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---|---|---|---|
xjLzu4YBgYBz1XKvZmAy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. Nos presentes autos de expropriação, em que é expropriante a A (hoje, B) e é expropriado C, por decisão arbitral de 27 de Abril de 1995 foi fixado em 4310000 escudos o valor de certa parcela abrangida pela declaração de utilidade pública de 12 de Outubro de 1989, publicada no D.R., II Série, de 27 de Dezembro de 1989, reportando-se esse valor à data de tal declaração.<br>
Interposto recurso pela A para o Tribunal Judicial de Espinho e apresentadas contra-alegações pelo Expropriado, pugnando pela manutenção da decisão arbitral e pela actualização dessa indemnização à data da decisão final do processo, foi apresentado relatório (um segundo) pelos peritos, em que concluíram por unanimidade que o valor da indemnização a arbitrar ao expropriado e calculado à data da declaração de utilidade pública era de 3070250 escudos.<br>
Em 15 de Julho de 1999, foi proferida sentença a acolher esse laudo, mas, reconhecendo-se haver lugar à actualização do montante indemnizatório de 3070250 escudos, fixou-se a indemnização em 4310000 escudos - e não mais -, sob o pretexto de que o tribunal estava limitado pela decisão arbitral de 27 de Abril de 1995, por dela não ter recorrido o expropriado.<br>
2. Interposto recurso pela A, a Relação do Porto negou-lhe provimento, por Acórdão de 28 de Fevereiro de 2000.<br>
3. O Expropriado recorreu, também, da sentença de 15 de Julho de 1999, recurso que, no entanto, só mais tarde veio a ser admitido, na sequência do deferimento da reclamação por ele dirigida ao Exmo. Presidente da Relação do Porto.<br>
- Sustentou, então, que a indemnização atribuída de 3070250 escudos, deveria ser actualizada à data da decisão final, segundo os índices de preços ao consumidor, com exclusão da habitação.<br>
4. Por Acórdão de 19 de Outubro de 2000, a Relação do Porto, julgando procedente a apelação do Expropriado, alterou a sentença de 15 de Julho de 1999 e decidiu que a Expropriante ficava obrigada a pagar-lhe a indemnização, calculada à data da declaração da utilidade pública (27 de Dezembro de 1989), de 3070250 escudos, «actualizada à data do trânsito» do Acórdão «e segundo a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação».<br>
5. Irresignada, a Expropriante recorreu de revista, por entender que tal Acórdão viola jurisprudência uniformizada por este Supremo Tribunal (artigo 678º nº 6 do CPC), tendo culminado a sua alegação com estas sintetizadas conclusões:<br>
I - O Acórdão recorrido «consubstanciou violação de jurisprudência uniformizada pelo STJ relativamente à questão aqui em causa (qual seja a de saber se deve ou não entender-se ter o tribunal "a quo" a possibilidade de proceder oficiosamente à actualização de uma dívida de valor em montante superior ao pedido pelos expropriados - v.g. em casos, como o dos autos, em que o expropriado não recorreu da decisão arbitral)».<br>
II - É que, «no processo civil, vigora o princípio do dispositivo, segundo o qual não há processo sem iniciativa dos interessados, nem recurso sem a sua iniciativa».<br>
III - «Outra vertente do mesmo princípio traduz-se no facto de o tribunal só poder e dever decidir dentro dos limites quantitativos e qualitativos do que se peticiona» (cfr. Artigo 3º e 661º nº 1 do CPC e Acórdão do STJ de 15 de Outubro de 1996, nº 13/96, in D.R., I Série-A, de 26 de Novembro de 1996).<br>
IV - «Conexo com tal princípio está o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual se as mesmas não pedem o que se justifica, quando é caso disso, incorrem no risco decorrente da sua conduta, designadamente quanto aos limites dos seus pedidos, uma vez que as suas omissões não podem ser supridas pela actividade do Juiz».<br>
V - "A arbitragem é, hoje, unanimemente reconhecida como funcionando enquanto tribunal arbitral necessário, detendo, por isso, os árbitros função decisória, intervindo o tribunal de comarca como tribunal de recurso ou de 2ª instância», pelo que, "nessa qualidade, o seu poder determina-se pelas alegações dos recorrentes "ex vi" dos artigos 684º e 690º nº 1 e 668º nº 1, alínea D), todos do CPC».<br>
VI - "O expropriado não interpôs qualquer recurso da decisão arbitral, que, por isso, transitou em relação àquele», "sendo certo que, pelas razões já antes descritas, o ora recorrente entende que em processo de expropriação não pode o tribunal oficiosamente proceder a qualquer actualização que se traduza na atribuição de montante indemnizatório superior ao pedido ou àquele que tiver transitado em julgado em relação à parte respectiva».<br>
VII - "O entendimento dado pelo douto acórdão recorrido ao preceito constante do artigo 661º do CPC consubstancia manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio do acesso ao direito - artigo 20º da C.R.P. - e do princípio constitucional da justa indemnização - artigo 62º nº 2 da Lei Fundamental - razão pela qual, a vir a confirmar-se tal interpretação", «sempre tal matéria teria de ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional».<br>
6. Em contra-alegações, o Recorrido bateu-se pela confirmação do julgado e o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal pronunciou-se pelo não conhecimento do recurso.<br>
Foram colhidos os vistos.<br>
7. Expostos os factos relevantes no nº 31 a 4, importa lembrar, liminarmente, que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida ao expropriado (artigo 46º nº 1 do Cód. das Exp. Aprovado pelo Decreto-Lei 845/76, de 11 de Dezembro, e Acórdão de uniformização de jurisprudência deste Supremo de 30 de Maio de 1995, publicado no D.R., I Série-A, de 15 de Maio de 1997, para o Cód. das Exp. Aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro, e, ainda, artigo 66º nº 5 do Cód. das Exp. aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro).<br>
Assim, o presente recurso foi interposto e apenas foi admitido ao abrigo do nº 6 do artigo 678º do CPC, ou seja, pelo facto de o Acórdão recorrido ter sido proferido, pretensamente, contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.<br>
E que, no caso, será, na tese da Recorrente, a consagrada no Acórdão nº 13/96, publicado no D.R., I Série-A, de 26 de Novembro de 1996, que doutrinou:<br>
«O Tribunal não pode, nos termos do artigo 661º nº 1 do Código de Processo Civil, quando condenar em dívida de valor, proceder oficiosamente à sua actualização em montante superior ao valor do pedido do autor».<br>
8. Ora, terá o Acórdão recorrido afrontado esta jurisprudência uniformizada, como defende a Recorrente?<br>
Respondemos, desde já, negativamente (reproduzindo a argumentação vertida no Acórdão deste Supremo de 14 de Novembro de 2000, processo nº 2494/2000 - 6ª, em que se debatia situação em tudo idêntica à dos presentes autos, no qual intervieram como adjuntos tanto o ora relator como o aqui 1º adjunto).<br>
O referido Acórdão uniformizador de jurisprudência visou apenas a acção regulada no Código de Processo Civil, ou seja, acção que se inicia com uma petição, onde se formula um pedido. E o que resulta de tal Acórdão é que o tribunal nunca pode condenar o réu em montante superior ao valor do pedido do autor.<br>
O caso em apreço, porém, é bem diferente. <br>
Trata-se de um processo de expropriação por utilidade pública, regulado em lei própria - o Código das Expropriações -, que se inicia com a fase da arbitragem, isto é, com a constituição de um tribunal arbitral, com a finalidade de encontrar a justa indemnização a arbitrar ao expropriado.<br>
Só depois dessa fase o processo transita para o tribunal judicial, podendo os interessados recorrer da decisão dos árbitros.<br>
Na situação ajuizada, só a expropriante recorreu, é certo.<br>
Todavia, importa não esquecer que o Expropriado - como se realça no Acórdão impugnado -, notificado da interposição desse recurso, apresentou contra-alegações, nas quais logo formulou o pedido - que repetidamente reiterou em ulteriores intervenções no processo - de actualização da indemnização que lhe viesse a ser arbitrada.<br>
Sendo essa a sua primeira intervenção na fase jurisdicional do processo expropriativo, cumpria ao tribunal tomar em consideração, esse pedido. Foi o que fez o Acórdão recorrido, alterando a sentença de 15 de Julho de 1999 e determinando a actualização do valor da indemnização.<br>
Não se vê, assim, que o Acórdão da Relação haja condenado "ultra petitum" e tenha violado o disposto no artigo 661º do CPC ou o mencionado Acórdão de uniformização de jurisprudência.<br>
Em consequência, tendo o expropriado formulado um pedido de actualização da indemnização, na altura em que o podia deduzir, pois que se conformou em receber a indemnização fixada na decisão arbitral se ela lhe fosse paga nesse momento, não há que apreciar a inconstitucionalidade do artigo 661º do CPC, invocada pela Recorrente (sendo certo que não se vislumbra em que é que o mesmo possa violar o princípio do acesso ao direito ou o princípio da justa indemnização - artigos 20º e 62º nº 2 da C.R.P.).<br>
8. Por outro lado, ainda que o expropriado não tivesse formulado o referido pedido, sempre haveria que proceder à actualização da indemnização arbitrada.<br>
O Código das Expropriações de 1976 nada dizia sobre o momento a que se devia atender para calcular o valor da justa indemnização a atribuir ao expropriado, nem sobre a actualização da mesma.<br>
E a doutrina e a jurisprudência encontravam-se divididas na dilucidação de tal problemática.<br>
Todavia, o Código das Expropriações de 1991 veio dispor no seu artigo 23º nº 1 (com reprodução fiel no nº 1 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1999) que «o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação».<br>
Tratando-se de lei interpretativa, integra-se na lei interpretada (artigo 13º nº 1 do Código Civil), pelo que sempre seria de aplicação nos presentes autos.<br>
9. Consequentemente, não sendo merecedor de qualquer censura o Acórdão impugnado, nega-se a revista.<br>
Sem custas.<br>
<br>
Lisboa, 13 de Março de 2001<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça,<br>
Correia de Sousa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
LzKWu4YBgYBz1XKvMB_y | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><font>Processo n.º 1066/10.0TBVCT.G1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>I – </font></b><font>No Tribunal Judicial da Comarca de ..., </font><b><font>AA</font></b><font> intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>BB</font></b><font>, pedindo:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>– que seja reconhecido ser titular de crédito sobre CC;</font>
</p><p><font>– que seja reconhecida a validade e a eficácia do contrato de cessão da posição contratual de CC a seu favor ;</font>
</p><p><font>– que seja reconhecida a validade e a eficácia do contrato-promessa celebrado entre CC e o Réu;</font>
</p><p><font>– que seja reconhecido ser titular de um crédito sobre o Réu no valor de € 150 000,00 e, consequentemente,</font>
</p><p><font>- seja judicialmente decretada a transmissão do “Prédio urbano, sito na Rua ..., …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de r/c, 1º andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o numero …º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número …, aí inscrito a favor do inventariado DD”, a favor do Autor, por adjudicação compulsiva do R. e em cumprimento ao contrato-promessa celebrado entre o Réu e CC e cessão da posição contratual deste naquele contrato a favor do Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para tanto, alegou, em síntese:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Entregou a CC, nos anos de 2002/2003, diversas quantias, no valor total de € 148 500,56, tendo ficado acordado entre ambos que a restituição do referido montante seria efectuada até ao último dia do mês de Março de 2004;</font>
</p><p><font>Por sua vez, em 14/7/2004, o Réu e CC outorgaram um “contrato promessa de compra e venda”, no âmbito do qual o Réu prometeu vender ao primeiro – ou a favor de pessoa que este viesse a indicar – e este prometeu comprar-lhe, pelo preço de € 150 000,00, o direito de acção e quota hereditária do Réu na herança aberta por óbito de seu pai, DD, ocorrido em 11 de Junho de 2004, livre de quaisquer obrigações, hipotecas ou encargos;</font>
</p><p><font>Aquando da outorga do referido contrato-promessa de compra e venda, já o CC havia pago a totalidade do preço e, porque o mesmo CC não havia restituído ao Autor a quantia total de € 148 500,56 até ao ultimo dia do mês de Março de 2004 – como estava acordado entre ambos –, em 13 de Outubro de 2004, o CC outorgou, unilateralmente, a favor do Autor, um “contrato de cessão de posição contratual”, nos termos do qual cedeu (o que tudo foi comunicado de imediato ao Réu, que tomou conhecimento, ficou ciente e aceitou) ao autor a sua posição no contrato-promessa de 14/7/2004, sendo que, ainda em 13/10/2004, e para acerto de contas, o autor entregou a CC a quantia de € 1 500,00;</font>
</p><p><font>Entretanto, na sequência e em razão da existência de várias acções judiciais cíveis intentadas contra CC, Autor e Réu celebraram um contrato-promessa de compra e venda do direito e acção e quinhão hereditário na herança aberta por óbito do pai do Réu, DD, o que sucedeu sem que pretendessem, porém, tornar ineficaz em relação a eles o contrato-promessa de compra e venda do direito de acção e quinhão hereditário celebrado entre o Réu e CC, celebrado em 14 de Julho de 2004, nem o contrato de cessão da posição contratual outorgada pelo CC a favor do Autor;</font>
</p><p><font>Apesar de no âmbito da partilha da herança aberta por óbito de DD, pai do Réu, e em sede de processo judicial de inventário, o quinhão hereditário do Réu ter ficado preenchido integralmente com o “Prédio urbano, sito na Rua ..., …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de r/c, 1º andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o numero …º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o numero …, aí inscrito a favor do inventariado DD”, até à presente data e apesar de instado a fazê-lo, o Réu não concretizou o negócio prometido, antes se recusa a outorgar a escritura pública de compra e venda do bem que no referido inventário lhe foi adjudicado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Devidamente citado, contestou o Réu, por excepção [invocando, v.g, a existência de caso julgado e a anulabilidade, nos termos do disposto no art. 247.º do CC, do contrato-promessa outorgado com CC] e impugnação motivada, e seguindo-se a Réplica, veio o Ex.mo Juiz titular a proferir decisão que admitiu a intervenção nos autos de CC, como associado do Autor, vindo este último, após citação, a oferecer o seu articulado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispensada a audiência preliminar (nos termos do art.º 508-B, do CPC) e proferido que foi o despacho saneador, neste foi decidido não se verificar a excepção dilatória do caso julgado e, fixados os Factos Assentes, foi elaborada, outrossim, a Base Instrutória da Causa, peças estas que não foram objecto de qualquer reclamação.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Finalmente, realizada a audiência de discussão e julgamento, respondeu o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> à matéria da base instrutória da causa, não tendo as partes deduzido quaisquer reclamaçõesao respectivo despacho. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De seguida, conclusos os autos para o efeito, elaborou o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> Sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:</font>
</p><p><font>“(…)</font>
</p><p><font>Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolve-se o R. dos pedidos formulados.</font>
</p><p><font>Custas pelo A. e Chamado.</font>
</p><p><font>Viana, 22.04.2013 “</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconformado com tal sentença, apresentou, então, o autor AA, recurso de apelação, tendo vindo a Relação a conceder-lhe provimento, a julgar procedente a impugnação do recorrente dirigida contra a decisão do tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, relativa à matéria de facto e o pedido de execução específica e, consequentemente, a decretar judicialmente a transmissão pelo Réu e a favor do autor, do “Prédio urbano, sito na Rua ..., …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de r/c, 1.º andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o numero ….º, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …”, e pelo preço de 150.000,00 € já pago.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>De tal acórdão veio ora o R. recorrer, de revista, recurso que foi admitido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O R. apresentou as suas alegações, que rematou com as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ao apreciar a verificação da cessão da posição contratual entre o Autor e o CC, o acórdão recorrido decidiu questão de que não podia conhecer. </font>
</p><p><font>1. Efectivamente, o Autor limitou as suas alegações e conclusões à impugnação da matéria de facto dada como provada nos quesitos 16° a 25°, correspondendo a matéria relativa à validade e eficácia do contrato de cessão à constante dos quesitos 11° e 12° da base instrutória, a qual não foi impugnada. </font>
</p><p><font>2. Pelo que, impõe-se considerar que a mesma ficou definitivamente decidida, não podendo dela ter conhecido o Tribunal recorrido.</font>
</p><p><font>3. Ora, apesar de o Tribunal a quo não declarar expressamente que procedia à alteração da matéria de facto relativa aos mencionados quesitos 11° e 12°, a verdade é que se pronunciou acerca do respectivo conteúdo e concluiu em sentido contrário ao decidido em 1ª instância.</font>
</p><p><font>Da nulidade do acórdão </font>
</p><p><font>4. Deste modo, porque proferida em violação dos artigos 684º nºs 2 e 3, e 685º-A n.º 1, 668º n° 1, alínea d), 2ª parte, 716º nº 1, 660º n° 2, 2ª parte, e 713° n° 2, todos do Código de Processo Civil, a decisão emanada do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> é nula por excesso de pronúncia. </font>
</p><p><font>5. Da invalidade do contrato de cessão de posição contratual </font>
</p><p><font>6. Sem prescindir, sempre se dirá que o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> errou ao decidir que o contrato de cessão de posição contratual foi válida e eficazmente celebrado. </font>
</p><p><font>7. Isto porque, para a perfeição do contrato de cessão da posição contratual exige-se a convergência das vontades negociais do cedente, do cessionário e do cedido e o consentimento deste último – cfr. artigo 424º do Código Civil. </font>
</p><p><font>8. O Tribunal a quo interpretou o teor da cláusula (A) inserta no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Réu e CC como uma manifestação antecipada do consentimento daquele à celebração do contrato de cessão de posição contratual. </font>
</p><p><font>9. O que não se concebe, uma vez que da mencionada cláusula apenas resulta objectivamente que o ora Recorrente consentiu que o promitente-comprador indicasse um terceiro para com ele celebrar a escritura, sem lhe transmitir a sua posição no contrato-‑promessa, mas apenas no contrato prometido. </font>
</p><p><font>10. Assim, inexistindo o consentimento do cedido, falta a terceira vontade negocial, integrante do contrato de cessão da posição contratual contemplado no artigo 424º nº 1 do CC, pelo que tal contrato não chegou sequer a formar-se, não decorrendo do mesmo qualquer obrigação para o Recorrente. </font>
</p><p><font>11. Por outro lado, ainda que assim se não considere, tal como resulta da resposta dada ao quesito 12º da base instrutória, nunca o ora Recorrente foi notificado ou reconheceu o contrato de cessão em causa. </font>
</p><p><font>12. Ora, não tendo a matéria relativa ao mencionado quesito sido impugnada em sede de recurso pelo Autor, e nunca tendo o Autor alegado que o Réu deveria considerar-se notificado com a citação efectuada nos presentes autos, não podia o Tribunal a quo apreciar e decidir a verificação da notificação em causa – cfr. supra citados normativos legais. </font>
</p><p><font>13. Acresce que, o contrato de cessão da posição contratual encontra-se ferido de nulidade. </font>
</p><p><font>14. Com efeito, de acordo com os factos provados constantes dos quesitos 1º a 4º (cuja matéria não foi impugnada), o Autor celebrou verbalmente com o CC quatro contratos de mútuo, todos de valor superior a € 20.000,00. </font>
</p><p><font>15. Tais contratos, nulos por vício de forma, são, tal como foi configurado pelo Autor, o negócio causal da cessão da posição contratual em questão – cfr. artigos 219º e 1143º do Código Civil </font>
</p><p><font>16. Tal nulidade afecta a validade e determina a nulidade do contrato de cessão da posição contratual celebrada entre o Autor e CC – cfr. artigos 280º e 425º do cc. </font>
</p><p><font>Da execução específica </font>
</p><p><font>17. Apenas a mora, e já não o incumprimento definitivo, pode fundamentar o recurso à execução específica do contrato-promessa de compra e venda. </font>
</p><p><font>18. Existe incumprimento definitivo sempre que o devedor declara inequivocamente ao credor que não cumpre o contrato – recusa de cumprimento –, situação que se verifica nos presentes autos e que decorre da factualidade assente. </font>
</p><p><font>19. Pelo que se impunha ao Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> decidir pela impossibilidade da execução específica, apenas compaginável com a mora.</font>
</p><p><font>20. Atento tudo quanto se expôs, resulta que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 219º, 238º nºs 1 e 2, 280º, 424º, 425º, 442º nº 2, 801º e 1143º do CC e 660º nº 2, 668º nº 1 d), 684º nºs 2 e 3, 685º-A nº 1, 713º nº 2 e 716º nº 1 do CPC. </font>
</p><p><font>21. Motivo pelo qual deve o acórdão recorrido ser revogado, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Houve contralegações, defendendo a bondade do decidido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>II.1.</font></b><font> De Facto</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Depois das alterações pela Relação, foram considerados provados os seguintes “factos”:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1) Por acordo celebrado por escrito em 14 de Junho de 2004 entre BB e CC, e ao qual as partes apelidaram de Contrato Promessa de Compra e Venda, este prometeu comprar e aquele prometeu vender o “direito de acção e quota hereditária do primeiro outorgante na herança aberta por óbito de DD ocorrido no dia 11 de Junho de 2004”, constando do referido documento as seguintes cláusulas:</font>
</p><p><font>A – Pelo presente contrato promessa o Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, ou a quem este indicar, e este por sua vez promete comprar o já referido direito de acção e quota hereditária, livre de quaisquer obrigações, hipotecas ou encargos. </font>
</p><p><font>B – O preço da venda é de 150.000,00 Euros. </font>
</p><p><font>C – O Segundo Outorgante já pagou ao Primeiro Outorgante a totalidade do montante de 150.000,00 Euros através de diversas entregas de dinheiro realizadas ao longo dos últimos quatro anos, e pagamentos de dívidas, execuções, ao Primeiro Outorgante, a título de Sinal e integral pagamento, o qual dá neste mesmo documento a respectiva quitação. </font>
</p><p><font>D – A escritura será celebrada no prazo de três meses a contar da presente data, e todos os seus encargos serão suportados pelo Segundo Outorgante. </font>
</p><p><font>E – Não obstante o carácter de sinal atribuído à quantia referida no número dois da cláusula segunda, as partes acordam em afastar a presunção estabelecida no nº 2 do artigo 830° do Código Civil, pelo que, em caso de incumprimento, a parte não inadimplente poderá, em alternativa optar por obter sentença que substitua a declaração negocial do faltoso ou por exercer os direitos que o n° 2 do artigo 442° do Código Civil lhe confere. </font>
</p><p><font>2) Por acordo celebrado por escrito no dia 13 de Outubro de 2004 entre AA e CC, e ao qual as partes apelidaram de Contrato de Cessão da Posição Contratual, este arrogou-se “titular do contrato promessa de compra e venda de direito de acção e herança do herdeiro BB” e “pelo presente contrato o Segundo Outorgante indica para a sua posição contratual e cede a mesma naquele contrato ao Primeiro Outorgante”, constando do referido documento as seguintes cláusulas:</font>
</p><p><font>1º – O Segundo Outorgante é titular do contrato promessa de compra e venda de direito de acção e herança do herdeiro BB, casado no regime da comunhão de adquiridos, com EE, residente na …, freguesia de ..., do Concelho de ..., Contribuinte fiscal nº … e Bilhete de Identidade nº …, o qual outorga na qualidade de herdeiro da herança aberta por morte de DD, e integralmente pago.</font>
</p><p><font>2º – Pelo presente contrato o Segundo Outorgante indica para a sua posição contratual e cede a mesma naquele contrato ao Primeiro Outorgante.</font>
</p><p><font>3º – São responsabilidade do Segundo Outorgante as despesas de concretização deste negócio.</font>
</p><p><font>3) Para partilha da herança aberta por óbito de DD, pai do Réu, correu o processo de inventário nº 3329/04.5TBVCT do 2º Juízo Cível, deste Tribunal, o qual já transitou em julgado;</font>
</p><p><font>4) No referido inventário o quinhão hereditário do Réu foi preenchido integralmente com o seguinte bem: Prédio urbano, sito na Rua …, nº …, da freguesia de ..., ..., composto de casa de rés-do-chão, primeiro andar e águas furtadas, destinada a habitação, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …;</font>
</p><p><font>5) O Réu recusa-se a outorgar a escritura pública de compra e venda do prédio referido em 4);</font>
</p><p><font>6) No ano de 2002, o Autor entregou a CC a quantia de € 54.085,00, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 13 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>7) No ano de 2002, o Autor entregou a CC a quantia de € 49.415,56, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 14 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>8) No ano de 2003, o Autor entregou a CC a quantia de € 20.000,00, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 15 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>9) No ano de 2003, o Autor entregou a CC a quantia de € 25.000,00, titulada pelo cheque cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 29 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;</font>
</p><p><font>10) O Autor e CC acordaram que a restituição dos montantes supra referidos seria efectuada até ao último dia do mês de Março de 2004;</font>
</p><p><font>11) O acordo descrito em 2). foi subscrito porque CC não restituiu ao Autor a quantia de € 148.500,56 até ao último dia de Março de 2004;</font>
</p><p><font>12) Nem o podia fazer por não ter condições económicas para tal;</font>
</p><p><font>13) À data da assinatura do acordo referido em 1), CC era advogado do Réu que, por sua vez, exercia de facto a gerência da sociedade FF & Companhia, Lda;</font>
</p><p><font>14) Fruto da adversa conjuntura económica que então se verificava, as dívidas da empresa que geria começaram a acumular-se sem que o Réu tivesse capacidade financeira para lhes fazer face;</font>
</p><p><font>15) </font><i><font>Não provado (anteriormente “Pelo que, foi aconselhado pelo seu advogado a adquirir as restantes quotas (cerca de 34,63%) da FF & Companhia, Lda. para que, assim, ficasse em condições de vender o edifício onde se encontrava sedeada e instalada a referida sociedade)</font></i><font>;</font>
</p><p><font>16) </font><i><font>Não provado (anteriormente “Tudo com o objectivo de, com o produto da venda, saldar as dívidas da empresa”);</font></i>
</p><p><font>17) </font><i><font>Não provado (anteriormente “Para tanto CC disponibilizou-se a procurar um ou mais investidores que lhe emprestassem o montante necessário à aquisição das referidas quotas”);</font></i>
</p><p><font>18) </font><i><font>Provado apenas que o Réu DD assinou o acordo em causa (anteriormente provado que “Foi nesse contexto que assinou o acordo em causa, e outros mais, na convicção de que se tratava de instrumentos necessários à concretização da compra e venda das quotas daquela sociedade”);</font></i>
</p><p><font>19) </font><i><font>Não provado (anteriormente, “Nesse contexto, CC informou o Réu de que para, em seu nome, poder negociar as quotas em questão, precisava que o mesmo lhe conferisse poderes nesse sentido”)</font></i><font>;</font>
</p><p><font>20) </font><i><font>Provado apenas que, no decurso de 2004, o R. apôs a sua assinatura em vários documentos, de entre os quais, o documento em questão (anteriormente, “Pelo que, no decurso de 2004 e sob esse pretexto, solicitou que o Réu apusesse a sua assinatura em vários documentos, de entre os quais, o documento em questão”;</font></i>
</p><p><font>21) </font><i><font>Não provado (anteriormente “Sem qualquer objecção, o réu assinou-o sem, em nenhum momento, ler ou confirmar se o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade e à informação que lhe havia sido transmitida pelo referido CC”);</font></i>
</p><p><font>22) </font><i><font>Não provado (anteriormente “Não tendo ficado com o documento em sua posse, nem com qualquer duplicado”)</font></i><font>;</font>
</p><p><font>23) </font><i><font>Não provado (anteriormente “Nunca o Réu ponderou a hipótese de vender ou prometer vender esse quinhão hereditário”)</font></i><font>;</font>
</p><p><font>24) Não provado (anteriormente “E muito menos pelo preço de € 150.000,00”);</font>
</p><p><font>25) Pois o valor do quinhão hereditário era superior àquele montante;</font>
</p><p><font>26) O Réu tomou conhecimento dos documentos descritos em 1) e 2) no dia em que foi citado para a presente acção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>II.3. De Direito</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>II.3.1. </font></b><font>– Como se sabe, o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes (art.º 684.º n.º 3, e 690.º, n.</font><sup><font>os </font></sup><font>1 e 3, do CPC), importando ainda decidir as questões nelas colocadas e bem assim, as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.º 660.º, n.º 2, também do CPC. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A presente revista visa discutir as seguintes questões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>a) Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia;</font>
</p><p><font>b) Invalidade da cessão contratual e </font>
</p><p><font>c) Inviabilidade da execução específica.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III.1</font></b><font> </font><b><font>– Nulidade</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As nulidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC estão relacionadas com o comando fixado no n.º 2 do artigo 660.º do mesmo código (o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Refere-se o excesso de pronúncia ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Podem suscitar-se dificuldades em fixar o exacto conteúdo das questões a resolver que devem ser apreciadas pelo juiz na decisão. Existe, porém, acentuado consenso no entendimento de que "não devem confundir-se questões a decidir com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes: a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido".</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Saliente-se, antes de mais, que questão a resolver, para os efeitos do artigo 660.º do C.Proc.Civil, é coisa diferente de questão jurídica (v.g., determinação de qual a norma legal aplicável e qual a sua correcta interpretação que, como fundamento ou argumento de direito, pudesse – ou até devesse – ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A melhor resolução da questão a resolver deveria, porventura, levar à apreciação de várias questões jurídicas, utilizadas como argumentos e fundamento da decisão sobre a questão decidenda. Se o juiz, porém, não apreciar todas essas questões jurídicas e não invocar todos os argumentos de direito, que cabiam na melhor, mais completa ou exaustiva fundamentação, mas vier a proferir decisão, favorável ou desfavorável à parte, sobre a questão a resolver, haverá deficiência ou incompletude de fundamentação, mas não omissão de pronúncia.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Seguindo os ensinamentos do Prof. ALBERTO DOS REIS, a propósito do critério de reconhecimento do que se deve entender por questão a resolver, as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado. Para tanto, o Juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. Por isso, a circunstância de não considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado não constituirá nulidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Importa agora ver em que termos o acórdão abordou ou não as questões suscitadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Relativamente ao excesso de pronúncia, diz o recorrente que: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. …., “o Autor limitou as suas alegações e conclusões à impugnação da matéria de facto dada como provada nos quesitos 16º a 25º, correspondendo a matéria relativa à validade e eficácia do contrato de cessão à constante dos quesitos 11º e 12º da base instrutória, a qual não foi impugnada. </font>
</p><p><font>2. Pelo que, impõe-se considerar que a mesma ficou definitivamente decidida, não podendo dela ter conhecido o Tribunal recorrido.</font>
</p><p><font>3. Ora, apesar de o Tribunal a quo não declarar expressamente que procedia à alteração da matéria de facto relativa aos mencionados quesitos 11º e 12º, a verdade é que se pronunciou acerca do respectivo conteúdo e concluiu em sentido contrário ao decidido em 1ª instância.</font>
</p><p><font>(…) </font>
</p><p><font>4. Deste modo, porque proferida em violação dos artigos 684º nºs 2 e 3, e 685º-A n.º 1, 668º n° 1, alínea d), 2ª parte, 716º nº 1, 660º n° 2, 2ª parte, e 713° n° 2, todos do Código de Processo Civil, a decisão emanada do Tribunal a quo é nula por excesso de pronúncia.” </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre esta nulidade se pronunciou a Relação, em conferência, considerando não ter cometido tal nulidade, por não ter alterado matéria de facto não impugnada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Só podemos acompanhar este entendimento, porquanto é facto que a matéria dos quesitos 11.º e 12.º ficou intocada. O que aconteceu, sem que tal implicasse qualquer alteração da matéria factual, foi que o tribunal concluiu da resposta ao ponto 26 da matéria de facto que o cedido foi notificado da cessão, através da citação para a presente acção, o que implica a validade da mesma.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tal inferência não é ilegítima nem conflitua com a resposta negativa dos quesitos 11.º e 12.º.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Termos em que carece de fundamento a arguição da referida nulidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III.2. – Inviabilidade da cessão contratual</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dispõe-se no n.º 1, do art. 424.º do CC, aplicável ao contrato-promessa, </font><i><font>ex vi</font></i><font> do artigo 442.º do mesmo diploma legal, que, num contrato com prestações recíprocas, “qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O contrato de cessão tem uma natureza instrumental, traduzindo-se na “transferência </font><i><font>ex negotio</font></i><font> por uma das partes contratuais (cedente), com consentimento do outro contraente (cedido), para um terceiro (cessionário), do complexo de posições activas e passivas criadas por um contrato”, o contrato-base. (MOTA PINTO, </font><i><font>Cessão da Posição Contratual</font></i><font>, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 71/72) </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Para que a cessão possa determinar o subingresso negocial dum terceiro na posição de parte contratual do cedente, continua o ilustre professor (obra citada, p. 72) “torna-se imprescindível o consenso do outro contraente originário, isto é, do cedido, consenso cuja manifestação pode ser simultânea, posterior ou anterior ao acordo das duas partes restantes”, sendo que, no caso de adesão preventiva do cedido, “acresce a necessidade (…) da notificação ou reconhecimento desta – da transmissão da posição contratual –, sem o que a cessão não tem eficácia (cfr. art. 424.º,n.º 2, do CC)”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA (</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, Almedina, Coimbra, 1979, pp. 578-579), sintetiza assim os dois requisitos fundamentais da cessão:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I) </font><i><font>Primo</font></i><font>: exige-se que se trate de um contrato bilateral, quer dizer, de que advenham direitos e obrigações para ambas as partes;</font>
</p><p><font>II) </font><i><font>Secundo</font></i><font>: exige-se o consentimento do outro contraente, o qual pode ser dado antes ou depois da cessão, mas, no primeiro caso, a cessão só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento, sendo que, na segunda situação, o reconhecimento “ só relevará, para que a cessão produza efeitos em relação a ele, no caso de se revestir de um significado tão amplo que “ equivalha para esse efeito à notificação”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Dúvidas não há que, perante a matéria de facto provada, bem se entendeu estar configurado um contrato de cessão e que “tendo presente o teor da cláusula (A) inserta no contrato-base [A – Pelo presente contrato promessa o Primeiro Outorgante promete vender ao Segundo Outorgante, ou a quem este indicar (…)], e perfilhando-se o entendimento de Gravato de Morais () no sentido de que uma cláusula com o referido teor e inserta em Contrato-‑Promessa equivale, em rigor, a uma manifestação prévia/antecipada de consentimento na cessão da posição contratual do outro promitente, qual forma especial de prestação preventiva de consentimento na transmissão e a que alude Mota Pinto (), impõe-se considerar verificado </font><i><font>in casu</font></i><font> o requisito a que alude o n.º1, </font><i><font>in fine</font></i><font>, do art.º 424º, do CC.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>E não merece igualmente censura o entendimento acolhido no acórdão de que o cedido (BB) foi notificado da outorga do negócio translativo, através da citação para a acção, devendo, portanto, produzir ele efeitos em relação à sua pessoa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Irrelevante é a invocação, em sede de recurso, da nulidade dos alegados contratos de mútuo, uma vez que nunca foi suscitado no processo a qualificação das entregas de dinheiro a que se referem os factos 6 a 9 nem a nulidade desses negócios, tratando-se, pois, de uma questão nova, fora do objecto do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III.3.</font></b><font> </font><b><font>– Execução específica</font></b>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Da matéria fixada na acção resulta a intenção das partes da futura celebração dum contrato de venda, tendo por objecto o imóvel referido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Na petição foi pedida pelo A. a execução específica do contrato, nos termos previstos nos arts. 442.º, n.º 3 e 830.º, ambos do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ora, o art.º 410.º do Código Civil (diploma a que pertencem as normas doravante citadas sem indicação expressa) consagra o regime aplicável ao contrato-promessa, nestes termos:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.</font>
</p><p><font>2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.</font>
</p><p><font>3. (...)”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Contrato-promessa é a convenção pela qual, ambas as partes ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo, ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” – ANTUNES VARELA, </font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>, 6.ª edição, vol. 1.º, p. 301.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“Contrato-promessa – é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido.</font>
</p><p><font>Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo.</font>
</p><p><font>Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial.</font>
</p><p><font>Trata-se de um “</font><i><font>pactum de contrahendo</font></i><font>” (GALVÃO TELLES, </font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, 6.ª ed, p. 83).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Ou, como refere ANTUNES VARELA (</font>< | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PjKZu4YBgYBz1XKvhyH9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA propôs a presente acção especial de inquérito judicial a sociedade, contra “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, “CC, ... L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, DD, EE e FF, todos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, seja ordenada a prestação das informações e a entrega dos documentos, referidos no artigo 38º, com vista a averiguar a "</font><i><font>existência, titularidade e valores dos suprimentos efectuados pelo falecido seu pai BB à empresa «CC, Lda.», data da constituição e do pagamento desses suprimentos e meios de pagamento/destino desses suprimentos (cheque, transferência bancária, etc.).</font></i><font>",</font><i><font> </font></i><font>através da consulta desses documentos, na sede das empresas rés, porquanto suspeita que os elementos contabilísticos dessas sociedades contenham informação que não se coaduna com a realidade dos factos, uma vez que os empréstimos concedidos às empresas terão sido efetuados com capitais próprios da ré “BB, Ldª”, alegando, para o efeito, em síntese, que seu pai, BB, faleceu, a 31 de Março de 2004, no estado de casado com DD, tendo deixado como herdeiros, para além da autora e da viúva, os outros seus filhos, GG e EE.</font>
</p><p><font>Da herança de BB faz parte uma quota, na ré “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, com o valor nominal de €232888,74, correspondente a 66% do respectivo capital social, sendo esta sociedade, por sua vez, detentora de 50% do capital social da ré “CC ... L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, com uma quota, no valor nominal de €24 939,89</font><i><font>.</font></i><font> </font>
</p><p><font>Após a morte de BB, a gerência da ré “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font> foi assumida pelos réus DD e EE, enquanto que a gerência da ré “CC ... L.</font><sup><font>da” </font></sup><font>ficou a pertencer aos réus EE e FF.</font>
</p><p><font>Mais alega que só com a consulta dos documentos existentes nas rés “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font> e “CC ... L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, se poderá averiguar a existência, titularidade e valores dos suprimentos efectuados pelo pai a esta última, documentação essa a que lhe não foi dado acesso.</font>
</p><p><font>Acrescenta a autora que, não havendo acordo entre os herdeiros do falecido BB, nem quanto aos bens a partilhar, nem quanto à sua divisão e partilha, nomeadamente, quanto ao valor das quotas societárias, prestações suplementares e suprimentos existentes, instaurou um processo de inventário, por óbito daquele.</font>
</p><p><font>Na contestação, os réus “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, “CC ... L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, DD, EE e FF afirmam que "</font><i><font>a requerente AA, não tem legitimidade, por si só, para requerer, directamente, informação societária, tão pouco para exercer a faculdade processual tendente à realização de um inquérito judicial</font></i><font>", na medida em que, não só não é sócia da ré “CC … L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, como, também, existe um representante comum da quota deixada por seu pai, que é a ré DD, acrescentando que o réu FF acordou com a autora um dia e hora para que esta pudesse consultar a documentação pedida, na sede da empresa, mas esta não compareceu, no dia acordado, e não mais solicitou, o que quer que fosse, sendo certo que os réus sempre prestaram toda a informação societária pedida pela mesma, de forma verdadeira, fiável e completa, bem como permitiram o acesso a toda a documentação a ela inerente, assim, impugnando os fundamentos substantivos da procedência da acção.</font>
</p><p><font>O Tribunal de 1ª instância julgou improcedente a excepção da ilegitimidade da autora e, também,</font><i><font> </font></i><font>a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus do pedido.</font>
</p><p><font>Desta decisão, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação de Guimarães, os réus interpõem agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, confirmando-se a decisão proferida, em primeira instancia, ou proferindo-se outra que julgue improcedente o pedido de inquérito judicial formulado pela autora, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem, na sua totalidade:</font>
</p><p><font>1ª – Contrariamente ao que o douto acórdão recorrido acolheu, resulta inequívoco, o que é do integral conhecimento da Autora, ora recorrida, como esta confessa, nos artigos 49° a 52° da sua petição inicial, que de facto, o que existem são suprimentos realizados por BB, Lda. a favor de CC, Lda., e que as suas contabilidades reflectem; </font>
</p><p><font>2</font><sup><font>a</font></sup><font> Sendo que a Autora, recorrida, suspeita que o montante pecuniário desses suprimentos realizados por BB, Lda. a favor de CC, Lda., terão sido realizados com recurso a capitais próprios de seu pai, BB, do seu património pessoal;</font>
</p><p><font>3</font><sup><font>a</font></sup><font> Por outro, não existe, de facto, qualquer contrato de suprimento firmado entre a recorrida CC, Lda, e o Senhor BB;</font>
</p><p><font>4</font><sup><font>a</font></sup><font> Além do mais, porquanto o Senhor BB nunca foi sócio de CC, Lda;</font>
</p><p><font>5</font><sup><font>a</font></sup><font> Quem é associado é a BB, Lda.;</font>
</p><p><font>6</font><sup><font>a</font></sup><font> De todo este circunstancialismo, de facto, a Autora, ora recorrida, tem conhecimento, informação, o que o douto acórdão recorrido obnibula, confundindo ainda aqueles supostos "actos pessoais" de gestão do património pessoal por parte do Senhor BB, como se de contratos de suprimentos se tratassem a favor de CC, Lda., o que a ser verdade, e não é, nunca por nunca podiam, sem mais, serem considerados contratos de suprimentos;</font>
</p><p><font>7</font><sup><font>a</font></sup><font> A um outro lado, contrariamente, ao expendido no douto acórdão, não se vê, nem se alcança, suposto que fosse verdade a alegação da Autora, ora recorrente, e não é – os factos são os factos - qual é a projecção que haverá para a vida societária de CC, Lda. e para os seus associados, saberem se o dinheiro representado pelos suprimentos de BB, Lda foram ou não realizados com recurso ao património pessoal do Senhor BB;</font>
</p><p><font>8</font><sup><font>a</font></sup><font> Tão pouco para a Autora, ora recorrida, na qualidade societária por ela invocada;</font>
</p><p><font>9</font><sup><font>a</font></sup><font> Mais acresce que é bem sabido que, genericamente, os associados têm direito a obter informação relativa aos negócios sociais e às relações entre as sociedades e os seus sócios;</font>
</p><p><font>10</font><sup><font>a</font></sup><font> Todavia, não se afigura, que este amplo direito à informação possa compreender a gestão que individualmente um associado ou um terceiro façam do seu património pessoal, como no caso em apreço;</font>
</p><p><font>11</font><sup><font>a</font></sup><font> Com todo respeito por opinião diversa, é nossa convicção, contrariamente ao acolhido pela Relação, que o meio processual utilizado pela Autora - o inquérito judicial - não parece ser o meio processual idóneo para afirmar ou infirmar a suspeita da Autora;</font>
</p><p><font>12</font><sup><font>a</font></sup><font>. Esta terá de sindicar a bondade da sua suspeita, na herança do Senhor BB.</font>
</p><p><font>13</font><sup><font>a</font></sup><font>. Tudo somado: parecerá que o direito à informação consignado nos artigos 21° e 214° do CSC não compreende a informação que a autora pretende;</font>
</p><p><font>14</font><sup><font>a</font></sup><font> Reiteramos o meio processual escolhido pela requerente não parecerá ser o meio idóneo para que a Autora, ora recorrida, possa sindicar e avaliar da bondade de um suposto acto de gestão individual de seu pai, com respeito ao seu património pessoal.</font>
</p><p><font>15</font><sup><font>a</font></sup><font> Tão pouco se afigura razoável, por desproporcionado, sujeitar as recorridas sociedades a inquérito judicial com esta motivação da recorrida;</font>
</p><p><font>16</font><sup><font>a</font></sup><font> O direito à informação é estritamente societário e o inquérito judicial que o salvaguarda tem que se conter no seu estrito exercício.</font>
</p><p><font>17</font><sup><font>a</font></sup><font> Ora, não é isso o que a recorrida, autora, pretende, tão pouco o que o douto acórdão da Relação acolheu;</font>
</p><p><font>18</font><sup><font>a</font></sup><font> Ao decidir, como decidiu, revogando a decisão proferida em primeira instância, o douto acórdão da Relação realizou, com todo o respeito, uma errada omissão e subsunção dos factos relevantes ao direito aplicável, bem ainda uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 21°, 214° e 216° do CSC.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, a autora sustenta que deve ser julgado improcedente o recurso de revista interposto pelos réus, mantendo-se o acórdão recorrido, de modo a permitir à autora impulsionar um inquérito judicial às empresas.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. A requerente GG e EE são filhos de BB.</font>
</p><p><font>2. BB faleceu, a … de … de 20…, no estado de casado com DD.</font>
</p><p><font>3. Da herança de BB faz parte uma quota, na sociedade “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, com o valor nominal de €232888,74, correspondente a 66% do capital social. </font>
</p><p><font>4. Esta sociedade é detentora de 50% do capital social da “CC ... L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>, com uma quota, no valor nominal de €24 939,89</font><i><font>.</font></i>
</p><p><i><font>5</font></i><font>. DD e EE são gerentes de “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>.</font>
</p><p><font>6. EE e FF são gerentes da “CC ... L.</font><sup><font>da”</font></sup><font>.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A, nºs 1 e 2 e 726º, todos do CPC, consiste em saber se é admissível um inquérito judicial requerido por um sócio sobre a natureza dos suprimentos efectuados pelo anterior sócio, a quem sucedeu.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>DA ADMISSIBILIDADE DO INQUÉRITO JUDICIAL REQUERIDO POR SÓCIO EM RELAÇÃO A SUPRIMENTOS EFECTUADOS PELO PAI, A QUEM SUCEDEU, NESSA QUALIDAEDE </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. O artigo 21º, nº 1, c), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), enquadrado no conjunto dos direitos gerais dos sócios, consagra que “todo o sócio tem direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”.</font>
</p><p><font>Com efeito, no caso de transmissão de quotas para uma pluralidade de herdeiros, os contitulares de quota social indivisa, como sucede com a autora, adquirem a qualidade de sócios</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>E todos os sócios têm direito a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato, competindo aos membros da administração, quer sejam gerentes, administradores ou directores de uma sociedade, elaborar o relatório de gestão e as contas de cada exercício social, em conformidade com o disposto pelos artigos 21º, nº 1, c), 64º e 65º, nºs 1 e 4, do CSC.</font>
</p><p><font>O direito à informação ocorre, em três níveis distintos, ou seja, a informação permanente, que é prestada, a cada momento, a informação intercalar, que é prestada como preparatória de cada reunião da assembleia, e a informação em assembleia, que é prestada, na própria reunião, como elemento instrutório do debate</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No âmbito das sociedades por quotas, rege o artigo 214º, do CSC, que, no seu nº 1, estipula que “os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado”.</font>
</p><p><font>Com efeito, os sócios carecem de estar informados sobre a vida da sociedade, de modo a poderem influir nela, disso podendo depender, em boa parte, a realização do seu interesse em participar nos lucros, razão pela qual o direito à informação é um direito social autónomo, mais que um direito instrumental em relação a outros direitos, designadamente, o direito aos lucros, o direito de voto, o direito de impugnação das deliberações sociais e o direito de acção de responsabilidade contra os administradores</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Preceitua, por outro lado, o nº 2, do artigo 214º, do CSC, que “o direito à informação pode ser regulamentado no contrato de sociedade, contanto que não seja impedido o seu exercício efectivo ou injustificadamente limitado o seu âmbito; designadamente, não pode ser excluído esse direito quando, para o seu exercício, for invocada suspeita de práticas susceptíveis de fazerem incorrer o seu autor em responsabilidade, nos termos da lei, ou quando a consulta tiver por fim julgar da exactidão dos documentos de prestação de contas ou habilitar o sócio a votar em assembleia geral já convocada”.</font>
</p><p><font>A isto acresce que o direito à informação sobre a vida da sociedade manifesta-se, em quatro vertentes, isto é, como direito à informação «stricto sensu», que permite ao sócio formular questões sobre a vida da sociedade e desta exigir resposta verdadeira, completa e elucidativa, como direito de consulta de livros e documentos em poder da sociedade, por cujo exercício o sócio pode solicitar que a sociedade exiba, para exame, os livros de escrituração e outros documentos descritivos da actividade social, como direito de inspeção, de modo a que o sócio possa vistoriar os bens da sociedade e, finalmente, como direito de requerer inquérito judicial</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>E, quando a recusa do direito à informação seja ilícita, ou o requerente tiver recebido informação, presumivelmente, falsa, incompleta ou não elucidativa, o sócio pode solicitar a realização de um inquérito judicial à sociedade por quotas, nos termos do disposto pelos artigos 216º, do CSC, e 1479º a 1483º, do CPC.</font>
</p><p><font>Efectivamente, o direito de requerer inquérito judicial releva, não apenas para o não fornecimento de informações, como, também, para a recusa do direito de consulta ou de informação, porquanto se trata, de igual modo, de uma faculdade jurídica instrumental do direito à informação, «lato sensu», isto é, do direito do sócio a ser informado da vida e do giro da sociedade.</font>
</p><p><font>Porém, esta faculdade jurídico-processual conhece limites, nomeadamente, quando for de recear que o sócio utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Por outro lado, o sócio pode requerer a realização de inquérito judicial quando lhe tenha sido recusada a informação sobre a vida da sociedade, nomeadamente, quando lhe é negado o direito de obter informação sobre um específico assunto respeitante à gestão da sociedade, como sejam, os actos de pessoas ligadas à sociedade, no sentido de obter informação sobre um acto específico da vida social</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>2. Retornando à factualidade, sumariamente, indiciada nos autos, importa registar que a autora invoca, no essencial, a necessidade de obter informações e a entrega de documentos, com vista a averiguar a "</font><i><font>existência, titularidade e valores dos suprimentos efectuados pelo falecido seu pai BB à empresa «CC, Lda.», data da constituição e do pagamento desses suprimentos e meios de pagamento/destino desses suprimentos (cheque, transferência bancária, etc.)</font></i><font>", porque suspeita que os elementos contabilísticos das sociedades contenham informação que não se coaduna com a realidade dos factos, uma vez que os empréstimos concedidos às empresas terão sido efetuados com capitais próprios da ora ré “BB, Ldª”, e que só com a consulta desses documentos se poderá averiguar da existência, titularidade e valores dos suprimentos efectuados pelo pai a esta última, sendo certo que a essa documentação não lhe foi dado acesso, tendo instaurado um processo de inventário, por óbito do pai, por não haver acordo entre os herdeiros do falecido, nem quanto aos bens a partilhar, nem quanto à sua divisão e partilha, nomeadamente, quanto ao valor das quotas societárias, prestações suplementares e suprimentos existentes.</font>
</p><p><font>Efectivamente, a autora socorre-se do processo especial de inquérito judicial como meio de obter o acesso à informação e a entrega de documentos de que alega carecer, a fim de apurar a "</font><i><font>existência, titularidade e valores dos suprimentos efectuados pelo pai, nomeadamente, com vista à sua utilização no processo de inventário que instaurou por morte daquele”.</font></i>
</p><p><font>Na verdade, esta faculdade jurídico-processual não pode ser usada, designadamente, como já se disse, quando for de recear que o sócio utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta, salvo se existir disposição diversa nesse sentido do contrato de sociedade, lícita nos termos do disposto pelo artigo 214º, nº 2, atento o preceituado pelo artigo 215º, nº 1, ambos do CSC.</font>
</p><p><font>Ora, face à matéria factual, sumariamente, indiciada, podendo admitir-se, razoavelmente, que a autora venha a utilizar a informação que pretende obter, através da via do inquérito judicial, para a instrução do inventário que instaurou, em consequência da morte de seu pai e ex-sócio da ré “BB L.</font><sup><font>da”</font></sup><font> e, portanto, para um fim estranho às sociedades-rés, entende-se inexistir qualquer impedimento ao exercício desse direito, porquanto a aludida finalidade proposta não é susceptível de constituir um prejuízo para estas, em termos, potencialmente, atentatórios dos seus patrimónios e da sua credibilidade no mercado, cabendo, assim, no âmbito do direito à informação suscitado pela autora.</font>
</p><p><font>É que, por outro lado, não pode ser recusada à autora a informação necessária sobre a vida da sociedade, negando-se-lhe o direito de obter informação sobre um específico assunto respeitante à gestão da sociedade e à vida social, em que se traduz a realidade da “</font><i><font>existência, titularidade e valores envolvidos nos suprimentos efectuados pelo seu falecido pai à ré «CC»”.</font></i>
</p><p><font>Deste modo e, indiciariamente, a verificarem-se os fundamentos materiais invocados pela autora, importará deferir a sua pretensão, no sentido da realização do inquérito judicial solicitado, que os artigos 214º, nº 1, 215º e 216, do CSC, consentem e o contrato de sociedade não exclui.</font>
</p><p><font>3. Preceitua o artigo 1479º, nº 1, do CPC, que “o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alegará os fundamentos do pedido de inquérito, indicará os pontos de facto que interesse averiguar e requererá as providências que repute convenientes”, sendo certo que, continua o respectivo artigo 1480º, nº 1, “haja ou não resposta dos requeridos, o juiz decidirá se há motivos para proceder ao inquérito, podendo determinar logo que a informação pretendida pelo requerente seja prestada, ou fixará prazo para apresentação das contas da sociedade”.</font>
</p><p><font>Os réus, como já se referiu, impugnaram, especificadamente, a factualidade que contende com o mérito da providência, concluindo a contestação com a alegação de que sempre prestaram toda a informação societária pedida pela autora, de forma verdadeira, fiável e completa, bem como permitiram o acesso a toda a informação a ela inerente.</font>
</p><p><font>Ora, se o pedido de inquérito judicial deve fundar-se em factos, concretamente, alegados pelo autor sobre a falsidade da informação solicitada ou a sua insuficiência, como factos constitutivos do seu direito, cuja demonstração lhe cabe efectuar, a sociedade requerida tem, em contraponto, o ónus de demonstrar os factos donde se possa retirar ou inferir a licitude da recusa, que se traduzem em factos impeditivos do direito do requerente, atento o preceituado pelo artigo 342º, nºs 1 e 2, do CC, respectivamente.</font>
</p><p><font>A factualidade que subsiste controvertida não consente, por ora, que o juiz decida se existem fundamentos para proceder ao inquérito judicial, mas, a verificar-se a sua demonstração, de acordo com a materialidade invocada pela autora, importará que o mesmo seja decretado, fixando, então, o juiz, o que agora ainda não acontece, os pontos que a diligência deve abranger, nomeando o perito ou peritos que deverão realizar a investigação, com aplicação do disposto pelo artigo 1480º, nº 2, do CPC.</font>
</p><p><font>Na verdade, ainda que, nesta espécie processual, não haja lugar a despacho saneador, nem a sentença final, a matéria de facto controvertida não permite, sem mais, decidir pela realização do inquérito judicial, devendo ter lugar, imediatamente, um incidente de produção de prova, aliás, já indicada por ambas as partes, nos seus articulados, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 302º, 304º, 1409º, nº 1 e 1479º e seguintes, todos do CPC.</font>
</p><p><font>Improcedem, assim, na sua essência, pese embora a decisão final para que se caminha, as conclusões constantes das alegações da revista dos réus.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>CONCLUSÕES:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>I - O direito do sócio requerer inquérito judicial releva, não apenas quanto ao não fornecimento de informações, como, também, em caso de recusa do direito de consulta ou de informação sobre a vida da sociedade, nomeadamente, quando lhe é negado o direito de obter informação sobre um específico assunto respeitante à gestão da sociedade, como sejam, os actos de pessoas ligadas à sociedade, porquanto se trata, de igual modo, de uma faculdade jurídica instrumental do direito à informação, «lato sensu», isto é, do direito do sócio a ser informado da vida e do giro da sociedade.</font>
</p><p><font> II - Trata-se, porém, de uma faculdade que conhece limites, nomeadamente, quando for de recear que o sócio utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta, salvo se existir disposição diversa, nesse sentido, no contrato de sociedade.</font>
</p><p><font>III - É lícito o recurso ao processo especial de inquérito judicial como meio de obter o acesso à informação e a entrega de documentos de que o requerente careça, a fim de apurar a existência, titularidade e valores dos suprimentos efectuados pelo pai, a quem sucedeu na qualidade de sócio, designadamente, com vista à sua utilização no processo de inventário que instaurou, por morte do mesmo</font><i><font>, </font></i><font>porquanto a finalidade proposta não é susceptível de constituir prejuízo para as rés-sociedades, em termos, potencialmente, atentatórios do seu património e da sua credibilidade no mercado.</font>
</p><p><font>IV - O pedido de inquérito judicial deve fundar-se em factos, concretamente, alegados pelo requerente sobre a falsidade da informação solicitada ou a sua insuficiência, como factos constitutivos do seu direito, cuja demonstração lhe cabe efectuar, enquanto que o requerido tem, em contraponto, o ónus de demonstrar os factos donde se possa retirar ou inferir a licitude da recusa, que se traduzem em factos impeditivos do direito do requerente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>DECISÃO</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista e, em consequência, embora com diversa fundamentação, confirmam o acórdão recorrido, devendo ter lugar, imediatamente, um incidente de produção de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 302º, 304º, 1409º, nº 1 e 1479º e seguintes, todos do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Custas, a cargo dos requeridos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Notifique.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 29 de Outubro de 2013</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Helder Roque (Relator)</font>
</p><p><font>Gregório da Silva Jesus</font>
</p><p><font>Martins de Sousa</font>
</p><p><font> _______________________</font>
</p><p><a><u><font>[1]</font></u></a><font> Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.</font>
</p><p><a><u><font>[2]</font></u></a><font> STJ, de 21-12-1956, BMJ nº 62, 492; STJ, de 11-2-1966, BMJ nº 154, 353; RT nº 75º, 114; RT nº 84º, 205.</font>
</p><p><a><u><font>[3]</font></u></a><font> Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª edição, 2001,230.</font>
</p><p><a><u><font>[4]</font></u></a><font> Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º volume, AAFDL, 1987, 317. </font>
</p><p><a><u><font>[5]</font></u></a><font> Remédio Marques, O Inquérito Judicial, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume III, Almedina, 2012, 312 e 313. </font>
</p><p><a><u><font>[6]</font></u></a><font> Remédio Marques, O Inquérito Judicial, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume III, Almedina, 2012, 313. </font>
</p><p><a><u><font>[7]</font></u></a><font> Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, I, 2ª reimpressão da 2ª edição de 1989, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1999, 279 a 306. </font>
</p></font><p><font><a><u><font>[8]</font></u></a><font> Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gregório Silva Jesus; 2º Adjunto: Conselheiro Martins de Sousa.<br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
PjKou4YBgYBz1XKvkSmk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> ACORDAM OS JUÍZES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: </font><br>
<br>
<font>AA e BB propuseram contra CC e mulher, DD, acção declarativa sob forma comum e processo ordinário e nela pediram que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre o autor e os réus, declarada a nulidade do "contrato de trespasse" celebrado entre todos e os réus condenados a restituir aos autores a quantia global de 75.000€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde as datas dos pagamentos parcelares e até integral restituição.</font><br>
<font>Para tanto, e em síntese, alegaram: </font><br>
<font>no dia 21.1.03 e através de procurador, os réus deram de arrendamento à autora a parte correspondente ao rés-do-chão de fracção autónoma, sua propriedade, para a actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, pelo prazo de 10 anos com inicio em 1.1.03, prorrogável por períodos de um ano, salvo denúncia e pela renda mensal de 750€, a actualizar anualmente de acordo com o coeficiente fixado pelo INE; na mesma data, autora e réus acordaram ainda que a autora pagaria aos réus, até ao fim de 2003, a quantia de 25.000€, a titulo de exploração do locado, expressão que, em 28.1.03, acordaram em substituir por "trespasse", mais combinando que este contrato seria celebrado depois de finda acção que, então, corria contra a anterior arrendatária da mesma fracção e no âmbito do qual viria a ser entregue aos RR, em três prestações, a quantia global de 75.000€.</font><br>
<font>Mais alegaram que, passando, a partir de 8.2.03, a exercer no locado a actividade de cafetaria e snack-bar, gastaram 15.000€ em obras de limpeza e beneficiação do locado e, após solicitação da Autora nesse sentido, assentiram os RR na transmissão da posição daquela em todos os contratos celebrados, escritos ou verbais, a favor do autor, outorgando, em 1.9.04, um contrato de arrendamento em tudo semelhante ao anterior, considerando como início do novo arrendamento o mês de Janeiro de 2003.</font><br>
<font>Por fim, alegando que os RR se comprometeram a obter o licenciamento do locado para o exercício da aludida actividade comercial, tomaram conhecimento que este foi recusado pela autoridade competente por serem necessárias obras que os RR não iniciaram e cuja realização imputaram aos AA.</font><br>
<font>Os réus contestaram, e, reconhecendo a celebração dos acordos referidos, impugnam parte dos factos alegados, mantêm que as obras de que depende o licenciamento são da responsabilidade dos AA e precisam que celebraram um contrato promessa de trespasse pois não eram proprietários do estabelecimento que esperavam adquirir no termo do processo contra a anterior arrendatária.</font><br>
<font>O processo foi objecto de saneamento e condensação e decorridos os demais trâmites, teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que julgou procedentes os pedidos acima delimitados.</font><br>
<font>De tal sentença apelaram os autores, mas a Relação de Lisboa negou-lhes a procedência do recurso, pelo que, de novo inconformados, interpuseram a presente revista cuja alegação concluíram nos seguintes termos:</font><br>
<i><font>O douto acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação e aplicação da Lei.</font></i><br>
<i><font>Ao contrário do doutamente decidido, a fracção dada de arrendamento dispunha de licença de utilização para o exercício do comércio, como era legalmente exigido pelo art°9º do RAU.</font></i><br>
<i><font>O douto acórdão recorrido à semelhança da decisão proferida em 1ª instância, salvo o devido respeito, confunde a "licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica" (habitação, comércio, profissão liberal) com a licença de utilização para o exercício de qualquer "species" daquele "genus" (farmácia, estabelecimento de bebidas ou restauração).</font></i><br>
<i><font>Só a primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos e com a própria estrutura e configuração do edifício e acessibilidades.</font></i><br>
<i><font>Já as licenças-alvarás para o exercício de certo ramo cumprem ao arrendatário que pretenda exercer a actividade especificada.</font></i><br>
<i><font>Era à arrendatária que cabia a obtenção da licença ou alvará para a instalação do estabelecimento de restauração e bebidas.</font></i><br>
<i><font>Era a arrendatária que deveria ter realizado as obras impostas pela autoridade administrativa para obter o alvará. Assim,</font></i><br>
<i><font>Dispondo a fracção dada de arrendamento de licença de utilização destinada ao comércio, não podia a arrendatária, com o fundamento de que inexistia alvará, resolver o contrato.</font></i><br>
<i><font>A licença a que se refere o art°. 9º do RAU é a autorização genérica para o exercício da actividade inserível no sector económico pertinente, cumprindo ao arrendatário a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício da actividade especificada a que se propõe.</font></i><br>
<i><font>Ao decidir de modo diverso, a decisão recorrida violou o art°. 9º do RAU, o qual deverá ser interpretado nos termos preditos.</font></i><br>
<i><font>A. e RR. não celebraram qualquer "contrato de trespasse", pois na data em que celebraram os acordos a que se alude na motivação deste recurso, ainda não eram titulares do direito de propriedade sobre o estabelecimento. Por isso, Celebraram um "contrato-promessa de trespasse", através do qual os RR pretendiam, no futuro (logo que adquirissem a propriedade das mesmas), transmitir à A. as máquinas e utensílios que integravam o recheio do estabelecimento.</font></i><br>
<i><font>Tal contrato não sofre de qualquer vício que acarrete a sua invalidade, devendo, por isso, ser declarado válido e eficaz.</font></i><br>
<i><font>Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, o art°. 115° do RAU, e art°410°, 1112° e 1115° do C. C, os quais deverão ser interpretados nos termos preditos.</font></i><br>
<font> </font><br>
<font>Não foi oferecida contra-alegação.</font><br>
<font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br>
<font>Centram-se as questões do recurso em torno da falta de licenciamento do estabelecimento comercial e da sua implicação na resolução do contrato de arrendamento e nulidade do “trespasse”, a ele reportados, no litígio que opõe Autores e Réus.</font><br>
<br>
<font>Antes da sua apreciação, importa enunciar a factualidade apurada nas instâncias, tal como, sem oposição, foi vertida no acórdão recorrido:</font><br>
<font>1. Os réus têm registada a seu favor, na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, desde 11/04/84, a aquisição, por compra, da fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente ao rés-do-chão direito, para comércio, com uma divisão assoalhada, casa de banho, marquise, varanda e arrecadação na cave, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua .........., n° .... (Loja) e..... (porta do prédio), em Forte da Casa.</font><br>
<font>2. Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado "Contrato de Arrendamento de Duração Limitada para o Exercício do Comércio", subscrito por EE, na qualidade de procurador dos réus, e pela autora, aquele declarou dar de arrendamento a esta, que declarou aceitar, o rés-do-chão referido em 1., com destino ao exercício da actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, com exclusão de qualquer outro ramo de actividade, pelo prazo de 10 anos, com início em 1 de Janeiro de 2003 e termo em 1 de Janeiro de 2013, sucessivamente renovável por períodos de 1 ano, mediante o pagamento da renda anual de 9.000,00€, em duodécimos 750,00€, devendo ser pagas duas rendas com a assinatura do contrato e vencendo-se as subsequentes no dia 1 do mês anterior àquele a que respeitarem, actualizadas anualmente nos termos legais.</font><br>
<font>3. Nesse escrito, os contraentes declararam que "a arrendatária não poderá realizar obras sem o consentimento escrito dos senhorios, ficando as que vier a realizar a fazer parte integrante do arrendado, sem que a arrendatária possa reclamar qualquer indemnização ou alegar direito de retenção".</font><br>
<font>4. E declararam que "a arrendatária poderá usar e fruir os bens constantes da declaração anexa a este contrato que depois de assinada dele faz parte integrante" e que "o arrendado bem como os bens constantes da declaração anexa encontram-se em bom estado de conservação, obrigando-se a arrendatária a mantê-los tal como agora se encontram, procedendo às reparações que se revelem necessárias e a restitui-los (arrendado, máquinas e utensílios) findo o contrato em condições de poderem ser utilizados de imediato".</font><br>
<font>5. Declararam ainda que "a arrendatária tem conhecimento de que os móveis existentes no arrendado irão ser objecto de penhora na sequência da execução que os senhorios irão promover contra a anterior arrendatária, FF, por apenso à acção de despejo que correu termos sob o n° 000000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira" e que "se em virtude de tal acção ou de qualquer outra diligência judicial promovida contra a anterior arrendatária tais bens vierem a ser removidos do estabelecimento, os senhorios obrigam-se, no prazo máximo de 45 dias, a colocar outros bens, máquinas em substituição dos removidos" e que "à arrendatária em tal hipótese não assistirá o direito a qualquer compensação e obrigar-se-á a pagar a renda que for devida".</font><br>
<font>6. E que "a arrendatária obriga-se a manter em funcionamento o estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor, suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais normativos";</font><br>
<font>7. Da "declaração anexa" referida nesse escrito, datada de 6 de Novembro de 2002, consta a seguinte descrição de bens, pertencentes a FF, os quais se encontravam, naquela data, no interior do local em causa: "1 máquina de diversões «Game Saurus»; 1 máquina de bolas; 1 máquina de tabaco «Goya Jofemar»; 1 extintor; 1 televisão «Mistai» com TV Cabo; 38 cadeiras; 10 mesas; 1 vitrina «Inoxhotel»; 1 telefone; 1 balcão «Inoxhotel»; 1 forno «Uninsa»; 1 máquina de cortar fiambre; 1 mesa «Maquiloures»; 1 moinho de café e 1 máquina de café «San Marco»; 1 balança «Portos»; 1 máquina registadora «Samsung»; 1 máquina de lavar chávenas «San Marco»; 1 armário; 1 arca «Olá»; 1 arca «Seruco»; 1 frigorífico «Oceane»; 1 mesa; 1 fogão «Junex»; 1 banca «Teka»; 1 esquentador «Aspas»".</font><br>
<font>8. Por escrito datado de 21 de Janeiro de 2003, denominado "Acordo de Pagamento e Reconhecimento de Dívida", o mesmo procurador dos réus, em sua representação, designado por "1º contraente" e a autora, designada por "2ª contraente", declararam que, com referência ao referido contrato de arrendamento, "a 2ª contraente pela exploração da referida fracção obriga-se a pagar ao 1º contraente, até final do ano de 2003, a quantia de 25.000 euros, para além do valor a pagar mensalmente nos termos constantes do contrato de arrendamento", que "para a situação de incumprimento, a título de cláusula penal, os contraentes fixam o valor mensal de 500 euros, que a 2ª contraente se obriga igualmente a pagar" e que "se até ao final do ano 2004, a quantia referida (...) não se encontrar integralmente liquidada, a 2ª contraente obriga-se a deixar o local arrendado tal como o encontrou quando o tomou de arrendamento, renunciando a qualquer indemnização".</font><br>
<font>9. Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado "Nota ao Acordo de Pagamento e Reconhecimento (Divida) entre EE (procurador de seus pais) e BB", os dois declararam que "no referido Acordo na segunda cláusula está escrito «exploração da referida fracção» mas é «Trespasse», conforme combinado com os dois contraentes o Acordo será mesmo assim celebrado e devidamente assinado, até resolução da acção contra antiga arrendatária FF que correu termos sob o n° 000000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, findo este processo judicial será celebrado Contrato de Trespasse".</font><br>
<font>10. Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado "Declaração", o mesmo procurador dos réus, em sua representação, e a autora declararam que "findo o processo judicial contra a antiga arrendatária {FF) , será celebrado um Contrato de Trespasse com BB, pela quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros)".</font><br>
<font>11. Por escrito datado de 28 de Janeiro de 2003, denominado "Declaração", subscrito pelo mesmo procurador dos réus em sua representação e pela autora, aquele declarou ter recebido desta a quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), "referente ao Trespasse do Estabelecimento Comercial sito em Rua ........., n°... - , Forte da Casa, ficando em falta a quantia de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros) que será liquidada no final do ano de 2003".</font><br>
<font>12. A autora enviou àquele procurador dos réus uma carta datada de 16 de Julho de 2004, da qual consta "Venho por este meio informar V. Exa. que irei cessar a minha actividade em 15 de Agosto de 2004, por motivos pessoais. Deste modo agradecia que fosse efectuado contrato de arrendamento ao meu marido AA. O valor da renda será o de €777,75 (neste momento a actual), sendo os fiadores, os mesmos. Todos os nossos acordos verbais e escritos encontram-se em vigor, só que neste caso em nome do meu marido, pois assim que o processo da antiga inquilina FF estiver resolvido será elaborado, conforme combinado o Contrato de Trespasse mas em nome de AA, não sendo paga mais nenhuma quantia, pois V. Exas. já receberam os €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) referentes ao Trespasse. Mais informo que continuarei a ser responsável pelo que me foi estipulado pelo Tribunal, ou seja, continuarei a ser fiel depositária do equipamento que se encontra no estabelecimento até o processo de penhora estar resolvido".</font><br>
<font>13. Na sequência dessa carta, por escrito datado de 1 de Setembro de 2004, denominado "Contrato de Arrendamento de Duração Limitada para o Exercício do Comércio", subscrito pelo mesmo procurador dos réus em sua representação e pelo autor, aquele declarou dar de arrendamento a este, que declarou aceitar, o rés-do-chão referido em 1., com destino ao exercício da actividade comercial de cafetaria e/ou snack-bar, com exclusão de qualquer outro ramo de actividade, pelo prazo de 10 anos, com inicio em 1 de Janeiro de 2003 e termo em 1 de Janeiro de 2013, sucessivamente renovável por períodos de 1 ano, mediante o pagamento da renda anual de 9.000,00€, em duodécimos de 750,00€, devendo ser pagas duas rendas com a assinatura do contrato e vencendo-se as subsequentes no dia 1 do mês anterior àquele a que respeitarem, actualizadas anualmente nos termos legais.</font><br>
<font>14. Nesse escrito, os contraentes declararam que "o arrendatário não poderá realizar obras sem o consentimento escrito dos senhorios, ficando as que vier a realizar a fazer parte integrante do arrendado, sem que o arrendatário possa reclamar qualquer indemnização ou alegar direito de retenção".</font><br>
<font>15. E declararam que "o arrendatário poderá usar e fruir os bens constantes da declaração anexa a este contrato que depois de assinada dele faz parte integrante" e que "o arrendado bem como os bens constantes da declaração anexa encontram-se em bom estado de conservação, obrigando-se o arrendatário a mantê-los tal como agora se encontram, procedendo às reparações que se revelem necessárias e a restitui-los (arrendado, máquinas e utensílios) findo o contrato em condições de poderem ser utilizados de imediato".</font><br>
<font>16. Declararam ainda que "o arrendatário tem conhecimento de que os móveis existentes no arrendado irão ser objecto de penhora na sequência da execução que os senhorios irão promover contra a anterior arrendatária FF, por apenso à acção de despejo que correu termos sob o n° 00000 no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira" e que "se em virtude de tal acção ou de qualquer outra diligência judicial promovida contra a anterior arrendatária tais bens vierem a ser removidos do estabelecimento, os senhorios obrigam-se, no prazo máximo de 45 dias, a colocar outros bens, máquinas em substituição dos removidos" e que "ao arrendatário em tal hipótese não assistirá o direito a qualquer compensação e obrigar-se-á a pagar a renda que for devida".</font><br>
<font>17. E que "o arrendatário obriga-se a manter em funcionamento o estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor, suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais normativos".</font><br>
<font>18. 0 réu enviou ao autor um escrito datado de 21 de Setembro de 2004, denominado "Anexo ao Contrato de Arrendamento", o qual se encontra assinado pelo seu referido procurador e pelo autor e do qual consta "Devido ao facto de termos apenas respondido favoravelmente ao pedido da BB para alteração do nome do titular do contrato, venho, por este meio, informar que as cláusulas apresentadas no contrato assinado pela mesma e datado de 21 de Janeiro de 2003 permanecem em vigor, ou seja, o valor da renda actual é de 777,75 euros, sendo esta renda actualizada anualmente de acordo com o coeficiente que vier a ser fixado pelo INE, em Fevereiro de cada ano, assim como também considero, para inicio do contrato de arrendamento, o mês de Janeiro de 2003".</font><br>
<font>19. Em 13 de Março de 2002, os réus instauraram acção declarativa, com processo sumário, contra FF, a qual correu termos no 3º Juízo Cível de Vila Franca de Xira sob o n.° 00000, pedindo a resolução do contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma referida em 1. e a condenação da ré no seu despejo e entrega, livre de pessoas e bens, assim como no pagamento das rendas vencidas e vincendas até à efectiva entrega, acrescidas de juros, à taxa legal, com fundamento na celebração com GG, por escritura pública de 13 de Novembro de 1986, de um contrato de arrendamento, para café, relativo àquela fracção autónoma, na transmissão da posição do arrendatário a favor da ré, que vem explorando no referido local um estabelecimento comercial denominado "C.........l" e na falta de pagamento de rendas, acção essa que foi julgada procedente por sentença proferida em 19 de Junho de 2002 e transitada em julgado.</font><br>
<font>20. Em 28 de Janeiro de 2003, os réus instauraram acção executiva dessa sentença, nomeando à penhora os bens referidos em 7. e 1 mesa de matraquilhos, tendo parte deles vindo a ser ai penhorados em 24 de Abril de 2003 e sendo a autora nomeada fiel depositária dos mesmos.</font><br>
<font>21. Em 26 de Janeiro de 2005, os réus requereram a adjudicação dos bens penhorados por 70% do seu valor base e em 20 de Abril de 2007 os autos aguardavam que procedessem à publicação dos anúncios dessa adjudicação.</font><br>
<font>22. A autora entregou aos réus a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) em 12 de Dezembro de 2002, a quantia de €42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros) em 28 de Janeiro de 2003 e a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em 30 de Dezembro de 2003, por conta do pagamento do preço relativo ao referido "Contrato de Trespasse".</font><br>
<font>23. Os autores têm vindo a exercer, no local referido em 1., com portas abertas ao público, a actividade de cafetaria e snack-bar, sendo que, antes deles, tal actividade havia sido exercida por FF, anterior arrendatária do local.</font><br>
<font>24. Os bens referidos em 7. faziam parte integrante do estabelecimento comercial de cafetaria e snack-bar anteriormente explorado, no referido local, por FF.</font><br>
<font>25. Em 8 de Fevereiro de 2003, os autores iniciaram o exercício da referida actividade e a exploração do referido estabelecimento no local arrendado, depois de nele terem realizado obras com essa finalidade, nas quais despenderam a quantia global de 5.046,93€.</font><br>
<font>26. Os autores têm vindo a pagar aos réus a referida renda mensal acordada, que era 2007 ascendia a €813,93 (oitocentos e treze euros e noventa e três cêntimos).</font><br>
<font>27. Em 1 de Outubro de 2003, os serviços da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira levantaram um auto de contra-ordenação contra o réu, por funcionar naquele local, com portas abertas ao público, um estabelecimento de restauração e bebidas, sem a correspondente licença de utilização.</font><br>
<font>28. Os réus formularam junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira dois pedidos com vista à obtenção de licença para a exploração, no local em causa, pelos autores, do estabelecimento comercial acima referido, sendo que o segundo foi formulado em 23 de Janeiro de 2004, depois do indeferimento do primeiro pedido, formulado em 28 de Janeiro de 2003 e indeferido por despacho de 22 de Agosto de 2003, com fundamento na falta de apresentação de projecto corrigido e demais elementos em falta por parte do requerente.</font><br>
<font>29. Na sequência desse segundo pedido, em 18 de Abril de 2006 foi efectuada vistoria ao local em causa, que concluiu no sentido de que não reúne as condições para ser concedida a licença de utilização para serviços de restauração e bebidas, enquanto não forem realizadas obras, as quais ainda não foram iniciadas pelos réus.</font><br>
<font>30. O referido procurador dos réus enviou ao autor uma carta datada de 21 de Junho de 2006, da qual consta: "O estabelecimento que V. Exa. vem explorando na fracção autónoma de que somos proprietários foi objecto de uma vistoria levada a cabo pelas entidades competentes. Dado que o «Alvará» do estabelecimento continua em nome de CC, fomos informados do dia em que os técnicos ai se deslocavam. Apesar das condições em que vem funcionando o estabelecimento serem da vossa exclusiva responsabilidade, a verdade é que, apesar de devidamente alertados para a necessidade de não terem mais de 27 lugares sentados, V Exas. ignoraram o aviso, não retirando algumas cadeiras, pelo que a inspecção impôs a realização de obras. Assim, tendo em conta a capacidade do estabelecimento, é necessário dispor de mais uma instalação sanitária, como melhor consta da cópia da carta que nos foi remetida. Acresce ainda que V. Exas. realizaram obras (benfeitorias) diversas, mas a vistoria exige ainda as seguintes alterações (...). Queremos alertá-lo para a necessidade de dar cumprimento ao auto de vistoria, no prazo constante do auto de notificação, bem como para o risco de lhe ser levantado um processo contra-ordenacional e aplicada coima. Declinamos, naturalmente, qualquer responsabilidade, não só pelo incumprimento do auto de vistoria, como também pela aplicação de qualquer coima. Vamos dar conhecimento à Câmara Municipal dos factos que acabamos de lhe expor".</font><br>
<font>31. Aquando da assinatura do escrito referido em 2., os réus afirmaram, perante os autores, que o local arrendado se encontrava licenciado para o exercício da actividade de cafetaria e/ou snack-bar e dispunha do correspondente alvará, bem como que seria apenas necessário alterar, junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, o nome do anterior titular da respectiva licença e do alvará para o nome dos réus.</font><br>
<font>32. Aquando do referido em 2. a 8., os réus disseram aos autores que o estabelecimento comercial de café e snack-bar instalado no local arrendado, tinha sido explorado por FF e que só podiam formalizar com eles o acordo de trespasse uma vez findas as acções de despejo e executiva instauradas contra a mesma, razão pela qual foram emitidas as declarações referidas em 9. e 10. .</font><br>
<font>33. Nessa altura, os réus não haviam adquirido esse estabelecimento comercial de que era proprietária a referida anterior arrendatária, o que era do conhecimento dos autores.</font><br>
<font>A Resolução do Contrato de Arrendamento</font><br>
<font>Deram as instâncias por verificado o fundamento da rescisão do contrato de arrendamento - falta de licença de utilização do estabelecimento dele objecto - que imputaram aos RR.</font><br>
<font>É no artº 9º do RAU que se tipifica esta causa de resolução, exigindo-se no seu nº1 que só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou as suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestado pela licença de utilização e, prescrevendo-se nos seus nº5 e 6 que o arrendatário pode, nomeadamente, resolver o contrato quando a falta dessa licença seja imputável ao senhorio.</font><br>
<font>Num primeiro momento, atenta a circunstância de o estabelecimento em apreço se destinar ao “exercício da actividade comercial de cafetaria e/ou snack bar”, discutiu-se se a licença de que depende a validade do contrato é a especificamente prevista para aquele ramo de actividade ou se, para tanto, bastará a licença que afecta ao comércio a fracção onde tal estabelecimento está instalado.</font><br>
<font>Segundo as instâncias impor-se-ia a primeira alternativa, ou seja, o sistema de licenciamento de serviços de restauração ou de bebidas, objecto do DL 168/97 de 4.7 (sucessivamente, alterado, até então, pelos DL 139/99, de 24.4, 222/2000, de 9.9 e 57/2002, de 11.3) cujo artº14º, além de, nomeadamente, para efeito de funcionamento dos estabelecimentos deste ramo, admitir a substituição do alvará de licença ou autorização de utilização previsto no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (DL 555/99 de 16.129 e alterações posteriores), pelo alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas, instituído por aquele diploma, manda aplicar aos contratos de arrendamento de tais estabelecimentos, “com as necessárias adaptações”, o disposto no referenciado artº9º do RAU.</font><br>
<font>Cumpre começar por dizer que presuntivo argumento retirado da aludida substituição de alvarás, aqui, não é susceptível de reciclagem pois não é abusivo concluir, face à data de sua aquisição (cfr nº1 da matéria de facto) que a licença de utilização da fracção onde está instalado o estabelecimento em disputa, seguramente que não esperou pelo citado RJUE.</font><br>
<font>Acresce por outro lado que, ao mandar aplicar “com as necessárias adaptações” o referido artº 9º do RAU, aquele artº 14º restringe-o aos contratos de arrendamento relativos a imóveis ou fracções “</font><i><font>onde se pretenda instalar estabelecimentos de restauração ou de bebidas…”</font></i><font> e não a estabelecimentos instalados e já existentes, como no caso desenhado nos autos – em funcionamento pelo menos, desde 1986 - aos quais se aplicará o regime derivado das disposições finais e transitórias do citado DL 168/99.</font><br>
<font>Não é este, portanto, o caso típico do licenciamento </font><i><font>ex novo</font></i><font> que foi objecto deste diploma e, consequentemente, não se pode pretender que, aqui, seja viável a aplicação do referido artº14º ou que a leitura que se deva fazer do mencionado artº9º do RAU, obrigatoriamente, identifique a licença de utilização nele referenciada com a licença de utilização para serviços de restauração e bebidas nos moldes daquele diploma.</font><br>
<font>Razões de ordenamento urbanístico e territorial fundamentaram o condicionamento a que esta última disposição do RAU sujeitou o contrato de arrendamento, vinculando os respectivos sujeitos à afectação urbanística determinada nos instrumentos de gestão territorial.</font><br>
<font>Na verdade, obrigatória a licença (municipal) de utilização das edificações, desde 1951 (artº8º do conhecido RGEU, constante do DL 38382 de 7.08.1951), destina-se ela, segundo o disposto no artº62º, 1 e 2 do acima referido RJUE – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação que, actualmente, rege essa matéria – a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado no caso de realização de obras e a conformidade de uso previsto com as normas legais e regulamentares e a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido quando não haja lugar à realização de obras.</font><br>
<font> É licença desta natureza e alcance que “o artº9º do RAU… estendeu a todas as variantes do arrendamento urbano, esclareceu que a aptidão funcional do prédio atestada se há-de referir especificadamente ao fim visado pelo arrendamento do prédio ou da fracção autónoma ou da parte – não autónoma – dele…” (P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, II, 507, 4ª ed).</font><br>
<font> Com este âmbito e o fim visado pelo arrendamento definido no RAU – cfr artº3 – afigura-se-nos, tal como foi entendido no Acórdão deste Tribunal e secção, datado de 19.02.2008, Pº nº000000, transcrito na base de dados da dgsi.pt que aquele dispositivo se cumpre com “a licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica” por referência a um daqueles fins do contrato.</font><br>
<font>Licenciamento que, no caso vertente, legitimamente, se há-de presumir da constituição de propriedade horizontal a que se subordina a fracção “para comércio”, adquirida pelos RR, com registo a seu favor, desde 1984 onde tem tido funcionamento o estabelecimento comercial em apreço, sob o mesmo ramo de actividade, de natureza comercial, com exploração a cargo de, pelo menos, mais dois arrendatários que precederam os AA., como se deduz da factualidade apurada.</font><br>
<font>Sendo bastante tal licença nos termos do supra citado artº9º do RAU fica, desde logo, inviabilizada a causa de resolução contratual em análise, mas outro tanto se alcançará, mesmo dando de barato que, como concluíram as instâncias, a licença em falta é a que é, especificamente, devida para o funcionamento de serviços de restauração ou bebidas.</font><br>
<font>Não se explica no acórdão recorrido donde provém a obrigação de os RR diligenciarem por licença desta espécie, se bem que a prova inculque que foram eles que a requereram à entidade municipal. Não o fizeram, todavia, por imposição da convenção contratual ou da lei que a regula pois “o sinalagma que à obrigação (do arrendatário) do pagamento das rendas corresponde é o da prestação (do senhorio) de entregar e assegurar o gozo do locado e não o de obtenção da licença”, como se acentuou no Acórdão deste Tribunal de 31.03.2004, Pº04 A639.</font><br>
<font>E se o fizeram apenas por espírito de entreajuda e colaboração na realização do contrato não será justo que venham a ser penalizados pela sua boa fé.</font><br>
<font>Intentou-se na 1ª instância estribar essa pretensa obrigação dos RR na sua qualidade de proprietários da fracção arrendada pois apenas eles “tinham legitimidade para requerer essa licença…, de acordo com o projecto de obras que era necessário à celebração do contrato…”</font><br>
<font>O que no contrato de arrendamento se convencionou, porém, foi que “o arrendatário (se) obriga a manter em funcionamento o estabelecimento com a observância das leis e regulamentos em vigor, suportando a expensas suas todas as sanções pela violação de tais normativos", resultando do enunciado dos factos apurados e do parecer da autoridade sanitária referenciado nos autos que, na sequência do segundo pedido da licença “ em 18 de Abril de 2006 foi efectuada vistoria ao local em causa, que concluiu no sentido de que não reúne as condições para ser concedida a licença de utilização para serviços de restauração e bebidas, enquanto não forem realizadas obras…”, necessárias - pelo que se retira dos autos -, devido ao aumento da área de exploração do restaurante.</font><br>
<font>Ora, assim como não é do senso comum que, sem convenção de sentido contrário, seja o proprietário da fracção locada a requerer licença específica que viabilize o funcionamento de estabelecimento comercial alheio e que, obtida, integra o seu “activo”, do mesmo modo não se alcança a razoabilidade de se lhe impor a realização de obras de que aquela possa depender e que contendam, v.g. com o cumprimento de exigências sanitárias derivadas da maior ou menor área (como sucedeu no vertente caso) ou com a instalação de equipamento, a decoração, etc. – cfr Acórdão deste Tribunal e secção, de 13.12.2007, Pº nº07 A2766.</font><br>
<font>Licenças – escreveu-se no citado Acórdão deste Tribunal de 19.02.2008 que seguimos de perto -, “para o exercício de certo ramo (que podem implicar a realização de obras internas, instalações de água e electricidade próprias e definições de áreas de compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a actividade específica”.</font><br>
<font>Assim sendo, não podendo a sua falta ser imputada aos RR., não se verifica, novamente, fundamento para resolver o contrato de arrendamento em exame.</font><br>
<br>
<font>A Nulidade do Contrato de Trespasse</font><br>
<font>De acordo com o n° 2 do artigo 14° do | [0 0 0 ... 0 0 0] |
RjKGu4YBgYBz1XKvzxZy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font>
<p><font>Revista 528/09.7TCFUN.L2.S1</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, BB, CC, DD e EE intentaram esta acção contra 1) FF e GG e 2) HH e II, pedindo a condenação solidária dos RR a pagar-lhe as quantias de € 55.714,66 e de € 20.000, para reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, que alegam ter sofrido em consequência da actuação (deposição de terras previamente escavadas) dos RR que descrevem. </font>
</p><p><font>Os 1ºs RR contestaram, sustentando que os danos invocados pelos AA apenas se verificaram por causa de uma extraordinária intempérie então havida. </font>
</p><p><font>Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo os RR dos pedidos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Relação de …, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelos AA, condenou os RR a pagar solidariamente aos AA a quantia, a apurar em liquidação subsequente, correspondente a 1/4 dos danos patrimoniais comprovadamente sofridos pelos AA e a quantia de € 2.500, igualmente correspondente a 1/4 dos danos não patrimoniais tidos por sofridos pelos AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os AA interpuseram recurso de revista desse acórdão, cujo objecto delimitaram com conclusões que colocam a questão de saber se não deve optar-se por qualquer redução indemnizatória porque, sem a deposição ilícita de terras pelos RR, que iniciou o processo causal dos danos sofridos pelos AA, estes não se teriam verificado e, a existir outra sua concausa, a mesma não seria imputável aos AA, sendo os RR, por isso, os exclusivos responsáveis pela reparação dos danos. </font>
</p><p><font>Também os RR interpuseram recurso de revista do acórdão, cujo objecto delimitaram com conclusões que colocam a questão de saber se não resulta da factualidade provada e da experiência comum que a actuação dos RR (depósito de terras) concorreu para a produção ou agravamento dos danos, tendo sido as chuvadas e o entupimento das levadas os factores que, com maior certeza, causaram a sua produção. </font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>A Relação considerou a seguinte factualidade provada:</font>
</p><p><font>1. A propriedade do prédio misto localizado ao Sítio da ..., freguesia de ..., concelho do ..., com entrada pelo caminho da …, n.° 00, freguesia de ..., ..., inscrito na matriz predial respectiva, a parte rústica, sob o artigo 1/20 da Secção "L" e a parte urbana sob o artigo 65°, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número 0000/00000617, freguesia de ..., encontra-se inscrita a [a favor dos AA].</font>
</p><p><font>2. A propriedade da fracção autónoma individualizada pela letra "B", com a área coberta de 228 m2 e descoberta de 502 m2, do prédio urbano localizado ao Caminho da …, freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3554° e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.° 0000/00000120-B, freguesia de ... encontra-se inscrita a favor dos réus FF e mulher GG pela inscrição Ap. 15 de 22-05-2002 (alínea B)).</font>
</p><p><font>3. A propriedade do prédio urbano com a área de 535 m2, dos quais 107,5 m2 são de superfície coberta, localizado ao Sítio da ..., Lote 2 e 3, freguesia de ..., concelho do ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 3941° e descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.° 0000/00000811, freguesia de ..., encontra-se inscrita a favor de JJ, casado com HH pelas inscrições Ap. 10 de 7-05-1987 e Ap. 26 de 29-07¬2007 (alínea C)).</font>
</p><p><font>4. O prédio referido em 1. confina a … com o prédio referido em 3. e os prédios referidos em 2. e 3. confinam entre si, situando-se o primeiro a … do segundo (alínea D)).</font>
</p><p><font>5. A casa de habitação dos AA. situa-se a cerca de 00 metros da confrontação dos prédios referidos em 2. e 3. (alínea E)).</font>
</p><p><font>6. JJ e a mulher anuíram e autorizaram que o réu FF despejasse terras no logradouro do prédio referido em 3. (alínea F)).</font>
</p><p><font>7. Na noite de 27 para 28 de Junho de 2009 ocorreu um temporal, chovendo abundantemente (alínea G)).</font>
</p><p><font>8. As terras e lamas atingiram toda a extensão da casa, numa altura variável até 20 cm de altura (alínea H)).</font>
</p><p><font>9. A casa é composta por três quartos de dormir, duas salas, casa de banho e arrecadação, onde habitavam, e habitam, sete pessoas (alínea I )) .</font>
</p><p><font>10. Por volta dos anos de 2007 e 2008 os réus FF e JJ procederam à construção, na parte sudoeste do prédio referido em 2., de uma piscina, de onde movimentaram cerca de 19 m3 de terra (ponto 1. conforme redacção conferida pela Relação de …).</font>
</p><p><font>10-A. No logradouro do prédio referido em C, foram despejadas terras amontoadas, e de forma solta, isto é, sem espalhamento e sem compactação (facto aditado pela Relação de …).</font>
</p><p><font>10-B. As terras foram despejadas à frente de um muro existente no logradouro do prédio referido em 3. (como se visualiza na fotografia de fls. 500 p.p.), numa zona que se situa na direcção do pombal e loja arrastados pela enxurrada, tendo esse muro funcionado como obstáculo às aguas que provinham da estrada (que se visualiza a fls. 272 p.p.), desviando-as para o interior do prédio (facto aditado em cumprimento do determinado pela Relação de …).</font>
</p><p><font>11. A habitação dos autores localiza-se a uma cota inferior em cerca de 35% relativamente ao prédio referido em 3. (ponto 4.).</font>
</p><p><font>12. Na noite de 27 para 28 de Junho de 2009 choveu de modo intenso (ponto 5.).</font>
</p><p><font>13. Com as chuvadas, cerca das 5 horas da madrugada do dia 28 de Junho de 2009 (Domingo), ocorreu um deslizamento em forma de enxurrada, arrastando terras, pedras, lamas, arbustos, onde se incluíam pelo menos cerca de 5,5 m3 dos 19 m3 de terra referidos em 10., e também uma loja em madeira pertencente aos autores, que se encontrava junto à casa à cota do telhado (ponto 6., clarificado conforme ordenado pelo Tribunal da Relação de …).</font>
</p><p><font>14. Que se precipitou sobre a casa de habitação dos AA., rompeu parte do telhado e tecto, introduzindo-se no seu interior grande quantidade de água, terra, lama e pedras (ponto 7.).</font>
</p><p><font>15. Em consequência do sucedido a generalidade dos bens existentes na casa dos autores, com valor não apurado, ficaram danificados, designadamente, televisão, máquinas fotográficas, relógios, colchões de cama, aparelhos electrónicos, mesas, cadeiras, sofás, roupas, roupas de cama, um desumidificador, o soalho dos diversos quartos, composto por tacos, o sistema eléctrico da casa ficou avariado, a ferramenta existente na loja referida em 13. ficou inutilizada, incluindo, máquina de soldar, alicates, atarraxador, chaves inglesas, pregos, martelos, plainas, máquina de corte, chapas de zinco, barrotes, latas de tinta, brocas, bochas, cola, pregos, enxadas e pás, etc., tendo sido necessário proceder à aquisição de materiais para a limpeza da casa, sua pintura e recuperação do soalho, portas e vestuários, colares, sapatilhas, mesa de sala, bibelots (pontos 8. e 15. conforme redacção conferida pelo Tribunal da Relação de …).</font>
</p><p><font>16. Existia um pombal que também foi arrastado pela enxurrada tendo morrido vários pombos em quantidade não apurada (ponto 10.).</font>
</p><p><font>17. Os autores sofreram um susto quando, de noite, viram a sua casa ser abatida pela enxurrada, receando pela sua vida (ponto 12.).</font>
</p><p><font>18. A família dos autores teve de viver durante cerca de duas semanas em casa de familiares e amigos (ponto 13.).</font>
</p><p><font>19. Os autores sofreram por ver a sua casa danificada, revelando tristeza e angústia (pontos 14. e 16.). </font>
</p><p><font>20. Para o deslizamento de terras referido em 13. terão contribuído as chuvadas do dia 27 para 28 de Junho de 2009 e o entupimento das levadas nas redondezas dos prédios (pontos 19., 23. e 25.).</font>
</p><p><font>21. O escoamento da água das chuvas foi efectuado para o prédio mais próximo que no caso foram as terras dos prédios referidos em 3. e 1. (ponto 24.).</font>
</p><p><font>E como não provados, entre outros, os seguintes factos:</font>
</p><p><font>- para a execução da piscina os réus movimentaram mais de 250 m3 de terra;</font>
</p><p><font>- o logradouro do prédio referido em C) encontrava-se e encontra-se em estado de abandono, com ervas e arbustos, junto à confrontação com o prédio referido em A), que aí ficam as terras despejadas amontoadas e de forma solta;</font>
</p><p><font>- no mesmo local, os réus FF e mulher efectuaram despejo de águas residuais que vieram da piscina e das áreas descobertas do seu prédio;</font>
</p><p><font>- os autores, aquando do depósito das terras e posteriormente, alertaram os réus para o perigo delas permanecerem naquele local, daquela forma, dado que em caso de escorrimento oferecia perigo para a sua habitação;</font>
</p><p><font>- durante o mês de Junho de 2009 choveu de modo intenso, encharcando as terras;</font>
</p><p><font>- os danos e prejuízos provocados pela enxurrada são os seguintes: (…)</font>
</p><p><font>- foram transportados do local 30 camiões de terras, zinco e madeiras; - morreram 29 pombas "correio", no valor de C 261,00;</font>
</p><p><font>- é necessário fazer a escavação e normalização do terreno invadido pela enxurrada e transporte de terras sobrantes o que importará no valor de E 11 405,00;</font>
</p><p><font>- dormem em permanente sobressalto, com medo de nova enxurrada que possa acontecer;</font>
</p><p><font>- nas imediações da casa de habitação dos réus existem ralos de água com o propósito de escoar as águas pluviais e residuais, encontrando-se o escoamento direccionado para o saneamento da sua habitação;</font>
</p><p><font>- as terras foram retiradas do prédio referido em B) e depositadas no prédio referido em C) já há mais de três anos antes dos factos ocorridos de 27 para 28 de Junho e encontravam-se já sedimentadas ao solo;</font>
</p><p><font>- quando procederam ao depósito das terras, os réus reforçaram o muro de sustentação das terras de forma a evitar qualquer movimentação destas;</font>
</p><p><font>- no ano de 2008 ocorreram grandes intempéries sem se verificar qualquer deslizamento de terras;</font>
</p><p><font>- as levadas encontravam-se cheias de lixos.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Importa apreciar e decidir as acima enunciadas questões, que demandam que se averigue do nexo de causalidade entre os danos sofridos (no prédio e nas pessoas dos AA) e a actuação dos RR, enquanto proprietários de prédios vizinhos, bem como da consequente responsabilização destes pela reparação de tais danos.</font>
</p><p><font>O litígio, assim configurado, remete-nos, pois, para o tema das relações entre proprietários de prédios vizinhos (</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>É certo que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, como emerge do art. 1305º do CC, mas, como também se salientou no Ac. desta Secção de 28-10-2008 (</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>), o direito de propriedade, não obstante o seu «âmbito pleníssimo», «está sujeito a limitações de interesse público resultantes de uma função social, tal como a limitações de interesse privado», não podendo, designadamente, «ser exercido de forma abusiva, violando o direito de propriedade dos donos do prédio confinante».</font>
</p><p><font>É certo que entre os poderes dos proprietários de imóveis se incluem os de escavação, desaterro e subsequente deposição de terras removidas – como sucedeu com os trabalhos relacionados com a obra levada a cabo no caso em apreço (construção de uma piscina) –, mas o exercício desses poderes está condicionado, tanto pelas pertinentes regras urbanísticas ou de protecção do ambiente, como, primordialmente, pela necessidade de preservar o equilíbrio imobiliário existente, com a consideração das suas concretas circunstâncias. </font>
</p><p><font>Como se sabe, nos termos do art. 483º nº 1 do CC, só são reparáveis, em sede de responsabilidade civil, os danos resultantes da violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. E daí que, não sendo demonstrada a titularidade de qualquer situação absolutamente protegida (1ª parte do preceito), nem a violação de norma destinada a proteger os interesses do lesado (2ª parte da mesma norma), em princípio, resta só o recurso ao instituto do abuso do direito.</font>
</p><p><font>Particularmente quanto ao referido condicionamento advindo de regras urbanísticas ou ambientais, convém lembrar que estas, em geral, cuidam, em primeira linha, de interesses de ordem pública e apenas reflexamente tutelam interesses particulares. Estamos, pois, perante regras que, tutelando interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger interesses particulares, abarcando-os, sem que, necessariamente, atribuam um direito subjectivo ao titular do interesse lesado. </font>
</p><p><font>Todavia, só em face da interpretação de cada dessas normas se poderá concluir se a condição por ela regulamentada, tutelando primacialmente interesses públicos, também protege interesses particulares ou se, pelo contrário, apenas mediata ou reflexamente, beneficia interesses particulares. É o que esclarecem P. de LIMA e A. VARELA (</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>): «(…) para determinar se a violação de certa norma origina a obrigação de indemnizar, “o decisivo não é o efeito, mas sim o conteúdo e o fim da disposição”. Não basta que esta seja proveitosa também para o indivíduo lesado com a violação: é necessário que vise proteger interesses particulares.». Mas, como advertem os mesmos Mestres, «já não são abrangidas pelo art. 483° as normas que visam apenas proteger certos interesses gerais ou colectivos, embora da sua aplicação possam beneficiar, mediata ou reflexamente, determinados interesses particulares. Trata-se de normas que, “directamente, apenas protegem a colectividade como tal, especialmente o Estado, e que só beneficiam o indivíduo na medida em que cada um está interessado no bem da colectividade” (Enneccerus-Lehmann, Derecho de Obliganiones, § 235, I, 2, b)».</font>
</p><p><font>Ora, analisadas as normas referidas na invocação feita pelos AA e secundada pelo acórdão recorrido, constata-se que as mesmas também visam proteger interesses particulares e não apenas beneficiá-los enquanto interessados no bem da colectividade. Na verdade, enquanto o artigo 31º do citado Regulamento de Resíduos Sólidos e de Comportamentos Poluentes do ... (publicado no DR, II, de 19-03-2004) proíbe, além do mais, o despejo de terras e similares em qualquer terreno privado sem prévio licenciamento Municipal, consentimento do proprietário e sem prejuízo de terceiros, o artigo 74º do RGEU preceitua que o pejamento de logradouros das edificações com materiais ou volumes de qualquer natureza só pode efectuar-se com expressa autorização das câmaras municipais quando se verifique não advir daí prejuízo, nomeadamente, para a segurança de todas as edificações directa ou indirectamente afectadas. </font>
</p><p><font>E, mesmo que não citada na decisão recorrida, afigura-se-nos pertinente a evocação da obrigação imposta pelo art. 128º do mesmo RGEU aos donos de prédios urbanos de os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos. </font>
</p><p><font> Por conseguinte, nestes casos, o condicionamento advindo de tais regras urbanísticas ou ambientais, porque também destinadas a proteger interesses alheios, tutelam o direito subjectivo do dono do prédio vizinho. </font>
</p><p><font>E o mesmo se diga da responsabilidade de quem tiver em seu poder coisa imóvel pelos danos que esta causar, imposta pelo art. 493º nº 1 do CC.</font>
</p><p><font>O que, tudo, permite concluir que qualquer violação, tanto deste dever de conservação como daquelas regras, de acordo com o princípio geral do art. 483º e, ainda, nos termos do art. 486º do CC, pode fundar a obrigação de reparar os danos por ela causados.</font>
</p><p><font>Por outro lado, cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios, sobretudo se nele existirem construções confinantes, implica limitações ao exercício do direito de propriedade, que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC, como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346º a 1348º ou 1350º, ou as que estabelecem regras directamente atinentes à responsabilidade civil, como as dos arts. 492º e 493º, normas que abarcam as situações de ruína, de vício de construção ou de incumprimento do dever legal de conservação de imóvel.</font>
</p><p><font>Expendeu o Ac. deste Tribunal de 29-03-2012 (</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>), citando MENEZES CORDEIRO (</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>): «a apreciação da concreta situação» ou «a “normatividade dos factos”, cuja “ponderação dogmática pela necessidade reconhecida de redução dos problemas, passa pelo sistema”, cria a convicção de que os danos que ocorrerem na moradia dos AA. são de imputar à actuação ou omissão da R., reclamando do sistema uma solução que sustente a sua responsabilização». E acrescentou: «A integração jurídica de situações que, como a dos autos, se mostram merecedoras de protecção semelhante à que aflora em determinados preceitos que regulam o exercício do direito de propriedade sobre imóveis tem conduzido ao seu aprofundamento teórico».</font>
</p><p><font>Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO (</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>), «A lei parte de uma noção de equilíbrio imobiliário». «(…) Mas a lei não desconhece que em cada tempo há um equilíbrio imobiliário reinante que toma como base da disciplina que estabelece. Procura antes de mais evitar rupturas desse equilíbrio. A preocupação crescente com a ecologia veio reforçar grandemente esta fundamentação. Cada titular não está vinculado a impedir que elementos naturais alterem a situação imobiliária estabelecida, nem a corrigir a acção destes. Mas já não pode influir com a sua conduta na quebra desse equilíbrio.». Depois de referenciar o aluvião e a avulsão, regulados nos arts. 1328º e 1329º, respectivamente, do CC, para afirmar que, nessas situações, o proprietário superior não incorre em deveres e não pode ser responsabilizado por essa vicissitudes naturais, rematou a extrair o princípio: «cada vizinho pode agir livremente in suo, no respeito das normas específicas vigentes. Mas não o pode fazer à custa da condição natural preexistente do prédio vizinho. Se o fizer, terá de reconstituir a situação primitiva, independentemente de qualquer consideração de responsabilidade civil.».</font>
</p><p><font>Em diversas decisões deste Tribunal tem sido feita a ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, a partir da violação do dever geral de prevenção do perigo, ou de um dever geral de diligência (</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>), das quais se invoca, em particular, a proferida no Ac. de 2-06-2009 (</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>), sustentando que a «relevância jurídica da omissão está ligada ao “dever genérico de prevenção de perigo”»:</font>
</p><p><font>«A este propósito, José Carlos Brandão Proença, in “Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina” – 2007, págs. 180 /181 escreve:“A defesa de um “dever genérico de prevenção do perigo” ou, como lhe chama Sinde Monteiro, “dever de segurança no tráfico” ou simplesmente “deveres do tráfico” (Verkehrspflichten) significa, nas palavras de Antunes Varela (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114. °, pp. 77-79) que “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão (…).</font>
</p><p><font>Como projecções legais desse dever (não consagrado especialmente na lei, mas enquadrável, de qualquer modo, nos artigos 483° e 486º)” o mesmo jurista cita as normas aos artigos 492.°, 493.°, 502.°, 1347.°-1350.° e 1352.° do Código Civil.</font>
</p><p><font>[…] O conteúdo destes deveres depende da gravidade dos efeitos danosos, da probabilidade do acidente, das medidas preventivas possíveis (ou exigíveis) e da possibilidade de auto-protecção do lesado já que os avisos de perigo terão que ser mais intensos para as crianças do que para os adultos, mas mesmo estes, intrusos ou não, tem que ser “avisados” dos perigos especiais — à partida não há responsabilidade do criador do perigo se o dano resultar da exposição voluntária do lesado ao perigo, tendo aquele adoptado medidas suficientes para evitar a intromissão abusiva”.».</font>
</p><p><font>Parece-nos que o direito geral de vizinhança, tal como vem sendo defendido, oferece argumentos bastantes para fundar um direito à protecção do proprietário, através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um «dever geral de prevenção do perigo» (</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>). </font>
</p><p><font>E se o dono do prédio tem o dever «dever geral de prevenção do perigo», para que seja preservado o equilíbrio imobiliário, quando a ruptura deste equilíbrio seja causada por uma sua conduta – activa ou omissiva –, com violação de tal dever de prevenção e com repercussão relevante nesse resultado, ainda que com ela concorra um fenómeno natural – desde que previsível, «de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas» (</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>) –, não se pode ter como estranha aos princípios gerais que imperam no nosso ordenamento jurídico a reputação dessa actuação como ilícita e a aplicação das regras gerais da responsabilidade civil, em relação aos danos dela advindos para o dono de um dos prédios vizinhos, nomeadamente inferior. «Traduzindo uma faceta de desenvolvimento do direito que melhor corresponde às necessidades da vida corrente, essa via segue a linha já anunciada por ANTUNES VARELA, para quem as normas dos arts. 492º, 493º, 1347º e 1348º do CC representam “afloramentos especiais de um princípio geral de recorte mais amplo” em que se funda, além do mais, “o dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado pelo proprietário”» (</font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Introduzida a questão, revisitemos o que, em suma, se apurou:</font>
</p><p><font>Em 2007/2008 o R FF e JJ procederam à construção, no prédio do primeiro, de uma piscina, de onde movimentaram cerca de 19 m3 de terra que, depois, com a autorização de JJ e a mulher, foram despejadas e amontoadas no prédio destes, de forma solta, sem espalhamento e sem compactação. As terras foram despejadas à frente de um muro existente no logradouro do prédio de JJ e a mulher, numa zona situada na direcção de um pombal e uma loja então existentes no prédio dos AA.</font>
</p><p><font>Na noite de 27 para 28 de Junho de 2009 choveu de modo intenso, abundantemente, tendo o referido muro funcionado como obstáculo às águas que provinham da estrada, desviando-as para o interior do prédio.</font>
</p><p><font>Com as chuvadas, ocorreu um deslizamento em forma de enxurrada, arrastando terras, pedras, lamas, arbustos, onde se incluíam pelo menos cerca de 5,5 m3 dos 19 m3 de terra referidos e também os aludidos pombal e loja em madeira pertencentes aos AA. A loja encontrava-se junto e à cota do telhado da habitação dos AA, a qual, por sua vez, se localiza a uma cota inferior em cerca de 35% relativamente ao prédio ora das 2ªs RR.</font>
</p><p><font>Essa enxurrada precipitou-se sobre a casa de habitação dos AA, rompeu parte do telhado e tecto, introduzindo-se no seu interior grande quantidade de água, terra, lama e pedras, tendo atingido toda a extensão da casa, numa altura variável até 20 cm de altura. Em consequência do sucedido a generalidade dos bens existentes na casa dos autores ficaram danificados.</font>
</p><p><font>Para tal deslizamento de terras “terão” (sic) contribuído as referidas chuvadas e o entupimento das levadas nas redondezas dos prédios, tendo-se escoado a água das chuvas para as terras dos prédios das 2ªs RR e dos AA.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sobre o nexo de causalidade discutido nos recursos, a Relação, perante tal factualidade, considerou, essencialmente, que «a acção dos RR, muito embora não passível, por si só, de desencadear os resultados, confluiu num contexto multifactorial para o agravamento desses mesmos resultados», «ampliou em determinada medida os danos dos AA. e, por conseguinte, não pode concluir-se senão pela verificação do nexo de causalidade que gera responsabilidade daqueles (art.° 563.° C.C.)». Afirmando a impossibilidade de um juízo de precisão rigorosa quanto à medida da contribuição da intervenção (ilícita) dos RR para o agravamento do resultado, entendeu «ser razoável concluir que o despejo das terras contribuiu em cerca de 1/4 para o agravamento dos danos sofridos pelos AA».</font>
</p><p><font>No recurso interposto, os AA registam que foi a deposição ilícita de terras que iniciou o processo causal e que quer as chuvadas quer o deslizamento de terras não são uma inevitabilidade ou uma imprevisibilidade, impendendo sobre os RR «deveres de controlo destinados a impedir ou, ao menos, a reduzirem a probabilidade de factores externos, fortuitos ou não, intervierem como causa ou concausa de eventos danosos».</font>
</p><p><font>Por sua vez, os RR/recorrentes sustentam que o acórdão recorrido, ao considerar «que o depósito de terras pelos RR terá agravado a enxurrada que vitimou os AA», fê-lo «à revelia da factualidade assente nos autos», da qual resulta que «terão sido» os factores chuvadas e entupimento das levadas «que com maior certeza causaram a produção de danos» (ponto 20), pelo que, falta o nexo de causalidade, «de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas», entre a actuação dos RR e o deslizamento de terra. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Vejamos.</font>
</p><p><font>«A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão» (art. 563º do C).</font>
</p><p><font>É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano. </font>
</p><p><font>É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias (</font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>O STJ, sendo, organicamente, um Tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, fora dos casos previstos na lei (arts. 46º da LOSJ e 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC). Como consequência, o nexo naturalístico, tal como vem estabelecido pelas instâncias, não é sindicável por este Tribunal, em cuja competência apenas está integrada a matéria referente ao nexo de adequação, por respeitar à interpretação e aplicação do citado art. 563º.</font>
</p><p><font>Segundo a referida doutrina, essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados.</font>
</p><p><font>A causa (adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano. </font>
</p><p><font>E, como considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (</font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».</font>
</p><p><font>Por outro lado, não é pressuposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.</font>
</p><p><font>Todavia, como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009, «Quando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. COELHO “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)»..</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com tais parâmetros, cumpre retirar a pertinente conclusão sobre a questão da causalidade, por referência ao referido juízo de prognose.</font>
</p><p><font>Segundo pensamos, a razão está do lado dos AA, pois extrai-se, patentemente, daquela factualidade que os danos pelos mesmos sofridos resultaram da não adopção pelos RR das cautelas impostas, objectivamente, pela relação de vizinhança entre os prédios de uns e outros: o despejo de 19 m3 de terras amontoadas, soltas, sem espalhamento e sem compactação, junto ao prédio dos AA e num local em que o terreno tem um significativo declive (a habitação destes situa-se a uma cota inferior em cerca de 35% do prédio das 2ªs RR), cuja habitação veio a ser afectada pelo deslizamento de, pelo menos, 5,5 m3 de tais terras e pelo consequente arrastamento de um pombal e uma loja então existentes no prédio dos AA.</font>
</p><p><font>Na sequência desse despejo, os RR quedaram-se na mais completa omissão, inertes, tal como as terras que haviam depositado, mantendo-as no estado em que o haviam feito (soltas e sem compactação), durante mais de um ano, simplesmente à espera que, num dia de chuva mais abundante, essas terras, ou parte delas, deslizassem para o prédio vizinho, tal como, efectivamente, veio a acontecer. A directa afectação da moradia dos AA, assim como os daí decorrentes danos não patrimoniais que os mesmos sofreram foram o resultado expectável da objectiva violação pelos RR de dever geral, inerente às aludidas regras de vizinhança, de prevenção do perigo, que, para mais, eles próprios tinham activamente gerado. Qualquer cidadão medianamente diligente, perante a falta do cuidado necessário para a prevenção desse perigo, manifestada pelos RR, atendendo às concretas circunstâncias, em especial, ao acentuado declive do terreno, poderia prever a possibilidade de esses danos ocorrerem, mais tarde ou mais cedo, num período de maior concentração pluvial.</font>
</p><p><font>É certo que, em termos de normalidade, “terá” sido a acumulação de água provinda da chuva que, imediatamente, desencadeou o deslizamento da referida substância (5,5 m3 de terras), que, arrastando tudo na sua passagem, entrou com os demais detritos, na moradia dos AA. </font>
</p><p><font>Para essa reacção (precipitação) das terras depositadas pelos RR sobre o prédio dos AA contribuiu, por certo, a chuva abundante reflectida nos factos apurados. Mas, a c | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UzKZu4YBgYBz1XKvsyFU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. 1. - AA deduziu oposição à execução que, contra si e outro, move o “Banco BB, S.A.” para deles obter o pagamento da quantia de 135.948,46 €.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que subjacente à livrança dada à execução se encontra um contrato de abertura de crédito, cujo clausulado foi previamente elaborado pela Exequente e o Oponente se limitou a aceitar, sem que nenhum funcionário da Exquente lhe tenha dado qualquer explicação ou esclarecimento sobre as cláusulas que regiam o contrato que lhe enviaram para assinar. Assim, “as cláusulas eventualmente contratualizadas que prevejam as taxas de juro aplicáveis e o preenchimento da livrança …devem tais (eventuais) cláusulas serem consideradas como excluídas do contrato formalizado”, por violação dos deveres de comunicação e de informação, pois que o preenchimento da livrança teve por base cláusulas gerais inseridas nesse contrato. Invoca, com tal fundamento, preenchimento abusivo da livrança, a sua invalidade, por não haver pacto de preenchimento ou por este ser inválido e, como tal, inexequível, sendo os avales nulos. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Exequente contestou.</font>
</p><p><font> Alegou que o oponente se responsabilizou pessoalmente pelo pagamento da quantia inscrita na livrança, bem sabendo que assumia para com o portador do título uma relação materialmente autónoma relativamente ao contrato celebrado, estando apenas em causa o aval prestado num título de crédito em que o valor nele aposto foi determinado a partir dos valores constantes do contrato.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A oposição foi julgada procedente e, em consequência, declarada extinta a execução contra o Oponente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Exequente apelou. </font>
</p><p><font>A Relação revogou o sentenciado e determinou o prosseguimento da execução.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Oponente pede agora revista, visando a reposição do julgado da 1ª Instância, para o que, nas conclusões da alegação, argumenta:</font>
</p><p><font> “1. - Perante a factualidade assente nos presentes Autos, temos como incontornável e definitivamente estabelecido que o Recorrente não geria, nem tão pouco era responsável pela vertente financeira, da empresa "CC, Lda", que se limitou a assinar os documentos que o seu sócio (efetivo gerente e responsável pela vertente financeira da empresa) lhe apresentou e que, em momento algum, qualquer funcionário do exequente deu qualquer explicação ao opoente do contrato de crédito, nem das cláusulas que o regiam; </font>
</p><p><font>2. - De uma análise do conteúdo do contrato de abertura de crédito e do clausulado que o mesmo contém, não obstante as palavras inseridas pelo Recorrido no cabeçalho do mesmo e que foram sobrevalorizadas pelo Tribunal recorrido, é evidente para qualquer interpretador que o referido documento possui cláusulas que são comuns a todas as condições específicas constantes dos contratos de abertura de crédito, inexistindo qualquer negociação ou conversação relativamente às mesmas, onde se inclui, nomeadamente, as cláusulas 9, 11, 12 e 13 do referido documento; </font>
</p><p><font>3. - O ora Recorrido, em momento algum, veio colocar em causa que estivéssemos, efetivamente, perante um contrato de adesão, uma vez que, nem na contestação por si apresentada à oposição à execução deduzida pelo Opoente, nem tão pouco nas suas alegações de apelação, após a prolação de douta sentença, em 1ª Instância, que definiu tal contrato como se tratando de um contrato de adesão e nessa medida proferiu a sua decisão, veio o aqui Recorrido afirmar ou defender que não se estava perante um contrato de adesão; </font>
</p><p><font>4. - E no caso vertente, e por referência ao aqui recorrente, ainda é mais evidente a inexistência de qualquer capacidade ou possibilidade de negociação das cláusulas, se atendermos aos factos que se encontram dados como assentes nos presentes autos, dado que, atendendo a que se encontra dado como provado que o ora recorrente era, à data da subscrição do livrança em causa, sócio da sociedade beneficiária do contrato de crédito que está na origem da subscrição da livrança, que quem dirigia a vertente financeira da empresa «CC, Lda» era o co-executado DD, que o opoente assinou os documentos que o seu sócio lhe apresentou, nomeadamente o contrato referido em D) e a livrança que o acompanhava e que nenhum elemento ou funcionário do exequente deu qualquer explicação ao opoente do contrato nem das cláusulas que o regiam, é assim evidente que o aqui Recorrente não participou em qualquer negociação com o Banco e que se limitou a assinar, “de cruz", os documentos que o seu sócio (e responsável pela vertente financeira da empresa) lhe apresentou; </font>
</p><p><font>5. - Dos factos dados como provados, em momento algum resulta que tenha havido uma fase negocial, não poderá, salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal recorrido assentar a sua decisão (ou parte dela, pelo menos) num facto inexistente e que contraria a matéria dada como provada, desde logo no que ao ora recorrente diz respeito, sendo certo que o aqui recorrido, nas alegações de apelação por si apresentadas, sequer procedeu a qualquer impugnação da matéria de facto (nem defendendo que determinado facto deveria ser dado como não provado, nem defendendo que se haviam provado factos que não foram conduzidos à categoria de factos provados), o que impediria o Tribunal recorrido de, fazer tal averiguação oficiosa; </font>
</p><p><font>6ª - Ainda que o Tribunal recorrido não entendesse o contrato em causa como um contrato de adesão na sua forma típica, pelo menos haveria que entendê-lo como se tratando de um contrato de adesão individualizado, figura relativamente à qual se continuaria a aplicar as normas constantes do DL 446/85, tal como é defendido, por exemplo, ao nível do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 17/02/2011 e relativo ao Processo nº. 1458/056. 7TBVFR-A.P.S1; </font>
</p><p><font>7ª - As cláusulas contratualizadas que previam as taxas de juro aplicáveis e o preenchimento da Iivrança após a sua assinatura e entrega à Recorrente violam o disposto nos arts. 5º e 6º do DL. 446/85, de 25 de Outubro, pelo que, nos termos do art. 8º desse mesmo diploma legal, teriam tais cláusulas de ser, como foram, consideradas como excluídas do contrato formaliza, em face da sua nulidade; </font>
</p><p><font>8. - Verificada, como sucede no caso em apreço, a ausência de comunicação e de informação relativa a uma eventual cláusula de preenchimento da livrança por parte do Recorrido, impõe-se que essa cláusula seja considerada excluída do contrato, tudo se passando como se não existisse, como aliás tem vindo a ser decidido maioritariamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente ao nível do Acórdão proferido em 17/02/2011 e relativo ao Processo nº 1458/056. 7TBVFR-A. P.S1; </font>
</p><p><font>9. - Não tem razão o Tribunal recorrido quando, numa segunda Iinha de argumentação tendente a sustentar a decisão recorrida, defende que o Opoente avalista não se poderá situar ao nível das relações imediatas e, nessa medida, não poderá ínvocar a exceção do preenchimento abusivo, uma vez que tal entendimento contraria frontalmente a doutrina e jurisprudência maioritárias, como se poderá observar, a título de exemplo, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça datados de 31.03.2009 (proc. nº. 08B3815), de 23.04.2009 (Proc. n.º 08B3905) e de 17.02.2011 (Proc. n.º 1458/056.7TBVFR-A.P.S1) que poderão ser consultados relativamente a esta matéria e para cuja argumentação, por questões de economia processual, remeteremos, dando a mesma como inteiramente reproduzida; </font>
</p><p><font>10. </font><u><font>- O título executivo em causa nos presentes autos (ou seja, a livrança), foi preenchido pelo Recorrente de forma manifestamente abusiva, uma vez que legitimidade alguma tinha o mesmo para proceder a tal preenchimento, daqui resultando necessariamente. a insusceptibilidade de tal título executivo ser usado contra o ora Recorrido</font></u><font>;</font>
</p><p><font>11. - Não obstante os propalados princípios da autonomia e da abstração dos títulos de crédito, que não se contestam em abstrato, a verdade é que, no presente caso, apenas estamos perante um título de crédito, porque o Recorrente procedeu ilegitimamente e de forma abusiva ao preenchimento do mesmo, havendo, nessa medida, um vício a montante que impede que se possa considerar o mesmo como legitimamente e constituído, e, não tendo tal título cambiário sido legítima e legalmente constituído, ser-he-ão inaplicáveis os princípios referentes aos títulos cambiários, nomeadamente os princípios da autonomia e da abstração; </font>
</p><p><font>12. - Tendo sido o contrato de crédito celebrado pelo Recorrente declarado nulo e tendo sido a Iivrança preenchida pelo Recorrente ao abrigo de um pacto de preenchimento constante desse contrato que ora se reporta como nulo, sendo nessa medida tal preenchimento da Iivrança manifestamente abusivo, então, dúvidas não poderão restar de que estaremos perante uma situação de inexequibilidade do título para com o Recorrido o que deverá determinar a extinção da execução contra si intentada; </font>
</p><p><font>13. - O aval dado foi dado precisamente na Iivrança que foi objeto de execução enquanto título executivo, pelo que, naturalmente, estando o título cambiário do qual consta o aval fulminado pela invalidade já suficientemente descrita e analisada, necessariamente a mesma invalidade afetará o aval dado, aliás como resulta do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 17/02/2011 e relativo ao Processo n.º 1458/056.7TBVFR-A.P.Sl, onde se estabeleceu que "não se provando que os embargantes conheciam os termos do pacto de preenchimento as livranças assumem a natureza de titulas incompletos não valendo como tais, o que se pode aliás inferir do estatuído no artigo 10º e 779 da LULL " ; </font>
</p><p><font>14l! - Em questão idêntica pronunciou-se o Acórdão proferido pelo STJ em 13 de Abril de 2011, relativa ao Processo n.º 2093/04.2TBSTB-A LI.S1 (…), o qual, tendo "julgada procedente a invocação do preenchimento abusivo do Iivrança" determinou que não estaria "o documento invocado como titulo executivo provido dessa característica", pelo que a oposição tem de ser julgada como procedente" e, nessa medida, declarou-se "extinta a execução quanto ao recorrente";</font>
</p><p><font>15. - Decidindo nos termos do douto Acórdão ora em recurso, o Tribunal "A Quo" violou o disposto nos artºs. 1º, 5º, 62º e 82º do DL 446/85, bem como violou o disposto nos arts. 10º e 77ºº da LULL, dos quais fez uma incorrecta interpretação e aplicação ao caso concreto.”</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2. – Como balizadas pelas conclusões da alegação do Recorrente, suscitam-se as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Se a relação entre a Exequente beneficiária da livrança e o Oponente avalista se poderá situar ao nível das relações imediatas;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Em caso afirmativo, se, invocada a invalidade da cláusula de preenchimento da livrança, constante do “Contrato de Abertura de Crédito”, por violação dos deveres de comunicação e de informação, exigidos pelo Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, e excluída tal cláusula do contrato, mantém o avalista a faculdade de invocar a excepção do preenchimento abusivo; e,</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - Ainda em caso de resposta afirmativa, em que termos, designadamente quanto à cláusula cuja exclusão do contrato foi reclamada. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>3. - Encontra-se definitivamente assente a </font><b><font>factualidade</font></b><font> que segue:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A-) Foi dada à execução a livrança cuja cópia digitalizada se encontra junta a fls. 5 dos autos principais; </font>
</p><p><font> B-) Na referida livrança figura como subscritora a «CC, Ldª»; </font>
</p><p><font> C-) A livrança tem o valor aposto de 133.544,46€, data de preenchimento de 2004 05-17 e data de vencimento 2010-07-13;</font>
</p><p><font> D-) Antes da data de vencimento foram apostos os seguintes dizeres: “</font><i><font>Titulação</font></i><font> </font><i><font>do Contrato de Conta Corrente – cc nº …</font></i><font>.”</font>
</p><p><font> E-) No verso da livrança, por baixo das expressões “</font><i><font>Dou o meu aval à firma subscritora</font></i><font>” encontram-se as assinaturas dos dois executados;</font>
</p><p><font> F-) O Opoente era, à data da subscrição da livrança em causa, sócio da sociedade beneficiária do contrato de crédito que está na origem da subscrição da livrança;</font>
</p><p><font> G-) Quem dirigia a vertente financeira da empresa «CC, Ldª» era o co-executado DD;</font>
</p><p><font> H-) O Opoente assinou os documentos que o seu sócio lhe apresentou, nomeadamente o contrato referido em D-) e a livrança que o acompanhava;</font>
</p><p><font> I-) Nenhum elemento ou funcionário do Exequente deu qualquer explicação ao Opoente do contrato nem das cláusulas que o regiam.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - No acórdão impugnado, depois de se pronunciar no sentido de não se configurar uma situação subsumível ao regime dos contratos de adesão e das cláusulas contratuais gerais, não ocorrendo, em qualquer caso, a invocada violação do dever de informação susceptível de integrar a invalidade do contrato de abertura de crédito e a convenção sobre as garantias, designadamente quanto ao pacto de preenchimento da livrança dada à execução, em termos de afectar a validade do aval aposto pelo ora Recorrente, acrescentou que a este sempre estaria vedado opor à Recorrida, portadora do título cambiário, as excepções relativas ao pacto de preenchimento, próprias do avalizado e das relações imediatas, que se situam apenas ao nível das relações entre a subscritora da livrança e a sua portadora.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrente insurge-se contra este entendimento, defendendo assistir-lhe o direito à oponibilidade da excepção do preenchimento abusivo, justamente por se mover ainda no campo das relações imediatas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como se tem por evidente, a questão da oponibilidade ou não das excepções – no caso, a existência ou a validade do pacto de preenchimento – relativas à relação subjacente ao portador do título cambiário, precede, desde logo porque lhe é prejudicial, a questão da invalidade do contrato subjacente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Com efeito, se o Recorrente, como avalista da livrança, estiver impedido de opor à Recorrente, em qualquer caso, as excepções da avalizada sua subscritora, como, embora subsidiariamente, vem decidido, irreleva, por inútil, apreciar a arguida nulidade do contrato cujo cumprimento a livrança e o aval em causa teve por objectivo garantir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Assim sendo, impõe-se, antes de mais, tomar posição sobre a natureza das relações estabelecidas entre a Recorrida-exequente e o Recorrente-avalista e seus efeitos sobre a relação cambiária exercitada em juízo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 2. - No acórdão recorrido parece ter-se entendido que o avalista de título cambiário não se encontra colocado no domínio das relações imediatas, isto é, aquelas que ligam os obrigados cambiários directamente à relação subjacente, daí que não poderia utilizar as excepções que se fundam nas relações pessoais, ou seja, no caso, discutir o eventual preenchimento abusivo da livrança em causa.</font>
</p><p><font> Como notado, desse entendimento e da natureza jurídica do aval como um acto cambiário autónomo decorreria, sem mais, a improcedência da oposição, como mera consequência de só à subscritora do título, ser lícito deduzir esse meio de defesa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Tem-se entendido, porém, que assim não será, ou seja, que, quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento do título em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Com efeito, o art. 10º da LULL, aplicável à livrança (art. 77º da mesma LU), prevê a admissibilidade da letra em branco, mas estabelece que se tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, a inobservância desses acordos pode ser motivo de oposição ao portador quando este tenha “adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a tenha cometido uma falta grave”.</font>
</p><p><font> Por sua vez, relativamente aos documentos assinados em branco, em geral, admite-se no art. 378º C. Civil a ilisão do respectivo valor probatório, “mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não se exige qualquer forma especial para o acordo ou pacto de preenchimento, vigorando o regime regra da consensualidade acolhido no art. 219º C. Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Finalmente, a extensão e conteúdo da obrigação do avalista aferem-se pelos do avalizado, pois que aquele é responsável “</font><i><font>da</font></i><font> </font><i><font>mesma</font></i><font> </font><i><font>maneira</font></i><font>” que este - art. 32º LULL.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Do conjunto normativo convocado resulta claramente que o subscritor do título cambiário, ao emiti-lo, atribui ao portador a quem o entrega o direito de o preencher de harmonia com o convencionado a tal respeito.</font>
</p><p><font> Mais resulta que a violação do pacto de preenchimento, configurando uma falsidade material do título, retira-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, impendendo sobre quem a invoca – no caso o Oponente - a prova desse facto impeditivo (ilisão do valor probatório – art. 378º cit.) – art. 342º-2 C. Civil (cfr. LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>A Falsidade no Direito Probatório</font></i><font>”, 132/133; Ac, STJ, 01/10/98, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 480º-482).</font>
</p><p><font> E poderá mais extrair-se que a responsabilidade cartular do avalista não é diferente da do aceitante da letra ou do subscritor da livrança, sendo solidária a sua obrigação, donde que o avalista só possa socorrer-se da excepção do abuso de preenchimento se (em conjunto com o sacador e o obrigado avalizado) tiver sido parte no acordo cuja violação invoca, o que também é inerente ao concurso do pressuposto de oponibilidade só ser admissível no âmbito das relações imediatas entre os subscritores cambiários (art. 17º LULL).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como se vê do “</font><i><font>Contrato de Abertura de Crédito</font></i><font>”, celebrado entre a Exequente e a sociedade comercial “CC, Lda.”, assinado pelo Oponente, designadamente como “avalista” da mutuária “CC”, consta a </font><i><font>Condição</font></i><font> </font><i><font>9</font></i><font> que prevê como garantia o aval do Oponente (e de outro), aposto em livrança subscrita pela Sociedade, “</font><i><font>ficando o banco expressamente autorizado (…) a preenchê-la designadamente no que se refere a data do vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes deste contrato (capital e juros) e assumidas pela Empresa perante o Banco (…)</font></i><font>”, «condição» essa que constitui o pacto de preenchimento da livrança subscrita pela “CC”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Decorre dos elementos descritos, entre outros que as Partes trouxeram ao processo, que a relação entre elas, que acabou por dar origem ao litígio, configura uma actuação frequente no relacionamento entre empresas comerciais e a Banca: - celebram-se, para financiamento das primeiras, contratos de abertura de crédito em conta-corrente, e, para garantia de cumprimento da obrigação do respectivo pagamento, recorre-se a livranças subscritas pela beneficiária desses financiamentos e avalizadas pelos seus sócios ou por terceiros, que oferecem, assim, uma garantia de ordem pessoal. Trata-se da denominada “conta corrente caucionada”, por garantida através de livrança-caução.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No caso, tal garantia pessoal foi dada pelo ora Recorrente, mediante a aposição da sua assinatura, como avalista, em livrança em branco, livrança que ficou na posse do Banco recorrido, que, por sua vez, ficou com a faculdade de a acabar de preencher pelo valor constante do seu crédito ao tempo de qualquer incumprimento da obrigação caucionada, fixando-lhe a data do vencimento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Perante uma tal realidade não pode deixar de reconhecer-se que existe, no caso concreto, uma relação subjacente entre o credor cambiário e os avalistas (um dos quais o Oponente) - embora agora, em juízo, arguida de inválida - na qual se estipulou sobre determinado “pacto de preenchimento” para a livrança em branco subscrita pela empresa mutuária, pacto este destinado a vincular todos os outorgantes, designadamente o Exequente e o Oponente-avalista.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim sendo, diferentemente do entendimento adoptado no acórdão recorrido, porque e enquanto no domínio das relações imediatas, julga-se que o Oponente-recorrente pode opor à Exequente os meios de defesa relativos à relação causal a que se vincularam, designadamente discutir o alegado preenchimento abusivo da livrança que avalizou, não obstante a independência da obrigação do avalista em relação à obrigação do avalizado. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 3. - O Recorrente argui a invalidade do pacto de preenchimento em que, segundo o “Contrato de Abertura de Crédito” interveio, autorizando o preenchimento da livrança, com o seu aval, nos termos da dita </font><i><font>Condição 9</font></i><font>, vício que funda na qualificação que faz do contrato como de adesão, submetido ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais (Dec.-Lei n.º 466/85, de 25/10), em que terá ocorrido violação dos deveres de comunicação e de informação (arts. 5º e 6º do citado DL).</font>
</p><p><font> Assim sendo, a cláusula em questão, ou seja, o pacto de preenchimento, mediante a qual o Recorrente deu o seu acordo à concessão da garantia pessoal na livrança em branco e aos termos em que poderia ser completada, deverá considerar-se excluída do contrato, nos termos previstos nos arts. 8º-a) e b) e 9º da LCCG.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como se deixou dito, goza o Recorrente da faculdade de invocar a invalidade que invoca.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Porém, nem por isso, isto é, nem pelo facto de, perante a </font><i><font>Condição 9</font></i><font> do “Contrato” poderem ser invocadas, em abstracto, os efeitos jurídicos das relações imediatas entre a Exequente e o Oponente se pode concluir pela desresponsabilização deste a coberto da invalidade e exclusão do “Contrato” do pactuado sobre o preenchimento, seja por via do regime das Cláusulas Gerais não comunicadas ou fosse por qualquer outro fundamento conducente à eliminação ou desconsideração do substrato negocial que integra esse pacto ou acordo legitimador da invocação da excepção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Com efeito, lançando mão desse direito, o Recorrente auto-exclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a que se aludiu, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Explicitando melhor este ponto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrente, enquanto obrigado cambiário como dador do aval, pretende ver-se exonerado da obrigação de pagamento da quantia constante do título a pretexto de, como alega, não haver qualquer pacto de preenchimento válido – porque excluída a cláusula que o previa, por violação do regime das cláusulas contratuais gerais.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Acontece, porém, que, se bem se pensa, não se vê como invocar preenchimento abusivo, ou seja, que o tomador ou beneficiário da livrança desrespeitou os termos em que lhe estava autorizado o preenchimento, mediante acordo com o avalista, se, a montante, se não aceita a existência ou eficácia de tal acordo, no caso por excluído do contrato outorgado entre as Partes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Excluído o pacto constante do “Contrato de Abertura de Crédito”, a excepção liberatória haverá de ter por objecto a violação de um outro acordo, formalizado ou não, expresso ou tácito, que a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica.</font>
</p><p><font> Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção, por isso que, insiste-se, nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas referidas relações imediatas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Vale isto por dizer que, uma de duas: - ou o Recorrente aceitava a validade do pacto consubstanciado na </font><i><font>Condição 9</font></i><font> do “Contrato” e, relativamente ao respectivo conteúdo obrigacional, opunha a excepção à Exequente, o que não fez (nem lhe interessaria, pois que a livrança terá sido completada em conformidade com o aí clausulado); - ou, arguindo, como arguiu a invalidade e exclusão desse pacto, para sustentar o concurso da excepção, teria de invocar a violação de um outro pacto, o que também não fez.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Com efeito, para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Como se escreveu no acórdão de 4 de Março de 2008 (proc. 07A4251, em que o aqui relator interveio como 1º adjunto), “destruída a cláusula subjacente à obrigação cambiária (de aval) assumida pela oponente, não há relação causal que justifique poder o oponente prevalecer-se da excepção de preenchimento abusivo, por não se poder falar, então, em relações imediatas”. </font>
</p><p><font> A consequência do posicionamento do Oponente será, então, ao menos a nosso ver, a ineptidão da defesa, por manifesta incompatibilidade entre a pretendida invalidade do pacto e o desrespeito desse mesmo pacto, por aquela via excluído.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ora, assim sendo, sobra a posição jurídica do Oponente, apenas enquanto avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, ou seja, na pureza da obrigação cambiária fora das relações imediatas. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 4. - Como já aflorado em 4.2. supra, nenhum obstáculo se coloca à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento. Necessário é que se mostre preenchida até ao momento do acto de pagamento voluntário (cfr. PINTO COELHO, </font><i><font>“As Letras”</font></i><font>, II, 2ª, 30 e ss; FERRER CORREIA, “</font><i><font>Lições de D.to Comercial”</font></i><font>, Reprint, 483; VAZ SERRA, </font><i><font>BMJ</font></i><font>, 61º-264; O. ASCENSÃO, “</font><i><font>D.to Comercial”, </font></i><font>III, 116).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Estamos, como também já referido, perante uma à livrança-caução, no âmbito do aval cambiário, garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.</font>
</p><p><font> A garantia prestada pelo avalista assume </font><i><font>carácter objectivo</font></i><font> e, por isso, como se escreveu no Assento do STJ n.º 5/95 (DR, I-A série, 20/5/95, 3129), «não assumindo o avalista a própria obrigação do avalizado para a cumprir na vez deste se este a não honrar, a equiparação expressa na estatuição «responde da mesma maneira» do art. 32º-1 significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual à daquele por quem deu o aval. Responde como </font><i><font>obrigado directo </font></i><font>ou de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UzKdu4YBgYBz1XKvYSNt | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, em 23 de Julho de 2010, requereu a declaração da sua de insolvência e, bem assim como, a exoneração do passivo restante, alegando preencher todos os requisitos, legalmente, exigidos, e obrigando-se a observar as condições decorrentes dos artigos 237º e seguintes, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).</font>
</p><p><font>Por decisão de 28 de Maio de 2010, foi declarada a insolvência do ora requerente.</font>
</p><p><font>O administrador da insolvência emitiu parecer, no sentido do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>O Tribunal de 1ª instância indeferiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento no disposto pelo artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, porquanto o ora requerente não se apresentou à insolvência, nos seis meses subsequentes ao conhecimento da sua situação, com prejuízo para os seus credores.</font>
</p><p><font>Desta decisão, o ora requerente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, determinando o prosseguimento do incidente para apreciação dos pressupostos da concessão efectiva da requerida exoneração do passivo restante, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.</font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, o credor “Banco BB, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (i), revogando-se o mesmo e, bem assim como, determinando-se que não seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante (ii), formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font>
</p><p><font>1ª – O presente recurso foi interposto do douto acórdão proferido pelos M°s Juízes Desembargadores, a fls. do processo, que deferiu o pedido de exoneração do passivo restante efectuado pelo recorrido por considerar que não existe motivo para indeferimento liminar do mesmo.</font>
</p><p><font>2ª - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.</font>
</p><p><font>3ª - O recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><font>4ª - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, de que ora se recorre, julgou o recurso de apelação procedente, revogando a decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial de Santo Tirso.</font>
</p><p><font>5ª - Pelo que, não fosse a última parte da redacção do artigo 14° do CIRE, o recorrente estaria impossibilitado de sindicar o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>6ª - No entanto, previu o legislador, que se for demonstrado que "o Acórdão de que se pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não haja sido proferido Acórdão de uniformização de Jurisprudência" é admitido recurso de revista excepcional (cfr. art. 14° e 17º do CIRE e 721°-A, n°1, al. c) do CPC).</font>
</p><p><font>7ª - A contradição de julgados manifesta-se, no caso concreto, entre o acórdão recorrido e quatro outros Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto de, respectivamente, 03 de Fevereiro de 2012, 3a Secção, processo n.°3326/10.1 TBSTS-D.P1; ii) 18 de Janeiro de 2012, 2a Secção, processo n.°3323/10.7 TBSTS-E.P1; iii) 23 de Maio de 2012, 2a Secção, processo n.° 3325/10.3 TBSTS-F.P1 e iv) 10 de Outubro de 2012, 2a Secção, processo n.° 3324/10.5 TBSTS-1.P1.</font>
</p><p><font>8ª - Os citados Acórdãos estão em contradição com o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto sobre a questão de saber se estão preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>9ª - Mais, os Doutos Acórdãos foram proferidos no âmbito dos processos de insolvência dos irmãos do aqui recorrido/insolvente que i) são responsáveis pelas mesmas dívidas junto do B BB, SA e dos demais credores e ii) revelam a semelhante e dolosa forma de actuação do "clã CC".</font>
</p><p><font>10ª - No cumprimento da formalidade exigida no artigo 721°- A, n.°1, al. c) do C.P.C., junta-se cópia dos acórdãos referidos.</font>
</p><p><font>11ª - A nulidade prevista na 1a parte da al. d) do n.°1 do artigo 668° do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n° 2 do art. 660° do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação...".</font>
</p><p><font>12ª - Acontece que, o Acórdão recorrido apenas apreciou a questão de saber se estão ou não verificadas as situações enunciadas no artigo 238° n.°1 al. d) do CIRE, não se pronunciando sobre os factos carreados para os autos e que integram a previsão da alínea e).</font>
</p><p><font>13ª - Ou seja, existe omissão de pronúncia do Juiz Desembargador, uma vez que, o Acórdão Recorrido por si redigido deixou de se manifestar sobre uma questão temática central que lhe foi colocada, como é o caso de constarem do processo elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.</font>
</p><p><font>14ª - O Juiz relator do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto deveria ter emitido um parecer sobre a existência de negócios dolosos celebrados pelo Recorrido, que contribuíram sobremaneira para a sua situação de insolvência e, consequentemente, obstam à concessão do benefício da exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>15ª - Pelo que, suprimindo tal juízo, verificou-se, assim, uma nítida omissão do dever de pronúncia.</font>
</p><p><font>16ª - A consequência é a nulidade do Acórdão, nos termos do art. 668 n.°1 al. d) e art. 716° n.°1 ambos do CPC.</font>
</p><p><font>17ª - Nulidade que desde já se invoca.</font>
</p><p><font>18ª - O Recorrido nunca poderá ver o seu pedido de exoneração do passivo restante ser liminarmente deferido por violação do disposto nas alíneas d) e e) do n.°1 do artigo 238.°, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE).</font>
</p><p><font>19ª - O montante dos créditos reclamados ascende a Eur. 28.781.171,08 (vinte e oito milhões setecentos e oitenta e um mil cento e setenta e um euros e oito cêntimos).</font>
</p><p><font>20ª - O referido valor resulta, na sua maioria, de diversas operações financeiras avalizadas pessoalmente pelo Recorrido enquanto sócio e/ou gerente das sociedades "DD, LDA.", "EE, LDA.,", "FF. S.A.,", "GG, LDA.", "HH, SA." e "II, SA.".</font>
</p><p><font>21ª - Aliás, quatro das referidas sociedades foram declaradas Recorridos nos seguintes processos judiciais: DD, LDA - Recorrido nos autos n.° 2252/10.9TBSTS do 2o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso; EE, LDA. - Recorrido nos autos n.° 1160/10.8TJVNF do 4°Juízo Cível do Tribunal de Judicial de Vila Nova de Famalicão; GG, LDA - Recorrido nos autos n.º 772/10.4 do 2°Juízo Cível do Tribunal Judicial de Alcobaça; II, SA. - Recorrido nos autos n.° 3913/10.8TJVNF do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão.</font>
</p><p><font>22ª - De facto, nos termos dos n°s2 (a contrario) e 3 do artigo 18° do CIRE, sendo o devedor titular de uma empresa, mantém-se, quanto a este, o dever de apresentação à insolvência, no prazo de 60 dias após o conhecimento da situação de insolvência.</font>
</p><p><font>23ª - Com efeito, o devedor, enquanto sócio gerente das referidas empresas, estava obrigado a apresentar-se à insolvência, no prazo de 60 dias, face à citada disposição legal.</font>
</p><p><font>24ª - Enquanto sócio, gerente, avalista e, de um modo geral, garante das obrigações financeiras das citadas empresas, o devedor tinha plena consciência de que, também ele, se encontrava em situação de insolvência, pois bem sabia que o seu património sempre seria solidariamente responsabilizado por todas as operações financeiras que o próprio avalizou e que, no que ao aqui Requerente dizem respeito, ascendem a Eur.18.449.993,82 (dezoito milhões quatrocentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e três euros e oitenta e dois cêntimos) cujo vencimento data de Dezembro de 2009.</font>
</p><p><font>25ª - Uma vez que, os montantes reclamados se encontram vencidos e que o Recorrido responde por esses valores pessoal e solidariamente, este não poderia ignorar que se encontrava em indubitável situação de insolvência, até porque os seus principais rendimentos provinham da actividade exercida nas mencionadas sociedades.</font>
</p><p><font>26ª - Ao assumir pessoal e solidariamente as referidas operações, o devedor deveria, de acordo com a ponderação de um homem médio, ter tomado conhecimento da situação de impossibilidade de cumprimento da generalidade dos seus compromissos.</font>
</p><p><font>27ª - O Recorrido, face ao colossal passivo de que era (e é) devedor, não podia, pois, ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhe permitisse amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas.</font>
</p><p><font>28ª - Ao falar em perspectiva séria o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do Recorrido, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.</font>
</p><p><font>29ª - Atente-se que, ao avalizar diversas operações de crédito, o Recorrido assumiu-se como devedor principal e solidário das responsabilidades das sociedades que administrava, não gozando, por isso, de qualquer benefício de excussão prévia do património das mesmas.</font>
</p><p><font>30ª - Nem tão pouco procede a ideia de que a condição financeira do Devedor, enquanto pessoa singular, nada tinha que ver com a das pessoas colectivas que geria, pois a sua situação económica estava ligada umbilicalmente à das citadas empresas, que enquanto gerente tinha a obrigação de conhecer.</font>
</p><p><font>31ª - Pelo que, conhecendo a sua situação de garante e as dificuldades sentidas pelas empresas que administrava não podia deixar de supor que lhe caberia honrar os compromissos assumidos.</font>
</p><p><font>32ª - É, pois, inequívoco que, por um lado, se vislumbra uma situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações por parte do Recorrido que o mesmo não podia ignorar, por outro, não existe qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.</font>
</p><p><font>33ª - Por outro lado, é inquestionável que esta omissão causou prejuízo aos seus credores, que viram os seus créditos aumentar - designadamente através da contínua contagem de juros moratórios das obrigações vencidas e incumpridas - e cuja recuperação se vai tornado cada vez mais difícil.</font>
</p><p><font>34ª - De facto, a não apresentação atempada à insolvência torna evidente o prejuízo para os credores.</font>
</p><p><font>35ª - O Recorrido não se apresentando à insolvência, no prazo legal estabelecido, violou os requisitos impostos por Lei para que possa beneficiar da exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>36ª - Nos termos do Aviso n°3/95 do Banco de Portugal, é obrigatória a constituição de provisões para o crédito vencido, sendo criadas, para o efeito, classes de risco que, consoante a amplitude do mesmo, implicam um maior ou menor provisionamento.</font>
</p><p><font>37ª - As classes de risco são estruturadas em função do período decorrido após o respectivo vencimento, obrigando ao provisionamento de uma maior percentagem do crédito vencido, quanto maior for o tempo decorrido após o vencimento.</font>
</p><p><font>38ª - Em resultado do regime de provisionamento previsto no Aviso 3/95, quanto mais tempo decorrer entre a interrupção dos pagamentos por parte de um mutuário e a regularização da dívida (por pagamento ou execução das garantias), maior será o volume de provisões que a Instituição de Crédito (IC) será obrigada a reconhecer nas suas demonstrações financeiras. Ou seja, qualquer atraso provocado pelo devedor no processo de regularização da dívida irá aumentar a antiguidade da mesma e, em consequência, incrementar as provisões/prejuízos da IC (para além dos juros sobre a dívida).</font>
</p><p><font>39ª - A não apresentação à insolvência no momento em que o Recorrido teve conhecimento da impossibilidade de fazer face aos compromissos financeiros assumidos consubstanciou-se num inequívoco prejuízo para os credores, com o aumento da percentagem relativamente ao crédito vencido que teve de provisionar.</font>
</p><p><font>40ª - Para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante, e no que se reporta ao "ónus probandi", a decisão singular do Tribunal da Relação do Porto de 6/09/2010, proc. 560/09.0TJPRT-A.P1, proferida pelo Juiz Relator Rui António Correia Moura, refere o seguinte: "É ao devedor-requerente que cabe alegar e provar o conjunto de declarações, circunstâncias e factos constitutivos do direito alegado - artigo 342.°, n.° 1 do C. Civil. (...) Os credores não ficam obrigados a provar a versão dos factos trazida eventualmente à oposição.</font>
</p><p><font>41ª - É ao devedor-requerente que compete alegar a inexistência de prejuízo causado aos credores pelo atraso na sua apresentação à insolvência, (...). Não é aos credores que cabe alegar e provar que de facto tiveram prejuízo com a eventual apresentação tardia do devedor à insolvência.</font>
</p><p><font>42ª - Também não poderia ser deferido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos Recorridos por flagrante violação do disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 238.° do CIRE.</font>
</p><p><font>43ª - Nos termos da alínea e), do n° 1, do artigo 238.° do CIRE, o pedido de exoneração do passivo restante é liminarmente indeferido se: "constarem já do processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador de insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186º ".</font>
</p><p><font>44ª - Por escritura de compra e venda outorgada em 6 de Abril de 2010, com termo de autenticação efectuado pelo Sr. Dr. JJ, (Distinto Mandatário do Recorrido), o Recorrente/Recorrido AA vendeu a KK, pelo preço declarado de Eur.70.041,63, a fracção designada pela letra "B", correspondente a uma habitação, no prédio urbano sito no Lugar ..., da freguesia de ..., concelho da ..., descrito na C. R. Predial da ... sob o n° …, e inscrita na matriz sob o artigo ….</font>
</p><p><font>45ª - Por escritura de compra e venda outorgada em 25 de Junho de 2010, com termo de autenticação efectuado pelo Sr. Dr. JJ, (Distinto Mandatário do Recorrido), o referido KK, vendeu pelo preço declarado de Eur. 70.041,63, a referida fracção "B", à sociedade "LL, S.A.", com sede na Rua do ..., n° …, Lugar de ..., na ..., cujo actual Administrador Único é MM, o qual é sobrinho de NN, "ex-mulher" do Recorrido OO, pois é filho da irmã dela.</font>
</p><p><font>46ª - A sede desta sociedade é na residência de OO, irmão do aqui Recorrente e que, também, foi declarado Insolvente.</font>
</p><p><font>47ª - Tal como se alcança do parecer emitido pela Sra. Administradora de Insolvência junto aos autos, não obstante as referidas vendas, o Recorrido jamais deixou de habitar e de usufruir da referida fracção, actualmente, com um contrato de arrendamento, onde se incluem os bens móveis que sempre foram seus!</font>
</p><p><font>48ª - Assim sendo, é óbvio que estamos perante uma actuação dolosa, em claro prejuízo dos credores, para além de reveladora de má fé e consubstanciar actos resolúveis em benefício da Massa Recorrida, nos termos do CIRE, é patente que agravou a situação de insolvência, e que se enquadra no disposto no artigo 186° do CIRE.</font>
</p><p><font>49ª - Por escritura celebrada no dia 4 de Maio de 2010, no Cartório Notarial do Licenciado PP, na ..., o Recorrido AA, bem como os Insolventes/Irmãos OO, QQ, RR e SS cederam, pelo preço de Eur.5.885,50, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças liquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais TT e UU.</font>
</p><p><font>50ª - Da referida herança fazem parte, entre outros bens, dois prédios rústicos na freguesia de ..., inscritos na matriz sob os artigos …. e …, respectivamente, bem como um prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo …, da referida freguesia.</font>
</p><p><font>51ª - Consequentemente, torna-se evidente e de fácil demonstração que a actuação do devedor consubstanciou um agravamento da sua situação de insolvência, com manifesto prejuízo para todos os credores.</font>
</p><p><font>52ª - Os bens alienados representam a totalidade do acervo patrimonial do devedor, traduzindo-se num esvaziamento integral do seu património.</font>
</p><p><font>53ª - Porque os elementos factuais supra referidos indiciam a existência de culpa do devedor no agravamento da situação de insolvência, deve - também por este motivo - ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante (neste sentido vide parecer da Sr.a Administradora de Insolvência).</font>
</p><p><font>54ª - A disposição de bens em proveito próprio ou de terceiros materializa uma conduta do devedor pautada pela má-fé e, nos termos das alíneas a) e d) do n.°2 do artigo 186°, por remissão da alínea e) do n°1 do artigo 238°, ambos do CIRE, culposa, que obsta ao deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>55ª - Todos os referidos negócios que, repete-se, foram devidamente provados, enquadram-se na alínea d) do n.°2 do artigo 186° do CIRE, uma vez que foram actos de disposição de bens em proveito de terceiros, neste caso especialmente relacionados com o Recorrido.</font>
</p><p><font>56ª - Assim, manda o n.° 4 do supracitado artigo que se apliquem também à actuação das pessoas singulares Recorridos os n°s 2 e 3.</font>
</p><p><font>57ª - Em síntese, o Recorrido não cumpriu o i) dever legal de se apresentar à Insolvência, no prazo legalmente consignado, ii) com prejuízo para os seus credores, iii) sabendo não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua condição económica e iv) não se coibiu da prática de actos que indiciam com toda a probabilidade a existência de culpa no agravamento da sua situação de insolvência, pelo que deve ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>58ª - Pelo que, ao assim não ter considerado, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo por isso, ser revogada e substituída por outra que indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante do Insolvente, ora Recorrido.</font>
</p><p><font>59ª - Desta forma, o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que indefira liminarmente a concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao Insolvente.</font>
</p><p><font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. O devedor apresentou-se à insolvência, em 23 de Julho de 2010, tendo, desde logo, requerido a exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>2. O crédito reclamado pelo “Banco BB, SA”, ascende a €28.449.993,82.</font>
</p><p><font>3. O citado crédito decorre de avais prestados pelo insolvente, a favor das sociedades “DD, Lda.”, “EE, Lda.”, “HH, SA”, “FF, SA”, e “GG Lda.”, das quais o insolvente era sócio-gerente.</font>
</p><p><font>4. O passivo do insolvente ascende a €28.781,171,08.</font>
</p><p><font>5. O incumprimento ao “B BB, SA”, data de Dezembro de 2009.</font>
</p><p><font>6. Por escritura de compra e venda, outorgada em 6 de Abril de 2010, o insolvente vendeu a KK, pelo preço declarado de €70.041,63, a fracção designada pela letra B, correspondente a uma habitação, no prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº …, e inscrito na matriz, sob o artigo ….</font>
</p><p><font>7. Por escritura de compra e venda, outorgada em 25 de Junho de 2010, KK vendeu, pelo preço declarado de €70.041,63, a dita fracção, à sociedade “LL, S.A.”, com sede na Rua ..., nº …, Lugar de ..., ..., cujo actual e único administrador, MM, é sobrinho de NN, ex-mulher de VV, irmão do insolvente.</font>
</p><p><font>8. Por escritura celebrada, no dia 4 de Maio de 2010, o insolvente AA, bem como os seus irmãos, também eles, insolventes, OO, QQ, RR e SS, cederam, pelo preço de €5.885,50, o quinhão hereditário que lhes pertence nas heranças abertas por óbito de seus pais.</font>
</p><p><font>9. Da referida herança fazem parte, entre outros bens, dois prédios rústicos, na freguesia de ..., inscritos na matriz, sob os artigos ... e ..., respectivamente, bem como um prédio urbano, inscrito na matriz, sob o artigo ..., da referida freguesia.</font>
</p><p><font>10. O insolvente alienou ainda os veículos, de matrícula -CL-, marca Mercedes, e …-XC, marca Citroen.</font>
</p><p><font>11. Do certificado do registo criminal do insolvente nada consta.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>Com efeito, quando o recurso de revista apenas for recebido, em virtude da excepção consagrada pelo artigo 14º, nº 1, do CIRE, como acontece, no caso em apreço, o seu objecto restringe-se à apreciação da matéria que justificou a sua admissão, sendo, por conseguinte, vedado o conhecimento de questões estranhas a esse «thema decidendum», não obstante no corpo alegatório e nas respectivas conclusões da revista, as mesmas virem a ser levantadas.</font>
</p><p><font>Assim sendo, a única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que a respectiva matéria a decidir é a estabelecida pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, consiste em saber a quem incumbe o ónus da prova, no âmbito do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.</font>
</p><p><font>DO ÓNUS DA PROVA EM MATÉRIA DE INDEFERIMENTO LIMINAR DO PEDIDO DE EXONERAÇÃ DO PASSIVO RESTANTE</font>
</p><p><font> I. 1. O acórdão recorrido admitiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, determinando o prosseguimento do respectivo incidente para apreciação dos pressupostos da sua concessão efectiva, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.</font>
</p><p><font>Preceitua o artigo 236º, nº 1, do CIRE, que “</font><font>o pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio”, prosseguindo o respectivo nº 3, a</font><font>o afirmar que o devedor, pessoa singular, tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de “expressamente declarar” que “preenche os requisitos”, para que o pedido não seja indeferido, liminarmente.</font>
</p><p><font> Por seu turno, estatui o artigo </font><font>238º, do CIRE, no seu nº </font><font>1, que “o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: a) For apresentado fora de prazo;<br>
b) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza; c) O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica; <br>
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do </font><a></a><a><font>artigo 186º</font></a><font>; <br>
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos </font><a></a><a><font>artigos 227º</font></a><font> a </font><a></a><a><font>229º</font></a><font> do </font><a><font>Código Penal</font></a><font> </font><font>nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data; g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência”. </font>
</p><p><font>Com excepção do disposto na alínea a), os restantes fundamentos que constam das demais alíneas do artigo 238º, nº 1, do CIRE, têm natureza substantiva e referem-se a comportamentos do devedor que justificam a não concessão da exoneração.</font>
</p><p><font> Estas alíneas definem, embora pela negativa, os requisitos de cuja verificação depende a exoneração, podendo reconduzir-se a comportamentos do devedor que contribuíram ou, de algum modo, agravaram a situação de insolvência [b), d) e e)], a situações ligadas ao passado do insolvente que, no critério do legislador, justificam a não atribuição do benefício da exoneração do passivo restante [c) e f)] ou a condutas adoptadas pelo devedor que consubstanciam a violação de deveres que lhe são impostos no decurso do processo de insolvência [g)]</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Mas, se é compreensível que nestes casos não seja concedido ao devedor o benefício da exoneração do passivo restante, já não se entenderia a sua previsão automática como hipóteses de indeferimento liminar, porquanto é manifesto que terá de ser produzida prova desses factos, conforme resulta do estipulado pelo artigo 238º, nº 2, do CIRE</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, sendo certo que a verificação da ausência das situações contempladas nas aludidas alíneas constitui requisito de admissibilidade da exoneração.</font>
</p><p><font> O Juiz averigua, então, se existe algum facto impeditivo da procedência do pedido da exoneração do passivo restante, designadamente, se o devedor contribuiu para que a declaração de insolvência tivesse ocorrido em momento posterior aquele em que deveria ter sucedido.</font>
</p><p><font>E, mesmo fundando a sua decisão na verificação de qualquer uma dessas causas de indeferimento, o Juiz deve sustentar-se em factos demonstrados.</font>
</p><p><font> A verificação do estipulado pela alínea d), isto é, se “</font><font>o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”</font><font>, afasta a concessão do benefício da exoneração, determinando o indeferimento liminar do pedido, ou seja, quando o devedor-requerente omita ou abstenha de se apresentar à insolvência, nos seis meses seguintes</font><font> à verificação desta situação, que desse atraso resulte prejuízo para os credores e que o requerente soubesse, ou não pudesse ignorar, sem culpa grave, da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.</font>
</p><p><font> Mas, não ocorrendo qualquer uma destas circunstâncias, de natureza cumulativa, e basta a não verificação de uma delas para que tal aconteça, deve o pedido ser, liminarmente, admitido.</font>
</p><p><font> I. 2. Dispõe o artigo 18º, nº 1, do CIRE, na redacção anterior à estabelecida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, aplicável, que “</font><font>o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do </font><a></a><a><font>artigo 3º</font></a><font>,</font><font> ou à data em que devesse conhecê-la”, com excepção, segundo o estabelecido no seu nº 2, das “…pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa na data em que incorram em situação de insolvência”.</font>
</p><p><font> Os actuais sujeitos passivos da declaração de insolvência, atento o disposto pelo artigo 2º, do CIRE, são as pessoas singulares, as pessoas jurídicas e os patrimónios autónomos, sendo certo que a empresa só é por tal abrangida se tiver personalidade jurídica ou autonomia patrimonial, pois que, caso contrário, é o seu titular que será declarado insolvente</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Por seu turno, o artigo 5º, do CIRE, estatui que, “para efeitos deste Código, considera-se empresa toda a organização de capital e de trabalho, destinada ao exercício de qualquer actividade económica”.</font>
</p><p><font> Prevalece, assim, a concepção de empresa como organização, próxima do sentido subjectivo do termo, ou seja, a empresa é o próprio empresário ou o comerciante, mas com algo de objectivo, como decorre do preceituado pelos artigos 18º, nº 2 e 162º, do CIRE</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Por outro lado, nos termos do preceituado pelo artigo 13º, do Código Comercial, a lei só reconhece duas espécies de comerciantes, ou seja, os comerciantes em nome individual e as sociedades comerciais</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>, não sendo, assim, os sócios comerciantes, uma vez que a sociedade representa uma individualidade jurídica, distinta e autónoma, da sociedade, sendo os actos de comércio praticados pelos sócios, enquanto sócios, actos da pessoa jurídica sociedade e não daqueles, em nome próprio</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Deste modo, podendo ser titulares de empresas comerciais as sociedades e os comerciantes individuais, e sendo certo que, na linguagem jurídica, os comerciantes têm vindo, gradualmente, a ser equiparados a empres | [0 0 0 ... 0 1 0] |
UzKku4YBgYBz1XKvryYl | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<br>
<b><font>I. – RELATÓRIO.</font></b><br>
<font>Irresignada com o julgado de improcedência, prolatado na apelação que havia interposto da decisão proferida em 1.ª instância que, na improcedência dos pedidos formulados na oposição à execução que a AA, C.R.L. havia intentado contra a oponente “BB – Sociedade Produtora de Fruttos Exóticos, Lda.”, recorre de revista a oponente, havendo que considerar os sequentes: </font><br>
<b><font>I.1. ANTECEDENTES PROCESSUAIS</font></b><font>.</font><br>
<font>”BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada” veio deduzir oposição à execução contra a exequente AA, CRL, pedindo que se declare a nulidade dos títulos executivos e, caso assim não se entenda, a sua ineficácia e se ordene o cancelamento das hipotecas registadas a favor da exequente sobre o imóvel penhorado.</font><br>
<font>Para tanto alegou, em síntese, que a escritura principal de abertura de crédito ocorreu no dia 5 de Junho de 1992, tendo outorgado em representação da executada o senhor CC mas a nomeação deste como gerente foi anulada através das acções e providências cautelares registadas anteriormente e, por conseguinte, a sociedade não estava devidamente representada e o negócio é ineficaz em relação à executada.</font><br>
<font>Acresce que as escrituras de ampliação do crédito datadas de 20 de Julho de 1999 e 10 de Maio de 2001 são nulas porquanto a procuração utilizada e emitida pelo sócio DD é nula por violação do artigo 65.º do Código do Notariado pois este é de nacionalidade Holandesa e não entende a língua portuguesa.</font><br>
<font>Sucede ainda que as procurações têm imprecisões pois o outorgante outorga em nome próprio e como representante da sociedade e não era representante da sociedade e na segunda procuração é nomeado procurador EE, gerente da sociedade e este não tinha essa qualidade pois cessou funções em 2 de Setembro de 2000 uma vez que tinha sido nomeado por dois anos na deliberação de 2 de Setembro de 1998.</font><br>
<font>Não tendo havido ratificação da primeira escritura de abertura de crédito, todas as escrituras de ampliação do crédito inicial são nulas por violação do disposto no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.</font><br>
<font>Inexistindo os títulos executivos invocados, logo devem ser canceladas as hipotecas inscritas com base nesses títulos.</font><br>
<font>A oposição foi liminarmente indeferida na parte em que a executada pede o cancelamento dos registos das hipotecas.</font><br>
<font>Contestou a exequente alegando, em síntese, que a executada invoca apenas questões relacionadas com a vida interna da sociedade, não pondo em causa que recebeu as quantias mutuadas e que não as pagou, sendo que a exequente é um terceiro de boa fé que não deve ser prejudicada pelas relações entre a sociedade e os seus sócios.</font><br>
<font>Na escritura inicial foi exibida certidão do Registo Comercial datada de 4 de Fevereiro de 1992, dentro do prazo de validade, em que não constava qualquer registo de acções ou procedimentos cautelares.</font><br>
<font>Por isso, sendo a exequente um terceiro de boa fé, não pode ser prejudicada pela invalidade de deliberações sociais nos termos do artigo 61.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais.</font><br>
<font>A omissão de declaração da presença de um intérprete trata-se de uma mera irregularidade pois quer o sócio quer o gerente da sociedade conheciam bem o teor das procurações e, por isso, a sociedade deve ser condenada como litigante de má fé.</font><br>
<font>Sucede que os montantes sempre foram disponibilizados à executada e esta sempre reconheceu os créditos da exequente havendo, por isso, uma situação de abuso de direito e de litigância de má fé.</font><br>
<font>Em conclusão, a oposição deve improceder e a executada deve ser condenada como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a € 3.000.</font><br>
<font>Replicou a executada reafirmando a sua posição.</font><br>
<font>No colm, foi proferida sentença, tendo a oposição sido julgada improcedente.</font><br>
<font>Inconformada veio a executada interpor recurso de apelação, que teve como questões a solver: a) nulidade da decisão, por nulidade de omissão de pronúncia; b) “[se] ocorre ou não abuso de direito na invocação da nulidade das procurações outorgadas para representação da sociedade nas escrituras de ampliação de crédito.”</font><br>
<font>Da improcedência do julgado na apelação traz a oponente a presente revista para o que alinha o sequente: </font><br>
<b><font>I.2. – QUADRO CONCLUSIVO</font></b><font>.</font>
<p><font>“1 - Por sentença transitada em julgado, em 6 de Julho de 1992, no âmbito do Proc. 152/91, que correu termos no 1.º Juízo 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Faro foi declarada nula a deliberação de nomeação de gerência de CC, na sociedade ora Recorrente (vide fls. 68 do documento 1 junto à oposição); </font>
</p><p><font>2 - A petição inicial da acção que conduziu à supra referida sentença foi registada provisoriamente, em 6 de Maio de 1992 (ap. 14 de 6 de Maio de 1992), sendo mais tarde registada a sentença supra descrita onde se declarava a referida nulidade da deliberação da nomeação de gerência, retroagindo por isso os seus efeitos à data de apresentação a registo da petição inicial; </font>
</p><p><font>3 - A Recorrente não esteve presente ou representada nas escrituras de abertura de crédito de 5 de Junho de 1992, por quanto a mesma lhe é nula ou caso esse não seja o entendimento ineficaz nos termos conjugados dos arts. 252.º, 253.º do Código das Sociedades Comerciais e art. 268.º do Código Civil; </font>
</p><p><font>4 - A referida nulidade da escritura de abertura de crédito e consequente oneração do bem imóvel são do conhecimento oficioso nos termos conjugados dos art. 220.º, 286.º e 715.º, todos do Código Civil, pelo que deveriam ser declarados pelo Venerando Acórdão recorrido; </font>
</p><p><font>5 - Os referidos vícios de representação da Recorrente são oponíveis à Exequente nos termos do art.º 61.º n.º 2 segunda parte do Código das Sociedades Comerciais conjugado com o art. 14.º do Código de Registo Comercial; </font>
</p><p><font>6 - Ao remeter para a sentença recorrida os fundamentos de validade da representação da ora Recorrente na escritura de abertura de crédito de 5 de Junho de 1992 o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no modesto entendimento violou o art. 668.º al. b) do Código de Processo Civil e, bem assim o comando Constitucional previsto no art.º 205.º, que se invoca para todos os efeitos legais daí decorrentes; </font>
</p><p><font>7 - À arguição de nulidade das procurações, subjacentes à, alegada, representação da Recorrente nas escrituras de ampliação de crédito datadas de 20 de Julho de 1999 e de 10 de Maio de 2001 não é aplicável o instituto do abuso de direito previsto no art.º 334.º do Código Civil; </font>
</p><p><font>8 - O argumento utilizado do manifesto abuso de direito da Recorrente por pretender salvaguardar-se de uma falta de forma das procurações para não pagar as quantias devidas à Exequente/Apelada encerra em si o reverso i.é. a julgar as procurações a deliberação de nomeação de gerência declarada nula significaria que ao montante de juros suportado pela Recorrente no período que mediou entre 1992 e 2003 não estava subjacente titulo válido e eficaz e por isso constatar-se-ia da ilegalidade da referida liquidação atendendo que não lhe era subjacente a devida ratificação da Recorrente e por via desse facto os montantes liquidados a titulo de juros e de capital lhe serem inexigíveis; </font>
</p><p><font>9 - Porquanto não excedeu, a Recorrente, de forma manifesta o seu direito em alegar os referidos vícios; </font>
</p><p><font>10 - Com efeito não pode ser imputado à Recorrente qualquer culpa no fundamento da invalidade do instrumento notarial utilizado para a outorga das escrituras de ampliação de crédito de 1999 e 2001; </font>
</p><p><font>11 - Sendo a Exequente uma sociedade de crédito apta à prática profissional da actividade e actos inerentes à actividade bancária impende sobre ela um dever acrescido de profissionalização e rigor nos actos praticados; </font>
</p><p><font>12 - A Exequente sabia e não podia desconhecer que o Sócio da Recorrente DD não entendia a língua Portuguesa (vi de referido facto dado como provado e, bem assim documento n.º 3 junto aos autos pela Exequente na sua douta contestação à oposição) </font>
</p><p><font>13 - É oponível à Exequente a nulidade das procurações utilizadas nas referidas escrituras de ampliação de crédito de 20 de Julho de 1999 e de 10 de Maio de 2001, por via da conclusão anterior; </font>
</p><p><font>14- No limite, por mera cautela de patrocínio, a ser entendida a arguição dos referidos vícios de nulidade das Procurações como integradora do conceito de abuso de direito, sempre seria o referido vicio de nulidade do conhecimento oficioso do Douto Tribunal Recorrido, dado ter sido dado como provado que DD não entender a língua Portuguesa e, bem assim, o conteúdo das referidas procurações sem a menção obrigatória do art. 65.º do Código do Notariado, nos termos conjugados do art. 220.º e 286.º do Código Civil; </font>
</p><p><font>15 - Ao não conhecer da conclusão 6.ª, a saber, se deveria, ou não, o Venerando Tribunal conhecer oficiosamente das nulidades das procurações utilizadas nas escrituras de ampliação de crédito de 1999 e 2001, por via dos factos dados como provados nos autos, violou, no modesto entendimento da Recorrente, o Douto Acórdão recorrido o disposto no art. 668.º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil devendo por via desse facto ser ordenada a reforma da decisão; </font>
</p><p><font>16 - O facto de na escritura de ampliação de crédito de 2003 o sócio-gerente serem mencionadas a abertura de crédito e subsequentes ampliações não significa com isso que as mesmas tivessem sido ratificadas e/ou que as mesmas sejam válidas ou eficazes nos termos do art. 268.º do Código Civil; </font>
</p><p><font>17- Por outro lado sempre se dirá que, perdoe-se a tautologia, que não é possível ampliar algo inexistente ou ineficaz; </font>
</p><p><font>Pelo exposto deverá ser ordenada a reforma da sentença no que se refere à violação do art. 668.º n.º 1 al. b) e d) com consequente reforma do Douto Acórdão recorrido, ou, caso não seja esse o entendimento, na não aplicabilidade do art. 334.º do Código Civil e procedência do demais concluído na presente Recurso </font>
</p><p><font>Em contramina dos fundamentos do recurso interposto, contra-alegou a oponida tendo concluído com o epítome que a seguir queda transcrito. </font>
</p><p><font>“1.ª O douto Acórdão recorrido confirmou integralmente a douta sentença de 1 a instância, quando refere </font><i><font>"Quanto à aplicação do direito aos factos a sentença não merece qualquer reparo" </font></i>
</p><p><font>2.ª Na certidão de registo comercial que serviu de base à escritura de 5/06/1992, não constava qualquer registo de acção. </font>
</p><p><font>3.ª Provado ficou também que o Sr. Notário certificou os poderes do representante da Apelada, através de certidão da Conservatória do Registo Comercial de Faro datada de 4/02/1992, válida portanto </font>
</p><p><font>4.</font><sup><font>a</font></sup><font> Quando na douta sentença confirmada pelo Acórdão recorrido se decidiu, e bem, que a escritura inicial de abertura de crédito </font><i><font>não padece de qualquer vício </font></i><font>e que a Recorrente reconheceu os créditos tendo recebido na conta bancária tais montantes, é evidente que está implícita a decisão sobre a eficácia dos títulos executivos. </font>
</p><p><font>5.</font><sup><font>a</font></sup><font> Resulta dos autos que os títulos dados à execução existem, são válidos, eficazes e exequíveis, já que a escritura de abertura de crédito e respectivas ampliações foram utilizadas pela Recorrente, tudo em conformidade com o disposto no art. 50.º do CPC </font>
</p><p><font>6.</font><sup><font>a</font></sup><font> Ainda que se não tivessem dado à execução as escrituras públicas, como se deram, as próprias propostas de créditos, depois de aprovadas pela entidade bancária, constituem só </font><b><font>por si </font></b><font>contratos com força executiva, contratos estes, no caso, também dados à execução (art.33.º do Anexo ao DL n.º 24/91 de 11, com as alterações introduzi das pelo DL n.º 231/95 de 12.09 e DL n.º 102/99 de 31 de Março, DL n.º 142/2009 de 16 de Junho e al. d) do art.46.ºdo CPC) pelo que é ininteligível a arguição, pela Recorrente, de </font><i><font>"ineficácia dos títulos" </font></i><font>dados à execução. </font>
</p><p><font>7.ª Na douta sentença que veio a ser integralmente confirmada pelo Douto Acórdão recorrido consta expressamente: “que a Recorrente </font><i><font>reconheceu </font></i><font>o </font><i><font>crédito, as ampliações a este crédito e a hipoteca existente a favor da exequente, ora Recorrida, para obter mais dinheiro numa nova ampliação do crédito e recebeu na sua conta todos estes montantes que utilizou, tendo ficado provado ainda que a exequente/recorrida colocou aquelas quantias à disposição da executada/Recorrente, na conta n.º ..., montantes que foram por ela utilizados. </font></i>
</p><p><font>8.ª As propostas de crédito, constituem só </font><b><font>por si </font></b><font>contratos com força executiva, contratos estes, no caso, também dados à execução (art.33.º do Anexo ao DL n.º 24/91 de 11, com as alterações introduzidas pelo DL n.º231/95 de 12.09 e DL n.º 102/99 de 31 de Março, DL n.º 142/2009 de 16 de Junho e al. d) do art.46.ºdo CPC) </font>
</p><p><font>9.</font><sup><font>a</font></sup><font> A Recorrente abusa do seu direito, violando a boa fé, ao tentar agora prevalecer-se do vício da invalidade da procuração, requisito formal de que ela própria prescindiu ao longo dos anos, pois nunca a invocou, socorrendo-se desta inobservância, para se furtar ao cumprimento das obrigações assumidas perante a Recorrida. </font>
</p><p><font>10.</font><sup><font>a</font></sup><font> A invalidade da procuração não é oponível à Recorrida, já que é obviamente alheia à vida interna da sociedade Recorrente e como tal, terceiro de boa fé. </font>
</p><p><font>11.ª A Recorrente, através do seu representante EE, sempre reconheceu os créditos concedidos, recebeu e utilizou, em conformidade com as ampliações de crédito que agora põe em crise, na sua conta todos os montantes que solicitou à Recorrida. </font>
</p><p><font>12.ª É por demais evidente que o único objectivo da Recorrente, é furtar-se ao pagamento das quantias devidas à apelada, objectivo ilegal de incumprir obrigações assumidas em violação do disposto no n.º2 do artigo 762.º do CC </font>
</p><p><font>13.ª O sócio-gerente da Recorrente EE interveniente em </font><b><font>todas </font></b><font>as escrituras de ampliação de crédito e utilizações do concedido, foi ele o mesmo indivíduo que emitiu, em nome da Recorrente, procuração forense para intentar a oposição à execução e interpor o recurso de apelação e bem assim o presente recurso, claramente para tentar eximir-se ao pagamento da dívida à Recorrente. </font>
</p><p><font>14</font><sup><font>a</font></sup><font> A boa fé da Recorrente é afastada, desde logo, por não se coibir, através do seu sócio-gerente EE, de invocar uma </font><i><font>nulidade </font></i><font>que bem sabe não poder inverter os factos provados, a saber, e com interesse para o presente recurso, que </font><b><font>reconheceu e utilizou </font></b><font>os créditos concedidos pela Recorrida. </font>
</p><p><font>15.ª A Recorrente abusa do seu direito, violando a boa fé, ao tentar agora prevalecer-se do vício da invalidade da procuração, requisito formal de que ela própria prescindiu ao longo dos anos, pois nunca a invocou, socorrendo-se agora desta inobservância, para se furtar ao cumprimento das obrigações assumidas perante a Recorrida. </font>
</p><p><font>16.ª Resulta evidente, estarmos perante uma situação de manifesto abuso do direito, já que é flagrante que a conduta da Recorrente se traduz num inadmissível "venire contra factum proprium" ao verificar-se o papel do referido EE, ao agir como representante legal da Recorrente, quando movimentou os montantes concedidos pela recorrida, em utilização das escrituras de ampliação de crédito, e vir agora, anos volvidos, na mesma qualidade de representante legal da Recorrente, pôr em causa a validade de tais escrituras de ampliação de créditos, efectivamente por ela utilizados. </font>
</p><p><font>17.ª A Recorrente não podia, como fez, arguir a nulidade por vício de forma a que se referem os artigos 65.º e 70.º, n.º1 al. b) do Cód. Notariado conjugado com o artigo 286.º do CC, por dela ter beneficiado inequivocamente ao utilizar os créditos concedidos pela recorrida, com o manifesto objectivo de furtar-se ao cumprimento das obrigações assumidas em ofensa ao disposto no n.º 2 do artigo 762.º do CC. </font>
</p><p><font>18.ª Entender-se o contrário, como pretende a Recorrente, seria uma flagrante e clamorosa ofensa ao sentimento de segurança jurídica que deve prevalecer perante condutas reprováveis, como a da Recorrente, notoriamente atentatórias dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes tal como é previsto no artigo 334.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>19.ª O douto Acórdão não enferma de qualquer erro na aplicação da norma constante do art. 334.º do Código Civil. </font>
</p><p><font>20.</font><sup><font>a</font></sup><font> Não foi omitida no douto Acórdão pronúncia sobre a conclusão n.º 6 do recurso da apelante, pelo que não existiu qualquer violação ao disposto no art. 65.º do Código de Notariado, 14.º do Código de Registo Comercial, nem aos arts. 220.º e 286.º do CC nem à al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC. </font>
</p><p><font>21.ª Não existe no Douto Acórdão recorrido violação à al. b) do n.º 1 do art. 668.º e 264.º ambos do CPC, nem ao art. 205.º da Constituição da República Portuguesa. </font>
</p><p><font>22.ª O recurso não deve assim merecer provimento.” </font><br>
<b><font>I.3. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO</font></b><font>.</font><br>
<font>O quadro conclusivo elencado traz a tela de juízo as questões que a seguir quedam pontuadas: [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>]</font><br>
<font>a) – Nulidade do acórdão por carência de fundamentação – als. b) e d) do artigo 668.º do Código Processo Civil, ex vi do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa;</font><br>
<font>b) – Abuso de Direito (artigo 334.º do Código Civil) – Ineficácia do negócio (contrato de abertura de crédito) por falta de poderes de representação do sócio-gerente da sociedade oponente; Cancelamento do registo de hipoteca (sobre o imóvel dado como garantia (hipoteca) do negócio ineficaz); Nulidade dos negócios de ampliação dos contratos de crédito; - Nulidade dos instrumentos de mandato (artigo 65.º do Código Notariado) 220.º e 286.º, ambos do Código Civil).</font><br>
<b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b><br>
<b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>.</font><br>
<font>Para a decisão a proferir tem-se por adquirida a factualidade que a seguir queda transcrita.</font><br>
<font>«Por escritura pública outorgada no dia 5 de Junho de 1992 no Cartório Notarial de Odemira, FF e GG, na qualidade de director e gerente mandatado da AA, CRL e CC, na qualidade de sócio-gerente da sociedade BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos, Limitada, acordaram o seguinte:</font><br>
<font>Os primeiros outorgantes declararam que a AA, CRL, abre a favor da sociedade BB –Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, um crédito até à quantia de sete milhões de escudos regulado nos termos previstos no documento complementar à escritura.</font><br>
<font>Para garantia de tal crédito, juros à taxa anual de vinte e quatro por cento ao ano e outras despesas e acessórios, a referida sociedade BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, representada pelo segundo outorgante, dá de hipoteca a favor da Caixa o seguinte prédio:</font><br>
<font>Prédio rústico denominado Carvalhal da Amoreira, situado na freguesia de São Teotónio, Odemira, formado por terreno de cultura hortícola, com a área aproximada de catorze hectares dois mil setecentos e cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o número seiscentos e oitenta e um de nove do seis de oitenta e sete da freguesia de São Teotónio.</font><br>
<font>Em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescido de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal.</font><br>
<font>A Caixa reserva-se a todo o tempo, independentemente de qualquer regime especial aplicável, capitalizar juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios não inferiores a um ano, adicionando tais juros, ao capital em dívida e passando aqueles a seguir o regime destes.</font><br>
<font>Mais ficou a constar que o senhor notário certificou os poderes do representante da executada através de certidão da Conservatória do Registo Comercial de Faro com data de 4 de Fevereiro de 1992.</font><br>
<font>Por escritura pública outorgada no dia 20 de Julho de 1999 no Cartório Notarial de Odemira, GG e FF, na qualidade de directores da AA, CRL, e EE, na qualidade de procurador em representação da sociedade comercial por quotas com a firma BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, acordaram o seguinte:</font><br>
<font>Que por escritura outorgada em 6 de Junho de 1992 a exequente abriu o crédito de sete milhões de escudos a favor da executada em garantia do qual esta constituiu hipoteca sobre o prédio rústico denominado Carvalhal da Amoreira, situado na freguesia de São Teotónio, Odemira, formado por terreno de cultura hortícola, com a área aproximada de catorze hectares dois mil setecentos e cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o número seiscentos e oitenta e um de nove do seis de oitenta e sete da freguesia de São Teotónio.</font><br>
<font>Que, pela presente escritura a AA, CRL, amplia o referido crédito em cinco milhões de escudos, o qual passará a ser de doze milhões de escudos, ao juro anual de onze vírgula nove por cento, acrescido de quatro por cento em caso de mora e a título de cláusula penal, passando as despesas extrajudiciais para um milhão e duzentos mil escudos.</font><br>
<font>Que, em garantia do mencionado crédito de doze milhões de escudos, juros e despesas acessórias, o segundo outorgante, em nome da sua representada, constitui hipoteca a favor da AA, CRL, sobre o imóvel atrás referido que abrange todas e quaisquer construções, acessões e benfeitorias, que nele existam ou venham a existir.</font><br>
<font>Mais declararam que em tudo não constante desta escritura, continuará a vigorar, o que consta da escritura de abertura de crédito atrás referida.</font><br>
<font>Por escritura pública outorgada no dia 10 de Maio de 2001 no Cartório Notarial de Odemira, GG e FF, na qualidade de directores da AA, CRL, e EE, na qualidade de procurador em representação da sociedade comercial por quotas com a firma BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, acordaram o seguinte:</font><br>
<font>Que por escritura outorgada em 6 de Junho de 1992 a exequente abriu o crédito de sete milhões de escudos a favor da executada em garantia do qual esta constituiu hipoteca sobre o prédio rústico denominado Carvalhal da Amoreira, situado na freguesia de São Teotónio, Odemira, formado por terreno de cultura hortícola, com a área aproximada de catorze hectares dois mil setecentos e cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o número seiscentos e oitenta e um de nove do seis de oitenta e sete da freguesia de São Teotónio.</font><br>
<font>Que por escritura outorgada em 20 de Julho de 1999 a AA, CRL, ampliou o referido crédito em cinco milhões de escudos.</font><br>
<font>Que pela presente escritura a AA, CRL, amplia o referido crédito em dez milhões de escudos, o qual passará a ser de vinte e dois milhões de escudos, ao juro anual de treze vírgula vinte e cinco por cento, acrescido de quatro por cento, acrescido de quatro por cento em caso de mora a título de cláusula penal, passando as despesas extrajudiciais para dois milhões e duzentos mil escudos.</font><br>
<font>Que, em garantia do mencionado crédito de vinte e dois milhões de escudos, juros e despesas acessórias, o segundo outorgante, em nome da sua representada, constitui hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de São Teotónio, CRL, sobre o imóvel atrás referido que abrange todas e quaisquer construções, acessões e benfeitorias, que nele existam ou venham a existir.</font><br>
<font>Mais declararam que em tudo não constante desta escritura, continuará a vigorar, o que consta da escritura de abertura de crédito atrás referida.</font><br>
<font>Por escritura público outorgada no dia 12 de Setembro de 2003 no Cartório Notarial de Ourique, FF e HH, na qualidade de director e procurador em representação da AA, CRL, e EE, na qualidade de procurador em representação da sociedade comercial por quotas com a firma BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, acordaram o seguinte:</font><br>
<font>Que por escritura outorgada em 6 de Junho de 1992 a exequente abriu o crédito de sete milhões de escudos a favor da executada em garantia do qual esta constituiu hipoteca sobre o prédio rústico denominado Carvalhal da Amoreira, situado na freguesia de São Teotónio, Odemira, formado por terreno de cultura hortícola, com a área aproximada de catorze hectares dois mil setecentos e cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o número seiscentos e oitenta e um de nove do seis de oitenta e sete da freguesia de São Teotónio.</font><br>
<font>Que por escritura outorgada em 20 de Julho de 1999 a AA, CRL, ampliou o referido crédito em cinco milhões de escudos.</font><br>
<font>Que por escritura outorgada em 10 de Maio de 2001 a AA, CRL, ampliou o referido crédito em dez milhões de escudos.</font><br>
<font>Que pela presente escritura a AA, CRL, amplia o referido crédito em setenta mil duzentos e sessenta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos, o qual passará a ser de cento e oitenta mil euros, ao juro anual até treze vírgula dez por cento ao ano, acrescido de quatro por cento em caso de mora e a título de cláusula penal, passando as despesas extrajudiciais para dezoito mil euros.</font><br>
<font>Que, em garantia do mencionado crédito de cento e oitenta mil euros, juros e despesas acessórias, o segundo outorgante, em nome da sua representada, constitui hipoteca a favor da AA, CRL, sobre o imóvel atrás referido que abrange todas e quaisquer construções, acessões e benfeitorias, que nele existam ou venham a existir.</font><br>
<font>Mais declararam que em tudo não constante desta escritura, continuará a vigorar, o que consta da escritura de ampliação de crédito atrás referida.</font><br>
<font>A aquisição do direito de propriedade por compra sobre prédio rústico denominado Carvalhal da Amoreira, situado na freguesia de São Teotónio, Odemira, formado por terreno de cultura hortícola, com a área aproximada de catorze hectares dois mil setecentos e cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o número seiscentos e oitenta e um de nove do seis de oitenta e sete da freguesia de São Teotónio, está inscrita a favor da autora.</font><br>
<font>Sobre este imóvel estão inscritas hipotecas a favor da AA, CRL, pelas apresentações n.º 12 de 12 de Setembro de 1996, n.º 9 de 18 de Agosto de 1999, n.º 23 de 19 de Junho de 2001 e n.º 12 de 1 de Agosto de 2003.</font><br>
<font>Da certidão de registo comercial da sociedade BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, consta o seguinte:</font><br>
<font>Apresentação n.º 12 de 23 de Junho de 1989:</font><br>
<font>Contrato de sociedade da BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, com sede na Urbanização das Gambelas, Lote 19, Faro, com o objecto de produção e posterior comercialização de tamarillos e frutas exóticas, com o capital social de 400.000$00, sendo sócios DD, com uma quota de 190.000$00, II, com uma quota de 190.000$00 e CC com uma quota de 20.000$00, tendo sido nomeado gerente o sócio CC para o biénio de 89/90 sendo suficiente a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade.</font><br>
<font>Apresentação n.º 12 de 26 de Agosto de 1991:</font><br>
<font>Nomeação de CC como gerente para o biénio 91/92. </font><br>
<font>Apresentação n.º 29 de 20 de Setembro de 1991:</font><br>
<font>Exclusão de II como sócio com a quota de 190.000$00.</font><br>
<font>Apresentação n.º 13 de 27 de Abril de 1992:</font><br>
<font>Providência cautelar de anulação de deliberações sociais sendo autor II com o pedido de suspensão da deliberação social de exclusão do sócio.</font><br>
<font>Apresentação n.º 14 de 27 de Abril de 1992:</font><br>
<font>Acção de anulação de deliberações sociais sendo autor II com o pedido de anulação da deliberação social de chamamento do sócio ao pagamento de prestação suplementar de capital. </font><br>
<font>Apresentação n.º 15 de 27 de Abril de 1992:</font><br>
<font>Acção de anulação de deliberação social de exclusão de sócio sendo autor II com o pedido de anulação da deliberação social de exclusão do sócio.</font><br>
<font>Apresentação n.º 16 de 27 de Abril de 1992:</font><br>
<font>Providência cautelar de anulação de deliberações sociais sendo autor II com o pedido de suspensão da deliberação social de chamamento do sócio ao pagamento suplementar de capital.</font><br>
<font>Apresentação n.º 19 de 15 de Junho de 1993:</font><br>
<font>Nomeação de CC para o biénio de 1993/1994.</font><br>
<font>Apresentação n.º 36 de 11 de Janeiro de 1994:</font><br>
<font>Exclusão de II com a quota de 190.000$00 como sócio.</font><br>
<font>Apresentação n.º 39 de 24 de Janeiro de 1995:</font><br>
<font>Exoneração de gerente de CC por denúncia a partir de 19 de Janeiro de 1995.</font><br>
<font>Apresentação n.º 51 de 23 de Janeiro de 1997:</font><br>
<font>Amortização da quota de 190.000$00 por causa da exclusão do sócio II com data de 11 de Dezembro de 1996.</font><br>
<font>Apresentação n.º 52 de 23 de Janeiro de 1997:</font><br>
<font>Nomeação de EE a partir de 11 de Dezembro de 1996 pelo prazo de dois anos.</font><br>
<font>Apresentação n.º 34 de 12 de Junho de 1997:</font><br>
<font>Transmissão a favor de DD, da quota de 190.000$00, do sócio excluído II, por cessão onerosa na sequência de deliberação social de 11 de Dezembro de 1996.</font><br>
<font>Apresentação n.º 35 de 12 de Junho de 1997:</font><br>
<font>Mudança de sede para Carvalhal da Amoreira, Brejão, São Teotónio, Odemira.</font><br>
<font>Apresentação n.º 7 de 12 de Janeiro de 1998:</font><br>
<font>Mudança de sede para Carvalhal da Amoreira, Brejão, São Teotónio, capital de 400.000$00 dividido em três quotas, uma de 190.000$00 pertencente a DD, outra de 190.000$00 pertencente a DD e outra de 20.000$00 pertencente a CC.</font><br>
<font>Apresentação n.º 9 de 21 de Janeiro de 1999:</font><br>
<font>Nomeação em 2 de Setembro de 1998 de EE como gerente pelo prazo de dois anos.</font><br>
<font>Apresentação n.º 6 de 21 de Junho de 1999:</font><br>
<font>Transmissão da quota de 20.000$00 por cessão, sendo cessionário a BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada, e cedente CC.</font><br>
<font>Apresentação n.º 6 de 11 de Julho de 2002:</font><br>
<font>Aumento do capital em 602.410$00 realizado em dinheiro sendo subscritores todos os sócios na proporção das respectivas quotas, passando o capital social a ser de € 5.000, dividido em três quotas, uma de € 2.450 pertencente a DD, outra de € 2.450 pertencente a DD e outra de € 100 pertencente à BB – Sociedade Produtora de Frutos Exóticos do Alentejo, Limitada.</font><br>
<font>Apresentação n.º 7 de 11 de Julho de 2002:</font><br>
<font>Nomeação em 28 de Dezembro de 2001 de DD como gerente.</font><br>
<font>Apresentação n.º 5 de 7 de Janeiro de 2003:</font><br>
<font>Transmissão e divisão da quota de € 2.450 por cessão, sendo cessionário EE com a quota de € 1.300 e cedente DD que reserva a quota de € 1.150.</font><br>
<font>Apresentação n.º 6 de 7 de Janeiro de 2003:</font><br>
<font>Transmissão da quota de € 2.450 por cessão, sendo cessionário EE e cedente DD.</font><br>
<font>Apresentação n.º 7 de 7 de Janeiro de 2003:</f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yTIDvIYBgYBz1XKvFHYQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I. "Banco Português do Atlântico, S.A." propôs esta acção executiva para cobrança de quantia certa, distribuída ao 13. Juízo Cível de Lisboa, contra "A, S.A." .<br>
O exequente pediu a cobrança do capital cartular de 824940000 escudos, bem como juros, sem prejuízo do imposto de selo (fls. 2 e seguintes).<br>
A fls. 28 e seguintes, o exequente pediu a penhora de quotas e acções alegadamente pertencentes à executada.<br>
Tal foi deferido (fls. 31).<br>
A fls. 40, o exequente requereu notificação da penhora de "quota da A - Lda.," seguindo-se despacho, a fls. 44: "Proceda à penhora da quota. Notifique".<br>
Semelhante processado ocorreu a fls. 50/51.<br>
E requerida, a fls. 55, notificação edital, tal foi indeferido no pressuposto "considerando elementos constantes dos autos" (fls. 56).<br>
E, face a novo requerimento, a fls. 58 disse-se que<br>
"a penhora da quota já se mostra efectuada".<br>
Em 28 de Novembro de 1995, houve remessa à conta, tendo-se entendido que seria caso de aplicação do artigo 122 do CCJ então vigente (fls 56 e 58 v.).<br>
Perante a discordância do exequente (fls. 62/63), o Meritíssimo Juiz lavrou despacho confirmativo da remessa à conta (fls. 64).<br>
Donde resultou agravo do exequente (fls. 68).<br>
O Meritíssimo Juiz de Direito recebeu esse agravo, e mandou que subisse nos autos, imediatamente e com efeito suspensivo.<br>
O regime de subida desse recurso não motivou qualquer reacção do recorrente (fls. 73 e seguintes).<br>
Em 12 de Dezembro de 1996, a Relação de Lisboa proferiu o Acórdão de fls. 99/99 v., entendendo que a subida desse agravo fora prematura, dele não conhecendo e condenando o agravante em custas.<br>
O exequente agravou para este Supremo (fls. 101). E alegou, frisando que este recurso se restringe à condenação em custas, concluindo (fls. 103 e seguintes).<br>
1) O presente recurso vem interposto do douto Acórdão da Relação de Lisboa, na parte restrita à condenação em custas do agravante;<br>
2) O douto Acórdão recorrido considerou que o recurso interposto pelo B.P.A. não tinha de ser recebido com subida imediata mas, sim, nos termos do artigo 923 n. 1 alínea c) do CPC, pelo que não conheceu do recurso e ordenou que os autos baixassem à 1. instância, com custas pelo agravante;<br>
3) Nos termos do artigo 741 do CPC, a competência para a fixação da subida e do efeito do recurso de agravo de 1. instância é do Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo";<br>
4) Que, em conformidade, no caso "sub judice", por despacho proferido em 7 de Junho de 1996, admitiu o recurso de agravo com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo;<br>
5) No requerimento de interposição do recurso, o B.P.A. limitou-se a indicar, aliás como estipula o artigo 687 n. 1 do CPC, a espécie de recurso;<br>
6) Não foi, portanto, o recorrente que fixou o regime do recurso, nem se pronunciou sobre tal;<br>
7) De acordo com o princípio da causalidade inscrito no artigo 446 do CPC, a responsabilidade pelo pagamento das custas é da parte que lhes deu causa;<br>
8) Pelo que não pode, e não deve, o BPA pagar custas por um facto a que não deu causa;<br>
9) Salvo melhor opinião e com o devido respeito, o douto Acórdão recorrido violou, na parte em que condenou o agravante em custas, o artigo 446 do CPC;<br>
10) Termos em que, invocando o suprimento de V. Exas., se requer a revogação do douto Acórdão da Relação de Lisboa, na parte restrita da condenação do agravante em custas, e a sua substituição.<br>
Não houve contra-alegações.<br>
Foram colhidos os vistos legais (fls. 110v./111).<br>
II. O circunstancialismo a ter em conta, aqui e agora, reconduz-se à tramitação processual, e já ficou relatado.<br>
III. "Expressis verbis", este recurso traz-nos uma única questão: a da condenação da recorrente nas custas do agravo interposto na 1. instância.<br>
É uma problemática sobre a qual pouco há a dizer, mas que tem interesse prático e até implica ponderação e observações prévias, ainda que tão sintéticas quanto possível.<br>
IV. Decerto o agravante tem razão legal ao dizer que a lei apenas lhe exigia, ao interpor recurso, a indicação da espécie do mesmo. Era o que referia o n. 1 do artigo 687 do CPC e, essencialmente, continua a referir, acrescentando hoje (sem relevância para o caso vertente) que o recorrente tem de indicar o fundamento do recurso em certos casos excepcionais (reforma de 1995/6).<br>
E, naturalmente, quem pode e deve decidir é, exclusivamente, o Juiz, na circunstância quanto ao recebimento e ao regime de recurso (n. 4 do mesmo artigo 687).<br>
Mas, para além disto se, quer no texto legal imaginado pelos seus autores, quer na prática forense, o apregoado princípio da cooperação (que aliás, a lei processual civil já prescrevia - v.g. antigos artigos<br>
519 e 265 da CPC) se traduz por actos como a não referência ao regime do recurso, pelo recorrente (que até pode reclamar se não for fixada subida imediata<br>
- artigo 688 do CPC), pelo silêncio subsequente e, até, pela tentativa de aproveitamento imediato do regime fixado no Tribunal "a quo", o dito princípio vai ter uma vida manifestamente desconforme consigo próprio.<br>
Felizmente, mesmo já antes da reforma de 1995/6, a generalidade dos recorrentes não deixava nem, hoje, deixa, de indicar regime pretendido para o recurso quando o interpõe.<br>
Mas, que a lei não exigia nem exige, é verdade.<br>
E, obviamente, para além dos idealísticos princípios, os Tribunais têm de decidir, em efectiva prática forense, de acordo com as regras legais, concordem, ou não, com elas - ressalvados os princípios constitucionais.<br>
V. A segunda e última poderação prévia a que não podemos deixar de aludir, como matéria de Direito que é, reconduz-se ao tema ora a decidir: a condenação em custas.<br>
O recorrente opta por um caminho processual que juridicamente, não deixa de suscitar alguma dúvida.<br>
Com efeito, a lei processual punha (e põe) ao seu dispor um meio potencialmente mais simples e expedito, a saber, a reclamação perante o próprio Tribunal<br>
(2. instância) que emitiu a condenação ora impugnada: artigo 669 alínea b) do CPC, hoje artigo 669 n. 1 alínea b).<br>
O recorrente não formulou a reclamação que esse normativo lhe permitia, enveredou por recurso para este Supremo. Poderia fazê-lo, sem prévia reclamação.<br>
Naturalmente, os recursos estão vocacionados para serem os últimos meios de impugnação até porque, por via de regra, são mais morosos que as reclamações, e é comum o lamento pela morosidade processual.<br>
Mas temos, sempre, de nos reconduzir à lei cuja observância legitima a função jurisdicinal.<br>
Sendo certo que os recursos são meios naturais de impugnação de decisões (artigo 676 n. 1 do CPC); acontecendo que, em lugar paralelo, a lei constituída admite recurso em casos de simples nulidades (artigo<br>
668 n. 3 do CPC); e atendendo a que a lei permite o simples requerimento para reforma quanto a custas, mas não o impõe como condição recursal ("Pode..." - artigo 669 do CPC); há que entender que a lei constituída permite o recurso embora restrito a decisão sobre custas, mesmo sem prévia reclamação (sobre o assunto, Prof. A. Reis, "Anotado", V, 155).<br>
Talvez não devesse ser assim, numa época em que tanto se usa (e abusa?) de recursos e, como já se reflectiu, nos doi a morosidade do andamento processual; haja em vista que este processo executivo já tem para mais de três anos e meio e ainda não passou da fase de penhora!<br>
Daí que haja quem defenda que deveriamos ter menos "processo executivo" e mais "execução".<br>
Mas, como flui do exposto, há que viver com a lei que existe, respeitá-la e aplicá-la.<br>
VI. 1. E vamos ao âmago da questão.<br>
O exequente agravou na 1. instância.<br>
O Meritíssimo Juiz desse Tribunal mandou que tal recurso subisse imediatamente.<br>
O Acórdão da 2. instância não conheceu do mérito ou demérito do recurso, entendendo que a subida fora prematura. Esta decisão transitou.<br>
Mas acrescentou condenação do recorrente em custas.<br>
É, conforme aludido, este o ponto em discussão.<br>
O, novamente, agravante pretende que se revogue a sua condenação nas custas da tal recurso; aliás, sem dizer uma palavra sobre como deverá ser a decisão sobre tributação. Ou seja: o seu pedido é, simplesmente, negativo e faz tábua rasa de duas questões de que depende, isto é - a sucessão de leis no tempo e a primeira regra sobre básico responsável sobre tributação.<br>
VI. 2. Começando por esta, nem suscita grande delonga, tal a insusceptibilidade de dúvidas e a sua manutenção ao longo da sucessão de leis.<br>
Com efeito e ainda que tudo isto possa ser discutível em termos de dever ser, conforme o livre pensamento de cada um, certo é que, por princípio, os processos judiciais estão sujeitos a custas e, neles, as suas fases especiais (salvo caso excepcional) - artigo 1 n. 1 do CCJ de 1962 e artigo 1 n. 2 do CCJ aprovado pelo Decreto-Lei 224-A/96, de 26 de Novembro.<br>
Portanto, mesmo a proceder a pretensão do recorrente de não ser condenado em custas, alguém terá de responder pela tributação do recurso que levou ao Acórdão ora sob análise.<br>
VI. 3. E é fundamental, neste caso, algo que o recorrente não referencia: a aludida questão de sucessão de leis no tempo.<br>
Com efeito, o CCJ de 1996 é aplicável a processos pendentes, mas só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1997 (artigo 18 do Decreto-Lei 224-A/96).<br>
O Acórdão ora sob recurso é-lhe anterior; data de<br>
12 de Dezembro de 1996 (fls. 99 v.).<br>
Os recursos, no sistema processual civil português têm por objecto directo não uma questão mas uma decisão: artigo 676 n. 1 do CPC e, v.g., João de Castro Mendes, "Recursos", 24.<br>
Consequentemente, importa saber se, à luz do CCJ então vigente e aplicável, a decisão recorrida seria a mais adequada.<br>
Frisemos, para que fique claro: não se pode tratar de aproveitar benesses de posterior alteração legislativa.<br>
Do que pode tratar-se é de nos ficcionarmos no tempo em que foi proferido o Acórdão recorrido e de sabermos se, então, com a lei de que se dispunha, a solução deveria ter sido outra.<br>
Nesta linha de pensamento, o recorrente desconsidera uma regra essencial no sistema tributário forense de então, a saber, a do n. 1 do artigo 142 do CCJ então vigente e aplicável:<br>
"1. Enquanto não houver decisão sobre custas é responsável pelas que forem contadas o autor, requerente, recorrente a quem tiver dado causa à remessa do processo à conta.<br>
2. ...<br>
3. ...<br>
4. ...<br>
5. ...".<br>
Naturalmente, esta orientação sempre teria de ser entendida como um princípio, mas sem prejuízo das regras das normas como as do artigo 446 do CPC, pondo, a final, as custas a cargo do vencido ou de quem tivesse tirado proveito, conforme fosse caso do funcionamento da 1. regra (a do decaimento) ou a 2.<br>
(a do proveito).<br>
É, no fundo, o princípio da causalidade que constitui a base da tributação efectiva, segundo uma perspectiva objectiva, de acordo com a qual o vencido corresponde, naturalmente, ao efectivo causador da actividade jurisdicional (v.g. Cons. R. Bastos "Notas", II, 329).<br>
Daqui resultava, basicamente, que: a) A final, o princípio da causalidade ditará quem paga (artigo 446 do CPC); b) Antes da decisão final, o responsável potencial é quem toma a iniciativa forense (artigo 142 n. 1 do<br>
CCJ a que aludimos).<br>
O caso vertente era, em todo o caso, especial, ainda que, relativamente frequente: estava em causa um recurso em que o Tribunal "ad quem" não encontrou vencedor, nem vencido ou, sequer, aproveitador ou desaproveitador, porque a decisão (transitada) consistiu em ... não se decidir o recurso, relegando-o para momento de subsequente e nova subida, se for caso disso.<br>
Neste contexto, a tributação do recurso, na medida em que obteve Acórdão de não conhecimento, sem vencido directo nem aproveitador jurídico, tendo de ser tributado mas, até então, não podendo assacar-se a uma das partes especificamente, não justificava condenação definitiva do recorrente em custas mas, sim, que estas ficassem a cargo do vencido a final, devendo, porém, o recorrente, conforme a citada regra do CCJ, adiantá-las provisoriamente.<br>
Isto significa que o agravante tem razão legal relativamente à condenação como foi decretada.<br>
VI. 4. E hoje?<br>
Esta pergunta é importante porque, em termos de pressupostos genéricos, a situação agora é semelhante, ainda que não absolutamente igual, no que concerne a este recurso.<br>
Mas, continua a ter de haver tributação, o agravante ganha na medida em que se afasta a precedente condenação, e não se pode dizer que deu causa a este recurso, juridicamente.<br>
Logo, também agora as custas deste recurso têm de ficar a cargo do vencido a final, o responsável último pela actividade forense.<br>
Mas, agora, há uma "nuance" importante.<br>
É que, a este recurso, já há que aplicar o CCJ de 1996, pela simples razão de que tal é decorrente do já aludido artigo 18 do Decreto-Lei 224-A/96.<br>
E o artigo 47 do CCJ do 1996, que veio suceder à problemática do referido artigo 142 do CCJ anterior, eliminou a regra da responsabilização do autor, requerente, recorrente, enquanto não houvesse decisão sobre responsabilidade causal concreta.<br>
Se, a isto (que já seria suficiente, juntarmos o novo facto de processamento tributário, segundo o qual, por regra, os processos judiciais passaram a estar sujeitos a uma só conta, a final, na 1. instância (artigo 50 do CCJ do 1996), infere-se que, agora, as custas de recurso como este serão devidas pelo vencido a final, mas o recorrente não terá de as adiantar.<br>
Ou seja: as decisões tributárias sobre os agravos não são exactamente, iguais mas, apenas, porque as leis aplicáveis são diferentes.<br>
VII. Resumindo, para concluir:<br>
1. Pode ser interposto recurso sobre condenação em custas sem prévia reclamação para reforma.<br>
2. Ao contrário do que acontecia na vigência do CCJ anterior, sendo as custas de um recurso devidas pelo vencido a final, o recorrente não tem de adiantá-las, se e quando for aplicável o CCJ de 1996.<br>
VIII. Donde, concluindo:<br>
Ressalvando o devido respeito por entendimento em contrário, acorda-se em conceder provimento a este agravo na medida em que se revoga a condenação do agravante nas custas do precedente agravo, que serão devidas pelo vencido a final, embora o agravante deva adiantar as custas desse agravo, face à lei, então, vigente e aplicável.<br>
Custas deste agravo pelo vencido a final.<br>
Lisboa, 17 de Junho de 1997.<br>
Cardona Ferreira.<br>
Herculano Lima.<br>
