canalizações de águas e esgotos, bem como colocou as torneiras e louças, tendo ainda pago parte concretamente não apurada dos materiais aplicados na construção da mesma casa;</font><br>
<font> f) A porta de entrada e as interiores foram feitas em madeira, sendo a de entrada maciça e as janelas e portadas em alumínio anodizado;</font><br>
<font> g) O A. pagou parte concretamente não apurada dos materiais e mão-de-obra aplicados na construção da casa;</font><br>
<font> h) O R. BB encomendou alguns materiais e pagou parte da mão-de-obra aplicada na construção da casa;</font><br>
<font> i) Alguns dos materiais foram encomendados a EE, de M...;</font><br>
<font> j) Algum tijolo, cimento e vigas foram adquiridos a FF, de S...;</font><br>
<font> l) Algumas portas interiores em madeira e respectiva aplicação foram serviços solicitados à Carpintaria GG-A..., com sede na freguesia de T...;</font><br>
<font> m) O A. suportou os custos que suportou – e que em concreto não foi possível apurar – na convicção de que contribuía para a obra que, não obstante estar implantada sobre terreno e construção pertencentes aos seus sogros, dirigia a seu gosto e da qual usufruiria enquanto marido da sua ex-esposa;</font><br>
<font> n) O A. julgou que colaborando, trabalhando, custeando materiais e mão-de-obra – e que, em concreto não foi possível apurar – na construção do que veio a ser o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ..., o fazia em obra que dirigia e que iria ser a casa da qual usufruiria, ele e o seu agregado familiar, designadamente a sua ex-esposa e convicto também de que fruto do facto de ele, A., integrar - e dirigir - o agregado familiar que formou pelo casamento com a sua ex-esposa, a actuação do R. ao encomendar materiais e pagar parte da mão-de-obra – e que em concreto não foi possível apurar – traduzia uma natural e intencional vontade de colaborar para esse agregado integrado pela sua filha;</font><br>
<font> o) Algumas das obras foram realizadas por um empreiteiro de nome HH, o mesmo que foi dado, neste processo, como “perito”.</font><br>
<font> </font><font>p) A casa foi construída adjacente à casa pré-existente, onde sempre habitaram os RR. apresentando desse lado a escada de acesso ao 1º andar de ambas as casas, que é a mesma e ao cimo (no enfiamento) corre um patamar entre as paredes de ambas as casas que, dando a esse patamar, estão frontais as portas de entrada de ambas as casas com as portas e uma janela rasgada na parede lateral da casa dos autos, que o R. marido durante a construção mandou abrir;</font><br>
<font> q) O R. marido abriu ao nível do piso térreo da sua casa uma porta com fechadura do seu lado, a qual dá para o piso térreo do prédio sob o nº ...;</font><br>
<font> r) Toda a documentação relacionada com o prédio do art. ..., designadamente autorização de construção, projectos, seguros de trabalhadores, parecer sanitário, água e saneamento, foi tratada e processada em nome do R..</font><br>
<font> s) Todas as facturas e documentos relacionados com a venda dos materiais referentes ao prédio do art. ... estão em nome do R.</font><br>
<font> t) O R. participou o prédio sob o art. ... no serviço de Finanças em seu nome e a contribuição autárquica do referido prédio era processada e paga todos os anos em nome do R.. ----------------------------------------</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- Na douta sentença de 1ª instância, depois de se realizar diversa lucubração teórica sobre o objecto da acção, acabou por se concluir que o A., ao prover às necessidades do casal integrado por ele próprio e sua mulher e filha de ambos, cumpriu uma obrigação natural. Nesta conformidade, para reaver o que prestou de livre vontade dos eventuais beneficiários, não poderá accioná-los judicialmente. Por isso, julgou-se improcedente a acção.</font><br>
<font> No douto acórdão recorrido, repudiando-se esta posição, concluiu-se que o contributo do A. traduzido em pagamento total ou parcial de equipamentos e outros materiais e mão-de-obra, própria ou alheia, em obra de construção civil dos sogros, com vista a habitação do A. e sua mulher, não constitui dever social que possa fundar uma obrigação natural, pelo que dissolvido o casamento por divórcio, nada obsta a que o A. marido exija dos RR. a restituição do valor daqueles pagamentos, na proporção de metade para si e outro tanto para a ex-mulher, com base no enriquecimento sem causa.</font><br>