Torres Paulo.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDJ_u4YBgYBz1XKvIBF9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
<p><font> </font><br>
<b><font>Banco AA</font></b><font> moveu execução a </font><b><font>BB </font></b><font>para obter deste o pagamento das quantias de € 42.428,89 e de € 14.426,09, acrescidas de juros e de sobretaxa moratória, que disse serem-lhe por ele devidas, em virtude dos contratos de mútuo com hipoteca celebrados em 17-07-2007 com o mesmo e a sua então mulher e de esta ter sido declarada insolvente em 8-01-2014.</font><br>
<font>O executado veio opor-se, alegando, em suma, que, na sequência da dissolução por divórcio de 22-09-2009 do casamento que manteve com a também mutuária CC, o imóvel que tinha sido a casa de morada de família foi adjudicado ao embargante, que assumiu o inerente passivo e sempre cumpriu pontualmente as suas obrigações para com a embargada atinentes ao invocado crédito hipotecário. Assim, sustentou que a insolvência da sua ex-mulher não lhe pode ser oposta e que, tendo procurado solucionar todas as questões suscitadas junto da agência bancária da embargada, esta actuou com violação dos ditames da boa-fé e com abuso de direito. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Foi proferida sentença, julgando procedente a oposição e determinando a extinção da execução.</font><br>
<font> </font><br>
<font>A Relação julgou improcedente a apelação interposta pela exequente e confirmou a sentença.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Inconformada, a exequente interpôs </font><b><font>revista excepcional</font></b><font> desse acórdão, admitida pela competente Formação, cujo objecto delimitou com conclusões em que suscita a questão de saber se, mediante a cláusula 16ª (ponto 3) dos contratos dados à execução, interpretada de acordo com o critério da impressão do destinatário, os contraentes convencionaram estender ao co-obrigado ora executado a perda do benefício do prazo advinda da declaração de insolvência da mutuária sua ex-mulher (art. 91º do CIRE), assim afastando o regime supletivo consagrado no art. 782º do CC.</font></p><div><font>*</font></div><font>Importa apreciar e decidir a questão enunciada, para o que releva, em suma e com maior saliência, a seguinte </font><b><font>factualidade</font></b><font>: </font><br>
<font>a) - Em 17-07-2007, a exequente celebrou com o executado e a então mulher deste dois contratos de mútuo mediante os quais lhes emprestou e entregou as quantias de, respectivamente, € 50.000 de 17.000€, que os mutuários se obrigaram a restituir em 360 prestações mensais e sucessivas, com juros e sobretaxa que convencionaram, tendo sido constituída hipoteca sobre o imóvel identificado no título para garantia dos empréstimos.</font>
<p><font>b) - Da cláusula XVI de tais contratos consta (nomeadamente): «…</font><i><font>Assiste ainda à “IC” o direito de pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, se o “Mutuário” deixar de cumprir qualquer obrigação contratual, ou se se verificar qualquer das situações previstas no art. 780º do Código Civil, designadamente se o “Mutuário” se tornar insolvente ou se, por causa que lhe seja imputável, diminuírem as garantias do crédito ora concedido</font></i><font>».</font><br>
<font>c) - Em 22-09-2009, foi dissolvido por divórcio o aludido casamento, data em que também foi efectuada partilha dos bens comuns do ex-casal, tendo a fracção autónoma destinada a habitação sobre que fora constituída a mencionada hipoteca sido adjudicada ao executado e este assumido a responsabilidade pela satisfação do crédito da ora exequente.</font><br>
<font>d) - Em 8-01-2014, foi declarada a insolvência da ex-mulher do executado, no âmbito de cujo processo a exequente reclamou os créditos emergentes dos aludidos contratos.</font><br>
<font>e) - Em 21-01-2014, a exequente informou o executado de que todas as quantias depositadas na instituição e de que fosse co-titular ficariam indisponíveis e, em 10-02-2014, o executado solicitou àquela esclarecimentos sobre essa impossibilidade de movimentação.</font><br>
<font>f) - Em 5.05.2014, a exequente informou o executado que «</font><i><font>a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente</font></i><font>», pelo que considerava vencidas as responsabilidades emergentes de tais contratos.</font><br>
<font> g) - Em 16-04-2015, a exequente comunicou ao executado para proceder ao pagamento das quantias totais de € 45.174,36 e de € 15.358,33.</font></p><div><font>*</font></div><font>Neste recurso, a essência da controvérsia reside no alcance que a referida declaração de insolvência da mutuária CC acarretou em relação ao co-mutuário e ora executado, perante o teor do clausulado supra mencionado na al. b).</font><br>
<font>Como se viu, o executado defendeu-se da pretensão executiva, dizendo que a insolvência da sua ex-mulher, CC, não lhe pode ser oposta porque o imóvel hipotecado lhe foi adjudicado, tendo assumido o passivo inerente ao crédito invocado, e sempre cumpriu pontualmente as suas obrigações para com a embargada. </font><br>
<font>Por sua vez, a exequente sustentou que: por um lado, sendo qualquer um dos seus co-devedores solidariamente responsável pela integralidade da dívida (indivisível), «</font><i><font>a declaração de insolvência de </font></i><i><u><font>qualquer um dos mutuários</font></u></i><font>» determinou o vencimento imediato da mesma em relação a ambos, já que essa declaração manifesta a existência de uma quebra de confiança que justifica o direito de exigir o imediato pagamento da dívida; e, por outro, o referido clausulado, de acordo com o critério da impressão do destinatário, deve ser interpretado de modo a considerar-se que as partes afastaram o regime legal supletivo plasmado no art. 782º do CC, convencionando que a perda do benefício do prazo se estenderia ao co-obrigado ora executado, não declarado insolvente.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>A recorrente sustenta, em primeira linha, que a declaração da insolvência de um dos mutuários determinou o vencimento imediato da respectiva obrigação em relação a ambos porque qualquer deles é solidariamente responsável pela integralidade da dívida.</font><br>
<font>O art. 91º do CIRE, citado pela recorrente, sob a epígrafe “</font><i><font>Vencimento imediato de dívidas</font></i><font>”, prevê no seu enunciado que a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações </font><u><font>do insolvente</font></u><font> (não subordinadas a uma condição suspensiva) </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. Portanto, a insolvência jurídica do devedor, decretada no respectivo processo, faz desencadear,</font><i><font> ope legis,</font></i><font> o vencimento automático de todas as dívidas.</font><br>
<font>Mas, o citado art. 782º prescreve que «</font><i><font>a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia</font></i><font>». </font><br>
<font>É certo que a solidariedade (passiva) da obrigação faculta ao credor o direito de exigir de cada um dos devedores, por si só, a prestação integral (art. 512º, nº 1, do CC). Contudo, dessa virtualidade inerente à natureza da obrigação não decorre, necessariamente, o efeito pretendido no recurso quanto à perda do benefício do prazo convencionado em favor do devedor. </font><br>
<font>Realmente, estamos perante dois planos distintos, com efeitos jurídicos também díspares: um, o de uma garantia concedida ao credor, destinada a assegurar maior eficácia ao seu direito, que pode ser exercido integralmente contra qualquer um dos co-devedores; outro, o do chamado tempo do cumprimento ou prazo da prestação, em que a regra é o seu estabelecimento a favor do devedor (art. 779º do CC). </font><br>
<font>E daí que o legislador tenha estatuído a regra – ainda que supletiva, como diremos – de que «</font><i><font>a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor</font></i><font>», sem distinguir/excluir os solidariamente responsáveis: não obstante não ser lícito ao devedor solidário demandado opor o benefício da divisão (art. 518º do CC), a solidariedade da obrigação, por si só, não implica a perda do benefício do prazo para o co-obrigado relativamente ao qual não se estenda a causa que determine tal perda quanto a outro.</font><br>
<font>A exequente reclamou do executado as prestações ainda em dívida nos empréstimos concedidos ao mesmo e à sua ex-mulher, fundando essa sua pretensão apenas na insolvência desta co-mutuária para considerar vencidas todas aquelas prestações, face ao disposto no art. 91º do CIRE.</font><br>
<font>Ora, como vimos, em princípio, por força do disposto no citado art. 782º, a insolvência de um dos mutuários não comunica a sanção da perda do benefício do prazo ao outro mutuário, ainda que responsável solidário, mas não insolvente, pelo que, ao abrigo da lei, o credor não tem o direito de declarar o vencimento imediato da dívida ainda existente àquela data perante este co-mutuário, desde que, evidentemente, não se verifique também quanto a ele causa determinante dessa perda </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Por conseguinte, a exequente/recorrente não dispunha de fundamento legal para considerar vencidas todas as prestações ainda em dívida e interpelar o executado para o respectivo pagamento, como o fez [cf. alínea g) supra], ou, muito menos, para exigir em acção executiva o respectivo pagamento com esse fundamento.</font><br>
<font>Assim, improcede esta sua linha de argumentação.</font><br>
<font> </font><br>
<font>É consensualmente admitido que o disciplinado no citado art. 782º cede em face de convenção que arrede, claramente, o respectivo regime legal, que, por isso, assume natureza supletiva (art. 405º, nº 1, do CC). </font><br>
<font>Todavia, adiantamos já, não tem bom fundamento a segunda via em que se estriba a recorrente ao considerar que as partes afastaram o regime legal supletivo plasmado naquele normativo, convencionando que a perda do benefício do prazo se estenderia ao co-obrigado ora executado, apesar de não declarado insolvente. </font><br>
<font>Concordamos com o essencial do raciocínio exposto pela Relação quando entendeu que a interpretação da cláusula em que a recorrente procura arrimo, considerando o seu teor literal (art. 238º do CC), o critério objectivista (art. 236º nº 1 do CC) e o critério do maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC), não permite o alcance que a mesma propõe, ou seja, que os contraentes teriam estipulado a perda do benefício do prazo em relação aos dois mutuários pela insolvência de um deles.</font><br>
<font>Realmente, a cláusula aludida no recurso não expressa, com segurança bastante, a vontade de os contraentes estipularem que, perante a verificação de uma situação com os contornos da aqui em apreço, também o co-obrigado ora executado perderia o benefício do prazo convencionado, ou seja, o benefício de cumprir diferida e escalonadamente (em prestações) a obrigação a que se encontrava adstrito. </font><br>
<font>E assim é pelas razões que passamos a sintetizar. </font><br>
<font>Sendo incontroverso que nestes autos nada se apurou, factualmente, sobre qual tenha sido a vontade real comum dos pactuantes subjacente à emissão da questionada declaração negocial, cabe averiguar se na decisão recorrida foram respeitados os critérios normativos consagrados na lei (arts. 236º a 238º do CC), como parâmetros para a pertinente actividade interpretativa, por se tratar de matéria de direito, sujeita à fiscalização deste Tribunal de revista </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Como ponderou o acórdão desta Secção de 09-05-2006 </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, «</font><i><font>a fixação do sentido da declaração negocial, quando não seja conhecida a vontade real dos outorgantes, envolve já um juízo sobre matéria de direito, o qual pode ser objecto de censura pelo Supremo Tribunal, em recurso de revista</font></i><font>». «</font><i><font>Apurar a vontade hipotética, virtual ou conjectural pode caber no âmbito da revista por envolver um juízo sobre matéria de direito </font></i><font>(…) </font><i><font>Este último elemento passa por um exercício de interpretação do contrato, seguindo a teoria da impressão do destinatário </font></i><font>(…),</font><i><font> mas tendo em atenção a letra do negócio (há que haver um mínimo de correspondência com o texto </font></i><font>(…),</font><i><font> as circunstancias em que foi celebrado, o tempo e o lugar, o fim visado e o tipo negocial (cf. Dr. Luís Carvalho Fernandes, "Teoria Geral do Direito Civil", II, 344)</font></i><font>».</font><br>
<font>Assim, a assimilação e aquisição do conteúdo das declarações negociais vertidas num contrato implicam uma tarefa ou actividade intelectiva sujeita a regras e critérios de exegese delineados nos citados normativos e, em especial, naquele art. 236º do CC. De tais critérios resulta que aquisição do sentido da declaração implica a sua averiguação pela ordem seguinte: 1º a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário; 2º o conhecimento da vontade real do outro contraente; 3º o sentido normal da declaração.</font><br>
<font>Na verdade, não se apurando a vontade real do declarante ou o conhecimento da vontade real do outro contraente, a declaração deve valer com o sentido que um declaratário normal (medianamente instruído, diligente e sagaz), colocado na posição do declaratário efectivo, possa deduzir do comportamento do declarante, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, que aquele teria tomado em conta, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Contudo, tratando-se de negócio formal, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (como estipula o art. 238º), ou seja, para que possa valer, o sentido “atribuído pelo declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que corporiza a declaração </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Acompanhamos, pois, a feliz síntese do Acórdão deste Tribunal de 12/6/2012 </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>:</font><br>
<font>«</font><i><font>As regras constantes dos arts. 236.º a 238.º do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236.º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).</font></i><br>
<i><font>Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real.</font></i><br>
<i><font>Se não se afigurar viável chegar a um resultado suficientemente claro sobre a interpretação do negócio jurídico, pois tanto a 1.ª como a 2.ª instâncias, raciocinando sobre os mesmos dados de facto e aplicando-lhes idênticas regras de direito, tiraram consequências opostas - sendo certo que de nenhuma delas se pode dizer, com segurança, não ter captado o sentido objectivo correspondente à impressão do destinatário - há que lançar mão do art. 237.º do CC, que dispõe para os casos duvidosos</font></i><font>.» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Por fim, registam-se duas breves notas:</font><br>
<font>Na interpretação de um contrato, «</font><i><font>deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo, em especial, à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas das mesmas, às negociações entabuladas pelas partes e às finalidades por elas prosseguidas, ao próprio tipo negocial, à lei, aos usos e costumes, e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>E o conceito de declaratário normal supõe, por um lado, a capacidade para apreender o conteúdo da declaração, e, por outro, a diligência média para captar todos os demais elementos que, para além daquele conteúdo, contribuam para o conhecimento da vontade real do declarante, entre os quais: a finalidade visada pelo negócio; o percurso das negociações entabuladas e as circunstâncias antecedentes ou contemporâneas da celebração do negócio; os usos e os costumes por esta recebidos; e, naturalmente, o teor literal do negócio.</font><br>
<font>Balizados os termos da interpretação da declaração contratual, perante a matéria assumida pela decisão recorrida como provada neste processo, quanto à questionada estipulação e ao seu enquadramento fáctico, cumpre determinar o sentido juridicamente relevante da declaração negocial que no caso ajuizado a exequente e o executado (e a sua ex-mulher) produziram, em conformidade com as expostas directrizes consagradas na lei.</font><br>
<font>Como se retira do acima explanado, como regra, a insolvência de um dos mutuários não comunicaria a sanção da perda do benefício do prazo ao outro mutuário.</font><br>
<font>Por outro lado, a perda pelo devedor do benefício do prazo em relação às prestações ainda em dívida e a consequente exigibilidade do seu cumprimento imediato justificam-se com a quebra da relação de confiança – o que a própria recorrente evoca – em que assenta o plano de pagamento calendarizado, mas que é inerente à verificação de uma qualquer das faltas legalmente previstas como causais daquela quebra: insolvência do devedor, diminuição, por causa imputável ao devedor, das garantias do crédito, ou falta de realização de uma ou mais prestações (arts. 780º e 781º do CC).</font><br>
<font>Ora, no caso dos autos, estaria em questão o afastamento da analisada regra legal supletiva numa situação em que não só não ocorreu falta de cumprimento por parte do mutuário executado como tudo indica que foi a exequente quem o recusou [cf. al e) supra]. Acresce que a dita insolvência foi decretada depois de dissolvido o casamento da co-mutuária com o executado e de efectuada a partilha dos bens comuns do ex-casal, no âmbito da qual a fracção autónoma onerada com a garantia real de que gozava o crédito da exequente tinha sido adjudicada ao executado, que também assumira a responsabilidade pela satisfação de tal crédito. Por isso, a insolvência da co-mutuária não acarretou a diminuição substancial das garantias do crédito da exequente, designadamente em nada buliu com a garantia real de que o mesmo gozava, na medida em que aquela não era já titular de qualquer direito relativo ao bem onerado e, por isso, o mesmo não foi objecto de apreensão no processo em que a insolvência foi decretada.</font><br>
<font>O acórdão do TRG de 9-02-2017 (P. 59/14.3T8BGC-A.G1), que fundamentou a admissão desta revista excepcional, defrontou-se com a bem diferente situação decorrente de uma declaração de insolvência que recaiu sobre um dos obrigados que era, simultaneamente, titular de quota-parte da propriedade do imóvel hipotecado como garantia do crédito da aí exequente, a qual, por isso, fora apreendida no processo de insolvência. Esse circunstancialismo autorizou aquele Tribunal a concluir: «</font><i><font>se a quota-parte do imóvel dado de garantia pertença do devedor insolvente foi apreendida para a massa insolvente é claro que a garantia que o credor tinha ficou diminuída, pois ficando o prédio “fracionado” a respectiva venda será mais difícil e menos rentável, sendo certo que conforme resulta do documento proveniente da Conservatória de registo predial existem outros credores com ónus registados sobre a mesma quota parte</font></i><font>».</font><br>
<font>Estamos, pois, perante um caso com contornos nada semelhantes aos do decidido naquele outro processo da Relação de Guimarães, uma vez que, aqui, a garantia inerente à hipoteca permaneceu incólume, não sendo, sequer, ponderável a quebra da relação de confiança como fundamento do direito que a exequente aqui pretendeu exercer: à luz das regras da boa-fé </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, nada nos autos justifica, em relação ao executado, a perda da confiança em que assentara o acordo de pagamento diferido e escalonado no tempo e, por isso, a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações futuras.</font><br>
<font>Assim sendo, a pretensão da recorrente só assumiria um qualquer significado perceptível se se pudesse afirmar que os outorgantes do questionado pacto, contra o que normalmente sucede, pretenderam, clara e seguramente, reconhecer o direito de aquela poder pôr termo ao contrato e exigir de qualquer dos mutuários a integral satisfação das prestações vincendas, uma vez declarada a insolvência de um deles, ainda que esta se não repercutisse na garantia real do crédito.</font><br>
<font>Ora, um tal resultado interpretativo, para além de não colher qualquer sentido perante a apontada razão de ser do explanado complexo normativo, também não teria um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso: a declaração escrita, para mais aposta num típico contrato de adesão – com cláusulas prévia e unilateralmente elaboradas e subscritas sem prévia negociação individual –, está muito longe de ser idónea a tal putativo reconhecimento, dado que no atinente a esse tema previa apenas a hipótese de «</font><i><font>o “Mutuário” se tornar insolvente</font></i><font>».</font><br>
<font> </font><br>
<font>Por conseguinte, improcede o recurso. </font><div><font>*</font></div><u><font>Síntese conclusiva</font></u><font>:</font><br>
<font>1. A solidariedade (passiva) de uma obrigação faculta ao credor o direito de exigir de cada um dos devedores, por si só, a prestação integral (art. 512º, nº 1, do CC), mas dessa garantia concedida ao credor, destinada a assegurar maior eficácia ao seu direito, não decorre, necessariamente, em relação a qualquer um dos co-devedores, a perda do benefício do prazo convencionado, em que a regra é o seu estabelecimento a favor do devedor (art. 779º do CC).</font><br>
<font>2. E daí que o legislador tenha preceituado, supletivamente, que «</font><i><font>a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor</font></i><font>» (art. 782º do CC), sem distinguir/excluir os solidariamente responsáveis, pelo que, não obstante não ser lícito ao devedor solidário demandado opor o benefício da divisão (art. 518º do CC), a solidariedade da obrigação, por si só, não confere ao credor o direito de declarar o vencimento imediato da dívida ainda existente perante o co-obrigado a quem não se estenda a causa que determine a perda do benefício do prazo quanto a outro.</font><br>
<font>3. Não se apurando a vontade real do declarante, a declaração deve valer com o sentido que um declaratário normal (medianamente instruído, diligente e sagaz), colocado na posição do declaratário efectivo, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, atendendo a todas as circunstâncias do caso concreto, que aquele teria tomado em conta, e demais elementos que contribuam para o conhecimento da vontade real do declarante (a finalidade visada pelo negócio, o percurso das negociações entabuladas e as circunstâncias antecedentes ou contemporâneas da celebração do negócio, os usos e os costumes por esta recebidos, e o teor literal do negócio).</font><br>
<font>4. Com tais pressupostos, a cláusula (prévia e unilateralmente elaborada pelo banco e subscrita sem prévia negociação individual) de um contrato de mútuo com hipoteca em que consta (nomeadamente) «…</font><i><font>Assiste ainda à “IC” o direito de pôr termo ao contrato e exigir o integral reembolso daquilo que lhe for devido por força do mesmo, se o “Mutuário” … se tornar insolvente</font></i><font>» não permite afirmar que os outorgantes, contra o supletivamente estatuído, pretenderam, clara e seguramente, reconhecer ao banco o direito de poder pôr termo ao contrato e exigir de qualquer dos ex-cônjuges mutuários a integral satisfação das prestações vincendas, uma vez declarada a insolvência da ex-mulher do executado (cf. art. 91º do CIRE), sem qualquer repercussão na garantia real que onerava o imóvel, dado que este, na partilha subsequente ao divórcio daqueles, foi adjudicado apenas ao executado, que assumiu a dívida em questão e cumpriu pontualmente o contrato. </font><div><font>*</font></div><font> </font>
<p><u><font>Decisão</font></u><font>:</font><br>
<font>Nos termos expostos, negando a revista, confirma-se a decisão recorrida.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas pela recorrente. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font></p><div><br>
<font>Lisboa, 16/5/2018</font></div><br>
<font> </font><div><br>
<font>Alexandre Reis</font>
<p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Cabral Tavares</font></p></div><br>
<font>---------------------</font><br>
<a><font>[1]</font></a><font> Aliás, também o art. 780º do CC prescreve que, «Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, (…) ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito».</font><br>
<a><font>[2]</font></a><font> Sobre esta matéria, esclareceu A. Varela, in D. Obrigações, Vol. II, 5ª ed., p. 55: «A perda do beneficio do prazo, nos termos previstos pelo artigo 780.º, pode resultar da insolvência de um só dos devedores, quando eles forem vários, ou ser devida a facto imputável também só a um ou alguns deles. Quando assim for, mesmo que a dívida seja solidária, a sanção aplicável ao devedor directamente em causa não se estende aos outros co-obrigados. Essa seria a solução imposta pelos princípios fundamentais da solidariedade, em matéria de meios pessoais de defesa. Mas o artigo 782.º não hesitou em consagrá-la aberta e directamente, dizendo que a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor.».</font><br>
<a><font>[3]</font></a><font> Como é sabido, o STJ é, organicamente, um Tribunal de revista, pelo que, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito (art. 46º da LOSJ), sendo a sua competência para a cognoscibilidade, em matéria de recurso (de revista), circunscrita a questões de direito (arts. 674º, nº 3, e 682º, nº 2, do CPC) e não abarcando a matéria de facto nem as provas em que assentou a decisão que a fixou.</font><br>
<a><font>[4]</font></a><font> P. 06A1003.</font><br>
<a><font>[5]</font></a><font> Os resumidos critérios consagram a vulgarmente denominada teoria da impressão do declaratário (Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 418), segundo a qual «objectivo da lei é, em tese geral, o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir» (A. Varela e P. de Lima, em CC, Anot., I, p. 1529.</font>
<p><a><font>[6]</font></a><font> Esse sentido sem correspondência mínima no texto pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (art. 238º nº 2).</font><br>
<a><font>[7]</font></a><font> P. 14/06.7TBCMG.G1.S1.</font><br>
<a><font>[8]</font></a><font> Também o Acórdão deste Tribunal de 31-05-2012 (3671/09.9TBPTM-A.E1.S2) concluiu: «Tratando-se de negócio formal, a declaração há-de valer com o sentido nela objectivado, apreensível por um destinatário medianamente sagaz e diligente, mas dotado das informações de que o destinatário real efectivamente tivesse, desde que tal sentido tenha um mínimo de correspondência no texto (excepto se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade)»</font>
</p><p><a><font>[9]</font></a><font> Acórdão desta Secção de 16-04-2013 (2449/08.1TBFAF.G1.S1), citando Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª ed., 2010, p. 547.</font><br>
<a><font>[10]</font></a><font> É sobejamente reconhecido que a boa-fé, pela qual as partes devem pautar a sua conduta, consubstancia um princípio subjacente a todas as fases da vida do contrato: nos seus preliminares e formação, na sua integração, na sua alteração e no seu cumprimento (arts. 227º, 239º, 437º e 762º do CC), sendo que, se a violação desse princípio for manifesta, é ilegítimo o exercício do direito contratualmente assegurado (art. 334º CC). A razão de ser de as partes deverem adoptar comportamentos conformes às regras da boa-fé está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes em todo o percurso negocial, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato, ou seja, tanto na fase tendente à celebração do contrato, como na da sua conclusão e execução: «Toda a conduta, todo o agir ou interagir comunicativo, além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal) desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente» e «todo o agir comunicativo implica uma auto-vinculação (uma exigência de fidelidade à pretensão que lhe é inerente), na medida em que desperta nos outros determinadas expectativas quanto a uma conduta futura. Mas esta auto-vinculação não tem que ter em todos os casos a mesma força» (Baptista Machado, in RLJ 117º-233). <br>
</font></p><hr></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_jKGu4YBgYBz1XKvXRXH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Revista nº3585/14.0TBMAI.P1.S1</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>1 – Relatório.</font></b>
</p><p><font>No 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da ..., AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e marido CC, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre o edifício que identifica na petição inicial, a restituírem imediatamente à autora, inteiramente livre e desocupada, a parte desse edifício que ocupam, e a pagarem à autora uma indemnização de 20.000 escudos por cada dia que decorrer entre a citação e a efectiva restituição à autora da parte do edifício que reivindica. </font>
</p><p><font>Os réus contestaram, concluindo pela verificação daas seguintes excepções peremptórias:</font>
</p><p><font>Ia) a nulidade parcial da escritura de 12/11/1986, por simulação;</font>
</p><p><font>Ib) a falsidade dessa escritura;</font>
</p><p><font>Ic) nulidade parcial do registo feito com base nessa escritura;</font>
</p><p><font>Id) aquisição por usucapião da casa Poente da Quinta do ...;</font>
</p><p><font>Ie) se assim não se entender, a aquisição derivada e por usucapião de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ...;</font>
</p><p><font>If) o abuso do direito por parte da autora.</font>
</p><p><font>Concluem, ainda, que:</font>
</p><p><font>II) a acção seja julgada improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos. </font>
</p><p><font>Em sede de reconvenção, os réus pedem que a autora seja condenada:</font>
</p><p><font>IIIa) a reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ...;</font>
</p><p><font>IIIb) a reconhecer que a ré é plena proprietária do Palheiro da ...;</font>
</p><p><font>IIIc) a reconhecer que a ré é plena proprietária da quinta de ..., também denominada Casa da ...;</font>
</p><p><font>IIId) a não perturbar, ou por qualquer forma pôr em causa, o direito de propriedade da ré sobre esses prédios.</font>
</p><p><font>Os réus integram na pretensão de reconvenção, na eventualidade de a autora não ter reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ..., que a autora seja condenada:</font>
</p><p><font>IV) a reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ....</font>
</p><p><font>Os réus integram na pretensão de reconvenção, na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ... e na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ..., que:</font>
</p><p><font>Va) seja proferida sentença que transmita para a ré a casa Poente da Quinta do ...;</font>
</p><p><font> Vb) ou que seja proferida sentença que transmita para a ré metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ....</font>
</p><p><font>Os réus integram na pretensão de reconvenção, na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ..., na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ..., na eventualidade de não ser proferida sentença que transmita para a ré a casa Poente da Quinta do ... e na eventualidade de não ser proferida sentença que transmita para a ré metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ..., que:</font>
</p><p><font>VIa) a autora seja condenada a pagar à ré a importância de 400.000.000 de escudos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação;</font>
</p><p><font>VIb) a autora seja condenada a pagar à ré a importância de 13.500.000 escudos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação.</font>
</p><p><font>Os réus concluem que se deve ordenar:</font>
</p><p><font>VIIa) o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à casa Poente da Quinta do ... se refere;</font>
</p><p><font>VIIb) o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ... se refere;</font>
</p><p><font>VIIc) o cancelamento da inscrição G2 sobre a parte urbana da descrição 61/020785 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ...; </font>
</p><p><font>VIId) o cancelamento da inscrição G1 sobre a descrição 692 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ....</font>
</p><p><font>Concluem, também, os réus que:</font>
</p><p><font>VIII) a autora seja condenada como litigante de má fé, com multa e com indemnização aos réus, esta a liquidar oportunamente.</font>
</p><p><font>Após réplica e tréplica, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida </font><b><font>sentença</font></b><font>, decidindo-se nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>I- julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção e, consequentemente: </font>
</p><p><font>a) Condenar os réus a reconhecerem que a autora é proprietária da parte urbana do prédio sito no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o número 00.738, conhecido por Quinta do ..., inscrita na respectiva matriz urbana sob o artigo 581;</font>
</p><p><font>b) Condenar os réus a restituírem imediatamente, inteiramente livre e desocupada, a parte que ocupam do referido prédio;</font>
</p><p><font>c) No mais, julgar improcedente a acção.</font>
</p><p><font>II- julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção e, consequentemente: </font>
</p><p><font>a) Condenar a autora a reconhecer que a ré é plena proprietária do prédio urbano sito na ... do ..., freguesia da ..., concelho de ..., composta de casa térrea (hoje demolida) e casa de rés do chão e primeiro andar para habitação, logradouro e quintal, a confrontar do Poente com estrada, do Sul com Rua … e do Norte e Nascente com urbanização, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 61 e inscrito na matriz urbana nos artigos 1 e 2;</font>
</p><p><font>b) Condenar a autora a reconhecer que a ré é plena proprietária do prédio urbano, uma morada de casas altas, de habitação, de rés do chão e andares, com quintal, sito no Lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 000/00001026 da freguesia de ... e inscrito na matriz no artigo 78;</font>
</p><p><font>c) Condenar a autora a não perturbar ou por qualquer forma pôr em causa o direito de propriedade da ré sobre esses prédios;</font>
</p><p><font>d) Ordenar o cancelamento da inscrição G2 sobre a parte urbana da inscrição 61/020785 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ..., bem como da inscrição G1 sobre a descrição 000/00001026 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ..., em conformidade com o supra decidido quanto aos respectivos prédios;</font>
</p><p><font>e) No mais, julgar improcedente a reconvenção.</font>
</p><p><font>Mais se decidiu que as custas relativas aos pedidos da autora seriam suportadas pela autora e pelos réus na proporção de um oitavo e de sete oitavos, respectivamente, e que as custas relativas à reconvenção seriam suportadas pela ré e pela autora na proporção de nove décimos e de um décimo, respectivamente. </font>
</p><p><font>Autora e réus interpuseram recursos de apelação daquela sentença, tendo o acórdão da Relação do … decidido nos termos seguintes:</font>
</p><p><i><font>«- Confirmam a sentença para o efeito de condenarem os réus a reconhecerem que a autora é a única proprietária de toda a Quinta do ..., sita no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrita na Conservatória do Registo Predial da ... sob o número 00.738;</font></i>
</p><p><i><font>- Confirmam a sentença para o efeito de condenarem os réus a restituírem à autora, imediatamente, inteiramente livre e desocupada, a parte que ocupam na Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>- Julgam a apelação da autora parcialmente procedente e condenam os réus a pagarem à autora a quantia de 425.161,92€, bem como condenam os réus a pagarem à autora a quantia de 78,04€ por cada dia que decorrer entre 29/10/2015 e o dia em que efectivamente lhe entreguem a casa Poente da Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>- Julgam a apelação dos réus parcialmente procedente, pelo que na procedência parcial do pedido reconvencional VIb) condenam a autora a pagar à ré a quantia de 12.445€, acrescida de juros, contados à taxa anual de 7% entre 13/1/2001 e 30/4/2003 e à taxa anual de 4% desde 1/5/2003 até integral pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>- Confirmam a sentença na parte de improcedência dos seguintes pedidos dos réus:</font></i>
</p><p><i><font>IIIa) Condenação da autora a reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>IIId) Condenação da autora a não perturbar, ou por qualquer forma pôr em causa, o direito de propriedade da ré sobre a casa Poente da Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>IV) Condenação da autora a reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>Va) Que seja proferida sentença que transmita para a ré a casa Poente da Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>Vb) Ou que seja proferida sentença que transmita para a ré metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ...;</font></i>
</p><p><i><font>VIa) Condenação da autora a pagar à ré a importância de 400.000.000 de escudos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação;</font></i>
</p><p><i><font>VIIa) Que se ordene o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à casa Poente da Quinta do ... se refere;</font></i>
</p><p><i><font>VIIb) Que se ordene o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ... se refere;</font></i>
</p><p><i><font>VIII) Condenação da autora como litigante de má fé.</font></i>
</p><p><i><font>- Revogam a sentença na parte de condenação em custas;</font></i>
</p><p><i><font>- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor de 118.330,56€ e que os réus pagarão custas sobre o valor de 824.200,24€, reportando-se essa condenação aos pedidos da autora e à fase dos autos que correu na primeira instância;</font></i>
</p><p><i><font>- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor de 118.330,56€ e que os réus pagarão custas sobre o valor de 824.200,24€, reportando-se essa condenação aos pedidos da autora e à fase dos autos que correu nesta segunda instância;</font></i>
</p><p><i><font>- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor de 194.506,23€ e que os réus pagarão custas sobre o valor de 2.050.084,31€, reportando-se essa condenação aos pedidos formulados pelos réus em reconvenção e à fase dos autos que correu na primeira instância;</font></i>
</p><p><i><font>- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor tributário de 12.445€ e que os réus pagarão custas sobre o valor tributário de 2.050.084,31€, reportando-se essa condenação aos pedidos formulados pelos réus em reconvenção e à fase dos autos que correu nesta segunda instância».</font></i>
</p><p><font>Inconformados, os réus interpuseram recurso de revista daquele acórdão.</font>
</p><p><font>Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font>
</p><p><b><font>2 – Fundamentos.</font></b>
</p><p><b><font>2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:</font></b>
</p><p><font>1 DD [“mãe”] faleceu no dia 00/0/1989, no estado de viúva de EE [A) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>2 FF [“tia”] faleceu no dia 00/00/1977, sucedendo-lhe como única herdeira a dita DD [B) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>3 Mediante escritura pública de 7/7/1977, GG, na qualidade de procurador da tia, declarou vender à autora e à ré que, por seu turno, declararam comprar, em comum e partes iguais, como alodial e livre de encargos, pelo preço de 2.400.000 escudos, uma propriedade mista, toda unida, denominada HH, sita no Lugar do ... ou ..., da freguesia de ..., concelho da ..., descrita na Conservatória sob o nº 00.739, conforme fls. 13 a 18 [C) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>4 No mês de Agosto de 1978, com conhecimento e sem oposição da mãe, a autora e a ré procederam à divisão física em duas partes de parte do prédio Quinta do ..., sito no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº 00.738, parte essa inscrita na respectiva matriz urbana sob o artigo 581 [D) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>5 A divisão aludida em 4 incidiu, pelo menos, sobre o edifício de três pavimentos, para habitação, claustro, dependência, jardim, pátio e logradouro [E) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>6 Tendo-se destinado a possibilitar que a autora e a ré pudessem passar a habitar e residir com as respectivas famílias no referido edifício com privacidade própria e como se de duas casas se tratassem [F) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>7 No ano de 1982, a mãe passou a residir no edifício referido em 5, dormindo na parte ocupada pela autora [G) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>8 Em 27/12/1985, mediante escritura pública, a mãe declarou doar à autora e à ré que, por seu turno, declararam aceitar tal doação, em comum e partes iguais e por conta da quota disponível, a Quinta do ... [H) dos factos assentes], </font>
</p><p><font>9 tendo a autora e a ré requerido o registo predial dessa aquisição a favor de ambas, o qual se mostra efectuado mediante a inscrição 00.190, lavrada a fls. 84 do livro G-23, desde o dia 17/6/1986 [I) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>10 Em 12/11/1986, mediante escritura pública denominada “troca”, a ré declarou dar à autora a metade indivisa que possuía nos prédios urbanos que integravam a HH, bem como a metade indivisa da Quinta do ... [J) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>11 E a autora declarou dar à ré a metade indivisa que possuía no prédio rústico que integrava a HH [L) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>12 A escritura pública aludida em 10 foi lida em voz alta, na presença da autora e da ré, e o seu conteúdo foi-lhes explicado pelo notário [M) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>13 A autora procedeu ao registo predial da aquisição aludida em 10, a qual se mostra efectuada sob a inscrição 00.656, a fls. 114 vº do livro G-24, desde o dia 15/9/1987 [N) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>14 E a ré procedeu ao registo de metade da parte rústica da HH [O) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>15 Após a celebração da escritura pública aludida em 10, a ré continuou a residir, como até ali vinha fazendo, na metade do edifício identificado em 4 [P) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>16 E procedeu ao loteamento, para venda, do prédio aludido em 3 [Q) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>17 No decurso do ano de 1990, a autora e a ré partilharam entre si dois pares de brincos, sendo um desses pares avaliado em 800.000 escudos e o outro em 500.000 escudos, ficando o mais valioso a pertencer à autora e o de menor valor a pertencer à ré [R) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>18 A autora e a ré partilharam entre si uma cama indo-portuguesa que pertencera à mãe, adjudicando-a à autora [S) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>19 A tia era proprietária, pelo menos, dos seguintes bens:</font>
</p><p><font>A) No concelho da ...: </font>
</p><p><font>- propriedade mista HH, composta por casa de rés-do-chão e andar, com direito e esquerdo, inscrita na matriz urbana no artigo 060, casa de rés-do-chão e andar, com direito e esquerdo, inscrito na matriz no artigo 061, e terreno a mato e pinhal, cultura e pastagem, inscrito na matriz nos artigos 020, 021, 023, 025, 027, 096, 097, 098 e 700;</font>
</p><p><font>- prédio misto Quinta do ..., composto de casa de três pavimentos, dependência, jardim, pátio, terreno de lavradio e pomar, inscrito na matriz nos artigos 081 urbano e 087, 088, 090, 093 e 094 rústicos.</font>
</p><p><font>B) No concelho de ...:</font>
</p><p><font>- prédio misto, sito na ... do ..., freguesia da ..., composto de casa térrea e casa de rés-do-chão e primeiro andar e área descoberta, inscrito na matriz nos artigos 1 e 2 urbano e 2.717 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 00/000785 de ....</font>
</p><p><font>C) No concelho de ...:</font>
</p><p><font>- prédio rústico, terreno de lavradio com vinha e terreno inculto com mato, situado no lugar do ... (antigo ...), freguesia de ..., a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 008;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, terreno de mato e pinheiros, sito no mesmo lugar, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 009;</font>
</p><p><font>- prédio rústico, Quinta da ..., terreno de lavradio, com vinha, oliveiras e outras árvores de fruto e terreno inculto com mato, sito no mesmo lugar, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 310; </font>
</p><p><font>- prédio rústico, terreno a mato e pinheiros, sito no mesmo lugar, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 311;</font>
</p><p><font>- prédio urbano, uma morada de casas altas, de habitação, de rés-do-chão e andar, com quintal e demais pertenças, sito no lugar de ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 000/001026 da freguesia de ... e inscrito na matriz no artigo 78 [T) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>20 A autora e a ré contrataram um avaliador para atribuir o valor aos bens situados em ... e na ... e para sugerir uma divisão com base nos valores que apurasse [U) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>22 A divisão aludida em 4 consistiu na construção de paredes fixas nos locais por onde passava a linha acordada como divisória das casas [V) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>21 e 23 Sendo a parte habitada pela autora denominada casa Nascente e a parte habitada pela ré denominada casa Poente [X) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>24 Tendo sido a autora quem construiu a totalidade das divisórias, designadamente as paredes fixas [Z) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>25 A rede eléctrica da casa Nascente e da casa Poente está separada, estando instalados contadores próprios para cada uma das casas [AA) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>26 A autora e a ré construíram na casa Nascente e na casa Poente cozinhas e instalações sanitárias próprias [BB) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>27 As obras feitas pela autora na casa Nascente foram de maior vulto que as feitas pela ré, tendo implicado a construção de novas salas e outras dependências anteriormente não existentes [CC) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>28 As casas passaram a ter entradas próprias, totalmente independentes e para ruas diferentes [DD) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>29 Logo a seguir à divisão aludida em 4, a autora contratou o seu próprio seguro de incêndio [EE) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>30 Desde Agosto ou Setembro de 1978, a autora passou a residir na casa Nascente e a ré na casa Poente e passaram a utilizar as partes exteriores complementares a essas casas [FF) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>31 No exterior da casa Poente, a ré foi tratando do jardim, nele plantando flores e árvores ornamentais [GG) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>32 E no choupelo (terreno destinado a quintal, situado a Sul do jardim), a ré planta e colhe produtos hortícolas [HH) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>33 Entre um e outro construiu uma rampa para passagem de viaturas [II) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>34 O terreiro entre a casa, o choupelo e a tulha, é habitualmente limpo de ervas daninhas e o seu piso regularizado pela ré, por forma a manter-se plano e utilizável para passagem de pessoas e veículos e para estacionamento destes [JJ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>35 Nesse terreiro, a ré construiu uma garagem para quatro automóveis [LL) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>36 Até ao princípio do ano de 1997, a ré utilizou a tulha e adega (anexo em pedra situado a Poente do terreiro) para arrumos e arrecadações agrícolas [MM) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>37 Presentemente a tulha vem sendo utilizada para a realização de festas [NN) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>38 A ré cultivou directamente, com assalariados agrícolas, ou através de caseiros, a parte da HH destinada a cultivo, colhendo os seus frutos [OO) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>39 E da parte inculta colheu mato e lenha, cortou árvores, que vendeu ou utilizou para madeira [PP) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>40 E negociou a venda de uma parcela de terreno e recebeu o respectivo preço [QQ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>41 Na escritura de venda dessa parcela, a autora e a ré outorgaram como vendedoras [RR) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>42 Sem que a autora tenha intervindo nas negociações que deram origem a essa venda e sem que tenha recebido a parte do preço respectivo, limitando-se a assinar aquilo que lhe era solicitado pela ré [SS) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>43 E a autora passou a cultivar, através de caseiros agrícolas, a parte rústica da Quinta do ..., recebendo as suas rendas [TT) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>44 No ano de 1978, a autora construiu um edifício para vacaria na zona do logradouro junta à Rua ... e também uma garagem para recolha de automóveis [UU) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>45 E negociou a venda de duas parcelas de terreno e recebeu os respectivos preços [VV) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>46 No terreno fronteiro à casa Nascente, a autora desenhou e construiu um jardim totalmente autónomo em relação ao espaço exterior da casa Poente [XX) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>47 E no topo Nascente desse jardim, a autora abriu uma entrada carral para acesso à casa Nascente, totalmente independente da entrada para a outra casa [ZZ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>48 Na casa e logradouro situados no lugar da ... do …, freguesia de ..., concelho de ..., a ré fez obras de conservação, designadamente arranjando por diversas vezes o telhado, reparando e pintando as paredes, mudando e reparando as canalizações e a instalação eléctrica [AAA) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>49 E trata do logradouro anexo, mantendo-o limpo de ervas e silvas [BBB) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>50 Praticando todos estes actos à vista de todas as pessoas, designadamente da autora [CCC) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>51 E sem oposição de ninguém [DDD) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>52 Actuando na plena convicção de que, por exercer um direito próprio, não prejudica quem quer que seja [EEE) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>53 A autora reconheceu a ré como proprietária do prédio aludido em 48 [FFF) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>54 A casa e logradouro situados na ... são contíguos a um prédio rústico conhecido por Areal da ... [GGG) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>55 Esse prédio foi sujeito a loteamento, tendo sido já vendido a terceiros a totalidade dos lotes [HHH) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>56 Em 1978 a ré passou a usar e fruir a Casa e Quinta da ..., em ... [III) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>57 Desde 1978 é a ré quem tem as chaves das casas [JJJ) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>58 Utilizando a casa para habitação nas férias e em alguns fins de semana [LLL) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>59 A ré fez obras de conservação, tendo designadamente renovado todo o primeiro andar, consertando e pintando as janelas, reparando o soalho e reconstruindo a cozinha e os quartos de banho [MMM) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>60 E trata dos logradouros e anexos, mantendo-os limpos de ervas e silvas [NNN) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>61 A ré negociou a venda de toda a parte rústica da quinta, parte a um particular e outra parte à Junta de Freguesia [OOO) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>62 E recebeu a totalidade dos preços [PPP) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>63 Para a celebração da escritura de venda ao particular, outorgada em 21/4/1979, a ré muniu-se de uma procuração da mãe [QQQ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>64 E para a escritura de venda à Junta de Freguesia de ... muniu-se de uma procuração da autora [RRR) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>65 Nem a mãe, nem a autora interferiram nas negociações, nem reclamaram o preço ou parte dele [SSS) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>66 Limitando-se a passar as procurações que a ré lhes solicitou, sem pedirem quaisquer explicações [TTT) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>67 Todos estes actos foram praticados à vista de toda a gente, designadamente da autora [UUU) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>68 Sem oposição de ninguém [VVV) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>69 A autora assinou o documento “contrato de comodato” junto a fls. 224 a 226 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido [XXX) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>70 A casa da Quinta do ... compõe-se de um edifício em forma de U, de três pisos nas suas alas Sul e Nascente e de um piso na ala Poente, com um claustro no interior; um jardim a Sul; um terreiro a Poente e Sul; uma horta a Sul do jardim denominada choupelo; um anexo denominado tulha e adega, outrora destinado a arrecadação de cereais e de vinhos [ZZZ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>71 A ala Sul do edifício principal - parte Poente - é constituída no rés-do-chão por hall de entrada, átrio (antiga cozinha) com porta para o claustro, sala grande, cozinha, copa e WC de empregada [AAAA) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>72 Estando dividida da parte Nascente através de uma parede de pedra e de uma antiga porta de comunicação, hoje tapada através de uma parede de tijolo [BBBB) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>73 E no primeiro andar é constituída por quatro quartos grandes, dois quartos de banho, um quarto de arrumos (pequeno) e um corredor [CCCC) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>74 Estando dividido da parte Nascente através das escadas de acesso do rés-do-chão ao primeiro andar [DDDD) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>75 E no segundo andar é constituída por três salas grandes, um hall entre duas salas, hall de entrada (ao subir das escadas) e dois quartos pequenos [EEEE) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>76 Estando dividida da parte Nascente através de uma parede de tijolo, no local de um antigo corredor, e, na parte restante, através de uma parede [FFFF) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>77 Esta ala Sul é ainda integrada pelas escadas de comunicação entre os três pisos [GGGG) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>78 A ala Poente do edifício principal - parte Poente - é constituída por dois quartos de banho, um quarto pequeno, uma lavandaria, um quarto grande, um corredor, um quarto de arrumas (antiga garagem), quarto do jardineiro e uma garrafeira [HHHH) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>79 O espaço entre as alas Sul, Nascente e Poente forma o denominado claustro [IIII) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>80 Estando dividido através de uma rede [JJJJ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>81 A parcela do claustro integrada na casa Poente é a do lado Poente e corresponde a cerca de quatro quintos do total [LLLL) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>82 O jardim a Sul e a Nascente do edifício principal encontra-se dividido do jardim da casa Nascente através de uma grade com uma cancela, que se prolonga por 3,75 metros para Sul, a partir da face exterior da parede Sul do edifício principal; uma rede que se inicia nessa grade e se prolonga para Nascente numa extensão de 10,20 metros; uma rede com sebe viva que se prolonga por 33 metros para Sul, desde a rede anteriormente referida até ao muro de suporte do jardim [MMMM) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>83 A parte do jardim que faz parte da casa Poente é a que se situa a Poente da linha divisória assim definida e, juntamente com o terreiro Sul, tem uma área aproximada de 1.500 metros quadrados (36,2 metros no sentido Poente/Nascente e 33 metros no sentido Norte/Sul) [NNNN) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>84 A Sul deste jardim, existe a horta choupelo, que, do lado Nascente, se encontra dividida do jardim da casa Nascente através de uma rede com sebe viva, com a extensão de 70,20 metros; do lado Sul confronta com a parte rústica da Quinta do ..., da qual está dividida por um muro de pedra com a extensão de 57,5 metros; e do Poente com a vala da vacaria e a parede do celeiro do caseiro, que fazem parte da mesma parte rústica, com uma extensão de 68 metros [OOOO) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>85 O choupelo está em plano inferior ao jardim, tem uma área aproximada de 4.000 metros quadrados (70,20 metros no sentido Norte/Sul e 57,5 metros no sentido Poente/Nascente) e todo ele se integra na casa Poente [PPPP) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>86 O choupelo, do lado Norte e numa extensão de 21,30 metros, confronta com a casa dos empregados do caseiro da Quinta do ... (a qual integra a parte rústica dessa quinta) [QQQQ) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>87 Nesse local a divisória é constituída por uma recta que une uma porta que dá acesso ao caseiro, para o lado Norte, ao princípio da vala, junto à esquina Sul/Poente da vacaria do caseiro, formando assim, um triângu1o [RRRR) dos factos assentes]. </font>
</p><p><font>88 Entre a ala Poente da casa e a tulha existe um terreiro com a área aproximada de 1.050 metros quadrados, que confronta do Norte com o adro da Igreja, do Nascente com a ala Poente da casa, do Sul com terreno da casa do caseiro atrás referido e do Poente com a tulha e adega, terreiro que integra, todo ele, a casa Poente [SSSS) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>89 E o mesmo acontece com a tulha e adega, com a superfície coberta de 350,8 metros quadrados, situada imediatamente a Poente do terreiro [TTTT) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>90 A casa Poente é ainda integrada por uma faixa de terreno a Poente da tulha com a área aproximada de 120 metros quadrados, incluindo um portão de acesso dessa faixa ao exterior (adro da igreja) [UUUU) dos factos assentes].</font>
</p><p><font>91 A divisão aludida em 4 foi efectuada com o acordo da mãe [1 da base instrutória].</font>
</p><p><font>92 Tendo sido motivada pela necessidade que a autora e o seu agregado familiar, até então residentes no …, sentiram nessa época em usar gratuitamente uma casa, para melhor enfrentarem o período de dificuldades económicas que atravessavam [2 da base instrutória].</font>
</p><p><font>94 Logo que a divisão aludida em 4 ficou concluída, com o acordo da mãe a autora e a ré passaram a ocupar, a título gratuito, respectivamente a casa Nascente e a casa Poente [resposta a 4 da base instrutória].</font>
</p><p><font>95 Nas circunstâncias aludidas em 7, a mãe circulava por toda a sua casa, através de uma porta existente num corredor [5 da base instrutória].</font>
</p><p><font>95A Na sequência da celebração da escr | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_jKKu4YBgYBz1XKvxRj_ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font><br>
<b><font>I – Relatório.</font></b>
<p><font>A demandante, “AA, Lda.”, intentou acção com processo ordinário, contra “EDP – Serviço Universal, S.A.”, pedindo que fosse reconhecida e declarada a “</font><i><font>inexistência ou subsistência de qualquer direito da ré em reclamar da autora o pagamento do valor da factura referida em 8.º e, consequentemente, de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica à autora</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Para o pedido que formula alinha a factualidade que, em síntese apertada, ressuma:</font>
</p><p><font>- No exercício da sua actividade de indústria de panificação, a demandante explora, no edifico onde labora a panificação, um estabelecimento de padaria, pastelaria e salão de chá;</font>
</p><p><font>- A demandante contratou com a demandada o fornecimento de energia eléctrica, tendo-lhe sido remetida em 30/05/2013, a factura como o nº …145, datada de 29/05/2013, no valor de trinta e dois mil setecentos e trinta e quatro mil e oitenta e um cêntimos (€ 32.734,81), relativa aos consumos de energia eléctrica entre 11/07/2008 e 23/07/2012; </font>
</p><p><font>- Por carta a demandante reclamou o não consumo dos factores ineridos na factura e que todos os fornecidos que haviam sido prestados haviam sido liquidados, devendo considerar-se prescritos ou caducados os direitos ao recebimento de quaisquer outras importâncias;</font>
</p><p><font>- Após troca de correspondência – cfr. artigos 9º a 16º e docs. de fls. 13 vº a 22 – que não terá merecido resposta da demandada;</font>
</p><p><font>- A demandante nega que a demandada tenha realizado qualquer inspecção, vistoria ou auditoria técnica aos equipamentos de contagem, ou a ter havido não terá sido efectivada ante a presença de representante da demandante;</font>
</p><p><font>- acresce que a demandante não foi informada de qualquer resultado de inspecções, vistorias e desconhece a existência de quaisquer autos ou relatórios, só tendo tido conhecimento de um “Auto de Vistoria do Ponto de Medição”, em 5/07/2013, sem que, contudo, nunca lhe tenha sido entregue ou remetido o referido auto;</font>
</p><p><font>- Impugna o referido auto – cuja anotações especifica de artigos 22º a 27º - apenas discrepando no campo das “Observações”, em que anota anomalias – cfr. artigo 29º - que contrasta com as demais indicações do auto (onde se estampa a não existência de referências anómalas), por referência a “</font><i><font>manipulação dos equipamentos de medição</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>- A demandante não foi informada do direito que lhe caberia de reclamar - requer a vistoria da Direcção Geral de Energia e Geologia – sendo que, entretanto já tinha diligenciado pela realização da mencionada vistoria – cfr. artigos 36º a 38º;</font>
</p><p><font>- Impugna a correcção dos valores facturados – cfr. artigos 39º a 48º - após o que descreve a colocação do equipamento de medição – exposição em local de acesso ao público, com possibilidade de manipulação de pessoas estranhas à autora e respectivos funcionários, sendo que a desselagem do equipamento poderia ter ocorrido poa acção dos próprios funcionários da demandada.</font>
</p><p><font>A demandada depois de ter introduzido a questão prévia de alteração da designação da empresa que procede à distribuição da energia, por imperativo da legislação publicada em 2006 (Decreto-lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro), passou à impugnação dos factos alinhados pela demandante – cfr. artigos 11 a 67, nomeadamente, que:</font>
</p><p><font>- A demandada, no âmbito de uma iniciativa de instalação de novos equipamentos de medição que permitissem a recolha de leituras através de sistema de telecontagem, agendou a deslocação de uma equipa técnica, ao local onde funciona o estabelecimento da demandante, para 9/01/2012;</font>
</p><p><font>- A equipa constatou que teria existido manipulação do equipamento de medição, ou seja objecto de procedimento fraudulento – “(…) a tampa exterior aos componentes estava desselada e que duas intensidades na placa de bornes estavam invertidas (intensidades S e T) (…) conforme auto que foi levantado no dia 09/01/12 por outra empresa os condutores dessas intensidades estavam cortadas”;</font>
</p><p><font>- A vistoria foi efectuada perante a Senhora BB, na qualidade de “</font><i><font>cliente</font></i><font>” ou “</font><i><font>seu representante que acompanhou os trabalhos</font></i><font>”, que assinou o auto tendo ficado com duplicado;</font>
</p><p><font>- O apuramento dos valores foi efectuado com as regras definidas, pelo RRC, para o sector eléctrico e pelo Decreto-lei nº 328/90, de 22 de Outubro – cfr. artigos 32 a 37, tendo a factura sido enviada para o cliente, com o valor apurado, em 29/05/2013, bem como o cálculo discriminativo, e que respeitava ao consumo efectuado entre 11/07/2008 e 23/07/2012. </font>
</p><p><font>Replicou a demandante – cfr. fls. 311 a 318 – em que reiterou, basilarmente, o já afirmado na petição inicial. </font>
</p><p><font>Após audiência de julgamento – fls. 358 a 362 – foi prolatada decisão em que se julgou “</font><i><font>a acção parcialmente procedente e declara-se que a ré não tem o direito de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica com fundamento no não pagamento da factura mencionada no artigo oitavo da petição inicial</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Da apelação interposta resultou a sequente decisão: </font><i><font>“(…) delibera-se julgar procedente a Apelação e, revogando-se a sentença recorrida, e julga-se a acção totalmente procedente e consequentemente declara-se a inexistência do direito da Ré em reclamar da Autora o pagamento do valor da factura referida em 8.º e, consequentemente, de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica à autora</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Interposto recurso (de revista) pela demandada, dessumiram os sequentes sumários conclusivos. </font>
</p><p><b><font>I.a). – QUADRO CONCLUSIVO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>“</font><i><font>1. A Recorrida intentou acção declarativa contra a aqui Recorrente, pedindo, em suma, que fosse reconhecida e declarada: a) a inexistência ou subsistência de qualquer direito da Recorrente em reclamar da Recorrida o pagamento da factura n.º …145, no valor de € 32.734,81 (trinta e dois mil, setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos); b) a inexistência ou subsistência de qualquer direito da Recorrente do direito de suspender ou interromper o fornecimento de energia eléctrica. </font></i>
</p><p><i><font>2. Em sede de contestação a Recorrente defendeu ter direito ao ressarcimento pelo valor do consumo de energia do qual a Recorrida irregularmente beneficiou, nos termos na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 328/90. </font></i>
</p><p><i><font>3. O direito da Recorrente foi devidamente reconhecido pelo Tribunal de 1.ª instância, quanto ao direito ao pagamento dos consumos irregulares, por ter resultado "(...) demonstrada que houve uma viciação dos aparelhos de medida dos consumos eléctricos (...)". </font></i>
</p><p><i><font>4. Contudo, decidiu o Tribunal da Relação não poder "dar-se como provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos (...)" alegando, em síntese que: </font></i>
</p><p><i><font>"I. não se demonstra que a Autora tenha sido cabalmente informada do que foi efectivamente constatado na vistoria, não lhe foi entregue cópia do auto de vistoria, nem foi informada do direito que lhe assistia de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia e Geologia no caso de não concordar com as conclusões da alegada inspecção feita pelo fornecedor de energia eléctrica (...). </font></i>
</p><p><i><font>Toda esta conduta fez com que a Autora não tenha tido a possibilidade de exercer a defesa que a lei lhe permite, inviabilizando-se, por isso, uma prova segura e credível daquilo que a Ré alega. </font></i>
</p><p><i><font>II -Não temos dúvidas que a actuação da Ré configura aquilo que se prescreve no artigo 344º, nº 2 do C. Civil: " Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo manda especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações". </font></i>
</p><p><i><font>Deste modo, não pode dar-se como provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos em causa e tudo o que daí decorre." </font></i>
</p><p><i><font>5. Inconformada com o acórdão proferido, que revogou totalmente a decisão recorrida, vem a Recorrente apresentar recurso do mesmo, por entender, essencialmente, que existe erro na aplicação e interpretação do disposto no Decreto-lei 328/90 de 22 de Outubro de 1990 à matéria de facto dada por provada, especialmente no que respeita ao direito de ressarcimento que assiste à Recorrente nos casos em que se verifica um procedimento fraudulento. </font></i>
</p><p><i><font>6. Resultou provado para o Tribunal de 1ª Instância, decorrente do teor do auto de vistoria junto como documento probatório e da restante prova testemunhal, que os técnicos da EDP Distribuição, após a inspecção feita ao contador da Recorrida, verificaram que a tampa exterior estava desselada e duas das três fases (ou intensidades) estavam invertidas. </font></i>
</p><p><i><font>7. Resultou igualmente provado que em consequência da inversão das duas fases de ligação ao contador, a energia efectivamente consumida na instalação da Recorrida não era registada nem facturada pela Recorrente! </font></i>
</p><p><i><font>8. Por último, resultou provado que, após o preenchimento do auto de vistoria ao contador, no qual foram inscritos os factos relacionados com as irregularidades detectadas, o mesmo foi assinado pelos técnicos da EDP Distribuição e pela Sr.ª BB, familiar directa dos sócios gerentes da Recorrida, isto é, mãe de um dos sócios e mulher do outro, para além de se ter identificado como pessoa responsável pelo estabelecimento no momento da vistoria ao contador. </font></i>
</p><p><i><font>9. Registada a anomalia e corrigida, impunha-se a contabilização da energia que havia sido consumida e não paga pela Recorrida, nos termos da lei em vigor, tendo sido emitida e enviada em Maio de 2013 a factura n.º …145, no valor de € 32.734,81 (trinta e dois mil, setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), para que a Recorrida procedesse ao seu pagamento. </font></i>
</p><p><i><font>10. Cumpre salientar, de acordo com a matéria que resultou provada e não provada, que em nenhum momento entre a realização da vistoria e a emissão da aludida factura, a Recorrida alguma vez tenha reclamado junto da Recorrente, quer do auto de vistoria quer do respectivo resultado, apesar de devidamente informada e ter inclusivamente presenciado da realização de todos os trabalhos e assinado o auto. </font></i>
</p><p><i><font>11. 0u seja, durante sensivelmente dez meses, a Recorrida conformou-se com o facto de ter sido detectada e reparada uma anomalia do contador da sua instalação, não contestou de forma nenhuma a acção dos funcionários que executaram a vistoria, nem tão pouco as facturas do fornecimento que foram emitidas posteriormente, de valor necessariamente superior ao habitual, sendo de concluir que a mesma sabia do problema ou, não sabendo, constatou que o mesmo existia. </font></i>
</p><p><i><font>12. Até que, lhe chega a factura n.º …145, no valor de € 32.734,81 (trinta e dois mil, setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), que até hoje a Recorrida não pagou, apesar de ter beneficiado da energia eléctrica e não ter de forma alguma manifestado discordância da acção de vistoria efectuada. </font></i>
</p><p><i><font>13.Verificado o procedimento fraudulento, a lei aplicável condiciona o ressarcimento do valor do consumo irregularmente feito à entrega do auto de vistoria e à prestação de informação sobre o direito da Recorrida requerer vistoria à Direcção Geral de Energia e Geologia? </font></i>
</p><p><i><font>14. Entende a Recorrente, à semelhança do Tribunal da 1ª Instância que, em função da matéria que resultou provada e da análise do dispositivo legal em causa, a resposta terá de ser forçosamente negativa. </font></i>
</p><p><i><font>15.Resultou provado que a acção de vistoria e o preenchimento do auto foram acções acompanhadas pela pessoa que se intitulou responsável pela Recorrida. </font></i>
</p><p><i><font>16.Não resultou provado que a pessoa em questão se tivesse recusado a assinar o auto, se tivesse recusado a que a anomalia do contador fosse reparada para assegurar a manutenção do fornecimento. </font></i>
</p><p><i><font>17. Este comportamento foi contrário do que sucede muitas vezes, em que as pessoas pedem que se aguarde pelos legais responsáveis das sociedades, gerentes, administradores, directores, antes de ser realizada qualquer acção, para que os mesmos a possam verificar pessoalmente e decidir entre duas possibilidades: </font></i>
</p><p><i><font>i) permitir a verificação do contador e sua reparação, caso seja detectada alguma anomalia, presenciando os trabalhos e assinando o respectivo auto; ou </font></i>
</p><p><i><font>ii) tendo permitido a verificação, não permitem a correcção da anomalia por discordarem do que lhes é transmitido e por pretenderem obter uma vistoria independente, aceitando nestas situações a contingência decorrente do corte de fornecimento até que tal vistoria independente seja realizada. </font></i>
</p><p><i><font>18. Apenas no caso de o consumidor não se conformar com a existência da anomalia e, bem assim, com a reparação é que o deve ser notificado do direito que lhe assiste em solicitar vistoria da Direcção Geral de Energia. </font></i>
</p><p><i><font>19. A vistoria da Direcção Geral de Energia do Ministério, prevista no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990 só se justifica nos casos em que os consumidores optem por não permitir a correcção da anomalia. </font></i>
</p><p><i><font>20. Porque se os consumidores permitem, como permitiu a Recorrida, que seja feita a correcção é evidente que qualquer vistoria se mostra desnecessária porque irá concluir pela inexistência de qualquer anomalia, porque a mesma já foi reparada! </font></i>
</p><p><i><font>21. Nos presentes autos não resultou provado que durante a diligência levada a cabo pelos técnicos a Recorrida tivesse colocado em causa a realização e resultado da vistoria realizada, nem a rectificação da anomalia verificada. </font></i>
</p><p><i><font>22. Não tendo colocado em crise a realização e resultado da vistoria realizada e permitindo a sua correcção da anomalia o Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990 não prevê nem obriga que a Recorrente tivesse notificado a Requerida, por escrito, do direito que lhe assistia de requer a vistoria à Direcção Geral de Energia porque a anomalia tinha sido rectificada! </font></i>
</p><p><i><font>23. 0 Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990 regulamenta as situações de fraude através da captação de energia sem aparelhos de medição ou a montante destes, quer através da viciação destes aparelhos ou dos dispositivos de segurança e controle. </font></i>
</p><p><i><font>24.Nos termos do artigo 1º, nº 1 daquele Diploma, constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica consumida ou da potência tomada a (…) a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos da medida ou do controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras. </font></i>
</p><p><i><font>25.Conjugando os factos descritos no auto de vistoria, que resultaram provados pelo Tribunal da 1ª Instância e que não foram colocados em crise no Acórdão de que se recorre, e do disposto no referido n.º 1 do artigo 1.º daquele dispositivo legal, é forçoso concluir que a desselagem do contador e a inversão das intensidades ao permitirem falsear a contagem de energia eléctrica configuram um procedimento fraudulento. </font></i>
</p><p><i><font>26.Também não merece qualquer reparo que a vistoria tenha sido efectuada na presença e com o conhecimento da Sr.ª BB, na qualidade de representante do cliente, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma legal [já sem considerar que resultou provado que a Sr. BB tem uma relação de especial proximidade com a gerência de Recorrida uma vez que é mão de um dos gerentes e esposa do outro]. </font></i>
</p><p><i><font>27. Nesse sentido não subsistem quaisquer dúvidas que a Recorrida teve conhecimento imediato da vistoria, conforme prevê e pretende a lei e dela não reclamou durante a sua execução, nem nos dez meses que se seguiram! </font></i>
</p><p><i><font>28. Pelo que, o argumento assente na não entrega de cópia do auto não poderá prevalecer nem ter por consequência a declaração da inexistência do direito da Autora ao ressarcimento pela energia consumida e não registada, uma vez que, no máximo, tal facto conjugado com a restante factualidade apenas poderá configurar uma mera irregularidade, sem qualquer repercussão no direito da Recorrente ao recebimento do pagamento da energia efectivamente consumida. </font></i>
</p><p><i><font>30. Determina o n.º 1 do artigo 3º do Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990 que, se da inspecção se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica o distribuidor [que não é a aqui a Ré e Recorrente] goza dos seguintes direitos: </font></i>
</p><p><i><font> a) Interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada; e </font></i>
</p><p><i><font>b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor. </font></i>
</p><p><i><font>31. Por seu turno, o n.º 1 do artigo 4.º daquele diploma legal prevê que: "O direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado, por escrito, o consumidor, (...) dos seus direitos, nomeadamente, de poder requerer à Direcção Geral de energia a vistoria prevista no artigo seguinte." </font></i>
</p><p><i><font>32. Resulta da análise conjugada dos artigos 4º, nº 1 e 5º, nº 2 do citado DL 328/90 de 22 de Outubro de 1990 que o direito a interromper o fornecimento de energia eléctrica, para que seja validamente exercido com os fundamentos supra referidos, só pode ocorrer depois de o distribuidor ter notificado o consumidor, por escrito, do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente, o de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia. </font></i>
</p><p><i><font>33. 0ra, no caso concreto não está sequer em discussão o direito à interrupção do fornecimento, porquanto esta interrupção nunca chegou a ocorrer e já havia sido objecto de decisão judicial anterior, transitada em julgado. </font></i>
</p><p><i><font>34. No caso concreto e como muito bem analisou e decidiu o Tribunal de 1ª Instância, a questão essencial a decidir reside na exigibilidade do pagamento da factura n.º …145, no valor de € 32.734,81 (trinta e dois mil, setecentos e trinta e quatro euros e oitenta e um cêntimos), para o que a lei não exige um comportamento idêntico ao previsto nas disposições supra referidas, pois está em causa o exercício do direito ao ressarcimento dos valores consumidos irregularmente! </font></i>
</p><p><i><font>35. Nesse sentido, conforme decidiu o Tribunal de 1.ª instância o "(...) DL 328/90 só faz depender a interrupção do fornecimento eléctrico da prévia informação ao consumidor dos seus direitos (art. 4.º,1). Essa dependência não existe quanto ao ressarcimento do valor do consumo irregular (...) ". </font></i>
</p><p><i><font>36. Pelo que, andou mal Tribunal da Relação do Porto ao decidir que a Recorrente não podia exigir o pagamento da quantia uma vez que não tinha previamente informado a Recorrida do "(...) direito que lhe assistia de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia e Geologia no caso de não concordar com as conclusões da alegada inspecção feita pelo fornecedor de energia eléctrica", </font></i>
</p><p><i><font>37. Por resultar claro e inequívoco que tal exigência é apenas aplicável quando, em virtude da decisão do consumidor em não permitir a correcção da anomalia, a distribuidora tenha necessidade de proceder ao corte de fornecimento. </font></i>
</p><p><i><font>38. Pelo contrário "(...) o ressarcimento do valor dos consumos é um direito que assiste à ré por força do contrato de fornecimento de energia( ... )" conforme resulta decidido pelo Tribunal de 1.ª instância. </font></i>
</p><p><i><font>39. Sendo que a decisão do Tribunal da Relação impede a Recorrente de exercer um direito que é seu em virtude do incumprimento do contrato de fornecimento de energia eléctrica por parte da Recorrida. </font></i>
</p><p><i><font>40. Acresce que não pode a Recorrente concordar com o decidido pelo Tribunal da Relação relativamente ao facto de a"(...) Autora não ter tido a possibilidade de exercer a defesa que e lei lhe permite"; </font></i>
</p><p><i><font>41. A Recorrente cumpriu criteriosamente o que a lei lhe impõe, sendo que em momento algum a Recorrida foi impedida de recorrer aos meios comuns caso entendesse que os valores inscritos na factura não eram devidos e/ou eram excessivos nos termos previstos no artigo 8.º do Decreto-lei n.º 328/90 de 22 de Outubro de 1990. </font></i>
</p><p><i><font>42. Se de acordo com o entendimento do Tribunal da Relação do Porto a Recorrida foi impedida de exercer o seu direito de defesa como se justifica estarmos nesta data a discutir judicialmente a exigibilidade de uma factura emitida em Maio de 2013?</font></i>
</p><p><i><font>Face ao alegado supra impõe-se a revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, mantendo-se a sentença proferida em Primeira Instância no que respeita ao direito de ressarcimento que assiste à Recorrente nos casos em que se verifica um procedimento fraudulento</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Por banda da recorrida, extracta-se o sequente sumário conclusivo. </font>
</p><p><i><font>1.</font></i><font> “</font><i><font>A decisão da Relação de que a ré recorre agora de revista assenta, como decorre da respectiva fundamentação, da reapreciação da matéria de facto decidida pela primeira instância, que conduziu a dar como «não provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos em causa e tudo o que daí decorre» (cf. fls. 513, 3.º parágrafo). </font></i>
</p><p><i><font>2. A diferença entre a decisão da primeira instância e a da Relação resulta, portanto, da modificação da base factual, sendo certo que, não provada a manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos como entendeu - e bem - a Relação, ter-se-ia necessariamente que considerar inexistente o direito da ré de haver o pagamento dos consumos «ocultos» alegadamente propiciados por essa manipulação. </font></i>
</p><p><i><font>3. Para considerar não provada a manipulação ou fraude invocada pela ré, o tribunal da Relação teve em consideração que toda a prova desse facto se estribou apenas «testemunhos com versões antagónicas sem haver documentação de um procedimento legal que visa alicerçar a fraude em elementos probatórios seguros e que garanta a defesa do consumidor sobre o qual a lei faz recair uma presunção iuris tantum da autoria da fraude» (fls. 511-512). </font></i>
</p><p><i><font>4. A ré, por sua culpa exclusiva (por não ter seguido os procedimentos devidos), não conseguiu apresentar </font></i><i><u><font>«uma prova segura e credível daquilo que alega</font></u></i><i><font>» (fls. 512, último parágrafo). </font></i>
</p><p><i><font>5. Com efeito, a omissão dos procedimentos devidos fez com que a própria ré tivesse que assentar a sua prova no depoimento de uma única pessoa (o técnico que terá efectuado a substituição do contador alegadamente viciado), no confronto com as declarações antagónicas de outras testemunhas (mormente a BB que presenciou a intervenção), sendo certo que tal testemunho indicado pela ré não se apresentou, aos olhos do tribunal de segunda instância, como uma prova «credível e segura» da existência de manipulação (designadamente em ordem a fazer recair sobre o consumidor a prova da autoria de tal suposta fraude). </font></i>
</p><p><i><font>6.Em contrapartida, caso tivesse seguido esses procedimentos sempre teria sido possível sujeitar os equipamentos supostamente manipulados a perícia por entidade independente e imparcial ou, pelo menos, exibir deles fotografias. </font></i>
</p><p><i><font>7.Ora, competindo à ré/recorrente a prova da manipulação fraudulenta imputada à autora/recorrida, entendeu o tribunal da Relação, com base na apreciação crítica que faz à prova carreada para os autos que a ré/recorrente, que a alegada manipulação ou fraude haveria de dar-se como não provada, com as legais consequências. </font></i>
</p><p><i><font>8.E, competindo à ré provar os factos em que assenta o seu direito a haver o preço dos supostos fornecimentos não registados, a circunstância de não ter feito prova segura e credível dessa factualidade e, por outro lado, ter inviabilizado com o seu procedimento omissivo «que a autora pudesse fazer a prova do contrário», importou que tivesse sido dada como «não provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos em causa e tudo o que daí decorre» (fls. 513, 3.º parágrafo). </font></i>
</p><p><i><font>9.A discordância da recorrente em relação à decisão da Relação não respeita, portanto, à interpretação e aplicação do Direito, mas tão-só e verdadeiramente ao estabelecimento da base factual. </font></i>
</p><p><i><font>10. No entanto, «os critérios de ponderação e valoração da matéria de facto adoptados pela relação, na formação da sua convicção probatória de segundo grau, transportam uma parametricidade meramente factual que escapa por natureza aos poderes de cognição do tribunal de revista», salvo nas situações do art. 674.°, n.º 1 do CPC (neste sentido, vide Ac. STJ de 13711/2003, disponível em </font></i><a><i><u><font>www.dqsi.pt</font></u></i><i><font>).</font></i></a>
</p><p><i><font>11. Nenhum reparo se podendo já fazer à decisão do Tribunal da Relação que alterou a matéria factual no sentido de dar como não provada a alegada manipulação ou fraude nos equipamentos eléctricos e à sua imputabilidade à aqui autora/recorrida. </font></i>
</p><p><i><font>12. Não podendo tal decisão em matéria de facto ser objecto de alteração/revogação em sede de revista sob pena de violação da regra da intangibilidade do caso julgado (formado em virtude da norma que subtrai as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal da Relação quanto à matéria de facto à apreciação em sede de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça: o art. 674.° do CPC). </font></i>
</p><p><i><font>13. Ao STJ, como Tribunal de revista, apenas compete conhecer de direito, estando impedido de sindicar matéria de facto, cuja apreciação cabe em exclusivo às Relações, pelo que a pretensão da situando-se no plano da matéria de facto, não se contém nos poderes de cognição do STJ. </font></i>
</p><p><i><font>14. Entendimento contrário consubstanciaria a violação da autoridade de caso julgado constitucionalmente consagrado no art. 205.º da CRP, o qual constitui um afloramento do também tutelado princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º da CRP). </font></i>
</p><p><i><font>15.Porém, mesmo que coubesse no âmbito da revista a reapreciação das provas e dos factos, sempre a decisão deste Supremo Tribunal de Justiça deveria ser no sentido de dar igualmente como não provada a manipulação ou fraude. </font></i>
</p><p><i><font>16.Com efeito, não pode ter-se como prova bastante da existência de procedimento fraudulento (designadamente em termos de fazer recair sobre o consumidor o ónus de provar que não é o responsável por tais actos) o testemunho de uma testemunha ligada à ré por vínculos de dependência económica e profissional não totalmente esclarecidos (técnico assalariado de uma empresa que presta serviços à ré em exclusividade), com uma credibilidade altamente duvidosa (não se coibiu de confessar ter sido acompanhado por um técnico não credenciado e ter colaborado activamente na falsificação do Auto de Vistoria em apreço nestes autos, permitindo que esse técnico não credenciado - cuja identidade não quis comunicar ao tribunal - assinasse falsamente o nome de outra pessoa) e com um depoimento contraditório com outros meios de prova (em especial o testemunho da BB). </font></i>
</p><p><i><font>17. Não tendo sido apresentada prova suficiente da existência de fraude em termos tais que tornem legítimo dá-la como praticada pelo consumidor, condições cumulativas da qual estava dependente o direito de ressarcimento invocado pela ré, nada há a apontar à decisão do tribunal da Relação. </font></i>
</p><p><i><font>18. Na verdade, como decorre do disposto no art. 3.º, n.º 1, do D.L. n.º 328/90, de 22/10, o direito de recebimento do consumo irregularmente feito está dependente a) da prova de fraude b) imputável ao consumidor, aliás tal conclusão retira-se fácil e rapidamente da leitura de tal normativo, o qual se transcreve: «se da inspecção referida no artigo anterior se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos (...) ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidas para as dividas activas do distribuidor». </font></i>
</p><p><i><font>19. Pelo que, ao decidir, o tribunal da Relação fez uma correta interpretação e aplicação do direito aplicável in casu, concretamente os normativos legais ínsitos no D.L. n.º 328/90, de 22/10. </font></i>
</p><p><i><font>20. Não tendo a pretensão da ré decaído por não se ter demonstrado que «a autora tenha sido cabalmente informada do que foi efectivamente constatado na vistoria, não lhe foi entregue cópia do auto de vistoria, nem foi informada do direito que lhe assistia de requerer vistoria à Direcção Geral de Energia Geologia» - não é esta a causa de improcedência -, mas porque - em virtude daquelas omissões - a ré/recorrente acabou por não lograr fazer prova segura dos factos que lhe cabiam quanto à existência manipulação e à imputação de tal comportamento à autora/recorrida, inviabilizando além disso a prova do contrário pela autora. </font></i>
</p><p><i><font>21. Contrariamente ao que a ré/recorrente pretende fazer crer nas suas alegações de revista (imputando esse entendimento ao acórdão proferido pelo tribunal da Relação), não é o ressarcimento do valor do consumo supostamente feito de forma irregular que está dependente da entrega do auto de vistoria e/ou da prestação da informação sobre o direito da recorrida requerer a Vistoria à Direcção Geral de Energia e Geologia, mas antes a prova segura e credível dos factos em que esse direito assenta. </font></i>
</p><p><i><font>22.Na verdade, a falta de entrega de tal auto, a não prestação da informação quanto ao direito da contra-análise e a retirada imediata do contador sem que a autora/recorrida, na qualidade de consumidora, pudesse em tempo útil questionar os factos que lhe eram imputados, colocou a autora numa situação de prova impossível e, ironicamente, inviabilizou a produção pela própria ré de uma prova credível e segura dos factos que invoca. </font></i>
</p><p><i><font>23.E foi essa incapacidade de prova segura por banda da ré em demonstrar a existência de fraude/manipulação e a sua imputação à autora/recorrida que importou o não reconhecimento do direito daquela a ser ressarcida pelos prejuízos/consumos que alegou serem-lhe devidos. </font></i>
</p><p><i><font>24. Ademais, não tem razão a ré/recorrente quando alega que a vistoria da Direcção Geral de Energia do Ministério, prevista no art. 4, n.º 1, do D.L. 328/90, de 22/10, só se justifica nos casos em que os consumidores optem por não permitir a correcção da anomalia, não sendo essa a conclusão a que se chega da conjugação do disposto no art. 4.º, n.º 1, e art. 5.º, n.º 1 e n.º 2 do D.L. 328/90 de 22/10. </font></i>
</p><p><i><font>25.Nos termos da lei, o dever de informação sobre o direito de requerer a vistoria não está condicionada à manifestação por banda do consumidor de que não permite a correcção da alegada anomalia detectada, antes existindo e subsistindo independentemente da atitu | [0 0 0 ... 0 1 0] |
_jKau4YBgYBz1XKv5SHm | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><u><font>Relatório</font></u></b></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No Tribunal Cível da Comarca de Santo Tirso, por apenso à insolvência da AA-..., Ld.ª,</font>
<p><b><u><font>O Partido BB</font></u></b><b><font>,</font></b>
</p><p><font>intentou a presente acção declarativa, ao abrigo do disposto no Art.º 146º, n.º 1 do CIRE com vista à separação de bens, contra a </font>
</p><p><font>- </font><b><u><font>Massa Insolvente de AA – ..., Ld.ª,</font></u></b>
</p><p><font>- </font><b><u><font>Credores da massa insolvente</font></u></b><font> e </font>
</p><p><font>- </font><b><u><font>AA- ..., Ld.ª</font></u></b><font>, </font>
</p><p><font>peticionando que seja declarado que o A. é dono e legítimo proprietário da fracção identificada no art.º 2º da p.i., que os RR. sejam condenados a tal reconhecerem e a absterem-se de praticar qualquer acto que impeça o exercício do referido direito de propriedade, devendo ser ordenado o cancelamento de qualquer registo ou ónus que incida sobre a dita fracção, designadamente o registo de apreensão para a massa insolvente.</font>
</p><p><font>Pede, ainda, que seja declarado que tal fracção não é pertença da massa insolvente, e, portanto, seja dela afastada (separada).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Alega, em resumo, que há mais de 20 anos que o A. detém na sua posse a aludida fracção, com a convicção de que é o seu legítimo dono, tendo-a adquirido por usucapião.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Apenas a Massa Insolvente contestou.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Instruídos os autos, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença final que julgou a acção procedente tendo declarado:</font>
<p><font>- o A. Partido BB - Partido Político, dono e legítimo proprietário do prédio urbano, rés-do-chão direito, lado sul, com a área de 148,85 m2, destinado a comércio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n°. … da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o art.. ...;</font>
</p><p><font>- Condenou-se os RR. a tal reconhecerem;</font>
</p><p><font>- Condenou-se os RR. a absterem-se de qualquer acto que impeça o exercício da referida propriedade;</font>
</p><p><font>- Declarou-se que tal bem não é pertença da massa insolvente e dela se determinou a separação;</font>
</p><p><font>- Ordenou-se o cancelamento de qualquer registo ou ónus que sobre a fracção incida, em específico o registo de apreensão para a massa insolvente.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Inconformada recorreu a Ré, </font><u><font>Massa Insolvente</font></u><font>, suscitando na sua apelação duas questões:</font>
<p><font>-Da insuficiência ou irregularidade da procuração forense junta pelo A.</font>
</p><p><font>- Impugnação de diversos pontos de facto tidos por incorrectamente julgados.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Apreciando a questão prévia da irregularidade do mandato, a Relação emitiu o acórdão de fls. 324/333 de 6/11/2012, ordenando, “para já, a notificação do autor/recorrido nos termos e para os efeitos do disposto no art. 40º, n.º 2 do Código do Processo Civil, devendo o mesmo juntar nova procuração aos autos acompanhada da devida ratificação do processado, sob pena da cominação prevista no citado preceito”.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Em obediência a tal notificação, veio o A. juntar a procuração de fls, 739, subscrita pelo Secretário-Geral do Partido BB e em sua representação.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Notificada da junção da referida procuração, veio a recorrente alegar que a procuração continua irregular, porquanto consta de documento particular, e devia, segundo a sua opinião, constar de instrumento público ou documento escrito, assinado pelo referido Secretário-Geral, com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado, designadamente, com o selo branco ou equivalente do Partido BB.</font>
<p><font>Além disso, não está ratificado o processado anterior.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>A Relação proferiu novo acórdão de 29/1/2013 (fls. 755/774), no qual apreciou a nova questão prévia suscitada pelo recorrente, que julgou improcedente, decidindo considerar sanado o vício de irregularidade ou insuficiência do mandato, atenta a intervenção ora efectuada pelo representante legal do A.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Passou, de seguida, a apreciar a 2ª questão suscitada na apelação, isto é, reapreciou a prova gravada e documental em relação aos pontos de facto impugnados, tendo alterado algumas das respostas dadas pela 1ª instância, o que determinou a modificação da decisão de mérito.</font>
<p><font>Assim, decidiu a Relação julgar </font><u><font>procedente a apelação</font></u><font> e </font><u><font>improcedente a acção</font></u><font>,</font><u><font> revogando</font></u><font>, por conseguinte, a </font><u><font>sentença recorrida</font></u><font>.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É deste segmento do acórdão que recorre o A., agora de revista para este S.T.J..</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:</font><div><br>
<font>*</font>
<p><b><u><font>Conclusões</font></u></b>
</p><p><b><u><font>da</font></u></b>
</p><p><b><u><font>Revista do A.</font></u></b>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>A) Ao presente processo deve ser aplicado o regime do atual C.P.C, pois é posterior à entrada em vigor do DL n° 303/2007.</font>
<p><font>B) Assim, ao mesmo deve ser aplicado o que dispõem os artigos 865° -A e 865- B do C.P.C.</font>
</p><p><font>C) Estes impõem sob pena de rejeição que das Conclusões conste: </font>
</p><p><font>- os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada.</font>
</p><p><font>- indicar com exatidão, sob pena de rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, as passagens da gravação em que se funda.</font>
</p><p><font>D) Salvo todo o respeito, olhando para as Doutas Alegações nada de tal foi cumprido.</font>
</p><p><font>E) LOGO, ESTAVA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO OBRIGADO A REJEITAR O RECURSO, OU PELO MENOS A REJEITAR CONHECER DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.</font>
</p><p><font>F) Se aplicado o regime anterior à reforma processual, estava obrigado o Tribunal a reconhecer que a interposição do Recurso foi extemporânea.</font>
</p><p><font>G) A alteração da matéria de facto ocorreu com base no art° 712°, n.º 2 - in fine do C.P.C., mas tal norma foi incorretamente aplicada.</font>
</p><p><font>H) Os meios de prova utilizados como suporte da alteração da matéria de facto a tal não podem conduzir, ou seja, nem a escritura de compra e venda, nem o pagamento do condomínio e do IMI a tal podem conduzir.</font>
</p><p><font>I) Em causa estão os factos que podem conduzir à posse, ao tempo em que a mesma perdura e com que "animus".</font>
</p><p><font>J) Esses elementos quando confrontados com a Confissão (Depoimento de Parte) e com o depoimento do Eng° CC nunca poderiam conduzir à alteração da matéria de facto.</font>
</p><p><font>K) Quando a Insolvente iniciou o pagamento do IMI e do condomínio já haviam decorrido mais de vinte anos de posse. </font>
</p><p><font>L) A alteração da matéria de facto quanto ao IMI (vide 31° do Douto Acórdão) não tem qualquer suporte nos meios de prova.</font>
</p><p><font>M) A alteração do pagamento do condomínio não tem qualquer suporte em qualquer meio de prova.</font>
</p><p><font>N) Tal constitui nulidade essencial (falta de fundamentação).</font>
</p><p><font>O) A alteração da matéria de facto nos termos em que o foi é ILEGÍTIMA e ILEGAL -viola o art° 712º-2 do C.P.C. </font>
</p><p><font>P) Por outro lado, os elementos de prova utilizados para tal não o possibilitam e até esquecem prova essencial como o Depoimento de Parte.</font>
</p><p><font>Q) A audição do Eng° CC como testemunha constitui nulidade.</font>
</p><p><font>R) Deve ser o mesmo ouvido como parte e ordenada a repetição do Julgamento para tal.</font>
</p><p><font>S) O Douto Acórdão é nulo por extravasar o objeto do recurso, nem conter suporte para as alterações ocorridas.</font>
</p><p><font>T) O douto Acórdão fez errada interpretação do conceito de posse expresso no art° 1251° do C.C..</font>
</p><p><font>U) Sempre é inconstitucional por violar o art° 202° - 2 da CR..</font>
</p><p><font>V) Deve ser revogado no seu todo e mantida a Sentença de Primeira Instância.</font>
</p><p><font>W) Ou, no mínimo, ordenada a repetição do Julgamento. </font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Contra-alegou a recorrida, suscitando, desde logo questão prévia da inadmissibilidade do recurso.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Depois de alterados os pontos de facto tidos por incorrectamente julgados, a Relação fixou a seguinte matéria de facto:</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>1º. - No passado dia 23 de Novembro de 2009 foram nos autos de insolvência - n°.1727/07.1 TBSTS abertas propostas para aquisição de vários bens.</font>
<p><font>2º. - Entre esses bens está o seguinte: " Prédio urbano, rés-do-chão direito, lado sul com a área de 148, 85m2, destinado a Comércio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n° … da freguesia de … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, com o valor base de €97.000,00.</font>
</p><p><font>3º. - No acto da abertura das proposta, o A. e para além de ter arguido a nulidade da proposta apresentada, lavrou termo de protesto, no sentido de defender que tal fracção é sua propriedade.</font>
</p><p><font>4º. - No ano de 1984 o Eng. CC, enquanto sócio gerente da R. AA, que havia prometido comprar à DD, Lda. a fracção identificada em 2., autorizou que o Autor passasse a ocupar as respectivas instalações.</font>
</p><p><font>5º. - Fê-lo dizendo "Tomem e é vossa".</font>
</p><p><font>6º. - E as chaves da dita fracção foram entregues ao aqui A.</font>
</p><p><font>7º. - Tudo ocorreu pela voz do então gerente da R. AA, de seu nome Eng. CC, (eliminada a expressão "com poderes para o acto")</font>
</p><p><font>8º. - Desde então, o A. utiliza a referida fracção.</font>
</p><p><font>9º. - O A. paga a luz e água que aí é consumida.</font>
</p><p><font>10°. -O A. aí faz reuniões de seus militantes.</font>
</p><p><font>11°. - O A. aí faz conferências.</font>
</p><p><font>13°. - O A. aí recebe convidados. </font>
</p><p><font>14°. - Tem instalado os seus serviços Administrativos.</font>
</p><p><font>15°. - Tem na fachada da fracção publicitado o seu nome, ou seja está escrito o nome BB.</font>
</p><p><font>16º. - Procede à limpeza da mesma.</font>
</p><p><font>(Os factos 17°, 18° e 19° são dados como não provados)</font>
</p><p><font>17º. - O registo da Apreensão para a Massa Insolvente nunca foi comunicado ao A.</font>
</p><p><font>18º. - Que dele apenas teve conhecimento com os anúncios para a venda.</font>
</p><p><font>(Os factos 22° e 23° são dados como não provados).</font>
</p><p><font>19°. - O A. utiliza a referida fracção desde 1984.</font>
</p><p><font>(Os factos 25° e 26° são dados como não provados).</font>
</p><p><font>20°. - Foi o Senhor Eng°. CC quem autorizou que a referida fracção fosse ocupada pelo A.</font>
</p><p><font>(Os factos 28° e 30° são dados como não provados)</font>
</p><p><font>21°. Fê-lo na qualidade de gerente da AA (eliminando-se a expressão "com poderes para o acto")</font>
</p><p><font>22°. - O Administrador da Massa Insolvente da AA — ..., Lda. apreendeu e registou na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso esse prédio, sendo o registo de apreensão efectuado em 13 de Setembro de 2007 e o auto de apreensão efectuado em 20 de Junho de 2007.</font>
</p><p><font>23°. - O anúncio para a venda foi efectuado em 5 de Novembro de 2009 e o Autor só lavrou termo do protesto em 11 do Janeiro de 2010.</font>
</p><p><font>24°. - A AA — ..., Lda. só adquiriu, para si, como respectiva dona, a fracção em causa nos autos, por contrato de compra e venda, através de escritura pública celebrada e pela Ré AA, Lda., outorgada, na qualidade de compradora, em 2 de Fevereiro de 1994. "</font>
</p><p><font>25°. Tal escritura foi celebrada no dia 2 de Fevereiro de 1994, na cidade de Santo Tirso e no 2o. Cartório Notarial e perante o então Notário Dr. EE, foi vendida a AA — ..., Lda., pelo preço de 5.600.000$00 a referida fracção.</font>
</p><p><font>26°. Foi vendedor dessa fracção o Exmo. Senhor Dr. FF, na qualidade de administrador da massa falida de DD, Lda..</font>
</p><p><font>27°. Por débitos da AA ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social foi esse prédio penhorado, com registo efectuado em 25 de Marco de 2003.</font>
</p><p><font>28°. Por processo extrajudicial de conciliação, anterior à sua insolvência e como a AA - ... Lda. se havia obrigado a dar hipoteca de seus bens entre os quais a referida fracção ao Estado, pois era devedora de avultados valores a Direcção Geral do Tesouro, a Direcção Geral dos Impostos e ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social promoveu o registo em seu favor da aquisição do referido prédio, em 16 de Fevereiro de 2005.</font>
</p><p><font>29°. - A AA - ... Lda., até à sua insolvência e posteriormente a Massa Insolvente da AA - ... Lda., aqui Ré, procedeu ao pagamento do condomínio da referida fracção.</font>
</p><p><font>30°. - Em 23 de Novembro de 2009, o Administrador da massa Ré foi notificado pela Loja do GG Lda., com sede na Rua ...., … Santo Tirso, para proceder ao pagamento dos débitos dessa fracção ao referido condomínio e referentes aos quatro trimestres de 2009, no montante de 287,16 Euros, bem como ao pagamento de dívidas à anterior administração desse condomínio, tendo a Massa Insolvente procedido a esses pagamentos.</font>
</p><p><font>31°. O Imposto Municipal sobre Imóveis da referida fracção foi sempre pago pela AA - ..., Lda. até à insolvência desta e após pela massa insolvente da mesma, (aditou-se que o pagamento pela AA abrange o período anterior a 2005).</font>
</p><p><font>32°.- O ex-sócio da Ré, que foi gerente da sociedade e fundador da mesma, Eng°. CC, por sua livre iniciativa, autorizou o Partido BB a usar a referida fracção. </font>
</p><p><font>33°. - O Eng°. CC tinha a posição de sócio dominante e não há qualquer deliberação de vontade da AA, enquanto entidade colectiva, a deliberar sobre essa cedência ou condições de cedência, (eliminou-se a expressão "pleno domínio")</font>
</p><p><font>34°. - A escritura celebrada na data invocada na contestação, resultou de um processo de insolvência extremamente longo.</font>
</p><p><font>35°. - Como aconteceu com os compradores identificados na escritura pública.</font>
</p><p><font>36°. - Todos eles haviam celebrado contratos promessa de compra e venda com a falida e todos eles ocupavam as respectivas fracções, como por exemplo as instalações do tribunal de Trabalho (eliminou-se a expressão "haviam entrado na posse (ou seja detinham)").</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Decidiu-se já, por despacho anterior do aqui relator (fls.848 e seg.), a questão prévia referente à tempestividade do recurso de apelação (confr. conclusão F)), bem como a relativa à admissibilidade da presente revista.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Cumpre, agora, apreciar o recurso admitido, tendo em conta as respectivas conclusões.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font></p></div><br>
<font>Compulsadas estas, verifica-se que a questão essencial suscitada se prende com alegados vícios processuais em que teria incorrido a Relação na reapreciação da prova que efectuou no âmbito do acórdão recorrido.</font>
<p><font>Tal reapreciação seria ilegal, por ter sido levada a cabo com violação dos poderes que o Art.º 712º concede à 2ª instância em matéria de facto, ocorrendo, também, violação de normas de direito material probatório, tudo à mistura com questões de pura matéria de facto.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<u><font>Vejamos melhor</font></u><font>.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como é sabido, os poderes do S.T.J. no que respeita a matéria de facto, são muito limitados e excepcionais.</font>
<p><font>Na verdade, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (Art.º 722º, n.º 3 do C.P.C.).</font>
</p><p><font>O mesmo repete, por outras palavras, o Art.º 729º, n.º 2, ao determinar que a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, não pode ser alterada, salvo no caso excepcional do n.º 3 do Art.º 722º.</font>
</p><p><font>Aliás, das decisões da Relação sobre matéria de facto nem sequer é admissível recurso para o Supremo, como determina o n.º 6 do Art.º 712º do C.P.C.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Todavia, é entendimento pacífico que, embora o S.T.J. não possa sindicar a correcção da reapreciação da prova efectuada pela Relação, pode, no entanto, averiguar se o tribunal recorrido ao manter ou alterar a matéria de facto transitada da 1ª instância, violou ou não a lei processual que estabelece os pressupostos e os fundamentos em que deve mover-se a reapreciação da prova.</font>
<p><font>Por outras palavras, trata-se de saber se a Relação ao exercer o seu poder-dever de reapreciação da matéria de facto, que lhe foi solicitada em sede de apelação, se conformou ou não com a lei processual que regula tal matéria, isto é, se utilizou correctamente os poderes que, em matéria de facto, a lei lhe concede, ou se violou qualquer regra de direito probatório material.</font>
</p><p><font>Num e noutro caso, porque já se está no domínio de matéria de direito, o Supremo tem poderes para intervir.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, ao que parece, é neste âmbito de intervenção (pelo menos em parte), que o recorrente coloca diversas questões que se passarão a apreciar.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><b><font>1ª</font></b></p></div><br>
<u><font>A primeira questão suscitada</font></u><font> que deve conhecer-se, tem a ver com a alegada nulidade, resultante de ter sido ouvido em audiência de julgamento, o Eng.º CC, na qualidade de testemunha, quando devia ter sido colhido depoimento de parte, porquanto, em 1984, antes da insolvência da Ré, Sociedade AA, foi seu gerente com poderes para a obrigar.</font>
<p><font>Se tal tivesse ocorrido, como é de lei, o seu depoimento teria valor de confissão, o que por si, impediria a alteração da matéria de facto no sentido em que foi efectuada pelo acórdão recorrido, </font><u><font>sem atender ao valor probatório da aludida confissão</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Desse modo, na opinião do recorrente, deverá ser julgada procedente a alegada nulidade e ordenado a repetição do julgamento.</font>
</p><p><font>(confr. conclusões J), P), Q), R) e W)).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Não lhe assiste, porém, qualquer razão.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>É certo que o Eng.º CC prestou depoimento em audiência de julgamento na qualidade de testemunha (v. Acta de 26/10/2011 – fls. 248/252 – ), qualidade aliás, indicada pelo próprio A. (v. requerimento de fls. 87), mas tal não consubstancia qualquer nulidade processual.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Por um lado, sabemos que a sociedade AA se encontra insolvente, estando apreendida para a massa a fracção ora reivindicada pelo A.</font>
<p><font>Assim sendo, nos termos do disposto no Art.º 81º do CIRE, os poderes de administração e de disposição dos bens integrante da massa insolvente passam imediatamente para o administrador da insolvência, que assume a representação da insolvente para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.</font>
</p><p><font>Por outro lado, conforme dispõe o Art.º 553º, n.º 2 do C.P.C., o depoimento de parte pode ser exigido, entre outros casos que aqui não interessa considerar, dos representantes de pessoas colectivas ou sociedades, sendo certo, porém, que o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que esses representantes possam obrigar os seus representados.</font>
</p><p><font>De resto, é o que resulta, igualmente, do Art.º 353º, n.º 1 do C.C., segundo a qual a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poderes para dispor do direito a que o facto confessado se refira.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, ao que resulta dos autos, o Eng.º CC já não era gerente da AA à data da insolvência.</font>
<p><font>Daí que, não sendo representante da sociedade, só por isso, não podia prestar depoimento de parte, como será óbvio.</font>
</p><p><font>Mas, ainda que tivesse a qualidade de gerente à data da insolvência, teriam então cessado os seus poderes de representação, nos termos acima referidos e, consequentemente, não representando a parte, não faz sentido que depusesse na qualidade de parte.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>De qualquer modo, ainda que se entendesse que o referido Eng.º podia prestar depoimento de parte, como não tinha, evidentemente, poderes para obrigar a insolvente, as suas declarações nunca teriam o valor probatório da confissão, fossem ou não exaradas em acta.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Mas, ainda que assim não fosse, e devesse reconhecer-se que foi cometida uma nulidade do Art.º 201º do C.P.C., uma vez que teria sido praticada em audiência de julgamento em que esteve presente o mandatário do A., há muito que estaria sanada, como decorre do disposto no Art.º 205º do C.P.C., além de que nunca poderia ser arguida pelo A., já que foi ele próprio que lhe deu causa, ao indicar o aludido Eng.º como testemunha (Art.º 203º, n.º 2 do C.P.C.).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Improcede, pois, manifestamente, a invocada nulidade, não se verificando violação de qualquer regra de direito probatório material.</font><div><br>
<font>*</font>
<p><font>* *</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><b><font>2ª</font></b></p></div><br>
<font>Alega, também, o recorrente que, devendo aplicar-se ao caso concreto as regras processuais introduzidas no C.P.C. pelo D.L. 303/2007, então ao recurso que incida sobre matéria de facto, como foi o caso da apelação intentada pela Ré, Massa Insolvente, tem aplicação o disposto no Art.º 685º-B do C.P.C. e não o anterior Art.º 690-A, como fez o acórdão recorrido.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim sendo, sob pena de rejeição de recurso, devia a Ré apelante especificar:</font>
<p><font>— os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;</font>
</p><p><font>— os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, e</font>
</p><p><font>— indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda.</font>
</p><p><font>Todavia, a Ré apelante não cumpriu tais ónus na alegação que ofereceu no recurso de apelação, pelo que este deveria ter sido rejeitado ou, pelo menos, não podia a Relação conhecer da pretendida alteração da matéria de facto.</font>
</p><p><font>Teria, então, ocorrido a violação do disposto nos Art.ºs 685-A e 685-B do C.P.C. (redacção actual).</font>
</p><p><font>(Confr. conclusões A), B), C), D) e E)).</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Verdade que o acórdão recorrido teve por aplicável ao caso o Art.º 690º-A do C.P.C., na anterior redacção, quanto é certo que, pensamos serem aplicáveis as regras processuais introduzidas pelo D.L. 303/207, porquanto os autos foram instaurados após 1/1/2008, na vigência do citado diploma, como se explicou no anterior despacho do aqui relator. Daí que ao recurso sobre a matéria de facto instaurado pela Ré, Massa Insolvente, deva aplicar-se o Art.º 685-B do C.P.C.</font>
<p><font>Só que, analisada a alegação oferecida pela Ré na sua apelação, verifica-se que deu cumprimento aos ónus que o referido Art.º 685º-B lhe impunha, como iremos ver.</font>
</p><p><font>Por isso, se nos afigura irrelevante o erro de qualificação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>Aliás, as diferenças entre o anterior preceito (Art.º 690º-A) e o actual, no que aqui interessa considerar, apenas se verificam em relação ao </font><u><font>n.º 2 dos preceitos</font></u><font>.</font>
</p><p><font>Quanto ao </font><u><font>n.º 1</font></u><font>, as </font><u><font>redacções são coincidentes</font></u><font>.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, em ambos os casos se exige a indicação concreta dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, bem como a indicação, igualmente concretizada, dos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação, que impunham decisão diversa.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, a simples leitura da alegação da Ré (na apelação) permite concluir, com toda a evidência, que foram integralmente cumpridos os ónus referidos no aludido n.º 1 (de qualquer dos preceitos).</font>
<p><font>A Ré identificou concretamente os pontos de facto tidos por mal julgados, e indicou com toda a clareza os meios de prova constantes do processo (documentos) e da gravação (depoimentos), que, na sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Já quanto ao n.º 2 dos preceitos, encontram-se, na verdade, algumas diferenças.</font>
<p><font>Em síntese, pode dizer-se que o D.L. 303/2007 faz a distinção entre os casos </font><u><font>em que é possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do n.º 2 do art.º 522º-C do C.P.C.</font></u><font>, ou seja, através da sua localização na gravação, </font><u><font>e os casos em que tal identificação não é possível</font></u><font>.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No primeiro caso, </font><u><font>não é obrigatória a transcrição da passagem da gravação em causa</font></u><font> (embora o recorrente possa tomar a iniciativa de o fazer).</font>
<p><font>Em vez disso, exige-se </font><u><font>a indicação exacta (com exactidão, diz a lei) das passagens da gravação em que se funda a impugnação</font></u><font>.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Como se faz, na prática, essa indicação exacta, não o diz a lei, omissão que é susceptível de criar dúvidas e interpretações diferentes com todos os inconvenientes facilmente previsíveis.</font>
<p><font>Há, então, que interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>O critério interpretativo, deve, portanto, ter em conta os objectivos da lei, que pretende evitar a impugnação generalizada da matéria de facto, delimitando-a a determinados pontos concretos, em função de concretos meios de prova.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Assim, numa primeira abordagem, dir-se-á que </font><u><font>a indicação exacta das passagens da gravação, referida no preceito, deve bastar-se com a indicação do depoimento ou depoimentos, e a identificação de quem os prestou, sem a obrigatoriedade da sua transcrição</font></u><font> (integral ou por excerto) visto que a lei a dispensa, nem de as referenciar ao assinalado na acta, como era exigido pelo Art.º 690º-A, uma vez que tal exigência desapareceu do preceito.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>No segundo caso, devem as partes proceder à transcrição das </font><u><font>passagens</font></u><font> da gravação em que funda a impugnação, ao que parece, sem se exigir a transcrição completa dos depoimentos, mas apenas das </font><u><font>passagens</font></u><font> (ou excertos) </font><u><font>relevantes</font></u><font>. </font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Ora, analisadas as aludidas alegações, resulta da sua simples leitura que a Ré </font><u><font>indicou</font></u><font> e </font><u><font>identificou os depoimentos que, na sua perspectiva, justificavam a pretendida alteração dos pontos de facto impugnados</font></u><font>.</font>
<p><font>Assim, estão indicados e identificados os depoimentos de HH, II JJ, KK, LL e MM, tendo, até, sido transcritas as passagens da gravação que a Ré teve por relevantes.</font>
</p><p><font>Verifica-se, mesmo, que as referidas transcrições estão localizadas, por referência à cassete da qual constam, o que, como se disse, nem era necessário face ao Art.º 685º-B.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Indicou, também, em fundamento da sua impugnação, diversos documentos existentes nos autos que identifica. (Trata-se da escritura de 2/2/1994 – fls. 31/36 - ; doc. de registo – fls. 38/40 - ; doc. relativo ao pagamento do IMI – fls. 42/62 e do Condomínio – fls. 46 -).</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Consequentemente, está, também, cumprido o ónus previsto no n.º 2 do Art.º 685º-B, pelo que o recurso sobre a matéria de facto </font><u><font>tinha de ser recebido</font></u><font> e </font><u><font>apreciado</font></u><font>, como foi, sendo, no caso, irrelevante que o acórdão recorrido tenha chamado à colação o Art.º 690º-A, à luz do qual, de resto, estavam igualmente presentes todos os requisitos necessários ao conhecimento do recurso.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Deste modo, a alegada omissão a que se refere o A. nas conclusões D) e E) da revista, sem, de resto, a especificar, só pode reportar-se ao facto de, nas conclusões, não se mostrarem transcritas as passagens dos depoimentos referenciados no corpo da alegação, daí, talvez, a invocação do Art.º 685º-A do C.P.C., tido por violado.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Porém, se é a essa omissão que o recorrente pretende fazer valer, não lhe assiste qualquer razão.</font><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Parece não haver dúvidas sérias de que a delimitação concreta dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e demais ónus impostos pelo Art.º 685º-B do C.P.C., há-de ser efectuada no corpo da alegação.</font>
<p><font>É, até, o que resulta directamente do n.º 2 do Art.º 712º, ao mandar a Relação reapreciar as provas tendo em atenção o </font><u><font>conteúdo das alegações</font></u><font> do recorrente e recorrido.</font>
</p><p><font>No mesmo sentido confr. Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos – 4ª ed. – 157, nota 333), quando, comentando o Art.º 690º-A, agora substituído pelo Art.º 685º-B, escreve:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Compreende-se a rejeição imediata do recurso na situação que analisamos por os ónus impostos ao recorrente visarem o corpo da alegação, insusceptível de ser corrigido ou completado por via do convite ...</font></i><font>”.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Não significa isto que, nos casos em que por via de recurso se impugne matéria de facto, as alegações não devam terminar pelas conclusões, ou mesmo, </font><u><font>que estas possam dispensar qualquer referência à impugnação da decisão de facto</font></u><font>.</font>
<p><font>É claro que, também nesses casos, se impõem as conclusões a que se refere o n.º 1 do Art.º 685º-A do C.P.C.</font>
</p><p><font>Mas as conclusões mais não são do que “proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (confr. A. Reis – CPC anotado), ou, como refere Lopes do Rego “Trata-se de uma mera explicitação de algo que decorre já «da natureza das coisas»” (confr. Comentários).</font>
</p><p><font>Logo, nas conclusões bastar | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_jKgu4YBgYBz1XKvUiO2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA propôs acção declarativa contra BB e CC, Advogados, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da indemnização de 87.389,48€, acrescida de juros de mora, vencidos desde 17.2.2003 (data do trânsito da sentença) e que em 8.2.2010 somam 24.966,81€, num total de 112.356,29€, e nos vincendos, até efectivo pagamento.</font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que, em Junho de 1995, instaurou acção de indemnização, reclamando o pagamento de prejuízos sofridos em consequência de acidente de viação, no montante de 13 360 356$00 (66.641,17€) e juros. Nessa acção foram mandatários do A. os Advogados Réus. Aí agendada a audiência de julgamento, a Ré, na véspera requereu o adiamento, pedido que foi indeferido, realizando-se o acto sem a presença de mandatário do Autor. Depois, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, por se ter entendido que, não obstante a presunção de culpa, por o veículo lesante ser conduzido por conta de outrem, falhava o nexo causal entre a actuação do condutor e o acidente, por se ignorar a forma como este ocorrera. A sentença foi notificada à Ré que, confrontada com aquela presunção e com a julgada improcedência, era certo os seus fundamentos serem opostos à decisão, o que a tornava passível de recurso de apelação. Este recurso devia ter sido interposto por algum dos Réus mandatários, para que, aplicando-se a presunção, se considerasse responsável o condutor lesante e se acolhesse o pedido do Autor, condenando a Ré seguradora, mas nenhum dos Réus o fez, impedindo que o Autor recebesse indemnização alguma pelos danos julgados provados, apesar de ser evidente o vício da sentença e o êxito da procedência do recurso. Os RR. faltaram culposamente a deveres que os vinculavam, tornando-se responsáveis pelos prejuízos gerados ao Autor que, por causa daquela omissão, perdeu a indemnização dos danos sofridos com o acidente, e dados por provados na acção, sendo os patrimoniais (emergentes) de 8 103 198$00 (40.418,58€), computando os futuros (lucros cessantes) em 3.000,00€, bem como os não patrimoniais em 1 800 000$00 (8.978,36€).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Réus contestaram, defendendo a improcedência total da acção, com a consequente absolvição do pedido. </font>
</p><p><font>Disseram que a estratégia processual da acção que patrocinaram foi sempre articulada com o Autor, nomeadamente quanto à falta à audiência e respectivos motivos e, de qualquer modo, o mandato, apenas sustentado em substabelecimento de anterior mandatário, não permite encontrar acto concludente do advogado réu de aceitação do patrocínio. Por outro lado, alegaram, não merecer censura o comportamento prosseguido por qualquer dos Réus, pois que à audiência faltaram também todas as testemunhas arroladas pelo Autor, a sentença absolutória fundou-se na inexistência de factos reveladores do nexo causal e a prova deles cabia ao Autor. Entendeu a advogada Ré que, nessas circunstâncias, o que melhor servia o interesse do Autor não era a apelação da sentença, que estava sustentada em défice probatório, e cuja viabilidade se lhe não afigurava, mas antes a possibilidade de ver repetido o julgamento de maneira a poder apresentar as testemunhas (antes faltosas) que pudessem confirmar os factos que na sentença haviam sido reconhecidos em défice. A sentença não enferma da nulidade que se lhe aponta com evidência, pois apenas reconhece a culpa, excluindo o nexo causal. </font>
</p><p><font>Os Réus suscitaram a intervenção (principal) provocada de “DD (Europe) Ltd.” e “EE Companhia Portuguesa de Seguros S.A.”, como Seguradoras da sua responsabilidade profissional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Autor apresentou réplica.</font>
</p><p><font>Sublinhou que havendo substabelecimento no advogado Réu, que não renunciou, subsistem sobre ele as obrigações decorrentes do mandato. Por outro lado, que a falta das testemunhas à audiência não é decisiva, antes o sendo a circunstância de a sentença, depois de reconhecer a presunção de culpa, vir a decidir pela absolvição do pedido, sendo essa a exigir o omitido recurso de apelação. </font>
</p><p><font>Foi admitida a intervenção acessória (provocada) das Seguradoras que, citadas, contestaram, rejeitando a obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>Na sentença julgou-se a acção improcedente, decisão que a Relação confirmou, mas com voto de vencido, a reconhecer a responsabilidade dos Réus e, por via disso, a procedência da apelação.</font>
</p><p><font> Recorre de novo o Autor insistindo na sua pretensão de ver os RR. condenados a pagarem-lhe as indemnizações, de capital e juros, nos termos desde o início peticionados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Nas conclusões da alegação, continua a argumentar como a seguir se transcreve:</font>
</p><p><font> </font><font>“</font><font>1 - Pela procuração forense outorgada aos anteriores mandatários e subsequente substabelecimento passado aos RR., estabeleceu-se um contrato de mandato forense escrito entre estes e o A., nos termos do disposto no art. 1157° do Código Civil;</font>
</p><p><font> 2 - Por via do referido mandato o A. conferiu aos RR. poderes forenses gerais e especiais para o representarem na acção de indemnização então em curso na lª Secção, da 16° Vara Cível de Lisboa, pelo proc. 422/95;</font>
</p><p><font> 3 - Nos termos do disposto nos arts. 1157°; 1161°; 762°, n° 1; 406°, n° 1 do Cód. Civil; 83°, n° 1, alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados; e art. 36° do Cód. Proc. Civil, incumbia aos RR. praticar os actos compreendidos no mandato forense, estudar com cuidado e tratar com zelo a questão, utilizando para o efeito os recursos da sua experiência, saber e actividade de acordo com a </font><i><font>legis</font></i><font> </font><i><font>artis</font></i><font> exigível ao caso, agindo com a diligência do </font><i><font>bonus</font></i><font> </font><i><font>pater</font></i><font> </font><i><font>familiae</font></i><font> na condução dos interesses do A.; </font>
</p><p><font> 4 - Ao ter instaurado a acção 422/95, o A. tinha em vista receber de FF, Companhia de Seguros, SA, seguradora da responsabilidade civil automóvel do condutor do veículo "QD-..." a indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 25.11.1990; </font>
</p><p><font> 5 - De harmonia com a prova produzida na referida acção, sobre o acidente e os danos dele resultantes, e pela aplicação da presunção de culpa que recaía sobre o condutor/comissário do veículo "QD-...", nos termos do art. 503°, nº 3 do Cód. Civil, verificavam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, conforme consta da respectiva sentença, a fls…; </font>
</p><p><font> 6 - pelo que devia o condutor da viatura "QD-..." ter sido considerado culpado pela produção do acidente, nos termos do disposto nos arts. 483°, n° 1; 487°, n° 1; e 503°, n° 3 do Código Civil; </font>
</p><p><font> 7 - e ser responsabilizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados ao A. e, com ele, solidariamente, a Seguradora FF, para a qual estava transferido a sua responsabilidade civil automóvel pelos danos causados a terceiros resultantes da circulação da viatura "QD-...", pela apólice ..., do ramo automóvel, em vigor à data do acidente; </font>
</p><p><font> 8 - devendo a referida Seguradora, Ré na acção 422/95, ter sido condenada a indemnizar o A. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que se provaram na acção, nos termos dos arts. 483°, n° 1; 487°, n° 1; 496º, n° 1; 497°; 503°, n° 3; e 562° e seguintes do Código Civil. </font>
</p><p><font> 9 - Todavia, veio a acção a ser julgado improcedente, por se ter considerado na sentença que não se mostravam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, como que imputando ao A. o ónus da prova dos factos causais do evento, quando dele estava isento, nos termos dos arts. 344°, n° 1; 350°, n° 1; e 487°, n° 1 do Código Civil. </font>
</p><p><font> 10 - Tal conclusão resultou da circunstância de, a final, não ter sido tido em conta nem aplicada a presunção de culpa do condutor do veículo "QD-...", em contra ponto com a própria sentença, por haver já dado como assente essa presunção. </font>
</p><p><font> 11 - Daí que, notificada a douta sentença aos RR., por carta de 03.02.2003, incumbia-lhes a sua análise e, face ao fundamento jurídico da improcedência, impugnar a decisão de mérito, interpondo, a par do recurso de agravo, também o recurso de apelação; </font>
</p><p><font> 12 - pugnando pela revogação da sentença por outra decisão que reapreciasse a responsabilidade civil pelo acidente e aplicasse a presunção de culpa, considerando responsável pelo evento o condutor do veículo "QD-...", fixasse os danos patrimoniais dados como provados e valorasse os danos não patrimoniais igualmente dados como provados e, a final, condenasse a Seguradora a indemnizar o A. por esses danos e juros de mora, como fora pedido, </font>
</p><p><font> 13 - em lugar de pretenderem a improvável obtenção da repetição do julgamento, desnecessária e de resultados aleatórios, com prejuízo da defesa dos interesses do recorrente. </font>
</p><p><font> 14 - Todavia, dispondo simultaneamente de dois meios de impugnação da decisão que negou o adiamento da audiência e da sentença, os RR. interpuseram apenas o recurso de agravo daquela decisão. </font>
</p><p><font> 15 - Negligenciaram, pois, o dever de impugnar a sentença através do necessário recurso de apelação. </font>
</p><p><font> 16 - Por não terem interposto o recurso de apelação da sentença, e nada se tendo provado que os impedisse de o fazer, os RR. agiram sem a diligência que lhes era exigível e de que eram capazes, em incumprimento dos deveres estabelecidos nos arts. 1157°; 1161°; 762°, n° 1; e 406°, n° 1 do Cód. Civil; 83°, n° 1, alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados; e 36° do Cód. Proc. Civil; </font>
</p><p><font> 17 - tendo determinado com o seu comportamento o trânsito em julgado da decisão nos termos dos arts. 671°, n° 1 e 677° do Cód. Proc. Civil; </font>
</p><p><font> 18 - causando ao A. o prejuízo pela perda da indemnização correspondente aos danos patrimoniais e não patrimoniais provados, mas não acolhidos por via da improcedência, na acção 422/95, e descritos nos arts. 35° a 39° da petição inicial da presente acção, no montante de 52396,94 € e respectivos juros de mora no valor de 34 992,54, perfazendo o total de 87389,48 €. </font>
</p><p><font> 19 - De harmonia com os factos provados na presente acção, o A. fez prova dos fundamentos do pedido, nos termos do 342°, n° 1 do Cód. Civil, verificando-se todos os pressupostos da responsabilidade civil profissional dos RR. e da consequente obrigação de indemnizar o A.; </font>
</p><p><font> 20 - pelo que assiste ao A. o direito a ser indemnizado pelos RR. pelo prejuízo causado com a omissão do dever de interposição do recurso de apelação da sentença da acção 422/95, no montante de 87389,48 €, nos termos dos arts. 1157°; 1161°; 798°, n° 1; 799°; 406°, n° 1 e 562° e seguintes do Cód. Civil. </font>
</p><p><font> 21 - Ao decidir-se em contrário, como se decidiu, foi desrespeitado o preceituado nos arts. 342°, nºs 1 e 2; 344°, n° 1; 350°, n° 1; 406°, n° 1; 562° e seguintes; 798°; 799°; 1157°, 1161 0, alínea a); 36° do Cód. Proc. Civil; e 83°, n° 1, alínea d) do Estatuto da Ordem dos Advogados. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Réus responderam em sustentação da opção que teve por acertada a estratégia de interposição do recurso de agravo, por necessário e viável, em detrimento da apelação, pois que se entendeu que, perante a matéria de facto provada, não se demonstrava um elemento essencial da responsabilidade civil, fazendo a sentença, face a tal factualidade, boa aplicação do direito, sendo, por isso, necessária a repetição do julgamento. </font>
</p><p><font> Defendem, em conformidade, a improcedência total da impugnação do decidido nas Instâncias.</font>
</p><p><font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> que novamente se coloca para apreciação no recurso consiste em averiguar se a actuação dos Réus, enquanto advogados e mandatários forenses, traduzida na omissão de interposição de recurso de apelação da sentença que negou a atribuição de indemnização ao Autor, preenche os pressupostos da responsabilidade civil profissional dos mesmos Réus e da consequente obrigação de indemnizar o Autor.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 3. - Vem definitivamente adquirida, com relevância para conhecimento do objecto do recurso, tal como se mostra delimitado, a </font><b><font>matéria de facto </font></b><font>que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>i. Em 9.6.1995, o autor instaurou acção declarativa de condenação para efectivação de responsabilidade civil, contra FF Companhia de Seguros SA, para ressarcimento dos danos sofridos em consequência de acidente de viação, ocorrido em 25.11.1990, envolvendo o veículo QD-..., seguro na referida seguradora, mediante a apólice ... do ramo automóvel.</font>
</p><p><font>ii. Esta acção correu termos na 16ª vara cível de Lisboa, 1ª secção, sob o n° 422/95.</font>
</p><p><font>iii. Por procuração datada de 3.2.1995, o autor constituiu os advogados Drs. GG e HH seus mandatários, para o patrocinarem no âmbito dessa acção, conferindo-lhes para tanto "os poderes forenses gerais, em direito permitidos, e os especiais para confessar, desistir ou transigir, podendo requerer e assinar tudo o que for necessário aos referidos fins".</font>
</p><p><font>iv. Em 16.4.2001, os advogados Drs. GG e HH substabeleceram, sem reserva, no Dr. II, os poderes forenses gerais e especiais, que lhe tinham sido conferidos pelo autor.</font>
</p><p><font>v. Este substabelecimento foi junto ao proc. n° 422/95, por requerimento de 12.6.2001.</font>
</p><p><font>vi. Em 21.5.2002, o Dr. II substabeleceu, sem reserva, nos réus, os poderes forenses que lhe tinham sido conferidos pelo autor.</font>
</p><p><font>vii. Este substabelecimento foi junto ao proc. n° 422/95, por requerimento datado de 27.5.2002, subscrito pela 1ª ré.</font>
</p><p><font>viii. A audiência de julgamento no proc. n° 422/95 estava designada para o dia 28.5.2002.</font>
</p><p><font>ix. A 1ª ré remeteu requerimento datado de 27.5.2002, ao proc. n° 422/95, a informar da sua impossibilidade de comparecer à audiência agendada para 28.5.2002 e a solicitar a designação de nova data para a sua realização.</font>
</p><p><font>x. No dia designado para julgamento (28.5.2002), o juiz do processo proferiu despacho onde considerou que a falta da mandatária não era razão de adiamento e ordenou a respectiva e imediata realização.</font>
</p><p><font>xi. Em consequência, o julgamento realizou-se sem a presença dos réus, tendo sido inquirida a única testemunha presente, arrolada pela aí ré seguradora.</font>
</p><p><font>xii. Na referida audiência faltaram todas as testemunhas arroladas pelo autor, as quais eram a apresentar.</font>
</p><p><font>xiii. No proc. n° 422/95 foi, após, proferida sentença datada de 3.1.2003, que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido, cujo teor é o seguinte: </font>
</p><p><font> “</font><i><font>AA intentou contra FF – Companhia de seguros, S.A., acção, sob a forma sumária, pedindo a condenação da R. no pagamento do montante de 13.360.356$00, acrescido de juros de mora desde a citação. </font></i>
</p><p><i><font>Como fundamento da sua pretensão, alega em síntese o seguinte: </font></i>
</p><p><i><font>No dia 25.11.90, na Estrada ..., ocorreu um acidente, em que foram intervenientes os veículos AS- e QD-.... </font></i>
</p><p><i><font>O AS seguia no sentido nascente poente e o QD em sentido contrário. </font></i>
</p><p><i><font>O condutor do QD circulava a uma velocidade de cerca de 80 Km e ao aproximar-se do prédio n° 6-A, saiu da sua faixa de rodagem, invadiu a hemi-faixa do AS , passando a circular na mesma, vindo a embater violentamente com a frente esquerda na frente do mesmo lado esquerdo do AS. </font></i>
</p><p><i><font>Em consequência do acidente, o A. sofreu diversas lesões, tendo sido transportado ao hospital S. Francisco Xavier e daí para o Hospital da Cruz Vermelha.</font></i>
</p><p><i><font>Desde a data do acidente ficou o A. privado da utilização do seu veículo, o que constitui um dano diário de 1.000$00, perfazendo 1 640 000$00.</font></i>
</p><p><font>(…). </font>
</p><p><i><font>Procedeu-se a julgamento, com observância de todo o pertinente formalismo legal. </font></i>
</p><p><i><font>Da matéria vertida na especificação e das respostas dadas aos quesitos, encontra-se assente o seguinte factualismo:</font></i>
</p><p><i><font> 1- No dia 25.11.90, cerca das OH e 50 m, na Estada ..., junto ao prédio nº 6-A, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o ligeiro de passageiros, marca Mercedes Benz 190E, matrícula AS-, propriedade do A. e por si conduzido e o ligeiro de passageiros, matrícula QD-..., propriedade de JJ Lda e no seu interesse e por sua conta conduzido por KK. </font></i>
</p><p><i><font>2- Ambos os veículos transitavam na Estada ..., circulando o AS no sentido nascente poente e o QD em sentido oposto. </font></i>
</p><p><i><font>3- Naquela ocasião era noite escura não havendo iluminação artificial no local e chovia estando o piso molhado e escorregadio. </font></i>
</p><p><i><font>4- Pelo menos no sentido de marcha do QD existia um sinal de proibição de exceder a velocidade de 40 Km/h. </font></i>
</p><p><i><font>5- O condutor do QD, após análise ao sangue, tinha neste a presença de álcool, na percentagem de 7 décimas, a que corresponde o diagnóstico médico legal de «possivelmente influenciado pelo álcool». </font></i>
</p><p><i><font>6- A reparação dos danos causados no AS foi orçada em 5.034.364$00, pela «... Lda», Queluz. </font></i>
</p><p><i><font>7- Por causa dos danos o AS ficou impossibilitado de circular pelos próprios meios, computando o A. a privação do AS no montante diário de 1.000$00. </font></i>
</p><p><i><font>8- O parqueamento do AS até 25.05.95, na ... Lda, Queluz, a aguardar reparação, importou em 420.000$00. </font></i>
</p><p><i><font>9- O A, nasceu em ……….. </font></i>
</p><p><i><font>10- O proprietário do QD havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil por acidente de viação, por contrato titulado pela apólice n° ..., em vigor à data do acidente. </font></i>
</p><p><i><font>11- Em consequência do acidente o A. foi transportado para o hospital de S. Francisco Xavier e daí para o hospital da Cruz Vermelha Portuguesa. </font></i>
</p><p><i><font>12- O A. sofreu traumatismo craniano com perda dos sentidos e fractura sub-condiliana do maxilar inferior, à direita. </font></i>
</p><p><i><font>13- E sofreu ainda fractura do fémur esquerdo. </font></i>
</p><p><i><font>14- O A. foi operado no dia 28.11. tendo-lhe sido colocado um bloqueio inter-mandibular, maxilar com barras vestibulares de Erich e sutura de feridas contusas do lábio inferior. </font></i>
</p><p><i><font>15- O A. esteve com bloqueio mais de um mês. 16- O bloqueio foi retirado em Janeiro de 91. </font></i>
</p><p><i><font>17- O A. foi operado em consequência da fractura do fémur esquerdo. 18- E nessa operação foi-lhe colocada uma cavilha, que ainda mantém. </font></i>
</p><p><i><font>19- O A. aguarda a marcação de operação para que seja retirada aquela cavilha. 20- Em consequência da fractura do fémur, o A. esteve cerca de 6 meses na situação de incapacidade total para o trabalho. </font></i>
</p><p><i><font>21- O A. está afectado de uma incapacidade parcial permanente de 3%. </font></i>
</p><p><i><font>22- O A. sofreu internamento hospitalar até 4 de Dezembro de 1990. 23- E continuou a recuperação em casa por mais 6 meses. </font></i>
</p><p><i><font>24- O A. andou em tratamento ambulatório no Hospital da Cruz Vermelha. </font></i>
</p><p><i><font>25- Após o acidente e recuperar os sentidos, o A. sofreu dores durante 6 meses. 26- As intervenções cirúrgicas e bloqueio a que foi sujeito causaram-lhe dores e incómodos. </font></i>
</p><p><i><font>27 - Pelo internamento hospitalar o A. pagou à Cruz Vermelha pelo menos a quantia de 247.924$00. </font></i>
</p><p><i><font>28- Pela intervenção à fractura sub-condiliana do maxilar, foi facturado o montante de 162.000$00. </font></i>
</p><p><i><font>29- Com a intervenção cirúrgica da fractura do fémur, foi facturado ao A. o montante de 532.600$00. </font></i>
</p><p><i><font>30-Em exames de raios X realizados entre 11.12.90 e 02.10.92, na Cruz Vermelha Portuguesa, o A. pagou a quantia de 36.540$00. </font></i>
</p><p><i><font>31-E pela muda dos pensos até 02.01.91, o A. pagou à Cruz Vermelha Portuguesa a quantia de 16.270$00. </font></i>
</p><p><i><font>32- De honorários de assistência médica o A, pagou pelo menos 13.500$00. </font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>Estes os factos aos quais há que aplicar o DIREITO.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><i><font>(…). </font></i>
</p><p><i><font> </font></i>
</p><p><i><font>No caso presente sofreu o autor violação d seu direito à integridade física e patrimonial, pelo que em termos genéricos se pode afirmar que existe violação de um direito</font></i><font>. </font>
</p><p><i><font>A ilicitude é sempre algo contrário ao direito (Pessoa Jorge Pressupostos, 61) integrando-a todos e quaisquer actos ou omissões que violem disposições imperativas da lei, de interesse e ordem pública, ou normas destinadas a proteger interesses de terceiro. Ora todo o condutor medianamente informado deverá saber que não pode conduzir em estado de alcoolemia, uma vez que tal estado lhe diminui necessariamente os reflexos. Deverá pois entender-se como preenchido o pressuposto da ilicitude. (Ac TRC 31.10.90 CJ 90,4,100.). </font></i>
</p><p><i><font>E quanto à culpa? É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, art. 487 CC. </font></i>
</p><p><i><font>(…).</font></i>
</p><p><i><font>No caso concreto, temos que sendo o veículo em causa conduzido por conta de outrem. Dispõe o art. 503 n° 3 CC, que aquele que conduzir o veículo por conta de outrem, responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo e o utilizar em seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo. </font></i>
</p><p><i><font>Há pois no caso concreto presunção de culpa, presunção esta que não foi elidida, pelo que terá o tribunal que concluir que o condutor agiu com culpa (Ac STJ 17.03.93 C. 1. STJ 93,2, 14). </font></i>
</p><p><i><font>Entre o evento (acidente) danoso e a actuação do condutor do outro veículo interveniente no acidente haverá nexo de causalidade? Do factualismo assente ignora-se a forma como ocorreu o acidente, apenas se sabendo que dois veículos colidiram e que o condutor de um deles apresentava a taxa de álcool de 0,7. Só por si, sem outros elementos não pode concluir-se que esse facto (condução com a taxa de álcool de 0,7) é causa adequada do acidente em causa, o que releva da experiência comum. (Ac TRE 08.06.89, CJ 89, 3, 272; Ac TRL 24.10.91, CJ 91, 4, 191; Ac.TRL 24.10.96, CJ 96,4, 140). Não basta que o condutor se encontre no momento do acidente em estado de alcoolemia, sendo necessário demonstrar-se que esse estado foi causa do acidente, o que não acontece no caso presente. </font></i>
</p><p><i><font>Não pode pois entender-se que entre a condução do condutor do outro veículo interveniente no acidente da viação e este (acidente) existe qualquer nexo causal, pelo que não se mostram verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil. </font></i>
</p><p><i><font>Em conformidade e atento o referido, julgo improcedente a pretensão do autor, pelo que absolvo a R. do pedido contra si formulado. </font></i>
</p><p><i><font>Lisboa, 3 de Janeiro de 2003</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>xiv. A referida sentença foi notificada à 1ª ré, por carta de 3.2.2003.</font>
</p><p><font>xv. Os réus não apresentaram requerimento de interposição de recurso de apelação da sentença proferida no proc. n° 422/95.</font>
</p><p><font>xvi. Recebida a notificação, em 18.2.2003, a 1ª ré apresentou requerimento ao proc. n° 422/95, nos seguintes termos:</font>
</p><p><font>«</font><i><font>AA (...) vem expor e requer a V.Ex.a o seguinte:</font></i>
</p><p><i><font>Considerando que:</font></i>
</p><p><i><font>No passado dia 6 de Fevereiro foi notificado da sentença proferida;</font></i>
</p><p><i><font>A sentença vem na sequência da realização do julgamento na 1a data agendada;</font></i>
</p><p><i><font>A audiência de discussão e julgamento foi realizada na ausência da sua mandatária, não obstante ter sido comunicada a respectiva impossibilidade de comparência;</font></i>
</p><p><i><font>Facto só agora levado ao seu conhecimento através da notificação da sentença.</font></i>
</p><p><i><font>Não se podendo conformar com o despacho de não adiamento e da realização do julgamento nestas condições, vem, por estar em tempo e reunidos todos os pressupostos legais, requerer a V. Exª se digne admitir a interposição do recurso que deve ser processado e julgado como recurso de agravo, com efeito suspensivo, subindo imediatamente nos próprios autos</font></i><font>.»</font>
</p><p><font>xvii. Por despacho proferido em 27.2.2003 foi admitido o referido recurso como sendo de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.</font>
</p><p><font>xviii. Por acórdão proferido em 21.10.2003, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi negado provimento ao agravo.</font>
</p><p><font>xix. Com data de 13.11.2003, o autor por intermédio da 1ª ré, apresentou requerimento de interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por despacho de 21.11.2003.</font>
</p><p><font>xx. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, pelo juiz conselheiro relator foi proferido despacho datado de 28.3.2004, que não admitiu o recurso de agravo, com fundamento em o acórdão recorrido não admitir recurso.</font>
</p><p><font>xxi. Pelo autor, por intermédio da 1ª ré, foi apresentada reclamação deste despacho, em 21.4.2004 para o conselheiro presidente do STJ, tendo sido proferido acórdão em 16.12.2004, de não admissão do agravo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>4. 1. - O Recorrente continua a centrar o fundamento da responsabilidade profissional dos Réus e, consequentemente, da obrigação de indemnizar que em que assenta a sua pretensão, no omitido facto de interposição do recurso de apelação da sentença, que se apresentava com erros de julgamento e contradições. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Do mesmo passo, reputa de desnecessária – em razão da provável alteração da sentença - e de resultados aleatórios a intentada (por via do recurso de agravo) repetição do julgamento </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No acórdão impugnado, depois de se declarar que está em causa um contrato de mandato, na modalidade de mandato forense, sendo a responsabilidade dos Recorridos de natureza contratual, entrou-se na análise e escrutínio das opções que se apresentavam aos Réus, enunciando-as como sendo as de interpor recurso, em simultâneo, da decisão que determinou a realização do julgamento e da sentença, só desta, ou agravar apenas daquele despacho.</font>
</p><p><font> De seguida, questionando-se sobre a razão por que não terá a Mandatária (também ou em alternativa) apelado da sentença, designadamente se tal “</font><i><font>terá acontecido por desleixo, lapso, erro, incúria ou inépcia”, responde que tal terá decorrido de uma “consciente opção na gestão do caso e no tratamento do assunto</font></i><font>”, respondeu-se negativamente por “</font><i><font>afigura[r]-se-nos admissível que o advogado, nas concretas circunstâncias, e no exercício do patrocínio no quadro da sua (conveniente) autonomia técnica e profissional, pudesse raciocinar, e optar, como concretamente ali aconteceu</font></i><font>”. </font>
</p><p><font> Perguntando-se, depois “sobre </font><u><font>se será aqui reconhecível algum tipo de </font></u><i><u><font>erro de ofício</font></u></i><u><font>,</font></u><i><u><font> </font></u></i><u><font>entendido este como situação de </font></u><i><u><font>imperícia técnica </font></u></i><u><font>ou de </font></u><i><u><font>incapacidade</font></u></i><u><font> </font></u><i><u><font>profissional </font></u></i><u><font>conducente, porventura, à má opção em não recorrer da sentença proferida”</font></u><font>, respondeu-se, mais uma vez, de forma negativa, a pretexto de que, transcreve-se: “</font><i><font>se é verdade que o julgado da sentença era merecedor de reservas, o certo é que se não tratou de passivamente, num contexto omissivo merecedor de reparo, deixar passar o prazo de interposição de recurso. </font></i><i><u><font>Não foi isso que aconteceu</font></u></i><i><font>. O que houve foi, naquele mesmo prazo, fazer incidir a intervenção sobre o precedente despacho, provavelmente inadequado, e cuja revogação acarretava necessariamente a anulação daquela; suprimindo-se (não só, mas também) a sentença por essa via adjectiva. E, como dissemos, opção aceitável; já que, ao advogado, como técnico, se faculta, à face de hipóteses processuais alternativas, razoáveis e previsivelmente adequadas, poder optar por uma; sem que o seu subsequente inêxito - só reconhecível a posteriori - possa significar erro de ofício ou então falta indesculpável. É que ao advogado não se impõe o dever concreto de agir exactamente deste ou daquele modo; o advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a leges artis; sempre no cumprimento de uma obrigação de meios, dirigida e orientada para um certo objectivo, mas certamente sem nunca garantir um resultado que seja assertivamente obtido.</font></i>
</p><p><i><font>São ideias (…) que radicam, no fundo, naquilo que se revele como solução ou escolha plausível do advogado, em face das concretas condicionantes que ocorram. Pois se, em juízo de prognose, for claro que a postura do advogado é que potencia (com toda a probabilidade) o inêxito do processo que conduz, certamente que a atitude comportará censura; mas se, no mesmo prognóstico, essa evidência se não manifestar, ao invés se revelar até provável que o comportamento daquele viabilize o objectivo a que a condução forense se mostra orientada, então já essa postura se haverá de ter por comportada nos adequados limites dos vínculos do mandato.</font></i>
</p><p><i><font>A pretensão formulada, na hipótese dos autos, de anulação da audiência de julgamento, tida lugar, e sua repetição em outra data, mostra com clareza que se tinha em vista a supressão da sentença proferida, naquela hipótese prejudicada. Nota-se, aliás, não ter sido (apenas) uma outra sentença, que se visou conseguir, mas também salvaguardar os outros, e precedentes actos, aí se comportando a própria audiência e (naturalmente) o julgamento da decisão de facto.</font></i>
</p><p><i><font>O insucesso dessa estratégia processual, que se começou a desenhar com a decisão do acórdão da Relação de Lisboa de 21 de Outubro de 2003 {doc. fls. 250 a 258), acabou por se tornar decisivo. Mas não significou que essa estratégia, assim prosseguida, fosse inepta, pouco zelosa, descuidada ou, sequer, temerosa e provavelmente apta ao insucesso.</font></i>
</p><p><i><font>Pelo contrário, era razoável (também do nosso ponto de vista) alimentar expectativas de êxito; mesmo sem apelação imediata da sentença, esta (provavelmen | [0 0 0 ... 0 0 0] |
_jKou4YBgYBz1XKvPijz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Recorrente</font></b><font>: AA</font>
<p><b><font> Recorrido:</font></b><font> BB</font>
</p><p><b><font>I. – RELATÓRIO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Em dissidência com o decidido no despacho saneador/sentença que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção para investigação da paternidade formulado pela demandante contra o pretenso pai, BB, recorre, </font><i><font>per saltum</font></i><font>, a demandante, AA, do havendo a considerar para a decisão a proferir, os sequentes: </font>
</p><p><b><font>I.1. - Antecedentes Processuais</font></b><font>. </font>
</p><p><font>Elenca-se a súmula dos factos alegados nos articulados produzidos.</font>
</p><p><font>Na petição, donde faz emergir o pedido reconhecimento como filha do Réu, BB, e que fosse averbado ao seu registo de nascimento o apelido "M....., aduz a demandante, em síntese apertada, a sequente factologia: </font>
</p><p><i><font>“a. A Autora nasceu em ........., na freguesia da Correlhã, no dia 14 de Maio de 1949. (vi de fls....), tendo sido na Conservatória do Registo Civil de........... como filha de CC, sem qualquer menção da paternidade (vide fls...) </font></i>
</p><p><i><font>b. Que a sua mãe manteve relações sexuais de cópula com o Réu, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, nada obstando à perfilhação. </font></i>
</p><p><i><font>c. Que a sua mãe e o Réu, em meados da década de 40 começaram a estreitar laços de amizade, que posteriormente evoluíram para outro tipo de relação, e que tal namoro, apesar de não assumido plenamente, era do conhecimento de toda a freguesia, situação que até era muito comentada na época; de tal modo que, quando na freguesia se descobriu a gravidez da mãe da Autora, aqui Recorrente, toda a gente teve a convicção que a filha seria do Réu, por ter sido o único homem com quem viram a mãe da Autora. Que essa Relação durou anos, sempre com promessas adiadas, tendo mesmo continuado depois do nascimento da Autora. </font></i>
</p><p><i><font>d. Alegando ainda a Autora que, quando pequena a mãe lhe teria indicado que aquele era o seu pai mas que este nunca permitiu uma tentativa de aproximação, o que a impediu de ter acesso ao mesmo, nomeadamente ao seu nome completo ou morada, até porque a Autora foi viver para o Porto ainda muito jovem, tendo perdido contacto com os familiares mais próximos e com vizinhos que lhe pudessem dar mais informações. </font></i>
</p><p><i><font>e. E que, o facto de só agora ter intentado a respectiva acção de investigação de paternidade se prende com a circunstância de só posteriormente ao falecimento da mãe e do seu marido (este em 24 de Setembro de 2009, vide fls....) a Autora ter voltado para a sua terra Natal e ter feito uma investigação mais cuidada acerca das suas raízes, o que lhe permitiu obter dados mais concretos sobre o Réu.” </font></i>
</p><p><font>Na contestação que apresentou, o demandado defende-se, por excepção, apelando para a nova redacção do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, que preceitua que “</font><i><font>a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Tendo a Autora 61 anos de idade há muito que está ultrapassado o prazo de dez anos previsto no indicado preceito, cuja vigência se tem desde 2 de Abril de 2009.</font>
</p><p><font>Para além da excepção de caducidade induz a figura de abuso de direito por reputar estarem a ser excedidos os limites da boa fé, dos bons costumes, do fim social e económico do direito que pretende exercitar. Na verdade a mãe da Autora faleceu há mais de 12 anos, sendo que é a própria Autora que afirma saber que o seu pai biológico é o demandado. Apesar de ter conhecimento dessa realidade pessoal nunca a fez saber ao demandado nem curou de saber da sua situação pessoal. Tendo neste momento a idade de 90 anos, o demandado esteve doente há quatro anos e a Autora não procurou inteirar-se da sua situação de saúde. Sendo relevante o direito à identidade, também o é o direito de personalidade e do de reserva à intimidade da vida privada, constituindo-se como abuso de direito a pretensão de exercitar o direito de ver investigada a paternidade relativamente ao demandado com a consequente devassa da suas relações pessoais, familiares e patrimoniais. </font>
</p><p><font>Por impugnação contramina os factos constitutivos do direito da Autora, nomeadamente que alguma vez tivesse tido relações com a mãe da Autora, mais velha do que ele cinco anos. A ser verdade o que a Autora refere, à data em que deverão ser situadas as relações sexuais geradoras da concepção a sua mãe teria 33 anos e será pouco crível, como a autora refere, que se deixasse embair nas “</font><i><font>falas</font></i><font>” do demandado. Do mesmo passo não é verdade que o demandado tenha mantido um namoro com a mãe da autora nem esta consegue localizar o momento exacto em que essas relações terão ocorrido, tendo-se limitado a fazer apelo ao período legal estabelecido – os primeiros 120 dias do 300 que precederam o nascimento da autora. </font>
</p><p><font>Em sede de réplica a autora refuta a argumentação aduzida para a veia exceptiva suscitada, esgrimindo com o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10-01-2006, publicado no DR, I Série, de 08-02-2006, bem como jurisprudência deste supremo Tribunal em que estriba a posição adversa por que propugna.</font>
</p><p><font> No atinente ao abuso de direito, a autora repristina jurisprudência que já tinha impelido para contraminar a excepção de caducidade e outra em que se escora para abonar a posição de lidimidade do direito a que se arroga. </font>
</p><p><font>Em sucinto e parcimonioso despacho, o Tribunal de Ponte de Lima julgou procedente a excepção de caducidade, tendo absolvido o Réu do pedido. </font>
</p><p><font>È deste despacho que vem interposto o presente recurso de revista, per saltum, em que a autora pretende que venha a ser revogado o despacho saneador/sentença em que se julgou o direito á acção de investigação caduco. </font>
</p><p><b><font>I.2. – Quadro Conclusivo.</font></b>
</p><p><font>Para o pedido que requesta, a recorrente formula o quadro conclusivo que a seguir se deixa transcrito. </font>
</p><p><i><font>“1 - No douto Despacho Saneador Sentença recorrido entendeu-se julgar procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de intentar a acção de investigação de paternidade, invocado pelo Réu e, em consequência decidiu-se absolver o Réu do pedido. </font></i>
</p><p><i><font>2. A Recorrente não se conforma com a aplicação do direito aos factos, já que, salvo melhor opinião, entendemos que não se verifica no presente caso os pressupostos da caducidade. </font></i>
</p><p><i><font>3. E, por tal motivo se recorre somente de direito. </font></i>
</p><p><i><font>4. Assim, pretendia a Recorrente/Autora: </font></i>
</p><p><i><font>a) - Que a acção de reconhecimento de paternidade fosse julgada provada e procedente; </font></i>
</p><p><i><font>b) - Ser reconhecida como filha do Réu para todos os efeitos legais; </font></i>
</p><p><i><font>c) - Que fosse averbado ao seu registo de nascimento o apelido "M........" </font></i>
</p><p><i><font>5. Para tanto, a Autora, aqui Recorrente intentou Acção de Investigação de Paternidade contra o Réu, tendo, em suma, alegado que: </font></i>
</p><p><i><font>a. A Autora nasceu em .........., na freguesia da Correlhã, no dia 14 de Maio de 1949. (vi de fls....), tendo sido na Conservatória do Registo Civil de Ponte de Lima como filha de CC, sem qualquer menção da paternidade (vide fls...) </font></i>
</p><p><i><font>b. Que a sua mãe manteve relações sexuais de cópula com o Réu, nomeadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, nada obstando à perfilhação. </font></i>
</p><p><i><font>c. Que a sua mãe e o Réu, em meados da década de 40 começaram a estreitar laços de amizade, que posteriormente evoluíram para outro tipo de relação, e que tal namoro, apesar de não assumido plenamente, era do conhecimento de toda a freguesia, situação que até era muito comentada na época; de tal modo que, quando na freguesia se descobriu a gravidez da mãe da Autora, aqui Recorrente, toda a gente teve a convicção que a filha seria do Réu, por ter sido o único homem com quem viram a mãe da Autora. Que essa Relação durou anos, sempre com promessas adiadas, tendo mesmo continuado depois do nascimento da Autora. </font></i>
</p><p><i><font>d. Alegando ainda a Autora que, quando pequena a mãe lhe teria indicado que aquele era o seu pai mas que este nunca permitiu uma tentativa de aproximação, o que a impediu de ter acesso ao mesmo, nomeadamente ao seu nome completo ou morada, até porque a Autora foi viver para o Porto ainda muito jovem, tendo perdido contacto com os familiares mais próximos e com vizinhos que lhe pudessem dar mais informações. </font></i>
</p><p><i><font>e. E que, o facto de só agora ter intentado a respectiva acção de investigação de paternidade se prende com a circunstância de só posteriormente ao falecimento da mãe e do seu marido (este em 24 de Setembro de 2009, vide fls....) a Autora ter voltado para a sua terra Natal e ter feito uma investigação mais cuidada acerca das suas raízes, o que lhe permitiu obter dados mais concretos sobre o Réu. </font></i>
</p><p><i><font>6. Porém, o Tribunal "a quo" entendeu que, "o prazo para a A. intentar a presente acção está ultrapassado por força da Lei 14/2009 de 1 de Abril que procedeu à alteração do art.1817.º do Código Civil ". (itálico nosso). </font></i>
</p><p><i><font>7. Tendo julgado procedente a excepção peremptória de caducidade invocada pela Ré. </font></i>
</p><p><i><font>8. Tendo o tribunal "a quo" fundamentado que "Atento o disposto no artigo 1. o da referida Lei, o artigo 1817.º n.º 1do Código ... e que como o "artigo 2.º da referida Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 2 de Abril de 2009.", "Está assente que o artigo 1817.º n.º 1 do CC com a nova redacção - aplica-se à presente acção por força do art. 1873.º do mesmo Código." (itálico nosso). </font></i>
</p><p><i><font>9. Entendendo assim o Tribunal "a quo" que "... tendo a A. 61 anos de idade, há muito que está ultrapassado o prazo de 10 anos previsto no art. 1817.º n.º 1 do CC com a redacção dada pela nova Lei 14/2009 de 1 de Abril, a qual se aplica ao presente processo. " (itálico nosso). </font></i>
</p><p><i><font>10. Acrescentando ainda o Tribunal" a quo" que "... é verdade que o n.º 1 do artigo 1817.º CC na sua redacção anterior à referida Lei 14/2009 de 1 de Abril, foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral. Daí não se pode concluir que a referida inconstitucionalidade abrange a actual redacção da referida disposição legal. ". Para concluir que " Por tudo isto entendemos que o n.º 1 do art. 1817.º do C. Civil na sua actual redacção não é inconstitucional. " (itálico nosso) </font></i>
</p><p><i><font>11. A Recorrente não pode concordar com tal entendimento! </font></i>
</p><p><i><font>12. Com efeito, a Autora tem 61 anos de idade e como prescreve o n.º 1 do art. 1817.º do Código Civil, "A acção de investigação da maternidade só pode ser proposta ... nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. </font></i>
</p><p><i><font>13. No entanto, o nosso entendimento vai no sentido de que o prazo para a Autora intentar a acção não caducou, tendo em conta o consagrado no </font></i><b><i><font>"</font></i></b><b><i><u><font>Acórdão do Tribunal Constitucional 23/2006 de 10.1.2006. publicado no DR de 8.2.2006 I Série. pags. 1026 1034"</font></u></i></b><b><i><font>,</font></i></b><i><font> o qual se decidiu pela inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo de caducidade do n.º 1 do art. 1817.º do CC; implicando tal declaração a remoção da norma do ordenamento jurídico, não podendo, portanto, a mesma ser aplicada pelos Tribunais (art. 204.º da CRP). </font></i>
</p><p><i><font>14. É verdade que o referido Acórdão se pronunciou sobre o art. 1817.º do CC, na sua redacção anterior à Lei 14/2009; no entanto, também não é menos verdade, que as razões que estão subjacentes à declaração de inconstitucionalidade referidas no citado acórdão do TC se mantêm inteiramente válidas. </font></i>
</p><p><i><font>15. Deste modo, não podemos concordar com a douta sentença recorrida de que a referida inconstitucionalidade não abrange a actual redacção da referida disposição legal; nem podemos concordar com o entendimento do Tribunal "a quo" de que o legislador actual ao aumentar o prazo da caducidade sanou a referida inconstitucionalidade. </font></i>
</p><p><i><font>16. No nosso entender, e salvo melhor opinião, a estipulação de um prazo mais alargado do actual 1817.</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> n.º 1, não deixa de constituir uma restrição ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, enquanto direito fundamental. </font></i>
</p><p><i><font>17. Pelo que, e na esteira da mais recente doutrina e jurisprudência deve-se aceitar a imprescribi1idade do direito de investigar a paternidade. </font></i>
</p><p><i><font>18. O direito ao conhecimento da ascendência biológica é um valor social, pessoal e moral da maior relevância, tratando-se de um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, como de identidade pessoal (art. 26.</font></i><i><sup><font>0</font></sup></i><i><font> 1 da CRP). </font></i>
</p><p><i><font>19. Neste sentido o Acórdão do STJ de 21-09-2010, processo n.</font></i><i><sup><font>0 </font></sup></i><i><font>495/04 3TBOR.C.l.S.l, in </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt.</font></u></i></a><i><font> diz-nos que "</font></i><i><u><font>O direito a investigar a paternidade é imprescritível sendo injustificada qualquer limitação temporal que equivaleria à limitação de um direito de personalidade. "</font></u></i><i><font>. </font></i>
</p><p><i><font>20. Acrescentando ainda “É este o resultado que se alcança do Acórdão do Tribunal Constitucional ao declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do n. 1 do artigo 1817.º do Código Civil, declaração que não pode deixar de ser extensível a todo o preceito" (Negrito, itálico e Sublinhado nosso). </font></i>
</p><p><i><font>21. O que contraria o douto despacho saneador do Tribunal "a quo" quando afirma que a " ... não se pode concluir que a referida inconstitucionalidade abrange a actual redacção da referida disposição legal". </font></i>
</p><p><i><font>22. É esta ideia de imprescribilidade que colhemos da leitura do referido Acórdão do STJ de 21-09-2010, processo n.º 495/04.3TBOR.C.1.S.1, que consagra ainda que " ... o Estado não pode limitar o assentamento da filiação/identidade pessoal, com limitações de prazos independentemente da sua duração, extensão e "terminus ad quem"." (negrito e itálico nosso). </font></i>
</p><p><i><font>23. No mesmo sentido Ac. do STJ de 7/7109 - proc. n.º 1124/05.3TBLGS.Sl disponível na internet, em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font> - diz-nos que "</font></i><i><u><font>a valorização dos direitos fundamentais da pessoa,</font></u></i><i><font> como o de saber quem é e de onde vem na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica, </font></i><i><u><font>fazem-na prevalecer sobre os prazos de caducidade</font></u></i><i><font> para as acções de estabelecimento da filiação". (Negrito e Sublinhado nosso). </font></i>
</p><p><i><font>24. Também na esteira do consagrado neste mesmo Acórdão "As razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advêm de um quadro jurídico-familar estabilizado, mesmo que não correspondendo à verdade biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social" (Negrito e itálico nosso), não podemos concordar, salvo o devido respeito, com a fundamentação do Tribunal "a quo" que faz prevalecer os princípios de certeza e segurança jurídica sobre a verdade biológica, dispondo "Ex abundante, os princípios da certeza e segurança do direito também terão de ser respeitados." (itálico nosso). </font></i>
</p><p><i><font>25. O tribunal constitucional ao declarar no seu Acórdão 23/2006 de 10 de Janeiro de 2006 inconstitucional a norma constante do art. 1817 do CC teve como motivação o direito à identidade e historicidade pessoal e ao conhecimento das próprias raízes, enquanto direito fundamental "Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade" (Negrito e Sublinhado nosso). </font></i>
</p><p><i><font>26. A doutrina maioritária, designadamente a doutrina mais citada pelo Tribunal Constitucional pende hoje para a inconstitucionalidade da existência de prazos nas acções de investigação de paternidade. </font></i>
</p><p><i><font>27. "Caducidade das acções de investigação". Revista Lex Familae, cito n.º 1, 2004, pp.7-13, concluindo ser sustentável alegar a inconstitucionalidade dos prazos estabelecidos nos artigos 1817. ° e 1873. ° do Código Civil, tornando o regime inaplicável pelos tribunais, e </font></i><i><u><font>devendo então o direito dos filhos poder ser exercitado a todo o tempo, durante toda a vida</font></u></i><i><font> ... (...)’’ (negrito, itálico e sublinhado nosso) </font></i>
</p><p><i><font>28. Deste modo, não obstante o Tribunal Constitucional se ter pronunciado sobre o art. 1817.º do CC, na sua redacção anterior à lei 14/2009, entendemos, salvo o devido respeito, que as razões subjacentes à declaração de inconstitucionalidade se mantém válidas. </font></i>
</p><p><i><font>29. Tal como é defendido no Acórdão do STJ publicado no site </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font>.</font></i></a><i><u><font> processo n.º 4/07.2TBEPS.Gl.Sl, de 21-09-2010 "As razões que estão subjacentes àquela declaração de inconstitucionalidade mantêm-se inteiramente válidas,</font></u></i><i><font> dado que, estando em causa o estabelecimento da paternidade da autora, </font></i><i><u><font>o prazo previsto no ar! 1817.º, n.º 1, na redacção da nova lei, é também materialmente inconstitucional,</font></u></i><i><font> na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo, o estabelecimento do mesmo (...) uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber em vida de quem descende. " (Negrito, itálico e Sublinhado nosso). </font></i>
</p><p><i><font>30. No mesmo Acórdão referem-se à doutrina do Dr. Jorge Miranda e do Dr. Rui Medeiros para reforçar a ideia de que “A estipulação de prazo de caducidade mais alargado constante do artigo 1817.º, na redacção da nova lei não deixa, por isso, de constituir uma restrição do direito ao conhecimento e reconhecimento da paternidade, enquanto direito fundamental,... " (Negrito e Sublinhado nosso). </font></i>
</p><p><i><font>31. Ainda no mesmo sentido diz-nos o Acórdão do STJ, in </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt.</font></u></i></a><i><font> processo n.oI847/08.5TVLSB-A.L1.S1, de 8-06-2010 "Tal direito fundamental, do conhecimento da ascendência biológica, por banda do investigante, é um direito personalíssimo e imprescritível (....) Configurando os prazos de caducidade - </font></i><i><u><font>sejam eles quais forem</font></u></i><i><font> - uma restrição desproporcionada de tal citado direito à identidade pessoal ou à historicidade pessoal, violadora da Constituição da República. ( ... ) Sendo, assim, </font></i><i><u><font>também inconstitucional, o novo prazo de investi1!ação estabelecido pela actual Lei 14/2009, de 1 de Abril</font></u></i><i><font>" (Negrito e Sublinhado nosso). </font></i>
</p><p><i><font>32. Fazendo urna resenha pelo direito comparado, verificamos que apesar de a solução adoptada na ordem jurídica portuguesa (no que diz respeito ao estabelecimento de prazos de caducidade para intentar acções de investigação de paternidade) não ser inédita, afasta-se daquela que é adoptada na grande maioria das ordens jurídicas que nos são mais próximas. </font></i>
</p><p><i><font>33. O Código Civil Italiano, no seu art. 270.º dispõe que a acção para obter a declaração judicial da paternidade ou da maternidade "é imprescritível para o filho." Também o artigo 1606.º do Código Civil brasileiro dispõe que a " acção de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver... ". Por sua vez, o Código Civil espanhol, nos termos do art. 133.º dispõe "acção de reclamação de filiação não matrimonial, quando falte a respectiva posse de estado, cabe ao filho durante toda a sua vida. Esta regra da imprescritibilidade foi também adoptada pelo legislador alemão e até pelo Código Civil de Macau. </font></i>
</p><p><i><font>34. O Tribunal "a quo" defendeu uma tese contrária à defendida pela maioria da jurisprudência e doutrina. </font></i>
</p><p><i><font>35. O prazo para intentar a acção não caducou, sendo que se deve considerar que o Acórdão 23/2006 do TC declarou obrigatoriamente inconstitucional o art. 1817 do CC </font></i><i><u><font>ao estabelecer prazos de caducidade</font></u></i><i><font> para intentar acções de investigação de paternidade, sendo irrelevante "por conduzir ao mesmo resultado, reflectir sobre a aplicação da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, uma vez que esta alteração legislativa continua a manter um prazo, embora mais alargado, para este tipo de acções. </font></i>
</p><p><i><font>36. Assim, se apesar de alargado continua a existir um prazo, tal artigo na sua nova redacção também se deve considerar inconstitucional, uma vez que a existência de um prazo não se coaduna com o direito a investigar por parte da Autora, enquanto direito fundamental de conhecimento da sua ascendência biológica. </font></i>
</p><p><i><font>37. Assim, e pelas razões supra expostas, não podemos concordar com Despacho Saneador Sentença do Tribunal, a quo" que ao julgar procedente a excepção peremptória invocada pelo Réu obsta ao direito da Autora ao conhecimento e reconhecimento da paternidade. </font></i>
</p><p><i><font>38. Sendo certo que, a Autora durante toda a sua vida tentou descobrir a sua ascendência biológica e que só recentemente teve acesso a dados mais concretos sobre o Réu que lhe permitissem intentar a respectiva acção. </font></i>
</p><p><i><font>39. Resta acrescentar que o argumento da certeza e segurança do direito, enquanto razão para a previsão de um prazo limitativo da acção de investigação não pode colher, não devendo sobrevalorizar-se, no confronto com bens constitutivos da personalidade, a garantia da "segurança jurídica". </font></i>
</p><p><i><font>40. Neste sentido diz-nos o já citado Acórdão do Tribunal Constitucional "Quanto ao interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, não pode, desde logo, deixar de observar-se que, se o que esta em questão é realmente a incerteza quanto à paternidade, esta pode hoje, com grande segurança, ser logo eliminada, com a concordância do próprio pretenso progenitor que nisso estiver realmente interessado, bastando, para tal, aceitar a realização de um vulgar teste genético de paternidade." (negrito e itálico nosso). </font></i>
</p><p><i><font>41. O Réu tem direito à reserva da intimidade da vida privada e à segurança jurídica das suas relações familiares, no entanto esta não merece uma protecção superior àquela que deve ser conferida à Autora, que é o direito de conhecimento da identidade dos seus progenitores. </font></i>
</p><p><i><font>42. Face ao exposto, não pode considerar-se que o prazo para a Autora intentar a acção de investigação de paternidade se encontra ultrapassado, não devendo ser julgada procedente a excepção de caducidade invocada pelo Réu. </font></i>
</p><p><i><font>43. Devendo o deve o presente recurso ser julgado procedente, e consequentemente a douta sentença recorrida ser substituída por outra que julgue a acção procedente. </font></i>
</p><p><i><font>44. Ao ter julgado procedente a excepção da caducidade invocada pelo Réu, a douta sentença recorrida vai contra o entendimento da doutrina e jurisprudência maioritária, não tendo em conta os fundamentos subjacentes à declaração de inconstitucionalidade do art. 1817.º do Cód. Civil, fundamentos esses que se mantém, apesar da actual versão do artigo. </font></i>
</p><p><b><i><font>Termos em que, </font></i></b><i><font>dando-se provimento ao presente recurso, julgando-o procedente e provado, deve o douto despacho saneador sentença recorrido ser revogado de modo a permitir a continuidade da acção, não sendo o Réu absolvido do pedido permitindo a Autora avançar com a acção de investigação de paternidade; com todas as legais consequências, fazendo assim, inteira </font></i><b><i><font>Justiça. </font></i></b>
</p><p><font>Em resposta, contramina o recorrido a argumentação da recorrente, tendo dessumido o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><font>“</font><i><font>1 - O direito ao conhecimento das origens biológicas não é um direito absoluto nem ilimitado, aliás, como não o são quaisquer outros direitos. </font></i>
</p><p><i><font>2 - O legislador não está, pois, impedido de intervir, regulando o exercício deste direito, conforme deixou bem claro o Acórdão 23/06 do Tribunal Constitucional, publicado no D.R. 28/06 série I-A de 8/2. </font></i>
</p><p><i><font>3 - Deixando em aberto a possibilidade de o legislador vir a estabelecer um outro prazo de caducidade que não ofendesse o princípio da proporcionalidade. </font></i>
</p><p><i><font>4 - A nova redacção do artigo 1817.º do CC. da pela Lei 14/2009 de 1 de Abril, não afecta o conteúdo principal do direito ao conhecimento das origens genéticas. </font></i>
</p><p><i><font>5 - O Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização, deve estar presente na interpretação e aplicação das normas constitucionais, conforme ensina o Prof. Doutor Gomes Canotilho in "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", 7</font></i><i><sup><font>3</font></sup></i><i><font> edição, pago 1225: "O campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais (colisão entre direitos fundamentais ou entre direitos fundamentais e bens jurídicos constitucionalmente protegidos). Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens." </font></i>
</p><p><i><font>6 - A nova redacção daquele artigo harmoniza de forma proporcional o direito ao conhecimento das origens genéticas e do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, e da certeza e segurança jurídica. </font></i>
</p><p><i><font>7 - Porquanto estabelece um prazo suficientemente longo de 10 anos para investigar judicialmente a maternidade/paternidade e até a possibilidade para intentar a respectiva acção judicial para além desse prazo. </font></i>
</p><p><i><font>8 - A actual redacção do artigo 1817.º apenas não deixa ao arbítrio do interessado o modo e o grau do exercício do seu direito, disciplinando, antes, o modo pelo qual deve ser exercido, harmonizando-o de forma proporcionada com outros direitos constitucionalmente consagrados. </font></i>
</p><p><i><font>9 - A constituição não consagra expressamente um direito ao conhecimento das origens genéticas, residindo o seu fundamento no direito ao desenvolvimento da personalidade - direitos pessoais - consagrados no artigo 26.º n.º 1 da constituição. </font></i>
</p><p><i><font>10 - No caso concreto, a personalidade da recorrente não fica minimamente afectada pelo facto de não poder exercer o direito de investigar a sua paternidade. </font></i>
</p><p><i><font>11 - Com efeito, tendo a recorrente 61 anos de idade, tem a sua personalidade completamente formada, como está perfeitamente localizada e identificada a sua identidade cultural, geográfica e familiar. </font></i>
</p><p><i><font>12 - Sem conceder, o facto da Recorrente ter, eventualmente, ido viver para o Porto ainda muito jovem, não justifica minimamente que só agora tenha vindo instaurar a presente acção, porquanto, as afirmações da recorrente no presente recurso são incompreensíveis e descabidas por sofrerem de uma contradição insanável com os factos que ela própria alega na Petição Inicial. </font></i>
</p><p><i><font>13 - Sem conceder, a ser verdade que toda a freguesia comentava e ainda hoje comenta que a D. Julinha (recorrente) é filha do Carteiro (Recorrido), se o carteiro sempre foi pessoa bastante conhecida na freguesia, se até a mulher do vice-presidente da Câmara, D. DD sabia de tudo isto, </font></i><i><u><font>como é que vem afirmar no presente recurso que durante toda a sua vida tentou descobrir a sua ascendência biológica? </font></u></i>
</p><p><i><font>14 - </font></i><i><u><font>A verdade é que a recorrente nunca esteve interessada em determinar e ver reconhecida e sua paternidade até à instauração da presente acção. Só agora. em 2010, sabe-se lá porquê, quando o recorrido, sem filhos, tem mais de 90 anos e ela mais de 61 é que está preocupada em determinar a sua paternidade.</font></u></i>
</p><p><i><font>15 - Pelos fundamentos expostos, a actual redacção do artigo 1817° do Código Civil não sofre de nenhuma inconstituciona1idade que o afecte, devendo em consequência ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o douto saneador sentença recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>16 - Não obstante a recorrente na sua motivação de recurso e nas respectivas conclusões, ponto 38, ter abordado alguma matéria de facto, das mesmas se conclui que só pretende ver reapreciada matéria de direito, mais concretamente a inconstitucionalidade da actual redacção do artigo 1817.º do CC.. Por outro lado, tendo o douto saneador sentença julgado e decidido matéria de direito, o recorrido não se opõe a que o presente recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 725.º do CPC</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>I.3. – Questão a decidir.</font></b>
</p><p><font>A questão nuclear e axial que vem suscitada pelo recurso interposto atina com a caducidade do direito de acção de investigação de paternidade e eventual constitucionalidade do artigo 1817.º do Código Civil na redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2009 de 1 de Abril.</font>
</p><p><font>Ancilarmente poder-se-á equacionar a questão do abuso do direito.</font>
</p><p><b><font>II. – Fundamentação. </font></b><font> </font>
</p><p><font>II.A. – De Facto.</font>
</p><p><font>- A Autora, AA nasceu, em ........, freguesia de Correlhã, no dia 14 de Maio de 1949;</font>
</p><p><font>- A Autora foi registada na Conservatória do Registo Civil de ......... como filha de CC, sem menção de paternidade;</font>
</p><p><font>- A acção ordinária (investigação de paternidade) n.º 1167/10.5TBPTL foi proposta, em 25 de Novembro de 2010. </font>
</p><p><b><font>II.1. – Caducidade do direito de acção de investigação de paternidade – artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril.</font></b>
</p><p><font>Tendo a acção sido proposta já no domínio da nova redacção do artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, ex vi do artigo 1873.º do mesmo livro de leis, a questão adquire contornos diversos que tiveram por tela de juízo os casos decididos nos arestos deste Supremo Tribunal de Justiça de 11-03-2010; 08-06-2010 e o mais recente de 21-09-2010. [</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Para a opção legislativa da Reforma de 1977 </font><i><font>“podia afirmar-se, também, que o “direito à identidade pessoal” e o “direito à integridade pessoal” estavam implicados nesta questão. Saber quem sou exige saber de onde venho, quais são os meus antecedentes genéticos, onde estão as minhas raízes familiares, geográficas e culturais. Esta faceta da pessoa – a historicidade pessoal – tinha de ser satisfeita através dos meios legais para demonstrar os vínculos biológicos e constituir as relações jurídicas correspondentes. Também isto sem restrição aparente na lei fundamental. Creio, ainda, que devia implicar-se nesta discussão o “direito à não discriminação” | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NzKpu4YBgYBz1XKvxSrr | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> 1. - AA e BB intentaram acção declarativa de condenação contra “Banco CC, S.A.” (ao qual veio a suceder, na sequência de operação de fusão, “Banco DD, S.A.”), pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes quantia de 1 892 315,42€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a sua citação e até integral “liquidação”.</font><br>
<br>
<font>Alegaram para o efeito, em síntese, que:</font><br>
<font>- Os seus pais, numa das suas deslocações à agência de Seia do “Banco CC”, foram informados da existência de um produto financeiro que oferecia taxas de juros aliciantes, sendo o dinheiro investido através da sucursal da Ré, em Londres; </font><br>
<font>- Assim, entre Julho de 1993 e Fevereiro de 2001, os pais dos AA. fizeram dez aplicações financeiras (a última com vencimento em 01/02/2004), com taxas de juros variáveis, revertendo o valor dos referidos juros para os AA.;</font><br>
<font>- Dessas 10 aplicações, as primeiras 3 foram bem sucedidas, tendo sido creditados a favor dos pais dos AA. capital e juros remuneratórios nas respectivas datas de vencimento;</font><br>
<font>- Quanto às restantes 7 aplicações, em Setembro de 2003 os pais dos AA. foram informados pela Ré que o seu gerente do balcão de Seia teria cometido actos ilícitos no exercício da sua profissão, tendo os representantes da Ré pedido àqueles que reunissem todos os documentos que possuíam relativamente a tais 7 aplicações, uma vez que as mesmas nunca tinham sido concretizadas junto da sucursal do Banco em Londres ou qualquer outro lugar e que o aludido gerente se havia apropriado das quantias entregues, quer pelos pais dos AA., quer por outros clientes.</font><br>
<font>- O Réu devolveu todo o capital que os AA. haviam investido, mas decidiu não devolver os juros convencionados.</font><br>
<font>- Caso as aplicações 4 a 10 se tivessem vencido nas datas convencionadas, os AA. teriam obtido um ganho global de esc. 379 375 180$86 / €1 892 315,42.</font><br>
<br>
<font>Contestando, sustentou a Ré, em resumo, que:</font><br>
<font>- Em Setembro de 2003, os seus serviços detectaram um conjunto de irregularidades e de ilícitos praticados pelo seu funcionário EE, à data a desempenhar as funções de director na agência de Seia, que, com a promessa de taxas de juro elevadas, convenceu diversos clientes do BTA a constituírem supostas aplicações nas sucursais do BTA em Londres e Luxemburgo, utilizando em seu proveito os montantes entregues, e forjando documentos com o nome do BTA;</font><br>
<font>- Apenas sabe que os pais dos AA. entregaram ao EE a importância de 475 000 000$00, quantia que o BPA depois devolveu, mas desconhece se foram acordadas taxas de juro e, a terem-no sido, quais em concreto, impugnado toda a matéria da PI relacionada com tais acordos e documentos apresentados;</font><br>
<font>- As taxas juros alegadamente prometidas são desajustadas às praticadas no mercado, e não existiam nem na sucursal de Londres, Luxemburgo ou em Portugal, nem na banca em geral, nem na agência do BTA em Londres havia aplicações a mais de um ano.</font><br>
<font>Concluiu, defendendo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.</font><br>
<br>
<font>A final foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré “Banco DD, S.A.”, a pagar aos AA. AA e BB a quantia de 555.283,32€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<br>
<font> Apelaram ambas as Partes, mas a Relação manteve o sentenciado.</font><br>
<br>
<font>Interpõem agora os Autores recurso de revista em que, após arguição de nulidades do acórdão, sustentam no pedido que formulam dever “o acórdão recorrido ser revogado e, em seu lugar, ser proferida decisão que, anulando o juízo de mérito alcançado pela 1ª Instância – confirmado </font><i><font>qua tale </font></i><font>pelo Tribunal da Relação – reconheça a existência dos seis contratos firmados entre AA. e Ré descritos nos autos e condene a Ré no seu integral e escrupuloso cumprimento, como </font><i><font>ab initio</font></i><font> peticionado pelos AA..</font><br>
<br>
<br>
<font>Para tanto, argumentam nos precisos termos das seguintes conclusões:</font><br>
<font>«1. Na apreciação - indagação, interpretação e subsunção jurídica - da matéria de facto trazida a juízo pelas partes e resultante da instrução e discussão da causa, o julgador não está sujeito às alegações das partes. </font><br>
<font>2. Na petição inicial que funda os presentes autos, os Autores deduziram contra a Ré o pedido de pagamento da quantia de Esc.21.575.000$OO produzida pela aplicação financeira constituída em Agosto de 1996 e que depois integrou o capital que constituiu a aplicação n.º 7, identificando tal quantia como remuneração de capital. </font><br>
<font>3. Ao não emitir decisão de mérito sobre esta pretensão dos AA., com o fundamento de tal quantia consubstanciar, no entendimento do julgador, capital - e não juros -, não compreendida, por isso, no pedido formulado pelos AA, violou a 1ª Instância o disposto nos artigos 664° e 264°, n.º 2, do C.P.Civil, </font><br>
<font>4. padecendo a sentença assim proferida de nulidade, por omissão de pronúncia, como previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668° do C.P.Civil, </font><br>
<font>5. vício em que igualmente, e pelas mesmas razões, incorreu o Tribunal da Relação de Coimbra no acórdão ora em crise - que, assim, viola os artigos 664°, 264º, n.º 2 e 668°, n.º 1 - d) do C.P.Civil -, cuja sanação se impõe e requer. </font><br>
<font>6. Ao sufragar o entendimento de «</font><i><font>(…) não constituírem as supostas aplicações financeiras (n.ºs 4 a 10) efectuadas pelos pais dos AA verdadeiros contratos bancários, susceptíveis de vincular o Banco Réu (…)</font></i><font>» o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> faz um errado enquadramento jurídico da matéria de facto considerada provada sob os n.ºs 39, 43 e 44, 46, 51 a 55, 57 e 59, 62 e 63, 65 a 67, 69 a 71 da sentença, incorrendo em erro na determinação não da norma mas de todo o regime jurídico que entendeu aplicável à situação </font><i><font>sub judice</font></i><font>. </font><br>
<font>7. A matéria de facto dada como provada sob os pontos 8, 9, 21, 22, 23, 25 e 33 da sentença proferida pela 1ª Instância e ora confirmada pela Relação, através da qual o julgador reputa existentes, válidas e vigentes entre as partes, as aplicações identificadas como 1, 2 e 3; sem nunca questionar a respectiva qualificação como “</font><i><font>verdadeiros</font></i><font> </font><i><font>contratos</font></i><font>” (bancários), como genericamente desenhados no artigo 405º do Código Civil Português, e assim “</font><i><font>susceptíveis</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>vincular</font></i><font> </font><i><font>o</font></i><font> </font><i><font>Réu</font></i><font>” nos seus exactos termos e condições, e confrontada a mesma com a matéria ali também considerada provada sob os pontos 39, 43 e 44, 46, 51 a 55, 57 e 59, 62 e 63, 65 a 67 e 69 a 71, não se vislumbra fundamento para a sua não qualificação como “</font><i><font>verdadeiros</font></i><font> </font><i><font>contratos</font></i><font> </font><i><font>bancários</font></i><font>”, não se reputando, para tanto, bastante a alegada falsidade dos documentos instruídos como docs. nº 4, fl. 3, nº 5, fl. 2, nº 6, fl.2, nº 7, fl.2 e 3, nº 8, fl.3 e 4, nº 9, fl. 2, nº 10, fl. 6, nº 11, fl. 1 e 2 da PI. </font><br>
<font>8. Ao atribuir-lhe personalidade e capacidade jurídica, de gozo e de exercício, a ordem jurídica impõe à pessoa colectiva - que, necessariamente, nasce e interage com a realidade social através de pessoas humanas - que os efeitos da actuação externa, lícita ou ilícita, dos seus representantes se reflicta na sua esfera jurídica.</font><br>
<font>9. A formulação, pela Ré, exteriorizada através de um seu representante, de uma proposta de negócio de contornos, termos e condições perfeitamente lícitos e definidos, dirigida a terceiro de boa fé e como tal por este aceite e integralmente cumprido torna inelutável a afirmação da existência de um verdadeiro contrato bancário.</font><br>
<font> 10. Pelo que é notória a contradição de tal decisão com os fundamentos que lhe subjazem, o que a torna nula nos termos do art. 668º, nº 1, al.-c) do C.P.Civil; </font><br>
<font> 11. - denotando a sentença recorrida erro na determinação do regime legal aplicável à matéria de facto considerada provada que, em lugar do regime da responsabilidade civil objectiva do comitente por actos ilícitos do comissário, não poderia deixar de ser o da responsabilidade civil contratual da Ré; violando, assim, as normas constantes dos artigos 258.º e 800.º, 217.º/1, 219.º, 224.º/1, 228.º/1, 230.º/1, 232.º e 234.º, 405.º, 406.º/1, 762.º, 763.º/1, 804.º/1 e 2, 805.º/1 e 806.º, todos do Código Civil Português, aplicáveis ao caso </font><i><font>sub</font></i><font> </font><i><font>judice</font></i><font>, e, reflexamente, o normativo constante do artigo 500.º do Código Civil, sem campo material de aplicação no concreto litígio em apreço, já que </font><b><font>não</font></b><font> </font><b><font>são</font></b><font> os ilícitos praticados pelo agente da pessoa colectiva o fundamento de indemnizar o Réu, mas sim seis negócios jurídicos bilaterais válidos, seis contratos bancários plenamente eficazes, a que deverá ser aplicáveis as regras que norteiam o cumprimento das obrigações.».</font><br>
<br>
<font> A Ré apresentou resposta, em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font>2. - As </font><b><font>questões</font></b><font> colocadas repõem as já postas perante o Tribunal da Relação, traduzindo-se, como aí se enunciou, em saber:</font><br>
<br>
<font>A. se a decisão recorrida enferma de nulidade,</font><br>
<font>a. - por ocorrer omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC) e </font><br>
<font>b. - por oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos (alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC); e,</font><br>
<br>
<font>B. se há erro de julgamento, ou seja, se, atenta a factualidade provada e as normas legais aplicáveis, revela desacerto a condenação proferida, devendo a acção proceder na totalidade, em razão da qualificação da responsabilidade da Recorrida como contratual.</font><br>
<br>
<br>
<font> 3. - Encontra-se definitivamente assente, como </font><b><font>factualidade</font></b><font> </font><b><font>provada</font></b><font>, a seguinte matéria:</font><br>
<br>
<font>«1 - Os pais dos AA. dedicam-se ao comércio a retalho de produtos serranos e de vestuário em pele, e procedem habitualmente ao investimento financeiro do dinheiro que vão amealhando, tendo obtido ao longo da vida sumptuosos lucros com tais investimentos e aplicações - (Al. A).</font><br>
<font>2 - A Ré é uma instituição de crédito com agências por todo o país e sucursais em alguns países estrangeiros, nomeadamente em Inglaterra e no Luxemburgo - (Al. B).</font><br>
<font>3 - AA. e R. celebraram um acordo, em 25.6.2004, nos termos do qual os AA. aceitaram receber em singelo o capital que haviam entregue ao Banco para aplicação, relativo às aplicações 4 a 10 explanadas infra - (Al. D). </font><br>
<font>4 - Nesse acordo, AA. e R. consignaram que o capital aplicado ascendia a € 2.369.290,00, quantia que o Banco entregou aos AA. - (Al. E).</font><br>
<font>5 - A R. não pagou juros sobre tal capital, por divergência com os AA. quanto às respectivas taxas - (Al. F).</font><br>
<font>6 - Entre (pelo menos) 1993 e Setembro de 2003, EE era funcionário da R. - (Al. G).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 1:</font><br>
<font>7 - Numa das deslocações à agência da Ré em Seia, sita na Av. ...... ......, n.º ..., foi o pai dos AA. informado da existência de um "produto financeiro" que oferecia taxas de juro aliciantes em que, para o efeito, teria de dar uma ordem de pagamento e o dinheiro seria investido através da sucursal da Ré em Londres - (Quesito 1º).</font><br>
<font>8 - Este facto ocorreu em 26 de Julho de 1993, data em que os pais dos AA. decidiram pela primeira vez efectuar investimentos no estrangeiro através do "BTA, S.A.", aqui Réu - (Quesito 2º).</font><br>
<font>9 - Nessa data, o capital aplicado foi de 170.000.000$00 (cento e setenta milhões de escudos), a uma taxa de juro de 12,375 %, com vencimento em 28 de Outubro de 1993, data em que renderia 5.302.602$74, perfazendo um total de 175.302.602$74, englobando capital e juros - (Quesito 3º).</font><br>
<font>10 - Em 26 de Outubro de 1993, com a proximidade do vencimento da aplicação referida, decidiram os pais dos AA. reforçar essa aplicação para 200.000.000$00 (duzentos milhões de escudos) - (Quesito 4º).</font><br>
<font>11 - Para o efeito, no dia 28/10/93 foi-lhes debitado na conta bancária n.º 00000000 a quantia de 24.644.567$08 - (Quesito 5º).</font><br>
<font>12 - Passando a aplicação a ascender a 200.000.000$00 (duzentos milhões de escudos), com uma taxa de juro de 10,25% e, na maturidade da aplicação, ou seja, em 29 de Abril de 1994 obteria um rendimento a título de juros de 10.221.917$81 - (Quesito 6º).</font><br>
<font>13 - Sucessivamente, nas datas de vencimento da aplicação primitiva, foram os pais dos AA. renovando a mesma, reinvestindo o capital acrescido dos juros que entretanto se foram vencendo, o que ocorreu com os seguintes montantes:</font><br>
<font>a) Em 29/04/94, com o investimento de 210.221.918$00, a uma taxa de juro de 10,875%, e com vencimento em 29/07/94, obteriam um ganho de juros de 5.699.750$00;</font><br>
<font>b) Em 29/07/94, com o investimento de 215.921.668$00, a uma taxa de juro de 11,25%, e com vencimento em 31/08/94, obteria um ganho de juros de 2.196.190$00;</font><br>
<font>c) Em 31/08/94, com o investimento de Esc. 218.117.858$00, a uma taxa de juro de 11,125% e com vencimento em 30/09/94, obteriam um ganho de juros de 1.994.434$00;</font><br>
<font>d) Em 30/09/94, com o investimento de Esc. 220.112.292$00, a uma taxa de juro de 10,125% e com vencimento em 31/03/95, obteriam um ganho de juros de 11.112.656$00;</font><br>
<font>e) Em 31/03/95, com o investimento de Esc. 231.224.948$00, a uma taxa de juro de 10,95% e com vencimento em 28/04/95, obteriam um ganho de juros de 1.942.290$00 - (Quesito 7º).</font><br>
<font>14 - Assim, em 28 de Abril de 1995 a aplicação tinha um valor global de 233.167.238$00 - (Quesito 8º).</font><br>
<font>15 - Nessa data, decidiram os pais dos AA. solicitar o crédito na sua conta do valor obtido a título de juros, mantendo a aplicação de 200.000.000$00 - (Quesito 9º).</font><br>
<font>16 - Pelo exposto, em 2 de Maio de 1995, com data valor de 28 de Abril, foi creditada na conta à ordem n.º 00000000000, titulada pela mãe dos AA., a quantia de 33.165.076$00 - (Quesito 10º).</font><br>
<font>17 - A aplicação foi mantida pelo período de um mês, com vencimento a 31.05.95, com taxa de juro de 9,80%, o que perfazia um rendimento garantido de 1.772.055$00 - (Quesito 11º).</font><br>
<font>18 - Em 31.05.95, mais uma vez os pais dos AA. ordenaram o crédito de 19.997.838$00 na conta à ordem titulada pela mãe dos AA., mantendo-se a aplicação do remanescente, ou seja, de 181.772.055$00, com vencimento contratado para 30 de Junho de 1995 - (Quesito 12º).</font><br>
<font>19 - Nessa data, resgataram mais 21.769.893$00, mantendo-se uma aplicação de 160.000.000$00 por mais alguns dias pois, imediatamente, em 20 de Julho de 1995, ordenaram o resgate por forma a que a aplicação a manter-se fosse somente de 100.000.000$00 - (Quesito 13º).</font><br>
<font>20 - Assim, em 20/07/1995, com data valor de 19/07/95, foi creditada na supra referida conta à ordem a quantia de 60.759.920$00 - (Quesito 14º).</font><br>
<font>21 - De novo os pais dos AA decidiram proceder a sucessivas renovações sem proceder ao levantamento de capital ou juros, nomeadamente:</font><br>
<font>a) Em 18/07/95, capital de 100.000.000$00, taxa 9,00% com vencimento em 21/08/95, com um valor de juros de 813.699$00;</font><br>
<font>b) Em 21/08/95, capital e juros de 100.813.699$00, taxa 8,625% com vencimento em 05/09/95, com um valor de juros de 357.336$00;</font><br>
<font>c) Em 05/09/95, capital e juros de 101.171.035$00, taxa 8,65% com vencimento em 06/10/95, com um valor de juros de 743.261$00;</font><br>
<font>d) Em 06/10/95, capital e juros de 101.914.296$00, taxa 8,50% com vencimento em 20/10/95, com um valor de juros de 332.269$00;</font><br>
<font>e) Em 20/10/95, capital e juros de 102.246.565$00, taxa 8,75% com vencimento</font><br>
<font>em 03/11/95, com um valor de juros de 343.156$00;</font><br>
<font>f) Em 03/11/95, capital e juros de 102.589.721$00, taxa 8,625% com vencimento em 17/11/95, com um valor de juros de 339.389$00 - (Quesito 15º).</font><br>
<font>22 - Assim, em 17 de Novembro de 1995 a aplicação tinha um valor global de 102.929.110$00, valor que foi creditado na totalidade na conta depósitos à ordem n.º 00000000, titulada pelos pais dos AA. - (Quesito 16º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 2:</font><br>
<font>23 - Atendendo ao sucesso da aplicação que supra se descreveu, e porque a taxa de juro das aplicações em Londres estava novamente a subir, o funcionário da Ré, EE, convenceu os pais dos AA. a fazerem nova aplicação, o que ocorreu em 21 de Novembro de 1995, data em que o pai dos AA. deu ordem de pagamento de 100.000.000$00 (cem milhões de escudos) - (Quesito 17º). </font><br>
<font>24 - Uns dias após ter dado tal ordem, recebeu a confirmação de depósito (deposit confirmation) atribuindo à aplicação a referência 0000000000, com início em 24 de Novembro de 1995 e fim em 24 de Maio de 1996, à qual corresponderia uma taxa de juro de 8,90% por ano - (Quesito 18º).</font><br>
<font>25 - Uns dias antes da data de vencimento da aplicação que ora se analisa, contratou com o Banco, sempre na pessoa do funcionário do balcão de Seia Sr. EE, a renovação da identificada aplicação, tendo-lhe sido prestada a informação de que a taxa seria agora de 7,01% por ano. Assim, optou por não levantar os juros e reinvestir capital e juros, tendo a aplicação passado a ser de 104.437.808$00, com início em 24 de Maio de 1996 e fim em 25 de Novembro do mesmo ano - (Quesito 19º).</font><br>
<font>26 - Uns dias antes da data de terminus da aplicação, mais concretamente em 21 de Novembro, o pai dos AA. deu ordem de nova aplicação na data do respectivo vencimento, ou seja 25 de Novembro de 1996, mas desta vez só por um mês, tendo sido aplicado 108.148.498$00, pois a taxa baixara e era agora 6,69% ao ano - (Quesito 20º).</font><br>
<font>27 - O mesmo tendo ocorrido em 23 de Dezembro de 1996: renovação da aplicação, até 27 de Janeiro de 1997, desta feita com o valor de 108.762.989$00, à taxa de juro de 6,52% - (Quesito 21º).</font><br>
<font>28 - Em 27 de Janeiro de 1997, entendeu o pai dos AA. não renovar a aplicação e receber o capital e os juros a que tinha direito no âmbito dessa aplicação e reinvestimentos, tendo-lhe sido creditada na conta n.º 00000000, balcão de Seia, da qual é titular, a quantia de 109.382.496$00 - (Quesito 22º).</font><br>
<font>29 - Em virtude de entre Novembro de 1995 e Janeiro de 1997 os pais dos Autores terem obtido um ganho superior a nove mil contos em juros remuneratórios, convenceram-se de que os investimentos do BTA em Londres eram mais lucrativos do que a aplicação do dinheiro em Portugal - (Quesito 23º).</font><br>
<font>30 - Todo o supra referido processo ocorreu por iniciativa e por aconselhamento do já referido EE, que telefonava ao pai dos AA.,......., e lhe sugeria que renovasse ou não renovasse a aplicação, conforme lhe parecia melhor, limitando-se a pedir-lhe, a maior parte das vezes a posteriori, para assinar este ou aquele documento - (Quesito 24º).</font><br>
<font>31 - O pai dos AA. sempre depositou total confiança naquele que considerava o gestor do seu património - (Quesito 25º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 3:</font><br>
<font>32 - Enquanto decorria a operação supra descrita, o referido EE contactou o pai dos AA para efectuar uma nova aplicação, desta feita junto da sucursal do Banco no Luxemburgo - (Quesito 26º).</font><br>
<font>33 - Esta operação realizou-se no valor de 95.000.000$00, e teve o seu início em 10 de Janeiro de 1996, com vencimento previsto para 15 de Julho de 1996, a uma taxa de juro de 8,40% - (Quesito 27º).</font><br>
<font>34 - Esta aplicação foi, tal como havia ocorrido com o investimento efectuado em Londres, por sugestão do EE, renovada em 15 de Julho de 1996, em 15 de Janeiro de 1997, em 15 de Julho de 1997, em 15 de Janeiro de 1998, em 15 de Julho de 1998, e em 15 de Janeiro de 1999 - (Quesito 28º).</font><br>
<font>35 - Sendo que, em 15 de Julho de 1999, três anos e seis meses volvidos sobre o inicio da aplicação, foi creditada na conta à ordem de que é titular o pai dos AA. junto do balcão da Ré em Seia, a quantia de 114.255.290$00 (cento e catorze milhões, duzentos e cinquenta e cinco mil e duzentos e noventa escudos) - (Quesito 29º).</font><br>
<font>36 - Todas as renovações ocorridas na pendência da vida da aplicação no Luxemburgo foram sugeridas e realizadas pelo referido EE, enquanto funcionário do Banco CC - (Quesito 30º).</font><br>
<font>37 - No “terminus” da supra referida aplicação do Luxemburgo (15 de Janeiro de 1999), o gerente de balcão da Ré EE, não obstante a sua transferência para outros balcões da Ré, mantinha estreito contacto com alguns clientes de Seia, continuando a aconselhá-los quanto à gestão do património e às boas aplicações financeiras - (Quesito 31º).</font><br>
<font>38 - Nesse âmbito, alertou o pai do AA para a existência de um novo "produto" em Londres que teria uma taxa excelente - (Quesito 32º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 4:</font><br>
<font>39 - Assim, em 27 de Janeiro de 1999, o pai dos AA, por conselho e sob a orientação do EE, subscreveu uma aplicação financeira - "obrigação de 3 anos com opção de mais 2" -, cujos beneficiários eram os ora Autores - (Quesito 33º).</font><br>
<font>40 - Tal aplicação, de 50.000.000$00 (Cinquenta milhões de escudos) teria uma taxa de juro de 10,25% se resgatada nos primeiros 3 anos e de 11,50% se resgatada no final da sua vigência opcional - (Quesito 34º).</font><br>
<font>41 - De acordo com o contratado entre o pai dos AA. e a Ré, com uma aplicação de 50.000.000$00, cuja confirmação de depósito obteve a referência reportada a 1 de Fevereiro de 1999, os AA. ao resgatarem o capital e os juros em 1 de Fevereiro de 2004, obteriam um lucro de 26.875.000$00 (Vinte e seis milhões e oitocentos e setenta e cinco mil escudos), a título de juros remuneratórios - (Quesito 35º).</font><br>
<font>42 - No dia 28 de Janeiro de 2004, os AA., representados pelo pai, requereram junto do Réu o resgate da aplicação para a data do seu "terminus" - (Quesito 36º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 5:</font><br>
<font>43 - Uns meses volvidos, desde a relatada aplicação nos artigos anteriores, mais propriamente a 3 de Agosto de 1999, novamente o EE, ainda no balcão da Covilhã, anunciando a existência de um novo produto com taxa análoga, convenceu o pai dos AA a efectuar nova aplicação no Banco CC, em Londres - (Quesito 37º).</font><br>
<font>44 - Assim, na qualidade de requisitante, deu uma ordem de pagamento de 125.000.000$00 (cento e vinte e cinco milhões de escudos), entregando um cheque sacado sob a Nova Rede, sob o n.º 0000000 de tal valor, para a subscrição de uma aplicação financeira, com obrigação de 3 anos mais 2 de opção, cuja taxa seria de 10,25% se resgatada a aplicação em 5 de Agosto de 2002 e taxa de 11,75% se resgatada em 5 de Agosto de 2004, e cujos beneficiários seriam os Autores - (Quesito 38º).</font><br>
<font>45 - Ao proceder ao resgate em 5 de Agosto de 2004, os AA. obteriam um lucro de 67.812.500$00 (sessenta e sete milhões, oitocentos e doze mil e quinhentos escudos) - (Quesito 39º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 6:</font><br>
<font>46 - A 29 de Fevereiro de 2000, e, porque, mais uma vez foi contactado pelo Sr. EE, o pai dos AA, na qualidade de requisitante, subscreveu nova aplicação financeira de 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) com obrigação de 3 anos e com opção de mais 2, cujos beneficiários eram os ora Autores - (Quesito 40º).</font><br>
<font>47 - Nessa data, entregou na agência da Ré na Covilhã o cheque n.º 00000000, sacado sobre a Nova Rede de Seia, de 50.000.000$00 para a realização da descrita operação - (Quesito 41º).</font><br>
<font>48 - As taxas de juro subjacentes a esta aplicação eram de 12,00% nos três primeiros anos, se resgatada a 1 de Março de 2003, e de 13,00% se resgatada a 1 de Março de 2005 - (Quesito 42º).</font><br>
<font>49 - Em 1 de Março de 2003 a aplicação em causa havia rendido a título de juros 18.000.000$00 (dezoito milhões de escudos), e os pais dos AA. optaram por não proceder ao seu resgate nessa data, deixando que a mesma se mantivesse até ao fim da vigência contratada, ou seja, 1 de Março de 2005, data na qual renderia garantidamente, a título de juros, 31.000.000$00 (trinta e um milhões de escudos) - (Quesito 43º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 7:</font><br>
<font>50 - Em Junho de 2000, foi o pai dos AA contactado pelo já referenciado EE, dando-lhe conta da existência de um produto financeiro bombástico com uma taxa de juro de 16,00% ao ano por uma imobilização de 3 anos - (Quesito 44º).</font><br>
<font>51 - Nessa altura o pai dos AA informou-o que não dispunha no momento de fundos para fazer nova aplicação, apesar de perceber a excepcional oportunidade com que se deparava, pois 16,00% era uma taxa de considerável valia - (Quesito 45º)</font><br>
<font>52 - Recordou-o o EE de que estava prestes a vencer-se uma aplicação que o mesmo havia efectuado em Agosto de 1996, cujo capital investido à data havia sido Esc. 50.000.000$00, e cuja penalização pelo levantamento antecipado/resgate antecipado seria perfeitamente colmatada pela taxa de juro que a nova aplicação lhe oferecia - (Quesito 46º).</font><br>
<font>53- O pai dos AA. solicitou então ao EE que procedesse rescisão antecipada da referida aplicação, tendo-lhe, para o efeito, entregue todos os documentos referentes a tal aplicação para que o mesmo procedesse em conformidade - (Quesito 47º).</font><br>
<font>54 - Naquela data e sem prejuízo da penalização sofrida, a mesma havia rendido 21.575.000$00 (Vinte e um milhões e quinhentos e setenta e cinco mil escudos), a título de juros remuneratórios - (Quesito 48º).</font><br>
<font>55 - Os pais dos AA. decidiram investir a quantia de 71.575.000$00 (setenta e um milhões e quinhentos e setenta e cinco mil escudos) nesse novo “produto financeiro”, tendo a mesma como beneficiários os AA.. - (Quesito 49º).</font><br>
<font>56 - O EE entregou aos pais dos AA. um documento a confirmar o depósito e aplicação efectuadas, naquele valor, conforme consta de fls. 91 dos autos - (Quesito 50º).</font><br>
<font> 57 - Foi então contratado entre o pai dos AA. e o Banco que a vida desta aplicação seria de 3 anos, com vencimento a 15 de Junho de 2003, com uma taxa de juro garantida de 16,00% ao ano - (Quesito 51º).</font><br>
<font>58 - Na data do vencimento desta aplicação (15.06.03) foi aconselhado pelo EE a não proceder ao seu resgate, mantendo-a por mais um ano de vigência, atendendo a que a taxa que lhe era oferecida por essa renovação era agora de 17,00% ao ano - (Quesito 52º).</font><br>
<font>59 - E se a mantivesse por dois anos (até 15 de Junho de 2005) beneficiaria de uma taxa de 17,50% - Quesito 53º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 8:</font><br>
<font>60 - Tal era a dimensão do investimento e a bondade da taxa de juro oferecida, que o pai dos AA. decidiu liquidar alguns fundos que tinha subscrito em outros produtos bancários e proceder ao investimento de mais 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos) no supra descrito produto financeiro, nessa mesma data - (Quesito 54º).</font><br>
<font>61 - Ou seja, em 15 de Junho de 2000 procedeu a uma aplicação financeira que, por uma imobilização de capital durante três anos, garantia uma remuneração à taxa anual de 16,00%, com opção de imobilização por mais um ano a 17,00% ou por mais dois anos a 17,50% - (Quesito 55º).</font><br>
<font>62 - Para efectuar esta operação o pai dos AA. entregou à Ré dois cheques bancários, sendo um de Esc. 10.000.000$00, sacado sob a CGD, com o n.º 000000000, e um de Esc. 65.000.000$00, sacado sobre a Nova Rede com o n.º 00000000 - (Quesito 56).</font><br>
<font>63 - Tal aplicação venceu-se em 15 de Junho de 2003, tendo o pai dos AA acedido a renová-la para o período opcional - (Quesito 57º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 9:</font><br>
<font>64 - Em Setembro de 2000, o pai dos AA foi contactado pelo EE, gerente de balcão da Ré, dando-lhe conta do aparecimento de um produto financeiro ainda mais rentável, com taxa de juro garantida de 18,50% ao ano pelo período de 3 anos, com opção de mais 2 anos à taxa de 19,50% - (Quesito 58º).</font><br>
<font>66 - Contudo, como homem experiente em investimentos, questionou o gerente do Totta sobre a taxa oferecida, pois parecia-lhe demasiadamente alta, tendo sido pelo mesmo esclarecido que uma vez que a Grã Bretanha não iria aderir ao "EURO", o mercado financeiro britânico queria captar a maior quantidade de fundos possível, para dessa forma conseguir aumentar o valor da Libra em relação ao "EURO", pois as aplicações teriam vencimento já com pleno funcionamento da moeda única na União Europeia - (Quesito 59º).</font><br>
<font>66 - Posto isto, o pai dos AA decidiu uma vez mais aceder ao convite de EE e aplicar em Londres a quantia de 75.000.000$00 (setenta e cinco milhões de escudos), tendo os AA. como beneficiários - (Quesito 60º).</font><br>
<font>67 - Assim, para a realização da aludida aplicação, entregou à Ré, no balcão da Covilhã, o cheque n.º 0000000000, sacado sobre a Nova Rede, no valor de 75.000.000$00 - (Quesito 61º).</font><br>
<font> - Aplicação n.º 10:</font><br>
<font>68 - O mesmo ocorreu em finais de Janeiro de 2001, quando a Ré lhe propôs a subscrição de uma aplicação financeira com obrigação de imobilização por 3 anos à taxa de 22,00% e com opção de mais 2 anos à taxa de 23,50% - (Quesito 62º).</font><br>
<font>69 - Sopesadas esta possibilidade de lucro e a justificação que lhe foi dada, decidiu uma vez mais, na qualidade de requisitante, subscrever tal produto financeiro, no montante de 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) cujos beneficiários eram os ora Autores - (Quesito 63º).</font><br>
<font>70 - Mais uma vez, desta feita no balcão da Ré em Viseu, o pai dos AA. entregou os cheques sacados sobre a Nova Rede de Seia com os n.º 00000000 de 9.100.000$00, com o n.º 0000000 de 9.500.000$00, com o n.º 00000000 de 9.700.000$00, e sacados sobre o CPP de Seia com o n.º 00000000 de 8.100.000$00, com o n.º 00000000 de 7.600.000$00, com o n.º 00000000 de 6.000.000$00 - (Quesito 64º).</font><br>
<font>71 - A aplicação teve início em 1 de Fevereiro de 2001 e venceu-se em 1 de Fevereiro de 2004 - (Quesito 65º).</font><br>
<font>72 - E, tal como sucedeu com a aplicação n.º 4 supra descrita, no dia 28 de Janeiro de 2004 os AA., representados pelo pai, requereram junto do Réu o resgate da aplicação para a data do seu "terminus" - (Quesito 66º).</font><br>
<font>73 - Os AA. receberam documentos da Ré, comprovativos das entregas de todas as quantias entregues - (Quesito 67º).</font><br>
<font>74 - Os AA. receberam comprovativos bancários da taxa de juro convencionada - (Quesito 68º).</font><br>
<font>75 - Os AA. receberam extractos da situação das aplicações - (Quesito 69º).</font><br>
<font>76 - Caso as aplicações n.ºs 4 a 10 se tivessem vencido nas datas convencionadas por escrito entre o gerente da Ré EE e os AA., ou não tivesse sido solicitado o seu resgate por estes, os Autores obteriam um ganho global, a título de juros, de 284.808.614$73 (duzentos e oitenta e quatro milhões, oitocentos e oito mil, seiscentos e catorze escudos, e setenta e três cêntimos), equivalente a € 1.420.619,37 (um milhão, quatrocentos e vinte mil, seiscentos e dezanove euros, e trinta e sete cêntimos), o que resulta da soma dos seguintes valores:</font><br>
<font>- 26.875.000$00 (€ 134.051,93) - aplicação n.º 4;</font><br>
<font>- 66.202.910$00 (€ 330.218,73) - aplicação n.º 5;</font><br>
<font>- 26.583.561$64 (€ 132.598,25) - aplicação n.º 6;</font><br>
<font>- 18.516.158$01 (€ 92.358,21) - aplicação n.º 7 [na data do 1º vencimento (15.6.2003) os juros obtidos foram no valor de 34.356.000$00, montante que foi somado ao capital inicial na “renovação da aplicação”];</font><br>
<font>- 19.402.190$00 (€ 96.777,72) - aplicação n.º 8 [na data do 1º vencimento (15.6.2003) os juros obtidos foram no valor d | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ODKbu4YBgYBz1XKvUyLg | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - AA e BB intentaram acção declarativa contra CC peticionando a condenação deste a repor a quantia de 666.666,00€, equivalente a dois terços do valor debitado na conta bancária que identificam, ou a pagá-la aos AA., acrescida de juros legais a partir da citação.</font>
</p><p><font>Fundamentando a pretensão, alegaram que são, conjuntamente com o R., titulares, sem destrinça de partes, de uma conta bancária, que identificam, para a qual convergem valores monetários que se encontram convertidos em aplicações financeiras, conta que pode ser movimentada ou pelas assinaturas conjuntas dos AA. ou pela assinatura do Réu. O valor depositado na referida conta presume-se pertencer conjuntamente a todos os titulares, mas o Réu mandou debitar nela 1 000 000,00€, para uma conta de que nenhum dos AA. é titular, movimento bancário que é abusivo, no que respeita a 2/3, montante pertencente aos AA..</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O Réu contestou. </font>
</p><p><font>Alegou, ao que importa referir, que todos os valores monetários movimentados na referida conta provêm de rendimentos próprios e exclusivos seus, razão pela qual se estabeleceu que o mesmo tinha o poder de a movimentar apenas com a sua assinatura e os AA. nunca a movimentaram.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Replicaram os AA., esclarecendo que a conta é alimentada por um conjunto de aplicações financeiras especiais, através da subscrição de um produto financeiro estruturado intitulado e do tipo banca-seguros, subscrição essa feita pelos AA. e pelo R., que tem como beneficiários últimos os seis netos do Réu e corresponde a uma verdadeira doação feita por este, em que os juros ou resultados financeiros da aplicação eram creditados regularmente na conta, utilizada pelo R. e também pelo A. BB.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Após completa tramitação do processo, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o R. a restituir aos AA. a quantia de 500.000,00 euros, acrescida de juros à taxa de 4% e à taxa legal que sucessivamente vigorar, desde a data da citação, até integral e efectivo pagamento.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O R. apelou, com total sucesso, pois o Tribunal da Relação, revogando a decisão recorrida, absolveu-o do pedido formulado pelos AA..</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Agora são os Autores que impugnam o acórdão, defendendo que “</font><i><font>deve a decisão recorrida ser considerada nula e ilegal e por isso revogada, decidindo-se como na 1ª Instância, condenando-se o Réu nos termos naquela definidos</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Para tanto, argumentam nas conclusões da respectiva alegação:</font>
</p><p><font> “1ª. A decisão sob recurso indeferiu a modificabilidade da matéria de facto e decidiu de modo diametralmente oposto à sentença da 1ª Instância;</font>
</p><p><font> 2ª. A decisão de 1ª Instância era nula, por oposição ou contradição entre a matéria de facto e a decisão, o que a Relação a quo não decidiu</font>
</p><p><font>Ou, </font>
</p><p><font> 3ª. A decisão ora sob recurso é nula por contradição entre a matéria de facto e a decisão, o que se tem assim por evidente e por evidenciado; </font>
</p><p><font> 4ª. Os recorrentes beneficiam a seu favor da presunção do artigo 516° do C. Civil, que o recorrido não logrou afastar; </font>
</p><p><font> 5ª. O recorrido não provou, como se propunha, que </font>
</p><p><font> i) a conta foi aberta só por si em momento anterior; </font>
</p><p><font> ii) os recorrentes só se tornaram co-titulares em momento posterior; </font>
</p><p><font> iii) o 1 milhão de euros debitados pelo recorrido em Abril de 2009 foi gerado por juros ou rendimentos provenientes de aplicações financeiras feitas em Janeiro de 2005, na conta </font>
</p><p><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font>; </font>
</p><p><font> iv) o recorrido nada alegou quanto à titularidade ou propriedade sua e exclusiva sobre o valor de 1 milhão de euros debitado em Abril de 2009 e aqui posto em causa. </font>
</p><p><font>Consequentemente, </font>
</p><p><font> 6ª. O recorrido não logrou afastar a presunção legal do artigo 516°, como a decisão de 1ª Instância bem decidiu; </font>
</p><p><font> 7ª. O Douto Tribunal a quo decidiu de modo inadequado e abusivo estribando-se ilegalmente em matéria avulsa e que não integrou a matéria de facto provada, o que merece forte censura; </font>
</p><p><font> 8ª. O Douto Tribunal a quo, através da decisão impugnada, desrespeitou o princípio do dispositivo, </font><i><font>ex</font></i><font> </font><i><font>vi</font></i><font> do art. 264°, o princípio da estabilidade da instância, </font><i><font>ex</font></i><font> vi do artigo 268°, o princípio da distribuição do ónus da prova, </font><i><font>ex</font></i><font> </font><i><font>vi</font></i><font> dos artigos 516° e 519°, ambos e os anteriores do C.P. Civil, bem como a estatuído no artigo 344° do C. Civil, e o princípio da igualdade das partes consagrado no art. 3°-A, do C.P. Civil; </font>
</p><p><font>Consequentemente, </font>
</p><p><font> 9ª. A decisão </font><i><font>in</font></i><font> </font><i><font>casu</font></i><font> é manifestamente ilegal; </font>
</p><p><font>Acresce que, </font>
</p><p><font> 10ª. Da matéria de facto provada resulta que o recorrente BB movimentava a conta a crédito, o que conduz à aplicação da presunção do artigo 516° do C. Civil; </font>
</p><p><font> 11ª. A decisão recorrida é por isso ilegal, desrespeitou o estatuído no artigo 516° do C. Civil e está em manifesta contradição com a matéria de facto provada, o que a torna nula, ex vi do disposto no artigo 668°, n° 1, alínea c), do C. Processo Civil”. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O Recorrido defendeu a improcedência do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2. - Do conteúdo das conclusões transcritas resultam colocadas, para resolução, as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - se o acórdão é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão; </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - se o acórdão impugnado utilizou matéria não articulada, tida por assente ou objecto de respostas à base instrutória, extraindo ilações indevidas, violando os princípios do dispositivo, da estabilidade da instância, da distribuição do ónus da prova e da igualdade das partes (arts. 264º, 268º, 516º, 519º e 3º-A, todos do CPC, e art. 344º C. Civil); e, </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - se, por figurarem como co-titulares, conjuntamente com o Réu, da conta bancária à ordem identificada no processo, os Autores devem ser reconhecidos como titulares de um direito de crédito correspondente a metade do valor do respectivo saldo, ao abrigo da presunção estabelecida pelo art. 516º do código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 3. - Vem assente o </font><b><font>quadro factual </font></b><font>que segue.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. Está domiciliada no Banco DD, SA, uma conta com o NIB …, com os seguintes titulares: CC, BB e AA. (al. A)).</font>
</p><p><font>2. A referida conta é movimentada com a assinatura de CC ou com a assinatura, em conjunto, de BB e AA, (al. B) e resp. 1º e 2° da BI).</font>
</p><p><font>3. A 17 de Abril de 2009, a referida conta foi objecto de um movimento a débito que consistiu na transferência de € 1.000.000,00 para a conta n.º …, também domiciliada no DD, ficando na mesma o saldo de € 188.608,30. (al. C)).</font>
</p><p><font>4. A ordem de transferência foi assinada pelo Réu. (al. D)).</font>
</p><p><font>5. A conta n.º … (alínea C)) não tem como titular nenhum dos AA. (al. D)).</font>
</p><p><font>6. O A. AA nunca movimentou a conta referida em A), a crédito ou a débito. (resp. 3º da BI).</font>
</p><p><font>7. Os extractos da conta eram recebidos pelo Réu. (resp. 4º).</font>
</p><p><font>8. A 3 de Janeiro de 2005, CC, na qualidade de “tomador de seguro” e BB, na qualidade de “segurado”, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 147-151, denominado “Proposta de Subscrição - ES Private Obrigações 2ª Série - Código do produto -87.31 - Contrato n.º … - n.º de conta …”, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, constando como beneficiários em vida o tomador do seguro e em caso de morte EE, FF. (resp. 6º, 7º e 5º).</font>
</p><p><font>9. A 3 de Janeiro de 2005, CC, na qualidade de “tomador de seguro” e AA, na qualidade de “segurado”, subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 152-156, denominado “Proposta de Subscrição - ES Private Obrigações 2ª Série - Código do produto -87.31 - Contrato n.º … - n.º de conta ….”, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, constando como beneficiários em vida o tomador do seguro e em caso de morte GG, HH, II e JJ. (resp. 6º, 7º e 5º da BI).</font>
</p><p><font>10. As aplicações financeiras referidas na resposta aos artigos 6º e 7º produziam, cada uma, um rendimento anual de €100.000,00. (resp. 9º e 5º).</font>
</p><p><font>11. Os quais, entre Janeiro de 2006 e Janeiro de 2010, foram sendo depositados na conta NIB …. (resp. 10º e 5º).</font>
</p><p><font>12. A conta referida em A) era movimentada exclusivamente pelo A. BB e pelo Réu CC. (resp. 11º da BI).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - Nulidade do acórdão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os Recorrentes argúem a nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão – art. 668º-1-c) do CPC -, pois que, argumentam, ao alterar-se radicalmente a orientação decisória, depois de indeferir a modificabilidade da matéria de facto, passou a haver a referida oposição e correspondente vício.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A nulidade da al. c) referida é vício que ocorre quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam logicamente conduzir a resultado oposto ao expresso na decisão, ou seja, quando a peça processual revele um real vício do silogismo judiciário.</font>
</p><p><font> Está em causa, como fundamento da sanção, um vício relativo à estrutura do acórdão, de natureza estritamente formal, a integrar uma contradição lógica entre premissas e a conclusão, de sorte que o desenvolvimento daquelas haveria de conduzir a solução diferente da efectivamente extraída.</font>
</p><p><font> Como faz notar LEBRE DE FREITAS (“</font><i><font>CPC, Anotado</font></i><font>”,</font><i><font> </font></i><font>vol</font><i><font>. </font></i><font>2º, 670), “a oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão inicial (art. 193º-2-b)”, sendo que a nulidade não é confundível com eventuais erros de interpretação de declarações das partes, designadamente as vertidas em articulados, ou de matéria de facto ou com erros na subsunção desses factos às normas jurídicas e de interpretação destas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Sendo esta a situação, o caso será de erro de julgamento, que não de nulidade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Ora, apreciado o conteúdo da alegação oferecida, constata-se que, não só os Recorrentes não identificam qualquer concreta contradição ou divergência entre os pressupostos que constituem as premissas da decisão e a que foi proferida – pois que se limitam a jogar com a mera circunstância de a matéria de facto se manter como premissa constante, esquecendo os demais elementos do silogismo e respectiva interacção, designadamente quanto à interpretação dos próprios factos, direito aplicável e sua subsunção -, como não se consegue detectar qualquer desvio entre os raciocínios revelados no desenvolvimento da fundamentação e as consequências deles retiradas na formulação das conclusões e decisão.</font><br>
<font> Nada se alega, em suma, que ponha em evidência a pressuposta ausência de harmonia lógica entre a fundamentação que se utilizou e a conclusão a que, por via dela, se chegou.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Poderá até, no caso sob apreciação, ter ocorrido erro de interpretação da factualidade alegada e na determinação das normas jurídicas aplicáveis, enquanto pressupostos de facto e de direito, o que a ter-se verificado integrará um erro de julgamento relativamente à conclusão a que se chegou sobre a solução do litígio, mas não é possível surpreender e, consequentemente, reconhecer, nessa sede, a comissão de qualquer erro lógico, a constituir oposição entre os pressupostos e a conclusão. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Nestes termos, não se reconhece a comissão da invocada nulidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 2. - Violação da lei do processo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Sustentam os Recorrentes que na decisão impugnada foram desrespeitados o princípio do dispositivo (art. 264º CPC), o princípio da estabilidade da instância (art. 268º CPC), o princípio da distribuição do ónus da prova (arts. 516º e 519º CPC e 344º CC) e o princípio da igualdade das partes (art. 3º-A CPC), o que tudo terá ocorrido por o Tribunal ter decidido “</font><i><font>de modo inadequado e abusivo estribando-se ilegalmente em matéria avulsa e que não integrou a </font></i><i><u><font>matéria de facto provada</font></u></i><font>”, “</font><i><font>alargando a sua base «iter-cognitiva» a matéria [não] articulada, nem tida por assente, nem quesitada, nem (naturalmente) respondida</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os Recorrentes queixam-se, portanto, de que a Relação criou uma nova realidade factual ao considerar matéria que o Réu não alegara para afastar a presunção do art. 516 C. Civil e que não consta das respostas aos quesitos, atento o teor restritivo das respostas aos pontos 1, 2 e 5 da base instrutória, extraindo ilações que exorbitam o teor dos factos provados.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A Relação acolheu a matéria de facto que a 1.ª instância fixara e não declarou usar da faculdade de modificação da mesma ao abrigo de qualquer das alíneas do art. 712º-1. </font>
</p><p><font>Como o acórdão evidencia, no lugar e em sede própria - o item II do acórdão -, apenas transcreveu o teor da factualidade que a 1ª Instância tivera como provada, na qual fez assentar a decisão de direito, factualidade que, em apreciação de pretensão do Apelante, declarou mesmo «imodificável».</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Há, então, que apurar se, apesar disso, como se sustenta no recurso, a utilização efectuada e a fixação do sentido do quadro fáctico relevante altera a factualidade material emergente do seu julgamento na 1.ª instância, designadamente por via ilativa não consentida, ou se acrescenta factos não alegados, sendo certo que, se a alteração se verificar, se estará perante um erro, por ampliação não permitida, do julgamento da matéria de facto, por uso indevido do art. 712º, que não perante uma nulidade do acórdão. É que estas, as nulidades, referem-se, como antes dito, à sentença ou acórdão enquanto silogismo judiciário (arts. 668º e 716º CPC), mas a violação das normas do art. 712º prende-se directamente com a matéria da fixação e decisão da matéria de facto (arts. 646º, 652º-2-f) e 3 e 653º). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Relativamente às ilações ou presunções judiciais, dir-se-á que é perfeitamente lícito à Relação, como tribunal de instância, esclarecer a matéria de facto e extraí-las, a partir dos factos provados, mas sempre com a limitação de que da operação não pode resultar alteração da factualidade de que as presunções são retiradas. </font>
</p><p><font>É que, extravasados esses limites, já ocorre afastamento do que tem de corresponder a deduções lógica e racionalmente fundamentadas que, enquanto matéria de facto, os arts. 349º e 351º C. Civil consentem. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Quando tal suceda, isto é, quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto o Supremo não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que se trata, então, de averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712º-1 CPC e dos preceitos relativos ao regime probatório.</font>
</p><p><font> Tratar-se-á, então, não de afastar ou censurar as ilações retiradas dos factos provados pela Relação quando, baseando-se em critérios desligados do campo do direito, estiverem logicamente fundamentadas - pois que, assim sendo, não integram mais que matéria de facto, como tal da exclusiva competência das instâncias -, mas, diferentemente, de "verificar da correcção do método discursivo de raciocínio" e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, apreciando a questão apenas sob o aspecto do respeito da legalidade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Presunções são, como as define a lei (art. 349º C. Civil), ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo as presunções judiciais, previstas no art. 351º, presunções de facto, da livre apreciação do tribunal, em sede de matéria de facto.</font>
</p><p><font>Nas presunções judiciais ou simples, assentes no raciocínio do julgador, a partir das máximas da experiência, juízos de probabilidade e de lógica, de determinados factos provados, os factos base, o juiz infere um facto novo desconhecido.</font>
</p><p><font> Embora este processo intelectual do julgador tenha normalmente lugar no acto de formação e prolação da decisão sobre a matéria de facto (arts. 653º e 655º CPC), nada impede que o possa ter na fase da sentença, previamente à aplicação do direito, no momento em que se fixam os factos provados, em obediência à ordem cronológica estabelecida pelo n.º 2 do art. 659º CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> De referir que, para além de ser lícito aos tribunais de instância tirar conclusões ou ilações lógicas da matéria de facto provada, também lhes cabe fazer a sua interpretação e esclarecimento, desde que não alterem o quadro factual provado e se limitem a desenvolvê-lo (cfr. ac. STJ, de 29/05/2003 – proc. 03B3794). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Analisando o acórdão recorrido, em ordem a averiguar se nele se retiraram dos factos provados ilações indevidas, por ilógicas, se, em sede interpretativa, se extraíram conclusões que impliquem a alteração da factualidade que a 1ª Instância acolhera ou se, de qualquer modo, se consideraram ou utilizaram factos não alegados e não provados, designadamente de forma a extravasar o conteúdo das respostas aos quesitos 6º, 7º, 9º e 10º para o qual remeteu a resposta ao quesito 5º, não se vislumbra que tal tenha acontecido.</font>
</p><p><font> Em boa verdade, também não se detecta qualquer facto extravagante, ferido de algum dos aludidos vícios, facto ou matéria que os Recorrentes se dispensaram de concretizar, pois que apenas:</font>
</p><p><font>- remetem vagamente para uma omissão de matéria susceptível de afastar a presunção, invocação manifestamente infundada e não verdadeira face ao que se pode ler nos arts. 19 e ss. da contestação;</font>
</p><p><font>- convocam a falta de reclamação por insuficiência quanto à matéria quesitada, acto processual cuja omissão é insusceptível de ter qualquer repercussão na acusada alteração factual; e,</font>
</p><p><font>- invocam a as respostas aos referidos quesitos, matéria que o acórdão se limitou a reproduzir tal como consta da sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Manifestamente infundadas, face ao expendido, as invocadas violações:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - do princípio do dispositivo, desde logo porque, como indicado, claramente, o Réu alegou a titularidade exclusiva do dinheiro da conta de depósito em causa, enquanto rendimento de aplicações financeiras por si efectuadas;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - da estabilidade da instância, porque nenhuma modificação foi operada, designadamente quanto à causa de pedir e ao pedido, nem sequer, como se viu, ocorreu alteração alguma da fundamentação de facto;</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - da distribuição do ónus da prova e da igualdade das partes, porque o julgamento e fixação da matéria de facto, designadamente por via ilativa, ou a sua interpretação, nada tem que ver com as regras dos arts. 516º e 519º CPC (e 344º CC), ou com a igualdade das partes, não sendo confundíveis as presunções judiciais ou naturais, que, como dito, actuam ao nível da apreciação e fixação da matéria de facto, com as presunções legais ou de direito, que funcionam ao nível da aplicação do direito aos factos (necessariamente quando se trate de presunção “</font><i><font>juris et de jure</font></i><font>” e esteja demonstrado o facto base da presunção ou, sendo a presunção “</font><i><font>juris tantum</font></i><font>”, quando não se tenha provado o facto contrário ao presumido). Na aplicação do regime jurídico destas presunções (legais), sim, poderá falar-se em violação das regras do ónus da prova, com o consequente erro de julgamento, mas já na aplicação do direito, que não na valoração e fixação dos fundamentos de facto. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Improcede, assim, a alegada ilegalidade da decisão, por violação da lei do processo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 3. - Presunção do artigo 516º do Código Civil.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Relativamente ao mérito da causa, sustentam os Recorrentes que, como co-titulares da conta bancária, são beneficiários da presunção estabelecida no art. 516º C. Civil, que o Recorrido não logrou afastar, presunção cuja aplicação também resulta da circunstância de o Recorrente BB movimentar a conta a crédito. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> No acórdão impugnado, depois de se pôr em evidência ser pelo facto de pertencer aos Autores (mesmo presumidamente), como contitulares da conta, parte do montante depositado na conta bancária de que é também contitular o Réu, dever este restituir uma quota do que unilateralmente movimentou, decidiu-se não ser devida tal restituição, visto estar factualmente demonstrado que o dinheiro depositado em tal conta não pertence seguramente aos AA., que apenas figuram como simples titulares com poderes de movimentação, estando, em consequência, afastada a presunção constante do art. 516º do Código Civil. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os Autores, ora Recorrentes reclamaram, através desta acção, a reposição, pelo Réu, de dois terços do montante por este movimentado, a débito da conta de que todos são contitulares, fundamentando tal pretensão, apenas, nessa contitularidade e na presunção, que invocam, de dela se presumir que os valores depositados são pertença conjunta dos mesmos contitulares.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não alegam, portanto, os Autores terem entrado ou contribuído, de alguma forma ou em momento algum, com valores ou dinheiro seu para a constituição do saldo da conta bancária em causa.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por isso, a acção assenta exclusivamente na presunção resultante de os sujeitos activos do contrato de depósito bancário nele figurarem como seus titulares, enquanto credores do banco, em regime de solidariedade activa.</font>
</p><p><font> A base ou facto base da presunção, como facto conhecido a partir do qual se pretende chegar ao facto desconhecido, que é a titularidade ou o direito à propriedade do valor que constitui o objecto do depósito, há-de ser, então, como invocado pelos Autores, a contitularidade constante do contrato, relação de natureza obrigacional.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>O art.º 516.º do C. Civil, a coberto do qual os Recorrentes deduzem a sua pretensão, dispõe que “</font><i><font>Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Não há dúvida de que, tratando-se, embora, de uma conta mista, nas relações entre os AA. e o R., do lado activo, e o Banco, como sujeito passivo, estava, ela, sujeita ao regime da solidariedade activa.</font>
</p><p><font>Por isso, quer os AA., quer o R., por via dessa solidariedade entre credores tinham o direito de proceder à mobilização total do depósito, sem que o Banco, como devedor comum, pudesse opor-lhes que o montante do depósito não lhe pertencia por inteiro (art. 512º-1 C. Civil). </font>
</p><p><font>No domínio das relações externas é este o regime típico da solidariedade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Quando, porém, tal suceda, isto é, quando um dos credores obteve satisfação do seu direito para além do que lhe devia caber segundo a titularidade do crédito nas relações internas entre os credores, então terá de satisfazer aos outros a parte que lhes pertence no crédito comum (art. 533º C. Civil). </font>
</p><p><font>Ora, é nesta sede, das relações internas entre os credores, que, de acordo com o dito art. 516º, se presume que os credores solidários participam no crédito em partes iguais.</font>
</p><p><font>Tem, assim, como objectivo a presunção, quando se não demonstre coisa diferente – pois que, como ressalva o próprio texto da norma, se trata de mera presunção </font><i><font>juris tantum -</font></i><font>, permitir a determinação da quota dos credores aos quais a prestação não foi efectuada.</font>
</p><p><font> Do referido se extrai, como vem sendo assinalado na doutrina e na jurisprudência, que, apesar de qualquer dos contitulares do depósito ter, perante o banco, o direito de dispor da totalidade do dinheiro que constitui o objecto do depósito, na respectiva esfera patrimonial só se radica um direito próprio sobre o numerário se, efectivamente, lhe couber, como proprietário, qualquer parte no saldo de depósito, e só dentro dos limites dessa parte.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Inconfundíveis e independentes, pois, a legitimidade para movimentação da conta, inerente à qualidade de contitular inscrito no contrato de depósito e dela directamente decorrente, e a legitimidade para dispor livremente das quantias que a integram, esta indissociável do direito de “propriedade” sobre as quantias depositadas (desconsidera-se aqui a natureza irregular do depósito bancário e o seu efeito de transferência para o depositário da propriedade do dinheiro).</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Como se afirmou no acórdão deste Supremo de 26-10-2004 (proc. 04A3101), “esquece-se, por vezes, que a relação jurídica que nasce da abertura da conta de depósito é uma relação jurídica de obrigação, e confunde-se o direito de crédito desta emergente para os titulares da conta com a propriedade dos bens objecto do depósito, isto é, com o direito real sobre estes. O depositante, como credor solidário, tem apenas um direito de crédito, isto é, o direito a receber a prestação a que está adstrito o devedor, o direito a exigir a entrega da importância do depósito. Mas esse direito não pode confundir-se com a propriedade da quantia depositada; é atribuído por igual a todos os titulares da conta, e a importância do depósito pode pertencer a um só deles ou até a um terceiro, e é evidente que, na totalidade, não pode integrar-se no património ou constituir riqueza de todos”.</font>
</p><p><font>No mesmo sentido, no acórdão de 05-6-2008 (em que foi Relator o aqui 2º Adjunto), escreveu-se que “ a titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade do montante monetário nela depositado. Essa titularidade apenas dá aos beneficiários a possibilidade de movimentar, no todo ou em parte, os fundos objecto do depósito. Mas já não atribuiu aos mesmos a propriedade do numerário depositado. Esta pode pertencer a todos ou apenas um dos titulares”.</font>
</p><p><font>Fica, pois, como corolário do expendido, desde já adquirido que não assume aqui qualquer relevância a invocada movimentação da conta pelo A. BB (certamente, por exigência do contrato, acompanhada da assinatura do A. AA), como proposto na conclusão 10ª. </font>
</p><p><font>Relativamente à presunção de contitularidade do dinheiro depositado na conta de depósitos à ordem, dir-se-á que, embora, como do já exposto resulta, a mesma não encontre assento na lei comercial ou civil, ao menos genérica e directamente, certo é que, pacificamente, tem vindo a ser entendido como acolhida pelo regime dos referidos arts. 512º e 516º C. Civil, e, como posto em evidência no acórdão de 15-3-2012 (proc. 492/07.TBTNV.C2.S1), para os casos de depósitos bancários com pluralidade de titulares, aparece expressamente consagrada no nº 2 do artigo 861º-A, preceito em que, dispondo sobre a </font><i><font>“penhora de depósitos bancários”</font></i><font>, determina que </font><i><font>“Sendo vários os titulares do depósito, a penhora incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais”.</font></i>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Assim, P. de LIMA e A. VARELA (</font><i><font>Código Civil, Anotado, </font></i><font>I, 532), escrevem que “Se, por exemplo, duas pessoas fizeram um depósito bancário em regime de solidariedade activa, presume-se, enquanto não se fizer prova noutro sentido, que c | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OTKbu4YBgYBz1XKvVSLb | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font> </font></b>
<p><b><font> Revista nº 6584/06.2TBVNG.P1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> I – RELATÓRIO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> “AA Ld.ª”, </font></b><font>com sede na Rua ..., …, ..., ...,</font><b><font> </font></b><font>intentou a presente acção declarativa com processo comum ordinário demandando </font><b><font>BB, </font></b><font>residente na Rua ..., ...º, Lisboa, </font><b><font>CC </font></b><font>e mulher</font><b><font> DD, </font></b><font>residentes na Rua Dr. ..., ......., Braga</font><b><font>, EE, </font></b><font>residente na Rua Dr. ..., ...-2º …, Porto</font><b><font>, FF </font></b><font>e mulher </font><b><font>GG, </font></b><font>residentes na Rua ..., …, …, ..., Maia,</font><b><font> HH, </font></b><font>residente na Praceta ..., …, 8º, Habitação …, Porto,</font><b><font> II </font></b><font>e mulher</font><b><font> JJ, </font></b><font>residentes na Rua ..., …, r/c frente, Vila do Conde, </font><b><font>KK, </font></b><font>residente na Rua Dr. ..., ...-2º …, Porto, e</font><b><font> LL, </font></b><font>residente em ..., Lugar ..., Penafiel, pedindo que fosse decretada a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a autora e os réus, referido no articulado inicial, e condenados os mesmos a indemnizarem-na na quantia de 310.000,00€, correspondente ao dobro das quantias por eles recebidas, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento daquele montante</font>
</p><p><font>Para o efeito, alega, em síntese, ter celebrado com os réus um contrato-promessa de compra e venda referente ao terreno identificado no art. 1.º da petição inicial, por força do qual prometeram vender-lhe esse terreno pelo preço de 240.000,00€, tendo-lhes a autora entregue a título de sinal e reforços do mesmo a quantia total de 155.000,00€, sendo que o contrato definitivo não chegou a concretizar-se por os réus não lograrem demonstrar junto das autoridades competentes serem titulares do terreno, pois que o mesmo se integrava no domínio público marítimo, o que era do conhecimento dos réus mas que não lhe revelaram antes da celebração do aludido contrato-promessa, razões bastantes a justificar a resolução desse contrato.</font>
</p><p><font>Citados, os réus contestaram arguindo a ilegitimidade passiva das rés DD, GG e JJ, por não terem intervindo no aludido contrato-promessa, e impugnaram grande parte da alegação inicial, aduzindo nomeadamente serem donos do mencionado terreno, beneficiando até de presunção registral, que não se integra no domínio público marítimo, sendo que o contrato definitivo só não foi concretizado por a autora se ter recusado a tal, sendo do conhecimento da mesma a existência de condicionantes quanto à potencialidade construtiva do dito terreno, por se inserir em zona de risco, em face de se encontrar abrangido no “Plano de Ordenamento da Orla Costeira”.</font>
</p><p><font>Acrescentam que sempre cumpriram as suas obrigações, a autora sempre soube as condições em que se encontrava o imóvel mantendo o propósito de contratar, mas recusa-se a realizar o contrato e pagar o remanescente em dívida tudo isso apontando para um comportamento da sua parte a equivaler a incumprimento do mencionado contrato-promessa, autorizando seja o mesmo resolvido por facto imputável àquela ou, a apurar-se uma situação de simples mora, impondo-se a sua execução específica.</font>
</p><p><font>Formularam reconvenção nos termos seguintes:</font>
</p><p><font>1. a título principal: </font>
</p><p><font>a) declaração da resolução do aludido contrato-promessa, por incumprimento culposo imputável à autora;</font>
</p><p><font>b) condenação da autora a ver reconhecida e declarada perdida a favor dos réus a quantia de 155.000,00€ que lhes foi entregue a título de sinal, princípio de pagamento e seus reforços, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;</font>
</p><p><font>2. a título subsidiário:</font>
</p><p><font>a) condenação da autora a ver decretada sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial em falta, relativa ao objecto do contrato-promessa de compra e venda celebrado, operando-se a transmissão para a mesma, por compra e venda, do identificado prédio rústico, mediante o pagamento aos réus do preço remanescente devido, no valor de 85.000,00€;</font>
</p><p><font>b) condenação da autora a pagar aos réus a quantia de 2.833,33€, a título de juros de mora vencidos sobre aquela quantia de 85.000,00€, bem assim dos vincendos até integral e efectivo pagamento desse preço.</font>
</p><p><font>A autora replicou, rejeitando a procedência da matéria de excepção deduzida pelos réus, bem assim tudo o mais a sustentar a reconvenção.</font>
</p><p><font>Admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela ilegitimidade passiva das rés DD, GG e JJ com a sua consequente absolvição da instância, condensou-se a matéria de facto, causa de reclamação dos réus parcialmente atendida.</font>
</p><p><font>Da decisão de absolvição das rés agravou a autora, recurso admitido com subida diferida</font>
</p><p><font>Realizada a audiência de discussão e julgamento, e fixada a matéria de facto (fls. 498/502), sem reclamações, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, e a reconvenção parcialmente procedente, nessa medida decidindo:</font>
</p><p><font>“</font><i><font>Declarar a resolução do contrato-promessa de compra e venda versado nos autos, por incumprimento assente em facto culposo imputável à Autora/Reconvinda e, consequentemente, condenar a Autora/Reconvinda a reconhecer o direito dos Réus/Reconvintes a fazerem sua a quantia de 155.000,00€ entregue a título de sinal, princípio e reforço de pagamento;</font></i>
</p><p><i><font>Absolver a Autora/Reconvinda do pedido de condenação em juros à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Inconformada, apelou a autora, mas sem êxito. No seu acórdão de 5/07/12, a Relação do Porto, por unanimidade, negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, nessa medida confirmando as decisões recorridas.</font>
</p><p><font>Continuando naturalmente insatisfeita, arguiu a nulidade do acórdão no referente à apreciação do agravo, no que foi desatendida, e interpôs revista para este Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font>Alegando, formula as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1º - Da análise global de toda a prova produzida, pericial, documental e testemunhal supra referenciada resulta à saciedade que o terreno objecto do contrato promessa de compra e venda integra o Domínio Público Marítimo, não constituindo propriedade privada dos apelados;</font>
</p><p><font>2º - A distância do terreno à LMPMAVE (Linha de Máxima preia-mar de Águas Vivas Equinociais) é inferior a 50m e para sul do terreno, onde a avenida foi interrompida, existe areal, o que indica que, antes da construção da avenida, o terreno estaria integrado no areal.</font>
</p><p><font>3º - A Comissão de Domínio Público Marítimo em deslocação efectuada ao local constatou que o mesmo está totalmente inserido na área do Domínio Público Marítimo;</font>
</p><p><font>4º - O terreno em causa situa-se na Avª …, da freguesia de … e esta não foi desafectada do Domínio Público Marítimo;</font>
</p><p><font>5º - O terreno em causa ocupa a margem do mar e está, assim, e até prova em contrário, em área de Domínio Público Marítimo;</font>
</p><p><font>6º - Apenas uma faixa de terreno situada a nascente poderá estar fora da margem, o que só poderá ser confirmado recorrendo-se a um processo de delimitação do D.P.M;</font>
</p><p><font>7º - Estando o terreno em causa na margem do mar e integrando esta, até prova em contrário, Domínio Público Marítimo, os recorridos não poderiam alienar o que lhes não pertencia, pelo menos até que fosse instaurada por eles a delimitação dessa propriedade com o Domínio Publico Marítimo, o que tentaram mas nunca conseguiram; </font>
</p><p><font>8° - Os recorridos para prometerem vender coisa alheia assumiram a obrigação de adquirirem previamente o bem que se dispuseram a vender, o que não fizeram;</font>
</p><p><font>9° - Presumindo-se que o terreno em causa, porque se situa na margem do mar, pertence ao Domínio Público Marítimo, não é a recorrente que terá de prová-lo incumbindo aos recorridos a prova do contrário, ou seja de que tal terreno lhes pertence, em conformidade com o disposto no art° 344° do CC;</font>
</p><p><font>10° - Presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para formar um facto desconhecido;</font>
</p><p><font>11° - Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz;</font>
</p><p><font>12° - Existe a favor do Domino Público Marítimo presunção de que o terreno em causa lhe pertence atenta a sua localização;</font>
</p><p><font>13° - Os recorridos sabiam que o terreno em causa estava inserido no Domínio Público Marítimo e não lograram nunca provar o direito de propriedade privada sobre tal terreno como lhes competia, em conformidade com o estatuído no DL 469/71, de 5 de Novembro;</font>
</p><p><font>14° - O facto de a recorrente não desconhecer a potencialidade exclusivamente rústica do terreno não significa que tenha de outorgar escritura de compra e venda de bem alheio, nada tendo a questão do direito de propriedade a ver com as condicionantes impostas para a construção no sobredito terreno;</font>
</p><p><font>15° - A factualidade inserta na resposta ao n° 10° da BI não leva nunca á aquisição por usucapião não só porque a posse não é continuada mas porque sendo o terreno pertença do Domínio Público Marítimo, não pode nunca ser adquirido por usucapião. Arts° 202°, 2 e 1.304°, do CC;</font>
</p><p><font>16° - O registo predial não é constitutivo de direitos mas meramente declarativo, não sendo aplicável aqui a presunção do art° 7° do C.R.P que falece ante o estatuído no DL 468/71, de 5 de Novembro, nomeadamente nos artigos 1º, 3° e 8°;</font>
</p><p><font>17° - Deverá ser proferida resposta afirmativa à matéria vertida nos n°s 1 e 5 da BI uma vez que o conceito "pertença" e a expressão "Os RR sabiam que o terreno não lhes pertencia", constituem vocábulo de uso corrente e domínio da generalidade de pessoas, integrando matéria de facto e do conhecimento da generalidade das pessoas, pelo que "expurgando, em absoluto, tais palavras (ou mesmo os conceitos de facto que encerram) da redacção do questionário (agora da BI) redundaria num gongorismo processual, particularmente bloqueador da eficiência e celeridade que a lei tem o cuidado de tutelar (arts° 265°, n° 1 e 266°, do CPOC). Uma posição, de todo por todo inaceitável;</font>
</p><p><font>18° - Mas, mesmo que assim não fosse - e é - impunha-se a baixa do processo ao Tribunal de 1ª Instância em ordem a ser incluída na B.I. a matéria referida ou seja que o terreno em causa está abrangido pela "LMPMAVE", em conformidade com o disposto no art° 729°, 3°, do CPC; </font>
</p><p><font>19° - Sendo válido o contrato promessa de compra e venda de bens alheios, atenta a sua natureza obrigacional, aos recorridos incumbia adquirirem previamente à escritura de compra e venda o terreno para posteriormente poderem outorgar a escritura pública respectiva;</font>
</p><p><font>20° - Os recorridos não elidiram, como lhes competia, a presunção legal de que o terreno em causa, porque situado na margem do mar, integra o Domínio Público Marítimo e como tal é insusceptível de posse e de aquisição por usucapião;</font>
</p><p><font>21° - Os recorridos sempre ocultaram à recorrente a natureza litigiosa do terreno, tendo esta contratado na convicção de que o mesmo lhes pertencia, o que não correspondia à verdade, tendo actuado com dolo e má-fé;</font>
</p><p><font>22º -O douto acórdão recorrido violou ou, pelo menos, fez incorrecta aplicação e interpretação do disposto nos arts° 202°, 1 e 2, 227°, 253°, 254°, 342°, 344°, 436°, 442° do Código Civil, art° 7º do Código de Registo Predial, arts° 1º, 2º, 3º, e 8º do DL 468/71 de 5 de Novembro, e arts° 265°, 1, 266°,646°,4, e 792, n° 3, do CPC.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Os recorridos ofereceram contra – alegações defendendo a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font> Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> ªª</font>
</p><p><font>As conclusões da recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684.º, nº 3 e 690.º, nº 1 do Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> – doravante CPC) – consubstanciam as seguintes questões: </font>
</p><p><font>a) Alteração da matéria de facto;</font>
</p><p><font>b) Se o terreno se situa, ou não, no Domínio Público Marítimo e consequências desse facto;</font>
</p><p><font>c) Se os réus agiram com dolo.</font>
</p><p><font> ªª</font>
</p><p><font> </font></p><div><br>
<b><font>I I – FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br>
<b><font> </font></b>
<p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font> DE FACTO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1 - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda e construção de imóveis para revenda;</font>
</p><p><font>2 - Em 18 de Novembro de 2004, os Réus BB, CC, EE, FF, II, KK e LL, por um lado, e dois representantes da sociedade “AA Limitada”, por outro, declararam que aqueles prometiam vender a esta sociedade e esta aceitava comprar uma parcela de terreno sita na Avenida da …, …, Freguesia …, Vila Nova de Gaia, pelo preço de 240.000€, conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial a fls. 18 a 21;</font>
</p><p><font>3 - No mesmo documento declararam ainda as partes que, como sinal e princípio de pagamento, entregava a Autora aos Réus a quantia de 50.000€, que seria posteriormente reforçada, o que ocorreu;</font>
</p><p><font>4 - Na cláusula quinta (5.ª) do mesmo documento n.º 1, declararam as partes que a marcação da escritura de compra e venda seria da responsabilidade dos Réus e na cláusula sétima (7.º) que:</font>
</p><p><font> “</font><i><font>Fica esclarecido que o prédio prometido vender possui potencialidade exclusivamente rústica e como tal foi prometido vender, o que é do conhecimento pleno da promitente compradora, pelo que a eventual afectação à construção urbana será sempre da responsabilidade dos segundos contraentes e a inviabilidade de construção do prédio não pode ser invocada por esta para o efeito de poder resolver o contrato</font></i><font>”;</font>
</p><p><font>5 - Mediante documento intitulado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda” declararam as partes, em 30 de Junho de 2005, que pretendiam prorrogar o prazo da celebração da escritura pública para o mês de Outubro de 2005, conforme documento n.º 2 junto com a petição inicial a fls. 22 e segs., tendo os Réus recebido nessa data, a título de reforço de sinal, a quantia de 30.000 €;</font>
</p><p><font>6 - Ainda mediante documento intitulado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda” declararam as partes, em 22 de Outubro de 2005, pretender prorrogar o prazo da celebração da escritura pública, que deveria ser celebrada impreterivelmente até 15 de Janeiro de 2006, conforme documento n.º 3 junto com a petição inicial a fls. 26 e segs., tendo os Réus recebido nessa data, a título de reforço de sinal, a quantia de 50.000 €;</font>
</p><p><font>7 - No dia 13 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial de MM, no qual compareceram os Réus e um representante da Autora, declarou este último que a sua</font><u><font> </font></u><font>representada não outorgava a escritura,</font>
</p><p><font>. “</font><i><font>Pelo facto de o prédio rústico objecto da mesma, não obstante registado em nome dos promitentes vendedores, é pertença do domínio público marítimo … conforme veio a ter conhecimento na semana passada a sua representada … e ainda que a sua representada outorgará</font></i><font> </font><i><font>a escritura pública logo que os promitentes vendedores demonstrem o direito de propriedade do prédio rústico em causa</font></i><font> …”, conforme documento n.º 4 junto com a petição inicial a fls. 30 e segs.;</font>
</p><p><font>8 - O Réu FF, em representação de todos os Réus, enviou em Março de 2006 à Autora a carta cuja cópia se mostra junta como documento n.º 10 a fls. 159, na qual declaravam que</font>
</p><p><font>. “… </font><i><font>Vimos interpelar V.ª s Ex.ª s para comparecerem no Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia no dia 31 de Março do ano corrente … para a realização da Escritura Pública de Compra e Venda … Caso V.ª s Ex.ª s mais uma vez se recusem a celebrar a escritura no prazo indicado, nos reservamos o direito de perder o interesse na compra e venda atrás identificada com justa causa, por facto exclusivamente imputável a V.ª s Ex.ª s</font></i><font> …”;</font>
</p><p><font>9 - No dia 31 de Março de 2006, no Cartório Notarial de MM, no qual compareceram os Réus e um representante da Autora, este último declarou que a sua representada</font>
</p><p><font>. “ … </font><i><font>só outorgava a escritura quando for ilidida a presunção legal de que o terreno em causa não pertence ao domínio público marítimo</font></i><font> …”, conforme documento n.º 5 junto com a petição inicial a fls. 32 e segs.;</font>
</p><p><font>10 - No dia 31 de Março de 2006, Autora e Réus, por si ou através dos seus representantes, compareceram no Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia, não tendo sido outorgada até hoje a escritura de compra e venda;</font>
</p><p><font>11 - O direito de propriedade sobre o prédio rústico, terreno a areal, com a área de 1.357 m2, sito na Av.ª …, Freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ..., encontra-se inscrito a favor dos Réus, mediante aquisição, conforme certidão emitida pela 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, junta com a contestação a fls. 125 e segs.;</font>
</p><p><font>12 - O terreno referido no Ponto 2 supra situa-se junto à orla marítima e na sua confinância existem prédios – moradias – construídos e em construção;</font>
</p><p><font>13 - O terreno referido no Ponto 2</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> supra dista entre 38 e 45 metros da linha que limita o leito das águas do mar (linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais) – resp. ao ques. 3.º ;</font>
</p><p><font>14 - Entre o referido terreno – inserido no perímetro urbano da Praia ... – e a linha limite do leito das águas do mar interpõe-se a Av.ª ... com respectivos passeios, uma zona de vegetação rasteira, um passadiço e areal – resp. ao ques. 4.º;</font>
</p><p><font>15 - Poucos dias antes de 13 de Janeiro de 2006 a Autora teve conhecimento de que os Réus em 1999 haviam solicitado um pedido de viabilidade de construção no terreno – resp. ao quês. 6.º;</font>
</p><p><font>16 - O qual foi indeferido por o terreno integrar parte da margem do mar e situar-se em zona de risco – resp. ao ques. 7.º;</font>
</p><p><font>17 - Os Réus, por si e pelos seus antecessores, há mais de 30 anos que em nome próprio se servem do terreno referido em 2, colhendo os seus frutos, sem oposição, à vista de toda a gente, pacificamente, convencidos de actuarem sobre o mesmo como proprietários – resp. ao ques. 10.º;</font>
</p><p><font>18 - Nas negociações que antecederam a assinatura do acordo referido em 2, o gerente da Autora mostrou interesse na aquisição do terreno, mas que oferecia menos 60.000 € que o valor pedido pelos Réus, com a justificação de o terreno ter condicionantes quanto à viabilidade de construção – resp. ao ques. 11.º;</font>
</p><p><font>19 - A Autora teve sempre conhecimento da potencialidade exclusivamente rústica do terreno;</font>
</p><p><font>20 - Bem como das suas características e da sua área envolvente que constam do contrato-promessa.</font>
</p><p><b><font> </font></b></p><div><br>
<font>ªª</font></div><br>
<font> </font>
<p><b><font> DE DIREITO</font></b>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><font>A) </font><u><font>Alteração da matéria de facto</font></u>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Invocando ter este Supremo Tribunal competência para sindicar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 712.º do CPC, pretende a recorrente que seja proferida resposta afirmativa à matéria vertida nos n°s 1 e 5 da base instrutória, uma vez que o conceito “</font><i><font>pertença</font></i><font>” inserto neste último e a expressão “</font><i><font>Os RR sabiam que o terreno não lhes pertencia</font></i><font>”, corporizada no primeiro, constituem vocábulos de uso corrente e domínio da generalidade das pessoas, integrando matéria de facto.</font>
</p><p><font>Antes do mais, importa chamar a atenção da recorrente para a inoportunidade da censura que formula no referente ao mencionado quesito 1.º.</font>
</p><p><font>A “não resposta” a este quesito pelo tribunal de 1ª instância, com suporte legal no art. 646.º, n.º 4 do CPC, foi objecto de ponderação pela Relação que dela dissentiu considerando que em causa não estava matéria que só por documento pudesse ser demonstrada ou que envolvesse pura questão de direito.</font>
</p><p><font>Nessa conformidade, procedeu ao exame e cotejo do conjunto de todos os elementos de prova invocados pela recorrente, concluindo não ser possível deles retirar a constatação minimamente consistente de que era do pleno conhecimento dos réus que o mencionado terreno não lhes pertencia, pelo que não lhe restava outra solução que não fosse a de considerar “</font><i><font>não provado o quesito 1.º da base instrutória, assim também não se dando como adquirida a factualidade dele constante, ainda que por razões não coincidentes com as avançadas pelo tribunal “a quo” em sede de decisão da matéria de facto</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Deixou, pois, a resposta dada a este quesito 1.º de ser passível da censura que a recorrente lhe dirige, tal como a erigiu.</font>
</p><p><font>E tendo passado a recair sobre ele expressa resposta de “não provado”, porque </font><i><font>quod abundat non nocet</font></i><font>, convém advertir que, como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, só conhece, em princípio, de matéria de direito, limitando-se a aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729.º nº 1 do CPC), daí que o eventual erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto pelo tribunal recorrido só possa ser objecto do recurso de revista quando haja ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 721.º, nº 2 e 722.º, nºs 1 e 2, do CPC).</font>
</p><p><font>Isto é, o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela Relação quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se houver desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico, excepções estas que claramente não ocorrem no caso “</font><i><font>sub-judice</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Assim sendo, está fora dos poderes deste Tribunal de revista, a coberto da 2ª parte do n.º 2 do art. 722.º do CPC, interferir na matéria de facto que vem fixada pelas instâncias, no uso das respectivas competências de valoração da prova de livre apreciação. Do mesmo modo, está vedado a este Supremo Tribunal o recurso a presunções judiciais para dar como assentes factos deduzidos dos que ficaram provados</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Significa isto, que não pode este Tribunal alterar a resposta dada ao quesito 1º.</font>
</p><p><font>Mas a recorrente intenta igualmente que se altere, para afirmativa, a “não resposta” dada ao quesito 5.º. Acusa o acórdão recorrido de ter violado o art. 646.º, nº 4 do CPC, já que considerou não lhe dever dar resposta por entender que o mesmo versava sobre matéria de direito, quando o conceito “</font><i><font>pertença</font></i><font>” constitui vocábulo de uso corrente e domínio da generalidade de pessoas, desta forma suscitando a questão de saber se o Tribunal da Relação com tal consideração não está a fixar a matéria de facto atendível.</font>
</p><p><font>Ora, apreciando, o citado artigo 646.º, no seu nº 4, estabelece os limites de validade e de atendibilidade das respostas proferidas pelo colectivo sobre a base instrutória, em sincronia com o que consta do nº 2 do artigo 722.º do CPC.</font>
</p><p><font>Em todos os casos aí previstos trata-se de questões em que as respostas são dadas em desrespeito das normas jurídicas em matéria de prova, já porque a lei fixe valor a determinado meio de prova, ou exija que a prova de um facto só possa ser feita por determinado meio. Trata-se, afinal, de questões que versam sobre matéria de direito, acessível ao Supremo. </font>
</p><p><font>Do mesmo modo, a questão de definir se determinada matéria formulada num quesito é de direito ou de facto, é uma actividade de natureza jurídica, não de decisão de facto. Não se confunde, outrossim, com as intocáveis ilações tiradas pela Relação perante factos resultantes das respostas dadas à matéria de facto, desde que representem o seu desenvolvimento lógico.</font>
</p><p><font>O exposto leva-nos a entender caber na competência da revista apreciar a legalidade ou ilegalidade do exercício da Relação na sua competência de julgadora em última instância da matéria de facto, isto é, poder o Supremo conhecer deste fundamento invocado pela recorrente</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Posto isto, desde já se adianta que a razão não está com a recorrente. </font>
</p><p><font>No quesito 5.º pergunta-se: “</font><i><font>O terreno é “pertença” do Estado?</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>A Relação acompanhou a opção tomada pelo tribunal recorrido, como se disse, de não lhe dar resposta de acordo com o disposto no art. 646.º, nº 4, por entender tratar-se de evidente matéria de direito ou conclusiva, na precisa medida em que essa titularidade, além do mais controvertida, teria necessariamente de resultar de factualidade que a pudesse traduzir, no caso apurando-se para o local a referida “linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais” (LMPMAVE).</font>
</p><p><font>E, na realidade, apurar se o terreno é “pertença” ou “propriedade” do Estado, é uma conclusão ou ilação a que o julgador deve chegar em consequência de outros factos que teve por provados. Poderia ser o desenvolvimento lógico desses factos, caso em que o Supremo dever-lhe-ia acatamento, atendível para a solução jurídica do pleito.</font>
</p><p><font>A pergunta tal como feita no citado quesito, em si mesma, não é um facto, acção ou acontecimento concreto. A resposta afirmativa conteria ela mesmo a resposta jurídica, pois que, a vertente conceitual da terminologia empregue constitui o </font><i><font>thema decidendum</font></i><font>. </font>
</p><p><font>Como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal datado de 11/12/03, Proc. nº 03B2992, no ITIJ, “</font><i><font>o questionário não pode incluir elementos ou proposições que, «a priori», contenham implicitamente a resolução da questão de direito objecto da acção, assim lhe traçando inexoravelmente o seu desfecho</font></i><font>“. </font>
</p><p><font>Sem dúvida, que a pergunta tal como está formulada é desnecessária</font><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>. Deste modo, é de concluir que a Relação não violou o artigo 646.º, nº 4 do CPC, ao considerar como não escrita a resposta ao quesito 5.º, falecendo razão à recorrente.</font></p><div><br>
<font>ª</font></div><br>
<font>Antevendo esta conclusão, contrapõe a recorrente impor-se nesse caso a baixa do processo ao Tribunal de 1ª Instância em ordem a ser incluída na base instrutória a respectiva matéria integrante, ou seja, que o terreno em causa está abrangido pela “linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais”, em conformidade com o disposto no art. 729.°, nº 3 do CPC.</font>
<p><font>Como assim, prescreve este normativo que “</font><i><font>o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>Não significa tal que este Tribunal possa mandar averiguar factos que as partes não tenham articulado, sofrerá as consequências disso a parte sobre quem recaia o respectivo ónus de alegação ou de prova, mas apenas que pode ordenar a ampliação da matéria de facto quando as instâncias a tenham seleccionado imperfeitamente amputando-a de elementos que consideraram dispensáveis mas que se verifica serem indispensáveis para o Supremo definir o direito</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Essa indispensabilidade é averiguada e definida pelo próprio Supremo Tribunal. Vejamos, então, se tal se mostra necessário.</font>
</p><p><font>Convidada a alegar factos que permitissem integrar e concluir a afirmação de que o terreno era pertença do domínio público marítimo (fls. 192), a recorrente/autora apresentou nova petição colmatando essa omissão, articulando nos arts. 27.º a 37.º os novos factos que entendeu por adequados e que foram fonte dos quesitos 3.º, 4.º e 5.º da base instrutória, os dois primeiros com as respostas de conteúdo acima descritas nos pontos 13 e 14.</font>
</p><p><font>Acontece que nos termos do art. 3.º, nºs 1, 2 e 6 do DL nº 468/71 de 5/11</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>, “</font><i><font>1. Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas</font></i><font>.</font>
</p><p><i><font>2. A margem das águas do mar, bem como das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50m</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>(...) </font><i><font>6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito</font></i><font>....”. </font>
</p><p><font>Por seu turno, de acordo com o nº 2 do art. 2.º do mesmo diploma, “</font><i><font>o leito das águas do mar, bem como das demais águas sujeitas à influência das marés, é limitada pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais....</font></i><font>”</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>. </font>
</p><p><font>Neste contexto, pelas respostas dadas aos quesitos 3.º, 6.º e 7.º ficou assente que o terreno em causa “</font><a></a><i><font>dista entre 38 e 45 metros da linha que limita o leito das águas do mar (linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais)</font></i><font>” e que um pedido de viabilidade de construção nesse terreno foi indeferido por “</font><i><font>integrar parte da margem do mar e situar-se em zona de risco</font></i><font>” (13, 15 e 16 dos factos provados).</font>
</p><p><font>Ou seja, se considerarmos o estabelecido nos normativos acima citados, nada mais é necessário para se ter por demonstrado que o aludido terreno está inequivocamente inserido na “linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais” (LMPMAVE).</font>
</p><p><font>Como tal, não se mostra necessária a | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OTKru4YBgYBz1XKvDCvS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<b><u><font>Relatório</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Nas Varas Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa,</font><br>
<b><u><font>AA-D... – Compra, Venda e Administração de Imóveis S.A</font></u></b><font>.,</font><br>
<font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br>
<b><u><font>BB-A... – PROMOÇÕES IMOBILIÁRIAS S.A.</font></u></b><font>,</font><br>
<font>pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 250.000€ a título de indemnização (cláusula penal acordada para a hipótese de não haver sinal passado), por esta se ter injustificadamente recusado a celebrar consigo o contrato de compra e venda de 2 imóveis (identificados nos autos), conforme se obrigara mediante prévio contrato-promessa.</font><div><font>*</font></div><font>Alegou em fundamento e resumidamente que:</font><br>
<font>- em 09 de Janeiro de 2004, CC licitou e adquiriu, no processo de falência do Hospital Clínico das A..., dois imóveis, tendo depois, por contrato de 26 de Junho de 2006, cedido à Autora a respectiva posição contratual na dita adjudicação;</font><br>
<font>- por contrato de 08 de Maio de 2007, a Autora prometeu vender à Ré, e esta prometeu comprar-lhe, livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens, os ditos dois imóveis, pelo preço de € 3.200.000,00, sendo o sinal a prestar de € 1.000.000,00; e, caso esse sinal não fosse prestado, e algumas das partes viesse a incumprir as respectivas obrigações, o valor da indemnização devida à outra parte seria de € 250.000,00:</font><br>
<font>- a Autora, tendo acordado com a Ré que a escritura de compra e venda devida entre ambas seria celebrada na mesma data e em hora imediatamente anterior à que lhe cabia celebrar com a Sr.ª Liquidatária Judicial da falência do Hospital Clínico das A..., Lda, viria a marcá-la para o dia 26 de Julho de 2007, pelas 12.00 horas;</font><br>
<font>- contudo, no dia 23 de Julho de 2007, a Ré comunicar-lhe-ia que não iria outorgar a escritura de compra e venda, sob alegação de que, necessitando de recorrer a um empréstimo bancário para o efeito, o mesmo era-lhe recusado perante a permanência do registo de ónus e encargos sobre os prédios prometidos vender, contrapondo ainda uma redução do preço para € 2.500.000,00; </font><br>
<font>- mercê do exposto, a Autora deu sem efeito a marcação da escritura e prosseguiu negociações com a Ré, com vista a evitar o rompimento do contrato, tendo-se aquela proposto pagar o preço de € 2.700.000,00, o que não aceitou, por entender que, por mera força da prévia aquisição que fizesse à Massa da Falência, os ónus e encargos caducariam automaticamente;</font><br>
<font>- mantendo-se as partes intransigentes nas suas posições, a Autora viria a resolver o contrato por carta remetida à Ré em 24 de Setembro de 2007, tendo por isso direito à indemnização de € 250.000,00 pré-fixada na Cláusula 9a, n° 3 do contrato em causa.</font><div><font>*</font></div><font>A Ré contestou, por excepção e por impugnação, e deduziu pedido reconvencional, impetrando a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00 a título de indemnização pelo incumprimento do contrato celebrado entre ambas, quantia aquela acrescida de juros de mora, calculados à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde a notificação à Autora do seu pedido reconvencional e até integral pagamento. </font><br>
<font>Alegou para o efeito, em síntese:</font><br>
<font>- que só não pagou o sinal acordado de € 1.000.000,00 porque a Autora não conseguiu obter a garantia bancária prevista na Cláusula 5ª e no Anexo V do contrato-promessa celebrado, tendo-se apercebido depois que a mesma não dispunha dos € 1.800.000,00 de que necessitava para previamente os adquirir, pretendendo financiar-se junto de si (assim se explicando que as duas escrituras de compra e venda tivessem que ser celebradas na mesma data, em actos imediatamente subsequentes);</font><br>
<font>- que, não implicando a prévia aquisição a realizar pela Autora a automática inexistência de ónus ou encargos, como a mesma passara a sustentar, esteve na disposição de manter o acordado, mediante redução do preço (primeiro para € 2.500.000,00, e depois para 2.700.000,00), o que aquela não aceitou;</font><br>
<font>- que, por carta de 17 de Setembro de 2007, interpelou a Autora a marcar a escritura de compra e venda até 04 de Outubro de 2007, sob pena de perda de interesse na aquisição dos imóveis, só então recebendo a carta daquela, de 24 de Setembro de 2007, imputando-lhe o incumprimento do contrato e resolvendo o mesmo;</font><br>
<font>- que a Autora viria, porém, no dia imediatamente a seguir, 25 de Setembro de 2007, a comprar os dois imóveis à Massa Falida e, em acto imediatamente subsequente, vendê-los a terceiros, pelo preço global de € 2.400.000,00, com registo de ónus e encargos, que se mantinha em 21 de Dezembro de 2007.</font><br>
<font>Já em sede de fundamentação do pedido reconvencional, a Ré, alegando que cabia à Autora proceder à marcação da escritura de compra e venda devida entre ambas, e nunca o tendo feito, vendendo inclusivamente a terceiros os imóveis que lhe tinha prometido alienar, defendeu ter a mesma incumprido o contrato subscrito, pedindo por isso a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00, a título de indemnização.</font><div><font>*</font></div><font>A Autora replicou, pedindo que se julgasse a reconvenção improcedente, por não provada, e a exigência formalizada no pedido reconvencional como consubstanciando um abuso de direito, ou como não sendo devida, por a Ré não ter tido qualquer prejuízo com o incumprimento contratual que lhe imputou</font><br>
<font>Alegou para o efeito e em síntese:</font><br>
<font>- ter a Ré aceite fazer a escritura de compra e venda dos dois imóveis com os ónus que impendiam sobre eles ainda registados, porque sabia que iriam caducar quando fossem previamente adquiridos por si à Massa Falida, sendo que só com o envio, em 17 de Julho de 2007, da documentação necessária à marcação das escrituras, a Ré se apercebeu que, a aqui Autora, iria ter um proveito no negócio de € 1.400.000,00 (já que compraria à Massa Falida por € 1.800.000,00, e lhe venderia por € 3.200.000,00);</font><br>
<font>- só então a Ré passou a obstacular a realização da escritura, agendada para 26 de Julho de 2007, admitindo celebrá-la mas apenas pelo preço de € 2.500.000,00 (pretendendo dividir em seu proveito o lucro do negócio que naquela altura conhecera), tendo consciência de que lhe seria difícil à A, pelo menos a curto prazo, obter um financiamento para pagar o preço à Massa Falida;</font><br>
<font>- que o contrato prometido só não foi concretizado porque a Ré, após ter acordado que as duas escrituras de compra e venda (pela Autora à Massa Falida, e pela Ré à Autora) se realizassem em simultâneo, levando a que ela própria não se financiasse para aquele efeito, se recusou depois a cumprir o acordado, pretextando que os ónus que impediam sobre os prédios não tinham sido previamente cancelados, sendo que os conhecia antes e que sabia que caducariam automaticamente com a primeira venda.</font><br>
<font>Defendeu, por isso, a Autora estar a Ré a actuar (ao exigir a indemnização prevista na Cláusula 9ª, n° 3 do contrato em causa) em abuso de direito, prevalecendo-se de uma situação criada por si artificiosamente, sendo que também não teria feito qualquer investimento, pelo que não teria tido qualquer prejuízo.</font><div><font>*</font></div><font>A Ré treplicou, pedindo que se julgasse improcedente a defesa por excepção deduzida pela Autora ao seu pedido reconvencional, reiterando o mesmo.</font><br>
<font>Alegou para o efeito, de novo em síntese, não serem verdadeiros os factos invocados na réplica, para caracterizarem o seu alegado abuso de direito (nomeadamente, o ter tido conhecimento antecipado de que iria celebrar a sua escritura de compra e venda sem que o registo de ónus e encargos que impendia sobre os imóveis se mostrasse cancelado, e tê-lo aceite). </font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 13/5/2009) que julgou a acção totalmente improcedente, e o pedido reconvencional, deduzido pela Ré contra a Autora, totalmente procedente, e, em consequência, decidiu:</font><br>
<font>A) Absolver a Ré do pedido formulado contra si pela Autora;</font><br>
<font>B) Condenar a Autora a pagar à Ré a quantia</font><br>
<font>- de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros, e zero cêntimos), a título de indemnização contratual devida por incumprimento do contrato-promessa de compra e venda de imóveis celebrado entre ambas;</font><br>
<font>- correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, apurados sobre a quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros, e zero cêntimos) referida no ponto anterior, calculados às sucessivas taxas aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, de 11,2% ao ano, no período que vai de 1 de Janeiro de 2008 até 30 de Junho de 2008, de 11,07% ao ano, no período que vai de 1 de Julho de 2008 até 31 de Dezembro de 2008, e de 09,50% ao ano, no período que vai de 1 de Janeiro de 2009 até 30 de Junho de 2009, sem prejuízo das suas posteriores alterações semestrais, contados desde 06 de Fevereiro de 2008 até integral pagamento.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><font>Inconformada recorreu a A., de facto e de direito, mas sem êxito, visto que a Relação manteve inalterada a matéria de facto impugnada, julgando improcedente a apelação, também quanto ao direito, confirmando integralmente a sentença recorrida.</font><div><font>*</font></div><font>É deste acórdão que, novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora de revista e para este S.T.J..</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Conclusões da Revista</font></u></b><br>
<font>1.° - O douto acórdão recorrido decidiu não alterar a resposta dada ao artigo 36 da b.i. sob a consideração de que a prova produzida o foi a título de contra prova e não emanou da parte a quem competia o ónus da prova.</font><br>
<font>2.° - Porém, no nosso sistema jurídico, vigora o princípio da aquisição processual, firmado no artigo 515.° do Código de Processo Civil, segundo o qual todas as provas produzidas em juízo devem poder servir a decisão do mérito da causa.</font><br>
<font>3.° - Não visando o presente recurso a reapreciação da prova produzida, é, porém, permitido requerer ao STJ que verifique se a Relação aplicou, ou não, nessa reapreciação, as normas legais que a regem.</font><br>
<font>4.° - Ao deixar de alterar a resposta ao artigo em causa alegando que a prova produzida emanou da contra parte a quem não cabia o ónus da prova, violou o douto Acórdão recorrido o artigo 515.° e 712.°, do CPCivil.</font><br>
<font>Por outro lado:</font><br>
<font>5.°- A venda dos prédios pela massa falida à Recorrente foi previamente autorizada pelo Senhor Juiz titular do processo de falência.</font><br>
<font>6.° - Com a venda dos prédios pela Massa Falida, por força do n°.2 do art°. 824°. do C.Civil, caducavam as penhoras que oneravam os prédios vendidos, norma que se acha violada pelo douto Acórdão recorrido.</font><br>
<font>7.° - Não existiam outros ónus relativamente aos prédios prometidos vender além dos que constavam registados nas respectivas certidões.</font><br>
<font>8.° - Não consta do contrato promessa a obrigatoriedade de as penhoras estarem canceladas na Conservatória.</font><br>
<font>9.° - Após a celebração da Escritura de Compra e Venda dos prédios da Massa Falida à Recorrente encontrava-se cumprida a obrigação acordada com a Recorrida de vender os prédios livres de ónus ou encargos.</font><br>
<font>10.° - A recusa da Recorrida em celebrar a escritura de compra e venda é ilegítima.</font><br>
<font>11.° - A Recorrida só se recusou a celebrar a Escritura de Compra e Venda a partir de 17 de Julho de 2007, data em que tomou conhecimento dos lucros que a Recorrente iria ter com o negócio e pretendeu beneficiar deles.</font><br>
<font>12.° - A Recorrida sabendo que a Recorrente não providenciou pela obtenção de meios financeiros para pagar o preço dos prédios à Massa Falida, passou a fazer exigências e a criar dificuldades à realização do negócio.</font><br>
<font>13.° - Com tal procedimento pretendia a Recorrida, na óptica da Recorrente, que a Recorrente reduzisse o preço acordado.</font><br>
<font>14.° - A Recorrida propôs-se realizar o contrato, sem que os ónus fossem cancelados por € 2.500.000,00 (Dois milhões e quinhentos mil Euros) e mais tarde por € 2.700.000,00 (Dois milhões e setecentos mil Euros) [v.d. pontos n.°s 36, 40 e 41 da matéria de facto].</font><br>
<font>15.° - As dificuldades criadas à Recorrente pela Recorrida destinavam-se a que esta reduzisse o preço dos prédios.</font><br>
<font>16.°- Tendo a Recorrente provado que a Recorrida aceitou celebrar a escritura com o registo dos ónus [ainda que de forma condicionada à redução do preço], competia à Recorrida alegar e provar factos de onde se pudesse concluir que a mesma se viu "forçada" a recusar tal outorga, por motivos que não lhe sejam imputáveis, e, assim, de concretizar a compra e venda de tal forma.</font><br>
<font>17.° - A conclusão da existência de recusa legítima na outorga da prometida escritura só poderá, no caso concreto e atendendo à aceitação pela Recorrida em celebrar a escritura com o registo dos ónus, decorrer da análise de factos que claramente revelem que a Recorrida se viu impedida (sem culpa) de outorgar a dita escritura por factos alheios à sua vontade, conclusão que não se extrai da matéria de facto julgada provada.</font><br>
<font>18.° - De outra forma, outras soluções, igualmente plausíveis, se afiguram ao Tribunal para justificar a recusa da Recorrida, e, designadamente, a hipótese não cabalmente demonstrada [mas não afastada pela factualidade julgada provada] de que a Recorrida, uma vez consciente da mais valia decorrente do negócio para a Recorrente, se terá querido prevalecer das dificuldades da Recorrente em obter financiamento e, assim, em obter cancelamento prévio dos ónus, para alcançar um ilegítimo desconto n preço acordado.</font><br>
<font>19.° - Ou seja, provado que a Recorrida aceitou celebrar a escritura com do registo dos ónus mediante uma redução do preço, cumpria à Recorrida / demonstrar que agiu sem culpa ao efectuar a recusa da outorga com o registo dos ónus, uma vez que a culpa pelo não cumprimento se presume (art.° 799.° do Código Civil).</font><br>
<font>20.° - Ao julgar em sentido contrário violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 762.° e 799.° do Código Civil.</font><br>
<font>Sem conceder:</font><br>
<font>21.° - O Tribunal pode reduzir equitativamente o valor da cláusula penal acordado pelas partes.</font><br>
<font>22.° - À Recorrida, seja qual for a sorte do presente pleito, cabe em elevado grau a culpa de não ter sido celebrado o contrato prometido.</font><br>
<font>23.° - Assim, e conforme dispõe o n.° 2 do artigo 812°., do C.Civil, o douto Acórdão recorrido devia sempre ter reduzido o valor da cláusula penal para um valor não superior a 75.000,00.</font><br>
<font>24.° - Ao julgar em sentido contrário violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 762.°, 812.° e 824.° do Código Civil.</font><br>
<font>Mas;</font><br>
<font>25.° - O contrato prometido não se realizou por culpa da Recorrida.</font><br>
<font>26.° - Com efeito, foi acordado realizar a escritura de compra e venda no dia 26 de Julho de 2007.</font><br>
<font>27.° - A Recorrida tinha perfeito e total conhecimento da situação jurídica do prédio e que a escritura de compra e venda se realizaria em simultâneo com a escritura de compra pela Recorrente à Massa Falida.</font><br>
<font>28.° - Dispondo-se a Recorrida até a emitir um cheque de € l.800.000,00 (Um milhão e oitocentos mil Euros) para a Recorrente pagar o preço dos prédios à Massa Falida.</font><br>
<font>29.° - Assim, e ao recusar-se fazer a escritura, violou o acordo feito com a Recorrente.</font><br>
<font>30.° - O douto Acórdão recorrido fez errada interpretação dos artigos 762.° e 810.° do C. Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Em face do exposto, deve ser revogado o douto Acórdão sob recurso, julgando-se a Acção procedente e improcedente a Reconvenção.</font><div><font>*</font></div><font>Nas suas contra-alegações defende a recorrida a confirmação do acórdão sob censura.</font><div><font>*</font><br>
<font>* *</font><br>
<font>*</font></div><br>
<b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Foi a seguinte a matéria de facto fixada pela Relação:</font><div><font>*</font></div><font>Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:</font><br>
<font>1 - No Processo n.° 14/2001, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, por falência do Hospital Clínico das A..., Limitada, foram apreendidos os seguintes prédios (conforme certidão da 9a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, que é fls. 16 a 22 dos autos):</font><br>
<font>- prédio urbano sito na Rua P... S... da C..., n.°s ..., ...-A e ...-B, em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha n.° ..., da freguesia de S...I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°;</font><br>
<font>- prédio urbano sito na Rua A... do C..., n.°s ... e ..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha ..., da freguesia de S...I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°.</font><br>
<font>2 - Em leilão realizado no dia 9 de Janeiro de 2004, os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 (a alínea A) da Matéria de Facto Assente), foram adjudicados a CC, residente na E... N... .../..., P... de R... de M.... 3 - BBB-A L..., Limitada, enviou a DD, esta na qualidade de Liquidatária Judicial, que a recebeu, cuja cópia é fls. 23 dos autos, datada de 9 de Janeiro de 2004, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:</font><br>
<font>«(...)</font><br>
<font>- Falência de Hospital Clínico das ... Ldª.</font><br>
<font>Exmª. Senhora Doutora:</font><br>
<font>Com os nossos melhores cumprimentos vimos pela presente dar conhecimento a V. Exª. do resultado do leilão ao qual V. Exaª. esteve presente bem como cerca de 50 pessoas no qual prometemos vender os imóveis pelo valor de 1.800.000,00 € ao Sr. CC, Habilitante em substituição do anterior credor, Dr. EE (junta fotocópia de habilitação).</font><br>
<font>Não foi recebido qualquer sinal como principio de pagamento, visto o promitente comprador, na qualidade de credor alegar ir pedir a dispensa do depósito do preço da venda dos imóveis.</font><br>
<font>Juntamos anúncios publicados Mailling e lista de credores avisados.</font><br>
<font>Sem outro assunto de momento, somos, com a mais elevada consideração.</font><br>
<font>(...)»</font><br>
<font>4 - CC cedeu a AA-D... - Compra, Venda e Administração de Imóveis, S.A., aqui Autora, a posição contratual que lhe adveio da adjudicação no leilão referido no facto enunciado sob o número 2 (artigo anterior), conforme documento que é fls. 24 a 27 dos autos um documento, epigrafado «CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS», datado de 26 de Junho de 2006, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê que CC, identificado como «Primeiro Contratante» e AA-D... - Compra, Venda e Administração de Imóveis, S.A., representada por FF, identificada como «Segundo Contratante», acordaram nos seguintes termos:</font><br>
<font>Entre os ora Contratantes é celebrado um Contrato de Cessão de Créditos que se rege pelos Considerandos e Cláusulas seguintes:</font><br>
<font>- O Primeiro Contratante é titular dos seguintes créditos no processo de falência n.° .../... do 1º Juízo do tribunal do comércio de Lisboa:</font><br>
<font>a) - €: 3.291.549,70 (Três milhões duzentos e noventa e um mil quinhentos e quarenta e nove euros e setenta cêntimos), já reconhecido; e</font><br>
<font>b) -€: 253.345,73 (Duzentos e cinquenta e três mil trezentos e quarenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), oportunamente reclamado, créditos cedidos pelo Sr. Dr. EE, relativo a créditos ordinários do primeiro credor sobre a falida.</font><br>
<font>2-</font><br>
<font>a) -€. 34.105,91, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, D.ª GG, emergente do contrato de trabalho celebrado entre a credora e a falida.</font><br>
<font>b) -€: 35,723,00, já reconhecido e que lhe foi cedida pela trabalhadora / credora, D." HH, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>c) -€: 37.777,54, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, D." II, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>d) -€: 21.965,22, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, Sr.ª Dr.ª JJ.</font><br>
<font>e) -€: 20,964,40, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª LL, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>f) -€: 35.826,51, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª MM, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>g) -€: 41.667,50, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª NN, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>h) -€: 32.462,25, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor Sr. OO, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>i) -€: 8.682,76, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor Sr. PP, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>j) -€: 32.268,87, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor, Sr. QQ, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>I) -€: 40.142,94, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor, Sr. RR, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>3-</font><br>
<font>a) - €: 17.496,35, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª SS, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.</font><br>
<font>b) - €: 21.290,23, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, TT, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e\ afalida.</font><br>
<font>I - €: 37.684,14, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, D.ª. UU, emergente do contrato de trabalho celebrado entre a credora e a falida.</font><br>
<font>Acordam os ora Contratantes:</font><br>
<font>1°</font><br>
<font>O 1º Contratante cede ao 2° Contratante o crédito acima identificado, e reconhecido no processo de falência da Sociedade por quotas denominada "Hospital Clínico das A..., Lda.", com sede na Rua P... S... C..., n.° ... - LISBOA, NIF n.° ..., declarada falida por sentença já transitada no processo n.° 14/2001 que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal do comércio de Lisboa.</font><br>
<font>2º.</font><br>
<font>O preço da cessão é de € 710.049,75 (Setecentos e dez mil quarenta e nove Euros e setenta e cinco cêntimos) e será paga logo que a representada da 2ª Contratante seja julgada habilitada como titular dos créditos ora cedidos e da transmissão de Proponente de aquisição de imóveis à massa falida, posição contratual que lhe foi transmitida por contrato de transmissão de posição contratual nesta data celebrado entre os Contratantes.</font><br>
<font>5- A Autora possui um Administrador único, função exercida por CC no triénio de 2004 / 2006, não se mostrando registado até 21 de Dezembro de 2007 a sua substituição em tal cargo (conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, que é fls. 75 a 77 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).</font><br>
<font>6- A Autora propunha-se adquirir por escritura pública, por € 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros, e zero cêntimos) os prédios referidos no facto enunciado sob o número 1 (alínea A) da Matéria de Facto Assente) (conforme certidão judicial do 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, cuja cópia é fls. 78 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).</font><br>
<font>7 - BB-A... - Promoção Imobiliária, S.A., aqui Ré, representada pelos seus Administradores, VV e XX, designada como «Primeira Outorgante», acordou com a Autora, representada pelo seu Administrador, CC, designada como «Segunda Outorgante», nos termos do documento epigrafado «CONTRATO PROMESSA de COMPRA E VENDA», datado de 7 de Maio de 2007, que é fls. 28 a 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:</font><br>
<font>«(...)</font><br>
<font>Considerando que:</font><br>
<font>(A)</font><br>
<font>Declara, pessoalmente, o signatário da AA-D... ter licitado e ter-lhe sido adjudicada, em leilão realizado, no dia 09 de Janeiro de 2004, no âmbito do Processo de Falência n.° 14/2001 do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, em que é requerido o "Hospital Clínico das A...", a propriedade dos seguintes prédios urbanos (doravante, os "Imóveis"):</font><br>
<font>1- Prédio urbano sito na Rua P... S... da C..., n. °s ... a ...-B, freguesia de S... I..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., da dita freguesia e inscrito na matriz urbana da freguesia de S... I... sob o Artigo ...;</font><br>
<font>2 - Prédio urbano sito na Rua do A...do C..., n.°s ... e ..., freguesia de S... I..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ..., da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S... I... sob o Artigo ... .</font><br>
<font>(B)</font><br>
<font>Depois de rubricadas pelas PARTES, são juntas ao presente Contrato como seus Anexos I e II, dele passando afazer parte integrante, as Certidões de Registo Predial dos Imóveis, bem como, como Anexos III e IV, as respectivas Cadernetas Prediais urbanas;</font><br>
<font>(C)</font><br>
<font>Declaram a AA-D... e o seu signatário, pessoalmente, ter este cedido àquela o seu direito à propriedade dos Imóveis, sendo ela a única e actual titular do mesmo;</font><br>
<font> (D)</font><br>
<font>Declara a AA-D... que não conhece qualquer obstáculo ou impedimento à transmissão dos direitos de propriedade sobre os Imóveis;</font><br>
<font>(E)</font><br>
<font>Declara a AA-D... que os Imóveis foram adjudicados livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens;</font><br>
<font>(F)</font><br>
<font>A realização da Escritura Pública de transmissão para a AA-D... do direito de, propriedade do Imóveis encontra-se, apenas e ainda, a aguardar o despacho e a emissão da respectiva certidão de adjudicação da propriedade e que autoriza o Gestor da Falência a outorgar a mesma;</font><br>
<font>(G)</font><br>
<font>Estima a AA-D... que a Escritura Pública atrás referida, possa vir a ser outorgada no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias contados da presente acta;</font><br>
<font>(H)</font><br>
<font>Pretendem as PARTES transaccionar entre si os Imóveis logo que a propriedade dos mesmos seja transmitida para a AA-D... .</font><br>
<font>Foi livremente e de boa fé, dentro dos pressupostos acima enunciados, convencionado e reduzido a escrito entre as PARTES o presente Contrato de Promessa de Compra e Venda, o qual se fica a reger pelas seguintes CLÁUSULAS:</font><div><font>PRIMEIRA</font><br>
<font>(Objecto)</font></div><font>1. Pelo presente Contrato e nos seus precisos termos, a AA-D... promete vender à BB-A... e esta, por sua vez, promete comprar os Imóveis, livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens.</font><br>
<font>2. As presentes Promessas de Compra e Venda dos Imóveis são efectuadas deforma una e indissociável sobre o conjunto dos dois prédios objecto deste Contrato.</font><div><font>SEGUNDA</font><br>
<font>(Preço)</font></div><font>1. O Preço global da Compra e Venda dos Imóveis é fixado pelas PARTES em 3.200.000,00 € (três milhões e duzentos mil euros), sem prejuízo do disposto no número 2 da Cláusula seguinte.</font><br>
<font>2. Para efeitos contabilísticos e de realização da Escritura Pública de Compra e Venda prometida de cada um dos Imóveis, é atribuído ao prédio na Rua P... S... da C... o valor de 2.880.000,00 € (dois milhões oitocentos e oitenta mil euros) e ao prédio da Rua do A... do C..., o valor de 320.000,00 € (trezentos e vinte mil euros).</font><div><font>TERCEIRA</font><br>
<font>(Pagamento do Preço)</font></div><font>1. O preço será pago pela BB-A... da seguinte forma:</font><br>
<font>a)-a titulo de Sinal e principio de pagamento do Preço, a quantia de 1.000.000,00 € (um milhão de euros;</font><br>
<font>b) - o remanescente do Preço, ou seja, 2.200.000,00 € (dois milhões e duzentos mil euros), será pago na data e com a realização da Escritura Pública de Compra e Venda prometida dos Imóveis.</font><br>
<font>2. Caso o Sinal não seja prestado pela BB-A... nos termos atrás referidos, o Preço da Compra e Venda prometida será acrescido de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), a título de compensação financeira à AA-D....</font><div><font>QUARTA</font><br>
<font>(Sinal)</font></div><font>1. O Sinal estabelecido na Cláusula anterior será entregue pela BB-A... no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da presente data.</font><br>
<font>2. A BB-A... avisará a AA-D... por escrito e com, pelo menos, 5 (cinco) dias de antecedência de qual o dia que pretende prestar o Sinal.</font><br>
<font>3. É devida e expressamente convencionado entre as PARTES que a entrega do Sinal pela BB-A... fica condicionada à entrega simultânea pela AA-D... da Garantia Bancária prevista na Cláusula seguinte.</font><div><font>QUINTA</font><br>
<font>(Garantia Bancária)</font></div><font>1. A AA-D..., em garantia do seu bom e integral cumprimento do presente Contrato, entregará à BB-A... uma Garantia Bancária, no valor de 1.000.000,00 € (um milhão de euros), emitida nos termos da Minuta que, depois de rubricada pelas PARTES, vai ficar junta ao presente Contrato como seu Anexo V, dele passando afazer parte integrante.</font><br>
<font>2. É expressamente convencionado entre as PARTES que a entrega da Garantia Bancária pela AA-D... foca condicionada à entrega simultânea pela BB-A... do sinal previsto nas Cláusulas anteriores.</font><br>
<font>3. A BB-A... poderá accionar a dita Garantia logo que a AA-D... se constitua em mora relativamente a qualquer obrigação por si assumida nos termos do presente Contrato, nomeadamente, a obrigação de entrega por esta àquela de qualquer quantia, a qualquer título.</font><div><font>SEXTA</font><br>
<font>(Direitos de Preferência legais)</font></div><font>1. A Escritura Pública de Compra e Venda prometida será realizada no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, mas não antes de decorridos 60 (sessenta) dias da presente data.</font><br>
<font>2. A marcação da Escritura Pública ficará a cargo da AA-D..., a qual deverá avisar, por escrito e com a antecedência mínima de 8 (oito) dias, a BB-A... do dia, hora e Cartório Notarial de realização da mesma, sendo este, preferencialmente mas não obrigatoriamente, o Cartório Notarial do Dr. C... A..., sito na Avenida D... de C..., n.°...-..., em Lisboa.</font><br>
<font>3. A BB-A... fará a entrega no Cartório, até 3 (três) dias antes da data prevista para a realização da Escritura, todos os elementos e documentos que, da sua parte, se mostrem necessários à elaboração e outorga da Escritura.</font><br>
<font>(...)</font><div><font>NONA</font><br>
<font>(Cláusula Penal e Execução Específica)</font></div><font>1. Em caso de incumprimento do presente Contrato pela BB-A..., a AA-D... fará seu, a título de indemnização, o Sinal prestado.</font><br>
<font>2. Em caso de incumprimento do presente Contrato pela AA-D..., fica esta obrigada a devolver à BB-A..., fica convencionado entre as PARTES que | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OjKbu4YBgYBz1XKvViK6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<b><font>I </font></b><font>– AA -Construções e Transportes, Lda intentou a presente acção declarativa, sob a forma do processo ordinário, contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação destes a pagar-lhe o montante de € 38.975,00, acrescido de juros vencidos no montante de € 1.005,88 e vincendos até integral pagamento.</font><b><font> </font></b><br>
<font>Alega que celebrou com os RR um contrato de empreitada para construção de uma casa de habitação, tendo ficado acordado o preço de € 135.000,00, a pagar de acordo com a evolução dos trabalhos, e, igualmente, que a A facturaria os serviços à medida da sua execução e aceitação e que, em cumprimento do assim acordado, emitiu as seis facturas que referencia, sendo certo que os RR não efectuaram o seu pagamento integral (terão pago quatro na sua totalidade, uma delas parcialmente e, relativamente a uma outra, nada pagaram, encontrando-se em dívida o montante global de € 38.975,00, correspondendo a serviços já prestados).</font><br>
<font>Essas facturas deveriam ter sido pagas nas datas das respectivas emissões, o que não aconteceu, nem até agora, não obstante as várias interpelações extrajudiciais feitas aos RR para pagarem acontecendo que a razão invocada por estes para esse não pagamento se traduz no facto de entenderem que, pela circunstância do contrato de empreitada não fazer referência ao IVA, não devem ser onerados com o pagamento deste imposto, fundamento com o qual a A não concorda, na medida em que é desnecessária qualquer referência ao pagamento do IVA, dado que é a própria lei ‑ artigo 16º do CIVA ‑ que, de forma clara e inequívoca, exige tal pagamento, pelo que não poderá deixar de se entender que o preço convencionado não contempla o IVA, a liquidar pelo sujeito passivo. </font><br>
<font>Por fim, alega ainda a A que comunicou aos RR que, em virtude do seu incumprimento, no que toca ao pagamento, o contrato ficaria suspenso, suspensão essa fundada na </font><i><font>“exceptio adimpleti contractus”</font></i><font>, não assumindo também qualquer responsabilidade pela intervenção que viesse a ser feita por parte de quaisquer terceiros na obra. </font><br>
<font>Os RR contestaram e deduziram pedido reconvencional. </font><br>
<font>Assim, aceitam a existência do contrato de empreitada celebrado com a A, mas pelo preço global e total de € 135.000,00, com IVA já incluído o que é do conhecimento da A a qual bem sabe que quando não faz qualquer menção no contrato ao pagamento de IVA, é porque o mesmo já está, obviamente, incluído, sendo certo que ela própria refere, no seu artigo 4.º da p.i. que o preço a pagar pelos RR era de € 135.000,00. </font><br>
<font>Por outro lado, afirmam que a forma de pagar não era como alegado pela A., mas antes consoante se encontrava prevista no contrato, sendo certo que as facturas emitidas em nada correspondem à forma de pagamento acordada, nem aos pagamentos efectivamente realizados por eles, RR., pelo que nunca foram por si aceites, desconhecendo como e para quê eram passadas.</font><br>
<font>Dizem, ainda, que a obra não estava concluída em Março de 2009, como acordaram as partes, faltando executar vários trabalhos e, não obstante, a A abandonou a obra – pese os contactos feitos pelos RR para a concluir ‑, numa altura em que, a despeito dessa falta de conclusão de trabalhos, os mesmos tinham já pago a quase totalidade da quantia prevista no contrato, à excepção de € 17.500,00.</font><br>
<font>Prosseguindo, mais alegam os RR que a A não voltou à obra, evidenciando, assim, a sua vontade em a abandonar, pelo que os trabalhos se mantêm parados desde essa altura. </font><br>
<font>E de seguida, dando por reproduzidos os fundamentos já vertidos na contestação, deduzem pedido reconvencional, enunciando os trabalhos que a A. não fez e aqueles que se encontram deficientemente realizados, acrescentando ainda que a mesma deixou caducar a licença da obra.</font><br>
<font>Concluem os RR. que têm direito à resolução do contrato, com a consequente indemnização, correspondente ao montante que eles terão de despender para concluírem os trabalhos, que, por ser ainda desconhecido, relegam para execução de sentença, para além dos prejuízos de ordem moral que sofreram e continuam a sofrer em virtude da não utilização da casa, em razão de a A. a não concluir, a título do que reclamam desta última € 10.000,00 de quantitativo indemnizatório.</font><br>
<font>A A. apresentou, por sua vez, resposta às excepções deduzidas pelos RR. e, bem assim, contestação ao pedido reconvencional, dizendo que não corresponde à verdade o alegado pelos mesmos.</font><br>
<font>No que respeita ao prazo para execução da obra, alega que não foi convencionado qualquer prazo, o que deverá ser decidido nos termos do art. 777.º do CC, sendo certo que ela, A., sempre se disponibilizou a concluir a obra em prazo razoável e sendo que o atraso na conclusão da mesma tem subjacente o não pagamento, por parte dos RR., do preço.</font><br>
<font>Acrescenta que nunca abandonou a obra e realizou os trabalhos contratados.</font><br>
<font>Conclui assim que deverá improceder o pedido reconvencional, sendo certo que, em relação aos alegados defeitos de construção, nada poderão os RR exigir nesta sede, dado que apenas depois da conclusão da empreitada, nos termos do art. 1218.º do CC, o dono de obra dispõe de prazo para verificação e comunicação dos defeitos ao empreiteiro e, por outro lado, nenhuma responsabilidade tem ela, A., na alegada produção de danos aos RR., na medida em que apenas a sua actuação determinou que a obra não fosse concluída, não se verificando também os pressupostos para a resolução do contrato nos termos do art. 471.º do CC, dado que eram os mesmos RR que, à data da suspensão, se encontravam em mora.</font><br>
<font>Os RR apresentaram tréplica,</font><br>
<font>Seguindo os autos os seus normais trâmites, teve lugar a audiência de julgamento, no culminar da qual foi proferida sentença na qual se decidiu “</font><i><font>julgar a acção improcedente e, em consequência absolver os réus BB e mulher do pedido.</font></i><br>
<i><font>Julgar parcialmente procedente a reconvenção, e, em consequência, declarar que entre autora “AA Lda.” e os réus BB e CC, foi celebrado um contrato de empreitada para a construção de uma habitação, decretando-se a resolução deste contrato com culpa exclusiva da autora.</font></i><br>
<font>Absolver a autora “AA Lda.” dos demais pedidos contra si deduzidos pelos réus BB e CC”..</font><br>
<font>Desta sentença interpôs a A recurso de apelação tendo por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra sido decidido, na improcedência do recurso, confirmar a sentença recorrida.</font><br>
<br>
<b><font>II.</font></b><font> Inconformada interpôs a A, ao abrigo do disposto no artigo 721º-A, nº 1, alínea c) CPC, o presente recurso de revista excepcional o qual foi admitido pelo acórdão da formação constante de fls. 512 a 517.</font><br>
<font>A recorrente apresentou as suas alegações que constam de fls.</font><i><font> </font></i><font>461 a 479, cujas conclusões aqui se dão por integralmente reproduzidas.</font><br>
<font>Dessas conclusões resultam colocadas as seguintes questões:</font><br>
<font>a) a de saber se no caso de se não fazer referencia no contrato de empreitada à inclusão (ou não) do IVA se deve considerar que o preço acordado já o incorpora ou se, pelo contrário, esse imposto lhe acrescerá (esta primeira questão incorpora, em si mesma, uma sub-questão que é a de saber sobre quem recai ónus da prova sobre a incorporação ou não do IVA no preço acordado);</font><br>
<font>b) decidida esta questão coloca-se a de saber se deve ou não manter-se a condenação da A no pedido reconvencional.</font><br>
<br>
<b><font>III. FACTOS</font></b><br>
<font>‑ A A exerce de forma habitual e lucrativa a actividade de construção civil, o que constitui o seu escopo empresarial (alínea A) dos factos assentes).</font><br>
<font>‑ No exercício da actividade profissional desenvolvida pela A., esta acordou com os RR., em 17 de Março de 2007, designadamente o seguinte:</font><br>
<i><font>“O primeiro outorgante compromete-se a executar a construção de uma moradia para o 2.º outorgante bem como se responsabiliza pelo cumprimento de todas as normas e medidas que constam e fazem parte do projecto; é de referenciar que o azulejo e mosaico é à escolha até 12.50€/m2.</font></i><br>
<i><font>No que se refere à mão-de-obra e materiais para aplicação na referida obra, o 2.º outorgante compromete-se a pagar pela execução da ordem de trabalhos abaixo mencionados a quantia de 135.000,00€ (cento e trinta e cinco mil euros), entregues da seguinte forma:</font></i><br>
<br>
<font>- Ao assinar o contrato: 7.500,00€</font><br>
<font>- Ao iniciar a obra: 20.000,00€</font><br>
<font>- Conclusão da laje térrea: 10.000,00€</font><br>
<font>- Conclusão da laje de tecto; 27.500,00€</font><br>
<font>- Após telhado arrematado: 30.000,00€</font><br>
<font>- Após reboco e assentamento de azulejo: 22.500,00€</font><br>
<font>- Após colocação de portas exteriores e janelas: 12.500,00€</font><br>
<font>- Entrega de obra pronta; 5.000,00</font><br>
<i><font>- Total - 135.000,00 (alínea B) dos factos assentes).</font></i><br>
<font>‑ A A emitiu as seguintes facturas, que entregou aos RR.:</font><br>
<font>- factura n.º 116, datada de 11/12/2007, no valor de € 18.150 (dezoito mil cento e cinquenta euros);</font><br>
<font>- factura n.º 126, datada de 4/01/2008, no valor de € 21.175 (vinte e um mil cento e setenta e cinco euros);</font><br>
<font>- factura n.º 153, datada de 15/04/2008, no valor de € 18.150 (dezoito mil cento e cinquenta euros);</font><br>
<font>- factura n.º 250, datada de 19/12/2008, no valor de € 50.400 (cinquenta mil e quatrocentos euros);</font><br>
<font>- factura n.º 271, datada de 20/02/2009, no valor de € 25.800 (vinte e cinco mil e oitocentos euros);</font><br>
<font>- factura n.º 310, datada de 4/04/2009, no valor de € 22.800 (vinte e dois mil e oitocentos euros) (alínea C) dos factos assentes).</font><br>
<font>‑ Para pagamento dos trabalhos realizados, os RR entregaram à A o montante de € 117.500 (cento e dezassete mil e quinhentos euros), da seguinte forma:</font><br>
<br>
<font>- em 31/07/2007, o valor de € 27.500;</font><br>
<font>- em 21/10/2007, o valor de €10.000;</font><br>
<font>- em 27/11/2007, o valor de € 7.500;</font><br>
<font>- em 21/12/2007, o montante de € 20.000;</font><br>
<font>- em 19/02/2008, o montante de € 15.000;</font><br>
<font>- em 19/03/2008, o montante de € 10.000;</font><br>
<font>- em 25/11/2008, o montante de € 10.000;</font><br>
<font>- em 31/12/2008, o montante de € 17.500 (alínea D) dos factos assentes).</font><br>
<br>
<font>‑ Em 8/06/2009, o R. remeteu uma carta à A., que esta recebeu, e da qual consta, designadamente, o seguinte:</font><br>
<i><font>“Na qualidade de dono da obra que por mim lhe foi adjudicada, o prazo de conclusão desta terminou em Março de 2009, como é do seu conhecimento.</font></i><br>
<i><font>A demora não é da minha responsabilidade.</font></i><br>
<i><font>Assim venho notificá-lo para que a conclusão da minha obra deverá acontecer até ao próximo dia 30 de Junho, fazendo-se nessa data a recepção provisória da mesma, seguida de vistoria, de forma a podermos lavrar o auto de recepção definitiva.</font></i><br>
<i><font>Findo esse prazo, se a obra não estiver pronta, será a Sociedade Adjudicatária responsabilizada pelo pagamento da multa diária de 500,00 euros, por cada dia de atraso.” (alínea E) dos factos assentes).</font></i><br>
<font>‑ Em 15/07/2009, a A remeteu uma carta ao R., que este recebeu, e da qual consta, designadamente, o seguinte:</font><br>
<i><font>“ (…) Vimos pela presente comunicar-lhe que com base na mora de v/Ex. não procederemos ao cumprimento da prestação seguinte, enquanto esta não cessar.</font></i><br>
<i><font>Ou seja, com fundamento na excepção do não cumprimento, com previsão no art. 428º do Código Civil, consideramos que o prazo para a conclusão da obra ficará suspenso pelo período de tempo que perdurar o não cumprimento das prestações vencidas até à presente data, no valor global de €38.975, acrescido de juros de mora vencidos à taxa legal em vigor.</font></i><br>
<i><font>Mais, desde já declina qualquer responsabilidade por defeitos provenientes da interferência de outras empresas com a execução de trabalhos realizados durante o desde data do vencimento da última prestação (04/06/2009), prolongando-se até final do período de tempo em que durar a suspensão dos trabalhos.” (alínea F) dos factos assentes).</font></i><br>
<font>‑ A obra referida em B) deveria respeitar o projecto e o caderno de encargos aprovado pela Câmara Municipal de T... (alínea G) dos factos assentes).</font><br>
<font>‑ Em 29/09/2009, o R. remeteu uma carta à A., que esta recebeu, da qual consta, designadamente, o seguinte:</font><br>
<i><font>“ (…) Junto lhe envio 2 relatórios, elaborados por 2 gabinetes de engenharia distintos, que fiscalizaram a obra que lhe adjudique, e que constataram e apontam defeitos e trabalhos por executar.</font></i><br>
<i><font>Notifico V. Exa. que deverá no prazo de dez dias após a recepção desta carta, retomar os trabalhos e concluí-los, sem parar.</font></i><br>
<i><font>Igualmente o notifico de que considero que se no fim do 10º dia, não retomar os trabalhos, que não é sua intenção fazê-lo, e por essa razão conclui-los-ei, apresentando-lhe em seguida a respectiva factura.” (alínea H) dos factos assentes).</font></i><br>
<font>‑ No dia 31/12/2008, os RR entregaram à A. um cheque no valor de € 2.800 (dois mil e oitocentos euros), para pagamento dos trabalhos realizados por esta (resposta ao facto 6º da base instrutória).</font><br>
<font>‑ Em Março de 2009, na obra dos réus, faltava executar a colocação de portas interiores e janelas, fazer os roupeiros e colocá-los, assentar o soalho em madeira nos quartos, salas e corredor e concluir as ligações da rede de esgotos domésticos (resposta ao facto 7º da base instrutória).</font><br>
<font>‑ Em Março de 2009 a autora deixou a obra dos réus, não mais retomando os trabalhos (resposta ao facto 8º da base instrutória).</font><br>
<font>‑ Relativamente aos trabalhos efectuados pela autora verifica-se na casa dos réus o seguinte: uma ligeira ondulação da cornija a nível do alçado principal; o tecto dos alpendres está executado em PVC, quando, de acordo com o projecto, deveria ser executado em madeira; falta de esquadria em todas as divisões; paredes revestidas a granito sem sancas e remate ao tecto; rodapés mal aplicados, nomeadamente na sala; na sala está previsto soalho em madeira e foram aplicados mosaico e pinturas mal executadas nos quartos e salas (resposta ao facto 9º da base instrutória).</font><br>
<font>‑ A licença caducou no final do prazo, sem ter sido renovada pela autora (resposta ao facto 12º da base instrutória).</font><br>
<font>‑ O montante referido em 6) destinava-se ao pagamento de granito amarelo escacilhado e respectiva aplicação numa parede da cozinha, numa parede da sala e nas paredes laterais do hall de entrada, obra que o projecto de arquitectura não contempla e que foi adjudicada como extra ao acordado (resposta ao facto 16º da base instrutória).</font><br>
<br>
<b><font>IV. Do mérito -</font></b><br>
<font>Tal como vem enunciada nas decisões (conformes) das instâncias a primeira e central questão que se coloca, e sempre se colocou nos autos, é a de saber se o preço inscrito no contrato de empreitada firmado entre as partes já incluía, ou não, o valor respeitante a incidência do IVA, sendo certo que a posição da A ao exigir a condenação dos RR no pedido se suporta na não inclusão do IVA no preço referido no contrato (o contrato é nesse ponto omisso), enquanto os RR se defendem e reconvêm alegando a existência de um acordo no sentido de ter sido acordada a inclusão do IVA no preço estipulado</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> e que houve incumprimento da A ao suspender os trabalhos com fundamento na falta de pagamento do IVA. </font><br>
<font>Perante os factos articulados foi elaborada a Base Instrutória e nela, entre outros, foi formulado o quesito ou ponto de facto n.º 5 no qual se perguntava:</font><br>
<i><font>‑ “O preço acordado foi de € 135.000 (cento e trinta e cinco mil euros), ao qual acresce IVA á taxa legal em vigor?”</font></i><a><b><i><u><sup><font>[2]</font></sup></u></i></b></a><i><font>.</font></i><br>
<font>A este quesito foi dada a resposta de “Não Provado” e com base em tal fundamento, julgaram as instancias a pretensão da A (recorrente) improcedente</font><i><font>, “na medida em que não logrou demonstrar qualquer incumprimento, ou qualquer situação de mora, por parte dos RR., no que à alegada obrigação de pagamento respeitava”.</font></i><font> </font><br>
<font>Porque elucidativa do entendimento que esteve na base da decisão contida na sentença (confirmada pelo acórdão recorrido transcrevemos esta passagem da mesma:</font><i><font> “No caso presente, decorre com toda a clareza, da matéria de facto provada, que foi convencionado e acordado o valor de € 135.000,00 para a empreitada contratada.</font></i><br>
<i><font>O que está em discussão, quanto a este aspecto, é apenas saber se nesse valor se deve considerar como já incluído o IVA respectivo, ou se o mesmo deve acrescer a tal valor, sendo certo que nada se apurou acerca de tal questão.</font></i><br>
<i><font>Isto porque, não logrou a autora demonstrar, como alegou, que o preço de € 135 000 era sem IVA incluído.</font></i><br>
<i><font>Com efeito, e pelos motivos que já deixámos expostos na motivação da resposta à matéria de facto, designadamente na resposta dada ao facto 5º da base instrutória, consideramos que a autora não provou o por si alegado no que respeita ao preço, quer dizer que os € 135 000 eram sem IVA incluído, ou seja, a posição por si sustentada no que a este se reporta.</font></i><br>
<i><font>Importará, quanto a este aspecto, esclarecer, e tal como, aliás, foi também a perspectiva da Exma. Colega que seleccionou os factos que integram a base instrutória nessa perspectiva, que é nosso entendimento que o ónus de provar que o preço de € 135 000 seria acrescido de IVA, recaía sobre a autora.”</font></i><br>
<font>A improcedência da acção e parcial procedência da reconvenção decorre, no contexto assinalado e sufragado pela Relação, da circunstância de a A não ter provado que o preço estipulado não incluía o IVA, sendo que este entendimento, que fez vencimento nas decisões das instancias, contraria, como veremos, a jurisprudência dominante deste STJ.</font><br>
<font>Relativamente ao que vem sendo esse entendimento dominante no STJ, desde logo quanto à repartição do ónus da prova, consagrou-se no acórdão de 23/11/2011 (relator Conselheiro Nuno Cameira) que </font><i><font>“alegando os donos da obra que o preço acordado incluía o IVA, deduzem excepção por se tratar de facto impeditivo do direito do A</font></i><a><b><i><u><sup><font>[3]</font></sup></u></i></b></a><i><font>”</font></i><a><b><i><u><sup><font>[4]</font></sup></u></i></b></a><font>, entendendo-se, nesse aresto, que na estrutura da relação jurídico fiscal o devedor de facto ou devedor principal é o </font><b><font>contribuinte de facto</font></b><font>, o adquirente dos bens ou serviços, aparecendo nessa mesma relação o </font><b><font>contribuinte de direito</font></b><font> (prestador dos serviços ou fornecedores dos bens) como responsável pela cobrança e liquidação</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font>. Na lógica da posição que fez vencimento neste acórdão, e ao contrário do decidido no acórdão </font><i><font>sub judicio,</font></i><font> deve partir-se do princípio que o facto de no contrato se não referir o IVA apenas pode significar que o preço contratualmente estipulado não incluiu o montante relativo àquele imposto</font><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Independentemente da questão da formulação do quesito e perante a inexistência de outra factualidade alegada que possa dar lugar a ampliação da base instrutória perspectivada no sentido do apuramento da vontade real das partes quanto à inclusão ou não do IVA no preço contratualmente estipulado, estamos finalmente colocados perante a questão de saber quais as consequências a retirar da circunstancia de o contrato ser omisso quanto à incidência do IVA, reconhecendo-se desde já que nenhum impedimento legal existe a que as parte contratantes estipulem qual delas deve ser a responsável de facto pelo pagamento</font><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Com efeito, e na linha do sustentado no acórdão supracitado, nada impossibilita que no quadro das relações (internas) contratuais se estabeleça um acordo – no caso entre empreiteiro e dono da obra – no sentido de que o preço englobe o imposto uma vez que um tal acordo não contrariará nenhuma norma legal imperativa, seja quanto à forma, à perfeição ou ao objecto da declaração negocial (artigos 219º e seguintes, 224º e seguintes e 280º e seguintes CC).</font><br>
<font>Acompanhamos esta a posição que, mais recentemente, vem sendo maioritária neste STJ, isto é, a posição que entende que na falta de estipulação em contrário a omissão relativa à integração no preço estipulado do IVA devido o adquirente de serviços não isento de IVA deve entregar ao prestador de serviços o imposto sobre o consumo em causa, recaindo, apesar disso e nos termos legais, sobre este ultimo, na condição de contribuinte passivo, a sua liquidação ao fisco.</font><br>
<font>Várias são as razões que alicerçam a nossa posição desde logo sendo pertinente lembrar que o IVA (imposto sobre o valor acrescentado) é, de acordo aliás com a sua nomenclatura, um imposto indirecto plurifásico, proporcional e não cumulativo que incide sobre as sucessivas fases do processo de produção e consumo através do método designado por subtractivo indirecto, tributando, regra geral e fora dos casos excepcionais previsto no CIVA, todos os actos de consumo e recaindo, conforme a sua estruturação lógica, no fim do processo de produção e consumo, sobre o consumidor final.</font><br>
<font>A incidência deste imposto sobre os preços pode ser convencionada contratualmente na modalidade de </font><b><font>IVA incluído </font></b><font>ou de </font><b><font>IVA a acrescer</font></b><font>, sendo que de acordo com a posição que defendemos, sustentada nomeadamente no disposto no artigo 36º nº 1 CIVA (a</font><i><font> importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura ou documento equivalente para efeitos da sua exigência ao adquirente dos bens ou serviços)</font></i><font>, e na linha do que antes tivemos ocasião de referir, se deve entender que caso se não demonstre que foi estipulada por vontade das partes a modalidade IVA incluído (o onus da prova recai sobre o adquirente) se deve concluir que a modalidade aplicável é a de IVA a acrescer.</font><br>
<font>Na verdade tratando-se de um imposto sobre o consumo que onera, como já referimos, na sua estrutura finalística o consumidor final (no contrato de empreitada o IVA recai sobre o dono da obra) está ele, salvo estipulação em contrário, obrigado, enquanto sujeito passivo e contribuinte de facto, a entregar ao empreiteiro a importância correspondente ao IVA devido (recorda-se que nos termos do disposto no artigo 7º, nº 1, alínea b) CIVA o imposto é devido e torna-se exigível no momento da realização das prestações de serviços). </font><br>
<font>Refira-se, ainda e também, que em todos os casos e sobretudo quando o IVA incide sobre prestações de serviços (situação em que o mesmo se torna devido a partir da realização da prestação de serviços) se dispõe que (artigo 36º CIVA</font><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font>) a importância do imposto liquidado deve ser</font><b><font> adicionada</font></b><font> ao valor da factura ou documento equivalente daqui resultando, na medida em que a importância relativa ao IVA não está incluída no preço, mas acresce (adiciona-se) ao preço, um decisivo argumento no sentido de que o legislador fez prevalecer a modalidade de IVA a acrescer sobre a modalidade IVA incluído, modalidade que apenas será aplicável no caso de demonstração de acordo nesse sentido.</font><br>
<font>Acrescente-se, ainda, em sustentação da posição que vimos defendendo que, dada a cada vez maior relevância económica da incidência do IVA, não pode deixar de ter-se em conta que, por via de regra e segundo o </font><i><font>“quod plerumque accidit”</font></i><font>, o valor do IVA deve ser considerado como elemento decisivo para a formação da vontade de contratar não fazendo sentido que o adquirente de bens ou serviços parta do pressuposto que o preço orçamentado incluía o IVA e dispense qualquer referência nesse sentido no contrato celebrado.</font><br>
<font>Assim e concluindo, o facto de no contrato nada se referir quanto ao IVA e o facto de nada se ter provado a esse propósito apenas significa que o valor contratual estipulado não incluía aquele imposto, estando-se perante uma situação comum de IVA a acrescer (artigos 7º e 36º CIVA).</font><br>
<font>Desta forma e em consonância com as regras jurídicas da hermenêutica contratual, não se colocando a hipótese de estarmos perante uma situação de isenção de IVA, torna-se, na linha do exposto e perante uma situação em que os RR - enquanto consumidores finais - foram adquirentes dos serviços prestados no contexto do contrato de empreitada, evidente que estavam e estão eles RR obrigados ao pagamento do imposto (IVA) que incide sobre o preço a pagar pelos serviços de construção que adquiriram</font><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font>, em montante que totaliza € 22475,00</font><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font>.</font><br>
<font>Por esta razão se discorda em absoluto com o entendimento das instâncias em sentido contrário ou seja no sentido de que a A (recorrente) nada podia exigir dos RR a título de IVA, devendo, em consequência ser, nesse segmento concedida a revista.</font><br>
<font>Na sequencia desta decisão e como consequência necessária da mesma deve ser igualmente concedida a revista relativamente ao segmento em que se condena parcialmente a A no pedido reconvencional ou seja em que declara resolvido o contrato de empreitada por culpa exclusiva da A.</font><br>
<font>Na verdade a sentença, e o acórdão que a confirma, na sequencia do entendimento e no (errado) pressuposto que os RR nada deviam à A (nomeadamente a quantia exigida pela A e relativa a IVA) decidiu julgar resolvido o contrato de empreitada por considerar que a suspensão dos trabalhos decidida pela A com fundamento no alegado não pagamento da importância reclamada era destituída de todo o fundamento.</font><br>
<font>Na ausência desse pressuposto óbvio se torna, mostrando-se impertinente qualquer outra justificação sustentadora deste juízo, que é destituída de qualquer fundamento o segmento das decisões das instancias em que foi decretada resolução do contrato de empreitada por culpa exclusiva da A. Com efeito demonstrado o incumprimento parcial (mora) por parte dos RR (donos da obra) era legitima a recusa temporária da prestação por parte da empreiteira, nos termos do disposto no artigo 428º nº 1 CC</font><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font>, através da invocação da </font><i><font>exceptio non rite adimpleti contractus.</font></i><br>
<b><font>DECISÃO – </font></b><font>com fundamento no que fica exposto acorda-se em conceder a revista e, em consequência, decide-se:</font><br>
<br>
<b><font>a) Condenar os RR BB e mulher a pagarem à A a quantia de € 22475,00 relativa ao IVA que incide sobre os serviços prestados e facturados, nos termos referidos, quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento;</font></b><br>
<b><font>b) Absolver a A do pedido reconvencional.</font></b><br>
<b><font> </font></b><br>
<br>
<font>Custas deste recurso pelos recorridos.</font><br>
<font>Custas nas instâncias por A (reconvinda) e RR (reconvintes) na proporção do decaimento. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 4 de Junho de 2013</font><br>
<font> </font><br>
<font>Mário Mendes (Relator)</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font> </font>
</font><p><font><font>____________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Na posição da A a modalidade seria a de IVA a acrescer e na posição dos RR a modalidade seria a de IVA incluído.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Considerando a formulação do quesito conclui-se que se partiu do pressuposto que o ónus da prova recairia sobre a A.</font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Em sentido contrário o acórdão de 19.5.2010 de que é relator o Conselheiro João Camilo, do qual., com todo o respeito, se discorda uma vez que, ao contrário do que ali se defende, o montante do IVA peticionado não se deve considerado, independentemente das consequências económicas, como um direito do A mas tão só o cumprimento de uma obrigação deste enquanto contribuinte de direito, responsável pela cobrança e liquidação do imposto.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Posição no mesmo sentido está subjacente aos acórdãos deste STJ de 27.3.03 e 22.4.04, respectivamente (relator Conselheiro Boavida Barros) e 28.5.2002 (relator Conselheiro Joaquim de Matos).</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> V. Acórdão do STJ, de 31.3.2009 do qual é igualmente relator o Conselheiro Nuno Cameira.</font><br>
<a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><font> Como refere Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, páginas 411 a 421) todas as obrigações que recaem sobre o sujeito passivo – liquidação, cobrança e entrega do imposto cobrado – são acessórias na medida em que não constituem um dever de pagamento do imposto (esse dever recai sobre o contribuinte de facto) mas apenas o dever de cumprimento de obrigação de cooperação com o fisco no sentido da viabilização do imposto devido.</font><br>
<a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font> Neste sentido o acórdão deste STJ, de 30/6/2011 (relator Cons. Álvaro Rodrigues).</font><br>
<a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><font> Estamos no campo dos direitos disponíveis e a lei fiscal nada impõe nesse domínio estabelecendo mesmo (artigo 72º CIVA) uma responsabilidade solidária dos contribuintes de facto e de direito.</font><br>
<a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><font> Na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 102/2008, de 20/6.</font><br>
<a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><font> Acompanha-se o decidido no acórdão de 30.6.2011, já citado na nota 6.</font><br>
<a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><font> Sobre as facturas de 31/7/2007, 21/10/2007/ 27/11/2007, 21/12/2007, 19/2/2008 e 19/3/2008 à taxa legal de 21% e sobre as facturas de 26/11/2008 e 31/12/2008 à taxa legal de 20%.</font><br>
<a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><font> V. na doutrina (por todos) JJAbrantes “ A excepção de não cumprimento do contrato”, 1986, páginas 51 e seguintes e na jurisprudência (por todos) o acórdão deste STJ, de 9/12/1982, BMJ 322/321.<br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OzKju4YBgYBz1XKvHCUy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- No Tribunal de Competência Cível de Vila Nova de Famalicão, foi instaurado um processo de promoção e protecção, em 17/6/2009, pelo</font><b><font> Digno Magistrado do Ministério Público </font></b><font>a favor da menor </font><b><font>AA</font></b><font>, nascida a … de …de ….</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por sentença desse Tribunal de 14-7-2011, foi decidido decretar a favor da menor a requerida medida. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu </font><u><font>a mãe da menor</font></u><font> para o Tribunal da Relação do Porto, recurso que foi admitido como apelação no tribunal recorrido (fls. 625).</font>
</p><p><font> Porém, por despacho do Exmº Desembargador da Relação do Porto, o recurso, após audição das partes, não foi admitido por se reputar extemporâneo (fls. 637 e 638).</font>
</p><p><font> Discordando desta decisão, a mãe da menor pediu, nos termos do art. 700º nº 2 do C.P.Civil, que sobre o dito despacho incidisse acórdão.</font>
</p><p><font> Enviados os autos à conferência, por acórdão de 28-3-2012, foi indeferida a reclamação e mantido o despacho reclamado.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a mãe da menor para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Considerou o acórdão recorrido não poder conhecer do recurso interposto pela recorrente, com fundamento na circunstância de ter já decorrido o prazo para a sua interposição e apresentação das respectivas alegações, concluindo pela sua extemporaneidade. </font>
</p><p><font> 2ª- É contudo entendimento da recorrente que face ao disposto no nº 9 do artigo 685° do CPC., beneficia do alargamento do prazo para a interposição de recurso e apresentação das respectivas alegações; </font>
</p><p><font> 3ª- Para análise da questão subjacente interessa saber que desde o dia 16 de Julho de 2007 e após 4 anos de vivência de episódios de violência doméstica infligidos pelo progenitor da menor AA, a progenitora, levando a sua filha, abandonou a habitação onde residia com o mesmo, desconhecendo desde então qual a situação do progenitor, nomeadamente o local da sua residência e as suas condições socioeconómicas; </font>
</p><p><font> 4ª- A progenitora reside actualmente na Rua ..., nº …, Vila Nova de Famalicão e, o progenitor, conforme consta dos autos, mantém a sua residência na habitação que foi casa de morada de família, no Lugar de …, …, …;</font>
</p><p><font> 5ª- Em 14 de Julho de 2011 foi proferida decisão da 1ª instância no âmbito do processo judicial de Promoção e Protecção relativo à menor AA, promovido pelo Ministério Público contra ambos os progenitores da menor, BB e a aqui recorrente, que determinou a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção da menor; </font>
</p><p><font> 6ª- A progenitora, aqui recorrente, foi notificada desta decisão através da sua mandatária constituída que esteve presente no indicado dia para leitura da sentença, e pessoalmente, através de carta registada recepcionada em 21 de Julho de 2011; </font>
</p><p><font> 7ª- O progenitor da menor, não tendo constituído mandatário, interveio uma única vez nos autos do processo de promoção e protecção da menor realizado em 1ª instância por carta precatória através o Tribunal da Comarca de Peso da Régua, tendo sido pessoalmente notificado no local da sua residência para prestar declarações no âmbito do disposto no artigo 107° da Lei 147/99 de 1 de Setembro; </font>
</p><p><font> 8ª- O progenitor não esteve presente no dia da leitura da sentença, pelo que tomou conhecimento do seu conteúdo por notificação pessoal no local de sua residência em 14 de Outubro de 2011, como impõe o nº 1 do artigo 255° do C.P.C.; </font>
</p><p><font> 9ª- Em 02 de Novembro de 2011 a recorrente deu entrada com requerimento de interposição de recurso e apresentou as respectivas motivações junto do Tribunal da Relação do Porto. </font>
</p><p><font> 10ª- Por despacho judicial proferido na 1ª instância foi o recurso interposto admitido, sob condição do pagamento de multa prevista no artigo 155° do CPC, por ter sido apresentado no primeiro dia útil seguinte ao decurso do prazo; </font>
</p><p><font> 11ª- A 04 de Fevereiro de 2012 foi a recorrente notificada do despacho preliminar proferido pelo Desembargador Relator com competência no Tribunal da Relação do Porto, decidindo pela rejeição do recurso por considerar extemporânea a sua apresentação; </font>
</p><p><font> 12ª- Após requerido pela recorrente que sobre a matéria fosse proferido acórdão pela Conferência do Tribunal de recurso, foi a mesma notificada a 02 de Abril do indeferimento da reclamação apresentada pela recorrente, mantendo-se o despacho que rejeitou o recurso. </font>
</p><p><font> 13ª- Considera a recorrente ter o Tribunal da Relação do Porto violado norma da lei do processo na interpretação que faz do nº 9 do artigo 685°, o que conduz à nulidade do acórdão recorrido - alínea b) do artigo 722° do CPC.; </font>
</p><p><font> 14ª- A actual lei processual civil faz coincidir no tempo o dever de apresentar o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações, - artigo 684°-B nº 2 do CPC., razão pela qual, quando o nº 9 do indicado artigo 685°, se reporta a " ... vários recorrentes ou vários recorridos ... " pretende referir-se a qualquer um dos vencidos, e, portanto, "potenciais recorrentes" bastando para tanto, que exista uma pluralidade de requeridos - como é o caso dos autos, em que ficaram vencidos ambos os progenitores da menor, relativamente aos quais, dada a inexistência de vida em comum há mais de cinco anos, sem qualquer contacto pessoal ou de qualquer outra natureza, permite concluir pela impossibilidade de tomar a recorrente conhecimento antecipado da intenção do progenitor recorrer da decisão proferida. </font>
</p><p><font> 15ª- A luz do actual regime de recurso aos tribunais superiores, inexistem momentos distintos para interposição de recurso e para apresentação de alegações, o que impede a recorrente de qualificar os restantes vencidos senão durante o decurso do prazo único estipulado na Lei - 30 dias após notificação da decisão judicial -, pois certo é que, na verdade, os vencidos, só assumem a qualidade de recorrentes aquando da interposição de recurso, prazo que, coincidindo com a apresentação das alegações, impede um conhecimento prévio da existência de outros recorrentes. </font>
</p><p><font> 16ª- Daí que, devendo as respectivas alegações ser apresentadas com o requerimento de interposição num prazo equivalente e coincidente, a eventualidade de existirem outros vencidos com direito a recorrer da decisão, no entendimento da recorrente, permite a aplicação do disposto no nº 9 do citado artigo 685° do CPC, que fixa um único prazo para apresentação das alegações, o qual, no caso dos autos apenas poderia iniciar após a notificação pessoal do progenitor da menor. </font>
</p><p><font> 17ª- Razão pela qual considerou a recorrente que, apesar de notificada da decisão em 14 de Julho de 2011, a notificação do progenitor da menor a 14 de Outubro de 2011, determinou que o prazo para apresentação das respectivas alegações terminasse apenas nos 30 dias seguintes a esta notificação, permitindo à recorrente beneficiar de um alargamento do prazo até 31 de Outubro de 2011 ou nos três dias úteis seguintes sob cominação legal - como ocorreu no caso dos autos; </font>
</p><p><font> 18ª- Se assim não for considerado, afigurar-se-á totalmente inútil a matéria constante do nº 9 do artigo 685°, a qual nunca terá aplicação prática dada a inexistência de momentos distintos para a apresentação no Tribunal recorrido do requerimento de interposição e apresentação de alegações, ou seja, nunca se poderá antecipadamente ter conhecimento se existem outros recorrentes a não ser no prazo de apresentação das alegações. </font>
</p><p><font> 19ª- Por outro lado diga-se que, a seguir-se a posição exposta no douto Acórdão recorrido, manter-se-á as situações que o nº 9 do mencionado normativo procurou eliminar, quando é certo que, em tais circunstâncias, será mantida a existência de prazos sucessivos para cada um dos vencidos, com todos os inconvenientes que tal acarreta na marcha dos processos e com evidente prejuízo para o cidadão comum, assim como para o próprio sistema judicial. </font>
</p><p><font> 20ª- No caso dos autos, o progenitor da menor, vencido tal como a recorrente, não apresentou requerimento de interposição de recurso, mas a Lei atribuía-lhe tal direito que apenas poderia ser materializado após a sua notificação pessoal, ocorrida apenas em 14 de Outubro de 2011. </font>
</p><p><font> 21ª- A considerar-se extemporânea a interposição de recurso e apresentação das respectivas motivações da recorrente, estará o Tribunal recorrido a violar o disposto no nº 9 do artigo 685°, cuja disposição é inequívoca quando estabelece a existência de um único prazo para apresentação das alegações, prazo que necessariamente terá que iniciar-se após a última notificação da decisão judicial que se pretende colocar em crise.</font>
</p><p><font> 22ª- Com a devida vénia e o devido respeito pela interpretação proferida na 2ª instância, não se entende como se pode considerar como requisito essencial para o alargamento do prazo da recorrente, a existência de vários recorrentes, quando o momento de interposição coincide com o momento da apresentação das alegações. </font>
</p><p><font> 23ª- Não tem a recorrente qualquer possibilidade de antecipar a verificação de tal requisito, podendo apenas, face à pluralidade de partes intervenientes no processo, considerar como viável a verificação dessa circunstância, sendo inadmissível que o facto de ela não vir a verificar-se, por depender da livre vontade da outra parte, ficar prejudicado o direito de recurso da recorrente. </font>
</p><p><font> 24ª- Seguindo-se a interpretação do Acórdão recorrido, estaríamos perante a existência de dois prazos sucessivos para apresentação das alegações, impendendo sobre a recorrente a obrigação de apresentar as suas alegações até 31 de Julho e, posteriormente, o progenitor da menor ate 31 de Outubro de 2011, o que resultaria numa situação que o nº 9 do artigo 685° pretende eliminar, ou seja a existência de prazos sucessivos para apresentação das alegações, com o consequente atraso injustificado dos processos. </font>
</p><p><font> 25ª- Resulta da interpretação da posição assumida pelo Acórdão recorrido, que a matéria constante do nº 9 do citado normativo nunca se subsumirá a qualquer situação concreta, sendo totalmente inútil e mesmo, desprezível, por configurar a possibilidade de permitir situações como a dos autos, preterindo direitos fundamentais e constitucionais como é o direito da recorrente ao recurso, causando uma indesejável insegurança e incerteza jurídicas. </font>
</p><p><font> 26ª- A interpretação constante do Acórdão recorrido quanto ao indicado normativo, estriba-se numa interpretação objectiva e literal, quando qualifica como recorrentes apenas os que apresentam requerimento de interposição e só desta forma assumem aquela qualidade. </font>
</p><p><font> 27ª- Tal interpretação, no confronto com o actual regime legal dos recursos, - nomeadamente a fixação de um prazo de recurso, com apresentação simultânea do requerimento de interposição e das respectivas alegações que não permite em caso de pluralidade de vencidos, saber antecipadamente quem vai assumir tal qualidade -, torna inaplicável a matéria constante do normativo em análise, e em consequência, prejudica irremediavelmente o direito da recorrente em obter uma segunda opinião sobre a decisão judicial recorrida. </font>
</p><p><font> 28ª- O requerimento de interposição de recurso depende da data de notificação da decisão proferida, que poderá ocorrer em momentos diferentes para cada um dos vencidos, e tendo em consideração que o actual regime de recursos determina que o requerimento de interposição de recurso deve desde logo, incluir a alegação do recorrente, nunca existirá um hiato temporal entre a assunção da qualidade de recorrentes e a apresentação das alegações, a fim de permitir que o prazo destas seja único para todos os recorrentes, tal como prevê o nº 9 do artigo 685° do CPC. </font>
</p><p><font> 29ª- Razão pela qual não vislumbra a recorrente outra interpretação daquele normativo, senão aquela que permite considerar como recorrentes todos os que ficaram vencidos com a decisão judicial e, por tal circunstância, lhes ser atribuído por Lei a possibilidade de sujeitar a decisão proferida a uma nova decisão pelas instâncias judiciais superiores, direito que, como qualquer outro, poderá não ser exercido na prática, sendo a existência de uma pluralidade de partes o que importa para se verificar a aplicação do nº 9 do artigo 685° do CPC.; </font>
</p><p><font> 30ª- Finalmente, resulta que o objectivo primordial do constante no nº 9 do citado artigo 685° do CPC., é evitar a permanência injustificada dos processos na 1ª instância a aguardar pelo decurso de prazos sucessivos para apresentação das alegações em caso de pluralidade de recorrentes. </font>
</p><p><font> 31ª- Em primeiro lugar dir-se-á que a recorrente, no seguimento da interpretação que faz do nº 9 do artigo 685° do CPC, respeitou o regime da fixação de um prazo único para apresentação de alegações, tendo em consideração a data em que o progenitor da menor, outra parte interveniente, foi notificado da decisão judicial. </font>
</p><p><font> 32ª- Em segundo lugar, a apresentação do requerimento de recurso e respectivas alegações pela recorrente no dia 02 de Novembro de 2011, não determinou um atraso acrescido na marcha do processo, pois é certo que sempre o processo teria de permanecer na 1ª instância até final do decurso do prazo do progenitor da menor, também vencido pela decisão judicial proferida e portanto com direito a recurso. </font>
</p><p><font> 33ª- Face ao que vai exposto supra, considera a recorrente que o entendimento constante do acórdão recorrido ofende normas da lei ordinária - art° 658° nº 9 do Código Processo Processual -, e da Lei fundamental - art. 20° nº 1 da Constituição. </font>
</p><p><font> 34ª- O Acórdão produzido ofende, pois, em domínios particularmente sensíveis, normas constitucionais, de onde cabe dele recurso para o Tribunal Constitucional, recurso que só é, porém, admissível depois de no processo ser suscitada a inconstitucionalidade da norma ou da aplicação que o tribunal lhe der (cfr. o art°. 70° nº 1, b) da lei nº 28/82 de 15/11 e Ac. do Tribunal Constitucional n° 238/94 de 22/3/1994 in BMJ 435, 384). </font>
</p><p><font> 35ª- Importa, assim, suscitar no Tribunal a quo a questão da inconstitucionalidade normativa em causa como modo de viabilizar o recurso a interpor da decisão (eventualmente desfavorável) para o Tribunal Constitucional, sendo certo que tal arguição é tempestiva, mesmo que se faça apenas em requerimento de arguição de nulidade de acórdão que faça interpretação "inesperada" da norma legal, como aqui sucede (cfr. o Ac. do Tribunal Constitucional n° 261/94 de 3/3/94 in BMJ 435, pág. 389). </font>
</p><p><font> 36ª- O douto acórdão produzido é, pois, nulo, enfermando da nulidade prescrita pela alínea b) do art. 722° do Código de Processo Civil, na medida em que à recorrente lhe é vedado o direito de acesso aos tribunais e de sujeitar a decisão proferida em 1ª instância a uma segunda análise pelos tribunais superiores, devendo ser recusada a interpretação do nº 9 do artigo 685° vertida no acórdão recorrido, por essa interpretação em concreto violar o disposto nos nº 1, do art° 20° da Constituição da República Portuguesa. </font>
</p><p><font> Pelo que, e consequentemente na medida das articuladas conclusões deverá ser revogado o Douto Acórdão recorrido, no respeitante à interpretação do nº 9 do artigo 685° do CPC, considerando-se tempestiva a apresentação do requerimento de interposição de recurso e apresentação das respectivas alegações da recorrente, assim se fazendo a costumada justiça.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> O MP em contra-alegações pronuncia-se pela inadmissibilidade do recurso (por existir dupla conforme) e, caso assim se não entenda, pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 684º nº 3 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão os seguintes os temas a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se o acórdão recorrido, ao considerar o recurso intempestivo, violou o disposto no art. 685º nº 9 do C.P.Civil.</font>
</p><p><font> - Se a interpretação do nº 9 do artigo 685° vertida no acórdão recorrido, veda à recorrente o direito de acesso aos tribunais e de sujeitar a decisão proferida em 1ª instância a uma segunda análise pelos tribunais superiores, pelo que viola o disposto nos nº 1 do art° 20° da Constituição da República Portuguesa. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- O douto acórdão recorrido para apreciação do recurso considerou provadas as seguintes circunstâncias de facto:</font><br>
<font> -Neste processo de promoção e protecção requerido, em 17/6/2009, pelo</font><b><font> </font></b><font>Digno Magistrado do Ministério Público a favor da menor AA, nascida a … de … de …, para aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, terminado o debate judicial, foi proferida sentença que decretou aquela medida, tendo a sua leitura ocorrido no dia 14 de Julho de 2011, à qual compareceram todas as pessoas convocadas, incluindo a ilustre mandatária da progenitora da referida menor.</font><br>
<font> -A progenitora foi, ainda, notificada da mesma sentença, por carta registada com A/R, em 21 de Julho de 2011.</font><br>
<font> - A mesma progenitora veio interpor recurso de apelação daquela sentença e apresentar a correspondente alegação em 2 de Novembro de 2011. - Dos autos consta uma certidão de notificação do progenitor da menor, BB, do conteúdo da sentença, com a data de 14-10-2011 (fls. 497).</font><br>
<font> </font><br>
<font> 2-3- Como ponto prévio convém dizer que, contra o que defende o MP (representado pelo Exmº Procurador Geral Adjunto subscritor das contra-alegações), não nos encontramos perante uma “dupla conforme” pois como é bom de ver, quanto à questão debatida no presente recurso, tempestividade do recurso de apelação interposto pela mãe da menor, a 1ª instância admitiu o recurso, mas a Relação rejeitou a apelação por não ter sido interposta no prazo legal. Existindo divergência de posições das instâncias, é evidente que não ocorre a situação de “dupla conforme” impeditiva de recurso, a que alude o art. 721º nº 3 do C.P.Civil.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Dada a data em que foi interposta a acção, as normas processuais a atender são as resultantes da reforma introduzida no C.P.Civil pelo Dec-Lei 303/2007 de 24 de Agosto (vide art. 12º nº 1 deste diploma).</font><br>
<font> </font>
</p><p><font> No douto acórdão recorrido sobre a questão aqui em debate e respondendo-se à argumentação da recorrente referiu-se, em síntese, não haver dúvidas acerca da indispensabilidade de apresentação do requerimento de interposição de recurso, porquanto é através dele que a parte vencida manifesta a sua vontade de recorrer, o qual deve incluir ou ser acompanhado da correspondente alegação. Tal requerimento constitui um pressuposto legal da prolação do despacho a que alude o art. 685.º-C do CPC sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso. Ora, no caso não se vislumbra que tal requerimento tenha sido apresentado pelo progenitor da criança, sendo certo que nem sequer a recorrente afirma que ele tivesse interposto algum recurso. Por isso, jamais a recorrente poderia beneficiar do alargamento do prazo para a interposição de recurso, ao abrigo do disposto no nº 9 do citado art.º 685º, o qual pressupõe a existência de vários recorrentes e tem aplicação exclusiva ao oferecimento das respectivas alegações, como claramente nele consta, não sendo lícita outra interpretação, por não ter um mínimo de correspondência na letra da lei (cfr. art. 9º, nº 2 do Código Civil). Assim, aquele normativo não tem aqui aplicação, não tendo os efeitos pretendidos pela recorrente de alargamento do prazo para a interposição do seu recurso. Sendo ela a única recorrente, não pode falar-se num único prazo para o oferecimento das alegações, muito menos para a interposição de recurso. A segurança e a certeza jurídicas impedem a pretendida interpretação e a consideração de “potenciais recorrentes”. Por fim, afirmou-se concordar-se em pleno com a fundamentação e decisão objecto da reclamação, por corresponderem a uma interpretação correcta da lei, segundo as regras e princípios jurídicos que nos regem, sendo irrelevantes todas as considerações feitas pela reclamante.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Por sua vez a recorrente defende, também em síntese, que a actual lei processual civil faz coincidir no tempo o dever de apresentar o requerimento de interposição de recurso e as respectivas alegações, - artigo 684°-B nº 2 do CPC, razão pela qual, quando o nº 9 do indicado artigo 685°, se reporta a "vários recorrentes ou vários recorridos” ... pretende referir-se a qualquer um dos vencidos, e, portanto, "potenciais recorrentes" bastando para tanto, que exista uma pluralidade de requeridos - como é o caso dos autos, em que ficaram vencidos ambos os progenitores da menor. À luz do actual regime de recurso aos tribunais superiores, inexistem momentos distintos para interposição de recurso e para apresentação de alegações, o que impede a recorrente de qualificar os restantes vencidos senão durante o decurso do prazo único estipulado na Lei - 30 dias após notificação da decisão judicial -, pois certo é que, na verdade, os vencidos, só assumem a qualidade de recorrentes aquando da interposição de recurso, prazo que, coincidindo com a apresentação das alegações, impede um conhecimento prévio da existência de outros recorrentes. Daí que, devendo as respectivas alegações ser apresentadas com o requerime | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OzKou4YBgYBz1XKvjSnI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA </font><br>
<font>AA, residente na Rua ......, ........, Braga, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra a “Companhia de ........, SA”, com sede na Praça ..............., nº ..., Porto, o Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Rua ..............., nº ......., ...., Porto, e BB então, detido no Estabelecimento Prisional do Norte, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia de 33469,37 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral cumprimento.</font><br>
<font>Fundamenta o pedido no facto de ter sido vítima de um acidente de viação, a que deu origem o réu BB, condutor do veículo, de matrícula 00-00-00, por si furtado, resultando do mesmo prejuízos para o autor, de carácter patrimonial e não patrimonial, que ascendem ao montante peticionado.</font><br>
<font> Mais alega que o proprietário do veículo causador do acidente havia transferido a responsabilidade civil pela sua circulação, para a ré “Companhia de ........, SA”, por força do correspondente contrato de seguro automóvel, sendo, assim, esta a responsável pelo pagamento daqueles danos ou, caso não se venha a apurar quem o conduzia, no momento do acidente, o réu Fundo de Garantia Automóvel.</font><br>
<font>Na contestação, que apenas o réu BB não apresentou, o réu Fundo de Garantia Automóvel arguiu a sua ilegitimidade, em virtude de o proprietário do veículo, na ocasião, ter transferido para a co-ré “Companhia de ........, SA”, a responsabilidade civil proveniente de acidente de viação causado pelo mesmo, impugnando ambos os réus a versão do acidente e o montante dos danos sofridos, concluindo pela total absolvição do pedido.</font><br>
<font>No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade passiva invocada pelo réu Fundo de Garantia Automóvel, e o réu BB, parte ilegítima, que, consequentemente, foi absolvido da instância.</font><br>
<font>O réu</font><b><font> </font></b><font>Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de agravo desta decisão, propugnando pela sua revogação, mas que o Exº Juiz recorrido sustentou. </font><br>
<font>A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada e, em consequência, absolveu o réu Fundo de Garantia Automóvel do pedido e condenou a ré “Companhia de ........, SA”, a pagar ao autor AA, a quantia de €24.000,00, sendo €3.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<font>Desta sentença, a ré “Companhia de ........, SA”, interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação, totalmente, improcedente e, em consequência, confirmou a decisão impugnada, não tomando conhecimento do agravo, por o considerar prejudicado, nos termos do disposto pelo artigo 710º, nº 1, 2ª parte, do CPC.</font><br>
<font>Do acórdão da Relação do Porto, a ré “Companhia de ........, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua absolvição, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font><br>
<font>1ª – Salvo o devido respeito o tribunal recorrido parece confundir a responsabilidade civil e os seus pressupostos com a responsabilidade da seguradora ao abrigo do contrato de seguro referido no ponto 1 dos factos dados como provados. Uma coisa é a responsabilidade civil do condutor do veículo, relativamente ao qual basta a prova dos requisitos previstos no art. 483°ss ou 499° ss, outra é a responsabilidade da seguradora que terá de se basear no contrato celebrado entre as partes.</font><br>
<font>2ª - O risco,</font><b><font> </font></b><font>elemento fundamental do contrato de seguro, é tradicionalmente definido como o "evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro - JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, p. 127 - fortuito e não dependente da vontade do homem, sendo o sinistro a concretização do mesmo.</font><br>
<font>3ª - Ora, o embate em causa nos presentes autos, tendo sido propositado e, como tal, doloso, o que ambas as instâncias recorridas de resto admitem, está em clara contradição com as características de incerteza e fortuitidade exigidas quer pelo risco quer pelo sinistro em si.</font><br>
<font>4ª - O contrato de seguro em causa pretende cobrir, e cobre, os danos resultantes dos riscos próprios de circulação de veículos automóveis, pelo que de acidentes de viação.</font><br>
<font>5ª - Por acidente entende-se "o que é casual, fortuito, imprevisto, acontecimento infeliz, desgraça, desastre"</font><b><font> </font></b><font>- Grande Dicionário de Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado, não cabendo nesta definição, porque intencional e propositado, o atropelamento em causa nos presentes autos, e diz-se viação "o modo de andar ou percorrer um caminho ".</font><br>
<font>6ª - Ora, o contrato de seguro aqui em causa destina-se a cobrir, e cobre, os riscos inerentes à normal circulação do veículo mas não de um acto intencional do condutor do mesmo que o utilizou para cometer um crime, como poderia ter sido utilizado um revólver, uma faca ou qualquer outro objecto.</font><br>
<font>7ª - A que tudo não obsta o facto de se tratar de um contrato obrigatório pois que o mesmo, sendo, para todos os efeitos, um contrato é sempre celebrado na base da boa fé das partes, ficando cada uma delas sujeita a diversas obrigações, entre as quais de não provocar o sinistro e, enquanto contrato aleatório que é, a seguradora sabe e define os riscos que assume ao segurar um certo e determinado veículo, sendo certo que nenhuma das partes, nem seguradora nem segurado, tiveram em mente, aquando da celebração do mesmo a cobertura de situações como a que está em crise nos presentes autos.</font><br>
<font>8ª - Ao confirmar a sentença proferida pela primeira instância o tribunal recorrido violou o disposto nos art°s 1° do DL. 522/85, de 31. XII, e no art° 437º do CCom, e fez uma errada interpretação do previsto no art° 8°/2 daquele primeiro diploma legal, pelo que a decisão recorrida deverá ser substituída por uma outra que absolva a recorrente do pedido.</font><br>
<font>9ª - Tanto mais quanto o art° 8°/2 do DL. 522/85, de 31.12., não prescinde, para a cobertura nele prevista, que os factos integrem um acidente de viação,</font><i><font> </font></i><font>a definir como atrás referido.</font><br>
<font>10ª - Se assim se não entender, os factos provados apenas permitem que se impute culpa concorrente, em partes iguais, a ambos os condutores dos veículos intervenientes no embate, pela violação do previsto no art° 13° do Código da Estrada, devendo sempre, ao menos, alterar-se o decidido nesse sentido.</font><br>
<font>11ª - O tribunal recorrido, ao não decidir como supra defendido, violou o disposto no art° 1° do DL. 522/85, de 31. XII, no art° 437°do C.Com., no art° 13º do C.Est. e nos art°s 406°/1 e 483° do CC.</font><br>
<font>Nas suas contra-alegações, o autor e o réu Fundo de Garantia Automóvel defendem a improcedência do recurso, devendo manter-se a sentença recorrida.</font><br>
<font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br>
<font>1. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo 00-00-00 encontrava-se, em 19 de Junho de 2006, transferida para a ré “Companhia de ........, SA”, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 000000000000.</font><br>
<font>2. O autor nasceu em 1 de Junho de 1974.</font><br>
<font>3. Por acórdão já transitado, proferido pela 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, BB foi condenado, entre outros crimes, pela prática, em 18 de Junho de 2006, de um crime de furto, cujo objecto é o veículo 00-00-00, e por condução perigosa, por, em 19 de Junho de 2006, ter causado o acidente, referido em A), conforme documento junto a folhas 116 e seguintes, que aqui se dá por, integralmente, reproduzido.</font><br>
<font>4. O autor era agente da PSP, auferindo a remuneração mensal de 964,70 euros.</font><br>
<font>5. No dia 19 de Junho de 2006, pelas 18,30 h, na Rua Prof. ..........., no Porto, ocorreu um embate entre os veículos, de matrícula 00-00-00 e 00-00-00 este pertencente à PSP.</font><br>
<font>6. O veículo da PSP era conduzido pelo autor, ao serviço daquela.</font><br>
<font>7. O condutor do 00-00-00 tinha furtado este veículo, em 18 de Junho de 2006, cerca das 12,30 h, no Lugar d........., S. ........, Vizela.</font><br>
<font>8. O acidente deu-se quando, tendo o referido BB estacionado o VM, na Rua Prof. ........., os agentes da PSP, ao detectarem a viatura e porque tinham a informação de que a mesma tinha sido furtada, permaneceram no local a vigiar, até que o condutor aparecesse.</font><br>
<font>9. Pouco tempo depois, surgiu o BB que, munido da respectiva chave, o abriu e se sentou no lugar do condutor, e, imediatamente, um dos agentes da PSP, ali em vigilância, se colocou na frente da viatura e, exibindo o seu cartão profissional, para se identificar como agente da PSP, gritou para o condutor, dizendo: “Pára. Polícia”.</font><br>
<font>10. Contudo, o BB colocou o seu veículo em marcha e arrancou, seguindo em frente para fugir, e, logo de seguida, inverteu o sentido de marcha, passando a girar em direcção à Rua de .................., no sentido Nascente/Poente.</font><br>
<font>11. Para tentar impedir a sua fuga, pelo menos, um agente policial colocou-se à sua frente com a pistola empunhada.</font><br>
<font>12. Nestas circunstâncias de tempo e lugar, o autor, agente da PSP, conduzia o veículo, ao serviço da PSP, descaracterizado, mas sinalizado com o sinal luminoso de emergência, denominado “pirilampo”, pela meia direita da faixa de rodagem da referida Rua Prof. ........., no sentido Poente/ Nascente, vindo da Rua de Santa Justa.</font><br>
<font>13. O condutor do VM direccionou o veículo que conduzia para o veículo policial, e embateu nele, apesar de o condutor deste ainda ter travado, tendo o embate ocorrido entre a parte frontal esquerda do VM e a frente esquerda do veículo policial.</font><br>
<font>14. O condutor do veículo da PSP conduzia-o pela Rua Prof. ........., no sentido Poente/Nascente, perto do eixo da via, e o embate ocorreu, junto deste eixo, com as viaturas a ocuparem parte das hemifaixas de rodagem de cada um dos respectivos sentidos de marcha.</font><br>
<font>15. O autor sofreu, pelo menos, traumatismo da cabeça, e, desse traumatismo, resultou-lhe hérnia posterior de base alargada do disco L5-S1.</font><br>
<font>16. O autor ficou afectado de uma incapacidade permanente geral de 5 pontos, sem rebate profissional, mas a implicar esforços suplementares.</font><br>
<font>17. À data do acidente, o autor era uma pessoa saudável, sem qualquer defeito físico, o que lhe permitiu efectuar o serviço militar nas tropas pára-quedistas, onde frequentou os seguintes cursos de elevada exigência física: pára-quedismo militar; apontador de mísseis anti-carro; pára-quedismo belga e cabos pára-quedistas.</font><br>
<font>18. O autor praticava diversos desportos, como amador, tais como, surf, body board, musculação, karaté e BTT.</font><br>
<font>19. Apesar de, clinicamente, curado, o autor continua a padecer de dores que o impedem de praticar os desportos que tanto contribuíram para a manutenção da sua saúde física e mental, até em virtude do desgaste emocional causado pelo exercício da sua profissão.</font><br>
<font>20. Dos desportos supra referidos, apenas pôde continuar a praticar musculação, mas com limitações.</font><br>
<font>21. Depois do acidente, e, actualmente, o autor não consegue estar, sentado ou de pé, por mais de algumas horas seguidas.</font><br>
<font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br>
<font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br>
<font>I – A questão do acidente de viação, dolosamente, provocado. </font><br>
<font>II – A questão da culpa pela produção do acidente.</font><br>
<font> I. DA EXCLUSÃO DA COBERTURA CONTRATUAL DE SEGURO DO ACIDENTE DE VIAÇÃO DOLOSAMENTE PROVOCADO</font><br>
<font>I. 1. Defende a ré “Companhia de ........, SA” que o contrato de seguro a que se reportam os autos destina-se a cobrir os riscos inerentes à normal circulação do veículo, mas não de um acto intencional do seu condutor que o utilizou para cometer um crime, como se poderia ter servido de um revólver, uma faca ou qualquer outro objecto, restringindo-se a cobertura do contrato de seguro, ao âmbito material do acidente de viação, de que o presente sinistro não comunga.</font><br>
<font>Não questiona, assim, a ré seguradora a verificação, «in casu», dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a que alude o artigo 483º, do Código Civil (CC), ou seja, o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, restringindo-se, portanto, o segmento do objecto da revista à análise do último dos pressupostos contidos no citado normativo legal, isto é, o nexo de imputação do facto ao agente, e do seu reflexo, no âmbito do contrato de seguro celebrado entre aquela ré e o proprietário do veículo interveniente no acidente, cujo condutor o havia subtraído, fraudulentamente, da esfera de disponibilidade do seu titular legítimo.</font><br>
<font>I. 2. Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, impõe-se considerar que, no dia 19 de Junho de 2006, pelas 18,30 h, na cidade do Porto, o condutor do veículo, de matrícula 00-00-00, BB, que o havia subtraído, na véspera, ao ser abordado por agentes da PSP, que se identificaram e colocaram na frente da viatura, gritando “Pára. Polícia”, colocou-a em marcha e arrancou, seguindo em frente para fugir, e, logo de seguida, inverteu o sentido de trânsito, direccionando o veículo que conduzia para o veículo policial, de matrícula 000000 conduzido pelo autor, que tentava impedir a sua fuga, embatendo neste, apesar de o seu condutor ainda ter travado, tendo a colisão ocorrido entre a parte frontal esquerda da viatura furtada e a frente esquerda do veículo policial, junto ao eixo da via.</font><br>
<font>Na ocasião, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo, de matrícula 00-00-00, encontrava-se transferida para a ré “Companhia de ........, SA”, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 000000000000.</font><br>
<font>I. 3. Dispõe o artigo 8º, nº 2, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, que «o seguro garante ainda a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de… acidentes de viação dolosamente provocados».</font><br>
<font>Deste modo, tudo está em saber, desde logo, qual o conceito de «acidente de viação» que se deve ter como reconhecido pelo ordenamento jurídico nacional, no contexto do nº 2, do artigo 8º, do aludido DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, em que se fala de «acidentes de viação dolosamente provocados», sendo certo, outrossim, que a nossa ordem jurídica não contém a noção de «acidente de viação», de que, aliás, prescinde como pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, desde que verificados os requisitos contidos no já citado artigo 483º, nº 1, do CC.</font><br>
<font>Porém, o regime europeu de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, construído, sucessivamente, como modelo de harmonização legislativa, amplamente, imbuído de disposições comunitárias sobre as quais o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias se tem debruçado, reflete-se, não apenas no domínio do seguro, como, também, nos direitos nacionais, em matéria de responsabilidade civil, partindo de um pressuposto de aplicabilidade, traduzido em noções, simultaneamente, materiais e normativas, que enquadram todo o regime, mas que nem sempre coincidem nas respectivas formulações literais.</font><br>
<font>Assim, a pedra angular deste regime, atento o estipulado pelos artigos 2º, da 1ª Directiva, 1º, da 3ª Directiva e o considerando da 5ª Directiva, remete para a «circulação de veículos terrestres com motor» e, consequentemente, para os danos causados a terceiros que resultem da circulação de veículos desta natureza, o artigo 2º, da 2ª Directiva, refere-se à «utilização de veículo» e à «condução de veículos», o artigo 5º, da 3ª Directiva, utiliza a expressão «acidente de circulação rodoviária», o artigo 1º, da 4ª Directiva, recorre à formulação «danos sofridos em resultado de sinistros causados pela circulação de veículos», e o artigo 4º, da 5ª Directiva, serve-se do termo «acidente».</font><br>
<font>Deste modo, as várias formulações, por identificação material e teleológica, traduzem uma mesma realidade que é a da circulação automóvel, em vias abertas ao tráfego público ou com semelhantes condições de utilização, e dos danos que tal actividade provoque, nomeadamente, aos utilizadores das vias estranhos ao veículo, sem distinção, quer seja por circunstâncias do funcionamento do veículo, de deficiências da própria via, por causa fortuita ou por acto do próprio condutor, que se não desligue de uma qualquer imputação subjectiva, seja no domínio da falta de cuidado ou de impreparação, ou da negligência simples ou grosseira, sem excluir o acto voluntário.</font><br>
<font>Há, portanto, diversas possibilidades de enquadramento da noção de “acidente”, conforme o plano de apreciação que esteja em causa ou do qual se deva partir.</font><br>
<font>Assim, na perspectiva do lesado, constitui acidente um facto exterior do qual resultem consequências lesivas, no sentido de acontecimento que, involuntariamente, suporta, que lhe é estranho, que não prevê, que não condiciona e que escapa à sua capacidade de influência ou domínio, enquanto que, no sentido pressuposto pelo regime do seguro obrigatório do direito comunitário, incluindo o direito nacional que assume esse regime, a noção de “acidente” ou “sinistro” deve ser considerada e integrada, sob o ponto de vista e pela posição do lesado, ou seja, da «protecção», na expressão da intencionalidade legislativa «dos legítimos interesses dos lesados».</font><br>
<font>Com efeito, para o lesado, todo o acontecimento resultante da circulação de um veículo com motor que lhe cause danos, pessoais ou materiais, e a cuja génese ou domínio foi estranho, constitui um «acidente de viação», no sentido de uma ocorrência exógena e não esperada, e, portanto, fortuita (1)</font><br>
<font>Efectivamente, a expressão «acidente» não está utilizada, no sentido tradicional, mas antes na acepção mais geral de fenómeno ou acontecimento anormal, decorrente da circulação de um veículo, que, manifestamente, comporta o acidente, dolosamente, provocado, tendo sobretudo em vista o relevo dado ao interesse e à perspectiva do lesado, razão pela qual, nesta acepção, acidente é o acontecimento estradal, fortuito e casual, bem assim como o acidente, dolosamente, provocado, porquanto, em ambos os casos, é idêntico o interesse que a lei quer tutelar, isto é, o interesse do lesado na indemnização pelos danos sofridos.</font><br>
<font>Deste ponto de vista, que é a perspectiva de que parte o regime da garantia do seguro obrigatório, ou seja, da protecção e centralidade do lesado, a ocorrência, voluntariamente, provocada pelo condutor de um veículo, em circulação ou em condições de circular, na via pública, em movimento, constitui um «acidente», na expressão da lei, «dolosamente provocado» (2)</font><br>
<font>I. 4. A circulação de veículo automóvel, na via pública ou equiparada, por quem possa ser, civilmente, responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros, deve, sob pena de apreensão da viatura, encontrar-se coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo, até um determinado montante, desde que os danos não estejam, legalmente, excluídos da garantia do seguro, atento o preceituado pelos artigos 1º, nº 1, 2º, 7º e 8º, nº 1, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, e 168º, nº 1, f), do Código da Estrada, na redacção introduzida pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro.</font><br>
<font>A referência à não exclusão do âmbito da garantia do seguro dos danos resultantes de «acidentes de viação dolosamente provocados» está consagrada, por lei, desde o diploma que, primeiramente, instituiu o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, isto é, o DL nº 165/75, de 28 de Março, apesar do mesmo, em consequência das vicissitudes do tempo histórico da sua publicação, em virtude das nacionalizações das companhias de seguros, não ter chegado a entrar em vigor, mas em cujo artigo 8º já se previa que “o seguro garante também a responsabilidade civil resultante de acto doloso, dispondo, neste caso, o segurador de direito de regresso contra o responsável”. </font><br>
<font>Seguidamente, o artigo 1º, do DL nº 408/79, de 25 de Setembro, estabeleceu que «o seguro garantirá igualmente os danos provenientes de acidentes de viação dolosamente provocados», mas com a ressalva de que «o seguro não garante» a responsabilidade dos autores, cúmplices ou encobridores de roubo, furto ou furto de uso, ou de acidentes de viação, dolosamente, provocados, para com o proprietário, usufrutuário ou adquirente com reserva de propriedade, constante do respectivo artigo 5º, nº 2.</font><br>
<font>Por sua vez, o artigo 1º, do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, que se justificou pela transposição da Directiva nº 2005/14/CE, do Parlamento e do Conselho, de 11 de Maio [5ª Directiva sobre o Seguro Automóvel], refere-se ao «objecto» do «seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis», mantendo a formulação verbal constante do regime antecedente, na redacção do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, estatuindo agora o respectivo artigo 15º, nº 2, que «o seguro garante ainda a satisfação das indemnizações devidas pelos autores de furto, roubo, furto de uso do veículo ou de acidentes de viação dolosamente provocados».</font><br>
<font> Trata-se da ideia de garantir a protecção das vítimas de acidentes de viação, que informa todo o articulado da chamada Lei do Seguro Obrigatório, assegurando, da forma mais alargada possível, o ressarcimento dos danos por elas sofridos, dando, assim, lugar a um regime legal em que a liberdade negocial, já, fortemente, condicionada, nos contratos de adesão, está agora, praticamente, ausente.</font><br>
<font>Impõe-se, por isso, concluir, em face de um regime legal tão apertado, que já pouco subsiste com carácter contratual no seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, melhor lhe cabendo a natureza de garantia social ou de contrato a favor de terceiro lesado que assume o papel de parte para poder exigir, directamente, da seguradora a concretização do seu direito à reparação ou à indemnização (3).</font><br>
<font>E se o objectivo primacial do legislador foi proteger os interesses dos lesados, tal não pode deixar de verificar-se mesmo naqueles casos em que os danos resultam de acidente, dolosamente, provocado, podendo afirmar-se, resolutamente, que o segmento analisado do artigo 8º, nº 2, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, deve ser interpretado de modo a reconstituir o pensamento legislativo, dentro da letra da lei, com base no princípio da unidade do sistema jurídico, consagrado pelo artigo 9º, nºs 1 e 2, do CC.</font><br>
<font>A interpretação do artigo 8º, nº 2, 2ª parte, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, em conformidade com o direito comunitário e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, alcança-se, considerando que “as directivas têm como objecto o seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, a qual pode dar origem a acidentes bem como ser utilizada intencionalmente para a prática de crimes, e nenhuma prevê a exclusão da cobertura de danos causados dolosamente a qual deve, assim, ser garantida”(4)</font><br>
<font>No caso de «acidentes dolosamente provocados», existe o direito de regresso da seguradora contra a causador do acidente, como dispunha, ao tempo dos factos, o artigo 19º, a), do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, e, actualmente, nos seus precisos termos, o artigo 27º, nº 1, a), do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, ou seja, “satisfeita a indemnização, a seguradora tem direito de regresso contra o causador do acidente que o tenha provocado dolosamente”.</font><br>
<font>A isto acresce que o alcance do artigo 8º, nº 2, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, ou, actualmente, do artigo 27º, nº 1, a), do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, na parte que aqui interessa considerar, ficaria esvaziado do seu conteúdo se fossem de excluir da sua previsão os acidentes que, envolvendo a circulação de veículos, constituam a prática de crimes, reduzido, então, às hipóteses legais em que ocorresse o dano meramente culposo, que deixou de existir, no ordenamento jurídico, como ilícito penal típico(5), desde o início da vigência do Código Penal de 1982.</font><br>
<font>Finalmente, adite-se um argumento, de carácter sistemático, em favor da tese da inclusão dos danos, intencionalmente, causados, no âmbito do contrato de seguro, e que consiste na exclusão do seu espaço dos “danos causados por um veículo terrestre a motor”, com base no disposto pelo artigo 1º, nº 5, do DL 423/91, de 30 de Outubro, que consagra o regime jurídico da protecção às vítimas de crimes violentos, só se explicando o afastamento se o dano, dolosamente, causado, por um veículo terrestre a motor, já se mostrar acautelado, por outra disposição legal, como acontece no caso do artigo 8º, nº 2, do DL 522/85, de 31 de Dezembro (6).</font><br>
<font> II. DA CULPA PELA PRODUÇÃO DO ACIDENTE</font><br>
<font> Sustenta, finalmente, a ré “Companhia de ........, SA” que os factos provados apenas permitem que se impute a culpa concorrente, em partes iguais, a ambos os condutores dos veículos intervenientes no embate, por violação do previsto no artigo 13°, do Código da Estrada, devendo sempre, pelo menos, alterar-se o decidido nesse sentido.</font><br>
<font> Estipula o artigo 13º, nº 1, do Código da Estrada, que “o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”.</font><br>
<font>Por seu turno, dispõe o artigo 570º, do CC, que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.</font><br>
<font>Para que o Tribunal goze da faculdade de conceder, totalmente, reduzir ou excluir a indemnização reclamada pelo lesado, importa que a conduta deste tenha sido uma das causas do dano, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, consagrada pelo artigo 563º, do CC, e que, além do mais, tenha contribuído com culpa para a produção do dano, atento o preceituado pelo artigo 487º, nº 2, do CC.</font><br>
<font>A graduação da culpa interessa quando se suscita a questão da responsabilidade partilhada, como acontece com a hipótese do artigo 570º, do CC.</font><br>
<font>E, no campo da responsabilidade partilhada, o dolo directo, o dolo necessário e o dolo eventual traduzem graus de culpa de intensidade decrescente, no que respeita à posição do agente face aos fins do direito, em termos de ilicitude, imediatamente, seguidos pela negligência consciente e pela negligência inconsciente.</font><br>
<font>Existe dolo directo quando o agente representa no seu espírito determinado efeito da sua conduta e quer esse efeito como fim da sua actuação e negligência consciente quando o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, e só, por isso, não toma as providências necessárias para o evitar (7).</font><br>
<font>Retornando à matéria de facto que ficou demonstrada, no que concerne à determinação da culpa dos condutores intervenientes, importa reter que, no dia 19 de Junho de 2006, pelas 18,30 horas, na Rua Prof. ........., no Porto, o condutor do veículo, de matrícula 00-00-00, BB, que o havia subtraído, na véspera, prendendo fugir à abordagem policial que lhe foi feita, no sentido de parar a sua marcha, arrancou com o mesmo, seguindo em frente e, logo de seguida, inverteu o sentido de trânsito, direccionando o veículo que conduzia contra a viatura policial, conduzida pelo autor, descaracterizada, mas dotada do sinal luminoso de emergência, denominado “pirilampo”, pela metade direita da sua faixa de rodagem, que tentava impedir aquela fuga, embatendo nesta, apesar do autor ainda ter travado, ocorrendo a colisão entre a parte frontal esquerda do furtado e a esquerda do policial.</font><br>
<font>O autor conduzia o veículo da PSP, no sentido Poente/Nascente, perto do eixo da via, e o embate ocorreu junto deste eixo, ficando as viaturas, após o mesmo, a ocupar parte das hemi-faixas de rodagem de cada um dos respectivos sentidos de marcha.</font><br>
<font>Assim sendo, dirigindo o autor o veículo policial, perto do eixo da via, o condutor do veículo furtado direccionou esta viatura de encontro aquele, com o propósito deliberado de o atingir, embatendo com a parte frontal esquerda do mesmo na frente esquerda do veículo conduzido pelo autor, junto ao eixo da via.</font><br>
<font>Deste modo, invadiu a faixa de rodagem contrária, por onde circulava o autor, e fê-lo com intenção manifesta de atingir a viatura por este tripulada, a fim de prosseguir a fuga que empreendera, com vista a não ser interceptado pelas forças policiais que o pretendiam deter pela posse ilegítima da viatura, relativamente à qual viria a ser condenado, como autor material de um crime de furto e de um crime de condução perigosa, causadora do acidente ajuizado.</font><br>
<font>E, sendo o dolo directo a expressão mais grave da culpa, «lato sensu», quando o resultado danoso querido acaba por coincidir com aquele que resulta do próprio acidente, como seu processo causal, esse nexo de imputação do facto danoso à conduta do tripulante BB excluiria, necessariamente, a mera culpa, idealmente, imputável à condução do autor.</font><br>
<font>De todo o modo, ficou provado que o embate ocorreu, junto ao eixo da via, na faixa de rodagem correspondente ao sentido de marcha prosseguido pelo autor, que o condutor BB invadiu, independentemente do posicionamento posterior dos dois veículos na sequência da colisão.</font><br>
<font>A isto acresce, por fim, que, tendo o condutor BB sido condenado, com trânsito em julgado, além do mais, pela prática de um crime de condução perigosa, por, em 19 de Junho 2006, ter causado o acidente controvertido, e não tendo sido ilidida a presunção «tantum iuris» de culpa que sobre si incidia, deve ter-se como verificada a sua culpa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 342º, nº 2, do CC, e 674º-A, do CPC.</font><br>
<font>Não se demonstraram, enfim, os pressupostos da concorrência de culpas na produção do acidente e de todas as suas consequências, que são de imputar, em exclusivo, à condução dolosa do tripulante BB.</font><br>
<br>
<font>CONCLUSÕES:</font><br>
<br>
<font>I - A expressão «acidente de viação» não é utilizada, no ordenamento jurídico nacional, no sentido tradicional, mas antes na acepção mais geral de fenómeno ou acontecimento estradal, anormal, fortuito e casual, decorrente da circulação de um veículo, que, manifestamente, comporta o acidente, dolosamente, provocado, porquanto, em ambos os casos, é idêntico o interesse que a lei quer tutelar, isto é, o interesse do lesado na indemnização pelos danos sofridos.</font><br>
<font>II - O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, face ao condicionamento imposto pela Lei do Seguro Obrigatório, reveste a natureza de garantia social ou de contrato a favor de terceiro lesado que assume o papel de p | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PDKLu4YBgYBz1XKvOBmC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<p><b><font>I. – Relatório.</font></b>
</p><p><font>AA, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “BB, S.A.”, CC e DD, pedindo, nomeadamente, que seja reconhecido ao Autor o direito de preferência sobre o prédio que identifica nos artigos da petição inicial; se ordene a substituição do segundo e terceiro Réus pelo Autor na titularidade do direito de propriedade; se condene o primeiro Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização, as despesas com o pagamento de benfeitorias a que a acção dê lugar e, finalmente, se condene os Réus a pagar ao Autor, a título de indemnização, as despesas extrajudiciais a que a acção dê lugar, a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>Para o efeito alegou, em síntese, ser proprietário de uma parcela de terreno que confina com uma outra de que era proprietária a Ré BB, que ambas as parcelas estão classificadas como prédios rústicos, sendo que a sua parcela tem área inferior à definida por lei como área mínima de cultura na região em causa. Sucede que a primeira Ré procedeu à venda da parcela de terreno de que era proprietária aos segundo e terceira Réus, sem que ao Autor tenham sido comunicados os elementos essenciais do negócio de molde a ser-lhe possibilitado o exercício do direito de preferência, que através da presente acção reclama. Mais alega que os, segundo e terceira Réus, não são proprietários de qualquer outra parcela confinante com aquela que adquiriram, e que o facto de o prédio objecto da venda ter área superior à unidade de cultura não é impeditivo do direito de preferência de que se arroga.</font>
</p><p><font>Regularmente citados apresentaram os Réus a sua contestação, tendo excepcionado a ilegitimidade activa em virtude de a parcela de que o Autor se arroga proprietário resultar de um fraccionamento ilegal, padecendo esse acto do vício de nulidade que, sendo declarada, invalida aquela desanexação e concomitantemente implica a ilegitimidade do Autor. Excepcionaram ainda a inexistência do direito de preferência, defendendo que este só ocorre reciprocamente entre prédios confinantes de área inferior à definida como área mínima de cultura para a região em causa. No caso de um deles ter área superior, só a este é reconhecido o direito a preferir. Invocaram ainda a má-fé do Autor, alegando que este interveio nas negociações da venda da parcela numa fase anterior à dos Réus, surgindo a desanexação da parcela a favor do Autor como forma de contornar, através da criação do direito de preferência, a perda de oportunidade de negócio. Além disso, os Réus deduziram ainda reconvenção, invocando a simulação do preço constante na escritura de compra e venda e a realização de benfeitorias no imóvel. Terminam pugnando pela procedência das excepções e a consequente absolvição do pedido. Na hipótese da procedência da acção, pedem a condenação do Autor no depósito da diferença de preço e IMT, no valor total de € 52.500,00, e a pagar ao segundo e terceiro Réus a quantia de €626.650,95 a título de benfeitorias, acrescida de juros de mora. Mais pedem a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e indemnização.</font>
</p><p><font>Replicou o Autor pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção. Pede ainda a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor do Autor a liquidar em execução de sentença.</font>
</p><p><font>Treplicaram os Réus pugnando pela improcedência das excepções deduzidas em relação à reconvenção.</font>
</p><p><font>O Autor comprovou o depósito da quantia de 350.000,00 € à ordem dos presentes autos (sendo esse o preço que, no seu entendimento, deveria depositar relativo à transacção do imóvel em causa), bem como o registo da acção.</font>
</p><p><font>Suscitaram os Réus a caducidade da acção em virtude do Autor não ter comprovado o depósito da diferença de preço e de IMT, conforme haviam alegado na contestação/reconvenção.</font>
</p><p><font>De seguida, foi proferido despacho saneador onde se fixou o valor da acção, foram julgadas improcedentes a excepção dilatória de ilegitimidade e a excepção peremptória de caducidade da acção, sendo seleccionada a matéria de facto assente e quesitada na base instrutória a matéria controvertida.</font>
</p><p><font>Desta selecção reclamaram os Réus em termos que vieram a ser parcialmente atendidos pelo M.mo Juiz “a quo”.</font>
</p><p><font>Inconformados com o despacho saneador, na parte em julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade da acção, vieram os Réus apelar de tal decisão tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso.</font>
</p><p><font>Os Réus vieram ainda requerer a redução do pedido reconvencional quanto a benfeitorias, que fixaram em 541.112,88 €, o qual foi admitido pelo M.mo Juiz “a quo”.</font>
</p><p><font>Posteriormente foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou totalmente improcedente, por não provada, a acção movida pelo Autor contra os Réus, bem como julgou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional deduzido pelos Réus. Declarou ainda que nenhuma das partes tinha litigado de má-fé e, por isso, julgou improcedentes os recíprocos pedidos de condenação como tal.</font>
</p><p><font>Do recurso de apelação que haviam interposto, viria a ser declarada a caducidade do direito, que após a admissão do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, viria a ser revogado e a causa julgada de mérito, de que resultou ter o tribunal de apelação julgado a apelação improcedente e mantido a decisão de primeira instância. </font>
</p><p><font>Mantém o recorrente a dissidência quanto ao julgado, para o que pede revista.</font>
</p><p><font>Nas alegações que produziu para o feito pretendido, o recorrente dessumiu o epítome conclusivo que a seguir queda extractado. </font>
</p><p><b><font>i.a) – Quadro Conclusivo</font></b><font>.</font>
</p><p><i><font>A)</font></i><font> “</font><i><font>O presente recurso é interposto nos termos do 721º, nº1 do Código de Processo Civil na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 7º, nº1 da Lei 41/2013 de 26 de Junho e 11º, nº 1 e 12º, nº 1 do Decreto Lei nº 303/2007 de 24 de Agosto </font></i>
</p><p><i><font>B) De facto ao excepcionar no art. 7º, nº 1 da Lei 41/2013 de 26 de Junho a aplicação, em sede de recursos "do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei" e prescrevendo o art.11º, nº 1 do Decreto-lei nº 303/2007 de 24 de Agosto que o regime instituído por aquele diploma legal não se aplicava às acções pendentes à data da respectiva entrada em vigor que de acordo com o art.12º, nº1 do mesmo diploma foi fixada em 1 de Janeiro de 2008; é de concluir que em matéria de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, para processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008 não é aplicável o regime da "dupla conforme" introduzido pela alteração á redacção do art.721º, nº 3 e aditamento do art. 721º - A produzida pelo referido Decreto-Lei nº 303/2007 e reproduzido no art. 671º, nº 3 do C.P.C. Actual, mantendo-se em vigor o regime anterior que permitia o recurso de revista da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça de todas as decisões dos Tribunais da Relação que se pronunciassem sobre o mérito da causa. </font></i>
</p><p><i><font>C) Em qualquer caso e à cautela, subsidiariamente, por dever de patrocínio indica-se um acórdão fundamento que se encontra em contradição com aquele de que se recorre e que justificaria sempre um recurso de revista excepcional ao abrigo dos arts. 721º, nº 3 e 721º-A, nº 1 al. c) do C.P.C. com a alteração do Decreto-Lei nº 303/2007 e art. 671º, nº 3, in fine, e 672.º nº1 al. c) do Novo Código de Processo Civil aprovado Lei 41/2013 de 26 de Junho. </font></i>
</p><p><i><font>D) De facto o Tribunal "a quo" decidiu pela improcedência do recurso com dois fundamentos essenciais: </font></i>
</p><p><i><font>1 - A vendedora não estava obrigada a comunicar o projecto de venda para exercício do direito de preferência por parte do autor porque no momento da celebração do contrato promessa o A. aqui recorrente ainda não era preferente por não ser proprietário de prédio confinante, qualidade que adquiriu posteriormente (mas em momento anterior à venda</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>[afirmação e sublinhado nossos], sendo que é no momento em que se estabiliza o projecto de venda que tem de ser feita a comunicação e esse momento é o correspondente á celebração do contrato promessa e não qualquer outro posterior. </font></i>
</p><p><i><font>Argumento em que acrescentou que os elementos essenciais do negócio se estabilizaram com o contrato promessa desconsiderando o facto de pelo menos o prazo de pagamento ter sido alterado já que no acto da escritura foram apenas pagos, por confissão de uma ré, 350.000 euros, tendo o restante sido pago mais tarde. </font></i>
</p><p><i><font>2 - Como segunda razão para improceder o direito do A. a preferir no negócio objecto dos autos, sustenta o acórdão recorrido importando aliás "ipsis verbis" a sentença de primeira instância que, se fosse reconhecido o direito de preferência ao A. o mesmo deixava de ser minifundiário para se tornar latifundiário o que, constituía uma violação à norma constitucional vertida no artigo 94º da CRP. </font></i>
</p><p><i><font>E). Quanto ao primeiro argumento, não existir obrigação de comunicação do projecto de venda ao autor aqui recorrente por se terem estabilizados os elementos do projecto de venda no momento da celebração do contrato promessa, sem atender à alteração na forma e da própria doutrina constante do acórdão a jurisprudência uniforme postula que sobre o vendedor impende a obrigação de "comunicação para a preferência" em </font></i><i><u><font>momento anterior à venda</font></u></i><i><font> nunca se referindo a qualquer outro momento relevante para aferir da existência de tal obrigação e que só depois de conhecidos e comunicados todos os factos essenciais do negócio nestes se incluindo a forma e o prazo de pagamento do preço. </font></i>
</p><p><i><font>F) E é essa doutrina que decorre do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 6628/10.3TBLRA.C1 e datado de 14-01-2014, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Henrique Antunes publicado em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt..</font></u></i></a><i><font> que se indica, por mera cautela de patrocínio como acórdão fundamento por conter decisões que estão em contradição com a decisão constante do acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>G) Com efeito decorre daquele acórdão, com clareza a necessidade do vendedor proceder à comunicação do projecto de venda a todos os preferentes em momento anterior à venda e já depois de estabilizados todos os elementos essenciais do negócio e no caso de proprietários confinantes mesmo a identidade do comprador e não em momento anterior ou simultâneo com essa estabilização como é a doutrina constante do acórdão recorrido. </font></i>
</p><p><i><font>H) Ou também a necessidade de comunicação de todos os elementos essenciais do negócio designadamente a forma e o prazo de pagamento do preço e não apenas o respectivo montante. </font></i>
</p><p><i><font>I) Afirma-se no referido acórdão fundamento: O obrigado à preferência tem o dever jurídico - e não o simples ónus - de comunicar o projecto de venda, com todos os seus essentialia negotii, ao preferente (art.416º, nº 1, ex-vi art. 1380º, nº 4 do Código Civil)..... Mas é aquele que cabe a prova de fez a comunicação, não competindo, por isso, ao preferente a prova da falta dessa comunicação (art. 342º, nº 2 do Código Civil).... A violação da preferência pode, assim, resultar tanto da pura e simples ausência de comunicação, imputável ao obrigado,.... do prazo e da forma de pagamento, uma das cláusulas contratuais que o obrigado à preferência deve levar ao conhecimento do preferente quando o notifica para, querendo, exercer o seu direito .... No tocante, porém, à preferência dos proprietários confinantes, deve exigir-se a comunicação da identidade do projectado comprador..., apenas perante uma concreta situação de preferência, já formada e perante todos os elementos essenciais da comunicação é possível ao preferente renunciar, pelo que a renúncia só é eficaz quando referida a uma transacção concreta, quando ao preferente tiver sido dado conhecimento do projecto de venda e das cláusulas do contrato” (art. 809º, nº 1 do Código Civil) </font></i>
</p><p><i><font>J). Quanto á segunda questão suscitada - ser ou não o A. titular do direito de preferência sendo proprietário de um prédio com área inferior à unidade de cultura por poder dar lugar à constituição de um latifúndio a questão é linear afirmando o acórdão fundamento "O proprietário confinante tem o direito de preferir, mesmo que a área do seu prédio iguale ou exceda a da unidade de cultura, desde que o prédio alienado tenha uma dimensão inferior a essa unidade, o mesmo direito assistindo ao proprietário do prédio confinante com área inferior à unidade de cultura, ainda que o prédio objecto de alienação tenha uma área igualou superior a essa mesma unidade [sumário]" </font></i>
</p><p><i><font>K) Parece-nos assim que o Acórdão da Relação recorrido está em contradição com outro(s) transitado em julgado, proferido por Tribunal da Relação e até Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre as mesmas questões fundamentais de direito tal como exige o art. 672º nº 1 al. c) do Novo C.P.C. para a revista excepcional caso se entenda', o que não se concede, aplicável este regime de recursos e por isso se invoca apenas a título subsidiário. </font></i>
</p><p><i><font>L) Discute-se neste processo, de forma sucinta, se o AA, ora Recorrente, tem ou não direito de preferência sobre o prédio designado por "...", sito na freguesia de …, concelho de ..., com a área total de 252,5250 há., inscrito na matriz sob o artigo …, a desanexar do prédio misto com a mesma denominação "...", com a área total de 260,6500 ha., sito na freguesia de …, concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial desse concelho sob a ficha nº … de 14 de Julho de 2000, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1 da secção B e na matriz urbana sob o artigo … [prédio melhor descrito nos pontos A) e B) da matéria assente] </font></i>
</p><p><i><font>M) Prédio que, no dia 30 de Setembro de 2005 foi vendido, por escritura pública de compra e venda aos Réus CC e DD, pela Ré "BB - … SA", pelo preço escriturado de €350.000,00 - trezentos e cinquenta mil euros. [Facto que se encontra assente sob o facto F]. </font></i>
</p><p><i><font>N) Sem que ao AA. tivesse sido comunicado o projecto de venda, do prédio assim referido, não lhe tendo comunicado a identidade do pretenso comprador, o preço, o tempo da outorga da escritura e as respectivas condições de pagamento [Facto que foi levado à sentença como assente pela inscrição G), mas que devia outrossim ter sido considerado provado pela resposta negativa que os quesitos 10 a 10-E mereceram na decisão sobre a matéria de facto]. </font></i>
</p><p><i><font>O) Sendo que o M. é proprietário de um prédio (acima descrito) confinante com o alienado aos Segundo e terceira Ré pela Primeira de área inferior à Unidade de Cultura para aquela zona - Facto assente em O) e E) - e </font></i>
</p><p><i><font>P) Já o era no momento da outorga da escritura pública. </font></i>
</p><p><i><font>Q) Os referidos segundo e terceira Ré, adquirentes do prédio, não são proprietários de qualquer outro prédio confinante com aquele que está em causa na presente acção</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>- citando mui douta sentença por ocasião da subsunção jurídica dos factos considerados provados. </font></i>
</p><p><i><font>R) E esta é a questão suscitada: Com estes factos provados deve ou não acção e o recurso serem procedentes porque parafraseando a sentença de 1ª instância, uma vez que temos, dois prédios rústicos confinantes, um deles tem a área inferior à unidade de cultura definida para a região, não foi dado ao AA a possibilidade de preferir na venda; os Réus adquirentes não são proprietários de qualquer outro prédio que também seja confinante. </font></i>
</p><p><i><font>S) O A. na qualidade de proprietário de prédio confinante com área inferior à unidade de cultura beneficia de direito de preferência na venda do prédio vendido e adquirido pelos réus e deve, por isso, substituir os réus compradores na escritura de compra e venda é o que se pede e é estamos convictos o que se decidirá fazendo-se justiça. </font></i>
</p><p><i><font>T) Mas no acórdão recorrido estamos desde logo perante uma verdadeira contradição entre a fundamentação e a decisão (art. 615º, nº 1 al. c) do actual C.P.C.). </font></i>
</p><p><i><font>U) Afirma-se no acórdão recorrido "Com efeito, uma proposta de venda difere - possuindo um âmbito mais lato ou vago - de uma comunicação de um projecto de venda, sendo que o nº 1 do citado art. 416º o que exige é que o obrigado à preferência comunique ao preferente que prometeu vender (mas antes de consumada a venda) [sublinhado nosso] devendo constar de tal comunicação todas as clausulas essenciais do contrato projectado (nomeadamente o preço da venda, o prazo de pagamento do preço e a identidade do comprador) " </font></i>
</p><p><i><font>V) Desta afirmação decorre inequivocamente que o momento para aferir da existência ou não do direito de preferência é o momento da consumação da venda</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>e que a "comunicação para a preferência" deverá ser sempre posterior à "estabilização dos elementos essenciais do negócio" e nunca simultânea com ela. </font></i>
</p><p><i><font>W) E esta interpretação é a única que a lei comporta já que nela não se estabelece nenhum prazo para a comunicação da preferência, nem nenhum momento a partir do qual essa comunicação deixa de ser exigível e «Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus». </font></i>
</p><p><i><font>X) A conclusão decisória é contraditória com esta doutrina considerando, por apelo à sentença de 1ª instância que a obrigação de comunicação de preferência se esgota e caduca ou prescreve no momento em que ficam estabilizados os elementos essenciais do negócio máxime através da celebração de um contrato promessa e não no único momento relevante que é o da venda </font></i>
</p><p><i><font>Y)Isto, para além de no recurso terem sido expressamente invocadas as questões da alteração do preço ou, no mínimo da respectiva forma de pagamento; e de tais questões terem sido absolutamente desconsideradas; num comportamento processual que não pode deixar de ser reconduzido a uma omissão de pronúncia (art.615º, nº1 al. d)). </font></i>
</p><p><i><font>Z) De facto, no recurso interposto da sentença de 1ª instância, e que no essencial se reproduzirá por o acórdão recorrido se ter louvado expressamente na fundamentação da sentença afirmava-se nas respectivas conclusões que são o que releva nesta sede. </font></i>
</p><p><i><font>XXXVI. Ora no caso dos autos, a celebração do contrato promessa de compra e venda, que não pode como se disse, apresentar-se como venda para efeito do exercício legal de preferência, é ainda mais frágil se atentarmos que o próprio contrato promessa não se manteve constante até à venda que, só ocorreu cerca de 6 meses depois. </font></i>
</p><p><i><font>De facto, é a seguinte a factualidade provada com relevância para a situação em apreço: </font></i>
</p><p><font>·</font><i><font>“Em finais de Janeiro e inicio de Fevereiro de 2005, a Ré BB SA divulgou na região de ... que pretendia vender o "..." pelo preço de quinhentos mil euros negociável' - Facto provado em U). </font></i>
</p><p><font>·</font><i><font>no dia 23 de Março de 2005 - a Re BB SA, na qualidade de promitente vendedora, e o co-réu CC, na qualidade de promitente comprador, declararam por escrito, e cujas assinaturas foram reconhecidas presencialmente perante notário, que a primeira prometia vender ao segundo e este prometia comprar-lhe, livre de ónus ou encargos a parte do prédio "...': sito na freguesia de Santa..., concelho de ..., a que corresponde a fracção com a área de 252,5250ha., inscrito na matriz predial urbano sob o artigo … e na matriz predial rustica sob o artigo 1 - secção B e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº …, pelo preço de quatrocentos mil euros" - Facto provado em B). </font></i>
</p><p><font>·</font><i><font> por Escritura Pública celebrada no dia 16 de Maio de 2005, no Cartório Notarial em Vilamoura, EE e mulher, (...) declararam doar ao seu filho AA (M. no presente processo e recorrente da sentença proferida), por conta das suas quotas disponíveis e sem qualquer reserva o encargo, o prédio Rústico denominado "...", sito na freguesia de Santa..., concelho de ... composto de cultura arvense com a área de sessenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados (...)" - facto provado em O) e E). </font></i>
</p><p><font>·</font><i><font>Ficou também assente que o direito ao exercício legal de preferência sobre o imóvel vendido pelo primeiro Reu aos segundos, que o AA. pretende ver reconhecido decorre precisamente da propriedade do imóvel supra identificado. </font></i>
</p><p><font>·</font><i><font> por escritura pública outorgada no dia 30 de Setembro de 2005 no Primeiro Cartório da Secretaria Notarial de …, FF, na qualidade de Procurador da sociedade Anonima BB (. . .) declarou vender aos co-réus CC e DD estes declararam aceitar comprar, pelo preço de trezentos e cinquenta mil euros, o prédio isto denominado "..." (…)" (Facto F) </font></i>
</p><p><font>·</font><i><font> por escritura pública celebrada no dia 18 de maio de 2006 no Cartório da Secretaria Notarial de …, intitulada de rectificação, FF, na qualidade de procurador da Sociedade Anónima BB (. . .), CC e DD (todos réus no processo e ora Recorridos) rectificaram a escritura de comora e venda do prédio "..." a que se alude em F) no sentido de ficar a constar que o prédio foi vendido pelo preço acordado e pago de quatrocentos mil euros - facto provado em I) </font></i>
</p><p><i><font>XXXVII. Ora ressalta desde logo que o contrato promessa outorgado em 23 de Março de 2005 não teve a intervenção da Ré adquirente DD, o que obsta a que se considere que os elementos essenciais do negócio tenham sido fixados naquele contrato, já que, sendo a identidade dos compradores, um elemento essencial, forçoso é concluir que os mesmos se alteraram. </font></i>
</p><p><i><font>XXXVIII. Depois o próprio preço prometido não foi o preço que posteriormente foi declarado na venda celebrada em 30 de Março, data em que para todos os efeitos se consideram preenchidos os pressupostos para a instauração da acção de preferência correspondente. </font></i>
</p><p><i><font>XXXIX. Depois, quanto à modalidade do pagamento do preço pago, e ainda que nesta parte, e sem conceder, se acompanhe a sentença proferida, é evidente que o preço não foi pago no ato da escritura, nem tão pouco foi objecto de pagamento faseado que constava do contrato promessa de compra e venda. </font></i>
</p><p><i><font>XL. De facto, acerca do preço pago a decisão recorrida não relevou como devia o depoimento de parte prestado pela Ré adquirente DD produzido na primeira sessão de julgamento ocorrida no dia 15 de Maio de 2012, e que se encontra gravado em suporte magnético de gravação com início às 11h53m01 ss, e fim às 12h01m55ss, referiu o seguinte: </font></i>
</p><p><i><font>" A matéria do quesito 20.º, declarou que, com o co-réu, pagou o preço de € 400.000. (...) Confrontada com a escritura pública de fls. 25, mantém que o preço foi de € 400.000,00, € 350.000,00 pagos no acto da escritura e € 50.000,00 pagos em data posterior, em dinheiro. Isto aconteceu porque a depoente e o co-réu não tinham a quantia necessária para pagar a totalidade do preço na data da escritura. </font></i>
</p><p><i><font>XLI. O que equivale a dizer que foi a própria Ré quem reconheceu que no momento da outorga da escritura só estavam pagos €350.000,00 e que, o pagamento do preço acordado estava dependente de capacidade económica dos Réus, condições que não constavam manifestamente do contrato promessa celebrado em Março de 2005. </font></i>
</p><p><i><font>AA) E sobre esta questão expressamente suscitada (preço e respectiva forma de pagamento) o acórdão recorrido limitou-se a afirmar: "sendo que o preço prometido em tal transacção, no valor de 400.000 Euros, foi o preço que veio efectivamente a ser pago (fls.72) Omitindo qualquer pronúncia sobre as questões suscitadas quer quanto ao preço, quer quanto á confissão sobre a respectiva forma de pagamento que constitui indubitável elemento essencial do negócio e que não constava do contrato promessa. </font></i>
</p><p><i><font>BB) O acórdão recorrido parafraseando a sentença de 1ª instância e fazendo seus, por citação os respectivos argumentos, declara improcedente o recurso no essencial porque "os elementos essenciais do negócio, o chamado projecto de venda, estabilizaram-se com a outorga do contrato promessa de compra e venda a que se alude em B), ou seja a 23 de Março de 2005, (...) só que (...) nessa data, o Autor não era proprietário de qualquer prédio confinante, vindo o prédio de que agora se arroga proprietário a "nascer" (...) apenas em Maio de 2005, concluindo depois que "por não ser proprietário do prédio confinante no momento em que à Ré BB seria exigível a comunicação do negócio para efeitos de exercício de direito de preferência, não assiste ao AA. o direito de ver reconhecida a preferência legal. </font></i>
</p><p><i><font>CC) Ora o art. 1410º C. Civil, preceito que rege, em geral, a matéria, estabelece que o beneficiário da preferência a quem não se dê conhecimento da venda</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>tem o direito de haver para si a coisa alienada, desde que o requeira dentro de seis meses, contados do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço. </font></i>
</p><p><i><font>DD) A exercitabilidade do direito de prelação através da acção de preferência pressupõe, como do preceito resulta, a violação da obrigação de preferência, com a consumação da alienação</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>sem satisfação do dever de comunicação do projecto da venda e cláusulas do contrato ou mediante irregular cumprimento desse dever (art. 416º, n.º 1 C. Civil). </font></i>
</p><p><i><font>EE) Ora, do regime legal acima explicitado decorre que, o momento, a circunstância o acontecimento relevante para o exercício legal do direito de preferência é a venda, é a alienação,</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>e não como pretende o acórdão recorrido a celebração de um qualquer contrato promessa de compra e venda, que podia não chegar a ser concretizado, cujos termos e condições podiam não ser as contratualizadas e que por ser mera promessa de aquisição, não opera qualquer alteração ao direito de propriedade que continua a ser do Promitente vendedor. </font></i>
</p><p><i><font>FF) Mas mais não faz sentido defender que o direito de preferência nasceu e morreu no momento em que os Réus celebraram entre si o contrato promessa, já que isso levaria à conclusão de que, qualquer preferente a quem não tivesse sido comunicada a intenção da venda nesse momento, com copia do contrato promessa, tivesse de lançar mão de acção de preferência antes da concretização do negocio prometido; e numa situação absurda podia ter de preferir não sobre uma venda mas sobre uma promessa de venda. </font></i>
</p><p><i><font>GG) Ora, cremos que, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido o momento relevante será o da venda e não o da outorga do contrato promessa de compra e venda que não é atentatório ou violador do direito de preferência dos proprietários confinantes, com o prédio objecto de contrato, em nada bulindo com o direito real de preferência que, até à venda, continua a ser susceptível de ser exercido. </font></i>
</p><p><i><font>HH) Dizendo de outro modo, o contrato-promessa de compra e venda não tem a virtual idade de transferir a propriedade, já que se trata de contrato de prestação de facto, que pode não ser sequer consumado, como acima se disse. </font></i>
</p><p><i><font>11)Por outro lado, até por recurso ao lapso de tempo decorrido desde a outorga do contrato promessa até a celebração da escritura pública de compra e venda, temos como evidente que não pode fixar-se naquele único momento (celebração do contrato promessa) a obrigação que pendia sobre o Reu BB de comunicar aos proprietários confinantes o projecto de venda. </font></i>
</p><p><i><font>JJ) Recorrendo ainda à redacção literal da norma jurídica vertida no artigo 1380º nº 1 do CC, constatamos que os direitos legais de preferência incidem sempre sobre uma alienação, tendo por objecto a compra e venda ou a dação em cumprimento, um negocio que precisamente altere a titularidade do direito de propriedade da coisa vendida, o que não é manifestamente compatível com a celebração de um contrato promessa de compra e venda como o outorgado por um dos adquirentes. </font></i>
</p><p><i><font>KK) Circunstância que é também condição para a interposição da acção legal de preferência a que alude o art. 1410º do CC, que estabelece que só quando o alienante tenha o dever de oferecer a preferência a alguém, na altura da venda ou dação em pagamento do imóvel, e haja faltado ao cumprimento desse dever, é que o lesado pode recorrer à acção de preferência. </font></i>
</p><p><i><font>LL) Seguindo aqui o entendimento de H. MESQUITA, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, 211, nota 132, RLJ, 126º-62 e 132.º-191 e ss, se, ou enquanto, o obrigado não efectuar a notificação para preferir e enquanto o negócio de venda ou dação projectado, haja ou não contrato-promessa, se não efectivar, o preferente legal não pode invocar ou exercitar qualquer direito. Até que ocorra um desses factos ou situações, através dos quais adquire o respectivo direito subjectivo, o preferente legal mantém-se tão só como detentor da expectativa que a norma legal que lhe reconhece o direito lhe atribui - a de virem a verificar-se essas condições, que fazem surgir o direito a favor do preferente (no caso de alienação, o direito potestativo de substituição através da acção de preferência).</font></i><b><i><font> </font></i></b>
</p><p><i><font>MM) Não prevendo a lei qualquer prazo para a comunicação da preferência o único momento que releva para aferir da existência do direito é o da venda; ou, no limite e recorrendo ao elemento sistemático da interpretação o prazo de 8 dias anterior à venda por ser esse o prazo que o preferente dispõe para declarar se pretende ou não preferir. </font></i>
</p><p><i><font>NN) Mas no caso concreto o entendimento sufragado no acórdão recorrido é tanto mais inconsistente se tivermos em conta que, como acima se disse, o contrato promessa foi celebrado apenas por um dos Réus, e por um preço diferente do preço que viria a ser pago pelo Réus adquirentes, na data da outorga da escritura publica de compra e venda. </font></i>
</p><p><i><font>00) Ora, mobilizando uma vez mais os ensinamentos do professor H. Mesquita, na obra acima citada, págs. 225 e ss, pode afirmar-se que, no exercício legal de preferência, estamos perante uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, do direito (...)», que se inicia com o momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio de alienação e se desenvolve até à respectiva efectivação, fase em que, sucessivamente, o preferente goza do direito (creditório) à notificação do negócio projectado, do direito (potestativo) de declarar preferir e do direito (creditório) de exigir que consigo seja realizado o contrato projectado. </font></i>
</p><p><i><font>PP) Só com a escritura pública de compra e venda outorgada no dia 30 de Setembro de 2005 se fixaram os elementos essenciais à concretização do projecto, da intenção de venda do imóvel aos adquirentes,</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>desde logo foi ali que se estabeleceram os concretos adquirentes, ao passo que no contrato promessa apenas havia intenção de vender a um dos Réus, foi ali que se fixou o preço de 350.000,00, mais baixo do que o preço prometido vender e foi também ali que ficaram definidas a modalidade e o tempo do pagamento. </font></i>
</p><p><i><font>00) Intimamente ligada ao | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzKHu4YBgYBz1XKv-RfL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>AA, BB e outros intentaram esta acção contra CC - SA, pedindo que esta fosse condenada: a encerrar imediatamente as suas instalações ou, em alternativa, a executar nelas obras de insonorização e proteção que eliminem total e efectivamente a produção de ruído na fração dos AA, e que ao máximo evitem a produção de cheiros, insetos e poluição de forma a não prejudicar os direitos ao repouso, sossego, saúde e à qualidade de vida dos mesmos e a fruição do seu direito de propriedade; e a pagar a cada um dos AA a quantia global de € 6.000, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros.</font>
</p><p><font>A R contestou, invocando que age no interesse público, que as suas instalações existem no local desde há mais de 20 anos antes das aquisições das frações pelos AA, que o respectivo perímetro está vedado com painéis para proteção do som, que não pode alterar o horário de laboração e que alterou os seus procedimentos para reduzir o som, tendo pedido a condenação dos AA como litigantes de má-fé, por terem distorcido conscienciosamente a verdade.</font>
</p><p><font>Foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a R a encerrar imediatamente as suas instalações, entre as 20 horas e as 7 horas, e a pagar à A BB a quantia de € 2.500 e a cada um dos demais autores a quantia de € 1.000, bem como absolvendo a R do restante peticionado e os AA da condenação como litigantes de má fé, tendo sido fixadas as custas na proporção de metade para os AA e para a R.</font>
</p><p><font>A Relação de …, julgando a apelação improcedente, confirmou na íntegra a sentença.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A R interpôs recurso de revista excepcional desse acórdão, delimitando o seu objecto com conclusões que colocam as questões de saber se:</font>
</p><p><font>1. – O acórdão da Relação sofre de nulidade por omissão de pronúncia sobre as questões versadas nas conclusões R a X da apelação (artigo 13º nº 3 da LGR e abuso de direito).</font>
</p><p><font>2. – A R deve ser absolvida do pedido porquanto:</font>
</p><p><font>2.1. – É legítimo um pequeno sacrifício do direito pessoal dos AA (detentores de licença mais recente), só ocasionalmente violado, para que a R possa continuar a exercer diariamente, entre a 5h e as 7h, as suas actividades, porque estas têm em vista a prossecução do interesse público na defesa do ambiente e da qualidade de vida de todos os cidadãos.</font>
</p><p><font>2.2. – É abusivo o exercício do direito invocado pelos AA, perante a desproporção entre os seus interesses, só ocasionalmente violados, e os prosseguidos pela laboração da R no local, há muitos anos, à vista de todos, como era do conhecimento dos AA, antes de comprarem as fracções.</font>
</p><p><font>2.3. – Nos factos provados não se retiram danos susceptíveis de merecerem a indemnização fixada.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A Formação deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do CPC admitiu o recurso de revista, nos termos do nº 2 b) do mesmo artigo, por considerar estar em causa a relevante ponderação sobre o conflito entre direitos de personalidade e o direito ao ambiente e à qualidade de vida, bem como sobre a necessidade de cedências de um em favor do outro ou da prevalência de um deles.</font>
</p><p><font>*</font>
</p><p><font>Importa apreciar as questões enunciadas e decidir, para o que releva a seguinte matéria de facto: </font>
</p><p><font>Dos factos assentes:</font>
</p><p><font>1) Por escrito notarial datado de 22 de Abril de 2008, a «DD, S.A.», AA e BB, celebraram um acordo que denominaram de "Compra e Venda", nos termos do qual aquela sociedade declarou vender a estes, a fração autónoma designada pelas letras "DB", correspondente ao quinto andar, lado direito do Bloco H – … – destinado a habitação, do prédio urbano denominado Parque …, sito em …, na Av. …/Rua … e Rua …, freguesia de …, concelho …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n° 0074, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo P00538.</font>
</p><p><font>2) Por escrito notarial datado de 24 de Abril de 2008, a «DD, S.A.», EE e FF, celebraram um acordo que denominaram de "Compra e Venda", nos termos do qual aquela sociedade declarou vender a estas, a fração autónoma designada pelas letras "CU", correspondente ao segundo andar, lado esquerdo do Bloco H – ... – destinado a habitação, do prédio urbano denominado Parque …, sito em …, na Av. …/Rua … e Rua …, freguesia e concelho …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n°0074, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo P00538.</font>
</p><p><font>3) Por escrito notarial datado de 22 de Abril de 2008, a «DD, S.A.», GG e HH, celebraram um acordo que denominaram de "Compra e Venda", nos termos do qual aquela sociedade declarou vender a estes, a fração autónoma designada pelas letras "CN", correspondente ao quinto andar, lado esquerdo do Bloco G – … – destinado a habitação, do prédio urbano denominado Parque …, sito em …, na Av. …/Rua … e Rua …, freguesia e concelho …, descrito na 1.a Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n° 0074, da referida freguesia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo P00538.</font>
</p><p><font>4) O prédio urbano Parque … situa-se numa área residencial da cidade de …;</font>
</p><p><font>5) Na Rua …, existem umas instalações da ré que servem de ponto de apoio destinado à limpeza urbana e recolha de Resíduos da Baixa de ….</font>
</p><p><font>6) Entre o prédio e as instalações da ré, existe apenas uma rua de poucos metros que os separam.</font>
</p><p><font>7) A ré utiliza as suas instalações, quer durante o período diurno, quer durante o período noturno, de segunda-feira a domingo.</font>
</p><p><font>8) Os autores solicitaram à «II, Lda» um estudo de monitorização de ruído ambiente na habitação do 5.° Direito do Condomínio do Parque …, sito no n° 043 da …, cujo relatório se encontra junto a fls. 84-93.</font>
</p><p><font>9) Os autores AA e BB habitam na fração referida em 1) desde o dia 25 de Abril de 2008. </font>
</p><p><font>10) As autoras EE e FF habitam na fração referida em 2) desde o dia 1 de Maio de 2008. </font>
</p><p><font>11) Os autores GG e HH habitam na fração referida em 3) desde 20 de Junho de 2008. </font>
</p><p><font>12) As instalações referidas em 5) não têm qualquer proteção ao nível da insonorização.</font>
</p><p><font>13) Quer durante o dia, quer durante a noite, movimentam-se dezenas de pessoas afetas à Ré, nas instalações referidas em 5). </font>
</p><p><font>14) Quer durante o dia, quer durante a noite camiões, carros, carrinhas e máquinas da ré deslocam-se no interior e exterior das instalações referidas em 5). </font>
</p><p><font>15) Quer durante o dia, quer durante a noite, ocasionalmente, o pessoal que trabalha para a ré movimenta-se de forma ruidosa.</font>
</p><p><font>16) Ocasionalmente, usando um tom de voz alto e por vezes gritando. </font>
</p><p><font>17) São depositados pela ré nas instalações referidas em 5), caixas e contentores com lixo, essencialmente papel e cartão. </font>
</p><p><font>18) Nas instalações referidas em 5), são efetuados procedimentos de lavagem de carros e contentores do lixo durante o dia. </font>
</p><p><font>19) O carregamento dos contentores e equipamentos nos camiões gera ruído audível nas frações dos Autores, mesmo que estejam de janelas fechadas. </font>
</p><p><font>20) Por vezes o barulho dos motores dos camiões, veículos e máquinas pertencentes à ré causa desconforto auditivo aos autores. </font>
</p><p><font>21) Atualmente, no período noturno, a fase de maior atividade no estaleiro ocorre entre cerca das 5h e as 7 horas.</font>
</p><p><font>22) Período esse que corresponde a tempo de descanso dos autores.</font>
</p><p><font>23) Por força das movimentações de viaturas e do pessoal da ré, nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas, os autores e seus filhos acordam várias vezes a meio da noite.</font>
</p><p><font>24) Alguns dos Autores trabalham. </font>
</p><p><font>25) Os barulhos produzidos à noite nas instalações da Ré acordam os Autores e prejudicam o seu sono e adormecer, o que lhes causa irritabilidade e ansiedade, provocando à A BB profunda ansiedade e angústia.</font>
</p><p><font>26) A diferença entre o valor do indicador L (índice Aeq) do ruído ambiente, incluindo o causado pelas máquinas pertencentes à ré e pelos trabalhadores afetos à mesma, nas instalações referidas em 5), e o valor do indicador L (índice Aeq) do ruído residual, no período noturno, não ultrapassa o valor de 2 dB. </font>
</p><p><font>27) Os autores fizeram diligências junto da ré e da Câmara Municipal de …, com vista a solucionar a situação. </font>
</p><p><font>28) Não foi possível chegar a algum tipo de acordo sobre a forma de salvaguardar o interesse de ambas as partes. </font>
</p><p><font>29) As instalações referidas em 5) servem de apoio a cantoneiros de varredura manual que ali iniciam e terminam o seu serviço, a 3 varredoras, a 3 carrinhas de apoio ao transporte de funcionários, e duas esfregadoras lavadouras.</font>
</p><p><font>30) No local referido em 5) encontram-se cerca de uma ou duas dezenas de contentores de resíduos sólidos urbanos, iguais aos que se encontram na via pública, uma caixa compactadora para papel/cartão e um contentor trapezoidal.</font>
</p><p><font>31) O perímetro das instalações referidas em 5) encontra-se vedado com painéis. </font>
</p><p><font>32) O local referido em 5) serve de local de abastecimento de água aos autotanques e varredoras mecânicas, bem como de lavagem das mesmas. </font>
</p><p><font>33) As máquinas varredoras estão certificadas. </font>
</p><p><font>34) As máquinas varredoras são munidas de aspersores colocados diante das escovas e têm um sistema de aspiração que, no decorrer da limpeza na via pública lançam jatos de água que humedecem as poeiras, impedindo a sua passagem para o meio ambiente. </font>
</p><p><font>35) As poeiras aspiradas ficam alojadas em cuba própria. </font>
</p><p><font>36) E são pulverizadas, impedindo que se dispersem aquando da sua transferência para o contentor trapezoidal referido em 30), sendo aí de imediato lavadas. </font>
</p><p><font>37) O papel e cartão recolhidos são compactados durante o dia. </font>
</p><p><font>38) Os resíduos recolhidos nas praias chegam às instalações referidas em 5) ensacados em sacos de plástico. </font>
</p><p><font>39) Os contentores de resíduos sólidos urbanos, existentes em 5), têm todos tampa. </font>
</p><p><font>40) E contêm os resíduos provenientes da recolha de papeleiras e dos equipamentos de deposição existentes nas praias</font>
</p><p><font>41) Todos os resíduos são recolhidos diariamente do local referido em 5), transportados e acondicionados para a Central de …. </font>
</p><p><font>42) O que ocorre dentro do horário diurno.</font>
</p><p><font>43) Além das instalações referidas em 5), a ré tem Centros de Apoio na … e em ….</font>
</p><p><font>44) Estas unidades ou polos operacionais são fundamentais para o cabal exercício do serviço prestado aos munícipes.</font>
</p><p><font>45) As actividades levadas a cabo pela ré são-no por imperativos operacionais e tendo em vista o bem-estar público, a higiene e a salubridade pública.</font>
</p><p><font>46) As ações de lavagem de ruas, passeios, esplanadas, com agulhas de alta pressão e meios mecânicos, assim como limpeza de areais etc. causam muito maior perturbação aos munícipes se efetuadas durante o dia, face ao que ocorre se feitas em horários noturnos.</font>
</p><p><font>47) O local referido em 5) serve ainda de suporte aos colaboradores da ré, incluindo chefia básica, picagem de ponto, balneários e casas de banho.</font>
</p><p><font>48) Do referido local saem apenas os trabalhadores afetos à limpeza urbana da baixa de ….</font>
</p><p><font>49) O que fazem a pé das instalações para os vários destinos, transportando os carrinhos de varredura com rodas de borracha.</font>
</p><p><font>50) O que fazem uma vez por dia. </font>
</p><p><font>51) A saída dos cantoneiros para a varredura manual e mecânica processa-se em regra entre as 05h e as 5h30m e regressam no fim do turno pelas 12h. </font>
</p><p><font>52) As primeiras descargas do cartão e papel e das varredoras processam-se depois das 07h00m, assim como o abastecimento dos autotanques, os quais, quando iniciam o trabalho já vêm atestados da …. </font>
</p><p><font>53) As primeiras recolhas das caixas trapezoidais iniciam-se depois das 12h. </font>
</p><p><font>54) As varredoras deslocam-se ao local referido em 5), para transbordo, duas vezes por turno.</font>
</p><p><font>55) As caixas trapezoidais são recolhidas uma vez por dia. </font>
</p><p><font>56) As carrinhas ligeiras do papel e monos vão ao local duas vezes por dia. </font>
</p><p><font>57) E os autotanques abastecem duas vezes por dia. </font>
</p><p><font>58) A ré alertou os funcionários para conversarem o mínimo possível no início do turno.</font>
</p><p><font>59) As varredoras que habitualmente entravam dentro da secção para receberem o serviço passaram a ficar paradas e desligadas no exterior para evitar manobras.</font>
</p><p><font>60) A recolha de JJ tanto das ilhas ecológicas como dos contentores existentes na secção passaram a ser recolhidos a partir das 7h</font>
</p><p><font>61) O abastecimento de água nas máquinas passou a ser feito de véspera e o reabastecimento, bem como a descarga a meio do turno só é feita após as 7h. </font>
</p><p><font>62) A ré alertou os motoristas de viaturas que não podem ter o rádio ligado no início do turno.</font>
</p><p><font>63) A recolha das trapezoidais (produtos da varredura, caixas de terra, caixas de resíduos verdes e compactadora de papel cartão), passou a ser feita sempre após as 12h. </font>
</p><p><font>64) A limpeza da secção é executada diariamente antes da saída do turno da manhã, cerca das 11h30. </font>
</p><p><font>65) Todos os veículos ficam estacionados de forma a saírem para o circuito sem ter de executar qualquer tipo de manobra.</font>
</p><p><font>66) Nas datas referidas em 9) a 11), a Câmara Municipal de … já utilizava o local referido em 5) há mais de 20 anos e a ré, há mais de 5 anos. </font>
</p><p><font>67) Com a atividade da natureza similar à que hoje desenvolve, mas com menor intensidade. </font>
</p><p><font>68) À vista de toda a gente e com conhecimento de todos. </font>
</p><p><font>69) Nos últimos 10/11 anos, as instalações referidas em 5) têm servido exclusivamente o fim aí igualmente referido.</font>
</p><p><font>70) Os autores em sede de audiência final deram conhecimento ao tribunal que o referido em np-3 é falso. </font>
</p><p><font>Factos julgados não provados:</font>
</p><p><font>np-1) Os trabalhadores da R arrastam contentores pela estrada quando abandonam a área a pé. </font>
</p><p><font>np-2) As instalações da R estão rodeadas de moscas, varejeiras e outros insectos.</font>
</p><p><font>np-3) As instalações da R emanam mau cheiro.</font>
</p><p><font>np-4) Esse mau cheiro obriga a que as frações dos AA tenham de estar com as janelas fechadas.</font>
</p><p><font>np-5) O ruído causado pelas máquinas pertencentes à R e pelos trabalhadores afetos à mesma, nas instalações referidas em 5), no período diurno, é de cerca 14 dB (decibéis). </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. A nulidade.</font>
</p><p><font>O tema do vício que, nesta vertente, a recorrente assaca à decisão recorrida foi já debatido pelo próprio Tribunal da Relação em termos que merecem a nossa adesão. Ainda assim, aditaremos umas brevíssimas ponderações.</font>
</p><p><font>Embora a recorrente, ao delimitar o objecto do recurso, não cuide de referenciar o normativo a que parece querer aludir, é certo que, à luz do disposto no art. 615º, nº 1, d), do CPC, a decisão é nula quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» (</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>). </font>
</p><p><font>Porém, desde logo, contrariamente ao entendimento subjacente ao recurso, as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável (</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>). </font>
</p><p><font>Ora, contra o alegado no recurso, é completamente evidente que a imputação do vício consistente na omissão de pronúncia sobre as conclusões R) a X) das alegações da apelação é fruto de manifesto equívoco. Com efeito, a recorrente, embora afirme que a Relação não conheceu de questão de que deveria conhecer, não identifica qualquer questão putativamente obnubilada, a qual, realmente, não ocorreu: como já se esclareceu (</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>), a previsão da citada al. d) prende-se com o incumprimento do dever (prescrito no art. 608º, nº 2, do CPC) de resolver todas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>). </font>
</p><p><font>A Relação conheceu e decidiu a única questão que, nesse conspecto, deveria (e poderia) apreciar, a da adequação da decisão proferida pela 1ª instância aos factos provados, com a fundamentação, expressa ou implícita, que para tal reputou de apropriada. Ora, as circunstâncias de o Tribunal, nessa apreciação, não ter conferido relevância aos argumentos aduzidos pela então apelante nessas conclusões ou, mesmo, a de nem sequer lhes ter feito qualquer alusão nada têm a ver com o invocado vício, mesmo que se considere que teria sido aconselhável, dum ponto de vista da boa técnica jurídica, ter debatido tais argumentos.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Improcede, pois, a arguição de nulidade.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2.1. – O conflito entre direitos. </font>
</p><p><font>A dignidade humana, em que se baseia a República de Portugal, constitui uma irrecusável conquista civilizacional, que tem como corolários os direitos da pessoa à integridade moral e física, à protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (cf. arts. 1º, 25º, 64º e 66º da CRP). </font>
</p><p><font>Por outro lado, a todos é garantido o direito à iniciativa económica e à propriedade privada e é tarefa fundamental do Estado promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, incumbindo-lhe, para assegurar o direito ao ambiente, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, além do mais, prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana (cf. (cf. arts. 9º, 61º, 62º e 66º da CRP). </font>
</p><p><font>Costuma falar-se de quatro gerações ou dimensões de direitos fundamentais, perante a significativa evolução que foram sofrendo, tanto no que se refere ao seu conteúdo, como às suas titularidade, eficácia e efetivação: 1ª) os que se se identificam com a liberdade; 2ª) os que privilegiam a vertente social, cultural e económica, correspondendo aos direitos da igualdade; 3ª) os ligados à solidariedade, relacionados com o desenvolvimento, o meio ambiente, a propriedade sobre o património comum; e 4ª) os direitos de cidadania (democracia, informação e pluralismo). </font>
</p><p><font>A dignidade da pessoa humana constitui, evidentemente, o valor constitucional supremo em torno do qual gravitam os demais direitos fundamentais porquanto se refere às exigências básicas, no sentido de que a todos os seres humanos sejam oferecidos os recursos, materiais ou espirituais, para uma existência digna, bem como sejam propiciadas as condições para o desenvolvimento das suas potencialidades. </font>
</p><p><font>Todavia, uma das principais características dos direitos fundamentais, enquanto princípios que são, é a sua relatividade, ou seja, não se revestem de caráter absoluto, antes são limitados internamente, para assegurar os mesmos direitos a todas as outras pessoas, e também externamente, para assegurar outros direitos fundamentais ou interesses legalmente protegidos que com eles colidam, mediante a harmonização entre uns e outros, a qual sempre implicará o sacrifício, total ou parcial, de um ou mais valores. </font>
</p><p><font>Realmente, são frequentes as colisões entre direitos fundamentais: os conflitos entre o direito fundamental de um sujeito e o mesmo ou outro direito fundamental ou interesse legalmente protegido de outro sujeito hão-de ser solucionados pelo poder judicial mediante a respectiva ponderação e harmonização, em concreto, à luz do princípio da proporcionalidade, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros e realizando, se necessário, uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual. </font>
</p><p><font>A essência e a finalidade deste princípio da proporcionalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos diversos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes, através da sua harmonização e da otimização do meio escolhido com a observação das seguintes regras ou subprincípios: - i) a sua adequação ao fim em vista; - ii) a sua indispensabilidade em relação a esse fim (devendo ser, ainda, a que menos prejudica os cidadãos envolvidos ou a coletividade); - iii) a sua racionalidade, medida em função do balanço entre as respectivas vantagens e desvantagens. </font>
</p><p><font>Por fim, nessa ponderação, para além da máxima otimização e do menor sacrifício dos valores em confronto, também não pode olvidar-se que, em caso de colisão entre direitos fundamentais, a busca do instrumento que melhor promova o valor supremo da dignidade da pessoa humana não pode deixar de constituir, ainda, um instituto norteador da solução do caso concreto.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>No caso em apreço, estão em confronto, por um lado, os direitos dos AA ao repouso, ao sono e à tranquilidade – que constituem, sem dúvida, emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade moral e física, à protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado – e, por outro, a prossecução de uma tarefa fundamental do Estado, por intermédio da R, através das actividades que esta desenvolve, por imperativos operacionais e que têm em vista o bem-estar público, a higiene e a salubridade pública, em instalações que são fundamentais para o cabal exercício desse serviço prestado aos munícipes.</font>
</p><p><font>É certo que, como se provou (cf. pontos 5 a 7, 12 a 20, 29 a 32 e 52 a 57 dos factos), tais actividades da R, atendendo ao modo como vinham sendo realizadas, afectavam permanentemente os identificados direitos dos AA, embora com especial incidência no período nocturno (cf. pontos 21 a 26 dos factos). </font>
</p><p><font>E assim tem sido, mesmo considerando que tais actividades provocam um nível máximo de ruído inferior ao limite administrativamente fixado no Regulamento Geral sobre o Ruído (aprovado pelo DL 9/2007 de 17/1), que regulamenta a tarefa cometida ao Estado, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Ambiente (</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>), na salvaguarda da saúde humana e do bem-estar das populações, através da prevenção do ruído e no controlo da poluição sonora. Contudo, o RGR «apenas tem efeitos dentro da actividade administrativa e no seu âmbito, não podendo interferir com a salvaguarda dos direitos de personalidade das pessoas, cuja protecção se não esgota no limite do ruído estabelecido em tal diploma» (</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Como se sabe, o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nas instâncias, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, quer no requerimento de interposição, quer nas conclusões da alegação (art. 635º do CPC).</font>
</p><p><font>Portanto, neste caso, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação da recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver. </font>
</p><p><font>Quanto ao primeiro desses factores delimitadores, convém relembrar que os AA haviam pedido a condenação da R, a título principal, a encerrar imediatamente as suas instalações e, em alternativa, a executar nelas obras de insonorização e proteção que eliminem total e efectivamente a produção de ruído na fração dos AA, e que ao máximo evitem a produção de cheiros, insetos e poluição de forma a não prejudicar os direitos ao repouso, sossego, saúde e à qualidade de vida dos mesmos e a fruição do seu direito de propriedade.</font>
</p><p><font>Na decisão recorrida, tal como na da 1ª instância, foram considerados relevantes para a condenação da R apenas os danos decorrentes do ruído causado pela actividade da R entre as 20 horas e as 7 horas e daí a sua condenação a encerrar as instalações dos autos durante tal período. Assim sendo, perante o exposto e o objecto deste recurso de revista, com a delimitação acima enunciada, está agora apenas em causa a manutenção da pretensão dos demandantes, acolhida na decisão recorrida, ao encerramento das instalações da R no período diário compreendido entre as 5 e as 7 horas, por causa do ruído e nada mais.</font>
</p><p><font>Sustenta a recorrente que, em prol da prossecução do interesse público na defesa do ambiente e da qualidade de vida de todos os cidadãos, a limpeza de … tem de ser feita naquele período, durante o qual não há trânsito de peões e veículos, pelo que tem imperiosa necessidade de iniciar a sua laboração em tais instalações às 5h. Acrescenta, em defesa dessa tese, que: por um lado, a limpeza de ruas, passeios e esplanadas com meios manuais e mecânicos e à mangueira, fora desse período, ou seja, com pessoas e veículos nos locais públicos, não só não é praticável como acarreta uma maior incomodidade para todos os cidadãos; por outro lado, atendendo a que a R não só foi além do legalmente determinado quanto à emissão de ruído, como alterou já os seus procedimentos para atenuar ainda mais essa emissão (cf. factualidade inserta nos pontos 58 a 65), é legítimo o (pequeno) sacrifício do direito pessoal dos AA, só ocasionalmente violado.</font>
</p><p><font>Da conjugação da matéria invocada pela recorrente (pontos 58 a 65) com a inserta nos itens 12 a 16, 21, 29, 31 e 44 a 51 constata-se que: a R mitigou, acentuadamente, as causas do ruído gerado pela sua actividade e, por isso, dos danos provocados aos AA; as instalações referidas servem de apoio a cantoneiros de varredura manual que ali iniciam e terminam o seu serviço, a 3 varredoras, a 3 carrinhas de apoio ao transporte de funcionários e duas esfregadoras lavadouras e são fundamentais para o cabal exercício da actividade prestada pela R aos munícipes, por imperativos operacionais e tendo em vista o bem-estar público, a higiene e a salubridade pública; o perímetro dessas instalações, embora vedado com painéis, não tem qualquer proteção ao nível da insonorização; actualmente, no período noturno, a fase de maior atividade no estaleiro ocorre entre as 5h e as 7 horas; desse local, entre as 5h e as 5h30m, saem para os vários destinos apenas os trabalhadores afetos à limpeza urbana da baixa de …, o que fazem uma vez por dia, a pé, transportando os carrinhos de varredura com rodas de borracha; ocasionalmente, o pessoal que trabalha para a R movimenta-se de forma ruidosa e usa um tom de voz alto, por vezes gritando.</font>
</p><p><font>Parece, pois, que pode afirmar-se a essencialidade de, a partir das faladas instalações, ser iniciada, a partir da 5H, a mencionada actividade de limpeza urbana, para ser cabalmente assegurado o bem-estar público, a higiene e a salubridade pública. Realmente, à luz do senso comum, a convivência comunitária em meio urbano torna imediatamente compreensíveis os argumentos avançados pela recorrente quanto à comodidade para a generalidade dos cidadãos e à praticabilidade (exclusiva) de tal actividade ser iniciada a partir dessa hora (</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Ora, uma vez adquirida a factualidade assim sinopticamente apresentada, podemos concluir que, no período crítico em apreço neste recurso, que decorre entre as 5h e as 7 horas, continuam a conflituar dois direitos fundamentais, ambos radicados no valor dignidade da pessoa humana, ou seja, na exigência básica de que a todos os cidadãos sejam oferecidos os meios para uma existência digna.</font>
</p><p><font>Por conseguinte, nos termos já expendidos e nos do art. 335º do CC, essa colisão deverá ser encarada e solucionada mediante a ponderação e harmonização, em concreto, dos direitos em confronto, à luz do princípio da proporcionalidade, ou seja, pela escolha do meio adequado, indispensável e racional (em função do balanço entre as respectivas vantagens e desvantagens) para a preservação, tanto quanto possível, de ambos os direitos fundamentais. </font>
</p><p><font>Nesta ponderação, não pode olvidar-se o facto de as ora questionadas instalações serem usadas numa atividade de natureza similar à que hoje lá se desenvolve desde havia mais de 20 anos antes de todos os AA adquirirem as suas fracções e as passarem a habitar (Abril a Junho de 2008), à vista e com conhecimento de todos (cf. pontos 66 a 69) (</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>). O que não obsta a que, dada a fundamentalidade do direito dos AA, apesar da demonstrada indispensabilidade de a R desenvolver a sua prestação no período compreendido entre as 5 e as 7h, deva esta ser exercida com a adopção das medidas indispensáveis a alcançar o adequado equilíbrio entre os benefícios que a comunidade colhe dessa actividade e a maior mitigação possível do sacrifício suportado por aqueles em prol do bem-estar, da higiene e da salubridade públicas (</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>Embora relembrando que o citado RGR, quanto aos critérios e aos limites de ruído nele fixados, se destina a regular e tem efeitos apenas dentro da actividade administrativa, parece não ser despiciendo, para o que ora nos ocupa, sondar as orientações seguidas pelo legislador nessa matéria e com aquele objectivo. Como já se disse, a actividade da R não coloca em crise os valores limite de ruído e de incomodidade a que tal Regulamento sujeita a instalação e o exercício de actividades ruidosas permanentes, no entanto, para as situações em que tal excesso se verifique, o nº 2 do artigo 13º do mesmo determina a adopção das medidas tidas por necessárias ao cumprimento desses valores de acordo com a seguinte ordem decrescente: </font>
</p><p><font>«a) Medidas de redução na fonte de ruído; </font>
</p><p><font>b) Medidas de redução no meio de propagação de ruído; </font>
</p><p><font>c) Medidas de redução no receptor sensível.»</font>
</p><p><font>E, segundo o nº 3 desse artigo, «Compete à entidade responsável pela actividade ou ao receptor sensível, conforme quem seja titular da autorização ou licença mais recente, adoptar as medidas referidas na alínea c) do número anterior relativas ao reforço de isolamento sonoro». </font>
</p><p><font>Portanto, num plano administrativo, na hipótese (não verificada na situação dos autos) de os aludidos valores limite terem sido ultrapassados, nunca se colocaria a questão da responsabilidade da R pelas medidas de redução nas habitações dos AA (receptores), nos termos daquele nº 3, tendo em vista a ponderação já avocada a propósito da factualidade inserta nos pontos 66 a 69.</font>
</p><p><font>Tudo ponderado, mostra-se que a revista deve proceder na estrita medida que resulte da limitação advinda do acolhimento da pretensão alternativamente formulada pelos AA quanto à adopção pela R de medidas tendentes à redução do ruído na fonte (produção) e da sua propagação (insonorização). Para tanto, afigura-se-nos adequado, indispensável, racional e, por isso, exigível que a R: </font>
</p><p><font>1º) no período compreendido entre as 5 e as 7h, nas instalações em questão e suas imediações | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzKJu4YBgYBz1XKvbhjy | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>“HOTEL AA, L.da”, propôs a presente ação de anulação de decisão arbitral, contra “BB, L.da”,</font><b><font> </font></b><font>ambas já identificadas nos autos, pedindo que, na procedência da impugnação, seja anulado o acórdão arbitral que </font><i><font>“declarou improcedente o pedido e estabelecimento de providência cautelar formulado na presente acção”</font></i><font>, com fundamento nas alíneas ii), iv) e vi), do nº 3, do artigo 46º, da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – Lei da Arbitragem Voluntária - (LAV), alegando, para tanto, que tem por objeto, entre outras actividades, a gestão e exploração de unidades hoteleiras, dedicando-se, por seu turno, a requerida à construção civil e obras públicas, na sequência do que, em 13 de setembro de 2012, celebraram um contrato de empreitada, com vista à construção de um hotel, em Miranda do Corvo, tendo-se convencionado para a sua execução o prazo de 730 dias.</font>
</p><p><font>Para assegurar o pontual cumprimento do contrato, a requerida apresentou garantia bancária autónoma, à primeira interpelação, no valor de €98.210,46, nos termos da qual, à primeira solicitação da requerente, a BANCO CC de ... lhe teria de pagar a referida quantia, sem necessidade de justificar o pedido, sendo que </font><i><font>“para resolução de todos os litígios deste contrato, fica estipulado a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>–</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, com sede na Rua ... – ..., expresso a renúncia a qualquer outro”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Tendo a obra sido consignada, em 5 de novembro de 2012, e a requerida iniciado a sua execução, de imediato, em 1 de outubro de 2014, solicitou a prorrogação do prazo, por mais 49 dias, não terminando os trabalhos na data acordada, onde se inclui esta prorrogação.</font>
</p><p><font>A requerente, que tomou conhecimento, em 20 de março de 2015, de que a requerida interpôs, no Centro de Arbitragem AICCOPN, uma providência cautelar, com vista a evitar o acionamento da suprareferida garantia bancária, constituindo-se o Tribunal Arbitral, em 2 e 15 de abril de 2015, sito na ..., em ..., composto por um árbitro, designado pelo Presidente do Centro de Arbitragem, e por outros dois, indicados pelas partes em litígio, deduziu oposição ao mesmo, por não ser da competência do referido Presidente a nomeação de qualquer árbitro, estando a mesma atribuída aos árbitros indicados pelas partes ou ao Tribunal Estadual competente.</font>