<font> Na presente revista os recorrentes continuam a defender que as prestações realizadas pelo A. na casa em causa (de sua propriedade), foram-no no cumprimento de uma obrigação natural e, consequentemente, como se decidiu na sentença de 1ª instância, não será possível demandar judicialmente os RR., ora recorrentes. Por isso, a improcedência da acção justificar-se-á.</font><br>
<font> Vejamos:</font><br>
<font> As obrigações naturais fundam-se num mero dever de ordem moral ou social, o seu cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça (art. 402º). Estão estas obrigações sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação (art. 404º), pois, como já se viu, o seu cumprimento não é judicialmente exigível.</font><br>
<font> Por outro lado, não pode ser repetido o que for prestado em cumprimento de uma obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação (art. 403º).</font><br>
<font> Como refere Almeida Costa</font><font>(1)</font><font> “</font><i><font>para que se verifique uma situação deste tipo, fora dos casos expressos, impõe o referido preceito</font></i><font> (art. 402º, todos do C.Civil)</font><i><font> a concorrência de um requisito negativo e dois positivos. A saber: 1) que a prestação não seja judicialmente exigível; 2) mas que a respectiva obrigação se baseie num dever moral e social; 3) e que o seu cumprimento corresponda a um dever de justiça</font></i><font>”.</font><br>
<font> No que toca à circunstância de a obrigação se dever basear num dever moral e social, dizem Pires de Lima e Antunes Varela</font><font> (2)</font><font> “</font><i><font>o dever de ordem moral ou social em que se funda a obrigação natural não é definido por lei, nem podia sê-lo, antes ao tribunal cabendo a determinação casuística sobre se existe ou não um dever que justifique a qualificação da obrigação com natural</font></i><font>”. </font><br>
<font> Para que exista uma obrigação natural é necessário que ocorra, como afirma Antunes Varela, “</font><i><font>como fundamento da prestação, um dever moral ou social específico entre pessoas determinadas, cujo cumprimento seja imposto por uma recta composição de interesses (ditames de justiça)</font></i><font>(3)</font><font>. </font><br>
<font> Não haverá uma obrigação natural quando o fundamento da prestação seja um dever de gratidão, de reconhecimento e a intenção, por parte do autor, de gratificar, retribuir ou compensar um serviço realizado gratuitamente.</font><br>
<font> As obrigações naturais decorrem de deveres de justiça que não são, porém, deveres jurídicos. Claro que os deveres de justiça dependem das concepções sociais e morais predominantes de cada sociedade.</font><br>
<font> Seguindo o que sobre o assunto refere Almeida Costa</font><font>(4)</font><font> para se detectarem obrigações naturais, fora dos casos especificados expressamente na lei, compete aos tribunais, “</font><i><font>de harmonia com as concepções sociais predominantes e as circunstâncias concretas de cada caso, averiguar, primeiro, se existe um dever moral e social, e, seguidamente se esse dever moral social é tão importante que o cumprimento envolva um dever de justiça. Exige-se que o dever de uma pessoa para com outra não respeite somente a consciência moral, mas algo mais, que respeite também à sua consciência jurídica</font></i><font>”.</font><br>
<font> No caso dos autos a questão que se coloca, será a de saber se as prestações e pagamentos realizados pelo A. na casa de propriedade de seus sogros, os RR., corresponderam a um dever de justiça.</font><br>
<font> E a nossa resposta, só poderá ser negativa.</font><br>
<font> Não se coloca em causa e como se refere acertadamente no douto acórdão recorrido, que cada cônjuge “</font><i><font>tem o dever moral e social (e jurídico) de criar as melhores condições materiais, v. g., de habitação, para o agregado familiar, obrigação que decorre dos deveres conjugais e parentais</font></i><font>”. </font><br>
<font> Porém não se vê, face às concepções éticas dominantes, que esses deveres morais e sociais possam abranger (pelo menos, em princípio) os sogros.</font><br>