</p><p><font>Não obstante a oposição da requerente, o Tribunal Arbitral constituiu-se, proferindo o acórdão final, com os votos dos árbitros indicados pelo Presidente do Centro de Arbitragem e pela aqui requerida, concedendo provimento à providência cautelar e determinando que a requerente não poderia acionar a suprareferida garantia bancária.</font>
</p><p><font>A requerente fundamenta a impugnação do acórdão arbitral no facto de o mesmo ser anulável, devido à ilegalidade da composição do Tribunal arbitral, porque o Presidente do Centro de Arbitragem carecia de competência para designar um árbitro, que cabia aos indicados pelas partes ou ao Tribunal Estadual próprio, o que se veio a revelar determinante para o desfecho da decisão, porque votada pelo árbitro, assim, designado e pelo árbitro indicado pela aqui requerida.</font>
</p><p><font>A anulabilidade do acórdão proferido radica, ainda, no facto de se mostrarem violados os princípios do contraditório e da igualdade processual entre as partes, com o fundamento em não se ter dado por provado qualquer facto de onde se possa extrair a conclusão de existência de risco para o empreiteiro, nem terem sido ouvidas as testemunhas arroladas pela ora requerente, em sede de oposição à suprareferida providência cautelar.</font>
</p><p><font>A anulabilidade do acórdão reside, igualmente, na falta de indicação factual de quaisquer prejuízos que para o empreiteiro pudessem decorrer do acionamento da garantia bancária ou que os mesmos fossem superiores aos que o dono da obra suportaria se tal garantia não fosse acionada.</font>
</p><p><font>Por último, defende a requerente que o acórdão arbitral incorreu em erro notório na aplicação do direito, porquanto a requerida não podia opor-se ao acionamento da garantia bancária, dada a natureza e finalidades que presidiram à respetiva contratualização e emissão.</font>
</p><p><font>Na contestação, a requerida argui, desde logo, a incompetência do Tribunal da Relação de Coimbra, com o fundamento de que o Centro de Arbitragem convencionado tem a sua sede, no ..., pelo que, nos termos do disposto no artigo 59º, nº 1, da LAV, é de atribuir a competência para o conhecimento da ação ao Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><font>Em segundo lugar, arguiu a intempestividade da presente ação, com o fundamento em que a mesma deu entrada, no Tribunal da Relação, em 23 de setembro de 2015, tendo a requerente sido notificada do acórdão que pretende ver anulado, em 20 de julho de 2015, pelo que já se mostra esgotado o prazo de 60 dias, que vem estipulado no artigo 46º, nº 6, da LAV.</font>
</p><p><font>Relativamente à questão da ilegalidade da composição do Tribunal Arbitral, defende que a mesma não se verifica, porque a requerente recusou o árbitro indicado pelo Presidente do Centro de Arbitragem, pelo que, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 3, da LAV, podia requerer, junto do Tribunal Estadual competente, decisão a esse respeito, o que não fez, tendo de se considerar que renunciou a impugnar a decisão que viesse a ser proferida, nos termos do artigo 46º, nº 4, do mesmo diploma legal.</font>
</p><p><font>Mais refere que a designação de árbitro pelo Presidente do Centro de Arbitragem está legitimada, em face do que se dispõe no artigo 21º, do Regulamento do Centro de Arbitragem da AICCOPN.</font>
</p><p><font>Quanto aos demais vícios que a requerente imputa ao acórdão arbitral, a requerida defende que os mesmos não se verificam, tendo sido ouvidas ambas as partes, no âmbito do procedimento cautelar, e que o mesmo se encontra fundamentado, tanto a nível de facto como de direito, concluindo pela procedência das invocadas exceções ou pela improcedência da ação.</font>
</p><p><font>Na resposta, a requerente sustenta o indeferimento das exceções invocadas, porque a competência dos Tribunais Judiciais para o conhecimento deste tipo de ações não é determinada pelo local onde o Centro de Arbitragem tem a sua sede, mas sim pelo local onde se situa a arbitragem, enquanto que, tendo a ação dado entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015, e suspendendo-se durante as férias judiciais o prazo para a sua proposição, a mesma é tempestiva.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação decidiu </font><i><font>“julgar procedente a presente impugnação, em função do que se anula o acórdão arbitral”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>Deste acórdão da Relação de Coimbra, a requerida interpôs agora recurso de revista, formulando as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – O Centro de Mediação, Conciliação e Arbitragem da Associação de Industriais da Construção Civil e Obras Públicas - AICCOPN é um tribunal arbitral voluntário, autorizado a realizar arbitragem voluntária institucionalizada, ao abrigo do disposto no Dec. Lei n</font><sup><font>º</font></sup><font> 425/86, de 27 de Dezembro, diploma publicado em execução do disposto na Lei n</font><sup><font>º</font></sup><font> 31/86 de 29 de Agosto, e dos despachos n</font><sup><font>º</font></sup><font> 61/MJ/96 e 10479 /MJ/2000 respectivamente publicados no DR, II Série, nº 89 de 15 de Abril e 23 de Maio de 2005 e o qual em conformidade passou a constar da lista das entidades autorizadas a realizar arbitragens voluntárias institucionalizadas constante da Portaria nº 126/96 de 22 de Abril, estando os seus Estatutos e Regulamentos publicitados no site da AICCOPN (</font><a><u><font>https://issuu.com/aiccopn/docs/estatutos_tribunal_arbitral</font></u></a><font>).</font>
</p><p><font>2ª - Recorrente e recorrida estipularam na cláusula compromissória do contrato de empreitada que </font><i><font>"Para a resolução de todos os litígios decorrentes deste contrato, fica estipulado a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN - Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Publicas, com sede na ...</font></i><font> -</font><i><font>..., expresso a renuncia a qualquer outro", </font></i><font>pelo que foi a vontade das partes (que deve ser pontualmente cumprida - art. 406° n° 1 CC), que o lugar da arbitragem era no ....</font>
</p><p><font>3ª - O recorrente HOTEL AA Lda. intentou no Tribunal Judicial do Porto acção de impugnação e anulação da nomeação do terceiro árbitro efectuada pelo Presidente do Conselho do Centro de Arbitragem, o árbitro presidente, a qual foi liminarmente indeferida por ter sido entendido que competente era o Tribunal da Relação, e não o Tribunal Judicial.</font>
</p><p><font>4ª - Desta decisão judicial a recorrida HOTEL AA I da., interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto (fls. ... dos autos), o qual confirmou aquela decisão do</font><i><font> </font></i><font>Tribunal Judicial de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> Instância do</font><i><font> </font></i><font>Porto.</font>
</p><p><font>5ª - O artigo 31</font><sup><font>º</font></sup><font>, n° 1 da LAV estipula que as partes fixam o lugar da arbitragem, e elas determinaram a competência do Tribunal Arbitral da AICCOPN com sede no ..., pelo que competente para a acção de anulação é o Tribunal da Relação do Porto, violando o douto acórdão a referida disposição legal, e bem assim os artigos 406° nº 1 CPC.</font>
</p><p><font>6ª - A decisão da nomeação do</font><i><font> </font></i><font>terceiro árbitro efectuada pelo Presidente do Centro de Arbitragem da AICCOPN, em conformidade com o artigo 21° do Regulamento do Tribunal Arbitral da AICCOPN, de 2 de Abril de 2015, sendo esta uma decisão interlocutória, data aquela a partir da qual se deve contar o prazo de 60 dias de recurso a que se refere o n</font><sup><font>º</font></sup><font> 6 do art.° 46° da LAV, e que</font><b><font> </font></b><font>caducou em 2 de Junho de 2015.</font>
</p><p><font>7ª - A decisão proferida na acção de impugnação referida no número 2. (acçãonº12040/15.0T8PRT, que tramitou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto) destas conclusões e o acórdão que conheceu do recurso dela interposto para a Relação do Porto (junto aos autos a 10 de Novembro de 2015) referida no número 3., constitui caso julgado formal não podendo ser admitido outro recurso sobre a mesma questão de facto e de direito após a referida data de 2 de Junho de 2015.</font>
</p><p><font>8ª - E ainda que assim não se entendesse, a</font><b><font> </font></b><font>presente acção deu entrada no Tribunal da Relação de Coimbra em 23 de Setembro de 2015 e com registo de entrada número 000075, diferentemente do que sustenta a douto acórdão recorrido, que considerou que a acção deu entrada em 17 de Setembro de 2015.</font>
</p><p><font>9ª - A taxa de justiça devida indispensável à entrada no Tribunal da acção de impugnação só foi paga no dia 22 de Setembro de 2015, pelo que nunca a secretaria do Tribunal poderia recebê-la antes destas data, pelo que a douta sentença viola o disposto nos artigos artigo 558°, al.</font><b><font> </font></b><font>f) artigo 552, nº 5 e 561°do CPC, sendo pois a acção intempestiva.</font>
</p><p><font>10ª - Também diferentemente do que sustenta o douto acórdão o prazo para a propositura da acção porque respeita à anulação de decisão de providência cautelar (Providência Cautelar nº 1/2015 do Tribunal Arbitral da AICCOPN), nos termos n</font><sup><font>º </font></sup><font>1 do art.- 363</font><sup><font>º </font></sup><font>do CPC, não se suspende durante as férias (16 de Junho a 31 de Agosto), pois que reveste<br>
carácter urgente o que constitui e integra a excepção da parte final do artigo 138° n-1 do CPC, violando pois o douto acórdão os artigos 363</font><sup><font>º</font></sup><font> n° 1, artigo 138</font><sup><font>º</font></sup><font> n</font><sup><font>º</font></sup><font>1 e 558º al. f) do CPC, sendo pois a acção intempestiva atenta a data da sua notificação (17/07/2015).</font>
</p><p><font>11ª - Como consta da cláusula compromissória acima referida na conclusão número 2, as partes estipularam para a resolução de todos os litígios decorrentes do contrato de empreitada não só o Tribunal do Centro de Arbitragem da AICCOPN, mas também a própria "... </font><i><font>a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN - Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas...", </font></i><font>como se transcreve da dita cláusula.</font>
</p><p><font>12ª - Os estatutos e o regulamento de arbitragem do Tribunal Arbitral - do Centro de Arbitragem da AICCOPN - foram aceites pelas partes com a estipulação da cláusula compromissória (cláusula 9.</font><sup><font>ª</font></sup><font>) ao instituírem este Tribunal e a sua própria "... </font><i><font>competência".</font></i>
</p><p><font>13ª</font><i><font> - </font></i><font>A Lei da Arbitragem - LAV - estipula no seu artigo 10º, nº 1 que as partes podem designar o árbitro ou árbitros ou fixar o modo pelo qual estes são escolhidos o que efectuaram na cláusula compromissória, ao estipularem a competência do Tribunal da AICCOPN a qual se encontra prevista no artigo 21º do seu Regulamento de Arbitragem.</font>
</p><p><font>14ª - Muito embora a recorrida HOTEL AA Lda. não tenha aceite a indicação do árbitro nomeado pelo Presidente do Conselho de Arbitragem (ata de 7 de Abril de 2015), nenhuma reserva opôs, aceitando o primeiro árbitro,</font><b><font> </font></b><font>este indicado pela recorrente BB, Lda. (ata de 2 de Abril de 2015), não ocorrendo após esta data outro acordo das partes que modificasse a cláusula compromissória, firmando-se por isso a regularidade da constituição do Tribunal Arbitral.</font>
</p><p><font>15ª - A competência para nomear o terceiro árbitro, presidente do Tribunal Arbitral, foi deferida pelas partes ao Presidente do Conselho do Centro de Arbitragem da AICCOPN, pois que isso é matéria da sua competência prevista no artigo 21º do seu Regulamento de Arbitragem do Tribunal, e uma vez que, após citação para a sua designação por acordo das partes, não foi assim efectuada por elas.</font>
</p><p><font>16ª - O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 10°, nº1, 4</font><sup><font>º</font></sup><font> e 6</font><sup><font>º</font></sup><font> da LAV, 21</font><sup><font>º</font></sup><font> n</font><sup><font>º</font></sup><font> 3 do Regulamento do Centro de Mediação e Arbitragem da AICCOPN, e bem assim, a cláusula compromissória e artigos 405º e 406º, nº1 do CPC.</font>
</p><p><font>17ª - O acórdão considerou apenas a matéria de facto que consta do seu relatório e nenhuma outra mais, sendo omitida matéria relevante e até demonstrada por documentos, entre elas as decisões, da Secção Cível - J9, e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o registo de entrada n</font><sup><font>º</font></sup><font> 000075, de 23 de Setembro aposto na petição inicial, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça de fls. 24, a ata da</font><i><font> </font></i><font>inquirição de testemunhas realizadas na sede do Tribunal no Porto (Doc. 2 junto com a contestação), entre outras.</font>
</p><p><font>18ª - O Tribunal </font><i><font>a quo </font></i><font>não procedeu à produção da prova requerida, nem mesmo à audiência prévia de forma a facultar a discussão de facto e de direito, da posição das partes de modo a esclarecer e a indicar o sentido e alcance das provas produzidas com isto também impedindo que a recorrente nela (audiência prévia), pudesse oferecer articulado superveniente para arguir a excepção de caso julgado formal, verificada com a prolação entretanto ocorrida do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls.... e junto aos autos em 10 de Novembro de 2015, pelo que viola, entre outros, os artigos 3º, n</font><sup><font>º</font></sup><font> 3, 4°, 5</font><sup><font>º</font></sup><font>, 588º, n</font><sup><font>º</font></sup><font> 3, al. a) e 591º do CPC.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, a requerente defende que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o acórdão impugnado.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. </font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da alteração da matéria de facto.</font>
</p><p><font>II – A questão da competência em razão do território.</font>
</p><p><font>III – A questão da tempestividade/caducidade da acção.</font>
</p><p><font> IV – A questão do caso julgado formal.</font>
</p><p><font>V – A questão da regularidade/legalidade da constituição do tribunal arbitral.</font>
</p><p><font>I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO</font>
</p><p><font>I.1. Alega a requerida que o acórdão recorrido considerou, apenas, a factualidade que consta do seu relatório e nenhuma outra mais, tendo omitido matéria relevante e demonstrada por documentos, ou seja, as decisões da Secção Cível - J9, e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o registo de entrada n</font><sup><font>º</font></sup><font> 000075, de 23 de Setembro, aposto na petição inicial, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça de folhas 24, a ata da</font><i><font> </font></i><font>inquirição de testemunhas, realizada na sede do Tribunal no Porto, entre outras.</font>
</p><p><font>Em primeiro lugar, a requerida não elenca a matéria de facto que, no seu entendimento, deveria ter ficado a constar da factualidade consagrada, limitando-se a remeter essa referência para o teor dos documentos que a suportariam, sem atentar, cuidadosamente, que os documentos não são factos, mas antes meios privilegiados de acesso aos mesmos, “constituindo apenas meios de prova e não factos provados”</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Afinal, não constituindo os documentos factos provados, mas antes meios de prova que os permitirão alcançar, situam-se, independentemente, como é óbvio, da respetiva eficácia probatória, no mesmo plano dos depoimentos ou das perícias, que, podendo relevar factos, não se confundem com os mesmos, sendo antes instrumento da sua aquisição pelo Tribunal, que os tem de manifestar às partes.</font>
</p><p><font>I.2. Em segundo lugar, a requerida não indica, apesar de se tratar da invocada qualidade de documentos, se os mesmos se traduziriam em prova vinculada ou antes em prova de livre apreciação, sendo que aquela se reportaria a factos que a requerida não especificou, e, em relação a esta última, a definição da hierarquia dos meios de prova de livre apreciação pelo tribunal, e bem assim como a consideração de certas provas, em detrimento da desconsideração de outras, ou de determinados depoimentos, em primazia de outros, sustenta-se no princípio da convicção racional, que não afeta o princípio da igualdade processual das partes</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça aplica, em definitivo, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objeto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nºs 1, 2 e 3 e 674º, nº 3, do CPC.</font><br>
<font>Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respetiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º, do CPC.</font><br>
<font>Assim sendo, em síntese, compete às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo, a este título, residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, destinada a averiguar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>.</font><br>
<font>Na verdade, o acórdão recorrido manteve-se, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, porquanto essa factualidade pode ser obtida, através dos vários meios probatórios de que o Tribunal se serviu, sem preferência ou sub-alternidade de qualquer deles.</font><br>
<font>Deste modo, não se demonstrou qualquer uma das circunstâncias excecionais que permitem ao Supremo Tribunal de Justiça a alteração da decisão sobre a matéria de facto emitida pelas instâncias, ou seja, “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto”, a que alude o artigo 674º, nº 3, do CPC.</font>
</p><p><font>I.3. Impõe-se, assim, a este Supremo Tribunal de Justiça considerar demonstrada a seguinte factualidade, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), que reproduz:</font>
</p><p><font>1. Para resolução de todos os litígios deste contrato, ficou estipulada a competência do Centro de Arbitragem da AICCOPN –</font><b><font> </font></b><font>Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, com sede na Rua ..., no ..., com expressa renúncia de qualquer outro.</font>
</p><p><font>2. A requerida interpôs, no Centro de Arbitragem da AICCOPN, uma providência cautelar com vista a evitar o acionamento da suprareferida garantia bancária, constituindo-se o Tribunal Arbitral, em 2 e 15 de abril de 2015, sito na ..., em ....</font>
</p><p><font>3. O acórdão arbitral foi proferido, em 30 de junho de 2015, tenho o mesmo sido notificado à requerente, em 20 de julho de 2015.</font>
</p><p><font>4. A presente acção deu entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015.</font>
</p><p><font>5. As partes declararam aceitar os estatutos e regulamento do Centro de Arbitragem da AICCOPN, em que se incluía o poder de o Presidente do Conselho de Arbitragem designar o árbitro presidente, com base no artigo 21º, do Regulamento do Centro de Mediação, Conciliação e Arbitragem da AICCOPN (cf. carta datada de 19 de março de 2015, enviada à aqui requerente, cfr. fls. 53 e 54 e acta de fls. 55 a 59, sem a participação da aqui requerente).</font>
</p><p><font>6. Já com a participação da requerente, pela mesma foi comunicado que não aceita os estatutos e regulamento do Centro de Arbitragem, bem como não aceita a indicação do árbitro designado pelo Conselho de Arbitragem, por esta ser uma competência dos árbitros designados pelas partes (acta continuação da ata da constituição do tribunal arbitral de fls. 60 a 62).</font><br>
<br>
<font>II. DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO</font>
</p><p><font>II.1. Alega ainda a requerida que, no contrato de empreitada que partes celebraram, foi estipulada uma cláusula compromissória, segundo a qual o lugar da arbitragem, tendente</font><i><font> </font></i><font>à resolução de todos os litígios decorrentes do mesmo, era, no ..., sede do Centro de Arbitragem da AICCOPN - Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Publicas, na ..., ..., pelo que o tribunal competente para a presente ação de anulação é o Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><font>No âmbito do poder da autonomia da vontade negocial das pessoas, inclui-se o de atribuir a hetero-composição do seu conflito de interesses a um terceiro imparcial que se encontre, permanentemente, à disposição dos interessados, através de um negócio jurídico processual, distinto da atividade jurisdicional estatal, enquanto poder público inerente à soberania do Estado, em que se traduz a arbitragem institucionalizada.</font>
</p><p><font>Na arbitragem institucionalizada, que se realiza no seio de uma instituição permanente, já constituída, e que se encontra à disposição dos litigantes, a resolução do litígio realiza-se, através de um ou mais árbitros, cuja competência radica numa convenção das partes. </font>
</p><p><font>II.2. Dispõe o artigo 59º, nº 1, da LAV, que “relativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem…, é competente para decidir sobre, nomeadamente, a nomeação de árbitros que não tenham sido nomeados pelas partes ou por terceiros a que aquelas hajam cometido esse encargo, de acordo com o previsto nos nºs 3, 4 e 5 do artigo 10º e no nº 1 do artigo 11º [a] e a impugnação da sentença final proferida pelo tribunal arbitral, de acordo com o artigo 46º [g].</font>
</p><p><font>Por outro lado, preceitua o artigo 31º, nº 1, da mesma Lei da Arbitragem Voluntária, que “as partes podem livremente fixar o lugar da arbitragem. Na falta de acordo das partes, este lugar é fixado pelo tribunal arbitral, tendo em conta as circunstâncias do caso, incluindo a conveniência das partes”, acrescentando o seu nº 2 que “não obstante o disposto no nº 1 do presente artigo, o tribunal arbitral pode, salvo convenção das partes em contrário, reunir em qualquer local que julgue apropriado para se realizar uma ou mais audiências, permitir a realização de qualquer diligência probatória ou tomar quaisquer deliberações”.</font>
</p><p><font>Assim sendo, a sede do Tribunal Arbitral pode coincidir com o lugar da arbitragem, mas, situando-se embora este, tendencialmente, no âmbito do espaço territorial daquele, pode localizar-se fora da sua sede e até da sua área territorial, pelo que são distintos os conceitos de «sede do tribunal arbitral» e de «lugar de arbitragem», podendo, assim, suceder que a «sede» e o «lugar de arbitragem», não obstante, virtualmente, abrangidos pela mesma área territorial do Tribunal Arbitral, pertençam a distritos judiciais diversos.</font>
</p><p><font>Deste modo, situando-se a «sede» do Tribunal Arbitral, ou seja, do Centro de Arbitragem da AICCOPN –</font><b><font> </font></b><font>Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, na ..., ..., o «lugar de arbitragem», na ..., ..., e sendo determinante, por força do supramencionado artigo 59º, nº 1, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o «lugar de arbitragem», localizando-se este, na cidade de ..., compreendida na circunscrição territorial afeta ao Distrito Judicial de Coimbra, é competente, em razão do território, o Tribunal da Relação de Coimbra, entretanto, definido, no âmbito da jurisdição dos tribunais comuns, como o competente, em razão da matéria e da hierarquia.</font>
</p><p><font>Como assim, improcede a exceção da incompetência territorial do Tribunal da Relação de Coimbra.</font>
</p><p><font>III. DA TEMPESTIVIDADE/CADUCIDADE DA AÇÃO</font>
</p><p><font>III.1. Sustenta a requerida, a este propósito, que a presente ação é intempestiva, porquanto deu entrada, no Tribunal da Relação de Coimbra, em 23 de setembro de 2015, e não em 17 de setembro de 2015, como considerou o acórdão recorrido, mas, igualmente, porque contende com o prazo para a propositura de uma ação que respeita à anulação de decisão de providência cautelar - Providência Cautelar nº 1/2015 do Tribunal Arbitral da AICCOPN) - que não se suspende durante as férias, por revestir carater urgente, nos termos do artigo 363</font><sup><font>º</font></sup><font>,</font><sup><font> </font></sup><font>nº 1, o que constitui e integra a exceção prevista, na parte final do artigo 138°, nº1, ambos do CPC.</font>
</p><p><font>Prescreve o artigo 46º, nº 1, da LAV, que, “salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do nº 4 do artigo 39º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo”, prosseguindo o seu nº 6, ao afirmar que “o pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que a parte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento nos termos do artigo 45º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento”.</font>
</p><p><font>Tendo o acórdão arbitral sido proferido, em 30 de junho de 2015, e considerado notificado às partes, em 20 de julho de 2015, a presente ação deu entrada em juízo, no dia 17 de setembro de 2015, data que consta do comprovativo do correio oficial eletrónico do Tribunal da Relação de Coimbra, a folhas 82, sendo, para tanto, irrelevante a data aposta no articulado inicial de folhas 2, ou seja, 23 de setembro de 2015, que resulta do carimbo mecânico realizado pelo oficial de justiça que subscreveu o respetivo termo.</font>
</p><p><font>III.2. Os prazos judiciais destinam-se a determinar o período de tempo “para se produzir um determinado efeito processual”, ou seja, a “regular a distância entre os actos do processo”, e, dada essa sua função específica, pressupõem, necessariamente, a prévia propositura de uma ação, a existência de um processo</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>Os prazos substantivos, por seu turno, respeitam ao período de tempo exigido para exercício de direitos materiais, sendo-lhes “aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”, de acordo com o preceituado pelo artigo 298º, nº 2, do Código Civil, tendo o seu decurso, em princípio, sem prejuízo das regras respeitantes à necessidade da sua invocação em juízo, a consequência da extinção do respetivo direito.</font>
</p><p><font>Por outro lado, a natureza de um prazo, designadamente, para a propositura de uma ação, deve resultar da análise da correspondente norma jurídica e não, simplesmente, da sua inclusão física em determinado diploma, sendo que, se a caducidade é, em regra, prevista na lei substantiva, admite-se que o possa ser, igualmente, na lei processual</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>No que respeita aos prazos de propositura de ação, em particular, por via de regra, qualificados como prazos substantivos de caducidade, ou, excecionalmente, de prescrição, atento o já citado artigo 298º, nº 2, do Código Civil, por estas causas do não exercício do direito se reconduzirem a elemento integrante do regime jurídico da respetiva relação material, os mesmos podem ser, também, prazos judiciais, o que ocorrerá sempre que o prazo esteja, directamente, relacionado com uma outra ação e o seu decurso tenha um mero efeito de natureza processual e não o de extinção de direito material, como será, seguramente, a situação contemplada, entre outros, nos artigos 92º, nº 2, 279º, nº 2, e 840º, nº 2, todos do CPC.</font><font> </font>
</p><p><font>Reveste, pois, seguramente, natureza judicial, o prazo previsto no citado artigo 382º, nº 1, a), do CPC, uma vez que funciona como simples condição de subsistência da providência cautelar, sem qualquer interferência no direito que constitua o fundament | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzKQu4YBgYBz1XKv-hwT | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. – Relatório</font></b><font>. </font>
</p><p><font>AA, que na Bélgica tem o nome BB, e CC, residente na Rue ..., intentaram acção, com processo especial de revisão de sentença estrangeira, contra DD, residente na Rua ..., pedindo que fosse “</font><i><font>revista e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância de Bruxelas, na Bélgica, em 30 de junho de 2004, com vista à efectivação, eficácia e execução em Portugal</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Citado o requerido, não contestou. </font>
</p><p><font>O Ministério Público emitiu parecer concluindo pela procedência da pretensão dos autores. </font>
</p><p><font>Na desinência da acção, o tribunal de apelação julgando “</font><i><font>a acção improcedente, recusam confirmar a aludida a sentença, de 30 de Junho de 2004, proferida pela 12.ª Vara do Tribunal de 0 instância de Bruxelas, Bélgica que decretou a adopção do autor AA pelo autor CC e, consequentemente, do pedido formulado na acção absolvem o réu</font></i><font>.”</font>
</p><p><font>Da decisão prolatada – cfr. fls. 121 a 123 – recorrem, de revista, os demandantes, tendo dessumido o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.</font>
</p><p><b><font>I.A. – Quadro Conclusivo</font></b><font>. </font>
</p><p><font>“</font><i><font>I. - O Tribunal da Relação no seu douto acórdão considerou que não se encontravam verificados os requisitos exigidos nos Artigos 980.º alíneas a) 2ª parte e f), e 984.º. 1.</font></i><i><sup><font>a</font></sup></i><i><font> parte, ambos do CPC, entendendo não ser inteligível qualquer decisão prática da decisão contida na decisão revidenda, em termos de produção de efeitos jurídicos e práticos na ordem jurídica portuguesa, tendo em atenção o disposto nos Artigos 1.º, al. c), 2.º e 69.º, n.º 1, al. d), do Código do Registo Civil, bem como, por não se indicar se a pretensão se refere a adopção equivalente a adopção restrita ou a adopção plena. </font></i>
</p><p><i><font>II. Para além disso, refere o douto acórdão recorrido que os Autores pedem a confirmação de uma sentença que decretou a adopção de uma pessoa maior, o que conduziu à recusa da revisão e confirmação da sentença porquanto nos termos dos artigos 1980.º e 1993.º, n.º 1, do Código Civil, a adopção de maiores não é permitida em Portugal, entendendo-se que, deste modo, conduziria a sentença revidenda, se revista e confirmada, à produção de resultado incompatível com princípios de ordem pública internacional do Estado português e a um resultado infractor do direito constitucional à igualdade e obtenção do vínculo da adopção. </font></i>
</p><p><i><font>III. Entendem as Autores, que deveria a decisão revidenda ter sido revista e confirmada no sentido da adopção simples, ou restrita, já que, e apesar de não referir expressamente a decisão revidenda qual o tipo de adopção homologada, nem fundamentando e discriminando quais as normas que se aplicam ao caso, a verdade é que a adopção plena, "adoption pléniere", segundo o ordenamento jurídico belga não é permitida a maiores de 18 (dezoito anos), portanto, à contrário e acima dessa idade, apenas é permitida a adopção simples, "adoption simple", tal como se pode ler no artigo 355.º do Código Civil Belga. </font></i>
</p><p><i><font>IV. Os autores referem expressamente na sua petição inicial, nos artigos 5.º e 6.º, que foi pedida a homologação da adopção simples, juntando para tanto todos os documentos que instruíram o processo de adopção e que permitem aferir justamente qual o tipo de adopção que foi homologada pelo Tribunal Belga. </font></i>
</p><p><i><font>V. Entendem, portanto os autores que a decisão revidenda é inteligível, já que pela análise de todos os documentos que fazem parte do processado e que foram devidamente juntos aos autos, se compreende qual a decisão, os seus fundamentos e o tipo de adopção em causa, pelo que a "inteligência da decisão" referida na 2.ª parte da alínea a) do Artigo 980.º do CPC pode interpretar-se, compreender-se e entender-se. </font></i>
</p><p><i><font>VI. Entendem estar pelo acima exposto preenchido o requisito da alínea a) do Artigo 980.º do CPC </font></i>
</p><p><i><font>VII. Foi recusada a confirmação da sentença revidenda porquanto não estava preenchido o requisito previsto na alínea f) do artigo 980.º do CPC, já que entendeu o Tribunal Recorrido que a mesma continha decisão de resultado incompatível com princípio de ordem pública internacional do estado português e de resultado infractor do direito constitucional à obtenção do vínculo da adopção, tendo por base a questão da idade do adoptado e aqui autor BB. </font></i>
</p><p><i><font>VIII. Entendem os Autores que estamos perante uma sentença que homologou uma adopção por parte de um cidadão estrangeiro de outro cidadão de nacionalidade estrangeira, ambos com nacionalidade belga, adopção que que se assume como simples, já que a adopção plena, segundo o ordenamento jurídico belga não é permitida a maiores de 18 (dezoito anos). </font></i>
</p><p><i><font>IX. A sentença cuja confirmação se requer apenas coloca a questão de saber se a circunstância do pretendido reconhecimento da sentença belga resultar numa adopção duma pessoa maior, afronta manifestamente a nossa ordem pública internacional. </font></i>
</p><p><i><font>X. Os Autores entendem que a sentença revidenda, se revista e confirmada no sentido da adopção restrita, não afronta, nem se traduz num completo e atroz atropelo da nossa ordem pública internacional, já que se trata apenas de uma adopção restrita cujos efeitos são bastante limitados, quer em termos de manutenção dos direitos e deveres em relação à família de origem, bem como, em termos sucessórios. </font></i>
</p><p><i><font>XI. Neste sentido, socorrem-se os Autores do que foi exposto no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/11/2008, no âmbito do processo 3/08.7YRCBR. </font></i>
</p><p><i><font>XII. Bem como, do acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2009, no âmbito do processo 6973/2008-8, através do qual se revê e confirma uma adopção de um cidadão maior de idade. </font></i>
</p><p><i><font>XIII. Ao recusar a revista e confirmação da sentença revidenda pelos motivos invocado no douto acórdão entendem os autores que ocorreu uma errada interpretação das alíneas a) e f) do Artigo 980.º CPC. </font></i>
</p><p><i><font>XIV. Por isso, impõe-se a revogação do acórdão recorrido, devendo para tanto ser revista e confirmada a sentença homologada e proferida pela 12.ª Vara do Tribunal de 1.ª Instância de Bruxelas, Bélgica, de 30 de Junho de 2004, que decretou a adopção do autor AA, que na Bélgica tem o nome de BB, pelo autor CC, como sendo uma adopção restrita</font></i><font>.”</font>
</p><p><b><font>I.B. – Questão a resolver na revista</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Para a economia da resolução da revista, importa apreciar se se encontram reunidos os requisitos contidos no nas alíneas a) e f) do artigo 980.º do Código Processo Civil.</font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><b><font>II.A. – DE FACTO</font></b><font>. </font>
</p><p><font>O tribunal de apelação deu como adquirida a factualidade sequente:</font>
</p><p><i><font>“a) AA, nascido a ..., é filho de DD, natural ..., e de EE, natural de freguesia de ...; </font></i>
</p><p><i><font>b) O nascimento de AA tem registo n.º ... do ano de 1977 na Conservatória dos Registos Centrais; </font></i>
</p><p><i><font>c) Por sentença de 19 de Janeiro de 1981, transitada em julgado em 29 de Janeiro de 1981, proferida pelo Tribunal Judicial da comarca de Cascais, foi homologado o acordo sobre o exercício do poder paternal que confiou AA à mãe; </font></i>
</p><p><i><font>d) Em auto perante o Juiz de paz do Cantão de ..., cm 26 de Abril de 2001, CC e sua mulher, EE, declararam adoptar, em conformidade com os artigos 345.º e seguintes do Código Civil da Bélgica, a pessoa maior identificada como AA, nascido a ..., que declarou, em conformidade com os artigos 348º e 349º do Código Civil da Bélgica, consentir e aceitar a adopção e este e aqueles acordaram entre eles que AA passaria desde então a ter o apelido ... e o nome próprio de ...; </font></i>
</p><p><i><font>e) Nesse auto ficou expresso que o acto deveria ser apresentado para homologação ao Tribunal de Primeira instância de Bruxelas: </font></i>
</p><p><i><font>f) O pedido de homologação desse acto foi apresentado ao tribunal em 29 de Maio de 2001; </font></i>
</p><p><i><font>g) A sentença proferida pela 12ª Vara do Tribunal de Ia Instância de Bruxelas, Bélgica, de 30 de Junho de 2004, por ter por objectivo a adopção do sen próprio filho, declarou inadmissível o pedido de adopção de AA por EE: </font></i>
</p><p><i><font>h) A mesma sentença, proferida pela 12.ª Vara do Tribunal de Ia Instância de Bruxelas, Bélgica, de 30 de Junho de 2004, declarou admissível e fundado o pedido que tinha por objectivo a homologação da adopção de AA por CC por acto lavrado, em 26 de Abril de 2001, pelo Juiz de Paz do Cantão de ...; </font></i>
</p><p><i><font>i) Na mesma sentença mais se declarou que o adoptado passam a chamar-se BB; </font></i>
</p><p><i><font>j) EE faleceu em 10 de Setembro de 2012, em Bruxelas, Bélgica, no estado de casada com CC; </font></i>
</p><p><i><font>I) O óbito tem registo n.º 52 do ano de 2014 na Secção Consular da Embaixada de Portugal na Bélgica</font></i><font>.” </font>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO</font></b><font>.</font>
</p><p><b><font>II.B.1. – Requisitos contidos no nas alíneas a) e f) do artigo 980.º do Código Processo Civil. </font></b>
</p><p><font>A lei – artigo 980.º do Código Processo Civil (a que correspondia o artigo 1096.º do Código Processo Civil vigente até 1 de Setembro de 2013) – faz depender a confirmação de uma decisão proferida em tribunal estrangeiro dos seguintes requisitos: “</font><i><font>a) que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b) que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c) que provenha do tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d) que não possa invocar-se a excepção de Litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e) que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do Tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f) que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública do Estado Português.</font></i><font>” </font>
</p><p><font>O tribunal recorrido considerou verificados os requisitos contidos nas alíneas </font><i><font>“(…) als. a), 1.ª parte, e c), parte final, e nada permite concluir que falte algum dos demais requisitos das als. b), c), d) e e) do artigo 980.º do Código de Processo Civil”</font></i><font>, considerando que não se verificariam os requisitos exigidos pela exigência contida no requisito “</font><i><font>na al. a) 2ª parte do artigo do artigo 980º do Código de Processo Civil</font></i><font>”, por (sic) </font><i><font>“(…) o disposto nos artigos 1.º, al. c), 2º e 69º, nº 1, al. d), do Código do Registo Civil, só se alcança mediante o registo da adopção como plena ou restrita</font></i><font>” e </font><i><font>“(…) não se indica se a pretensão se refere a adopção equivalente a adopção restrita ou a adopção plena</font></i><font>”, pelo que </font><i><font>“(…) na perspectiva dessa sua utilidade, a decisão mostra-se ininteligível</font></i><font>”. </font>
</p><p><font>Para além a inverificação deste requisito, o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font>, estimou que (sic): </font><i><font>“(…)a sentença revidenda contém decisão de resultado incompatível com o mencionado princípio de ordem pública internacional do Estado Português e de resultado infractor do direito constitucional à igualdade à obtenção do vínculo da adopção (…)</font></i><font>”, pelo que a sua confirmação, a ser deferida, violaria a alínea f), 2.ª parte, do Código Processo Civil.</font>
</p><p><font>Nas palavras de Ferrer Correia, “</font><i><font>reconhecer uma sentença estrangeira é atribuir-lhe no Estado do foro (Estado requerido, Estado ad quem) os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado onde foi proferida (Estado de origem, Estado a quo), ou pelo menos alguns desses efeitos</font></i><font>.” [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Na génese das razões que podem explicar o reconhecimento de uma decisão estrangeira, radica uma necessidade de “</font><i><font>assegurar a continuidade e estabilidade das situações da vida jurídica internacional, a fim de que os direitos adquiridos e as expectativas dos interessados não sejam ofendidos</font></i><font>.” [</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>/</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Quanto ao sistema de reconhecimento, Portugal adoptou o sistema “</font><i><font>segundo o qual o reconhecimento da sentença pressupõe a verificação prévia da sua regularidade, isto é, pressupõe a verificação no caso concreto das condições de que segundo a lei do país requerido depende a atribuição de eficácia às decisões dos tribunais estrangeiros. O sistema apresenta duas modalidades conforme seja ou não admitida a revisão de mérito. No segundo caso fala-se de sistema de delibação. É este o sistema seguido em Portugal, no Brasil e na Suíça.</font></i><font>” [</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>/</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Segundo este sistema – delibação ou formal – refere o Insigne Professor que vimos citando, que: </font><i><font>“(…) tendo o acto jurisdicional (como todo o acto de soberania) um valor forçosamente limitado ao Estado de onde emana, o efeito próprio da sentença de delibação seria declarar que determinado evento jurídico se produziu (embora na órbita de uma lei estrangeira), ou, noutros casos, criar, modificar ou extinguir, ante a ordem jurídica do foro, a relação de direito que constituiu o objecto da sentença estrangeira. Daqui a conclusão de que, de um ponto de vista formal, não se trataria de uma decisão única com efeitos reconhecidos por duas ordens jurídicas diferentes, mas verdadeiramente de duas decisões diferentes, conquanto de conteúdo idêntico, operando cada uma os seus efeitos nos eu respectivo Estado</font></i><font>.” Esta perspectiva, atribuída a ANZILOTTI, e que regia no sistema italiano, não viria a ser sufragada admitindo-se, que “</font><i><font>o acto formal de reconhecimento ou o exequator não é outra coisa senão a condição necessária (condicio iuris) para que a decisão estrangeira possa desenvolver no Estado do foro os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado de origem: os efeitos do acto jurisdicional.</font></i><font>” [</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>/</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>/</font><a><u><font>[8]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Analisando as condições de confirmação das sentenças estrangeiras refere este Professor que “</font><i><font>quanto ao requisito da inteligência (ou inteligibilidade) da decisão, sempre temos entendido que o que se pretende é que o tribunal ad quem possa compreender o que foi decidido (isto é, o dispositivo da sentença), sem ter de se preocupar com a coerência lógica entre as premissas e a conclusão.</font></i><font>” [</font><a><u><font>[9]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Já quanto ao requisito contido na alínea f) refere o mencionado Professor que “</font><i><font>não é, portanto, a decisão propriamente que conta, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento. A decisão pode apoiar-se numa norma considerada em abstracto, se diria contrária à ordem pública internacional do Estado português, mas cuja aplicação concreta o não seja. Ao invés, pode a lei em que se apoiou a decisão não ofender, considerada abstractamente, a ordem pública, mas a sua aplicação concreta assentar em motivos inaceitáveis</font></i><font>.” [</font><a><u><font>[10]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Como se alcança do conteúdo da decisão revidenda, a recusa relevante para o reconhecimento e consequente confirmação da decisão proferida </font><i><font>“(…)Juiz de Paz do Cantão de ..., datado de 26 de Abril de 2001, no qual consta que CC, e sua mulher, EE, declaram adoptar, em conformidade com os artigos 345º e seguintes do Código Civil da Bélgica, a pessoa maior identificada como AA, aqui também Autor, no qual ficou expresso que o acto deveria ser apresentado para homologação ao Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas; o que se verificou em 29 de Maio de 2001, sendo a sentença proferida pela 12.ª Vara do Tribunal de la Instância de Bruxelas, Bélgica, em 30 de Junho de 2004, declarando-se admissível e fundado o pedido que tinha por objectivo a homologação da adopção de AA por CC, nos termos e com os fundamentos enunciados, por acto lavrado, em 26 de Abril de 2001, pelo Juiz de Paz do Cantão de </font></i><font>...”, radicaria em dois fundamentos: a) – ininteligibilidade da sentença, por não especificar se se tratava de adopção plena ou restrita; b) – violação ou incompatibilidade de uma decisão de resultado incompatível com princípio de ordem pública internacional do Estado Português e de resultado infractor do direito constitucional à igualdade à obtenção do vínculo da adopção.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>A alínea a) do artigo 980.º do Código (que correspondia à mesma alínea do artigo 1096.º do Código Processo Civil na versão anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) mereceu do Professor António Marques Santos, o seguinte comentário quanto ao requisito da inteligibilidade – e ultrapassada a questão da necessidade de tradução da decisão revidenda – é necessário que “</font><i><font>a decisão estrangeira seja compreensível, isto é, que o órgão português de aplicação do direito possa apreender aquilo que o tribunal estrangeiro decidiu – isto é, o dispositivo da sentença estrangeira – não sendo, porém, preciso que ele se preocupe “com a coerência lógica entre as premissas e a conclusão ou decisão propriamente dita, pois isso já seria, de certo modo, proceder a uma revisão de mérito, a qual tem carácter excepcional entre nós</font></i><font>.” </font><a><u><font>[11]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>A sentença junta pelos requerentes – cfr. fls. 63 a 65 – é perfeitamente clara quanto à declaração/constituição do efeito jurídico que pretende constituir. A decisão é inteligível relativamente à aptidão dos efeitos jurídicos que pretende vir a repercutir na ordem jurídica, quais sejam os da criação de um vínculo de adopção entre o requerente CC e o AA. </font>
</p><p><font>Não especifica a sentença – o que é diverso de inteligibilidade ou impossibilidade de percepção, compreensão e apreensão lógico-racional de uma decisão ou do seu sentido e dimensão jurídico-material – se a adopção decretada o foi na sua modalidade plena ou restrita. </font>
</p><p><font>Efectivamente a decisão não especifica e/ou concretiza a modalidade ou forma de adopção que o tribunal belga decretou, se a forma de adopção restrita ou a forma de adopção plena, referindo: - a lei (de 27 de Abril de 1987 – relativa à adopção); - o consentimento do pai do requerente AA; - os actos processuais previstos na lei para obter um procedimento formal e adequado ao resultado decisório pretendido; -as considerações de ordem psico-familiar que envolve o acto objecto de análise – maxime fls. 64, 2.º, 3.º e 4.º § -, que o representante do Ministério Público deu o seu parecer favorável; - e que “</font><i><font>estão reunidas as demais condições previstas na lei; que convém, portanto, homologar o pedido</font></i><font>”.</font>
</p><p><font>A não referência ao tipo ou modalidade de adopção – a que se liga uma ausência de referência de disposições normativas adrede – não pode constituir uma ininteligibilidade intrínseca do documento, na medida em que o aplicador da lei do Estado do foro não tem – pela função que se retira da sua posição no contexto de reconhecimento – o poder/dever de se imiscuir no modelo ou modo compósito de elaboração e organização de uma peça decisória lavrada no Estado de origem. O Estado do foro não tem competência para criticar, ou formular censura, quanto ao modo como a decisão revidenda se encontra organizada e concatenada na sua formatação lógica e sequencial – o modelo e a forma de organização das sentenças são privativas da ordem processual interna do país de origem e não podem ser objecto de crítica/apreciação/valoração pelo Estado do foro. Compete-lhe, para aferição ou verificação da conformação do pedido formulado na acção de reconhecimento de decisão de sentença estrangeira com ordem jurídica interna, apurar se o dispositivo decisório da sentença é inteligível e de compreensão lógico-racional que permita retirar um sentido jurídico compatível com a ordem jurídica interna.</font>
</p><p><font>Este sentido, como se disse supra, vem avonde explicito na decisão revidenda e é de compreensão lhana e escorreita, qual seja o decretamento do vínculo de adopção entre os requerentes.</font>
</p><p><font>Mantêm os requerentes que, de acordo com a legislação do Reino belga, para o instituto da adopção, a referência aos normativos legais que a decisão refere deverão ser entendidos – porque a lei especialmente prevê e estipula – como devendo ser feita para a adopção restrita. </font><a><u><font>[12]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Tendo o tribunal do Estado de origem decretado a adopção de uma pessoa que no momento da apresentação do pedido tinha idade superior a dezoito (18) anos e tendo considerado a petição apresentada como estando conforme com a legislação adrede, não poderá deixar de se considerar – ao não se considerar assim teríamos que admitir que o tribunal tinha proferido uma decisão contra a lei expressa, o que será de excluir considerando o Estado que a proferiu – que está implícito que, em face dessa legislação a modalidade decretada só pode ter sido a adopção simples. </font>
</p><p><font>Esta deverá ser a interpretação, precípua e proficiente, que deve ser operada da decisão objecto do pedido de revisão. </font>
</p><p><font>Contrariamente ao decidido, entendemos que a decisão de adopção (restrita) de uma pessoa maior não lesa ou ofende, de forma manifesta, a ordem pública internacional do Estado português. Atinge e não se coaduna com o ordenamento jurídico-substantivo da ordem jurídica interna do Estado português, mas não é susceptível de criar um conflito insustentável e irrefragável entre o nosso ordenamento jurídico e o ordenamento jurídico internacional, de modo a rejeitar e repulsa de forma manifesta um estado sócio-familiar como seja a adopção (restrita) de uma pessoa por um casal, sendo que uma das pessoas do casal é a mão do adoptado. O regime de adopção depende das opções socio-institucionais, culturais e histórico-societários de cada Estado, não atingindo a ordem constitucional, que se limita a remeter para a legislação ordinária e para as opções do legislador as formas, as condições/pressupostos e requisitos formais e de integração social-familiar que devem ser observadas para que uma pessoa possa vir a ser adoptada por outra. Estas opções legislativas, de feição e natureza histórico-social e endógeno a uma estádio de convivência societária e de evolução de uma comunidade, não se apresentam como determinantes para aferir da conformidade de um marco legislativo de um Estado com aqueloutro de um outro Estado, para efeitos de conotar e taxar de ofensivo um acto de reconhecimento de uma sentença prolatada por um Estado da ordem pública internacional de um Estado. Não possui a virtualidade de infringir regras e princípios basilares e fundamentais de um Estado de Direito no seu relacionamento com a ordem pública internacional o facto de nesse Estado a legislação ordinário não prever a adopção de uma pessoa maior. </font>
</p><p><font>Diversos Estados existem na ordem jurídica internacional – e mesmo na ordem jurídica da União Europeia – que não admitem o casamento de pessoas do mesmo sexo. Pensamos ser o caso do reino de Espanha e da Irlanda. Figure-se a hipótese de um cidadão português e um espanhol, do mesmo sexo, que hajam casado em Portugal, requererem, no reino de Espanha, o reconhecimento e confirmação de uma sentença de divórcio proferida pelo Estado português. Poderia o Estado do foro – o Estado espanhol – esgrimir, se a sua lei exigir este requisito para a confirmação de uma sentença estrangeira, recusar o pedido formulado? Em nosso juízo não. O casamento entre pessoas do mesmo sexo não possui, no ambiente histórico-cultural da comunidade internacional a virtualidade de lesar, de forma manifesta, os fundamentos em que essa ordem (jurídica) pública assenta. </font>
</p><p><font>Constituindo a adopção uma forma de modelar e prosseguir relações formada, queridas e geridas por elementos conviventes num concreto tecido societário – em si mesma mutável, elástico e plástico quanto a valores, acepções vivenciais e de mundividências prevalentes num determinado momento histórico – as suas barreiras e limites legislativos, num determinado momento, não podem contravir, exponencialmente e de forma definitiva, taxante e exclusiva, com ordens internacionais, elas próprias sujeitas ao mesmo estado de transformação e mutabilidade que as concepções sociais e históricas de um Estado. </font>
</p><p><font>A este fim também pensamos que não seria de recusar a revisão de uma sentença estrangeira que tivesse decretado a adopção por pessoas casadas e do mesmo sexo de uma criança. Esta situação não está consagrada no nosso ordenamento jurídico interno mas, em nosso juízo, a sua confirmação não feriria de forma irremível, ou poria em confronto e contraposição, manifesta e intolerável essa confirmação, pelos tribunais portugueses, com a ordem jurídica internacional. </font>
</p><p><font>Na análise a que procede da história e formação da norma contida no artigo 1096.º, alínea f), o Professor António Marques dos Santos, refere, como pórtico de aviso “</font><i><font>(…) que se trata dos princípios da ordem pública internacional e não da ordem pública interna (…)</font></i><font>”, “</font><i><font>parece-nos indubitável que estão aqui igualmente em causa apenas princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa que, de tão decisivos que são, não podem ceder, nem sequer nas relações jurídico-provadas plurilocalizadas, ou seja, naquelas que têm elementos de contacto com ordenamentos jurídicos estrangeiros, para além das suas conexões com o sistema português</font></i><font>.” </font>
</p><p><font>Em segundo lugar, refere este Professor, que “</font><i><font>a referência a um resultado concreto, (…) constitui um elemento fundamental da própria noção de ordem pública internacional, a qual só intervém caso a caso, quando o resultado do reconhecimento da sentença estrangeira não foi, de todo em todo, admissível, in casu, para a ordem jurídica portuguesa.</font></i><font>” </font><a><u><font>[13]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Parece poder retirar-se dos ensinamentos deste Professor que só será admissível repulsar ou refutar uma decisão proferida num Estado estrangeiro, quando esteja em contravenção, inafastável e irrefragável, com a ordem jurídica portuguesa no seu conspecto e modelação essencial. </font>
</p><p><font>Afigura-se que a adopção não se constitui como um eixo ou pilar essencial em que a legislação do Estado português esteja em antagonismo inderrogável relativamente à ordem jurídica internacional. Historicamente poderá a legislação não admitir um determinado pressuposto para que uma pessoa possa ser adoptada por outrem, mas a carência de um pressuposto não fere e tal modo a ordem jurídica interna – sujeita, com se procurou demonstrar supra a uma plasticidade e volubilidade momentânea – que uma infracção desse género seja susceptível de afrontar ou colocar o Estado português em distonia irremível com os demais Estados que formam a comunidade jurídica internacional. A falta de um pressuposto – como seja a idade para a adopção – não configura uma distorção tão patente, manifesta e odienta da valoração prevalente e axial da ordem jurídica interna que se torne ilaqueadora da confirmação de uma sentença estrangeira proferida num Estado de Direito integrante de uma comunidade jurídica que se pauta por valores de respeito pela dignidade da pessoa humana. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><b><font>III. – DECISÃO</font></b><font>.</font>
</p><p><font>Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em;</font>
</p><p><font>- Conceder a revista e, em consequência, na revogação da decisão recorrida confirmar a sentença proferida pela 12.ª Vara do Tribunal de la Instância de Bruxelas, Bélgica, em 30 de Junho de 2004, relativamente à adopção restrita requerida por CC para com AA</font><i><font>. </font></i>
</p><p><font>- Sem custas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Lisboa, 26 de Maio de 2015</font>
</p><p><font> Gabriel Catarino (Relator)</font>
</p><p><font> Maria Clara Sottomayor</font>
</p><p><font> Sebastião Póvoas</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> ---------------------------</font>
</p><p><br>
<a><u><font>[1]</font></u></a><font> Cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, I, Almedina, 2000, p. 454. “</font><i><font>Os efeitos próprios da sentença considerada como tal – os que derivam da sua natureza de acto de jurisdição – são o efeito de caso julgado e o efeito executivo</font></i><font>”. Cfr. ainda António Marques Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código Processo Civil de 1997. (Alterações do Regime Anterior), in Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pág. 105. “</font><i><font>O efeito específico da sentença enquanto acto jurisdicional nela contida é o caso julgado. A sentença faz caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes a situação jurídica. </font></i><br>
<i><font>Quanto à definição da relação jurídica a sentença pode ter um efeito declarativo (reconhece ou nega um direito) ou constitutivo (constitui, modifica ou extingue situações jurídicas)</font></i><font>.” – cfr. Luís Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. II – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Almedina, 2.ª edição refundida, 2012, pág. 349. </font><br>
<a><u><font>[2]</font></u></a><font> Ferrer Correia, op. loc. cit. p. 460. Sendo que a justificação lógica há-de residir, de acordo com este Insigne Mestre, </font><i><font>“(…) na competência do tribunal de origem, reconhecida pela ordem jurídica do Estado Requerido. Com efeito, admitir a competência dos tribunais de um Estado em certo caso traduz-se em aceitar que esses tribunais tinham perfeita legitimidade para conhecer da causa e para sobre ela emitir uma decisão revestida de caso julgado. Portanto, se tal decisão foi pronunciada nesse Estado, a única atitude consonante com a premissa será conceder à sentença, no país requerido, os efeitos que lhe são atribuídos pela lei do país de origem.</font></i><font>” Ibidem, p. 461. </font><br>
<a><u><font>[3]</font></u></a><font> “</font><i><font>O fundamento do reconhecimento | [0 0 0 ... 0 0 0] |
EzKZu4YBgYBz1XKvMSEk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>I. – RELATÓRIO.</font>
</p><p><font>AA – cfr. fls. 1673 e 1674 (com alegações de fls. 1726 a 1775) e BB – cfr. fls. 1696 (com alegações de fls. 1781 a 1785), impulsam recurso, de revista, do acórdão da Relação proferido a 19 de Fevereiro de 2013 – cfr. fls. 1622 a 1642 (esclarecida/aclarada pelo acórdão de fls. 1701 a 1793, de 23 de Abril de 2013), que decidiu (sic):” [Pelos] fundamentos expostos, anula-se o processado posterior ao laudo dos peritos, devendo os quatro peritos que não avaliaram o solo como apto para outros fins proceder a tal avaliação.”</font>
</p><p><font>Fundamentam o pedido de revisão da decisão, “[em] dois planos e com dois fundamentos: </font><b><font>a)</font></b><b><i><font> </font></i></b><font>nos termos (aqui aplicáveis e anteriores ao DL n.º 303/2007</font><i><font>, </font></i><font>de 24.08) dos arts. 678.º-4 e 687.º-1-2.ª parte, art. 721.º CPCiv. e art. 66.º-5 CExp., por manifesta oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação nos presentes autos proferido e o que foi proferido por este mesmo Tribunal da Relação do Porto, no processo de apelação n.º 463/06.0TBLSD.P1, sendo partes em processo de expropriação por utilidade pública como Exp.te a mesma Câmara Municipal de Lousada (CML) e como Exp.dos CC e Mulher - oposição essa revelada sobre a aplicação de instrumentos urbanísticos de data posterior à das respectivas DUP's e actos administrativos anteriores a estas da mesma Exp.te preparatórios daqueles instrumentos urbanísticos -, para o que junta certificação do acórdão fundamento; </font><b><font>b)</font></b><font> nos termos autónomos do mesmo art. 721.º e art. 66.º-S C. Exp., com fundamento em violação de lei substantiva, mais concretamente do art. 25.º-2 e 26.º- 12 CExp. e, também, sua interpretação inconstitucional face aos art.s 13.º-1, 62.º-1 e 266.º-2 CRP.”</font>
</p><p><font>Para o efeito alinham o epítome conclusivo que queda extractado.</font>
</p><p><font>I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.</font>
</p><p><b><font>Referente à recorrente, AA </font></b>
</p><p><font>1.ª</font><b><font> - </font></b><font>O objecto do recurso desta revista, na conformidade do art. 66.º-5 CExp., é o do n.º 4 do art. 678.º CPCiv., a oposição de acórdãos. </font>
</p><p><font>2.ª - A RTE. indicou desde logo a manifesta oposição entre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos proferido e aquele que foi proferido por este mesmo Tribunal da Relação do </font><i><font>Porto </font></i><font>no processo de apelação n.º463/06.0TBLSD.P1 </font>
</p><p><font>3.ª - Como logo na altura salientou muito e súmula a manifesta oposição está revelada sobre a aplicação de instrumentos urbanísticos de data posterior à das respectivas DUP's e actos administrativos anteriores a estas, preparatórios daqueles instrumentos urbanísticos, por extraordinária coincidência da mesma entidade EXP.TE. </font>
</p><p><font>4.ª - Mas a coincidência é ainda maior: o local/zona da expropriação num caso e no outro é praticamente o </font><i><font>mesmo </font></i><font>concelho de Lousada só diferentes freguesias. </font>
</p><p><font>5.ª - Assim esta mesma entidade EXP.TE ora RDA viu-se espantosamente confrontada com uma mais recente decisão judicial, praticamente idêntica à do anterior </font><i><font>processo </font></i><font>mas em sentido </font><i><font>oposto </font></i><font>pelo que a vítima foi a ora EXP.DA/RTE que obteve decaimento de causa no mesmo Venerando Tribunal da Relação do Porto em que a antecedente EXP.DA obteve resultado favorável. </font>
</p><p><font>6.ª - No ponto II destas alegações fizemos uma cuidada e objectiva seriação dos factos que podem considerar-se paralelos no acórdão fundamento e no acórdão recorrido transcrevendo-os na sua essencia</font><sub><font>l</font></sub><font> pelo que devemos para aí remeter. </font>
</p><p><font>7.ª - Seguidamente, no ponto 12 destas alegações, pusemos em confronto, ponto por ponto, através de transcrição no essencial, aquilo em que os dois acórdãos são opostos, pelo que o maior rigor nos obriga a remeter para aí. </font>
</p><p><font>8.ª - A circunstanciada e objectiva exposição em II dos factos paralelos e a demonstração em 12 da oposição de acórdãos no plano jurídico, levaram-nos a alertar, em espírito de síntese, para que a exaustiva pormenorização feita poderia, eventualmente, tornar menos fácil apreensão a essência da oposição jurídica, quando é disso que se trata, pois que os doutos acórdãos em confronto dissertam, também, sobre argumentos complementares, que não são essenciais, mas que podem tornar opaca ou dispersa aquela essência. </font>
</p><p><font>9.ª! - Assim, a essência do acórdão fundamento é: </font>
</p><p><font>* que «( ... ) </font><i><font>a obra que baseou a necessidade da expropriação e a respectiva declaração de utilidade pública </font></i><font>- </font><i><font>diz-se expressamente nesta que "a expropriação destina-se à execução da obra Complexo Desportivo de Lousada" </font></i><font>( ... ) - implicava pôr em execução o referido Plano de Urbanização entretanto aprovado, onde estava previsto aproveitamento do solo para o fim a que obra se destina (equipamento desportivo e recreativo de ar livre).» (suas Págs. 9-10º § e 10-1.º §); </font>
</p><p><font>* que «É pois de concluir que </font><i><font>à data da declaração de utilidade pública </font></i><font>o </font><i><font>prédio expropriado estava destinado por qualquer daqueles instrumentos de gestão territorial a adquirir </font></i><font>as características anteriormente referidas, </font><i><font>verificando-se por isso a previsão do art. </font></i><font>25º </font><i><font>nº </font></i><font>2 c) </font><i><font>do CE.; </font></i>
</p><p><font>* que, por isso e «Como tal, e independentemente de quaisquer outras considerações, é de considerar o solo do prédio expropriado como apto para a construção.» (sua Pág. 10-4.º e 5.º §§). </font>
</p><p><font>10.ª - E a essência do acórdão recorrido é: </font>
</p><p><font>* que «Por despacho proferido em 14.12.2005, o Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, declarou a utilidade pública da expropriação, com carácter de urgência, (...) </font><i><font>tendo ficado constar daquele despacho que, a expropriação </font></i><font>se </font><i><font>destina à execução do loteamento industrial de Lustosa </font></i><font>– 1.ª </font><i><font>fase.» </font></i><font>(Facto 1); </font>
</p><p><font>* que «( ... ) os </font><i><font>Srs. árbitros </font></i><font>(...) logo acrescentaram: "No entanto, </font><i><font>como a aquisição do terreno </font></i><font>se </font><i><font>destina a um uso distinto daquele que tinha à data da DUP, </font></i><font>entende-se que deverá ser classificado como "Solo Apto Para a Construção (...).» (Pág. 14-5.º §); </font>
</p><p><font>* que «o perito indicado pelas expropriadas classificou o solo como "apto para construção, </font><i><font>com base no articulado do n.º </font></i><font>2 </font><i><font>do artigo 25J! do C.E." </font></i><font>e tendo em conta que a suspensão sua eficácia do PDM </font><i><font>"tinha por fim </font></i><font>o </font><i><font>desenvolvimento de um projecto urbanístico de iniciativa camarária com vista à ampliação da Zona Industrial de Lousada." </font></i><font>(...).» (Pág. 15-1.º §); </font>
</p><p><font>* que «o </font><i><font>argumento do perito indicado pelas expropriadas </font></i><font>(...) se apresenta inconsistente, porquanto </font><i><font>não </font></i><font>se </font><i><font>apoia na realidade existente à data da declaração de utilidade pública </font></i><font>( ... ).» (Pág. 15-5.º §); </font>
</p><p><font>* que «A </font><i><font>alínea </font></i><font>c) </font><i><font>do mesmo n.º </font></i><font>2 [do art. 2S.º CExp.] menciona o solo que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, </font><i><font>a adquirir </font></i><font>as características descritas na alienas a). </font><i><font>Se atendermos ao PDM, </font></i><font>a área integrava-se em RAN e REN, o que impedia a construção. (...). «(...) </font><i><font>não se pode classificar </font></i><font>o </font><i><font>terreno em função da intenção do Município </font></i><font>(...)>> (Pág. 17-3.º §). </font>
</p><p><font>* que, «Pelos fundamentos expostos, anula-se o processado posterior ao laudo dos peritos, devendo os quatro peritos que não avaliaram o </font><i><font>solo como apto para outros fins </font></i><font>proceder a tal avaliação» (Pág. 20-S.º §). </font>
</p><p><font>11.ª -Cremos, com convicção, que o simples cotejo factual e jurídico que acaba de ser feito ajuda sobremaneira a verificar que a boa solução doutrinal - justa, indo ao espírito do sistema em vez do formalismo a comandar, em soluções restritivas que não deixam evoluir o Direito - está contida no acórdão fundamento, e foi arredada, sem perda do maior respeito, do acórdão recorrido. </font>
</p><p><font>12.ª - Acrescente-se, porém, que, não obstante o paralelismo factual nos dois casos, o caso dos presentes autos contém um enorme acervo doutros factos que, sendo impressivos e impressionantes, além de chocantes, ajudam a melhor aquilatar que a solução jurídica jamais poderia ser a do acórdão recorrido, antes tem de ser a do acórdão recorrido - factos esses que, comprovados por documentos, descrevemos minuciosa e objectivamente nos ponto 26 destas alegações, para onde devemos remeter. </font>
</p><p><font>13.ª - Numa primeira, e popular, aproximação do tema jurídico poderá, pois e desde logo, que, não fora doutrina do ACÓRDÃO FUNDAMENTO e a Administração Pública, sob uma veste pudica e isolado de "mera Expropriante" fazia o chamado (perdoe-se-nos a metáfora) "um crime perfeito". </font>
</p><p><font>14.ª - Estamos remetidos, pois, para a previsão/interpretação do art. 25.º-2-c) C Exp..</font>
</p><p><font>15.ª - A grande diferença entre os opostos arestos é, assim, a de que, para o ACÓRDÃO RECORRIDO aquele destino («destinado») teria de ser, necessariamente, estabelecido com base «na realidade existente à data da declaração de utilidade pública» (sic), ou seja, o «instrumento de gestão territorial» vigente a essa data, enquanto para o ACÓRDÃO FUNDAMENTO aquele destino não anda formal e necessariamente ligado ao instrumento de gestão territorial» dessa data. </font>
</p><p><font>16.ª - No caso concreto destes autos, há referência a três «instrumentos de gestão territorial: </font>
</p><p><font>* </font><u><font>1.º </font></u><i><u><font>instrumento de gestão territorial</font></u></i><i><font>:</font></i><font> vigorava um </font><i><font>PDM, </font></i><font>que nada permitia construir, pois o </font><i><font>destino </font></i><font>era </font><i><font>«Floresta Complementar» </font></i><font>e </font><i><font>«Terrenos Agrícolas Complementares»; </font></i>
</p><p><font>* </font><u><font>2.º </font></u><i><u><font>instrumento de gestão territorial</font></u></i><i><font>: suspensão do PDM, </font></i><font>preparado desde mais de oito meses antes da DUP, sempre com o </font><i><font>destino </font></i><font>do local da futura DUP de zona industrial; </font>
</p><p><font>* </font><u><font>3.º </font></u><i><u><font>instrumento de gestão territorial</font></u></i><i><font>: estabelecimento de medidas preventivas, </font></i><font>preparados desde mais de oito meses antes da DUP, sempre com o </font><i><font>destino </font></i><font>do local da futura DUP de zona industrial. </font>
</p><p><font>17.ª - E, assim, eis como é preparada a DUP: </font>
</p><p><font>* A DUP é publicada em 14.12.2005 na vigência do </font><u><font>1.º </font></u><i><u><font>instrumento de gestão territorial</font></u></i><i><font>;</font></i>
</p><p><font>* Mas é falada, invocada, escrita desde mais de oito meses antes da DUP: </font>
</p><p><font>** que esta </font><i><font>{DUP} </font></i><font>vai ser </font><i><font>«necessária à execução do projecto» </font></i><font>dum </font><i><font>"Loteamento Industrial da Zona Industrial ..." (</font></i><font>uma área total de 170ha, </font><i><font>que inclui </font></i><font>o </font><i><font>parque industrial já existente) </font></i><font>e </font>
</p><p><font>** que, </font><i><font>para esse fim expresso e antes </font></i><font>duma </font><i><font>pretendida Revisão do PDM, </font></i><font>havia de, necessariamente, proceder (i) à </font><i><font>suspensão parcial desse PDM </font></i><font>e (ii) ao estabelecimento de </font><i><font>"Medidas Preventivas" </font></i><font>pelo prazo legal; </font>
</p><p><font>* que se procede à longa preparação (i) quer da DUP, (ii) quer da suspensão parcial do PDM de 94, (iii) quer da definição das "medidas preventivas", </font><i><font>tudo destinado ao mesmo fim; </font></i>
</p><p><font>* Mas até, </font><i><font>cerca de sete meses antes da DUP </font></i><font>[esta é de 14.12.2005], a área de terreno depois expropriada foi submetida em </font><i><font>Maio de 2005, </font></i><font>por iniciativa da CML (a futura EXP.TE), a um Projecto de </font><i><font>"Loteamento Industrial da Zona Industrial ...". </font></i>
</p><p><font>* Foi só depois de tudo isto que a CML (a futura EXP.TE) deliberou em sua sessão de 06.06.2005 requerer, de acordo com a Informação n.º 1l0/2005/DLGPU/PM, da mesma data de 06.06.2005, que a deliberação camarária incorporou, a DUP, dizendo-se na deliberação que ela era </font><i><font>«necessária </font></i><font>à </font><i><font>execução do projecto referido </font></i><font>em </font><i><font>destaque». </font></i>
</p><p><font>* E, então, em </font><i><font>16.12.2005, dois dias depois da publicação da DUP, </font></i><font>são publicados (i) o </font><u><font>2.º </font></u><i><u><font>instrumento de gestão territorial</font></u></i><i><font> (suspensão do PDM) </font></i><font>e (ii) o </font><u><font>3.º </font></u><i><u><font>instrumento de gestão territorial</font></u></i><i><font> (estabelecimento de medidas preventivas). </font></i>
</p><p><font>18.ª - Só há um meio de pôr cobro a este tipo de procedimentos, como logo o intuiu o ACÓRDÃO FUNDAMENTO, qual seja a de a interpretação do art. 25.º-2-c) CExp. deve ser feita no sentido de que é solo apto para construção aquele que está destinado a adquirir as características descritas na alínea a), aquando da preparação ou como motivação da declaração de utilidade pública, mesmo que se preveja esse destino de acordo com instrumentos de gestão territorial publicados posteriormente àquela declaração. </font>
</p><p><font>19.ª - Só esta interpretação é compatível com o princípio constitucional da justa indemnização, definido no art. 62.º da CRP, como com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé da Administração, exigidos pelos arts. 13.º e 266.º-2 CRP. </font>
</p><p><font>20.ª - A contrária, que é a do ACÓRDÃO RECORRIDO, viola, salvo o devido respeito, não só a norma do art. </font><i><font>25.º-2-c) </font></i><font>CExp., como as citadas normas constitucionais. </font>
</p><p><b><font>Referente à recorrente, BB.</font></b>
</p><p><font>“1- A recorrente subscreve o recurso interposto pela co-expropriada AA, no que se refere às suas alegações e respectivas conclusões. </font>
</p><p><font>2- Porquanto, o interesse de ambas as expropriadas é comum. </font>
</p><p><font>3- E a DUP é única, pelo que se deve considerar que para efeitos de avaliação da parcela expropriada, (n.º 2), lhe aproveitam as características da primeira, (n.º 1), como seria “ab initio" se se tivesse procedido a uma única expropriação, (como é o caso dos presentes autos). </font>
</p><p><font>4- Conforme foi já decido pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra com o n.º 1197/05.9 de 13.11.2207, disponível para consulta em </font><a><u><font>www.dgsi.com</font></u></a><font> ' </font>
</p><p><font>5- A recorrente entende que o recurso sempre deverá ser admitido, porquanto, trata-se de situação que conduz a equacionar questões de natureza puramente jurídica em que não está em causa a fixação do montante indemnizatório propriamente dito. </font>
</p><p><font>6- Numa situação destas, terá de seguir-se a regra geral de admissibilidade ou inadmissibilidade em função do valor das alçadas como elemento essencial da fixação da competência em matéria de recursos. </font>
</p><p><font>7- Assim, sendo o valor da causa superior ao da alçada da Relação e estando no recurso equacionadas somente questões de direito, que aceitam como pressuposto o julgamento de facto dos árbitros, é o mesmo admissível para o STJ, conforme Doutamente já decidido pelo STJ, (Revista n.º 3624/01 - 2.</font><sup><font>8</font></sup><font> Secção). </font>
</p><p><font>8- Por mera cautela, sempre se dirá que se verifica oposição entre o Douto Ac6rdão recorrido com outros proferidos pelo mesmo Tribunal da Relação do Porto, nomeadamente, aquele com o n.º 463/06.OTBLSD.PI e outro com o n.º 233/08.1TBRSD.P1 que, "no domínio da mesma legislação", "decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito". </font>
</p><p><font>9- Não tendo sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do CPC, jurisprudência com ele conforme, o que, por </font><i><font>si </font></i><font>só, permitem a interposição do Recurso de Revista Excepcional, previsto no art. 721.º-A do CPC. </font>
</p><p><font>10- O Douto Acórdão recorrido decidiu anular o processado posterior ao laudo dos peritos, devendo os quatro peritos que não avaliaram o solo apto para outros fins proceder a tal avaliação. </font>
</p><p><font>11- Referindo que as "medidas preventivas" impediam a construção e o destino "efectivo ou possível" de um terreno em que não é possível construir, não pode ser a construção. </font>
</p><p><font>12- O próprio projecto do novo Código das Expropriações, prevê a introdução de uma alínea d) ao seu artigo 27.</font><sup><font>0</font></sup><font> que refere que se consideram aptos para construção os solos que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores possui, todavia, licença ou admissão de comunicação prévia de loteamento, licença ou admissão prévia de construção, aprovação de projecto de arquitectura ou informação prévia favorável em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o procedimento respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do arte 13.</font><sup><font>0</font></sup><font> </font>
</p><p><font>13- Tal alteração irá, definitivamente, impedir a interpretação constante do Douto Acórdão recorrido que, claramente, beneficia a entidade expropriante, através da consideração da realidade existente na data da DUP. </font>
</p><p><font>14- Sem ter em consideração que a razão para tal declaração já constava de vária documentação existente muitos meses antes da sua publicação e que referia que a sua necessidade decorria da execução de um projecto de loteamento industrial. </font>
</p><p><font>15- Ora, tal construção implica, necessariamente, a dotação do local de acesso rodoviário, de rede de abastecimento de água, energia eléctrica e saneamento com as características adequadas para servir as futuras edificações. </font>
</p><p><font>16- Deverá concluir-se, assim, que à data da DUP a parcela expropriada à recorrente estava destinada a adquirir aquelas características, verificando-se a previsão do art. 25.º n.º 2, al. c) do CE, (Ac6rdão da Relação do Porto proferido no Proc. 463/06.OTBSLD.PI). </font>
</p><p><font>17 - É incongruente que se exproprie um terreno expressamente para a edificação de uma construção e se exclua a su1\ classificação de "solo apto para construção" para efeitos de indemnização, (Ac6rdão do STJ de 13.10.2011 - Proc. 5809/03.0TBMAI.Pl.Sl). </font>
</p><p><font>18- A recorrente entende que o Douto Acórdão da Relação do Porto de que se recorre está em clara oposição com outro aresto proferido, pelo mesmo Tribunal, (Acórdão de 04.10.2011, proferido no Proc. 233/08. 1TBRSD.P1, disponível para consulta em </font><a><u><font>www.dgsi.pt)</font></u><font>.</font></a>
</p><p><font>19- O qual conheceu da mesma questão fundamental de direito da destes autos, (qualificação do solo de prédio expropriado), e decidiu de forma divergente daquele que se recorre. </font>
</p><p><font>20- Quando entendeu, nomeadamente que: </font><i><font>"Uma segunda e posterior Resolução do Conselho de Ministros que aprova a implantação de uma Área Empresarial, através de um Plano de Pormenor que prevê para o local a implantação de edificações, instalações, arruamentos ou redes de abastecimento geral, retira a natureza agrícola que, para a parcela expropriada resultava de uma anterior inclusão em RAN, revogando tal inclusa. </font></i>
</p><p><font>21- E que: </font><i><font>"Assim, posteriormente, à data da DUP, a parcela dos autos era de valorizar como apta para a construção, pois estava destinada, de acordo com instrumento de gestão' territorial, a adquirir as características descritas na al. a) do n.º2 do art </font></i><font>25.º </font><i><font>C. Exp. (art. </font></i><font>25.º </font><i><font>n.º2, al. c) C. Exp.)" </font></i>
</p><p><font>22- O Douto Acórdão recorrido violou, entre outras, as disposições do artigo 25.º do Código das Expropriações, bem como os arts. 13.º°; 18.º, n.º 1, 62.º, n.º. 2 e 266.º, n.º 2, todos a Constituição da República Portuguesa. </font>
</p><p><font>23- Essa violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e justiça, imparcialidade e justa indemnização foi já apreciada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 276/2007. </font>
</p><p><font>24- Quando considerou que </font><i><font>"o que releva, porém, para efeitos de justa indemnização não é o facto de o terreno deixar de ter aptidão agrícola, como sucede nos casos em que se constrói nele vias de comunicação ou central de incineração, mas sim a circunstância dos terrenos passarem a ter uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa que se poderá revelar pelo motivo que justifica a expropriação ou pelo destino que o expropriante concretamente lhe dá usando-o na construção". </font></i>
</p><p><b><font>Nas contra-alegações que produziu, conclui a recorrida, Câmara Municipal da Lousada </font></b>
</p><p><font>“I - A Avaliação dos Peritos do Tribunal e consideram um valor para escritórios muito superior ao de indústria o que, para além de infundamentado, pondera - mal - como se a construção admitida não fosse para indústria, mas para escritórios. </font>
</p><p><font>11 - Em situações similares de que, certamente, este tribunal </font><i><font>ad quem </font></i><font>tem conhecimento rondam os 10% do valor da construção para indústria. </font>
</p><p><font>111 - É considerado um valor para Localização e Qualidade Ambiental (9%) superior à Decisão Arbitral (8%) sem que nos sejam apresentados quaisquer elementos que permitam aferir o que o sustenta pelo que deve prevalecer a Decisão arbitral. </font>
</p><p><font>IV - Não se pode concordar, também, com a inclusão na avaliação das bonificações para a parcela 1 de electricidade e telefone por inexistirem. </font>
</p><p><font>V - Da mesma forma é inaceitável o entendimento ínsito na Sentença do Tribunal de Comarca sobre a aplicação de factores correctivos pois, na verdade, os 20% aplicados pelos Peritos Maioritários não são, como se dá a entender, apenas para infra-estruturas mas, também, para urbanização e que se deve manter. </font>
</p><p><font>VI - Merece censura a consideração de, a ter-se o solo como apto para a construção (o que se rejeita) tão-só, 5% em sede do n.º 10 do artigo 26.º do CE devendo ser aplicado na percentagem máxima.” </font>
</p><p><font>I.B. – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.</font>
</p><p><font>Os recursos interpostos ancoram em dois fundamentos: a) – oposição ou contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão do mesmo tribunal sobre a mesma questão fundamental de direito; b) violação da lei substantiva. </font>
</p><p><font>Os fundamentos do recurso poderiam ser analisados de per si, na sua essencialidade jusprocessual, se antes não ocorresse um escolho limitador da recorribilidade da decisão e que se prefigura como pressuposto da admissibilidade de qualquer recurso, tanto de apelação como de revista. Prende-se a com a questão de saber se a decisão se enquadra na previsão jusnormativa contida no artigo 721.º do Código Processo Civil, ex vi do artigo 691.º, n.º 1e alínea h) do n.º 2 do mesmo livro de leis. Vale por perquirir se, no caso em apreço, a decisão proferida, rectius no seu dispositivo ou veredicto jurisdicional, tal como se encontra redigido é uma decis~~ao que se enquadra no leque de decisões que decidem do mérito da causa – cfr. n.º 1 do artigo 691.º, aplicável ao recurso de revista (artigo 721.º. [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Como se deixou dito supra o dispositivo do acórdão procede á anulação de todos os actos a partir da perícia realizada – o que importa a anulação de decisão da primeira (1.ª) instância – com o pressuposto definido e pronunciado nos fundamentos da decisão de que (sic): “[As] parcelas não se integravam em núcleo urbano existente, pelo que fica afastada a aplicação da al. b) do n.º 2 do art. 25.º</font>
</p><p><font>A alínea c) do mesmo número 2 menciona o solo que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a). Se atendermos ao PDM, a área integrava-se em RAN e REN, o que impedia a construção. Valem aqui as considerações tecidas quanto à data a considerar para a classificação do solo e a fixação da indemnização. Se atendermos à suspensão do PDM, as medidas preventivas também inviabilizavam a construção. E não se pode classificar o terreno em função da intenção do Município ao suspender o PDM, nem em função do alvará que veio a ser aprovado decorridos mais de dois anos depois da declaração de utilidade pública, porquanto na determinação do valor dos bens expropriados não se pode tomar em consideração a mais valia que resultar da própria declaração de utilidade pública (art. 23.º, n.º 2, al. a). </font>
</p><p><font>A situação das parcelas dos autos também não se subsumia à previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 25.º</font>
</p><p><font> A alínea d) alude à existência de alvará de loteamento no momento da declaração de utilidade pública. O alvará referido pelos Srs. peritos indicados pelo tribunal foi aprovado em data posterior à declaração de utilidade pública, pelo que também fica afastada a aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 25.º</font>
</p><p><font>Resta a aplicação do n.º 3 do artigo 25.º, considerando-se o solo apto para outros fins cálculo tendo em atenção o rendimento efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e os restantes elementos enunciados no n.º 3 do artigo 27.º”</font>
</p><p><font>Para mais adiante na concreção a atribuição da indemnização e tendo como pressuposto a qualificação do terreno como devendo ser integrado na categoria estatuída na alínea c) do artigo 25.º - solo apto para outros fins – ordenar que se procede a uma avaliação dos senhores peritos em que se contemplasse esta categoria de solos e com base nela. [</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>A questão da admissibilidade do recurso, em face do dispositivo delimitado pela decisão proferida terá assim, de acordo com uma jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal, [</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>] que impõe, como pressuposto invadeável para que um recurso de revista possa ser admitido, que a decisão que se pretende impugnar tenha decidido de mérito, o que vale por dizer ponha termo ao processo.</font>
</p><p><font>A questão que a interposição do recurso, e a sua admissibilidade formal, convocam atina com a decisão proferida no recurso. </font>
</p><p><font>Como resulta do troço dispositivo, o tribunal não decidiu do mérito da causa, ou dito de outro modo, não se debruçou sobre o objecto do processo – atribuição de uma justa indemnização, tendo como pressuposto a excisão de um direito de propriedade – antes, depois de se ter pronunciado quanto à natureza do terreno, decidiu a anulação de todo o processado até ao momento da realização da perícia, para que estes com base no veredicto agora ditado procedessem à avaliação do terreno tendo com base a atribuição do terreno para outros fins. Vale por dizer que o tribunal depois de ter definido e classificado o terreno expropriado não decidiu da indemnização a atribuir, ao que se justificou por falta de elementos que o habilitassem a fazê-lo. </font>
</p><p><font>O recurso recai, assim, sobre uma decisão que não decide do mérito da causa, o que vale dizer não põe termo ao processo, constituindo-se, assim, formalmente, como uma decisão interlocutória e não uma decisão de possa recorrer-se, nos termos do artigo 721.º do Código Processo Civil, ex vi do artigo 691.º, n.º 1 do mesmo livro de leis.</font>
</p><p><font>A necessidade de interpor recurso desta decisão terá sido ditada, da parte da recorrente, pensamos nós, pela urgência de ver discutida, no plano do direito a classificação/qualificação do solo objecto da acção expropriativa e de impedir que sobre a pronúncia ditada pela decisão quanto a este fundamento da decisão se viesse a formar caso julgado, impedindo a sua renovação em futura decisão que se viesse a proferir, tanto na primeira como em sede recursiva.</font>
</p><p><font>Em nosso juízo, a urgência revela-se precipitada e carece de suporte jusprocessual. </font>
</p><p><font>Na lição de Castro Mendes [</font><a><u><font>[4]</font></u></a><font>] “[fundamental] para o caso julgado não é, porém, o objecto do processo mas o da sentença. (…) Assim, a sentença pode ela resolver expressamente o problema. Em regra, só o deverá fazer quando a natureza integral do pedido do autor resulte dos termos da sua demanda, ou quando a declaração do carácter excludente do réu seja pedido pelo réu.”</font>
</p><p><font>Do mesmo passo, para este Professor quando se fala na extensão do caso julgado haverá que indagar se “(…)da indiscutibilidade de certa afirmação se conclui a indiscutibilidade da subsistência ou insubsistência doutra afirmação, de conteúdo diferente.” [</font><a><u><font>[5]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>Na perspectiva que, julgamos, ditou a urgência e a premência da interposição deste recurso – de uma decisão que não definiu, ou fixou, um quantitativo certo e determinado a que corresponderia o valor do terreno expropriado – terá estado o receio de que a pronúncia do tribunal de recurso se tornaria definitiva quanto à caracterização/qualificação do solo como devendo ser qualificado para “outros fins”, em contramão com o decidido na decisão de primeira (1.ª) instância.</font>
</p><p><font>Em nosso juízo não ocorre definitividade de pronúncia quanto a este tramo fundamentador da decisão. </font>
</p><p><font>Retomando a lição do preclaro processualista que vimos seguindo, adrega seguro não poder o caso julgado estender-se aos fundamentos, dado que a “extensão do caso julgado, como ficou dito, resulta duma coerência e traduz-se num acto de conclusão, dedução e inferência: de certa afirmação infere-se a verdade a falsidade, a subsistência ou insubsistência, de outra.” “(…) a extensão do caso julgado só pode resultar de fenómeno de inferência absoluta ou mediata, não de fenómenos de inferência relativa ou mediata.” [</font><a><u><font>[6]</font></u></a><font>] </font>
</p><p><font>No entendimento que fazemos da decisão libertada pelo tribunal recorrido – como é jurisprudência firme a sentença “(…) proferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos – pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença - o que determina que a sentença deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto.”</font><font> [</font><a><u><font>[7]</font></u></a><font>]</font><font> – a pronúncia emitida acerca da qualificação do solo emerge de uma divertida posição do tribunal de recurso relativamente ao decidido na primeira instância que não se pode tornar definitiva e com força de caso julgado enquanto não for fixado o quantitativo que o tribunal entende dever ser o justo para compensar o expropriado do acto de evicção do terreno da sua esfera patrimonial.</font>
</p><p><font>Hipnotizando, poder-se-ia colocar a questão da necessidade de | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7zKQu4YBgYBz1XKvvBu0 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b>
</p><p><font>I. AA - Associação ..., …, intentou o presente procedimento cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 210.0-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), contra BB, S.A</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>, pedindo que fosse decretado o encerramento dos estabelecimentos hoteleiros denominados BB1, BB2, BB3, BB4, BB5, BB6 e BB7, explorados pela requerida. Subsidiariamente, pediu que fossem decretadas as seguintes providências: proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas; apreensão dos bens que se suspeite violarem os direitos conexos e dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente aparelhos de televisão, aparelhos de reprodução de DVDs, cassetes ou aparelhos retransmissores de conteúdos videográficos, bem como suportes informáticos que contenham ficheiros audiovisuais e, caso se verifique a sua utilização para a execução pública de videogramas, computadores, notebooks, tablets ou ainda qualquer outro meio utilizado para esse fim; a obrigação de concessão de livre acesso aos estabelecimentos explorados pela sociedade requerida, com o objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, com a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso; e a aplicação de sanção pecuniária compulsória não inferior a 1.000,00 Euros, por cada dia de incumprimento das medidas cautelares a decretar. </font>
</p><p><font>Alegou, em síntese, que é uma associação de gestão colectiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos e que está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança aos artistas, intérpretes e executantes e que actividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida por si em parceria com a referida GDA, procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas. Refere que no âmbito da referida actividade licencia a utilização por parte dos eventuais interessados da quase totalidade do repertório das obras audiovisuais para televisões, nacionais ou estrangeiras, comercializadas e difundidas em Portugal e que os hotéis acima indicados são estabelecimentos comerciais abertos ao público nos quais se procede de forma habitual e continuada à execução pública através dos aparelhos de televisão existentes nas unidades de alojamento e nos espaços comuns, de videogramas do repertório entregue à gestão da requerente sem a necessária autorização, sendo que a requerida jamais pagou a esta a remuneração devida por tal comunicação.</font>
</p><p><font>Finaliza afirmando que apesar terem sido enviadas à requerida cartas a informar da necessidade de obter a respectiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de videogramas, a mesma continua a exibir publicamente nas referidas unidades hoteleiras videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos, não tendo feito à requerente qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização. </font>
</p><p><font>A requerida deduziu oposição, na qual pugnou pela improcedência do presente procedimento cautelar, alegando, no essencial, a inexistência de execução pública de videogramas e o abuso de posição dominante por parte da requerente, consubstanciado na ilicitude dos valores por ela cobrados. </font>
</p><p><font>Realizou-se a audiência final no âmbito da qual a requerente apresentou tomada de posição relativamente à excepção deduzida pela requerida na oposição. </font>
</p><p><font>Na audiência as partes acordaram quanto a factos a considerar como assentes, dispensando-se assim a produção de parte da prova testemunhal. </font>
</p><p><font>Foi proferida a decisão que, julgando parcialmente procedente a providência, determinou:</font>
</p><p><font>a) Impõe-se à requerida BB, S.A., a proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas que façam parte do repertório entregue à gestão da requerente AA - Associação ..., …, nos estabelecimentos hoteleiros por si explorados, denominados BB1, BB2, BB3, BB4, BB5, BB6 e BB7, enquanto não efectuar o licenciamento junto da requerente, tendo em vista o valor fixado na nova tabela para 2014, ou seja, 1,81 Euros (um euro e oitenta e um cêntimos)/mês por quarto, para os hotéis de três estrelas, 2,84 Euros (dois euros e oitenta e quatro cêntimos)/mês por quarto, para os hotéis de quatro estrelas, e 3,22 Euros (três euros e vinte e dois cêntimos)/mês por quarto, para os hotéis de cinco estreias), a calcular em função da taxa de ocupação efectiva de cada estabelecimento e sem prejuízo da aplicação de descontos ou reduções adoptadas pela requerente ou resultantes da diminuição da referida taxa de ocupação efectiva) b) Condena-se a requerida a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de 1.500,00 Euros (mil e quinhentos euros), por cada dia de incumprimento da providência decretada em a); c) Absolve-se a requerida dos demais pedidos formulados pela requerente. </font>
</p><p><b><font>II.</font></b><font> Inconformada com o assim decidido, a Requerida interpôs recurso de Apelação na sequência do qual foi proferido o acórdão ora recorrido no qual se decidiu julgar procedente a Apelação e revogar a decisão proferida pelo Tribunal de 1.a Instância, indeferindo a providência requerida.</font>
</p><p><b><font>III.</font></b><font> Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista tendo, a fls. 501 dos autos, sido proferido despacho liminar admitindo esse mesmo recurso por estarem genérica e abstractamente preenchidos os requisitos de admissibilidade extraordinária do mesmo, constantes dos artigos 370º nº 2 e 629º nº 2 alínea d) CPC; posteriormente, e quando da apreciação de projecto de acórdão em Conferencia, foi suscitada pelos Exmºs Conselheiros Adjuntos a questão prévia da admissibilidade do recurso, vista agora na perspectiva concreta da concreta fundamentação desse mesmo recurso.</font>
</p><p><font>Dada a relevância dessa questão e a natureza prévia da mesma cumpre em primeiro lugar proceder à sua ponderação e decidi-la.</font>
</p><p><font>O artigo 370º nº 2 parte final, com remissão para o artigo 629º nº 2, veio reintroduzir no Código de Processo Civil um caso especial de admissibilidade de revista (em particular no que se reporta à alínea d) do nº 2 do artigo 629), que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>); mantendo-se o regime regra de inadmissibilidade de recurso para o STJ nos procedimentos excepciona-se a situação em que o recurso é sempre admissível ou seja, tratando-se de decisão proferida em procedimento cautelar, a regra geral é a da irrecorribilidade vindo as excepções a essa regra elencadas no nº 2 do artigo 629 para o qual remete o nº 2 do artigo 370º.</font>
</p><p><font>Na situação concreta em análise e conforme foi mencionado, o recurso poderia abstractamente e do ponto de vista formal ser admitido perante o que dispõe o nº 2 alínea d) do supra-referido artigo 629º (em concreto porque o acórdão da Relação está em contradição com outro da mesma Relação relativamente à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação); há no entanto que ter em conta, para efeitos de interpretação teleológica do referido artigo 370º quais as razões que conduziram a que o legislador tivesse repescado este regime excepcional de recurso para o STJ nos procedimentos cautelares, regime esse que, como dissemos, havia sido eliminado pela reforma introduzida pelo já mencionado DL 303/2007, de 24 de Agosto.</font>
</p><p><font>Em nosso entender essas razões estão fundamentalmente ligadas ao objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo STJ conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que de acordo com a regra geral nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcançaria o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista (v. acórdão deste STJ, de 18/9/2014 – relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).</font>
</p><p><font>Posto isto, indo à situação concreta dos autos e não esquecendo tratar-se de uma providencia cautelar antecipatória que se destina a provocar uma decisão provisória ou interina válida enquanto se não obtém uma decisão definitiva</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> - (como refere Rui Pinto “Notas ao CPC”, página 18, anotação ao artigo 362º, “</font><i><font>não se pode esquecer que do sistema vigente de tutela cautelar decorre uma natureza materialmente provisória e formalmente instrumental) - </font></i><font>devemos ter em conta que a razão pela qual o acórdão recorrido indeferiu a providencia (adoptando uma solução jurídica que está em contradição com outros acórdãos dessa e de outras Relações) não tem directamente a ver com pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar mas sim com uma apreciação de mérito sobre a inexistência do direito que se pretende ver acautelado ou mais precisamente o acórdão recorrido indeferiu a providencia com fundamento numa decisão de mérito, tendo procedido à apreciação sobre os pressupostos de aplicação de uma norma de direito substantivo que aplicação essa que deverá necessáriamente acontecer em sede de acção principal.</font>
</p><p><font>Ao apreciar-se e decidir-se em sede de recurso de revista se (como se entendeu) a situação invocada pela requerente configura uma situação de mera recepção (livre) ou se pelo contrário estamos perante uma situação característica de comunicação pública (que deve ser paga)</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> ou ainda mais concretamente a de saber se a disponibilização de televisores nas unidades de alojamento e nos espaços comuns de uma unidade hoteleira consubstancia a acepção de comunicação publica nos termos do que dispõem os artigos 178º nºs 2 e 3 e 184º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo DL. 63/85 de 14 de Março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de Setembro, 114/91, de 3 de Setembro e 50/2004, de 24 de Agosto e ainda pelos DL.s 332/97 e 334/97, proceder-se-ia a uma decisão de mérito sobre os pressupostos de aplicação daquelas citadas normas sendo que essa apreciação e decisão contrariaria a natureza provisória e formalmente instrumental do procedimento cautelar. </font>
</p><p><font>Perante o que fica referido o núcleo fundamental do recurso não se coloca objectivamente em qualquer circunstância ou pressuposto de natureza cautelar centrando-se na questão de mérito e consequentemente deixou de se visar uma solução cautelar provisória para na prática se pretender, sem se fazer apelo à possibilidade de inversão do contencioso (que nas circunstancias concretas não encontraria qualquer justificação face à decisão de indeferimento), uma decisão definitiva sobre a questão substantiva de mérito.</font>
</p><p><font>A tomar-se conhecimento do recurso daria esta circunstância origem a uma situação em que ou o julgamento aqui efectuado em sede cautelar não constituía caso julgado relativamente à acção principal,</font><b><font> </font></b><font>admitindo-se que nesta se viesse a emitir novo julgamento eventualmente não coincidente, com possibilidade de outro recurso para este STJ ou constituía subvertendo-se neste caso a lógica inerente à relação de instrumentalidade existente entre a acção e o procedimento e</font><b><font> </font></b><font>ofendendo-se mesmo a própria lógica do processo civil que tem por inerente o principio de que é no processo principal que hão-de ser dirimidas em definitivo as questões substantivas</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> (refira-se que nos termos do artigo 211º CDADC se aplica subsidiariamente o disposto no CPC em tudo o que não esteja especialmente previsto no seu Título IV).</font>
</p><p><b><font>IV. DECISÃO – </font></b><font>Acorda-se, nestes referidos termos, em não tomar conhecimento do recurso.</font>
</p><p><font>Sem custas por delas estar isenta a recorrente.</font>
</p><p><font>Lisboa, 2 de Junho de 2015</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Mário Mendes (Relator)</font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p><p><font>Moreira Alves</font>
</p><p><b><font> </font></b>
</p><p><b><font>_____________________ </font></b>
</p><p><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Importa salientar para efeitos de enquadramento de toda a questão que a providência cautelar na qual foi proferido o acórdão recorrido foi requerida pela AA (associação representativa dos autores) com os fundamentos e nos termos previstos no disposto na alínea a) do artigo 210º-G do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, adiante CDADC, (na redacção introduzida pela Lei 16/2008,de 1 de Abril – a qual procedeu à transposição para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/48/CE, concretamente neste caso o seu artigo 9º - medidas provisória e cautelares) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, procedendo à terceira alteração ao Código da Propriedade Industrial, à sétima alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 332/97, de 27 de Novembro. </font>
</p></font><p><font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><b><font> </font></b><font>Regra semelhante constava do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil anterior a essa reforma, preceito que, por sua vez, viera substituir o recurso para o Tribunal Pleno previsto no artigo 764º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1994/1995.</font><b><font> </font></b><br>
<font> </font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Sobre a natureza e finalidade dos procedimentos cautelares v. Calamandrei “Introduzione allo studio dei provvedimenti cautelari…”. </font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Considerou-se no acórdão recorrido,</font><b><font> c</font></b><font>om apoio num entendimento no sentido que os televisores existentes e disponibilizados pelo Hotel se limitam a transmitir ou a receber uma programação que está a passar, em tempo real, nos canais que são recepcionados, sem que aos utentes do Hotel seja facultada a possibilidade de acederem aos videogramas que já passaram, que </font><i><font>“a actuação da requerida configura apenas uma situação de recepção pública</font></i><b><i><sup><font>[4]</font></sup></i></b><i><font>”</font></i><b><i><font> </font></i></b><font>e, em consequência, “não pode preencher o conceito de </font><i><font>"comunicação ao público</font></i><font>" e </font><i><font>"colocação à disposição do público</font></i><b><i><font>"</font></i></b><font> que se encontra prevista no n.º 2 do citado artigo 178. ° CDADC.</font><br>
<a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font> Segue-se com as devidas adaptações o entendimento expresso no acórdão 442/2000 do Tribunal Constitucional (relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).<br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7DKQu4YBgYBz1XKvtxuz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font>
<p><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> AA e BB propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “CC Seguros - …, SA”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a reconhecer a nulidade da cláusula 2.4.1.15 da apólice de seguro contratado entre os autores e o réu, que exclui o pagamento do capital segurado, caso o sinistro seja devido a doenças psiquiátricas, de qualquer natureza, de que a pessoa segura seja titular [I], a pagar a indemnização/capital em dívida, relativo à apólice de seguro de vida, no valor de €87.477,53 [II], a indemnizar os autores, por danos não patrimoniais, no valor de €5.000,00 [III], a pagar a quantia de €4.870,08, a título de indemnização correspondente ao valor que os autores despenderam, desde a data da verificação da invalidez do autor, até à presente data [IV] e a pagar os juros, à taxa legal, sobre a quantia peticionada [V].</font>
</p><p><font> Como fundamento da sua pretensão, os autores alegam, em síntese, que, em 13 de Novembro de 2009, subscreveram com o réu um contrato de seguro de vida, por ocasião da celebração de um contrato de mútuo com hipoteca, sendo certo que não lhes foi prestada qualquer informação sobre as condições gerais e especiais, nomeadamente, relativas ao âmbito da cobertura dos riscos da apólice, ou seja, sobre as cláusulas de limitação e exclusão da mesma, para além da obrigatoriedade da subscrição de um seguro de vida que tivesse a ré como beneficiária, cobrindo os riscos de morte e invalidez, absoluta e definitiva, ou outros riscos, por acidente e/ou doença.</font>
</p><p><font> Porém, tendo sido diagnosticado ao autor, em 15 de Fevereiro de 2011, a doença de perturbação bipolar, a Junta Superior de Saúde deliberou, em 23 de Fevereiro de 2012, que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR.</font>
</p><p><font>Interpelado o réu para que garantisse o pagamento integral do capital em dívida, este comunicou-lhe que a doença psiquiátrica evidenciada e de que padecia se encontrava excluída do âmbito da cobertura da apólice, o que excede, manifestamente, segundo os autores, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e, sobretudo, pelo fim social e económico do direito.</font>
</p><p><font> Na contestação, o réu alega, em suma, que a doença do autor é uma doença psiquiátrica, pelo que se encontra excluída do contrato de seguro firmado, o que é do conhecimento dos autores, bem como as demais cláusulas, pois que, antes da subscrição da proposta, foram-lhes entregues a informação pré-contratual, as condições gerais e as condições especiais, sendo que a cláusula que exclui do âmbito das coberturas os sinistros decorrentes de doenças psiquiátricas, encontra-se vertida, tanto na informação pré-contratual, como nas condições especiais, cujo teor lhes foi comunicado e que os autores assinaram, em dois locais distintos, a que acresce que o autor, antes da celebração do contrato, já sabia que a referida doença o afectava, tendo omitido tal informação, razão pela qual sempre o sinistro estaria fora do âmbito de cobertura do seguro. </font>
</p><p><font> Na réplica, os autores impugnam os factos excetivos alegados pelo réu. </font>
</p><p><font>A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos contra si formulados pelos autores.</font>
</p><p><font>Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação </font><i><font>“na procedência do recurso, mantido a absolvição no que concerne aos danos não patrimoniais pelos autores peticionados, condenando a ré a pagar a indemnização/capital em dívida relativa à apólice de seguro de vida no valor de 87.477,53 € e a pagar aos autores 4.870,08 €, valor que os autores despenderam desde a data da verificação da invalidez do autor, acrescida de juros, à taxa legal”.</font></i><font> </font>
</p><p><font>Do acórdão da Relação do Porto, o réu interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação</font><b><i><font> </font></i></b><font>e absolvição, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:</font>
</p><p><font>1ª – O Tribunal recorrido alterou a resposta aos pontos 17 e 18 da matéria de facto, dando-os como não provados.</font>
</p><p><font>2ª - Julgou assim não provado que </font><i><font>"os autores, previamente à subscrição da proposta de fls. 80 a 85 junta aos autos, tomaram conhecimento da informação pré-contratual (para a cobertura obrigatória: "invalidez total e permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de: (...) doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a pessoa segura seja portadora", e da cláusula 2.4.1 .15. das condições especiais com o mesmo teor, do alcance das mesmas tendo sido esclarecidos.".</font></i>
</p><p><font>3ª - O douto acórdão recorrido decidiu ainda pela exclusão da cláusula 2.4.1.15 das condições especiais que excluía das coberturas as doenças psiquiátricas, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8</font><sup><font>o</font></sup><font> da LCCG.</font>
</p><p><font>4ª - O recorrido não alegou nem consequentemente provou que se encontrava total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer outra atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, bem como que seja portador de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.</font>
</p><p><font>5ª - O que se impunha, face ao que resulta da página 2 da apólice individual (doc. 6 da contestação e doc. 5 da contestação - condições especiais) e do facto provado n° 19 - </font><i><font>"Para efeitos desde seguro complementar, entende-se por Invalidez Total e Permanente quando, consequência de doença ou acidente, a coberto das garantias do contrato, e no decurso de um período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, em que a pessoa segura, </font></i><i><u><font>cumulativamente</font></u></i><i><font>: a) se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; b) seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela </font></i><b><i><font>Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil </font></i></b><i><font>em vigor".</font></i>
</p><p><font>6ª - Com efeito, só ficou provado que o Recorrido se encontra incapaz para todo o serviço da GNR, tendo sido declarado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.</font>
</p><p><font>7ª - Assim, a exclusão da cláusula que excluía da cobertura da invalidez total e permanente as doenças psiquiátricas, por incumprimento do dever de comunicação e informação pela Recorrente, não é suscetível de determinar a sua condenação no pagamento de indemnização peticionada, pois que não estão provados os pressupostos cumulativos da cobertura de invalidez total e permanente tal como definidos no facto provado n° 19.</font>
</p><p><font>8ª - Foi dado como não provado que </font><i><font>"B. A doença de que padece o A. apenas lhe foi diagnosticada em 15 de fevereiro de 2011</font></i><i><sup><font>n</font></sup></i><i><font>, </font></i><font>tendo apenas sido provado que o mesmo padece de doença bipolar (facto provado nº 6).</font>
</p><p><font>9ª - A propósito dos factos não provados, explanou o tribunal de 1</font><sup><font>a</font></sup><font> instância que </font><i><font>"a verdade é que em relação à data em que foi diagnosticada ao A. marido a doença de que padece, a prova resumiu-se às declarações do médico psiquiatra que o acompanhou, DD, que referiu que diagnosticou ao A. tal doença em 29 de junho de 2010, mas por ter sido nesta altura que pelo mesmo foi consultado, pois que o A. já vinha de outro colega psiquiatra e até medicado, a que acresce que em sede de informação clínica, nomeadamente de fls. 196, resulta que o A. já há cerca de pelo menos um ano que teria sintomas.".</font></i>
</p><p><font>10ª - Esta remissão para um ano atrás, reporta-se a data aproximada a junho de 2009, data anterior à subscrição do seguro. Sendo ainda de referenciar que, o psiquiatra que acompanhava o Autor anteriormente ao psiquiatra DD, invocou o sigilo para não depor e os Autores não autorizaram o levantamento do mesmo.</font>
</p><p><font>11ª - Competia aos Recorridos demonstrar que o sinistro ocorreu na vigência do contrato de seguro, o que não lograram fazer, e portanto, também por esta via, a Recorrente não podia ser condenada a cobrir um sinistro cuja verificação não ficou provado ter ocorrido em plena vigência do contrato.</font>
</p><p><font>12ª - O acórdão recorrido considerou que a cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez total e permanente é uma cláusula surpresa, por fugir à lógica contratual ditada pelos interesses que justificam a efetivação do seguro e por figurar em local pouco explícito do contrato, surgindo num contexto em que passa despercebida a qualquer segurado, devendo ser excluída do contrato nos termos do artigo 8</font><sup><font>o</font></sup><font>, alínea c) da LCCG.</font>
</p><p><font>13ª - A alínea c) do artigo 8</font><sup><font>o</font></sup><font> da LCCG refere-se a cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.</font>
</p><p><font>14ª - A cláusula que exclui as doenças psiquiátricas encontra-se prevista na informação pré-contratual (doc. 3 da contestação) no ponto "4. </font><i><font>EXCLUSÕES E LIMITAÇÕES DE COBERTURA"</font></i><font>, que está imediatamente após o ponto "3. </font><i><font>GARANTIAS/COBERTURAS". </font></i><font>Dentro do ponto "4. </font><i><font>EXCLUSÕES E</font></i><font> </font><i><font>LIMITAÇÕES DE</font></i><b><i><font> </font></i></b><i><font>COBERTURA", </font></i><font>consta o ponto "4.2. </font><i><font>Exclusões específicas"</font></i><font>, e no ponto </font><i><font>"4.4.4. Para a cobertura complementar obrigatória: "Invalidez Total e Permanente" (...) excluem-se indemnizações decorrentes de:", </font></i><font>prevendo o subponto </font><i><font>"4.2.2.15. Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”.</font></i>
</p><p><font>15ª - Por sua vez, nas condições especiais do contrato (doc. 5 da contestação), consta o ponto "2. </font><i><font>COBERTURA COMPLEMENTAR INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA OU ACIDENTE', </font></i><font>que contém o ponto "2.4. </font><i><font>Riscos excluídos", </font></i><font>e </font><i><font>"2.4.1. A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, por este seguro complementar, caso o sinistro seja devido a:", "2.4.1.15. Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora".</font></i>
</p><p><font>16ª - Da própria apólice individual (doc. 6 da contestação), consta </font><i><font>"Exclusões das Coberturas", </font></i><font>e segue-se um tópico para a cobertura principal </font><i><font>"morte" </font></i><font>e de seguida </font><i><font>"Para a cobertura complementar obrigatória de "Invalidez Total e Permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de:", "o) Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora".</font></i>
</p><p><font>17ª - Ora, tratando-se de uma exclusão da cobertura de invalidez total e permanente do seguro de vida, que está devidamente prevista no local específico das "Exclusões" da referida cobertura, dentre o elenco das demais exclusões.</font>
</p><p><font>18ª - A cláusula surge no contexto em que deveria surgir e é precedida da epígrafe que deveria constar, e tem uma apresentação igual às demais cláusulas do contrato, pelo que não passaria despercebida a um contraente normal colocado na posição do contraente real.</font>
</p><p><font>19ª - Na verdade, qualquer pessoa, medianamente instruída e diligente, ao celebrar um contrato de seguro, seja ele de que ramo e de que tipo for, sabe que o cerne do mesmo são as "coberturas" e as "exclusões".</font>
</p><p><font>20ª - O homem médio, tendo por referência o critério do bom Pai de família, não assina um contrato de seguro sem ler e sem se informar das suas "coberturas" e das "exclusões", que constituem, afinal, o aspeto determinante deste tipo contratual.</font>
</p><p><font>21ª - Por último, não se pode considerar que o "contexto em que surge" constitui uma surpresa pois a epígrafe que a precede e sua apresentação gráfica, não passam despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.</font>
</p><p><font>22ª - Quanto à falta de lógica de exclusão das doenças psiquiátricas da cobertura de riscos trata-se de uma usual exclusão dos contratos de seguro.</font>
</p><p><font>Nas suas contra-alegações, os autores sustentam que deve ser mantido o acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do Novo Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font>
</p><p><font>1. Os autores celebraram, no dia 13 de Novembro de 2009, no âmbito de um contrato de compra e venda, um contrato de mútuo com hipoteca, relativamente ao prédio referente à fracção autónoma, designada pela letra …, correspondente ao rés-do-chão, do qual faz parte uma garagem na cave, assinalada com a letra …, e ainda uma área descoberta afecta a estacionamento, identificada com a letra …, destinado, exclusivamente, a habitação, pertencente ao prédio urbano, sito na Rua …, Edifício ..., n.º …, …., freguesia de …, concelho da …, descrito na Conservatória do Registo Predial da …, sob o n.º … da referida freguesia. </font>
</p><p><font>2. Nos termos do número dois da cláusula 10.ª do referido contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, os autores obrigaram-se a “subscrever apólice de seguro de vida que tenha a IC como beneficiário, cobrindo, os riscos de morte e invalidez absoluta, até ao limite do capital mutuado e nas demais condições constantes do presente contrato”. </font>
</p><p><font>3. Foi celebrado entre os autores e a ré um contrato de seguro de vida com cobertura de morte e invalidez, com a apólice n.º …., junta a fls. 47-51, com o teor que dela consta. </font>
</p><p><font>4. Tal contrato iniciou a produção dos seus efeitos, em 13 de Novembro de 2009. </font>
</p><p><font>5. A subscrição do contrato foi efectuada, no balcão do Banco CC, em …, nos …. </font>
</p><p><font>6. O autor padece de doença bipolar. </font>
</p><p><font>7. Em sessão de 22 de Fevereiro de 2012, a Junta Superior de Saúde da GNR deliberou que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, assim o declarando, absoluta e, permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções. </font>
</p><p><font>8. Por despacho de 2 de Agosto de 2012, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, foi reconhecido ao autor o direito à aposentação, tendo sido considerada a situação existente, em 22 de Fevereiro de 2012, nos termos do artigo 43.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 238/2009, de 16 de Setembro. </font>
</p><p><font>9. Em 9 de Maio de 2012, o autor interpelou a ré para que esta garantisse o pagamento integral do capital em dívida, com fundamento na sua incapacidade permanente. </font>
</p><p><font>10. A ré, por escrito datado de 25 de Junho de 2012, comunicou ao autor não poder “dar seguimento ao pedido” por a “doença que motiva a incapacidade se encontrar excluída neste contrato”. </font>
</p><p><font>11. A ré remeteu ao autor as cartas, juntas a fls. 58 verso e 59, com o teor que delas consta. </font>
</p><p><font>12. O autor, por intermédio de advogado, remeteu à ré a carta de fls. 57, que esta recebeu.</font>
</p><p><font>13. A pensão de reforma atribuída ao autor foi de €825,75. </font>
</p><p><font>14. Os autores subscreveram, em 29 de Outubro de 2009, a proposta de seguro de fls. 80-85, com o teor que dela consta. </font>
</p><p><font>15. As condições gerais e especiais do contrato firmado entre as partes são as que constam de fls. 93-104. </font>
</p><p><font>16. Os autores continuam a pagar a prestação bancária decorrente do empréstimo contraído junto do CC e, em 31 de Outubro de 2010, o capital ainda em dívida era de €87.477,53. </font>
</p><p><font>19. Resulta ainda das condições especiais contratadas, nomeadamente da cláusula “</font><i><font>2.3.3. Para efeitos deste seguro complementar, entende-se por invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso do período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguiram, em que a pessoa segura, cumulativamente: 2.3.3.1. Se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; 2.3.3.2. Seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil em vigor".</font></i>
</p><p><font>Por seu turno, não foram dados como provados os seguintes factos:</font>
</p><p><font>A) O autor marido, por diversas vezes, se deslocou aos balcões da ré, solicitando as condições especiais da apólice e as mesmas não lhe foram facultadas, só o tendo sido, após as solicitações descritas a 11. e 12. dos factos provados. </font>
</p><p><font>B) A doença de que padece o autor apenas lhe foi diagnosticada, em 15 de Fevereiro de 2011. </font>
</p><p><font>C) Com a recusa da garantia do pagamento do capital seguro, os autores sofreram aborrecimentos, desilusões e constrangimentos. </font>
</p><p><font>D) [17]. Os autores, previamente à subscrição da proposta de fls. 80 a 85, junta aos autos, tomaram conhecimento da informação pré-contratual de fls. 87 a 92, das condições gerais de fls. 93 a 97 e das condições especiais de fls. 98 a 104, cujo teor se dá aqui por, integralmente, reproduzido, inclusive da cláusula 4.2.2.15 da informação pré-contratual (</font><i><font>Para a cobertura obrigatória: "invalidez total e permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de: (¼) doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a pessoa segura seja portadora</font></i><font>) e da cláusula 2.4.1.15 das condições especiais com o mesmo teor, tendo-lhes sido entregues tais condições.</font>
</p><p><font>E) [18] Os autores foram esclarecidos das exclusões inerentes ao contrato e respectivas condicionantes de resolução.</font>
</p><p><font> *</font>
</p><p><font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font>
</p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do CPC, são as seguintes:</font>
</p><p><font>I – A questão da verificação dos pressupostos da atribuição da indemnização/capital, no contrato de seguro de vida.</font>
</p><p><font>II – A questão da natureza de «cláusula surpresa» da cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez, total e permanente, no contrato de seguro de vida.</font>
</p><p><font> I. DOS PRESSUPOSTOS DA INDEMNIZAÇÃO/CAPITAL NO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA </font>
</p><p><font>I. 1. Alega o réu que a exclusão da cláusula que afasta da cobertura de invalidez, total e permanente, as doenças psiquiátricas, por incumprimento do dever de comunicação e informação, não é suscetível de determinar a sua condenação no pagamento de indemnização peticionada, pois que não se provou que o autor se encontrava, total e definitivamente, incapaz para o exercício de qualquer outra atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, bem assim como que seja portador de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como vem definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, porquanto, apenas, se demonstrou que </font><i><font>“se encontra incapaz para todo o serviço da GNR, tendo sido declarado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções”</font></i><font>, não se provando, igualmente, que o sinistro tenha ocorrido na vigência do contrato de seguro.</font>
</p><p><font>Está provado que «resulta ainda das condições especiais contratadas, nomeadamente da cláusula “</font><i><font>2.3.3. Para efeitos deste seguro complementar, entende-se por invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou acidente a coberto das garantias do contrato e no decurso do período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguiram, em que a pessoa segura, cumulativamente: 2.3.3.1. Se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; 2.3.3.2. Seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil em vigor"».</font></i>
</p><p><font>A invalidez, total e permanente, resultante de doença, entendida esta como alteração involuntária do estado de saúde, susceptível de comprovação médica, para efeitos do contrato de seguro complementar de vida controvertido, ocorre quando, em consequência dessa doença e, no decurso do período máximo dos trezentos e sessenta dias que se lhe seguiram, a pessoa segura, cumulativamente, se encontre, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades [a] e seja portadora de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como se encontra definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, no Direito Civil em vigor [b].</font>
</p><p><font>A este propósito, ficou, igualmente, provado que, com início de produção de efeitos, em 13 de Novembro de 2009, foi celebrado, em 29 de Outubro próximo anterior, entre os autores e o réu, um contrato de seguro de vida, com cobertura de morte e invalidez, sendo certo que, na sessão de 22 de Fevereiro de 2012, da Junta Superior de Saúde da GNR, em consequência de doença bipolar de que padecia, mas cuja génese temporal não ficou demonstrada, foi deliberado que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, assim o declarando, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, tendo, por despacho da Direcção da Caixa Geral de Aposentações, datado de 2 de Agosto de 2012, considerando a situação existente, em 22 de Fevereiro de 2012, sido reconhecido ao autor o direito à aposentação. </font>
</p><p><font>Com efeito, os pressupostos cumulativos da verificação da invalidez, total e permanente, resultante de doença, nos termos em que se coloca a questão decidenda, ocorrem quando a pessoa segura se encontre, total e definitivamente, incapaz para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades e seja portadora de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como se encontra definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, em face do Direito Civil em vigor.</font>
</p><p><font>Porém, aquele primeiro pressuposto da verificação da invalidez, total e permanente, resultante de doença desdobra-se em alternativa, como resulta da conjunção coordenativa disjuntiva «ou» e não da conjunção coordenativa copulativa «e», isto é, a incapacidade para o exercício da profissão da pessoa segura ou de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades.</font>
</p><p><font>Assim sendo, tendo-se provado que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR, que o declarou, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, preenche o aludido primeiro pressuposto da invalidez, total e permanente, resultante de doença, na sub-espécie da total e definitiva incapacidade para o exercício da sua profissão, independentemente da sua eventual incapacidade para o exercício de qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades.</font>
</p><p><font>I. 2. Por seu turno, relativamente ao segundo dos analisados pressupostos, ou seja, ser a pessoa segura portadora de uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%, tal como vem definida pela tabela de avaliação de incapacidades permanentes, no Direito Civil vigente, a mesma resulta, logicamente, do primeiro destes pressupostos, isto é, da total e definitiva incapacidade do autor para o exercício da sua profissão, porquanto esta incapacidade reflete uma incapacidade funcional permanente, de grau igual ou superior a 66%.</font>
</p><p><font>Com efeito, a situação de incapacidade permanente geral, total e definitiva, sofrida pelo autor e de que padece, ocorre quando, apesar dos cuidados clínicos e dos tratamentos de reabilitação, subsiste no lesado um estado deficitário, de natureza anatómico-funcional ou psico-sensorial, a título de dano definitivo, que deve ser avaliado, relativamente à capacidade integral [100%], quando significa uma incapacidade total e permanente, como sucede na hipótese em apreço, representando um compromisso integral da capacidade</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>.</font>
</p><p><font>E a incapacidade permanente ou definitiva suportada pelo autor, porque apresenta um nível absoluto ou total, enquanto dano definitivo ou permanente, deve, por definição, permanecer por toda a restante vida da vítima.</font>
</p><p><font>I. 3. Diz ainda o réu que não se provou que o sinistro tenha ocorrido na vigência do contrato de seguro.</font>
</p><p><font>Efetivamente, não ficou demonstrado que a doença de que padece o autor, apenas, lhe tenha sido diagnosticada, em 15 de Fevereiro de 2011, sendo certo que consta do documento de folhas 52, subscrito pelo médico psiquiatra assistente do autor que, em 15 de Fevereiro de 2011, tinha voltado a observá-lo e que se encontrava </font><i><font>“psiquicamente compensado da sua doença bipolar….devendo ser ocupado em serviços administrativos (adjuvante terapêutico) e sem recurso a arma de fogo”</font></i><font>, havendo, inclusivamente, registo de uma informação clínica do mesmo psiquiatra, com data de 15 de Julho de 2010, como decorre do teor do documento de folhas 129 e 130.</font>
</p><p><font>Porém, não se tendo provado a data em que foi desencadeada a perturbação mental que conduziu a que, na sessão de 22 de Fevereiro de 2012, da Junta Superior de Saúde da GNR, esta, em consequência de doença bipolar de que o autor padecia, tenha deliberado que o mesmo se encontrava incapaz, para todo o serviço da GNR, assim o declarando, absoluta e permanentemente, incapaz para o exercício das suas funções, e que culminou com a sua aposentação, datada de 2 de Agosto de 2012, mas reportada à situação existente, em 22 de Fevereiro de 2012, ao réu caberia essa demonstração, enquanto facto extintivo da pretensão formulada pelo autor, uma vez que a este bastava alegar, sem ter necessidade de provar, que o sinistro tinha ocorrido, em plena vigência do contrato, com base no preceituado pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil (CC). </font>
</p><p><font>Deste modo, estão preenchidos os requisitos cumulativos da verificação da cobertura de invalidez, total e permanente, resultante de doença sofrida pelo autor, no âmbito do quadro contratual definido pelo réu.</font>
</p><p><font>II. DA NATUREZA DA CLÁUSULA EXCLUDENTE DAS DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS DO ÂMBITO DA COBERTURA DA INVALIDEZ, TOTAL E PERMANENTE, DO CONTRATO DE SEGURO DE VIDA</font>
</p><p><font>II. 1. Alega, também, o réu que a cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez, total e permanente, não é uma «cláusula surpresa», pois que se encontra prevista, na informação pré-contratual, nas condições especiais do contrato e, na própria apólice individual, mostrando-se, devidamente, prevista, no local específico das "Exclusões" da referida cobertura, dentro do elenco das demais exclusões, não podendo ser considerado o "contexto em que surge", como constituindo uma surpresa, pois que a epígrafe que a precede e a sua apresentação gráfica, não passam despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.</font>
</p><p><font>O acórdão recorrido, a este propósito, a folhas 345, diz que “</font><i><font>Assim, no que particularmente concerne ao estado de invalidez absoluta e definitiva, não se compreende a cláusula complementar constante das condições especiais da apólice que exclua a motivada por doença psiquiátrica. A qual contraria a referida lógica contratual. Assim colhendo de surpresa os que, como os autores, após a sua incapacitação se vêm a deparar com esse artificioso acrescento, arredio dos interesses de garantia que ditaram o contrato. Já que a capacidade de o segurado cumprir o contrato de mútuo é afectada da mesma maneira, quer a doença que o afecte seja psiquiátrica quer tenha qualquer outra origem. </font></i>
</p><p><i><font>E anote-se que, ao invés do que sucede com esta, as restantes dezasseis causas de exclusão constantes do ponto 4.2.2. da informação pré-contratual, colhem algum sentido, quer porque despoletadas por actuação culposa ou criadora de risco acrescido por parte do sinistrado, quer porque ligadas a eventos com alto grau de anomalia.</font></i>
</p><p><i><font>Podemos, pois, concluir que a referida restrição não passa de um artifício pelo qual a seguradora, predisponente da cláusula, intenta sub-reptícia e encapotadamente restringir o alcance normal da cobertura do seguro. Surgindo num contexto em que qualquer mutuário dificilmente poderia contar com ela, tal cláusula deve considerar-se abarcada pela previsão da referida alínea c) do artigo 8º do DL nº 446/85”</font></i><font>.</font>
</p><p><font>II. 2. A liberdade contratual vem definida, no artigo 405º, nºs 1 e 2, do CC, como sendo a faculdade que as partes têm de fixar, livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, e bem assim como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei.</font>
</p><p><font>Embora o principio da autonomia da vontade encontre a sua máxima expressão, nas figuras do contrato de tipo clássico, existem hoje novas categorias contratuais, que se individualizam pelas particularidades do seu modo formativo e pela maior ou menor debilitação do aspecto voluntarista, como acontece, entre outros, com os</font><font> contratos de seguros, bancários, de locação financeira (“leasing”), informáticos, de transporte, de fornecimento de energia eléctrica, água e gás, de prestação de serviço telefónico ou, até, com os contratos pelos quais se adquire, hoje em dia, um eletrodoméstico ou outro bem de consumo corrente</font><a><u><font>[3]</font></u></a><font>, que se incluem nos denominados contratos de adesão, em que a liberdade dos contraentes quase se elimina, tornando-se problemática a inclusão de tais hipóteses no conceito de contrato, porquanto os consumidores são indeterminados, limitando-se a aceitar ou a rejeitar o contrato proposto e o respectivo clausul | [0 0 0 ... 0 1 0] |
QDLOu4YBgYBz1XKv20A1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"AA" intentou acção, com processo ordinário, contra "Empresa-A" pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 8 776 359$00 (correspondendo a 6 000 000$00 dos danos não patrimoniais e o restante de danos patrimoniais já apurados) acrescido do que se liquidar em execução de sentença relativa a danos patrimoniais decorrentes de IPP, sofridos em acidente de viação ocorrido a 13 de Outubro de 1998.</font><br>
<br>
<font>No Circulo Judicial de Aveiro a acção foi julgada procedente e a Ré condenada a pagar 126.654,00 euros de danos patrimoniais e 30.000,00 euros de danos morais.</font><br>
<br>
<font>Apelou a Ré, tendo a Relação de Coimbra confirmado o julgado.</font><br>
<br>
<font>Pede, agora, revista para concluir:</font><br>
<br>
<font>- A douta sentença é nula, dado que o Tribunal pronunciou-se sobre matéria cujo conhecimento lhe estava vedado (artigo 668º nº1 d) do Código de Processo Civil), no que respeita à resposta dada ao quesito 24º da douta base instrutória, e ainda condenou a Ré em valor superior ao pedido (artigo 668º nº1 e) do CPC.</font><br>
<br>
<font>- A resposta ao quesito 24º é excessiva e contraditória, em clara violação do disposto nos artigos 646º nº4 (por interpretação analógica), 653º nº2 e 664º do CPC.</font><br>
<br>
<font>- A dita "resposta" mostra-se contraditória em relação ao perguntado. À pergunta: "A A. Ficará acometida de uma IPP que hoje ainda não é possível de quantificar?" foi respondido: "Provado que a Autora ficou com uma incapacidade permanente geral global de 40% e impedida de exercer a sua actividade profissional habitual." Respondeu-se o contrário, ou seja, que ficou com uma incapacidade de X, pressupondo-se por isso que já é possível de quantificar. Mas, note-se, nada disso foi perguntado. A Autora apenas pretendia (foi isso que alegou) provar que se encontrava afectada com uma IPP.</font><br>
<br>
<font>- Trata-se também de uma resposta deveras excessiva, formulada muito para além do perguntado. Salta as barreiras da pergunta, como facilmente se atesta pela leitura da parte final da resposta. A questão era apenas saber se estava acometida de IPP que "ainda hoje não é possível de quantificar"? Nada mais. O tribunal de 1ª instância vem acrescentar à resposta que a Autora também estava "impedida de exercer a sua actividade profissional habitual".</font><br>
<br>
<font>- As respostas aos quesitos podem ser afirmativas (provado), negativas (não provado), restritivas ou explicativas, mas não podem ir além do perguntado e, acima de tudo, não podem subverter por completo a questão: "As respostas aos quesitos podem ser afirmativas, negativas, restritivas e, eventualmente explicativas, mas não pode responder-se a um quesito dizendo estar provado o contrário do perguntado" - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14/3/90, BMJ, 395,684.</font><br>
<br>
<font>- Deverão, assim, ser tidas como não escritas as expressões que não se encontrem incluídas no objecto da pergunta: "Constitui questão de Direito saber se o nº 4 do artigo 646º do CPC é aplicável quando as respostas excedem o âmbito dos respectivos quesitos. Devem ter-se por não escritas as respostas dadas pelo Tribunal colectivo que excedam o âmbito dos respectivos quesitos" - Acórdão do STJ de 27/10/94, BMJ, 440-478, sem prescindir de se entender que a resposta ao quesito deveria ser outra, como se dirá infra.</font><br>
<br>
<font>- Não se diga que a resposta é explicativa. Uma resposta explicativa tem de se conter dentro do perguntado, e isso não se verificou. Nem se diga que "assim" tudo foi mais prático. As regras processuais e os direitos das partes não podem ser postergados desta forma.</font><br>
<br>
<font>- Por conseguinte, a resposta ao quesito 24º é nula, por contraditória e excessiva. Deve ser tida por não escrita, nos termos do disposto nos artigos 646º nº4 (por interpretação analógica) e 653º nº2 do CPC, 654º do CPC, ou então, em homenagem ao principio da economia processual, deverá ser reduzida, de modo a ser dado como provado que a A. se encontra acometida de IPP, por ser esta a única forma de responder à questão.</font><br>
<br>
<font>- A douta sentença recorrida é nula porque contém uma condenação ultra vel petitum. A autora fixou o seu pedido, na parte final da douta PI e indicou como valor da acção o montante de 8 776 359$00, ou seja, €43.776,29. Porém, a condenação da Ré eleva-se a €169.005,61 (33.882.582$70) acrescida de juros, contados diferentemente, desde a citação, e desde a data da decisão (estes quanto aos danos morais).</font><br>
<br>
<font>- "O limite quantitativo da condenação é o da importância global pedida" - Acórdão do STJ de 15/6/89, AJ, 0º, 89, pág. 13, sendo ainda certo que "o tribunal não podes condenar para além da quantia em dinheiro que foi pedido" - Acórdão da Relação de Lisboa, 5 de Novembro de 1992, in BMJ nº 421, p.481, torna-se manifesto que condenação ultrapassa em muito o valor do pedido.</font><br>
<br>
<font>- Foi pedido que se relegassem para liquidação em execução de sentença determinados danos mas, mesmo assim, a condenação vai para além do pedido, porque a condenação não relega a liquidação do dano A ou B para liquidação em execução da sentença, como a Autora pediu. Faz muito mais do que isso. Acresce que a Ré tem o direito de exercer o contraditório em relação a determinadas questões, o que poderá suceder na liquidação em execução de sentença, havendo contestação.</font><br>
<br>
<font>- Deverá, salvo o devido respeito, ser decretada a nulidade da douta sentença também por via da manifesta condenação da Ré para lá do pedido, em clara violação do disposto no artigo 668º nº1 alínea e) do CPC.</font><br>
<br>
<font>- Sem prescindir, e no que respeita à medida da obrigação de indemnizar, a recorrente concorda com o montante atribuído à Autora a titulo de dano moral, mas já não pode concordar com o montante de 125 mil euros, ou seja, 25.060.250$00, atribuído a titulo de indemnização pela IPP global de 40% com afectação total da sua profissão habitual.</font><br>
<br>
<font>- Os precursores do método de cálculo de fixação da indemnização pela IPP usados na douta decisão recorrida foram, entre outros, os Acórdãos do STJ de 10 de Maio de 1977, in BMJ nº 267, p. 144, e de 18 de Janeiro de 1979, in BMJ nº 283, p.275. Só que os anos foram passando, e os tribunais, na fixação deste tipo de indemnizações, atenderam à baixa generalizada das taxas de juro praticadas pelos Bancos, principalmente nos anos mais recentes. Daí que não se estranhe a taxa de 4% ou mesmo de 3% usadas em muitas decisões ou, como no caso concreto, uma taxa de 3.5%. Concorda-se com tal metodologia.</font><br>
<br>
<font>- A recorrente já não pode concordar com os cálculos usados no douto acórdão recorrido, onde se registam três nuances que alteram por completo a verba justa a conceder:</font><br>
<br>
<font>- Entende-se que período médio de esperança de vida das mulheres em Portugal é 73,93 anos quando é notório que a média de vida activa dos portugueses e portuguesas tem como limite os 65 anos, havendo mesmo muitos casos, na função pública, na banca ou seguros, em que a vida activa termina antes dos 60 anos de idade.</font><br>
<br>
<font>- Não de desconta adequadamente e correctamente o beneficio decorrente da antecipação do capital face aos dados da questão, ou seja, face aos anos de vida activa que restavam à lesada, in casu, 40 anos (65 (limite vida activa) - 25 (idade à data da propositura da acção) = 40)</font><br>
<br>
<font>- Não se atende à circunstancia da IPP ser de 40% com afectação da profissão habitual, mas antes se ficciona que a A. se encontra totalmente incapacitada para toda e qualquer profissão (não é o caso).</font><br>
<br>
<font>- O primeiro ponto tem influência decisiva na concessão da verba final. A nosso ver, só deverão ser contados os anos desde a data da propositura da acção (pois até aí a A. encontra-se indemnizada) até ao limite da vida activa, ou seja, os 65 anos de idade. É certo que a esperança de vida das mulheres, em Portugal, é a indicada no douto acórdão recorrido, mas no caso concreto discute-se uma indemnização que cubra as perdas derivadas de uma incapacidade de trabalho, até à idade que é tida como limite da vida activa, e a vida activa termina aos 65 anos, em média.</font><br>
<br>
<font>- A partir dos 65 anos a lesada passa a receber a sua pensão de reforma. Foi para isso que andou a descontar. Assim, não faz sentido atribuir à lesada uma compensação para além dos 65 anos, ou seja, num período em que esta já recebe a sua pensão de reforma.</font><br>
<br>
<font>- O segundo dos invocados pontos provoca uma alteração tremenda no resultado final. A correcta quantificação do montante a atribuir como indemnização por uma incapacidade parcial permanente tem sempre de incluir um desconto derivado do benefício da antecipação do capital face ao número de anos de vida activa que restam ao lesado. A verba a atribuir é muito diferente consoante sejam os anos de vida activa que restam à vítima.</font><br>
<br>
<font>- No douto acórdão recorrido, embora venha referido que seria esta a metodologia, não se aplicou o devido desconto derivado do benefício da antecipação do capital. A indemnização tem de representar um capital que se extinga no fim da vida activa da lesada (ou se assim se entender no fim da esperança média de vida) e seja susceptível de garantir, durante a mesma, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. No douto acórdão recorrido construiu-se a "casa" do telhado para os alicerces, e com manifesto "defeito de construção". Segundo o pressuposto do Acórdão recorrido (incapacidade de 100%) teríamos: 58900$00 (rendimento mensal) x 14 (meses) x 100% (grau de IPP) x 25 (factor atendível para uma esperança de vida de 53 anos, considerando uma taxa de juro anual de 3.5%) = €102 826,50 euros. Este montante é muito diferente dos €125 000,00 fixados.</font><br>
<br>
<font>- A grande questão "sub judice" é que a Autora não se encontra afectada de uma incapacidade de 100%.</font><br>
<br>
<font>- É este o terceiro ponto atrás citado: não se atendeu, no douto Acórdão recorrido, à circunstancia da IPP ser de 40% com afectação da profissão habitual, mas antes se ficciona que a A. se encontra totalmente incapacitada para toda e qualquer profissão.</font><br>
<br>
<font>- No entender da recorrente, deve-se partir da incapacidade provada de 40%, e só depois, por recurso a juízos de equidade, deverá a Autora ser compensada com uma verba que atenda à especificidade do caso, mas que sempre será - deverá ser - inferior à que se fixaria para a situação de incapacidade para toda e qualquer profissão.</font><br>
<br>
<font>- No caso concreto, deve atender-se ao salário da autora (58 900$00), ao tempo de vida activa (40 anos - 25 anos para 65 anos), e acima de tudo, deve ser considerado o exacto grau de IPP com que a Autora se encontra afectada (40%) e não a situação de 100% considerada no douto acórdão recorrido. Lançando mão de juízos de equidade, deverá ser atendido o facto das lesões que afectam a autora serem incompatíveis com o exercício da sua profissão, o que eleva o montante em causa.</font><br>
<br>
<font>- É neste ponto que o douto acórdão recorrido contém um erro de julgamento que beneficia de sobremaneira a autora e prejudica a Ré.</font><br>
<br>
<font>- A autora não se encontra incapaz a 100% para toda e qualquer profissão. A indemnização foi calculada com base na incapacidade de 100%, como se a Autora tivesse ficado paraplégica, mas não foi isso que, felizmente, sucedeu.</font><br>
<br>
<font>- No entender da recorrente, a indemnização a atribuir à autora deverá ser calculada nos seguintes termos, sem considerar, para já, a incompatibilidade profissional acima referida: aplicando um factor que pressuponha uma taxa de juro anual de 3-4%, temos: 58900$00 (rendimento mensal) x 14 (meses) x 40% (grau de IPP) x 21 (factor atendível para uma esperança de vida activa de 40 anos, considerando uma taxa de juro anual de 3.5%) = 6 926 640$00, ou seja, cerca de €35 000,00 euros.</font><br>
<br>
<font>- Face à incompatibilidade com a profissão habitual, deverá porventura, ser adoptada a regra dos acidentes de trabalho, quando a uma determinada incapacidade geral acresce a incapacidade total para essa profissão, ou seja, somando-se 50% ao grau de incapacidade geral que afecta a sinistrada.</font><br>
<br>
<font>- Assim, somando 50% aos referidos €35 000,00, tudo perfaz a quantia de €52 500,00 euros. Poderá, por recurso a juízos de equidade, ser usado outro tipo de metodologia.</font><br>
<br>
<font>- O que se mostra fundamental, e não foi tido em conta pelas instâncias, é que se faça a destrinça entre um sinistrado afectado a 100% para toda e qualquer profissão, e um sinistrado afectado com uma IPP de 40%, incompatível com a sua profissão habitual.</font><br>
<br>
<font>- Pelo exposto, a fixada indemnização de €125 000,00 deverá ser reduzida com base em tudo o exposto, para o montante global de €52 500,00 euros, ou outro, a fixar com o alto suprimento deste tribunal, mas tendo sempre em conta os pressupostos acima enunciados. Não repugnará á Ré, atendendo a todos os circunstancialismos do caso, que essa indemnização possa ser fixada em €55 000,00, ou mesmo €60 000,00 recorrendo a juízos de equidade.</font><br>
<br>
<font>- A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 342º nº1, 483º, 487º nº2, 563º, 570º nº1 do CC e 264º, 586º nº1, 646º nº4, 653º nº2, 655º, 659º nºs 2 e 3, 668º nº1 alíneas d) e e), 660º nº2, 661º nº 2 do CPC.</font><br>
<br>
<font>Contra alegou a recorrida em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font>A Relação deu por assente a seguinte </font><font>matéria de facto</font><font>:</font><br>
<br>
<font>- No dia 13/10/98 pelas 18.30 horas, na EN 320-2 ocorreu um embate entre os veículos ciclomotor 1-ALB, propriedade da Autora, e o ligeiro de passageiros HJ, propriedade de BB (este, bem como os demais a seguir indicados sem qualquer outra menção sobre a sua fonte, constava já dos factos assentes da selecção da matéria de facto).</font><br>
<br>
<font>- No dia da ocorrência o tempo estava bom; no local a via descreve uma recta com cerca de 6 metros de largura e com mais de 400 metros de extensão, precedida de uma ampla curva, com óptima visibilidade e com piso de asfalto.</font><br>
<br>
<font>- O HJ circulava no sentido S. João de Loure - Angeja; o 1 - ALB encontrava-se parado (com o motor a funcionar) junto à berma do lado direito da via no sentido S. João de Loure - Angeja.</font><br>
<br>
<font>- O 1-ALB sofreu estragos que foram peritados e orçamentados pela Ré - Seguradora no valor de 271.599$00.</font><br>
<br>
<font>- A Autora nasceu em 19/10/1976.</font><br>
<br>
<font>- A Autora foi submetida a 4 intervenções cirúrgicas.</font><br>
<br>
<font>- Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº 505234152 em vigor na data do acidente o proprietário transferiu para a Ré seguradora a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do veículo.</font><br>
<br>
<font>- Ambos os veículos circulavam no sentido S. João de Loure - Angeja (este facto e bem assim os seguintes resultaram das respostas dadas à base instrutória).</font><br>
<br>
<font>- No momento em que o "HJ" embateu no ciclomotor, na parte lateral esquerda deste (considerando o sentido de marcha S. João de Loure - Angeja), este ciclomotor estava junto á linha que separa a estrada da berma direita (sentido referido), estando a Autora junto do mesmo e no controle da direcção deste veiculo.</font><br>
<br>
<font>- A sobrinha da Autora, de 7 anos de idade, estava também perto do ciclomotor.</font><br>
<br>
<font>- O "HJ" embateu com a frente do lado direito (óptica e capôt) na parte lateral esquerda do ciclomotor.</font><br>
<br>
<font>- O "HJ" seguia pela hemi-faixa da direita, a uma velocidade aproximada de 50 kms/hora.</font><br>
<br>
<font>- A faixa de rodagem era marginada por bermas com terra e erva com cerca de meio metro de largura cada uma.</font><br>
<br>
<font>- A posição da Autora na via permitia a passagem normal de veículos.</font><br>
<br>
<font>- O embate ocorreu junto á linha que separa a estrada da berma direita (sentido referido).</font><br>
<br>
<font>- Em consequência directa e necessária do supracitado embate a Autora sofreu fractura do crânio, do maxilar e vários dentes, da clavícula, do braço esquerdo, das costelas (9) e da perna esquerda (em 3 sítios), e perfuração grave dos pulmões que a colocou em risco de vida.</font><br>
<br>
<font>- A autora foi de urgência e em estado de coma profundo, conduzida ao Hospital de Aveiro que, atento o teor das múltiplas e gravíssimas lesões sofridas, a remeteu para o Hospital Universitário de Coimbra onde permaneceu até 20/12/98 (mais de 2 meses seguidos).</font><br>
<br>
<font>- A Autora manteve-se com incapacidade para o trabalho até 18/8/2002.</font><br>
<br>
<font>- Andando de hospital para hospital, onde vai realizando tratamento ambulatório, fisiátrico e outros, que ainda se mantêm e deles ainda não teve alta definitiva.</font><br>
<br>
<font>- À data do acidente a Autora era uma jovem em pleno uso das suas faculdades físicas e psíquicas, saudável, arguta e jovial.</font><br>
<br>
<font>- A Autora sofreu dores durante a hospitalização e durante o tratamento fisiátrico, e ainda sofre dores.</font><br>
<br>
<font>- Após o acidente a Autora esteve em coma 2 dias, vislumbrando o seu futuro recheado de incerteza, quer a nível pessoal, quer a nível profissional.</font><br>
<br>
<font>- A Autora jamais voltará a ser uma mulher saudável, tendo ficado de forma irremediável a padecer de graves mazelas quer do foro intelectual (tem sofrido cefaleias constantes) e psicológico, quer ainda, do foro ortopédico e estético (ficou com cicatrizes extensas na perna esquerda e anca, a qual está mais curta 2 cm.)</font><br>
<br>
<font>- A autora ficou com uma incapacidade permanente geral global de 40% e impedida de exercer a sua actividade profissional habitual.</font><br>
<br>
<font>- A autora tem e terá sérias limitações da capacidade de execução normal e natural da sua função laboral, não podendo jamais executar tarefas medianamente forçadas, e também correr, saltar e até dobrar o membro mais atingido (perna esquerda).</font><br>
<br>
<font>- Por isso a autora tem a sua carreira e eventual ascensão profissional seriamente comprometidas.</font><br>
<br>
<font>- Por via da forçada e longa permanência quer no hospital, quer depois em tratamento ambulatório, a autora perdeu o seu emprego (trabalhava na Distrave).</font><br>
<br>
<font>- À data do acidente a Autora auferia na sua actividade laboral o salário mínimo nacional.</font><br>
<br>
<font>- Até á data de interposição desta acção a Autora deixou de auferir a quantia de 2.473.800$00 (58900$00 x 42 meses) a título de salários não recebidos.</font><br>
<br>
<font>- Para tratamento e recuperação das suas lesões a autora despendeu pelo menos 62 555$00, em consultas, meios de diagnostico, "canadianas" e medicamentos.</font><br>
<br>
<font>- Custeou e pagou ainda do seu bolso a reparação do motociclo, no valor de 271.559$00.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>A recorrente limita o objecto do recurso a três questões:</font><br>
<br>
<font>- nulidade da resposta ao quesito 24º;</font><br>
<br>
<font>- nulidade do Acórdão por condenação "ultra petitum";</font><br>
<br>
<font>- indemnização pelo dano patrimonial resultante da IPP.</font><br>
<br>
<font>Assim, e tratando-se de efectivar a responsabilidade civil extra contratual, ficam, definitivamente, julgados os pressupostos evento, culpa e nexo de causalidade.</font><br>
<font>Outrossim quedarão intocados os "quanta" atribuídos a título de dano patrimonial imediato e de dano não patrimonial.</font><br>
<br>
<font>Tudo nos termos dos nºs 2 e 4 do artigo 684º do CPC.</font><br>
<br>
<font>Assim, e conhecendo.</font><br>
<br>
<font>1- Respostas aos quesitos.</font><br>
<font>2- Condenação "ultra petitum".</font><br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>1- Respostas aos quesitos.</font><br>
<br>
<font>1.1- No momento do artigo 511 do CPC o juiz selecciona, de entre os factos alegados, e ainda controvertidos, os que, a titulo principal ou instrumental, interessam para a decisão da causa, na ponderação das várias e plausíveis soluções de direito.</font><br>
<font>Então, terá de atentar no "distinguo" entre facto, direito e conclusão, acolhendo tão somente o puro facto e arredando da quesitaria os conceitos de direito - salvo se já transitados para a linguagem comum, por assimilação pelo cidadão vulgar como correspondente a um facto concreto - e conclusões, que mais não são do que a ilação lógica de premissas não correspondendo ao facto, em si mesmo.</font><br>
<font>Apelando para o conceito lógico, dir-se-á que o facto é a premissa menor do silogismo judiciário a que, afinal, se reconduz qualquer lide.</font><br>
<br>
<font>Mas para que não surjam duvidas a final, há que encarar o questionário - base instrutória - como um todo coerente, evitando o dicotómico e moderando as formulações alternativas.</font><br>
<font>O quesito em si deve ser redigido com precisão e clareza, procurando reproduzir o que a parte alegou, mas acertando o alegado terminologicamente (apenas para melhor evidenciar o cerne do perguntado).</font><br>
<font>Aquando das respostas há que lograr que as mesmas sejam claras, coerentes, congruentes, minuciosas e pormenorizadas, para definir com rigor o sentido do perguntado no quesito.</font><br>
<font>Mas, para alcançar esse objectivo, a resposta pode surgir como simples ("está provado" ou "não está provado") que é a meramente afirmativa ou negativa mas pode, ainda, ser restritiva ("está provado apenas que...") ou, até, explicativa ("está provado, com o esclarecimento que...").</font><br>
<font>Estas ultimas têm que obedecer a dois princípios rigorosos: conterem-se nos factos articulados; a explicação não cair, por exuberância, na criação de um novo facto.</font><br>
<font>A resposta excessiva ou exuberante deve ter-se por não escrita, que não toda mas apenas na parte excrescente se for possível cindi-la.</font><br>
<font>Decidir se há excesso passa por uma cuidada interpretação do principio do artigo 664º do CPC segundo o qual, e para além da interpretação, aplicação e indagação das normas jurídicas ou outras regras de direito, o juiz só pode servir-se de factos articulados pelas partes. (cf., ainda, o artigo 264º).</font><br>
<font>A tendência vai no sentido de, e para prosseguir também a verdade material, o juiz dever atentar nos factos instrumentais e de "outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório" (nº 3 do artigo 264º CPC).</font><br>
<font>Esta ponderação pode ser feita aquando da redacção da resposta explicativa que, assim, e se contida naqueles precisos limites e com garantia de contraditório, não seria de considerar excessiva.</font><br>
<br>
<font>1.2- Feito este breve bosquejo, analisemos o quesito posto em crise.</font><br>
<font>Perguntava-se: "A Autora ficará acometida de uma IPP que hoje não é possível quantificar?"</font><br>
<br>
<font>Respondeu-se: "Provado que a Autora ficou com uma incapacidade permanente global de 40% e impedido de exercer a sua actividade profissional habitual".</font><br>
<font>Diga-se antes de mais que o quesito poderia ter sido desdobrada, perguntando-se se a Autora sofreria de IPP e noutro quesito (agora reportado ao alegado nos artigos 23º e 24º da petição inicial) se "ainda hoje" - expressão do articulado - não é possível quantificar. (Este facto serviu de suporte ao pedido de liquidação em fase executiva).</font><br>
<font>A Relação considerou que pode "estar-se perante uma situação limite" e que "a resposta poderia ficar mais fácil".</font><br>
<font>E tem razão neste ponto.</font><br>
<font>Respondendo afirmativamente à existência da incapacidade, a resposta contém-se nos limites estritos do perguntado.</font><br>
<font>Na parte em que quantifica a IPP, poderá aceitar-se (atendendo à prova produzida, ao contraditório sobre a mesma - fls. 184/199, 200 a 202) o seu não excesso.</font><br>
<font>Mas já a conclusão de incapacidade "para exercer a sua actividade profissional habitual" é manifestamente excessiva e exuberante, por se tratar de um facto não alegado (a Autora limitou-se a dizer que sofreria - e tal iria ser apurado em momento ulterior - de "serias limitações da capacidade de execução normal e natural da sua função laboral...") sendo que o que se respondeu em muito excede o alegado, por estender a incapacidade ao exercício da actividade profissional.</font><br>
<font>Deve, em consequência, ter-se por não escrita esta parte excrescente quedando, apenas, o grau de IPP, sendo que este Supremo Tribunal tal pode conhecer e determinar por se tratar de matéria de direito - errada aplicação das normas legais sobre a formulação e as respostas aos quesitos. (cf. o Acórdão do STJ de 27 de Outubro de 1994 - BMJ 440-478).</font><br>
<font>Procede, assim, parcialmente o primeiro segmento das alegações da recorrente.</font><br>
<br>
<font>2- Condenação "ultra petitum".</font><br>
<br>
<font>A recorrente insurge-se contra a sua condenação ao considerar que foi excedido o "quantum pedido".</font><br>
<br>
<font>Daí o imputar ao Acórdão - como, aliás, já fizera a sentença da 1ª instância - a nulidade da primeira parte da alínea e) do nº1 do artigo 668º do CPC.</font><br>
<font>Diga-se, desde já, que tem razão.</font><br>
<font>Vejamos, </font><br>
<font>A Autora formulou dois pedidos cumulados: um pedido liquido - consistente no pagamento de 8.776.359$00, a titulo de indemnização por danos patrimoniais imediatos e pelo dano não patrimonial (este, desde logo, computado em 6.000.000$00) - e um pedido ilíquido - para ressarcir o seu dano patrimonial mediato (perda de capacidade de ganho, resultante de IPP).</font><br>
<font>As instâncias condenaram a Ré no pagamento de 126.654,00 euros (mais ou menos 25 000 000$00) a título de danos patrimoniais e 30 000 euros (6 000 000$00) para reparação do dano moral, sendo que 125 000,00 euros foram atribuídos a título de dano patrimonial mediato (ou futuro).</font><br>
<font>Ora, a condenação tem de conter-se nos limites do pedido, ou seja, da pretensão material (artigo 661º nº1 CPC).</font><br>
<font>O pedido mais não é do que "o objecto imediato material do processo", para usar a expressão do Prof. Castro Mendes (apud, "Direito Processual Civil", II, 1969, 7).</font><br>
<font>Se a condenação surgir em quantidade superior (ou em objecto diverso) do pedido ocorre nulidade da decisão já que "ne eat judex ultra vel extra petita partium", por infracção dos limites.</font><br>
<font>A autora pediu a condenação em quantia ilíquida quanto ao dano patrimonial mediato.</font><br>
<font>A condenação em montante a liquidar na fase executiva pode surgir ou, como pedido genérico (alínea b) do artigo 471º do Código adjectivo, isto é, quando não seja ainda possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito - cf. ainda artigo 569º do CC) ou como consequência de um "non liquet" que se deparou ao julgador, nos termos do nº2 do artigo 661º do CPC - cf., ainda, o nº2 "in fine" do artigo 564º do Código Civil.</font><br>
<font>Se o juiz pode - deve - remeter "ex officio" para fase executiva ulterior a liquidação, quando lhe foi pedida condenação em quantia certa, não pode fazer o contrário, isto é, liquidar oficiosamente um "quantum" que a parte entendeu dever ser diferido para a fase executiva.</font><br>
<font>Isto por várias razões.</font><br>
<font>Desde logo, porque é o demandante que deve conhecer o montante e extensão do seu dano e as consequências que o mesmo terá no seu património financeiro ou moral. Por outro lado, o princípio do dispositivo não autoriza o julgador a substituir-se à parte na caracterização e quantificação do prejuízo.</font><br>
<br>
<font>Finalmente, sempre a parte terá de formular um pedido concreto (e relegou-o para momento ulterior) que seja o tecto, o limite, de eventual condenação. (Imagine-se - sem que tal seja tomado como argumento "ad terrorem" - que o Autor só pretenderia ser ressarcido com 20 mil euros - que depois liquidaria - e o tribunal condena em 100 mil, procedendo a liquidação oficiosa).</font><br>
<font>Houve, em consequência, decisão "ultra petitum", geradora da nulidade referida, por ter sido formulado pedido genérico, por indeterminação do "quantum". (cf., a propósito, e quanto a pedidos genéricos, o Prof. Manuel de Andrade, in "Lições de Processo Civil", 390).</font><br>
<font>O Acórdão é nulo na parte em que condenou a titulo de dano patrimonial mediato, subsistindo quanto à restante condenação - cujo pedido foi formulado de forma liquida - devendo, nos termos do nº1 do artigo 731º do CPC, considerar-se que também condenou a Ré a indemnizar a Autora em quantia a liquidar em execução de sentença, pelo dano patrimonial de perda de capacidade de ganho (IPP).</font><br>
<font>Aqui chegados, não se conhecerá aqui da parte referente ao cômputo desses danos por ser, precisamente, a parte anulada.</font><br>
<br>
<font>3- Conclusões.</font><br>
<br>
<font>Pode concluir-se que:</font><br>
<br>
<font>a) Aquando a selecção de factos a quesitar, no momento do artigo 511º CPC terá de atentar-se no "distinguo" entre facto, direito e conclusão, acolhendo, apenas, o facto simples e arredando da base instrutória os conceitos de direito - salvo as que transitaram para a linguagem corrente, por assimiladas pelo cidadão comum por corresponder a um facto concreto - e conclusões, que mais não são do que a lógica ilação de premissas.</font><br>
<font>b) O questionário deve constituir um todo coerente, não dicotómico com moderação de formulações alternativas, sendo os quesitos redigidos com precisão e clareza, procurando reproduzir o alegado tal qual, com eventuais acertos terminológicos que melhor evidenciem o núcleo perguntado.</font><br>
<font>c) As respostas serão claras, congruentes, coerentes, minuciosas e pormenorizadas, podendo ser simples - por meramente afirmativas ou negativas - restritivas e explicativas.</font><br>
<font>d) As respostas explicativas têm de conter-se nos factos articulados, não podendo criar novos factos como consequência de excesso ou de exuberância. Então, e sendo possível a cisão, deve ter-se por não escrito o segmento excrescente.</font><br>
<font>e) Formulado um pedido genérico por a demandante entender que o "quantum" indemnizatório deve ser relegado para execução de sentença, o tribunal não pode proceder a uma condenação líquida, até por desconhecer o tecto do pedido que o Autor deduziria se formulasse pedido concreto.</font><br>
<font>f) A condenação ilíquida, se não pedida, pode surgir "ex officio", mas não é possível a situação inversa, sob pena de comissão da nulidade da alínea e) do artigo 668º CPC.</font><br>
<br>
<font>Nos termos expostos, </font><font>acordam conceder a revista, </font><font>anulando o Acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a indemnização a titulo de dano patrimonial mediato (IPP) subsistindo o restante e ficando a Ré ainda condenada a pagar à Autora a quantia a liquidar em execução de sentença por aquele dano.</font><br>
<br>
<font>Custas pela recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 19 de Dezembro de 2006</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nzILvIYBgYBz1XKvMYBV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I. "Metalcapote - Indústrias Metalúrgicas, Lda" propôs esta acção comum ordinária, pelo Tribunal de Círculo de Anadia, contra "Metalsider - Metais e Produtos Siderúrgicos, Lda" e "Hoogovens Ijunviden Verhoopkantoor BV".<br>
Basicamente, a autora invocou que, através de inicial contacto com a 1. ré, contratou o fornecimento, pelas rés (vejam-se, designadamente, os ns. 13, 15 e 17 da petição, fls. 2 v./3) de chapas galvanizadas, a pagar, em parte, através de crédito documentário; o produto foi fornecido com deficiências. Assim, a autora pediu: a) anulação do contrato de compra e venda de 530 toneladas de chapas galvanizadas adquiridas, pela Autora, às rés, pelo preço global de 54379500 escudos, com a consequente não obrigação de a autora satisfazer aquele preço; b) condenação das rés a pagarem, à autora, quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos causados, pelas rés, com aquele deficiente fornecimento.<br>
A ré "Metalsider" contestou e reconveio (fls. 63 e segs.).<br>
Frisou que, conforme condições gerais de venda, a causa está sujeita à lei holandesa e à exclusiva jurisdição do foro de Amesterdão, e que existe litispendência. No âmbito da reconvenção, pediu a condenação da autora a pagar-lhe 56605309 escudos, bem como juros legais.<br>
Em saneador, o Tribunal foi julgado incompetente em razão da nacionalidade e as rés absolvidas da instância. Nada, então, se disse, de maneira expressa, quanto à reconvenção, e tal não é questão sobre a qual, agora, devamos pronunciarmo-nos (fls. 154/155v.).<br>
A autora agravou (fls. 157).<br>
Através do seu Acórdão de fls 173 e segs., a Relação de Coimbra negou provimento àquele recurso.<br>
Novamente inconformada, a autora agravou para este Supremo (fls. 179). E, alegando, concluiu (fls. 181/181v.): - A) A recorrente não aderiu e nem sequer teve conhecimento de qualquer cláusula que convencionasse atribuir, ao Tribunal de Amesterdão, competência para dirimir o presente litígio; - B) De qualquer modo, sempre se dirá que a recorrente demandou não só a ré "Hoogovens", com sede na Holanda mas, também, a ré "Metalsider", com sede em Portugal, a primeira com base em responsabilidade objectiva de produtor e, a segunda, com base em responsabilidade contratual, razão porque, sempre, os Tribunais portugueses são competentes para a presente acção - artigo 6 da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial:<br>
C) De igual modo, nos termos dos artigos 65 e 87 do CPC, verificam-se os pressupostos da competência "deste Tribunal";<br>
D) Deve, assim, revogar-se o douto Acórdão que confirmou o douto despacho por violação dos artigos 65, 87, 288 n. 1 alínea a), 493, 494 n. 1 alínea f) e 495 do CPC e artigo 6 da citada Convenção de Bruxelas, substituindo-o por outro que determine a competência "deste Tribunal" e, consequentemente, ordene o prosseguimento da lide até final.<br>
A recorrida "Hoogovens" contra-alegou, propugnando a subsistência do Acórdão recorrido (fls. 184 e segs.).<br>
Foram colhidos os vistos legais (fls. 204v.).<br>
II. O Acórdão recorrido assentou no seguinte circunstancialismo (fls. 174):<br>
1) A presente acção baseia-se numa factura proforma (ou encomenda/factura), emitida pela ré "Hoogovens", junta a fls. 48 e segs., factura, essa, que chegou ao poder da autora por intermédio da ré "Metalsider";<br>
2) Esse documento, justamente por ser uma factura proforma, incorpora tão somente uma proposta de contrato de compra e venda elaborada por aquela ré, a que a autora deu a sua adesão: fornecimento, por parte da ré "Hoogovens", de certa quantidade de chapa galvanizada para posterior revestimento de PVC, mediante o preço global de 54379500 escudos, e nas demais condições, nele referidas;<br>
3) De entre tais condições, avultam as "condições gerais" (constantes do respectivo verso), designadamente a 11., segundo a qual o contrato celebrado entre ambas está sujeito à lei holandesa e à exclusiva jurisdição do Tribunal de Amesterdão (fls. 116);<br>
4) O documento, incluindo as condições gerais, está redigido em inglês, língua que, como a autora esclarece e informa no requerimento de fls. 29, foi a utilizada nas relações comerciais entre ela e a ré "Hoogovens";<br>
5) Esta ré intentou uma acção, no Tribunal de Amesterdão, contra a ora autora, fundada, de igual modo, na mencionada factura proforma, tendo em vista obter a sua condenação no pagamento do preço acordado, acrescido de juros exactamente o preço de cuja satisfação a recorrente, pretende ver-se desobrigada em consequência da anulação do contrato a decretar nesta causa;<br>
6) Controvertida é a questão de saber qual o papel da ré "Metalsider" no negócio em litígio; mas tal não releva para a única questão ora em jogo, que é a de saber qual o Tribunal competente, em razão da nacionalidade, para dirimir o litígio; foi a própria autora quem, voluntariamente, submeteu a juízo a factura proforma referida, que aceita e reconhece ter recebido, integrando uma estipulação negocial atinente àquela questão.<br>
III . A Questão fulcral reflectida nas conclusões da recorrente reporta-se à aceitação, ou não, da cláusula atributiva, "in casu", de competência exclusiva ao foro holandês de Amesterdão.<br>
Mas, neste particular, a recorrente limita-se, genericamente, a uma afirmação de desconhecimento e não reconhecimento de tal cláusula, na linha do que já fizera na réplica; e sem qualquer impugnação específica ou concreta de que tal cláusula fazia parte, no respectivo verso, da factura proforma que recebeu e aceitou, conforme flui, desde logo, da sua própria petição.<br>
Com efeito, não pode ter sido por acaso que a autora utilizou a expressão "factura proforma" (fls. 2v.), a qual constitui o documento através do qual é feita indicação de preços e demais condições pretendidas pelo vendedor (cfr.<br>
Dória, Dicionário Prático de Comércio e Contabilidade, 3. ed., 2., "ut" Melo Franco e Herlander Martins, "Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos", 3. ed., 424).<br>
Aliás, trata-se de circunstancialismo fáctico já inferido e assumido pela 2. instância, no âmbito da sua específica competência (artigo 729 do CPC).<br>
Se a autora não atentou, se não considerou, ou não ligou<br>
à cláusula questionada, apesar de negociar na língua inglesa, em que se encontrava a cláusula e de, conforme ela própria disse, logo na petição, negociar com fornecedores de Itália, Portugal, Espanha, Alemanha,<br>
Bélgica, Luxemburgo , Suécia, Inglaterra (n. 2 de fls. 2), isso não exclui, juridicamente, a sua adesão a esse clausulado e, portanto, a sua responsabilização face ao acordo que assumiu e não excluiu ou nenhuma reserva fez no concernente a tal cláusula. É um caso típico de acordo por adesão.<br>
IV. E acontecendo que é a própria recorrente quem insere ambas as rés na mesma contratação, seguro é que o relevo que a cláusula tenha abrange a autora e ambas as rés.<br>
Recordemos, por exemplo, os termos iniciais da autora:<br>
"Posteriormente, porque a Autora tenha aceite aquela oferta de venda, a Ré Metalsider no seu fax de 3 de Setembro de 1993 envia-lhe factura proforma em nome da Ré Hoogovens" (n. 13 de fls. 2v.).<br>
A cláusula referenciada (11) não só comete a solução de qualquer diferendo sobre o contrato aludido à lei holandesa, como atribui competência jurisdicional ao foro de Amesterdão - salvo outro acordo escrito em contrário, que inexiste (veja-se o final da cláusula, a fls. 116).<br>
V. É certo que a causa poderia, em princípio, ser julgada pelo foro português.<br>
Só que o ponto jurídico decisivo não está no que a recorrente conclui; está no que não diz.<br>
Com efeito, o acordo alcançado, ainda que por adesão, respeitou, designadamente, o disposto no artigo 99 do CPC: estipulando o foro competente - exclusivo, na falta de outro entendimento; indicando que se tratava de prevenir o que tivesse origem no referenciado contrato; inferindo-se a aceitação do foro escolhido, face à propositura da acção pela recorrida holandesa; sendo de considerar justificável que a parte holandesa pretendesse discutir qualquer problema em Amesterdão, o que a recorrente poderia ter recusado; não estando em causa direitos indisponíveis ou relações laborais; e também se mostrando respeitado o ordenamento da alínea d) do n. 3 do citado artigo 99.<br>
Por outro lado e decisivamente, a cláusula tem a cobertura do ordenamento jurídico da "aldeia global" que é uma comunidade de Países, respeitando o artigo 17 da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, à luz do artigo 7 da Convenção de Adesão de Portugal e de Espanha (veja-se "Colecção Divulgação do Direito Comunitário, ano I, n. 2, 1989).<br>
Em termos, inclusive, da prevalência do Direito Comunitário, o artigo 17 da aludida Convenção de Bruxelas<br>
é, inquestionavelmente, relevante no sentido da inviabilidade deste recurso, aliás e também como normatividade específica na economia da própria Convenção, vigorando nos Países Baixos, e prescrevendo:<br>
"Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado Contratante, tiverem convencionado que um Tribunal ou os Tribunais de um Estado Contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse Tribunal ou esses Tribunais terão competência exclusiva. Este facto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, ou b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si, ou c) No comércio internacional, em conformidade com os casos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.<br>
Sempre que tal pacto atributivo de jurisdição for celebrado por partes das quais nenhuma tenha domicílio num Estado Contratante, os Tribunais dos outros Estados Contratantes não podem conhecer do litígio, a menos que o Tribunal ou os Tribunais escolhidos se tenham declarado incompetentes.<br>
Em matéria de contrato individual de trabalho, os pactos atributivos de jurisdição só produzirão efeitos se forem posteriores ao nascimento do litígio ou se o trabalhador os invocar para submeter a acção à apreciação dos Tribunais que não sejam o do domicílio do requerido ou o referido no n. 1 do artigo 5" (sublinhámos).<br>
O problema escapa, completamente, à problemática do artigo<br>
6 da mesma Convenção, para se inserir na perspectiva da extensão de competência internacional acordada.<br>
Trata-se, com efeito, de uma questão decorrente do pacto atributivo de competência, não contrariado pela lei portuguesa e com previsão normativa e vinculativa no Direito comunitário.<br>
Como assim e sem necessidade de mais considerações, é segura a inviabilidade deste recurso.<br>
VI. Resumindo, para concluir:<br>
Quer à luz, designadamente, do artigo 99 do CPC; quer atento o artigo 17 da Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e ao reconhecimento e execução de sentenças; é lícito e deve ser cumprida a cláusula proposta por escrito e objecto de adesão, pelo menos, tácita, em comércio internacional de compra e venda, entre empresas portuguesas e holandesa, que atribui competência exclusiva para solucionar diferendos decorrentes desse contrato a foro holandês, que não recuse essa atribuição.<br>
VII. Donde, concluindo:<br>
Acorda-se em negar provimento ao recurso.<br>
Custas pela recorrente.<br>
Lisboa, 23 de Abril de 1996.<br>
Cardona Ferreira,<br>
Oliveira Branquinho,<br>
Herculano Lima.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eDKWu4YBgYBz1XKvsR8I | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> </font>
<p><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- No Tribunal Judicial de Vila do Conde, </font><b><font>AA e mulher BB</font></b><font> instauraram acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra </font><b><font>CC e mulher DD</font></b><font>. </font>
</p><p><font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido, em 1ª instância, sentença em que se julgou a acção improcedente, com a absolvição dos RR. do pedido.</font>
</p><p><font> Não se conformando com esta decisão, dela interpuseram </font><u><font>recurso de apelação</font></u><font> os AA. para o Tribunal da Relação do Porto.</font>
</p><p><font> </font><u><font>No decurso do prazo para apresentação de alegações</font></u><font>, os recorrentes arguiram a nulidade decorrente da deficiente gravação dos depoimentos prestados na audiência de julgamento.</font>
</p><p><font> Por determinação do Mº Juiz, a secção prestou a seguinte informação:</font>
</p><p><font> "(…) </font><i><font>efectivamente, no "cd" da suposta gravação dos depoimentos prestados na primeira sessão de julgamento destes autos apenas se ouve música de uma estação de rádio; no "cd" relativo à segunda sessão de julgamento são audíveis os depoimentos das testemunhas, apesar do fundo musical e de publicidade de estação de rádio e no "cd" relativo à terceira sessão de julgamento e no que concerne à única testemunha ouvida nessa sessão, apesar da mesma constar na raiz do "cd" o mesmo não "arranca", não produzindo qualquer som</font></i><font>".</font>
</p><p><font> Os recorridos, por requerimento que fizeram chegar aos autos (após notificação do requerido pela parte contrária), sustentaram o indeferimento da arguida nulidade.</font>
</p><p><font> Ordenada, pelo Mº Juiz, a audição das partes sobre a possibilidade de o recurso ser julgado deserto por não terem sido apresentadas alegações no prazo legal, os RR., recorridos, pronunciaram-se no sentido da deserção da apelação.</font>
</p><p><font> Foi então proferido o seguinte despacho judicial:</font>
</p><p><font> "</font><i><font>Dispõe o artigo 698º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que o recorrente alega por escrito no prazo de trinta dias a contar do despacho de recebimento do recurso. O recorrido pode responder no mesmo prazo, findo o qual será o recurso expedido, caso não deva considerar-se deserto. O artigo 291.º, n.º 2 estabelece que tal ocorre, designadamente, por falta das alegações do recorrente. Conforme ficou já expresso em anterior despacho, e é também nosso entendimento, a nulidade decorrente da deficiente gravação da audiência, muito embora possa ser arguida dentro do prazo da alegação de recurso (salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo) não tem a virtualidade de o suspender (o prazo para a apresentação das alegações em curso), desde logo porque em causa está um prazo processual, estabelecido por lei, sendo, por isso, contínuo. - (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.04.2012, Processo n.º 1067/06.3TBMDL.P1, relatado pelo Sr. Desembargador Fernando Samões, disponível em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font>). Pelo exposto, considerando o teor do despacho proferido a fls. 184 e da notificação de fls. 185, não tendo, até ao presente momento, os recorrentes apresentado as alegações do recurso que interpuseram, </font></i><i><u><font>julgo deserto o recurso, nos termos do disposto nos artigo 690.º, n.º 3 e 291.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil</font></u></i><i><font> </font></i><font>(sublinhado nosso).</font><i><font> Custas do incidente pelos recorrentes, que fixo no mínimo legal</font></i><font>".</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. (habilitados) de </font><u><font>agravo para o Tribunal da Relação do Porto</font></u><font>, tendo-se aí, por acórdão de 28-11-2013, julgado procedente o recurso revogando-se a decisão recorrida considerando-se “</font><i><font>procedente a nulidade arguida pelos agravantes, anulando-se consequentemente o julgamento, no que respeita à prova produzida nas 1ª e 3ª sessões realizadas, a decisão sobre a matéria de facto, a sentença e o recurso dela interposto, devendo retomar-se a tramitação da acção nos termos acima referidos</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignados agora com este acórdão, dele recorreram os RR. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como </font><u><font>agravo</font></u><font>, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- Conforme já decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-4-2012, processo nº 1067 /06.3TBMDL.P1, disponível em </font><a><u><font>www.dgsi.pt</font></u></a><font> (citado na decisão da 1ª Instância), o prazo para apresentação de Alegações de recurso de apelação é um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de as apresentar. </font>
</p><p><font> 2ª- A nulidade requerida pelos Recorridos não suspendeu o prazo para apresentação de Alegações.</font>
</p><p><font> 3ª- Na verdade, o prazo processual, estabelecido por lei, é um prazo contínuo. </font>
</p><p><font>É que, </font>
</p><p><font> 4ª- A nulidade decorrente da deficiente gravação da audiência, muito embora possa ser arguida dentro do prazo de alegação de recurso, não tem a virtualidade de suspender o prazo das alegações de recurso. </font>
</p><p><font> 5ª- Desde logo, porque em causa está em causa um prazo processual estabelecido por lei, sendo, por isso, continuo. </font>
</p><p><font> 6ª- Pelo que, o recurso de Apelação deve ser julgado deserto, nos termos do art. 690º nº 3 e 291º nº 2 do C.P.C., por falta de Alegações. </font>
</p><p><font>É que, </font>
</p><p><font> 7ª- Dispõe o art. 698º nº 2 do C.P.C. que o Recorrente alegue por escrito no prazo de 30 dias a contar do Despacho de recebimento do recurso, o que os Recorrentes não fizeram.</font>
</p><p><font> 8ª- Nos termos do art. 291º nº 2 do C.P.C. estabelece que deve considerar-se deserto por falta de Alegações. </font>
</p><p><font> 9ª- Acresce que, nada impedia os Recorridos de alegarem e arguirem, em sede de alegações de recurso de Apelação a dita nulidade, por deficiência da gravação, inexistindo, por isso, justo impedimento e inexistem omissões de pronúncia. </font>
</p><p><font> 10ª- Assim, o Acórdão em crise deve ser revogado, e substituído por outro que julgue deserto o recurso, conforme decidiu a 1ª Instância em 1-10-2012, nos termos do art. 690° nº 3 e 291º nº 2, ambos do C.P.C., na redacção anterior ao N.C.P.C., por falta de Alegações dos Recorridos.</font>
</p><p><font> 11ª- Que o Acórdão recorrido violou, fundamentando-se o presente recurso, designadamente, no disposto no art. 755° nº 1, alínea b) do C.P.C., na redacção anterior ao N.C.P.C. </font>
</p><p><font> Termos em que </font>
</p><p><font> Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e substituindo-o por outro que julgue deserto o recurso de Apelação, por falta de Alegações do recurso que interpuseram os Recorridos, com as consequências processuais daí decorrentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Não foram produzidas contra-alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas no regime de recursos pelo Dec-Lei 303/2007 de 24/8). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, será a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se o recurso de apelação deve ou não ser julgado deserto por falta de alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Para a decisão, haverá que atender às circunstâncias de facto acima mencionadas.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Sobre a questão controvertida, o douto acórdão recorrido referiu de essencial:</font>
</p><p><font> “</font><i><font>No caso, foi arguida pelos autores/agravantes uma nulidade que consistiu na deficiente gravação dos depoimentos prestados na audiência de julgamento e que os impediu de dar cumprimento ao disposto no artº 690º-A do CPC. Essa irregularidade da gravação foi confirmada objectivamente por funcionário judicial que prestou no processo a informação acima reproduzida. Na decisão recorrida, porém, sem se questionar a tempestividade da arguição, acabou por não se conhecer da nulidade invocada, por se considerar que, entretanto havia decorrido o prazo para apresentação de alegações, julgando-se o recurso deserto. Esta sequência evidencia, parece-nos, a razão dos recorrentes. A deficiência de gravação – que respeita a toda a prova produzida na 1ª e 3ª sessões do julgamento – traduz omissão de acto que a lei prescreve (artºs 522º-B e 522º-C), sendo evidente que tal irregularidade é susceptível de influir no exame e decisão da causa, uma vez que impede – ou pelo menos limita gravemente – os recorrentes de impugnarem a decisão sobre a matéria de facto, por não poderem satisfazer integralmente os ónus então previstos no artº 690º-A. Essa irregularidade produz, por isso, uma nulidade processual, nos termos do artº 201º. E tem como efeito, como se prevê no nº 2 daquele preceito, não só a anulação do acto – os depoimentos prestados na audiência de julgamento que não são audíveis na gravação –, mas também dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente, isto é, a decisão sobre a matéria de facto e da subsequente sentença. Por aí já se vê quão desajustada é a decisão de considerar deserto o recurso: é que a questão da nulidade situa-se a montante deste e é-lhe prejudicial, uma vez que, procedendo a arguição de nulidade, o mesmo fica sem objecto, por via da anulação da sentença… Assim, têm razão os agravantes ao invocarem a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia – artº 668º, nº 1, al. d) – uma vez que nesta não se apreciou a nulidade processual arguida pelos recorrentes. Esta nulidade, como acima se referiu, verifica-se no caso e abrange os depoimentos produzidos na audiência de julgamento que não são audíveis na respectiva gravação, tendo ainda como efeito a anulação da decisão proferida sobre a matéria de facto, da sentença e, obviamente também, do recurso interposto</font></i><font>”.</font>
</p><p><font> Por isso se decidiu pela necessidade da reabertura da audiência de julgamento para se proceder à repetição dos depoimentos inaudíveis, retomando-se a tramitação da acção a partir daí.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Esta posição é absolutamente certa pelo que aqui e agora se confirma.</font>
</p><p><font> Segundo cremos e salvo o devido respeito pela opinião contrária, só por clara irreflexão é que a 1ª instância proferiu a supra-indicada decisão. É que sendo inaudível grande parte da gravação dos depoimentos prestados em audiência (como foi processualmente verificado) como poderia a parte recorrente, com coerência, impugnar a matéria de facto dada como assente, como pretendia?</font>
</p><p><font> Portanto, consideramos absolutamente destituído de sentido o entendimento de que os recorrentes deveriam ter apresentado as alegações do decurso no prazo legal</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>.</font>
</p><p><font> Os recorrentes invocaram a nulidade decorrente da deficiência das gravações efectuadas. Esta arguição e a respectiva apreciação, precede o conhecimento e decisão sobre qualquer temática relativa ao recurso. Como bem observa o douto acórdão recorrido “</font><i><font>a questão da nulidade situa-se a montante</font></i><font>” do recurso</font><i><font> </font></i><font>“</font><i><font>e é-lhe prejudicial</font></i><font>”. E os recorrentes invocaram a irregularidade tempestivamente.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Vejamos melhor:</font>
</p><p><font> A deficiência da gravação constitui, uma nulidade secundária, prevista no art. 201º nº 1 do C.P.Civil, dado que tal deficiência integra um acto previsto na lei, designadamente no art. 7º do Dec-Lei 39/95 de 15/2, sendo também certo que a falha pode patentemente influir na decisão da causa por impedir, quer à impugnação da matéria de facto pelas partes com base na gravação, quer à reapreciação da matéria de facto pela Relação. De harmonia com o disposto no art. 205º nº 1 daquele Código deve ser arguida pela parte interessada, no prazo de 10 dias (art. 153º nº 1), a contar do dia em que a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deve presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse tomar conhecimento, agindo com a necessária diligência. Evidentemente que para que a parte possa e deva invocar a nulidade, será necessário que tenha conhecimento dela. Não faria qualquer sentido que a parte fosse obrigada a arguir nulidades que não conhecesse ou não tivesse obrigação de conhecer (neste sentido se tem desenvolvido a jurisprudência deste Supremo, como se vê, por exemplo, do Acórdão de 13-1-2009 (relator Conselheiro Silva Salazar) inserido em </font><a><u><font>www.dgsi.pt/jstj.nsf</font></u></a><font>). No mesmo sentido estipula o art. 9º do dito Dec-Lei 39/95 que </font><u><font>se em qualquer momento</font></u><font> se verificar que foi omitida qualquer prova ou </font><u><font>se esta se encontra imperceptível</font></u><font> (sublinhado nosso), proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade.</font>
</p><p><font> No caso, não discute a importância da percepção da gravação para o apuramento da verdade, dada a pretensão de impugnação da matéria de facto assente, pela parte recorrente. A reapreciação da matéria de facto pressupõe, obviamente, que os depoimentos prestados em audiência tenham sido gravados de forma perfeitamente audível.</font>
</p><p><font> Claro que se a parte verificar que a gravação da prova realizada é inaudível, no momento das alegações, poderá e deverá nessa altura levantar a irregularidade (a não ser que a não ser que se prove que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo do prazo para a apresentação de tais alegações, o que não se alegou ou demonstrou no caso vertente).</font>
</p><p><font> Por isso se deverá concluir que a nulidade foi, pelos recorrentes, tempestivamente arguida. É esta aliás a jurisprudência dominante</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> deste Supremo Tribunal. Neste sentido decidiu o acórdão acima referenciado e também os acórdãos de 2-2-2010 (relator Conselheiro Sebastião Póvoas), de 23-10-2008 e de 15-5-2008 (relator Conselheiro Pereira da Silva – todos acessíveis no mesmo site -)</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, arestos que expressamente decidiram estar em tempo a arguição operada nas alegações de recurso de apelação. “</font><i><font>E compreende-se que assim seja pois é da normalidade da vida forense que as partes não vão pedir a audição de todo o material áudio para verificar da perfeição técnica da gravação, a não ser no momento da elaboração da sua alegação para dela fazerem constar os concretos meios probatórios em que fundam a sua discordância, já que só, então, tem de identificar (ou transcrever) os pontos controvertidos</font></i><font>” (</font><i><font>in </font></i><font>acórdão referido de 2-2-2010).</font><font> </font>
</p><p><font> É precisamente no decurso do prazo para a feitura das alegações que surge para a parte a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo das gravações e, consequentemente, o conhecimento de eventuais vícios delas, pelo que é adequado que a anomalia seja invocada na própria alegação de recurso.</font>
</p><p><font> Nesta conformidade, o douto acórdão recorrido ao declarar a nulidade (processual) decorrente da deficiência da gravação dos depoimentos efectuada, agiu correctamente</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>, pelo que o agravo é (patentemente) improcedente. Assim, foi certa a revogação da decisão de 1ª instância que julgou deserta a apelação por falta de alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>III- Decisão:</font></b>
</p><p><font> Por tudo o exposto nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> Custas pelos recorrentes.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 29 de Abril de 2014</font>
</p><p>
</p><p><font>Garcia Calejo (Relator)</font>
</p><p><font>Helder Roque</font>
</p><p><font>Gregório da Silva Jesus</font>
</p></font><p><font><font>__________________</font><br>
<a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> Poder-se-ia colocar a hipótese de o prazo de arguição do vício da deficiência das gravações já se ter esgotado por decorrência do prazo a contar do termo da audiência de julgamento ou da data da entrega à parte das gravações – vide nota de rodapé nº 2-, mas não poderá defender-se que a arguição da irregularidade não tem a virtualidade de suspender o prazo de apresentação das alegações, pelas razões ditas no texto deste aresto.</font><br>
<a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font> Existe outra tese que sustenta que o prazo de arguição do vício de deficiência de gravação, é de dez dias (art. 153º nº 1 do C.P.Civil), e que se inicia imediatamente após o termo da audiência de discussão, ou, pelo menos, após a data de entrega à parte da cópia da gravação (a parte deve então diligenciar, dentro do aludido prazo, pela audição dos registos magnéticos, presumindo-se um comportamento negligente da mesma parte - ou do respectivo mandatário - caso não afectar esta audição). Neste sentido, o acórdão do STJ de 22-02-01 (Revista nº 3678/00-7ª.), 24 -05-01 (revista nº 1362/01.7ª.), 20-05-03, 08-07-03, 29-01-04, 13-01-05 (todos acessíveis </font><i><font>in</font></i><font> </font><a><font>www.dgs.pt/jstj</font></a><font>).</font><br>
<font> </font><br>
<a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font> Vide ainda os acórdãos deste STJ que perfilham idêntica orientação, de 23-10-01 (agravo nº 3235/01-6ª), 12-03-02 (revista nº 4057/01-1ª), 24-10-02 (publicado em </font><font>www.dgsi.pt/jstj</font><font>), 05-06-03 (agravo nº 1242/03-2ª), 20-06-03 (revista nº 1583/03-2ª), 20-11-03 (revista) nº 3607/03-2ª) e de 09-07-02 (in C.J./Acs. STJ - Ano X-tomo II, p.p. 153 a 155) indicados no já referido acórdão de 15-5-2008.</font><br>
<a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font> Sublinhe-se que, como correctamente se afirma no douto acórdão recorrido, a situação factual analisada no acórdão da Relação invocado na decisão de 1ª instância para fundamentar o seu entendimento, não tem correspondência com a analisada neste caso.<br>
</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eDKku4YBgYBz1XKv3ibN | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<table>
<tbody><tr><td><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font></i></td></tr>
</tbody></table>
<p><font> </font>
<table>
<tbody><tr><td><font>O presente recurso de agravo em 2ª Instância vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou deserto o recurso de apelação interposto pela R AA e decidiu não conhecer do objecto do recurso de agravo interposto pelos RR. </font>
<p><font>Diz o acórdão recorrido: </font><i><font><br>
"Em primeiro lugar e reiterando </font></i><font>o já </font><i><font>consignado no despacho reclamado, importa referir que atenta </font></i><font>a </font><i><font>data </font></i><font>em </font><i><font>que foi proposta </font></i><font>,a </font><i><font>acção </font></i><font>em </font><i><font>apreço </font></i><font>ao </font><i><font>presente recurso devem ser aplicadas as regras processuais que decorrem do regime anterior à entrada </font></i><font>em </font><i><font>vigor do D.L. nº303/2007 de 24 de Agosto. <br>
Assim sendo cabe recordar </font></i><font>o </font><i><font>que dispõe </font></i><font>o </font><i><font>n.º l do art.º 701º do Código de Processo Civil, na sua anterior redacção: <br>
"Distribuído </font></i><font>o </font><i><font>processo, </font></i><font>o </font><i><font>relator aprecia </font></i><font>se o </font><i><font>recurso </font></i><font>é o </font><i><font>próprio, </font></i><font>se </font><i><font>deve manter </font></i><font>o </font><i><font>efeito que lhe foi atribuído, </font></i><font>se </font><i><font>alguma circunstância obsta ao conhecimento do seu objecto, ou </font></i><font>se </font><i><font>as partes devem ser convidadas a aperfeiçoar as conclusões das alegações apresentadas./J <br>
Como também </font></i><font>já </font><i><font>se tinha feito constar no despacho reclamado, dos elementos constantes do processo resulta evidente que </font></i><font>os </font><i><font>recursos de Agravo </font></i><font>e </font><i><font>de Apelação aqui interpostos são os próprios </font></i><font>e os </font><i><font>válidos, sendo ainda claro que </font></i><font>os </font><i><font>mesmos foram ambos tempestivamente interpostos (cf. artigos </font></i><font>676</font><sup><font>.º</font></sup><font>, 677.º, 678.º, </font><i><font>nº 1, 680.º, n.º 1, 685.º, </font></i><font>687.º, </font><i><font>691.º, n.º 1 </font></i><font>e 733.º e </font><i><font>seguintes, todos do CPC). <br>
Consideramos </font></i><font>no </font><i><font>entanto, que existem circunstâncias que obstam a que se conheça do seu objecto. </font></i></p></td></tr>
</tbody></table>
<table>
<tbody><tr><td><i><font>Entendemos igualmente que não se justificava </font></i><font>o </font><i><font>cumprimento do disposto no art. 704º do CPC- porque a questão agora aludida já há muito foi suscitada nos autos pela Apelada, (cf. requerimento de fls.506 e seguintes), permitindo aos Apelantes que a seu propósito se viessem oportunamente pronunciar. </font></i>
<p><i><font>Vejamos pois. <br>
Como expressa </font></i><font>e </font><i><font>directamente decorre do n.º2 do art. 698.º do CPC, na Apelação </font></i><font>o </font><i><font>recorrente alega por escrito no prazo de </font></i><u><font>30 </font></u><i><u><font>dias,</font></u></i><i><font> contados da notificação do despacho de recebimento do recurso. <br>
Por outro lado, </font></i><font>o </font><i><font>n.º6 do mesmo artigo determina que se </font></i><font>o </font><i><font>recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de </font></i><u><font>10 </font></u><i><u><font>dias</font></u></i><i><font> os prazos referidos nos números anteriores. </font></i>
</p><p><i><font>Ora como se verifica de fls.377 dos autos, </font></i><i><u><font>em </font></u></i><b><i><u><font>7.12.2010</font></u></i></b><i><font> foi proferido </font></i><font>o </font><i><font>despacho que admitiu </font></i><font>o </font><i><font>recurso de Apelação interposto pela Ré AA Lda. </font></i><b><i><u><font><br>
Tal despacho foi notificado via CITIUS à ilustre advogada da mesma Ré na mesma data de 7.12.2010. </font></u></i></b><i><font><br>
A ser assim </font></i><font>e </font><i><font>atento que decorre da norma antes citada, resulta evidente que </font></i><font>o </font><b><i><u><font>prazo para </font></u></i></b><b><u><font>a </font></u></b><b><i><u><font>apresentação das respectivas alegações terminaria</font></u></i></b><i><font> para </font></i><font>a </font><i><font>Ré/Apelante </font></i><font>e </font><i><font>com </font></i><font>a </font><i><font>prorrogação concedida pelo nº 5 do art.º145º, </font></i><b><i><u><font>no dia 4.02.2011.</font></u></i></b><font> </font>
</p><p><i><u><font>Já de fls.416 </font></u></i><u><font>e </font></u><i><u><font>seguintes resulta que aquela procedeu à liquidação atempada da multa prevista no citado artigo </font></u></i><u><font>e </font></u><i><u><font>no último dia do prazo legalmente fixado, veio juntar ao processo a peca processual que dos autos melhor consta. <br>
Por via do exposto, seria </font></u></i><u><font>em </font></u><i><u><font>princípio de concluir que as alegações </font></u></i><u><font>em </font></u><i><u><font>apreço teriam sido juntas atempadamente. <br>
Só que como melhor se verifica da leitura atenta de tal peça </font></u></i><u><font>e </font></u><i><u><font>é aceite pela própria Recorrente (cf. requerimento de fls.454), tal articulado não dizia respeito ao presente processo</font></u></i><i><font>. <br>
Ora salvo melhor opinião, consideramos </font></i><b><i><u><font>que </font></u></i></b><b><u><font>as </font></u></b><b><i><u><font>razões invocadas pela mesma para tal junção incorrecta </font></u></i></b><b><u><font>e </font></u></b><b><i><u><font>que foram como alega </font></u></i></b><b><u><font>no </font></u></b><b><i><u><font>aludido requerimento, resultado de um lapso na inserção informática do ficheiro,</font></u></i></b><i><font> não são por si só suficientes para se defender que as mesmas alegações foram atem poda </font></i><font>e </font><i><font>correctamente juntas </font></i><font>ao </font><i><font>processo no supra citado dia 4.02.2011. </font></i></p></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font> </font>
<table>
<tbody><tr><td><b><i><u><font>Deste modo </font></u></i></b><b><u><font>é </font></u></b><b><i><u><font>pois de entender que tal junção teve lugar no dia 7.02.2001, data na qual, a mesma Apelante veio então juntar ao processo a versão integral </font></u></i></b><b><u><font>e </font></u></b><b><i><u><font>correcta das mesmas (cf. fls. 15.453 </font></u></i></b><b><u><font>e </font></u></b><b><i><u><font>seguintes)</font></u></i></b><i><font><br>
E a ser assim, resulta </font></i><font>em </font><i><font>nosso parecer evidente a extemporaneidade de tal junção, razão pela qual </font></i><font>se </font><i><font>mostra obstaculizada a apreciação do objecto do presente recurso de Apelação. <br>
Estamos pois perante uma verdadeira falta de alegação à qual </font></i><font>o </font><i><font>legislador atribui </font></i><font>o </font><i><font>específico efeito de deserção do recurso (cf. artigos 690.º, nº3 </font></i><font>e 291º, </font><i><font>nº2 do CPC). <br>
Sendo este </font></i><font>o </font><i><font>resultado encontrado para a Apelação, importa agora verificar se deve </font></i><font>ou </font><i><font>não ser apreciado </font></i><font>o </font><i><font>Agravo antes interposto por todos </font></i><font>os </font><i><font>Réus a fls.319. <br>
Como </font></i><font>o </font><i><font>respeito que </font></i><font>é </font><i><font>devido a opinião diversa, </font></i><font>o </font><i><font>facto de se vir </font></i><font>a </font><i><font>considerar deserto </font></i><font>o </font><i><font>recurso de Apelação antes melhor apreciado, implica por si </font></i><font>só </font><i><font>a inutilidade de conhecimento do Agravo antes interposto. <br>
E isto porque recorde-se, apenas a Ré AA, foi condenada na decisão final </font></i><font>e </font><i><font>por isso dela veio interpor recurso. <br>
Por outro lado </font></i><font>é </font><i><font>importante verificar que este recurso </font></i><font>e </font><i><font>entre </font></i><font>o </font><i><font>mais, foi admitido para subir com </font></i><font>o </font><i><font>primeiro que depois dele viesse a ser interposto </font></i><font>e </font><i><font>houvesse de subir imediatamente (cf. despacho proferido </font></i><font>a </font><i><font>fls.344). <br>
A ser assim, ao mesmo </font></i><font>e </font><i><font>no que toca à sua subida, são pois </font></i><font>e </font><i><font>além de outras, aplicáveis as regras dos artigos </font></i><font>747.º e </font><i><font>748.º do CPC. <br>
Deste modo </font></i><font>e </font><i><font>atento </font></i><font>o </font><i><font>disposto nos dois números da última das normas acabadas de referir, cabia obrigatoriamente à identificado Ré </font></i><font>e </font><i><font>nas conclusões das alegações apresentadas </font></i><font>e </font><i><font>correspondentes ao seu recurso de Apelação </font></i><font>o </font><i><font>qual </font></i><font>e em </font><i><font>principio motivaria a subida do Agravo, especificar se mantinha interesse na apreciação deste último recurso. <br>
Ora como melhor </font></i><font>se </font><i><font>mostra dos autos, designada mente da peça processual que fez juntar, a mesma Ré única que </font></i><font>é em </font><i><font>simultâneo Apelante </font></i><font>e </font><i><font>Agravante, não cumpriu tal imposição legal. <br>
Perante tal omissão, seria em princípio de defender que se justificava a sua notificação nos termos </font></i><font>e </font><i><font>para os efeitos do disposto no n.º 2 do citado art. 748.º </font></i></td></tr>
</tbody></table>
</p><p>
<table>
<tbody><tr><td><i><font>Só que </font></i><font>em </font><i><font>nosso modesto entender, assim não deve acontecer. <br>
Na verdade e como ;a vimos, a dita Ré não apresentou atempadamente as alegações correspondentes ao recurso de Apelação que interpôs. <br>
E a ser assim </font></i><font>e </font><i><font>não podendo tal peça porque extemporânea, ter qualquer efeito processual, não </font></i><font>se </font><i><font>compreenderia que por tal facto lhe fosse á ela enquanto Agravante, permitido agora </font></i><font>e </font><i><font>por iniciativa do Tribunal, suprir </font></i><font>a </font><i><font>omissão da especificação, tudo ao abrigo do já atrás citado n.º 1 do art.748º do CPC. <br>
E isto sabendo-se como se sabe, que tal obrigação tem por base </font></i><font>o </font><i><font>princípio da cooperação, </font></i><font>o </font><i><font>qual impõe a qualquer recorrente o ónus de obrigatoriamente especificar nas alegações de recurso que motivam a subida dos agravos retidos quais, os que, para si, conservam interesse. <br>
Tudo porque recorde-se, ninguém melhor do que </font></i><font>o </font><i><font>próprio recorrente estará </font></i><font>em </font><i><font>condições de ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs </font></i><font>e </font><i><font>motivou e qual </font></i><font>a </font><i><font>utilidade na sua apreciação a final. <br>
Sendo deste modo, parece-nos que no caso </font></i><font>e </font><i><font>tendo a Ré omitido tal referência nas alegações de recurso que se vieram a ter como extemporâneas, também não se justifica de todo a notificação autónoma dos restantes Réus nos termos </font></i><font>e </font><i><font>para os efeitos do disposto </font></i><font>no </font><i><font>n.º 2 do aludido artigo. <br>
Isto porque como já antes deixamos dito, resulta manifesta a perda de autonomia do Agravo </font></i><font>em </font><i><font>relação à Apelação, esta agora tido por deserta. <br>
Perante </font></i><font>o </font><i><font>acabado de expor e sem mais, resulta por isso evidente que também o objecto deste recurso de Agravo, não pode ser por nós conhecido",</font></i><font><br>
</font>
<p><font>Nas conclusões da alegação relativa ao presente recurso de agravo mantêm os recorrentes, no essencial, a mesma posição anteriormente assumida ou seja a de que as alegações foram entregues em prazo (4.2.2011) acontecendo que por lapso na inserção ou por deficiente manuseamento informático do programa CITIUS foi junta peça processual respeitante a outro processo (lapso na inserção informática de dados), lapso que foi corrigido com o envio da versão integral e correcta das alegações em 7.2.2011.</font><i><font><br>
</font></i></p></td></tr>
</tbody></table>
<table>
<tbody><tr><td><font>Vem este Supremo Tribunal mantido entendimento no sentido de que para além da invocação e verificação de situações de justo impedimento, conforme artigo 146</font><sup><font>.o</font></sup><font> CPC, e das situações de validação previstas no n</font><sup><font>.º</font></sup><font> 5 do artigo 145.º não é consentida por outros meios a admissão da prática de acto processual decorrido o prazo fixado na lei.</font><sup><font>1</font></sup><font> <br>
Não estando aqui em causa qualquer situação prevista no n</font><sup><font>.º</font></sup><font> 5 do artigo 145.º a questão resume-se a saber se as circunstancias invocadas pela recorrente configuram justo impedimento, compreendido como qualquer evento totalmente imprevisível que tenha ocorrido e que tenha tornado absolutamente impossível a prática atempada do acto. <br>
Invocou a recorrente como justificação para o ocorrido um deficiente manuseamento informático do programa ClTIUS em consequência do qual foram enviadas (reconhece-se que dentro de prazo) peças processuais que nada tinham a ver com a acção em causa. <br>
Salvo o devido respeito esta situação ao colocar-se exclusivamente no campo da responsabilidade dos recorrentes ou de quem por si manuseou deficientemente o programa informático não pode enquadrar o conceito de justo impedimento. <br>
Não ocorreu, como dos factos se pode e deve concluir, qualquer situação totalmente imprevisível e completamente obstaculizadora da prática correcta do envio das alegações pertinentes, antes ocorrendo um erro da total responsabilidade dos recorrentes sobre quem impendia um dever de cuidado traduzido na prévia verificação da conformidade dos documentos enviados de forma a prevenir qualquer anomalia como aquela que se verificou. <br>
Com todo o respeito pela posição aqui exposta, não se encontram razões que permitam, dentro do quadro legal ao tempo em vigor, a formulação de um juízo de desculpabilidade do comportamento dos agravantes, tanto mais que nos encontramos perante normas de direito absoluto reguladoras do desenvolvimento da relação jurídica processual civil que se estabelece entre as Partes e os Tribunais. </font></td></tr>
</tbody></table>
</p><p><font>Tais normas impõem acima de tudo ao Juiz o imperativo de assegurar o princípio da proibição de arbítrio, nomeadamente quanto ao princípio da igualdade na concretização vertida no artigo 3.º A, de assegurar, enfim, “a igualdade substancial das partes, designadamente no exercício das faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações”. </font>
</p><p><font>Decisão - pelas razões expostas acorda-se em negar provimento ao agravo mantendo-se na íntegra a decisão recorrida. </font>
</p></font><p><font><font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<table>
<tbody><tr><td><font>Lisboa, 17 de Março de 2012<br>
<br>
Mário Mendes (Relator)<br>
Sebastião Póvoas<br>
Moreira Alves<br>
</font><font><br>
__________________</font> <br>
<br>
<table>
<tbody><tr><td><font>[1] Por todos o acórdão desta Secção de 26/5/2009 (processo 09AOS13) de que é relator o Conselheiro Alves Velho. </font></td></tr>
</tbody></table>
</td></tr>
</tbody></table>
</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
6jL6u4YBgYBz1XKvrGkC | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Em acção declarativa com processo ordinário que em 16/5/96 e pelo 10º Juízo Cível de Lisboa foi movida por A contra B e C pediu o autor, além de rendas em dívida e outras quantias, que se decretasse a resolução do arrendamento que vigorava sobre a subcave esquerda do prédio urbano sito no nº 13 da Rua Torcato Jorge, Ramada, Odivelas, de que os réus eram inquilinos; fundou-se em tê-lo dado de arrendamento aos réus, para armazém, em Junho de 1988 e verbalmente, sendo que estes não pagaram a renda vencida em 1/6/91 nem as posteriores, de 45000 escudos cada uma, perfazendo então 2700000 escudos até Maio de 1996, além de que conservam o local encerrado desde fins de 1992.<br>
Na contestação a defesa dos réus limitou-se à alegação de que havia mora do credor quanto ao recebimento das rendas e de que não havia encerramento do local.<br>
Na réplica, apresentada em 6/1/97, o autor referiu no seu art. 11º ser já de 3060000 escudos o quantitativo correspondente às rendas em dívida e vencidas até esse mês, inclusive, e pediu que, não sendo as mesmas pagas no prazo que se lhe assinalasse para o efeito, se ordenasse o despejo imediato ao abrigo do art. 58º do RAU; sobre este pedido nada disseram os réus.<br>
Este despejo veio a ser ordenado em despacho de 26/9/97 que, em agravo dos réus, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou.<br>
De novo agravaram os réus, agora para este STJ, oferecendo nas alegações a seguinte síntese dos fundamentos do recurso:<br>
1- Da p. i. decorre que não há contrato escrito de arrendamento.<br>
2- Atento o seu fim - indústria - o mesmo é nulo por força do art. 1029º do CC, aplicável ao tempo da sua celebração (Junho de 1988).<br>
3- Está, assim, posta em causa na acção a própria validade do contrato.<br>
4- A nulidade é de conhecimento oficioso e é invocável a todo o tempo - art. 220º e 286º do CC.<br>
5- Parece assim inaplicável ao caso sub judice o pedido de despejo imediato, nos termos do art. 58º do RAU.<br>
6- Finalmente, o pedido de despejo imediato que o autor formula na réplica limita-se a isto: "Mais requer-se a V. Exa. que, nos termos do art. 58º do RAU, seja ordenado o despejo imediato". Trata-se, pois, de um pedido inepto, já que se mostra ininteligível a causa de pedir e não se vislumbra nexo entre esta e o pedido.<br>
7- Pelo que deveria ter sido indeferido liminarmente - art. 495º do CPC.<br>
8- O aliás douto acórdão viola as disposições apontadas.<br>
<br>
O agravado defende a manutenção do decidido, embora, a título prévio, levante a questão da irrecorribilidade do acórdão da Relação por força do art. 754º do CPC - diploma ao qual pertencerão as disposições que adiante referirmos sem outra identificação. E pede a condenação dos agravantes, como litigantes de má fé ao interporem este recurso, em multa e indemnização, esta consistente no reembolso das despesas e honorários do recurso calculados em 100000 escudos e no ressarcimento dos prejuízos resultantes da demora na entrega da fracção dos autos, que actualmente produziria renda não inferior a 85000 escudos por mês, durante a tramitação do recurso, estimada em seis meses, importando tudo em 610000 escudos.<br>
Foram os agravantes convidados a pronunciarem-se sobre ambas estas questões - a da irrecorribilidade e a da litigância de má fé; e, por se ter admitido a possibilidade de se configurar responsabilidade pessoal e directa do Senhor Advogado dos agravantes na medida em que a posição destes se teria manifestado na dedução de argumentação jurídica clara e evidentemente improfícua, foi o mesmo também convidado a pronunciar-se sobre esse ponto.<br>
Por eles foi dito que não é aplicável nestes autos o nº 2 do art. 754º do CPC, pelo que o recurso tem cabimento.<br>
E, quanto à litigância de má fé, disseram que, embora na contestação houvessem reconhecido a existência de um arrendamento verbal para indústria, não invocaram expressamente a sua nulidade devido "... a circunstâncias de ocasião, não ponderada a questão vertente com todas as suas consequências legais." Daí que o tenham feito só posteriormente, a tal legitimados por a nulidade ser invocável a todo o tempo. De onde extraem a falta de razão para que ao seu advogado possa ser imputada responsabilidade nesta matéria.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os constantes do relatório supra, sendo ainda de reter que o acórdão recorrido deu como assente que os réus não pagaram a renda vencida em 1/6/91 nem as posteriores, designadamente a vencida em Janeiro de 1997.<br>
I- Questão da recorribilidade<br>
As disposições constantes do art. 754º, nº 2 e 3 consagram, com algumas excepções que não interessa agora referir, a irrecorribilidade do acórdão da Relação quando este confirme, sem voto de vencido, a decisão da 1ª instância.<br>
São disposições introduzidas na reforma levada a cabo pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, e pelo DL nº 180/96, de 25/9.<br>
O art. 25º do primeiro destes DL, aliás aditado pelo segundo deles, estabelece no seu nº 1 que aos recursos de decisões proferidas após a sua entrada em vigor, que se deu em 1/1/97, é aplicável o regime emergente dessa reforma legislativa.<br>
Mas exceptua desta regra geral quanto a recursos, além de outras normas, a do nº 2 do art. 754º.<br>
Isto quer dizer que este preceito - e, por isso, a irrecorribilidade nele estabelecida quanto a um acórdão da Relação proferido nas circunstâncias descritas - não tem aplicação a decisões proferidas após 1/1/97 em processos já pendentes anteriormente; a sua aplicabilidade regista-se apenas, de acordo com o regime geral válido para a generalidade das inovações introduzidas pela mesma reforma, quanto a decisões proferidas em processos iniciados após essa data - cfr. art. 16º do DL nº 329-A/95.<br>
Logo, o acórdão que neste agravo é visado é recorrível.<br>
<br>
II- Ineptidão do pedido de despejo imediato<br>
<br>
Há ineptidão por ininteligibilidade da causa de pedir quando esta não pode ser apreendida a partir das alegações de factos com base nos quais o pedido dela decorrente é formulado.<br>
Está prevista no art. 193º, nº 1 e 2, al. a), determinando nulidade de todo o processo - ou de todo o incidente a respeito do qual se verificar, acrescentaremos nós.<br>
Esta nulidade deve ser arguida até à contestação ou neste articulado, não o podendo ser posteriormente - art. 204º, nº 1; isto vale, obviamente, para o requerimento de oposição que nalgum incidente tiver cabimento.<br>
Os agravantes não responderam no incidente de despejo imediato, pelo que a arguição desta nulidade, quer neste agravo, quer no agravo em 1ª instância - primeiro momento em que dela quiseram valer-se -, é extemporânea; e dela já se não poderia conhecer oficiosamente por estar sanada - art. 202º.<br>
Mas, de qualquer modo, sempre se dirá que no plano substancial nunca poderia dar-se razão aos agravantes a este propósito porque o que consta da conclusão 6ª não corresponde à realidade processual evidenciada pelos autos.<br>
Como, propositadamente, se salientou já no relatório deste acórdão, na réplica o autor alegou que as rendas vencidas e não pagas até Janeiro de 1997 - isto é, até à apresentação deste articulado - ascendiam a 3060000 escudos, enquanto que na petição inicial indicara como quantitativo correspondente às rendas em dívida até Maio de 1996 o de 2700000 escudos.<br>
Não pode deixar de ver-se nesta diferença a afirmação clara, não susceptível de deixar qualquer dúvida, de que na pendência da acção as rendas continuaram a não ser pagas pelos réus.<br>
Este facto é uma evidente causa de pedir para o pedido de despejo imediato ao abrigo do art. 58º do RAU.<br>
Improcedem, pois, as conclusões 6ª e 7ª.<br>
III- Questão da nulidade do arrendamento<br>
<br>
Defendem os agravantes que o arrendamento versado nestes autos é nulo por falta da necessária forma legalmente prescrita e que, sendo assim, não poderia decretar-se o despejo imediato.<br>
Abonam-se num acórdão proferido em 3/7/97 pela Relação de Lisboa, agravo nº 4437/97.<br>
A sua falta de razão é manifesta.<br>
No caso apreciado nesse acórdão de 3/7/97 discutia-se a validade de um arrendamento ajustado verbalmente para habitação em 14/10/94; entendeu-se aí, e bem, que o mesmo estava submetido ao regime do RAU, designadamente à exigência de redução a escrito constante do seu art. 7º, nº 1, o que determinava nulidade regida pelos arts. 220º e 286º do CC, inibidora da sua invocação como causa de pedir em acção de resolução. Na verdade, com o art. 3º, nº 1, al. a) do DL nº 321-B/90, de 15/10, operou a revogação dos arts. 1083 a 1120º do CC, designadamente o art. 1088º.<br>
Nada disto se passa agora.<br>
Estamos perante um arrendamento celebrado em 1988, portanto anterior ao RAU, sendo aplicável ao regime da sua validade ou invalidade o disposto na legislação então em vigor - art. 12º do CC.<br>
Sendo um arrendamento para indústria, estava subordinado ao disposto no art. 1029º do CC; o seu nº 1, al. b) exigia a celebração por escritura pública; mas o seu nº 3, introduzido pelo DL nº 67/75, de 19/2 e que só foi revogado mais tarde pelo art. 5º, nº 1, do citado DL nº 321-B/90, prescrevia que essa nulidade era invocável apenas pelo locatário, o que excluía o seu conhecimento oficioso pelo tribunal.<br>
Daí que tal nulidade só aproveitaria aos agravantes, enquanto locatários que dela quisessem valer-se, se estes a tivessem alegado na contestação - art. 489º, nº 1 e 2.<br>
Não o tendo então feito, não mais podem valer-se daquela nulidade mista, por se ter precludido com essa omissão a possibilidade de o fazerem.<br>
Não se compreende como puderam os agravantes invocar, e bem, o art. 1029º do CC como aplicável ao tempo da celebração do contrato e não reflectirem no regime especial de nulidade constante do seu nº 3 - o qual, conjugado com o art. 489º, nº 2, do CPC, implica o afastamento da regra geral da invocabilidade a todo o tempo contida no art. 286º do CC.<br>
Improcedem, portanto, as conclusões 1ª a 5ª.<br>
IV- Questão da litigância de má fé<br>
<br>
O agravado restringe esta questão à simples interposição do presente recurso, não a estendendo ao processado anterior.<br>
<br>
Já no agravo em 1ª instância os ora agravantes haviam suscitado a questão da ineptidão do pedido de despejo imediato, em termos extremamente sucintos, uma vez que só disseram, tal como agora, que o autor se havia limitado a fazer o respectivo requerimento com a simples invocação do art. 58º do RAU, com o que omitiram menção do que constara do art. 11º da réplica, a que acima já aludimos.<br>
O acórdão recorrido desfez esta versão dos agravantes, salientando com grande clareza ter sido alegada nesse articulado a falta de pagamento de rendas durante a pendência da acção.<br>
Mas, apesar disso, os agravantes, ao alegarem neste recurso, não esboçaram um mínimo de argumentação tendente a contrariar a tese do acórdão recorrido, limitando-se a repetir as escassíssimas e incompletas referências que antes já haviam feito.<br>
Escassez e escamoteamento que eram, aliás, necessários para que pudessem invocar, com um mínimo de viabilidade formal, a ininteligibilidade da causa de pedir, uma vez que se não vislumbra que argumentação poderiam ter oposto com sucesso ao ali decidido.<br>
O que só pode ser interpretado como resultando de um propósito de recorrer contra a verdade dos factos e contra a evidência do direito que lhes era aplicável.<br>
Só neste agravo os agravantes se lembraram de invocar a nulidade do arrendamento por falta de forma.<br>
Disse-se, já, que o fizeram sem qualquer razão.<br>
Na óptica da questão que estamos versando - a da litigância de má fé - importa salientar o seguinte.<br>
Os agravantes, ao alegar, tinham bem presente e correctamente equacionada a problemática da aplicação das leis no tempo.<br>
Disseram, com todo o acerto, que no momento em que o arrendamento foi celebrado vigorava, quanto à forma a observar e consequência do seu desrespeito, o art. 1029º do CC.<br>
Este preceito tinha, então, três números, sendo aplicáveis no caso o primeiro e o terceiro.<br>
Este último definia, como se disse, um regime de nulidade mista que excluía expressamente o seu conhecimento oficioso a que se refere o art. 286º do CC e, conjugadamente com o art. 489º do CPC, a sua invocabilidade a todo o tempo. É que os desvios que as nulidades mistas apresentam no seu confronto com o regime típico da nulidade propriamente dita tanto podem ser ditados expressamente pela lei como podem fluir da conjugação a fazer de diversas normas.<br>
Os agravantes omitiram a mínima referência a qualquer destes números e concluíram muito mal, contra lei transparente, pela possibilidade de conhecimento oficioso e "ad aeternum".<br>
De onde se conclui que manipularam a lei por forma a poderem sustentar, também com um mínimo de acerto formal, a tese que lhes convinha mas que era manifestamente infundada e indefensável.<br>
Disseram agora os agravantes - e só agora, quando por despacho do relator foram ouvidos sobre a questão da litigância de má fé - que a não invocação da nulidade do arrendamento na contestação se deveu "... a circunstâncias de ocasião, não ponderada a questão vertente com todas as suas consequências legais."<br>
Não há outra explicação possível a não ser a seguinte.<br>
Os agravantes, réus na acção, começaram por seguir uma estratégia que, a ter êxito, os manteria na fruição do armazém enquanto seus locatários.<br>
Este desiderato só se patenteou prejudicado com o despacho que ordenou o despejo imediato ao abrigo do art. 58º do RAU.<br>
Então os réus, ora agravantes, não podendo atacar as razões substanciais que fundaram tal despacho, e já que não podiam conservar o locado indefinidamente, esboçaram uma nova estratégia, que levaria a que, ao menos, o conservariam enquanto não decorresse o tempo necessário para que em nova acção o autor, aqui agravado, reivindicasse o local já que o título pelo qual o detinham era nulo. E isto porque, sendo nulo o arrendamento, a acção de despejo não deveria proceder - assim o dizem os próprios agravantes.<br>
Agiram contra a Moral e contra o Direito.<br>
E sempre representados pelo mesmo Senhor Advogado, o que acentua o utilitarismo criticavelmente pragmático das suas estratégias.<br>
O que se salientou mostra que os agravantes não podiam deixar de ter consciência de que defendiam, neste recurso, teses erradas e inviáveis, o que era manifesto.<br>
Deduziram, pois, pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam e recorreram para este STJ fazendo uso reprovável do direito de recorrer, buscando atrasar o trânsito em julgado de decisão correcta mas que lhes não convinha.<br>
Litigaram, pois, de má fé - art. 456º, nº 2.<br>
Cabe aplicar-lhes as sanções legais: multa e indemnização que o agravado pediu - nº 1 do mesmo artigo.<br>
Considerando a gravidade do seu dolo e o elevado valor da causa - que é de 4239793 escudos - e o disposto no art. 102º, al. a), do C. Custas, e levando ainda em conta que a litigância de má fé só foi evidente neste recurso, tem-se como equilibrada a multa de 120000 escudos.<br>
O agravado pede uma indemnização de 610000 escudos, sendo 100000 escudos a título de reembolso das despesas e honorários do recurso e 510000 escudos como ressarcimento dos prejuízos resultantes da demora na entrega da fracção pelo período de tempo da tramitação deste recurso, que estima em seis meses.<br>
O presente agravo foi interposto em 11/11/98 e está a ser julgado quatro meses depois - demora esta que se repercute, obviamente, na restituição do locado aos agravados; e, ignorando-se o exacto valor locativo actual do armazém em causa mas sendo de aceitar que o mesmo terá aumentado sensivelmente desde a data do arrendamento, pode ter-se como razoável considerar a este propósito, e sempre admitindo ainda algum atraso na sua efectiva ocupação por outra pessoa, um prejuízo de 200000 escudos.<br>
Para este recurso o agravado pagou taxa de justiça que, não sendo ele responsável por custas, lhe será restituída - art. 31º, nº 1, do C. Custas -, pelo que a mesma não traduz prejuízo atendível.<br>
Quanto aos honorários relativos às alegações produzidas também neste recurso, as mesmas desenvolvem-se ao longo de cerca de setenta linhas de texto, sendo, se bem que acertadas, de manifesta simplicidade.<br>
Por isso se nos não afigura razoável que as mesmas agravem os honorários totais do Senhor Advogado do agravado em mais de 50000 escudos.<br>
Encontra-se, assim, um montante indemnizatório global que se fixa em 250000 escudos.<br>
Mais se deixa consignado que a má fé dos agravantes se revelou, não tanto na substância propriamente dita da sua pretensão, mas na construção jurídica para ela feita, escamoteadora das realidades processuais e conscientemente falseadora do direito aplicável.<br>
É evidente, pelo tecnicismo desta matéria, a responsabilidade pessoal e directa que nela teve o Senhor Advogado dos agravantes, que assim incorreu no disposto no art. 459º, prestando-se a defender interesses particulares que não podia ignorar - ou não fosse ele um jurista - não terem cobertura legal.<br>
Não cabe aos tribunais aplicar a sanção adequada e correspondente.<br>
Nestes termos, decide-se:<br>
a) Negar provimento ao agravo;<br>
b) Condenar os agravantes nas respectivas custas;<br>
c) Condenar ainda os agravantes, enquanto litigantes de má fé, a pagarem a multa de 120000 escudos (cento e vinte mil escudos) e, ao agravado, a indemnização de 250000 escudos (duzentos e cinquenta mil escudos);<br>
d) Ordenar a comunicação ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados de que se reconheceu neste acórdão que o Senhor Advogado dos agravantes teve responsabilidade pessoal e directa nos actos reveladores da má fé com que litigaram, enviando-se-lhe certidão das alegações por eles produzidas na Relação - fls. 2 a 5 -, do acórdão da Relação - fls. 66 a 72 -, das alegações produzidas no agravo em 2ª instância - fls. 79 a 81 - e do presente acórdão.<br>
Lisboa, 23 de Março de 1999.<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira de Almeida.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sDL0u4YBgYBz1XKvYGEV | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
<p>1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa movida pela A, contra, designadamente, B, como sucessor de C, veio ele deduzir embargos de executado.
</p><p>Em síntese, alegou que, tendo a letra sido subscrita pelo, entretanto falecido, C e não tendo sido partilhada a herança deste, só tal herança e não ele, como herdeiro, podia ser parte na execução.
</p><p>Após contestação, os embargos improcederam no saneador.
</p><p>Inconformado, o Embargante recorreu, mas sem êxito pois a Relação do Porto, por Acórdão de 9 de Março de 2000, fazendo uso, nomeadamente, do disposto no nº 5 do artº 713º do Código de Processo Civil, confirmou o sentenciado.
</p><p>2. Ainda irresignado, o Embargante recorreu para este Supremo Tribunal, tendo culminado a sua alegação com estas conclusões:
</p><p>I - Ao não apreciar a matéria de facto constante dos artºs. 2º a 4º da petição de embargos, que não foi objecto de impugnação, a decisão da 1ª instância "ficou ferida de nulidade" e o Acórdão recorrido "negou provimento à arguição dessa nulidade, porque fez uma errada interpretação dos artigos 5º e 6º, alínea a), do Código de Processo Civil e do artigo 2068º do Código Civil".
</p><p>II - "A mesma decisão sob recurso, ao não dar como assente tal matéria", violou o disposto no número 4 do artigo 668º, na alínea d) do nº 1 do artigo 712º do Código de Processo Civil e no artigo 715º do Código de Processo Civil, "na medida em que os autos forneciam todos os elementos para a sua apreciação".
</p><p>III - "Resulta, assim, dos factos assentes e a dar como assentes, que o título dado à execução foi subscrito por C, como fiador, que este faleceu antes de instaurada a execução, que deixou como únicos herdeiros o Agravante, sua irmã D e sua mãe E, estando indiviso o seu acervo hereditário".
</p><p>IV - "Não estando ainda efectuada a partilha, é a herança indivisa, como património autónomo, que responde pelo pagamento da obrigação de dívida do falecido consubstanciada no título dado à execução, sendo esta - a herança - a sucessora das obrigações do falecido e não os seus herdeiros, designadamente o Agravante".
</p><p>V - "Tendo a acção executiva sido proposta contra o herdeiro (ou herdeiros), do falecido fiador este deve ser declarado parte ilegítima, pois quem tem legitimidade para a Execução é a Herança, por força do estatuído nos artigos 6º, nº 1, alínea a), 56º n. 1 do Código de Processo Civil e 2068º do Código Civil".
</p><p>VI - "A decisão recorrida, ao assim não considerar, fez uma errada interpretação da lei de processo, designadamente do estatuído nos artigos 5º, 6º e 56º nº 1, 712º nº 1, alínea a), 715º, todos do Código de Processo Civil".
</p><p>3. Em contra-alegações, a Exequente bateu-se pela confirmação do julgado.
</p><p>4. A Relação do Porto, por Acórdão de 1 de Junho de 2000, sustentou não se verificar a nulidade do Acórdão de 9 de Março de 2000, arguida no nº 4 das conclusões da alegação do Recorrente, sob o pretexto de que "a matéria factual constante dos artigos 2º a 4º da petição inicial, na parte que interessa, foi tida em conta".
</p><p>Foram colhidos os vistos.
</p><p>5. Os factos assentes e relevantes são estes:
</p><p>a) O instrumento de "contrato de empréstimo garantido por fiança" dado à execução foi subscrito por C, como fiador.
</p><p>b) C faleceu em 3 de Julho de 1997, antes de instaurada a execução.
</p><p>c) B, juntamente com as também executadas D e E, constituem todos os herdeiros de C.
</p><p>d) Até à data não foi feita qualquer partilha dos bens deixados pelo falecido C (de quem a E era mulher, sendo seus filhos D e B), nem corre termos qualquer inventário para o efeito, nem o Embargante recebeu qualquer bem do autor da herança.
</p><p>6. O Recorrente aceita expressamente que os únicos herdeiros de C são, além dele próprio, as também executadas E e D.
</p><p>Todavia, sustenta que "quem tem legitimidade para a execução é a Herança", pois, "não estando ainda efectuada a partilha", é a "herança indivisa" "a sucessora nas obrigações do falecido e não os seus herdeiros, designadamente o Agravante".
</p><p>Sem razão, no entanto.
</p><p>7. O nº 1 do artigo 55º do Código de Processo Civil (são deste Diploma todos os preceitos citados sem menção de proveniência) enuncia a regra geral da legitimidade para a acção executiva - diferente da que rege para a acção declarativa (artigo 26º) -, conferindo-a a quem figura no título como credor (legitimidade activa) ou como devedor da obrigação exequenda (legitimidade passiva).
</p><p>Essa regra geral, no entanto, carece de ser adaptada, desde logo, nos casos de sucessão, inter vivos ou mortis causa (artigo 56º nº 1), em que se atribui legitimidade para intervir na execução como parte principal (exequente ou executado) a pessoa que não consta do título.
</p><p>Assim, tendo havido, nomeadamente, sucessão mortis causa na titularidade da obrigação exequenda "entre o momento da formação do título e o da propositura da acção executiva" (situação que, no nosso caso, importa considerar), devem assumir, liminarmente, a posição de parte, como executados, os sucessores da pessoa que figura no título como devedor.
</p><p>Dito por outras palavras, "a legitimidade que é concedida" ao sujeito que conste do título executivo como devedor é igualmente "reconhecida aos seus sucessores".
</p><p>De realçar, entretanto, que, quando a sucessão na titularidade da obrigação exequenda se tiver verificado antes da instauração da acção executiva, o exequente - por imperativo do artigo 56º nº 1, 2ª parte - deverá deduzir, logo no próprio requerimento inicial, os respectivos factos constitutivos da sucessão (cfr. Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil - Anotado", volume 1º, páginas 111/113, e "A Acção Executiva", 2ª edição, página 102; Anselmo de Castro, "Acção Executiva Singular, Comum e Especial", página 75; e Miguel Teixeira de Sousa, "Acção Executiva Singular", páginas 135/136).
</p><p>8. Em face dos princípios jurídicos esquematicamente enunciados, é incontroversa a legitimidade passiva do Recorrente, na medida em que, como herdeiro de C, sucedeu na posição jurídica deste, sendo irrelevante, pois, a inexistência de partilha da herança.
</p><p>O facto de a herança ser a responsável pelo passivo deixado pelo falecido C, é questão que nada tem a ver com a legitimidade passiva na acção executiva.
</p><p>Ela prende-se, apenas, com os bens que podem ser penhorados.
</p><p>É que, "na execução movida contra o herdeiro, só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança" (artigo 827º nº 1).
</p><p>9. Acentue-se, a terminar, que, ao invés do preconizado pelo Recorrente, o Acórdão impugnado não padece de qualquer nulidade.
</p><p>Trata-se, aliás, de censura não convenientemente concretizada.
</p><p>De todo o modo, se se pretendeu aludir ao vício de omissão de pronúncia (artigo 668º nº 1, alínea d), 1ª parte), como parece deduzir-se da conclusão expressa em 2-II, é patente a ausência de tal vício.
</p><p>É que, o Acórdão recorrido pronunciou-se sobre as questões que devia apreciar e sobre todas elas.
</p><p>Quando muito, poderia entender-se que, na tese do Recorrente, não teria sido apreciada toda a argumentação que desenvolveu. Mas, nem por este prisma, o Acórdão será passível de qualquer crítica.
</p><p>10. Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e condena-se o Recorrente nas custas.
</p><p>Lisboa, 10 de Outubro de 2000.
</p><p>Silva Paixão,<br>
Armando Lourenço,<br>
Silva Graça.
</p></font><p><font>Tribunal de Vale de Cambra - Processo nº 32-A/98<br>
Tribunal da Relação do Porto - Processo nº 235/00 - 3ª Secção</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xDLXu4YBgYBz1XKveUgI | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -</font><br>
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<font>Banco A, S.A. (actualmente, ......., S.A.) propôs acção contra B (a prosseguir contra os seus sucessores habilitados C e D) a fim de se o condenar a lhe pagar 3.350.000$00, valor de uma livrança por este emitida em 78.06.26 e vencida em 78.10.26, descontada pelo autor cujo produto creditou na conta de depósito do réu, acrescida de juros vencidos e vincendos, computados aqueles em 9.217.548$00.</font><br>
<font>Contestando, excepcionou a ‘assunção da dívida’ pelo IARN, reconhecida pelo autor e impugnou.</font><br>
<font>Chamou à autoria o IARN (Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais) e, mais tarde, por não ser possível identificar o organismo da Administração Central que lhe sucedeu, o Estado, o qual não aceitou o chamamento.</font><br>
<font>Proferida sentença de preceito, que a Relação revogou ordenando o prosseguimento do processo.</font><br>
<font>Deduziram os réus, em audiência de discussão e julgamento, articulado superveniente, o qual foi admitido. Produzida e fixada a prova, procedeu a acção por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>De novo inconformados, pediram revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>- o IARN assumiu o dever de pagar directamente à autora a dívida, substituindo-se ao primitivo devedor, o réu e</font><br>
<font>- a autora aceitou a substituição, ao declarar expressamente que aguarda a liquidação por parte do IARN, e não do primitivo devedor,</font><br>
<font>- pelo que, por novação subjectiva, se extinguiu a obrigação;</font><br>
<font>- o valor da livrança foi amortizado em 311.773$00 que a autora recebeu na execução hipotecária 1.584/81, da 3ª sec. do 15º Juízo Cível de Lisboa e imputado no pagamento daquela, pelo que o ponto 5 da fundamentação de facto e a resposta ao quesito 9 devem ser alterados;</font><br>
<font>- foi violado o disposto nos arts. 762, 784, 785, 858 e 859 CC.</font><br>
<font>Contraalegando, a autora defendeu a confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
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<font>O Supremo Tribunal de Justiça é, por natureza e estruturalmente, tribunal de revista. Apenas conhece da decisão de facto em circunstâncias muito excepcionais e tipificadas na lei. A fixação da matéria de facto, sobre a qual irá aplicar definitivamente o regime jurídico tido por mais adequado, é domínio das instâncias.</font><br>
<font>Apelando, as rés excepcionaram superveniente o pagamento da dívida, pois assim fora pelo autor imputado na execução hipotecária que moveu a B.</font><br>
<font>Conhecendo da questão, a Relação concluiu que a análise dos documentos relativos à execução, e com as alegações juntos, não permitia concluir no sentido apontado pelas apelantes, bem pelo contrário, «de que o produto da venda do bem ali penhorado foi imputado no pagamento de outras duas livranças» (fls. 352). Por outras palavras, a Relação, mais que ter como insuficientes os documentos para prova do pagamento, afirmou que o produto da venda fora imputado na satisfação de outras dívidas.</font><br>
<font>Com isto não se subsume a questão em qualquer das excepções previstas no art. 722-2 CPC.</font><br>
<font>Assim, e ao abrigo do disposto nos arts. 713-6 e 726 CPC, remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br>
<font>Há que considerar como facto adquirido para o processo o que consta do documento a fls. 12 (a proposta de desconto bancário), só parcialmente descrito na al. d) da especificação, facto que explica, corroborando, o que das als. f) a i) e as respostas positivas aos quesitos, se bem que o facto em si seja uma declaração aposta pelo BNU -</font><br>
<font>«Nota - livrança garantida por declaração de dívida do IARN ... da mesma, efectuada nesta data, conforme minuta fornecida pelo S.R.C.».</font><br>
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<font>Decidindo: -</font><br>
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<font>1.- Os factos, em síntese -</font><br>
<font>o réu recebeu retornados no seu estabelecimento hoteleiro, prestando-lhes alojamento, facturado ao IARN; este atrasou-se no respectivo pagamento, tendo aquele recorrido, após declaração de compromisso, perante ele e do autor, do IARN; nessa declaração, datada de 78.06.07 e enviada ao autor, reconhecia dever ao réu 5.150.000$00 (3.350 + 2.800 contos) e comprometia-se a pagar o primeiro valor, no prazo de 90 dias, directamente ao autor; o réu emitiu, em 78.06.26, uma livrança a favor do autor, com vencimento em 78.10.26, que apresentou a desconto; o BNU, na posse da declaração do IARN e de um recibo do Turismo da Ericeira, creditou aquela importância ao réu e aguardou «que o IARN proceda ao pagamento da referida importância para ser levada por conta da livrança em causa»; o réu não pagou nem provou que o IARN tivesse pago.</font><br>
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<font>2.- Contestando, embora concluindo pela improcedência da acção, não caracterizou o réu a excepção que alegou. Na realidade, o alegado não era inequívoco, permitindo ser interpretado tanto como assunção de dívida (CC- 595,1 a)) como novação subjectiva (CC- 858) como aceitação da prestação por terceiro (CC- 767,1). Todavia, para integrar qualquer destas figuras, havia insuficiência de alegação e, mais que isso, a sucessão cronológica não só as permitia excluir desde logo como ainda afirmar ser outra a realidade.</font><br>
<font>Havia uma dívida do IARN para com o réu. Na medida em que o devedor não pagara e prometia vir a satisfazê-la mas só em momento posterior, o réu arquitectou um modo de obter o seu valor aceitando sofrer um prejuízo menor (pagar o desconto bancário de uma livrança do quantitativo da dívida que o IARN se dispunha a pagar a 90 dias e respectiva taxa). Para tanto, munindo-se de uma declaração do IARN onde se comprometia a, no prazo de 90 dias, pagar directamente ao autor 3.350.000$00, valor da primeira parcela da dívida, emitiu uma livrança, a vencer 120 dias após a sua emissão, a favor do autor e solicitou o seu desconto.</font><br>
<font>A declaração-compromisso do IARN funcionou como garantia não só para a livrança ser emitida como para o autor aceitar proceder à operação de desconto bancário. Trata-se de facto de que todos (réu, IARN e BNU) estavam cientes e aceitavam. O autor não libertou o réu da sua dívida, aceitou vir a ser pago por terceiro (o IARN) - quando tal sucedesse, imputá-lo-ia à livrança; o réu aceitou realizar o dinheiro, embora com prejuízo (comissão e taxa de desconto) menor (maior seria o aguardar sem limite de tempo que o IARN se dispusesse a pagar-lhe). Ainda que, porventura, se pudesse ver aqui, o que se não nos afigura correcto, uma promessa de novação o certo é que esta não veio a ocorrer e isso seria uma questão a resolver entre o réu e o IARN alheia ao BNU e sem repercussão para este.</font><br>
<font>Razão assistia ao réu para chamar à autoria o IARN ou quem lhe sucedeu. Porém, são três realidades distintas a dívida do IARN para com o réu, a indemnização pelo prejuízo por este causado por com a declaração-compromisso lhe ter fundadamente criado uma expectativa e não ter honrado a sua palavra, e a obrigação que o réu assumiu para com o autor, só a segunda legitimando o apelo ao direito de regresso.</font><br>
<font>Por só desta haver que curar nesta acção, falece razão aos habilitados pelo réu. Ainda que, porventura, fosse intenção do IARN assumir de pleno a responsabilidade pelo pagamento da dívida de 3.350.000$00 a ser contraída e quando o fosse, não seria menos seguro que o IARN não contraiu nem prometeu contrair qualquer obrigação para com o autor nem este podia exonerar o réu de uma dívida que ainda não existia; o autor apenas poderia tomar aquela declaração como garantia de livrança que viesse a ser emitida pelo réu, é isso o que consta da ‘nota’ aposta na proposta de desconto e o que resulta da sua disposição de, aceitando o pagamento por terceiro (o IARN), o levar «por conta da livrança em causa».</font><br>
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<font>Termos em que se nega a revista.</font><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
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<font>Lisboa, 27 de Abril de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xDLfu4YBgYBz1XKvREtH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
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<font>"A", requereu execução para pagamento de quantia certa contra B com vista à cobrança coerciva do seu crédito hipotecário sobre esta relativo ao contrato de mútuo (ref. int. 03961769745850019/SH), formalizado por instrumento notarial avulso.</font><br>
<font>No decurso da execução, determinada a venda do imóvel penhorado, a exequente, veio requerer, após informar que «o contrato de mútuo que serve de base à presente execução se encontra regularizado», a remessa dos autos à conta, «por inutilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 287º, al. e), do C.P.C.» (fls. 100).</font><br>
<font>Após ser ouvida a executada e remessa à conta, foi proferido despacho a julgar extinta a execução (fls. 145).</font><br>
<font>A exequente agravou, sem êxito, do despacho.</font><br>
<font>Mais uma vez inconformada, agravou concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações: </font><br>
<font>- a executada não pagou a quantia exequenda mas sim extrajudicialmente as prestações em atraso e respectivos juros de mora;</font><br>
<font>- não estando paga a dívida exequenda não se pode julgar extinta a execução com base num pagamento que não foi efectuado, mas</font><br>
<font>- julgar interrompida a instância ou, eventualmente, extinta a execução por inutilidade da lide;</font><br>
<font>- violado o disposto no art. 919-1 CPC.</font><br>
<font>Sem contraalegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
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<font>Matéria de facto com interesse para conhecimento do recurso, apenas a que consta do relatório supra.</font><br>
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<font>Decidindo: </font><br>
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<font>1.- A norma do art. 919-1 CPC prevê a extinção da execução quer quando tenha sido liquidada, voluntária ou coercivamente, a dívida exequenda quer se o exequente desistir da execução (art. 918).</font><br>
<font>Mas, também a prevê ‘quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva’ e uma das causas de extinção da instância é a inutilidade superveniente da lide (art. 287 e)).</font><br>
<font>Não se trata, contrariamente ao afirmado no acórdão a fls. 185, de uma desistência da execução mas sim de extinção da instância executiva por facto imputável à executada tendo assentido a credora em ‘renovar’ o mútuo permitindo a continuação do pagamento regular das prestações.</font><br>
<font>Nem foi liquidada a quantia exequenda – regularizada só a dívida quanto às prestações em atraso e respectivos juros de mora – nem a exequente desistiu da execução.</font><br>
<font>Em consequência da extinção da instância executiva, a penhora efectuada não subsiste.</font><br>
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<font>Temos em que, concedendo-se provimento ao agravo, se julga extinta a execução por inutilidade superveniente da lide (causa de extinção da instância executiva).</font><br>
<font>Custas pela executada (CPC - 447).</font><br>
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<font>Lisboa, 6 de Julho de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
QjLWu4YBgYBz1XKv70h6 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
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<font>1. - "A" intentou contra "Companhia de Seguros B, S.A." acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, reclamando da Ré o pagamento de € 49.879,79, dos quais € 42.771,92 por danos não patrimoniais, quer decorrentes do abalo que sofreu com o acidente quer com a morte da sua companheira.</font><br>
<br>
<font>A final, a Seguradora foi condenada a pagar a quantia de € 26.436,28, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais - sendo € 1.496,39 referentes aos danos sofridos directamente pelo A. e € 24.939,89 pela morte da companheira - e, a título de danos patrimoniais, o que vier a ser liquidado em execução de sentença, decisão de que ambas as Partes interpuseram recurso.</font><br>
<br>
<font>A Relação reduziu a indemnização pelos danos sofridos pelo A. com o acidente para € 500,00, absolveu a R. do pedido indemnizatório fundado na morte da companheira do A. e manteve, no mais, o decidido na 1ª Instância.</font><br>
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<br>
<font>Pede ainda revista o Autor, que sustenta nas conclusões:</font><br>
<font>- A questão prende-se apenas com os danos directamente sofridos pelo Recorrente, primeiro quanto à conformidade com a Constituição do art. 496º-2 do C. Civil e depois quanto à fixação do quantum indemnizatório;</font><br>
<font>- A inconstitucionalidade decorre do facto de a não abrangência do unido de facto sobrevivo pela norma do n.º 2 do art. 496º violar a 1ª parte do n.º 1 do art. 36º da CRP quando prevê expressamente o direito de constituir família para além da relação matrimonial;</font><br>
<font>- O art. 496º-2 deve, portanto, ser objecto de uma interpretação extensiva pelo argumento a pari, por paridade de razão;</font><br>
<font>- Assim, deve a indemnização pelos danos não patrimoniais ser fixada em não menos de € 42.771,92, acrescida de juros legais desde a citação.</font><br>
<font>- Quando assim se não entenda deve ser fixada indemnização não inferior a € 12.500,00 para ressarcimento dos danos morais próprios emergentes do acidente em causa.</font><br>
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<font>A Recorrida apresentou resposta em que pugna pela manutenção do julgado.</font><br>
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<font>2. - Das conclusões formuladas resulta serem duas as questões propostas e para decidir:</font><br>
<font>- A inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do art. 496º C. Civil, quando interpretada no sentido de excluir o "cônjuge da facto" do direito a ser indemnizado pela morte do companheiro; e,</font><br>
<font>- A fixação da compensação pelos danos não patrimoniais reclamados pelo Autor.</font><br>
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<font>3. - Das Instâncias vem assente a seguinte factualidade:</font><br>
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<font>A 30/01/00, pelas 1,45h., na EN 347, no sentido Alfarelos-Condeixa, ocorreu um acidente de viação que consistiu num despiste e colisão com uma árvore do veículo ligeiro de passageiros de matrícula PJ, que era conduzido por C e no qual seguiam como passageiros o Autor e D;</font><br>
<font>Em consequência do embate, D sofreu lesões corporais, das quais resultou a sua morte;</font><br>
<font>O Autor trabalha na Embaixada de Espanha, em Portugal como funcionário administrativo;</font><br>
<font>No momento imediatamente anterior ao acidente, o A. pensou que poderia ficar gravemente ferido ou mesmo morrer em consequência do mesmo, o que lhe causou angústia e terror;</font><br>
<font>O Autor receou que todos os seus projectos de vida pessoais e profissionais pudessem ser interrompidos em consequência do acidente;</font><br>
<font>O Autor também exercia a actividade de tradutor por conta própria;</font><br>
<font>Em consequência do acidente, deixou de fazer trabalhos de tradução que já tinha ajustado, facto que lhe causou prejuízo;</font><br>
<font>Estragou o seu blusão, as calças e perdeu o seu relógio;</font><br>
<font>O A. foi imediatamente assistido no Hospital dos Covões, em Coimbra, e posteriormente no de Santa Maria, em Lisboa;</font><br>
<font>Ainda em consequência do acidente, o A. sofre de falta de concentração no trabalho;</font><br>
<font>À data do acidente o Autor vivia maritalmente com a D, desde Novembro de 1997, e projectavam casar e ter filhos;</font><br>
<font>Entre os dois existia amor, união e carinho;</font><br>
<font>O A. sofreu um choque e uma grande dor com a morte da D, vivendo hoje com tristeza e recordando-a constantemente;</font><br>
<font>O Autor nasceu em 07/02/961;</font><br>
<font>A responsabilidade civil por danos causados pelo veículo PJ encontrava-se transferida para a Seguradora Ré.</font><br>
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<font>4. - Mérito do recurso.</font><br>
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<font>4. 1. - A constitucionalidade e interpretação do n.º 2 do art. 496º do Código Civil.</font><br>
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<font>O Recorrente funda a sua pretensão de interpretação extensiva da norma do n.º 2 do art. 496º e correspondente afastamento da interpretação literal, por forma a nela incluir as pessoas que viviam com a vítima numa situação de união de facto, na violação do direito de constituir família para além da relação matrimonial, acolhido pelo n.º 1 do art. 36º da Constituição da República, que não já no princípio da igualdade que o art. 13º da mesma Lei Fundamental consagra. </font><br>
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<font>O preceito em causa dispõem assim: "Por morte da vítima, o direito á indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem".</font><br>
<br>
<font>Trata-se de um caso em que a lei atribui a determinadas pessoas ou grupos de pessoas, sucessivamente, a titularidade do direito a indemnização por danos próprios, mas por factos em que considera lesado alguém que não é o titular do direito violado.</font><br>
<font>Desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima.</font><br>
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<font>A opção pela indicação taxativa e graduada das pessoas cujos danos são atendíveis deve-se a razões de certeza e segurança, apesar de poder verificar-se que o facto cause danos, porventura mais graves, a outras pessoas ou mesmo que as pessoas contempladas sofram dor ou desgosto por forma não coincidente com a ordem de precedências estabelecida no preceito. O legislador quis sacrificar "as excelências da equidade (...) às incontestáveis vantagens do direito estrito" (P. DE LIMA e A. VARELA, "C. Civil, Anotado", 4ª ed., 501).</font><br>
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<font>A letra da lei exclui, pois, da titularidade do direito, quer quaisquer pessoas nela não referidas, quer, de entre as referidas, as que resultem afastadas pela precedência da respectiva graduação.</font><br>
<font>Exclui-o também, quanto ao "cônjuge de facto", como se refere no Acórdão deste Tribunal de 4/11/03 (CJ XI-III-135), "o enquadramento histórico da norma, nascida num tempo e num espaço de absoluta rejeição dos valores que suportam as uniões de facto".</font><br>
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<font>Mas, será que a norma deve ser interpretada extensivamente, incluindo na classe do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, filhos ou outros descendentes, o unido de facto ou companheiro do falecido, relevando os elementos teleológico e actualista postulados pelo direito constitucionalmente reconhecido de constituir família para além da relação matrimonial (art. 36 n. 1-1ª parte) e pela evolução legislativa sobre o reconhecimento das uniões de facto?</font><br>
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<font>O art. 36 n. 1 CRP, revelando abertura à "pluralidade e diversidade das relações familiares", admite expressamente o direito de constituir família sem casamento, inculcando claramente adoptar o conceito de "família" como uma realidade mais ampla que a da família conjugal, resultante do casamento.</font><br>
<font>A Constituição da República reconhece uma relevância fundamental à família assente no casamento e ainda, independentemente do vínculo conjugal, à família constituída por pais e filhos. É o que resulta da autonomização do direito de contrair casamento e do estatuto e efeitos da sociedade conjugal aludidos nos n.ºs 1 e 2 do art. 36º, por um lado, e da preocupação com o estatuto da filiação e da família constituída por pais e filhos, nascidos ou não de casamento, por outro lado - arts. 36 n. 3, 4, 5 e 6, 68º e 69º.</font><br>
<font>Deste modo, como escrevem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS (" CRP, Anotada", Tomo I, 399), «nesta perspectiva, no direito de constituir família, o art. 36º-1 abrange, ao lado da família conjugal, a família constituída por pais e filhos, podendo extrair-se do preceito um direito fundamental, não apenas a procriar, mas também ao conhecimento e reconhecimento da paternidade e maternidade".</font><br>
<font>Para além disso, o art. 36º, não excluindo do seu âmbito de previsão outras relações de tipo familiar ou parafamiliar e a respectiva tutela jurídica, nomeadamente quanto às uniões de facto, também não conduz a que nele se veja, sem mais, a consagração do direito a estabelecer a união de facto como alternativa ao casamento, exigindo um tratamento indiferenciado para cônjuges e unidos de facto, apesar de, como dito, o direito de constituir família poder resultar de uma união de facto estável e duradoura, nos termos que o legislador ordinário fixar, dentro da liberdade de conformação (cfr. ob. cit., 402).</font><br>
<br>
<font>Da diferença entre a situação de cônjuges e "cônjuges de facto" ou unidos de facto - para além do âmbito da protecção específica do casamento e da família constituída por pais e filhos, como se deixou referido - resulta, pois, que não possam ser excluídas discriminações de tratamento entre uns e outros.</font><br>
<font>Ponto é averiguar se umas tais discriminações, quando existam, carecem de "uma justificação razoável", revelando-se, à luz do princípio da proporcionalidade vedadas pelo conteúdo das normas fundamentais, o que poderá acontecer quanto a disposições que "directamente contendam com a protecção dos membros da família, protegendo designadamente o membro enfraquecido e que não sejam aceitáveis como instrumento de eventuais políticas de incentivo à família que se funda no casamento" (id. ib., 404, citando o Ac. TC n.º 275/02 - DR, II, de 24/7/02, pg. 12901).</font><br>
<br>
<font>Ora, também se aceita que, em abstracto, não haverá uma justificação atendível para a solução de excluir de plano todos e quaisquer danos não patrimoniais sofridos pessoalmente por quem não convivia com a vítima de um homicídio doloso em condições análogas à dos cônjuges, à luz do preceito constitucional em apreço e dos princípios subjacentes à Lei n.º 7/2001, de 11/5, estranhos que são os objectivos da indemnização aos mencionados meios e desígnios de incentivo à família assente no casamento, como se ponderou e escreveu no douto acórdão citado. </font><br>
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<font>Acontece que perante a concreta inconstitucionalidade arguida, a decisão não pode ser desligada da também concreta situação substantiva em análise, ou seja, dos específicos contornos e fisionomia do caso retratado no processo.</font><br>
<font>A Lei apenas atribui relevância às relações decorrentes da união de facto em casos pontuais, referindo taxativamente esses casos e respectivos efeitos, todos com incidência na área das normas de protecção (alimentos, transmissão da casa de morada de família e benefícios sociais) - arts. 3º a 7º da Lei n.º 7/01.</font><br>
<font>E, apesar disso, só o faz quando a situações em que a relação de facto se apresente com carácter de estabilidade e durabilidade, numa situação análoga à dos cônjuges, que "convença" da sua tendência para a perpetuidade, numa "ficção de casamento" (FRANÇA PITÃO, "Os novos Casamentos ...", in "Comemorações dos 35 Anos do Código Civil", Vol. I, 192). </font><br>
<font>Como se faz notar no acima citado aresto deste Tribunal, o também invocado acórdão do T.C. foi tirado sobre um caso de homicídio doloso e a solução nele encontrada tem confessadamente a marca da gravidade extrema do ilícito e tem, acrescentamos nós, a particularidade contemplar uma situação de facto da qual havia filhos.</font><br>
<font>Vale isto por dizer que ali está presente uma família constituída por pais e filhos, a situação que o art. 36º directamente confere tutela. No caso sub juditio, diversamente, sabe-se apenas que o Autor e a falecida "viviam maritalmente desde Novembro de 1997 (dois anos e dois meses antes do acidente), projectavam casar e ter filhos" sem que algo mais se saiba, designadamente quando ao facto impeditivo aludido na al. c) do art. 2º da Lei 7/01, apesar de se saber, porque alegado pelo Autor, haver um casamento anterior (seria divorciado quando instaurou a acção) e uma filha dele e de Clara Garcia da Silva, nascida em 16/10/2000, muito depois do acidente (cfr. p.i e fls. 335).</font><br>
<font>Ora, no concreto circunstancialismo reflectido nos autos, não nos parece que, na enunciada perspectiva da proporcionalidade, o reconhecimento do direito à compensação por danos não patrimoniais atribuído pelo n.º 2 do art. 496º C. Civil seja reclamado pelo sistema jurídico como uma medida de protecção exigível para o unido de facto, malgrado a tutela constitucional directa imposta para a família natural constituída por pais e filhos, com carácter de estabilidade.</font><br>
<br>
<font>Como também já se deixou referido, o direito conferido ao cônjuge no falado preceito do Código Civil, encontra a sua razão de ser na vontade legislativa de evitar a apresentação de uma multiplicidade de pretensões indemnizatórias por danos morais por morte da vítima, ainda que, não fora essa opção, se mostrassem atendíveis.</font><br>
<font>Por isso, como se argumenta no voto de vencido lavrado no mesmo Ac. T.C. 275/02, em tese, nada obstaria a que, com o mesmo objectivo e na mesma perspectiva limitadora, o legislador viesse a reconhecer o direito à indemnização a quem estivesse mais proximamente ligado à vítima, designadamente por via da união de facto. Porém, não o quis fazer, concedendo a sua titularidade apenas às pessoas taxativamente indicadas e pela ordem de preferência que, repete-se, bem pode não coincidir com a gravidade do dano realmente sofrido.</font><br>
<br>
<font>Ora, uma vez mais, se esse comportamento do legislador não pode considerar-se constitucionalmente imposto, na medida em que não encontra fundamento directo na exigência no direito à protecção da família, aceitando-se como razoável o escopo prosseguido com a limitação e graduação vertidas na norma de direito ordinário, não caberá falar de violação do princípio da proporcionalidade.</font><br>
<br>
<font>Em conclusão, entende-se que a interpretação feita pelo acórdão impugnado da norma do n.º 2 do art. 496º C. Civil, no sentido de excluir o Recorrente da titularidade do direito a indemnização por danos não patrimoniais por morte da sua companheira não merece censura e não padece da inconstitucionalidade que lhe é assacada.</font><br>
<br>
<font>4. 2. - Os danos morais próprios do Autor emergentes do acidente.</font><br>
<br>
<font>A este título o Recorrente reclama a quantia de € 12.500,00, insurgindo-se contra a exiguidade da verba de € 500,00 que a Relação lhe atribuiu. </font><br>
<br>
<font>A factualidade relevante, recorde-se, diz respeito à angústia e terror que o A. sentiu, receando a morte ou ferimentos graves, ao aperceber-se do acidente; a ter recebido assistência em dois hospitais - Coimbra e Lisboa; e, como sequela, a ter ficado a sofrer de falta de concentração no trabalho.</font><br>
<br>
<font>Não se questiona a gravidade dos danos, para efeito de merecimento da tutela do direito, devendo a compensação a atribuir abranger tanto as consequências passadas como as futuras resultantes do evento danoso - art. 496º-1 C. Civil.</font><br>
<font>Trata-se de compensar prejuízos de natureza infungível, em que não é possível a reintegração por equivalente, em que o critério de fixação assenta na equidade.</font><br>
<font>Tais compensações não devem, como é hoje jurisprudência firme, ter um alcance que não se restrinja à atribuição de valores meramente simbólicos, mas que efectivamente permitam ao beneficiário obter as satisfações que, de algum modo, constituam um lenitivo para o mal sofrido.</font><br>
<br>
<font>Assim, tudo ponderado, mas atendendo a que não se sabe, por não alegado, em que grau e medida se reflectiu ou reflecte na vida do A. a dita falta de concentração, tem-se por equitativa a compensação de 4.000 euros, para a qual se eleva a que, já actualizada, vem arbitrada pela Relação.</font><br>
<br>
<font>5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, decide-se:</font><br>
<font>- </font><b><font>Conceder parcialmente a revista;</font></b><br>
<b><font>- Alterar o decidido no acórdão recorrido</font></b><font> quanto à quantia em que a Ré foi condenada a pagar ao Autor "a título de danos morais", fixando-a, agora, em € 4.000,00 (quatro mil euros), com juros moratórios, à taxa legal, desde a data do acórdão impugnado (12/10/04), mantendo-se, em tudo o mais, a decisão proferida; e,</font><br>
<font>- Condenar nas custas ambas as Partes, na proporção do respectivo vencimento.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Maio de 2005</font><br>
<font>Alves Velho,</font><br>
<font>Moreira Camilo, </font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTL_u4YBgYBz1XKvHXAc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>A intentou contra B e mulher C, a presente acção de despejo, alegando que, por contrato verbal celebrado em 01-01-74, deu de arrendamento aos RR. uma garagem de um prédio seu, sito na Rua Dr. Luís Carriço, inscrito na matriz sob o art. 3854, mediante o pagamento de uma renda mensal que, hoje, se cifra em 5305 escudos.</font></b><br>
<b><font>Por notificação judicial avulsa de 24-10-94, denunciou perante os RR. o contrato de arrendamento para aparcamento automóvel, sendo a denúncia feita para 31-12-94. Os RR. não fizeram a entrega do imóvel, do que resulta um prejuízo mensal de 15000 escudos a partir da referida data de 31-12-94, devendo ser os RR. condenados a pagar-lhe tal importância até efectiva entrega do local arrendado.</font></b><br>
<b><font>Os RR. defenderam-se dizendo que o arrendamento para recolha de viatura é complementar de outro para habitação (que não foi nem pode ser denunciado) o que pede seja reconhecido por via reconvencional, atribuindo à reconvenção o valor de 1936941 escudos.</font></b><br>
<b><font>À acção foi atribuido o valor de 63060 escudos e à reconvenção o A. apontou o valor de 63660 escudos.</font></b><br>
<b><font>No despacho - saneador sentença não foi admitida a reconvenção e julgou-se a acção procedente pelo que se declarou extinto por denúncia o referido contrato de arrendamento, sendo os RR. condenados a entregarem ao A. a garagem e a pagar-lhes ima indemnização a liquidar em execução da sentença, até efectiva entrega do arrendamento.</font></b><br>
<b><font>Os RR. apelaram desta sentença insistindo na complementaridade do arrendamento destinado a garagem e que a reconvenção devia ser admitida, sendo o valor do direito que nela pretendem ver reconhecido livremente atribuível por eles reconvintes.</font></b><br>
<b><font>Na contra-alegação o A. voltou a suscitar a questão do não conhecimento do recurso, por o valor da acção ser de 63660 escudos e não dever ser considerado o da reconvenção, uma vez que não foi admitida, ou então, ter o valor da acção.</font></b><br>
<b><font>Entendeu-se no acórdão recorrido que o valor da reconvenção não fora alterado no despacho saneador, pelo que o seu valor continuava a ser indicado pelos RR (1936941 escudos) daí ser admissível o recurso nos termos do art. 678, n. 1, do Cód. Proc. Civ.. Mas no julgamento do mesmo não foi admitida a reconvenção e considerou-se haver um arrendamento autónomo para garagem, independente de outro celebrado pelas partes para habitação dos RR. Assim, foi julgada válida a denúncia feita pelo A. do dito arrendamento, pelo que se negou provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.</font></b><br>
<b><font>Continuando inconformados, os RR. voltaram a recorrer, agora de revista, para este Supremo Tribunal e nas suas conclusões insistem que o contrato de arrendamento da garagem não pode ser denunciado. Em seu entender a reconvenção formulada, para além de lícita é legalmente admissível, é necessária, deve ser admitida e apreciada, pois que os recorrentes querem ver reconhecido e declarado um direito subjectivo que lhes é negado e pretende ser retirado pelo recorrido. E, ainda, que tal direito ao arrendamento é imaterial, sem valor legalmente definido para sua apreciação, pelo que a sua valoração, em termos económicos, só pode ser feita pelos seus titulares, nada tendo que ver com o valor legal processual definido por lei para uma acção de despejo, à qual é dado valor definido para a acção e não para o direito que, nela, se põe em causa.</font></b><br>
<b><font>O A. levantou de novo a questão prévia da admissibilidade do presente recurso em função do valor, por não estar dentro da alçada deste Supremo Tribunal. Sendo assim, coloca-se o problema do valor e tem de se considerar tanto o da acção como o da reconvenção.</font></b><br>
<b><font>Em relação ao valor da acção não se suscita qualquer problema, uma vez que o indicado pelo A., no montante de 63680 escudos, não foi impugnado, considerando-se fixado na 1ª instância.</font></b><br>
<b><font>No que toca à reconvenção os recorrentes atribuiram-lhe o valor de 1936941 escudos nitidamente para poderem recorrer para este Supremo Tribunal. E justificam-se, alegando tratar-se do reconhecimento de um direito subjectivo que lhe é negado e pretendem retirar-lhe, sendo imaterial, sem valor legalmente definido. Tal direito nada tem a ver com o legal-processual definido por lei para a acção de despejo.</font></b><br>
<b><font>Esta argumentação dos recorrentes não convence de modo algum, por carência total de apoio lícito.</font></b><br>
<b><font>Perante uma acção de despejo, a determinação do seu valor para efeito de alçada do tribunal (n. 1 do art. 305 do C.P.C.) tem de obedecer ao estabelecido na lei, ou seja, no art. 307, n. 1, do Cód. Proc. Civ. Aí se determina que, nas acções de despejo, o valor é o da renda anual acrescido das rendas em dívida e da indemnização requerida.</font></b><br>
<b><font>Certo que, nos ns. 1 e 2 do art. 308 do Cód. Proc. Civ., se diz que, em princípio, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta. Todavia, no caso do réu deduzir reconvenção o valor do pedido por ele formulado, quando distinto do deduzido pelo A., se soma ao valor deste.</font></b><br>
<b><font>Acontece que se tem entendido que a reconvenção é a petição inicial da acção que o R. propõe contra o A., por isso está sujeita à disciplina da petição inicial (V.J.A. dos Reis, in Código Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 154). Tanto assim é que o n. 2 do art. 501 do Cód. Proc. Civ. impõe ao reconvinte o dever de declarar o valor da reconvenção, sob pena de esta não ser atendida. Deste modo, é óbvio que o A. na resposta tem todo o direito de impugnar esse valor (v. arts. 502, n. 1 e 314 n. 1, do C.P.C.). E foi o que sucedeu nos autos, quer nas instâncias, quer agora.</font></b><br>
<b><font>Assim, para se decidir, tem de se atender ao estabelecido nos arts. 55, 56 e 57, do R.A.U. e 307 e 308 do Cod. Proc. Civ.</font></b><br>
<b><font>E começa logo por se dizer que a reconvenção nas acções de despejo não lhe altera a espécie nem as regras que a regem (V. P. Sousa in Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano, 5ª ed., pág. 160). Portanto, discutindo-se se o arrendamento de uma garagem é autónomo, conforme pretende o A., e a que lhe atribuiu certo valor, ou, pelo contrário, é dependente doutro, que os RR., pretendem ver reconhecido por via reconvencional, atribuindo-lhe um valor distinto, de acordo com o estipulado no n. 2 do art. 308 do Cód. Proc. Civ., o valor da acção é o da soma dos dois valores dos arrendamentos em confronto.</font></b><br>
<b><font>Numa acção de despejo só se pode discutir a existência de um certo arrendamento, cujo valor para efeito de alçada do tribunal, tem de ser necessariamente determinado em função da renda, conforme determina a lei de processo.</font></b><br>
<b><font>Tal valor não fica ao arbítrio do inquilino em via reconvencional. Esta opinião é legalmente insustentável. Doutro modo nas acções de despejo haveria sempre recurso para o S.T.J., por estar em litígio um direito, subjectivo, imaterial, a um arrendamento. Não tem aqui o menor cabimento o estabelecido no art. 312 do Cód. Proc. Civ., o que seria absurdo, pois contrariava o estabelecido nos arts. 307, n. 1 do Código citado e 57, n. 1 do R.A.U.</font></b><br>
<b><font>Nesta conformidade, tendo em atenção que o valor da presente acção, por força do disposto nos arts. 307, n. 1 e 308 n. 2, citados, é o resultante de 5305x12+6463x12=141216 escudos, verifica-se que o mesmo está muito abaixo do da sucumbência mínima exigida num recurso para este Supremo Tribunal. </font></b><br>
<br>
<b><font>Assim, nos termos dos arts. 305, n. 2 e 678 n. 1, do Cód. Proc. Civil e 20, n. 1 da Lei 38/87 de 23-12, decide-se não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.</font></b><br>
<b><font>Custas pelos recorrentes.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 31 de Março de 1998. </font></b><br>
<b><font>Pais de Sousa, </font></b><br>
<b><font>Machado Soares. </font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTLhu4YBgYBz1XKvOE3C | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1.1. - "A" e mulher, B intentaram acção declarativa, com processo ordinário, contra C, viúva, D e marido, E e marido, F e G e mulher, H, pedindo que, na qualidade de confinantes, lhes fosse reconhecido direito de preferência na aquisição do prédio identificado no art. 6.º da p.i., que fosse declarado substituído o 5.º R. marido pelos AA. na qualidade de procuradores dos 4 primeiros RR., na procuração que estes outorgaram àquele, bem como no contrato-promessa de compra e venda do mencionado prédio e que se condenassem os 5.ºs RR. a abrirem mão do mesmo prédio a favor dos AA..<br>
<br>
Fundamentando as suas pretensões, os AA. alegaram serem donos de um prédio rústico que confina com prédio que, apesar de conhecerem o interesse dos AA. na respectiva aquisição, os primeiros 4 RR., mediante contrato escrito, prometeram vender ao 5º R., tendo dado quitação da totalidade do preço (11 750 000$00), subordinado o contrato ao regime de execução específica e fixado a cláusula penal de quarenta mil contos e outorgaram ainda uma procuração a favor do 5.º R., no interesse do procurador e irrevogável sem o seu acordo, com poderes para vender o imóvel a quem entender, podendo fazer negócio consigo mesmo.<br>
<br>
A acção foi contestada e julgada improcedente no despacho saneador, decisão que a Relação confirmou.<br>
Os AA. pedem ainda revista.<br>
<br>
1. 2. - Das extensas conclusões que formulam - e que são a repetição das apresentadas na apelação, com o aditamento de duas novas em consequência da serodiamente invocada invalidade do contrato-promessa pelos Apelados -, resulta que a questão a resolver se centra em saber se a prometida venda, formalizada no contrato-promessa, integra o pressuposto de que o ordenamento jurídico faz depender o legítimo exercício do direito de preferência pelo titular de um direito legal de preferência, perante a faculdade de execução específica da promessa pelo promitente-adquirente e a existência, a seu favor, de procuração conferida no interesse do procurador. <br>
<br>
3. - Ao abrigo do disposto nos arts. 726.º e 713.º-6 CPC, remete-se para os termos da decisão recorrida que fixou a matéria de facto, matéria que, no essencialmente releva, se fez constar do relatório desta peça.<br>
<br>
4.1.1. - O direito de preferência que os AA. se propuseram exercitar através desta acção é o previsto no art. 1380.º-1 C. Civil, reciprocamente concedido aos proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, em caso de venda a quem não seja proprietário confinante.<br>
Trata-se, pois, de uma preferência legal - porque criada directamente pela lei -, que tem como finalidade proporcionar ao respectivo titular a aquisição de um direito real - a propriedade do terreno confrontante.<br>
Também porque deriva da lei, o direito de preferência nasce sempre, e de cada vez, que se verifiquem os pressupostos de que essa mesma lei o faz depender.<br>
Ainda como tal, esta preferência produz efeitos em relação a terceiros, ou seja, poderá ser oposta, para fazer valer esse direito de aquisição, a quem quer que venha a realizar com o obrigado a dar preferência o negócio de que deriva a transmissão do prédio sujeito à prelação.<br>
<br>
E é assim que no art. 1410.º C. Civil, preceito que rege, em geral, a matéria, se estabelece que o beneficiário da preferência a quem não se dê conhecimento da venda tem o direito de haver para si a coisa alienada, desde que o requeira dentro de seis meses, contados do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço. Aí se admite e se fixam os pressupostos da acção de preferência.<br>
<br>
A exercitabilidade do direito de prelação através da acção de preferência pressupõe, como do preceito resulta, a violação da obrigação de preferência, com a consumação da alienação sem satisfação do dever de comunicação do projecto da venda e cláusulas do contrato ou mediante irregular cumprimento desse dever (art. 416.º-1 C. Civil). <br>
Surge, então, o direito de o preferente, através da acção, obter a substituição coerciva da posição de comprador no contrato celebrado com o terceiro adquirente, em violação dos pressupostos legais condicionantes do nascimento do direito - os do quadro legal que, em abstracto, prevê o direito de preferência associado à titularidade do direito real e a obrigação de comunicação. <br>
<br>
4.1.2. - Aqui chegados, importa lembrar que não houve, in casu, qualquer comunicação ou notificação para preferência.<br>
<br>
Estamos apenas perante um contrato-promessa de compra e venda de cuja execução - da prestação do facto que tem por objecto, que é a celebração do contrato de compra e venda (art. 410.º-1 C. Civ.) - resulta a violação do direito de preferência que a lei atribui aos Autores.<br>
Por isso nos parece carecer de relevância tomar posição sobre o exacto momento em que nasce o direito na esfera jurídica do preferente: se no momento da venda, como foi aceite na decisão recorrida, ou se antes dela, como sustentam os Recorrentes. <br>
Com efeito, não se está mais perante a primeira fase da «relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, do direito (...)», de que fala o Prof. HENRIQUE MESQUITA ("Obrigações Reais e Ónus Reais", 225 e ss.), que se inicia com o momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio de alienação e se desenvolve até à respectiva efectivação, fase em que, sucessivamente, o preferente goza do direito (creditório) à notificação do negócio projectado, do direito (potestativo) de declarar preferir e do direito (creditório) de exigir que consigo seja realizado o contrato projectado. Está-se já numa segunda fase, em que, por via da omissão da primeira, o preferente "passa a ter o direito potestativo de, através da acção de preferência, se substituir ou sub-rogar ao adquirente, no contrato celebrado com o obrigado à prelação", direito que não incide directamente sobre a coisa transmitida mas sobre o contrato (cfr. ob. cit., 227).<br>
<br>
4.1.3. - Do que fica dito e da lei resulta pode assentar-se em que os direitos legais de preferência incidem sempre sobre uma alienação, tendo por objecto a compra e venda ou a dação em cumprimento.<br>
Mas de tudo resulta também que se, ou enquanto, o obrigado não efectuar a notificação para preferir e enquanto o negócio de venda ou dação projectado, haja ou não contrato-promessa, se não efectivar, o preferente legal não pode invocar ou exercitar qualquer direito. Até que ocorra um desses factos ou situações, através dos quais adquire o respectivo direito subjectivo, o preferente legal mantém-se tão só como detentor da expectativa que a norma legal que lhe reconhece o direito lhe atribui - a de virem a verificar-se essas condições, que fazem surgir o direito a favor do preferente (no caso de alienação, o direito potestativo de substituição através da acção de preferência) - vd. H. MESQUITA, cit., 211, nota 132, RLJ, 126.º-62 e 132.º-191 e ss..<br>
<br>
É, na verdade, pacífico que o titular do direito de preferência só pode usar da acção prevista no art. citado 1410.º se a coisa tiver já sido alienada a terceiro, com violação da obrigação de dar preferência, também o sendo que é sempre elemento da causa de pedir dessa acção a transmissão da propriedade da coisa (cfr. C. LACERDA BARATA, "Da Obrigação de Preferência", 154; ac. STJ, 5/3/96, BMJ- 455.º-389; RP, 11/3/96, CJ,XXI-II-190).<br>
A tais premissas, acrescenta o acórdão deste Supremo citado que o titular do direito só poderá lançar mão da acção de preferência "se a coisa objecto do contrato tiver sido alienada a terceiro (...) não colhendo a pretensão de equiparar o contrato-promessa de compra e venda ao contrato de compra e venda", uma vez que aquele não tem a virtualidade de transferir a propriedade, já que se trata de contrato de prestação de facto, que pode não ser cumprido.<br>
<br>
4.1.4. - No caso dos autos, a expressa subordinação do contrato ao regime da execução específica e a fixação de elevada cláusula penal para a hipótese de a execução específica se revelar impossível não alteram o regime jurídico do contrato-promessa quanto aos seus efeitos meramente obrigacionais - a eficácia real não foi convencionada (art. 413.º C. Civ.) -, donde que mantém inteiro cabimento a razão de ser da impossibilidade de equiparação dos seus efeitos aos do contrato prometido.<br>
<br>
Não ocorre, pois, desde logo, o pressuposto que condiciona o exercício da preferência por via da acção, com vista à substituição do terceiro comprador pelo preferente no contrato de compra e venda - a própria venda, validamente celebrada (ac. STJ, 7/7/94, CJ/STJ, II-III-49).<br>
<br>
4.1.5. - Antes de encerrar este ponto, importa deixar referido que a doutrina invocada pelos Recorrentes, no sentido de o titular da preferência poder instaurar a acção antes de o contrato-promessa ter dado lugar ao contrato prometido (A. VARELA, RLJ - 100.º-226), tem que ver apenas, se bem interpretamos, com situações em que há uma comunicação ou notificação para preferência, embora eventualmente irregular.<br>
Nestes casos, há, uma comunicação do obrigado à preferência, que pode ser entendida como declaração com o valor de proposta contratual ao preferente, que este aceita, ou seja, estamos no âmbito do que, nos termos acima expostos, se incluiu na denominada primeira fase do desenvolvimento do direito, podendo colocar-se o problema de saber se há uma vinculação do obrigado à preferência à celebração do contrato definitivo ou se este pode desistir do contrato projectado (cfr., sobre este ponto, Acs. STJ de 15/6/89, BMJ 388.º-479 e de 7/10/97, Proc. 246/97-1.ª). <br>
Diversamente, no caso presente, o pressuposto é a existência de uma venda, com prévia violação daquela obrigação de comunicar, em que a declaração negocial não é dirigida ao preferente, mas a um terceiro, o promitente-comprador.<br>
<br>
4.2.1. - Argumentam ainda os Recorrentes que com a procuração irrevogável que lhe foi conferida e poderes dela constantes, o Recorrido procurador e promitente-comprador já não necessita dos mandantes para celebrar a escritura, pelo que já não está na esfera jurídica dos obrigados á preferência comunicar a sua celebração, podendo o procurador nem sequer outorgá-la, impedindo definitivamente o direito de preferência dos Autores.<br>
Reconhece-se que a situação criada pelos Recorridos se apresenta com potencialidade para constituir obstáculo, perdurável por mais ou menos tempo, ao exercício do direito de preferência que a lei confere aos Autores. <br>
Não pode mesmo afastar-se o entendimento, proposto pelos Recorrentes, de que se está perante um expediente de que os ora Recorridos se socorreram com o intuito de retardarem ou, no limite, de impedirem o exercício da preferência, através da obstaculização posta à verificação das condições de nascimento do direito subjectivo dos AA., designadamente a efectivação da venda ou, antes disso, de uma comunicação dos termos do negócio.<br>
Em sede de efeitos do contrato-promessa, já se concluiu que não podem extrair-se consequências relevantes para a pretensão dos Autores.<br>
<br>
4. 2. 2. - E o mesmo sucede relativamente à procuração e seus efeitos.<br>
A procuração e o mandato conferidos no instrumento notarial foram-no no interesse do procurador, não podendo ser revogada sem acordo deste, salvo ocorrendo justa causa - arts. 265.º-3 e 1170.º-2 C. Civil.<br>
A lei não prevê a procuração no interesse exclusivo do procurador, ou seja, a procuração em que inexiste qualquer interesse do dominus na mesma, mas apenas no interesse comum.<br>
O caso presente, porém, configura uma situação em que a procuração pode ser qualificada como tal, atingidos que estão, em princípio, todos os fins que o contrato prometido proporciona ao vendedor, nomeadamente o pagamento do preço, não se vislumbrando mais que o interesse do procurador em obter, formalizando, o direito de propriedade sobre o bem. <br>
<br>
A doutrina e a jurisprudência nacionais vêm admitindo maioritariamente que para haver representação não é necessário que exista um interesse do representado, sendo que "o que caracteriza a representação não é o facto de ser alheio o interesse, mas o de o ser a posição jurídica" e, por via disso, havendo também como juridicamente admissível a figura da procuração no interesse exclusivo do procurador (vd., por todos, ac. RL, 11/10/90, CJ, XV-IV-146; PAIS DE VASCONCELOS, "A Procuração Irrevogável", 99).<br>
<br>
4.2.3. - Poderá, então, questionar-se se, perante tal figura, o titular da posição jurídica não passa a ser o procurador e não o dominus, ou seja, se, na situação, não deixaria de se estar perante um caso de representação, por isso que os efeitos jurídicos dos actos praticados pelo procurador haveriam de se produzir na sua própria esfera jurídica.<br>
<br>
Parece radicar numa resposta afirmativa a esta questão a tese defendida pelos AA.-recorrentes.<br>
<br>
Interessa, então, saber se o representado se mantém na titularidade da posição jurídica, sendo a procuração qualificada como tal, ou se essa posição é transmitida, deparando-se um negócio de outro tipo, a qualificar como ao caso couber.<br>
Sobre o problema pronuncia-se PAIS DE VASCONCELOS (ob. cit.,107), que vimos seguindo de perto, no sentido de que, "na nossa ordem jurídica, a procuração no interesse exclusivo do procurador não deve ser vista como implicando ou resultando de uma transmissão da posição jurídica do dominus", isso porque o interesse do dominus não é essencial para a representação, nem para a procuração, sendo certo que quando o procurador age com base em procuração no seu exclusivo interesse, age em nome do dominus e sobre a sua esfera jurídica, que não na sua e em seu nome próprio.<br>
Entender o contrário, continua o Autor, «implica uma violação do princípio da autonomia privada», pois que «se foi uma procuração que se pretendeu outorgar, não foi um negócio transmissivo da titularidade da posição jurídica», não fazendo sentido que se transmita a posição ao procurador - colocando o transmitente o bem fora da sua esfera jurídica - e depois se lhe outorgue uma procuração, já impossível e inútil.<br>
<br>
Também, PESSOA JORGE ("O Mandato sem Representação", 181 e ss.) considerando, embora, que uma tal procuração possa ser usada como um sucedâneo da transmissão da posição jurídica do dominus não a opera efectivamente, limitando-se a conceder o poder de representação a que sempre acresce um negócio jurídico (doação, venda, etc.) que constitui o título justificativo de o procurador fazer seu o resultado final do negócio.<br>
<br>
É claro que bem pode o instrumento da procuração irrevogável servir, por exemplo, para ocultar de terceiros a transmissão de uma posição jurídica para prejudicar eventuais direitos desses terceiros.<br>
E poderá até corresponder a essa hipótese a situação que os autos encerram.<br>
Mas, a ser assim, então poder-se-á configurar um negócio viciado, designadamente por simulação, questão cujo tratamento escapa ao objecto deste processo.<br>
<br>
Concluindo, dir-se-á que, fora de casos pontuais que passam por pactos simulatórios ou fraudulentos, geradores da inerente invalidade do negócio, a procuração no interesse exclusivo do procurador não implica a transmissão da posição jurídica do representado, nem resulta dela, mantendo-se, juridicamente, o dominus como titular daquela posição, gozando da faculdade de a revogar com justa causa, e agindo o procurador em seu nome. <br>
<br>
4.2.4. - No caso sub judicio não está em causa, desde logo por falta de alegação dos respectivos factos, apesar de matéria de conhecimento oficioso, a nulidade do negócio - que, de resto, também não aproveitaria ao êxito da acção, por não conduzir a uma transmissão válida do imóvel para o promitente-comprador -, donde que, na aludida manutenção da posição jurídica dos promitentes-vendedores, tem de haver-se o prédio na sua titularidade.<br>
<br>
4.3. - Também por esta via, ou pela conjugação de ambas, se não preenche o pressuposto que condiciona o exercício do direito de preferência dos Autores e integra a causa de pedir na acção que intentaram.<br>
<br>
Improcedem, nessa medida, as conclusões do recurso e as pretensões delas decorrentes. <br>
<br>
5. - Termos em que se nega a revista e se condenam os Recorrentes nas custas.<br>
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Lisboa, 2 de Março de 2004<br>
Alves Velho<br>
Moreira Camilo<br>
Lopes Pinto</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTLqu4YBgYBz1XKv5Fdx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
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<br>
<font>Empresa-A. Limited, AA e BB, executados no processo de execução nº 81/99, 6º Juízo, 2.ª Secção do Tribunal Cível da Comarca do Porto, em que é exequente Empresa-B – Artigos para Calçado, Lda, vieram deduzir embargos de executado, pedindo que:</font><br>
<font>a) devem os presentes embargos ser admitidos e julgados procedentes e provados com todos os efeitos legais.</font><br>
<font>b) deve a obrigação assumida pelos executados AA e BB, ser declarada nula nos termos articulados pela exequente, ou seja, de que o aval é ao sacador porquanto, além do mais, não há aceitantes.</font><br>
<font>Tudo isto porque o documento que suporta a execução não contém o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada.</font><br>
<font>Por outro lado, não indica o lugar onde foi passado e falta a assinatura de quem emite a letra, do sacador.</font><br>
<font>Por fim, a tradução refere nome endereço do sacado que figurava ao lado dos carimbos e assinatura e não em cima, como por lapso (ou talvez não) se detecta na tradução junta pela embargada. E ao lado do nome e endereço do sacado temos dois carimbos e duas assinaturas:</font><br>
<font>- Empresa-A, Limited. </font><br>
<font>- Empresa-B – Artigos para Calçado Limitada.</font><br>
<font>Logo, existem dois sacados e não apenas um, sendo certo que como o documento não está aceite não se sabe qual dos co-sacadores é o responsável pelo pagamento de tal documento.</font><br>
<font>Acresce que a 1.ª embargante só estava vinculada neste acto escrito se, quem apôs a sua assinatura indicasse a qualidade em que o fazia, nomeadamente na eventual qualidade em que o fazia, nomeadamente na eventual qualidade de gerente - nº 4 do art. 260º do C.S.Comerciais.</font><br>
<font>A falta de requisitos impediu que o documento dado à execução, produza o efeito como título legítimo - art. 2º da Lei Uniforme relativa de Letras e Livranças - .</font><br>
<br>
<font>No documento que suporta a execução falta a assinatura de quem passa a letra ( sacador), logo não existe legitimidade nem interesse em agir, pois estamos na presença de dois sacadores e não de um só.</font><br>
<font>Aliás, o documento não está aceite, não está assinado pelo sacador ( não existe sacador), existem dois, não se sabendo quem está responsável pelo pagamento de tal documento.</font><br>
<font>De seguida, articula que o documento que suporta a execução, foi emitido por favor, pelo que não existe nenhuma relação subjacente ou fundamental entre a exequente e a 1.ª executada.</font><br>
<font>Por fim, referem que o segundo e terceiro avalistas assinaram o documento que suporta a execução no verso da mesma, mas não escreveram nem são do punho respectivo as palavras, aliás, dactilografadas “ Por aval à aceitante”, desconhecendo quem o fez.</font><br>
<font>As assinaturas no verso do documento, por força do disposto no art. 31º da L.U. presumem-se como a prestação do aval do sacador.</font><br>
<font>Aliás o documento que suporta a execução não está aceite, pelo que não existindo aceitante o aval dado pelo 2º e 3º executado é a favor do sacador.</font><br>
<br>
<font>Notificada para contestar a exequente impugna os factos articulados pelos embargantes e termina pedindo que os embargos sejam julgados totalmente improcedentes com todas as consequências legais e a primeira embargante seja condenada em multa como litigante de má- fé.</font><br>
<font>Após efectuadas as diligências necessárias foi concedido o apoio judiciário à primeira embargante e negado esse mesmo apoio aos segundo e terceiro embargantes. </font><br>
<font>Foi, de seguida, lavrado despacho saneador, no qual o Sr. Juiz “a quo” concluiu que as letras dadas à execução constituem título executivo, não se verificando a arguida ilegitimidade.</font><br>
<font>Ainda, neste despacho, o Sr. Juiz, por falta de pretensão fáctica, melhor, por falta de fundamentação fáctica da pretensão dos embargantes, desconsidera a alegação dos embargantes de que as letras dadas à execução são de favor, por não existir relação subjacente entre a exequente e a primeira executada.</font><br>
<font>Por fim, foram organizados os factos dados por assentes e a base instrutória.</font><br>
<font>Os embargantes não se conformando com o teor do despacho saneador dele vieram agravar para o Tribunal da Relação do Porto.</font><br>
<font>Vieram ainda reclamar da base instrutória.</font><br>
<br>
<font>A embargada respondeu.</font><br>
<font>O recurso atrás referido foi recebido como sendo de agravo a subir diferidamente.</font><br>
<font>Por a reclamação não ter ocorrido na audiência preliminar só era admitida no início da audiência de julgamento, pelo que foi ordenado o seu desentranhamento e devolução aos reclamantes.</font><br>
<font>Entretanto, as agravantes apresentaram atempadamente as suas alegações de recurso. O mesmo aconteceu com a agravada.</font><br>
<font>Instruída a acção teve lugar o julgamento que decorreu com observância de formalismo legal.</font><br>
<font>Na altura própria foi lavrado o despacho, onde o Sr. Juiz a quo respondeu à matéria de facto controvertida.</font><br>
<font>De seguida foi proferida sentença, na qual, o Sr. Juiz “ a quo” julgou os embargos improcedentes, ordenando o prosseguimento dos autos de execução.</font><br>
<font>Os embargantes apelaram da sentença.</font><br>
<font>O recurso foi recebido como tal.</font><br>
<font>Os apelantes e a apelada apresentaram as suas alegações.</font><br>
<font>No Tribunal da Relação do Porto foi proferido acórdão no qual se decidiu:</font><br>
<font>- Julgar procedente o recurso do despacho saneador (procedente) que se revoga.</font><br>
<font>- Julgar prejudicado o conhecimento do recurso da sentença.</font><br>
<font>- Julgar procedentes os embargos do executado e consequentemente extinta a execução.</font><br>
<font>Inconformada a embargada veio recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>Admitido a recorrente apresenta as suas alegações, onde formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>A) Contém a letra junta com o requerimento inicial, de execução todos os requisitos essenciais para valer como tal;</font><br>
<font>B) Designadamente, e no que ao presente recurso concerne, o requisito enunciado na 2.ª parte do n.º 7 da L.U.L.L.- o local onde a letra é passada – está perfeitamente preenchido através do recurso às regras do art. 2º da L.U.L.L.; </font><br>
<font>C) No entanto, e como é aceite na generalidade da Doutrina, o local da emissão de uma letra de câmbio não é um requisito essencial para a sua validade como letra, sendo que as letras que não indiquem a época de pagamento, ou o lugar de pagamento, ou ainda a indicação de onde foram sacadas não carecem de ser preenchidas para se poder exigir ou fazer valer os direitos e as obrigações delas literalmente decorrentes.</font><br>
<font>D) Uma série de decisões acerca de matérias em tudo igual à presente conferiram um entendimento completamente antagónico do acórdão aqui em recurso.</font><br>
<font>E) Pelo que da decisão, ora em recurso, viola, entre outros, o disposto no art. 1º , 2º nº IV e 16º da L.U.L.L. e art. 813º do C. P. Civil.</font><br>
<font>F) Termina requerendo que seja revogado o acórdão recorrido, na parte aqui em crise, com as demais consequências legais.</font><br>
<font>Os recorridos não apresentaram alegações.</font><br>
<font>Cabe decidir.</font><br>
<font>É objecto deste recurso, analisar e decidir se as letras, que servem de título à execução embargada, têm os requisitos necessários para valerem como títulos executivos.</font><br>
<font>No art. 1º da L.U.L.L. indicam-se os requisitos que a letra deve conter.</font><br>
<font>No art. 2º da mesma lei diz-se expressa e taxativamente que “ O escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como letra, salvo nos casos determinados nas alíneas seguintes:</font><br>
<font>- A letra em que não se indique a época de pagamento entende-se pagável à vista.</font><br>
<font>- Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar de pagamento, e, ao mesmo tempo o lugar de domicílio do sacado.</font><br>
<font>- A letra sem indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do sacador”.</font><br>
<font>Destes dois preceitos legais retira-se que, com excepção dos requisitos nºs 4 e 5 e 7 parte final do art. 9º, o escrito em que faltar qualquer um dos outros requisitos não produzirá efeito como letra.</font><br>
<font>Resulta, pois, sem margem para dúvidas que a letra tem requisitos essenciais para ser válida e consequentemente produzir efeitos como tal – os requisitos 1º, 2º, 3º, 6º, 7º 1.ª parte e 8º do art. 1º citado – e requisitos não essenciais, a que podemos chamar de circunstâncias, que não colidem com a sua validade e produção de efeitos, por a lei indicar entendimentos alternativos na sua falta - requisitos 4º, 5º e 7º 2.ª parte do mesmo art. 1.º - .</font><br>
<br>
<font>E bem se entende porquê.</font><br>
<font>Como ensina Ferrer Correia, Lições 3.º, 85 e 127 a letra de câmbio é um título de crédito à ordem, sujeito a determinadas formalidades, pelo qual, uma pessoa - sacador – ordena de outro - sacado – que lhe pague a si ou a terceiro – tomador – determinada importância, funcionando a entrega de título, após a sua subscrição, como elemento essencial da validade da obrigação.</font><br>
<font>É visível, pois, que os requisitos essenciais da letra têm a ver com a reprodução da relação jurídica cambiária, com especial incidência na palavra “ letra” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção de título – por isso é que a lei é uniforme para todos os países que assinaram a respectiva convenção -; do mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada; a quem ou à ordem de quem deve ser paga; o nome do sacador e do sacado; e a data em que é passada.</font><br>
<font>Estes requisitos constam dos escritos, que constituem os títulos, que fundamentam a execução ora embargada e não foram postos em causa pelos embargantes.</font><br>
<font>Assim sendo, está formalmente verificada e provada a relação jurídico-cambiária configurada nas letras.</font><br>
<font>Nos embargos e designadamente no acórdão recorrido só são colocados em crise requisitos não essenciais das letras, como sejam o lugar da sua emissão e o lugar do seu pagamento.</font><br>
<font>A L.U.L.L. no art. 2º estabelece os mecanismos para colmatar as omissões desses requisitos.</font><br>
<font>Nas letras em questão encontram-se os elementos de facto necessários para determinar, quer o lugar da emissão, quer o lugar de pagamento das mesmas. Nesse ponto, sem formalismos excessivos porque desnecessários, fazemos nossas as considerações sintéticas da sentença da 1.ª instância.</font><br>
<font>É bom que se entenda que se deve ter o necessário rigor formalista na análise dos requisitos essenciais do escrito para o considerar como letra. Os princípios da literalidade e da abstracção assim o exigem.</font><br>
<font>No entanto, face às salvaguardas legais, esse formalismo deve ser reduzido na análise dos requisitos não essenciais, para não fazer perigar o direito do tomador da letra exercer o seu legítimo direito de ver pago o seu crédito.</font><br>
<font>Procedem, pois, as conclusões recursórias.</font><br>
<font>Mostram-se violados no acórdão recorrido os art.ºs 1º e 2º e 16º da L.U.L.L. e 813º do C.P. Civil.</font><br>
<font>É de confirmar a decisão da 1.ª instância.</font><br>
<font>O Tribunal recorrido não conheceu do recurso da sentença por o mesmo ter ficado prejudicado com a procedência do recurso de apelação – foi assim recebido pelo Ex.mo relator a fls. 694 - do despacho saneador.</font><br>
<font>Porém, revogado o acórdão recorrido e considerando-se as letras válidas e, por esse motivo, títulos executivos legítimos, há que conhecer da apelação da sentença, por haver elementos para isso, nos termos dos art.ºs 726º e 715º nº 2 do C.P.Civil.</font><br>
<font>Como se deixou referenciado o Sr. Juiz a quo julgou os embargos improcedentes, ordenando o prosseguimento da execução.</font><br>
<br>
<font>Os embargantes apelantes apresentaram as suas alegações, onde tiram as seguintes conclusões: - </font><br>
<font>A) Os documentos quando foram assinados no verso pelos recorrentes AA e BB não continham as palavras dactilografadas “ Por aval à aceitante”.</font><br>
<font>B) Tais palavras foram colocadas em momento posterior, por alguém que não os apelantes. – </font><br>
<font>C) O aval assim prestado é nulo.</font><br>
<font>D) Terminam requerendo que seja revogada a sentença, julgando-se nulo o aval prestado pelos ora recorrentes.</font><br>
<font>A recorrida embargada apresentou as suas alegações, onde pugna pela manutenção da sentença.</font><br>
<font>Cabe decidir.</font><br>
<font>Na sentença recorrida foi dado como provado o seguinte facto:</font><br>
<font>- O teor das letras dadas à execução, constantes de fls. 5, 12, 25 e 44 dos autos executivos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido.</font><br>
<font>A base instrutória era constituída apenas por uma questão.</font><br>
<font>As palavras dactilografadas no verso das letras dadas à execução “ Por aval à aceitante” foram aí afectas em momento posterior ao da aposição das assinaturas do 2º e 3º executado?</font><br>
<font>A esta questão foi respondido “ Não provado”. – </font><br>
<font>Face ao facto provado e designadamente ao facto não provado é manifesto que, como se diz na sentença da 1.ª instância, os embargantes são avalistas das letras, sendo o aval prestado a favor do aceitante e não do sacador como pretendem.</font><br>
<font>Assim, atento o disposto no art. 47º da L.U.L.L., há que concluir que a embargada agiu correctamente ao instaurar a execução contra os ora embargante AA e BB.</font><br>
<font>Deste modo, bem andou o Sr. Juiz “ a quo” em julgar os embargos improcedentes e ordenando o prosseguimento da execução.</font><br>
<font>Improcedem as conclusões dos apelantes.</font><br>
<br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido e confirma-se o despacho saneador.</font><br>
<font>Por outro lado, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença recorrida.</font><br>
<font>Custas em todas as instâncias pelos embargantes, que são recorridos na revista e apelantes na sentença.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 26 de Novembro de 2002 </font><br>
<br>
<font>Barros Caldeira (Relator)</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Lopes Pinto</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zzLgu4YBgYBz1XKvWUxE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
<br>
"A" e mulher B, por apenso à execução hipotecária que Banco C (incorporado hoje na Caixa ...) move a D - Promoção e Administração Imobiliária, Lª., deduziram embargos de terceiro por, desde a traditio, conferida em 73.05.09 com a outorga do contrato-promessa em que o embargante é promitente comprador, terem a posse da fracção autónoma designada pela letra ‘E’ do prédio identificado nos arts. 2, 3 e 10 da petição e, subsidiariamente, invocando o direito de retenção.<br>
Contestando, o exequente impugnou e invocou, a seu favor, as leis do registo.<br>
Prosseguindo seus normais termos até final, procederam os embargos por sentença, confirmada, sob apelação da CGD, pela Relação, a qual declarou os embargantes titulares da posse sobre aquela fracção autónoma designada pela letra ‘E’ e condenando exequente e executada a reconhecer essa posse.<br>
De novo inconformada, pediu revista a exequente concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- os embargantes não são titulares da posse correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de qualquer outro direito real;<br>
- exercem sobre a fracção autónoma tão só detenção, cuja origem está na sua ocupação por mera tolerância da sociedade, então proprietária daquela que antecipou para o momento do contrato- -promessa de aquisição da quota um direito só previsto para os seus sócios, o que aqueles não eram nem são;<br>
- só através da inversão do título de posse, o que não foi alegado nem provado, e que teria de ocorrer por oposição ao actual e não ao anterior proprietário da fracção, poderiam os embargantes ser considerados possuidores;<br>
- os actos que estes praticam sobre o imóvel integram-se naquilo que os estatutos da E prevêem - habitar e administrar o bem - pelo que de tais actos nunca se poderia retirar um corpus relativo ao animus do direito de propriedade por isso ser contrário ao que está subjacente ao contrato de constituição da sociedade e ao contrato-promessa de cessão de quota;<br>
- mesmo que já fosse sócio da E, o embargante não teria direito a ocupar a casa ao abrigo do pacto social respectivo por tal direito se ter tornado de execução impossível (a fracção fora alienada a terceiro, a executada);<br>
- em qualquer caso, a presunção de posse dos embargantes cede perante melhor posse - causal - da actual proprietária da fracção;<br>
- à data da penhora (96.01.12), apenas o possuidor podia socorrer-se dos embargos de terceiro;<br>
- em qualquer caso, são incompatíveis com a penhora apenas os direitos que venham a extinguir-se com a venda executiva, o que não é o caso dos autos;<br>
- violado o disposto nos arts. 351 CPC e 1.253, 1.263 e 1.252-2 CC.<br>
Contraalegando, os embargantes pugnaram singelamente pela confirmação do aresto.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias (aditada em conformidade com o acórdão recorrido) consideraram provada -<br>
a)- por escritura de 68.03.24, lavrada a f1s. 27 do Lº A-148 do 1º Cartório Notarial de Lisboa, constituiu-se a sociedade civil sob a forma de sociedade por quotas de responsabilidade, E- -Administração de Propriedades Própria, Lª;<br>
b)- teve como objecto a compra de um lote de terreno com a área de 525 m², sito à Quinta do Torrão, Costa de Caparica, concelho de Almada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 11424 a fls. 33 do Lº B-22 com projecto aprovado para construção de um prédio para habitação ou outros fins dos seus associados e a administração do mesmo prédio após a sua construção;<br>
c)- no § 1 do art. 3 do respectivo pacto social estabeleceu-se que o sócio F, titular de uma quota no valor nominal de 30.000$00, tem o direito de destinar a habitação e de administrar o fogo constituído pelo 2º andar letra ‘E’ do prédio a que se refere o pacto social;<br>
d)- no § 2º daquele art. 3 do pacto social estabeleceu-se que tal direito só pode ser alterado ou extinto com expressa concordância do seu titular;<br>
e)- mais se estabeleceu no pacto social da E - cláusula 5º - que cada sócio tem o direito a administrar sem restrições e com carácter exclusivo em relação aos demais sócios os fogos do prédio relacionados com a quota de que cada um é titular segundo o referido no § 1º do art. 3;<br>
f)- foi dispensada a autorização especial da sociedade para a cessão de quotas a favor de associados ou de estranhos - cláusula 4ª do pacto;<br>
g)- por escritura de 68.04.22, de fls. 20 a 22 v do Lº 2524-D de escrituras diversas do 1° Cartório Notaria! de Lisboa, F cedeu a sua quota a G;<br>
h)- por escritura de 68.04.26, exarada a fls. 36-38 do Lº 2524-D de escrituras diversas do 1º Cartório Notarial de Lisboa, a E comprou o terreno referido na al. b);<br>
i)- em 73.01.09 já se encontrava concluído o prédio que a E se propusera construir no referido terreno;<br>
j)- por contrato de 73.05.09 a Sociedade H, por si ou como mandatária, prometeu vender ao embargante, e este prometeu comprar-lhe, a quota com direito ao 2º andar, letra ‘E’ do referido prédio;<br>
k)- a fracção é objecto de penhora ordenada e efectivada no processo de execução;<br>
L)- no contrato aludido na al. j) foi convencionado o preço de 250.000$00 por conta do qual, a título de sinal e princípio de pagamento, o embargante entregou a quantia de 100 000$00, no acto do contrato;<br>
m)- as chaves do andar foram entregues ao embargante no próprio dia da outorga do contrato promessa, data a partir da qual os embargantes dele tomaram posse;<br>
n)- o restante da dívida seria liquidado após entrega das chaves, ou seja 150.000$00, seria liquidado pelo embargante, como melhor lhe conviesse, mas num prazo máximo de vinte anos com amortização mínima de 1.000$00 mensais sempre paga adiantadamente e liquidada independentemente de quaisquer outras amortizações ou antecipações;<br>
o)- sobre os quantitativos em dívida após a entrega das chaves, e somente com incidência sobre o saldo ou saldos resultantes das amortizações feitas, convencionou-se que seria contado a favor da promitente vendedora um juro calculado na base de 6,5% anual pago adiantadamente por semestre, sem direito a reembolso;<br>
p)- para a falta da integral liquidação do quaisquer prestações ou juros vencidos, na exacta data prevista contratualmente, convencionou-se o imediato vencimento de toda a dívida que, nesse caso, deveria ser integralmente liquidada até 60 dias da data da falta verificada;<br>
q)- a quota prometida vender com direito a habitar e a administrar com carácter exclusivo o 2º andar letra ‘E’, referia-se ao edifício E pertencente à sociedade com a mesma denominação;<br>
r)- em 77.04.05, a Sociedade de Construções H enviou uma carta ao embargante declarando que o juro previsto na cláusula 7ª do contrato-promessa era alterado a partir daquela data, passando a ser e por enquanto, calculado na base de 12,5% ao ano;<br>
s)- não se tendo conformado com tal alteração, o embargante insistiu no pagamento da quantia que entendia dever nos termos contratuais, o que a Girassol não aceitou, tendo o embargante instaurado, pela 1ª Secção do 6º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, com o nº 10275, uma acção com processo especial de consignação em depósito, contra a Sociedade de Construções H;<br>
t)- na pendência da acção referida na al. s), a H, por carta de 77.09.01, notificou o embargante para comparecer no 20º Cartório Notarial, no dia 9 de Setembro de 1977, a fim de outorgar a escritura de compra e venda referida no contrato, invocando a cláusula 8ª do mesmo;<br>
u)- no dia fixado o embargante compareceu no Cartório, tendo comparecido também G, que então declarou expressamente que ali comparecia para dar cumprimento ao contrato celebrado entre a Sociedade H e o embargante, respeitante à cessão de quota com direito a administrar e habitar o 2º andar, letra ‘E’ do prédio em causa;<br>
v)- o embargante na situação aludida na al. u) declarou não querer outorgar a escritura de compra e venda, por lhe ser exigida não só uma taxa de juro não contratualmente prevista, como também por se pretender fosse feita a liquidação integral do preço em dívida apesar de no contrato se prever para tal um prazo máximo de 20 anos;<br>
x)- em 77.10.03 a H contestou a acção de consignação em depósito e ali alegou, entre outras coisas, que interveio no contrato-promessa não como dona da quota prometida ceder, mas como mandatária da Sociedade de Construções H;<br>
y)- a acção de consignação em depósito veio a ser julgada procedente por sentença de 79.02.01, transitada em julgado, e que julgou extinta a obrigação do embargante no tocante ao pagamento da prestação ou amortização do mês de Maio de 1977 e juros vencidos entre 77.05.08 e 77.11.08;<br>
w)- na acção de consignação em depósito referida na al. s), o embargante depositou todas as prestações mensais de 1.000$00 cada, até Fevereiro de 1979, inclusive, tendo depositado também <br>
juros previstos na cláusula 7ª até 79.05.08 e à taxa de 6,5% anual que a sentença aludida considerou ser o único exigível;<br>
z)- em 79.03.07, a então mandatária do embargante, enviou uma carta à Girassol, insistindo em que o seu constituinte pretendia efectivamente proceder ao pagamento das quantias devidas nos termos o nos prazos constantes do contrato-promessa, pedindo que a informassem sobre qual a posição que tomavam quanto a tal questão;<br>
a-1)- com data de 79.05.28, a referida mandatária do embargante endereçou nova carta à H, transmitindo-lhe que o seu constituinte pretendia, ao abrigo do contrato-promessa, proceder ao pagamento de todos os montantes ainda em dívida, por forma a que ficasse integralmente liquidado o preço por que foi ajustada a compra e venda da quota estando na disposição de efectivar aquele pagamento no caso outorga da escritura definitiva;<br>
b-1)- a Girassol respondeu à mandatária do embargante, reportando-se às - cartas de 79.03.07 e 79.05.28, por carta de 79.06.04, alegando que o embargante não cumprira o contrato, pelo que por tal motivo aquele ficava resolvido;<br>
c-1)- em 79.11.20, G, pela 1ª Secção do 5º Juízo Cível da Comarca de Lisboa com o nº 4623 instaurou contra os ora embargantes uma acção em que deduziu os seguintes pedidos: serem condenados a -<br>
1)- reconhecer que não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato-promessa em causa, perdendo integralmente as quantias pagas;<br>
2)- restituir-lhe o andar, objecto da quota, livre e desocupado em bom estado de funcionamento;<br>
3)- indemnizá-lo no montante que se apurasse em liquidação de sentença;<br>
d-1)- na petição inicial da acção referida na al. c-1), G, alegou que a Sociedade de Construções H, ao outorgar o contrato-promessa agira como seu representante;<br>
e-1)- na réplica G desistiu do pedido de os embargantes serem condenados a reconhecer que não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato-promessa, perdendo integralmente as quantias pagas, mantendo os pedidos de restituição do valor e indemnização;<br>
f-1)- a acção referida na al. c-1) veio a ser decidida por sentença de 83.07.29, em que os ora embargantes foram absolvidos da instância relativamente aos pedidos formulados nas sub-alíneas 2) e 3), confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 85.01.31, transitado em julgado;<br>
g-1)- pela 1ª Secção do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com o nº 2476, G e a E, vieram a instaurar contra os ora embargantes, uma nova acção em que formularam os seguintes pedidos: serem condenados a -<br>
1)- reconhecer que não cumpriram as obrigações decorrentes do contrato-promessa;<br>
2)- a restituir-lhes, livre e desocupado, e em bom estado de funcionamento, o andar em causa;<br>
3)- indemnizá-los com uma quantia computada em 3.000$00 por cada mês de ocupação ilegal e abusiva;<br>
h-1)- o Tribunal da Comarca de Lisboa veio a ser julgado territorialmente incompetente para o julgamento dessa acção, passando a mesma a correr termos pela 1ª Secção do então 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Almada com o nº 264/88;<br>
i-1)- a acção veio a ser julgada improcedente por sentença de 88.02.08, transitada em julgado, e que absolveu o embargante de todos os pedidos formulados pelos autores, absolvendo a ré mulher da instância relativamente ao pedido de perda das quantias entregues com relação ao contrato promessa, e do pedido restante;<br>
j-1)- a E, que constitui o prédio em regime de propriedade horizontal em 71.01.28, vendeu à embargada D a fracção identificada na al. c), em data posterior ao trânsito em julgado da sentença referida na al. i-1);<br>
k-1)- na acção referida na al. j-1) a então proprietária do prédio e da fracção, juntamente com o titular inscrito da quota que dá direito a utilizá-la, vieram reivindicar a respectiva propriedade com a consequente entrega do andar;<br>
l-1)- até Abril do 1977 inclusive o embargante cumpriu o estipulado no contrato promessa;<br>
m-1) em 79.03.06, depois do trânsito da sentença referida na al. i-1), o embargante dirigiu-se aos escritórios da H, para ali proceder à liquidação da amortização correspondente àquele mesmo de Março, tendo sido recusado o respectivo recebimento;<br>
n-1)- em face da posição assumida pela H no que se refere aos factos referidos nas als. z) a b-1), o embargante entendeu não ter de proceder a mais qualquer outra amortização;<br>
o-1)- os embargantes habitam o andar, sobretudo em fins-de-semana, férias e outros períodos festivos;<br>
p-1)- os embargantes emprestam o andar a familiares e amigos;<br>
q-1)- os embargantes pagam os encargos de condomínio na parte que respeita ao andar bem como as respectivas taxas e contribuições e<br>
r-1)- contribuem na proporção da respectiva permilagem para obras em partes comuns do prédio e<br>
s-1)- são convocados e intervêm em assembleias gerais de condomínio;<br>
t-1)- todos os restantes condóminos os consideram donos e proprietários do andar e<br>
u-1)- o mesmo acontece com familiares e amigos;<br>
v-1)- "D, Lª.", hipotecou a favor do BNU a fracção autónoma penhorada;<br>
x-1)- a hipoteca está registada sob a inscrição nº 36239, de 92.02.27;<br>
y-1)- a penhora está registada sob a inscrição nº 10852, de 96.02.14, convertida em definitiva em 96.10.10.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- Os embargantes fizeram assentar a sua pretensão na posse e, subsidiariamente, no direito de retenção.<br>
A sentença considera-os, por ter havido tradição e concluir pelo animus possidendi, como possuidores, pelo que fez proceder os embargos.<br>
A Relação confirmou-a por entender que, interpretando o acordo de vontades relativo à traditio, se quis que o promissário adquirisse a posse, além de os embargantes, por exercerem o poder de facto, beneficiarem da presunção do art. 1.252-2 CC e de pelo pacto social da E se ter esvaziado o direito de propriedade desta sobre as fracções relacionadas com a quota de que cada sócio é titular (em voto de vencido a procedência dos embargos era negada, por inexistir animus - não alegado nem provado e não se o poder presumir - e, por o direito de retenção não permitir o uso de embargos de terceiro contra a penhora dessa mesma coisa).<br>
<br>
2.- Por contrato de 73.05.09, a H, por si ou como mandatária, prometeu vender ao embargante e este prometeu comprar uma quota da "E, Lª.", pela qual adquiriria o direito a habitar a fracção autónoma designada pela letra ‘E’, e nessa mesma altura foram-lhe entregues as chaves respectivas; a partir dessa data passou a habitá-la, dela gozando e fruindo.<br>
Conquanto o contrato prometido não tenha chegado a ser celebrado, o embargante e sua mulher continuam a habitar a fracção, a qual veio, anos mais tarde, a ser penhorada na execução que o credor hipotecário move a "D, Lª.", que a comprara à "E, Lª".<br>
<br>
3.- Ainda antes de se considerar qual o objecto do concreto contrato-promessa há que realçar um aspecto - o instituto jurídico da posse não se confunde com a ocupação material da coisa - e, por outro lado, ter presente qual a origem dessa utilização.<br>
As obrigações emergentes de um contrato-promessa são obrigações de facere, excepto se os seus outorgantes lhe tiverem conferido alcance real - dele só nasce a obrigação de contratar.<br>
A traditio é um acordo autónomo do contrato-promessa muito embora possa surgir, e in casu surgiu, em consequência deste ter sido celebrado e por este ver a sua vida condicionada.<br>
O promitente-adquirente, ainda quando utilizador da coisa prometida transmitir é um detentor (em nome alheio) e não um possuidor (formal ou causal) - a posse do promitente alienante, o seu exercício, prossegue através de outrem (o detentor), é esse exercício que permitiu àquele consentir que o embargante utilizasse a coisa. Por outras palavras, em 73.05.09 não se iniciou posse (mas mera detenção - art. 1.253 CC) do embargante e prosseguiu a posse (causal) da promitente-alienante através daquele, o detentor (CC- 1.252,1).<br>
Não sendo a traditio realizada em consequência de um acto de alienação do direito de propriedade (apenas se refere este direito real por outro não poder ser in casu considerado) e sim de um acto destinado a proporcionar o direito pessoal do gozo da coisa (salvo prova de situação excepcional por parte do promitente-adquirente; estes direitos envolvem, no que se assemelham aos direitos reais de gozo sem, todavia, o serem, sempre um poder de uso, de fruição ou de utilização da coisa, de conteúdo variável consoante a natureza do direito), tendo em vista a sua futura alienação, não se pode concluir pelo animus correspondente a um direito real nem concluir pela inversão do título.<br>
Baseando-se a detenção, o uso e fruição da coisa entregue em meras expectativas, por maiores e mais fundadas que sejam as do promitente-adquirente à celebração do contrato prometido, só há detenção - esses concretos detenção, uso e fruição não configuram só por si actos que integrem uma verdadeira posse (pela entrega antecipada da coisa apenas obtém o corpus, apenas é conferido um direito precário).<br>
Os poderes que exerce sobre a coisa, que sabe ainda não ter adquirido, correspondem ao direito de crédito do promitente-adquirente perante o promitente-alienante - uma pessoa pode gozar directamente de poderes imediatos (de detenção, de uso ou de fruição) sobre a coisa, independentemente de ser titular de um direito real, mas no exercício de um simples direito pessoal de gozo (vd., A. Varela in RLJ 124/347 e nota 1 à 2ª coluna).<br>
4.- Cumpre ao terceiro que embarga alegar (para, mais tarde, vir a provar) factos que integram os elementos constitutivos da posse (CC- 1.251) - corpus (poder de facto, traduz-se no exercício de actos materiais externos e visíveis ou na possibilidade física desse exercício) e animus (traduz-se na intenção de agir como titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados).<br>
Invocar, na petição de embargos, o corpus mas não o animus possidendi é insuficiente e, mais categoricamente insuficiente, se se alega que não actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, isto é, que apenas detém o prédio enquanto, na expectativa da celebração do contrato prometido, a traditio se mantiver.<br>
Invocando-se um contrato-promessa e a traditio para que se possa concluir pela posse necessário é que se alegue estar-se perante uma situação excepcional - v.g., a coisa ter sido «entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real. O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse» (aut. e op. cits., p. 348).<br>
Não se alegou o animus nem tão pouco factos que permitissem por ele concluir (não é possível confundi-la com o que alegado foi para demonstrar a publicidade da detenção e a convicção de terceiros) e o tribunal, vinculado, em sede de matéria de facto, ao articulado pelas partes (CPC- 664 e 264 -2), tão pouco deles, se provados mas não alegados tivessem sido, na medida em que se não trataria de factos instrumentais e sim essenciais à procedência da pretensão dos embargantes.<br>
Acresce que estes se colocaram, desde sempre, em posição em que recusam o animus.<br>
Com efeito, afirmam ter-lhes sido entregue a fracção autónoma designada pela letra ‘E’ por força do acordo de traditio facilitado pelo imediatamente anterior contrato-promessa, sobre o qual vem mantida, ao longo dos anos, uma situação de litigiosidade judicial, situação em que essa sua posição contratual não foi alterada nem requerida foi a execução específica do contrato-promessa; por outro lado, reconhecem expressamente a posição de promitente-adquirente quando, independentemente de se saber de que lado está a razão, a celebração do contrato prometido foi recusada apesar de ter sido querida (pelo embargante - als. t) e v); pela sociedade H - als. z) a b-1)) e quando pretendem amortizar (als. m-1) e n-1)).<br>
Negando esse elemento constitutivo da posse é claro que não lhes pode aproveitar a presunção quer da posse (CC- 1.252,2) quer da titularidade do direito (CC- 1.268,1), estão a contradizê-la e a afastar.<br>
Ininvocável também o princípio da aquisição processual (CPC- 515) quer de per si quer por aqui requerer que se verificasse o condicionalismo do nº 3 do art. 264 CPC, e tal não o revelam os autos.<br>
Ainda que, porventura, outra devesse ser a conclusão, o certo é não ter o embargante demonstrado que os seus actos materiais de detenção, uso e fruição correspondem ao exercício do direito de propriedade - havia que ter definido o conteúdo do acordo que com o promitente-alienante concluiu aquando da traditio (nada se opõe, a lei permite-o, que, por acordo, por ex., um locatário, um comodatário ou um promitente-adquirente pratiquem actos como os descritos nas als. o-1) a s-1)); porém, tal como nos autos vêem desenhados os factos eles resultam da posição contratual de promitente-adquirente e de uma forte expectativa em se vir a tornar proprietário celebrando-se o contrato prometido.<br>
Os embargantes, detentores daquela fracção autónoma, não invocaram a inversão do título (CC- 1.265) - e só ela podia dar lugar à posse - nem alegaram factos que, se provados, permitissem por ela concluir.<br>
Afirmando-se que os embargantes apenas são detentores da fracção autónoma deixou de oferecer qualquer interesse analisar o real objecto do contrato-promessa de aquisição da quota, o pacto social da E e a harmonização a estabelecer entre estes (o contrato-promessa e o pacto social) e o facto de o embargante não ter adquirido a qualidade de sócio (não obstante, o que pela prova se configura é os actos que os embargantes praticam sobre o imóvel integrarem tão somente o previsto nos estatutos da E - habitar e administrar o bem, apenas isso).<br>
<br>
5.- Subsidiariamente, alegaram os embargantes como fundamento da sua pretensão o direito de retenção.<br>
Para o invocar com eficácia (ainda sem se discutir em que termos esta se manifestaria) necessário seria que os embargantes tivessem vindo alegar que eram credores de indemnização resultante do não cumprimento imputável à outra parte (CC- 755,1 f)), o que não sucedeu - não se arrogam credores de indemnização nem a definem, apenas se arvoram credores duma prestação de facere, da celebração do contrato prometido.<br>
O não-cumprimento definitivo do contrato-promessa pela alienação da coisa a terceiro (facto imputável ao promitente-alienante) torna o promitente-adquirente credor de uma indemnização (CC - 442) gozando este de um meio coercivo sobre aquele - o direito de retenção, direito real de garantia que não de gozo.<br>
Execução instaurada pelo credor hipotecário, não pelo promitente-alienante.<br>
Porque direito real de garantia goza o detentor do direito de ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor, pode fazer valer o seu direito de crédito numa fase posterior (CPC- 864-1 b) e CC- 759) mas não pode deduzir embargos de terceiro com vista a se opor à penhora acto que não ofende uma posse inexistente. Este direito de retenção, a existir (o seu reconhecimento processa-se na fase de convocação de credores e verificação dos créditos, no apenso de reclamação de créditos - arts. 864-1 c), 865-1 e 4 e 868 CPC), não infirma a validade do direito de crédito hipotecário do exequente - apenas autoriza o credor do direito à indemnização a no local e momento próprio reclamar o seu crédito e a vê-lo graduado no lugar que lhe competir.<br>
<br>
Termos em que, por se julgarem improcedentes os embargos de terceiro, se revoga o acórdão.<br>
Custas pelos embargantes.<br>
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Lisboa, 27 de Abril de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
zzLiu4YBgYBz1XKvCk72 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Tramitação.<br>
"A" intentou contra B acção com processo ordinário, pedindo se declare inválido ou ineficaz o testamento lavrado por C, em 11/11/99, em que instituiu a ré como legatária.<br>
Contestada, veio a acção a ser julgada procedente e assim declarado anulado o testamento em causa. Tendo recorrido a Ré de apelação para a Relação de Guimarães, este Tribunal confirmou a sentença.<br>
<br>
O recurso.<br>
Recorre de novo a Ré, agora de revista, para este Supremo Tribunal.<br>
Alegando, concluiu:<br>
1) A decisão recorrida baseou-se, para anular o testamento, no estado de arteriosclerose e senilidade da testadora.<br>
2) E não que, no momento da celebração do testamento, a testadora se encontrava incapacitada de entender o sentido da sua declaração e de se conformar livremente com ela.<br>
3) Por outro lado, os factos referidos no testamento acham-se cobertos pela força probatória do documento, fazendo este prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora: artº. 371º, nº. 1 do CC.<br>
4) Uma vez que o testamento não foi arguido de falsidade quanto às declarações do oficial público que o exarou e não se fazendo referência à incapacidade de testar, não há motivos de anulação do testamento (neste sentido, acórdão STJ, 23/03/88, nº. convencional STJ00011501).<br>
5) A sentença (sentença ou acórdão?) violou o artº. 371º, nº. 1 do CC e fez incorrecta aplicação dos artºs. 2191º e 2199º do mesmo CC, pelo que deve revogar-se a sentença (sentença ou acórdão?) e julgar-se válido o testamento.<br>
<br>
Contra-alegando, a Autora sustenta a confirmação do julgado.<br>
<br>
Questões postas.<br>
As questões postas no recurso são duas:<br>
a) saber se a testadora se encontrava, no momento da celebração do testamento, incapacitada de entender o sentido da sua declaração e de se conformar com ela: artº. 2191º e 2199º do CC;<br>
b) saber se o testamento faz prova legal da não incapacidade da testadora para entender e querer o sentido da sua declaração: artº. 371º, nº. 1 do CC.<br>
<br>
Matéria de facto.<br>
Factos provados nas instâncias:<br>
1º- C, faleceu no dia 3/08/2000, com 97 anos, não deixando ascendentes nem descendentes - A, B e C;<br>
2º- No dia 11/11/99, na Avenida ..., Braga, perante o Senhor Notário do Primeiro Cartório Notarial de Braga, D, compareceu C, a qual outorgou testamento no âmbito do qual declarou que: "Lega a B, viúva, com ela residente, o rés do chão do prédio sito na Avenida ... e à sobrinha A, casada, residente na freguesia de ..., Póvoa de Lanhoso, os restantes andares do mesmo prédio. Mais declara que o referido rés do chão corresponde ao estabelecimento comercial, actualmente de tapeçaria." - D;<br>
3º- C, viveu com duas irmãs, solteiras e sem descendentes, de nome E e F, no referido prédio da Avenida ..., em Braga - E;<br>
4º- As três fizeram testamento em que cada uma delas instituía como únicos herdeiros de todos os seus bens os demais irmãos - F;<br>
5º- Quando ficaram apenas duas, C e sua irmã E, fizeram testamento em que, depois de confirmarem manter a disposição de última vontade constante do testamento feito em 1946, em cada um deles constava: "Lego o prédio urbano sito na Avenida ..., freguesia de ..., Braga, inscrito na matriz urbana sob o artº. 1283, à minha sobrinha A, casada, residente, nesta cidade, filha do meu falecido irmão G" - G;<br>
6º- Neste mesmo testamento instituíram como usufrutuária de parte desse prédio a sua empregada H, com elas residentes, caso a mesma se mantivesse ao seu serviço até à morte - H;<br>
7º- Esta empregada estava ao seu serviço há mais de 50 anos, tendo acompanhado C até à morte - I e J;<br>
8º- Quando a H faleceu, a C fez-lhe o funeral como se de uma pessoa de família se tratasse - K;<br>
9º- Na data da realização do testamento referido no anterior facto 2º, C apresentava, há cerca de dois anos, um défice muito pronunciado de visão, tinha um défice muito pronunciado de audição, sentia-se desorientada no tempo e estava indiferente e alheia de si e das outras pessoas e coisas - 1º, 2º, 4º e 5º;<br>
10º- A "C" estava demenciada (deterioração das faculdades mentais), repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia (ecolalia), estado este que não lhe permitia compreender o acto referido no anterior facto 2º e compreender o seu significado - 7º, 7º-A e 7º-B;<br>
11º- A "C" não teve consciência do que declarou nem o significado do acto e não compreendia o sentido e alcance das palavras utilizadas no acto referido - 7º-C e 7º-D;<br>
12º- A "C" sempre foi muito ligada à sua família - 8º;<br>
13º- Mais de uma vez a C foi solicitada para beneficiar certas pessoas com alguma disposição testamentária ou doação, sempre respondendo que não alterava o testamento que havia feito de acordo com a as suas irmãs com quem sempre convivera, afirmando que o prédio da Avenida, pretendendo referir-se ao prédio onde vivia, na Avenida ..., Braga, era para a sua sobrinha - 9º, 10º e 11º.<br>
<br>
Apreciação.<br>
A) Primeira questão.<br>
Comanda o artº. 2199 do CC, integrado no capítulo designado "falta e vícios da vontade", do Título IV, "Da sucessão testamentária": É anulável o testamento feito por quem se encontrava (no momento da sua outorga) incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade, por qualquer causa, ainda que transitória: artº. 2199º do CC.<br>
O testamento é um negócio jurídico unilateral, não receptício, estranho ao comércio jurídico, donde resulta, entre outras coisas, que, na sua estrutura não se levanta, a propósito dos problemas da falta e dos vícios da vontade, o conflito sistemático de interesses entre as partes, que é próprio dos contratos, devendo ser interpretados de harmonia com a vontade do testador (Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, volume VI, 323; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, lições de 1973/74, parte II, 222). Conforme os dois primeiros Autores acima citados, a incapacidade de que fala o dito artº. 2199º reporta-se à falta de aptidão natural para entender o sentido da declaração (ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens), por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada. O vício contemplado na norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a declaração é lavrada. Trata-se de uma situação de crise essencialmente distinta da abrangida pela alínea b) do artº. 2189º (incapacidade de testar baseada na interdição por anomalia psíquica): a nulidade do testamento feito pelo interdito, nos termos do artº. 2189º, b), baseia-se na presunção do estado ou situação de incapacidade iuris et de iure criada pela sentença, ao passo que a anulação decretada nos termos do artº. 2199º assenta na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no momento em que lavrou o testamento, para entender o sentido e alcance da sua declaração, ou para dispor com a necessária liberdade dos seus bens.<br>
Ora, deu-se como provado: que a testadora, já com 97 anos à data do testamento, tinha um défice muito acentuado de visão, um défice muito acentuado de audição, sentia-se desorientada no tempo, indiferente de si e das outras pessoas e coisas, estava demenciada (com deterioração das faculdades mentais), com ecolalia (repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia), estado que não lhe permitia compreender o acto do testamento (de 11/11/99), nem compreender o seu significado; e, mais concretamente ainda: que não teve consciência do que declarou (na outorga do testamento) nem o significado do acto e não compreendia o sentido e alcance das palavras utilizadas no referido acto (outorga do testamento).<br>
Deste modo, a situação cabe no comando do artº. 2199º - incapacidade para entender o sentido da declaração, no momento em que esta foi proferida -, não havendo que falar, concretamente ou directamente, em estado de arteriosclerose ou de senilidade da testadora, sendo que no articulado não se falou nisso nem no acórdão recorrido se fala sequer em senilidade ou arteriosclerose.<br>
Deste modo, merece o nosso total apoio a integração dos fatos provados no comando do artº. 2199º do CC, como se fez na Relação, em confirmação do decidido na primeira instância.<br>
Não foi violado ou mal interpretado esse artº. 2199º.<br>
<br>
B) Segunda questão.<br>
A segunda questão também não tem qualquer apoio jurídico.<br>
O que o artº. 371º, nº. 1 do CC prescreve é que os documentos autênticos (como o são as escrituras públicas) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; no entanto, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.<br>
Tem sido incessantemente entendido na doutrina e decidido pelos tribunais que a força probatória dos documentos autênticos não impede que se ataquem as declarações deles constantes, ou por falsidade, ou por vícios da vontade (entre muitos outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, vol. I, 4ª edição, 328, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, 506, Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. I, 151-152; acórdãos da RE, de 04/10/77, CJ, 1977, tomo I, 907, do STJ, de 29/03/76, na RLJ, ano 111, 297, do mesmo STJ de 11/01/79, no BMJ, 283-234, e de 09/04/91, em AJ, 18º, 13, da RC de 02/02/93, no BMJ, 427-746, novamente do STJ, 09/10/96, na CJ/STJ, ano IV, tomo III, 41).<br>
Assim, os factos cobertos pela força probatória plena do documento público constituído pelo testamento de 11/11/99 limitam-se a que: no dia 11/11/99 o Notário deslocou-se à residência de C, cuja identidade foi confirmada por duas testemunhas, onde esta declarou perante ele querer fazer o seu testamento pela forma que indicou (e consta de fls. 26/27). Isto é, precisamente o que consta dos factos levados à alínea D) da especificação e constantes supra do nº. 2 da matéria de facto provada. Nada mais do que isso. E não, por exemplo, que a testadora estava com capacidade de entender o sentido da sua declaração e que tinha o livre exercício da sua vontade. Essas circunstâncias, ou as inversas, avaliá-las-ia o Notário, se tivesse motivos para isso, mas a avaliação que fizesse seria apenas o "juízo pessoal do documentador" de que fala a parte final do artº. 371º, nº. 1 e seria então de livre apreciação do julgador (cf. Varela, Manual citado, 506, onde escreve que se o Notário declara no testamento que o testador se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais, tal afirmação não é apoiada pela força probatória plena do documento). Não obstante, o certo é que nenhuma referência se nota no instrumento, como tendo sido percepcionado pelo Notário, sobre a capacidade de a testadora entender o sentido da declaração. Ali apenas se diz que "o testamento foi lido e explicado o seu sentido em voz alta à outorgante, na presença simultânea de todos os intervenientes, não o assinando a testadora, por declarar não saber" (fls. 27). Nada mais.<br>
Deste modo, não tinha o documento (instrumento de testamento) que ser arguido de falso, nem se vê por que seja falso, quanto às declarações proferidas perante o oficial público que o exarou, para poder suscitar-se a sua anulabilidade, por falta de capacidade da testadora para entender o sentido da declaração, no momento em que a prestou, com fundamento no artº. 2199º do CC.<br>
Não foi mal interpretado ou mal aplicado o artº. 371º, nº. 1 do CC.<br>
<br>
Decisão.<br>
Pelo exposto, acordam em negar a revista, condenando a recorrente nas custas.<br>
<br>
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004<br>
Reis Figueira<br>
Barros Caldeira<br>
Faria Antunes</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjLYu4YBgYBz1XKvdUmL | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - "A" requereu, em 13/9/2002, contra o seu ex-cônjuge B, por apenso ao processo de divórcio por mútuo consentimento, a atribuição da casa de morada da família, mediante arrendamento, alegando, em síntese, que as Partes acordaram, nos autos de divórcio, que a casa de morada ficasse atribuída à ora Requerente na pendência da acção, pretendendo agora que lhe seja atribuído tal direito, por ser ela e a filha menor quem mais necessita de habitação.</font><br>
<br>
<font>O Requerido opôs-se a pretexto de ser o dono do imóvel e não ser admissível a alteração do acordo homologado no processo de divórcio, por iniciativa apenas de uma das Partes, não assistindo à Requerente o direito de exigir que o Tribunal celebre, à sua revelia, um contrato de arrendamento.</font><br>
<br>
<font>A final, decidiu-se atribuir a casa de morada da família à Requerente, a título de arrendamento, pela renda mensal de € 170.</font><br>
<br>
<font>A Relação, porém, julgou improcedente a acção, considerando não ser aplicável no caso de divórcio por mútuo consentimento o regime previsto no art. 1793º C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Daí o presente recurso, agora da Requerente, que, para pedir a revogação e anulação do acórdão, conclui:</font><br>
<br>
<font>- O art. 1793º C. Civil encontra-se na subsecção que regula os efeitos do divórcio, quer esse tenha sido litigioso ou por mútuo consentimento;</font><br>
<br>
<font>- O mesmo art. não excepciona a sua aplicação apenas ao divórcio litigioso;</font><br>
<br>
<font>- O acórdão enferma da nulidade prevista no art. 668º-1-d) CPC, pois conheceu de questão não invocada pelo Recorrido - a inaplicabilidade do art. 1793 C. Civ. ao caso em apreço.</font><br>
<br>
<font>O Recorrido ofereceu resposta.</font><br>
<br>
<font>2. - A questão que se coloca é a de saber se a atribuição da casa de morada da família, mediante arrendamento, nos termos previstos no art. 1793 C. Civil, pode ter lugar no caso de o divórcio ter sido decretado por mútuo consentimento, em que apenas se acordou sobre essa atribuição para o período de pendência da acção.</font><br>
<br>
<font>3. - Os factos relevantes são, de entre os que vêm provados, os seguintes:</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Requerente e Requerido casaram um com o outro em 5/9/987;</font><br>
<font>- Desse casamento nasceu, em 18/1/988, C;</font><br>
<br>
<font>- O casamento foi dissolvido por divórcio decretado em 10/10/97, nos autos de divórcio por mútuo consentimento apensos;</font><br>
<br>
<font>- No processo de divórcio, a Requerente e o Requerido declararam que acordavam na atribuição da casa de morada da família à Requerente mulher, vigorando este acordo na pendência da acção de divórcio;</font><br>
<br>
<font>- O prédio onde estava instalada a casa e morada de família é bem próprio do Requerido;</font><br>
<br>
<font>- A filha da Requerente e do Requerido vive com a mãe nessa casa, desde a compra da mesma;</font><br>
<br>
<font>- O Requerido pretende que lhe seja entregue a referida casa, tendo intentado, com o n.º 291/002, uma acção ordinária em que peticiona a entrega do imóvel.</font><br>
<br>
<font>(Os restantes factos provados dizem respeito à situação profissional e condições económicas dos ex-cônjuges e a doença da filha que "não colide com as tarefas próprias da sua idade").</font><br>
<br>
<font>4. - Mérito do recurso.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 1. - Nulidade do acórdão.</font><br>
<br>
<font>A Recorrente argui a nulidade do acórdão por ter conhecido de questão que não podia conhecer - art. 668 n. 1 d) CPC -, por não ter sido invocada pelo Requerido a inaplicabilidade do art. 1793º C. Civil.</font><br>
<br>
<font>Como se sabe, a nulidade cominada no citado preceito é a sanção para a violação do disposto no art. 660 n. 2. 2ª parte do CPC.</font><br>
<font>O excesso de pronúncia existe quando o julgador, fora do âmbito das questões de que a lei lhe impõe o conhecimento oficioso, se ocupe (conheça) de questões não suscitadas pelas partes, violando o princípio da correspondência entre a acção e a decisão.</font><br>
<br>
<font>A expressão "questão" designa e caracteriza-se pelo complexo dos elementos que integram o pedido e causa de pedir, seja da acção seja de excepção.</font><br>
<br>
<font>Ora, a questão central que no processo foi colocada ao julgador é a da atribuição da casa mediante arrendamento, nos termos previstos no art. 1793º, questão que as Partes colocam sob perspectivas diferentes em sede de acção e de excepção:</font><br>
<font>- a Requerente parte do princípio de que não existe qualquer acordo; </font><br>
<font>- o requerido arranca da ideia de que, apesar de ter deixado de existir acordo eficaz, a satisfação da pretensão da Requerente implica a violação do acordo feito e fraude à lei do regime do divórcio por mútuo consentimento. </font><br>
<br>
<font>O que o acórdão recorrido considerou e decidiu foi que, porque havia apenas acordo para a pendência da acção de divórcio, restringidos os respectivos efeitos a esse período e não tendo os cônjuges providenciado, em devido tempo, quanto ao destino da casa no período posterior, não pode agora a Requerente obter a sua atribuição ao abrigo daquele preceito, que para tal não está vocacionado, dada aquela exigência de acordo como requisito de decretamento do divórcio. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Deste modo, o acórdão não exorbitou o âmbito da questão, que é única, nomeadamente quanto à causa de pedir e excepção, sendo certo ainda que, no domínio da interpretação e aplicação das normas jurídicas, o julgador não está limitado pelas alegações das partes, como expressamente se reconhece no art. 664º CPC, acolhendo o princípio da legalidade do conteúdo da decisão (jura novit curia).</font><br>
<font>Improcede, pois, a arguição da nulidade.</font><br>
<br>
<font>4. 2. - Mérito da causa.</font><br>
<br>
<font>4. 2. 1. - Dispõe o art. 1793 n. 1 C. Civil que "Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal".</font><br>
<font>Trata-se de norma cuja finalidade é regular um dos efeitos do divórcio - a atribuição da casa de morada da família - e como tal vem inserida na sistemática do Código.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Não se questiona a aceitabilidade da intervenção do tribunal na celebração do arrendamento forçado da casa de morada da família quando os ex-cônjuges se mostrem em divergência sobre o seu destino e o divórcio tenha sido decretado como litigioso. Está-se no campo da litigiosidade, estendida aos feitos da dissolução do casamento, em que nenhum acordo é exigível. </font><br>
<br>
<font>A questão coloca-se quando, como sucede no divórcio por mútuo consentimento, o destino da casa de morada da família não se apresenta ou, pelo menos, não se apresenta só como um efeito do divórcio mas, antes, como uma condição de admissibilidade do mesmo.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, o divórcio por mútuo consentimento é requerido por ambos os cônjuges, de comum acordo, e o respectivo decretamento depende do preenchimento de certas condições ou requisitos, sendo um desses requisitos necessários ou obrigatórios o acordo sobre o destino da casa de morada (arts. 1773 e 1775 n. 2 C. Civil).</font><br>
<br>
<font>Este acordo, tal como os demais indicados no n.º 2 do art. 1775 (alimentos e poder paternal) está sujeito ao controlo judicial quanto ao respectivo conteúdo e validade, sendo que a sua falta ou a insuficiente protecção dos interesses de algum dos cônjuges ou dos filhos determina a recusa de homologação e o indeferimento do pedido de divórcio - arts 1776 n. 2 e 1778 C. Civil.</font><br>
<br>
<font>De notar que não é permitido ao juiz alterar os acordos obrigatórios, nomeadamente o referente ao destino da casa de morada, mas, tão só, os provisórios (n. 3 do art. 1775), entre os quais se encontra a utilização da casa no período de pendência do processo. Se não existirem os acordos obrigatórios ou não forem satisfatórios não há homologação, nem deferimento do pedido de divórcio.</font><br>
<br>
<font>É que entre o acordo sobre o divórcio e esses acordos obrigatórios existe "uma união ou coligação genética que se traduz numa relação de dependência bilateral" de tal forma que os acordos caducam se houver ruptura do acordo sobre o divórcio e este não é decretado se não existirem os acordos ou se estes não acautelarem suficientemente os interesses em jogo (P. COELHO e G. OLIVEIRA, "Curso de Direito de Família", I, 3ª ed., 660). </font><br>
<br>
<font>Assim, conclui-se, tem de existir acordo sobre o destino da casa de morada, já que sem ele não é possível o divórcio por mútuo consentimento.</font><br>
<font> </font><br>
<font>4. 2. 2. - Mas, se assim é, então o acordo que foi apresentado na acção de divórcio, e homologado sem qualquer proposta de alteração, não pode deixar de ser considerado como o acordo sobre o destino da casa de morada da família que, no relacionamento do complexo integrado pelos acordos (alimentos e poder paternal, nomeadamente) homologados na sentença que decretou o divórcio, acautelava suficientemente os interesses da Requerente e da filha. </font><br>
<br>
<font>Esse acordo foi cumprido e os seus efeitos produziram-se e encontram-se esgotados.</font><br>
<font>Na sua execução e no âmbito dos seus efeitos, o Requerido goza do direito de reaver a propriedade plena da casa desde a data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio.</font><br>
<br>
<font>Claro, pois, que (já) não vigora um acordo porque o que foi celebrado se extinguiu pelo cumprimento, designadamente por banda do Requerido, e não, ao menos em nosso entender, porque não tenha sido celebrado, apresentado e homologado como válido e eficaz.</font><br>
<br>
<font>Porém, não pode esquecer-se que do cumprimento e dos efeitos desse mesmo acordo resulta também que, após o divórcio, a casa de morada da família fica afecta ao ex-cônjuge marido, seu dono desde sempre, titularidade que a Requerente não ignorava.</font><br>
<br>
<font>Por isso, a Requerente refere (arts. 12º e 13º da resposta e J. das conclusões deste recurso) que quando acordou sobre a atribuição da casa «pensou que logo após o inventário ficaria com dinheiro ou com imóveis que lhe permitiriam mudar de casa se fosse necessário sair daquela onde sempre viveu com a filha», "partilha que ainda não ocorreu por culpa do Requerido".</font><br>
<br>
<font>4. 2. 3. - Não se está, pois, perante uma falta de acordo pressuposto de accionamento das normas que regem os efeitos do divórcio, mas, ao que se alega, perante um erro de previsão relativamente ao conteúdo do acordo que foi condição de admissibilidade do divórcio.</font><br>
<br>
<font>O que se pretende reconduz-se, efectivamente, a modificar ou alterar o acordado, atribuindo agora à Requerente a casa de morada que, segundo o acordo homologado, foi atribuída ao Requerido posteriormente ao divórcio. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Ora, confrontados com o complexo de interesses que determinam as referidas interdependência ou "união genética" entre o acordo de divórcio e os demais acordos e a destes entre si, crê-se que, na falta de previsão legal sobre a matéria - diversamente do que sucede com os demais acordos obrigatórios -, a sua modificabilidade, por iniciativa e imposição de uma das partes, poderia conduzir à frustração, pura e simples, do equilíbrio de interesses que foram postos em equação e ponderação pelos cônjuges e pelo próprio juiz (ou Conservador), quer no consentimento dos acordos de divórcio e complementares quer na respectiva homologação. </font><br>
<font>Por isso, pressupondo a intervenção judicial constitutiva ora peticionada a falta de acordo, falta que obsta sempre ao divórcio por mútuo consentimento, se subscreve a afirmação de que "a norma do n.º 1 do art. 1793º parece claramente vocacionada para casos de divórcio litigioso" (NUNO DE SALTER CID, "A Protecção da Casa de Morada da Família", 310 e ss.); cfr., ainda, M. TEIXEIRA DE SOUSA, "O Regime Jurídico do Divórcio", 26 e ss. e 119 e ss.).</font><br>
<br>
<font>4. 2. 4. - A Requerente-recorrente apresenta-se a peticionar a atribuição da casa mediante arrendamento como se não tivesse havido qualquer acordo e como se, por via dele e dos seus efeitos, a casa não estivesse atribuída ao Recorrido, esgotado o prazo convencionado de atribuição à Recorrente.</font><br>
<br>
<font>Porém, insiste-se, o acordo existiu e, do mesmo passo que o direito de utilização da casa cessou para a Recorrente, extinguindo-se, esse direito nasceu e radicou-se na titularidade do Recorrido, em execução do mesmo e em simultâneo, tudo se passando como se a partir da data do divórcio tivesse sido atribuído ao Requerido o direito de utilização da casa em questão. </font><br>
<br>
<font>Ao que posteriormente veio alegar, a Recorrente terá incorrido em erro sobre pressupostos em que fez assentar o acordo que celebrou e que foi homologado, situação que, podendo, eventualmente, ter repercussão jurídica em sede de vícios de vontade (anulabilidade), não tem, seguramente, a virtualidade de apagar, tornando-o inexistente, o mesmo acordo, permitindo às Partes agir como se estivessem perante um nada jurídico.</font><br>
<br>
<font>Em sintonia com o entendimento expendido, escreveu-se no acórdão desde Tribunal de 2/10/03 (CJ XI-III-76) que «o acordo sobre o destino da casa de morada da família homologado por sentença transitada, proferida em acção de divórcio por mútuo consentimento, tal como a decisão do próprio divórcio, está acobertado pela força do caso julgado, nos termos do art. 673º CPC, pelo que só poderá ser atacado por via do recurso de revisão da própria sentença homologatória, nos termos do art. 771º do mesmo Código, depois de obter sentença transitada em julgado a declarar nulo ou anulado o acordo, por falta ou vício de vontade das partes, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 301º do CPC» (no mesmo sentido o ac. de 19/3/02, proc. 555/02-2ª Secção, in Sumários, 2002, pg. 111). </font><br>
<br>
<font>4. 2. 5. - Resta referir, agora respondendo directamente às conclusões da Recorrente, que a inserção do preceito do art. 1793º na subsecção do Código Civil que regula os efeitos do divórcio em geral, sem excepcionar a sua aplicação apenas ao divórcio litigioso, argumento de natureza puramente formal, nada prova, desde logo porque aí se inserem também os arts. 1790º, 1791º e 1792º que apenas colhem aplicação no divórcio litigioso.</font><br>
<br>
<font>Mais relevante será, como dito supra, saber se no divórcio por mútuo consentimento a questão do destino da casa de morada deve ser tratada apenas como um dos efeitos do divórcio por mútuo consentimento ou, antes e diferentemente, como condição da sua admissibilidade enquanto elemento do complexo de vontades e acordos que nele se interligam e interdependem, nos termos que se deixaram enunciados. </font><br>
<font>Assim, as conclusões da Recorrente improcedem.</font><br>
<br>
<font>5. - Decisão.</font><br>
<font>Em conformidade com o que ficou exposto, decide-se:</font><br>
<font>- Negar a revista;</font><br>
<font>- Manter o decidido no acórdão impugnado; e,</font><br>
<font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005.</font><br>
<font>Alves Velho,</font><br>
<font>Moreira Camilo,</font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
STLWu4YBgYBz1XKv9UgB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" propôs contra B acção a fim de, por usura e dolo, se anular o negócio outorgado em 94.03.11 e pelo qual aquela vendeu ao pai do réu o prédio urbano indicado no art. 1 da petição inicial, se o condenar a lhe entregar a nua propriedade e serem anulados todos os registos feitos em consequência da transmissão desse bem.</font><br>
<font>Contestando, o réu impugnou concluindo pela improcedência da acção e condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização.</font><br>
<font>Prosseguindo o processo seus regulares termos, procedeu por sentença que a Relação confirmou.</font><br>
<font>Novamente inconformado, pediu revista o réu concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>- o acórdão retirou ilações que não são a decorrência lógica dos factos provados, pelo que extravasou a matéria de facto por corresponderem a alterações não previstas pelo art. 712 n. 1 CPC;</font><br>
<font>- ao decidir perla dependência da autora relativamente ao pai do réu, nos termos em que o fez, deu como provados factos que contrariam as respostas dadas aos quesitos 8 a 10;</font><br>
<font>- não se verificam os requisitos do negócio usurário;</font><br>
<font>- violado o disposto no art. 712 CPC e, por errada interpretação e aplicação, o art. 282 CC.</font><br>
<br>
<font>Contraalegando, a autora suscitou, como questão prévia, a rejeição parcial do recurso e pugnou pela confirmação do julgado</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -</font><br>
<font>a) - por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Cascais, em 94.03.11, a autora declarou vender a C, pai do ora réu, o prédio urbano, sito na Lagoa, Adroana, freguesia de Alcabideche, concelho de Cascais, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n° 3.711, com o artigo matricial 6895, composto de moradia de rés-do-chão e logradouro, com o valor patrimonial de 3.369.000$00, tendo ainda declarado ter recebido pela referida venda a quantia de 3.400.000$00;</font><br>
<br>
<font>b) - em 89.07.10, a autora e o referido pai do réu celebraram o acordo que designaram de contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual a autora declarou prometer vender a este o aludido prédio, pelo preço de 3.300.000$00, que declarou já se encontrar integralmente pago;</font><br>
<br>
<font>c) - o direito de propriedade sobre o referido prédio encontra-se registado a favor do réu e o usufruto sobre o mesmo a favor da autora;</font><br>
<br>
<font>d) - C faleceu em 99.10.15;</font><br>
<br>
<font>e) - por morte do mesmo sucedeu-lhe como herdeiro o ora réu;</font><br>
<br>
<font>f) - o pai do réu nunca pagou o preço declarado na escritura e a autora nunca quis vender o bem;</font><br>
<br>
<font>g) - a autora outorgou a escritura de venda pois o pai do ora réu a convenceu a fazer a dita venda com a promessa de que a mesma era meramente fictícia e com o argumento de que necessitava de adquirir o bem em causa para dar como garantia real de um empréstimo que tinha urgência em contrair e que mais tarde passaria à autora um documento a seu favor para que o bem voltasse à sua posse e titularidade;</font><br>
<br>
<font>h) - a autora sempre resistiu à venda do bem e só nela consentiu pois acreditou cegamente na promessa que mais tarde o mesmo voltaria à sua titularidade;</font><br>
<br>
<font>i) - apesar da venda a autora continuou ao longo de todos estes anos a habitar a casa e geri-la a seu bel prazer como se fosse sua de facto e de direito com a plena convicção da titularidade sobre o bem, dado o carácter meramente simbólico que atribuiu ao negócio firmado com o irmão,</font><br>
<br>
<font>j) - tanto mais que estava plenamente consciente que o valor real do bem não era o por si declarado e a hipótese de ser enganada pelo irmão nunca se lhe pôs;</font><br>
<br>
<font>k) - o pai do ora réu mantinha com a autora, sua irmã, uma relação pessoal afectiva e psicológica muito especial,</font><br>
<br>
<font>l) - sendo visita assídua da casa da autora com quem convivia quase diariamente;</font><br>
<font>m) - a autora, por força da especial relação de afecto que a ligava ao irmão, não sabia dizer não ao que o irmão lhe solicitasse, acreditando sempre nas palavras e actos do irmão,</font><br>
<font>n) - facto que o irmão e pai do ora réu soube aproveitar em todas as circunstâncias nomeadamente quando propôs o negócio em causa e o conseguiu concretizar,</font><br>
<font>o) - bem sabendo que manipulava conscientemente a autora e que o negócio era para ela a todos os títulos desfavorável e prejudicial;</font><br>
<font>p) - a autora não teve consciência desse prejuízo nem que iria causar prejuízo à sua única filha e vendeu o único bem que possuía com a promessa de que se tratava de acto temporário;</font><br>
<font>q) - o prédio em questão tem hoje um valor superior ao que tinha na data referida;</font><br>
<font>r) - a autora só soube da forma como o negócio foi concebido pelo pai do ora réu aquando da morte do irmão, confrontada com a disposição testamentária de usufruto do seu bem a seu favor e da sua filha;</font><br>
<font>s) - foi nesse momento que a autora sentiu o engano em que tinha caído e no qual lhe era impossível acreditar atenta a sua confiança cega no irmão;</font><br>
<font>t) - o falecido irmão da autora suportou as despesas com a instalação do telefone e algumas despesas com água e electricidade;</font><br>
<font>u) - o irmão da autora ajudava-a materialmente.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<font>1.- Da questão prévia.</font><br>
<font>Discorda-se frontalmente da qualificação jurídica na medida em que não é de rejeição - parcial ou total, desinteressa - do recurso. A situação não é a da sua inadmissibilidade mas sim saber se existe preceito que permita a um tribunal de revista, como é o Supremo Tribunal de Justiça, dele conhecer com a extensão e pelo fundamento invocado.</font><br>
<br>
<font>Findando o relatório, o acórdão recorrido definiu qual o objecto da apelação, após o que, a propósito da descrição da matéria de facto, apenas exarou que «os factos a considerar provados são os que a douta sentença elencou, dado que não foi a decisão dos mesmos impugnada e nem se vislumbra necessidade de os alterar oficiosamente. Por isso, nos termos do art. 713 nº 6, se dão aqueles por reproduzidos» (fls. 261).</font><br>
<br>
<font>Interpondo revista, alegou o réu que a Relação extraiu da matéria de facto considerada provada ilações quando esses concretos factos assim obtidos não lograram, apesar de quesitados, ficar demonstrados acrescendo que essa não demonstração implicava, só por si, que a restante matéria desses quesitos (os 8º, 9º, 10º, 11º e 20º) tivesse sido dada como não provada.</font><br>
<font>Esta acusação desdobra-se em duas - apesar de as respostas terem sido restritivas a Relação concluiu pela prova dos factos que delas tinham sido excluídos (a)); a circunstância de não terem ficado provados implicava, dada a sua interligação, que a resposta fosse a de ‘non liquet’ a toda a matéria constante desse quesito (b)) - e assim serão analisadas.</font><br>
<br>
<font>«O pai do ora réu mantinha com a autora uma relação pessoal afectiva e psicológica muito especial, materializada numa estranha dependência da autora em relação ao seu irmão?» (ques. 8º). Apesar de se não ter provado o último segmento (a resposta consta da al. k)), a Relação concluiu, segundo o recorrente, pela ‘situação de dependência’.</font><br>
<font>«Era visita assídua da casa da autora com quem convivia diariamente e em relação à qual exercia uma estranha autoridade?» (ques. 9º). Apesar da resposta restritiva (consta da al. l)), concluiu a Relação, segundo o recorrente, que o seu pai visitava a autora quase diariamente e aproveitou-se de uma situação de dependência desta.</font><br>
<font>«A autora sempre mostrou perante o irmão uma fraqueza de personalidade ao não saber dizer não ao que ele lhe solicitasse, sempre demonstrou uma inexperiência e uma fraqueza de ânimo materializada na crença absoluta da palavra e nos actos do irmão?» (ques. 10º) - a resposta consta da al. m).</font><br>
<font>«Facto que o irmão e pai do ora réu soube aproveitar em todas as circunstâncias nomeadamente quando propôs o negócio em causa e o conseguiu concretizar?» (ques. 11º) - respondeu o tribunal ‘provado, com referência à resposta dada ao facto 10’, essa a razão de ser da al. n).</font><br>
<font>«A autora vivia quase a expensas de seu irmão, pois este ajudava-a materialmente sempre que aquela necessitava?» (ques. 20º) - a resposta consta da al. u).</font><br>
<font>Também as respostas restritivas a estes quesitos não autorizava a Relação, segundo o recorrente, a extrair a ilação da relação de dependência com o pai do réu do qual este se tinha aproveitado.</font><br>
<br>
<font>A Relação considerou que dos factos provados se retira que a casa objecto da compra e venda em apreço era o único bem que a autora tinha, que a autora quis doá-la ao réu e pela situação de dependência desta para com o pai do réu, o que determinou o negócio e de que aquele conscientemente se aproveitou.</font><br>
<font>Com interesse ainda para a análise da questão suscitada - o tribunal quando respondeu aos quesitos não justificou o restringi-las em ter a matéria excluída como conclusão de direito e, lendo-se a fundamentação das respostas (fls. 164 a 168), adquire-se a certeza ter tratado toda ela tão somente como matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>2.- A Relação pode da factualidade provada extrair outra desde que se insira na linha da mesma, na sua órbita.</font><br>
<font>Dois são os limites que se impõem - um, é estrutural, respeita ao procedimento que foi seguido, se o percurso lógico observado permitia aquele outro facto ou aquela outra conclusão de facto (e esta é facto ainda); o outro é negativo, não lhe é permitido inferir um facto ou uma conclusão de facto se, tendo-o quesitado, ele não ficou consignado como provado.</font><br>
<font>Tendo o tribunal quesitado, de forma clara e expressa, se havia uma real situação de dependência da autora em relação ao pai do réu (ques. 8º), que sobre ela exercia uma estranha autoridade (ques. 9º), tais factos não lograram prova que convencesse o tribunal a dar-lhes uma resposta positiva.</font><br>
<font>Razão assiste ao recorrente para se insurgir. Contrariamente ao defendido pela autora, não se está no domínio do art. 712 CPC (daí a inaplicabilidade do seu nº 6), mas de a Relação, por violar o disposto nos arts. 349 CC e 659-3 CPC, ter passado a incluir um facto que, alegado e quesitado, não foi dado como provado pelo tribunal.</font><br>
<font>Ao Supremo Tribunal de Justiça é lícito censurar o exercício dos poderes pela Relação quando, relativamente à decisão de facto, o tenham sido exercidos à margem dos que lhe são conferidos pelo art. 712 CPC.</font><br>
<font>A censura tem, todavia, de se estender a uma outra ilação extraída pela Relação - ter a autora querido doar a casa.</font><br>
<font>Diversamente o provado - nunca quis vender, sempre teve a venda como meramente fictícia, assim acordada com o seu irmão, sempre se sentiu e comportou como proprietária da casa, nunca a quis alienar.</font><br>
<font>Consequência da censura - não se poderem incluir na decisão de facto estes factos que a Relação deduziu dos concretamente provados.</font><div></div><font>As respostas aos quesitos acima transcritos deixam ver que o tribunal considerou que a demonstração de um segmento não prejudicava a ausência da prova do outro tal como era verdadeiro também o contrário, ou seja, tratava-se de factos com autonomia e que se provados ambos os segmentos do quesito se podiam apresentar numa relação ou de complementaridade ou de explicarem uma realidade mais complexa.</font><br>
<font>Daí o não ter que desvalorizar a prova de um dos segmentos se o outro não lograsse obter prova e nada se opor a limitar a resposta ao efectivamente provado. Podia e devia-o fazer ao abrigo do art. 655 n. 1 CPC.</font><div></div><font>Assim, matéria de facto toda a enunciada na sentença e apenas essa, e que a Relação, ao abrigo do art. 713 n. 6 CPC, acolheu.</font><br>
<br>
<font>3.- Da mihi factum dabo tibi jus (CPC - 664).</font><br>
<font>As partes articularam tempestivamente a factualidade que por eles tida por adequada à defesa das respectivas posições.</font><br>
<font>A qualificação jurídica por eles emprestada à mesma não vincula o tribunal.</font><br>
<font>Desde que o concreto pedido formulado não sofra qualquer alteração qualitativa por o tribunal juridicamente subsumir os factos de forma diversa, não há desrespeito do princípio do pedido.</font><div></div><font>Enquanto a sentença, embora afirmando verificarem-se também os requisitos da usura (fls. 203), deu procedência à acção subsumindo os factos ao dolo (CC - 253, n. 1), já o acórdão, divergindo da subsunção mas tendo-os como integrando negócio usurário (CC - 282), confirmou a decisão.</font><br>
<font>Questão apenas de direito e fornecendo a decisão de facto todos os factos que uma e outro consideraram (embora a Relação tenha ainda incluído outros que, como se disse, o não deveriam ter sido).</font><br>
<font>A autora nunca quis vender, sempre teve a venda como meramente fictícia (simbólica) tal como acordada com o seu irmão (pai do réu), sempre se sentiu e comportou como proprietária da casa, nunca a quis alienar. Em suma, nunca quis demitir-se do direito de propriedade dela, não quis transmiti-lo definitivamente para outrem, mesmo que esse terceiro fosse o seu irmão.</font><br>
<font>O pai do réu, querendo apropriar-se desse bem, conduziu-a a outorgar um contrato de compra e venda afirmando que era meramente fictício e mantendo-a na convicção de que lhe devolveria a titularidade do mesmo até ao momento em que, pelo conhecimento do seu testamento, ela se apercebe que não lha devolveu.</font><br>
<br>
<font>Para conseguir o seu desiderato e vencer a resistência da autora, o pai do réu, sabendo que esta nele confiava cegamente, promete-lhe que, mais tarde, o mesmo voltaria à sua titularidade e que a razão de ser do pedido era dá-lo como garantia de um empréstimo que tinha urgência em contrair.</font><br>
<font>Explica isto também a razão de o preço declarado nunca ter sido pago.</font><br>
<font>Confiança cega, forte amizade entre ambos, apresentação de uma justificação que ele pretendia ser convincente, afirmação de apenas ser celebrado um negócio fictício e promessa de reposição na situação anterior, tudo isto traçava e traçou o quadro para o pai do réu induzir a autora em engano e a laborar em erro.</font><br>
<br>
<font>Relativamente ao negócio jurídico outorgado não houve divergência entre a vontade real e a vontade declarada - foi por cada um dito o que queriam; ela, no pressuposto da justificação que o irmão lhe apresentava e do que lhe dizia quanto ao valor do negócio e ainda da promessa por ele feita; ele, porque queria adquirir esse prédio urbano.</font><br>
<font>Onde existe vício é no processo anterior e que desembocou na conclusão do negócio, no como foi obtida a declaração da autora.</font><br>
<br>
<font>O pai do réu obtém a declaração de vontade da autora através de engano, induzindo-a a manifestá-la em sentido diametralmente oposto ao que sabia ser a sua real vontade (nunca se demitir do direito de propriedade sobre a casa) e, por outro lado, conscientemente a manteve no erro, o que tudo fez intencionalmente. Obtém deste modo a celebração de negócio jurídico que sabe ser fortemente prejudicial à autora e totalmente proveitoso para si sem que houvesse justificação para tal.</font><br>
<font>Determinando assim a vontade da autora agiu com dolo tornando anulável o negócio (CC - 253, n. 1 e 254 n. 1).</font><br>
<br>
<font>Da factualidade provada é possível observar como a actuação da autora é, em relação ao pai do réu, caracterizada pela ligeireza e como este se soube dela aproveitar.</font><br>
<font>Importaria, se por dolo não houvesse de ser anulado o concreto contrato de compra e venda celebrado, saber se a referida ligeireza foi suficiente significativa permitindo esse aproveitamento em ordem a autora manifestar, outorgando no contrato, uma vontade que sabia não corresponder à que, na realidade, sempre fora a sua.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font>.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 24 de Maio de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
STLiu4YBgYBz1XKvhU-8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
<br>
"A" propôs contra B, acção pedindo se declare nula a deliberação social tomada em assembleia geral de 97.12.15 que determinou a cessação pelo autor das funções de gerente da ré, antecipando a data em que a renúncia por si apresentada, em 97.10.13, produzia efeitos com o que, através do expediente da renúncia, protagonizou uma efectiva destituição do autor daquelas funções.<br>
Contestando, impugnou a ré os factos concluindo pela improcedência da acção.<br>
Prosseguindo até final, procedeu a acção por sentença que a Relação confirmou salvo quanto à declaração de nulidade por decretar a sua anulação.<br>
De novo inconformada, a autora pediu revista concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- em assembleia geral, a ré, destinatária dessa declaração de renúncia, deliberou (voto favorável da sócia maioritária e contrário do autor, respectivamente, 99,5% e 0,5% do capital social) aceitar a data de 97.10.13, proposta pelo autor na carta, como data da eficácia da renúncia;<br>
- entendendo que a deliberação estava dependente também da vontade do autor, a 1ª instância declarou-a nula (CSC- 56,1), e a Relação, entendendo que a eventual antecipação da renúncia dependia do acordo dos sócios da ré que não da deliberação da sociedade, decretou a sua anulação (CSC- 58,1 a);<br>
- competia à assembleia geral decidir e não aos sócios individualmente considerados,<br>
- pois a destinatária da declaração era a ré cujas capacidades de gozo e de exercício de direitos se manifesta através dos seus órgãos, que exprimem a vontade da pessoa colectiva;<br>
- a renúncia dos gerentes, por analogia com o estatuído para a sua destituição, depende da deliberação dos sócios;<br>
- a renúncia deve ser comunicada à sociedade e torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação;<br>
- violado o disposto nos arts. 250-3 CSC e 394-1 CC.<br>
Contraalegando, o autor defendeu a confirmação do acórdão não sem antes ter como prolixas e excessivas as conclusões do recurso da ré caindo na alçada de previsão do art. 690-1 e 4 CPC.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- a ré B, é uma sociedade comercial por quotas com sede na Av. da República, nº ...., 1°, freguesia de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, com o capital social de 300.000.000$00, dividido em 2 quotas, uma pertencente ao ora autor no valor nominal de 1.488.750$00, e outra no valor nominal de 298.511.250$00, titulada em nome da sociedade D, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° 22353;<br>
b)- em 97.10.13 o autor dirigiu à ré a carta reproduzida a fls. 22/23 e traduzida a fls. 24 dos autos de providência cautelar apensos, na qual o autor declara a sua demissão como gerente da sociedade ré com efeitos a partir de 30 de Junho de 1998 ou em qualquer altura antes, desde que os sócios da B., o desejassem;<br>
c)- na sobredita carta de renúncia, o autor fixou que a mesma só pode-ria produzir efeitos em data anterior, desde que os sócios da ré assim o desejassem e acordassem;<br>
d)- em 97.11.11, foi remetida ao autor, e por este recebida, uma convocatória para uma assembleia geral da sociedade ré, dela constando o seguinte:<br>
«Convocatória<br>
Nos termos do Código das Sociedades Comerciais e demais legislação aplicável, convocam-se todos os sócios da sociedade comercial por quotas denominada B, com sede na Avenida da República, nº ...., 1° andar, em Lisboa, com o capital social de 300.000.000$00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o nº 22,353, para reunirem em Assembleia. Geral Extraordinária, no próximo dia 15 de Dezembro de 1997, peIas 17H30 na sede da sociedade, com a seguinte ordem de trabalhos:<br>
l- Analisar, deliberar e votar sobre a renúncia à gerência da sociedade apresentada pelo gerente único, Sr. A, e sobre a data da eficácia da renúncia;<br>
2- Deliberar e votar sobre a nomeação do novo gerente da sociedade, Sr. C».<br>
e)- realizada a assembleia geral na data e hora indicadas, foi lavrada acta reproduzida no documento junto a fls. 17/18 dos autos de providência cautelar em apenso;<br>
f)- da sobredita acta consta designadamente, que, a propósito do ponto único da ordem de trabalhos, a sócia D apresentou uma proposta para, «aceitar o pedido de renúncia à gerência da sociedade apresentado pelo gerente Sr. A, o qual deverá produzir todos os seus efeitos a partir de 13 de Outubro de 1997, data da apresentação da sua renúncia, porquanto a assembleia entende que a sua permanência naquelas funções não convém à sociedade»;<br>
g)- aquela proposta foi admitida, discutida aprovada pela assembleia, por maioria, com o voto favorável da sócia De o voto contra do sócio A, pelas razões constantes da declaração anexa à referida acta e que dela faz parte integrante.<br>
<br>
Decidindo:<br>
<br>
1.- Falece razão ao autor na questão prévia que suscita.<br>
Com efeito, é acusar-se de excessivas as conclusões porquanto deveriam sintetizar mais e melhor - e nisso assiste-lhe razão, outra é tê-las como prolixas - e não o são.<br>
Inteligíveis e sintetizando, sem prejuízo do que no nº seguinte se dirá, o conteúdo das alegações.<br>
<br>
2.- Conquanto indique como uma das normas jurídicas violadas a do art. 394-1 CC, ao concluir a ré não formulou qualquer proposição sintetizando o que alegara nos pontos 28 a 33 (fls. 178/9).<br>
Entre o alegado e as conclusões tem de haver correspondência (aliás, recíproca) sob pena de o tribunal de recurso cujos poderes de cognição são limitados, em princípio, pelas conclusões da recorrente.<br>
Nada se tendo concluído sobre a (in)admissibilidade da prova testemunhal, não pode o STJ conhecer da suposta violação.<br>
In casu, e como resultará do que no nº seguinte será discutido e desenvolvido, também isso seria irrelevante.<br>
3.- O escrito em que o autor renuncia ao exercício das funções de gerência continha 2 declarações distintas - uma, a de renúncia, dirigida à sociedade ré; a outra, dirigida ao outro sócio.<br>
A primeira, declaração de renúncia, tinha correctamente como destinatária a sociedade ré.<br>
Na segunda, o autor dirige-se não à sociedade mas aos sócios, neste caso, ao sócio D oferecendo a sua disponibilidade para um acordo sobre a data em que a renúncia operava.<br>
A segunda não foi enviada ao destinatário, tornou-se dele conhecida, pelo menos, no momento em que a assembleia geral teve lugar.<br>
Isto e esta autonomia das duas declarações é evidenciada, confirmando-a, ainda pelo teor do último segmento do ponto 1 da convocatória, convocatória essa de autoria do único gerente da ré, o autor.<br>
Na convocatória, a sociedade ré expressa a sua compreensão da declaração do autor - renúncia (embora fale em demissão) à gerência deixando à sociedade estabelecer o momento a partir do qual ela operará (se demissão, operaria desde logo), por um lado (daí o teor do último segmento do ponto 1 da convocatória), e disponibilidade para negociar com o outro sócio (acordo - ‘desde que os sócios da ré o desejassem’) a possibilidade de permanecer (ou não) no exercício das funções de gerência tendo por limite temporal máximo 98.06.30, por outro (daí a convocatória omitir qualquer referência a negociação que a não envolvia mas apenas a um e outro sócio, a negociação a que, portanto, seria uma extranea).<br>
Esta a compreensão, o sentido que se apresentava a um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, tanto mais que a convocatória emanava do próprio declarante, o autor, enquanto titular - e único titular - de um órgão social da ré (a gerência); isto é, através da convocatória evidenciava que o escrito continha duas declarações distintas cada qual com o seu destinatário próprio.<br>
Não vincula a sociedade a ré nem perante ela condiciona a vontade de quem produziu a declaração (o autor).<br>
Não sendo a vontade de uma sociedade um somatório de vontades dos sócios, ela só poderia, in casu, deliberar sobre a declaração que lhe fora dirigida (a renúncia é um acto receptício que só pela recepção da comunicação se torna eficaz para com o destinatário - cfr. Raúl Ventura in Comentário ao CSC - Sociedade por Quotas, III/122).<br>
Daí que a acção poderia ter sido decidida, com segurança, no saneador. A matéria do quesito único (a al. c)) respeitava à segunda declaração, à que não tinha a ré como destinatária.<br>
Acresce que o interesse que preside ao estabelecimento da data a partir da qual opera a renúncia à gerência é o da sociedade, aqui tanto mais notório quanto esse órgão social apenas dispunha de um titular. Este pode ter o seu interesse particular, é natural que o tenha, mas o interesse da sociedade não tem de se conformar com aquele nem mesmo de a ele se subordinar.<br>
Tal como foi apresentada, a acção tinha de improceder.<br>
<br>
4.- Na sua petição inicial, o autor articulou que a ré procurou, através do expediente da renúncia, protagonizar uma efectiva destituição daquele das suas funções de gerente (art. 16).<br>
A par da presente acção corria outra em que o ora autor demandava da ré o pagamento de uma certa quantia por os autos revelarem que a declaração de 97.10.13 (precisamente a mesma que ora invoca para estruturar a presente acção) foi abusivamente utilizada pela ora ré para o destituir da gerência e fazer, sem que aquela o autorizasse a tanto, retroagir os efeitos da sua deliberação (a que agora se quer ver declarada nula).<br>
Essa acção improcedeu, tendo o STJ negado, por douto acórdão de 03.04.08, in rec. 77/03 (fls. 187 a 195), a revista do ora autor. Expressamente aí se considerou, como fundamento lógico e estruturante da decisão, que o autor «através da renúncia, por manifestação unilateral da sua vontade assumiu, voluntariamente, a perda de um direito» «podendo a vontade da sociedade impor uma data anterior» àquela que ele referia como limite temporal máximo, e que a ré o não destituiu da gerência.<br>
O voto do autor tinha como pilar dois elementos - a sua (dele) interpretação do escrito e o estar a ser de facto destituído da gerência. Quanto ao primeiro, esqueceu-se da natureza receptícia da declaração de renúncia, de que no momento da recepção a ré não conhecia que o sentido pretendido não era o expressado no escrito mas o que no voto veio a declarar, do sentido que um declaratário normal podia compreender e de que o escrito continha as duas referidas declarações. O segundo pilar não existe como o acórdão demonstrou e afastou. <br>
Este acórdão, lavrado na mesma data que o aqui recorrido, transitou em momento bem anterior (de meses) à apresentação das contraalegações (03.09.15) nesta revista, mas o autor preferiu aí ignorá-lo (era-lhe totalmente desfavorável mesmo para efeitos da presente acção; aliás, a litigância que ao longo do tempo vem desenvolvendo tomando como ponto de partida aquele seu escrito também o tem sido).<br>
<br>
5.- A renúncia de gerente torna-se efectiva oito dias depois de recebida a comunicação (CSC- 258,1).<br>
Não podendo o autor desconhecer o que a lei dispõe nem se confundindo ‘assembleia geral’ com ‘sócios’, mais razão assistia à ré para ver e compreender que no escrito daquele se continham duas declarações cada qual com o seu destinatário e cada qual com um sentido próprio.<br>
E porque a sociedade tem vontade e interesse próprios a ela que compete deliberar sobre a sua vida (societária), o que, naturalmente, compreende sobre a vida e exercício dos seus órgãos sociais. Aplicando ao caso, à sociedade competia deliberar sobre o momento a partir do qual e no respeito da lei operava a declaração unilateral receptícia de renúncia do autor à gerência. E a convocatória, na realidade, é isso que expressa e a deliberação da assembleia geral conformou-se exactamente com ela.<br>
<br>
Válida e eficaz a deliberação.<br>
Termos em que, revogando-se o acórdão, se julga improcedente a acção.<br>
Custas pelo recorrido.<br>
<br>
Lisboa, 2 de Dezembro de 2003<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Reis Figueira</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xzLfu4YBgYBz1XKvSEvB | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>"A", proprietária do prédio sito na E.N. nº 10, Sacavém, Loures, propôs acção contra B, arrendatária da cave, 2º e 3º andares daquele, a fim de ser indemnizada dos danos que do incêndio, ocorrido em 91.08.23 e causado pela ré ao colocar tela asfáltica na zona exterior do rés-do-chão do prédio para impermeabilizar a cave, resultaram implicando a sua demolição e construção de um novo e o não poder dispor das rendas percebidas, contabilizando os primeiros em 712.710.000$00 e estes à razão anual de 20.000.000$00.</font><br>
<font>Contestando, a ré excepcionou a sua ilegitimidade e a prescrição do direito da autora e impugnou, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação desta como litigante de má fé.</font><br>
<font>Após réplica e despacho saneador a negar procedência às excepções prosseguiu, até final, o processo tendo a acção sido julgada, com fundamento no disposto no art. 1.044 CC, parcialmente procedente por sentença que a Relação revogou do pedido absolvendo a ré.</font><br>
<font>Inconformada, pediu revista a autora que, em suas alegações, concluiu, em suma e no essencial –</font><br>
<font>- para a decisão da causa irreleva a qualificação do contrato celebrado entre a ré e o executante material da obra, pois que aquela era, à data dos factos, arrendatária de parte do prédio, a obra foi autorizada pela autora tendo sido realizada na cobertura de um dos andares a ela locados e para seu benefício e, da realização da obra, resultaram danos em todo o prédio mormente na sua estrutura, danos que resultaram da actuação culposa do executante material;</font><br>
<font>- ainda que o contrato fosse de empreitada, e não o é, haveria responsabilidade directa da ré pois a lei trata de modo idêntico a responsabilidade própria do locatário e a de terceiro a quem tenha permitido utilização do locado;</font><br>
<font>- provado que C executou a obra «a mando e sob orientação da ré», o que exclui a característica indissociável da relação do empreiteiro com o dono da obra e o caracteriza como comissário da ré na execução da obra;</font><br>
<font>- tendo o acórdão afirmado aquele (contrato de empreitada) e negado esta (comissão) incorreu em erro na apreciação da prova que determinou erro também na qualificação jurídica do contrato em causa;</font><br>
<font>- a responsabilidade do comitente é solidária com a do comissário, não tendo este que acompanhar aquele na acção;</font><br>
<font>- ainda que se entendesse ser de empreitada o contrato, havia responsabilidade da ré pois foi a original autorizada à realização da obra, tendo sido por sua decisão e por sua conveniência que delegou tal realização em terceiro, sendo tal factualidade em tudo similar à do empreiteiro que delega em subempreiteiro a realização de uma obra, ou parte dela, a cuja realização se tinha directamente vinculado;</font><br>
<font>- considerando que não ficou provado que o espaço locado à ré tenha sofrido danos com a ocorrência do incêndio houve erro na apreciação da prova pois que, além dos danos «superficiais» decorrentes da combustão, foi todo o prédio que sofreu danos graves e extensos, os quais puseram em causa a estabilidade da respectiva estrutura e diminuíram a sua capacidade resistente;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 1.044, 500, 264-2 e 1.213 CC.</font><br>
<font>Juntou dois doutos pareceres (um, de Pedro Eiró a defender haver relação de comissão e a consequente aplicabilidade do art. 500 CC; outro, de Calvão da Silva defendendo a aplicabilidade do disposto no art. 1.044 CC).</font><br>
<font>Contraalegando, pugnou a ré pela confirmação do julgado.</font><br>
<font>Juntou dois doutos pareceres (de Romano Martinez e de Sousa Ribeiro, recusando a aplicabilidade de daquelas normas e, o primeiro ainda, subsidiariamente, concluindo pela redução ou exclusão, com base na </font><i><font>compensatio lucri cum damno</font></i><font> e na culpa do lesado, da obrigação de indemnizar). </font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<br>
<font>Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -</font><br>
<font>a)- a autora é proprietária do prédio urbano sito na Estrada Nacional n° 10, ao Km 0,400, da freguesia de Sacavém, concelho de Loures, inscrito na respectiva matriz sob o art. 1583 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n° 00699, da freguesia de Sacavém;</font><br>
<font>b)- esse imóvel é um edifício destinado a actividades industriais, comerciais e de armazenagem;</font><br>
<font>c)- tal edifício é constituído por 5 pisos que se encontravam arrendados a terceiros e à ora ré;</font><br>
<font>d)- por escrituras celebradas em diferentes momentos, eram, em 91.08.23, as seguintes sociedades os arrendatários do mesmo edifício:</font><br>
<font>- da cave, do 2° e 3° andares a sociedade ré;</font><br>
<font>- do rés-do-chão a sociedade Molaflex - Molas Flexíveis, Lª;</font><br>
<font>- do 1° andar a sociedade Bertrand Faure Portugal - Equipamentos para Automóveis, S.A.;</font><br>
<font>e)- o arrendamento da cave à ré foi feito por escritura outorgada em 73.02.07 no 3° Cartório Notarial de Lisboa, por um período de um ano, sucessivamente renovado por períodos de seis meses;</font><br>
<font>f)- a ré solicitou autorização à autora para realizar a impermeabilização da cave do prédio dos autos, para evitar humidades e infiltrações de água provenientes do logradouro adjacente ao rés-do-chão;</font><br>
<font>g)- dada essa autorização pela autora, a ré solicitou a C, industrial de construção civil, a apresentação de um orçamento relativo aos trabalhos de impermeabilização a levar a efeito no aludido logradouro;</font><br>
<font>h)- a proposta orçamental do C, no valor de 2.400.000$00, acrescidos de IVA, foi aceite pela ré em 91.08.09;</font><br>
<font>i)- C, efectuou, para a ré, as obras constantes do orçamento referido e recebeu desta o preço convencionado, ou seja, 2.400.000$00, mais IVA;</font><br>
<font>j)- a obra foi executada por C, a mando e sob a orientação da ré;</font><br>
<font>k)- em 91.08.23, aproveitando o período de férias, procedeu-se à colocação de uma tela asfáltica na zona do logradouro exterior no rés-do-chão para impermeabilização da placa da cave;</font><br>
<font>l)- a colocação da tela asfáltica era feita a quente com utilização de maçaricos;</font><br>
<font>m)- para obter o efeito de fusão o C aplicava a chama do maçarico em passagens sucessivas na tela, mas sem que o aquecimento da zona a fundir atingisse temperatura superior à que ultrapassasse o ponto de fusão;</font><br>
<font>n)- se atingisse temperatura superior provocaria a deterioração da própria tela o que não sucedeu; </font><br>
<font>o)- o C e um seu empregado iniciaram o trabalho nesse dia 23, pelas 8 horas e largaram o trabalho pelas 18 horas;</font><br>
<font>p)- o calor gerado pela utilização dos maçaricos junto a um dos portões do r/c fez com que se incendiassem colchões e outros materiais, propriedade da arrendatária do r/c, que dele se encontravam próximos e encostados;</font><br>
<font>q)- o incêndio foi consumindo colchões e outro material existente no r/c e 1º andar direito do edifício;</font><br>
<font>r)- em 91.08.24 deflagrou um incêndio no prédio;</font><br>
<font>s)- o calor provocado pelo incêndio foi detectado, primeiramente, e nesse dia 24, pelas 9 horas, junto ao 2° portão, e não perto do 1º local onde proximamente tinha sido aplicada a tela;</font><br>
<font>t)- um dos portões da parte do prédio arrendado à Molaflex destinava-se à entrada e saída de viaturas desta;</font><br>
<font>u)- no interior das instalações da Molaflex existia um empilhador de marca Promec, movido a energia eléctrica, acumulada em bateria;</font><br>
<font>v)- tal empilhador estava colocado na parte de baixo lateral de uma rampa de acesso ao piso superior;</font><br>
<font>x)- o empilhador pertencia à Molaflex;</font><br>
<font>y)- a autora não fez os escoramentos do prédio nem autorizou a efectivação das necessárias obras;</font><br>
<font>w)- o custo estimado com os projectos, obras de demolição e reconstrução do imóvel seriam de 593.925.000$00 (IVA incluído);</font><br>
<font>z)- por virtude do sinistro, a autora enviou cartas a todos os arrendatários, notificando-os de que considerava a impossibilidade de acesso de todos os arrendatários ao prédio, advertindo-os de que não iria aceitar qualquer renda, invocando a caducidade do arrendamento;</font><br>
<font>a-1)- no entanto, os arrendatários incluindo a ora ré entenderam não o abandonar;</font><br>
<font>b-1)- o rés-do-chão continua ocupado pela Molaflex e o 1° andar está desocupado;</font><br>
<font>c-1)- o 2° e3° andares estão parcialmente ocupados mas sem laboração;</font><br>
<font>d-1)- a Molaflex continua a sua laboração normal nas instalações em causa, tendo efectuado o escoramento através de tubos metálicos da estrutura danificada e pintando a branco paredes atingidas pelo incêndio;</font><br>
<font>e-1)- a ré, para salvaguarda de cerca de 500 postos de trabalho, adquiriu novas instalações, efectuando um investimento superior a um milhão de contos;</font><br>
<font>f-1)- o edifício não se desmoronou ao fim de mais de 3 anos após o incêndio e é susceptível de recuperação;</font><br>
<font>g-1)- requerida pela autora, foi elaborado pelo Departamento de Estruturas - Núcleo de Comportamentos das Estruturas, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, um parecer onde consta que ‘face à extensão e gravidade dos danos observados, considera-se que o edifício se encontre em risco de segurança, tendo-se alertado de imediato a firma B para a necessidade de não serem reatadas as actividades de laboração...’;</font><br>
<font>h-1)- também por solicitação da autora foi elaborado um relatório, pela empresa da especialidade ENGOS - Sociedade de Engenharia Industrial e Naval, Lª, onde se refere designamente que: ‘Do incêndio ocorrido resultaram graves danos na estrutura do edifício que se encontra seriamente afectada quanto à sua estabilidade e consequentemente põe em perigo as normais condições de habitabilidade ou de ocupação do referido espaço’;</font><br>
<font>i-1)- do parecer técnico requerido pela B, realizado pela Sodenco - Sociedade de Engenharia de Construções, Lª, consta além do mais que: ‘Da análise efectuada é possível concluir que, tendo as estruturas sido submetidas a elevadas temperaturas, terá havido uma perda da capacidade resistente só possível de quantificar através de análises por métodos apropriados’ e que ‘Da análise do estado actual da estrutura é pois nossa convicção que não existem condições de segurança para iniciar a produção da B sem a tomada de medidas imediatas’;</font><br>
<font>j-1)- a pedido da autora foi elaborado pelo Eng.</font><font> </font><font>D um relatório, datado 92.07.20, de onde consta um orçamento para a reconstrução do prédio ‘Estimativa de custos de execução de novo projecto, licenciamento, nova edificação e demolição do existente, no valor de 593 925 000$00’.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- A autora, porque embora tivesse obtido ganho de causa (com base no art. 1.044 CC), requereu a ampliação do âmbito do recurso de apelação da ré (CPC- 684-A,2), a fim de se verificar o nexo causal que na 1ª instância fora recusado.</font><br>
<font>A Relação, conhecendo do nexo de causalidade, estabeleceu, por presunção judicial, que, no plano naturalístico, ‘o incêndio que deflagrou no dia 24 de Agosto no r/c e 1º andar do imóvel da autora foi causado pelo incêndio provocado nos colchões gerado pelo calor dos maçaricos utilizados pelo empreiteiro na colocação da tela’ (fls. 2.543).</font><br>
<font>Apenas pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça o percurso e o discurso lógico que permitiram estabelecer o concreto facto presumido.</font><br>
<font>O raciocínio desenvolvido, partindo de concretos factos provados (factos conhecidos) e apelando às regras práticas da experiência comum, permite logicamente alcançar aquela conclusão, pelo que nada há a censurar.</font><br>
<font>Equivale isto a, por um lado, incluir no elenco dos factos provados o facto presumido e, por outro, a afastar quer a tese da ré (o incêndio poder ter derivado do carregamento da bateria de um empilhador existente no local) quer a da sentença (desconhecer-se se houve dois incêndios ou se o do dia 24 foi continuação do iniciado no dia anterior).</font><br>
<br>
<font>2.- A decisão da matéria de facto merece censura ao transcrever o especificado nas als. m) a p) – é o constante das als. g-1) a j-1). O que aí se indica não são factos materiais e sim documentos; ora estes apenas são meios de prova e a decisão de facto serve para consignar o que se provou em sede do facto.</font><br>
<font>Se necessário, retomar-se-á a questão ordenando-se a baixa do processo à Relação, o que seria inútil caso se deva concluir pela improcedência da acção.</font><br>
<br>
<font>3.- Defende a autora a irrelevância da qualificação da relação jurídica firmada entre a ré e quem materialmente executou a obra, e de cuja execução resultou o incêndio que causou os danos no seu prédio, por, tenha sido ou não contrato de empreitada, ser aplicável o disposto no art. 1.044 CC (quem executou a obra deve ser tratado como terceiro a quem a locatária – ré – permitiu a utilização do locado).</font><br>
<font>Para o efeito, assenta na distinção de conceitos – gozo do locado, utilização do locado.</font><br>
<font>Seguramente que gozo e utilização não são sinónimos nem a lei pretendeu empregar os termos com idêntica significação (não só o mostra o elemento literal mas a própria evolução legislativa que P. de Lima – A. Varela revelam in CCAnot II/405). Mas daí não se poderá concluir que toda a pessoa que se encontre, com autorização do locatário, acidentalmente ou não, no locado deva ser abrangido no círculo de </font><i><font>terceiro</font></i><font> traçado pela lei naquela disposição.</font><br>
<font>Consciente disto, a autora recusou, de seguida, poder-se qualificar como contrato de empreitada a relação jurídica estabelecida entre a ré e C e rotulou-a de ‘comissão’.</font><br>
<font>Ponto comum à argumentação desenvolvida em ordem quer àquela conclusão quer a esta outra a negação da característica da autonomia e a contraposição da subordinação do C à ré.</font><br>
<font>Esta, como locatária, pediu à locadora autorização para realização de uma determinada obra e esta concedeu-lha. Porque na fundamentação das respostas se considera a prova testemunhal e o fax de fls. 832, onde foi aposta uma nota manuscrita, a autora interpreta-os como tendo a autorização sido concedida à ré e que esta decidiu executar a obra.</font><br>
<font>Extrapolações do que consta do facto, apenas isso, e do que o tribunal não consignou como provado. Na realidade, era à ré, e tão só a esta por ser a locatária, a quem devia ser dada autorização – mas do facto de esta a ter pedido não se segue que seria ela quem iria materialmente executar a obra (aí, a extrapolação; e o facto não consignado como provado é a declaração em nota manuscrita).</font><br>
<font>Aliás, e extravasando a competência do STJ em sede do facto (as exactas declarações do fax não constam da decisão do facto), dir-se-á que a leitura que a autora defende não é a que resulta do aí exarado e antes a de que a autora autoriza a obra mas não está disposta a suportar o seu custo e que a ré se mostrou disponível (prescinde de qualquer discussão sobre tal ou, então, dispensa a autora de cumprir uma sua obrigação como locadora – arts. 11-2 c) e 12 do RAU) a suportá-lo.</font><br>
<font>Do aí exarado não resulta ter sido produzida declaração com destinatário ou destinada a ser por este conhecida e na qual tivesse a ré afirmasse que seria ela a executora material da obra ou que a realizaria através de empreitada ou esta na modalidade de administração directa. E, porque isto é assim, não se pode sequer (por carência de elementos) ter como dado adquirido que o destinatário (se o tiver havido) pudesse ter tal declaração (se a houve) como geradora de uma convicção merecedora de tutela da boa fé.</font><br>
<font>O disposto na própria norma do nº 1 do art. 236 CC não apoia a tese da autora.</font><br>
<br>
<font>4.- No quesito 9º perguntava-se o que, na réplica (art. 28), fora pela autora contraposto ao alegado pela ré na contestação (arts. 86, 88 e 113) – se «a obra foi executada pelo C a mando e sob a orientação e administração directa da ré». A resposta foi restritiva e consta da al. j).</font><br>
<font>A presunção do art. 1.044 CC (não se firma aí um caso de responsabilidade objectiva) não dispensa o locador de alegar e provar que um terceiro utilizou, com permissão do locatário (deste, não a do senhorio), o locado; satisfeitos esses ónus, está, para poder responsabilizar o locatário, dispensado de provar (CC- 350,1 e 344,1) que a perda ou deterioração da coisa lhe é imputável – estabelece-se uma presunção de culpa, tão só desta.</font><br>
<font>O que a ré articulou respeita não ao pressuposto processual da legitimidade (CPC- 26; o tribunal não está vinculado à qualificação jurídica operada pelas partes – art. 664), antes a impugnação motivada (CPC- 490) – negar uma relação de subordinação entre ela e o executor material por entender não poder ser responsabilizada já que aquele agira em execução de um contrato de empreitada. Na medida em que os ónus da alegação e da prova recaíam sobra a autora, cabia-lhe alegar e demonstrar uma relação de subordinação ou que, a ser de empreitada o contrato firmado entre a ré e C, a ré reservara para si a orientação prática da obra transformando este como que num mero executor técnico das suas directivas ou acordara com C assumir (não só como dono da obra mas também porque locatário, muito embora esta posição o não obrigasse a tal) a vigilância da execução da obra (ao abrigo da liberdade contratual isso seria possível – art. 405-1 CC).</font><br>
<font>Por isso, a resposta restritiva não a beneficia (CC- 342,1 e 346 e CPC- 516).</font><br>
<font>Só sem rigor jurídico e em terminologia corrente não correcta se poderá afirmar que o empreiteiro se substitui ao dono da obra na execução da obra àquele contratada.</font><br>
<font>O que a autora taxa de ‘erro na apreciação da prova’ nada tem a ver com o sentido em que a lei emprega a expressão (CPC- 722,2 e 615,1) mas com a subsunção jurídica dos factos provados e que aquela entende dever ser diferente da operada pela Relação. Isso, porém, respeita antes ao julgamento de direito, sendo precisamente aí que a divergência da autora se manifesta.</font><br>
<br>
<font>5.- A preocupação da autora ao alegar que a obra foi executada pelo C a mando e sob a orientação e administração directa da ré não foi a do rigor terminológico, reportando-se a uma das formas que a empreitada pode revestir – pois que recusa tê-la havido, mas a de alegar para poder vir a ser demonstrada a subordinação do executor material da obra à ré (CC- 500). Só a título subsidiário é que tem por aplicável, por analogia, o disposto no art. 264 por força do art. 1.213-2 CC.</font><br>
<font>Noção legal (CC- 1.207) de empreitada – contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.</font><br>
<font>Um traço característico do contrato é o da autonomia e independência do empreiteiro face ao dono da obra, </font><u><font>inexiste</font></u><font> vínculo de subordinação daquele em relação a este. O poder de fiscalização de que goza o dono da obra (CC- 1.209,1) não anula aquela característica – trata-se de um direito do dono da obra e não de um dever de vigilância deste sobre o empreiteiro. E se tão pouco esse direito significa poder, através dum excesso de ingerência, descaracterizar o contrato (passando o empreiteiro a funcionar como um </font><i><font>nudus minister</font></i><font>, na expressão de Calvão da Silva, do dono da obra) também a liberdade de acção do empreiteiro na execução da obra exclui necessariamente poder o dono da obra orientar.</font><br>
<font>Provar-se que a obra foi ‘executada a mando e sob orientação da ré’ é inócuo a menos que a tanto acrescesse algo que, alegado, não foi demonstrado. Dos factos constantes das als. k) a o) nada mais resulta que a descrição de como a obra se processava.</font><br>
<font>Sendo evidente que quem manda executar a obra é o seu dono (foi ele quem contratou a sua realização) e que o empreiteiro a deve executar em conformidade com o que foi convencionado com aquele (CC- 1.207 e 1.208), a expressão «executada a mando e sob orientação da ré», desacompanhada de outro elemento que permita, com segurança, verificar qual a sua direcção, é ambígua, autoriza mais que uma leitura.</font><br>
<font>Era à autora, a quem a prova da </font><i><font>comissão</font></i><font> aproveitava, que incumbia provar a relação de dependência (entre o comitente e o comissário) que esta pressupõe ou como, com mais rigor, refere Rui Alarcão «a existência de relações de autoridade e de subordinação correlativas» (Dir. das Obrigações, p. 298).</font><br>
<font>Provada que fosse a possibilidade de direcção justificava-se (P. de Lima - A. Varela in CCAnot I/508) a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. Na empreitada não existe esta relação de dependência do empreiteiro face ao dono da obra (... a menos que a ingerência do dono da obra seja de tal modo condicionante da sua execução; então era o contrato que teria sido descaracterizado e transformado num diferente, o de trabalho).</font><br>
<br>
<font>6.- Mesmo não se provando a relação de dependência nada, em princípio, se oporia a autora a pudesse demandar por responsabilidade civil extracontratual, independentemente da sua posição de locatária.</font><br>
<font>Todavia, isso requeria alegação de factos que, a se provarem, a responsabilizassem (v. g., ter escolhido para executar a obra profissional que sabia não conhecer a arte ou não o ter informado da existência perto de materiais facilmente inflamáveis e este, sem culpa sua, ignorá-lo, materiais esses que não careciam, para se incendiarem, de contacto com uma chama, etc.).</font><br>
<font>Porém, tudo isto, na medida em que nada foi alegado, não passa de meras conjecturas.</font><br>
<br>
<font>7.- Entendendo haver paralelismo entre dono da obra-empreiteiro-subempreiteiro e senhorio-locatário-empreiteiro contratado por este para realização de obra no locado defende a autora a responsabilidade civil da ré por aplicação analógica do disposto no art. 264 </font><i><font>ex vi</font></i><font> do art. 1.213 CC.</font><br>
<font>Raciocínio que parte da admissão de a relação jurídica estabelecida entre a ré e C ser qualificada de contrato de empreitada.</font><br>
<font>Na situação dono da obra-empreiteiro-subempreiteiro tal como na situação descrita no art. 264 CC há uma linha de continuidade – o empreiteiro assume face ao dono da obra uma prestação e é essa </font><u><font>mesma</font></u><font> prestação que ele faz executar, no todo ou em parte, por outrem que por ele é contratado; o representante assume face ao representado a obrigação de praticar actos para os quais voluntariamente lhe foram por este atribuídos poderes de representação e substabelece noutrem os poderes que lhe foram conferidos, será este quem irá praticar </font><u><font>esses</font></u><font> actos.</font><br>
<font>Na situação de senhorio-locatário-empreiteiro contratado por este para realização de obra no locado não há essa linha de continuidade. Entre as obrigações assumidas pelo locatário (face ao senhorio) e pelo empreiteiro (face ao locatário) inexiste ponto algum de contacto que não o local onde a obra é executada. São diversas e de conteúdo diferente as obrigações assumidas por e outro e sem traço de união que permita colocar o empreiteiro perante o senhorio </font><i><font>através do locatário</font></i><font>. O empreiteiro poderá, se houver fundamento para tanto, ser responsabilizado pelo senhorio mas não a título de responsabilidade contratual, esta só a tem face ao dono da obra.</font><br>
<font>As razões que procedem nas situações de dono da obra-empreiteiro-subempreiteiro e de representado-representante-subrepresentante e que justificam a respectiva regulamentação não se verificam na situação de senhorio-locatário-empreiteiro contratado por este para realização de obra no locado.</font><br>
<font>Além de não haver lacuna da lei (como se referiu, o empreiteiro poderá responder face ao senhorio mas não a título de responsabilidade contratual, esta só a tem para com o dono da obra), nem, se a houvesse, a analogia poderia ser estabelecida com aquelas outras situações (CC- 10,2).</font><br>
<br>
<font>8.- Importa agora, pois foi invocado o disposto no art. 1.044 CC, conhecer da última conclusão da revista.</font><br>
<font>Para além do que se já exarado antes, refira-se que esta disposição articula-se com a anterior. Subjaz a ambas o </font><u><font>poder de facto</font></u><font> que </font><u><font>sobre o locado</font></u><font> é detido pelo locatário e a obrigação de o manter, vigiar e restituir no estado em que o recebeu (CC- 1.038 d), h) e i) e 1.043-1).</font><br>
<font>O facto que originou o incêndio do qual resultaram os prejuízos cuja indemnização se reclama ocorreu no logradouro adjacente ao rés-do-chão. Este estava arrendado à Molaflex.</font><br>
<font>Não resulta da prova tratar-se de parte de utilização comum aos vários locatários e que tal tenha sido previsto ou incluído em contrato celebrado entre a autora e a ré, senhoria e locatária.</font><br>
<font>Relativamente ao logradouro não se provou que a ré dispusesse legalmente de poder de facto.</font><br>
<font>Excluído tal teria de, para se a poder responsabilizar, ser alegado (e provado), além do já acima referido, ou que fornecera falsa informação ao empreiteiro ou que, estando ele a executar a obra, a ré, ao aperceber-se de que o empreiteiro o fazia em local que àquela não era facultado ficou indiferente. Nesse caso, a responsabilização da ré não iria radicar naquela norma pois que não era o locado (ou parte dele) que teria sofrido deterioração (outra seria a solução se a perda ou deterioração dos outros andares do prédio resultasse causalmente da lesão no locado) – assentaria na responsabilidade civil extracontratual (CC- 483 e segs).</font><br>
<br>
<font>9.- A não-satisfação pela autora dos ónus de alegar e/ou prova que sobre si impendiam são, de per si, suficientes para se concluir pela improcedência da acção e se negar a revista.</font><br>
<font>Todavia, uma nota final.</font><br>
<font>A Relação qualificou o contrato estabelecido entre a ré e C como de empreitada, o que, face aos factos provados, acompanhamos. Da argumentação acima desenvolvida decorre ainda que a improcedência da acção também por esta via teria de ser decretada.</font><br>
<br>
<br>
<font>Termos em que, por razões parcialmente diversas, se nega a revista.</font><br>
<font>Custas pela autora.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 6 de Julho de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
xzLiu4YBgYBz1XKvBE77 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: <br>
<br>
<br>
I - No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A, em acção com processo sumário para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra B, C, D e Companhia de Seguros E., pediu que, com a procedência da acção, sejam os Réus condenados solidariamente a pagarem à Autora a quantia de 14.554.959$00, com juros, à taxa legal de 15%, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda:<br>
1 - A pagarem à Autora os encargos com as suas deslocações desde 09.04.1995 até à data da sentença a proferir em 18 instância na base em que se vier a provar nos autos;<br>
2 - Nos encargos com as intervenções cirúrgicas a que a Autora se vai sujeitar para extracção dos materiais de osteosínteses, tudo a liquidar em execução de sentença (despesas médicas, hospitalares e medicamentosas).<br>
Os Réus contestaram.<br>
O Instituto de Obras Sociais dos CTT deduziu, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n° 59/89, de 22 de Fevereiro, o pedido de reembolso de . despesas com assistência médico-hospitalar, no montante de 604.217$00.<br>
A final, foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção quanto aos Réus C e à Companhia de Seguros E., e parcialmente procedente quanto aos Réus B e D, condenando-os a pagarem, solidariamente, à Autora:<br>
- A quantia de cinquenta e quatro mil setecentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e três cêntimos (dez milhões novecentos e setenta e cinco<br>
mil quatrocentos e noventa e três escudos), dos quais dezassete mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e noventa e três cêntimos (três milhões e quinhentos mil escudos) correspondem aos danos não patrimoniais, trinta e dois mil quatrocentos e vinte e um euros e oitenta e seis cêntimos (seis milhões e quinhentos mil escudos) ao dano patrimonial futuro e quatro mil oitocentos e sessenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos (novecentos e setenta e cinco mil quatrocentos e noventa e três escudos) aos restantes danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor de 15% até 29.09.1995, de 10% desde 30.09.1995 até 16.04.1999 e de 7% a partir de 17.04.1999;<br>
- Todos os encargos decorrentes das intervenções cirúrgicas que a mesma tenha de realizar para extracção dos materiais de osteosínteses, a liquidar em execução de sentença;<br>
- E condenados, solidariamente, a pagarem ao Instituto de Obras Sociais dos CTT - Correios de Portugal, S.A., a quantia de três mil e treze euros e oitenta e dois cêntimos (seiscentos e quatro mil duzentos e dezassete escudos), acrescida de juros de mora desde a notificação daquele pedido até integral pagamento, às referidas taxas.<br>
Após recurso do D, foi, na Relação de Lisboa, proferido acórdão, segundo o qual se julgou parcialmente procedente a apelação, fixando-se em E 27.500 a indemnização por danos patrimoniais futuros e determinando-se a contabilização dos juros sobre a indemnização por danos não patrimoniais a partir do dia seguinte à data da sentença proferida em 1 a instância, no mais se mantendo a decisão recorrida.<br>