<font> Por outro lado, no caso dos autos, como os factos provados demonstram, as prestações e pagamentos realizados pelo A. não visaram melhorar as condições de habitação dos sogros, mas tiveram antes em vista a edificação da sua própria habitação e do seu agregado familiar, objectivo inviabilizado com o divórcio dos cônjuges. Por isso, nessa mesma altura, a transferência realizada do seu património para o do seus sogros, deixou de ter causa. Como se refere com propriedade no douto acórdão recorrido “</font><i><font>no caso concreto, a participação do A. na construção da obra não constitui nenhuma “ajuda”, nem visou altruisticamente beneficiar os sogros, antes visou a construção da sua habitação futura, com expectativa de transferência da própria propriedade, dos sogros para a filha ou para o casal, expectativa que era legítima, de acordo com a normalidade das coisas. Gorado, com o divórcio, esse projecto de vida, o valor transferido do A. para um bem dos RR., deixou de ter causa, sendo que quem dele beneficiou não foi a ex-mulher, nem as filhas, antes os próprios RR., que viram o seu património aumentado em mais um imóvel, com a comparticipação do A.</font></i><font>”.</font><br>
<font> Por isso, não se vê que as ditas prestações e pagamentos tenham sido realizados em obediência a qualquer dever moral ou social (desencadeador de uma obrigação natural). Por outro lado, o objectivo tido em vista (edificação da habitação do seu agregado familiar), com a prolação do divórcio e consequente separação dos cônjuges, gorou-se, pelo que deixando de ter causa a transferência material realizada do património do A. para os dos RR. (enriquecendo aquele e empobrecendo este), a obrigação de restituição decidida no acórdão recorrido (com base no instituto do enriquecimento sem causa)</font><font> (5)</font><font> justificou-se.</font><br>
<font> A posição dos recorrentes é pois improcedente.</font><br>
<font> 2-4- Defendem os recorrentes, em consonância com o voto de vencido elaborado por um dos Exmºs Desembargadores Adjuntos subscritores do acórdão, a verificação, no caso, de causa justificativa para a deslocação patrimonial: </font><i><font>"é que as obras efectuadas vieram efectivamente a cumprir </font></i><font>o </font><i><font>destino que era a sua causa, visto que foram efectivamente gozadas pelo Autor e seu agregado familiar"</font></i><font>, tendo tido o A. uma conduta que traiu as expectativas e confiança criada nos RR. pelo facto de ter comparticipado na remodelação da casa que era pertença dos RR. sem então exigir daqueles o que quer que fosse, criando nos RR. a convicção de que jamais lhe solicitaria as verbas despendidas, pelo que a condenação dos aqui recorrente como um sacrifício que </font><i><font>excederia sempre os limites impostos pela boa-fé por virtude do "sacrifício económico insuportável que poderia significar </font></i><font>…”.</font><br>
<font> Levantam, pois, os recorrentes a questão do abuso de direito do A., ao instaurar a presente acção.</font><br>
<font> Estabelece o art. 334º do C.Civil que “</font><i><font>é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito </font></i><font>”. Para que ocorra o abuso de direito, é necessário, pois, que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela</font><font> (6)</font><font>, a concepção adoptada pela lei é objectiva. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto. Nesta conformidade “</font><i><font>os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que as legitimam, se houver manifesto abuso</font></i><font>”</font><font>(7). Isto é, exige-se um abuso manifesto, que sucederá quando o sujeito ultrapasse de forma evidente e inequívoca os referidos limites</font><font> (8)</font><font>. O juízo sobre o abuso de direito está dependente das concepções ético-jurídicas dominantes na sociedade. Como diz Antunes Varela “</font><i><font>a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei</font></i><font>”</font><font> (9)</font><font>.</font><br>
<font> Poder-se-á assim dizer que o abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou execução de modo a comprometer o gozo de direitos de terceiros, criando uma desproporção entre os respectivos exercícios, de forma ofensiva e clamorosa dos valores sociais que se têm como adquiridos.</font><br>
<font> Como modalidade do abuso de direito a doutrina e a jurisprudência, apontam o </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>, que ocorre quando “</font><i><fon | [0 0 0 ... 0 0 0] |