Inconformados com tal decisão, dela vieram a Autora e o Réu D interpor recurso de revista, tendo ambos os recursos sido admitidos.<br>
Por falta de alegações, foi julgado deserto o recurso do referido Réu.<br>
A Autora apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões:<br>
<br>
1ª - O recurso a fórmulas matemáticas para a determinação da indemnização devida por danos patrimoniais constitui um elemento útil para o efeito, o qual será sempre corrigido pelo julgador segundo o seu prudente arbítrio.<br>
2ª - Comprovando-se nas instâncias que a Autora, com a idade de 53 anos, ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 23% e que, à data do acidente, auferia a quantia mensal de Esc. 144.600$00, acrescida de igual quantia de subsídio de férias e de Natal, é ajustada a quantia de Esc. 6.982.800$00, a que corresponde a quantia de 34.830,06 E.<br>
3ª - Nem a Lei Constitucional, nem a Lei Processual Civil, conferem força vinculativa aos acórdãos de uniformização de jurisprudência, pelo que o julgador é livre de interpretar a lei que fixa a data de início da contagem de juros, a qual deverá ser a data da citação nos termos do Artigo 805°, n° 1, do Código Civil.<br>
4ª - Ao decidir como decidiu, o douto acórdão violou, por erro de aplicação e de interpretação, o disposto nos Artigos 562°, 566° e 805°, n° 1, todos do Código Civil e 723°-A do Código de Processo Civil.<br>
<br>
Não foram apresentadas contra-alegações.<br>
<br>
Colhidos os vistos, cumpre decidir .<br>
<br>
II - 1. São duas as questões suscitadas na presente revista: o montante a atribuir aos danos patrimoniais futuros (lucros cessantes) e o início da contagem dos juros referentes à indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais.<br>
Lendo o acórdão recorrido, constata-se que a verba atribuída como compensação pelos danos não patrimoniais se considerou adequada reportando-a à data da sentença.<br>
Logo, sendo assim, os juros não poderiam ser desde a citação, mas a partir dessa mesma sentença.<br>
Na verdade, estando em causa, no recurso de apelação interposto pelo Réu D, o montante a esse título arbitrado na 1ª instância, a Relação entendeu ser de manter esse valor, considerando-o actualizado à data da sentença.<br>
<br>
2. Posto isto, e porque a proficiente fundamentação do acórdão recorrido justifica cabalmente a legalidade da solução encontrada para as questões que agora são objecto do presente recurso de revista, remete-se para essa fundamentação, ao abrigo do disposto no n° 5 do artigo 113°, aqui aplicável por força do artigo 726°, ambos do Código de Processo Civil.<br>
<br>
III - Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida<br>
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.<br>
<br>
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004<br>
Moreira Camilo<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PTLvu4YBgYBz1XKvY1wz | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>1 - "A" . intentou, em 15-11-99, no 3º Juízo Cível de Lisboa, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra B e C, fundada nas letras de câmbio de fls. 9 e 10, alegando, além do mais, que é portador de duas letras de câmbio sacadas pela executada "B" e aceites pela executada "C".</font><br>
<font>No entanto, por despacho de 13-12-99, foi indeferido liminarmente o requerimento inicial relativamente à executada "C" por verificação da excepção dilatória de ilegitimidade passiva, tendo sido ordenado o prosseguimento da execução quanto à executada "B" - cfr. fls. 24 a 29."</font><br>
<font>De acordo com o despacho em referência, o referido indeferimento liminar deveu-se a que "em face da letra dos autos, sob a palavra "aceite" apenas consta uma assinatura ilegível, pelo que, como se constata, não foi dado cumprimento ao artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais" uma vez que, "junto à assinatura do gerente não se encontra a menção da qualidade de gerente".</font><br>
<font>Assim, "não se verificando a reunião dos dois elementos, não se pode considerar que a sociedade (...) ficou vinculada pelo aceite, assinado por pessoa não identificável".</font><br>
<font>Uma vez que "o sacado só assume a posição de obrigado cambiário pelo aceite e, no caso em apreço, o aceite não vinculou a sociedade, esta é parte ilegítima na acção executiva" - cfr. fls. 28 e 29.</font><br>
<font>Sendo a ilegitimidade passiva uma excepção de conhecimento oficioso, que é causa de absolvição da instância, decidiu o Mmº Juiz da 1ª instância, como se disse, indeferir liminarmente o requerimento inicial relativamente à executada "C".</font><br>
<font>2 - Inconformado, interpôs recurso o Banco exequente, tendo alegado que o sacado (a "C") assumiu a posição de obrigado cambiário pelo aceite e, no caso dos autos, esse aceite vinculou a sociedade, na medida em que "se uma dada pessoa singular intervém num dado título, assinando-o no lugar do aceite e nele se exprime, claramente, que o sacado é uma sociedade comercial por quotas, obviamente que a sua qualidade, a qualidade em que intervém no título, o assina, é, em princípio, a de gerente" - cfr. fls. 5.</font><br>
<font>Sem êxito, porém, uma vez que, por acórdão de 08-11-2001, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente o agravo, confirmando a decisão recorrida - fls. 45 a 47.</font><br>
<font>No acórdão recorrido, além de, ao abrigo dos artigos 749º e 713º, nº 5, do CPC, se ter remetido para os fundamentos da decisão recorrida, que, assim, foi confirmada, acrescentou-se o seguinte:</font><br>
<br>
<font>"Tal como decorre expressamente da lei (artigo 260, nº 4, CSC), é indispensável para a vinculação da sociedade a reunião dos dois elementos: assinatura pessoal do gerente e menção da qualidade de gerente. Ao contrário do pretendido pela agravante, em parte alguma do documento se refere a menção da qualidade de gerente da pessoa que assina, sob a palavra "aceite" actuando em nome e representação da sociedade.</font><br>
<font>Resulta assim que a sociedade executada não se encontra vinculada pela assinatura aposta sob a palavra aceite" - fls. 46.</font><br>
<font>3 - Continuando inconformado, o Banco agravou para este STJ, tendo, ao alegar, depois de convidado, nos termos do artigo 690º, nº 4, do CPC, a proceder à respectiva síntese, oferecido as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. A sentença do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou o despacho do Mmº Juiz de primeira instância, indeferindo liminarmente a petição de acção executiva identificada à margem, nos presentes autos, efectuou uma errada aplicação da lei de processo;</font><br>
<font>2. Não se verifica a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, nem tão pouco, a absolvição da instância, previstas pelos artigos 493º, nº 1 e 2, 494º, alínea e), e 495º do Código de Processo Civil;</font><br>
<font>3. A vinculação de uma sociedade nos termos do artigo 260º, nº 4, do Código das Sociedades Comerciais, não exige a menção expressa da qualidade em que os gerentes assinam;</font><br>
<font>4. Assim foi entendido nos Acórdãos mencionados no ponto 17 (1) das presentes alegações de recurso;</font><br>
<font>5. Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, ao emitir jurisprudência uniformizadora, ao abrigo do disposto no artigo 732º-A, do CPC, publicada no Diário da República, nº 20, de 24 de Janeiro de 2002, denominada Jurisprudência nº 1/2002 (Processo nº 3370/2000 - 6ª Secção).</font><br>
<font>Atento o que o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido, por não ocorrer qualquer fundamento para indeferimento liminar da petição de execução.</font><br>
<font>Não houve contra-alegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>II</font></div><font>1 - Refira-se, antes do mais, que as instâncias não enunciaram os factos dados como assentes, o que, em rigor, poderia corresponder à nulidade da alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC.</font><br>
<font>Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do C.P.C.), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660º, nº 2, também do C.P.C.</font><br>
<font>No presente recurso de agravo - que cabe conhecer, atento o disposto pelas disposições conjugadas dos artigos 754º, nº 3, e 734º, nº 1, alínea a), do CPC -, a única questão que cumpre decidir consiste em saber se, no caso sub judice, o aceite vinculou ou não a recorrida "C" decorrendo da resposta a dar a esta questão a decisão daquela outra que se traduz em saber se tal sociedade é ou não parte legítima na acção executiva.</font><br>
<font>Vejamos.</font><br>
<font>2 - O nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) dispõe o seguinte: "Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade".</font><br>
<font>Como se sabe - e se encontra amplamente documentado nas alegações do Banco Recorrente, a interpretação do referido normativo tem dado origem a diferentes entendimentos jurisprudenciais e doutrinários. No essencial, confrontavam-se duas orientações: por um lado, a que considerava indispensável que, para a vinculação da sociedade em actos escritos, os gerentes apusessem a sua assinatura, com a indicação expressa dessa qualidade, entendimento que corresponde à solução adoptada pelas instâncias; por outro, a tese segundo a qual a vinculação da sociedade poderá resultar do texto do documento que, assinado pelo seu gerente, não indicou expressamente que procedeu nessa qualidade. De acordo com o Acórdão deste STJ de 24 de Outubro de 1996 (2) , por exemplo, que se pode inscrever nesta linha de pensamento, "o que importa é que do documento - no caso uma letra de câmbio - resulte, em termos aceitáveis segundo o costume, que o gerente assinou um documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente".</font><br>
<font>Em face da manifesta divergência jurisprudencial, a impor a necessidade de uniformização, foi proferido o Acórdão Uniformizador nº 1/2000, de 6 de Dezembro de 2001 (3) .</font><br>
<font>Aí se uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:</font><br>
<font>A indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem.</font><br>
<font>3 - Prevaleceu, assim, na aludida uniformização jurisprudencial, o entendimento segundo o qual, para a vinculação da sociedade, não se exige, além da aposição da assinatura do gerente, a indicação expressa dessa qualidade. O que corresponde a reconhecer que, no caso, em sede de actividade hermenêutica, tendo como objecto o nº 4 do artigo 690º do CSC, os elementos racional e teleológico deveriam sobrelevar o elemento literal de interpretação. Ou, por outras palavras, em conformidade com o entendimento prevalecente no referido aresto uniformizador, o texto da lei, de certo modo, cedeu perante a sua ratio, embora se tenha entendido que a solução alcançada tem, na letra da lei, suficiente suporte verbal (4).</font><br>
<font> Vejamos, com a brevidade que se justifica, os argumentos principais em que se estribou a decisão alcançada, a qual, como é manifesto, não adoptou, na matéria, a visão seguida pelas instâncias nos autos ora em presença.</font><br>
<font>Consideraram-se, essencialmente, no acórdão uniformizador, os seguintes argumentos essenciais:</font><br>
<font>a) a interpretação que circunscreve a indicação da qualidade de gerente às manifestações expressas no acto escrito "desprotege a confiança no tráfico jurídico, não tutela a boa fé dos que negoceiam com a sociedade e permite a esta o subterfúgio de, quando lhe convier, se desvincular das obrigações que assumiu";</font><br>
<font>b) não resulta da letra do nº 4 do artigo 260º que a indicação da qualidade do gerente tem de ser necessariamente expressa, não se podendo exigir do julgador que a considere indispensável, tanto mais que tal não se afigura razoável;</font><br>
<font>c) o pensamento legislativo objectivado no texto legal em apreço tem suficiente apoio verbal para permitir que o intérprete conclua que a indicação da qualidade de gerente pode ser expressa ou tácita - artigo 9º, nº 2, do Código Civil;</font><br>
<font>d) a contemplatio domini não exige formas sacramentais, podendo a relação representativa resultar do comportamento da sociedade e de outros elementos que a tornem manifesta aos olhos de terceiro (contemplatio per facta concludenta, ou seja, tácita).</font><br>
<font>Daí que se tenha concluído ser possível sustentar que o nº 4 do artigo 260º do CSC admite tanto a indicação expressa como a tácita.</font><br>
<br>
<font>4 - Ao contrário do que, simplisticamente, se poderia pensar, não resulta do exposto acerca do entendimento perfilhado no acórdão uniformizador a necessária e inevitável procedência do presente agravo.</font><br>
<font>Tenha-se presente que a fórmula utilizada na aludida uniformização refere que a indicação da qualidade de gerente "pode ser deduzida, nos termos do artigo 217º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem".</font><br>
<font>Estabelece o referido artigo 217, no seu nº 1, o seguinte: "A declaração negocial pode ser expressa ou tácita; é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam" (5) .</font><br>
<font>Ensaiando justificar a substituição do advérbio necessariamente, que constava do artigo 648º do Código Civil de 1867, pela expressão com toda a probabilidade, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela: "É que se não devem pôr de parte, como formas possíveis de manifestação tácita da vontade, os casos susceptíveis de duas interpretações. O que deve é verificar-se aquele grau de probabilidade que basta na prática para as pessoas sensatas tomarem as suas decisões (...)". "Prevalece aqui, pois, um critério prático, social, e não rigorosamente lógico ou formal" (6) .</font><br>
<font>Mas o certo é que no caso dos autos, de acordo com os parcos elementos de facto constantes das decisões proferidas nas instâncias, o que se sabe é que, relativamente às letras em causa - cuja fotocópia, aliás truncada, consta de fls. 22 e 23 -, "no local destinado ao aceite encontra-se uma assinatura ilegível" - cfr. fls. 24.</font><br>
<font>Daí que, no despacho proferido em 1ª instância, se tenha afirmado que "em face da análise da letra dos autos, sob a palavra "Aceite" apenas consta uma assinatura ilegível".</font><br>
<font>Ora, tratando-se de uma assinatura ilegível, e inexistindo, como é, obviamente, o caso, qualquer indicação acerca da qualidade de gerente, das duas, uma: ou se fica na ignorância acerca da identidade de quem assinou; ou, apesar de ilegível, o declaratário tinha conhecimento da identidade da pessoa que apusera tal assinatura, bem como da sua qualidade de gerente da firma sacada.</font><br>
<font>No primeiro caso, não se pode pretender que, aos olhos de um declaratário normal, tal assinatura ilegível de titular desconhecido possa surgir como reveladora da existência de uma relação de representação orgânica (cfr. o artigo 236º, nº 1 do C.C.) (7). Isto é, não se trataria de declaração tácita suficiente, porque não se deduziria de factos que, com toda a probabilidade a revelassem (artigo 217º, nº 1, já citado).</font><br>
<font>Já, no segundo caso, assim não seria. Perante o conhecimento da identidade do autor da assinatura ilegível dos aceites em presença, seria, eventualmente, de convocar a aplicação ao caso do nº 2 do artigo 236, já referido, valendo a declaração emitida de acordo com a vontade real do declarante, uma vez que era conhecida do declaratário.</font><br>
<font>A solução da questão em causa e a opção pela aplicação do regime jurídico adequado depende, assim, de matéria de facto que se desconhece.</font><br>
<font>Mais: os termos do despacho proferido em 1ª instância, para cujos fundamentos o acórdão recorrido remete, são, nesta sede, geradores de ambiguidade. Assim, depois de se afirmar que a assinatura é "ilegível" diz-se que "junto à assinatura do gerente não se encontra a menção do gerente". Todavia, logo a seguir, acrescenta-se que a sociedade "C" não ficou vinculada pelo aceite, "assinado por pessoa não identificável" - cfr. fls. 16, nos seus três últimos parágrafos.</font><br>
<font>Ou seja, se a assinatura ilegível pertence a pessoa não identificável, a situação é subsumível à primeira das alternativas atrás indicadas; no entanto, se se tratar da assinatura do gerente da sociedade sacada, poderá tratar-se de um caso integrável na segunda alternativa.</font><br>
<font>A situação do caso dos autos é, assim, em termos de factualidade conhecida, muito distinto daquele que foi apreciado no âmbito da referida decisão uniformizadora de jurisprudência. Da matéria de facto que ali foi dada como provada, resultou, sem margem para dúvidas, que a assinatura aposta na letra era do sócio e único gerente da sociedade representada.</font><br>
<font>No caso em presença resulta do que se expôs que a decisão de facto deve ser ampliada (além de devidamente especificada, em conformidade com lei), em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito. Na verdade, a aplicação da jurisprudência uniformizada pelo acórdão já abundantemente citado não pode fazer-se de forma mecânica, à revelia das particularidades da factualidade apurada nos diversos casos concretos.</font><br>
<font>Uma coisa é não haver necessidade da indicação expressa da qualidade de gerente. Como vimos, e tal como resulta da referida uniformização jurisprudencial, não poderá relevar em termos de falta de vinculação da sociedade a falta de indicação dessa qualidade naqueles casos em que a qualidade é incontestável - ou confessada - e em que a invocação dessa falta representaria uma manifesta violação da boa fé negocial. De acordo com o entendimento exposto, a vinculação da sociedade resulta de o acto ser praticado em seu nome, o qual não tem de ser invocado de forma expressa, nem se exigindo palavras sacramentais, podendo resultar igualmente das circunstâncias em que foi subscrita ou o acto praticado (8) .</font><br>
<font>Como explicam Enneccerus-Nipperdey, "segundo as circunstâncias, entender-se-á que se actua em nome de outrem quando a outra parte conhece ou pode conhecer que quem age está ao serviço do representado e o negócio se inclui na área da actividade deste, não satisfazendo necessidades pessoais do representante. A relação entre o representante e o representado, conhecida da outra parte, é a circunstância que permite conhecer que se actua em nome alheio" (9) .</font><br>
<font>Outra coisa, porém, seria, aplicar cegamente a todos os casos a referida doutrina, considerando a sociedade vinculada pelo aceite quando assinado ilegivelmente por pessoa não identificada nem identificável.</font><br>
<font>É que, a dar-se essa hipótese, a indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do artigo 260º do CSC não poderia ser deduzida de factos que, com toda a probabilidade, a revelassem.</font><br>
<font>5 - No julgamento do agravo em 2ª instância, o STJ está adstrito à matéria de direito, o que impede que lhe possa ser concedida, na apreciação desse agravo, uma competência sobre a matéria de facto mais ampla do que aquela que lhe é reconhecida no recurso de revista.</font><br>
<font>Mas, como judiciosamente adverte Miguel Teixeira de Sousa, "se ao Supremo não podem ser atribuídos, na apreciação do agravo em 2ª instância, mais poderes sobre a matéria de facto do que aqueles que lhe são reconhecidos no paralelo recurso de revista, há também que aceitar que nenhum desses poderes lhe pode ser retirado no julgamento daquele agravo. Isto significa que, apesar do silêncio legal, o Supremo, ao apreciar o agravo em 2ª instância, pode (...) controlar a suficiência da matéria de facto apreciada nas instâncias para a aplicação do regime jurídico adequado (artigo 729º, nº 3) (...)" (10) .</font><br>
<font>Assim, definido que está o regime jurídico a aplicar, cumpre concluir que uma adequada decisão jurídica está dependente da ampliação, nos termos indicados, da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se ordena, em conformidade com o disposto nos artigos 729º, n.º 3, e 730º, n.º 1, do C.P.C., a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para aí ser de novo julgado, de harmonia com o direito aplicável acima definido, se possível, pelos mesmos Exmºs Juízes Desembargadores que intervieram no anterior julgamento.</font><br>
<font>Custas a final.</font><br>
<font>Lisboa, 14 de Maio de 2002</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos,</font><br>
<font>Pinto Monteiro.</font><br>
<font>------------------------------------</font><br>
<font>(1) E não "127" como, por lapso, se refere no texto da conclusão.</font><br>
<font>(2) Publicado na "Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça" (C.J.-ASTJ), Ano IV, Tomo III, 1996, pág. 78. Não se justifica, aqui e agora, recensear a jurisprudência que, num e noutro sentido, se tem pronunciado, remetendo-se, a tal propósito para o Acórdão de Uniformização da Jurisprudência nº 1/2000.</font><br>
<font>(3) Proferido no Processo nº 3370/2000, 6ª Secção, encontra-se publicado no "Diário da República" I-Série-A, de 24 de Janeiro de 2002.</font><br>
<font>(4) Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei - cfr. Manuel de Andrade, "Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis" págs. 21 a 26. Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, "Noções Fundamentais do Direito Civil" vol, 2º, 5ª edição pág. 130. Quer dizer, o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.</font><br>
<font>A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado ("Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador" 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, págs, 187 e segs.), uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.</font><br>
<font>Ou, como diz Oliveira Ascensão ("O Direito, Introdução e Teoria Geral" Lisboa, 1978, pág. 350), "a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito".</font><br>
<font>Como escreveu Francesco Ferrara ("Interpretação e Aplicação das Leis", tradução de Manuel de Andrade, 3ª edição, Coimbra, 1978, págs. 127 e segs. e 138 e segs.), para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se de vários meios. "Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei; para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo".</font><br>
<font>Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o "lugar sistemático" que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico. O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios. O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar".</font><br>
<font>(5) Agora sublinhado.</font><br>
<font>(6) Cfr. "Código Civil Anotado" 4ª edição, volume I, pág. 209.</font><br>
<font>(7) Como se afirma no acórdão de uniformização de jurisprudência que acompanhámos, "aos títulos de crédito aplicam-se, portanto, os princípios da interpretação da declaração negocial estabelecidos nos artigos 236º e 238º do CC".</font><br>
<font>(8) Cfr. J. Pinto Furtado, "Código das Sociedades Comerciais" 4ª edição, pág. 244.).</font><br>
<font>(9) Cfr. "Derecho Civil, Parte General" 3ª edição, 2º vol. 18ª parte, pág. 431.).</font><br>
<font>(10) Cfr. "Estudos sobre o Novo Processo Civil" LEX, 1997, págs. 452 e 453.).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
PTL8u4YBgYBz1XKv022i | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<br>
<b><font>A intentou, no tribunal judicial da comarca de Cascais, acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária contra B, Lda pedindo:</font></b><br>
<b><font>a) seja declarada a nulidade dos contratos-promessa, celebrados entre as partes, de compra e venda de direitos reais perpétuos de habitação periódica, sendo a autora promitente compradora, nos termos do art. 32 do DL 130/89;</font></b><br>
<b><font>b) seja a ré condenada no pagamento do dobro de todas as quantias entregues pela autora por efeito desses contratos, acrescidos dos juros de mora legais;</font></b><br>
<b><font>Subsidiariamente.</font></b><br>
<b><font>c) seja declarada a resolução dos dois contratos-promessa em questão, por culpa imputável à ré;</font></b><br>
<b><font>d) seja a ré condenada no pagamento imediato à autora da quantia de 3180000 escudos, acrescida de juros legais a contar da citação.</font></b><br>
<b><font>Alegou, para tanto, e em resumo, que os contratos em causa não contêm os elementos essenciais exigidos pelo art. 30 do DL 130/89, de 18-04 e que a ré, decorrido mais de 4 anos, não cumpriu tais contratos.</font></b><br>
<b><font>Na sua contestação, a ré alega que a autora não tem direito a ver declarada a nulidade dos referidos contratos-promessa nem à sua resolução.</font></b><br>
<b><font>Na réplica, a autora defende a sua posição inicial.</font></b><br>
<b><font>Lavrado saneador e organizados especificação e questionário, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando procedentes os pedidos subsidiários, declarou a resolução dos referidos contratos-promessa e condenou a ré no pagamento à autora da quantia de 3180000 escudos, acrescida de juros de mora às taxas legais desde 12-03-1993 (data da citação) até pagamento.</font></b><br>
<b><font>Inconformada, apelou a ré.</font></b><br>
<br>
<b><font>O Tribunal da Relação de Lisboa, pelo acórdão de fls. 159 e seguintes, datado de 2 de Dezembro de 1997, negando provimento ao recurso, confirmou a sentença.</font></b><br>
<b><font>Ainda não conformada, a ré recorreu de revista, em cuja alegação formula as conclusões seguintes:</font></b><br>
<b><font>1 - Não há incumprimento definitivo porque o prazo fixado pela autora para o cumprimento não pode ser considerado um "prazo razoável";</font></b><br>
<b><font>2 - Não houve igualmente perda de interesse por parte da autora, pelo que, e também por isso, não há incumprimento definitivo;</font></b><br>
<b><font>3 - Não havendo incumprimento definitivo não pode haver lugar à restituição do sinal em dobro, nos termos do art. 442 do Código Civil;</font></b><br>
<b><font>4 - A decisão recorrida violou, assim, as disposições dos arts. 808 e 442 do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>Não houve contra-alegação da recorrida.</font></b><br>
<b><font>Cumpre decidir.</font></b><br>
<b><font>Os factos considerados provados pela Relação são os seguintes:</font></b><br>
<b><font>1 - A ré é dona do empreendimento turístico denominado "B, Lda", sito no prédio localizado no Monte Estoril, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, ficha 649 - Estoril;</font></b><br>
<b><font>2 - O referido empreendimento encontra-se parcialmente constituído em regime de direitos reais de habitação periódica;</font></b><br>
<b><font>3 - A 9 de Fevereiro de 1988, autora e ré celebraram dois contratos-promessa de compra e venda de direitos reais perpétuos de habitação periódica, sendo um deles referente à semana 28 sobre o apartamento n. 309 - tipo T1 e o outro referente à semana 35 sobre o apartamento 202, tipo T0;</font></b><br>
<b><font>4 - Pelos mencionados contratos, a ré prometeu vender e a autora comprar as ditas semanas, pelo valor de 840000 escudos e 750000 escudos, respectivamente, preços que foram integralmente pagos;</font></b><br>
<b><font>5 - Entre a Caixa Económica de Lisboa, anexa ao Montepio Geral, Associação de Socorros Mútuos, e a ré foi acordado o constante do documento junto a fls. 30 a 35, considerando que entre a primeira e a demandada, a 05-02-87, foi outorgada uma escritura pública que titula um financiamento que a "C. E. L." fez e está a fazer ao "B, Lda", destinado à construção de um edifício a construir em regime de Direitos Reais de Habitação Periódica, designado por "Club Mimosa", bem como que nessa escritura se previu uma garantia hipotecária destinada não só a cobrir as responsabilidades dela emergentes, como ainda outras que viessem a surgir entre as duas partes e que a "Mimosa" solicitou à "CEL" um apoio bancário para a emissão de garantias na venda e cessão de exploração dos Direitos Reais de Habitação Periódica;</font></b><br>
<b><font>6 - A autora não tinha conhecimento da existência do ónus referido sob o n. anterior;</font></b><br>
<b><font>7 - Na cláusula 3 dos mencionados contratos-promessa ficou exarado que o promitente comprador assinará o certificado predial, título definitivo do direito adquirido, nos termos legais, logo que o mesmo para este efeito lhe seja apresentado pela promitente vendedora, que, por sua vez, apresentou à Conservatória do Registo Predial competente toda a documentação necessária para que a emissão desses títulos possa iniciar-se;</font></b><br>
<b><font>8 - Decorridos mais de 4 anos, apesar de repetidas insistências por parte da autora para que desse cumprimento à cláusula antes referida, a ré nada fez no sentido de a pôr em prática;</font></b><br>
<b><font>9 - Através de carta registada com A. R., recebida pela ré em 02-10-92, a autora, com referência aos mencionados contratos, comunicou-lhe o seguinte:</font></b><br>
<b><font>"Verifica-se que até ao presente V. Exas. ainda não procederam à entrega dos respectivos certificados prediais ..., apesar de terem sido frequentemente instados a fazê-lo e de terem sempre prometido que o fariam em breve.</font></b><br>
<b><font>Por esse facto e dado que até ao presente momento não recebi quaisquer notícias da vossa parte, venho comunicar a V. Exas. que deverão apresentar-me os respectivos certificados prediais no prazo de 15 dias a contar da recepção da presente carta, sendo esse o último prazo que lhes concedo para esse efeito.</font></b><br>
<b><font>Efectivamente, tendo em conta o já longo tempo decorrido e o convencionado na cláusula 3 dos mencionados contratos-promessa, esclareço que no caso de a entrega dos certificados prediais não ser feita no prazo acima referido, perco o interesse na aquisição do direito real de habitação periódica em causa, considerando para todos os efeitos não cumprida a vossa obrigação;</font></b><br>
<b><font>10 - A ré não deu qualquer resposta à comunicação referida no número anterior e não deu cumprimento ao solicitado, ou seja, a ré nada requereu a favor da autora, quanto às referidas fracções e, até ao momento, não existiam actos requeridos na Conservatória do Registo Predial de Cascais referentes às semanas prometidas vender;</font></b><br>
<b><font>11 - Consta dos contratos-promessa que a ré prometeu vender os referidos direitos de habitação periódica livres de quaisquer ónus ou encargos;</font></b><br>
<b><font>12 - Dada a grave situação económica em que se encontra o Club - Mimosa e com vista à salvaguarda dos interesses dos titulares e promitentes-compradores do direito real de habitação periódica no B, por escritura pública celebrada a 6 de Agosto de 1992, foi constituída a Associação dos Investidores do B.</font></b><br>
<b><font>13 - Por contratos celebrados, igualmente, a 09-02-88, a autora mandatou a ré para explorar. hoteleira e turisticamente, as semanas prometidas vender, no ano de 1988, com prorrogação nos anos seguintes, nos termos dos contratos juntos a fls. 42 e 45;</font></b><br>
<b><font>14 - A autora não tem conhecimento nem vocação para o exercício da actividade da exploração turística das semanas, pelo que aceitou celebrar esse contrato com a ré, como é prática corrente nesse sector;</font></b><br>
<b><font>15 - A ré enviou à autora a carta junta a fls. 50 e 51, com data de 7 de Abril de 1989, da qual consta:</font></b><br>
<b><font>"O contrato denominado "Mandato de Administração" que V. Exa. realizou em 1988 com o B, Lda, mostra-se de difícil aplicação prática, devido a informação menos clara, aquando da venda e no que diz respeito à filosofia do referido contrato que nunca poderia alcançar as taxas desejadas, uma vez que o empreendimento turístico se encontrava no primeiro ano de funcionamento, com pouca ocupação hoteleira, obrigando-nos a negociar preços mais baixos que os da venda ao público e agentes de viagens e operadores turísticos nacionais e estrangeiros; em suma, trazendo o descontentamento a proprietários e grandes prejuízos financeiros à exploração hoteleira no seu início de actividade.</font></b><br>
<b><font>... depois de um estudo devidamente elaborado e ponderando as várias hipóteses de receitas e custos de exploração hoteleira, decidiu vir propor a V. Exa. que, para o ano de 1989, o contrato "Mandato de Administração" tenha um montante fixo, não dependendo dos preços e taxa de ocupação, e que passamos a indicar:</font></b><br>
<b><font>Rendimentos para 1989 - 11% do montante pago da aquisição do Direito Real de Habitação Periódica;</font></b><br>
<b><font>a taxa de manutenção será liquidada atempadamente pelo proprietário;</font></b><br>
<b><font>a liquidação do montante referente ao rendimento de 11% será feita 60 dias após o uso da semana.</font></b><br>
<b><font>Caso V. Exa. esteja de acordo com esta proposta, agradecemos se digne confirmar, por escrito, a anuência ao exposto a fim de se redigir novo contrato;</font></b><br>
<b><font>16 - A ré proporcionou à autora rendimentos calculados a taxas inferiores a 14,7% ao ano;</font></b><br>
<b><font>17 - No decurso do ano de 1991, a ré não proporcionou quaisquer rendimentos à autora, nem prestou contas da sua exploração;</font></b><br>
<b><font>18 - Através da carta junta a fls. 53 e 54, recebida pela ré no dia 3 de Outubro de 1988, a autora, depois de referir a falta de cumprimento do acordado, comunica que a ré deve proceder à venda imediato das duas posições em causa, pelo valor actual de venda, pedindo também o pagamento de 106400 escudos, referentes à ocupação de uma semana no T0, bem como a devolução de 18275 escudos de condomínio;</font></b><br>
<b><font>19 - Através da carta junta a fl. 55, recebida pela ré em 03-05-1990, a autora renovou o pedido de venda das fracções;</font></b><br>
<b><font>20 - A ré remeteu à autora a carta junta a fl. 57, com data de 11-07-90, na qual afirma ter tomado nota do pedido de revenda, acrescentando:</font></b><br>
<b><font>"Não se mostra viável comercialmente que a mesma seja promovida em condições diferentes daquelas que praticamos.</font></b><br>
<b><font>Assim, propomo-nos inscrever o seu pedido no n( programa de revendas, desde que aceite realizá-lo pelo preço e condições que vigoraram na nossa tabela de preços à data da respectiva transacção, fixando-se a respectiva comissão da Oura hotel em 20% do valor a receber. Por isso aguardamos até 30-07-1990 a v( aceitação por escrito sobre o assunto, após o que, e na sua falta, consideraremos sem efeito o v( pedido";</font></b><br>
<b><font>21 - A autora respondeu através da carta junta a fl. 56, com data de 20-07-1990, na qual afirma aceitar as condições propostas;</font></b><br>
<b><font>22 - Para a celebração dos contratos-promessa acima referidos, por parte da autora, foi determinante o facto de, quer a ré, quer a sua intermediária na promoção das vendas - a Imédia - propagandearem e assegurarem um rendimento anual na ordem dos 14,7% para o primeiro ano de exploração turística do empreendimento, que subiria nos anos seguintes;</font></b><br>
<b><font>23 - Através de jornais e prospectos distribuídos ao domicílio, a ré, antes de 07-04-1989, promoveu larga publicidade das boas perspectivas económicas do empreendimento;</font></b><br>
<b><font>24 - Ocorreram negociações com o Montepio Geral com vista a libertar de ónus as semanas prometidas vender, negociações essas que se goraram.</font></b><br>
<b><font>Postos os factos, entremos na apreciação do recurso.</font></b><br>
<b><font>Primeiramente, há que fixar o objecto do recurso.</font></b><br>
<b><font>Na parte final da sua alegação, diz o recorrente que "quanto aos outros aspectos relativos à razoabilidade do prazo e à questão relativa à simples mora "versus" incumprimento definitivo, remete-se para as alegações apresentadas no recurso de apelação".</font></b><br>
<b><font>Ora, o recurso de apelação visava atacar a sentença da 1ª instância. Tal recurso foi já apreciado pela Relação, sendo do acórdão desta que vem interposto o presente recurso. Assim, o que está em apreciação é a decisão da Relação e não a sentença da 1ª instância. No recurso de revista, o recorrente terá de atacar apenas o decidido pela Relação e não pela 1ª instância. O que afasta do recurso de revista a alegação apresentada na apelação.</font></b><br>
<b><font>Por outro lado, as conclusões insertas na respectiva alegação, para serem legítimas, devem resultar logicamente do texto das alegações. Como ensina Alberto dos Reis, anotado, V, pág.359, "elas (as conclusões) são proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo do contexto da alegação".</font></b><br>
<b><font>Vistas, assim, a alegação e respectivas conclusões do recorrente, que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a única questão a decidir consiste em saber se o prazo fixado pela autora para o cumprimento dos contratos-promessa é ou não razoável.</font></b><br>
<b><font>Esta questão foi resolvida, e está devidamente fundamentada, pelo acórdão recorrido.</font></b><br>
<b><font>Assim, para a decisão da Relação ser confirmada bastava remeter para os seus fundamentos, como o permite o art. 713, n. 5, aplicável por força do disposto no art. 726, ambos do Código de Processo Civil vigente, uma vez que o acórdão recorrido já foi proferido no domínio da aplicação do DL 329-A/95, de 12-12 (cfr. art. 25 deste diploma, aditado pelo art. 6 do DL 180/96, de 25-09).</font></b><br>
<b><font>Não deixaremos, contudo, de tecer algumas considerações sobre o objecto do recurso.</font></b><br>
<b><font>Nos termos do n. 1 do art. 808 do Código Civil, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.</font></b><br>
<b><font>Em causa está apenas o prazo fixado pela autora para o cumprimento da obrigação por parte da ré, pois as instâncias afastaram a perda do interesse da autora na prestação da ré.</font></b><br>
<b><font>O prazo de 15 dias fixado pela autora, no contexto dos contratos-promessa em causa, é perfeitamente razoável.</font></b><br>
<b><font>Na verdade, tais contratos foram celebrados em 9 de Fevereiro de 1988, deles constando que a ré apresentou à Conservatória do Registo Predial competente toda a documentação necessária para a emissão dos certificados prediais.</font></b><br>
<b><font>Os contratos devem ser celebrados segundo as regras da boa fé - art. 227, n. 1, do Código Civil.</font></b><br>
<b><font>Dos contratos em questão era, pois, licito concluir à autora que, dentro de meses, teria em seu poder os referidos certificados prediais.</font></b><br>
<b><font>Decorreram mais de quatro anos e a ré não cumpriu a sua obrigação.</font></b><br>
<b><font>Em 2 de Outubro de 1992, a autora fixou à ré um último prazo de 15 dias.</font></b><br>
<b><font>Considerando os ditames da boa fé e o referido período de tempo superior a quatro anos, o prazo de 15 dias é perfeitamente razoável, pois a ré já há muito devia estar preparada para a obtenção de tais certificados prediais.</font></b><br>
<b><font>Não satisfazendo a sua prestação no último prazo fixado pela autora, a ré incumpriu definitivamente os contratos.</font></b><br>
<b><font>Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido.</font></b><br>
<br>
<b><font>Termos em que se nega a revista.</font></b><br>
<b><font>Custas pela recorrente.</font></b><br>
<b><font>Lisboa, 5 de Novembro de 1998.</font></b><br>
<b><font>Tomé de Carvalho,</font></b><br>
<b><font>Silva Paixão,</font></b><br>
<b><font>Silva Graça.</font></b></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
UzL1u4YBgYBz1XKvVWKQ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A e mulher, B, por si e na qualidade de legais representantes da sua filha, menor, C intentaram acção com processo sumário contra D, pedindo seja a ré condenada a pagar-lhes a indemnização global de 18000000 escudos e ainda a quantia a liquidar em execução de sentença por danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude de a menor ter de ser operada novamente e pela incapacidade definitiva que lhe vier a ser atribuída, tudo como indemnização por todos os danos por eles sofridos no acidente de viação causado por culpa da condutora do veículo automóvel ..., com seguro na demandada.<br>
Pediram ainda a concessão de apoio judiciário.<br>
Na contestação, a ré, além de se defender por impugnação, excepcionou a prescrição do direito que os autores pretendem fazer valer.<br>
Na resposta, os autores defendem a improcedência da excepção deduzida.<br>
Aos autores foi concedido o benefício de apoio judiciário, com dispensa do pagamento total de taxa de justiça e custas.<br>
No saneador, a excepção de prescrição foi julgada improcedente.<br>
Continuando o processo os seus ulteriores termos, veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré "a pagar a quantia de 600000 escudos, relativamente a danos não patrimoniais devidos à menor C, e a quantia de 133333 escudos e 33 centavos a cada um dos Autores pais da menor".<br>
Inconformados, apelaram os autores.<br>
O Tribunal da Relação do Porto, pelo acórdão de fls. 172 e seguintes, datado de 20 de Dezembro de 1999, julgando improcedente o recurso, confirmou aquela sentença.<br>
Ainda não conformados, os autores recorreram de revista, em cuja alegação formulou as conclusões que podem indicar-se assim:<br>
1. - A sentença, transitada em julgado, proferida no processo comum singular n. 1966/94 do 2. Juízo Criminal de Matosinhos, que condenou a condutora do ..., E, segurada da recorrida, pela prática de um crime de ofensas corporais por negligência e pela prática de um crime de omissão de auxílio faz caso julgado em relação à recorrida, nos termos do disposto no artigo 4 do Código de Processo Penal e do artigo 153 do Código de Processo Penal de 1929 (ainda vigorante);<br>
2. - Assim, em face da lacuna existente no regime jurídico dos efeitos das sentenças proferidas em processos penais, deve este Supremo Tribunal decretar a aplicação do artigo 153 do Código de Processo Penal de 1929, decretando às instâncias a ampliação da matéria de facto, em face do teor daquela sentença proferida em processo penal;<br>
3. - Na produção do acidente ocorreram dois embates nos quais a seguradora da recorrida teve 100% de culpa e podia tê-los evitado;<br>
4. - A condutora do veículo e segurada da recorrida violou o disposto no artigo 38 do Código da Estrada vigente à data do acidente, pois não se certificou, previamente e antes de efectuar a manobra de ultrapassagem, de que não havia perigo de colidir com veículos e peões;<br>
5. - Essa condutora bem sabia, ao ultrapassar a camioneta de passageiros estacionada, que desta poderiam sair e que estavam saindo passageiros, e nessa situação estava obrigada a um acrescido dever especial de cuidado, pois é frequente existir aglomerado de pessoas;<br>
6. - Foi este risco acrescido que o douto acórdão recorrido não atendeu na parte em que atribuiu 2/3 de culpa na produção do primeiro embate à menor e apenas 1/3 à condutora do JX;<br>
7. - Sendo certo que o primeiro embate (bem como o segundo) se deu numa recta, tendo a faixa de rodagem cerca de 7 metros de largura, sendo o pavimento em paralelos e não havia buracos, o que demonstra a possibilidade de a condutora do veículo ter tido bastante largura da via para efectuar a manobra de ultrapassagem e ter-se desviado da menor;<br>
8. - Assim, a culpa na ocorrência dos dois embates deve ser atribuída em 100% à segurada da recorrida;<br>
9. - Mesmo que assim se não entenda, tal culpa sempre deveria ser atribuída em quota parte nunca superior a 1/3 para a menor e em 2/3 para a segurada da recorrida;<br>
10. - Tendo em conta as sequelas descritas no relatório médico-legal, cujo teor foi dado como provado pelas instâncias, e que em 12 de Maio de 1995 a menor foi inscrita para nova correcção da cicatriz do joelho esquerdo, é patente que a menor poderá fazer nova cirurgia de correcção da cicatriz do joelho esquerdo, pelo que deverá proceder o pedido formulado de indemnização de danos futuros a liquidar em sede de execução de sentença;<br>
11. - A indemnização por danos não patrimoniais a atribuir à menor C deve ser liquidada na quantia de 10000000 escudos; <br>
12. - A indemnização por danos não patrimoniais a atribuir aos pais da menor deve ser fixada em 4000000 escudos para cada um;<br>
13. - O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 4 do Código de Processo Penal de 1987, 152 do Código de Processo Penal de 1929 e 3 do Código da Estrada.<br>
Contra-alegando, a recorrida pugna pela manutenção do julgado.<br>
Cumpre decidir.<br>
A matéria de facto a considerar é a indicada pela Relação no acórdão recorrido, para cujos termos se remete, ao abrigo do disposto nos artigos 713, n. 6, e 726 do Código de Processo Civil.<br>
Considerados tais factos, entremos na apreciação do recurso.<br>
Entendem os recorrentes, em primeiro lugar, que a sentença penal que condenou a condutora do veículo atropelante faz caso julgado em relação à ré, ora recorrida, devendo este Supremo, por isso, mandar ampliar a respectiva matéria de facto.<br>
A presente acção deu entrada em juízo no dia 6 de Março de 1997.<br>
Ao pleito é aplicável o Código de Processo Civil na redacção dada pela reforma de 1995-96, como preceitua o artigo 16 do Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 4 do Decreto-Lei n. 180/96, de 25 de Setembro.<br>
Nos termos do artigo 674-A do Código de Processo Civil, a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.<br>
Como se lê no relatório do Decreto-Lei n. 329-A/95, "no que se refere à disciplina dos efeitos da sentença, assume-se a regulamentação dos efeitos do caso julgado penal, quer condenatório, quer absolutório, por acções civis conexas com as penais, retomando um regime que, constando originariamente do Código de Processo Penal de 1929 não figura no actualmente em vigor; adequa-se, todavia, o âmbito da eficácia erga omnes da decisão penal condenatória às exigências decorrentes do princípio do contraditório, transformando a absoluta e total indiscutibilidade da decisão penal em mera presunção, ilidível por terceiros, da existência do facto e respectiva autoria".<br>
Sendo este o regime legal aplicável ao caso dos autos, a sentença penal que condenou a segurada da recorrida não constitui caso julgado em relação à ora ré seguradora.<br>
Efectivamente, as personalidades jurídicas da segurada e da seguradora não se confundem e como esta nenhuma intervenção teve na acção penal tem de considerar-se um terceiro.<br>
Por outro lado, não tendo hoje eficácia "erga omnes" a decisão penal condenatória, por se encontrar revogado o Código de Processo Penal de 1929, sendo, portanto, inaplicável o seu artigo 153, a condenação criminal da segurada da ré constitui apenas, em relação à seguradora, como terceiro, uma presunção ilidível.<br>
Não há, pois, razão para mandar ampliar a matéria de facto.<br>
Vejamos, agora, a questão da culpa na produção do acidente.<br>
Entendeu a Relação, confirmando a decisão da primeira instância, que a graduação das culpas na produção do acidente é de 1/3 para a condutora do automóvel e de 2/3 para a menor ofendida.<br>
Pretendem os recorrentes que à condutora do veículo automóvel seja atribuída culpa exclusiva ou, pelo menos, que a culpa da menor não seja superior a 1/3.<br>
Salvo o devido respeito, não lhes assiste em razão.<br>
Tendo em conta que o acidente ocorreu em 26 de Junho de 1992 e que o novo Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n. 114/94, de 3 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 2/98, de 3 de Janeiro, apenas entrou em vigor no dia 1 de Outubro de 1994, ao caso é aplicável o Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei n. 39672, de 20 de Maio de 1954.<br>
Nos termos do n. 2 do artigo 10 do referido Código da Estrada, os condutores de veículos não devem iniciar uma ultrapassagem sem se certificarem de que a podem fazer sem perigo de colidir com um veículo ou animal que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.<br>
Face aos factos apurados nos autos, à condutora do veículo era lícito efectuar a ultrapassagem da camioneta que se encontrava parada.<br>
Iniciando ela essa ultrapassagem a uma velocidade de 40 quilómetros à hora, o acidente ocorreu porque a menor surgiu-lhe pela frente da camioneta, a correr, de forma súbita e inesperada, não dando tempo de accionar o travão ou fazer qualquer manobra de emergência.<br>
Como se diz no acórdão recorrido, "não é exigível ao condutor do veículo ultrapassante que preveja e tome cautelas especiais para prevenir a hipótese de um comportamento anormal de um transeunte que, de forma súbita e inesperada, atravessa a estrada, surgindo encoberto por uma camioneta que se encontra parada do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo".<br>
É certo que a condutora do veículo, após o primeiro embate na menor, não abrandou a velocidade, vindo a colher novamente a menor. Agiu aqui com culpa, pois podia e devia ter agido de outro modo. Simplesmente, esta culpa é de longe inferior à da menor, ou a quem competia a sua guarda. Bem fixado se mostra, pois, o grau de culpa da condutora do automóvel.<br>
Outro ponto.<br>
Pretendem os recorrentes que a ré seja condenada no pagamento de uma indemnização por danos futuros, a liquidar em execução de sentença, por a menor poder fazer nova cirurgia de correcção da cicatriz do joelho esquerdo.<br>
A este respeito, apenas ficou provado que a menor poderá fazer nova cirurgia de correcção da cicatriz do joelho esquerdo. Como se diz no acórdão recorrido "não resultou provado que a menor tenha que ser operada futuramente".<br>
O n. 2 do artigo 564 do Código Civil permite incluir na fixação da indemnização os danos futuros, desde que sejam previsíveis.<br>
O grau de previsibilidade é o da suficiente segurança (cfr. Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", volume I, 6. edição, página 882).<br>
No caso dos autos, há apenas uma possibilidade de a menor fazer uma nova cirurgia estética, não se podendo concluir por aquela suficiente segurança. Por outro lado, mesmo a realizar-se tal nova cirurgia, não se demonstra que dela resultem para a menor danos não patrimoniais de tal modo graves que mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496, n. 1, do Código Civil).<br>
Não há, pois, lugar a esta indemnização pretendida pelos recorrentes.<br>
Resta abordar a questão da indemnização por danos não patrimoniais.<br>
Face aos factos apurados e à repartição de culpas, tal indemnização a favor da menor foi fixada pelas instâncias em 600000 escudos.<br>
Deverá tal quantia ser aumentada para 10000000 escudos como pretendem os recorrentes?<br>
A resposta é negativa.<br>
Está fora de dúvida que a menor autora tem direito a ser indemnizada pelos danos não patrimoniais sofridos.<br>
Nos termos do n. 3 do artigo 496 do Código Civil, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção em qualquer caso (os casos referidos nos ns. 1 e 2 do preceito) as circunstâncias referidas no artigo 494.<br>
De harmonia com este artigo 494, quando a responsabilidade se fundar em mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.<br>
No caso dos autos, é indubitável que a responsabilidade se funda em mera culpa, na negligência da condutora do veículo. Trata-se, porém, de culpa leve, pois para a produção do acidente concorreu em grau elevado a conduta da menor, ou de quem a devia vigiar.<br>
Como a responsável é uma companhia de seguros, não há que atender à situação económica desta.<br>
A situação económica da lesada, tal como resulta dos autos, é modesta.<br>
Tendo em conta que a indemnização em causa se destina a esbater os efeitos nocivos por danos que se não reduzem a um valor pecuniário e considerando os efeitos do acidente na pessoa da menor, tem-se como adequada a indemnização fixada pelas instâncias.<br>
Pretendem também os recorrentes que a indemnização por danos não patrimoniais a atribuir aos pais da menor deve ser fixada em 4000000 escudos para cada um.<br>
Também aqui, salvo o devido respeito, não têm razão.<br>
Em regra, só o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos e não os terceiros que só indirectamente sejam prejudicados com a violação do direito daquele.<br>
Excepcionalmente, dispõe o n. 3 do artigo 495 do Código Civil que "têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural".<br>
Como é referido por Vaz Serra, Rev. Leg. Jur. ano 108, página 183, "a indemnização nele prevista é só a indemnização dos danos patrimoniais de terceiros, já que da indemnização de danos não patrimoniais de terceiros se ocupe o artigo 496".<br>
Os pais só terão direito a indemnização, por danos não patrimoniais, por morte da vítima se esta não deixar cônjuge e descendentes, como resulta do n. 2 do artigo 496.<br>
No caso dos autos, a ré não recorreu de qualquer das decisões das instâncias.<br>
Assim, na parte em que aos pais da menor foram arbitradas indemnizações por danos não patrimoniais, a decisão transitou em julgado.<br>
O que não pode é agora aumentar-se tal indemnização, pois os danos não patrimoniais a atender são apenas os da vítima, que felizmente não morreu, e não os dos pais.<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.<br>
<br>
Lisboa, 23 de Maio de 2000.<br>
<br>
Tomé de Carvalho<br>
Silva Graça<br>
Francisco Lourenço<br>
<br>
Tribunal Judicial de Matosinhos - Processo n. 165/97 - 1.<br>
Tribunal da Relação do Porto - Processo n. 1244/99 - 5. Secção </font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTKru4YBgYBz1XKvJCuc | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> </font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br>
<font> 1-1- </font><font>AA e marido </font><font>BB, residentes em .........., n.º ...., Vilamoura, ,,,,,, Quarteira, propuseram a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>“Construções .........., Lda.”</font></b><font>, com sede na ..........., n.º ......, Quarteira, </font><b><font>CC </font></b><font>e mulher </font><font>DD, residentes na ..........., nº ......, 8125 Quarteira e </font><font>EE e mulher </font><b><font>FF</font></b><font>, residentes em Sítio do ............., 8150 Almancil, </font><i><font>pedindo</font></i><font>, o reconhecimento do seu direito de propriedade relativamente a todo o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ............., em virtude de o terem adquirido por usucapião ou por aquisição derivada, o cancelamento de todos os registos incompatíveis com os seus direitos e, consequentemente, serem os RR. condenados a restituir-lhes o prédio, a absterem-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por sua parte desse mesmo prédio e, solidariamente, a reparar todos os danos sofridos por eles, AA., sendo os não patrimoniais no montante de € 75.000,00 e os patrimoniais a liquidar em execução de sentença, por não serem neste momento determináveis. </font><br>
<font> Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que sucederam na utilização que GG vinha dando ao terreno identificado, desde 12 de Abril de 1986 até à actualidade e que, de forma de forma ininterrupta, sem oposição de ninguém, à vista de todos e com a convicção de serem os seus donos, vêm cuidando, limpando o mato, as silvas e as ervas do prédio em causa. Apesar do exercício dos poderes inerentes à condição de proprietários sobre todo o prédio, em 04.11.1993, mediante escritura pública, adquiriram a HH, que por sua vez o havia recebido por compra a II, ½ indiviso do prédio em questão, inscrito na matriz predial sob o artigo 3448. Em 6 de Junho de 2006, EE, arrogando-se a qualidade de único e universal herdeiro de GG, entretanto falecido, por conta de uma dívida de € 175.000,00, deu em pagamento a CC, casado com DD, metade indivisa do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ............. e inscrita na matriz predial sob o artigo 3448. Em 26 de Junho de 2006, os citados EE e FF e CC e DD, através de escritura pública realizada para o efeito, revogaram a dação em pagamento que haviam celebrado em 06.06.2006 e acordaram na permuta pelo da metade indivisa do prédio rústico sito em Forte Novo, Quarteira, inscrito na matriz sob o artigo 3448 e descrito na C.R.P. de Loulé sob o n.º ............., por duas fracções autónomas para habitação designadas pelas letras “S” e “T”, ambas de um prédio urbano denominado Edifício Esperança, sito na ..........., em Quarteira, tendo os contraentes requerido em 27.06.2006 a efectivação dos registos das aquisições que lhes respeitavam.</font><br>
<font> Os RR. contestaram por impugnação, na parte em que excede a aquisição de ½ indivisa do prédio em causa que os AA. efectuaram em 1993 a HH. </font><br>
<font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br>
<font> Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente reconhecendo-se o direito de propriedade dos AA. sobre ½ do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº ............., da freguesia de Quarteira, por o haverem adquirido a HH, em 04.11.1993, mediante escritura pública de compra e venda.</font><br>
<font> No mais julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se os RR. dos demais pedidos.</font><br>
<font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 21-04-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br>
<font> 1-3- Continuando irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br>
<font> Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br>
<font> 1ª-</font><b><font> </font></b><font>Salvo sempre o devido respeito, o douto acórdão é nulo por omissão de pronúncia.</font><br>
<font> 2ª-O douto acórdão recorrido, na perspectiva de justificar que não procedia à alteração da matéria de facto, deixou de se pronunciar sobre a matéria constante das conclusões 43, 44, 45, e 46, e a consequente aplicação do art. 1296° do C. Civil, ou seja, a consequente aplicação do direito aos factos, invocados pelos Apelantes.</font><br>
<font> 3ª- Na conclusão 43 diz-se que:</font><br>
<font> Tendo em vista o contributo dessa decisão, o depoimento das testemunhas, já acima indicadas e os documentos juntos ao processo, tal como atrás se explicou, resulta da alínea K) dos factos assentes que em 07/04/1998 os AA. celebraram com HH o contrato a que se refere o doc. n°24 da petição inicial. </font><br>
<font> 4ª-Na conclusão 44, refere-se que:</font><br>
<font> Neste contrato, na alínea 4, é conferido aos AA. que podem fazer a utilização do terreno a partir dessa data relativamente a metade do terreno, e a escritura foi celebrada em Novembro de 1993. Relativamente à outra metade do terreno, foi outorgada procuração irrevogável em 19/01/1998 a favor dos AA.. Importa pois referir que desde 04/07/1988 os AA. exercem além do corpus, o animus de exercer o direito de propriedade relativamente a todo o prédio. </font><br>
<font> 5ª-Na conclusão 45 os AA. referiram que “</font><i><font>Na situação dos autos, embora existindo contratos promessa no âmbito dos quais foi conferida a posse, o certo é que foi pago a totalidade do preço, na data da assinatura, tendo até sido passada uma procuração irrevogável. </font></i><br>
<i><font> 6ª- Na conclusão 46, alegaram os AA., consequentemente, importa considerar verificada a posse, quer relativamente à metade indivisa que pertenceu a GG, quer à metade que pertenceu a II, pelo menos desde 04/07/1988.</font></i><br>
<font> 7ª-Os AA., face a estes factos e aos elementos constantes do processo invocaram que os AA. adquiriram por usucapião o direito à metade indivisa que não estava titulada por escritura, pelo menos desde 7 de Abril de 2003. </font><br>
<font> 8ª- Bem como se esqueceu de julgar e apreciar porque razão os AA. invocam que o prazo da usucapião se completou em 7 de Abril de 2003, aplicando o direito aos factos. </font><br>
<font> 9ª-Há que não esquecer, que foi dada como provada a matéria do quesito 3 de acordo com o qual se dá como provado o teor do contrato entre os AA. e GG , fls. 34 e 35, que de acordo com tal contrato, aí ficou dito que:</font><br>
<font> “O primeiro outorgante, desde já transfere para a segunda outorgante a posse do referido prédio rústico, com poderes para fazer a utilização do terreno e da casa que se encontra em construção “.</font><br>
<font> 10ª- A fls. 24 do douto acórdão recorrido, refere-se: </font><br>
<font>Sublinhe-se mesmo que, o contrato promessa celebrado entre os AA. e GG constante de fls. 24 e 35 dos autos e a resposta positiva ao quesito 3 não permite a conclusão pretendida pelos apelantes - conclusões 12 a 15 e 45 a 46 — - basta tão só atentar no teor da cláusula terceira do dito contrato que se transcreve:</font><br>
<font> “O preço total da venda de </font><u><font>metade do terreno </font></u><font>referido neste contrato é de 5.500.000$00...” (sublinhado nosso).”</font><br>
<font> 11ª- Ora, salvo o devido respeito, embora no acórdão se referia e indique a conclusão 45 e 46, o Tribunal acaba por não se pronunciar sobre tais conclusões e nem sequer fazê-lo fundamentadamente. </font><br>
<font> 12ª- O Tribunal aceitou e deu como certo e provado que com o contrato de fls. 34 e 35, os AA. eram possuidores de metade do prédio, o que aconteceu desde 12 de Abril de 1986, conforme consta do contrato de fls. 34 e 35. </font><br>
<font> 13- Tal como resulta provado da alínea k) dos factos assentes, em 07/04/1988, os AA. subscreveram o documento junto com o nº 24 da petição inicial, esse contrato foi assinado entre AA. e HH, pessoa que havia comprado a outra metade do prédio a II (alínea j) dos factos assentes e resposta ao facto 10 da base instrutória)</font><br>
<font> 14ª- Além disso, na sentença da 1ª instância, vem referido ao nº 26 dos factos provados que, os AA. apenas utilizaram o prédio desde 1988 porque para tanto foram autorizados por HH (resposta aos factos 22 e 25 da base instrutória). </font><br>
<font> 15ª-Os AA. pelo contrato promessa de fls. 34 e 35, celebrado com GG, já tinham a posse de metade que lhe haviam comprado, posse que lhe era conferida até pelo contrato. </font><br>
<font> 16ª- Mas ainda que assim não fosse, desde 1988, mais concretamente em 7 de Abril desse ano, HH autorizou ainda os AA. a utilizarem o prédio. </font><br>
<font> 17ª-Ora, tendo em conta o disposto no art. 1296° do C. Civil, ou seja, que “Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode assim dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé e de vinte anos de má-fé.”</font><br>
<font> 18ª-Acontece que a posse dos AA. foi-lhes conferida por quem era dono, nomeadamente por GG, e depois por HH em 7 de Abril de 1988. </font><br>
<font> 19ª-Assim, somando 15 anos a 7 de Abril de 1988, temos exactamente que o termo de 15 anos da posse ocorreu em 7 de Abril de 2003.</font><br>
<font> 20ª-E tudo isto que se explica na conclusão 44, 45 e 46, e que, salvo o devido respeito, o Tribunal não apreciou em concreto.</font><br>
<font> 21ª-Com efeito, ainda que assim não fosse, constata-se bem que tendo por base o contrato celebrado entre os AA. e HH em 07/04/1988 e a matéria de facto dada como provada na alínea j) dos factos assentes e resposta ao art. 10° da base instrutória, a matéria dada como provada na alínea k) dos factos assentes e a resposta dada aos quesitos 22 e 25 da base instrutória, donde resulta que os autores apenas utilizaram o prédio desde 1988 porque para tanto foram autorizados por HH, e bem assim a resposta dada aos quesitos 5 e 6 da base instrutória, não há dúvida que aplicando correctamente o art. 1296° do C. Civil o termo do prazo de usucapião ocorre em 07/04/2003. Pelo que por essa via os AA. adquiriram o direito de propriedade sobre todo o prédio. </font><br>
<font> 22ª- Acresce ainda que, o douto acórdão recorrido, refere a fls. 25 que,</font><br>
<font>“do ponto de vista dos elementos testemunhais e documentais que sustentam a decisão de facto impugnada, a mesma não pode ser alterada ao abrigo do art. 712, n° 1 do C.P.C. na medida em que o autor não forneceu elementos que imponham decisão diversa da proferida” </font><br>
<font> Mais refere a fls. 24: </font><br>
<font>“Acresce que, auditado o registo gravado dos depoimentos produzidos em audiência (em particular dos depoimentos invocados pelos apelantes) e ainda que se considerem os mesmos na perspectiva da formação de uma nova convicção em </font><b><font>2a </font></b><font>Instância. Também é de concluir que os mesmos não consentem a pretendida modificação dos factos pois deles não se evidencia erro de julgamento, traduzido em desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão.” </font><br>
<font> Mais refere o douto acórdão recorrido a fls. 23, </font><br>
<font>“Sob o ponto de vista formal, há que reconhecer que os ora apelantes, cumpriram o que lhes era exigido pela Lei processual para poder atacar a decisão de facto da </font><b><font>1a </font></b><font>Instância, na medida em que indicaram os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e referiram os correctos meios probatórios que na sua perspectiva imporiam decisão diversa da recorrida.” </font><br>
<font>Apesar disso o Tribunal entendeu que não encontrava razões bastantes para alterar a factualidade apurada”.</font><br>
<font> 23ª- Salvo o devido respeito, esta decisão do Tribunal não está devidamente fundamentada como deveria.</font><br>
<font> 24ª-Equivale à falta de fundamentação a fundamentação insuficiente.</font><br>
<font> 25ª-Entendem os recorrentes que o douto acórdão não deu integral cumprimento ao disposto no art. 712°, nº 2 do C.P.C.</font><br>
<font> 26ª- No caso da gravação dos depoimentos, a “Relação aprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações do recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre pontos da matéria de facto impugnados.”</font><br>
<font> 27ª-Ora, no douto acórdão somente se faz uma referência a que auditou os depoimentos gravados. Contudo, e expressamente aquele que os recorrentes invocaram, o douto acórdão nada diz.</font><br>
<font> 28ª-Salvo o devido respeito, entendemos que essa situação equivale a omissão de pronúncia sobre as questões levantadas pelos recorrentes nas suas alegações, o que torna o douto acórdão nulo. </font><br>
<font> 29ª-É que, discordamos que o Meritíssimo Juiz em 1ª Instância tenha explicitado minuciosamente não apenas os vários meios de prova (depoimentos e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.</font><br>
<font> 30ª-Na fundamentação das respostas à matéria de facto, o Meritíssimo Juiz indicou somente elementos pontuais dos depoimentos das testemunhas.</font><br>
<font> 31ª-Contudo, as testemunhas dos AA. disseram muito mais do que vem referido na fundamentação e, é exactamente por isso que os recorrentes indicaram os concretos pontos dos depoimentos das testemunhas que efectivamente impunham decisão diversa. </font><br>
<font> 32ª-Salvo o devido respeito, o Tribunal da Relação interpretou restritamente o disposto no art. 712°, nº 1, alínea a) e n°2 do C.P.C.. </font><br>
<font> 33ª-A decisão do Tribunal da Relação assentou no facto de que a “Garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação da prova”, por um lado, e por outro “a ideia de que o Tribunal de 2ª</font><b><font> </font></b><font>Instância não deve ir além do juízo sobre a razoabilidade da convicção probatória da 1ª Instância, face aos elementos disponíveis dos autos”.</font><br>
<font> 34ª-Acontece porém que, não está em causa o princípio da livre apreciação da prova. Contudo, Tal princípio, não pode significar o livre arbítrio.</font><br>
<font> 35ª-Por outro lado, a interpretação restritiva do art. 712° do C.P.C. levada a cabo no douto acórdão, leva a que, muito dificilmente se pode conseguir a alteração da decisão da matéria de facto porque, perante o raciocínio lógico da sentença o Tribunal da Relação não leva em conta os concretos pontos levantados pelo recorrente nas suas alegações.</font><br>
<font> 36ª-O que se pretende ver apreciado, são os concretos pontos assinalados nas alegações do recorrente e que fundamentadamente o tribunal os aprecie, pois é convicção dos recorrentes que não o foram.</font><br>
<font> 37ª-Continuando a reclamar que os quesitos 2, 5 a 9, 11, 12, 15 a 18 deveriam ter resposta positiva e negativa os quesitos 22, 23 e 25 do questionário, devendo ser especificada e fundamentadamente apreciados.</font><br>
<font> 38ª- É que, nomeadamente, não foi tido em conta que os AA. haviam prometido comprar metade do terreno a GG em 1986, e que, em 07/04/1988, quando prometeram comprar a outra metade a HH (Doc. 24 junto à Petição Inicial), a partir daí tinham indiscutivelmente a posse do terreno tal como resulta dos documentos </font><br>
<font> 39ª- O douto acórdão da Relação de que se recorre, manteve integralmente a decisão da 1a Instância, para aí se remetendo. </font><br>
<b><font> </font></b><font>40ª-Acontece que, a fls. 792, refere a douta sentença que resultou provada nomeadamente nos n°s. 21, 22, 23, 24, 26 e 27, é insuficiente para caracterizar uma actuação exterior que possa levar à aquisição a favor dos AA. por via do instituto da usucapião do direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n° </font><font>000000000(veja-se a este propósito a resposta restritiva que mereceram os factos 5</font><i><font>, </font></i><font>6 e 11 e a resposta negativa atribuída aos factos 7 e 8. </font><br>
<font> ......ª-Consultada a resposta dada a tais quesitos verifica-se que </font><br>
<font> O 22 foi provado. Resultando que os AA. desde 1988 utilizavam o prédio (Quesito dos RR.). </font><br>
<font> 42ª- Quanto ao 21 (Quesito dos RR.) provado o que consta da alínea G) dos factos assentes de onde resulta que em 19 de Janeiro de 1988, GG declarou que constituía sua procuradora a A. a quem conferia os poderes para vender pelo preço de cinco mil e quinhentos contos que declarou ter recebido da metade do prédio referido em A, conforme doc. de fls. 37 e 38 dos autos. Resultando deste documento, que o negócio podia ser feito com ela própria Autora, sendo um mandato irrevogável. </font><br>
<font> 43ª- O quesito 23, quesito dos RR., foi provado o que consta da alínea E) dos factos assentes, ou seja, que em 1981 JJ e GG procederam à partilha dos seus bens, ficando o prédio referido em A na proporção de metade para cada.</font><br>
<font> 44ª- O quesito 24, dos RR., foi não provado.</font><br>
<font> 45ª- O quesito 25 foi provado apenas o que consta das alíneas K) e L), sendo que em K) consta do Contrato Promessa junto como doc. 24 da Petição Inicial que se dá como reproduzido, resultando do mesmo que foi conferida a posse aos AA. Resultando de L) dos factos assentes que, a escritura a que se refere o contrato, doc. 24, celebrado com HH, foi celebrado em 4 de Novembro de 1993 com os AA.. </font><br>
<font> 46ª- Quanto aos quesitos 26 e 27, foi provado ainda que somente por 2000 os AA. deram continuação à construção iniciada mais de 10 anos antes pelos anteriores donos, (que podem ser 15 ou vinte), rebocando paredes, aplicando portas e janelas, tendo também por essa altura mandado cortar pernadas de alguns pinheiros e procedido à vedação do terreno. </font><br>
<font> 47ª- Na resposta ao quesito 5 e 6, entre 1986 e 1988 o A. começou a aparecer no terreno e a dizer que era o novo dono.</font><br>
<font> 48ª- Na resposta ao quesito 11, deu-se como provada a matéria constante das alíneas G, II, 1, K e L dos factos assentes.</font><br>
<font> 49ª- Como não provados os quesitos 7 e 8.</font><br>
<font> 50ª -Salvo o devido respeito, mesmo assim e sem mais, a acção deve ser dada como procedente.</font><br>
<font> 51ª- Nos termos do art. 1287° do C. Civil, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos mais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação é o que se chama usucapião.</font><br>
<font> 52ª- A posse adquire-se:</font><br>
<font> Nos termos da alínea a) do art. 1263° do C. Civil, pela prática reiterada, com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito. </font><br>
<font>E nos termos da alínea b) “pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor.”</font><br>
<font> 53ª- Na resposta ao quesito 3, foi considerado provado que GG subscreveu o doc. de fls. 34 e 35. E desse documento, no seu número 4 que o então GG transferiu a posse do terreno para os ora AA., nomeadamente JJ, o que ocorreu em 12/04/1986.</font><br>
<font> 54ª- Só assim se compreende que o então GG tenha constituído a A. mulher como sua mandatária, no doc. a que se refere a alínea O) e H) dos factos assentes, tendo declarado ter recebido a totalidade do preço e podendo a A. fazer o negócio consigo própria. </font><br>
<font> 55ª- Depois, tendo em conta a matéria dada como provada na alínea K) dos factos assentes, dá-se aí como provado o contrato celebrado entre os AA. e HH, datado de 07/04/1988 e que constitui o documento número 24 junto com a petição inicial e cuja escritura veio a ser realizada em 04/11/1993. Também aí, nesse contrato, a outorgante HH no número 4 desse contrato, confere a posse do terreno aos AA. em 7 de Abril de 1988.</font><br>
<i><font> </font></i><font>56ª- Acresce ainda que, na resposta dada aos quesitos 26, 27, 28 e 29 diz-se que “Provado </font><u><font>apenas </font></u><font>que somente por 2000 os AA. deram continuação à construção iniciada mais de dez anos antes pelos anteriores donos, rebocando paredes, e colocando telhado, sendo também nessa altura mandado cortar pernadas e alguns pinheiros e procedido à vedação do terreno. </font><br>
<font> 57ª- A</font><i><font> </font></i><font>presente acção deu entrada em 23 de Outubro de 2006, tendo decorrido pois cerca de seis anos desde a data em que se diz terem os AA. continuado a obra. </font><br>
<font> 58ª-</font><i><font> </font></i><font>Nos termos do art. 1256° do C. Civil, “Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso de sucessão por morte, pode juntar a sua posse, a posse do antecessor.” </font><br>
<font>Assim, sempre os AA. podem aceder na posse, juntando a sua à dos anteriores possuidores. </font><br>
<font> 59ª- Aqui chegados, não podemos deixar de dizer que os AA., além do mais, adquiriram o terreno por usucapião, pelo decurso do prazo de 15 anos enquanto possuidores.</font><br>
<font> 60ª- Ou seja:</font><br>
<font> Tendo em conta o doc. de fls. 34 e 35, resposta ao quesito 3, e bem assim a matéria das alíneas G) e II), a posse foi transmitida aos AA. em 12 de Abril de 1986. Tendo em conta o que resulta provado da alínea K) dos factos assentes, que dá como reproduzido o doc. nº 24 junto com a P.I. e a resposta aos quesitos 26, 27, 28 e 29, a posse foi transmitida aos AA. por HH em 07/04/1988. </font><br>
<font> Tendo em conta a resposta dada aos quesitos 26, 27, 28 e 29, os AA. em 2000, acederam na posse que os anteriores possuidores lhe transmitiram, o que ocorreu ainda em 07/04/1988 quando celebraram o contrato com HH em 4 de Novembro de 1993 quando celebraram a escritura com a Dra. HH, alínea L) dos factos assentes, e em 12 de Abril de 1986 quando celebraram o contrato com JJ. </font><br>
<font> Temos assim que em qualquer dos casos se completou o termo de 15 anos de posse dos AA. em termos de direito de propriedade e como se fossem donos, para aquisição por usucapião do terreno objecto dos autos, usucapião que se invoca para todos os efeitos legais. </font><br>
<font> 61ª- Pelo que a acção tem que proceder.</font><br>
<font> 62ª- Fez-se incorrecta aplicação dos art°s 705º, 712 nº 1 alínea a) e n°2 do C.P.C., arts. 408º, 874º, 879º, 1316º e 1317 al. a) 1256º, 1263º, alíneas a) e b), 1287º e 1296º do C.Civil.</font><br>
<font> Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br>
<font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br>
<font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br>
<b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br>
<font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br>
<font> - Nulidade do acórdão decorrente da omissão de pronúncia sobre a matéria constante das conclusões 43, 44, 45, e 46 da apelação.</font><br>
<font> - Aquisição por usucapião da totalidade do prédio.</font><br>
<font> - Reapreciação da matéria de facto pela Relação.</font><br>
<font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br>
<font> 1. O prédio rústico sito em Forte Novo, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o artigo 3448 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ............. encontra-se inscrito a favor de AA, casada com BB, em comunhão geral e de “Construções ........, Lda.”, na proporção de ½ para cada um (alínea A) dos factos assentes).</font><br>
<font> 2. O prédio referido em 1º foi adquirido por JJ e seu marido GG, por compra a LL, em 21 de Janeiro de 1936, através de escritura pública cuja cópia foi junta como documento n.º 3 à petição inicial (alínea B) dos factos assentes).</font><br>
<font> </font><font>3. Desde então e até, pelo menos, 1986, GG, de forma contínua e ininterrupta, passou a cultivar, tratar, limpar o terreno, como se fosse dono e agindo como tal, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, pacificamente e na convicção de não lesar o direito de outrem (alínea C) dos factos assentes e resposta ao facto 1.º da base instrutória).</font><br>
<font> 4. JJ e GG divorciaram-se por sentença de 13.01.1981, transitada em julgado 27.01.1981 (alínea D) dos factos assentes).</font><br>
<font> 5. Por escritura pública outorgada em 19.07.1981, JJ e GG procederam à partilha dos seus bens comuns, entre os quais se encontra o prédio referido em 1º, que ficou a pertencer a ambos, na proporção de ½ para cada (alínea E) dos factos assentes e resposta ao facto 23.º da base instrutória).</font><br>
<font> 6. Em 1986 GG possuía pelo menos metade do prédio, que tratava, arranjava, cuidava, limpava o mato, silvas e ervas, como se fosse dono dessa metade, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (alínea F) dos factos assentes e resposta ao facto 2.º da base instrutória).</font><br>
<font> 7. Em Janeiro de 1988 o mencionado GG compareceu na Secretaria Notarial de Loulé, onde declarou que constituía sua bastante procuradora a ora autora, a quem conferia os necessários poderes para, em nome dele, vender, pelo preço de cinco mil e quinhentos contos que declarou já ter recebido, metade do prédio referido em 1º, para requerer quaisquer actos de registo predial, para o representar em todas as repartições públicas, em todos os assuntos do seu interesse relacionados com a dita venda, nomeadamente em Repartições de Finanças e Câmaras Municipais, outorgando e assinando as necessárias escrituras e, requerendo, praticando e assinando tudo o mais que necessário for para os indicados fins, conforme documento junto a fls. 37 e 38 dos autos (alínea G) dos factos assentes e resposta aos factos 9.º e 21.º da base instrutória).</font><br>
<font> 8. GG declarou ainda, no documento referido em 7.º, que a venda poderia ser feita a quem a mandatária entendesse, incluindo ela própria, e porque o mandato também era conferido no interesse de terceiros, declarou também que a procuração era irrevogável e que não caducaria por morte dele (alínea H) dos factos assentes).</font><br>
<font> 9. A autora nunca chegou a celebrar a escritura de venda referida no documento mencionada em 7.º e 8.º (alínea I) dos factos assentes).</font><br>
<font> 10. II vendeu a sua metade indivisa do prédio referido em 1º a HH, que a registou em seu nome em 03.02.1988 (alínea J) dos factos assentes e resposta ao facto 10.º da base instrutória).</font><br>
<font> 11. O autor e HH subscreveram o documento junto com o n.º 24 à petição inicial, que se dá por reproduzido, datado de 07.04.1988, que as partes intitularam de “</font><i><font>contrato promessa de compra e venda</font></i><font>”, que tinha por objecto metade do prédio referido em 1.º, tendo o autor pago o preço acordado, no valor de dez milhões de escudos (alínea K) dos factos assentes).</font><br>
<font> 12. Em 4 de Novembro de 1993 a autora e a referida HH outorgaram a escritura cuja certidão foi junta como documento n.º 8 à petição inicial, que se dá por reproduzida, através da qual esta declarou vender àquela metade do prédio referido em 1.º (alínea L) dos factos assentes).</font><br>
<font> 13. Após o falecimento de GG, ocorrido em 14 de Fevereiro de 1989, EE, na qualidade de cabeça de casal, deu origem à instauração de Processo de Liquidação do Imposto Sucessório sobre Sucessões e Doações respectivo, em 5 de Junho de 2006 (alínea M) dos factos assentes).</font><br>
<font> 14. No âmbito de tal processo relacionou metade do prédio referido em 1.º, conforme consta do documento junto como n.º 15 à petição inicial (alínea N) dos factos assentes).</font><br>
<font> 15. Por escritura de habilitação outorgada em 6 de Junho de 2006, o réu EE declarou que, segundo as regras da sucessão legítima, sucedeu a GG como seu único e universal herdeiro (alínea O) dos factos assentes).</font><br>
<font> 16. Ainda em 6 de Junho de 2006 o réu EE, dotado de poderes para representar a sua esposa FF, através da escritura pública cuja cópia foi junta como documento n.º 18, que aqui se dá por reproduzido, declarou dar em pagamento de uma dívida no montante de € 175.000,00 metade do prédio referido em 1.º, escritura que declararam revogar em 26 de Junho de 2006 (alínea P) dos factos assentes).</font><br>
<font> 17. Ainda em 26 de Junho 2006 EE e sua esposa FF e a sociedade “Construções ..........., Lda.” outorgaram a escritura de que o documento junto com o n.º 22 à petição inicial constitui cópia, e que aqui se dá por reproduzido, através da qual os primeiros declararam ceder àquela sociedade metade indivisa do prédio rústico sito em Forte Novo, Quarteira, inscrito na matriz sob o artigo 3448 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º ............., e esta declarou ceder, em troca àqueles duas fracções autónomas para habitação designadas pelas letras “S” e “T”, ambas de um prédio urbano denominado Edifício Esperança, sito na ..........., em Quarteira (alínea Q) dos factos assentes).</font><br>
<font> 18. Em 27.06.2006 foi registada a favor de EE a aquisição de ½ do referido prédio rústico por sucessão, na sequência da escritura de habilitação referida, e foi ainda registada a favor da ré sociedade a aquisição desse ½ por permuta na sequência da escritura referida em 17.º (alínea R) dos factos assentes).</font><br>
<font> 19. Em 1986, tendo decidido vender o prédio, GG subscreveu em 12 de Abril desse ano o documento de que fls. 34 e 35 constitui cópia, na qual declarava prometer vender o prédio referido em 1.º (resposta ao facto 3.º da base instrutória).</font><br>
<font> 20. Os autores pagaram então como sinal e princípio de pagamento a quantia de 500.000$00, que GG recebeu (resposta ao facto 4.º da base instrutória).</font><br>
<font> 21. Entre 1986 e 1988 o autor começou a aparecer no terreno, dizendo que era o novo dono (resposta aos factos 5.º e 6.º da base instrutória).</font><br>
<font> 22. Anteriormente aos autores houve no terreno cavalos que lá permaneceram durante anos, bem como foi começada no terreno uma construção (resposta ao facto 12.º da base instrutória).</font><br>
<font> 23. Os autores consomem energia eléctrica no terreno (resposta ao facto 13.º da base instrutória).</font><br>
<font> 24. À autora AA foi debitado em 2005 IMI pelo prédio rústico 3448 de Quarteira e foi autorizada queimada num terreno em Forte Novo, freguesia de Quarteira, em 7 de Janeiro de 2001, época pela qual os autores promoveram a limpeza do terreno (resposta ao facto 14.º da base instrutória).</font><br>
<font> 25. Os autores estão contrariados por terem tido de instaurar a presente acção (resposta aos factos 17.º e 18.º da base instrutória).</font><br>
<font> 26. Os autores apenas utilizaram o prédio desde 1988 porque para tanto foram autorizados por HH (resposta aos factos 22.º e 25.º da base instrutória).</font><br>
<font> 27. Em 2000 os autores deram continuação à construção iniciada mais de dez anos antes pelos anteriores donos, rebocando paredes, aplicando portas e janelas e colocando o telhado, tendo também por essa altura mandado cortar pernadas de alguns pinheiros e procedido à vedação do terreno (resposta aos factos 26.º, 27.º, 28.º e 29.º da base instrutória). -----------------------</font><br>
<font> 2-3- Os recorrentes sustentam que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, porque deixou de se pronunciar sobre a matéria constante das conclusões 43, 44, 45, e 46, e a consequente aplicação do art. 1296° do C. Civil, ou seja, a consequente aplicação do direito aos factos invocados pelos apelantes.</font><br>
<font> Nos termos do art. 668º nº 1 al. d) do C.P.Civil (aplicáv | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TTK3u4YBgYBz1XKv0jYk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - “DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor” requereu a aplicação de sanção pecuniária compulsória no montante de € 179.627,28 ao “AA, SA”, com fundamento em que, apesar de definitivamente proibido, em acção inibitória, de utilizar nos contratos de utilização de cartões de crédito/débito, duas das cláusulas neles insertas, mantém actualmente nos contratos cláusulas substancialmente idênticas às que foram declaradas nulas.</font><br>
<br>
<font>A Requerida (Banco) deduziu oposição, alegando que as novas cláusulas não coincidem com as proibidas, nem se lhes equiparam substancialmente, não havendo incumprimento nem lugar à aplicação da sanção, a qual sempre deveria ser inferior ao limite máximo previsto na redacção do preceito do Dec-Lei n.º 446/85.</font><br>
<br>
<font> O pedido foi julgado improcedente, mas a Relação, revogando a decisão, condenou a Requerida a abster-se de utilizar as cláusulas 7/n. e 11/b., por serem substancialmente equiparáveis às que lhe haviam sido proibidas, fixou a sanção pecuniária compulsória em € 179.500,00 e condenou a R. a dar publicidade à proibição.</font><br>
<br>
<br>
<font> O Banco pede revista, pedindo a reposição da decisão da 1ª Instância, a coberto das seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>I - As cláusulas em apreço não são as cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva nos autos à margem identificados e nem sequer se lhes equiparam substancialmente. </font><br>
<font>II- Assim, ao julgar que estas novas cláusulas se equiparam substancialmente às cláusulas anteriormente proibidas pelo S.T.J., o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente o n° 1 do art. 32° do Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro. </font><br>
<font>III- Quanto à sanção pecuniária compulsória, o valor fixado sempre se mostraria manifestamente exagerado, mesmo que, sem conceder, se admitisse a hipótese de ter existido, por parte do recorrente, alguma infracção da obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar as cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva. </font><br>
<font>IV - No caso concreto, ainda que se admitisse a existência das infracções, as mesmas não seriam de elevada gravidade quanto aos seus efeitos e, por outro lado, a culpa do recorrente também teria de ser considerada leve, pois nunca se estaria a tratar do desrespeito puro e simples, consciente e deliberado, da obrigação de o Banco se abster de utilizar ou recomendar determinadas cláusulas, mas sim da adopção de diferentes cláusulas, as quais só com grande e não pacífico esforço interpretativo poderão ser consideradas substancialmente equiparadas àquelas. </font><br>
<font>V- Assim, a sanção eventualmente a aplicar teria de ser substancialmente inferior ao máximo legal, pelo que o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente o n° 1 do art. 33° do Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro. </font><br>
<font>VI - Em qualquer caso, nem sequer poderia ser aplicada, no caso em apreço, qualquer sanção pecuniária compulsória, em virtude de não estar verificada a previsão do n° 1 do citado art. 33°, uma vez que esta disposição não prevê que também possa ser aplicada uma sanção pecuniária compulsória nos casos de utilização ou recomendação de outras cláusulas que se equiparem substancialmente às cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva. </font><br>
<font>VII - Tratando-se de uma norma sancionatória, não é legítima a sua aplicação analógica, nem tão-pouco a sua interpretação extensiva, pelo que a sanção pecuniária compulsória deverá aplicar-se de forma exclusiva aos casos em que o demandado na acção inibitória persista na utilização ou recomendação das próprias normas que foram objecto de proibição definitiva, o que o recorrente não fez. </font><br>
<font>VIII - Ao condenar o recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória com fundamento na utilização de cláusulas que se equiparam substancialmente a outras anteriormente proibidas por decisão judicial, o acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente o n° 1 do art. 33° do Decreto-Lei n° 446/85, de 25 de Outubro.</font><br>
<br>
<font>A Recorrida respondeu em apoio do julgado. </font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>2. - As </font><b><font>questões</font></b><font> propostas, como das conclusões da Recorrente se retira, são as seguintes:</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Se a sanção pecuniária compulsória é apenas aplicável aos casos em que o demandado na acção inibitória persista na utilização das próprias cláusulas que foram objecto de proibição definitiva, dela se excluindo as que substancialmente se lhes equiparem;</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Se as cláusulas em causa nos novos contratos se equiparam substancialmente às anteriormente proibidas; e,</font><br>
<br>
<font> - Se deve ser reduzida o montante da sanção, fixado no máximo previsto na lei.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 3. - A decisão impugnada assenta no seguinte </font><b><font>quadro</font></b><font> </font><b><font>fáctico</font></b><font>, não posto em causa no recurso.</font><br>
<br>
<font>A. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 251 a 265 do apenso, o banco executado foi condenado, no que ora interessa, a não mais utilizar nos seus contratos com particulares as cláusulas 16ª e 18ª das Condições Gerais dos contratos para uso de cartão de crédito constantes dos contratos então em vigor.</font><br>
<font>B. É o seguinte o teor da cláusula 16ª dos contratos em apreciação no aludido acórdão: «</font><i><font>Em caso de não funcionamento ou avaria de uma máquina da rede, que o titular do Cartão pretenda usar, este não funcionamento ou avaria presumem-se não culposos no que respeita à Nova Rede - AA, correndo o risco de tal funcionamento ou avaria por conta do titular</font></i><font>».</font><br>
<font>C. É o seguinte o teor da cláusula 18ª dos contratos em apreciação no aludido acórdão: «</font><i><font>O Banco pode, a todo o momento, retirar ao Cliente sem direito a Indemnização a possibilidade de utilizar o Cartão Nova Rede sem prevenir ou justificar o motivo, devendo o utente restituir de imediato o Cartão ao Banco</font></i><font>».</font><br>
<font>D. Após tal decisão, o Banco executado passou a utilizar nas condições gerais dos contratos de adesão ao uso de cartões de crédito as seguintes cláusulas:</font><br>
<font>- «7ª, al. n), «</font><i><font>O Banco não pode em circunstância alguma ser responsabilizado pela eventual impossibilidade de utilização dos caixas automáticos ou dos Terminais de Pagamento Automático, pela não aceitação do cartão em qualquer estabelecimento, bem como por deficiência de atendimento, má qualidade dos bens ou serviços obtidos através da utilização do Cartão ou quaisquer outros incidentes que ocorram entre o Titular e o estabelecimento ou o proprietário do Terminal de pagamento Automático</font></i><font>».</font><br>
<font>- «11ª, al. b), ou 6ª, al. j), «</font><i><font>o Banco poderá cancelar o cartão dentro do período de validade e proceder à denúncia, do presente contrato desde que comunique essa intenção ao Titular com pré-aviso de 15 dias relativamente à data em que pretende proceder ao cancelamento. Decorrido o prazo de pré-aviso, o Banco fica autorizado a impedir a utilização do cartão</font></i><font>».</font><br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória em caso de utilização de cláusulas contratuais gerais que se “equiparem substancialmente” às concretamente proibidas por decisão definitiva.</font><br>
<br>
<br>
<font>A Recorrente defende a inaplicabilidade de qualquer sanção pecuniária compulsória, em virtude de não estar verificada a previsão do n° 1 do art. 33° do DL n.º 446/85, uma vez que a disposição não prevê que também possa ser aplicada a sanção nos casos de utilização ou recomendação de outras cláusulas que se equiparem substancialmente às que foram objecto de proibição definitiva e, tratando-se de uma norma sancionatória, não é legítima a sua aplicação analógica, nem tão-pouco a sua interpretação extensiva.</font><br>
<br>
<font>O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais encontra-se, como é sabido, no Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, revisto pelo DL n.º 220/95, de 31/8.</font><br>
<br>
<font>Relevam, para apreciação do objecto deste recurso, as normas dos arts. 31º-1 e 32º-1 e 2.</font><br>
<br>
<font>No n.º 1 do art. 32º estabelece-se que “as cláusulas contratuais gerais objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, ou outras cláusulas que se lhes equiparem substancialmente, não podem ser incluídas em contratos que o demandado venha a celebrar, nem continuar a ser recomendadas”.</font><br>
<font>Por sua vez, o n.º 1 do art. 33º dispõe que “se o demandado, vencido na acção inibitória, infringir a obrigação de se abster de utilizar ou de recomendar cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição definitiva por decisão transitada em julgado, incorre numa sanção pecuniária compulsória que não pode ultrapassar o dobro do valor da alçada da Relação por cada infracção”, acrescentando-se no n.º 2 que (…), devendo facultar-se ao infractor a oportunidade de ser previamente ouvido”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Ora, afigura-se-nos não ser necessário grande esforço interpretativo para que, lançando mão dos elementos literal, lógico e sistemático – art. 9º C. Civil -, em sede de mera interpretação declarativa, isto é, sem alargamento da letra da lei (interpretação extensiva) ou recurso à analogia, se terem como abrangidas pelo sentido e alcance da previsão do art. 33º-1 as cláusulas que se equiparem substancialmente às definitivamente proibidas na decisão proferida na acção inibitória.</font><br>
<br>
<font> Com efeito, este n.º 1 do art. 33º, inserido na regulação do regime da acção inibitória e respectiva decisão quanto à proibição de cláusulas contratuais gerais, nomeadamente quanto à sua concretização (art. 30º-1), prevê a aplicação da sanção pecuniária compulsória ao demandado que viole a obrigação de se abster de utilizar as cláusulas “que foram objecto de proibição definitiva”.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Sendo a questão apenas a de determinação ou fixação do âmbito do conceito de </font><i><font>cláusulas contratuais gerais que foram objecto de proibição</font></i><font>, responde o transcrito n.º 1 do art. 32º ao declarar expressamente que não podem ser incluídas em contratos que o demandado celebre no futuro as cláusulas que foram objecto de proibição, concretizadas na sentença, “ou outras que se lhes equiparem substancialmente”.</font><br>
<br>
<font> A equiparação entre as cláusulas efectivamente referidas na decisão inibitória e a das que se lhes “equiparem substancialmente”, com a inclusão de todas elas no campo de proibição de inclusão em contratos que o demandado venha a celebrar, como objecto da obrigação de abstenção ao utilizador de tais cláusulas, corresponde exactamente ao conteúdo da obrigação para cuja violação a norma do n.º 1 do art. 33º prevê a sanção.</font><br>
<font> Em boa verdade, este último preceito não faz mais que acolher, no seu quadro de previsão, o conceito e conteúdo da obrigação de abstenção de utilização das cláusulas que foram objecto de proibição definitiva, nos termos que resultam da norma que os define, o n.º 1 do art. 32º, referindo-se-lhe, por reenvio, como pressuposto.</font><br>
<font> </font><br>
<font> A sanção pecuniária compulsória destina-se a forçar o demandado resistente a abster-se de um comportamento que lhe está proibido. </font><br>
<font>Não se tratando de uma medida executiva, não se está a coagir o condenado a cumprir uma obrigação, executando-a, mas a constrangê-lo a realizar o cumprimento devido, impondo-lhe o cumprimento de uma nova obrigação, agora pecuniária, subsidiária da inicial e principal de prestação de facto. </font><i><font> </font></i><br>
<font> </font><br>
<font> Sendo a obrigação incumprida imposta numa acção inibitória que, tendo por objecto a “imposição imediata de um comportamento” visando uma “tutela cautelar definitiva, conseguida mediante a técnica da acção de condenação” e tendo a sanção pecuniária compulsória como objectivo vencer a resistência do condenado que recuse adoptar o comportamento devido, bem se compreende que às cláusulas proibidas concretizadas na decisão inibitória se assimilem as materialmente equiparadas. </font><br>
<br>
<font>É essa equiparação que justifica, também, a imposição legal do contraditório a que alude o citado n.º 2 do art. 32º: - dado que a aplicação da medida pode depender da questão prévia de saber se a cláusula é ou não substancialmente idêntica à especificada na sentença, exige-se a audição prévia do requerido (cfr. ALMEIDA COSTA e MENEZES CORDEIRO, “</font><i><font>Cláusulas Contratuais Gerais</font></i><font>”, pp. 57 e 64).</font><br>
<br>
<font>Improcede, pois, a pretendida inaplicabilidade da providência coerciva com fundamento na imprevisão das cláusulas substancialmente equiparadas às especificadamente proibidas na sentença inibitória no n.º 1 do art. 33º.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> 4. 2. - Equiparação substancial das Cláusulas já proibidas e actuais.</font><br>
<br>
<font> Assente que a aplicabilidade da sanção abrange as cláusulas que se equiparam substancialmente às proibidas, importa averiguar se, em concreto, a equiparação se deve ter por verificada.</font><br>
<font> Trata-se, essencialmente, de um problema de interpretação a que são aplicáveis as normas dos arts. 236º e ss. C. Civil, designadamente do n.º 1 desse preceito, havendo de valer, na determinação do sentido e alcance da declaração negocial aquele que um declaratário normal e médio devia entender perante o conteúdo das cláusulas (impressão do declaratário).</font><br>
<br>
<font> Em confronto, por um lado, a cláusula 16ª do contrato que foi objecto de apreciação na acção inibitória e a nova cláusula 7ª - n), com o conteúdo assinalado em B. e D. - 1º §, supra e, por outro, a cláusula 18º daquele por oposição à transcrita cláusula 11ª – b) ou 6ª – j).</font><br>
<br>
<br>
<font> Relativamente às primeiras, na interpretação feita pelo acórdão impugnado foi entendido que a nova cláusula tem um conteúdo mais impositivo que a anterior formulação, agravando mesmo a posição da contra-parte, caindo no âmbito da mesma proibição.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Não se diverge dessa posição, pois que, efectivamente, o que se consagra é uma cláusula de absoluta exclusão de responsabilidade relativamente à eventual impossibilidade de utilização de caixas automáticas ou terminais de pagamento, em vez da anterior presunção da ausência de culpa pelo simples não funcionamento ou avaria da máquina, com inversão do ónus da prova, vedada em sede de responsabilidade contratual.</font><br>
<font> Ocorre uma clara consumpção do conteúdo da anterior cláusula pela actual e, com ela, um patente agravamento da posição do aderente, </font><br>
<font> </font><br>
<font> Mais que equiparado, o conteúdo material da cláusula, passando duma formal inversão do ónus da prova, embora susceptível de ter, ao menos em alguns casos, o efeito prático de exclusão de responsabilidade, agora para uma evidente e mais abrangente cláusula de exclusão de responsabilidade, supera as razões impositivas da proibição.</font><br>
<br>
<br>
<font> Quanto à segunda dupla de cláusulas, o resultado do confronto também não dissente daquele a que se chegou no acórdão impugnado.</font><br>
<br>
<font> A cláusula 18ª foi declarada nula e, consequentemente de uso proibido, por violação do disposto nos arts. 22º-b) e 18º-c) do DL n.º 446/85, pois que estipulava uma irresponsabilização total pela denúncia, sem exigência de qualquer pré-aviso.</font><br>
<br>
<font> Alega a Recorrente que passou a existir um aviso prévio para a denúncia, prazo que, em seu entender, é manifestamente suficiente para o cliente abrir conta noutra instituição de crédito emitente de cartões similares.</font><br>
<br>
<font> A Relação julgou que a nova cláusula não contém uma verdadeira denúncia, mas antes uma resolução, «ao viabilizar que o R. destrua o vínculo contratual, em plena vigência deste, sem necessidade de invocar qualquer motivo para tal», estabelecendo, “no fim de contas, uma verdadeira resolução </font><i><font>ad nutum</font></i><font>”.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Assim é, efectivamente.</font><br>
<br>
<font> O contrato de utilização do cartão de crédito/débito é um contrato de prestação continuada, por tempo determinado, que é o correspondente ao da validade do cartão.</font><br>
<br>
<font> Sendo a denúncia juridicamente definível como a declaração mediante a qual um dos contraentes declara ao outro que põe fim á relação contratual para o termo do prazo ou da sua renovação ou, não havendo prazo determinado, para certo momento futuro, em qualquer caso com certa antecedência (pré-aviso), ora fixada na lei, ora tida como razoável em razão da natureza, objecto e fins contratuais.</font><br>
<br>
<br>
<font> No caso, sendo, como dito, o contrato de duração limitada, a denúncia deve ter lugar para o fim do prazo convencionado (o de validade do cartão), não merecendo tutela, por se lhe não vislumbrar fundamento, o acolhimento de uma denúncia eficaz sem justa causa.</font><br>
<br>
<font> A cessação da relação contratual antes do termo do prazo convencionado pode também ocorrer por via da figura da resolução – art. 432º C. Civil -, destruição que pode ser convencionada ou assentar em fundamento legal, fundamento que, em qualquer caso, o contraente que a declara tem de provar sob pena de responsabilidade pelo incumprimento.</font><br>
<br>
<font> À luz destes conceitos, o que na cláusula surge com o </font><i><font>nomen juris </font></i><font>de denúncia não é na realidade mais que uma resolução sem fundamento legal ou convencional – destruição unilateral do contrato com prazo determinado antes do termo acordado, sem fundamento pré-acordado pelas partes ou justa causa -, com total irresponsabilização do contraente que põe unilateralmente termo ao vínculo.</font><br>
<font> Com efeito, temos como inegável que a mera estipulação de um prazo de pré-aviso para a denominada “denúncia”, não impede os titulares dos cartões de, sem necessidade de qualquer justificação, na vigência do contrato, serem privados da sua utilização, com frustração dos respectivos direitos e expectativas, que integram a prestação da entidade emitente (cfr., neste sentido, o ac. STJ, de 17/5/2007, </font><i><font>proc. 07B1295, ITIJ</font></i><font>).</font><br>
<br>
<font> De resto, mesmo que de denúncia se tratasse, o prazo de pré-aviso de 15 dias relativamente à data de cancelamento, por manifestamente insuficiente, em termos de normalidade, para abertura de conta em outra instituição e obtenção dos correspondentes meios de disposição dos fundos, sempre seria abusivo e contrário à boa fé (art. 16º do DL 446/85).</font><br>
<br>
<font> As cláusulas em análise mostram-se, pois, de equivalente conteúdo, ou seja, uma vez mais, substancialmente equiparadas.</font><br>
<br>
<font> 4. 3. - Montante da sanção pecuniária compulsória.</font><br>
<br>
<font> No acórdão impugnado fixou-se a sanção pecuniária compulsória no montante de € 179 500,00, próximo do seu máximo legal quer é de € 179.567,28.</font><br>
<font> Teve a Relação como intensa e grave a culpa “dada a equiparação da substância das cláusulas utilizadas, contra a imposição da acção inibitória” e pôs em confronto a defesa do consumidor com a motivação económica, particular, do banco”.</font><br>
<br>
<font> A Recorrente imputa-lhe exagero invocando não se estar perante uma situação de desrespeito directo pelas cláusulas declaradas proibidas, mas apenas perante cláusulas que poderão ser-lhe equiparadas, diminuindo a culpa, que deve ser considerada leve, bem como estar diminuída a gravidade dos efeitos da cláusula por sempre existir um pré-aviso de 15 dias, lapso de tempo que permitiria o recurso a vário meios de pagamento.</font><br>
<br>
<font> </font><i><font> </font></i><font> Percorrido o quadro factual disponível, não fornece, ele, qualquer contributo para além dos elementos objectivos da infracção.</font><br>
<br>
<font> Haverá, pois, para ter em conta o desvalor da conduta da Requerida resultante da adopção de cláusulas materialmente equiparáveis àquelas cujo uso lhe foi vedado e, como bem se nota na decisão recorrida, a dimensão do bem jurídico ofendido no confronto com a motivação económica.</font><br>
<font> Nada, crê-se, que na previsão dos limites da sanção não tenha sido considerado pelo legislador.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Já será de realçar estar-se perante uma instituição bancária, que procede à utilização massiva deste tipo de contratos – apesar das apenas seis infracções trazidas aos autos - e a inserção em cada um deles de duas cláusulas já antes proibidas.</font><br>
<br>
<font> Concede-se, porém, que poderá não se justificar identidade de severidade quando esteja em causa o desrespeito directo pela proibição de utilização de cláusulas já declaradas proibidas ou o uso a cláusulas a elas equiparadas.</font><br>
<font>Aceita-se, também, que o pré-aviso de 15 dias, consagrado para a chamada “denúncia” era susceptível de, em boa parte, mitigar as consequências da resolução </font><i><font>ad nutum</font></i><font>. </font><br>
<br>
<font> Nesta conformidade, tem-se por mais justo e adequado fixar a sanção pecuniária compulsória em montante inferior ao seu máximo legal, para o colocar em 2/3 desse montante, ou seja, em € 120.000,00.</font><br>
<br>
<font> 5. - Decisão.</font><br>
<br>
<font> Pelo que ficou exposto, acorda-se em:</font><br>
<font> - Conceder parcialmente a revista;</font><br>
<font> - Reduzir para o montante de cento e vinte mil euros (€ 120.000,00) a sanção pecuniária compulsória aplicada à Recorrente “AA, S.A.”;</font><br>
<font> - Manter, no mais, o decidido no acórdão impugnado; e,</font><br>
<font> - Condenar a Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<ul>
<ul><font>Lisboa, 21 Outubro 2008 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Urbano Dias </font></ul>
</ul>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NjLPu4YBgYBz1XKv6EE5 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>I. </font><i><u><font>Relatório</font></u></i><br>
<br>
<font>Alegando que os réus se recusam a pagar-lhe o saldo devedor, no montante de € 19.941,42, de uma conta de depósitos à ordem que movimentavam a crédito e a débito, o Banco ..., SA, propôs uma acção ordinária contra AA e sua mulher BB, pedindo a condenação dos réus no pagamento daquela quantia, acrescida de € 1.103,43 de juros vencidos, à taxa legal de 12%, e dos vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento.</font><br>
<font>Na contestação, em resumo, os réus impugnaram o saldo, afirmando que o autor, indevidamente, não creditou na conta o financiamento que lhes concedeu para operações de bolsa realizadas, apesar da garantia dada de que isso aconteceria.</font><br>
<font>Discutida a causa, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo os réus dos pedidos, decisão esta que a Relação de Coimbra, sob apelação do autor, confirmou.</font><br>
<font>Mantendo-se inconformado, o autor recorreu de revista para o STJ, pedindo que se declare </font><i><font>“nula a sentença”</font></i><font> (sic) e que, na procedência da acção, os réus sejam condenados a pagar-lhe a importância indicada na petição inicial, acrescida dos juros. Indica como disposições legais violadas os arts. 659º-2 e 668º-1-a CPC; 1025º, 1026º, 1142, 1145º, 234º, 804º, 805º e 806º-1 CC; 102º CCom; Portaria nº 262/99 de 12/04; Aviso DGT 10097, DR II 30/10 e o Desp. DGT 310/05, DR II, 14/01. </font><br>
<font>Os réus contra alegaram, limitando-se a defender a manutenção do julgado.</font><br>
<font>Tudo visto, cumpre decidir.</font><br>
<br>
<font>II. </font><i><u><font>Fundamentos</font></u></i><font> </font><br>
<font>A) As questões suscitadas na revista coincidem com as já postas na apelação. São duas:</font><br>
<i><font>1ª - Nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de direito que a justificam;</font></i><br>
<i><font>2ª - Erro de julgamento do acórdão recorrido por não ter decidido que se está perante um descoberto em conta que confere ao banco o direito à restituição da quantia adiantada aos réus - expressa no saldo devedor de 19.941,42 € - e para estes a correspondente obrigação.</font></i><br>
<font>B) Factos a considerar:</font><br>
<font>1) Os réus são titulares da conta de Depósitos à Ordem nº ... junto do autor, Sucursal N... R..., em Castelo Branco. </font><br>
<font>2) A conta era movimentada a débito e a crédito pelos réus. </font><br>
<font>3) No documento de fls. 44 consta que em 30.6.03 a conta referida contava um saldo devedor de € 19.941,42.</font><br>
<font>C) Quanto à primeira questão posta, a Relação decidiu que a sentença, contrariamente ao alegado pelo autor na apelação, não era nula por falta de especificação dos fundamentos de direito que a justificam; e isto porque o</font><i><font>“silogismo está completo”:</font></i><font> o Banco deveria ter provado os factos alegados (premissa maior); não os provou (premissa menor); logo, a acção improcede (conclusão). Para a 2ª instância, esta fundamentação do julgado por parte da comarca bastou para rejeitar a arguição de nulidade assente no art.º 668º, nº 1, b), do CPC. Ora, verifica-se que no presente recurso, verdadeiramente, o Banco não põe em causa a decisão do acórdão recorrido sobre o assunto: continuando a insistir na nulidade da sentença, não ataca o julgamento do tribunal ora recorrido, seja porque ele mesmo sofra, no aspecto considerado, de nulidade, seja porque padeça de erro substancial, passível de conduzir à sua revogação. Consequentemente, o acórdão impugnado, nesta parte, passou em julgado, tornando-se imodificável.</font><br>
<font>Relativamente à segunda questão a tese do recorrente, em suma, é a de que se extrai dos factos provados a conclusão de que estamos face a um descoberto em conta que lhe confere o direito de reaver a quantia adiantada aos recorridos e a estes o correspondente dever de lha restituir. Mas não tem razão. Vejamos porquê. </font><br>
<font>O descoberto em conta traduz-se numa forma de concessão de crédito, que tanto pode surgir no âmbito duma relação contratual específica concluída entre o banco e o cliente (normalmente, uma abertura de crédito), como no quadro da hoje vulgarizada e massificada abertura de conta; o descoberto não pode nunca, como quer que seja, deixar de assentar no </font><i><u><font>mútuo consenso</font></u></i><font> das partes, uma vezes expresso (há contratos bancários com cláusulas que previnem situações desta natureza: vejam-se, por exemplo, certas contas-ordenado), outras vezes tácito, dedutível de factos concludentes – os factos que, no dizer da lei, </font><i><font>“com toda a probabilidade”</font></i><font> o revelam (art.º 217º, nº 1, do CC). </font><br>
<font>Ora, no caso presente, e em primeiro lugar, o autor alegou apenas - mas não provou (resposta negativa ao quesito 2º) - ter dado o seu acordo para que os réus movimentassem a conta a débito para além do seu saldo, por várias vezes, com a obrigação de repor as quantias que lhes fossem disponibilizadas. Sendo assim, mesmo admitindo, teoricamente, que semelhante alegação não teria sempre que ser desconsiderada em sede de julgamento de facto dada a sua natureza conclusiva, não há dúvida de que ela integrava o núcleo irredutível da causa de pedir, ou seja, o facto jurídico concreto em que assentou o pedido formulado. Portanto, na ausência da sua demonstração, segue-se que a acção tinha que improceder, como improcedeu, pois o tribunal, podendo embora qualificar diversamente os factos alegados e provados, está legalmente impedido de julgar o litígio com base numa causa de pedir não invocada (art.º 342º, nº 1, do CC; art.º 664º do CPC): o princípio dispositivo obriga a que haja total coincidência (identificação) entre a causa de pedir e a causa de julgar, ponto este perfeitamente assente desde há muito, quer na doutrina, quer na jurisprudência. </font><br>
<font>Depois, e em segundo lugar, afigura-se manifesto que a matéria de facto apurada de modo algum permite extrair a ilação de que, para usarmos as palavras do recorrente, os recorridos foram autorizados a levantar quantias superiores às depositadas independentemente de qualquer escrito ou formalidade e que tais situações de adiantamento de dinheiro por parte do banco se traduziram na concessão de crédito bancário sujeito ao regime do contrato de mútuo. Com efeito, ficou tão somente a saber-se que os réus eram titulares duma conta de depósitos à ordem junto do autor e que essa conta, sendo movimentada a crédito e a débito, apresentava em determinado momento um determinado saldo devedor. Por si só, contudo, isto não evidencia a existência do alegado descoberto em conta, designadamente, e em especial, do falado mútuo consenso em que tal situação de modo necessário tem que repousar; em si mesmo considerado, na verdade, o saldo devedor duma conta de depósitos à ordem, quando se desconheçam inteiramente, como é o caso, a origem, a natureza e o conteúdo das operações (movimentos) que o determinaram, não pode ser reputado como um facto concludente em ordem à exteriorização da vontade negocial inerente à operação bancária designada por descoberto em conta.</font><br>
<br>
<font>III. </font><i><u><font>Decisão</font></u></i><font> </font><br>
<font>Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<br>
<font>Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Novembro de 2006</font><br>
<br>
<font>Nuno Cameira (relator)</font><br>
<font>Sousa Leite</font><br>
<font>Salreta Pereira</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
NjLSu4YBgYBz1XKv1ESp | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>I</font><font> -</font><br>
<br>
<font>Empresa-A intentou, no tribunal cível de Lisboa, acção ordinária contra Empresa-B., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 31.972,59 € e juros respeitantes ao valor do seu veículo destruído num acidente de viação, e, ainda, as despesas a liquidar em execução de sentença com o veículo de substituição e com a remoção e armazenamento do veículo, cujos riscos de danos próprios estavam garantidos por contrato de seguro celebrado com a R.. </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Após julgamento, a acção foi julgada improcedente.</font><br>
<br>
<font>A A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem êxito já que a decisão impugnada foi confirmada.</font><br>
<br>
<font>Novamente irresignada, a A. recorreu, ora para este Supremo Tribunal, pedindo revista e aproveitando para desistir dos pedidos formulados sob as als. b) e c) do pedido constante da petição inicial.</font><br>
<font>Apresentou a respectiva minuta que rematou com as seguintes conclusões:</font><br>
<font>-O julgamento dos factos integrantes da causa de pedir vem efectuado de forma minimalista, redutora de circunstâncias concretas importantes, e, desse modo, criou-se uma visão equivocada do caso, e uma decisão final absurda, que absolve a R. do dever de indemnizar, dever que ela nunca havia negado -mas apenas discutido a sua extensão.</font><br>
<font>-Verifica-se que, pelo menos quanto a dar-se como provada a matéria relativa à conclusão jurídico-factual daquele dever indemnizatório, alegada sob art. 17° da p. i. -e respectivas cartas da R. para as quais ali se remete -a decisão do acórdão recorrido pode e deve ser censurada, nos termos da parte final do disposto em art. 722°, n° 2, do CPC.. </font><br>
<font>-Com efeito, nesta parte, o acórdão, ao negar aquele pedido da apelação, invocando para isso o acordo processual de fls. 153, viola, por um lado, o disposto em arts. 360° e 238° do C. Civil, ao dar àquele acordo um âmbito/extensão que ele manifestamente não contém.</font>
<p><font>-Por outro lado, violam-se as regras de direito probatório expostas em art. 490° n° 2, e art. 659° n° 3 do CPC -pois aquela matéria e seus documentos, da autoria da R., não vinha impugnada, aliás, o que nem sequer se discutiu. </font>
</p><p><font>-Além disso, a decisão do acórdão mostra-se contraditória em si mesma, pois reconhece que se deve aditar ao julgamento dos factos provados a matéria de arts. 10° e 12° da p. i., não obstante o acordo das partes quanto à fixação das respostas ao questionário e correcção à especificação, constante de fls. 153. </font>
</p><p><font>-Assim, e nos termos de art. 729°, n° 2, parte final, CPC, deve revogar-se a decisão em causa, alterando-se em conformidade, ou seja, dando-se como provado, por acordo, que «a R. recusa-se a suportar a totalidade dos danos reiterando a sua decisão em pagar apenas uma parte deles, como consta de carta de 2.10.2001», doc. 7 da p.i, constante de fls. 15 a 19 -de outro modo, viola-se o direito da A. à apreciação jurisdicional relevante de facto essencial à causa de pedir, o que consubstancia violação do direito à justiça.</font>
</p><p><font>-Ainda que assim não se conclua, o direito aplicável aos demais factos determina a verificação do dever jurídico de a R. cumprir o contrato, ressarcindo a A., desde logo, pela destruição e perda total do veículo.</font>
</p><p><font>-Pois, decorre da factualidade provada que este ficou reduzido a um salvado (nos termos de art. 16° n° 1 do C. de Estrada então vigente).</font>
</p><p><font>-Nessas circunstâncias, a R. propôs-se cumprir aquele seu dever, em 13.02.2001, mas tomando por base um errado valor da apólice, visto que esta era de 3.498.440$00, e não de 3.110.000$00, como vem provado.</font>
</p><p><font>-Ao propor-se pagar, nos termos referidos, apenas uma parte do valor da prestação indemnizatória devida, a R. não cumpriu o disposto em arts. 762° n° l e 763° n° l do C. Civil.</font>
</p><p><font>-Nos termos do disposto em art. 804° n° 2 do C. Civil, combinado com o disposto em n°s 2 e 4 do art. 21° da Apólice Uniforme do Seguro Automóvel, a R. entrou em mora na data da sua carta de 13.02.01 (fls. 12) -uma vez que já havia inspeccionado o carro e se julgava apta a indemnizar, mas propôs-se faze-lo por um valor errado.</font>
</p><p><font>-É irrelevante que, um mês após esta data e carta, a R. tivesse considerado a reparabilidade do veículo, pois, tal hipótese de interrupção da mora já não interessava à R. -a qual, face à sua actividade de fabrico e distribuição diária de produtos alimentares, não podia aguardar as mudanças de opinião da R.: ou seja, nessa data já a A. fora forçada a locar outro veículo, e por isso, não tinha interesse nessa prestação, o que releva nos termos de art. 800° do C. Civil.</font>
</p><p><font>-Sem prescindir do que antecede, nesta parte, só por erro de interpretação jurídico-legal do acordo probatório de fls. 153 é que as instâncias argumentaram com a suposta reparabilidade do veículo e a tida como ilícita recusa da A. dessa prestação: como consta naquele acordo -cujo respeito se impõe por força do disposto em arts. 360° e 238° do C. Civil, e em art. 659° n° 3, parte final de art. 722° n° 2 e art. 729° n° 2 do CPC -o veículo era financeiramente irreparável, pois, mesmo só quanto a uma parte (ou seja, sem se saber se o motor estaria intacto), o custo do arranjo era superior ao valor que a R. se propunha pagar (de acordo com o relatório pericial, para o qual o acordo de fls. 153 remete expressamente).</font>
</p><p><font>-Assim, a conclusão que nesta matéria as instâncias formulam mostra-se completamente proibida, por ser mais onerosa para o devedor, nos termos de art. 566° n° l do C. Civil -resultando de óbvia violação dos termos do acordo probatório de fls. 153, e nem sequer correspondendo à última vontade da R. anterior à acção, constante a fls. 15-19. </font>
</p><p><font>-Além do direito ao cumprimento do contrato, concretizado no valor da apólice que deve ser pago, pela verificação da inviabilidade da restauração natural do objecto, a A. tem direito a indemnização pelo incumprimento integral e pontual da R., nos termos de arts. 798°, 806° n° 3, e 562° e ss., do Cód. Civil. </font>
</p><p><font>-Assim, e também nos termos de art. 564° n° l do C. Civil, a A. tem direito a ser reembolsada das despesas que se viu forçada a efectuar com um veículo de substituição, para não agravar os danos causados pela mora da R. -o que corresponde ao teor do pedido da al. d), da acção. </font>
</p><p><font>-O valor da apólice, em que a R. deve ser condenada a pagar, consta de ai. a) do pedido, na acção, o qual se corrige, nos termos do art. 273° n° 2 do CPC, à verba de € 17.450,15 do capital ali referido, como já se formulara na apelação.</font><br>
</p></font><p><font><font>A recorrida, por sua vez, em contra-alegações defendeu a manutenção do acórdão censurado.</font><br>
<br>
<br>
<font>II</font><font> -</font><br>
<br>
<font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br>
<font>-A A. dedica-se ao fabrico e comercialização de produtos de pastelaria.</font><br>
<font>-A A. celebrara anteriormente seguro relativo aos danos próprios da Ford Transit NN, com a R. através da apólice 677078/50.</font><br>
<font>-Em 12.01.01 a viatura sofreu acidente e ficou destruída.</font><br>
<font>-Em 13.02.01, a R. propôs à A., como reparação, entregar-lhe 2.247.800$00 e os salvados a que atribuiu o valor de 800.000$00, considerando que a reparação do veículo não era aconselhável.</font><br>
<font>-Em 11.03.01, a R. propôs a recuperação da Ford.</font><br>
<font>-A A. não aceitou a reparação da Ford.</font><br>
<font>-A A. exigiu à R. uma viatura de substituição.</font><br>
<font>-A caixa isotérmica colocada na Ford NN estava segura pelo valor de 304.200$00.</font><br>
<font>-E os logótipos e publicidade da Ford pelo valor de 84.240$00.</font><br>
<font>-A A. entregou à R. após Abril de 2001 a quantia de 325.777$00 como prémio do seguro em questão.</font><br>
<font>-Até 12.01.01, a A. utilizava a viatura Ford Transit de matrícula NN na sua actividade.</font><br>
<font>-O Ford era usado diariamente pela autora para entrega dos produtos de pastelaria.</font><br>
<font>-Com o acidente de 12.01.01 a Ford NN ficou temporariamente inutilizável.</font><br>
<font>-Após o acidente a Ford NN poderia ser recuperada com a despesa de, pelo menos, 2.122.249$00.</font><br>
<font>-Em 1.02.01, a A. passou a dispor de viatura em aluguer de longa duração.</font><br>
<font>-Com a colocação da caixa térmica e inscrição do logótipo na nova viatura a A. gastou 519.480$00.</font><br>
<font>-E com o aluguer da nova viatura a autora gasta 61.163$00 por mês.</font><br>
<font>-E fá-lo a cinco de cada mês, a partir de 5 de Março de 2001.</font><br>
<font>-A viatura Ford NN estava segura na ré pelo valor de 3.498.440$00.</font><br>
<font>-A A. não aceitou a proposta da R. de 11.03.2001 por a considerar totalmente contrária face à anterior afirmação da R. através do perito sobre a viabilidade prática da reparação ser apta a repor a qualidade anterior do veículo.</font><br>
<font>-Imediatamente após o acidente e com a comunicação à R., a A. exigiu-lhe um veículo de substituição.</font><br>
<font>(estes dois últimos factos foram aditados pela Relação).</font><br>
<br>
<font>III</font><font> -</font><br>
<br>
<font>Quid iuris</font><font>?</font><br>
<br>
<font>A primeira questão que nos é colocada tem a ver com a decisão do Tribunal da Relação que não atendeu a pretensão da A. em ver elencada e considerada a matéria por si alegada sob o artigo 17º da petição inicial.</font><br>
<br>
<font>Para a recorrente a questão é bem posta a este tribunal de revista a coberto do disposto no art. 722º, nº 2 do CPC.</font><br>
<font>Desde logo, porque o acórdão impugnado, ao indeferir a sua pretensão em ver considerada a matéria referida, invocou para tanto o acordo processual de fls. 153, terá violado os arts. 360º e 238º do C. Civil, e, ainda, porque terão sido violadas as regras de direito probatório constantes dos arts. 490º, nº 2 e 659º, nº 3 do CPC e, finalmente, porque o mesmo se mostra contraditório na justa medida em que acolheu pretensão de aditar aos factos provados os relativos aos arts. 10º e 12º da petição.</font><br>
<br>
<font>Ora bem.</font><br>
<br>
<font>De acordo com o nº 2 do art. 722º do CPC, "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova."</font><br>
<br>
<font>O problema está, pois, em saber se o acórdão recorrido ao não considerar a matéria contida no art. 17º da petição inicial violou alguma regra de direito probatório material.</font><br>
<br>
<font>Vejamos.</font><br>
<br>
<font>A matéria do art. 17º da petição inicial não foi contemplada nos factos assentes e nem por isso a A. reclamou de tal decisão.</font><br>
<font>Só em sede de recurso de apelação é que suscitou a questão da consideração da mesma, mas não logrou nessa parte ganho de causa porquanto o Tribunal da Relação não atendeu a mesma.</font><br>
<font>E fê-lo com base nos seguintes argumentos:</font><br>
<font>"O documento de fls. 19, constituído por uma carta da Ré, datada de 3-4-2001 e dirigida ao mandatário da A., insere-se como outros juntos aos autos nas negociações das partes para a solução extrajudicial do litígio, o que não veio a conseguir-se. E, se é certo que nessa carta a Ré, depois de anteriormente ter informado a A. que a reparação da viatura desta era viável (carta de 13.3.2001), como que voltou à posição inicial de que não era aconselhável a reparação da mesma viatura, propondo-se indemnizar com base na sua perda total (carta de 13-2-2001), não é menos certo que -fosse porque não houve acordo quanto à dimensão e valor dos danos ou por qualquer outra razão -o ressarcimento dos danos não veio a acontecer, mantendo-se o litígio que consequenciou a causa e, nesta, já em sede de julgamento, vieram as partes a acordar em que se deveria ter como factualidade assente que a viatura da A., em virtude do acidente dos autos, ficou temporariamente inutilizável e que poderia ser recuperada, com despesa de, pelo menos, 21.122.249$00, o que, inclusive, foi considerado válido por despacho ditado para a acta (</font><font>cfr</font><font>. fls. 153 e 154).</font><br>
<font>Isto é, as partes, sendo-lhes lícito (arts. 264º, 1 e293º e segs. do CPC) fixaram por acordo, no que respeita à questão da reparabilidade da viatura respeita, a respectiva base fáctica, com o que ultrapassaram todo o seu posicionamento factual anterior em relação a essa questão que terá de ser equacionada e resolvida à base da factualidade acordada nos termos sobreditos, sobrando, por prejudicada, a irrelevância da factualidade em referência, que, por isso, não é de aditar à matéria de facto." </font><br>
<br>
<font>No referido art. 17º da petição, a A. disse o seguinte:</font><br>
<font>"A R. recusa-se a suportar a totalidade dos danos que a A. sofreu, reiterando a sua decisão em pagar apenas parte deles conforme consta da carta de 2.10.2001 ora anexa como doc. 7."</font><br>
<br>
<font>Postos perante os factos reclamados pela A. à luz dos preceitos legais invocados e face à argumentação usada pelo Tribunal da Relação, não podemos deixar de dar a nossa concordância à posição perfilhada no acórdão ora em apreciação.</font><br>
<font>É um facto que, nos termos do art. 659º, nº 3 do CPC, o juiz deve, na sentença, tomar em devida conta os factos admitidos por acordo e que o art. 17º da peça inicial não foi objecto de impugnação, tal como o teor do documento a que nele se faz referência.</font><br>
<font>Mas, isso, por si só, não é suficiente para merecer a sua contemplação da sentença: necessário se torna que os factos não impugnados (ou admitidos por acordo) sejam relevantes para a decisão da causa.</font><br>
<font>O art. 511º do mesmo diploma legal, ao referir-se à metodologia a seguir na elaboração da base instrutória impõe ao juiz a selecção dos factos alegados "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito".</font><br>
<font>Não faria sentido que, na elaboração da base instrutória, o legislador exigisse ao juiz uma selecção dos factos, tendo em conta as várias soluções de direito plausíveis, e, na fase de sentenciamento, já com a decisão de direito à vista, obrigasse a elencar todos os factos acordados, ainda que não interessassem à questão de direito. </font><br>
<font>E isto mesmo pressentiu a Relação de Lisboa ao não dar acolhimento à pretensão da A..</font><br>
<font>Argutamente, acabou por verificar que os factos alegados, bem como o documento em causa, diziam respeito a uma fase de negociação que já estava ultrapassada e, quanto mais não fosse, pelo acordo firmado em plena acta de julgamento no que tange à fixação da matéria de facto a considerar (</font><font>cfr</font><font>. fls. 153 e 154).</font><br>
<font>E daí que não tivesse considerado nem o facto alegado nem o documento que lhe servia de suporte, malgrado não terem os mesmos sido impugnados pela Defesa.</font><br>
<font>Tanto um como outro serviram para suportar posições havidas numa fase anterior ao litígio judicial e, portanto, irrelevantes para a decisão da causa.</font><br>
<font>Em relação ao documento -doc. nº 7 junto com a petição inicial -trata-se de uma carta escrita pela R. e dirigida ao ilustre advogado da A. : como tal o mesmo não deveria ter sido junto ao processo, pois que com a sua invocação foi violado um dos deveres consagrados na al. e) do nº 1 do art. 86º do Estatuto da Ordem dos Advogados então em vigor (D.-L. 84/84, de 16 de Março).</font><br>
<font>Tal dever de sigilo imposto ao advogado sobre documentos manteve-se no novo diploma -</font><font>cfr</font><font>. art. 87º da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro.</font><br>
<font> </font><br>
<font>E se o facto relatado no já referido art. 17º da petição é inócuo para a decisão da causa, como ficou bem sublinhado pela decisão do Tribunal da Relação, não se pode invocar contradição de comportamentos pelo simples facto de aquele Tribunal ter dado guarida à pretensão da A. em ver considerados os factos vertidos nos arts. 10º e 12º da mesma peça processual.</font><br>
<font>Se, eventualmente, a Relação tivesse considerado mal estes factos, nada justificaria que aceite aqueles: um erro não justifica outro erro.</font><br>
<font>Mas, vistas bem as coisas, não se pode dizer que a Relação, ao aceitar os factos alegados sob os pontos 10º e 12º, tenha errado.</font><br>
<font>A Relação não deixou de, logo no início da sua apreciação sobre a pertinência destes pontos de facto, advertir da possível irrelevância dos mesmos - "independentemente da sua relevância de que à frente se cuidará" -, e acabou por os considerar em apoio da posição de que a recusa da A. em reparar o veículo não era legítima.</font><br>
<font>Não houve, pois, qualquer contradição no julgamento da pretensão da A. em ver incluída nos factos a considerar a matéria dos arts. 10º, 12º e 17º da petição: em relação àqueles era pertinente a sua consideração; já o mesmo não acontecia em relação ao último.</font><br>
<br>
<font>Nenhum dos preceitos legais invocados pela recorrente nas suas sete primeiras conclusões foi objecto de violação por parte do Tribunal da Relação, improcedendo, dest’arte, o que nelas se defendeu: não há lugar, aqui, para chamar à colação o disposto no art. 722º, nº 2 do CPC.</font><br>
<br>
<font>Isto posto, é altura de nos debruçarmos sobre a questão de saber se assiste à A. direito à indemnização peticionada e também aos juros reclamados.</font><br>
<br>
<font>Em causa, ora, face à desistência por parte da A.-recorrente do peticionado sob as als. b) e c) da petição, estão as verbas reclamadas respeitantes à perda total do veículo -19.387,68 € e juros -e as correspondentes às despesas totais com o veículo de substituição e respectivos juros.</font><br>
<font>O problema que nos preocupa, neste momento, é o seguinte: tem ou não a A. direito às importâncias reclamadas?</font><br>
<font>A resposta não pode deixar de ser negativa, como as instâncias já determinaram.</font><br>
<br>
<font>Preceitua o art. 562º do C. Civil que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".</font><br>
<font>Este preceito legal estabelece, como princípio orientador do dever de indemnizar o da reparação natural.</font><br>
<font>Só se esta não for possível, é que se passa para a indemnização através do dinheiro, como claramente resulta do art. 566º, nº 1 do C. Civil -"a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a restauração natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor".</font><br>
<font>Como acentuam Pires de Lima e Antunes Varela, "o fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes" (</font><font>in</font><font> Código Civil Anotado, Volume I -4ª edição -, pág. 582).</font><br>
<font>Antunes Varela, </font><font>in</font><font> Das Obrigações em Geral, Vol. I -8ª edição -, pág. 920 e ss. utiliza precisamente as mesmas palavras para sublinhar a ideia do legislador em dar preferência à reparação natural.</font><br>
<font>Menezes Leitão insiste na mesma ideia: </font><br>
<font>"Da articulação destas duas normas (refere-se aos arts. 562º e 566º, nº 1 do C. Civil) resulta uma clara primazia da reconstituição </font><font>in natura</font><font> sobre a indemnização em dinheiro, o que quer dizer que é primordialmente através da reparação do objecto destruído ou da entrega de outro idêntico que se estabelece a obrigação de indemnização" (</font><font>in</font><font> Direito Das Obrigações, Volume I, pág. 377 e 378).</font><br>
<font>Almeida Costa também nos orienta pelo mesmo caminho:</font><br>
<font>"A indemnização pecuniária apresenta-se como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os prejuízos ou é demasiado gravosa para o devedor." (</font><font>in</font><font> Direito das Obrigações -9ª edição -, pág. 715).</font><br>
<br>
<font>Consolidada a ideia de que o legislador dá prevalência na obrigação de indemnizar à restauração natural, coloca-se uma outra questão, qual seja a de saber se o credor da indemnização pode optar, apesar de tudo, pela indemnização em dinheiro.</font><br>
<font>A resposta é-nos dada como toda a clareza pelo último A. citado.</font><br>
<font>Diz ele que, no nosso sistema legal, a restauração natural é estabelecida no interesse de ambas as partes, ou seja, tanto do credor como do devedor.</font><br>
<font>Daí que, no caso concreto do devedor pretender efectuar a reparação natural, o credor apenas poderá opor-se com fundamento na impossibilidade fáctica ou na circunstância de a reconstituição </font><font>in natura</font><font> não reparar todos os danos.</font><br>
<font>E, acrescenta.</font><br>
<font>"As limitações recíprocas fixadas no nº 1 do art. 566º a favor das duas partes pressupõem, ..., que, tanto o credor tem a faculdade de exigir a restauração natural contra a vontade do devedor, como, inversamente, pode este prestá-la mesmo em oposição à vontade daquele. Mas trata-se de um princípio que pode ser afastado pelo acordo dos interessados" (obra citada, pág. 716).</font><br>
<br>
<font>Postas as coisas nestes termos, é altura de dizer do acerto da decisão impugnada no que concerne ao indeferimento da pretensão de indemnização em dinheiro por parte da A.</font><br>
<font>Lê-se no acórdão impugnado:</font><br>
<font>"..., temos que o veículo da A. sofreu um acidente e ficou destruído, mas tal, como a própria recorrente admite, não significa, sem mais, que não fosse reparável, até porque se provou exactamente o contrário, seja que ficou apenas temporariamente inutilizável e que poderia ser recuperado....</font><br>
<font>Sendo o veículo sinistrado reparável e afastada, por motivos óbvios, a excessiva onerosidade para a Ré da sua reparação e não tendo a A. alegado e provado, como lhe competia, dado tratar-se de elemento integrante do seu direito (art. 342º, nº 1), a insuficiência ou ineficácia da reparação (...) há que concluir pela inexigibilidade da indemnização pecuniária no que aos danos sofridos pelo veículo acidentado respeita.</font><br>
<font>E a mesma conclusão se impõe relativamente aos demais danos reclamados."</font><br>
<br>
<font>Perante o prejuízo resultante do acidente, a A. tinha -e tem -efectivamente, por mor do contrato de seguro firmado com a R., direito a uma indemnização: isso não se discute.</font><br>
<font>O que se discute e inviabiliza é o direito que a A. reclamou na acção, isto é, o direito a uma indemnização em dinheiro, sendo certo que, nada, mas nada, alegou no que tange à impossibilidade da restauração natural, tal como lhe competia e o acórdão recorrido sublinhou.</font><br>
<br>
<font>Vistas bem as coisas -sendo nós a vê-las bem -o que se pode e deve dizer é que a petição inicial é inepta e, como tal, não deveria ter passado no crivo do saneador.</font><br>
<font>É que, com vista a obter ganho de causa nesta acção, a A. tinha por obrigação de alegar factos que permitissem a conclusão de que a reparação natural não era possível e tal, como também é salientado no aresto da Relação, não aconteceu.</font><br>
<br>
<font>Não tendo a A. direito à indemnização peticionada (tendo em atenção devida a desistência consubstanciada na minuta de recurso), prejudicado está tudo o que se dissesse sobre juros, como nos parece evidente.</font><br>
<font>O que se poderá dizer -e disse-o também a Relação -é que é a própria A. que está em mora, na justa medida em que recusou a reparação do veículo.</font><br>
<br>
<font>Em conclusão, podemos dizer que, por um lado, a Relação não incorreu em violação de norma de direito probatório material e, por outro, seguiu o único caminho que podia e devia seguir, qual seja o da confirmação do julgado em 1ª Instância.</font><br>
<br>
<font>IV</font><font> -</font><br>
<br>
<font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se:</font><br>
<font>a) - negar a revista e condenar a A. nas respectivas custas.</font><br>
<font>b) - ordenar, após trânsito em julgado, o envio de certidão deste acórdão e do documento nº 7 junto com a petição inicial para a Exª Ordem dos Advogados para os fins tidos por convenientes.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, aos 30 de Maio de 2006</font><br>
<font>Urbano Dias</font><br>
<font>Paulo Sá</font><br>
<font>Borges Soeiro</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uzLiu4YBgYBz1XKv70-D | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
"A" propôs contra B e mulher C e D e mulher E acção a fim de os réus serem condenados a reconhecer que existe lapso na escrita da escritura pública outorgada no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, de fls. 104 vº a 106 do Lº 36-G, e, assim, que na mesma onde se diz «hipoteca reduzir-se-á ao primeiro dos prédios» deverá constar «a hipoteca reduzir-se-á ao segundo dos prédios», alegando ter sido essa a vontade real dos declarantes na prestação da garantia à dívida reconhecida mas que, por lapso de escrita de que na altura da sua realização ninguém se apercebeu, outra foi consignada.<br>
Contestando separadamente, impugnaram os réus os factos.<br>
Após réplica não admitida, prosseguiu até final o processo, tendo a acção procedido por sentença que a Relação confirmou.<br>
Inconformados mais uma vez, pediram revista os réus Oliveira concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações, que, por inadmissibilidade da prova testemunhal a todos os quesitos com excepção do 1º (na infra al. e)), se considerem não-escritas as respostas aos restantes (nas infra als. f) a m)) e se revogue o acórdão recorrido, tendo por violado o disposto nos artºs. 238º, 249º, 393º e 394º, CC e 712º, CPC.<br>
Contra-alegando, defendeu o autor a sua confirmação.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- em 95.11.03 o autor e os 1º e 2º réus celebraram a escritura pública de confissão de dívida com hipoteca nos termos da qual os 1º réus se confessaram devedores ao autor "da quantia de cinquenta e oito milhões e oitocentos mil escudos, a qual se obrigam a pagar em sessenta prestações mensais, nos termos e quantitativos das letras aceites de que, neste acto, fazem entrega ao segundo outorgante" (aqui, autor);<br>
b)- ficou acordado no referido contrato que "em garantia de todas as obrigações assumidas pelo primeiro outorgante (1º réus), os terceiros outorgantes (2º réus) constituem hipoteca sobre dois imóveis a seguir descritos, de que declaram não existir qualquer outra anterior em vigor:<br>
1) prédio urbano (...) situado no lugar de ..., freguesia de S. João da Madeira (...) descrito sob o número zero zero quatrocentos e dezasseis, da freguesia de S. João da Madeira e nela inscrito a favor do terceiro outorgante (3º réu) pela inscrição G-dois;<br>
2) prédio urbano (...) situado no lugar do ..., freguesia de Pindelo, concelho de Oliveira de Azeméis (...) descrito na competente Conservatória sob o nº. zero zero cinquenta e nove, da freguesia de Pindelo, e nela inscrito a favor do terceiro outorgante (3º réu) pela inscrição G-um";<br>
c)- ficou ainda acordado que "a hipoteca reduzir-se-á ao primeiro dos prédios logo que estejam pagas todas as prestações no montante de vinte milhões de escudos";<br>
d)- os 1º réus pagaram prestações no montante de 25.200.000$00;<br>
e)- os prédios referidos na al. b) foram avaliados pelos réus em 20.000.000$00 e 40.000.000$00, respectivamente, valores que o autor aceitou;<br>
f)- o autor, antes da celebração da escritura referida na al. a) aceitou que logo que estivessem liquidadas prestações no montante de 20.000.000$00 "libertaria" o prédio referido na al. b)-1) e sito em S. João da Madeira,<br>
g)- e porque tal prédio estava avaliado em igual valor,<br>
h)- mantendo-se a hipoteca do prédio sito em ... (referido na al. b)-2) para garantia da prestação de 38.800.000$00;<br>
i)- foi nos termos referidos nas als. e) e f) que foram - por todas as partes - dadas as instruções para a elaboração da escritura referida na al. a);<br>
j)- o autor e todos os réus queriam e pensavam que ficava clausulado na escritura o referido nas als. e) e f);<br>
l)- no acto da assinatura da escritura referida na al. a) nem o autor nem os réus se aperceberam da desconformidade entre o referido nas als. e) e f) e o ali clausulado, constante da al. c);<br>
m)- os réus sabiam que o constante da escritura referido na al. c) não corresponde ao acordado entre todos.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- Pela escritura pública, documento autêntico, fica plenamente provado que foram proferidas as declarações de vontade dela constantes.<br>
Discute-se se essas declarações, quanto a uma das cláusulas, traduzem a vontade real dos outorgantes e, se a esta não corresponder, podem elas valer de acordo com o efectivamente querido e conhecido de todos.<br>
Não restam dúvidas sobre o reconhecimento da dívida dos 1º réus nem que quiseram que ela fosse garantida por hipoteca sobre determinados prédios dos 2º réus. Em crise apenas a cláusula que estabeleceu a redução da hipoteca logo que paga certo montante da quantia confessada em dívida.<br>
Não é posto em dúvida nem dos factos resulta que quer a confissão de dívida quer a prestação da garantia não teriam tido lugar se na cláusula de redução da hipoteca se tivesse observado outra ordem de indicação dos prédios.<br>
<br>
2.- Considerando estar-se face a erro incidental, julgou-se admissível a produção de prova testemunhal (CC- 392º), pelo que, por força quer do artº. 249º quer do artº. 238º-2 CC, a declaração de vontade devia ser, como foi, rectificada ficando a valer de acordo com a vontade real de todos conhecida.<br>
Analisemos a questão numa tripla vertente - interpretação do negócio jurídico, erro na declaração (e não na formação da vontade) e prova admissível.<br>
A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (CC- 236º, 1).<br>
Sempre que o declaratário conhecer a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (CC- 236º, 2).<br>
Como ensinava Castro Mendes, «o sentido a que o preceito faz referência é o sentido pretendido» (in Teoria Geral do Direito Civil II/248).<br>
Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (CC- 238º, 1).<br>
Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (CC- 238º, 2).<br>
Valor da dívida confessada e para pagamento da qual foi prestada garantia - 58.800 contos. Valor global atribuído aos prédios sobre que incidiu (e ainda incide) a hipoteca - 60 mil contos (a um, 20 mil e ao outro, 40 mil contos).<br>
Dívida a ser paga em 60 prestações mensais, estipulando-se que o não pagamento de qualquer delas implicará o vencimento da totalidade.<br>
Se nada de diverso tivesse sido estipulado, a garantia hipotecária manter-se-ia na sua total extensão independentemente do valor que o pagamento parcelar fosse atingindo. Todavia, outra e diversa foi a vontade dos outorgantes - reduzi-la logo que o montante pago alcançasse um determinado valor, 20.000 contos. Reduzi-la libertando dela um dos prédios. É sobre essa declaração indicando qual seria libertado que incide o litígio porquanto ficou exarado na escritura, na óptica do autor, um por outro.<br>
A declaração negocial existe, não se questiona a sua existência. Mas também não se trata de afirmar a existência de convenção contrária ou adicional. O problema é distinto, tão somente de interpretação do contexto do documento, pelo que a prova testemunhal é admissível (CC- 393º, 3).<br>
<br>
3.- Os outorgantes na escritura pública quiseram e querem um e outro negócio jurídico - não é a sua validade que é posta em crise.<br>
A garantia foi estabelecida para a totalidade da dívida.<br>
Uma cláusula prevendo a redução da garantia hipotecária foi acordada - cláusula que é estabelecida não a favor do autor mas do garante, não do credor a quem aproveitaria a sua manutenção até ao pagamento da dívida.<br>
O querido foi prever e estipular a redução da garantia não a sua inutilização prática. A ser esse o sentido dessa declaração ele escaparia, de todo, à normalidade do comportamento das pessoas constituindo excepção - nessa medida incumbiria aos réus prová-la se alegada tivesse sido, e não o foi.<br>
Os prédios sobre que incide a garantia (referidos na al. b)) foram avaliados pelos réus em 20.000.000$00 e 40.000.000$00, respectivamente, valores que o autor aceitou.<br>
Para o pagamento da dívida foi acordada uma periodicidade das prestações - mensal.<br>
A redução foi acordada para quando as prestações mensais pagas atingissem o valor global de 20.000 contos. Este montante coincide com o valor que os réus atribuíram, e o autor aceitou, a um dos prédios sobre que incide a hipoteca.<br>
Tendo-se querido garantir o pagamento da totalidade da dívida, não se compreenderia, sob pena de, na prática, a inutilizar - por deixar 'a descoberto' dela parte substancial da dívida (20.000 contos) - acordar que da redução fosse objecto o prédio a que se atribuíra o valor de 40.000 contos logo que ocorresse o pagamento de apenas 20.000.<br>
O sentido pretendido não foi esse e um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, com segurança o excluiria e exclui.<br>
O sentido pretendido foi o de possibilitar a redução logo que atingido aquele valor na medida em que a um dos prédios fora atribuído esse mesmo valor mas mantendo a garantia em relação ao restante em dívida, com o que aquele objectivo de a garantia ser estabelecido para a totalidade da dívida não seria alterado.<br>
Pela interpretação da declaração, apenas com base no documento em si, alcança-se, com segurança, que o sentido pretendido foi este. A confirmá-lo, se necessário fosse, quer a consequência da não satisfação pelos réus do ónus de alegar quer a prova produzida e fixada pelas instâncias.<br>
A este propósito, um parêntesis - o apuramento da vontade efectiva quando derive da interpretação dos factos provados sem apelo a critérios de fixação do sentido normativo da declaração de vontade (CC- 236º a 238º) é conclusão de facto e, porque tal, não sindicável pelo STJ (CPC- 729º, 1; sobre isto, e juízos de valor, cfr., 'Os juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na acção e o recurso de revista' de A. Varela in CJ XX/4/7 e ss).<br>
Além de o devedor e o garante conhecerem ser essa a vontade real do credor, sucede que, no texto da escritura, há, como resulta do exposto, um mínimo de correspondência (CC- 238º, 1).<br>
As razões determinantes da forma não se opõem à fixação e validade deste sentido da declaração (CC- 238º, 2).<br>
<br>
4.- A vontade declarada na cláusula em que foi prevista e estabelecida a redução da hipoteca não corresponde à vontade real dos seus autores - houve erro na identificação do prédio que seria 'libertado', em vez de um («segundo») ficou exarado outro («primeiro»).<br>
Trata-se de erro-obstáculo na espécie que Castro Mendes definia como traduzindo «um erro entre o conteúdo de pensamento expresso e a realidade a que esse conteúdo de pensamento se queria referir» (op. cit., II/135) e de erro cognoscível ou ostensivo porque a divergência é «apreensível com segurança pelos próprios termos e circunstancialismos da declaração» (p. 137).<br>
O negócio jurídico vale tal como foi querido e, por força dos artºs. 238º-1, 236º-2 e 249º, CC, essa divergência apenas dá direito à rectificação da declaração.<br>
Tendo sido este o pedido do autor, teria de proceder, como procedeu, a acção.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 11 de Novembro de 2003<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Reis Figueira</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wDLYu4YBgYBz1XKvd0lR | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1. - "A" instaurou acção declarativa contra "B, Lda." e C, pedindo que se decrete a imediata exclusão deste Réu de sócio da Ré "B, Lda.".</font><br>
<font>Alegou, em síntese, que, como único gerente da Sociedade, desde 1999, o R. nunca mais convocou a Assembleia Geral, recusa a consulta da escrituração ao A., subtrai-lhe o controle dos valores dos pagamentos de clientes, fez uma acta de uma A.G. de 29/6/2000 que não se realizou, e, suspenso e substituído na gerência em 2 de Maio de 2001 (e entretanto já destituído), recusou-se a entregar ao gestor nomeado os documentos relativos à actividade da R. de 2001 e a prestar as contas relativas ao tempo em que esteve na gerência, comportamentos que são gravemente lesivos dos interesses da sociedade.</font><br>
<br>
<font>A acção foi contestada pelo Réu C e, após completa tramitação, foi julgada improcedente, decisão que a Relação confirmou.</font><br>
<br>
<font>O Autor pede agora revista, insistindo na pretensão de exclusão do Réu de sócio, ao abrigo das seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>- A matéria de facto dada por provada preenche suficientemente os requisitos estabelecidos pelo art. 242º CSC para que o Tribunal decrete a exclusão do 2º R. de sócio da 1ª R. e a sua destituição de gerente, já ocorrida, não é impeditiva da pretendida exclusão;</font><br>
<br>
<font>- O acórdão recorrido violou também o disposto no n.º 4 do art. 646º CPC e o princípio da economia ao manter como pontos da matéria de facto as questões de direito, conclusões e meros juízos de valor e ao negar a existência da apontada contradição na matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Não foi apresentada resposta. </font><br>
<br>
<font>2. - Matéria de facto.</font><br>
<font> </font><br>
<font>2. 1. - A Relação fixou nos seguintes termos a matéria de facto:</font><br>
<br>
<font>1 - A 1ª R. é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 24.939,89 (5.000.000$00), dividido em duas quotas (al. A) dos factos assentes);</font><br>
<br>
<font>2 - O A. possui, desde 16/8/94, uma quota no referido capital no valor nominal de 2.500.000$00, pertencendo a outra quota, de igual valor, ao sócio 2º R. (al. B));</font><br>
<br>
<font>3 - A gerência da sociedade foi exercida pelos dois sócios até 22/02/99, data em que se tornou efectiva a renúncia à gerência por parte do A. (al. C));</font><br>
<br>
<font>4 - Desde a renúncia do A. à gerência, esta ficou apenas a ser exercida pelo sócio C, 2º R., já que este nunca mais convocou a Assembleia Geral para designação de outro gerente, apesar de o contrato social exigir a intervenção de dois gerentes para obrigar a sociedade (D));</font><br>
<br>
<font>5 - O A. instaurou, em 11/5/2000, um processo de inquérito judicial à sociedade no decurso do qual o 2º R. convocou um reunião da A. G. da 1ª R. para o dia 29/6/2000, na sede social, para "Apreciação e votação do relatório e contas da gerência referentes aos anos de 1988 e 19992" (E));</font><br>
<br>
<font>6 - O 2º R. elaborou uma acta dessa Assembleia, a que chamou acta número doze, que juntou ao referido processo e inquérito judicial, e na qual fez constar que "o sócio Ex.mo Sr. C aprovou o resultado do exercício do ano de mil novecentos e noventa e oito, no valor de 425.203$00, positivo depois de impostos, e o resultado do exercício de mil novecentos e noventa e nove, no valor de 556.838$00, positivo depois de impostos" (F));</font><br>
<br>
<font>7 - No processo de inquérito referido em E) foi lavrada transacção, homologada por sentença, nos termos da qual o sócio gerente, 2º R., se comprometeu a entregar à empresa "D, Lda.", que ficou encarregada de elaborar as ditas peças e convocar a A. G para sua apreciação, os documentos em falta e necessários à sua realização, no prazo máximo de trinta dias (G));</font><br>
<br>
<font>8 - Pelo menos desde que o A. renunciou à gerência, o 2º R. passou a depositar numa conta particular dele cheques de clientes da 1ª R., que se destinavam ao pagamento de mercadorias adquiridas no seu estabelecimento (al. H));</font><br>
<br>
<font>9 - Pelo que ficou relatado, o A. intentou um procedimento cautelar para suspensão do 2º R. do cargo de gerente, a qual veio a ser decretada por decisão de 7/4/001, nomeando para o exercício essas funções o Dr. E (I));</font><br>
<br>
<font>10 - O A. intentou ainda uma acção para destituição definitiva de gerente do 2º R., destituição essa decidida por sentença de 30/11/001;</font><br>
<br>
<font>11 - A Ré sociedade não apresentou as declarações de rendimentos par efeito de IRC reportadas aos exercícios de 1997 e 1998 (resp. ao q.to 4º);</font><br>
<br>
<font>12 - O R. não prestava ao A. as informações que este lhe solicitava por escrito (7º) e não convocava a as reuniões da Assembleia Geral que lhe foram requeridas, salvo a referida em E) (8º);</font><br>
<br>
<font>13 - Os documentos referidos em E) (Apreciação e votação do Relatório Contas de Gerência referente aos anos de 1998, 1999 não existiam ou existem (10º);</font><br>
<br>
<font>14 - Na audiência de julgamento de 11/01/2001, no referido processo de inquérito, constatou-se que a acta referida em F) não correspondia à verdade e que nem sequer tinham sido elaborados os relatórios e contas de gerência relativos aos anos de 1997, 1998 e 1999 (11º);</font><br>
<br>
<font>15 - O R. não entregou à empresa referida em G) nenhum documento dos aí referidos, pelo que essa empresa não pôde desempenhar a tarefa que havia aceite (12º);</font><br>
<br>
<font>16 - Por isso, a 1ª R. continua em falta no que respeita à apresentação das declarações mod. 22 de IRC, desde o exercício de 1997, inclusive (13º));</font><br>
<br>
<font>17 - Em 2/5/2001, o gerente judicialmente nomeado não recebeu do 2º R. um computador, que pertencia à 1ª R., nem os inventários físicos das existências desde 1997 (15);</font><br>
<br>
<font>18 - Não são reais os valores de compras e vendas da 1ª R. fornecidos pelo 2ª R. à empresa que executa a contabilidade daquela (21º); </font><br>
<br>
<font>19 - O 2º R. não prestou contas dos dinheiros recebidos enquanto esteve na gerência da 1ª R. (22º);</font><br>
<br>
<font>20 - No dia 2/5/2001, em que o gerente judicialmente nomeado assumiu funções, só existia o apuro da caixa desse dia e uma verba de 400.000$00 na conta bancária da sociedade, estando por pagar os salários dos trabalhadores de Abril de 2001 (27º);</font><br>
<br>
<font>21 - O pai do A. emprestou à sociedade um milhão de escudos para que o gerente judicial conseguisse pagar os salários de Abril de 2001 e outros encargos imediatos (29º e 30º);</font><br>
<br>
<font>22 - A mãe do Autora, F, exerceu importantes funções na elaboração da contabilidade e expediente administrativo da sociedade R. até à efectivação da renúncia do A. à gerência (33º);</font><br>
<br>
<font>23 - F, funcionária da sociedade, sempre actuou, naquele contexto, como verdadeira representante do seu marido, G, pai do Autor, que originariamente detinha a qualidade de sócio - gerente (34º);</font><br>
<br>
<font>24 - "G" tentou tomar, depois da destituição o 2º R., decisões atinentes à gestão da sociedade, tal como já tomava antes da efectivação da renúncia à gerência do A. (35º);</font><br>
<br>
<font>25 - E isto, mesmo depois de ter cedido a quota ao filho, o A. (36º);</font><br>
<br>
<font>26 - O A. sempre reconheceu ao pai direitos e interesses na sociedade como se fosse ele o dono da quota que lhe pertence a ele, A. (37º);</font><br>
<br>
<font>27 - O 2º R. não desempenhava funções no âmbito dos expedientes administrativos e de contabilidade da R. sociedade, quase só desempenhando funções de execução técnica dos serviços prestados pela sociedade (38º e 41º);</font><br>
<br>
<font>28 - O R. é técnico de material eléctrico e tinha a seu cargo a coordenação e execução de todos os serviços técnicos desempenhados pela sociedade, factos do pleno conhecimento do A. (42, 46 e 47);</font><br>
<br>
<font>29 - A própria constituição da sociedade teve na sua origem o pressuposto de que os assuntos relativos à facturação, à contabilidade, bem como a todos os demais assuntos administrativos, seriam primordialmente da competência do Sr. G e da respectiva mulher, ao passo que os assuntos técnicos referentes à actividade social propriamente dita seriam da responsabilidade do 2º R. (51º);</font><br>
<br>
<font>30 - O 2º R. remetia o A., quando este o questionava sobre o destino de documentação e contabilidade da sociedade, para o contabilista, que fora desde sempre o depositário da maior parte da documentação da sociedade (53º);</font><br>
<br>
<font>31 - No que toca ao depósito dos cheques e outros dinheiros na conta particular do 2º R., um dos objectivos foi o de encontrar uma forma célere de evitar a paralisação financeira da sociedade, a que a renúncia à gerência por parte do A. conduziria (56º);</font><br>
<br>
<font>32- A quando da destituição do 2º R., os dois estabelecimentos e o armazém da sociedade encontravam-se abastecidos com a mercadoria necessária ao giro comercial habitual da sociedade, tendo sido avaliados a preços de venda, sem IVA, em mais de 30.000 contos, tendo o 2º R. mantido sempre bem abastecida a sociedade para giro comercial, enquanto assegurou sozinho a gerência efectiva (65º e 66º);</font><br>
<br>
<font>33 - O gerente nomeado judicialmente, já antes dessa nomeação judicial tinha sido testemunha arrolada pelo A. (68º);</font><br>
<br>
<font>34 - Da mesma forma, o Sr. E foi arrolado como testemunha do aqui A. no processo de inquérito judicial mencionado em E) (70º);</font><br>
<br>
<font>35 - O 2º R. desempenhou com dedicação e competência as funções técnicas e de superintendência técnica que no quadro da sociedade lhe foram primordialmente atribuídas e teve o objectivo de garantir a sobrevivência da sociedade (71º e 72º). </font><br>
<br>
<font>2. 2. - Uma vez que o Recorrente coloca questões relativas à matéria de facto, e porque a fixação desta precede o conhecimento das questões de mérito da causa, proceder-se-á, antes de mais, à apreciação daquelas.</font><br>
<br>
<font>2. 2. 1. - O Recorrente sustenta que as respostas aos quesitos 33º, 34º, 35, 36º, 37º, 41º, 51º, 65º, 66º, 71º e 72º - factos 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29, 32 e 34 supra - por conterem questões de direito, conclusões e meros juízos de valor devem ser eliminadas.</font><br>
<br>
<font>A Relação desatendeu a pretensão do Recorrente com o fundamento de que a matéria das respostas impugnadas é irrelevante quanto ao preenchimento dos pressupostos do objecto da causa - a exclusão de sócio, pelo seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, com prejuízos causados à mesma sociedade -, ora porque nem sequer se referem ao R. (quesitos 33º a 37º), ora porque não contêm matéria que se prenda com esses comportamentos (quesitos 38º, 41º e 51º) ou nada têm de conclusivo (65º e 66º), reportando-se os quesitos 71º e 72º ao modo e objectivo com que o Recorrido desempenhou funções técnicas.</font><br>
<br>
<font>Não se diverge desse entendimento, devendo mesmo acrescentar-se que, com a possível ressalva da matéria dos quesitos 66º e 72º, a demais não deveria sequer, por inútil, figurar na base instrutória - art. 511 n. 1 CPC.</font><br>
<br>
<font>De qualquer modo, não se deixa de apreciar a questão nos termos suscitados pelo Recorrente.</font><br>
<br>
<font>Os fundamentos de facto da decisão devem consistir em puros elementos de facto, nomeadamente as ocorrências da vida real, actos e factos do homem, quer do mundo exterior, quer do foro psíquico, e juízos respeitantes a certos conceitos de uso corrente, mas já não os que envolvem noções jurídicas ou que integrem, eles mesmos, a resolução da causa. Estes últimos, na verdade, não são factos para os fins previstos nos arts. 659 n. 2 e 3, 653 e 511 CPC.</font><br>
<br>
<font>Reconhecendo-se, embora, apresentar-se com cada vez menor nitidez a linha de delimitação entre matéria de facto e matéria de direito, mormente no que respeita à passagem de conceitos jurídicos para o âmbito da utilização frequente na linguagem comum e que, por isso, poderão integrar-se na matéria de facto, ao menos "quando não constituam o próprio objecto do quesito e as partes não disputem sobra eles" (Ac RE, de 21/2/91, in CJ XVI-1-304, citando ANSELMO DE CASTRO, "Lições...", III, 1966, 424), certo é que, com a Jurisprudência dominante, se entende que o questionário (base instrutória) não pode conter conclusões ou juízos de valor, dando lugar a respostas com «cargas valorativas» que compete ao julgador sentenciador extrair da factualidade provada (vd. Ac.s STJ, 29/10/96; RP, 20/9/90; RL, 9/12/93; e, A. VARELA, "Os Juízos de Valor....", in, respectivamente, CJ, IV-3º-84; XV-4º-211;XVIII-5º-149; e, XX-4º-11 e ss.).</font><br>
<br>
<font>Quando tal suceda - quando contenha matéria conclusiva -, vem-se entendendo que - por não conter matéria de facto -, o quesito se deve ter como abrangido na previsão do art. 646 n. 4 CPC.</font><br>
<br>
<font>Dispõe este preceito que se têm por não escritas as respostas sobre questões de direito, norma que está em correspondência e sanciona a violação do art. 511 n. 1.</font><br>
<font>Consequentemente, padecendo as respostas do vício que o Recorrente lhes imputa deve a respectiva matéria ter-se como não escrita.</font><br>
<br>
<font>Entende-se, porém, como vem decidido e face ao sentido fixado pela Relação, as respostas impugnadas, não contêm juízos valorativos, nem são conclusivas de forma a merecerem a sanção prevista no art. 646 n. 4.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, não se mostra possível, como referido, estabelecer uma linha de separação de natureza fixa entre matéria de facto e matéria de direito, o que sempre dependerá quer da estrutura da norma aplicável, quer do objecto e termos da causa, em maior ou menor medida. Poderá mesmo dizer-se que "o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro". </font><br>
<br>
<font>Nesta linha de pensamento, poder-se-á dizer que se o apuramento dos elementos de facto se efectua à margem da aplicação directa da lei, tratando-se apenas de averiguar realidades cuja existência não depende da interpretação de qualquer norma jurídica, estaremos no campo da matéria de facto. Já será matéria de direito tudo quanto respeite ao recurso a uma disposição legal para encontrar o sentido com que devem valer as expressões utilizadas.</font><br>
<br>
<font>Serão, assim, factos ou a eles equiparados "os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido, que sejam de uso corrente na linguagem comum" e os juízos de facto ou os juízos sobre factos retirados do mundo exterior ao direito, ou seja, não incluídos nas normas jurídicas nem «radicados no próprio terreno do direito» (Ac. STJ, de 8/11/95, CJSTJ III-3º-294; cfr. tb. Ac. de 22/2/95, CJ/STJ III-1º-279 e A. VARELA, loc. cit., 11/13.).</font><br>
<br>
<font>As expressões que o Recorrente pretende ver banidas da matéria de facto, mormente com o sentido que lhe foi atribuído pelo Tribunal da Relação - ao qual cabe a fixação da matéria de facto (art. 729 n. 1 CPC) -, não integra mais que realidades do mundo exterior ao direito e nada tem que ver com conceitos normativos identificáveis com matéria de direito. </font><br>
<br>
<font>Consequentemente, quer face aos termos da causa e desenvolvimento do litígio, quer àqueles com que foram utilizadas e interpretadas nas instâncias, as expressões em questão, mau grado a aludida inocuidade, não têm de se considerar não escritas. </font><br>
<font> </font><br>
<font>2. 2. 2. - Invoca ainda o Recorrente contradição entre as respostas aos quesitos 33º, 38º e 66º, embora sem disso retirar qualquer consequência ou formular pretensão.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Está-se, quanto a estes ponto, perante matéria subtraída ao conhecimento deste STJ, como Tribunal de revista.</font><br>
<font>Na verdade, cabe às instâncias apurar e fixar a factualidade relevante, sendo a intervenção deste Supremo Tribunal, além de excepcional e meramente residual, sempre destinada a averiguar da observância de regras de direito material, ou a mandar ampliar a decisão - arts. 722 n. 2 e 729 CPC.</font><br>
<font> </font><br>
<font>É, de resto, jurisprudência uniforme e constante desde STJ só caber nos seus poderes de apreciação o uso feito pela Relação dos poderes concedidos pelo art. 712º CPC, designadamente saber se a modificação operada assentou em fundamento previsto na lei, por ser matéria de direito averiguar se houve violação da lei do processo, mas estar-lhe já vedado censurar o não uso desses mesmos poderes quando se entra no campo da apreciação dos meios de prova e fixação dos factos materiais da causa perante o qual se erguem os apertados limites constantes das ditas normas dos arts. 722 n. 2 e 729 n. 2 e 3 (cfr., v. g., ac. de 23/4/002, Proc. 997/02-1ª; 28/5/02, proc. 1605/02-6ª; 1/7/03, Procs. 1803/03-6ª e 1981/03-1ª ; 8/7/03, Proc. 1904/03-7ª; 18/9/03, Proc. 2227/03; 25/9/03, Proc. 2515/03-5ª).</font><br>
<br>
<font>Está, assim, este Tribunal vinculado à matéria de facto que vem fixada pela Relação.</font><br>
<br>
<font>Acresce que, recusado pela Relação, de modo fundamentado, o reconhecimento da contradição arguida, essa decisão, que cabe no âmbito de previsão dos n.ºs 1 e 4 do art. 712, é irrecorrível - art. 712 n. 6 CPC.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3. - Mérito da causa.</font><br>
<br>
<font>O Recorrente sustenta que os factos provados preenchem os requisitos exigidos para a exclusão do sócio Réu, não sendo impeditiva a já decretada destituição de gerente.</font><br>
<br>
<font>O fundamento legal para a exclusão em que se funda a pretensão do Autor encontra-se formulado no n.º 1 do art. 242º CSC nos seguintes termos: "pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos graves".</font><br>
<br>
<font>Antes de mais deve assentar-se em que, ao menos em nosso entender, o facto de o sócio ter sido gerente e de os factos que fundamentam a presente acção terem também ocorrido durante o período de exercício da gerência não exclui nem impede a aplicação da medida de exclusão, pois que a gerência e a qualidade de sócio têm as sua obrigações próprias e específicas e o cumprimento ou incumprimento das obrigações de gerente não dispensa o sócio, enquanto tal, da execução das obrigações próprias de sócio.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Importa, então, verificar se o R., enquanto sócio, incorreu nas infracções merecedoras da medida de exclusão.</font><br>
<br>
<font>O instituto da exclusão de sócio encontra fundamento na protecção do fim do contrato de sociedade, traduzido no interesse social, "enquanto elemento comum aos interesses dos sócios contratantes e meio contratual de satisfação dos seus interesses distintos".</font><br>
<br>
<font>Assim, a exclusão justifica-se quando o interesse social é posto em causa por um sócio que, por via da violação das suas obrigações, conduza a resultados ou efeitos que prejudiquem o fim social.</font><br>
<br>
<font>Daí que a sociedade só possa resolver o contrato em relação a determinado sócio, mediante a exclusão, quando este ponha em causa, não em função dos seus incumprimentos, mas dos seus efeitos, o interesse social (vd. LUÍS MENEZES LEITÃO, "Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais", A.A.F.D.L., 1988, p. 41 e ss).</font><br>
<br>
<font>O sócio está, pois, obrigado a não violar deveres de conduta que possam causar prejuízos à sociedade.</font><br>
<font>Entre estes deveres acessórios apontam-se os de esclarecimento, de colaboração e de lealdade, deveres que fazem parte do conteúdo das obrigações, como exigências gerais do sistema jurídico (cfr. MENEZES CORDEIRO, "Direito das Obrigações", I, 1994, 149).</font><br>
<br>
<font>A violação desses deveres acessórios de conduta é, nas sociedades por quotas, o fundamento de exclusão acolhido pelo art. 242 n. 1 citado.</font><br>
<font>Por um lado, tem de demonstrar-se factos atinentes ao comportamento do sócio violadores do dever de lealdade ou gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade e factos respeitantes ao prejuízo causado, que tem de ser significativo. </font><br>
<font> </font><br>
<font>Analisando os seus pressupostos, logo se vê que não basta, para haver exclusão, a prática de actos danosos, a «ilicitude objectiva da violação», exigindo-se ainda a previsibilidade de verificação de "prejuízos relevantes" ou a ocorrência de «prejuízos concretos na actividade social», como refere L. M. LEITÃO (cit., p. 91; cfr., ainda, BRITO CORREIA, "Direito Comercial - Sociedades Comerciais", pp. 464 e ss. e acs. STJ, de 5/6/97 e 3/10/02).</font><br>
<br>
<font>Ponderaram e concluíram as Instâncias, com base nos elementos de facto disponíveis, que o R. violou obrigações básicas de relacionamento da sociedade com a administração fiscal e de elaboração de relatórios e contas para apreciação na A.G., omissões que integram grave violação dos deveres de gerente, justificando a destituição desse cargo, mas que, com a prática de tais factos e omissões não ficou demonstrada a verificação de prejuízo grave para a Sociedade, pois que, nomeadamente, não se mostra que tivesse retirado dinheiro para seu proveito ou esvaziado a actividade social, antes tendo agido com o objectivo de garantir a sobrevivência da Sociedade.</font><br>
<br>
<font>O que está em causa é uma ilação extraída do conjunto dos factos provados, e neles contida, que integra um juízo de valor sobre matéria de facto. </font><br>
<br>
<font>Na verdade, não está em causa, em tal juízo, a aplicação ou interpretação de qualquer norma jurídica, sendo que não existe preceito que disponha sobre o conceito de "prejuízo grave" ou que forneça qualquer critério sobre o seu conteúdo qualitativo ou quantitativo.</font><br>
<br>
<font>Estamos, então, perante um juízo de valor cuja formulação pelo julgador se apoia nas "máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana".</font><br>
<br>
<font>Quando assim é, apoiando-se a emissão do juízo em simples critérios do bom pai de família, do homem comum e prudente, desligado do apelo à sensibilidade do julgador enquanto dotado de uma formação específica no campo jurídico, deve entender-se que tais juízos consubstanciam matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>É o que acontece quando, como no caso, não está em causa "a ponderação de valores típicos da ordem jurídica", mas, antes, ilações tiradas do sector da actividade económica empresarial. Sobre estes, porque fundamentalmente ligados à matéria de facto, a última palavra deve, então, caber à 2ª Instância (A. VARELA, RLJ 122 - 220; ac. cit. de 3/10/02).</font><br>
<br>
<font>O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva por erro de interpretação ou de aplicação, não podendo ser objecto do mesmo a fixação do factos (arts. 721 n. 2 e 722 n. 2 CPC), ficando, por isso, vedado ao STJ, no âmbito de tal recurso, afastar ou censurar as ilações retiradas dos factos provados pela Relação quando, baseando-se nos referidos critérios desligados do campo do direito, estiverem logicamente fundamentadas, como se verifica no caso em apreciação, pois que não integram mais que matéria de facto (acs. de 18/1/01, 13/3/01 e 3/6/03, Rev. 3516/00-2ª sec., 278/01-1ª e 1244/03-1ª).</font><br>
<br>
<font>Tem de aceitar-se, assim, o juízo de ausência de "prejuízo grave" formulado pelas instâncias.</font><br>
<br>
<font>De notar que a existência de prejuízos e respectiva relevância se mostrava já deficientemente concretizada e alegada na petição inicial.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, julgam-se inverificados os pressupostos de exclusão do sócio Réu da Sociedade "B, Lda.".</font><br>
<br>
<font>4. - Decisão.</font><br>
<br>
<font>- Pelos expostos fundamentos, confirmando o acórdão impugnado, nega-se a revista e condena-se o Recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 15 de Fevereiro de 2005</font><br>
<font>Alves Velho,</font><br>
<font>Moreira Camilo,</font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
wTLxu4YBgYBz1XKvyl7G | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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Para obter o ressarcimento dos danos sofridos num acidente de viação ocorrido entre um veículo por si conduzido e um outro conduzido por A, pertencente a B - TÉCNICA DE INCÊNDIO, LDA. e cujos riscos de circulação estavam cobertos até ao montante de 12.000.000$00 por seguro contratado com a COMPANHIA DE SEGUROS C, o autor D demandou todas elas em acção declarativa proposta no 1º Juízo Cível de Coimbra para obter a sua condenação solidária a pagarem-lhe 4.900.000$00 com referência aos danos patrimoniais e não patrimoniais que liquidou na petição inicial e ainda no que em liquidação da sentença a proferir viesse a ser apurado quanto a danos futuros de ambas estas categorias.<br>
Todas as rés contestaram impugnando danos e factos relativos ao acidente, pedindo as duas primeiras a absolvição do pedido e pedindo a terceira que se proferisse sentença de acordo com a factualidade que viesse a ser apurada.<br>
Após saneamento - onde se afirmou a inexistência de obstáculos ao julgamento de mérito quanto a todas as partes -, condensação e audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que, dando procedência parcial à acção, condenou todas as rés até ao limite do seguro, e apenas as 1ª e 2ª rés a partir daí, a pagarem ao autor a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais já sofridos - 2.500.000$00 -, danos patrimoniais no montante de 142.500$00 relativos a calças, anel, casaco e custo de relatório médico e danos futuros patrimoniais e não patrimoniais na parte em que não devam considerar-se abrangidos pelas quantias já pagas pela seguradora.<br>
Apelaram a B e o autor, vindo a ser proferido pela Relação de Coimbra acórdão que, revogando em parte a sentença, absolveu do pedido a B e elevou para 4.000.000$00 a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos desde o acidente e até à propositura da acção.<br>
Inconformado, o autor interpôs este recurso de revista em que, dizendo ter sido violado o disposto no art. 503º, nº 1 do CC e pedindo a revogação do acórdão recorrido na parte em que absolveu a B e a subsistência, nesta parte, do decidido na 1ª instância, formulou ao alegar as seguintes conclusões:<br>
1. Da aplicação do art. 503º, nº 1 do CC aos factos, resulta que a 2ª ré, proprietária do veículo, tinha o poder de facto e o poder real sobre ele, logo, sobre a 2ª ré impendia a obrigação de prover à sua conservação em boas condições de segurança.<br>
2. A recorrida possuía a direcção efectiva do veículo QO.<br>
3. Dos factos dados como provados não consta nenhum facto que demonstre a suposta transferência, para o comodatário, da direcção efectiva.<br>
4. Também pode concluir-se que a direcção efectiva do veículo continuou a pertencer à 2ª ré, dado que o Tribunal foi categórico ao afirmar que "... recai sobre a 1ª ré a obrigação de indemnizar o autor pelos prejuízos sofridos pelo autor em consequência do acidente" e que "idêntica responsabilidade recai sobre a 2ª ré - proprietária do veículo - (cfr. art. 503º nº 1 do CC).<br>
5. Só pode concluir-se que o Tribunal, ao dar esta resposta explicativa, fê-lo precisamente pela positiva. Isto é, deu como provado aquele quesito 84º.<br>
6. Este entendimento do ora recorrente assenta, não só na resposta a este preciso quesito, mas também porque o Tribunal de 1ª instância decidiu pela culpa da ré B, e aquele quesito era, de longe, o mais importante, senão até o único, para uma tal decisão.<br>
7. O curto período de tempo em que o veículo QO foi emprestado à ré A, bem como as circunstâncias em que lhe foi cedido - e das quais resulta, sem qualquer margem para dúvidas, que a utilização daquele veículo não foi de modo algum abusiva - não são suficientes para que se afirme que a sua proprietária perdeu a direcção efectiva, e muito menos para afirmar que a 1ª ré, a quem o carro foi emprestado, o utilizou no seu próprio interesse.<br>
8. O proprietário que entrega o seu automóvel a um comodatário, para ser agradável a este, tem a direcção efectiva do veículo, e utiliza-o no seu próprio interesse.<br>
9. E ao emprestar o veículo à mulher, o sócio gerente da recorrida, enquanto marido da 1ª ré, quis ser-lhe agradável.<br>
10. Ou seja, mesmo que se considere que o motivo deste "empréstimo" seja apenas razões familiares, ainda assim o interesse na utilização continua a pertencer à 2ª ré, desde logo porque esse "empréstimo" da B, feito através do seu sócio gerente - marido da 1ª ré - também visou satisfazer uma necessidade - precisamente a da sua mulher.<br>
11. Além de que aquele empréstimo por um tão curto período de tempo era, inclusive, do interesse da ré B, dado que, se não o cedesse, teria de arcar ele próprio com a inevitável perda de tempo de levar ou transportar a esposa durante todo aquele dia, com consequências negativas, naturalmente, para a ré B, para a sua gerência e demais encargos correspondentes.<br>
12.Uma vez que incumbe ao dono do veículo o ónus de provar não ter a direcção efectiva nem o veículo circular no seu próprio interesse, e que a recorrida, proprietária do QO, não o fez, só pode concluir-se que não estão afastados os requisitos cumulativos do art. 503º, nº 1 do CC, pelo que a recorrida é, pois, co-responsável pelos danos causados ao ora recorrente.<br>
<br>
Em resposta a recorrida defende a confirmação do decidido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
Não vem questionada a matéria de facto apurada e não se levantam a seu respeito questões que devam ser oficiosamente conhecidas, pelo que se remete, quanto a ela, para o acórdão recorrido, nos termos do art. 713º, nº 6 do CPC.<br>
Trata-se de um acidente havido em 16/12/91, no qual o autor sofreu diversos danos e por cuja ocorrência foi havida como culpada a ré A, que conduzia um veículo pertencente à B.<br>
Sobre este ponto concreto provou-se que:<br>
- A ré A conduzia na ocasião do acidente o QO tendo obtido para tanto o acordo do seu marido que era, ao tempo, sócio gerente da ré B, esclarecendo-se ainda que utilizava o mencionado veículo para se deslocar para a Escola Secundária D. Duarte onde naquela altura leccionava - resposta ao quesito 84º.<br>
<br>
Enquanto que na sentença da 1ª instância a responsabilidade da B foi extraída da simples afirmação de ser proprietária do QO, referida ao art. 503º do CC - diploma do qual serão as normas que sem outra identificação referirmos adiante -, já no acórdão recorrido se entendeu que:<br>
- tem sido entendido na jurisprudência que a propriedade faz presumir a direcção efectiva e o interesse na utilização do veículo pelo proprietário, por presunção natural extraída a partir do art. 1305º, mas admitindo-se que este prove a excepção, fazendo com que o julgador se não decida pelo que é normal de acordo com o art. 349º;<br>
- admitindo-se haver direcção efectiva do veículo por parte da B e que a condução não era abusiva, a ela presidiu um interesse meramente egoísta do casal, sem qualquer interesse da B, material ou económico ou de qualquer outra ordem, na circulação do veículo.<br>
<br>
O recurso está, como se vê, centrado numa única questão, que é a de saber se a circulação do veículo, no decurso da qual o acidente se deu, teve, ou não, lugar no interesse da B.<br>
Estamos em pleno campo de interpretação e aplicação do nº 1 do art. 503º, que responsabiliza pelos danos decorrentes dessa circulação aquele que tem a sua direcção efectiva e em cujo interesse ela é feita, sendo estes requisitos de verificação cumulativa.<br>
A propósito da direcção efectiva do veículo - embora seja de entender que o mesmo deverá passar-se com o interesse na sua circulação, conforme constataram diversos dos acórdãos a seguir citados -, deve assinalar-se, desde já, que este STJ tem entendido que a mesma cabe ao respectivo dono, cabendo a este o ónus de demonstrar as circunstâncias de onde possa inferir-se o contrário - cfr. acórdãos de 7/7/71, BMJ nº 207, pg. 141, de 1/4/75, BMJ nº 246, pg. 126, de 3/6/75, BMJ nº 248, pg. 399, de 6/5/80, BMJ nº 295, pg. 369, de 13/6/83, BMJ nº 328, pg. 559, de 25/10/83, BMJ nº 330, pg. 511, de 3/11/83, BMJ nº 331, pg. 504, e de 27/10/88, BMJ nº 380, pg. 469.<br>
É assinalado por Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8ª edição, pg. 670, que o requisito do interesse na circulação "... visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário, utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outrem (o comitente)".<br>
Também Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, pg. 385, afirma que "... só há interesse próprio quando não haja comissão".<br>
Nesta perspectiva, o comissário, conduzindo no interesse alheio, não responde pelo risco, ao abrigo do art. 503º, nº 1. Não tendo ele interesse na circulação, e cabendo este ao comitente, será sobre este último que recairá a aludida responsabilidade.<br>
O que no caso não releva visto que nenhuma relação de comissão existiu entre a B e a A.<br>
Mas o problema tem de ser visto sob uma outra perspectiva.<br>
É ela a da posição do dono do veículo, que pode, como acima se disse, provar que a circulação se deu sem ser no seu interesse.<br>
Este interesse pode ser de natureza material ou económica, mas também de natureza moral ou espiritual - cfr. Antunes Varela, obra citada, pg. 671 e Dario Martins de Almeida. Manual dos Acidentes de Viação, 2ª edição, pg. 313, que admitem como suficiente um mero interesse de gentileza.<br>
No entanto, tem alguma diferença que o acordo obtido pela A tenha sido dado pelo seu marido, ao tempo sócio e gerente da B, ou que, diferentemente, o tenha sido pela B, através desse seu sócio gerente.<br>
Isto é, o referido interesse de gentileza tanto pode ter sido do marido da A como da B, neste caso exercitado através de um seu gerente. E esta última hipótese não é de descartar visto que, como se depreende dos autos, a A disse, ao prestar depoimento de parte, ser sócia da B; e, tendo isto sido posto em dúvida durante a audiência, veio a ser junta aos autos, a demonstrar tal facto, certidão de uma escritura pública pela qual aquela A comprou em 29/10/90 uma quota desta sociedade.<br>
Por outro lado, um acordo como o referido, a prestar por uma sociedade através de um sócio gerente, não carece de forma especial, pelo que é idóneo para colocar esta numa situação que a não responsabiliza directamente, apenas podendo vir a gerar, eventualmente, uma responsabilidade; ninguém pensará, supomos, em exigir que a ordem a um empregado para se deslocar ao serviço da sociedade num veículo desta teria que ser assinada por dois gerentes...<br>
Assim, tem que se entender que os factos apurados não afastam esta última hipótese, o que leva a que se conclua que a B não afastou cabalmente a pertinência, no caso, da ideia segundo a qual a propriedade do veículo coincide, até demonstração em contrário, com a direcção efectiva do veículo e com o interesse na sua circulação.<br>
Daí que, na falta dessa demonstração, se não possa acompanhar o acórdão recorrido quando afirmou ter havido um interesse meramente egoísta do casal, com exclusão de qualquer interesse próprio da B, nem quando daí retirou, correspondentemente, a desresponsabilização desta.<br>
Por isso a absolvição que nele se decretou quanto a esta ré não pode ser mantida.<br>
Concedendo-se a revista, revoga-se o acórdão recorrida na parte em que absolveu a B, ficando neste ponto a valer a condenação proferida na 1ª instância, com a única alteração, que se mantém, já decretada no acórdão recorrido quanto ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.<br>
Custas da revista pela recorrida.<br>
A "B" suportará ainda as custas da sua apelação.<br>
As custas da apelação do autor serão suportadas pelas aí recorridas.<br>
<br>
Lisboa, 6 de Dezembro de 2001<br>
Ribeiro Coelho<br>
Garcia Marques<br>
Ferreira Ramos</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
vDLiu4YBgYBz1XKv8E8X | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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"A" e mulher B propuseram contra "C - Sociedade de Construções, Lda.", acção pedindo se a condene a lhes pagar a quantia necessária para a realização das obras indispensáveis para tornar o seu prédio isento dos defeitos causados com a construção que ela leva a efeito no prédio contíguo, a repor a normalidade na meação existentes entre os lotes dos autores e da ré, retirando - 'demolindo parcialmente o seu prédio' (precisão que na réplica introduziu em esclarecimento ao pedido) - aquilo que da sua obra foi construído no lote dos autores, e a lhes pagar o montante respeitante à realização de despesas que se viram obrigados a realizar como consequência da sua acção danosa, valores ambos a liquidar em execução de sentença.<br>
Contestando, a ré impugnou, maxime para alegar que o 'prédio urbano' (questiona que o seja) não tinha a parede confinante e reconveio a fim de serem condenados a lhe pagar 1.500.000$00 de despesas que efectuou e que aos autores aproveitaram.<br>
Após réplica, no saneador, de que não houve recurso, improcedeu a reconvenção.<br>
Prosseguindo o processo até final, foi proferida sentença, que a Relação confirmou, a julgar parcialmente procedente a acção.<br>
Mais uma vez inconformada, pediu revista a ré concluindo em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- a questão principal resume-se essencialmente ao facto de a casa dos autores, do lado sul, não fechar com parede própria mas encostar à parede pertencente ao vizinho, resultando da resposta ao ques. 7º e das als. c) e e) que essa parede pertence exclusivamente à ré;<br>
- são factos notórios e do conhecimento geral que - na falta dessa parede sul, o prédio dos autores encostava e assentava na parede mestra do vizinho; que seria impossível à ré usar ou agir sobre a sua parede sem usar ou agir sobre a parede com que os autores fechavam ou completavam o seu prédio; e que, na falta do espaço, seria fisicamente impossível que os movimentos da parede trabalhada se não transmitissem para o outro lado da própria parede e, seguidamente, para outros pontos do prédio dos autores ligados àquele;<br>
- era lícito à ré tanto demolir a parede que lhe pertencia como nela fazer as obras que melhor entendesse;<br>
- é facto notório que, por mais cuidados que pudesse ter tido na realização da obra, forçosamente haveria danos no prédio dos autores e no outro lado da sua própria parede;<br>
- violado o disposto nos artºs. 483º, 1.305º e 1.344º, CC, e 668º-1 d), CPC.<br>
Contra-alegando, defenderam os autores a confirmação do julgado e a condenação da ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a 25.000 euros.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- os autores têm inscrito em seu nome o direito de propriedade sobre o prédio urbano respeitante a morada de casas térreas, sito na rua da ... - 662 e 664, S. Mamede de Infesta,<br>
b)- tendo-o arrendado a terceiros para aqueles fins, situação que ainda se mantém no presente;<br>
c)- no lote contíguo ao dos autores, localizado a sul do prédio referido na al. a), sito no gaveto da rua da ... com a rua da ..., encontra-se em fase de acabamentos um prédio de apartamentos que é propriedade e está ser construído pela empresa ré;<br>
d)- a ré avançou com a construção do prédio referido na al. c) cerca de 10 cms. sobre o lote propriedade dos autores, isto é, avançou e ultrapassou a separação e a meação existente entre os dois lotes,<br>
e)- construindo a empena e remate do prédio que levantou acima do rés-do-chão por cima do telhado da casa com o nº. de polícia 662;<br>
f)- com referência à data da propositura da acção (98.09.22), desde cerca de um ano antes, surgiram diversas fissuras e rachadelas nas paredes e tectos de parte do imóvel referido na al. a);<br>
g)- verificaram-se então cedências do telhado e tectos, que acarretaram infiltrações de água e humidades nas paredes e tectos do imóvel, oriundas do respectivo telhado;<br>
h)- enquanto subsistiram as infiltrações foi afectada a segurança do prédio, por perigo de queda dos tectos, resultando das manchas de humidade um aspecto degradado para o mesmo;<br>
i)- os autores tiveram conhecimento da situação por informação dos inquilinos do prédio;<br>
j)- as condições do imóvel descritas nas als. f) a h) foram causadas pelas obras de construção do prédio referido na al. c);<br>
l)- a parede que fazia o fecho do prédio dos autores pelo seu lado sul era parte integrante e parede mestra da construção que antes existia no prédio onde agora foi construído o edifício da ré - (resposta ao ques. 7º);<br>
m)- a ré protegeu a parte superior da empena norte do seu prédio, com lusalite, o que provocou o avanço descrito na al. d);<br>
n)- com a aplicação da lusalite, a ré pretendeu proteger a parte superior da empena norte do seu prédio e fazer um remate por forma a que o escorregamento da água recebida por essa empena se faça sobre o prédio dos autores, não atingindo a parte inferior dessa mesma empena norte;<br>
o)- o avanço referido na al. d) foi provocado pela lusalite, cuja aplicação foi uma forma adequada a proteger a empena norte do imóvel construído pela ré;<br>
p)- a fim de evitar a demolição da parede na parte usada pelos autores, a ré foi obrigada a fazer o seu prédio novo com base em pilares localizados nos extremos daquela parede que depois se unirem na parte superior (já acima da cobertura).<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- As conclusões do recurso delimitam o seu objecto pelo que os poderes de cognição do tribunal superior, salvo o caso de conhecimento oficioso, não se podem estender fora das mesmas.<br>
As conclusões são um resumo, uma síntese do que se expôs nas alegações.<br>
Não havendo correspondência entre as conclusões e as alegações - quer por estas não terem focado as questões referidas naquelas quer por as tendo focado nada se ter concluído sobre isso - o tribunal não pode conhecer dessas mesmas questões.<br>
A ré indicou como uma das normas violadas o artº. 668º-1, d), CPC. Porém nada assacou de nulidade ao acórdão nem por ela concluiu.<br>
<br>
2.- O acórdão confirmou a sentença.<br>
Esta julgou parcialmente procedente a acção contendo a condenação dois segmentos distintos - no pagamento de quantia ilíquida correspondente ao custo das obras necessárias a reparar os danos que concretamente enunciou; na remoção das placas de lusalite colocadas na empena norte e que se desenvolvem por cima do telhado da casa com o nº. 622 existente no prédio dos autores.<br>
Na revista deixou cair - muito embora invocando como norma violada o artº. 1.344º, CC, nada alegou nem concluiu -, ao contrário do quando apelou, o segundo segmento da parte decisória.<br>
Transitou.<br>
Como objecto do recurso a divergência relativamente ao primeiro segmento.<br>
<br>
3.- O Supremo Tribunal de Justiça é por natureza, estrutural e constitucionalmente, um tribunal de revista. Julga de direito, define e aplica o direito aos factos fixados pelas instâncias, em última palavra pela Relação.<br>
Esta, analisando a matéria de facto provada, contrariou a tese da ré quer em termos de nexo de causalidade e localização dos danos provocados (fls. 224, ao analisar a resposta ao ques. 6º, a al. j) supra) quer à existência ou não de parede no lado sul do prédio dos autores quer da propriedade da referida na al. l) supra (fls. 225, onde faz notar ser restritiva a resposta a esse ques. 7º e, subsidiariamente, apela ao disposto no artº. 1.371º, CC).<br>
Retirando esta última conclusão, porque conclusão de direito, restam as derivadas da análise das respostas aos quesitos 6º e 7º enquanto facto (facto como acontecimento da vida real, sendo que as conclusões de facto são ainda facto).<br>
Porque assim, o que a ré tem como 'questão essencial' (descrita na conclusão 1ª; mais à frente, noutro nº. deste acórdão ver-se-á a razão de ser das aspas pois que questão essencial não o é) não procede e, porque embora o STJ se possa servir de factos notórios (cfr., ac. de 02.01.29 in rec. 4.312/01), irreleva saber se as enunciadas pela ré o são ou não.<br>
Por outro, a materialidade fáctica que integra o nexo causal é matéria de facto, porém, saber se entre ela e o provado pelas instâncias como facto existe uma relação de causalidade adequada constitui matéria de direito e como tal cognoscível pelo STJ.<br>
A realidade, o facto concreto, determinável no seu conjunto e âmbito, susceptível de juízos empíricos, será causa adequada se, em abstracto e em geral, se revelar apropriado para provocar o dano (CC- 563º).<br>
São, pois, dois os momentos a considerar segundo a teoria da causalidade adequada - a existência (a sua fixação) de um facto concreto condicionante de um dano e revelar-se ele em abstracto e em geral apropriado para provocar o dano; ali, matéria de facto mas aqui, questão de direito.<br>
Posto isto, a pronúncia apenas poderá ser definir e aplicar o regime jurídico adequado à matéria de facto fixada pelas instâncias.<br>
<br>
4.- A actividade da construção civil, mormente quando se desenvolve em terreno que tem como contíguos outros fogos urbanos e a eles se vai «encostar», implica que o construtor se redobre em especiais cuidados a fim de não resultar daquela prejuízos para estes.<br>
Independentemente do que viesse a ser provado em audiência de julgamento, foi a ré quem denunciou o que ela tinha como realidade (e daí querer desde logo questionar se se estava face a um prédio urbano) - a falta, no prédio dos autores, da sua parede sul aproveitando-se a edificação deles da parede norte do prédio da ré - falta essa que conhecia e determinou que construísse o seu prédio com base em pilares localizados nos extremos daquela parede.<br>
Por outro, nesse mesmo articulado, a ré admitiu que da actividade que desenvolvia pudessem resultar consequências lesivas pelo que informou os autores e seu inquilino de uma das casas que se prontificava, verificada que fosse essa a causa, às reparações necessárias.<br>
Ainda que se viesse a provar o que a ré tinha como realidade, teria ela de demonstrar que empregara todas as providências exigidas pelas circunstâncias que conhecia com o fim de prevenir os danos (CC- 493º, 2).<br>
Para as poder demonstrar teria de, no mesmo articulado, alegar o pertinente e isso não ocorreu. Precludira-lhe esse direito.<br>
Isto é, por um lado, claudicou no ónus de afirmação; por outro, o que tem por questão essencial não o é.<br>
<br>
5.- A ré, para refutar a conclusão quer sobre o nexo causal quer sobre a culpa, apoiou-se em factos que não obtiveram acolhimento na materialidade fixada.<br>
As instâncias concluíram que, por efeito da actividade desenvolvida pela ré e modo em que o foi, o prédio dos autores sofreu fissuras e rachadelas nas paredes e tectos, cedência de parte do telhado e de partes dos tectos, manchas de humidades em paredes das habitações e aspecto degradado em consequência destas.<br>
A actividade desenvolvida pela ré revelou-se apropriada para provocar esses danos, foi a sua causa adequada (CC- 563º).<br>
A ré não ilidiu a presunção de culpa que sobre si, porque desenvolveu uma actividade que, em concreto, se devia qualificar de perigosa (sobre dever a actividade da construção civil urbana ser apreciada em concreto, daí se a qualificando ou não como actividade perigosa, cfr. ac. do STJ de 03.06.03 in rec. 1.577/03), impendia (CC- 493º, 2).<br>
Correcta a sua condenação no pagamento do custo das obras necessárias à eliminação de umas e reparação de outras consequências danosas.<br>
<br>
6.- Não há elementos para se concluir pela litigância de má fé.<br>
A actuação processual da ré conteve-se dentro dos limites da lealdade na defesa de tese que, embora insubsistente, não extravasou o admissível nem procurou entorpecer a administração da justiça.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela ré.<br>
<br>
Lisboa, 11 de Novembro de 2003<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Reis Figueira</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zTLwu4YBgYBz1XKvA1xJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<font>O Ministério Público propôs contra A acção de investigação de paternidade a fim de B, nascido em 93.10.20, na freguesia de S. Pedro, Figueira da Foz, filho de C, ser reconhecido como filho do réu.</font><br>
<font>Contestando, impugnou os factos, excepcionou a impossibilidade de procriar e deduziu incidente de falsidade do relatório do exame hematológico.</font><br>
<font>Respondeu o Mº Pº apenas ao arguido incidente.</font><br>
<font>Não admitido o incidente, prosseguiu o processo até final, procedendo, por sentença que a Relação confirmou, a acção.</font><br>
<font>Novamente inconformado, por continuar a defender não poder ser pai do menor, pediu revista, concluindo, em resumo, em suas alegações -</font><br>
<font>- provou-se, segundo o exame hematológico realizado no Instituto de Medicina Legal de Coimbra, por um lado, um grau de probabilidade de paternidade de 99,999987% e, por outro, que o réu é azoospérmico;</font><br>
<font>- o primeiro parâmetro situa-se no domínio das probabilidades, enquanto o segundo se situa no domínio do rigor científico;</font><br>
<font>- deriva deste último a certeza científica de que o réu não pode ter filhos, ilidindo-se a presunção de paternidade decorrente daquele primeiro factor;</font><br>
<font>- violado o disposto no art. 1871 n. 2 CC.</font><br>
<font>Contra-alegando, pugnou o Mº Pº pela confirmação do julgado.</font><br>
<br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<font>Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -</font><br>
<font>a)- em 1993.10.20 nasceu B, que foi registado como filho de C e sem menção de paternidade;</font><br>
<font>b)- no processo de averiguação oficiosa de paternidade foi julgada viável a propositura da presente acção;</font><br>
<font>c)- em Novembro de 1992, o réu e a mãe do B iniciaram um namoro que se prolongou até Junho de 1993;</font><br>
<font>d)- durante tal período e desde o seu início, mantiveram entre si, repetida e assiduamente, relações de cópula,</font><br>
<font>e)- nomeadamente, entre os dias 24 de Dezembro de 1992 e 22 de Abril de 1993,</font><br>
<font>f)- relações estas que a C manteve em exclusivo com o réu,</font><br>
<font>g)- e em consequência das quais nasceu o menor B;</font><br>
<font>h)- o réu sofre de azoospermia.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<font>1.- Contrariamente ao defendido no processo, o réu, quando alegou a impossibilidade de gerar, colocou um facto impeditivo do direito invocado pelo Mº Pº, excepcionou. Todavia, por se estar face a acção sobre o estado das pessoas, a falta da réplica não é sancionada com o efeito cominatório.</font><br>
<font>Porém, os mesmos interesses públicos subjacentes prosseguidos por este tipo de acção, que impõem a averiguação porfiada para uma atribuição de paternidade de modo a defender a identidade e os interesses fundamentais do menor e a responsabilizar o autor da procriação, impõem que se alcance, na medida do possível, uma solução na base do rigor científico.</font><br>
<font>A paternidade biológica assenta, antes de mais, na prova do acto de fecundação, sendo que o concretamente alegado tanto pode ser, cientificamente e num grau de probabilidade assaz elevado, provado como afastado. A evolução da ciência, nomeadamente no campo da genética e da medicina legal, aconselham, quase que impositivamente, que se remeta a prova testemunhal para o campo circunstancial, prova já em si muito falível, e que o tribunal, para administrar justiça nesta matéria, se muna de meios e conhecimentos científicos a que normalmente não tem de recorrer.</font><br>
<font>Por isso, mais do que resolver a questão «exclusividade (das relações no período legal de concepção) - impossibilidade de procriar» em função do ónus da prova, há que pesar os elementos científicos constantes do processo e referidos na fundamentação do acórdão do facto.</font><br>
<font>2.- O réu excepcionou a impossibilidade de procriar por sofrer de azoospermia (não possuir espermatozóides), na sequência do processo evolutivo da doença, na infância, do tresorelho, mais tarde aliada a varicocelo (cont- 26 a 28) e, ao seu articulado, juntou relatório de exame bacteriológico de 94.03.04/08 (espermograma) onde se lê, a dada altura «exame microscópico - contagem - ausência de espermatozóides» (fls. 20).</font><br>
<font>Transcreve-se o quesito 6º, único que obteve resposta limitativa (é a al. h)) tendo os restantes obtido resposta afirmativa (são as als. c) a g)) -</font><br>
<font>«Desde há anos, nomeadamente desde data anterior a Dezembro de 1992, que o réu sofre de azoospermia?»</font><br>
<font>Fundamentação do acórdão do facto - o depoimento da testemunha C (mãe do menor) e "....." (entidade patronal da mãe do menor) e os exames de fls. 6/7 e 88/91 (quanto a estes, o acórdão refere - «a contribuírem para a determinação da paternidade do réu, em relação ao autor, pese embora a azoospermia que àquele é atribuída» (fls. 98).</font><br>
<font>O exame de fls. 6/7, hematológico realizado na fase processual da averiguação oficiosa pelo IML de Coimbra, nada refere em termos de espermograma e dá uma probabilidade de paternidade de 99,968%.</font><br>
<font>O exame de fls. 88/91, já na fase judicial pelo mesmo IML, refere, no espermograma, a ausência de espermatozóides (azoospermia) e, quanto a nº de células redondas, menos de 1 milhão/ml. De seguida acrescenta - «Apesar dos resultados anómalos deste espermograma estarem aparentemente em desacordo com os da investigação da paternidade, anteriormente obtidos e enviados em relatório a esse Tribunal, informamos: </font><br>
<font>1 - Não são conhecidas nem a causa nem a data da deficiência observada no espermograma. </font><br>
<br>
<font>2 - Apesar da inexistência de espermatozóides maduros têm vindo a ser descritos casos, quer na bibliografia científica e até mesmo nos ‘media’, que demonstram ser possível haver fecundação através de células germinais imaturas precursoras dos espermatozóides, ou seja dos espermatídeos redondos sem cauda» (exame de 98.09.23 - fls. 81; relatório de 00.05.19).</font><br>
<font>Da ‘bibliografia científica’ apenas cita uma passagem de um artigo (de que ora se junta fotocópia); nos ‘media’ cita haver duas notícias num jornal diário.</font><br>
<font>Após isto, «atendendo à peculiaridade do processo em apreço (aparentemente com resultados opostos) procedemos à repetição das análises da investigação da paternidade biológica ... e os resultados foram absolutamente coincidentes com os anteriormente obtidos. 4 - Alargamos o estudo anterior identificando outros marcadores autossómicos do DNA, ..., isto é, com base nestes 9 novos marcadores também não se exclui A da paternidade biológica que lhe é atribuída e probabilidade de paternidade de W=99,9968% atinge agora o valor de W=99,999987%, tendo em conta o cálculo estatístico anterior acumulado com os novos marcadores».</font><br>
<font>Na sentença, é referida a matéria de facto dada como provada, a ausência de presunção legal de paternidade e a prova biológica por meios laboratoriais, tendo o autor provado a exclusividade do trato sexual (fls. 101 e vº).</font><br>
<br>
<font>A Relação, na matéria que ora interessa, considerou que o réu não provou que a sua azoospermia precedia o período legal de concepção e deu realce ao grau de probabilidade a que chegou o exame de fls. 88/91.</font><br>
<font>3.- Nem a lei vincula a prova da paternidade a certo meio nem confere ao relatório do IML força inabalável (CPC- 722,2).</font><br>
<font>Tem assim o STJ de aceitar a matéria de facto tal como foi fixada nas instâncias (CPC- 729,1), salvo se ocorrer contradição que inviabilize a decisão jurídica do pleito (CPC- 729,3; pode, apesar de a aceitar, ordenar a ampliação da decisão do facto, quando o possa e deva ser, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito).</font><br>
<font>O 2º relatório do IML, de 00.05.19, no que ao espermograma respeita, deixa atónito o tribunal na sua fundamentação científica - não são notícias nos ‘media’ que lhe podem conferir rigor nem base sólida. Estas poderão induzir os investigadores ao aprofundamento dos conhecimentos em ordem a uma pesquisa séria e controlada laboratorialmente. Os ‘media’ informam, o investigador pesquisa e os peritos procedem aos exames e elaboram os respectivos relatórios com base em estudos científicos que têm por mais fidedignos e melhor alicerçados cientificamente (dentro do campo informativo, juntam-se 2 fotocópias de 2 artigos publicados sob a sigla ‘Ciência’ nos jornais Público de 95.05.21 e 99.04.02; opera--se à junção apenas na medida em que contêm a indicação de mais especialistas e material cuja consulta e estudo se poderá revelar de grande utilidade para a decisão).</font><br>
<br>
<font>Este exame revelou que a azoospermia de que o réu sofre se traduz na ausência (total - 0.00 milhão/ml) de espermatozóides e não na sua simples diminuição, não num déficit (em quantidade e/ou qualidade).</font><br>
<font>Ainda no que ao espermograma respeita, cita parte de um artigo mas abdica de toda e qualquer análise crítica científica quando reconhece (afirma) que na bibliografia científica - na edição de 1999, do livro que refere - (e nos ‘media’) são descritos casos, ou seja, não se trata da normalidade.</font><br>
<font>Sendo assim, importava que, para a conclusão deste exame, tivesse sido efectuado um outro complementar em que a história clínica do réu fosse levado ao conhecimento do perito e que, do relatório, constasse uma discussão quer sobre a potencialidade geradora dos espermatídeos redondos sem cauda, de modo a que o tribunal pudesse valorar correctamente os resultados (no fundo, não foi incidente de falsidade mas um questionar o valor científico e probatório do exame, tendo-se-o por incompleto) quer sobre o que a história clínica permitia concluir e desde quando.</font><br>
<font>Este exame veio confirmar o resultado do exame laboratorial (de 1994) junto pelo réu com a sua contestação. Ainda que a resposta limitativa ao quesito 6º tivesse recuado temporalmente à data do mesmo, deixaria intocada a época que realmente interessava - o período legal de concepção.</font><br>
<font>4.- O modo como o IML de Coimbra se expressou sobre os espermatídeos redondos sem cauda revela que os conhecimentos científicos estão, nessa matéria, numa fase que se pode ter como primária, onde a nebulosidade é a maneira mais correcta para expressar o seu grau actual.</font><br>
<font>Sugere ainda outra consideração - a fase não só é ‘experimental’ como a confirmação da possibilidade de uns concretos espermatídeos, os de determinado homem, terem fecundado um óvulo terá de ser feita caso a caso e através de meios adequados, inclusive, se necessários, médico-cirúrgicos. O exame hematológico, por mais marcadores genéticos empregues, não permitirá, em casos destes, concluir, com segurança, se a hipótese que lhes é presente cai na franja não abrangida pelo grau de probabilidade.</font><br>
<font>Ainda sem que daí se pudesse estar a retirar conclusões para a resolução do litígio, da análise crítica do relatório do IML relativo ao espermograma ficar-nos-iam apontadas três possibilidades.</font><br>
<font>- se os espermatídeos redondos sem cauda puderem fecundar o óvulo e se for possível prová-lo na reprodução natural, a acção deverá desde já ser julgada e o acórdão confirmado;</font><br>
<font>- se os espermatídeos redondos sem cauda não puderem dar origem à fecundação ou se não for possível prová-lo quando a reprodução seja natural e a se provar que a azoospermia é anterior àquele período, as respostas aos quesitos 4º e 5º (as als. f) e g)) não se poderão manter, serão contrariadas por aquelas e a do quesito 6º não poderá ser restritiva;</font><br>
<font>- se os espermatídeos redondos sem cauda não puderem dar origem à fecundação mas se não se provar que a azoospermia é anterior àquele período, a insatisfação do ónus da prova conhecerá as suas consequências.</font><br>
<font>O interesse público - quer na administração da justiça quer os subjacentes à atribuição da paternidade - impõe, apesar do teor da resposta ao quesito 6º, a ampliação da decisão de facto com a quesitação da matéria constante dos arts. 26 e 27 da contestação (CPC- 729,3).</font><br>
<font>Porém, mais que ampliar, há uma discussão científica a fazer para a resposta correcta e ponderada quer a essa matéria quer à interpretação de espermograma e essa apenas pode ser realizada por especialistas e não pelas testemunhas ouvidas.</font><br>
<font>Não deve impressionar o elevado grau de probabilidade já que, a se provar a segunda hipótese antes apontada, a paternidade atribuída ao réu terá de ser excluída, a hipótese cai naquela franja, muito embora esta seja ínfima.</font><br>
<font>Será então o princípio da verdade material a reclamar a anulação do julgamento e, sem prejuízo, da realização, ainda que oficiosa, das diligências adequadas à sua descoberta.</font><br>
<font>Porém, é esse mesmo princípio aliado ao contributo que a ciência pode e deve fornecer que impõe se prossiga na análise crítica da prova a fim de se definir o direito aplicável caso a apontada como primeira possibilidade deva ser afastada e haja de fazer baixar o processo (CPC 730,1).</font><br>
<br>
<font>5.- Com este tipo de processos procura-se conhecer a filiação biológica e, através dela, estabelecer juridicamente a paternidade que, in casu, vem atribuída ao réu.</font><br>
<font>Há, portanto, como que um apelo directo e significativo a meios científicos de prova, e se é permitido afirmá-lo, a lhes conferir um valor «prevalente» sobre outros menos rigorosos e aleatórios como o testemunhal.</font><br>
<font>Na realidade, está-se no domínio de uma disciplina em que o conhecimento científico, pelo rigor que ele próprio de si exige e ainda por se inserir num contínuo processo evolutivo de pesquisa e estudo, desperta e merece um grau de confiança que se sobrepõe àquele outro meio de prova.</font><br>
<font>A validade desta afirmação pressupõe, claro, que tenha havido ou possa haver recurso a tais meios.</font><br>
<font>Todavia, o conhecimento científico não comporta em si um valor absoluto - inserindo- -se num processo de pesquisa e em permanente evolução, não se pode dizer que, no domínio A ou B, se esgotou, que a conclusão atingida é imutável, que não pode sofrer aperfeiçoamentos nem alterações. Não há que falar em conhecimento científico acabado, portanto.</font><br>
<font>Mesmo em relação a cada momento não se pode nem deve ter como indiscutível quer o conhecimento científico quer a sua interpretação quer o seu resultado. Desde logo a diversidade quer de investigadores quer de meios evidencia o relativismo apontado.</font><br>
<font>Meios científicos no presente processo - 2 espermogramas e 2 exames hematológicos (testes de ADN).</font><br>
<br>
<font>O primeiro espermograma é confirmado pelo segundo (na conclusão de azoospermia, na modalidade de ausência total de espermatozóides), mas este acrescentou-lhe a presença, nalguma quantidade, de espermatídeos redondos sem cauda, os «percursores dos espermatozóides».</font><br>
<font>O segundo exame hematológico não cuidou de repetir o primeiro quanto aos mesmos marcadores genéticos. Limitou-se a ter por bom o resultado do primeiro, acrescentando-lhe o resultado a que chegou através do recurso a 9 novos e diferentes marcadores.</font><br>
<font>Mais. Insiste em se pronunciar, em matéria de grau de probabilidade de atribuição de paternidade, segundo a mesma escala (HUMMEL) - que na normalidade dos casos se tem revelado suficiente - quando o caso sub iudice, pela sua particularidade, conhecida do IML, aconselhava também o estudo segundo uma outra escala como a de ESSEN-MÛLLER, escala essa onde os valores, em ordem de grandeza, questionam fortemente o rigor daquela outra.</font><br>
<font>6.- É do conhecimento geral que para haver «fecundação é indispensável que o homem produza espermatozóides em quantidade e qualidade adequadas ...». «Aquando de uma relação sexual são depositados cerca de 200 milhões de gâmetas masculinos na vagina. Porém, apenas quatro milhões atingem o colo uterino e destes só milhares alcançam a trompa, sendo um único capaz de fecundar». «A fecundação ocorre como resultado da penetração de um único espermatozóide na membrana pelúcida do ovócito» (Agostinho e Teresa Almeida Santos in ‘Esterilidade, Infertilidade e Procriação medicamente assistida’ in «Bioética», p. 267 e 268).</font><br>
<font>Também é do conhecimento geral que, no sentido de ultrapassar a falência de processo reprodutivo, o processo mais revolucionário e mais divulgado é a fecundação in vitro e a transferência de embriões.</font><br>
<br>
<font>«Na técnica in vitro apenas são necessários alguns milhares de espermatozóides para fecundar cada ovócito, ao contrário do que sucede na reprodução natural em que são necessários dezenas de milhões» (auts. e op. cits., p. 273).</font><br>
<font>Os avanços da ciência de procreática conduziram inclusive a hipóteses aliciantes (não importa agora comentar do seu sucesso ou insucesso) a «seleccionar os espermatozóides com mais capacidade fecundante de um conjunto genericamente deficitário e, com tais gâmetas masculinos, procurar fecundar, in vitro, ovócitos recolhidos de folículos ováricos maduros» (idem).</font><br>
<font>Por outras palavras, quer na reprodução natural quer na terapêutica de procriação assistida, requer-se a presença de espermatozóides, em quantidade (mais ali do que aqui) e dotados de capacidade fecundante.</font><br>
<font>Mesmo quando se apresenta «realizável a fecundação de um óvulo apenas por um espermatozóide previamente seleccionado» (ibid., p. 280) - a realizar por inseminação intracitoplasmática - está-se a requerer a presença de espermatozóide.</font><br>
<font>Regressemos agora aos factos constantes dos autos - reprodução natural (nunca se fala em fertilização assistida e a resposta aos quesitos só para aquela apontam) e azoospermia (na modalidade de ausência total de espermatozóides).</font><br>
<font>A azoospermia do réu era conhecida, pelo menos, desde princípio de Março de 1994 e o menor nasceu na segunda metade de Outubro de 1993.</font><br>
<font>A menos que a disfunção genética masculina tenha resultado de uma causa traumática profunda (e nada foi alegado nesse sentido), o distúrbio ou é congénito ou é consequência de certas doenças sofridas (o réu alegou o ‘tresorelho’ a que, mais tarde, se seguiu o varicocelo, ambas elas com capacidade para desencadear, como sua consequência, a esterilidade masculina por azoospermia).</font><br>
<font>A esterilidade masculina não é in casu por deficiente produção de espermatozóides em número e qualidade, mas por ausência de espermatozóides.</font><br>
<font>Não se compreende assim como se não quesitou a causa alegada da azoospermia, de que o réu logo juntou documento comprovativo.</font><br>
<font>Compreende-se mal - sem prejuízo do referido no § final do ponto nº 3; o juízo sobre a prova é distinto do juízo sobre a (in)suficiência do facto (aquele cabe à decisão de facto e este à decisão de direito) - também a resposta restritiva ao quesito 6º quando havia elementos para ter feito recuar o conhecimento do facto, pelo menos, a Março de 1994.</font><br>
<font>Não se compreende ainda quando, face aos espermogramas (dois) nos autos, a não se ter oposto qualquer causa traumática profunda (só uma posterior ao início do período legal de concepção interessaria) e ao conhecimento de que o caso não era de fertilização ou procriação assistida, a resposta a esse quesito (bem como a anterior sobre a exclusividade das relações) prescinde dos meios científicos (sobre o valor dos exames hematológicos in casu já nos pronunciamos acima) e só pôde ter assentado na prova testemunhal.</font><br>
<br>
<font>7.- O IML de Coimbra diz serem conhecidos casos em que os espermatídeos redondos sem cauda fecundaram e cita um livro de Medicina Legal.</font><br>
<font>A leitura do artigo citado pelo IML (ora mandado juntar por fotocópia) apenas relata um caso e nele não se refere qual a modalidade de azoospermia (ausência total ou produção deficiente de espermatozóides?) nem se afirma desde quando sofria do distúrbio (apenas que o pretenso pai - o marido - referiu ter dois filhos, cujas idades importaria conhecer mas que o relato do caso omite, e que desde há 10 anos sofre de azoospermia). Exemplo nada conclusivo para o presente caso, com ele apenas se mostra aparentado em referir azoospermia e a referência pelo pretenso pai a varicocelo).</font><br>
<font>Este artigo limita-se a relatar um único caso sem, contudo, abrir qualquer discussão, científica ou não, sobre ele.</font><br>
<font>O estádio actual da Andrologia e da Genética (lato sensu), em tal domínio, é, como se referiu, bastante incipiente, muito especialmente entre nós (com um certo desenvolvimento, v.g., E.U.A). Aliás, é ainda isso que resulta da sugestão final que naquele caso citado - sugerido «que para su mayor seguridad y tranquilidad realizaran una paternidad postnatal en el laboratorio de su elección» (p. 537).</font><br>
<font>Para se poder saber se, in casu, a linha germinal está mantida é imperativa uma biopsia testicular (imperativa para efeitos de conhecimento, o que é diverso de poder ser imposta ao pretenso pai).</font><br>
<font>Sem ela e sem um resultado positivo dela, não há prova testemunhal alguma que possa ser determinante, em caso de azoospermia (na modalidade de ausência total de espermatozóides) anterior ao período legal de concepção mas existindo espermatídeos redondos sem cauda, no sentido da atribuição de paternidade. Mesmo com um resultado positivo, na medida em que se não trata de fertilização assistida (diverso seria se fosse caso de inseminação intracitoplasmática), é de questionar se apenas poderá haver dúvida, excluindo-se o poder haver uma certeza ou quase certeza.</font><br>
<br>
<font>Com efeito, como resulta quer da leitura dos meios acima referidos quer ainda de um estudo publicado na Acta Urológica Portuguesa, vol. 11, nº 1/2 (1994) - publicação de difusão científica da Associação Portuguesa de Urologia, ‘Estudos Meióticos na Infertilidade Humana’ de Maria Cristina Rosamund Pinto, M. L. Correia e A. P. Pinto de Carvalho importa reter que basta só um espermatozóide para a reprodução intracitoplasmática, havendo ainda que frisar que esta técnica é aplicada nos indivíduos cujo espermograma revela uma azoospermia (ausência total de espermatozóides no espermograma, embora a linha germinal esteja mantida no epidídimo, o que se comprova mediante uma biópsia testicular) - junta-se fotocópia do artigo.</font><br>
<br>
<font>8.- Com isto, não é o princípio da livre apreciação da prova (CPC- 655,1) que se está a pôr em crise mas tão somente a se proceder àquilo que não foi mas devia ter sido feito pelas instâncias - o exame crítico da prova (CPC- 659,3).</font><br>
<font>Face ao exposto, não é possível manter as 3 anteriormente apontadas possibilidades.</font><br>
<font>No estádio actual do conhecimento científico, afigura-se ser de excluir a possibilidade de se provar, em caso de reprodução natural, sofrendo o pretenso pai de azoospermia (na modalidade de ausência total de espermatozóides), à data do início do período legal de concepção da mãe da criança, que a fecundação possa provir de espermatídeos redondos sem cauda vertidos durante as relações sexuais.</font><br>
<font>Resta, pois, investigar a causa da disfunção comprovada e desde quando ela existe.</font><br>
<font>Para o efeito, o réu produziu articulação suficiente e não foi contraposta qualquer outra origem nem o distúrbio surge sem explicação (não há que ignorar a normalidade da vida).</font><br>
<font>Apresenta-se fundamental, pois, conhecer a história clínica do réu e a sua articulação com a azoospermia comprovada, conhecimento por que o tribunal deve diligenciar ainda que, para tanto, seja necessário recorrer aos seus poderes de instrução quer a título principal quer para complementar uma outra prova produzida.</font><br>
<br>
<font>A decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se anula o acórdão e se ordena a remessa do processo à Relação para aí, se possível pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores que intervieram no anterior julgamento, ser de novo julgada a causa.</font><br>
<font>Custas a final.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 2 de Abril de 2002</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Ribeiro Coelho,</font><br>
<font>Garcia Marques.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ZDLYu4YBgYBz1XKvHkke | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br>
<br>
<font>"A" propôs contra Companhia de Seguros B, acção a fim de por esta ser indemnizada em 148.743.892$00, acrescidos de juros de mora desde a citação, e em quantia a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, actuais e futuros, que directamente lhe foram causados quando, cerca das 2 h do dia 99.06.09, na E.N. 18, ao km. 29, em Orgais, Covilhã, o veículo automóvel JN, onde era transportada gratuitamente, conduzido, sob direcção e no interesse do proprietário (C), por D que, por circular distraído, em excesso de velocidade e com falta de cuidado e de prudência, se despistou, tendo sido o único culpado e causador do acidente; a responsabilidade civil emergente da circulação do JN estava transferida para a ré.</font><br>
<br>
<font>Contestando, a ré defendeu-se por impugnação e alegou já ter efectuado pagamentos (1.200.000$00) por conta da indemnização, além das rendas mensais que à autora está a liquidar por força da providência cautelar apensa.</font><br>
<br>
<font>Após réplica, prosseguiu a acção até final onde foi proferida sentença a condenar a ré a pagar à autora 44.821.812$00, acrescida de juros de mora desde a sua prolação, deduzindo-lhe o montante recebido no âmbito da providência cautelar, e o que, a título de danos futuros, for liquidado em execução de sentença.</font><br>
<br>
<font>Apelou a autora, com parcial êxito, pois a Relação, quanto ao valor líquido, elevou-o para 409.087,16 € passando a condenação na diferença a vencer juros de mora a partir do acórdão, salvo os que recaem sobre o montante de 9.087,16 € (desde a citação).</font><br>
<font>Pediram revista autora e ré, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<br>
<font>A)- a autora -</font><br>
<font>- as sequelas resultantes das lesões de que ficou a padecer para toda a vida provocam-lhe uma IPP de 91%, a incapacidade para qualquer tipo de actividade, a necessidade de permanentemente manter apoio médico e ajuda de uma terceira pessoa que, de início foi sua mãe e desde Novembro passou a ser um terceiro a quem começou a pagar mensalmente 399,04 €;</font><br>
<br>
<font>- para poder cuidar de si e a acompanhar são precisas, pelo menos duas pessoas pelo que para indemnizar este dano é inteiramente justa e equitativa a quantia de 246.406,74 €;</font><br>
<br>
<font>- a sua mãe, que trabalhava à data do acidente, desempregou-se para poder cuidar de si pelo que, conquanto se não tenha apurado o seu salário, direito a ser indemnizada («indemnizá-la não é pagar uma indemnização em dobro, pois tem estado a pagar a uma única pessoa, por causa do esforço e sacrifício indescritíveis que tem feito»);</font><br>
<br>
<font>- à data do acidente tinha 18 anos, era estudante do Instituto Politécnico da Guarda;</font><br>
<br>
<font>- a normalidade dos vencimentos auferidos pelos licenciados e sua evolução implica que se tenha como mais justo, adequado e razoável o salário mensal de 1.000 € e se fixe a indemnização devida por lucros cessantes em 360.216,69 €;</font><br>
<br>
<font>- a autora não optou por uma indemnização actualizada mas por pedir juros moratórios e o acórdão recorrido não proferiu, de um modo concreto e explícito, decisão actualizadora, pelo que são devidos juros moratórios a partir da citação;</font><br>
<br>
<font>- violado o disposto nos arts. 495 n. 2 seguramente por lapso, escreveu 595 n. 2), 562, 563, 564, 566 n. 2, 798 e 804 CC.</font><br>
<br>
<font>B) - a ré -</font><br>
<font>- não obstante a gravidade dos danos em termos de perda de capacidade de ganho, o valor indemnizatório fixado na sentença por este dano revela-se, em termos de previsibilidade e de futura normalidade, mais ajustado e atento ao juízo de equidade, critério determinante e orientador na obtenção do quantum indemnizatório;</font><br>
<br>
<font>- a autora, atenta a gravidade das lesões sofridas, necessita efectivamente do apoio de uma terceira pessoa mas o montante arbitrado é exorbitante devendo ser reduzido para o valor atribuído na sentença;</font><br>
<br>
<font>- por razões de justiça, proporcionalidade e adequação e comparando-se com o direito à vida, deverá, não obstante a gravidade dos danos que afectam a autora, a compensação atribuída pelos danos não-patrimoniais ser o arbitrado na sentença;</font><br>
<br>
<font>- violado o disposto nos arts. 496, 564 e 566 CC.</font><br>
<font>Contraalegando, autora e ré pugnaram pela improcedência do contrário.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Da matéria de facto considerada provada pelas instâncias apenas se deixa descrita aqui a que interessa aos recursos de revista -</font><br>
<font>a)- na altura do acidente (99.06.09) a autora tinha 18 anos, era estudante do Instituto Politécnico da Guarda onde frequentava o 1º ano do curso de Comunicação e Relações Comerciais e vivia às custas de seus pais;</font><br>
<br>
<font>b)- em consequência do acidente a autora sofreu traumatismo crâneo-encefálico grave com perda de consciência (estado de coma de Glasgow = 6, com olhos fechados, localizando a dor e anisocoria pupilar D > E desigualdade das duas pupilas) e traumatismo da bacia com fractura dos ramos íleo e íqueo-púbico à direita;</font><br>
<br>
<font>c)- do local do acidente foi transportada para o Serviço de Urgência do Hospital da Covilhã e depois transferida para os Hospitais da Universidade de Coimbra, ficando internada na Unidade de Cuidados Intensivos;</font><br>
<br>
<font>d)- inicialmente esteve com entubação oro-traqueal e ventilação assistida, tendo sido traqueostomizada, incisão da traqueia com sutura dos lábios da incisão à pela, para introdução de cânula permanente, desenvolvendo uma pneumonia nasocomial que foi debelada;</font><br>
<br>
<font>e)- em 99.06.29 teve alta do U.C.I. e passou para o Serviço de Neurologia do mesmo Hospital;</font><br>
<br>
<font>f)- à entrada nesse hospital apresentava alterações de consciência (escala de Glasgow =10, com olhos abertos, localizando a dor e anisocoria pupilar D > E), mantendo-se traqueotomizada e apresentava acentuada esposticidade em todos os membros, traduzindo lesões do tronco cerebral;</font><br>
<br>
<font>g)- em 99.07.14 foi encerrada a traqueostomia, em 99.07.29 foi internada no Serviço de Medicina Física e de Reabilitação e em 99.10.22 teve alta do internamento do M.R.F., passando a ser tratada no regime ambulatório e beneficiando também de tratamento fisiátrico no domicílio;</font><br>
<br>
<font>h)- decorridos 21 meses do acidente apresentava as seguintes sequelas - tetraparesia espática grave secundárias a lesão cerebral, afasia com elevado grau de dificuldade de se fazer compreender, disfunção esfincteriana acentuada, ano-rectal e vesicular, desmineralização generalizada dos dentes em relação com a situação de coma prolongado, diversas cáries e estenose parcial simples da traqueia, sem disfonia e sem dispneia, que lhe provocam uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 91% e a deixam totalmente incapaz para qualquer tipo de trabalho, ocupação ou actividade;</font><br>
<br>
<font>i)- a autora necessitará de manter continuadamente o apoio da medicina física e de reabilitação em diversos domínios como a terapia da fala, o controlo de esfincteres e a recuperação motora, funcional, bem como o uso de fraldas no seu dia-a-dia;</font><br>
<br>
<font>j)- era saudável, fisicamente bem constituída, alegre, jovial, com um feitio sociável e expansivo, tinha uma figura agradável e bonita e um rosto simpático, e um corpo bem feito e atraente;</font><br>
<br>
<font>l)- tem a consciência de que nunca mais na sua vida irá recuperar a sua independência funcional, constituir família e ter filhos;</font><br>
<br>
<font>m)- necessita permanentemente da ajuda de terceira pessoa, 24 horas sobre 24 horas, para se levantar, deitar, vestir, despir, que a leve à casa de banho, lavar, dar banho, mudar as fraldas e os pensos, que lhe meta a comida na boca, que lhe lave os dentes;</font><br>
<br>
<font>n)- a mãe da autora deixou de trabalhar - trabalhava em casa como costureira de acabamentos de roupas para crianças, para Varela & Macedo - para poder cuidar e acarinhar a autora e como não podia, sozinha, fazer todos os serviços de que a autora precisa, contratou uma terceira pessoa a quem, desde Novembro de 1999, tem estado a pagar 80.000$00/mês;</font><br>
<br>
<font>o)- a mãe da autora nasceu em 59.10.19.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Em crise apenas os valores indemnizatórios pelo que oferece interesse a síntese dos valores parcelares, dos pedidos e dos atribuídos -</font><br>
<font>a)- os pedidos (valor global do pedido 148.743.892$00 / 741.931,41 €) -</font><br>
<font>- pela perda da capacidade de ganho - 72.043.933$00 (359.353,62 €)</font><br>
<font>- para pagamento do acompanhamento necessário por duas pessoas - 49.401.147$00 (246.411,88 €);</font><br>
<font>- pela perda de ganho da sua mãe - 3.300.000$00 (16.460,33 €);</font><br>
<font>- pago a terceira pessoa acompanhante desde Novembro 99 até à propositura da acção - 1.680.000$00 (8.379,80 €);</font><br>
<font>- pelos danos não-patrimoniais - 20.000.000$00 (99.759,58 €).</font><br>
<font>b) - atribuídos na sentença -</font><br>
<font>- pela perda da capacidade de ganho - 20.000.000$00 (99.759,58 €);</font><br>
<font>- para pagamento do acompanhamento necessário por terceira pessoa - 8.000.000$00 (39.903,83 €);</font><br>
<font>- pela perda de ganho da sua mãe - nada;</font><br>
<font>- pago a terceira pessoa acompanhante desde Novembro 99 até à propositura da acção - nada;</font><br>
<font>- pelos danos não-patrimoniais - 15.000.000$00 (74.819,68 €).</font><br>
<font>c) - atribuídos no acórdão recorrido -</font><br>
<font>- pela perda da capacidade de ganho - 200.000 €;</font><br>
<font>- para pagamento do acompanhamento necessário por duas pessoas - 100.000 €;</font><br>
<font>- pela perda de ganho da sua mãe - nada;</font><br>
<font>- pago a terceira pessoa acompanhante desde Novembro 99 até à propositura da acção - nada;</font><br>
<font>- pelos danos não-patrimoniais - 100.000 €.</font><br>
<br>
<font>Apelando, o dano valorado em 8.379,80 € deixou de ter autonomia não sendo claro se a autora o passou a englobar na verba pedida de 246.411,88 € e, em relação à perda de ganho da sua mãe, concluiu que devia a sua liquidação ser relegada para execução de sentença.</font><br>
<font>Na revista que interpôs, a autora omitiu qualquer conclusão sobre o dano valorado em 8.379,80 € e, em relação à perda de ganho da sua mãe, apenas formulou a conclusão acima alinhada em 3º lugar.</font><br>
<br>
<font>Desta enunciação resulta que no objecto da revista não foi incluído o dano valorado em 8.379,80 €.</font><br>
<font>Em relação à perda de ganho da sua mãe, a autora não alegou um dano seu, pelo que lhe falece legitimidade para o peticionar - não basta alegar que se economicamente pudesse lhe teria pago ou que tem intenção de, quando puder, a indemnizar pelo ganho perdido para a acompanhar e lhe assistir. Embora sofrendo por reflexo um dano, porque quem tem direito à indemnização por esse concreto dano é sua mãe (CC - 495, n. 2) a ela cabe exercer o direito, o que, através desta acção, não ocorreu.</font><br>
<font>Posto isto, dado o objecto nas duas revistas ser em parte coincidente, conhecer-se-á de ambas em conjunto nesse tocante.</font><br>
<br>
<font>2.- A equidade está in casu presente no critério, informando-o, para essa fixação seja da compensação pelos danos não-patrimoniais seja da indemnização devida pelos lucros cessantes seja da devida pelo dano expresso pelo pagamento do acompanhamento necessário por duas pessoas.</font><br>
<font>A jurisprudência socorre-se, quanto à indemnização pela perda de ganho - e o mesmo vale para o outro dano patrimonial a aqui indemnizar, de vários auxiliares (tabelas financeiras entre eles) a nenhum atribuindo valor absoluto, a nenhum reconhece a possibilidade de afastar o relativismo próprio da concreta situação e do seu julgamento, sem que isso signifique fazer futurologia. Esse relativismo será em certa medida minorado se o lesado requerer que a indemnização lhe seja atribuída em forma de renda (CC - 567), o que não sucedeu na presente acção.</font><br>
<br>
<font>Não divergem as partes nem as instâncias quanto aos vários itens a considerar, embora umas acentuando mais que outras o valor a dar ao salário mensal a ter em conta e ao tempo de vida útil a projectar sobre aquele. É preciso ainda ter presente o duplo objectivo perseguido na ressarcibilidade dos danos não-patrimoniais e estabelecer um juízo comparativo com a orientação que o Supremo Tribunal de Justiça tem, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, apontado em termos quer de avaliação quer de valoração de danos.</font><br>
<font>O sentido da realidade e do equilíbrio, que o juízo de equidade não dispensa, afasta da fixação do quantum indemnizatório quer a ideia de miserabilismo quer a de negócio.</font><br>
<br>
<font>3.- Para avaliação dos danos patrimoniais, têm-se em consideração a seguinte matéria de facto provada -</font><br>
<font>- a autora tinha à data do acidente (99.06.09) 18 anos, frequentava o 1º ano do curso de Comunicação Social e Relações Comerciais no Instituto Politécnico da Guarda, as lesões que em virtude daquele acidente sofreu deixaram sequelas que lhe determinaram a incapacidade total para qualquer tipo de actividade, ocupação ou trabalho e que requerem necessariamente um acompanhamento permanente e continuado, presumivelmente, durante toda a sua vida; vivia àquela data à custa de seus pais.</font><br>
<br>
<font>Conquanto se reconheça que a avaliação parcelar não é o caminho mais correcto, não é menos verdade que facilita o raciocínio do cálculo e a determinação do quantum global (este não tem de ser o somatório de parcelas), razão pela qual, a seguir, se o adopta.</font><br>
<br>
<font>Embora a base para o cálculo da indemnização relativa ao dano traduzido na perda da capacidade de ganho inclua itens que em si comportam uma álea bastante grande (tempo de vida útil, a qual se não confina ao tempo que decorre até à reforma, e melhoria da idade média de vida; possibilidade de colocação profissional, eventual salário e evolução na carreira; evolução salarial; inflação; a flutuação do mercado de trabalho; etc., etc.), a circunstância de a lesada ser estudante não deve servir como razão para, tecendo especulações, se empolar o quantum a atribuir.</font><br>
<br>
<font>É de esperar que um estudante vença, com maior ou menor dificuldade, nos estudos tal como há sempre a esperança que o mercado de trabalho possa vir a abranger todos os que o demandam. No mínimo, a indemnização por este lucro cessante terá de partir do salário mínimo nacional mas tem-se como mais razoável situar o vencimento mensal que iria ser auferido numa fasquia um pouco mais alta.</font><br>
<br>
<font>Apreciando e valorando no seu conjunto todos os itens referenciais e no conhecimento da sua evolução normal e natural, tem-se como mais equitativo elevar a indemnização por este dano para 250.000 €.</font><br>
<br>
<font>A autora tem de necessariamente ser assistida e acompanhada, de modo permanente e continuado. A matéria de facto provada descreve-nos um quadro que só não se conclui como irreversível por a Medicina estar em permanente evolução ao serviço da Vida; ‘presumivelmente irreversível’ afigura--se como caracterização mais correcta.</font><br>
<br>
<font>Há que, todavia, interpretar o facto também numa outra perspectiva. Desconhece-se a composição do agregado familiar da autora - apenas que vive com os pais e que sua mãe nasceu em 1959.</font><br>
<br>
<font>No dia em que os mesmos faltarem ou deixarem de poder assistir à autora, a esta depara-se o problema de continuar a ser acompanhada em casa (face à incapacidade para se reger patenteada nos autos, afigura-se como muito pouco provável) ou ir para um lar ou instituição que a acolha (os familiares que haja não são obrigados a recebê-la em casa nem a prestar-lhe a assistência devida), adquira ou não posição nele.</font><br>
<br>
<font>É conhecida, facto notório, não só a dificuldade em encontrar instituição que receba pessoa apresentando o quadro clínico como o da autora e o estado de incapacidade para se governar e de mobilidade como o desembolso - mensal, se não quando o global inicial - que isso comporta.</font><br>
<font>Atendendo ao conjunto das implicações que se projectam face ao quadro da autora, é, a nosso ver, mais equitativo que, para a satisfação de todas elas, avaliar a indemnização por este dano em 200.000 €.</font><br>
<br>
<font>4.- Ressarcibilidade dos danos não-patrimoniais.</font><br>
<font>Embora o bem ‘vida’ seja o bem supremo tal não significa que necessariamente tenha de ser maior a compensação a atribuir pela sua perda nem que ela constitua o limite máximo da que possa vir a ser atribuído por outro dano não-patrimonial.</font><br>
<font>Se bem que, por regra, a compensação pela perda da vida deva merecer uma expressão maior há casos que oferecem um cunho de especialidade requerendo que haja um desvio a fazer.</font><br>
<br>
<font>Ao afirmado pelas instâncias em sede do dano moral, há a notar ainda que a autora tem direito, apesar do quadro em que se encontra, ao bem estar e a ser tratada com proficiência e dignidade, o que ela própria não sentirá tantas vezes por mais e melhores que sejam os esforços desenvolvidos (isto é um facto notório, natural em pessoas assim afectadas).</font><br>
<br>
<font>Projectando a falta dos pais, nomeadamente a da mãe, provoca-lhe muito naturalmente a ansiedade e angústia pela incerteza quanto à sua situação futura.</font><br>
<font>Ponderando o que as instâncias referiram e o afirmado supra não se tem por excessiva a compensação de 100.000 € atribuída no acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>5.- Juros de mora.</font><br>
<font>O acórdão recorrido perfilhou o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça e já definido no Acórdão Uniformizador 4/2002, de 02.05.09, e não se vê razão para se propor a sua alteração (enquanto não for alterado, impõe-se a todos os tribunais, inclusive ao STJ).</font><br>
<br>
<font>A sua leitura é assaz demonstrativa de a indemnização ter sido fixada tomando como momento a que se deve reportar o da sua prolação e não o da propositura da acção. Basta, para tanto, ver a diferença estabelecida na al. a) da parte decisória (fls. 328) quanto à condenação em juros de mora.</font><br>
<br>
<font>Termos em que </font><b><font>concedendo-se, em parte, a revista </font></b><font>da autora e se </font><b><font>nega a da ré</font></b><font>, se altera a al. a) da parte decisória do acórdão recorrido para dele constar «559.087,16 € (quinhentos e cinquenta e nove mil e oitenta e sete euros e dezasseis cêntimos)» em substituição de «409.087,16 (quatrocentos e nove mil e oitenta e sete euros e dezasseis cêntimos)» aí consignado, mantendo-se tudo o restante.</font><br>
<font>Custas - na revista da autora, por esta e pela ré na proporção de metade por cada uma; na revista da ré - apenas pela ré.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 8 de Março de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fzLwu4YBgYBz1XKvwV00 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
A, propôs contra Companhia de Seguros B, acção a fim de ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não-patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 94.04.15, pelas 13h 10m, no Entroncamento, exclusivamente causado por C que, tripulando o motociclo LX-...-..., seguro na ré, em excesso de velocidade foi embater, ao ultrapassar um veículo automóvel, fora de mão no velocípede sem motor ENT-...-..., conduzido pelo autor, seu proprietário.<br>
Contestando, a ré impugnou os factos, atribuindo a culpa exclusivamente ao autor por desrespeito das regras de prioridade.<br>
A acção procedeu parcialmente por sentença de que o autor apelou com êxito.<br>
Pediu revista a ré, concluindo em suas alegações -<br>
- o acórdão não fixou com equidade os danos não-patrimoniais atendíveis e<br>
- para conceder vencimento atendeu a critérios actualísticos mas em duplicação acabou por condenar igualmente em 5 anos de juros, o que não foi sequer objecto da apelação;<br>
- deve manter-se, por mais consentâneo à natureza destes acidentes concomitantes com acidente de trabalho in itinere e à jurisprudência, o sentenciado;<br>
- violado o disposto nos arts. 496, 564 e 566 CC e 684 e 731 CPC.<br>
Contraalegando, pediu o autor a confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Ao abrigo dos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto, dele se destacando apenas o com interesse para o conhecimento da revista -<br>
a)- após a colisão, o corpo do autor tombou na metade esquerda da rua, atento o seu sentido de marcha;<br>
b)- à data do acidente (94.04.15), o autor tinha 49 anos de idade;<br>
c)- após o acidente o autor foi transportado para o Hospital do Entroncamento;<br>
d)- após, foi transportado para o Hospital de Torres Novas, de onde foi transferido para o Hospital de Santa Maria;<br>
e)- aí ficou internado até 94.04.27;<br>
f)- no dia 28 de Abril deu entrada no Hospital de Abrantes, onde esteve mais 2 dias internado;<br>
g)- depois dos internamentos continuou em tratamentos ambulatórios de fisioterapia;<br>
h)- como consequência directa e necessária do acidente, o autor sofreu traumatismo crâneo-encefálico, que lhe provocou uma situação de pré-coma, hemorragia cerebral inter ventricular com foco de contusão frontal esquerda, fractura da clavícula esquerda e da perna esquerda e várias escoriações;<br>
i)- em consequência do acidente o autor sofreu 530 dias de doença com incapacidade para o trabalho;<br>
j)- era pessoa saudável sem qualquer deformação estética nas pernas;<br>
l)- ficou com uma incapacidade permanente para o trabalho de 15%;<br>
m)- ficou com duas cicatrizes na perna esquerda de aproximadamente 7cm cada;<br>
n)- tem uma cicatriz no joelho com 5 cm;<br>
o)- sofreu dores e incómodos ocasionados pelo acidente, pelos internamentos e tratamentos que fez. <br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- Não se discute a culpa na produção do acidente (atribuída ao condutor seguro na ré) nem a obrigação de indemnizar, mas apenas o quantum desta.<br>
As instâncias consideraram que os danos são só de natureza não-patrimonial.<br>
Na 1ª instância, foi atribuída a indemnização total de 2300000 escudos acrescida de juros de mora desde a citação (o dano derivado da IPP de 15% indemnizado em 1000000 escudos e compensados os restantes em 1300000 escudos).<br>
A Relação, dando procedência total à apelação, alterou a indemnização (única) para 5150000 escudos, acrescida de juros de mora nos termos definidos na sentença.<br>
<br>
2.- Princípios orientadores da fixação do quantum indemnizatório - em relação à pelos danos patrimoniais, onde a certeza se não impuser, o apelo firme à equidade corrigindo os resultados que outros critérios (v.g., tabelas financeiras, etc) possam fornecer, critérios esses que mais não valem que meras referências e ajudas na determinação daquele valor; em relação aos danos morais, a equidade volta a imperar e a exigir não só que a valoração (estes não são, por natureza, avaliáveis) seja realista (e não miserabilista) como ainda que para o lesado não represente a materialização de uma ideia economicista e negocial.<br>
Determinar o quantum não é, portanto, uma operação matemática.<br>
<br>
3.- Analisando a petição inicial observa-se que o autor não incluiu entre os danos que teve como ressarcíveis a diminuição da capacidade aquisitiva mas a diminuição da capacidade trabalho (as limitações psíquicas e físicas sofridas e a sofrer em consequência das sequelas que lhe geraram IPP) e as dores, perturbações, incómodos, angústias e os prejuízos estéticos.<br>
Conquanto da prova não conste o tipo de trabalho desenvolvido pelo autor nem o seu salário, sabe-se, por não ter sido impugnada a sua identificação, que é ferroviário.<br>
A diminuição da capacidade de trabalho é distinta da diminuição salarial (podendo mesmo obter ou vir a obter rendimentos idênticos) e traduz-se em a incapacidade exigir - actualmente ou, com toda a probabilidade, no futuro - do lesado um esforço suplementar quer físico quer psíquico para obter o mesmo resultado do trabalho.<br>
Qualquer destes danos é patrimonial e não há quer sobreposição quer confusão entre o dano da diminuição da capacidade de trabalho e o dano não patrimonial que a própria diminuição possa gerar (v.g., desgosto, angústia, perda da alegria, etc). <br>
Com uma IPP de 15%, o autor, para atingir o mesmo nível, tem ou terá de suportar um esforço mais penoso, um maior sacrifício, o que se reflecte quer na progressão na carreira quer na sua capacidade produtiva e de ganho.<br>
Para valorar este dano tem o tribunal de lançar mão da equidade e da probabilidade.<br>
Afigura-se mais correcta e equitativa atribuir a indemnização de 7.500 euros.<br>
4.- A compensação pelos danos não-patrimoniais (as instâncias assim classificaram todos eles, o que, conforme se disse não se nos afigura correcto) foi fixada em 5150000 escudos.<br>
A ré, embora discordando do valor global (o acórdão fala em ‘único’) atribuído, não apresentou argumento consistente - apenas que a incidência de juros de mora desde a citação torna mais evidente o exagero (note-se, não está a questionar o momento a partir do qual é devida a indemnização moratória mas a afirmar que, incidindo a partir dele, acabou «em duplicação por condenar igualmente em 5 anos de juros», tornando mais evidente o exagero da compensação atribuída) e que o pedido de juros não fora objecto da apelação.<br>
Se de argumento se puder qualificar a primeira alegação, então bastaria recordar, qual a causa desta indemnização - a mora, isto é, o retardamento no cumprimento da obrigação, o que, além de representar uma sanção ao seu comportamento, permite distinguir esta indemnização da outra.<br>
Exactamente porque se trata de indemnizações com origem distinta é que o autor teria de recorrer apenas em relação à decisão que lhe não dera vencimento (então, total), só quanto a essa tinha legitimidade.<br>
Pedira, no articulado inicial, as duas indemnizações e, quanto à moratória, teve ganho total.<br>
A ré apenas de si se poderá queixar - quanto mais retardar o pagamento, maior será a indemnização devida pela sua mora.<br>
Porque, consoante à natureza dos danos, se diferenciou a obrigação de indemnização, há que estabelecer a compensação relativa aos não-patrimoniais.<br>
As instâncias tomaram em conta, aparte aquela divergência, os diversos aspectos que constituem os danos morais e os vários elementos a pesar na sua valoração, o que não foi posto em crise.<br>
Assim, e sem necessidade de se os repetir, tem-se por mais equilibrado e situando-se ao nível das compensações que o STJ tem atribuído em casos afins fixá-la em 8500 euros.<br>
<br>
<br>
Termos que se acorda em conceder, em parte, a revista condenando-se a ré a pagar ao autor a indemnização de 16000 (dezasseis mil) euros, acrescida de juros de mora nos termos definidos no acórdão recorrido.<br>
Custas pela recorrente e recorrido na proporção do vencimento.<br>
<br>
Lisboa, 12 de Março de 2002<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho\,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
fjLiu4YBgYBz1XKvuU_7 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
I - No Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, A, em acção, com processo sumário, para efectivação da responsabilidade civil, emergente de acidente de viação, intentada contra a "Companhia de Seguros B, S.A." (agora, "Companhia de Seguros C, S.A."), pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 97.500.000$00, acrescida dos juros que, à taxa legal, se vencerem desde a citação, até integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência de um acidente de viação ocorrido no dia 16 de Maio de 1992 na área da comarca de Loulé.<br>
Contestou a Ré, defendendo que a acção seja julgada em função da prova que vier a ser produzida.<br>
Houve resposta.<br>
A Autora requereu a intervenção principal de "D, Lda.", e E, chamamento que foi admitido.<br>
Os intervenientes contestaram separadamente, tendo ambos pugnado pela sua absolvição da instância ou, assim se não entendendo, pela sua absolvição do pedido.<br>
A Autora ampliou o pedido para 262.047.918$00.<br>
A final, foi proferida sentença, segundo a qual foi a acção julgada parcialmente provada e procedente e, em consequência:<br>
a) Se condenou a Ré "Companhia de Seguros B, S.A.", a pagar à Autora a quantia global de € 321.724,65, acrescida de juros moratórios, a contar da data da citação, às taxas legais de 15% ao ano até 29 de Setembro de 1995, 10% ao ano desde 30 de Setembro de 1995 até 16 de Abril de 1999, e 7% ao ano a partir de 17 de Abril de 1999, até efectivo e integral pagamento da dívida, sem prejuízo de eventual nova(s) taxa(s) que venha a ser publicada.<br>
b) Se absolveu os réus "D, Lda.", e E do pedido.<br>
c) No mais, se absolveu a Ré "Companhia de Seguros B, S.A.", do pedido deduzido pela Autora. <br>
<br>
Após recurso da Autora e da Ré Seguradora, foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Évora, nos termos do qual se decidiu julgar improcedente a apelação da Ré e parcialmente procedente a apelação interposta pela Autora e, consequentemente, foram condenados solidariamente os Réus "Companhia de Seguros B, S.A.", "D, Lda.", e E a pagar à Autora a quantia de € 381.580,39, a que acrescem os juros de mora desde a citação, calculados pela forma constante da sentença recorrida.<br>
Vieram a Autora, a Ré Seguradora e o interveniente E interpor recurso de revista, tendo os recursos sido admitidos, vindo o recurso do E a ser julgado deserto por falta de alegações.<br>
<br>
As recorrentes apresentaram as suas alegações, com as seguintes conclusões:<br>
- AUTORA: <br>
1ª - O transporte gratuito, para efeitos do nº. 2 do artigo 504º do CC, na redacção anterior ao DL 14/96, de 06.03, constituía matéria de excepção de não conhecimento oficioso.<br>
2ª - Os Réus, na contestação, não invocaram esta excepção nem alegaram factos capazes de a integrar, o que impediu o Tribunal de dela conhecer.<br>
3ª - O acórdão recorrido, ao conhecer da excepção, está ferido de nulidade por excesso de pronúncia - artigo 669º, nº. 1, alínea d), do C.P.C..<br>
4ª - Nos termos do artigo 23º, nºs. 1 e 3, do Código Civil, a Ré "D, Lda." é responsável pelos danos emergentes do acidente dos autos e presume-se a culpa do Réu E na produção do acidente.<br>
5ª - nos termos conjugados do nº. 1 do artigo 564º e do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, a recorrente terá de ser indemnizada pelos benefícios que deixou de obter até à data da audiência de julgamento, em montante que lhe restitua a situação patrimonial que teria se não fosse a lesão.<br>
6ª - Estes danos compreendem, em primeira linha, os salários que a recorrente não recebeu, por estar impossibilitada de trabalhar, entre o acidente e a data da audiência e que ascendem ao montante de 65.000.000$00, ou seja, 324.218,63 Euros.<br>
7ª - A indemnização pela perda de capacidade de ganho deverá restituir o lesado, tanto quanto possível, à situação patrimonial em que se encontraria se não fosse a lesão - artigo 562º do CC - sem que isso constitua um enriquecimento injustificado à custa do lesante.<br>
8ª - Uma indemnização equitativa da perda de capacidade de ganho será aquela que permita que os juros que vá gerando, somados ao consumo progressivamente complementar do capital, garanta ao lesado, durante os anos de vida activa que lhe restam, um rendimento igual àquele que auferiria se não fosse a lesão.<br>
9ª - Existem fórmulas matemáticas que permitem calcular o capital hoje necessário para garantir os objectivos referidos na conclusão anterior e que, como tal, constituem um excelente auxiliar da justiça, ao permitir-lhe calcular montantes equilibrados e ajustados aos fins em vista.<br>
10ª - Tendo em conta a idade da recorrente, o rendimento por ela auferido à data do acidente e uma evolução modesta desta remuneração, será necessário o montante de 130.000.000$00, ou seja, € 648.437,27, para lhe garantir um rendimento, desde a data da sentença em primeira instância até aos 65 anos, próximo daquele que auferia.<br>
11ª - Os sofrimentos, angústias, limitações, incómodos, pesadelos e frustrações que atormentaram, atormentam e atormentarão toda a vida da recorrente, são mais que eloquentes para sustentar uma indemnização de 15.000.000$00, ou seja, € 74.819,68, por danos não patrimoniais.<br>
12ª - O acórdão recorrido violou os artigos 342º, nº. 2, 504º, nº. 2, 562º, 564º e 566º do Código Civil e os artigos 489º, 493º, nº. 3, e 496º do CPC, na redacção anterior ao DL nº. 329-A/95, de 12/12, bem como o artigo 668º, nº. 1, alínea d), do CPC.<br>
<br>
- RÉ:<br>
1ª - Face aos factos considerados como provados, não se pode deixar de decidir pela total absolvição da Ré, pois os factos que poderiam basear uma decisão de condenação ficaram por provar, sendo certo que cabia à Autora o ónus da prova.<br>
2ª - Ao concluir pela culpa do condutor do veículo seguro na Ré, o tribunal "a quo" interpretou e aplicou erroneamente as normas constantes dos artºs. 342º, 349º, 483º e 487º do Código Civil e dos artºs. 1º, nº. 2, 5º, nºs. 2 e 3, e 7º, nº. 1, do Código da Estrada de 1954.<br>
3ª - O simples facto de invasão da faixa de rodagem contrária, ainda que em consequência de despiste, não é bastante para que se conclua, através de presunção judicial, ter havido infracção ao artº. 5º, nº. 2, do Código da Estrada (vide, por todos, Acórdão do STJ de 31.011990, in Base Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, nº. SJ199001310404493).<br>
4ª - Até porque ficou por provar que o condutor do veículo seguro na Ré circulasse de forma a comprometer a segurança e comodidade dos utentes da via ou que circulasse a velocidade excessiva (resposta negativa aos quesitos 9, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 17).<br>
5ª - Sendo a invasão da faixa contrária permitida em diversas circunstâncias, cabia à A., além da prova da invasão, a de que nenhuma dessas circunstâncias (permitidas) ocorreu ou bem assim cabia à Autora a prova das razões e circunstâncias (infraccionais ou negligentes, como, p. ex., velocidade excessiva) que levaram à invasão da faixa contrária.<br>
6ª - Sucede que a A. não fez prova, antes pelo contrário - como é, aliás, admitido claramente pelo Tribunal "a quo" -, das circunstâncias que levaram à invasão da faixa contrária.<br>
7ª - Considerando que, como não podia deixar de ser, o condutor do veículo seguro na "Companhia de Seguros B, S.A." não conduzia com inobservância de qualquer norma legal ou regulamentar, não se pode deixar de decidir pela absolvição total do pedido.<br>
8ª - Sem prejuízo, sempre se considera justos e equitativos os montantes indemnizatórios fixados em 1ª Instância.<br>
9ª - Os critérios utilizados pelo Tribunal de 1ª Instância na fixação da indemnização foram inclusive bem aceites pela Autora, que apenas pôs em causa o cálculo aritmético.<br>
10ª - O montante fixado pela 1ª Instância a título de perda de ganho (60.000.000$00) é suficiente para atingir o objectivo previsto na lei, pelo que considera excessivos e injustificados os 70.000.000$00 fixados pelo Tribunal da Relação.<br>
11ª - Os danos não patrimoniais sofridos pela A., que são de extensa gravidade, é certo, foram correctamente avaliados pela 1ª Instância, que, face aos critérios legais estabelecidos e à jurisprudência dominante, fixou uma indemnização manifestamente justa e equilibrada, pelo que tal decisão não devia - nem podia - ter sofrido qualquer alteração.<br>
12ª - Na decisão quanto aos juros legais de mora, o Tribunal da Relação considerou tão somente o disposto no nº. 3 do artº. 805 do Código Civil, sem ter articulado esta norma com outras disposições, nomeadamente com o art. 566/2 do mesmo Código.<br>
13ª - Resulta evidente nas decisões anteriores que a indemnização atribuída foi actualizada à data das mesmas.<br>
14ª - Por outro lado, na determinação dos danos sofridos pela A., por força da própria natureza, não existe a possibilidade de determinar a priori o respectivo valor exacto, o que implica o recurso ao disposto no nº. 3 do artº. 566º do CC.<br>
15ª - Tendo em conta que há lugar a uma fixação equitativa daqueles danos, o correspondente montante só pode ser determinado com a decisão final, e por ela, e daí resultar, necessariamente, a sua actualização.<br>
16ª - Consequentemente, não é legalmente possível falar-se em, ou presumir-se, a mora do devedor a que aludem os artºs. 804º e seguintes do Código Civil.<br>
17ª - Nesta medida, aos juros sobre as importâncias arbitradas não pode ser aplicável o disposto no nº. 3 do artº. 805º do CC, dado que a iliquidez de tal crédito resulta de norma legal e só cessa com a sua obrigatória determinação pela via judicial, determinação essa que, por se encontrar exclusivamente fundada em critérios de equidade, tem de ser fixada em valores actualizados, referidos à data em que é proferida a decisão final.<br>
18ª - No caso em apreço, e no caso de se considerar justa, equitativa e actual a indemnização fixada pelo Tribunal da Relação, os juros legais deverão ser contados da data em que o acórdão de que se recorre foi proferido e não da data proferida pela 1ª Instância.<br>
<br>
A Autora ofereceu contra-alegações.<br>
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.<br>
<br>
II - Nas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos:<br>
1. No dia 16 de Maio de 1992, pelas 02h 45m, na Estrada Municipal nº. 527-2, que liga Quarteira a Almancil, na área da Comarca de Loulé, ocorreu um acidente de viação em que interveio o veículo automóvel de matrícula VA.<br>
2. Este veículo automóvel era tripulado pelo Réu E.<br>
3. A Ré "D, Lda.", é a proprietária do mesmo veículo automóvel.<br>
4. A responsabilidade civil por danos causados com este veículo encontrava-se transferida para a Ré "Companhia de Seguros B, S.A." até ao limite de esc. 100.000.000$00 (cem milhões de escudos) pela apólice nº. 6.573.771.<br>
5. Aquele veículo era habitualmente utilizado para serviços da Ré "D, Lda." (rent-a-car), a qual pertencia aos pais do Réu E, onde o mesmo prestava alguns serviços, e, aquando do acidente, esse veículo era utilizado pelo referido Réu para seu uso pessoal e lazer. <br>
6. O Réu E conduzia as várias viaturas da Ré "D, Lda.", munido de um documento que o autorizava a utilizá-las quando assim o desejasse.<br>
7. A Autora A encontrava-se em férias em Portugal.<br>
8. E era amiga do E.<br>
9. Ambos regressavam de um bar da marina de Vilamoura.<br>
10. A Autora seguia sentada no lugar à direita do E.<br>
11. O veículo circulava no sentido Quarteira-Almancil.<br>
12. Descreveu uma curva para o lado direito.<br>
13. E invadiu a meia-faixa de rodagem do sentido contrário, atravessando-a.<br>
14. E foi colidir contra um poste de energia eléctrica.<br>
15. O qual se localizava na faixa adjacente à faixa de rodagem da estrada, lado esquerdo, atendendo ao sentido Quarteira-Almancil.<br>
16. E foi colidir contra uma parede, existente na mesma faixa de rodagem.<br>
17. Em 16 de Maio de 1992 - data do acidente -, a Autora era elegante e esbelta.<br>
18. E bem assim saudável e dinâmica.<br>
19. Imediatamente após o acidente, a Autora ficou inconsciente.<br>
20. E foi transportada em estado de coma para o Hospital Distrital de Faro.<br>
21. A Autora foi transferida para o Hospital de São José, em Lisboa, no mesmo dia do acidente.<br>
22. Aí foi-lhe diagnosticado traumatismo craniano com contusão cerebral.<br>
23. E bem assim fractura da clavícula esquerda, edema da laringe, forte contusão nas duas pernas, profundas escoriações nas costas, em ambos os braços e no rosto.<br>
24. A Autora apresentava grande dificuldade respiratória.<br>
25. Foi-lhe colocado um tubo endotraqueal e ligada a um ventilador.<br>
26. No dia 17 de Maio de 1992, a Autora foi submetida a intervenção cirúrgica - lobotomia temporal.<br>
27. Seguidamente, manteve-se durante duas semanas em estado de coma.<br>
28. E depois semi-inconsciente durante dois meses.<br>
29. No dia 30 de Maio de 1992, a Autora foi transferida de ambulância aérea para a unidade de neurocirurgia de Old Church Hospital em Romford, Inglaterra.<br>
30. Foi-lhe retirado um tubo endotraqueal.<br>
31. E bem assim foi-lhe desligado o ventilador no dia imediato.<br>
32. Ao sair do estado de coma, a Autora sofria de completa amnésia.<br>
33. E apresentou perda da capacidade auditiva do ouvido esquerdo.<br>
34. A Autora tem perda do campo visual para a esquerda em ambos os olhos.<br>
35. O exame oftalmológico revelou que a perda de campo de visão de 45% afecta ambos os olhos.<br>
36. E o audiograma efectuado no dia 2 de Junho de 1992 revelou uma perda de capacidade auditiva de 35%.<br>
37. No dia 24 de Junho de 1992, a Autora foi transferida para Southend General Hospital.<br>
38. Nesse Hospital, iniciou tratamento de fisioterapia e bem assim de terapia de fala.<br>
39. Teve alta no dia 2 de Julho de 1992.<br>
40. Passou a ser tratada por fisioterapeuta em casa dos pais em Thorp Bay.<br>
41. Continuou esse tratamento ambulatório no Southend Hospital em neurologia.<br>
42. E posteriormente em otorrinolaringologia.<br>
43. Devido a infecção decorrente do ouvido esquerdo e perda da audição.<br>
44. Simultaneamente, foi vista e acompanhada pelos serviços de oftalmologia.<br>
45. Até à época da instauração da acção, a Autora tem estado submetida a tratamentos médicos, medicamentos e de recuperação.<br>
46. O seu estado de saúde é considerado estacionário.<br>
47. A Autora sofre de forte diminuição de mobilidade dos olhos, irreversível.<br>
48. A Autora sofre de redução da capacidade auditiva do ouvido esquerdo em 35%.<br>
49. E apresenta uma deformidade e dores residuais no ombro esquerdo, em consequência da consolidação da fractura da clavícula.<br>
50. E sofre de epilepsia e dores de cabeça agudas temporárias, resultantes do traumatismo craniano e consequente intervenção cirúrgica.<br>
51. A sua marcha é irregular, sem firmeza, desequilibrada.<br>
52. E a imobilidade e força do pé direito ficaram reduzidas a 10%.<br>
53. O que provocou arrastamento da perna direita.<br>
54. A Autora mostra profundas e desfigurantes cicatrizes nos braços e bem assim no ombro, nas pernas, nas costas e na cabeça.<br>
55. A Autora apresenta na cabeça uma zona escalpelizada, na qual sente permanentemente uma pressão dolorosa.<br>
56. A ingestão de medicamentos para tratamento das perturbações neurológicas, nomeadamente epilepsia, provocaram como efeito secundário a deterioração da pele da face da Autora.<br>
57. A Autora aumentou de peso.<br>
58. E bem assim com a consequente deformação da face da Autora, que se tornou redonda e balofa.<br>
59. A ingestão de medicamentos para tratamento das perturbações neurológicas, nomeadamente epilepsia, provocam, na Autora, o aparecimento da acne persistente e envelhecimento da pele. <br>
60. Em consequência das lesões referidas, a Autora ao mínimo esforço apresenta sinais de fadiga.<br>
61. E, de psicologicamente enérgica, a Autora tornou-se apática.<br>
62. E, de independente, autoconfiante, alegre, interessada, psicologicamente, a Autora mudou para desinteressada, triste, deprimida.<br>
63. E tornou-se irascível e por regra agressiva.<br>
64. Intelectualmente, a Autora tem grave e forte redução da capacidade de memorização e reconhecimento.<br>
65. A Autora tem graves dificuldades na lembrança e articulações das palavras, o que a impede de manter conversação normal e conexa.<br>
66. A memória da Autora está reduzida em 40-50%.<br>
67. A noção de espaço da Autora está reduzida em 40-50%.<br>
68. A Autora não se consegue orientar no espaço.<br>
69. Facilmente esquece o local onde se encontra, como e donde veio e para onde vai.<br>
70. Sofre a Autora de amnésia relativamente aos factos mais recentes, não conseguindo recordar o que acabou de acontecer.<br>
71. A Autora está incapacitada para exercer qualquer profissão que exija actividade intelectual e permanente atenção.<br>
72. A Autora não é capaz de lidar com trabalhos que impliquem organizações e método e que exijam coordenação psicomotora.<br>
73. Tal é o caso de operar com máquinas de qualquer tipo.<br>
74. E bem assim conduzir automóveis. <br>
75. A Autora está impossibilitada de efectuar esforços físicos e de trabalhar em locais com escadas e degraus. <br>
76. A capacidade profissional residual da Autora limita-se à execução, em part-time, de tarefas exercidas por deficientes.<br>
77. A Autora seria incapaz de exercer funções de recepcionista, considerando a diminuição de memória.<br>
78. A Autora seria incapaz de exercer funções de telefonista, considerando a diminuição de memória.<br>
79. A Autora está completamente impossibilitada de exercer a sua profissão, que era de assistente de administração.<br>
80. No dia 16 de Maio de 1992, a Autora era, há mais de dois anos, secretária da administração, exercendo as funções de trabalho de secretária.<br>
81. E bem assim de correcção de textos em inglês para todos os departamentos da empresa onde trabalhava, a elaboração de estatísticas, quer a nível regional, quer a nível nacional, traduções, estudo dos mercados nacionais e internacionais, elaboração da base de dados para a Bélgica e Normandia e revista da imprensa belga.<br>
82. Funções estas que a Autora não poderá nunca mais exercer.<br>
83. Pelo exercício desta profissão, a Autora auferia um rendimento anual de 162.000 francos franceses, acrescida de um bónus variável, à data referida, ou seja, o dia 16 de Maio de 1992.<br>
84. Estivesse a Autora no mês de Julho de 1994 ao serviço da mesma empresa, o seu salário anual seria de F.F. 182.000, acrescido de um bónus de F.F. 17,200, equivalente a Esc. 6.000.000$00.<br>
85. Quando a Autora se apercebe das suas limitações, tem crises de choro e de revolta e procura o isolamento.<br>
86. Foge ao convívio com outras pessoas por se sentir complexada e diminuída.<br>
87. Recusa-se a comparecer em lugares públicos devido às cicatrizes e deformidades do rosto.<br>
88. Recusa-se a praticar qualquer desporto que envolva exposição de parte do seu corpo e bem assim a ir à praia.<br>
89. Sofre a permanente angústia e desespero de não poder exercer mais a sua profissão.<br>
90. Tem dificuldades em deslocar-se sozinha.<br>
91. Tem, actualmente, algum receio de viajar de automóvel.<br>
92. À data do acidente, a Autora namorava um médico, com quem pretendia casar e ter filhos.<br>
93. Depois do acidente, a Autora não conseguiu dar continuidade a esse relacionamento por se sentir incapaz de assumir essa situação.<br>
94. A Autora nasceu em Havering, Londres, em 19 de Agosto de 1966.<br>
<br>
III - 1. Dado que a Ré seguradora suscita, no seu recurso, a questão da culpa na produção do acidente, será por aqui que teremos de começar a apreciação das questões colocadas pelas recorrentes.<br>
Defende a Ré que cabia à Autora a prova das razões e circunstâncias (infraccionais ou negligentes, como, por exemplo, velocidade excessiva) que levaram o veículo a invadir a faixa contrária, pois que o simples facto da invasão da faixa de rodagem contrária, ainda que em consequência de despiste, não é bastante para que se conclua, através de presunção judicial, ter havido infracção ao artigo 5º, nº. 2, do Código da Estrada (de 1954, então em vigor).<br>
O problema da culpa encontra-se cabalmente debatido, quer na sentença da 1ª instância, quer no acórdão ora recorrido, sendo manifesta a falta de razão da recorrente.<br>
<br>
Assim, pode ler-se no referido acórdão:<br>
"Como vem sido, maioritariamente, considerado pela jurisprudência do S.T.J., a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência (Acs. de 28/5/74, in BMJ 237º-231, de 20/12/90, in BMJ 402º-558, de 10/191, in BMJ 403º-334, de 26/2/92, in BMJ 414º-533, de 10/3/98, in BMJ 475º-635, ou de 9/7/98, in BMJ 479º-592). É que, embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão em princípio não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (artº. 487º, nº. 1, do Cód. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no artº. 342º do Cód. Civil, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.<br>
Assim sendo, no caso dos autos, a Ré Seguradora, e ora recorrente, teria de provar que o facto de o condutor da viatura em si segura circular fora da sua faixa de rodagem não teria sido determinante para o evento ou que esse facto foi causado por factores estranhos à sua vontade.<br>
Como essa prova não foi feita, nenhum tipo de censura merece a sentença recorrida".<br>
Concordando-se inteiramente com esta posição, fica assente que houve culpa do condutor do veículo.<br>
<br>
2. Passemos agora ao conhecimento das questões colocadas pela Autora no seu recurso.<br>
São elas: ter havido conhecimento oficioso de uma excepção peremptória (transporte gratuito) e o montante da indemnização, quer no que toca aos danos patrimoniais, quer quanto aos danos não patrimoniais.<br>
No que concerne à primeira, diremos que, ficando definitivamente assente a culpa do condutor, conforme acima referido, o problema da aplicação do artigo 504º do Código Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº. 14/96, de 6 de Março, deixou de ter qualquer acuidade.<br>
De qualquer forma, concordamos com o acórdão recorrido, quando aí se diz que o tribunal não conheceu, efectivamente, de nenhuma excepção, tendo-se limitado a, face aos factos trazidos ao seu conhecimento, retirar as conclusões jurídicas que à situação importasse, a valorar juridicamente a causa de pedir formulada nos autos, atento o princípio consagrado no artigo 664º do CPC.<br>
Na verdade, os próprios termos da petição inicial demonstram que se estava perante um transporte gratuito.<br>
<br>
3. Quanto ao montante da indemnização, comecemos pelos danos patrimoniais.<br>
Insiste a recorrente que tem direito a ser indemnizada da quantia de 65.000.000$00 pelos salários que deixou de receber entre a data do acidente e a data da sentença na primeira instância, pois está provado nos autos que não pôde mais trabalhar após o acidente e que, à data deste, auferia uma remuneração anual de 6.000 contos.<br>
Escreveu-se no acórdão ora impugnado:<br>
"Cremos que sem razão, atento o disposto no artº. 564º nº. 2 do C.Civil, já que, nos danos futuros - na perda da capacidade de ganho -, se bem que a sentença recorrida não seja muito explícita, ter-se-á considerado no cálculo da indemnização arbitrada a data do acidente e não a data da audiência de discussão e julgamento, pelo que não faria sentido, sob pena de duplicação, considerar autonomamente os rendimentos do trabalho que deixou de auferir se a capitalização encontrada na sentença recorrida já engloba aquela realidade".<br>
Efectivamente, tendo ficado apurado que a Autora está completamente impossibilitada de exercer a sua profissão, que era de assistente de administração, foi tido em conta - e sê-lo-á a seguir, quando nos pronunciarmos quanto ao montante a atribuir pela perda da capacidade de ganho - o período de tempo após o acidente.<br>
<br>
4. Passemos, então, ao cálculo desse valor.<br>
Os critérios a atender na fixação da indemnização por danos futuros encontram-se nos nºs. 2 e 3 do artigo 566º do Código Civil.<br>
Logo, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivessem existido os danos; não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal deverá julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.<br>
Consagra-se, assim, a teoria da diferença e o recurso à equidade como critérios de compensação por danos futuros.<br>
Por outro lado, danos futuros serão aqueles que resultarão para o lesado, atentos os dados previsíveis fornecidos pela experiência comum.<br>
O julgamento segundo a equidade, enquanto justiça do caso concreto, tem de ter em conta os elementos conhecidos sobre a situação do lesado e os que, em termos de normalidade, sejam previsíveis, designadamente quanto à vida do lesado, à evolução das condições laborais e sociais, económicas, ou seja, tempo de vida activa, evolução das retribuições e condições de trabalho, retribuições de capital, etc..<br>
Segundo um dos critérios auxiliares, tal julgamento tenderá a chegar a uma quantia em dinheiro que corresponda a um capital gerador de um rendimento equivalente ao que o lesado irá deixar de auferir, mas que se extinga no final do período provável de vida activa (cfr., entre outros, acórdãos deste STJ de 04.12.1998, 15.12.1998, 06.07.2000 e 25.06.2002, in, respectivamente, BMJ 478º-344, CJ/STJ-Ano VI, Tomo III, pág. 57, CJ/STJ, Ano VIII, Tomo I, pág. 144, e CJ/STJ, Ano X, Tomo II, pág. 128).<br>
As decisões das instâncias convergem neste escopo.<br>
Na 1ª instância, encontrou-se o valor de 60.000.000$00, ou seja, € 299.278,74, enquanto na Relação chegou-se ao montante de 70.000.000$00, ou seja, € 349.158,53.<br>
Tendo em conta os elementos dos autos, nomeadamente, os factos de a Autora ter quase 26 anos de idade aquando do acidente, ter, então, um rendimento anual de 162.000 francos franceses, acrescido de um bónus variável, ser o seu salário anual de 182.000 francos franceses, acrescido de um bónus de 17.200, equivalente a 6.000.000$00, no mês de Julho de 1994, se se mantivesse ao serviço da mesma empresa, e ter ficado completamente impossibilitada de exercer a profissão que exercia, que era de assistente de administração, afigura-se-nos que a verba de 70.000.000$00 (€ 349.158,53) arbitrada no acórdão recorrido é insuficiente.<br>
Entendemos que a mesma deverá ser fixada em 80.000.000$00, o que equivale a € 399.038,31, montante que se mostra mais condizente com a situação dos autos.<br>
<br>
5. Vejamos agora a indemnização dos danos não patrimoniais.<br>
Destina-se esta a, na medida do possível, proporcionar ao lesado uma compensação que lhe permita satisfazer necessidades consumistas que constituam um lenitivo para o mal sofrido.<br>
Deve uma tal compensação abranger as consequências passadas e futuras resultantes das lesões emergentes do evento danoso - artigo 496º, nº. 1, do Código Civil.<br>
Trata-se, num e noutro caso, de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro.<br>
Na jurisprudência já há muito vem sendo acentuada a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico (cfr. acórdão deste STJ de 11.10.1994, in CJ/STJ, Ano II, Tomo III, pág. 89).<br>
O critério de fixação é o recurso à equidade (artigos 494º e 496º do referido Código).<br>
Para tanto, não podem deixar de ser ponderadas circunstâncias como o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do lesado em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver - seu diferencial global -, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras (cfr. acórdão deste STJ de 15.12.1998, in CJ/STJ, Ano VI, Tomo III, pág. 155).<br>
Considerando tudo isto, e tendo em conta as gravíssimas consequências resultantes do acidente para a Autora, antolha-se-nos exíguo o montante de 6.500.000$00 (€ 32.421,86) atribuído no acórdão impugnado, o qual, aliás, alterou o que havia sido arbitrado na 1ª instância (4.500.000$00, ou seja, € 22.445,91), mesmo considerando - como iremos ver - que a indemnização por danos desta natureza terá juros desde a citação.<br>
A verba de 15.000.000$00 pedida pela Autora também nos parece exagerada.<br>
Cremos ser perfeitamente equilibrado o montante de 7.500.000$00, ou seja, € 37.409,84. <br>
<br>
6. Além da questão da culpa, já apreciada, a Ré Seguradora coloca ainda as questões do montante indemnizatório e do início da contagem dos juros.<br>
No que concerne aos valores da indemnização, não é necessário acrescentar mais alguma coisa ao que já acima foi dito.<br>
É, pois, manifesta a sua carência de razão. <br>
<br>
Vejamos, então, o problema dos juros.<br>
Defende a recorrente que não pode aqui ser aplicado o disposto no nº. 3 do artigo 805º do Código Civil, dado que a iliquidez do crédito resulta de norma legal e só cessa com a sua obrigatória liquidação pela via judicial, determinação essa que, por se encontrar exclusivamente fundada em critérios de equidade, tem de ser fixada em valores actualizados, referidos à data em que é proferida a decisão final.<br>
Não lhe assiste razão.<br>
Na verdade, estabelece o citado normativo legal que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.<br>
Lendo a sentença proferida na 1ª instância, vemos que aí se não procedeu a qualquer cálculo actualizado dos montantes indemnizatórios fixados.<br>
Os valores aí arbitrados foram corrigidos no acórdão da Relação, sendo agora de novo elevados, tendo-se sempre em conta a data da formulação do respectivo pedido.<br>
No Acórdão para Uniformização de Jurisprudência de 09.05.2002, publicado no D.R. nº. 146, I-A, de 27.06.2002, decidiu-se que "sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº. 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº. 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº. 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação".<br>
Não tendo as quantias correspondentes às indemnizações sido actualizadas, os juros tinham (e têm) de ser fixados desde a citação, em obediência ao princípio do pedido (cfr. artigo 661º, nº. 1, do CPC), pois que a Autora pediu a condenação no pagamento de uma indemnização, acrescida de juros desde essa data, nada tendo actualizado ou pedido para actualizar. <br>
<br>
7. Resulta, assim, do exposto que o recurso da Autora merece parcial provimento, enquanto que o da Ré terá de ser julgado totalmente improcedente.<br>
Deverá, em consequência, fixar-se uma indemnização global de 87.500.000$00, ou seja, € 436.448,15 (quatrocentos e trinta e seis mil e quatrocentos e quarenta e oito euros e quinze cêntimos).<br>
<br>
IV - Podem, pois, extrair-se as seguintes conclusões:<br>
1ª - Tendo ficado provado que o veículo automóvel onde seguia, como passageira, a Autora invadiu a faixa de rodagem contrária, indo embater num poste existente na berma da via e, seguidamente, numa parede, ambos do lado esquerdo, atento o sentido de marcha da viatura, violou o respectivo condutor o disposto no artigo 5º, nº. 2, | [0 0 0 ... 0 1 0] |
fjLwu4YBgYBz1XKvwF2A | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font> A, propôs pelo 8º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Lisboa uma acção declarativa pela qual pediu a condenação da ré B a restituir-lhe um veículo de marca Lancia com a matrícula XN-...-..., a pagar-lhe a quantia de 6534139 escudos, com juros vencidos no montante de 306802 escudos e os vincendos à taxa de 15% até integral pagamento - sendo 954364 escudos correspondentes aos alugueres não pagos referentes àquele veículo por virtude de um aluguer sem condutor a cuja resolução a autora procedeu por carta registada com aviso de recepção em 3/2/94, 477182 escudos a título de cláusula penal prevista no contrato, 5487593 escudos a título de indemnização que, computada em função do valor dos alugueres de 238591 escudos correspondentes aos meses de retenção do veículo, visava compensar os prejuízos resultantes da impossibilidade de tirar do veículo o rendimento correspondente à sua fruição ou venda, da imobilização do capital correspondente e da depreciação e desgaste correspondentes ao decurso do tempo e ao seu uso à cláusula penal aí estipulada, tudo deduzido da caução de 385000 escudos recebida - e a pagar-lhe ainda uma indemnização de 238591 escudos por cada mês de atraso na restituição do veículo desde 15/12/95, a liquidar em execução de sentença.</font><br>
<font> A ré contestou no sentido da improcedência parcial da acção. </font><br>
<font> A autora deduziu depois, por lhe ter sido entretanto entregue o veículo - o que sucedeu numa providência cautelar não especificada em que pedira a sua apreensão -, um incidente de liquidação pelo qual calculou ser de 2690522 escudos o valor da indemnização que fora pedida como ilíquida.</font><br>
<font> A ré não deduziu aqui qualquer oposição.</font><br>
<font> A ré veio, depois, dar conhecimento de ter sido homologada no Tribunal Judicial de Peniche a medida de gestão controlada no âmbito de um processo em que é requerida, pedindo que se julgasse por isso extinta a instância por inutilidade superveniente.</font><br>
<font> Este requerimento foi indeferido por despacho, não impugnado.</font><br>
<font> Foi proferido saneador sentença em que a ré foi condenada a restituir o veículo à autora, a pagar-lhe a quantia de 954364 escudos, correspondente aos alugueres vencidos em 15/9, 15/10 e 15/12/93 e em 15/1/94, com juros de mora à taxa legal sobre cada aluguer desde o seu vencimento e até integral pagamento, e a pagar-lhe também a quantia de 7793115 escudos como indemnização por não restituição atempada do veículo, deduzida da caução prestada, com juros de mora desde a citação e até integral pagamento.</font><br>
<font> A ré foi absolvida do pedido de pagamento de 477182 escudos, correspondentes a 25% dos alugueres vincendos.</font><br>
<font> Apelou a ré, mas a Relação de Lisboa proferiu acórdão que julgou improcedente este recurso.</font><br>
<font> Ainda inconformada, a ré interpôs este recurso de revista em que pediu que se declarasse extinta a instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide ou, a assim se não entender, que se faça baixar os autos à 1ª instância para aí prosseguir para instrução e julgamento.</font><br>
<font> Sustenta, nas suas conclusões, o seguinte:</font><br>
<font>I - Tendo na contestação sido impugnado o montante da indemnização pedida por tal significar um enriquecimento sem causa para a recorrida, o processado haveria de continuar com condensação para apuramento dos prejuízos reais, tendo, com orientação contrária, sido violados os arts. 510º e 511º do CPC - conclusões 1ª a 6ª;</font><br>
<font>II - Uma vez que no decurso do processo foi dado conhecimento de que o veículo fora já entregue à recorrida, a condenação emitida no sentido dessa entrega é impossível de satisfazer e inútil, devendo nessa parte a lide ter sido considerada extinta por impossibilidade e inutilidade superveniente, tendo-se violado o disposto no art. 287º do CPC - conclusões 7ª a 9ª;</font><br>
<font>III - Sabendo o tribunal que a recorrente era objecto de um processo especial de recuperação de empresa, a sua condenação em juros vencidos após a sua instauração violou o art. 30º, nº 1 do CPEREF - conclusões 10ª e 11ª;</font><br>
<font>IV - Sabendo-se da existência desse processo, a prossecução da presente acção não deveria ter tido lugar e tinha cabimento a reclamação, pela recorrida, dos seus créditos no âmbito daquele processo, violando-se, ao assim se não fazer, os arts. 20º, 31º, 44º, 48º, 62º e 97º a 117º do CPEREF - conclusões 12ª a 18ª.</font><br>
<br>
<font>Respondeu a recorrida no sentido da improcedência do recurso.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><br>
<font> As instâncias consideraram assente, como factualidade, a seguinte matéria:</font><br>
<font>1. A recorrida é uma sociedade comercial que se dedica ao aluguer de automóveis sem condutor, que anteriormente girou sob a firma "C.";</font><br>
<font>2. No exercício dessa actividade, celebrou com a recorrida, em 8/11/91, um contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor;</font><br>
<font>3. Tal contrato teve por objecto o veículo automóvel marca Lancia modelo Dedra TDS matrícula XN-...-..., oportunamente entregue à recorrente;</font><br>
<font>4. Foi estabelecido ao contrato o prazo de 36 meses;</font><br>
<font>5. O aluguer foi fixado em 240450 escudos, alterado para 238591 escudos em 15/04/92, a pagar mensalmente no início do período respectivo, por desconto bancário, através da conta nº 10090040 da dependência de Peniche do BPA;</font><br>
<font>6. A recorrente prestou caução no valor de 385000 escudos;</font><br>
<font>7. A recorrente não pagou os alugueres que se venceram em 15/9/93, 15/10/93 e 15/12/93;</font><br>
<font>8. Por carta registada de 6/1/94 a recorrida interpelou a recorrente para proceder ao pagamento da dívida no prazo de 8 dias, julgado razoável para o efeito, sob pena de resolução do contrato;</font><br>
<font>9. Contudo, a recorrente não efectuou tal pagamento, deixando, ainda, de liquidar o aluguer vencido em 15/1/94 ;</font><br>
<font>10. Em face disso, a recorrida, por carta registada com aviso de recepção de 3/2/94, procedeu à resolução do contrato, nos termos da cláusula 8ª, nº 1, das respectivas condições gerais;</font><br>
<font>11. Embora solicitada para o efeito, a Ré não procedeu à restituição do veículo locado;</font><br>
<font>12. O valor dos alugueres vencidos em 15/9/93, 15/10/93, 15/12/93 e 15/1/94 ascende a 954364 escudos;</font><br>
<font>13. Não tendo a Ré restituído ainda à Autora o veículo locado, está esta impossibilitada, desde 15/2/94, de tirar do referido veículo o rendimento correspondente à sua fruição ou venda, ao mesmo tempo que está a ser penalizada pela imobilização do capital correspondente e pela depreciação e desgaste correspondentes ao decurso do tempo e ao seu uso;</font><br>
<font>14. O montante indemnizatório devido desde 15/12/95 até à data da entrega do veículo, que ocorreu em 22/11/96, é de 2690522 escudos (238591 escudos x l2 x 343 : 365).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Poderia questionar-se a correcção da natureza factual atribuída ao que consta dos nº 12 e 14 supra.</font><br>
<font>No entanto, a recorrente não os pôs em causa, pelo que é irrelevante tirar daí quaisquer conclusões.</font><br>
<font> E interessa deixar ainda destacado, por constar da certidão de fls. 89 a 94, que a recorrente foi alvo de um processo especial de recuperação de empresa que correu termos com o nº 33/96 no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Peniche, no qual foi proferido em 19/3/97, com trânsito em julgado em 7/4/97, despacho que homologou a deliberação da assembleia definitiva de credores que aprovou a medida de gestão controlada de acordo com a qual, além do mais que aqui não interessa, os credores comuns serão pagos em seis anos, em prestações semestrais e iguais, com perdão de juros vencidos e vincendos e perdão de 50% do capital, após seis meses de carência.</font><br>
<font> A ordem por que a recorrente tratou nas suas conclusões as questões que atrás ficaram enunciadas não nos vincula, sendo preferível que as mesmas sejam abordadas consoante a precedência lógica de que se revestem.</font><br>
<font> Avulta, assim, desde logo a importância fundamental da questão IV, depois da qual haverá então lugar ao exame das restantes.</font><br>
<font> Questão IV</font><br>
<font> Já depois da contestação e antes do saneador a recorrente requereu que, dado o trânsito da decisão que homologou a medida de gestão controlada, fosse a instância julgada extinta por inutilidade superveniente.</font><br>
<font> Houve despacho, proferido em 9/10/97, onde se aludiu ao facto de os autos não fazerem parte daqueles que, por força do art. 29º do CPEREF - diploma do qual serão as disposições que viermos a citar sem outra identificação -, devem ser suspensos por virtude do prosseguimento do processo de recuperação de empresa, daí se extraindo a decisão de indeferimento.</font><br>
<font> É evidente que, não tendo a recorrente impugnado esse despacho, o mesmo ficou fazendo caso julgado formal - cfr. art. 672º do CPC. Não obsta a tal a discrepância entre o requerimento e a fundamentação jurídica do despacho que o indeferiu - causa de um desacerto que não foi impugnado quando devia.</font><br>
<font> Daí que seja inoportuna, porque tardia, a reacção que contra o prosseguimento da marcha do processo exprimiu em sede de apelação e também nesta revista.</font><br>
<font> Em todo o caso, permita-se-nos um breve comentário, suscitado pela conveniência de esclarecer o erro técnico-jurídico cometido nesse despacho.</font><br>
<font> O art. 29º - na redacção então aplicável, que era a dada pelo DL nº 132/93, de 23/4 - dizia no seu nº 1 que, proferido o despacho de prosseguimento da acção, ficariam imediatamente suspensas as execuções instauradas contra o devedor.</font><br>
<font> Esta suspensão não abrange, pois, as acções declarativas.</font><br>
<font> Assim, à primeira vista o referido despacho está correcto. </font><br>
<font> Mas o enquadramento jurídico que à luz deste artigo foi dado ao que fora requerido mostra-se inadequado porque ele rege para a fase processual posterior ao proferimento do despacho que ordena o prosseguimento do processo de recuperação, o que estava já, manifestamente, ultrapassado e fora de causa.</font><br>
<font> E nem a fundamentação nele mencionada se coadunava com o que fora requerido, pois a suspensão da instância é, obviamente, coisa diversa da sua extinção por inutilidade superveniente.</font><br>
<font> Mas a verdade é que, de qualquer modo, esta nunca poderia ser declarada.</font><br>
<font> O art. 102º faz aplicar, quanto à eficácia da deliberação de gestão controlada depois da sua homologação judicial, o disposto no art. 94º.</font><br>
<font> Assim, esta deliberação fica a valer nas relações entre os credores e a empresa.</font><br>
<font>E operará nos respectivos créditos as repercussões que resultarem do seu teor, designadamente afectando a sua inteira exigibilidade na medida em que esta for por tal deliberação restringida. </font><br>
<font>Isso não impede, porém, que o acertamento do montante do crédito seja feito por via judicial em acção declarativa de condenação, sem prejuízo de o seu cumprimento pela empresa ser depois exigível apenas em menor extensão, sem que isso traduza ofensa de caso julgado - cfr. art. 62º, nº 1 -, como, aliás, sucederá com os créditos que hajam sido reconhecidos por sentenças anteriores. </font><br>
<font>Em fase de gestão controlada a lei apenas prescreve a suspensão de acções executivas - cfr. art. 103º, nº 2 -, sem que nada se diga contra a possibilidade de correrem termos acções declarativas.</font><br>
<font>Definida a obrigação da empresa de acordo com os factos que lhe deram origem e os que a tenham eventualmente modificado ou extinto em parte, e uma vez que a execução não é possível, o respectivo cumprimento terá lugar adentro do processo de recuperação e nos moldes aí determinados.</font><br>
<font>Em todo o caso, a definição integral da obrigação tem interesse porquanto, se se frustrar o plano de recuperação e daí for extraída, com homologação judicial, a deliberação de cessação antecipada da gestão controlada - cfr. art. 116º -, ela voltará a ser exigível por inteiro - cfr. acórdão deste STJ de 3/12/98, proferido na revista nº 916/98, da 2ª secção.</font><br>
<font> Daí que sempre esta acção tivesse de prosseguir.</font><br>
<font>Questão I</font><br>
<font> Na petição inicial a ora recorrida pediu, como se disse, uma indemnização para ressarcimento dos prejuízos decorrentes do atraso na devolução do veiculo após a resolução do contrato.</font><br>
<font> A ora recorrente enjeitou, na contestação, essa responsabilidade e imputou-a a um seu antigo gerente que se apropriara do carro, do que dera conhecimento à recorrida, ficando à espera que esta regularizasse com ele o assunto. E, quanto à forma de cálculo da indemnização correspondente, disse que: a) o critério adoptado não estava previsto no contrato; b) se não podia aceitar que um carro velho e usado e contabilisticamente amortizado pudesse proporcionar um rendimento locatício idêntico ao que tinha quando novo; c) deste modo a recorrida obteria um rendimento superior ao que lhe daria o cumprimento integral do contrato e ao valor do veículo; d) a cumulação desta indemnização com a cláusula penal configura um enriquecimento sem causa, pretendendo a recorrida compensar a sua inércia de dois anos.</font><br>
<font> A decisão da 1ª instância não reconheceu o direito da recorrida à cláusula penal, o que não foi objecto de recurso. Mas, quanto à indemnização pelo atraso na restituição do veículo, e embora reconhecendo que a mesma não estava prevista nas condições gerais do contrato, concedeu-a nos termos pedidos por ter como aplicável o disposto no art. 1045º, nº 1 do CC.</font><br>
<font>E o acórdão sob revista confirmou este entendimento, dizendo que, tratando-se de um contrato de aluguer, os prejuízos não têm que ser demonstrados, visto o montante da indemnização decorrer da lei, por isso não havendo que elaborar base instrutória. </font><br>
<font>A reacção da recorrente a este propósito limita-se à invocação de que haveria que determinar o montante justo da indemnização, já que impugnara na contestação o pedido formulado. E o único fundamento jurídico que avança em seu favor é o de que a orientação seguida equivale a um enriquecimento sem causa.</font><br>
<font>Sabe-se que o enriquecimento sem causa é um instituto de aplicação subsidiária - cfr. art. 474º e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição, pgs. 513 e segs..</font><br>
<font>Havendo responsabilidade civil, o instituto do enriquecimento sem causa pode ser invocado, cumulativamente, a favor do lesado se o montante do enriquecimento for superior ao do dano ou para evitar que, com utilização do previsto no art. 494º, se fixe uma indemnização inferior a este.</font><br>
<font>Mas não pode servir para que o lesante se exima a pagar uma indemnização correspondente ao valor dos danos e aos critérios legais aplicáveis, já que, em tal caso, o que é devido ao lesado tem uma base jurídica assegurada.</font><br>
<font>O seu recebimento pelo lesado tem uma causa legítima.</font><br>
<font>E, tratando-se de responsabilidade civil contratual, o mesmo princípio tem aplicação.</font><br>
<font>A indemnização deve corresponder, pois, e em princípio, aos danos causados.</font><br>
<font>Mas o seu cálculo concreto não é necessário se a lei fixa de forma taxativa o montante indemnizatório.</font><br>
<font>Sucede tal, no âmbito do contrato de locação, com o atraso na restituição da coisa locada findo o contrato - cfr. art. 1045º, nº 1, que manda calcular a indemnização em medida igual às rendas ou alugueres correspondentes à demora.</font><br>
<font>É esta a natureza do contrato celebrado entre as partes, pelo que a construção jurídica feita nas instâncias merece ser confirmada.</font><br>
<font>Assim, a existência de factualidade controvertida não tem, no caso, que dar lugar à sua investigação em julgamento porquanto o valor real e concreto que viesse a ser apurado, fosse ele qual fosse, sempre seria de desprezar devido à solução abstracta que a lei impôs.</font><br>
<br>
<font>Improcede, pois, a tese defendida a este propósito pela recorrente.</font><br>
<font>Questão II</font><br>
<font>A recorrente considera, contra o que se disse no acórdão recorrido, que a entrega do veículo à recorrida, feita no âmbito da providência cautelar, não foi provisória e que, por isso, nada mais havia a decidir sobre esse assunto, já que nele ficou arrumada a questão da posse que versava.</font><br>
<font>Esta posição revela uma profunda incompreensão da natureza dos procedimentos cautelares.</font><br>
<font>Estes destinam-se a obter uma composição provisória dos interesses discutidos entre as partes para assim acautelar a sua solução definitiva no processo principal de que o procedimento cautelar é dependência.</font><br>
<font> Assim, a apreensão efectuada na sequência do despacho judicial aí proferido não correspondeu a mais do que o acautelamento da entrega que definitivamente haveria de ser feita se viesse a ter lugar o reconhecimento da resolução declarada pela recorrida, entrega essa que mais não seria do que a efectivação do dever de restituição desta resolução decorrente.</font><br>
<font> E, por isso, tem que haver uma decisão que converta, formalmente, em definitiva aquela entrega provisória.</font><br>
<font> Acaso não reparou a recorrente que a apreensão foi pedida, no requerimento inicial desse procedimento cautelar, como ponto de partida para uma entrega do veículo em termos necessariamente provisórios, visto se referir aí a sua entrega à recorrida como fiel depositária, através de pessoa que indicou?</font><br>
<font> E que foi nesses precisos termos que a entrega foi feita, como se vê de fls. 50 e 51 do apenso?</font><br>
<font> Se é certo que neste momento a recorrente já não tem o veículo em seu poder, sendo já a autora quem o detém, e que por isso parece não fazer sentido, em termos puramente lógicos, ordenar aquela entrega, não é menos certo que a regulação definitiva deste ponto do litígio deverá ser feita através da menção, que em fase decisória terá lugar, de que se considera já feita e confirma aquela entrega como consequência da resolução contratual.</font><br>
<font>Releva aqui decisivamente a circunstância de nesta acção se pedir uma restituição com um determinado pressuposto bem claro - a resolução do contrato, e não a posse -, e é isto mesmo que tem que ser providenciado; não se trata de conferir a posse em si mesma, mas de fazer cumprir a obrigação de restituição.</font><br>
<font>Não se discute a posse, mas a responsabilidade contratual.</font><br>
<br>
<font> Nenhuma inutilidade sobreveio, portanto, a este propósito.</font><br>
<font> Questão III</font><br>
<font> A recorrente defende que a condenação em juros foi proferida em termos que violam o art. 30º, nº 1 do CPEREF.</font><br>
<font>Já atrás se disse, a propósito da questão IV, que a pendência de um processo de recuperação de empresa não tem reflexos no andamento de acções declarativas propostas contra a empresa, nem na decisão das mesmas.</font><br>
<font>Assim, não é nesta acção que há que tirar consequências, quanto a juros, ao abrigo do art. 30º, nº 1; tal terá lugar no processo de recuperação, onde haverá todos os elementos para saber se a medida de gestão controlada ainda se mantém, e em que termos.</font><br>
<font>Acresce que a recorrente nem sequer deu, como lhe cumpria, os elementos necessários para fazer funcionar esse dispositivo, designadamente, vista a remissão nele feita para o art. 29º, as datas a que se refere o seu nº 2.</font><br>
<br>
<font> Nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido, salvo no tocante à condenação da ré na entrega do veículo, que se substitui pela declaração de que com a entrega feita em sede de providência cautelar se tem como cumprida a obrigação de restituição decorrente da resolução do contrato celebrado entre a autora e a ré.</font><br>
<font> Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.</font><br>
<br>
<font> Lisboa, 12 de Março de 2002</font><br>
<font> Ribeiro Coelho (Relator)</font><br>
<font> Garcia Marques</font><br>
<font> Ferreira Ramos</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
cDLhu4YBgYBz1XKvv07p | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. 1. - "A" intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra B e C, em que pediu a condenação dos Réus a entregarem-lhe, livre e devoluto, o 2.º andar esquerdo do prédio sito na Rua 5 de Outubro, n.º ..., em Lisboa e a pagarem-lhe a indemnização de esc. 280 000$00 por cada mês ou fracção em que conservem o imóvel na sua posse, com início em 1/12/99 e termo na data da restituição do imóvel, pretensão que fundou na caducidade do contrato de arrendamento celebrado com D, que facultara a utilização do arrendado pelos RR. para nele exercerem a medicina.<br>
<br>
Na contestação única que apresentaram, os RR. pediram a absolvição dos pedidos sustentando estarem no local a exercer medicina por direito próprio, pois o contrato de arrendamento foi alterado por transacção, sendo a instalação dos RR. no andar do conhecimento da A. desde 1990 e 1995, a qual os considerou e reconheceu como locatários, ora por inclusão no contrato através da transacção, ora recebendo rendas após a morte do Dr. D.<br>
<br>
Na fase de instrução, os RR. requereram separadamente o depoimento de parte do respectivo comparte a pontos não coincidentes da base instrutória, pretensão que, por verem indeferida, impugnaram.<br>
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Fixada data para julgamento, mediante aceitação da que foi proposta, na data designada para o acto o Ex.mo Advogado do R. C fez chegar ao processo um requerimento, datado do dia anterior, a pedir o adiamento da audiência, invocando só ter tido conhecimento da mesma no dia anterior por erro de agendamento provocado por erro correspondente na notificação que lhe foi feita pela Secretaria, requerimento sobre o qual recaiu decisão de indeferimento, impugnada através de recurso de agravo.<br>
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A final, na parcial procedência da acção, os RR. foram condenados a restituírem o imóvel e a indemnizarem a A. no montante de € 1 246,99 por cada mês decorrido desde Dezembro de 1999, incluído, até efectiva entrega.<br>
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Ambos os Réus apelaram.<br>
A Relação negou provimento aos agravos e confirmou a sentença.<br>
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1. 2. - Interpôs cada um dos Réus seu recurso de revista.<br>
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1. 2. 1. - O Réu C pede a revogação da decisão que não admitiu os depoimentos de parte, da que não determinou o adiamento da audiência por falta de advogado, da sentença e do acórdão recorrido, para o que levou às conclusões:<br>
1. No que concerne à não admissão dos depoimentos de parte requeridos pelos Réus, a decisão recorrida está em oposição com o acórdão da Relação de Coimbra, de 13 de Outubro de 1976 e pode ser reapreciada;<br>
Os depoimentos devem ser admitidos, não só de acordo com o disposto no art. 553.º-3 CPC, como por respeito pelo direito constitucional à prova que integra o direito à acção judicial contemplado no art. 20.º da Lei Fundamental <br>
2. Na parte que respeita ao não adiamento da audiência por falta do advogado do Recorrente, a decisão recorrida está em oposição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Novembro de 2002;<br>
Deve determinar-se o adiamento da audiência, em consonância com o que está consignado no art. 651.º-1-d) conjugado com o n.º 5 do art. 155.º CPC, como também por força do art. 208.º da Constituição, que consagra o patrocínio forense como «elemento essencial à administração da justiça».<br>
3. É manifesto o vício de falta de competência e mesmo de jurisdição para proferir a sentença do juiz que não seja aquele a quem foi distribuído o processo ou o juiz que o tenha vindo a substituir por decisão do Conselho Superior da Magistratura;<br>
Além de pôr em causa o princípio da independência do juiz que por qualquer outro meio venha a ser designado para a proferir, viola, também, o princípio da aleatoridade na determinação do juiz que decorre do art. 209.º CPC e contradiz o n.º 5 do art. 646.º do mesmo diploma, conjugado com o art. 658.º. pelo que a sentença da 1.ª instância deve ser revogada e substituída por outra a elaborar pelo juiz do processo e do julgamento.<br>
4. A decisão recorrida, ao interpretar o contrato que se estabeleceu entre o falecido Dr. D, a Autora, o R. Dr. B e o Recorrente não teve em conta nem o disposto no art. 237.º C. Civil, nem as presunções referidas no ac. R.L. de 18/1/1, proferido no processo 9479/00;<br>
5. Nem teve em devida consideração o disposto no n.º 2 do art. 1311.º C. Civil que, conjugado com os arts. 342.º a 346.º, 349.º a 351.º e 360.º, havia de constituir, a favor dos RR., pelo menos, a presunção dos factos em que estribam o seu direito ao arrendamento.<br>
A Autora, com o comportamento que assumiu a partir da data em que o Dr. D deixou de dar consultas no andar dos autos, e mesmo após a morte dele, servindo-se, inclusive, da renúncia ao arrendamento por parte da sua viúva para pôr fim ao arrendamento, está a actuar, à luz do art. 334.º C. Civil, em manifesto abuso de direito, não só por venire contra factum proprium, mas também por ter criado expectativas legítimas ao Recorrente de que este podia continuar a exercer a profissão onde, desde 1985, sempre a exerceu e se recusa, agora, sem causa legítima, a confirmá-las.<br>
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1. 2. 3. - Por sua vez, o Réu B, para pedir a revogação do acórdão e absolvição do pedido, ou a repetição do julgamento, verte nas conclusões:<br>
1. Não admitindo no depoimento pessoal do co-réu, o Tribunal «a quo» cometeu nulidade, por violação do n.º 3 do art. 553.º CPC;<br>
Em matéria de prova deve decidir-se, em caso de dúvida, pela admissão, e não pela restrição, pois interessa ao julgador que lhe seja dado o maior número de possibilidades de conhecer a verdade - a admissão do requerido depoimento do co-réu, não obstante a apresentação de contestação comum.<br>
2. A Relação não se pronunciou e não atribuiu qualquer valor ao documento superveniente - certidão judicial, junta em 7/10/2002 -, expressamente admitido, donde constam afirmações da testemunha E em contradição com o que depôs em audiência;<br>
Verifica-se o caso excepcional previsto no n.º 2 do art. 722.º (art. 729.º-2 CPC), devendo ser ordenada a repetição do julgamento, com vista a obter-se nova decisão da matéria de facto, liberta de contradições básicas e fundamentais;<br>
3. O Co-réu C foi privado, ilegitimamente e por erro imputável à Secretaria, da defesa a que tinha direito, com clara violação dos arts. 651.º-1-d) e 155.º-5 CPC, como do art. 208.º CR:<br>
4. A Recorrida, que tinha conhecimento da permanência no locado do Recorrente, e que a renda era efectivamente paga pelos médicos que exerciam clínica no andar, continuou a receber as rendas, manifestando vontade em manter estável a relação de locação relativamente aos Recorridos;<br>
A Recorrida reconheceu os Recorrentes como arrendatários, com a atitude de concordância, mantida desde 1990 até à instauração da acção, verificando a sua permanência no locado, recebendo deles rendas, mesmo já depois da morte do Dr. D, demonstrando sempre intenção de manter estável a relação de locação; <br>
5. A decisão recorrida, ao interpretar o contrato estabelecido entre o falecido Dr. D, a Autora e os Recorrentes, não teve em conta, nem o disposto no art. 237.º C. Civil, que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração prevalece, nos negócio onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações, nem as presunções a retirar da matéria, em violação da norma do art. 1038.º C. Civil;<br>
O acórdão recorrido, apenas retirando a qualificação de "inquilino", dada ao falecido, na transacção, sem enquadrar juridicamente as circunstâncias apuradas, erra face ao disposto nos arts. 236.º a 239.º C. Civil;<br>
Na interpretação dos contratos, feita nos termos do art. 236.º-1, deve atender-se a todas as circunstâncias do caso concreto, não sendo suficientes os termos do negócio ou o texto do respectivo documento;<br>
6. Deve ampliar-se a matéria de facto, nomeadamente quanto aos arts. 16 a 18, 33 a 36, 38 e 39 da contestação, factos alegados com interesse para a interpretação do contrato ou para o conhecimento do abuso de direito e que não foram atendidos na decisão da matéria de facto;<br>
7. Ocorreu, pelo menos, cedência válida, não precária, dos gabinetes, ao longo dos anos, por parte do Dr. D aos Recorrentes, para neles exercerem autonomamente actividade médica, tendo-se aquele demitido do uso e fruição exclusivos do andar, pelo menos em 1990;<br>
Assim não entendendo, o acórdão recorrido violou o art. 122.º do RAU;<br>
8. A decisão recorrida viola o princípio da tutela da confiança - art. 2.º CR - e constitui abuso de direito, nos termos do art. 334.º do Cód. Civil.<br>
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1. 2. 4. - A Recorrida respondeu.<br>
Levantou a questão da insusceptibilidade de conhecimento das questões processuais da não admissão dos depoimentos de parte, do não adiamento da audiência e do juiz do julgamento/juiz da sentença, por sobre elas não ser admissível recurso do acórdão da Relação, pronunciou-se sobre a improcedência das questões objecto do recurso e pediu a condenação dos Recorrentes no pagamento de indemnização, correspondente aos honorários do seu mandatário (€ 4 165,00, com IVA incluído), como litigantes de má fé, por continuarem a insistir no reconhecimento da qualidade de inquilinos, que sabem não ter. <br>
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2. - Questões a conhecer.<br>
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2. 1. - Como do conteúdo das conclusões dos recursos decorre, há questões comuns, porque suscitadas por ambos os Recorrentes, e outras exclusivamente colocadas por cada um dos RR..<br>
<br>
Assim, como questões comuns a ambos os recursos surgem as seguintes:<br>
1 - Se são admissíveis os requeridos depoimentos dos compartes;<br>
2 - Se deveria ter-se determinado o adiamento da audiência por falta do Mandatário do R. C;<br>
3 - Se os Recorrentes detêm a posição de arrendatários, ora por lhes advir do contrato, ora por via de reconhecimento posterior pela Recorrida;<br>
4 - Se houve cessão da posição contratual de arrendatário aos RR., válida e eficaz; e, <br>
5 - Se a actuação da Autora configura abuso de direito. <br>
Às questões referidas, o R. C acrescenta a de saber: <br>
6 - Se há falta de jurisdição ou competência do juiz que proferiu a sentença e suas consequências.<br>
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Das conclusões do R. B constam mais duas:<br>
7 - Se deve repetir-se o julgamento, com ampliação da matéria de facto, por desconsideração pela Relação do documento junto em 7/10/2002; e,<br>
8 - Se deve proceder-se a idêntica repetição e ampliação por forma a ter em conta o alegado em 16, 17, 18, 33, 34, 35, 36, 38 e 39 da contestação, por relevante para a interpretação do contrato e o abuso de direito. <br>
<br>
- A tudo há a acrescentar a questão da litigância de má fé proposta pela Recorrida.<br>
<br>
2. 2. - Na apreciação das várias questões seguir-se-á a ordem por que foram colocadas nos recursos, sem prejuízo da legal prioridade das questões processuais sobre as de mérito da causa (arts. 726.º, 713.º-2, 659.º e 660.º CPC), bem como em conjunto as questões comuns aos recursos.<br>
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3. - Matéria de facto.<br>
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A Relação teve como provados os seguintes elementos de facto.<br>
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3. 1. - No julgamento do agravo sobre o indeferimento dos depoimentos de parte:<br>
- Na fase processual prevista no art. 512.º CPC, veio cada um dos RR., em requerimentos separados, pedir o depoimento recíproco e mútuo do outro R., ambos indicando os quesitos 7.º a 15.º da base instrutória como matéria sobre que deveria incidir o depoimento;<br>
- No mesmo requerimento, ou no outro em que arrolam testemunhas, nada mais acrescentam sobre um eventual ou subsidiário oferecimento dos réus como testemunhas;<br>
- Os quesitos 7.º a 15.º versam a defesa da contestação conjunta dos RR. consubstanciada num reconhecimento, por parte da Autora, dos RR. como seus arrendatários no prédio objecto do pedido.<br>
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3. 2. - No julgamento do agravo relativo ao não adiamento da audiência:<br>
- Decorrido o prazo previsto no art. 512.º CPC, foi, em 29/11/2000, proferido despacho (fls. 94 e ss.) no qual, além do indeferimento do depoimento de parte objecto do agravo referido, foi sugerida a data de 20/06/001, pelas 10 horas, "com vista à obtenção de acordo com os ilustres mandatários judiciais", ordenando-se a notificação destes para, no prazo de 5 dias, virem esclarecer se concordam com a data sugerida e, se nada disserem se considerará que acordam naquela, para os fins do art. 651.º, entre outras consequências, podendo nesse prazo as partes acordar noutra data das que logo (no mesmo despacho) foram indicadas;<br>
- Este despacho foi notificado às partes, por carta registada enviada em 5/12/2000;<br>
- Por requerimento de 19/12/2000, foi, pelos RR., interposto recurso do citado despacho no tocante ao indeferimento do depoimento de parte;<br>
- Na mesma carta de notificação, de 5/12/2000, além de se referir à cópia do despacho de 29/11/2000 que foi integramente enviada aos Mandatários dos RR., refere-se que o julgamento foi designado para o dia 25/6/2001;<br>
- No dia do julgamento marcado, 20/6/2001, o Mandatário do R. C deu entrada em juízo do requerimento, datado de 19/6/001, a fls. 171/2), em que se refere que só ontem - 18/6/001 -, quando se encontrava em tratamento nas Termas de S. Pedro do Sul, se apercebeu que o julgamento está designado para o dia 20/6/001, quando tinha na agenda a data de 25/6/001, por tal constar da quadrícula 25 da carta de notificação, e não se ter apercebido aquando da notificação da diferença entre o teor do despacho e da carta de notificação, requerendo o adiamento da audiência;<br>
- Com aquele requerimento enviou fotocópia da carta de notificação sem o verso onde constava a quadrícula 25 citada e fotocópia do despacho que marcou o julgamento;<br>
- Aberta a audiência, a que não compareceu o referido Mandatário do Recorrente, foi decidido indeferir tal requerimento.<br>
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3. 3. - Quanto ao fundo da causa:<br>
a. A Autora é a única dona do prédio urbano sito na Av. 5 de Outubro, n.ºs 16 a 16E;<br>
b. Por escritura pública de 12/9/1969, a A. e seu pai, O, por um lado, e o Dr. D, por outro, celebraram o contrato de arrendamento com fiança, nos termos do qual os primeiros deram de arrendamento ao último o segundo andar esquerdo do referido prédio;<br>
c. Neste acordo ficou estipulado que "o andar arrendado destina-se ao exercício de profissões liberais, designadamente de consultórios médicos, com excepção de dentistas, não podendo, porém, ali exercer a profissão mais de seis médicos, incluindo o arrendatário";<br>
d. Ao abrigo do acordado, o Dr. D facultou aos RR. o acesso ao andar referido, para aí exercerem a profissão de médicos;<br>
e. Em 20/4/1988, a A. intentou acção especial de despejo contra o DR. D, alegando que o R. possibilitou o uso do locado a sete colegas seus que ali praticavam juntamente com o Réu;<br>
f. Este processo terminou por transacção, de cujo termo consta o seguinte acordo:<br>
"I - Manutenção do contrato de arrendamento actual;<br>
II - A A., porém, acede a que, enquanto os médicos que exercem clínica no consultório com o R. forem os actuais 7, adiante indicados, manter-se-á a situação actual;<br>
III - Quando um ou dois desses 7 médicos deixarem de exercer clínica no local por qualquer motivo, não poderão ser substituídos por outro ou outros colegas, tendo-se por válida e eficaz a cláusula restritiva do arrendamento que limita o número a cinco além do inquilino, independentemente da identidade de cada um;<br>
IV - Os médicos citados na al. II são os seguintes: Dr. F, Dr. G, Dr. H, Dr. I , Dr. J, Dr. L e Dr. C".<br>
g. O Dr. B exerce clínica no andar em causa desde finais de 1994;<br>
h. Desde 1995, quanto ao Dr. B, e desde data anterior, quanto ao Dr. C, existiram placas e tabuletas à entrada principal do prédio com o nome dos mesmos;<br>
i. A representante da A., M, reside no r/ch. do prédio referido em a.;<br>
j. A instalação do R. Dr. B era e é do conhecimento da representante da A. desde 1995 e a instalação do Dr. C do conhecimento da A. desde 29/10/90;<br>
l. Já saíram do consultório os médicos Drs. F, G, N, L, J, sendo o 2.º e o 4.º por morte e os restantes por se terem mudado para outros locais;<br>
m. Desde finais de 1994, o Dr. D só esporadicamente se deslocava ao consultório;<br>
n. No dia 14 de Maio de 1999 faleceu o Dr. D;<br>
o. A representante da A., sem dar prévio conhecimento a esta, depositou um cheque pessoal do Dr. B, emitido para liquidar a renda vencida no início de Julho de 1994, tendo sido dada quitação dessa renda em nome do Dr. D;<br>
p. Os RR. exercem medicina a qualquer hora do dia ou da noite;<br>
q. Por carta de 2/11/1999, N comunicou à A. que renunciava à transmissão do direito ao arrendamento;<br>
r. Com data de 28/10/99, os RR. enviaram à A. a carta de fls. 19, nos termos da qual informaram a A. que receberam uma carta, datada de 2/10, de N em que esta anunciava a sua recusa ao arrendamento do consultório; mais afirmam que reiteram o propósito de os RR. continuarem a trabalhar, estando dispostos a tomarem a posição do Dr. D, como arrendatários;<br>
s. Por carta registada com A/R, datada de 8/11/99, o advogado da A., em representação desta, notificou os RR. para procederem à entrega do imóvel, livre e devoluto, até ao dia 30/11/1999, carta que os RR. receberam;<br>
t. Os RR. responderam à carta acabada de referir, por carta de 3/12/99, comunicando que "não aceitam o pedido de entrega do andar, (...) porquanto nos faz falta para continuarmos a exercer a actividade profissional que nele temos vindo a exercer há muito tempo".<br>
u. O andar dos autos tem sete assoalhadas e uma área superior a 200 metros quadrados;<br>
v. O prédio está situado próximo da Praça do Saldanha, quase em frente ao Edifício Monumental, zona que tem grande procura para o exercício de profissões liberais ou para habitação;<br>
x. Pelo facto de os RR. não terem entregue o andar à A., esta ficou privada de obter os rendimentos que normalmente iria usufruir com a celebração de novo contrato de arrendamento;<br>
z. A A. poderia arrendar o andar por esc. 250 000$00 mensais.<br>
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4. - Mérito dos recursos.<br>
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4. 1. - Primeira questão. - Depoimentos de parte.<br>
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Tendo apresentado contestação única, os RR, requereram reciprocamente o depoimento de parte à mesma matéria dos quesitos 7.º a 15.º, extraídos de matéria da contestação comum, pretensões que formularam em requerimentos separados e autónomos, apresentados na mesma data daquele em que arrolaram testemunhas, este novamente conjunto. <br>
Os requerimentos foram indeferidos com fundamento em que, por o objecto dos pretendidos depoimentos incidir sobre matéria favorável à posição comum dos RR, a confissão sobre a mesma é inadmissível sendo-o, nos mesmo termos, o meio processual destinado a provocá-la, fundamento que a Relação, conhecendo do recurso de agravo, acolheu.<br>
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4. 1. 1. - Liminarmente há que decidir se a questão deve ser conhecida, pois que, tendo sido objecto de recurso de agravo, a possibilidade de apreciação da violação da lei adjectiva encontra-se condicionada à admissibilidade de recurso da decisão da Relação sobre o objecto do agravo, o que, por sua vez, só tem lugar quando se verifique alguma das excepções previstas nos nºs 2 e 3 do art. 754.º CPC (art. 722.º.º1 do mesmo diploma).<br>
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Invocam os Recorrentes oposição entre a decisão proferida neste processo e a proferida em acórdão de 13/10/76, da Relação de Coimbra (CJ, I-3.º-571).<br>
Aí se decidiu, efectivamente, ser admissível o depoimento de parte do segurado, requerido pela seguradora, apesar de incidir sobre matéria de facto por ambos alegada num único articulado, por não poder considerar-se um acto inútil, na medida em que "a explanação feita num articulado de maneira alguma se pode considerar como impossível de esclarecer, corrigir e completarem sua exposição oral, sobretudo cabendo o interrogatório ao juiz, naturalmente orientado em busca da verdade (...)", e que "em matéria de prova se deve decidir, em caso de dúvida, pela sua admissão", sendo que entre seguradora e segurado não repugna admitir engano daquela provocado pelo último e a "necessidade daquela primeira se esclarecer completamente e em segurança".<br>
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Para além das especificidades da situação apreciada no acórdão de 76, nomeadamente no que toca à óptica sobre que foi apreciada - a da utilidade ou inutilidade do depoimento e a relação seguradora/segurado -, afigura-se-nos existir a invocada contradição, pois que a questão fundamental e que o acórdão admite sem discussão é a mesma: - a admissibilidade do depoimento pedido por comparte, em litisconsórcio voluntário, havendo contestação única e comum.<br>
Entende-se, ainda, que o aditamento do n.º 1 do art. 552.º CPC, operado na reforma de 1995/6, introduzindo o poder-dever de o juiz, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes para prestação de depoimento sobre factos que interessam à decisão da causa, não afasta o cumulativamente exigido requisito de ambas as decisões terem sido proferidas sob a mesma legislação, pois que o que está em causa não é o uso deste poder-dever do julgador mas o direito das partes de requererem e exigirem a produção de certo meio de prova, que é o depoimento de comparte, ao abrigo do n.º 3 do art. 553.º.<br>
Consequentemente, tendo-se como verificados os necessários pressupostos, conhecer-se-á da questão.<br>
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4. 1. 2. - A lei processual não fornece um conceito de depoimento de parte, nem estabelece directamente e em concreto o que dele pode ser objecto. Limita-se a dispor sobre quem pode prestá-lo, de quem pode ser exigido e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente.<br>
Esta regulamentação, só por si, permitiria a admissibilidade quase ilimitada do depoimento de parte, desde que a pretensão se movesse no campo dos factos de que a parte devesse ter conhecimento e não lhe fossem imputados, sendo criminosos ou torpes (art. 554.º).<br>
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O regime do depoimento de parte está (todo e só ele) inserido em secção subordinada à epígrafe "Prova por confissão das partes".<br>
A confissão, meio de prova, define-a a lei substantiva como «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» - art. 352.º C. Civil.<br>
Daqui decorre, conjugando regimes, que o depoimento de parte é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, como expressamente previsto no art. 356.º-2 C. Civ.. <br>
Ora, se depoimento de parte se destina a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e favorecentes da posição da parte contrária, então bem se compreende que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos "cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do art. 342.º do Código Civil» (M. ANDRADE, "Noções Elementares e Processo Civil", 1976, pg. 240).<br>
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A confissão, como meio de prova típico e diferenciado, escreve A. DOS REIS (Anotado, IV, 76), pressupõe o reconhecimento da verdade de facto contrário ao interesse do confitente; se a parte alega facto favorável ao seu interesse, não confessa, faz uma afirmação cuja veracidade tem de demonstrar, pela razão simples de que ninguém pode, por simples acto seu, formar ou fabricar provas a seu favor. A confissão constitui prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário.<br>
O depoimento de parte surge, assim, como um "testemunho qualificado pelo objecto (ser contrário ao interesse do seu autor)", o que não é o mesmo que o denominado «testemunho de parte», enquanto depoimento de parte de livre apreciação pelo julgador, à semelhança da valoração do depoimento das testemunhas, figura que a nossa lei não admite (vd. M. ANDRADE, ob. e loc. cit.; LEBRE DE FREITAS, "Anotado", 2.º vol., 464; Ac. STJ, 29/3/01, Proc. 544/01-7.ª Secção). <br>
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Deve, pois, aceitar-se que requerer o depoimento de parte sobre factos co-alegados pela própria parte sem que se tenha por objectivo o reconhecimento de qualquer facto desfavorável, ou cujo ónus de prova recaia sobre a parte contrária, se traduz num uso indevido desse meio de prova, por falta de correspondência funcional e teleológica entre o meio processual e o objecto do meio de prova fixado na lei.<br>
Volta-se a A. DOS REIS (ob. cit., 91), para retirar nota de que o n.º 3 do art. 553.º "não teve em vista resolver o problema da confissão-prova em caso de litisconsórcio (....)" deixando a "questão em aberto, não quis pronunciar-se sobre ela". Apenas se quis estabelecer que "não obsta ao depoimento de parte a circunstância de ter sido requerido por um comparte do depoente", mas já obstará, se bem interpretamos, a que a parte possa requerer o seu próprio depoimento.<br>
<br>
Consequentemente, o depoimento de comparte há-de ser ou não admissível consoante concorram ou não os pressupostos que ficaram enunciados.<br>
Assim, se o comparte toma posição ou alega factos diferentes do comparte que requer o seu depoimento, favoráveis a este e desfavoráveis àquele, permitirá o n.º 3 do art. 553.º que o depoimento lhe seja exigido.<br>
<br>
A lei, não só restringe o âmbito do depoimento aos factos susceptíveis de confissão, como exige a prévia indicação dos mesmos factos materiais ao tribunal (arts. 552.º e 554.º), o que só se justificará para lhe permitir o controlo dos requisitos substantivos da prova por confissão de parte.<br>
Ora, no caso presente, efectuado o controlo em causa através do confronto entre os factos indicados e a sua proveniência e natureza, leva a concluir pela ausência dos ditos requisitos susceptíveis de provocar declarações confessórias e, consequentemente, pela inadmissibilidade do depoimento pessoal recíproco do Co-réu (cfr., no sentido defendido, M. TEIXEIRA DE SOUSA, "Estudos sobre o Novo Proc. Civil", 325; acs. STJ de 20/4/99 e 26/10/99, proc. 115/99, 1.ª sec. e 622/99-6.ª sec.; RL, 15/12/94 e 3/10/00, CJ XIX-5-128 e XXV-4-103).<br>
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Resta referir que também se não vislumbra violação dos princípios que dimanam do art. 20.º da Lei Fundamental.<br>
Aí se consagra o direito geral à protecção jurídica e de acesso aos tribunais de que o direito à prova é entendido como uma das componentes.<br>
Dele decorre, por um lado, o dever de o tribunal atender a todas as provas produzidas no processo, desde que lícitas, independentemente da sua proveniência, princípio acolhido no art. 515.º-1 do CPC, e, por outro lado, a possibilidade de utilização pelas partes, em seu benefício, os meios de prova que mais lhes convierem e o momento da respectiva apresentação, devendo a recusa de qualquer meio de prova ser devidamente fundamentado na lei ou em princípio jurídico, não podendo o tribunal fazê-lo de modo discricionário.<br>
Porém, o direito à prova, nesta última vertente, que é a que ao caso cabe, como a generalidade dos direitos, não é absoluto, antes contém limitações de natureza intrínseca e extrínseca.<br>
Desprezando, agora, o caso das provas lícitas ou proibidas, prazos de apresentação, etc., bem podem considerar-se entre aqueles limites intrínsecos os atinentes à relevância da prova sob a perspectiva em que a lei "define e circunscreve exactamente o objecto do direito à prova relevante" (RUI RANGEL, "O Ónus da Prova no Processo Civil", 73, citando M. TARUFFO "Il diritto alla prova nel proc. civ., Riv. Dir. proc., 1984, 78); cfr., ainda, ISABEL ALEXANDRE, "Provas Ilícitas em Proc. Civil", 68 e ss.)<br>
Ora, justamente, como já atrás se pôs em relevo, o que aqui está em causa é essa limitação intrínseca postulada pela circunstância de os requerentes, ao fazerem afirmações da factos favoráveis aos seus interesses, que têm de demonstrar, se colocarem, quanto a esses factos, fora dos limites da eficácia da confissão, que é o meio de prova que pretendem utilizar. A confissão, como dito, não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero acto seu, formar provas a seu favor. <br>
Não se vê que fique vedado ao legislador ordinário regular a possibilidade de limitar o depoimento de parte por forma a impedir o exercício do direito de o prestar quando o respectivo objecto seja irrrelevante enquanto confissão, ou seja, quando se anteveja uma disfunção entre o meio processual e o fim tido em vista pela sua previsão.<br>
Deste modo, não haverá qualquer diminuição da tutela efectiva do "direito à prova", nem os Recorrentes ficaram, nem discricionária, nem injustificadamente, privados de produzir esse meio probatório - que não o era como confissão, objectivo normal do depoimento de parte -, a impor interpretação diferente da norma n.º 3 do art. 553.º CPC, por desconformidade com os princípios acolhido pelo art. 20.º CR.<br>
<br>
A resposta à primeira questão é, pois, negativa.<br>
<br>
4. 2. - Segunda questão - Adiamento da audiência de julgamento.<br>
<br>
Esta 2.ª questão, de saber se deveria ter-se determinado o adiamento da audiência por falta do Ex.mo Advogado do Réu C foi igualmente objecto de recurso de agravo.<br>
<br>
Coloca-se, mais uma vez, o problema prévio da possibilidade do seu conhecimento, atentas as restrições legais referidas no ponto anterior e nos precisos termos aí tratados.<br>
<br>
Pois bem:<br>
Vem invocada, como pressuposto de admissibilidade do agravo continuado, a contradição do decidido com a decisão proferida no acórdão da Relação de Lisboa, de 7/11/002(CJ, XXVII-5.º- 71e ss.).<br>
O acórdão recorrido negou provimento ao agravo rejeitando os fundamentos invocados de violação dos princípios do contraditório, do inquisitório e da cooperação e tutela jurisdicional, com a inerente violação das normas dos arts. 3.º, 176.º-5, 265.º e 266.º-B do CPC, ao que na decisão se acrescentou que o alegado no requerimento de adiamento configurava a arguição de uma irregularidade processual, que não integrava nulidade.<br>
O acórdão de Novembro de 2002, por sua vez, incide sobre a interpretação do n.º 5 do art. 651.º CPC, designadamente se, designada a data da audiência por acordo, a comunicação da impossibilidade de comparência de mandatário até à abertura da mesma, é causa de adiamento, o que mereceu resposta afirmativa.<br>
<br>
Ora, como é bom de ver, não há qualquer contradição entre as mencionadas decisões, que versam questões completamente diferentes, sendo que nunca, antes, o Recorrente, ou melhor, o seu Mandatário, invocou impossibilidade de comparência, nem isso resultava do conteúdo do requerimento (expedido na véspera de Lisboa e sem indicação de causa impossibilitante).<br>
<br>
Os termos em que a questão vem colocada na revista são inteiramente novos e adaptados à situação ajuizada no acórdão alegadamente contrariado.<br>
<br>
Também por esta via, a de que os recursos visam a reapreciação da decisão proferida na instância recorrida, a este Tribunal está vedado pronunciar-se sobre matéria não alegada na instância recorrida, questões nela não propostas ou pedidos aí não formulados. Como meios de impugnação das decisões, os recursos não visam o julgamento de questões novas - art. 676.º CPC (vd., por todos, M. TEIXEIRA DE SOUSA, "ob. cit.", 395)<br>
<br>
Consequentemente, primeiro por inimpugnável e depois pela novidade, não se conhece da questão. <br>
<br>
4. 3. - Sexta questão - Juiz competente para a sentença. <br>
<br>
O Recorrente C suscita a questão da falta de jurisdição ou de competência do juiz que proferiu a sentença, por não ser o mesmo que procedeu ao julgamento da matéria de facto. Não qualifica o vício, que no recurso para a 2.ª instância tratou como nulidade da sentença integrável no art. 668.º-1-a) ou no art. 201.º-2 CPC.<br>
A Relação afastou liminarmente a nulidade do art. 668.º, assinada que se mostrava a sentença, bem como a do art. 201.º, desde logo porque sanada por não arguida tempestivamente a irregularidade que, de resto, não admitiu ter existido.<br>
<br>
Como parece claro, imputando-se nulidade à sentença, reconheça-a e declare-a ou não a 2.ª instância, este Tribunal (Relação) terá de conhecer do objecto da apelação - art. 715.º CPC.<br>
Foi o que sucedeu: - a Relação não declarou a nulidade e conheceu do mérito do recurso e da causa.<br>
Logo, as nulidades de que a sentença da 1.ª instância pudesse enfermar, ou o são efectivamente, ou tem de se ter por supridas pelo acórdão da Relação, do que resulta que só de nulidades | [0 0 0 ... 0 0 0] |
czLgu4YBgYBz1XKv6k1v | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
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"A" instaurou contra "B, Lda." e "C, S.A.", acção ordinária, pedindo que estas sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de 30.850.000$00, para ressarcimento de prejuízos que sofreu com a falta de entrega de bens a transportar para a Austrália, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. <br>
Alegou que em Maio de 1996, contratou com a primeira ré o transporte, por mar, com destino a Sidney, na Austrália, dos bens que discriminou, no valor total de 22.250.000$00, e que, por sua vez, a "B, Lda.", contratou com a segunda ré o transporte por via marítima dos aludidos bens, que, porém, não foram entregues no destino por, segundo comunicação que recebeu, terem caído ao mar. <br>
Aduziu ainda que gastou 8.000.000$00 na aquisição de novos bens e que pagou 600.000$00 pelo serviço contratado à 1ª ré. <br>
As rés contestaram, quer por excepção quer impugnando a versão constante da p.i., requerendo ainda a "B, Lda.", a intervenção principal de "D, Lda." e de "E, S.A.", com fundamento em terem agido, a primeira como agente da segunda e esta como carregadora da mercadoria perdida. <br>
Admitida tal intervenção, a "D, Lda." apresentou articulado próprio.<br>
Houve réplica.<br>
A final foi proferida sentença que absolveu a ré "C, S.A." do pedido e condenou a ré "B, Lda.", a pagar ao A. 98.199,96 euros (19.687.326$00), com juros legais desde a citação até integral pagamento.<br>
Apelou esta ré para a Relação do Porto que, todavia, confirmou a sentença.<br>
<br>
Recorre agora a mesma ré de revista, formulando as seguintes<br>
Conclusões:<br>
I- Aquilo a que a recorrente "B, Lda." se obrigou, através do contrato que celebrou com o A., foi ao desenvolvimento das diligências necessárias ao transporte de Leixões para Sidney do contentor em causa nestes autos, nos termos que constam da resposta clara dada ao quesito 1º; <br>
II- A recorrente deu cumprimento às suas obrigações de transitária recorrendo a uma congénere que operava o mercado da Austrália, a qual por sua vez contratou a ré "C, S.A." para efectuar o transporte por via marítima do contentor em causa até ao seu destino;<br>
III- O que aconteceu foi uma impossibilidade superveniente de cumprimento da obrigação que, de modo algum, pode ser imputada à ora Recorrente, a qual deu integral cumprimento às diligências a que se vinculara;<br>
IV- Só a concretização de um risco marítimo - fortuna de mar - inteiramente fora do controle da recorrente, impediu em absoluto a recepção do contentor em causa por parte do A;<br>
V- Embora a recorrente entenda que, no caso dos autos, interveio como transitária, na hipótese de se entender que estamos perante um contrato de transporte, teríamos sempre que concluir que o mesmo está subordinado às disposições da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento; <br>
VI- Assim sendo, a recorrente não poderia deixar de beneficiar da limitação de responsabilidade prevista no artº. 4º, nº. 5 da referida Convenção de Bruxelas, que o artº. 31º, nº. 1 do Decreto-Lei nº. 352/86, de 21 de Outubro fixou em 100.000$00 (498,80 euros) por unidade ou volume; <br>
VII- A responsabilidade da recorrente não poderia, em caso algum, ser superior a Euros 25.937,60;<br>
VIII- Desconhece-se em que momento o A. forneceu à R. as informações sobre os valor da mercadoria em causa, tanto mais que constam dos autos documentos assinados pelo A., apresentados na Alfândega de Leixões, com vista ao Despacho Aduaneiro da mercadoria, que evidenciam valores diferentes; <br>
IX- Não constando do conhecimento de carga os valores da mercadoria, o que constitui condição essencial para que tais valores sejam levados em conta, nos termos da parte final do primeiro parágrafo do artº. 4º, nº. 5 da já referida Convenção de Bruxelas, tem que se concluir que o valor de eventual condenação da recorrente, em circunstância alguma poderia ser superior ao referido nas conclusões VI e VII.<br>
Não foram apresentadas contra-alegações.<br>
Correram os vistos legais.<br>
Cumpre agora decidir.<br>
<br>
A Relação deu como provados os seguintes factos:<br>
1- Em 22 de Maio de 1997, a ré "B, Lda." comunicou ao autor, por fax, que tinha dado entrada no Tribunal Marítimo de Lisboa, notificação judicial avulsa, que constitui o documento nº. 7;<br>
2- A ré "B, Lda.", no exercício da sua actividade de transitário dedica-se à prestação de serviços a terceiros, no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens e mercadorias;<br>
3- A ré "C, S.A.", no exercício da sua actividade de armador dedica-se ao transporte por mar, de bens ou mercadorias; <br>
4- Em Maio de 1996, na sede da ré "B, Lda.", o autor contratou com aquela o transporte, por mar, com destino a Sidney, Austrália, dos bens constantes do ponto 3º da petição inicial, com os valores aí mencionados, com excepção do valor global das seis máquinas de costura, que era de 1.200 contos;<br>
5- Não operando a ré "B, Lda." com o mercado da Austrália, recorreu ela aos serviços da chamada "D, Lda.", a qual, por sua vez, em Junho de 1996, encarregou a ré "C, S.A." de efectuar o transporte marítimo daquele contentor MSCU 28777799, dizendo conter 52 objectos de uso pessoal, de Leixões para Sidney, no navio MSC Ariane; <br>
6- Para tanto, a ré "C, S.A." disponibilizou à referida "D, Lda." o contentor em causa, a fim de esta o recolher no parque de contentores, onde se encontrava parqueado, proceder ao seu enchimento e depois entregá-lo no terminal de contentores de Leixões, para ser carregado no navio;<br>
7- A referida "D, Lda." assim procedeu, tendo o contentor sido embarcado no navio MSC Ariane, que escalou Leixões a 8 de Junho de 1996; <br>
8- A ré "C, S.A.", através dos seus agentes locais de navegação em Matosinhos, facturou e cobrou da "D, Lda." as despesas locais e facturou e cobrou da chamada "E, S.A." o frete e as respectivas despesas adicionais correspondentes ao transporte em causa; <br>
9- Em finais de Julho de 1996, foi comunicado ao autor que o contentor que transportava aqueles bens caiu ao mar; <br>
10- Em 7 de Novembro de 1996, a ré "B, Lda." comunicou ao autor que tinha procedido a reclamação junto da companhia de navegação, a ré "C, S.A."; <br>
11- Em 16 de Janeiro de 1997, o autor requereu à ré "B, Lda." informações relativas à indemnização dos prejuízos sofridos; <br>
12- Em 20 de Janeiro de 1997, a ré "B, Lda." informou o autor que estava a tomar as providências necessárias para a resolução do problema; <br>
13- A não entrega dos bens causou ao autor os seguintes prejuízos:<br>
- 19.250.000$00, correspondentes ao valor dos bens embarcados;<br>
- 437.326$00, pagos pelos serviços contratados à ré "B, Lda.".<br>
<br>
Compulsados os autos, afigura-se que, discordando-se embora em parte da fundamentação do acórdão recorrido, nenhuma censura merece na parte dispositiva dele.<br>
Provou-se que a ré "B, Lda." se dedica, no exercício da sua actividade de transitária, à prestação de serviços a terceiros, no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens e mercadorias.<br>
Provou-se, todavia, também, que o autor contratou com ela o transporte, por mar, com destino a Sidney, Austrália, dos bens constantes do artigo 3º da petição inicial, com os valores aí mencionados, com excepção do valor global das seis máquinas de costura que era de 1.200 contos.<br>
Destes factos e da restante panóplia factual não resulta, ao invés do que entendeu a 2ª instância, que a ré "B, Lda." se não vinculou propriamente a proceder ao transporte das mercadorias, mas tão-só a colocá-las no destino indicado.<br>
Com efeito, o probatório revela, isso sim, que aquela ré não só ficou contratualmente obrigada a proceder às diligências necessárias ao transporte dos bens discriminados, com os respectivos valores, como também a proceder ao transporte dos mesmos, via marítima, de Leixões para Sidney, na Austrália. <br>
É isso o que deflui da matéria de facto e é corroborado pela circunstância de o pagamento do autor ter sido feito integralmente à mesma ré.<br>
E nem se diga que, sendo esta uma empresa transitária, não podia vincular-se a celebrar também um contrato de transporte de mercadorias por mar.<br>
O artº. 1º do DL nº. 43/83, de 25/1, diploma regulador da actividade das empresas transitárias à data do contrato, não vedava (nem tal é proibido agora pelo artº. 1º do DL nº. 255/99, de 7/7) a celebração e execução de contratos de transporte, que podiam livremente ser celebrados pelas firmas transitárias, executando-os directamente ou com o recurso a terceiros - artº. 367º do Código Comercial.<br>
Neste sentido já se pronunciou por mais de uma vez o STJ, podendo citar-se a título de exemplo, os acórdãos de 20.5.1997, na CJSTJ 1997, II, 84, e de 8.7.2003, também na CJSTJ, 2003, II, 147.<br>
Naufragam, destarte, as quatro primeiras conclusões recursórias.<br>
<br>
E, traçado o âmbito da vinculação contratual livremente assumida pela dita ré perante o autor, também não têm consistência as demais conclusões da minuta do recurso.<br>
Com efeito, o autor quando contratou com a "B, Lda." deu-lhe a conhecer os concretos bens a transportar até Sidney, bem como os respectivos valores, como mostra a matéria de facto assente, expendeu a Relação e resulta a todas as luzes da "Lista de Carga" elaborada pela ré "B, Lda.", que constitui o documento timbrado desta ré junto com o petitório a fls. 4.<br>
Não opera aqui, por conseguinte, a limitação de responsabilidade prevista nos artºs. 4º, nº. 5 da Convenção de Bruxelas de 25.8.1924, e 31º, nº. 1 do DL nº 352/86, de 21/10, porquanto, como bem se assinala no acórdão em crise, a comunicação dos bens, e respectivos valores, a transportar até Sidney, visou precisamente acautelar a indemnização que porventura viesse a ser devida ao autor, o que foi aceite pela ré.<br>
Nos termos do artº. 4º, nº. 5 da convenção de Bruxelas de 25.8.1924, o limite de responsabilidade não existiria se, quando a natureza e valor das mercadorias tivesse sido declarados pelo carregador antes do embarque, essa declaração tivesse sido inserida no conhecimento.<br>
Ora a "B, Lda.", contratando depois com outra firma, tinha por obrigação discriminar junto dela esses bens e valores.<br>
Se o não fez, sibi imputat!<br>
Não podem deixar de lhe ser imputáveis as consequências da eventual falta da devida informação ao carregador. <br>
Deve por conseguinte ser responsabilizada pelo prejuízo efectivamente sofrido pelo autor, por ter com ele celebrado o contrato de transporte em referência, sem embargo de poder eventualmente depois pedir responsabilidades a terceiros, relativamente aos quais o autor nada tem a ver por com eles não ter contratado.<br>
Como bem se decidiu no segundo aresto do STJ atrás citado, quando o transportador recorre a terceiro para cumprir as obrigações advindas do contrato celebrado, ou o faz no âmbito da celebração de um subcontrato, ou se serve de quaisquer pessoas ou entidades que o auxiliem no cumprimento dessas obrigações (artº. 800º, nº. 1 do Código Civil), continuando, em qualquer dos casos, obrigado ao cumprimento, pois, tanto numa como noutra das situações, é ele o sujeito da relação contratual de transporte que estabeleceu com o expedidor.<br>
Não faria qualquer sentido ter o autor de arcar com os prejuízos resultantes da perda do contentor que levava os seus bens, sob o pretexto de a "B, Lda.", na sua qualidade de transitária, não poder exercer a actividade de transportadora, e de a ré "C, S.A.", por não ter celebrado qualquer contrato de transporte com o demandante, não poder também ser responsabilizada.<br>
E seria ilógica, ferindo qualquer sã e recta consciência jurídica, a reivindicada limitação de responsabilidade, uma vez que o autor e a "B, Lda." ajustaram quais os bens que deviam ser transportados e os respectivos valores, visando desse modo, por mútuo e livre consenso, acautelar qualquer indemnização a que o autor porventura viesse a ter direito.<br>
<br>
Termos em que acordam em negar a revista, confirmando a decisão recorrida, embora com algo diversa fundamentação.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 16 de Março de 2004<br>
Faria Antunes<br>
Moreira Alves<br>
Alves Velho</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vjLiu4YBgYBz1XKv8U9K | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
"A" e mulher B propuseram contra "C - Construções, Lda.", acção a fim desta ser condenada a lhe pagar 3.160.000$00 (restituição, em dobro, do sinal prestado no contrato-promessa de compra e venda celebrado, por escrito, em 84.05.18, por ela culposamente incumprido), acrescidos de juros de mora desde a citação, a reconhecer a existência de direito de retenção sobre a fracção autónoma a si prometida vender (com traditio desde Agosto de 1985) e pedindo ainda que se decida que esta garantia real do seu crédito prevalece sobre qualquer hipoteca, ainda que anteriormente registada.<br>
Porque esta acção estava pendente à data do requerimento de reclamação de créditos na execução para pagamento de quantia certa que à ré estava movida, provocou a intervenção principal do exequente ("Banco D, E.P.") e dos credores interessados ("E", anexa ao "F", Estado, G e mulher H, I, J e mulher L, M e mulher N, O e mulher P, Q e mulher R, S, T, U, V, X e mulher Y, Z e mulher A', e interessados incertos.<br>
Contestando -<br>
a)- a "E" suscitou a questão prévia da inatendibilidade do escrito (por incumprimento das leis fiscais), excepcionou a nulidade do contrato-promessa (por omissão de formalismo) e impugnou, concluindo pela improcedência da acção;<br>
b)- o "Banco D, E.P." excepcionou a nulidade do contrato-promessa (por omissão de formalismo) e impugnou, concluindo pela improcedência da acção;<br>
c)- o Mº Pº, em representação do Estado e dos interessados incertos, para excepcionar igualmente a nulidade do contrato-promessa e ainda a não justificação dos poderes do procurador que pelo autor outorgou e a inexistência do direito de retenção, concluindo pela improcedência da acção;<br>
d)- o Mº Pº, em representação de I, em idênticos termos aos referidos na anterior al. c).<br>
Após réplicas, prosseguiu o processo até final onde a acção procedeu totalmente por sentença que a Relação, sob apelação da "F", manteve salvo no segmento a reconhecer aos autores o privilégio de ser pago preferencialmente (fundamento - a inconstitucionalidade material do nº. 2 do artº. 759º, CC).<br>
Inconformados com a revogação parcial da sentença, pediram revista os autores que, por defenderem a constitucionalidade daquela norma, pretendem a reposição total daquela decisão.<br>
Contra-alegando, a "F" pretende a ampliação do âmbito do recurso a fim de ser negada a revista e revogado o acórdão, julgando-se improcedente a acção.<br>
Ao abrigo do disposto nos artºs. 713º-6 e 726º, CPC, remete-se para o acórdão a descrição da matéria de facto considerada provada, sem prejuízo de eventual transcrição de alguma se necessário.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- No despacho liminar a receber o recurso de revista, relegou-se para este momento, o do acórdão, a decisão sobre a admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso pedida pelo recorrido que contra-alegou.<br>
Este não discute a matéria de facto dada como provada (cfr. as 6 primeiras conclusões das contra-alegações a fls. 460-461), salvo quanto ao facto apontado na conclusão 7ª, para dela retirar a nulidade do contrato-promessa (assistindo-lhe legitimidade para a arguir) sendo que, de qualquer modo, a existir, só de mora do devedor se poderia falar o que não conferia o direito de o resolver (conclusões 8ª e 9ª, para a primeira questão, e 10ª a 23ª relativamente à esta outra). No mais concluído, versa e defende a acima apontada inconstitucionalidade.<br>
Dispõe o artº. 684º-A, CPC, no seu nº. 1 que a parte vencedora pode pedir que se conheça de algum fundamento em que tenha decaído prevenindo a necessidade da sua apreciação e nº. 2 que o recorrido pode ainda, a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.<br>
Tendo a revista dos autores como objecto apenas a constitucionalidade da norma do nº. 2 do artº. 759º, CC, em nada interessa ao conhecimento do seu objecto e respectiva pronúncia a questão da validade do contrato-promessa nem a dos efeitos que da situação relativa à sua vida (incumprimento ou mora) possam derivar.<br>
Inadmissível, portanto, a ampliação se fundada nesse nº. 1.<br>
Ao acórdão não foi assacada qualquer nulidade.<br>
A impugnação da decisão quanto a determinado ponto da matéria de facto (conclusão 7ª), além de em nada interessar à segunda questão suscitada pela recorrida (não assistir ao autor o direito a resolver o contrato-promessa por, a existir, a situação ser apenas de mora e não de incumprimento; diz respeito à aludida nulidade do contrato-promessa), irreleva totalmente para o conhecimento do objecto do recurso.<br>
A "F" não recorreu de revista ainda que subordinadamente. Na questão da validade do contrato-promessa ela ficou vencida e, se queria obter a reforma do acórdão onde lhe foi desfavorável, tinha de recorrer (CPC- 682º,1).<br>
A ampliação requerida não pode ser admitida quanto a esta extensão pretendida.<br>
Todavia, também na extensão restante, não é legalmente admissível.<br>
Na realidade, aquele concreto ponto de facto impugnado (serem os intervenientes no contrato-promessa, pela ré, seus representantes e encontrarem-se por ela mandatados para a celebração de tal acto) desinteressa totalmente à única questão (constitucionalidade da norma do artº. 759º-2, CC) que os recorrentes suscitaram.<br>
O concreto pedido de ampliação do âmbito do recurso não encontra apoio no artº. 684º-A, CPC, não podendo ser admitido, o que se decide.<br>
<br>
2.- Pela presente acção declarativa proposta apenas se pode obter o título executivo e o reconhecimento de que para o pagamento da dívida constante daquela condenação gozam os autores do direito de retenção.<br>
Não dispondo de título exequível, os autores demandaram a ré para o obterem. Porque a acção estava pendente à data do seu requerimento de reclamação do crédito provocaram a intervenção principal do exequente e dos credores interessados.<br>
Com isto, a verificação do seu crédito é deferida por lei para a acção declarativa, não tem lugar no apenso próprio (CPC- 869º,1 e 2, e 865º-4).<br>
A graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, ficou a aguardar que os autores obtivessem na acção própria sentença exequível (CPC- 869º,1).<br>
Por isso, a discussão e pronúncia sobre a preferência que do mesmo possa em concreto resultar pertence à graduação de créditos sendo no respectivo processo que terá de ser feita.<br>
Não pode ser admitida essa discussão nem a respectiva pronúncia na acção declarativa instaurada.<br>
Deslocada aqui, portanto, a discussão e pronúncia sobre a constitucionalidade daquele nº. 2 do artº. 759º, CC, pelo que o acórdão da Relação não pode nesse tocante ser mantido.<br>
Objecto da revista apenas a conformidade ou não daquela norma à Lei Fundamental.<br>
Se a recorrida pretendia que o STJ discutisse as questões em que a decisão do acórdão lhe foi desfavorável - a validade e incumprimento do contrato-promessa - devia ter recorrido, para o que tinha legitimidade já que vencida (e não podendo nesta acção ser admitida a discussão que deve ter lugar no apenso onde a graduação dos créditos é legítimo concluir ter ficado totalmente vencida). Não o fez.<br>
<br>
Termos em, por diversa fundamentação, se nega a revista.<br>
Custas pelos autores.<br>
<br>
Lisboa, 11 de Novembro de 2003<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Reis Figueira</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
uTLgu4YBgYBz1XKvRUyH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
<p>
</p><p>I - Construções "A" intentou acção com processo ordinário contra B e mulher C; D e mulher E, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar a quantia de 3.076.000$00, correspondente ao crédito de que é titular a autora por força do contrato e aditamento celebrados com o réu B; a quantia de 2.000.000$00 correspondente ao preço pago pela autora pro conta da obra não executada numa vivenda; a importância de 2.800.000$00, a título de indemnização por aplicação da cláusula penal acordada ou 1.889.898$00 para ressarcimento de danos causados à autora.
</p><p>Contestando, os réus excepcionaram a ilegitimidade dos segundo réus e sustentaram não deverem as importâncias peticionadas.
</p><p>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência parcial da acção.
</p><p>Apelaram autora e réu.
</p><p>O Tribunal da Relação confirmou o decidido.
</p><p>Inconformados, recorrem para este Tribunal os réus D e mulher.
</p><p>Formulam as seguintes conclusões:<br>
- Errou o Tribunal recorrido quanto à aplicação da cláusula penal identificada nos autos;<br>
- Desta forma, incorreu o Tribunal recorrido no vício previsto no artigo 668º nº 1, alínea e) do CP Civil, ao ter atribuído à autora mais do que a mesma pediu;<br>
- Sendo desta forma o acórdão proferido nulo;<br>
- Não se entendendo desta forma, certo é que a mora do réu não decorreu no tempo fixado pelo Tribunal da Relação de Guimarães;<br>
- Bem pelo contrário, deve-se ter como fixado o início da mora do réu em 16 de Outubro e o seu fim em 9 de Dezembro do mesmo ano;<br>
- Uma vez que a devida interpretação do acordado entre as partes a título de cláusula penal levaria à conclusão que a mesma foi fixada para punir a mora na colocação das cozinhas em questão;<br>
- E resulta dos autos que as ditas cozinhas estavam instaladas em 9 de Dezembro de 1998;<br>
- Tal levaria à redução proporcional da cláusula penal;<br>
- Quanto ao seu quantitativo diário, não se poderá considerar a totalidade da cláusula penal, estabelecida pelas instâncias;<br>
- Isto porque a cláusula penal, sendo fixada para a mora na colocação de 28 cozinhas, deverá ter sempre em conta que em 8 de Novembro já estavam 8 cozinhas colocadas, tal como traduzem os autos;<br>
- Por outro lado, a autora aqui recorrida não logrou provar que a mora na colocação das cozinhas lhe tenha trazido qualquer prejuízo;<br>
- E, assim, o quantitativo diário de 50.000$00 surge manifestamente desproporcionado e inadequado à função que a cláusula penal deveria salvaguardar;<br>
- Devendo assim o mesmo ser reduzido pela aplicação do artigo 812º nº 1 do C. Civil;<br>
- Decidindo como o fez, violou o Tribunal recorrido o artigo 810º, 811º e 812º do C. Civil;<br>
- Mais cometendo a nulidade prevista no artigo 668º nº 1, alínea e) do CP Civil;<br>
- Injustamente, não fez uso do disposto no artigo 812º nº 1 e/ou 2 do C. Civil;<br>
- Não podendo, assim, ser mantida a presente decisão.
</p><p>Não houve contra-alegações.
</p><p>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
</p><p>Vem dado como provado:
</p><p>A autora dedica-se, com regularidade e intuito lucrativo, à construção civil;
</p><p>Sendo a actividade do réu B o fabrico, montagem e instalação de mobiliário de cozinha e casas de banho;
</p><p>Em 25 de Setembro de 1995, a autora e o referido réu celebraram entre si um contrato denominado "promessa de permuta com móveis de cozinha", mediante o qual aquele réu se obrigou a fornecer e instalar 15 cozinhas num prédio urbano de habitações, construído pela autora, sito no Lote 1 da Quinta de S. José, ao Areal de Cima, freguesia de S. Vítor, desta cidade, pelo preço de Esc. 135.000$00 por cada cozinha, dando o total de Esc. 2.025.000$00, pago mediante a dação de um apartamento de tipo T2, correspondente ao 1º andar direito de um prédio, sito no Lote A do Loteamento do Cruzeiro, freguesia de Ferreiros, desta cidade, com o valor de Esc. 10.500.000$00;
</p><p>A diferença de valores em favor da autora, constituindo um crédito do montante de Esc. 8.475.000$00, serviria para pagar ao réu B o fornecimento e instalação de novas cozinhas, ou outras empreitadas a acordar posteriormente;
</p><p>Tal compensação, contudo, teria de ser realizada até ao dia 30 de Setembro de 1997, podendo ademais a autora exigir ao réu, na falta daquele modo de cumprimento, o pagamento do seu crédito em dinheiro;
</p><p>Mediante aditamentos reduzidos a escrito, em 13 e 16 de Maio de 1996, a autora e o réu B, modificaram os termos do contrato em referência;
</p><p>Substituíram o apartamento acima identificado, que a autora se comprometeu a alienar em favor do réu, pela fracção T, correspondente ao 5º andar traseiras, de tipo T3, do prédio sito no lote B5 da Quinta de S. José, local agora denominado Praça do Bocage, com entrada pelo nº 33 de polícia, atribuindo a esta fracção o valor de Esc. 12.500.000$00;
</p><p>O réu obrigou-se adicionalmente a fornecer e aplicar os móveis de cozinha, e outros de casa de banho, numa vivenda construída pela autora no lugar do Rio, freguesia de Esporões, deste concelho, pelo preço de Esc. 2.000.000$00, bem como os móveis de cozinha de um prédio cuja construção a autora também empreendera no lote H6 da Quinta dos Congregados, actualmente designada Av. Antero de Quental, com entrada pelo nº 93 de polícia, pelo preço de Esc. 5.054.000$00;
</p><p>As partes alteraram igualmente o preço da empreitada inicial, do Lote 1 da Quinta de S. José, cifrando-o, em virtude de alguns extras, na importância de Esc. 2.370.000$00;
</p><p>O réu B obrigou-se a pagar o crédito resultante a favor da autora, pelos mencionados aditamentos, até ao dia 30 de Junho de 1998, mediante a prestação de materiais e mão-de-obra ou, na falta deste modo de cumprimento, em dinheiro;
</p><p>A fracção predial a entregar ao réu B encontrava-se já licenciada e pronta a habitar, aceitando a autora formalizar de imediato tal entrega, antecipando assim o cumprimento da sua prestação relativamente às do dito réu;
</p><p>Os réus D e E intervieram no aditamento a que se alude na qualidade de "fiadores", responsabilizando-se pelo cumprimento das obrigações pelos réus assumidas, até ao montante de Esc. 10.500.000$00, correspondente ao crédito da autora temporalmente referido àquela data de 13 de Maio de 1996;
</p><p>Além disso, o réu B subscreveu declaração de responsabilidade pelas reparações e defeitos das obras que se obrigara a executar, e emitiu e entregou à autora, para garantia do crédito desta, um cheque do mesmo valor;
</p><p>Logo em 17 de Maio de 1996, mediante contrato escrito, os réus B e C cederam a F, mediador imobiliário, o seu direito de aquisição da fracção predial que teriam a receber da autora, com autorização da autora, que ademais se comprometeu a celebrar com o novo adquirente, ou com outrem por este indicado, a escritura de compra e venda, mas sendo tais negócios realizados por iniciativa, conveniência e interesse dos réus B e C;
</p><p>O referido mediador, no exercício da sua actividade, negociou por sua vez com outros interessados a compra da fracção aludida;
</p><p>Assim, em 8 de Julho de 1996, a autora e os ditos compradores, G e H, outorgaram entre si a referida escritura pública de compra e venda, aquela vendendo e estes comprando a fracção predial mencionado, mas sendo o preço da venda integralmente recebido pelos réus B e C;
</p><p>Por faxes datados de 04.05.98 e 26.06.98, subscritos pelo réu B, este réu confessava atraso na montagem das cozinhas e protestava proceder à respectiva montagem;
</p><p>Em 3 de Setembro do mesmo ano de 1998, o réu B obrigou-se, por escrito assinado, a concluir a montagem de 9 cozinhas, dos apartamentos que mais urgia aprontar para entrega até ao dia 11 de Setembro, e das demais que lhe competia fornecer para o prédio do Lote H6 até à data de 2 de Outubro;
</p><p>Mais declarou o réu que, para ressarcimento dos danos causados com o seu incumprimento, pagaria à autora a quantia de Esc. 50.000$00 por dia de atraso relativamente aos prazos estipulados;
</p><p>O réu D, na mesma qualidade de fiador, resultante do aditamento de 13 de Maio de 1996, subscreveu igualmente a declaração aludida;
</p><p>O réu B celebrou com a autora o contrato em apreço nos autos, e obrigou-se a realizar as empreitadas no mesmo e nos seus aditamentos previstas, no normal exercício da sua actividade profissional, com cujos proventos faz face ao sustento do seu agregado familiar, nomeadamente às despesas de alimentação, habitação, vestuário e outras;
</p><p>A ré C, sua esposa, recebeu com o réu B o preço respeitante à venda da fracção predial da autora;
</p><p>O réu executou, em Esporões, mais 4 cozinhas com granito, para a autora;
</p><p>O preço relativo aos móveis a instalar na vivenda da freguesia de Esporões incluía o respectivo IVA;
</p><p>Quando a autora formalizou a entrega aos réus ou a outrem por estes indicado, da fracção predial, estavam por realizar, na totalidade, as obras referenciadas relativas ao Lote H6 e à vivenda;
</p><p>O réu B empreendeu a construção da cozinha da vivenda sita em Esporões, que deixou inacabada;
</p><p>O réu construiu as cozinhas do lote H6, com atraso relativamente ao compromisso referido;
</p><p>Até 30 de Junho, o réu não procedeu à montagem das cozinhas;
</p><p>Foi apenas em Julho que o réu B começou a obra;
</p><p>Mas trabalhou sempre de forma lenta e desfasada, colocando algumas mobílias de longe a longe e permanecendo largos períodos ausente;
</p><p>O réu executou de forma deficiente diversos dos trabalhos componentes da empreitada, de fabrico e aplicação;
</p><p>O réu B, em simultâneo com o fabrico e montagem de conjuntos novos, teve que reparar vários outros defeituosos, o que se repetiu e manteve ao longo de toda a obra;
</p><p>Com referência à declaração e documento aludidos, o réu D responsabilizou-se e garantiu o pagamento a que houvesse lugar por força da cláusula penal estabelecida;
</p><p>Apesar de tais compromissos, o réu B não concluiu a colocação das cozinhas atrás mencionadas nos prazos estabelecidos;
</p><p>O réu manteve, como até então, o mesmo ritmo lento e irregular;
</p><p>Apesar das permanentes invectivas da autora pedindo a pronta conclusão da obra, bem como a reparação de diversos defeitos de execução da mesma;
</p><p>A obra foi finalmente entregue ao réu, com todas as mobílias colocadas e sem deficiências de maior, cerca do Natal de 1998;
</p><p>Com excepção de uma mobília de cozinha de um dos apartamentos, mobília que foi negociada directamente entre a autora e o comprador do apartamento;
</p><p>A autora havia celebrado com diversos interessados, contratos de promessa de compra e venda tendo por objecto tais fracções, que se comprometera a entregar equipadas com as mobílias de cozinha;
</p><p>A obra incumbida ao réu B seria normalmente executada, por empreiteiro de mediana capacidade e diligência, no prazo máximo de 3 meses;
</p><p>A autora apenas pode ir efectivando os negócios prometidos à medida que as fracções ficavam prontas a habitar mediante a colocação das cozinhas, uma vez que a obra de construção civil e todos os demais acabamentos se encontravam já concluídos, desde antes do mês de Janeiro de 1998;
</p><p>Por causa da falta de mobiliário de cozinha, a autora viu-se forçada a atrasar a venda de algumas das fracções, relativamente às datas aprazadas com os promitentes compradores, recebendo com igual atraso os respectivos preços, que teria recebido mais cedo, não fora o atraso do réu;
</p><p>A empreitada do lote 1 já se encontrava concluída quando foi celebrado o primeiro aditamento ao contrato;
</p><p>Por outro lado, as cozinhas contratadas para o Lote H6 e serviços na vivenda só nessa mesma data e pelo referido aditamento foram contratados;
</p><p>Na vivenda de Esporões, o réu B executou uma cozinha e móveis de três casas de banho contratadas, sem prejuízo de não ter acabado a primeira, e, ainda, um móvel com lavatório para a piscina, uma casa de banho extra, o restauro da cozinha de castanho , da piscina, móveis em castanho para encastrar, máquina, banco em MDF lacado para a piscina, baguetes para rematar azulejos na piscina e restauro de móveis em mogno da denominada discoteca da vivenda;
</p><p>O valor dos trabalhos extra referenciados, que o réu B executou a pedido da autora, ascende a cerca de Esc. 1.000.000$00 sem IVA, que a autora não pagou;
</p><p>Para além de ter concluído as empreitadas dos lotes 1 e H6, o réu B executou igualmente nos apartamentos destes lotes, serviços e trabalhos extra;
</p><p>Em 13 cozinhas do lote 1 foi colocado granito em substituição do mármore previsto, no valor de Esc. 520.000$00, sem IVA;
</p><p>Em 5 cozinhas do lote H6 foi colocado granito em substituição do mármore, no valor de Esc. 200.000$00, sem IVA;
</p><p>As cozinhas do lote H6 têm dimensão superior às cozinhas do lote 1, em relação às quais foi fixado o valor unitário;
</p><p>A autora solicitou ao réu que procedesse à colocação de mobílias, em 30.01.98;
</p><p>Apesar do andamento irregular da obra, a autora continuou a trabalhar com o réu B noutras obras, confiando-lhe serviços;
</p><p>A autora enviou ao réu B, em 10.12.98, uma carta denunciando alguns defeitos e solicitando a sua reparação;
</p><p>O réu B procedeu à reparação de defeitos, após a entrega da obra;
</p><p>A construção das 4 cozinhas referenciadas ascendeu ao preço global de Esc. 631.800$00, com IVA incluído, resultado do preço unitário de Esc. 135.000$00;
</p><p>O réu B realizou diversas reparações naquele prédio do lote H6, com as fracções já ocupadas pelos compradores e novos proprietários.
</p><p>III - A autora, com base em contrato celebrado, pediu a condenação dos réus no pagamento de importância em dívida e ainda no pagamento de quantia resultante da aplicação da cláusula penal acordada.
</p><p>A acção foi julgada parcialmente procedente.
</p><p>Recorrem dois dos réus, discordando somente da aplicação da cláusula penal.
</p><p>Suscitam as seguintes questões:
</p><p>O Tribunal recorrido atribuiu à autora, quanto à aplicação da cláusula penal, mais do que ela pediu;
</p><p>A mora do réu não decorreu no tempo fixado pelo Tribunal;
</p><p>Deverá existir uma redução proporcional da cláusula penal;
</p><p>A cláusula penal é excessiva.
</p><p>São estas as questões a resolver.
</p><p>Em concreto, o 1º réu obrigou-se "ao pagamento da quantia de cinquenta mil escudos por cada dia de atraso, sem prejuízo dos danos já causados e que vão ser apurados".
</p><p>Atraso que respeita à colocação de cozinhas e casas de banho em prédio urbano, nos termos do contrato celebrado entre as partes, respondendo o ora recorrente como fiador (artigo 627º do C. Civil).
</p><p>Está-se face a uma estipulação pela qual as partes fixaram o montante da indemnização exigível ao devedor como sanção contra o atraso no cumprimento.
</p><p>Esse acordo configura uma cláusula penal (artigos 810º e 811º do C. Civil).
</p><p>A cláusula penal pode exercer uma função indemnizatória e/ou uma função compulsória. No primeiro caso os contraentes fixam, desde logo, a indemnização que será devida em caso de incumprimento da obrigação, no segundo recorrem à cláusula penal, com o intuito de incentivar o devedor ao cumprimento, servindo a importância que venham a fixar como medida compulsória destinada a fazer cumprir as obrigações assumidas.
</p><p>A figura pode assim desempenhar alternativa ou simultaneamente uma e outra função.
</p><p>Do clausulado tem que concluir-se que as partes optaram pela função compulsiva, destinada a obrigar os réus ao cumprimento pontual.
</p><p>Os réus incorreram em mora, justificando-se assim o accionamento da cláusula penal.
</p><p>Sustentam, contudo, os recorrentes que no acórdão recorrido foi atribuído à autora mais do que foi pedido, o que acarretaria a nulidade da decisão.
</p><p>Sob pena de nulidade o Juiz não pode, efectivamente, condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (artigos 661º nº 1 e 668º nº 1, alínea e) do CP Civil).
</p><p>A autora pediu que os réus fossem condenados, em cumprimento do acordado, a pagar 2.800.000$00, correspondentes a 56 dias úteis de atraso, contados desde 16 de Outubro de 1998 e até 8 de Janeiro de 1999, à razão de 50.000$00 por dia.
</p><p>No acórdão recorrido condenou-se na quantia pedida, mas situando a mora entre 2 de Outubro de 1998 e 25 de Dezembro de 1998, isto é, mantendo-se a contagem dos dias úteis de atraso e a verba diária estipulada, considerou-se porém, que o atraso se deveria contar desde data anterior.
</p><p>Saliente-se desde já que o acórdão não condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
</p><p>Foi considerado provado que o réu B se obrigou a concluir a montagem de "9 cozinhas dos apartamentos que não urgia aprontar para entrega até ao dia 11 de Setembro e das demais que lhe competia fornecer para o prédio do Lote H6, até à data de 2 de Outubro" e provado ainda que "A obra foi finalmente entregue ao réu, com todas as mobílias colocadas e sem deficiências de maior, cerca do Natal de 1998".
</p><p>Esses factos constam da alínea R) da Especificação e das respostas dadas ao quesitos 12º e 15º e contém matéria alegada pelas partes, não existindo assim violação do princípio dispositivo.
</p><p>Escreveu o Prof. Alberto Reis - "Código de Processo Civil Anotado" V, pág. 52, que o Juiz deve pronunciar-se tomando por base todos os elementos de facto oferecidos pelas partes em apoio das suas pretensões e só com base nesses elementos. Em concreto, os factos assentes resultam do alegado pelas partes e dos documentos juntos.
</p><p>O Supremo, como Tribunal de revista que é, não se pronuncia, em princípio, sobre matéria de facto, mas tão só sobre matéria de direito.
</p><p>Não existindo violação de qualquer princípio ou disposição legal, que justifique a intervenção deste Tribunal, impõe-se aceitar a factualidade provada (artigos 722º nº 2 e 729º do C. Processo Civil) e face a ela têm que se considerar correctas quer a data do início quer do fim da mora do devedor.
</p><p>Defendem os recorrentes que se justifica a redução do quantitativo diário fixado em 50.000$00.
</p><p>O artigo 812º do C. Civil determina que:
</p><p>1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo Tribunal de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
</p><p>2 - É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
</p><p>Permite assim o artigo conciliar o princípio da autonomia privada, regra base do nosso ordenamento jurídico-civil, com o princípio da boa fé, procurando-se obter um justo equilíbrio entre a autodeterminação das partes e a justiça material que deve estar sempre presente.
</p><p>Tratando-se de sanção compulsória, como é o caso, a eficácia da mesma pressupõe que só em casos de evidente e flagrante desproporção, haja lugar a um controlo judicial, devendo este, além do mais, ter em conta a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal a fim de averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes. Importa apurar se o montante convencionado era adequado, segundo um juízo de razoabilidade, à eficácia da ameaça que a pena consubstancia - Prof. António Pinto Monteiro - "Cláusula Penal e Indemnização", Coimbra, 1990, especialmente págs. 741, 744, 745 e 746.
</p><p>Dentro de um juízo equitativo não se pode em concreto ignorar que está em causa a venda de apartamentos em prédio urbano de habitação, sito numa cidade e que já em 1995 foram valorizados, cada um deles, em importâncias superiores a 10.000.000$00.
</p><p>A colocação de cozinhas e casas de banho nos andares é notoriamente importante para a venda dos mesmos e o atraso nas obras implicará, necessariamente, um atraso nas vendas ou uma dificuldade maior na concretização das transacções.
</p><p>Tendo em conta os valores em causa e a finalidade da cláusula, afigura-se não ser excessiva a quantia fixada.
</p><p>É, aliás, jurisprudência firme deste Supremo que a intervenção judicial para redução duma cláusula, de acordo com a equidade, apenas deve ter lugar em casos limites de manifesta ou ostensiva excessividade, em ordem a não saírem frustrados os objectivos do instituto - Por todos o Ac. STJ de 05.12.2002, Revista nº 3522/02, 2ª Secção, "Sumários" 2002, pág. 379; Ac. STJ de 12.12.2002, Revista nº 1508/02, 7ª Secção, "Sumários" 2002, pág. 384. Igualmente a doutrina se pronuncia no mesmo sentido - Prof. Calvão da Silva - "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória" Coimbra, 1987, págs. 272/276.
</p><p>Sendo a cláusula penal um salutar meio de pressão sobre o devedor, no sentido de o levar a cumprir atempada e correctamente as suas obrigações, impõe-se, salvo caso de manifesto excesso ou adivinhada má fé, preservar o instituto.
</p><p>Nem se diga, como o fazem os recorrentes nas bem estruturadas alegações, que a autora não logrou provar que a mora na colocação das cozinhas lhe tenha trazido qualquer prejuízo.
</p><p>Por um lado, porque se trata de cláusula penal que não tem por fim predeterminar o montante da indemnização, mas sim de cláusula compulsória, cominatória, sancionatória.
</p><p>Por outro, o ónus da prova recai sobre o devedor que pretenda a redução da pena e os recorrentes não demonstraram factos que justifiquem a medida de excepção que é a redução.
</p><p>O bem fundamentado acórdão não é assim passível de censura.
</p><p>Pelo exposto, nega-se a revista.
</p><p>Custas pelos recorrentes.
</p><p>
</p><p>Lisboa, 4 de Maio de 2004
</p><p>Pinto Monteiro
</p><p>Lemos Triunfante
</p></font><p><font>Reis Figueira</font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
TzIpvIYBgYBz1XKvKK09 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A autora Fausto Luís de Carvalho, Limitada, accionou a ré Porlextrans - Agentes de Navegação e Trânsito, Limitada, ao abrigo dos fundamentos, em resumo, os seguintes: no exercício da sua actividade de produção e comercialização de artigos de vestuário, enviou a "A", sediada em Paris, e por encomenda deste, diversas mercadorias no valor de 256500 francos franceses, tendo para o efeito celebrado com a ré, como transitária, um contrato através do qual, esta, a quem foi confiada em 26 de Março de 1986 e 21 de Abril de 1986, a mercadoria para transporte, a deveria entregar à destinatária A contra garantia de pagamento; a ré, porém, entregou à compradora a referida mercadoria sem assegurar o pagamento da mesma, o qual até agora a dita compradora não satisfez.<br>
Conclui pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 256500 francos franceses, e juros.<br>
Contestou a ré aduzindo, além de outras questões agora não em causa, a prescrição do direito que a autora através desta acção pretende fazer valer, e chamou, à cautela, a autoria, a Aliança Seguradora, que por sua vez chamou, tambem a autoria a T.C. Internacional.<br>
A 1 instância, em sede do saneador, considerou como de caducidade o prazo que a autora tinha para accionar pelos fundamentos que invocou, e consequentemente, julgando operante a correlativa excepção (caducidade), absolvem a ré do pedido, bem como os chamados.<br>
Em via de recurso, a Relação do respectivo distrito, atraves do acórdão agora em apreço, divergindo embora do opinado pela 1 instância quanto à qualificação do obstáculo posto pela ré ao vingar de presunção de autora, na medida em que o classifica de prescrição, manteve no mais a decisão recorrida (da 1 instância).<br>
Novo recurso surge para este Supremo Tribunal, trazido pela autora, que na respectiva alegação, conclui:<br>
1 - O contrato pelo qual o transportador se obriga a efectuar o transporte de mercadorias para o estrangeiro e recolhe dos documentos comprovativos do pagamento por parte do importador, é um contrato misto;<br>
2 - Lado a lado assume o transportador obrigações tipicas de dois tipos contratuais, distintos - o do contrato de transporte internacional e o do mandato;<br>
3 - as obrigações assumidas não se fundem nem perdem a sua autonomia, sendo que a obrigação decorrente do mandato não é meramente acessória do contrato de transporte internacional;<br>
4 - a cada uma das obrigações deverá ser aplicado o regime previsto nas respectivas regulamentações;<br>
5 - ao contrato de transporte internacional será de aplicar a C.M.R.;<br>
6 - ao contrato de mandato deverão ser aplicadas as disposições constantes dos artigos 1157 e seguintes do Código Civil;<br>
7 - a C.M.R. não contem disposições especiais que regulamentem o prazo prescricional para que o exportador faça valer os seus direitos contra o transportador, com base nas obrigações decorrentes do mandato;<br>
8 - o prazo prescricional de acção emergente do mandato e o prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309 do Código Civil.<br>
Contra alegando defende a ré, o julgado.<br>
Corridos os vistos, há que decidir.<br>
Convem, antes de mais, equacionar a questão.<br>
A autora, fornecedora da mercadoria a "A", sediada em França, teria encarregado, atraves do competente contrato, a ré, como transitária, de fazer chegar ao destinatário essa mercadoria, que seria entregue contra garantia de pagamento, embora que a ré teria feito em moldes de entrega livre, mas cujo preço a destinatária não satisfez; por isso pretende responsabilizar, por falta do integral cumprimento do contrato, a ré, como responsável transitária.<br>
Esta invoca excepção obstativa de vingar de direito da autora, que a 1 instância qualificou como de caducidade, ao contrário do entendimento feito na Relação, que obtemperou tratar-se de prescrição,sem que essa divergencia influisse no despacho da questão, pois que, de qualquer modo, o resultado seria o mesmo, como o foi, do improvimento da apelação.<br>
A qualificação da figura juridica posta como obstáculo à pretensão do autor (prescrição, ou caducidade) não está directamente aflorada na alegação da recorrente.<br>
Contudo e porque se trata de questão essencialmente de direito, convem reflectir um pouco sobre tal facto.<br>
Embora subtil a distinção entre prescrição e caducidade, tendo sido apontados critérios variados para a diferenciação das duas figuras, (confere Prescrição extintiva e caducidade - Professor Vaz Serra in Boletim 107 página 164 e seguintes) poder-se-á dizer, em sintese, que o fim de caducidade é pre-estabelecer o tempo a partir do qual ou dentro do qual o direito pode ser exercido, enquanto o fim da prescrição é arredar ou extinguir um direito que pode sentir-se abandonado pelo titular (Dr. Anibal Castro - -Caducidade, página 55).<br>
Ora e à partida, se poderá avançar que a ré, com o invocar da excepção, vem obstacular, não que a autora avançasse com a acção para fazer nascer um direito contra ele (ré), mas somente para delimitar um direito que entendia existente já na sua esfera juridica. E este seria o verdadeiro sentido da acção e daí que a excepção houvesse de ser entendida como de prescrição.<br>
De mais, a solução da polémica nesse sentido encontra-se facilitada pelo teor dos artigos 298 n. 2 do Código Civil, que estatui:<br>
"quando, por força da lei e de vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição".<br>
Na verdade, deste comando legal se extrai a fácil conclusão de que, na qualificação de um prazo como de prescrição, ou de caducidade, se adoptou um critério puramente formal, que não em moldes substantivos, o que tipifica que, se a lei o qualifica de prescrição, como tal deverá ser entendido, como aliás o fez o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1983 in Boletim 329 página 625 e doutrina que citei, e ainda o voto de vencido no acórdão inserto na Colectanea, 1982, tomo 3 página 95.<br>
Ora o artigo 32 da Convenção C.M.R. aprovada pelo Decreto 46235 de 18 de Março de 1965, fala expressamente em prescrição.<br>
Por isso, bem ordena o acórdão recorrido ao entender que, no caso, se trata de caso de prescrição, que não de caducidade.<br>
Posto isto avança-se para o solucionamento do ponto crucial do litígio.<br>
O contrato havido entre a autora e a ré estava concluido já em 21 de Abril de 1986 (como foi dado por assente no acórdão recorrido), e a acção destinada a efectivar a eventual responsabilidade da ré teve ingresso em juízo em 25 de Dezembro de 1988, e para ele foi citada esta em 14 de Abril de 1988.<br>
Nos termos do artigo 32 da Convenção referida (C.M.R.), as acções que podem ser originadas pelos transportes a elas sujeitos, prescrevem no prazo de um ano a contar do dia em que a mercadoria foi entregue.<br>
Por isso e à partida surgiria a conclusão de que se encontraria prescrito o direito que a autora pretende exercitar.<br>
Só que ele adianta um outro obstáculo que assim se pode sintetizar: o contrato havido entre as partes é de tipo misto, de transporte e de entrega da mercadoria contra garantia de pagamento, sendo que esta última situação, como tipo de mandato ficara subsumida, em moldes de prescrição, ao prazo geral de 20 anos.<br>
Opinamos no sentido da sem razão da autora.<br>
O contrato de transporte internacional de mercadorias fixado nos moldes estabelecidos pela C.M.R., tem especificidade própria.<br>
Pretende-se através dele assegurar o bom e eficaz relacionamento comercial, mesmo e essencialmente no tocante à entrega de mercadoria na base de uma boa solvência do seu valor.<br>
E assim sendo, a responsabilidade do transportador (transitário), alargada a boa entrega de mercadoria (no sentido de garantia do pagamento) haverá que inserir-se no próprio e tipico contrato de transporte, que para tal fim foi também concebido, como aliás resulta à saciedade de C.M.R., nomeadamente dos arts. 4,5,6 e 21.<br>
Daí que não possa haver cisão em moldes de diferenciação quanto ao transporte como tal considerado e as demais inerências com ele relacionadas.<br>
A C.M.R. com especifica função (já acima referenciada) tem que abranger no seu todo todas as situações nela contempladas.<br>
Por isso não há que fazer distinção, na hipótese dos autos, entre transporte, e mandato, como figuras distintas. Ambas constituem um todo no contrato previsto pela dita convenção, ao seu regime ficando sujeitos. Se não, o querer da Convenção pouco menos ficaria que esvaziado de conteúdo.<br>
Este analisado do ponto de vista da autora não logra, pois, êxito, sendo de sufragar o expedido no acórdão recorrido quanto a tal, de tudo por isso derivando a consumação da prescrição do direito da autora.<br>
Como aliás o acórdão em apreço, ditou.<br>
Pelo exposto se acorda em negar a revista.<br>
Custas pela autora recorrente.<br>
Lisboa, 2 de Julho de 1991.<br>
Miguel Montenegro,<br>
Martins da Fonseca,<br>
Vassanta Tamba.<br>
Decisões impugnadas:<br>
I Sentença do Tribunal de Ovar de 89.04.20;<br>
II Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 90.06.07.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kDL6u4YBgYBz1XKvcWne | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. A, com sede em Curaçao, Antilhas Holandesas, requereu, em 1 de Julho de 1998, no Tribunal Marítimo de Lisboa, procedimento cautelar de arresto contra:<br>
B, com sede na Federação Russa, pedindo que, para garantia do seu crédito de 31418767 escudos, fosse arrestado o navio C.<br>
2. Por decisão de 3 de Agosto de 1998, a providência foi indeferida, com o fundamento de que, não havendo "coincidência entre a pertença do bem a arrestar e a titularidade do débito que justifica o arresto, não pode este ser decretado".<br>
3. Inconformada, a Requerente agravou.<br>
Sem êxito, contudo, pois a Relação de Lisboa, por Acórdão de 4 de Novembro de 1998, confirmou a decisão recorrida, realçando que, sendo aplicável "no caso concreto o disposto no artigo 406 n. 1 do Código de Processo Civil", "o credor só pode requerer o arresto de bens do devedor, o que não é o caso dos autos".<br>
4. Ainda irresignada, a Requerente recorreu para este Supremo Tribunal, tendo culminado a sua alegação com estas sintetizadas conclusões:<br>
I - "A alteração da redacção introduzida no artigo 406 n. 1 do Código de Processo Civil" não pretendeu "afastar as normas" da Convenção de Bruxelas, "no que diz respeito aos pressupostos do arresto".<br>
II - Tal Convenção teve a intenção "de estabelecer um regime especial de vinculação do navio à garantia dos créditos marítimos, ainda que não contraídos pelo seu proprietário".<br>
III - "O princípio que se segue nesta matéria é especificamente diferente do da lei geral ordinária, tendo assim a Relação, com o entendimento feito, subvertido totalmente a filosofia subjacente à Convenção".<br>
IV - O acórdão recorrido "violou o disposto no artigo 3 (4) da Convenção de Bruxelas de 1952, que prevê expressamente a possibilidade de a providência cautelar de arresto ter por objecto navio que não seja propriedade do devedor".<br>
<br>
Foram colhidos os vistos.<br>
<br>
5. Eis a factualidade considerada provada pelas instâncias:<br>
a) O navio C pertence à sociedade Cipriota D<br>
b) A requerida B é afretadora a casco nu daquele navio, detendo a sua gestão náutica e comercial.<br>
c) A requerente é credora de USD 136,200 que lhe é devida por dois fornecimentos de combustível que efectuou ao navio C, nos dias 29 de Novembro de 1996 e 10 de Dezembro de 1996, 400 e 300 toneladas de fuel oil, respectivamente.<br>
d) Tais fornecimentos deviam ter sido pagos, respectivamente, em 29 de Janeiro de 1997 e 3 de Fevereiro de 1997, consoante consta das respectivas facturas juntas a folhas 10 e 12.<br>
e) Até ao momento, a mencionada dívida não foi paga à Requerente.<br>
f) À Requerida não se conhecem quaisquer outros bens susceptíveis de penhora em Portugal.<br>
g) O navio C, afretado pela Requerida, encontra-se fundeado no Cais de Xabregas, em Lisboa e está arrestado à ordem dos autos de providência cautelar de arresto com o n. 68/98 do Tribunal Marítimo de Lisboa.<br>
6. A única questão a decidir no âmbito do presente recuso é esta:<br>
O navio C, propriedade de D, poderá ser arrestado para garantia de crédito de A sobre B, afretadora a casco nu, relativa a fornecimentos de combustível para esse navio?<br>
Respondemos afirmativamente.<br>
Vejamos.<br>
As despesas feitas pelas Requerente com o fornecimento de combustível para o navio C constituem um crédito marítimo, atento o disposto no artigo 1, alínea k), da Convenção de Bruxelas sobre Arresto de Navios de 10 de Maio de 1952, introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto-Lei n. 41007, de 16 de Fevereiro de 1957.<br>
E devedora dos valores despendidos pela Requerente, a esse título, é a afretadora a casco nu - a Requerida - e não a proprietária do navio.<br>
Com efeito, no fretamento a casco nu, a gestão náutica e comercial do navio pertencem ao afretador, sendo suportadas por este as despesas com o combustível para o navio (cfr., aliás, os artigos 35 e 37, alínea a), do Decreto-Lei n. 191/87, de 29 de Abril).<br>
Ora, de harmonia com o estatuído no n. 4 do artigo 3 da referida Convenção, "no caso de fretamento de navio, com transferência de gestão náutica, quando só o afretador responder por um crédito marítimo relativo a esse navio, o autor poderá fazer arrestar o mesmo navio (...)".<br>
Perante os termos inequívocos deste preceito, é indubitável que a Requerente - titular de um crédito marítimo - podia fazer arrestar o navio em apreço, apesar de este não ser pertença da devedora.<br>
É que, o arresto pode ser efectuado sobre o navio que deu origem ao crédito marítimo, independentemente de o proprietário ser ou não responsável por esse crédito.<br>
7. E nem se diga - como fez a Relação - que, no caso, existe um conflito entre o n. 4 do artigo 3 da Convenção e o artigo 406 n. 1 do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro.<br>
Efectivamente, ao invés do propugnado no Acórdão recorrido, com a actual redacção desse n. 1, nem foram alterados os pressupostos ou requisitos da decretação do arresto em geral - pois o legislador limitou-se a afirmar o que já constava do n. 1 do artigo 619 do Código Civil -, nem houve o propósito de afastar as regras da Convenção.<br>
Daí que, no tocante ao arresto de navios de mar, permaneça intocado o regime específico consagrado na Convenção de Bruxelas de 1952 (cf. Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", 2. edição, página 237).<br>
Um outro apontamento.<br>
O artigo 6 da Convenção dispõe, é certo, que as regras de processo reguladoras do arresto de um navio serão as constantes da lei do Estado contratante onde o arresto for efectuado ou pedido.<br>
Simplesmente, tal remissão pretende apenas significar que a forma como se concretiza o arresto é regulada pela lei do Estado contratante, ou seja, na situação vertente, pelo nosso Código de Processo Civil. E nada mais.<br>
8. Logo, considerando a matéria fáctica inventariada em 5 e os princípios jurídicos apontados em 6 e 7, foi injustificado o indeferimento da requerida providência, na medida em que violou o comando do n. 4 do artigo 3 da Convenção de Bruxelas referida.<br>
Em consequência, dando-se provimento ao agravo, revoga-se o Acórdão impugnado - e com ele a decisão da 1. instância de 3 de Agosto de 1998 - e determina-se que o Excelentíssimo Juiz profira decisão a decretar o arresto do navio C.<br>
Custas nas instâncias e neste Supremo a pagar pela Requerente, devendo, no entanto, ser atendidas na acção respectiva, nos termos do n. 1 do artigo 453 do Código de Processo Civil.<br>
Lisboa, 14 de Abril de 1999.<br>
Silva Paixão,<br>
Silva Graça,<br>
Francisco Lourenço.<br>
<br>
Tribunal Marítimo de Lisboa - Processo n. 137/98<br>
Tribunal da Relação de Lisboa - Processo n. 5722/98 - 6. Secção</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
sjL-u4YBgYBz1XKvXW-B | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
I<br>
A - Transportes Marítimos, Lda. intentou, no Tribunal Marítimo de Lisboa, acção com processo ordinário contra B - União de Importadores de Matérias Primas, S.A., pedindo a condenação desta na quantia de USD 136,000.00 (ou o seu equivalente em escudos à data do trânsito em julgado da sentença), como indemnização compensatória por violação de um pacto de preferência relativo a futuros contratos de transporte de mercadorias por mar, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos à taxa legal.<br>
No saneador foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas pela ré - de preterição de tribunal arbitral e e de prescrição -, tendo, no entanto, esta sido absolvida do pedido por se haver concluído pela nulidade do pacto de preferência cujo alegado incumprimento constituía a causa de pedir da acção.<br>
Na sequência de apelação interposta pela autora, veio, todavia, a Relação de Lisboa, por acórdão de 2 de Dezembro de 1993, a revogar o despacho saneador na parte em que absolvera a ré do pedido, mandando organizar a especificação e o questionário, declarando que "entre as partes foi validamente celebrado um pacto de preferência que tinha por objecto a celebração de futuros contratos de transporte de mercadoria por mar".<br>
Foram então organizados a especificação e o questionário, dos quais não houve reclamação. Proferida sentença, com data de 15 de Março de 1996, foi a acção julgada improcedente, tendo a ré sido absolvida do pedido.<br>
Inconformada, apelou a ré para a Relação de Lisboa, onde, por acórdão de 30 de Outubro de 1997, na improcedência do recurso, foi confirmada a decisão recorrida.<br>
Ainda inconformada, trouxe a ré e presente revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:<br>
1. A B obrigou-se perante a A a dar-lhe preferência na celebração de contratos de mercadorias por mar, nos termos que constam da alínea f) da Especificação.<br>
2. E a A obrigou-se a creditar a B pela importância de US $112,000.00 a abater nos fretes dos transportes convencionados no pacto.<br>
3. A A creditou a B pela importância de $ 76,000.00 por abatimento nos fretes dos navios INACHOS e NIKITA ROUSSOS.<br>
4. Não tendo a B, a partir da realização do transporte no NIKITA ROUSSOS, contactado a A para proceder aos transportes em falta e muito menos celebrado com ela os respectivos contratos.<br>
5. A C tomou de fretamento os navios identificados na certidão de fls. 222 e nos documentos de fls. 304 e segs. para importação por via marítima de cargas da B.<br>
6. Para esse efeito, C e B tiveram necessariamente de celebrar um contrato.<br>
7. Caso se conclua que esse contrato é um contrato de transporte de marcadorias por mar, haverá igualmente de concluir que a B violou o pacto de preferência estabelecido com a A.<br>
8. Dos autos constam todos os elementos necessários para se poder concluir que o contrato em apreço constituiu um contrato de transporte marítimo, não sendo exigível à A que tivesse juntado aos autos o "conhecimento" da carga transportada (contrato de transporte). Desde logo porque a A não é parte nesse contrato; e ainda porque o que está em causa não é a existência de um contrato, mas apenas a sua qualificação jurídica.<br>
9) Nos termos da lei e dos tratados internacionais ratificados por Portugal, as mercadorias só podem ser transportadas por via marítima através de um (ou de ambos) de dois instrumentos ou tipos contratuais, inexistindo um "tertio genus":<br>
(i) O contrato de afretamento que tem por objecto um navio de comércio.<br>
(ii) O contrato de transporte que tem por objecto uma carga.<br>
10. A B não afretou; nem sub-afretou quaisquer navios, designadamente os indentificados a folhas 222, para transporte das suas próprias cargas.<br>
11. E não o fez porquanto para tal não está nem legal, nem estatutariamente habilitada.<br>
12. Não tendo a B afretado, nem podendo afretar ou sub-afretar navios, as cargas a ela destinadas foram e só poderiam ter sido transportadas ao abrigo de um contrato de transporte de mercadorias por mar.<br>
13. No qual a C foi transportadora/afretadora e a B carregadora/recebedora das mercadorias transportadas nos navios afretados pela primeira.<br>
14. Pelo que se conclui que tendo a C e a B estabelecido um contrato de transporte de mercadorias por mar a bordo dos navios para o efeito afretados pela C, a B violou voluntária, definitiva e culposamente o pacto de preferência que celebrou com a A.<br>
15. Pacto esse que tem natureza sinalagmática.<br>
16. E no âmbito do qual a A (só) aceitou compensar os prejuízos invocados pela B com a operação do navio SEA KING (US $ 112,000.00) porque a B, em contrapartida, aceitou conferir-lhe o direito de preferência (first refusal) na realização de quatro transportes futuros.<br>
17. Dever esse que a B incumpriu.<br>
18. Por isso, a realização dos créditos referidos na conclusão 3. não podem ser considerados como traduzindo um pagamento por conta pela A do crédito da B.<br>
19. O incumprimento culposo do pacto de preferência pela B gera a sua responsabilidade civil contratual perante a A a quem está obrigada a indemnizar pelos prejuízos sofridos, in casu, os US $ 76,000.00 que esta lhe abateu nos dois transportes efectivamente realizados.<br>
20. Ao dever de indemnizar não se opõe a resposta negativa do Colectivo à alínea c) do quesito 3., posto que o prejuízo de A já está assente na Especificação e decorre da simples aplicação de regras de direito.<br>
Não tendo decidido como se conclui, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos da lei:<br>
(i) Código Civil, artigos 358/1, 371/1, 406/1 e 798.<br>
(ii) Decreto-Lei 352/86 de 21 de Outubro, artigo 1; Convenção de Bruxelas de 1924, artigo 1 (a), enquanto conclui que o contrato celebrado entre a C e a B se trata de um afretamento ou de um sub-afretamento.<br>
(iii) Decreto-Lei 422/86, de 23 de Dezembro, artigos 2/1 e 3., bem como a legislação complementar, pela mesma razão.<br>
(iv) Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril, artigos 5 e 8.<br>
Termos em que a recorrente pede a revogação das sentenças das instâncias, condenando-se a B a restituir à A a importância de US $ 76,000.00 (setenta e seis mil dólares EUA) com juros moratórios à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.<br>
Contra-alegando, a recorrida sustenta a confirmação do acórdão recorrido.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br>
II<br>
Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada, toda ela oriunda da especificação:<br>
1. Em Novembro de 1989, a Autora e a Ré celebraram um contrato do fretamento do navio SEA KING para transporte de produtos agrícolas da Ré do porto de Duluth Superior nos Grandes Lagos (EUA) para Lisboa (alínea A)) da especificação).<br>
2. A Autora ficou impossibilitada de colocar o navio à disposição da Ré, na data combinada, para proceder ao carregamento da mercadoria (alína B) da espec.).<br>
3. Tendo em vista diminuir o prejuízo causado à Ré e na perspectiva comercial de manter o cliente, a Autora apresentou uma proposta de compensação que consistia no fretamento de um outro navio - o INACHOS - para transporte de produtos agrícolas equivalentes aos referidos em 1., a partir de um porto alternativo (alínea C) da espec.).<br>
4. Acrescido de uma compensação de USD $ 112,000.00 que correspondia ao acréscimo de preço dos produtos carregados no referido porto alternativo, amortizável metade no frete daquele navio (USD 56,000.00) e o restante em três "tranches" a distribuir por contratos de transporte futuros (alínea D) da espec.).<br>
5. A Autora fretou o navio INACHOS para proceder ao carregamento da mercadoria referida em 1. e 3., tendo o navio carregado a mercadoria no rio Mississipi e descarregado em Lisboa e em Leixões (alínea E) da espec.).<br>
6. E as partes acordaram um pacto de preferência respeitante à celebração de futuros contratos de transporte de mercadorias por mar para amortização da restante compensação referida em 4., comprometendo-se a Ré a dar preferência à Autora na celebração desses contratos, em relação a fretes oferecidos pela concorrência (alínea F) da espec.).<br>
7. Por contrato de 8 de Janeiro de 1990, a Autora fretou o navio NIKITA ROUSSOS para carregar produtos agrícolas pertencentes à Ré, do rio Mississipi para Lisboa, no qual foram amortizados USD $ 20,000.00, de acordo com o referido em 4 (alínea G) da espec.).<br>
8. A Ré não celebrou com a Autora, depois dessa data (8 de Janeiro de 1990), qualquer contrato de transporte de mercadoria por mar (alínea H) da espec.).<br>
9. Nem sequer contactou a Autora para proceder a qualquer contrato de transporte de mercadorias por mar (alínea I) da espec.).<br>
A matéria levada ao questionário era constituída pelos três seguintes quesitos:<br>
1.<br>
A Ré celebrou em Fevereiro de 1990 um contrato de transporte de mercadorias por mar com a Empresa C - Transportes Marítimos Internacionais?<br>
2.<br>
E celebrou um outro contrato de transporte de mercadorias por mar, tendo as mercadorias sido transportadas no navio EL Zorro?<br>
3.<br>
A violação do direito de preferência causou à Autora prejuízos que se traduziram: a) na frustração do direito de preferência em relação a fretes futuros, avaliável em termos de lucro líquido em USD: $60,000.00 (USD: $30,000.00, em cada navio, correspondente às duas "tranches" a distribuir por contratos de transporte futuros)? b) na frustração da proposta de compensação e na perda comercial do cliente? c) na não recuperação comercial dos USD: $76,000.00 amortizados nos fretes dos navios "INACHOS" e "NIKITA ROUSSOS" (1)?<br>
As respostas do Colectivo aos 3 referidos quesitos foram "não provado"- cfr. acórdão de fls 323.<br>
III<br>
1- As conclusões das alegações da recorrente delimitam o objecto do recurso, como resulta do disposto nos artigos 684, n. 3, e 690, n. 1, do CPC.<br>
A questão central que emerge do presente recurso consiste em saber se o contrato firmado entre a recorrida e a C - Transpostes Marítimos Internacionais, S.A, deve ser qualificado como um contrato de mercadorias por mar, como pretende a recorrente, ou como um contrato de fretamento, como se decidiu no acórdão recorrido.<br>
Com efeito, o esclarecimento desta questão reveste importância decisiva com vista a responder à pergunta sobre se houve, ou não, por parte da recorrida, violação do pacto de preferência estabelecido com a recorrente.<br>
2 - A resposta à questão não pode deixar de arrancar da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido.<br>
Assim, no ponto 6. do elenco dos factos provados, é dado como apurado o seguinte:<br>
(...) as partes acordaram um pacto de preferência (2) respeitante à celebração de futuros contratos de transporte de mercadorias por mar para amortização da restante compensação referida em 4. comprometendo-se a Ré a dar preferência à Autora na celebração desses contratos, em relação a fretes oferecidos pela concorrência.<br>
Quer isto dizer que este compromisso assumido pela Ré a vinculava a futuros contratos de transporte de mercadorias por mar.<br>
Ou seja, a partir da celebração do referido pacto de prelação ou preempção, a Ré ficou obrigada a dar preferência à Autora na celebração de futuros contratos desse tipo. O que terá acontecido, pelo menos, uma vez, como resulta da matéria de facto dada como assente pelas instâncias - cfr. alínea G) da especificação e ponto 7. da matéria de facto acima elencada.<br>
No entanto, nas suas conclusões, a recorrente acusa a ré de que, a partir de data posterior ao transporte efectuado pelo NIKITA ROUSSOS, deixou de respeitar tal acordo, celebrando contratos de transporte com outra empresa, a C.<br>
Daí que devamos volver de novo a nossa atenção para a resposta - de "não provado" - dada aos quesitos.<br>
2 - Antes, porém, justificar-se-á que, com a brevidade requerida, se dê uma panorâmica geral dos poderes da Relação e deste STJ em relação à matéria de facto.<br>
Como se sabe, cabe às instâncias, e designadamente, à Relação, apurar a factualidade relevante, sendo a este propósito a intervenção deste Supremo Tribunal residual e destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material - artigo 722, n. 2, do CPC - ou a mandar ampliar a decisão sobre matéria de facto - artigo 729, n. 3, do mesmo diploma - cfr. verbi gratia, os acórdãos deste STJ de 14 de Janeiro de 1997, no Processo 605/96, 1 Secção, e de 30 de Janeiro de 1997, no Processo 751/96, 2. Secção.<br>
Alías, não poderá esquecer-se que só à Relação compete censurar as respostas ao questionário através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 712 do CPC - cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste STJ de 14 de Janeiro de 1997, Processo 591/96, e de 4 de Fevereiro de 1997, no Processo 712/96, ambos da 1. Secção. Também constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento segundo o qual a Relação não pode alterar resposta ao quesito dada a parir de prova testemunhal não extractada nos autos, não constando dele todos os elementos probatórios que lhe serviram de base, não ocorrendo as situações subsumíveis às alíneas do n. 1 do artigo 712 do CPC - cfr. o acórdão de 31 de Outubro de 1991, no Processo 80181.<br>
Segundo o entendimento lavrado, por exemplo, nos acórdãos deste STJ de 30 de Maio de 1978, (Processo 67356), in BMJ, n. 277, pág, 232, e de 4 de Março de 1983 (Processo 373 - 4. Secção), é matéria de facto, e não de direito, determinar qual a vontade real dos declarantes, apenas sendo legítimo que o Supremo Tribunal de Justiça exerça censura sobre a decisão das instâncias em matéria de interpretação de cláusulas contratuais, quando essa decisão contrarie o disposto nos artigos 236, n. 1 e 238 do Código Civil.<br>
Com efeito é da competência das instâncias, por constituir matéria de facto, a interpretação da vontade expressa em declaração escrita, sendo também vedado ao STJ o conhecimento das próprias ilações de facto que representam o desenvolvimento lógico dos factos dados como assentes - cfr., verbi gratia, o acórdão de 14 de Janeiro de 1997, Processo 687/96, 1. Secção.<br>
Nessa medida, não merece censura a decisão recorrida que, após detalhado exame dos documentos juntos aos autos, conluiu não ser a situação sub judice subsumível às previsões do artigo 712, pelo que estava vedado ao Tribunal da Relação alterar as respostas dadas aos quesitos pelo Tribunal Colectivo da 1. instância.<br>
A verdade, porém, é que a recorrente, na presente revista, e contrariamente ao que fizera na apelação, não vem colocar a questão em termos de alteração da matéria de facto. Considera, pelo contrário, que se está perante uma pura questão de direito, logo, situada dentro dos poderes de julgamento deste Supremo Tribunal. Trata-se, recorde-se, da questão que a recorrente refere como a "qualificação do contrato B/C".<br>
Efectivamente, retira-se da jurisprudência deste Supremo Tribunal, acima apontada, que já constitui matéria de direito, sindicável pelo STJ, através de recurso de revista, a interpretação das cláusulas contratuais e declarações negociais com vista à fixação do seu sentido juridicamente relevante, segundo os critérios legais, como é o caso da interpretação "normativa" à luz do disposto nos artigos 236, n. 1, e 238, n. 1, do Código Civil - cfr. Antunes Varela, RLJ, Ano 122, págs. 307 e segs., e Ano 124, págs. 276 e segs.<br>
3 - O que, fundamentalmente, revela, para a qualificação de um contrato, são as prestações a que as partes ficam adstritas.<br>
3.1.- Partindo deste pressuposto, já Rodière, no afã desenvolvido para distinguir os contratos de fretamento e de transporte marítimo, acentuava que, se o fretador se obriga a fornecer um navio em bom estado de navegabilidade, o transportador está fundamentalmente vinculado a fazer chegar uma certa mercadoria a um determinado destino.<br>
Ou seja, o fretamento respeita a um navio; o transporte a uma carga. O fretador não assume qualquer encargo directo em relação às mercadorias transportadas; não é, pois, automaticamente responsável pela sua perda ou avaria, havendo que demonstrar que procedeu com culpa - cfr. Mário Raposo, "Fretamento e Transporte Marítimo - Algumas questões", in BMJ, n. 340, págs. 17 a 52.<br>
Porque protagonizado por contraentes virtualmente dotados de igual poder negocial, prevalece, no fretamento, até certo ponto, a regra da liberdade de fixação do conteúdo contratual. Ao invés, a generalidade dos preceitos que modelam o contrato de transporte têm origem legal, sendo de ordem pública e de aplicação imperativa.<br>
3.2. - A disciplina do contrato de transporte de mercadorias por mar consta, no essencial, do Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro (3), na senda do preceituado pela Convenção de Bruxelas de 1924 sobre conhecimentos de carga (4).<br>
Por sua vez, o contrato de fretamento é disciplinado pelas cláusulas da carta partida e, subsidiariamente, pelo Decreto-Lei 191/87, de 29 de Abril cfr. o artigo 3 deste diploma (5).<br>
Antes de Rodière, prevalecia na doutrina francesa, a solução do fretamento transporte. Assim, para Ripert, eram dois conceitos reversíveis. Por um lado, asseverava que o fretamento era um contrato de transporte; todavia, afirmava, por outro, que "qualquer contrato que tiver por objecto o transporte de mercadorias por mar é um fretamento" - apud Mário Raposo loc. cit. em primeiro lugar, pág, 19. Outros autores defendiam a unidade conceitual dos dois contratos, que eram assim um só instrumento legal, ambos se resolvendo na execução de uma mesma fundamental prestação.<br>
Na base dessa infixidez, segundo Mário Raposo, estaria o facto de o fretamento por viagem ter a ver, como o transporte, com a deslocação de uma carga de um local para outro. O que os distinguia é que "a prestação nuclear do fretador consiste em fornecer um navio em bom estado de navegabilidade cuja gestão náutica lhe continua a pertencer". Após o que, acrescenta o referido Autor o seguinte:<br>
"Por mais evidente que, no domínio dos conceitos, a autonomia hoje se estabeleça não resta dúvida que os dois contratos - o fretamento por viagem e o transporte - ficam a paredes meias: no dizer de Jacques Potier o fretamento por viagem está sempre ameaçado da suspeita de encobrir um verdadeiro contrato de transporte".<br>
Segundo um outro autor, Pontavice, o fretamento não era um contrato de transporte, mas um contrato destinado a permitir a operação material do transporte. Mas afirmava também que o fretamento por viagem era um fretamento- -transporte. A distinção estaria em que, no fretamento por viagem, o transportador assume a obrigação de transportar mercadorias, mas pondo, para isso, à disposição do afretador um espaço bem definido para as receber; no transporte sob conhecimento o transportador assume apenas a obrigação de transporte, "sem pôr à disposição do afretador uma certa capacidade de transporte".<br>
3.3 - Não constituirá, assim, motivo de surpresa que o legislador português do Código Comercial tenha confundido contratos de transporte e de fretamento e que tenha configurado este pela perspectiva do que, hoje, se designa por fretamento por viagem (6).<br>
Depois de, no artigo 4., enunciar as modalidades que o contrato de fretamento pode revestir - por viagem, a tempo e em casco nu -, o Decreto-Lei 191/87 disciplina, no Capítulo II - artigos 5. a 21.-, o contrato de fretamento por viagem, que define como "aquele em que o fretador se obriga a pôr à disposição do afretador um navio, ou parte dele, para que este o utilize numa ou mais viagens, previamente fixadas, de transporte de mercadorias determinadas" - artigo 5. Entretanto, na alínea c) do artigo 1. do Decreto-Lei 422/86, de 23 de Dezembro, já se definira o conceito de "afretador de viagem" para os efeitos do referido diploma, como sendo "o que toma de fretamento a totalidade ou uma parte de um navio de comércio, tendo em vista a realização específica de uma ou mais viagens".<br>
3.4 - O cotejo das disposições já citadas do Decreto-Lei 191/87 como a disciplina constante do Decreto-Lei 352/86, que, como se disse, regula o contrato de transporte de mercadorias por mar permite constatar a diversidade do regime entre os dois tipos de contrato. No entanto, de tudo o que já se disse, resulta que, embora distintos, entre o contrato de transporte de mercadorias por mar e o contrato de fretamento por viagem, existem zonas de secância , resultantes da interpenetração teleológica dos respectivos objectos.<br>
Mas, como já se disse, o que é mais relevante com vista<br>
à qualificação jurídica de um contrato é o conhecimento das prestações a que as partes ficam obrigadas. Ora, do pouco que nos é, a esse propósito, facultado pelos documentos constantes dos autos, já detalhadamente analisados pelo acórdão recorrido, não se vê qualquer fundamento para discordar das conclusões acolhidas em tal acórdão.<br>
Com efeito, do documento de fls. 222 resulta ter a C tomado de fretamento em 1990, para importação de cereais seis navios, que se enumeram. Dos demais documentos, de fls. 304 e seguintes, retira-se ter a C acordado com a B a realização de seis viagens de US Gulf para Lisboa, especificando-se, quanto aos agentes, que, no porto de carga, seriam da B e, no porto de descarga, da C.<br>
Dos referidos documentos não é possível extrair argumentos no sentido de que tenha sido celebrado um contrato de transporte de mercadorias por mar. O elemento literal de interpretação - fala-se expressamente em "tomar de fretamento" - não é contrariado por qualquer outro critério hermenêutico, em termos que levem a concluir que, por detrás da menção literal, se escondeu a real natureza do contrato celebrado.<br>
O que se retira de tais documentos é o acordo com vista à disponibilização dos seis navios, expressamente discriminados, para a realização de seis viagens para importação de cereais. Ou seja, o acento tónico é colocado, como é próprio do contrato de fretamento (por viagem), nos navios e não nas respectivas cargas.<br>
Atente-se em que, quando se trata de contratos de transporte de mercadorias por mar, o transportador deve efectuar o transporte no navio designado no contrato ou em navio que, em condições idênticas, possa efectuar o transporte - cfr. o artigo 12 do Decreto-Lei 352/86.<br>
Por outro lado, inexiste referência ao conhecimento de carga - ou seja, o título representativo da mercadoria nele descrita - cfr. artigos 8. a 11. do referido diploma.<br>
Acresce que nos contratos de transporte de mercadorias por mar, sujeitos ao regime de referido diploma, aplica-se imperativamente a Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, já referida. Ora, as operações de carga e descarga são, por força do estabelecido no referido instrumento internacional, da responsabildade do transportador, embora materialmente efectuadas por operadores portuários - cfr. o acórdão deste STJ de 23 de Setembro de 1997, Processo 827/96, 2 Secção.<br>
Entende a recorrente - e aí assenta o essencial da sua tese - que "a B não afretou nem sub-afretou quaisquer navios, designadamente os indentificados a fls. 222, para transporte das suas próprias cargas, porquanto para tal não está nem legal, nem estatutariamente habilitada".<br>
Motivo por que, "as" cargas a ela destinadas foram e só poderiam ter sido transportadas ao abrigo de um contrato de transporte de mercadorias por mar" - cfr. supra conclusões 10. a 12.<br>
Mas não tem razão. É que, para além de, nos contratos de fretamento, imperar, ao contrário do que acontece nos contratos de transporte de mercadorias por mar, o princípio da liberdade contratual, e de a própria "proibição de acesso" à actividade de afretamento de navios estar concebida em termos assaz elásticos e "liberais" - cfr. o artigo 7., n. 1, do Decreto-Lei 422/86, de 23 de Dezembro -, sempre haveria que concluir que, ainda que da violação da norma proibitiva pudesse resultar a nulidade do contrato, daí não poderia derivar a alteração da sua natureza jurídica, mediante a sua transformação num contrato de transporte de mercadorias por mar.<br>
Mesmo provando-se o contrato de fretamento entre a C e a B, como admite o acórdão sob recurso (fls. 375), não fica necessariamente demonstrada, ao invés do que pretende a recorrente, a existência de um contrato de transporte de mercadorias por mar entre aquelas duas sociedades. De contrário, estaria aberta a porta para a procedência de alegados contratos implícitos ou hipotéticos, o que não tem o mínimo cabimento, de mais a mais se se tiver presente que o contrato de transporte de mercadorias por mar está sujeito a forma escrita, nos termos do artigo 3. do Decreto-Lei 352/86.<br>
A celebração de tais contratos de transporte não se presume. Tinha que ser provada pela recorrente, o que esta não fez.<br>
3.5. - Volvamos ainda ao questionário, para uma última reflexão.<br>
Atente-se no facto de os dois primeiros quesitos conterem a pergunta que consiste em saber se a Ré celebrou um "contrato de transporte de mercadorias por mar". Ou seja, neles foi incluído um conceito de direito. Tal circunstância não seria, só por si, particularmente relevante, posto que, como se sabe, é possível utilizar expressões jurídicas na linguagem corrente, em termos perfeitamente apreensíveis pelo utilizador comum. No entanto, não é esse o presente caso, uma vez que o que se cura de saber é, justamente, se foram, ou não, celebrados contratos de transporte de mercadorias por mar, sendo que a resposta é decisiva para a procedência do recurso. Com efeito, no caso afirmativo, teria ocorrido incumprimento do pacto de preferência; não assim, no caso de a resposta ser negativa.<br>
Quer isto dizer que, atentas as razões expostas, deveriam ter sido quesitados os factos concretos e objectivos integradores deste nomen juris, evitando-se a utilização do conceito. Em bom rigor, poderá mesmo chegar-se ao ponto de dizer que, relativamente a estes dois quesitos, o Tribunal não terá respondido a matéria de facto, mas sim a matéria de direito, uma vez que foi confrontado com a questão de saber se foi, ou não, celebrado um contrato de transporte de mercadoria por mar, conceito definido, como se disse, no artigo 1. do Decreto-Lei 352/86, de 21 de Outubro.<br>
Mas é igualmente verdade que, em face da matéria de facto dada como assente, não dispõe o julgador de factos provados que possam sustentar a tese da Recorrente, na alegação que faz de que a Ré teria celebrado com terceiro contratos de transporte de mercadorias por mar, assim violando o dito pacto de preferência.<br>
Quer isto dizer que a matéria de facto fixada no acórdão recorrido é insuficiente para permitir integrar o conceito jurídico daquele contrato de transporte, com o consequente incumprimento do pacto de preferência.<br>
No entanto, não obstante o aludido vazio, a recorrente, inconformada, vem alegar que os documentos juntos aos autos suprem a referida escassez fáctica. Para tal, inicia as suas alegações a fls. 383 com uma enumeração de "factos assentes" que não coincide com o elenco da matéria de facto provada pelas instâncias e constante do acórdão recorrido.<br>
Como acima se disse, não se tendo provado nenhum dos factos quesitados, a matéria dada como provada foi apenas a contida na especificação. Ora, desta peça nem sequer consta que a Ré tenha celebrado qualquer contrato com a C, cuja qualificação jurídica importe fazer.<br>
Restam os documentos, em relação aos quais, como já se disse, o Tribunal da Relação se pronunciou no sentido de não justificarem uma alteração das respostas aos quesitos - cfr. supra, ponto III, 2.<br>
Improcedem, pois, as conclusões oferecidas pela recorrente.<br>
Atento o exposto, nega-se provimento ao recurso, pelo que se confirma o acórdão recorrido.<br>
Custas a cargo da recorrente.<br>
Lisboa, 2 de Junho de 1998.<br>
Garcia Marques,<br>
Ferreira Ramos,<br>
Lemos Triunfante.<br>
(1) O 3. quesito corresponde à matéria do artigo 26 da petição inicial.<br>
(2) Nos termos do artigo 414 do Código Civil, "O pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa". Atento o disposto no artigo 423, do mesmo Código, os pactos de preferência são admitidos relativamente a todos os contratos onerosos em que tenha sentido a opção sobre quaisquer outros concorrentes - cfr. Pires de Lima/Antunes Varela. "Código Civil Anotado", vol. I, 4 edição pág. 388.<br>
(3) Nos termos do seu artigo 1. "contrato de transporte de mercadorias por mar" é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportar determinada mercadoria, de um porto para outro diverso, mediante uma retribuição pecuniária, denominada "frete".<br>
(4) Sobre cujo ingresso na ordem jurídica portuguesa, repetidamente atribuído, sem o necessário rigor, ao Decreto-Lei 37748, de 1 de Fevereiro de 1950, se pode ver Mário Raposo, "Sobre o Contrato de Transporte de Mercadorias por Mar", in BMJ, n. 376, págs. 5 a 62.<br>
(5) Cujo artigo 1. o define como sendo "aquele em que uma das partes (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma retribuição pecuniária denominada frete".<br>
(6) O Decreto-Lei 191/87 revogou os artigos 541 a 562 do Código Comercial (cfr. artigo 49 do diploma de 1987).</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
zDINvIYBgYBz1XKvxoNi | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
Na Comarca do Porto,<br>
A e mulher B propuseram contra C, a presente acção com processo ordinário, na qual pediram que o réu fosse condenado a: a) assumir de imediato as providências determinadas pelas autoridades administrativas e sanitárias competentes para eliminação radical dos efeitos da actividade exercida no seu estabelecimento denominado<br>
"Talho Central" lesivos dos legítimos direitos dos autores e do seu agregado familiar, designadamente<br>
1. - proceder à insonorização do estabelecimento, de acordo com o estipulado no artigo 1 n. 1 do Decreto-Lei 271/84,<br>
2. - isolar a sala de desmancha do restante estabelecimento e proceder ao correspondente isolamento acústico desse compartimento,<br>
3. - regular o motor da câmara frigorifica de modo a dar cumprimento ao estipulado no n. 1;<br>
4. - retirar os animais existentes na parte de escritório;<br>
5. - retirar as carnes existentes na parte de escritório e correspondente colocação no Talho, b) indemnizar os autores pelos danos morais já sofridos em quantia não inferior a 2100000 escudos, c) a suportar os custos da assistência médica, clínica e psiquiátrica de que os autores e suas filhas menores necessitam e vierem a carecer até possível recuperação, a liquidar em execução de sentença, d) a entregar aos autores uma chave do portão de acesso ao logradouro, facilitando-lhes a respectiva utilização, nos termos do título da propriedade horizontal, tendo para tanto alegado os pertinentes factos.<br>
Na sua contestação, o réu confessou alguns factos e negou outros e terminou pedindo a improcedência da acção e a condenação dos autores como litigantes de má fé.<br>
Replicaram os autores, onde concluíram como na petição inicial.<br>
Foi proferido o despacho saneador e organizados a especificação e o questionário, de que os autores reclamaram mas sem êxito.<br>
Prosseguiu o processo a tramitação legal, até que, feito o julgamento, foi julgada a acção parcialmente procedente.<br>
Desta sentença apelou o réu e a Relação anulou o processado posterior ao julgamento e ordenou a formulação de um novo quesito.<br>
Cumprido o ordenado pela Relação e feito de novo o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu:<br>
- a proceder à insonorização do seu estabelecimento comercial de harmonia com o legalmente disposto,<br>
- a isolar a sala de desmancha e proceder ao correspondente isolamento acústico deste compartimento,<br>
- a regular o motor da câmara frigorifica de molde a ficar devidamente insonorizado e de harmonia com o limite legal já definido,<br>
- a pagar aos autores, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência da sua conduta, a quantia de 1500000 escudos, e absolveu-o do mais que foi pedido.<br>
Desta sentença voltou a apelar o réu, mas a Relação julgou a apelação improcedente.<br>
Deste acórdão interpôs o réu recurso de revista e, na sua alegação, concluiu, fundamental e sumariamente, assim:<br>
I - os direitos de personalidade não são absolutos, pelo que, havendo, como há, dois direitos de igual valia em confronto, tutelados pelo artigo 70 do Código Civil, deveria o julgado ter-se valido de critérios objectivos, a fim de aferir se eram compatíveis ou incompatíveis e, neste último caso, dizer o que prevalecia;<br>
II - face aos factos provados, os direitos são compatíveis, pois que nunca estiveram em confronto, uma vez que, a haver ruído, este se produziu de dia, na ausência dos autores, para além de que o som e o descanso são nocturnos e, a haver ruído, este ultrapassou em pouco o máximo legal e produziu-se só de dia;<br>
III - a responsabilidade extracontratual pressupõe a verificação da ilicitude, da culpa, do nexo de causalidade e dos danos e, na hipótese, nenhum destes pressupostos se verificou;<br>
IV - o acórdão recorrido não deu relevo ao documento n. 2 da contestação, não impugnado pelos autores, nem ao despacho de folha 128;<br>
V - o acórdão recorrido baseou-se em factos provados entre si contraditórios, justificando-se a aplicação do artigo 712 ns. 1 alínea a) e 2 do Código de Processo Civil;<br>
VI - o relatório dos peritos assenta em meras hipóteses académicas, pelo que é difícil concluir se foi violado o normativo aplicável ao ruído, e, assentando a decisão na existência dos ruídos assinalados neste relatório, é de concluir que há contradição nos factos dados como provados, nomeadamente com os quesitos 5., 7., 12. e 21.;<br>
VII - como já se disse, os autores não provocam os danos e os incómodos, sendo contraditória a matéria de facto dada como provada a este respeito nas respostas aos quesitos 8. e 9., estes já de si incompreensíveis e contraditórios, defeito que se agravou com as respostas aos quesitos 5., 6. e 12.;<br>
VIII - o acórdão recorrido baseou-se em meras probabilidades em vez de se basear em factos concretos, cuja prova cabia aos autores;<br>
IX - a admitir-se que foi violado o direito de personalidade dos autores, deviam os tribunais ter condenado o réu segundo um juízo de equidade, tendo sido violados os artigos 483 e seguintes do Código Civil;<br>
X - o acórdão recorrido errou na aplicação do<br>
Decreto-Lei 251/87, de 24 de Junho, pois este refere que "a diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente... deve ser inferior a 10 dB", e, no relatório dos peritos, o ruído produzido não era contínuo;<br>
XI - deve revogar-se o acórdão recorrido, com as legais consequências.<br>
Os recorridos não contra-alegaram.<br>
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.<br>
Têm provados os factos seguintes:<br>
1 - os autores são donos da fracção D do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no gaveto das ruas ... Ilha de S. Miguel , em<br>
Ermezinde, onde eles e o restante agregado familiar habitam, lá dormindo, desde Julho de 1982, sendo que o casal dos autores tem duas filhas, as quais bem como seus pais saem para os seus trabalhos e infantário por volta das 8 horas, passando elas o dia no infantário,<br>
Centro Social de Ermezinde;<br>
2 - os quartos dos autores e suas filhas situam-se na parte da frente do prédio, por cima da secção do Talho destinado à venda ao público;<br>
3 - o réu é, desde Janeiro de 1986, inquilino da fracção C do prédio identificado no n. 1, que corresponde ao rés-do-chão destinado a comércio, localizado por baixo da habitação dos autores, onde tem instalado o estabelecimento de talho designado por<br>
Talho Central;<br>
4 - a actividade exercida pelo réu compreende a venda ao público de vários tipos e qualidades de carnes e esta actividade compreende ainda o desmanche de animais de grande porte, tarefa que é levada a cabo na parte traseira do estabelecimento, certo sendo que, dado o posicionamento deste estabelecimento, a sua cubicagem<br>
(500 metros cúbitos) e o tipo de materiais usados na sua construção, a execução dos aludidos serviços provoca ruídos e vibrações, agravados pela total falta de insonorização dos aposentos onde são levados a cabo;<br>
5 - quando o réu procede ao desmanche de animais é incómodo e perturbador para os ocupantes do piso imediatamente superior o barulho causado pelo batimento de machados, cutelos e instrumentos análogos ali utilizados;<br>
6 - mesmo em dias santos e feriados vêm os autores e sua família prejudicados o repouso, já que o ruído e vibrações provenientes das máquinas de refrigeração do estabelecimento são sentidos na sua fracção, não lhe dando hipóteses de conciliar o sono;<br>
7 - a manutenção de um tal "statu quo" tem acarretado sérios incómodos para os autores e seus familiares;<br>
8 - o talho está aberto ao público das 8 horas às 13 horas e das 15 horas às 20 horas;<br>
9 - a sala de desmanche de animais de pequeno porte situa-se nas traseiras e por cima dela situa-se a cozinha, a casa de banho e a sala de jantar dos autores;<br>
10 - a diferença entre o valor do nível sonoro contínuo equivalente, corrigido dos ruídos referidos nas respostas aos quesitos 3., 6. e 7. (supra indicados nos ns. 4., 5. e 6.) e o valor do nível sonoro do ruído de fundo, que é excedido, num período de referência, em 95 porcento de duração deste (h 85) ultrapassa 10 dB;<br>
11 - foram já dirigidas 3 participações à P.S.P. de<br>
Ermezinde, que aí correram termos sob os ns. 1007, 1686 e 1843;<br>
12 - a Administração Regional de Saúde do Porto oficiou<br>
à Câmara Municipal de Valongo a fim de o réu proceder à insonorização da sala de desmanche e regular o motor da câmara frigorífica;<br>
13 - a área descoberta do imóvel situada na parte dianteira do estabelecimento do réu é logradouro comum das fracções A, B, C e D.<br>
Segundo a jurisprudência corrente do Supremo Tribunal de Justiça, apoiada pela doutrina, a fixação da matéria de facto é, em princípio, da competência das instâncias, conhecendo o Supremo Tribunal de Justiça só da matéria de direito (artigos 721 n. 2, 722 n. 2, 729 ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil), pelo que só a<br>
Relação tem o poder de anular a decisão do Colectivo no caso de considerar deficientes, obscuras ou contraditórias as respostas aos quesitos (artigo 712 n. 2 do Código de Processo Civil) e o Supremo Tribunal de Justiça não pode censurar a decisão da Relação que não anulou as respostas do Colectivo, mesmo que estas sejam deficientes, obscuras ou contraditórias, ou que as anulou com tal fundamento, embora elas não sofressem desse defeito, certo sendo ainda que o Supremo Tribunal de Justiça não pode censurar as decisões da Relação que não façam uso do dito poder de anulação das decisões do<br>
Colectivo em matéria de facto mas já pode censurar o uso que a Relação haja feito de tal poder com violação da lei (v., entre muitos outros, os acórdãos do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 1988, 6 de<br>
Março de 1990, 14 de Novembro de 1991, 26 de Maio de<br>
1992, 3 de Novembro de 1992, 21 de Fevereiro de 1995, in, respectivamente, B.M.J. 373, 483, 395, 542, 411,<br>
549, 417, 734, 421, 400, C.J. do Supremo 1995, II, 96;<br>
Antunes Varela, R.L.J. 125, 308 e 309; Dr. Ribeiro<br>
Mendes, Direito Processual Civil III Recurso 346; .<br>
Rodrigues Bastos, Notas do Código de Processo Civil,<br>
III, 352).<br>
Nesta perspectiva legal, não sofre dúvida que o recorrente carece de razão quanto às questões suscitadas nos ns. IV, V, VI, VII, VIII relativos às conclusões da sua alegação, uma vez que versam sobre a fixação da matéria de facto e a eventual anulação das respostas aos quesitos por contradição, que a Relação não teria feito.<br>
Em todo o caso, sempre se dirá que as respostas do colectivo aos quesitos não sofrem dos vícios apontados, designadamente não são contraditórias nem contrariados por qualquer meio de prova com força determinada.<br>
Não há muito, tivemos de abordar questão parecida à que ora nos é posta no processo n. 87187, da 1. secção, pelo que iremos repetir muito do que ali se escreveu.<br>
Segundo a declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, "Todo o indivíduo tem direito à vida... (artigo 3) e "toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem estar, principalmente quanto... ao alojamento... (artigo 25 n. 1), e, como resulta do disposto no artigo 16 da Constituição da República Portuguesa, estes textos estão integrados no ordenamento jurídico português, o mesmo acontecendo com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro, cujo artigo 2 n. 1 dispõe que "O direito de qualquer pessoa à vida é protegida por lei...".<br>
Mas também a nossa Constituição preceitua que a integridade moral e física das pessoas é inviolável<br>
(artigo 215 n. 1), que todos têm direito à protecção da saúde (artigo 64 n. 1) e que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66 n. 1).<br>
Estamos perante direitos fundamentais, porque figuram entre os direitos, liberdades e garantias (Cap. I,<br>
Título II da Parte I) ou porque são direitos fundamentais de natureza análoga (artigo 17 da Constituição), de natureza social (Cap. II do Título<br>
III): E é indiscutível que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono se insere no direito à integridade física e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, enfim ao direito à saúde e à qualidade de vida.<br>
Por sua vez, no artigo 70 n. 1 do Código Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.<br>
E também a Lei 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do<br>
Ambiente) estabelece que todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado<br>
(artigo 2 n. 1), que a luta contra o ruído visa a salvaguarda da saúde e bem estar das populações e se faz, além de outras medidas, através da adopção de medidas preventivas para a eliminação da propagação do ruído exterior e interior, bem como das trepidações<br>
(artigo 22 n. 1 alínea f)) e ainda que existe obrigação de indemnização, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável (artigo 41 n. 1).<br>
E não pode, finalmente, esquecer-se o artigo 483 do<br>
Código Civil, segundo o qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.<br>
Tanto a doutrina como a jurisprudência têm convergido nesta orientação (v., quanto aos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, Castro Mendes, Estudos<br>
Sobre a Constituição, 1. volume, 103 e seguintes; Jorge<br>
Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, páginas 55, 56, 136 e seguintes, 471 e seguintes; J.J.<br>
Gomes Canotilho, Direito Constitucional, edição de<br>
1991, páginas 532 e seguintes e 565 e seguintes; quanto aos direitos de personalidade e sua ofensa através do ruído, v. Vaz Serra, R.L.J. 103, páginas 374 e seguintes; Henirich Eward Horster, Teoria Geral de<br>
Direito Civil, 257 e seguintes; Pires de Lima e Antunes<br>
Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4. edição, 104; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, 17 de Março de 1994, 21 de Setembro de 1993,<br>
16 de Abril de 1991, 13 de Março de 1986, 4 de Julho de<br>
1978, 28 de Abril de 1977, in, respectivamente, C.J. do<br>
Supremo de 1995, Tomo I, página 155, Novos Estilos,<br>
Março de 1994, 61, C.J. do Supremo de 1993, Tomo III,<br>
26, B.M.J. 406, página 623, 355, página 356, 279, página 124, 266 página 124).<br>
Há, frequentemente, colisão ou conflito de direitos fundamentais que importa solucionar.<br>
Pois bem, muito embora não exista um modelo de solução, um critério de solução válido em termos gerais e abstractos (Com base, por exemplo, numa ordem de valores ou na distinção entre os direitos sujeitos a leis restritivas e direitos não sujeitos a leis limitadas (J.J. Gomes Canotilho, R.L.J. 125, páginas<br>
293 e seguintes), claro está que é preciso decidir os casos concretos e a via indicada parece ser a que harmonize os direitos em conflito ou, se necessário, dê prevalência a um deles, de acordo com as circunstâncias concretas e à luz de uma hierarquia decorrente das próprias normas constitucionais - na verdade, a Constituição concede maior protecção aos direitos, liberdades e garantias do que aos direitos económicos, sociais e culturais e há uma ordem decrescente de consistência, de protecção jurídica, de densidade subjectiva daqueles para estes - ou de aplicação de critérios metódicos abstractos que orientem a tarefa de ponderação e/ou harmonização concretas, tais como "o princípio da concordância prática", "a ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes"<br>
(Jorge Miranda, ob. cit., páginas 135, 145, 146, 301;<br>
J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., páginas 660, 661, 538).<br>
De qualquer modo, no campo da lei ordinária, há um texto atinente à colisão de direitos, o artigo 335 do<br>
Código Civil, que dispõe:<br>
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os direitos ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.<br>
2. Se os direitos fossem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.<br>
Ora, no nosso caso, temos, de um lado, um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono, e, de outro lado, um direito de propriedade ou, se se quiser, um direito ao exercício de uma actividade comercial e não temos dúvida que aquele primeiro direito, gozando da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias (artigo 19 n. 6 da Constituição) é de espécie e de valor superior aos segundos, os quais são direitos fundamentais que apenas beneficiam do regime material dos direitos, liberdades e garantias (Jorge Miranda, ob. cit., páginas 145 e 146; J.J. Gomes Canotilho, ob. cit., página 538).<br>
Assim, há que dar prevalência ao direito à integridade física, ao repouso, à tranquilidade, ao sono, como, de resto, a doutrina e a jurisprudência vêm defendendo<br>
(Vaz Serra, R.L.J. 103, páginas 374 e seguintes; Cunha de Sá, Abuso de Direito, páginas 528 e 529; Pessoa<br>
Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade<br>
Civil, página 201; os já citados acórdãos do Supremo<br>
Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1978, 13 de Março de 1986, 17 de Março de 1994 e 26 de Abril de 1995).<br>
À luz do que se acaba de dizer e atentos os factos provados, nomeadamente os supra incluídos nos ns. 2, 4,<br>
5, 6, 7, 9 e 10, afigura-se-nos indiscutível a obrigação de o réu indemnizar os autores, por se terem provado, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a saber: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante sob a forma culposa, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.<br>
Em contrário, sobretudo no que toca ao dano e ao nexo de causalidade, pretende o recorrente esgrimir com os factos seguintes e como facto de os autores e seus familiares não estarem em casa durante as horas em que o talho está aberto ao público, com a circunstância de o sono e o descanso só poderem ser perturbados de noite e com o pormenor de o ruído em pouco ter ultrapassado o máximo legal e não ser contínuo (artigo 143 n. 1 alínea a) do Decreto-Lei 251/87).<br>
Mas a isto responde-se como se segue.<br>
Para além de não vir provado a que horas os autores regressam a casa dos trabalhos para que saem às 8 horas nem a que horas o réu procede às actividades produtoras de ruído - só vêm provadas as horas de abertura e do fecho do talho - a verdade é que se provou que o barulho feito no desmanche de animais é incómodo e perturbador para os ocupantes do piso imediatamente superior (supra n. 5) e que mesmo nos dias santos e feriados os autores e sua família vêem prejudicado o seu repouso e não têm hipóteses de conciliar o sono por causa das vibrações provenientes das máquinas de refrigeração (supra n. 6) e que a manutenção do statu quo tem causado sérios incómodos aos autores e sua família (supra n. 7) e ainda que o ruído em causa ultrapassada 10 dB (supra n. 10). E, quanto ao facto de o ruído em pouco ultrapassar o máximo legal e não ser contínuo, para além de se frisar que o artigo 14, com o termo "contínuo", não exige que o ruído atentário do descanso de terceiros seja contínuo, sem intermitência, e de se lembrar que o ruído das máquinas de refrigeração é contínuo, materialmente falando, salienta-se que, nos termos da lei constitucional e da lei ordinária, o direito ao repouso, ao descanso e ao sono pode ser ofendido mesmo que o nível sonoro do ruído seja inferior a 10 dB e que a actividade de onde resulta haja sido autorizada administrativamente<br>
(acórdão da Relação do Porto, de 27 de Abril de 1995,<br>
C.J. 1995, Tomo II, página 213).<br>
Pelo exposto, nega-se a revista.<br>
Custas pelo recorrente.<br>
Lisboa, 9 de Janeiro de 1996.<br>
Fernando Fabião,<br>
César Marques,<br>
Martins da Costa.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
kTL5u4YBgYBz1XKvyWiS | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
<br>
</div><br>
1- No 8º Juízo Cível da Comarca do Porto, A Factoring SA invocando contrato, que apelidou de factoring, celebrado entre si e a aderente B no âmbito do qual lhe foram cedidos os créditos desta, resultantes de venda e fornecimentos de produtos a C, accionou esta, atinente a obter a sua condenação no pagamento da quantia em dívida equivalente ao preço não satisfeito daqueles produtos, acrescida de juros, dado que foi notificada daquela cessão.<br>
A Ré impugna, alegando nada dever, uma vez que pagou tais créditos a D Factoring SA, em face de um outro contrato de cessão de créditos anteriormente celebrado entre esta e a B, que lhe foi notificado em 7-6-93, em vigor.<br>
Por sentença a acção foi julgada procedente.<br>
Em apelação o douto Ac. Rel. Porto - fls. 197 e 198 - revogando o decidido, absolveu a Ré do pedido.<br>
Daí a presente revista.<br>
2- A A recorrente, nas conclusões das suas alegações, afirma, em resumo:<br>
a) A recorrida não provou que pagou as facturas peticionadas à National D devido a contrato de cessão entre esta e B<br>
b) Nem provou que este tivesse findado em 06-06-94<br>
c) Pelo que não se provando a transmissão dos mesmos créditos, pela B à D Factoring e, em seguida, à recorrente, não tem aplicação o regime inserto no art 584, como erradamente o douto Ac. recorrido fez, em desrespeito da regra do art 342 nº2, ambos do CC.<br>
Em contra alegação pugnou-se pela bondade do decidido.<br>
3- Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
4- Nos termos do nº6 do art 713 CPC remete-se para o douto Ac. recorrido a enunciação de matéria fáctica nele inserta.<br>
Ou seja, nuclearmente:<br>
- A fornecedora da Ré, B - havia celebrado um contrato de factoring com a D Factoring SA.<br>
- A D Factoring SA notificou a Ré em 7 de Junho de 1993 de ter celebrado com B, contrato pelo qual esta lhe cedeu os créditos resultantes de fornecimentos dessa sociedade à Ré.<br>
- A A. e B celebraram o contrato de factoring nº 93/152 em 4-10-93, que foi notificado à Ré (carta de 15 de Outubro de 1993, fls. 82).<br>
- B forneceu à Ré diversos produtos constantes das facturas referidas na p.i., no valor do pedido.<br>
- A Ré pagou as referidas facturas à D Factoring SA.<br>
- Foi enviada, em 6-6-94, a carta junta a fls. 97, pela D Factoring à Ré, informa que o contrato de factoring celebrado com o seu fornecedor B "chegou ao seu termo".<br>
5- Perante tais factos poder-se-ia concluir que os mesmos créditos foram cedidos por B a D Factoring e à A. A Factoring.<br>
E que a primeira cessão a ser notificada à Ré foi a cessão a favor da D.<br>
Perante eles as instâncias julgaram diferentemente.<br>
Com efeito a 1ª instância, desconhecendo, na sua fundamentação, a cessão a favor da D e a sua correlativa notificação à Ré, julgou a acção procedente por a Ré ter sido notificada da cessão celebrada entre a A e a B, sendo, pois, irrelevante o pagamento das facturas efectuadas pela Ré à D.<br>
Ex adverso, a 2ª instância, perante as duas cessões, dando prevalência - artº 584 - à cessão que primeiro foi notificada ao devedor - a que foi a favor da National - absolveu a Ré do pedido, por ter pago a quem devia: aquela primeira cessionária.<br>
Que dizer?<br>
6- É ponto assente que estamos perante um contrato de factoring.<br>
O regime geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo D.Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, inclui as sociedades de factoring entre as instituições de crédito.<br>
O D. Lei 56/86, de 18 de Março, regulou, pela primeira vez, a disciplina jurídica ligada à actividade de factoring e no seu encalce o Aviso 5/86, de 17 de Abril.<br>
O D. Lei 171/95, de 18 de Julho, revogando o D.Lei 298/92, regula no seu âmbito as sociedades de factoring e o contrato de factoring.<br>
A função do factoring é essencialmente financeira.<br>
Daí que, na esteira da terminologia preconizada pelo Prof. M.Cordeiro, de cessão financeira, 1994, Pg. 19 e Manual de direito bancário, 1988, Pg. 562, o art 2 n. 1 daquele decreto lei identifique a actividade de factoring com a cessão financeira.<br>
A descrição dessa actividade - art 2 nºs 1 e 2 - permite definir o contrato de factoring, como contrato pelo qual uma das partes (o cessionário financeiro, sociedade de factoring ou factor) adquire créditos a curto prazo que a outra parte (cliente, aderente ou fornecedor) tem sobre os seus clientes (devedores), derivados de venda de produtos ou de prestação de serviços, nos mercados.<br>
Integram ainda o objecto do contrato acções de celebração entre o factor e os seus clientes, designadamente de estudo de riscos de mercado e de apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos créditos transaccionados - Drª M. Helena Brito, O Factoring Internacional, 1998, Pg 53.<br>
Paralelamente, na esteira de Sebastião Pizarro e Margarida Cabieto, Contratos Financeiros 1991, Pg. 117, S.T.J., Ac. 6-2-97, CJ. STJ ano V, Tomo I, 1997, Pg. 93, decidiu que o contrato de factoring "consiste numa cessão de créditos duma das partes e na assunção por parte da sociedade factoring dos riscos inerentes à respectiva cobrança, da eventual insolvabilidade do devedor e a concessão de financiamento ao cedente".<br>
Posição que é pacífica na doutrina estrangeira - ver por todos A. Bassi, Factoring e cessione dei credite, Milano, 1993, Pg. 67 e seg.<br>
E, ainda na doutrina portuguesa: Dr. Pedro Romano Martinez, contratos em especial, 2 ed. 1996; Drª Teresa Anselmo Vaz, Contrato de Factoring, Revista da Banca, 1987, Pg. 53 e seg; Drª Maria João V. Tomé, Algumas notas sobre a natureza jurídica e estrutura do contrato de factoring - Direito e Justiça, 1992, Pg. 251 e seg.<br>
Por isso, na esteira da doutrina alemã e parte da italiana, sustenta a Drª Helena Brito tratar-se de um contrato-quadro, ob. cit. Pg. 18.<br>
Nele se compagina uma concepção dualista: regula o conjunto das relações do factor com o respectivo aderente - nº1 art 7; e transmite créditos - nº2 art 7.<br>
Semelhantemente o Aviso do Banco de Portugal nº 4/91, de 25 de Março.<br>
O seu núcleo central assenta numa cessão de créditos, com função financeira.<br>
Daí ser qualificado, como contrato socialmente típico - Drª Helena Brito, ob. cit. Pg. 17.<br>
É um contrato unitário, globalizante, organizativo, que assentando numa cessão de créditos não se identifica consequentemente com ela.<br>
7- Na cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art 577 CC.<br>
O crédito transferido fica inalterado: apenas se verifica a substituição do credor originário por um novo credor.<br>
Cedente e cessionário têm intervenção activa e a terceira pessoa - o devedor - passiva, uma vez que se não exige o seu consentimento.<br>
O cessionário adquire o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu interesse e daí reter o objecto da prestação como coisa sua, e o cedente perde esse poder.<br>
Opera-se inter partes desde a conclusão do contrato, independentemente da sua notificação ao devedor, em aplicabilidade do princípio da eficácia imediata das convenções negociais - art 408 nº1.<br>
Com efeito, a fonte da cessão, o contrato, opera ao seus efeitos imediatamente nos termos gerais: apenas esses efeitos não se manifestam face ao devedor de boa fé - art 583 - Prof. M. Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, Pg. 97.<br>
E sem necessidade de forma especial - art 219.<br>
Em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, pois só a partir da notificação (denuntiatio) ele fica obrigado perante o cessionário - nº1 art 583.<br>
É a solução do art 1264 CC italiano, art 1527 CC espanhol e § 407 a 409 do B.G.B. e art 1 nº2 al. c) da Convenção de Otava sobre Factoring Internacional, de Maio de 1988, negociada sob a égide do UNIDROIT (Instituto para a Unificação do Direito Privado, com sede em Roma).<br>
Agora há uma mera ineficácia do negócio jurídico de cessão em face de terceiros, o devedor da situação jurídica transmitida, enquanto não se operar: notificação ou aceitação da cessão ou conhecimento dela pelo devedor - art 583.<br>
Se o primitivo credor ceder sucessivamente o mesmo direito a várias pessoas, nos termos do art 584, correspondente ao art 1265 CC italiano, prevalecerá a cessão primeiro notificada ao devedor ou aceita por este.<br>
A notificação ou aceitação do devedor assumem aqui uma função paralela à do registo predial nos direitos reais sujeitos a registo Prof. A.Varela, Obg. Geral, vol.II, Pg. 276 em nota (3).<br>
A notificação ou aceitação tem alcance análogo ao que se consegue, noutros casos, com os meios de publicidade.<br>
Não prevalece, desta forma, a que primeiro tiver sido efectuada, nem a que primeiro tiver sido conhecida do devedor.<br>
"É manifesto, no contraste entre o art 584 e o nº2 art 583, o intuito de acautelar os interesses de terceiros, a quem o credor haja sucessivamente transmitido o crédito, contra a contingência da prova <br>
relativa ao simples conhecimento de cessão por parte do devedor" Prof. A.Varela, ob. cit. Pg. 272, nota (1).<br>
Também o nº2 do art 11 da Convenção de Otava determina que a notificação da cessão sucessiva ao devedor constitui igualmente notificação da cessão à sociedade de factoring, sendo o cessionário sucessivo como se fosse a sociedade factoring.<br>
8-Voltemos aos factos.<br>
Como resposta ao quesito 6 provou-se o que consta do documento de fls. 95, ou seja, em 7 de Junho de 1993, National SA notificou a Ré de ter celebrado com B contrato de factoring, com início em 28-02-92, contrato pelo qual esta lhe deu cedeu os créditos resultantes de fornecimentos dessa sociedade à Ré.<br>
Mais se provou que por carta de 15 de Outubro de 1993 a Ré como devedora foi notificada de uma segunda cessão entre a A e B, efectuada em 4-10-93.<br>
Sem que se tivesse assinalado qualquer revogação do contrato com a D Factoring.<br>
Finalmente provou-se que, em 6-6-94, a D Factoring enviou à Ré a carta junta a fls. 97, informando que o contrato de factoring celebrado com o seu fornecedor B "chegou a seu termo", sendo certo que as facturas em apreço, e pagas, são todas anteriores àquela data.<br>
Daqui resulta que todo este conjunto fáctico provado colide frontalmente com a tese da A. recorrente alicerçada nas conclusões das suas alegações em factos que não estão efectivamente provados, factos que, em seu entender, não ficariam subsumíveis na previsão do art 584 CC.<br>
9- Em conclusão:<br>
- B cedeu através de contratos de factoring a D Factoring SA e à A Factoring SA os mesmos créditos que detinha sobre a Ré.<br>
- A cessão a favor da D Factoring SA foi a primeira a ser notificada à Ré.<br>
- A Ré pagando à D Factoring SA, pagou correctamente, em face do estatuído no art 584 CC.<br>
10- Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela A recorrente.<br>
Lisboa, 25 de Maio de 1999.<br>
Torres Paulo,<br>
Aragão Seia,<br>
Lopes Pinto.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
OjIQvIYBgYBz1XKvrYhH | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
</font><br>
<font>1 - No 7. Juízo Cível da Comarca do Porto, A accionou B e C, atinente a obter a sua condenação solidária no pagamento de 40000000 escudos, acrescidos de juros moratórios de 15 porcento ao ano, desde a citação, como indemnização pelos prejuízos materiais e morais que lhe causaram, acrescidos dos que se vierem a liquidar em execução de sentença, por lhe imputarem, concertadamente, factos falsos e suspeitas caluniosas com intenção de ofender o seu bom nome, a sua honra, a sua dignidade e reputação, publicamente, utilizando os meios de comunicação social.<br>
Os Recorrentes impugnaram.<br>
</font><br>
<font>Por sentença os Recorrentes foram solidariamente condenados no pagamento ao Autor da quantia de 40000000 escudos, a título de indemnização de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa anual de 15 porcento desde a citação até integral pagamento.<br>
Ambos os Recorrentes apelaram e o Autor subordinadamente.<br>
O douto Acórdão da Relação do Porto, folhas 603 a 621, julgando parcialmente procedente a apelação, alterou para 3000000 escudos o quantitativo indemnizatório fixado na sentença apelada, a qual, no mais confirmou.<br>
Daí a presente revista interposta por ambos os Recorrentes.<br>
2 - O Réu C não alegou.<br>
Assim, nos termos do n. 2 artigo 690 do Código de Processo Civil julga-se deserto o recurso interposto, com custas pelo recorrente.<br>
O recorrente B nas suas alegações conclui: </font><br>
<font>a) O critério para atribuição do montante de danos não patrimoniais decorrentes da lesão do bom nome e consideração de outrém, está plasmado nos artigos 494 e 496 do Código Civil. </font><br>
<font>b) O montante indemnizatório a que o recorrente foi condenado é manifestamente exagerado, atenta a média dos valores que jurisprudencialmente vêm sendo entendidos como constitutivos do justo ressarcimento de perda do direito à vida. c) O quantitativo indemnizatório a fixar, não deverá, por isso, ser superior a 250000 escudos.<br>
</font><br>
<font>O Autor contra-alegou, defendendo o Acórdão recorrido.<br>
3 - Dando ordem lógica e cronológica aos factos assentes pela Relação temos como provado: </font><br>
<font>a) No dia 5 de Dezembro de 1989, véspera do jogo que o Futebol Clube do Porto iria disputar contra o Hamburgo para a competição denominada Taça U.E.F.A., o contestante encontrava-se, após o jantar, num quarto do Hotel Sheraton, no Porto - resposta ao quesito 31. </font><br>
<font>b) Onde, como Director do Departamento de Futebol, acompanhava a equipe de futebol sénior do F.C. Porto, que se encontrava em regime de estágio para o referido jogo - resposta ao quesito 32. </font><br>
<font>c) O Réu atendeu um telefonema, que injustificadamente, atribuiu ao Autor, em que alguém, em tom irónico, formulou votos de sucesso para o jogo do dia seguinte - resposta ao quesito 33. </font><br>
<font>d) O Réu por estar infundadamente persuadido de que era o Autor, respondeu que se tratava de uma hipocrisia - resposta ao quesito 34. </font><br>
<font>e) O interlocutor do telefonema adiantou "pode ser que amanhã vocês tenham o azar que haja umas pedras e depois não há camarote para ninguém - resposta ao quesito 35. </font><br>
<font>f) Alguns dias depois do jogo, o Réu tomou conhecimento de que o clube fora punido disciplinarmente com um jogo de interdição do seu estádio - resposta ao quesito 39. </font><br>
<font>g) E bem assim que a causa desse castigo, mencionada no relatório do árbitro, tinha sido o arremesso de algumas pedras contra a equipe de arbitragem - resposta ao quesito 40. </font><br>
<font>h) O Réu tomou a decisão de divulgar a referida conversa telefónica - resposta ao quesito 41. </font><br>
<font>i) Na edição de "O Comércio do Porto" de 21 de Janeiro de 1990, sob o título "F.C. Porto responsabiliza um seu dirigente pelo castigo (um jogo) da U.E.F.A. - Direcção Portista quer saber o porquê da punição - o Réu disse "A Direcção do Clube deve reunir na próxima semana para analisar todo o processo" e "Perante as provas que temos em nosso poder, as causas deste castigo podem constituir uma autêntica vergonha para os verdadeiros portistas" o "existem inícios de que um vice-presidente do clube possa ter sido o causador voluntário da interdição do estádio ao ter afirmado, antes do jogo com o Hamburgo que o árbitro poderia ser agredido, o que, na verdade, veio a acontecer" e "tal procedimento do ex-dirigente portista poderá estar relacionado com o facto da direcção lhe ter recusado os convites que lhe pedira para o encontro em causa"... - alínea A) da especificação. </font><br>
<font>j) As declarações do Réu foram também publicadas no Jornal de Notícias de 21 de Janeiro de 1990, na Página 21, onde se podem ler, em caixa a duas colunas e sob o título "F.C. Porto analisa interdição das Antas! Um ex-vice-presidente portista terá sido o culpado" - alínea B) da especificação. </font><br>
<font>l) Também o jornal desportivo "O Record", de 21 de Janeiro de 1990, Página 23, em caixa e a uma coluna, refere em título, transcrevendo depois as declarações do Réu "F.C. Porto punido pela U.E.F.A., ex-vice-presidente na origem do castigo" - alínea C) da especificação. </font><br>
<font>m) No dia 23 de Janeiro de 1990, o "Jornal de Notícias", diário com a maior audiência e tiragem em todo o país na Página 21, sob o título a cinco colunas<br>
"C abre contencioso A associado à interdição das Antas" surge o nome de A como sendo o tal ex-vice-presidente causador voluntário da interdição do Estádio das Antas - alínea D) da especificação. </font><br>
<font>n) ... "C antecipa-se ao plenário e dá à estampa o nome de A, mediante o que foi transmitido por B" - alínea F) da especificação. </font><br>
<font>o) Os jornais diários, semanários e desportivos do Porto e Lisboa referiam-se ao assunto.<br>
</font><br>
<font>1 - Gazeta dos Desportos em 24 e Janeiro de 1990 Página 2 título a quatro colunas "F.C. Porto acusa o ex-vice...".<br>
2 - O "Liberal", de 27 de Janeiro de 1990, a duas colunas e em caixa títula "C insiste... o Presidente do F.C. Porto acusa formalmente A (o guerrilheiro sem sorte), de destabilizar o clube das Antas.<br>
3 - "Expresso", de 27 de Janeiro de 1990, no caderno "Expresso - Desporto", em artigo a seis colunas, relata..." as declarações do árbitro do jogo ao Expresso ganham importância depois de a responsabilidade dos incidentes ter sido atribuída por C, ao antigo vice-presidente A..." "O ex-vice-presidente, segundo B teria solicitado alguns convites e perante uma alegada negativa insinuaria que algumas pedras poderiam ser arremessadas durante o desafio... - alínea G) da especificação. p) Em comunicado publicado na imprensa, onde calma e ponderadamente, afirma, sobre as calúnias sobre si proferidas e atrás expostas.<br>
- serem falsos os factos de que o acusam e torpes difamações.<br>
- A sua actuação futura será ditada apenas pelo estritamente necessário à defesa da sua integridade pessoal e idoneidade moral que foram de modo tão vil atacados pelos Recorrentes - alínea H) da especificação. q) No seguimento do que os Recorrentes não se inibiram de, em conferência de imprensa, realizada em 29 de Janeiro de 1990 nomeadamente divulgada - antes da mesma e depois dela - pelos diversos órgãos noticiosos (jornais, rádio e televisão), fazerem afirmações.<br>
1 - No "Jornal de Notícias", de 30 de Janeiro de 1990, Página 17.<br>
</font><br>
<font>2 - No "Comércio do Porto", de 30 de Janeiro de 1990, Página 21.<br>
3 - Jornal desportivo, o "Jogo" - de 30 de Janeiro de 1990 - alínea I) da especificação. r) Também nos jornais "O Record" e "A Capital", de 30 de Janeiro de 1990.<br>
- Sob o título "B versus A".<br>
- Sob o sub-título "Telefonema azedo", foram transcritos os comentários e afirmações produzidas pelos Recorrentes na citada conferência de imprensa - alínea J) da especificação. s) O Réu B, por sua livre iniciativa, comunicou à imprensa que o ex-vice-presidente do clube poderia estar ligado à sanção imposta pela U.E.F.A. - alínea B) da especificação. t) Não ignorando que ofendia o Autor na sua honra e consideração, o Réu B produziu à Agência Lusa, posteriormente reproduzida por diversos jornais, a seguinte deliberação: "A direcção do clube deve reunir na próxima semana para analisar todo o processo" e "Perante as provas que temos em nosso poder as causas deste castigo podem constituir uma autêntica vergonha para os verdadeiros portistas" e "existem indícios de que um vice-presidente do clube possa ter sido o causador voluntário da interdição do estádio, ao ter afirmado, antes do jogo com o Hamburgo que o árbitro poderia ser agredido, o que, na verdade, veio a acontecer" e "tal procedimento do ex-dirigente portista poderá estar relacionado com o facto da direcção lhe ter recusado os convites que pedira para o encontro em causa..." e ainda no decurso da conferência de imprensa referida em I). Perante minha surpresa por esta atitude, a que, como lhe disse, considerei hipócrita,<br>
A disse-me que poderia haver uma chuva de pedras no final do jogo com o Hamburgo - resposta ao quesito 2. u) O Réu com estas afirmações, que publicamente proferiu, feriu o bom nome e reputação do Autor - resposta ao quesito 3. v) O Réu bem sabia que os meios de comunicação social dariam toda a publicidade e fariam chegar aos mais longínquos meios populacionais tais afirmações voluntariamente feitas por si - resposta ao quesito 4. x) </font><br>
<font>O Réu continuou a usar os meios de comunicação social e procedeu à conferência de imprensa referida em I), não ignorando que as suas afirmações repetidamente produzidas ficaram mais gravadas na mente do público - resposta ao quesito 5. z) O Réu voluntariamente criou, nos meios de comunicação social, numa primeira fase, a expectativa e o ambiente para que o facto aparecesse como escândalo público, revelando apenas uma parte dele e sem imputação subjectiva clara - resposta ao quesito 6. a-1) Numa terceira fase, coincidente com a conferência de I), já depois de proferidas as anteriores afirmações, proferiu o Réu as declarações constantes em I) - resposta ao quesito 8. b-1) O Autor, como atleta, jogou hóquei em patins na equipa sénior do F.C. Porto, durante doze anos, desde 23 de Julho de 1958 até Novembro de 1970 - alínea K) da especificação. c-1) Foi desde o inicio e por nomeação dos seus colegas "capitão" de equipa, funções que sempre desempenhou enquanto jogou - alínea L) da especificação. d-1) Nunca foi castigado disciplinarmente nos jogos que disputou - alínea M) da especificação. e-1) Teve vários louvores concedidos pelo F.C. Porto e pela associação de patinagem do Porto - alínea N) da especificação. f-1) Foi distinguido em 1964 com o troféu Pingo, atribuído ao atleta amador exemplar - alínea O) da especificação. g-1) Foi convidado, a pedido unânime dos seus colegas e já depois de deixar de jogar, pela Direcção do Clube, e num momento difícil, de exercer o cargo de treinador da equipa sénior de hóquei em patins do F.C. Porto - alínea P) da especificação. h-1) Toda a sua actividade desportiva que desenvolveu, como jogador e como técnico, foi amadora - alínea Q) da especificação. i-1) </font><br>
<font>Como dirigente, o Autor foi eleito vice-presidente da Direcção do F.C. Porto em 1982 - alínea S) da especificação. j-1) Em reunião de direcção foi designado Presidente substituto, substituindo o presidente nas suas faltas ou impedimentos, permanecendo com este cargo até 1988 - alínea B) da especificação. l-1) Foi escolhido para Presidente do Conselho Cultural do F.C. Porto desde 1982 a 1985, órgão colegial que tem por objectivo estatutário promover actividades culturais, recreativas, sociais e de propaganda - alínea U) da especificação. m-1) Durante o período de quatro anos em que exerceu o mandato o Autor organizou, entre outros:<br>
- Em 1984, o 1. Congresso das Filiais e Delegações do F.C. Porto, com o tema "do que temos muito que ainda queremos".<br>
- Em 17 de Maio de 1985, o 1. Encontro das Filiais e Delegações - alínea V) da especificação. n-1) Promoveu a composição de um novo hino do F.C.<br>
Porto e organizou a entrega de Rosetas aos sócios com 50 e 25 anos de filiação no clube - alínea W) da especificação. o-1) Incentivou a criação de várias filiais e delegações do F.C. Porto, tanto em Portugal, como na<br>
Europa, América, África do Sul e Brasil - alínea X) da especificação. p-1) Foi responsável do Departamento Médico - Sector Amador do F.C. Porto, na altura da organização do 1. Simposium de Medicina Desportiva do F.C. Porto - alínea Y) da especificação. q-1) Em assembleia geral extraordinária do F.C. Porto, realizada em 14 de Junho de 1985, foi distinguido, por unanimidade e aclamação, como sócio-honorário do clube, conjuntamente com D e E - alínea A-1) da especificação. r-1) O Autor viu abalado o seu bom nome e reputação, como pessoa ligada ao fenómeno desportivo - resposta ao quesito 10. s-1) O Autor exerce a sua actividade como sócio e gerente de uma das mais prósperas e promissoras empresas do sector público - resposta ao quesito 12. t-1) Administra, como accionista maioritário, uma empresa do sector farmacêutico - resposta ao quesito 13. u-1)</font><br>
<font>Exerce o mandato de vogal do Conselho Fiscal de uma reputada e respeitada empresa seguradora - resposta ao quesito 14. v-1) Procede ao Conselho de Administração de uma empresa do sector imobiliário e do conselho Fiscal de uma sociedade ligada à actividade turística - resposta ao quesito 15. x-1) Faz parte ainda dos corpos sociais de duas sociedades do sector financeiro; uma sociedade financeira de corretagem e uma sociedade de investimento - resposta ao quesito 16. y-1) as funções de administração e de fiscalização que desempenha nas referidas sociedades são o corolário da reputação de homem sério, honesto e cumpridor das regras deontológicas, morais e legais, por que se rege a vida em sociedade, reputação que é conhecida pelos meios empresariais nacionais e, sobretudo, nortenhos - resposta ao quesito 17. z-1) As afirmações do Réu causaram também danos no bom nome e reputação do Autor, com reflexos na sua vida profissional - resposta ao quesito 11. a-2) No círculo de amigos, conhecidos e vizinhos foram comentadas as declarações do Réu - resposta ao quesito<br>
21. b-2) </font><br>
<font>O Autor teve de ouvir ditos irónicos proferidos por conhecidos sobre as afirmações proferidas pelo Réu a seu respeito - resposta ao quesito 26. c-2) O seu estado de espírito era jovial, alegre e compreendedor - resposta ao quesito 28. d-2) Como simples cidadão o Autor sofreu danos na sua honra e consideração - resposta ao quesito 19. e-2) O Autor, em consequência da conduta do Réu, sofreu abalo anímico e ansiedade, vivendo durante o tempo imediatamente posterior às afirmações públicas do Réu em estado de tensão nervosa - resposta ao quesito 24.<br>
</font><br>
<font>4 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br>
5 - O artigo 70 do Código Civil no seu n. 1 " A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral".<br>
No Código de Seabra - artigo 2383 - "os prejuízos que derivam de ofensa de direitos primitivos, podem dizer respeito à personalidade física, ou à personalidade moral".<br>
E na sua linha jusnaturalista e liberal enumerava como direitos originários - os que resultam da própria natureza do homem - os direitos de assistência, de liberdade, de associação, de apropriação e de defesa - artigo 359.<br>
Com efeito, foi o liberalismo dos finais do século XVIII e do século XIX que escudou a defesa dos direitos individuais perante o Estado, posição que encontrou forte estímulo na escola do direito natural, em Kant e nos filósofos agitadores da Revolução Francesa e foi plasmada logo no artigo 1, ns. 1 e 2 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.<br>
Mas no Código de Seabra a indemnização vai buscar a sua fonte de obrigação da violação daqueles direitos inseridos no artigo 359, empalidecendo-se a dicotomia "personalidade física e moral".<br>
</font><br>
<font>O Anteprojecto do Professor Manuel Andrade - Boletim 102, Página 155 no seu artigo 6 n. 1 estipulava "a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade".<br>
E em nota (2), Página 155, escreve-se "Física ou moral" como porventura será de acrescentar neste ponto.<br>
Paralelamente Professor Vaz Serra no projecto sobre requisitos da personalidade civil, Boletins 92, páginas 82 e seguintes, 99, 111, e 135, no seu artigo 1 - base do actual artigo 483 do Código Civil - reconhecia a existência de um direito geral de personalidade" o direito de exigir de outrém o respeito da própria personalidade, na sua existência e nas suas manifestações".<br>
E isto na esteira da jurisprudência firmada na Alemanha a partir da nova Constituição - artigo 2.<br>
É que até então o Código Civil Alemão artigo 823 n. 1 enumerava os bens protegidos pelo direito de personalidade "vida, corpo, saúde, liberdade e propriedade".<br>
À semelhança de Itália e França.<br>
Só que a Comissão de Reforma do Código Civil francês, em 1951, aceitou o projecto de Honin que no seu artigo 165 admitia a cláusula geral relativa à protecção de personalidade.<br>
Este foi a fonte do nosso artigo 70.<br>
Percebe-se e aceita-se de braços abertos esta orientação.<br>
Há que recorrer à cláusula geral "personalidade física ou moral" para frente à visão actualista inserida no artigo 9 n. 1 do Código Civil a protecção de cada indivíduo encontrar apoio legal, dada a crescente e imprevisível mutação da vida.<br>
Este intróito serve para podermos bem surpreender o bem jurídico, unitário e globalizante: a personalidade.<br>
Aceitando plenamente o ensinamento Dr. Capelo de Sousa, o Direito Geral de Personalidade 1995, Página 117, diremos:<br>
"poderemos definir positivamente o bem da personalidade humana juscivilisticamente tutelada como o real e o potencial físico e espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado, dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu espírito reflexivo, sócio-ambientalmente integrados".<br>
</font><br>
<font>Recebe e protege o homem com o seu direito à diferença projectado em concepções e daí actuações próprias.<br>
Igualmente nos artigos 57 e 28, respectivamente, dos Código Civil grego e suíço.<br>
Mas visando o teor naturalístico e cultural da personalidade de cada indivíduo dentro do sistema, há agora que decompor, compartilhar, estaticamente as zonas onde a personalidade se desdobra.<br>
Assim ao lado da ideia de "personalidade física", onde podemos nos bens - (vida, corpo, espírito) - estados (saúde, tranquilidade) e capacidades (educação, trabalho, poder de criação e de iniciativa), existe o binómio homem - mundo circundante projectado na "personalidade moral" nos valores, liberdade, igualdade, honra, reserva de vida.<br>
Tudo para concluir que será o carácter unitário, complexo, integrado e dinâmico do Autor A, desmultiplicado através dos elementos atrás indicados, que será observado e analisado para surpreender quando a sua personalidade, à luz da sua honra, foi conscientemente violentada pelo Réu.<br>
6 - O valor pessoal de cada homem constituído ao longo dos seus anos de vida por tudo aquilo que fez ao ser recebido pela sociedade representa a sua honra.<br>
"A honra juscivilisticamente tutelada abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente a todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância...<br>
</font><br>
<font>Em sentido amplo, inclui também o bom nome e a reputação, enquanto sínteses do apreço social pelas qualidades determinantes de unicidade de cada indivíduo e pelos demais valores pessoais adquiridos pelo indivíduo no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político" - Dr. Capelo Sousa, obra citada, Páginas 303 - 304.<br>
Paralelamente - Adriano de Lupis, Il diritti delle personalitá, in Trattato de Diritto Civile e Commerciale, IV, Milão, 1982, Página 256; Cunha Gonçalves, Tratado III, Página 13; Beleza dos Santos,</font><br>
<font>Rev. Leg. J. 92, Páginas 165 e seguintes; Figueiredo Dias, Rev. Leg. Jurisp. 115, Páginas 104 e seguintes.<br>
O bem honra no que concerne aos presentes autos vem tutelado aos artigos 26 - n. 1 da Constituição e 70 n. 1 e 48 verso do Código Civil.<br>
</font><br>
<font>7 - O Tribunal Constitucional reconheceu a existência de um direito geral de personalidade - Acórdão 6/84, de 18 de Janeiro, Boletim 340, Página 177.<br>
Aqui já não se discute a sua violação.<br>
Discute-se tão somente o valor indemnizatório a que o recorrente foi condenado: danos não patrimoniais.<br>
A tutela civil incorporada no artigo 70 do Código Civil consubstancia-se no direito de exigir do Réu infractor responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483 e 484.<br>
Sendo função do Direito estabilizar e tutelar as expectativas e condicionantes da vida do homem, através de uma ordenação e distribuição de riscos, a responsabilidade civil vai impor o dever de indemnizar<br>
"pelo qual se atribui a alguém a competência de suportação de um dano sofrido por outrém".<br>
Assim na responsabilidade por factos ilícitos o artigo 483 consagra o princípio geral no seu n. 1 "Aquele que, com dolo ou uma culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".<br>
E logo a seguir o artigo 484 estatui:<br>
"Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados".<br>
É sabido que este tipo de responsabilidade é recebido diferentemente pelos sistemas.<br>
Uns consagram uma dupla cláusula geral do direito delitual:<br>
- francês - artigo 1382 "Qualquer facto do homem que causa a outrém um dano obriga aquele por culpa de quem de se deu a repará-lo".<br>
- italiano - artigo 2043 "Qualquer facto doloso ou culposo que causa a outrém um dano injusto obriga aquele que praticou o facto a ressarcir o dano".<br>
Aqui terá o juiz de ponderar casuisticamente os bens e os interesses em conflito.<br>
Para evitar a afectação da segurança e de previsibilidade das soluções, outros sistemas optam por uma descrição de bens absolutamente protegidos no Tatbestande: 823 Código Civil Alemão "... violar ilicitamente a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade".<br>
O nosso fixa-se por uma imposição intermédia, onde define dois tipos de situação: violação dos direitos de outrém e violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.<br>
Para além destas duas disposições básicas de responsabilidade civil enumeradas no n. 1 do artigo 483 (Grundtablestande), o nosso legislador recebeu uma série de previsões particulares (Sondestatestande) que concretizam ou completam aqueles: artigos 484, 485 486 - Professor A. Varela, Obrigações I, Página 518) e ainda artigo 491 - 492 e 493 - Prof. P. Cordeiro Obrigações II, Páginas 351 e 352.<br>
Daí que a "ofensa ao crédito e bom nome prevista no artigo 484 não é mais que um caso especial de facto antijuridico definido no artigo 483 procedente, pelo que se deve considerar subordinada ao processo geral do artigo 483" - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1976 Boletim 257, Página 131.<br>
</font><br>
<font>Dúvidas não há que se verificam os pressupostos de responsabilidade por factos ilícitos: voluntariedade e ilicitude: nexo de imputação do facto ao lesante; o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.<br>
O Réu agiu com dolo, com dolo directo, grave e intenso.<br>
O n. 1 artigo 496 limita a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles "que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito".<br>
Tal deverá medir-se por padrões objectivos frente às circunstâncias de cada caso.<br>
Nos termos do n. 3 do artigo 496 o montante de indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494, ou seja, o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso.<br>
Em face dos artigos 562 e 564 n. 1 o Réu obrigado a reparar um dano não patrimonial de personalidade deveria tomar o comportamento indispensável tendente a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento violador da personalidade, ou seja, deveria retratar-se.<br>
Não o fez.<br>
</font><br>
<font>Muito ao contrário em face do que consta nas alíneas H) e I) da especificação, depois de o recorrido vir a público declarar serem falsos os factos de que era acusado pelo Réu, este, em anterior conferência de imprensa, volta a repetir o anteriormente afirmado.<br>
Daí ser grave e intenso o seu dolo como se referiu.<br>
Mesmo o haver retractado, ela não seria compensatória frente ao vexame, desprestigio e desgosto sofridos pelo recorrido.<br>
Há, assim, que fixar a indemnização com os critérios atrás focados, dada a ressalva inserta na 1. parte do n. 2 do artigo 566.<br>
Desta forma temos:<br>
- É grave a intensidade do dolo do recorrente.<br>
- Ignora-se a sua situação económica e dada a actividade profissional do recorrido - resposta quesitos 12-13-14-15 e 16 - há que concluir que é manifestamente boa.<br>
- A reputação social do recorrido é elevada - alíneas N), O), S), T), U), V), A-1) da especificação e respostas quesitos 12, 13, 14, 15, 16 e 17.<br>
- A gravidade dos factos que o recorrente lhe imputa é extrema: a honra do recorrido foi violentamente atingida - alíneas A), B), C), D), F), G), J) da especificação e resposta ao quesito 2.<br>
- A sua publicidade foi enorme - ver ainda resposta aos quesitos 4, 5, 6 e 8.<br>
- Foi vexado como homem, o que lhe trouxe o correlativo desgosto - resposta aos quesitos 21-26-28 e 24.<br>
Tendo em consideração as respostas aos quesitos 10-11 e 19 verifica-se que o comportamento do Réu abalou o bom nome e reputação do recorrido, como cidadão, como homem ligado ao fenómeno desportivo, com correlativos reflexos na sua intensa vida profissional.<br>
8 - Em conclusão:<br>
O recorrido foi falado e violentamente atacado pelo Réu recorrente - director do departamento do futebol sénior do F.C. Porto através de larga e repetitiva publicidade, relativamente a factos relacionados com a vida do F.C. Porto, clube que representou, sob diversos ângulos (desportivo e dirigente) sempre com grande e elevada dignidade.<br>
É grave e chocante.<br>
</font><br>
<font>Daí o natural abalo do seu bom nome e reputação que se projectou em estado de tensão nervosa e ansiedade.<br>
A indemnização por este grave dano não patrimonial foi computada pela 1. instância em 4000000 escudos e pela Relação em 3000000 escudos.<br>
Havendo só recurso por parte do Réu que pretendia que ela fosse valorada tão somente em 250000 escudos, há que concluir que o montante de 3000000 escudos não merece a mínima censura.<br>
</font><br>
<font>9 - Termos em que, </font><b><font>negando a revista</font></b><font>, se confirma o douto Acórdão recorrido.<br>
Custas pelo recorrente B.<br>
Torne ainda em consideração a condenação do Réu C requerido neste acórdão em 2), ao julgar-se deserto o recurso por si interposto.<br>
Lisboa, 27 de Junho de 1995.<br>
Torres Paulo,<br>
Ramiro Vidigal,<br>
Cardona Ferreira.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
rzL-u4YBgYBz1XKvW282 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br>
I</div>A, B e Mulher, C todos com os sinais dos autos, intentaram contra D, nos Juízos Cíveis da comarca do Porto, acção em processo ordinário em que pediram a condenação da Ré a:<br>
A) solver a quantia de esc. 5192000 escudos, a título de ressarcimento pelos prejuízos e danos patrimoniais já apurados, sendo 5000000 escudos de lucros cessantes e 192000 escudos da matéria peticionada nos itens 53º a 54ºA;<br>
B) indemnizar a 1ª autora por todos os danos futuros que venham a ser quantificados, a liquidar e a determinar em execução de sentença;<br>
C) pagar aos 2º e 3º autores a quantia de 1000000 escudos como compensação pelos danos morais sofridos;<br>
D) pagar os juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.<br>
<br>
Fundamentando a sua pretensão, alegaram, em síntese, que, com o derrame do combustível verificado num posto de abastecimento da Ré, sito na comarca de Santa Maria da Feira, ficou contaminada a água de um poço que abastecia o restaurante da sociedade-autora e a casa dos restantes autores, o que provocou prejuízos no funcionamento da primeira e afectou o normal abastecimento dos segundos, com as consequências relatadas na petição inicial.<br>
A Ré contestou, impugnando a versão dos autores e sustentando que o derrame não chegou a afectar a água do referido poço, já que os hidrocarbonetos aí detectados não são derivados do petróleo.<br>
Após réplica dos autores, foi proferido despacho a julgar incompetente, em razão do território, o Tribunal Cível do Porto para o conhecimento da acção e a determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Santa Maria da Feira, por ser o territorialmente competente para o efeito.<br>
Proferido o despacho saneador e organizados a especificação e o questionário, no círculo judicial de Santa Maria da Feira, e após o julgamento, as respostas aos quesitos e as alegações de direito, foi proferida a sentença segundo a qual a acção foi julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.<br>
Inconformados, dela interpuseram os autores recurso de apelação, o qual, por acórdão de 13 de Março de 1997, do Tribunal da Relação do Porto, foi julgado improcedente, sendo, consequentemente, confirmada a sentença da 1ª instância.<br>
É do referido acórdão que o autores, ainda inconformados, trazem a presente revista, oferecendo, a finalizar as suas alegações, as seguintes conclusões:<br>
<br>
a) É inequívoco que a actividade desenvolvida pela Ré é uma actividade especialmente perigosa;<br>
b) E que o encerramento do poço dos AA ocorreu em virtude do acidente ecológico (derrame ocorrido num dos depósitos da Ré), que contaminou diversos aquíferos da zona de Argoncilhe;<br>
c) À data do referido acidente, as análises efectuadas pelo Laboratório de Hidrologia da Faculdade de Farmácia do Porto, revelaram a presença de "2,2" hidrocarbonetos totais dissolvidos emulsionados e óleos minerais m/l;<br>
d) As análises obtidas pela R. realizaram-se volvidos cerca de 2 anos sobre a ocorrência do derrame;<br>
e) Assim, peca o (...) douto Acórdão da instância, ao confirmar a Sentença recorrida, por incorrer:<br>
e)1 - em violação de lei substantiva - o art.º 8º do Cód. Civil;<br>
e)2 - em erro de interpretação e determinação das normas aplicáveis. Nomeadamente: artº 40º, nº 4, e 41º, nº 1, da Lei 11/87, de 7 de Abril, o artº 130º (r/2) do Tratado de Roma na redacção introduzida pelo Acto Único Europeu, al. h), e o artº 10º da Convenção de Lugano.<br>
f) Na medida em que se exige o nexo de causalidade adequada, numa óptica de responsabilidade civil tradicional quando esta matéria (responsabilidade delitual do Direito do Ambiente) se contenta com juízos de mera probabilidade ou verosimilhança dispensando, por isso, um juízo de certeza absoluta;<br>
g) Por outro lado e no que respeita à consagração da responsabilidade objectiva neste especial ramo de direito (Direito do Ambiente), a não regulamentação do quantum indemnizatório não justifica que o Tribunal se abstenha de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei; pelo contrário, sempre haveria de integrar a eventual lacuna existente com o recurso à interpretação extensiva ou analógica, em última instância sempre haveria de resolver a lacuna com recurso a uma norma por si criada, tal como se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema;<br>
h) Atenta a natureza e o âmbito europeu e internacional do direito de Protecção do Ambiente e respectiva corresponsabilização no conceito dentro do espírito do sistema referido anteriormente, contido no artº 8º do Cód. Civil, sempre caberiam as normas de Direito Europeu e de Direito Internacional invocadas no item C)2 ( ) Trata-se certamente de lapso, devendo ter querido escrever-se "e)2".);<br>
i) Assim, no uso do artº 729º e ss., deverá o Supremo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado com as demais consequências legais implícitas.<br>
<br>
A Ré contra-alegou pugnando pela improcedência da revista.<br>
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<div>II</div>É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelas instâncias:<br>
A) A autora A é uma sociedade comercial que se dedica à indústria hoteleira e similares, nomeadamente à exploração de um restaurante sito na Avenida São Salvador, Vendas de Grijó, Carvalhos, Vila Nova de Gaia (A)).<br>
B) O autor B é sócio-gerente da autora-sociedade (B)).<br>
C) A Ré tem como actividade o fornecimento de combustíveis (C)).<br>
D) Por motivos estranhos aos autores, em Abril de 1990 ocorreu uma ruptura num dos depósitos do posto de abastecimento da Ré D, sito na E.N. nº 11, em Argoncilhe, Santa Maria da Feira (D)).<br>
E) Dessa ruptura resultou a perda de combustível que se encontrava no depósito (4º).<br>
F) Esse combustível infiltrou-se no solo (5º).<br>
G) Contaminou com hidrocarbonetos diversos aquíferos (águas subterrâneas e superficiais (6º).<br>
H) Na água deste poço (o que fornecia água ao restaurante da 1ª autora), foram detectados, por análise do Laboratório de Hidrologia da Faculdade de Farmácia do Porto a presença de "2,2" hidrocarbonetos totais dissolvidos e emulsionados e óleos minerais em mg/I (8º).<br>
I) O valor médio admitido em águas de consumo relativo ao teor de hidrocarbonetos é de 0,2 microgramas por litro (9º).<br>
J) Em consequência da referida análise, o Sr. Delegado de Saúde aconselhou que não se procedesse ao consumo de água proveniente do poço que abastece o restaurante dos autores (10º).<br>
K) O restaurante e a habitação incluídos no mesmo edifício passaram a ser diariamente fornecidos por água transportada em camiões cisternas (E)).<br>
L) Inicialmente (Dezembro de 1991) pelos Bombeiros Voluntários e a partir de Fevereiro de 1992 por empresa transportadora contratada pela Ré (F)).<br>
M) O horário destes fornecimentos de água situavam-se entre as 09.00 horas e as 20.00 horas (G)).<br>
N) São fornecidos aos autores uma média diária de 8 a 9 mil litros de água (H)).<br>
O) Procedeu-se à construção de uma canalização nova (autónoma do poço), de forma a permitir o armazenamento de água, a ser fornecida em condições de segurança (13º e 14º).<br>
P) O restaurante sempre teve como horário de funcionamento das 08.30 horas às 24.00 horas (16º).<br>
Q) No lapso de tempo em que a água foi fornecida por tanques automóveis, a 1ª autora deixou de servir algumas refeições, não podendo finalizar em tempo algumas delas, deixando ainda e momentaneamente de lavar louças, máquinas e outros utensílios (20º).<br>
R) Na sequência do anteriormente referido houve uma diminuição de produtividade e rendimento da autora-sociedade (28º).<br>
S) A falta de água impediu algumas vezes a autora-sociedade de proporcionar um atendimento completo e adequado (24º).<br>
T) Os autores B e ... residem no mesmo edifício do restaurante (21º).<br>
U) Ficaram, por vezes, privados do uso normal de água para a sua higiene pessoal e alimentar (22º).<br>
V) O que lhes provocou carências e incómodos (23º).<br>
W) As canalizações referidas na resposta conjunta aos quesitos 13º e 14º (a que se alude em O-) têm carácter precário e provisório (25º).<br>
X) Em 1997, a água do poço foi considerada como bacteriologicamente própria para consumo (31º).<br>
Y) Mercê da situação da água do poço, os autores vão ter de se servir em absoluto da rede pública de água, logo que instalada (32º).<br>
Z) Actualmente (1992/Mai/29), os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento cobram a importância de 165 escudos por m3 para os gastos de água referenciados na alínea H) da especificação (N - supra) (34º).<br>
AA) A Ré fazia inspecções ao depósito de combustível (39º).<br>
BB) Fazia inspecções extraordinárias sempre que aconselháveis (40º).<br>
CC) Logo que foi detectada a ruptura, o tanque foi imediatamente neutralizado e tornado inoperacional (41º).<br>
DD) As águas para consumo humano podem ter 10 microgramas por litro de hidrocarbonetos dissolvidos ou emulsionados (42º).<br>
EE) Tais hidrocarbonetos incluem os derivados do petróleo e os que o não são (de origem orgânica, vegetais ou animais) (43º).<br>
FF) Na análise efectuada não foram detectados hidrocarbonetos derivados do petróleo (44º).<br>
GG) Da perda do combustível apenas hidrocarbonetos derivados do petróleo podiam resultar (45º).<br>
HH) Em Janeiro de 1992, um laboratório estrangeiro e o LNETI efectuaram análises em 19 amostras de água extraídas de poço e furos artesianos indicados pelas Câmaras das áreas das freguesias de Grijó e Argoncilhe (46º).<br>
II) Não detectaram hidrocarbonetos derivados do petróleo (47º).<br>
JJ) Do boletim de análise junto a fls. 21, não foi apurada e discriminada a existência de hidrocarbonetos derivados do petróleo (48º).<br>
LL) A água que foi então fornecida aos autores e restaurante por tanques automóveis era adequada para o consumo público (50º).<br>
MM) Os autores apenas em Dezembro de 1991 é que tiveram conhecimento da situação da ruptura do depósito mencionada na alínea D) da especificação (supra D-).<br>
NN) A manutenção dos depósitos de combustível era da responsabilidade da D (I)).<div>III</div>1.- Os recorrentes que, nas conclusões das alegações da apelação tinham limitado as razões da sua discordância quase exclusivamente a pretensos erros processuais, excepção feita a um alegado erro de julgamento, centram agora a sua impugnação ao acórdão recorrido no aspecto substantivo relacionado com suposta violação da lei e pretenso erro de interpretação e de determinação das normas aplicáveis.<br>
Sendo certo que as conclusões das alegações de recurso delimitam o objecto do recurso - artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC -, resulta das mesmas que a principal e decisiva questão a equacionar na presente revista consiste em saber se, no caso sub juditio, existirá efectivamente responsabilidade objectiva por parte da Ré.<br>
Vejamos, porém, com a necessária atenção.<br>
<br>
2. - Ter-se-á presente, ao nível do nosso ordenamento jurídico, que o artigo 41º da LBA (Lei nº 11/87, de 7 de Abril) veio introduzir, no quadro da responsabilidade civil no domínio do ambiente, a responsabilidade objectiva, inovação da maior relevância, em face do princípio geral do nº 2 do artigo 483º do Código Civil, segundo o qual "só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa, nos casos especificados na lei" () Prescreve o nº 1 que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".).<br>
2.1. - Estabelece o artigo 41º da Lei de Bases do Ambiente:<br>
1- Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos no ambiente, em virtude de uma acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável.<br>
2- O quantitativo da indemnização a fixar por danos causados no ambiente será estabelecido em legislação complementar () Termos em que, em face do disposto no artigo 52º, nº 2, da Lei nº 11/87, a entrada em vigor do regime figurado só ocorrerá com a dos respectivos diplomas regulamentares.).<br>
<br>
Ou seja, até à data da entrada em vigor da LBA, inexistindo norma (excepcional) que admitisse a indemnização sem culpa do agente, forçoso era concluir, de acordo com os princípios gerais, que apenas nos casos em que se provasse dolo ou mera culpa, existiria a obrigação de indemnizar os correspondentes danos. Nas demais situações estes não seriam ressarcidos. Isto sem esquecer o regime consagrado no artigo 493º, nº 2, do CC, a que adiante faremos referência.<br>
Como escreve um anotador da legislação do "Direito do Ambiente", JOÃO PEREIRA REIS, "Leis de Bases do Ambiente Anotada e Comentada, Legislação Complementar", Almedina, Coimbra, 1992, pág. 86.) tal regime era, por assim dizer, algo penalizante para os valores ambientais e manifestamente benéfico para as agressões praticadas sem culpa do agente. A manterem-se os pressupostos tradicionais da responsabilidade civil, boa parte dos danos causados ao ambiente ficariam por ressarcir, já que, na maioria dos casos, eles não têm na sua origem qualquer conduta culposa e, mesmo quando esta exista, será sempre difícil o apuramento de factos que inequivocamente a demonstrem, tanto mais que apenas ao lesado cumpre fazer a culpa do autor da lesão (artigo 487º do Código Civil).<br>
2.2. Consagrando a "responsabilidade objectiva", o artigo 41º da LBA veio ampliar os pressupostos da responsabilidade civil no domínio do ambiente, já que prescreveu a obrigação de indemnizar independentemente de culpa do agente. Segundo João Pereira Reis, "aqui residiu a grande inovação da Lei de Bases. Com efeito, nas situações em que o autor da lesão tivesse actuado com culpa já era inquestionável, face às regras gerais do Código Civil, que sobre ele impendia o dever de ressarcir os danos causados ao ambiente".<br>
Todavia, no regime do citado artigo da LBA, a obrigação de indemnizar, embora num quadro de responsabilidade objectiva, fica ainda dependente da verificação de dois requisitos. Em primeiro lugar, será necessário que o agente cause danos significativos. Em segundo lugar, que os danos decorram de uma acção especialmente perigosa () Não resultando da LBA critérios que permitam qualificar uma actividade como "especialmente perigosa", deve concluir-se que se trata de matéria a esclarecer em sede regulamentar. Sobre o assunto, podem ver-se, com algum desenvolvimento, Manuel Tomé e Manuela Flores, "Sobre a Responsabilidade Civil por Factos de Poluição", in Textos, Centro de Estudos Judiciários, col. "Ambiente", 1994, págs. 34-50, maxime págs. 39 e 43 a 46.). Se, in casu, fosse de aplicar o quadro próprio do regime jurídico da responsabilidade objectiva, sempre haveria que tentar apurar se ocorreriam os requisitos típicos dos conceitos normativamente estabelecidos de "acção especialmente perigosa" e de "dano significativo".<br>
Refira-se, embora a título lateral, que o conceito de "dano significativo" é igualmente referido em sede de "direito do ambiente" no artigo 48º, nº 1, do Decreto-Lei nº 74/90, de 7 de Março, que estabeleceu normas de protecção da qualidade da água, embora num contexto da responsabilidade subjectiva. Aí se prescreve, com efeito, que "aqueles que, com dolo ou mera culpa, infringirem as disposições do presente diploma, provocando danos significativos no ambiente em geral e afectando a qualidade das águas em particular, ficam constituídos na obrigação de indemnizar o Estado pelos danos a que derem causa". Por sua vez, acrescenta o nº 2, "o referido no número anterior não prejudica o exercício pelos particulares da pretensão indemnizatória fundada no nº 4 da Lei nº 11/87, de 7 de Abril e demais legislação aplicável".<br>
Norma esta - a do nº 4 do artigo 40º da Lei de Bases do Ambiente - que também se justifica transcrever. Dispõe que "os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização".<br>
<br>
2.2. - A responsabilidade civil pelos danos emergentes de actividade perigosa, seja por sua natureza, seja pela natureza dos meios utilizados, encontra a sua matriz legal no artigo 493º, nº 2, do Código Civil, no qual se estabelece uma presunção de culpa do agente ilidível mediante a demonstração de que se empregaram as medidas preventivas exigidas pelas circunstâncias.<br>
Na previsão daquele normativo cairão, pois, todas as actividades que, por sua natureza ou pela natureza dos meios empregues, comportem perigo para o ambiente e que não estejam confinadas a regime especial (cfr., verbi gratia, os artigos 509º, nº 1, 1346º e 1347º, nºs 1 a 3, todos do CC), ficando, por conseguinte, submetidas a um regime de responsabilidade subjectiva, muito embora reforçado pela referida presunção relativa de culpa - cfr. Manuel Tomé e Manuela Flores, loc. cit., pág. 36.<br>
Em face do matizado panorama legal agora apenas esquissado, importará reconhecer que o artigo 41º, nº 1, da lei nº 11/87 tem o mérito de reduzir a um quadro unitário de responsabilidade objectiva a responsabilidade emergente de danos significativos no ambiente causados por acção especialmente perigosa.<br>
Só que, para isso importa explicitar o conceito legal de acção especialmente perigosa e de dano significativo, bem como definir o critério aferidor do nexo de causalidade a estabelecer entre esses dois pressupostos.<br>
Deixando agora de lado, por não ser matéria de especial relevo na economia do caso sub judice, os conceitos de acção especialmente perigosa () Será legítimo questionar se o alcance da expressão "acção especialmente perigosa", utilizada no artigo 41º, nº 1, coincidirá ou não com o sentido do sintagma "actividade que envolva alto grau de risco para o ambiente", adoptada no artigo 43º do mesmo diploma - cfr, a esse propósito, Manuel Tomé e Manuela Flores, loc. cit., págs. 43 e 44.) e de dano ressarcível, que deverá ser significativo (Segundo os autores citados na nota anterior, tornar-se-á imperioso formular um conceito operatório de "dano significativo no ambiente", que deverá inspirar-se na noção de poluição decorrente dos artigos 21º a 26º da Lei de Bases, tomando em consideração os seguintes vectores: - as causas de poluição, os tipos de alterações por elas provocadas nos componentes ambientais e as incidências dessas alterações no homem, nos seres vivos, em geral, nos equilíbrios ecológicos e até nos sistemas inorgânicos.), detenhamo-nos um pouco mais sobre o nexo de causalidade entre aquela e este.<br>
<br>
2.3. - É indiscutível, neste domínio, a especificidade inerente aos factos de poluição, susceptíveis de projectar, não raramente, efeitos assaz difusos e quantas vezes longínquos, quer no tempo, quer no espaço, em relação à respectiva fonte. Fonte que pode ser o "acidente" ecológico ou o "evento" poluidor.<br>
O que se deixa dito, que dificulta a prova do nexo de causalidade por parte do lesado, levou a doutrina, nacional e estrangeira, a considerar que, no domínio do direito do ambiente, nem todos os pressupostos clássicos da responsabilidade civil podem servir para determinar a obrigação de indemnizar.<br>
Um desses requisitos é, desde logo, o nexo de causalidade. Pelas razões expostas, as modernas correntes jus-ambientalistas defendem que o critério da causalidade adequada, baseado na prova bastante a que se refere o artigo 346º do CC é desajustado à demonstração da ligação de causa-efeito entre determinado evento e o dano (considerável) sofrido quer no património ou na saúde dos particulares, quer no ambiente em geral. Preconiza-se, por isso, na esteira de alguns textos internacionais, em elaboração ou já concluídos () De que é exemplo a Convenção Europeia Relativa à Responsabilidade Civil por Danos Resultantes de Actividades Perigosas para o Ambiente, ainda não ratificada por Portugal e que foi objecto da Informação/Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República nº 30/96, de 20 de Outubro de 1996.), um critério menos exigente que se contentaria com uma probabilidade séria ou plausível de causalidade () Aquilo a que Manuel Tomé e Manuela Flores chamaram um critério de verosimilhança ou probabilidade séria - cfr. loc. cit., pág. 47.).<br>
Há, assim, conformidade, do ponto de vista teórico, entre o teor da conclusão f) oferecida pelos recorrentes, e supra transcrita, e algumas reflexões doutrinárias em matéria de direito do ambiente. Apesar disso, porém, falece fundamento à sua pretensão.<br>
Vejamos porquê.<br>
<br>
3. - Segundo as decisões das instâncias, a improcedência da pretensão dos autores não se deveu à inexistência do pressuposto da responsabilidade civil que consiste na prática de um facto ilícito culposo imputável à Ré. <br>
<br>
3.1. - Escreveu-se no acórdão recorrido, recuperando, de resto, asserções já constantes da sentença da 1ª instância: "Só que não basta que ocorra um facto ilícito culposo imputável à Ré, que aqui consistiu na ruptura de um reservatório e consequente derrame do combustível aí armazenado, para aquela ter a obrigação de indemnizar os AA , já que é necessário que tal evento tenha causado danos aos mesmos - cfr. artigo 493º, nº 2, do Código Civil («quem causar danos a outrem») " para além de que, como decorre do artigo 563º do mesmo Código, tal obrigação supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo («a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão»).<br>
Já vimos, porém, que estas considerações merecem algumas adaptações à luz dos critérios da mais moderna doutrina jusambientalista, no que se refere ao nexo de causalidade entre a acção especialmente perigosa e o dano significativo, no domínio da responsabilidade civil objectiva.<br>
Todavia, e no essencial, quedam incólumes as consequências.<br>
<br>
Assim, ainda que se desse de barato que, no caso vertente se está perante uma acção especialmente perigosa (conforme afirmado, sem comprovação, na conclusão 1ª), sempre os autores haveriam de ter feito prova da ocorrência, para eles, de danos significativos.<br>
O que não foi feito. <br>
Mas mesmo que se concedesse que assim era, seria sempre indispensável, ainda que se aceite a teoria mais favorável aos autores em matéria de nexo de causalidade, que se tivessem apurado factos concretos e relevantes do ponto de vista da imputação do dano ao evento poluidor. Ou seja, sempre importaria que, em sede de matéria de facto, se tivesse provado que o dano sofrido na água do poço dos recorrentes - traduzido no aumento drástico dos hidrocarbonetos poluidores - tinha sido resultante da ruptura e consequente derrame do reservatório da Ré.<br>
Ora, no caso sub judice, da matéria de facto dada como assente pelas instâncias resulta, com suficiente clareza, a exclusão da causalidade entre tal rupura do depósito da Ré e a inquinação da água dos Recorrentes. Com efeito, os factos enunciados não permitem estabelecer sequer a ligação causal, mesmo ao nível da teoria (ou do critério) da probabilidade séria, entre aqueles eventos.<br>
3.2. - Recordem-se alguns factos elencados oportunamente:<br>
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FF) Na análise efectuada não foram detectados hidrocarbonetos derivados do petróleo (44º).<br>
GG) Da perda do combustível apenas hidrocarbonetos derivados do petróleo podiam resultar (45º).<br>
HH) Em Janeiro de 1992, um laboratório estrangeiro e o LNETI efectuaram análises em 19 amostras de água extraídas de poço e furos artesianos indicados pelas Câmaras das áreas das freguesias de Grijó e Argoncilhe (46º).<br>
II) Não detectaram hidrocarbonetos derivados do petróleo (47º).<br>
JJ) Do boletim de análise junto a fls. 21, não foi apurada e discriminada a existência de hidrocarbonetos derivados do petróleo (48º).<br>
<br>
Ora, mesmo na tese mais favorável para os recorrentes, no que diz respeito ao nexo de causalidade, acima referida, sempre terá de existir, no mínimo, a probabilidade - ou plausibilidade - de se estabelecer um nexo de causalidade entre o facto e o dano. Mas, se a matéria de facto apurada nos autos exclui essa probabilidade, não é possível dar como verificada a existência de responsabilidade civil, tanto aquiliana como objectiva.<br>
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.<br>
Quer isto dizer que os recorrentes, apesar de desenvolverem alguns tópicos que, do ponto de vista teórico, são correctos, à luz dos princípios aplicáveis em matéria de responsabilidade civil em sede de direito do ambiente, chegam a uma conclusão errada, na medida em que a questão em apreço não encontra solução que lhes seja favorável no quadro da invocação dos princípios da responsabilidade objectiva, pela simples razão de que inexiste, no caso vertente, a prova de que a contaminação da água do poço dos autores possa ter sido provocada pelo derrame de combustível verificado em virtude da ruptura do depósito da Ré. Ou seja, inexiste a prova do dano, como consequência, ainda que no plano da probabilidade ou da verosimilhança, do derrame do combustível.<br>
Termos em que, na improcedência do recurso, se confirma a decisão recorrida.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
Lisboa, 2 de Junho de 1998.<br>
Garcia Marques,<br>
Aragão Seia,<br>
Ferreira Ramos.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ujLru4YBgYBz1XKvxFi9 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>AA, casado, advogado, residente na Rua Oliveira Martins, nº..., Setúbal, veio propor contra:</font><br>
<font>- BB, casado, residente na Av. Belo Horizonte, Casa das Areias, Setúbal; e</font><br>
<font>- CC, casado residente na Av. Dr. António Rodrigues Manito, ..., ..., Setúbal, acção com processo ordinário e requerer a intervenção principal provocada de Empresa-A, Lda, com sede na Rua Dr. Alves da Fonseca, ...,..., Setúbal, como associada do autor, porque prejudicada nos termos a expor e para ressarcimento do prejuízo respectivo, pedindo que a acção seja julgada procedente e os réus solidarmente condenados a pagar-lhe -ao autor- a quantia de 42.333.333$00, correspondente a um terço dos prejuízos causados, juros à taxa legal desde a citação, porquanto, sendo o autor e os réus os únicos e actuais sócios da sociedade comercial Empresa-A, Lda., participando cada um com um terço na totalidade do capital, os réus, aproveitando a Assembleia Geral para aumento do capital social, com o voto contra do autor, deliberaram, com o propósito de dissuadir este último de permanecer na sociedade, a não aquisição do lote e terreno referido nos art.s 5º e 6º da petição, que a sociedade prometeu comprar, ... 64.000.000$00, entregando desde logo o sinal de 24.000.000$00, com o objectivo de ali edificar um prédio igual ao que está em construção.</font><br>
<font>Por esse motivo, a sociedade perdeu os sinais entregues, no montante de 27.000.000$00 e deixou de receber, por não construir o lote ..., a quantia de 100.000.000$00.</font><br>
<font>Por motivo da referenciada deliberação o BB, veio a completar-se com o sinal de 3.000.000$00 adiantado pela Empresa-A, Lda., pelo que obteve uma ilegítima vantagem à custa da sociedade.</font><br>
<br>
<font>Os réus vieram deduzir oposição ao incidente de intervenção provocada, requerendo a não admissão da sociedade "Empresa-A, Lda., a intervir nos autos como associada do autor ou, se assim não se entender, e se admita a intervenção da Empresa-A, Lda., como associada do autor, que a mesma seja representada por um representante especial, que não deverá ser nenhum dos sócios e gerentes.</font><br>
<font>De seguida, vieram contestar por excepção, arguindo a caducidade do direito de autor arguir a anulabilidade da deliberação social em causa, e, por impugnação, contrariando os factos peticionados.</font><br>
<font>Articulam, ainda, que o autor litiga de má-fé, pois omite factos e documentos e distorce a verdade.</font><br>
<font>Deverá, pois ser condenado em conformidade.</font><br>
<font>Requerem, por fim, os réus, que procedendo a arguida excepção, ou improcedendo a acção, sejam absolvidos do pedido e que o autor seja condenado como litigante de má fé a pagar aos réus uma indemnização a fixar equitativamente pelo Tribunal.</font><br>
<font>O autor veio responder à excepção, considerando que a acção de responsabilização dos sócios é distinta, autónoma e independente da acção da anulação, pelo que não está sujeita ao prazo do nº 2 do art. 59º do C.S.C. e impugnou a matéria alegada referente à litigância de má fé e os documentos juntos.</font><br>
<br>
<font>Em audiência preliminar as partes acordaram que a haver intervenção da sociedade, a mesma deverá ser representada pelo Sr. DD.</font><br>
<font>Foi admitida a intervenção principal provocada da "Empresa-A, Lda.", que será representada no processo pelo Sr. DD, nomeado pelo Tribunal como seu representante "ad litem".</font><br>
<font>A sociedade em causa foi citada para intervir na acção, mas não o fez no prazo legal.</font><br>
<font>De seguida, foi elaborado despacho saneador, onde se relegou para a decisão final o conhecimento da excepção arguida pelos réus.</font><br>
<font>Foram, depois, organizados os factos considerados assentes e a base instrutória.</font><br>
<font>Instruída a acção teve lugar o julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal.</font><br>
<font>Na altura própria foi produzido acórdão, no qual os Juízes que constituíram o Tribunal Colectivo responderam à matéria de facto controvertida.</font><br>
<font>Após os réus produzirem alegações escritas de direito, foi proferida sentença, na qual foram julgadas procedentes as excepções de erro na forma de processo e de ilegitimidade dos réus, os quais foram absolvidos da instância.</font><br>
<font>Ainda que o autor tenha recorrido de apelação, que foi recebida como tal, no Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Relator admitiu o recurso como sendo de agravo, o que era notório.</font><br>
<font>Feitas as alegações foi proferido acórdão, no qual foi decidido negar provimento ao agravo, confirmando-se, restritivamente à questão da legitimidade passiva, a decisão recorrida, absolvendo-se os réus da instância.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformado o recorrente interpôs recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça.</font><br>
<font>Recebido o recurso o agravante apresentou as suas alegações, onde tira as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1ª) O douto acórdão recorrido afasta-se do que é lógica e legalmente admissível quando considera que, no caso de deliberação maioritárias formadas à custa de votos abusivos, a sociedade prejudicada deve ser ré na acção de indemnização proposta pelo sócio ou sócios discordantes.</font><br>
<font>2ª) O nº 3 do art. 58º do C.S.C. aponta expressamente em sentido inverso ao perfilhado no Acórdão na parte em que estabelece que aqueles sócios (os que formaram maioria à custa do exercício abusivo do direito de voto) respondem para com a sociedade.</font><br>
<font>3ª) Sendo, por definição, votos abusivos aqueles que visam interesses particulares dos sócios, em prejuízo da sociedade, não poderá a sociedade, como prejudicada que é, deixar de ser autora na relação processual indemnizatória.</font><br>
<font>4ª) Violou, pelas apontadas razões, o douto Acórdão recorrido, clara e frontalmente, o disposto no nº 3 do art. 58º do C.S.C.</font><br>
<font>Termina requerendo que o acórdão recorrido seja revogado, julgando-se os réus parte legítima da acção.</font><br>
<font>Por sua vez, os recorridos agravados apresentaram as suas alegações, onde pugnam pela manutenção do acórdão recorrido.</font><br>
<font>Foram colhidos os vistos legais.</font><br>
<br>
<font>Cabe decidir.</font><br>
<font>Nas instâncias foram dados como provados, sem oposição, os seguintes, com interesse para a decisão do objecto do recurso:</font><br>
<font>1º) O autor e os réus BB e CC são os únicos e actuais sócios da sociedade comercial "Empresa-A, Lda.", sendo titulares da totalidade do capital social, na proporção de 1/3 para cada um -alínea a) da matéria assente -;</font><br>
<font>2º) Esta sociedade encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal sob o nº 04165/960314- b) da matéria assente -; </font><br>
<font>3º) A sociedade obriga-se, activa e passivamente com a assinatura de dois gerentes - c) da matéria assente -;</font><br>
<font>4º) Actualmente, a actividade da sociedade consiste, essencialmente, na indústria de construção civil - d) da matéria assente -;</font><br>
<font>5º) A sociedade tinha em construção um prédio de 9 pisos e 27 fogos, garagens e arrecadações, cuja conclusão estava prevista para o mês de Maio de 1997, estando já prometidos, em Janeiro de 1997, a compra e venda de parte do edifício - e) da matéria assente -;</font><br>
<font>6º) Com o propósito da expansão da actividade, a sociedade havia negociado, em 17-9-1996, o lote de terreno ao lado do edifício em construção - lote 9 da Quinta da ...- pelo valor real de 64.000.000$00, tendo entregue um sinal de 24.000.000$00, com o objectivo de ali edificar um prédio igual ao anterior -f) da matéria assente -;</font><br>
<font>7º) Em 11-11-1996, a "Empresa-A, Lda.", negociou, em sociedade com outra empresa dominada pelo sócio BB, outro terreno para estaleiro, porque de máquinas e construção da futura sede da empresa, pelo valor de 23.000.000$00, tendo sido entregue um sinal no valor de 3.000.000$00 -g) da matéria assente -;</font><br>
<font>8º) A certa altura, começou a ganhar contornos a divergência entre os sócios B e CC, por um lado, e o autor, pelo outro - h) da matéria assente -;</font><br>
<font>9º) No dia 12-11-1996, o sócio BB manifestou o desejo de sair da sociedade - i) da matéria assente -;</font><br>
<font>10º) No dia 21-11-1996, o sócio CC disse que também vendia a sua quota, propondo-se depois, em alternativa, comprar ele as restantes quotas, nomeadamente a do autor- j) da matéria assente -;</font><br>
<font>11º) O autor, face às propostas de venda dos restantes sócios, comunicou-lhes que estava de acordo com a aquisição, sendo uma quota para si próprio e outra para um engenheiro civil que se propunha adquiri-la nas mesmas condições que o autor -k) da matéria assente -;</font><br>
<font>12º) A sociedade era representada pelos sócios BB e CC, nomeadamente em reuniões com o referido engenheiro civil, como se estivessem em estado de falência, o sócio CC recusou explicitamente a venda da sua quota e propôs um aumento do capital social de 60.000.000$00 - l) da matéria assente -;</font><br>
<font>13º) No dia 10-12-1996, o sócio BB, na qualidade de gerente, assinou uma convocatória da assembleia geral para aumento do capital social no referido valor de 60.000.000$00, bem como para outros fins constantes do documento junto com a petição inicial com o nº 8, que aqui se dá por reproduzido -m) da matéria assente -;</font><br>
<font>14º) Na falada assembleia geral, realizada no dia 26-12-96, os sócios BB e CC, com o voto contra do autor, deliberaram a não aquisição do lote do terreno referido nas alíneas f) e g) - n) da matéria assente -;</font><br>
<font>15º) O autor não só votou contra tal deliberação, como chamou a atenção dos outros sócios para as consequências decorrentes da mesma, avisando que não deixava de os responsabilizar pelas mesmas - o) da matéria assente -;</font><br>
<font>16º) A deliberação do incumprimento das promessas de compra e venda do lote do terreno implicaram a perda, para a sociedade, dos sinais no valor de 24.000.000$00 e 3.000.000$00, respectivamente, dependendo o montante perdido quanto ao segundo, da parte eventual e efectivamente paga pela "Empresa-A" - p) da matéria assente -;</font><br>
<font>17º) Por outro lado, a não concretização da compra do lote ..., inviabilizou a construção do edifício nele projectado e consequente perda do lucro que a mesma construção acarretaria -q) da matéria assente -;</font><br>
<font>18º) Lucro esse coincidente com o esperado para o edifício, praticamente igual, que a sociedade construía ao lado, no lote ...-r) da matéria assente -;</font><br>
<font>19º) Ao mesmo tempo, e por força da deliberação em que alcançaram vencimento, os gerentes BB e CC deixaram de utilizar financiamentos bancários já garantidos relativamente ao lote...u) da matéria assente -;</font><br>
<br>
<font>Do direito aplicável:</font><br>
<font>A decisão e os respectivos fundamentos do acórdão recorrido, na parte em que confirmou a sentença da 1ª instância, tomada que foi por unanimidade, mereceu inteiramente o nosso acordo.</font><br>
<font>Por esse motivo, atento o disposto nos art.s 726º e 713º nº 5 do C.P.Civil, este Supremo Tribunal podia, desde já, negar provimento ao agravo, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.</font><br>
<font>Interessa, porém, alinhar algumas considerações complementares.</font><br>
<font>Foi através de deliberação social, que os réus BB e CC, sócios da sociedade "Empresa-A", decidiram, por maioria, com voto contra do autor, pela não aquisição do terreno prometido comprar pela sociedade.</font><br>
<font>Independentemente das intenções dos referidos sócios, as suas vontades expressavam-se em assembleia geral, legalmente convocada.</font><br>
<font>Quer dizer, o sustentáculo de tal decisão foi a sociedade, em pleno e legal funcionamento de um dos seus órgãos sociais.</font><br>
<font>Pretende-se responsabilizar os sócios pela deliberação social tomada é lógico, ao contrário de que pensa o recorrente, que se terá de colocar em crise a validade da referida deliberação.</font><br>
<font>Só atacando legalmente tal deliberação, pedindo-se a sua anulação, se poderá com tal fundamento encetar o correspondente pedido de indemnização.</font><br>
<font>Para se anular a deliberação social em causa terá necessariamente de se propor a respectiva acção contra a sociedade, onde a mesma foi tomada, pois a vontade expressa pelos sócios é societária.</font><br>
<font>O autor não interpôs acção de anulação de deliberação social contra a sociedade "Empresa-A", de que é sócio, bem como os réus.</font><br>
<font>Como a deliberação social em apreço se mantém válida, não é possível interpor acção indemnizatória contra os réus, que a construíram maioritariamente. Ninguém é responsável, se o acto praticado não for considerado ilícito.</font><br>
<font>No caso dos autos, falta, pois, a base fundamental da acção de indemnização, que é a anulação da deliberação social referenciada. É nesta deliberação social que o autor fundamenta a causa de pedir e o pedido, mas de modo inócuo, pelo que deixa expresso.</font><br>
<br>
<font>A acção em apreço devia, pois, necessariamente ter sido interposta contra a sociedade Empresa-A, e contra os ora réus, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 58º nº 3 e 60º nº 1, sem esquecer o disposto nos art.s 59º e 61º do C.S. Comerciais.</font><br>
<font>Não o sendo contra a sociedade os réus são parte ilegítima, com as consequências legais retiradas pelas instâncias.</font><br>
<font>Improcedem as conclusões do agravo.</font><br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, e, em consequência, mantém-se o acórdão recorrido.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 5 de Novembro de 2002</font><br>
<br>
<font>Barros Caldeira (Relator)</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Lopes Pinto</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yTLWu4YBgYBz1XKvdUe8 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>"A" e mulher B propuseram contra C e mulher D acção a fim de se reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre os prédios identificados no art. 1 da petição inicial e se condenar os réus a taparem as janelas existentes na parede poente do seu prédio ou a elevarem os parapeitos para 1,80m da parte mais alta e as guarnecerem com frestas ou grades, a taparem a lateral poente da varanda existente na parede sul do seu prédio ou elevarem o seu parapeito para 1,80m, e a retirarem o cano de escoamento das águas do telhado e as conduzirem para o seu prédio.</font><br>
<br>
<font>Contestando, os réus excepcionaram a aquisição, por usucapião, do direito a manterem a abertura na parede poente do seu prédio, a servidão de vistas, ar e luz quanto ao pórtico ou varanda virado a sul-ponte e a servidão de estilicídio, impugnaram e, em reconvenção, pedem o reconhecimento de: - o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 3 da contestação, a existência de uma vala (meeira?) para escoamento das águas pluviais condenando-se os autores a retirarem o cimento e o muro que lá colocaram, a constituição, por usucapião de servidão de vistas, ar e luz quanto à abertura e à varanda aludidas antes, o beiral, caleira e cano condutor estarem implantados no interior do seu prédio ou que os rés adquiriram, por usucapião, o direito de ocupar o espaço aéreo do prédio contíguo, e, por fim, a constituição, por usucapião, de uma servidão de estilicídio.</font><br>
<br>
<font>Após resposta e novo articulado dos réus, prosseguiu, até final, o processo tendo, por sentença confirmada pela Relação, procedido, em parte, a acção e a reconvenção (esta tão só quanto ao reconhecimento do direito de propriedade).</font><br>
<br>
<font>De novo inconformados, pediram revista os réus concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br>
<font>- não se tendo provado a localização da linha divisória entre os prédios dos litigantes não se podia ter decidido que o tubo condutor das águas pluviais invade o prédio dos autores nem que as águas provenientes caem no pátio destes </font><br>
<font>- nem que a janela se situa a menos de 1,50m de distância do prédio dos autores, o que, de outro modo, se não provou;</font><br>
<font>- provou-se que, à data da instauração da acção, já se haviam constituído servidões de vista, ar e luz, e de escoamento sobre o prédio dos autores e a favor do prédio dos réus, pois</font><br>
<font>- a aquisição do prédio dos recorrentes encontra-se registada a seu favor desde 1972 (como rústico) e desde 1981 (como urbano) e, sendo a sua posse titulada, pelo que se presume de boa fé, o prazo para as servidões se constituírem por usucapião, é de 10 anos;</font><br>
<font>- a constituição das servidões anteriormente à propositura da acção impõe que a acção improceda e fundamenta a procedência dos pedidos reconvencionais;</font><br>
<font>- violado o disposto nos arts. 1316, 408-1, 1344, 1354, 1360, 1362, 1544, 1547, 1251, 1259, 1268, 1287 e 1294 CC.</font><br>
<br>
<font>Sem contra-alegações.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Ao abrigo do disposto nos arts. 713 n. 6 e 726 CPC, remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Apelando, os réus assentaram o seu recurso no pedido de alteração da decisão de facto no que não obtiveram êxito, tendo a Relação, face a isso, considerado prejudicado o conhecimento das restantes conclusões (fls. 270).</font><br>
<font>Actualmente, inflectindo de posição, defendem a improcedência (parcial) da acção e a procedência dos pedidos reconvencionais. Inflexão que nada teria de estranho se a questão apenas fosse de direito mas, todavia, não é esse o caso.</font><br>
<br>
<font>Pretendiam a alteração para «provado» das respostas negativas aos quesitos 31 a 33, os quais continham matéria por si invocada e referente exclusivamente à existência de uma vala ao longo de toda a parede poente da casa dos réus por onde confronta com os prédios dos autores, com a largura de 60 cm e integrando, na proporção de metade, o prédio dos réus e os dos autores (essa vala destinar-se-ia a, segundo o por eles alegado e quesitado, colher e transportar as águas pluviais; ainda segundo o alegado pelos réus, os autores tê-la-iam cimentado, o que não lograram provar - resposta restritiva ao quesito 42).</font><br>
<br>
<font>Não tendo os réus provado que o limite poente do seu prédio era o por si alegado nem podendo abrigar-se à sombra de presunção registral (não se estende à área nem aos limites dos prédios), a improcedência do seu pedido reconvencional teria de ser decretada.</font><br>
<br>
<font>Não era só o non liquet a desfavorecer os réus; é-o ainda a sua alegação da matéria de facto quando contestaram.</font><br>
<font>Com efeito, defendiam que, pese embora cada metade integrar os prédios confinantes, a vala se «interpunha» entre os prédios, que tinha uma largura de 60 cm e que para ela eram conduzidas as águas pluviais.</font><br>
<br>
<font>Equivale isto a reconhecer que a distância que separa os prédios dos réus e dos autores é nula e que, no máximo, a casa dos réus está, na sua parede poente, afastada dos prédios dos autores 30 cm.</font><br>
<font>Sendo assim, cai pela base toda a arguição de se não ter provado que a janela se situa a menos de 1,50m de distância do prédio dos autores e de não poder o tribunal decidir nesse sentido.</font><br>
<br>
<font>Isso põe ainda em evidência ser perfeitamente natural e normal provar-se que as águas pluviais são escoadas para o prédio confinante e que caem sobre uma parte concretamente determinada deste.</font><br>
<font>Por concluir que, embora se provando que os prédios dos autores confrontam em toda a sua extensão nascente com o prédio dos réus, não se conhece o exacto local até onde se prologa cada um deles, foi cauteloso - fez improceder parcialmente o pedido daqueles de estes serem condenados a retirar o cano e apenas os condenou a conduzirem aquele cano de escoamento das águas do telhado para o seu prédio, por forma a que estas não caiam no pátio dos autores.</font><br>
<br>
<font>Nada a censurar a uma tal decisão e se, mais uma vez, se tiver presente o alegado pelos réus, acima referido, não só se conclui pelo seu acerto como, em certa medida, que a mesma decorre do por eles afirmado quanto à máxima distância possível que separa a parede poente da sua casa do prédio dos autores.</font><br>
<font>Improcedem, portanto, as duas primeiras conclusões.</font><br>
<br>
<font>2.- A usucapião pressupõe necessariamente a posse (CC 1287).</font><br>
<font>Esta, respeitante à constituição de um direito de servidão predial, é a que se reporta ao seu exercício (CC 1565,1) e não ao prédio que é tido por dominante. O objecto sobre que incide a posse diverge consoante a actuação corresponde a este ou àquele direito real (CC 1251).</font><br>
<font>Não podem, por isso, os réus pretender que o prazo a considerar seja o da posse do seu prédio. Nada impede que um e outro andem a par desde o termo inicial, assim coincidindo - ainda quando tal suceda, será o prazo relativo à actuação correspondente ao exercício do direito real de servidão que se pode invocar e não o relativo à actuação correspondente ao exercício de um outro direito real.</font><br>
<br>
<font>Falece razão aos recorrentes quando pretendem se considere como termo inicial uma data mais recuada que a tida, de acordo com a prova, em atenção na sentença (refere-se esta por o acórdão não se ter pronunciado na medida em que teve por prejudicado o seu conhecimento - não foi arguida a nulidade por omissão de pronúncia).</font><br>
<br>
<font>Por fazerem recuar o termo inicial, considerando que a posse a ter em conta (e de outra não falam nem sequer põem a possibilidade de a haver) era a do prédio, apenas por aí puseram em crise o acerto a bondade da decisão (título, registo, boa fé).</font><br>
<br>
<font>Não tendo sido, por qualquer outro fundamento, questionada a sua bondade, de nada mais há que conhecer.</font><br>
<font>Improcedem as três restantes conclusões.</font><br>
<br>
<br>
<font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista.</font></b><br>
<font>Custas pelos recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 5 de Julho de 2005</font><br>
<font>Lopes Pinto,</font><br>
<font>Pinto Monteiro,</font><br>
<font>Lemos Triunfante.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
yTLiu4YBgYBz1XKvBk5O | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça -<br>
<br>
<br>
Banco A (actualmente integrado por fusão na ...., S.A.), intentou contra B e mulher C, por si e na qualidade de representantes legais do filho menor D, acção de impugnação pauliana a fim de lhe ser reconhecido o direito de se pagar do seu crédito pela força do prédio urbano que os primeiros venderam ao segundo por escritura pública de 95.04.04 lavrada no 2º Cartório Notarial do Porto, com intenção de o prejudicar e dolosamente impedindo de obter a satisfação daquele.<br>
Contestando, os réus impugnaram concluindo pela improcedência da acção.<br>
Prosseguindo até final, procedeu a acção por sentença que a Relação confirmou ainda quanto à condenação dos réus por litigância de má fé.<br>
Novamente inconformados, pediram revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- não se provou a manutenção e o quantitativo em dívida, cujo ónus impendia sobre o autor;<br>
- a má fé, como requisito da impugnação pauliana, consiste na consciência do prejuízo que o negócio que se quer impugnar cause ao credor, não sendo por isso necessário comprovar a intenção de originar tal prejuízo;<br>
- apenas foi submetida à análise do tribunal a intenção dos réus e não a consciência com que agiram, pelo que o julgamento da matéria de facto deve ser ampliado;<br>
- porque não existiu má fé por parte dos réus a acção não podia ter procedido;<br>
- o objectivo dos réus, durante todo o processo, foi exclusivamente o de contribuírem para a descoberta da verdade e para a realização da justiça, não podendo ser valorado como tentativa de entorpecimento da acção da justiça a discordância na interpretação da lei e da sua aplicação aos factos ou a utilização das normas processuais para o esclarecimento da verdade e para a realização da justiça;<br>
- violado o disposto nos arts. 611 e 610 b) CC.<br>
Contraalegando, defendeu o autor a confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- os réus B e mulher C avalizaram uma livrança subscrita por ‘E, destinada ao pagamento de um financiamento solicitado ao banco aqui autor, através da sua gerência de S. Roque da Lameira,<br>
b)- emitida em 93.06.29 e vencida em 96.12.04, no valor total de 45.244.501$00;<br>
c)- o autor intentou em 97.05.09, no Tribunal Cível do Porto, uma acção executiva contra os aqui réus;<br>
d)- os réus B e C deslocaram-se, em 95.04.04, ao 2° Cartório Notarial do Porto e aí outorgaram uma escritura de compra e venda pela qual venderam ao seu filho único menor, aqui representado pelos pais, um prédio urbano destinado exclusivamente a habitação, com anexo e logradouros, sito na rua Nova de Gens, n° ..... e rua do Monte, n° ..., Alfena, Valongo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n° 2326, na mesma registado a favor do vendedor aqui réu marido, pela inscrição G-dois, inscrito na matriz respectiva sob o art. 2178 com o valor tributável de dois milhões duzentos e trinta e nove mil novecentos e vinte escudos;<br>
e)- os réus, sabendo que se encontravam em débito à autora da quantia de 45.244.501$00, acrescida dos respectivos juros legais no valor de 13.196$00 e que totaliza a quantia de 45.446.215$00, resolveram vender o imóvel, referido na al. d) para que o autor não lograsse o pagamento do seu débito,<br>
f)- assim decidiram evitar o cumprimento da obrigação referida na al. e) e furtarem-se ao pagamento do aludido débito;<br>
g)- todos os réus eram conhecedores da situação referida nas als. e) e f) e em conluio, tinham intenção e foi sua disposição prejudicarem o autor;<br>
h)- a celebração de tal compra e venda colocou os réus B e C na situação de não terem quaisquer bens que possam satisfazer o pagamento integral do seu débito para com o autor.<br>
<br>
Decidindo: <br>
<br>
1.- Na al. e) há, quanto à indicação do montante dos juros em dívida, uma incorrecção, lapso manifesto, mas sem qualquer reflexo para conhecimento e decisão do recurso.<br>
<br>
2.- Os recursos não se destinam a apreciar questões novas, salvo se de conhecimento oficioso, o que aqui não é o caso.<br>
Apelando, os recorrentes não suscitaram qualquer questão relativa ou derivada da resposta ao quesito 5º nem sobre a manutenção e quantitativo em débito.<br>
Não podem agora pretender fazê-lo e o que se observará respeita apenas à qualidade da sua litigância.<br>
Conhecendo que a dívida se mantém e qual o quantitativo por que foram executados os dois primeiros réus, era a eles réus que competia para fazer extinguir a execução ou reduzi-la ao que restasse em dívida alegar e demonstrar o pagamento, total ou parcial.<br>
O pagamento, porque meio extintivo da dívida, deve ser excepcionado pelo devedor.<br>
Não o alegaram nem demonstraram. Mais, o tribunal deu como provada, na al. f), que se furtaram ao pagamento do aludido débito (por esta referência, está a reportar-se à al. e) o que significa que deu como demonstrada quer a existência actual da dívida quer o seu montante quanto a capital sendo que lhe acresce o de juros legais e estes apenas poderão, com rigor, ser quantificados a final) e que todos eles eram conhecedores desta situação (a esta fixação do facto subjaz, quanto ao réu menor, Helder, que o tribunal o teve como detentor das capacidades de entendimento e de liberdade, o que, em sede de recurso, não foi questionado e, como tal, não pode ser conhecido).<br>
Não só o autor provou o montante da dívida (CC- 611) como os réus não o ignoravam e sabendo que não o tinham satisfeito nem reduzido, factos estes pessoais, ao impetraram a ampliação da decisão de facto estão a procurar entorpecer e protelar, sem fundamento sério, a acção da justiça (CPC- 456-1 a), b) e d)).<br>
<br>
2.- Apelando, os réus puseram em crise, sem sucesso, a resposta ao quesito 3º no que envolve o réu menor (expressamente aceitaram a bondade da resposta quanto aos dois primeiros e quanto a eles se observar o requisito da má fé).<br>
Relativamente ao quesito, concluíram que ele diz respeito ao conhecimento, conluio e intenção em prejudicar o autor.<br>
O insucesso na pretensão formulada, a aceitação expressa quanto aos dois primeiros réus e tácita quanto ao terceiro (não houve reacção quanto àquele insucesso) bem como a compreensão do que fora indagado e respondido através do quesito 3º (a al. g)), compreensão expressamente afirmada na apelação, contrariam frontalmente as conclusões 3ª e 4º das alegações na revista e evidenciam o acerto da decisão de mérito e ainda da condenação dos réus como litigantes de má fé (e, deixa-se uma interrogação - também não deveriam sê-lo em sede de recurso?).<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 1 0] |
HzLUu4YBgYBz1XKv1EZE | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1. A massa falida de A, S.A., intentou acção declarativa com processo especial, no Tribunal de Comércio de Lisboa, requerendo a declaração de falência de B, Lda..</font><br>
<br>
<font>Fundamentou a sua pretensão no facto de ser credora da requerida no montante de € 870.659,10, por força de decisão judicial condenatória transitada em julgado. Citada a requerido, veio deduzir oposição. Pediu o arquivamento dos autos. Regularmente citados os credores, nenhum deduziu oposição.</font><br>
<br>
<font>Foram justificados créditos e juntos documentos.</font><br>
<br>
<font>Procedeu-se à inquirição das testemunhas.</font><br>
<br>
<font>Foi proferida sentença que determinou o arquivamento dos autos.</font><br>
<br>
<font>A requerente não se conformou com esta decisão, recorrendo da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 28.4.2005, julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font><br>
<font>De novo inconformada, a requerente vem agora interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br>
<br>
<font>1ª - Como decorre da Declaração do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, datada de 26/02/2004, a Requerida e Recorrida devia, naquela data, à Segurança Social, contribuições no valor de € 140.004,05 (cento e quarenta mil, quatro euros e cinco cêntimos), a que acresciam juros de mora, declaração essa que, apesar de impugnada pela Requerida a fls., não veio infirmada documentalmente nos Autos por qualquer meio.</font><br>
<br>
<font>2ª - Como se colhe do doc. nº 4, que a Requerida juntou com o Requerimento, notificado á Recorrente por carta de 15/01/2004, as instalações ali mencionadas não são sequer sua pertença, mas sim da C, S.A., sendo a Requerida mera arrendatária dos mesmos, que assim não integram o seu património e não podem ser contabilizados no activo da empresa... O mesmo vem comprovado pelo doc. nº 7 da oposição oferecida pela Requerida a fls..</font><br>
<br>
<font>3ª - Dos valores apurados nos Autos quanto ao passivo da Requerida, está pelo menos demonstrado que tem um total em débito, sem prejuízo dos juros sucessivamente vencidos, de € 1.705.058,36 (um milhão, setecentos e cinco mil, cinquenta e oito euros e trinta e seis cêntimos) - sem prejuízo dos débitos aos demais credores que não vieram justificar os seus créditos, mas que como tal, vêm identificados no doc. 26 da oposição de fls..</font><br>
<br>
<font>4ª - Tudo factos, concretos, plasmados nos Autos, que o estudo de fls. 544-552, contrariamente ao que se refere na Sentença de fls. 632 ({facto (s)], e no Acórdão recorrido não é susceptível de infirmar, não resultando de tal estudo que o activo da Requerida seja superior ao passivo, nem que esta tenha capacidade de libertar meios e disponha de capitais próprios, para satisfazer sequer as suas despesas correntes... Sendo relevante até que, aumentando o seu passivo por um lado, a Requerida veja o seu volume de vendas diminuído em 33% entre 1999 e 2003.</font><br>
<br>
<font>5ª - A liberdade do Juiz de indagar, interpretar e aplicar o direito, autoriza-o a qualificar juridicamente os factos apurados de modo diverso do feito pelas partes, mas não a alterar qualitativamente as pretensões destas, sob pena de nulidade da Sentença (Ac RL. de 28/01/1992; BMJ., 413º - 605) ... As questões suscitadas, contando que não estejam necessariamente prejudicadas pela decisão, têm de ser apreciadas na Sentença, quer tenham ou não razão de ser, sejam ou não legalmente relevantes, sob pena de omissão de pronúncia (art. 660º nº 2, do C.P.Civil) -Ac RP. de 21/05/1969: JR., 15º -625; Ac. nº 55/85 do Trib. Constitucional de 25/03/1985... Ac.TC. 5º -461.</font><br>
<br>
<font>6ª - De acordo com o art. 1º nºs 1 e 2 do C.P.E.R.E.F. (DL. nº 132/93, na redacção do Decreto-Lei nº 315/98 de 20/10), a Lei basta-se com a ocorrência de qualquer um dos factos enunciados no art. 8º nº 1 do C.P.E.R.E.F., de entre os quais se destaca: (a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.</font><br>
<font>7ª - As fontes próximas dos preceitos supra-citados são os revogados art.s 1135º e 1140º do C.P.Civil e o art. 1º do Decreto-Lei nº 177/86, para estas disposições a impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das respectivas obrigações era o pressuposto do estado de falência e do correspondente dever de instauração da instância falimentar.</font><br>
<br>
<font>8ª - De acordo, aliás, com a melhor tradição doutrinal e jurisprudencial, não há razão nenhuma para excluir da situação de insolvência as empresas que, possuindo embora activo suficiente para cobertura do passivo, não podem todavia, dar cumprimento às suas obrigações por falta de meios líquidos para o efeito.</font><br>
<br>
<font>9ª - A impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente. Da mesma maneira, pode acontecer que a incapacidade para a satisfação de uma só ou algumas obrigações caracterize a situação de insolvência (cfr., por todos, Alberto dos reis, "Processos Especiais", vol. II, Coimbra, 1956, pag. 322 e ss., Sousa Macedo, "Manual do Direito das Falências", Vol. I, Coimbra, 1964, pags. 257 e 258 e Ac. do S.T.J. de 11.1.1979, in B.M.J. nº 283, pag.319; Ac. da Rel. Évora de 23.5.1985, sum., in BMJ nº 349, pag. 586).</font><br>
<br>
<font>10ª - O que verdadeiramente caracteriza a insolvência do devedor é a impossibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu montante, pelo seu significado no conjunto do seu passivo ou pelas circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade - considerada pela ponderação articulada da quantidade e volume - das obrigações do devedor... É esta, afinal de contas, a solução adoptada nos arts. 6º e 8º nº 1 al. a), que esclarecem autenticamente o sentido do art. 3º do C.P.E.R.E.F. </font><br>
<br>
<font>11ª - No caso concreto dos autos, é invocada, e mostra-se provada, a existência de várias obrigações incumpridas que revelam a impossibilidade de a Requerida cumprir com a generalidade das suas obrigações, aliás de valor muito avultado [art. 8º nº.1 al. a) do C.P.E.R.E.F.] ... do mesmo passo mostra-se demonstrada a existência de vultuoso crédito da Requerente sobre a Requerida, que foi reconhecido judicialmente.</font><br>
<br>
<font>12ª - A Requerida, contrariamente ao que vem referido na Sentença, não logrou afastar a presunção do art. 8º nº 1 al. a) do C.P.E.R.E.F.; </font><br>
<font>Apresentando-se a sua situação altamente deficitária, e não revelando os elementos que carreou aos Autos, que a Requerida reúna meios, ou tenha como os reunir para cumprir com as suas obrigações.</font><br>
<br>
<font>13ª - Mostra-se, assim, verificado o condicionalismo previsto nos art.s 1º nºs 1 e 2; 3º nº 1; 6º e 8º nº 1 al. a) do C.P.E.R.E.F., que determina seja decretada a Falência da Requerida.</font><br>
<br>
<font>14ª - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal "A Quo "I violou o disposto nos art.s 1 e 2; 3º nº 1; 6º; 8º nº 1 al. a); 25º nº 2 e 247º nº 5, todos do DL. nº 315/98 de 20 de Outubro de 1998.</font><br>
<br>
<font>15ª - Ao longo de todo este processo, a ora Recorrida defendeu afincadamente a sua posição, afirmando sempre que não se encontrava em situação de falência, que tinha forma de assegurar os pagamentos a todos os seus credores, desde que, naturalmente, não viesse a ser declarada falida.</font><br>
<font>Porém, em data que a Recorrente não pode precisar, mas sensivelmente no final do ano transacto, numa altura em que se encontravam já pendentes os presentes autos (e já em fase de recurso), veio a própria recorrida apresentar-se à falência (cfr. fls. 676 dos Autos), ... Processo esse que se encontra a correr termos pelo 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, sob o nº 1026/04.0 TYLSB, vindo então a mesma a ser declarada insolvente, do que, aliás, a ora Recorrente apenas teve conhecimento em 04.03.05, através de Fax da Ilustre Mandatária da ora Recorrida enviado para o subscritor - Doc. nº 1 (protesta-se juntar certidão da decisão de insolvência no prazo de 15 dias). </font><br>
<br>
<font>16ª - É manifesto que a actuação da Recorrida, ao longo de todo o processado, e particularmente com a sua apresentação à insolvência, configura um manifesto venire contra factum proprium, com o qual nem a Recorrente nem a Justiça podem pactuar.</font><br>
<br>
<font>17ª - A conduta da Recorrida enquadra-se, assim, flagrantemente, no estatuído no art. 456º, nº 2 als. a) in fine, b) e d), razão pela qual deve ser declarada litigante de má-fé e, em consequência condenada em multa a fixar condignamente por este Tribunal; nos honorários do Mandatário da Recorrente; a reembolsar todas as despesas da Recorrente com este Processo; nas custas totais do processo, pois foi aquela que lhe deu causa.</font><br>
<br>
<font>Não foram produzidas contra alegações.</font><br>
<br>
<font>Foram colhidos os vistos.</font><br>
<font>Decidindo.</font><br>
<br>
<font>2. Foi considerada como provada em 1ª Instância a seguinte factualidade</font><br>
<br>
<font>a) A requerida B, Lda, pessoa colectiva nº 500313687, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Mafra sob o nº 1944, tem sede na Rua das Lameiras, Casal da Bela Vista, Bemposta, 2670 Loures.</font><br>
<br>
<font>A requerida dedica-se à exploração de transportes rodoviários.</font><br>
<font>A requerente comercializava veículos automóveis.</font><br>
<font>A requerente vendeu à requerida diversos veículos, cujas facturas emitiu e remeteu à requerida.</font><br>
<font>Que as aceitou, sem reclamações. A requerida não pagou.</font><br>
<br>
<font>Na acção ordinária nº 300/98, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-a-Velha, a requerida foi condenada a pagar à requerente o correspondente a € 547.480,57, acrescidos de juros vincendos, desde a data da propositura da acção (€ 30.238,93, em 30 de Maio de 2003).</font><br>
<br>
<font>A requerente intentou contra a requerida execução de sentença.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Vieram justificar créditos D, Sociedade Anónima, a fls. 119, €8.937,90.</font><br>
<br>
<font>"E", S.A., a fls. 124, € 159.002,33.</font><br>
<font>"F", Sociedade Anónima, a fls. € 310.017,97.</font><br>
<font>"G", Lda, a fls 192, € 51.857,75.</font><br>
<br>
<font>Entre 1999 e 2003, a requerida sofreu uma diminuição das vendas de 33%.</font><br>
<br>
<font>Em 1999, a ratio de solvabilidade da requerida era de 40, 5% e em 2003 de 49,1%.</font><br>
<br>
<font>A requerida tem capitais próprios.</font><br>
<font>A requerida, no início da actividade, efectuou investimentos de monta, tendo já reduzido os custos com as amortizações.</font><br>
<br>
<font>A frota da requerida tem uma idade média de 4 anos.</font><br>
<font>O activo da requerida é superior ao passivo (cfr. o estudo de fls. 544-552, cujo autor - Dr. I, economista, deu em juízo, no dia 12 de Maio de 2004, explicações esclarecedoras, cujo conteúdo se reputa credível).</font><br>
<br>
<font>3. - Análise do objecto da revista -</font><br>
<br>
<font>É sabido que a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto representem corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal "ad quem" possa ou deva conhecer ex offício.</font><br>
<font>De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal "a quo", além de que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - de todas as "questões" suscitadas com relevância para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.</font><br>
<br>
<font>Posto isto, vejamos.</font><br>
<br>
<font>Face à alegação da recorrente, verifica-se que está em causa na presente revista a temática atinente à verificação ou não dos pressupostos que levam a que seja declarada a falência da requerida e ora recorrida.</font><br>
<font>Assim, o objecto do presente recurso é idêntico ao da apelação interposta para a Relação de Lisboa, com duas pequenas diferenças. Ali, também se equacionava da questão da nulidade da sentença proferida em 1ª instância e, agora, tal questão não tem já cabimento. Por seu lado, na revista, e, diversamente do que sucedia na apelação, vem colocada a situação relativa ao facto de a recorrida se ter apresentado, já na pendência do recurso, voluntariamente à insolvência tendo sido declarada insolvente por decisão proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa em 13.12.2004 (fls.736 e segs.).</font><br>
<br>
<font>Sintomático é, aliás, o facto das duas alegações de recurso - da apelação e da revista - serem como que a reprodução uma da outra.</font><br>
<font>Assim, e, na linha do que vem sendo decidido por este Supremo Tribunal de Justiça e não tendo a Relação proferido o Acórdão recorrido socorrendo-se do disposto no art. 713º nº 5 do C.P.C., e, concordando-se com o que esta decidiu e com os respectivos fundamentos, deve negar-se a revista, mediante a remissão para a fundamentação do acórdão sob censura, ao abrigo do supracitado normativo, "ex vi" do art. 726º do mesmo Código.</font><br>
<font>Isto, sem prejuízo de se invocarem, não obstante, duas breves notas.</font><br>
<br>
<font>Em primeiro lugar, constata-se que a apelação foi julgada improcedente, fundamentalmente porque se considerou que a requerida não se encontrava em situação de impossibilidade de cumprir pontualmente as suas obrigações, sendo certo que a declaração de falência é a última "ratio", no sentido de que só assim se deverá proceder, quando não seja previsível, ou se não considere previsível, em face das específicas circunstâncias do caso, a recuperação financeira da empresa, isto é, quando ela se mostre economicamente inviável.</font><br>
<br>
<font>Considerou-se, igualmente, que o juízo de viabilidade económica deverá pressupor a análise da estrutura produtiva da empresa e do mercado em que ela se insere, sendo certo que o revela a insolvência do devedor é a impossibilidade de satisfazer obrigações que pelo seu montante, pelo seu significado no conjunto do seu passivo ou pelas circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade de satisfazer a generalidade das obrigações do devedor.</font><br>
<font>Concluindo, decidiu-se que não obstante o crédito da requerente sobre a requerida e de várias outras obrigações incumpridas, não se encontrava demonstrada a impossibilidade da requerida satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações e, como tal, a acção viria a improceder.</font><br>
<br>
<font>Concorda-se, conforme se salientou "supra", com o Acórdão recorrido.</font><br>
<font>Com efeito, a questão central a decidir sempre residiria em saber se, face à factualidade provada, foi ou não feita correcta interpretação do disposto na al. a) do nº 1 do art. 8º, com referência ao nº 3, ambos esses incisos do CPEREF; isto é se podia e devia ou não ter sido declarada a falência do requerido.</font><br>
<font>Estamos, efectivamente, perante uma sociedade devedora pretensamente insolvente, sendo o pressuposto para a sua declaração de falência a alínea a) do nº 1 do art. 8º do Dec.-Lei nº 132/93, de 23 de Abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Dec.-Lei nº 31/98, de 20 de Outubro (CPEREF).</font><br>
<font>Estatui o nº 3 do aludido art. 8º o seguinte: «Sempre que se verifique algum dos factos referidos nas alíneas a), b) e c) do nº 1, pode a falência da empresa ser requerida por qualquer credor... ainda que preferente, e seja qual for a natureza do seu crédito, quando a não considere economicamente viável."</font><br>
<br>
<font>Na referida alínea a) - directamente aplicável à hipótese vertente, estabelece-se como facto presuntivo ou "facto-indíce" a «falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações».</font><br>
<font>Como é sabido, considera-se em situação de insolvência/falência o devedor impossibilitado de cumprir com regularidade as suas obrigações para com os respectivos credores. A lei basta-se com a afirmação ou dedução e com a prova sumária (indiciária) da verificação de um dos pressupostos ou factos-índice (factos presuntivos) enunciados no nº 1 do art. 8º do CPEREF.</font><br>
<br>
<font>A este propósito, considerou-se no Ac. STJ de 2-7-98 (1):</font><br>
<font>"Provando-se algum dos factos referidos nas alíneas do nº 1 (do art. 8º) cria-se uma situação presuntiva que põe termo ao ónus probatório do requerente. Quer dizer: este tem de provar algum daqueles factos reveladores da situação de insolvência. Então, o requerido, porque pretende impedir a emergência do direito invocado pelo requerente, terá que provar a inexistência de fundamentos (...) para o decretamento da falência".</font><br>
<br>
<font>Desta forma, incumbia-lhe provar que não apenas dispunha de activo suficiente para liquidar o passivo mas, outrossim, a capacidade para cumprir com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, isto é a demonstração de que possuía crédito e património activo líquido suficientes para saldarem o seu passivo, o que, de resto, logrou fazer.</font><br>
<br>
<font>Na esteira de Alberto dos Reis (2), e face ao CPEREF, na redacção que foi dada ao respectivo art. 8º pelo DL 315/98 de 20/10)," a falência tanto pode resultar de várias recusas de pagamento, como de uma só, desde que seja feita em circunstâncias ou precedida ou acompanhada de actos que revelem a impossibilidade de pagar".</font><br>
<br>
<font>Com efeito, no dizer de Carvalho Fernandes e João Labareda (3) o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.</font><br>
<br>
<font>Ora, no Acórdão recorrido considerou-se que não obstante o crédito da requerente sobre a requerida e de várias outras obrigações incumpridas, não ficou demonstrada a impossibilidade da recorrida satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.</font><br>
<font>Consignou-se que a aludida requerida, paralelamente ao passivo de € 1.705.068,00, tem capitais próprios, tendo, no início da actividade, efectuado investimentos importantes, reduzindo já os respectivos custos com as inerentes amortizações a que procedeu, sendo, ainda, o activo superior ao passivo.</font><br>
<br>
<font>Nesta perspectiva não merece censura a forma como se decidiu no Acórdão recorrido, sendo inquestionável que o processo falimentar configura-se, no seu sentido axiológico último e no seu normativo global, como um processo em que os interesses envolvidos na realidade empresarial emergem, duma forma determinante, e em que a vertente fulcral é colocada na tentativa de recuperação da empresa com dificuldades financeiras mas com viabilidade económica, sendo a falência, efectivamente a última "ratio".</font><br>
<br>
<font>A existência, ou não, de viabilidade económica determinará a opção, respectivamente, pelo processo de recuperação ou pelo processo de falência.</font><br>
<font>Estes regimes assentam na intenção expressa de garantir que nenhuma empresa economicamente viável venha a descurar a oportunidade, com o contributo dos credores, de se salvar da falência.</font><br>
<font>Nesta senda, se verifica que não foi trazido a este Supremo Tribunal de Justiça fundamentação diversa da já apresentada à Relação que o leve a alterar o já decidido pelas Instâncias.</font><br>
<br>
<font>No que ora se refere ao facto referido na parte final da alegação da recorrente, com a apresentação da recorrida à insolvência, já na fase do recurso, tal facto nem tem relevância na economia do presente recurso de revista, por ser um facto novo sobre o qual não incidiu qualquer tipo de juízo prévio das Instâncias, (foi tão somente invocado na apelação da revista).</font><br>
<font>Seguindo a lição de Amâncio Ferreira (4), o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação. Daí o tribunal "ad quem" produzir um novo julgamento sobre o já pedido e decidido pelo tribunal "a quo", baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do tribunal de 2ª Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz de 1ª Instância no momento de editar a sua sentença, valendo também para a 2ª Instância as preclusões ocorridas na 1ª.</font><br>
<br>
<font>Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre(5).</font><br>
<br>
<font>Por outro lado, essa mesma factualidade - ter-se a recorrida apresentado à insolvência - não é passível de configurar, contrariamente ao sustentado pelo mesmo recorrente, um censura ético-jurídica, porque consubstanciasse uma conduta eivada de má fé.</font><br>
<font>Por um lado, a vida económica das empresas é uma realidade altamente dinâmica e onde hoje existe o passivo antes existia o activo e inversamente, não podendo, consequentemente ter-se, nesta sede, uma postura estática, no sentido de quem afirmou uma realidade, tê-la-à de a afirmar para todo o sempre.</font><br>
<br>
<font>Acresce que nesse circunstancialismo de rápida económica de uma empresa poderia acontecer que a requerida, não obstante ter-se oposto, com êxito, conforme se constata, ao pedido da declaração de falência, por não se encontrarem preenchidos os requisitos legalmente previstos, tivesse, agora razões para encetar uma forma de recuperação da sua empresa, sendo aquela apresentação à insolvência um meio a esse desiderato.</font><br>
<font>De qualquer forma, não se encontra caracterizada a conduta da recorrida por forma a que seja de concluir que fez mau uso do processo falimentar no sentido de ter litigado com má fé.</font><br>
<br>
<font>4. Nestes termos, acordam no Supremo Tribunal da Justiça em julgar improcedente o recurso, negando, consequentemente a revista.</font><br>
<font>Custas pela recorrente.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 31 de Janeiro de 2006</font><br>
<font>Borges Soeiro</font><br>
<font>Faria Antunes</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>---------------------------------------------</font><br>
<font>(1) in, "CJSTJ", Ano VI, Tomo II, pag. 157 e segs.</font><br>
<font>(2) in, "Processos Especiais", vol. II, pag.323.</font><br>
<font>(3) in, "Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas", Anotado, vol. I, pag.70.</font><br>
<font>(4) in, "Manual dos Recursos em Processo Civil", pag. 106.</font><br>
<font>(5) nesta linha, vide Acs. do S.T.J. de 2.5.1985 (B.M.J. 347º, pag. 363), de 29.11.1989 (B.M.J. 391º, pag. 520 e de 9.3.1993 (B.M.J. 425º, pag.438).</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
vTLiu4YBgYBz1XKv8E-- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
"A" deduziu embargos à execução para pagamento de quantia certa que B e marido C lhe move, excepcionando a ilegitimidade dos exequentes e da executada e, subsidiariamente, requerendo, por violação da boa fé, a redução do preço do trespasse celebrado entre uns e outra, de 52.373,78 euros para 27.500 euros.<br>
Contestando, os embargados, alegando que a relação controvertida é, em concreto, a falta de pagamento de prestações que tiveram na sua origem um contrato de trespasse, teve por legítimas as partes e, no mais, impugnou os factos bem como a requerida redução do preço.<br>
Em saneador-sentença, as partes foram julgadas legítimas e procederam os embargos pelo que a execução foi julgada extinta.<br>
A Relação revogou o saneador-sentença, julgando improcedentes os embargos.<br>
Inconformada agora a embargante pediu revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- no contrato de trespasse existe uma interdependência material com a verificação e validade dos elementos dos 3 negócios (arrendamento, compra e venda e prestação de serviços) que se fundem num todo orgânico unitário e complexo;<br>
- in casu, os embargados não eram nem são plenos proprietários do estabelecimento trespassado, pois que D reservou para si o direito de propriedade desse estabelecimento que trespassou para os embargados, pelo que se está face a uma cessão onerosa deste;<br>
- por outro lado, sendo, em relação a este D, ineficaz o contrato de trespasse, não pode a escritura pública respectiva constituir título executivo;<br>
- nulo o acórdão por omissão de pronúncia sobre a certidão da escritura não preencher os requisitos extrínsecos e intrínsecos do título executivo, nomeadamente, os requisitos materiais de certeza e inexigibilidade (sic);<br>
- não tendo sido documento comprovativo de alguma prestação ter, em cumprimento do negócio, sido realizada não pode a escritura constituir título executivo.<br>
- violado o disposto nos artºs. 406º e 876º, CC, 115º, RAU, e 45º, 50º, 55º, 668º-1, d), 802º e 803º a 809º, CPC.<br>
Contra-alegando, os embargados pugnaram pela confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que a Relação considerou provada -<br>
a)- por escritura pública outorgada em 99.09.07, D deu de trespasse à exequente o estabelecimento comercial de taberna, denominado 'Cafetaria ...', instalado no 1º andar com entrada pelo nº. 221 C do prédio urbano sito na rua do ... e rua do ..., Porto, pelo preço de 9.500.000$00, tendo aquele recebido naquela data a quantia de 5.000.000$00, sendo que a parte restante seria paga em 45 prestações de 100.000$00 cada, vencendo-se a primeira em 99.10.01 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, reservando o trespassante, para si, o direito de propriedade do aludido estabelecimento até integral pagamento da dívida;<br>
b)- na acção executiva para pagamento de quantia certa, a que estes embargos estão apensos, os ora embargados deram à execução a escritura pública outorgada em 99.12.14, na qual aqueles deram de trespasse à embargante o estabelecimento comercial de taberna referido na al. a), pelo preço de 10.500.000$00, tendo os exequentes recebido naquela data 4.000.000$00, sendo a parte restante paga em prestações, assumindo a executada a dívida daqueles para com o D, no valor de 4.300.000$00, correspondente às últimas prestações devidas por aqueles ao D, por virtude de anterior contrato de trespasse do ajuizado estabelecimento, sendo a quantia remanescente paga em 22 prestações, sem acréscimo de juros, vencendo-se a primeira em 03.07.01 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes;<br>
c)- o estabelecimento em causa foi pelos embargados fisicamente transmitido para a embargante.<br>
<br>
Plenamente provados ainda dois outros factos (CPC- 729º, 2) -<br>
d)- a embargante, após a transmissão física do aludido estabelecimento, esteve-o a explorar (por acordo);<br>
e)- a embargante pagou, pelo menos, uma das prestações a que, pela escritura referida na al. b), se obrigara, no valor de 100.000$00 (documento junto com o requerimento inicial da execução e não impugnado).<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- Para se poder arguir de nulo o acórdão por omissão de pronúncia necessário era ter o tribunal recorrido de conhecer da questão que se diz não ter sido apreciada.<br>
Além de recorrentes para a Relação terem sido os embargados, sucede que a questão cuja pronúncia se diz omitida não foi suscitada, inclusive, pela ora recorrente, a embargante.<br>
<br>
2.- Um recurso não se destina a obter decisões novas sobre questões novas, mas sim reexaminar e reapreciar as decisões proferidas sobre as questões oportunamente aportadas ao tribunal.<br>
Embargando, a recorrente não suscitou, em ponto algum, o que aduz nas conclusões 4ª e 5ª supra.<br>
Mesmo sob o ângulo da oficiosidade do conhecimento não lhe assiste razão, pois que esse documento, junto com o requerimento inicial da execução, comprovativo do pagamento existe.<br>
<br>
3.- O concreto trespasse celebrado do estabelecimento comercial 'Cafetaria ...' foi um acto de comércio (CCom- 13º e 2º) e rege-se pela lei comercial (CCom- 1º e 3º).<br>
Porque o CCom não contem normas próprias sobre o contrato de trespasse, aplica-se, ex vi do disposto no artº. 939º, CC (o trespasse envolve a cessão onerosa do estabelecimento comercial e esta reveste-se de natureza comercial), o que aquele dispõe sobre compra e venda mercantil (CCom- 463º e segs).<br>
Tendo in casu, o trespassante D reservado o direito de propriedade rege, relativamente ao contrato celebrado entre exequente (como trespassante neste; trespassária no anterior) e a executada (como trespassária neste), o disposto no artº. 467º-2 e § ún. - o contrato é permitido e aquela (a exequente) ficou obrigada a adquirir o estabelecimento comercial e a transmití-lo a esta (a executada).<br>
O contrato é válido, não havendo aqui que entrar em considerações, por irrelevantes, sobre a sua eficácia face ao primitivo trespassante (o D) que para a execução não é tido nem havido.<br>
A cláusula em que a executada 'assume' a dívida da exequente para com D, no valor de 4.300.000$00, correspondente às últimas prestações devidas por aquela ao D, por virtude de anterior contrato de trespasse do ajuizado estabelecimento, não configura quer a assunção de dívida a que se refere o artº. 595º e segs., CC, quer a cessão de créditos regulada no artº. 577º e segs., CC. É mais a promessa de exonerar a naquele acto trespassante da dívida que esta assumira para com o D (CC- 444º, 3) que não um verdadeiro contrato a favor de terceiro.<br>
<br>
4.- Se necessário fosse, e não o é, duas outras vias conduziriam à improcedência dos embargos.<br>
Ao decidir sobre a excepção da ilegitimidade processual, o tribunal, interpretando a norma vertida no artº. 55º, CPC, distinguiu entre exequente e executado legítimos (quem no título executivo figura, respectivamente, como credor e devedor), por um lado, e credor e devedor real, por outro.<br>
Distinção esta que aqui se revela importante por se fazer apelo a um duplo aspecto da figura do trespasse in casu - nulo o contrato enquanto contrato real, válido enquanto obrigacional.<br>
Nesta perspectiva, os exequentes são realmente credores da executada e devedora real é a executada.<br>
<br>
5.- A executada propôs-se tomar de trespasse um estabelecimento comercial, recebeu-o, e explorou-o e por ele não só satisfez um pagamento parcelar inicial como começou a dar execução ao pagamento das prestações futuras.<br>
Não questiona a obrigação da exequente em adquirir o estabelecimento comercial e de juridicamente lho entregar e transmitir, o que seria conseguido através do pagamento pela executada já que nada se lhe opunha (CC- 767º, 1 e 2).<br>
O negócio não correu de acordo com o por si pretendido (artºs. 19º a 73º da petição de embargos), o risco por si assumido ao celebrá-lo concretizou-se negativamente, «gorando-se as legítimas expectativas» que nele depositara (artº. 26º da petição de embargos)<br>
Cumprindo a promessa que assumira, do cumprimento pela exequente da obrigação de pagar a parte do preço em falta resultava o benefício da executada.<br>
Deixou de pagar as prestações acordadas.<br>
Invocar em seu proveito a nulidade do contrato, se acaso fosse nulo, representaria uma conduta que manifestamente excedia os limites da boa fé, frustrando a legítima expectativa de um outro comportamento da sua parte e violaria a relação de confiança que se estabelecera e devia ser protegida.<br>
O abuso de direito tornaria ilegítimo o exercício desse direito (CC- 334º).<br>
A questão que se colocaria então era a de saber se é possível opor à invocação da nulidade o abuso direito. Desinteressa para a resolução da presente demanda a discussão e solução a dar pelo que nos limitaremos à remissão para o estudo de Calvão da Silva in RLJ 132/270 e para os acs. STJ, entre outros, de 00.11.28, 02.02.05 e 01.09.27, respectivamente, recs. 3.189/00, 4.415/01 e 2.201/01 (sem prejuízo de se focar aí a nulidade emergente da falta de observância do correspondente ónus de respeitar a forma legal).<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 11 de Novembro de 2003<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Reis Figueira</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
njLlu4YBgYBz1XKv9lLA | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>Relatório</font><br>
<br>
<font>No Tribunal Judicial da Comarca da Amadora, corre termos em processo executivo em que figuram como exequentes, AA e esposa, </font><br>
<font>BB, e como executados,</font><br>
<br>
<font>1.ºs - CC e esposa, DD</font><br>
<font>2.º - Empresa-A – Agricultura, Lda., </font><br>
<font>3.º - Empresa-B , Lda</font><br>
<font>4.º - Empresa-C- Cereais, Lda, </font><br>
<font>5.º - Empresa-D, Lda e </font><br>
<font>6.º - Empresa-E, sociedade civil, </font><br>
<br>
<font>Em 3/12/2001, todos os executados vieram deduzir embargos como consta de fls 2 e seg.</font><br>
<br>
<font>Por despacho de 10/12/2001 ( fls 197) o senhor juiz recebeu os embargos deduzidos pelos 1ºs executados, mas rejeitou, por deduzidos fora de prazo, os deduzidos pelos restantes 5 executados.</font><br>
<br>
<font>Do despacho que recebeu os embargos, recorreram os exequentes/embargados e do despacho quer os rejeitou recorreram os executados/embargantes.</font><br>
<br>
<font>Recebidos os agravos foram apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que a ambos negou provimento.</font><br>
<br>
<font>Novamente inconformados, recorreram os exequentes/embargados, para o Tribunal Constitucional e os embargantes/executados para este S.T.J., sendo este último recebido como agravo.</font><br>
<br>
<font>Conclusões</font><br>
<br>
<font>Apresentadas tempestivas alegações, formularam os agravantes as seguintes conclusões:</font><br>
<br>
<font>1 – O nº 3 do Art. 816º do C.P.C., introduzido pelo D.L. nº 329-A/95, de 12/12, é uma norma inovadora.</font><br>
<font>2 – Na verdade, até à introdução deste preceito, não existia norma específica disciplinadora da forma de contagem do prazo para oposição à penhora, no caso de existirem vários executados nem qualquer disposição que estabelecesse a aplicação especial e contrária ao subsidiariamente previsto no nº 2 do Art. 486º do C.P.C.</font><br>
<font>3 – Assim, em obediência ao estipulado no Art. 801º do C.P.C. , aplicava-se subsidiariamente o estipulado no nº 2 do Art. 486º do C.P.C..</font><br>
<font>4 – Deste modo, o nº 3 do Art. 816º do C.P.C., não é nem jamais se pode considerar uma norma interpretativa.</font><br>
<font>5 – Pois, norma interpretativa, é “aquela que tem por função interpretar uma anterior lei, esclarecendo o sentido e âmbito dessa outra, quando nesta existe uma questão de direito cuja solução não é pacífica”.</font><br>
<font>6 – A introdução do nº 3 do Art. 816º do C.P.C. surge como um regime renovador e inovador face aos demais constantes da lei adjectiva reguladores de situações similares, tal como acontece com o processo declarativo.</font><br>
<font>7 – A norma constante do nº 3 do Art. 816º é orgânica e materialmente inconstitucional.</font><br>
<font>8 – Pois a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo, através da Lei nº 33/95 de 18/8, não autorizou o Governo a alterar o Art. 816º do C.P.C. da forma em que o fez pelo D-L. nº 329-A/95 de 12/12.</font><br>
<font>9 – Efectivamente o Governo, invocando a referida autorização legislativa, alterou o conteúdo do Art. 816º do C.P.C., aumentando o prazo para a dedução de embargos de 10 para 20 dias e introduziu um número 3, que passou a estabelecer a não aplicação à dedução de embargos do disposto no nº 2 do Art. 486º do C.P.C., ou seja, afasta a possibilidade de, quando o prazo para defesa de vários executados termine em dias diferentes, a dedução de embargos de todos ou de cada um deles poder ser oferecida ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.</font><br>
<font>10 - O governo, no âmbito da Lei de autorização legislativa nº 33/95 – de 18/8, não detinha poderes para efectuar a referida alteração legislativa, quanto à introdução do nº 3 do Art. 816º do C.P.C. </font><br>
<font>11.º- Com efeito, trata-se de matéria reservada da Assembleia da República ( Art. 164º alínea e) e Art. 169º nº 3 da Const. da Republica Portuguesa).</font><br>
<font>12.º- Com a Lei nº 33/95, o Governo ficou autorizado a rever o C.P.C. e as leis de organização judiciária, mas apenas nos precisos termos conferidos naquela Lei.</font><br>
<font>13.º- O que o Governo não fez.</font><br>
<font>14.º- Pois, ao aditar o nº 3 do Art. 816º do C.P.C. , extravasou claramente o âmbito de autorização legislativa, mais concretamente, os Art.s 1º e 8º. Da Lei 33/95.</font><br>
<font>15.º- E ao não respeitar essa lei de autorização, o Governo actuou sem habilitação constitucional para o fazer, sendo, em consequência, orgânica e materialmente inconstitucional a referida alteração legislativa…</font><br>
<font>16.º- À referida inconstitucionalidade, acresce uma ilegalidade material, na medida em que existe uma violação da lei com carácter reforçado ( lei de autorização), pois o citado D.L. infringe as determinações suplementares da lei de autorização.</font><br>
<font>17.º- Do preâmbulo do D.L. nº 329-A/95 de 12/12, que antecede a revisão do C.P.C., pode-se, sem margem para dúvidas, constatar que também não existe qualquer referência à introdução do ora estipulado nº 3 do Art. 816º do C.P.C.</font><br>
<font>18.º - Ou seja, não existe qualquer referência à introdução dessa restrição ao prazo para deduzir oposição no âmbito da matéria reservada à dedução de embargos de executado.</font><br>
<font>19.º- Ao assim, não ter entendido, o aliás, douto acórdão, violou, entre outros, as disposições legais citadas nas presentes conclusões.</font><br>
<font>20.º - Devem, pois, ser admitidos os embargos.</font><br>
<br>
<font>Os Factos.</font><br>
<br>
<font>É a seguinte a matéria de facto fixada pela Relação:</font><br>
<br>
<font>1 – Os executados, ora embargantes, foram todos citados na acção executiva em 2/11/2001., </font><br>
<font>2 – As citações foram efectuadas em área fora da comarca;</font><br>
<font>3- A executada DD foi citada em pessoa diversa;</font><br>
<font>4 – O executado CC, assinou, pelo seu próprio punho o aviso de recepção expedido para sua citação.</font><br>
<font>5 – A secção nos termos do disposto no Art. 241º, notificou o executado CC indicando-lhe que tinha mais 5 dias para apresentar a defesa;</font><br>
<font>6 – Os embargantes deduziram os embargos em causa em 3/12/2001.</font><br>
<br>
<font>Fundamentação.</font><br>
<br>
<font>Como resulta das conclusões a questão suscitada no agravo é só uma e diz respeito a saber se o disposto no nº 3 do Art. 816º do C.P.C. é inconstitucional, material e organicamente como pretendem as recorrentes.</font><br>
<br>
<font>Situando a questão verifica-se que, embora todos os executados tenham sido citados em 2/11/2001, todos beneficiam da dilação de 5 dias em virtude de a citação ter ocorrido em área fora da comarca – Art .252º –A nº 1 h) do C.P.C.- </font><br>
<font>Porém, só aos executados DD e CC acresce mais 5 dias de dilação, à 1.ª por ter sido citada em pessoa diversa ( Art. 252º-A nº 1 a) e nº 4 do C.P.C.), o 2.º porque, por lapso da secretaria foi notificado nos termos do disposto no Art. 241º, de que dispunha de mais de 5 dias par sua defesa.</font><br>
<font>Assim sendo e tendo em conta o prazo de 20 dias ( + dilações ) a que se refere o Art. 816º nº 1 e que corre individualmente para cada executado, visto que não se aplica o disposto no nº 2 do Art. 486º ( nº 3 do citado Art. 816º), o prazo para a dedução dos embargos terminava em 3/12/2001 para os 1ºs executados e em 27/11/2001 para os restantes.</font><br>
<font>Com a petição dos embargos, conjunta, deu entrada em 3/12/2001, tinha já decorrido o prazo quanto aos 5 últimos executados/embargantes, razão porque, quanto a eles, foram os embargos liminarmente rejeitados ao abrigo do disposto no Art. 817º nº 1 a) do C.P.C..</font><br>
<br>
<font>Ora, à mingua, de outra argumentação, vieram os 5 últimos executados/ embargantes invocar a inconstitucionalidade orgânica e material do nº 3 do Art. 816º do C.P.C., porquanto a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo através da Lei 33/95 de 18/8, não autorizar o executivo a alterar o Art. 816º da forma como o fez o D.L. nº 329-A/95 de 12/12, acrescendo à referida inconstitucionalidade, uma “ilegalidade material na medida em que existe violação da lei com carácter reforçado ( lei de autorização), pois o citado D.L.infringe as determinações suplementares da lei de autorização”.</font><br>
<br>
<font>Em primeiro lugar nem se entende quais sejam as “ determinações suplementares” da Lei 33/95, visto que não constam do texto do diploma e as agravantes não nos dizem quais sejam.</font><br>
<font>Não existe, assim, tal legalidade material.</font><br>
<br>
<font>E não existe também a alegada inconstitucionalidade orgânica como se vai tentar demonstrar.</font><br>
<font>De facto, antes da reforma, introduzida pelo D.L. 329-A/95, o Art. 816º do C.P.C. fixava o prazo de 10 dias para a dedução de embargos de executado, a contar da citação e não continha o actual nº 3. </font><br>
<font>Discutia-se, então, na doutrina e jurisprudência se, no caso de serem vários os executados/embargantes, teria ou não aplicação o disposto no Art. 486º, nº 2 do C.P.C. por força da remissão genérica contida no Art. 801º do mesmo diploma. Isto é, discutia-se se os embargos podiam ser apresentados em juízo por qualquer dos embargantes até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.</font><br>
<br>
<font>Defendiam a aplicação do nº 2 do Art. 486º o Prof. Alberto dos Reis (Processo II – 46) e o Dr. Lopes Cardoso ( Manual – 295). Também na jurisprudência se defendia esta orientação como por exemplo no Ac. (S.T.J. de 27/7/45 ( Bol Cf. V – 330) ou no Ac. da R.L. de 28/11/91 B.M.J. 411- 641).</font><br>
<br>
<font>Em sentido contrário pronunciaram-se Lebre de Freitas ( Parecer publicado na Col J. 1989-3-41 e Acção Executiva 1993 – 164) e Anselmo de Castro ( A Acção Executiva Singular, Comum e Especial – 1970 – 311 e 312), além do Ac. da R.C. de 25/6/96 ( B.M.J. 458-409).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Com a reforma do processo civil operada pelo D.L. 329-A/95, alargou-se o prazo para a dedução de embargos de 10 para 20 dias e acrescentou-se ao Art. 816º do C.P.C. e seu nº 3, onde expressamente se resolveu a questão doutrinária e jurisprudência referida, optando-se pela corrente que entendia não ser aplicável aos embargos o que se dispunha no nº 2 do Art. 486º do mesmo diploma legal.</font><br>
<font>Portanto, visto que o novo número do preceito se destinou claramente a resolver o conflito assinalado, não choca que se tenha o nº 3 do Art. 816º como norma interpretativa, na medida em que interpreta como determinar o termo do prazo estabelecido no nº 1 quando sejam vários os executados / embargantes, ou, se quiser, na medida em que interpreta o nº 2 do Art. 486º, no sentido de que não é aplicável à dedução de embargos de executado.</font><br>
<font>Seja como for, o certo é que antes da introdução desse nº 3, eram defensáveis as duas orientações acima referidas e eram aplicadas em concreto pelos Tribunais uma e outra, de modo que é pelo menos interpretativa a razão de ser da introdução do novo número.</font><br>
<font>( Col. Ac. do S.T.J. de 27/5/1999 – B.M.J. nº 487- 269, cujo sumário é o seguinte “ interpretativa a norma do nº 3 do Art. 816º do C.P.C., introduzida pelo D.L. nº 329-A/95 de 12/12”.).</font><br>
<br>
<font>No entanto, conforme alegam as agravantes, trata-se de preceito inovador e que contém matéria da competência reservada da Assembleia da República , conforme resultaria dos Art.s 164º e) e 169º nº 3 da Constituição da República Portuguesa.</font><br>
<br>
<font>É, todavia estranho, ou talvez não, a citação dos referidos dispositivos constitucionais, na medida em que é no Art. 168º que se descriminem as matérias da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização legislativa ( reserva relativa), sendo certo que, no que aqui nos interessa, deve incidir-se a atenção no disposto nas alíneas e) d) e q).</font><br>
<font> </font><br>
<font>Assim, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar ( salvo autorização concedida ao Governo) sobre:</font><br>
<font>e) Definição dos crimes, penas e medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal; </font><br>
<font>d) Regime geral de punição de infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;</font><br>
<font>q) Organização e competência dos Tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos.</font><br>
<font>Como se vê em matéria de processo civil em geral, nada se diz no Art. 168º, o que significa que, como se decidiu no douto Ac. do Tribunal Constitucional nº 447/93 de 15/7/93 ( D.R., Série II de 23/4/94) “ … em matéria processual, a Lei Fundamental só inclui na reserva relativa da Assembleia da República a legislação sobre processo criminal [ Art. 168º nº 1 e) ], bem como sobre “ o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e respectivo processo [ Art. 168.º nº 1 d)]…”</font><br>
<br>
<font>No caso do D.L. 329-A/95, além de ter legislado sobre matérias contidas na reserva relativa da A.R., daí a necessidade da autorização legislativa consubstanciada na Lei 33/95, legislou ainda sobre outras matérias, puramente adjectivas e não reservadas.</font><br>
<font>Por exemplo, alterar vários prazos processuais; designadamente o prazo para a dedução dos embargos de executado, que de 10 dias passa a 20 dias ( nº 1 do Art .816º do C.P.C.), sem que alguém se lembrasse, nomeadamente os agravantes, de considerar tais alterações inconstitucionais por falta de autorização legislativa.</font><br>
<br>
<font>Aliás, a introdução do nº 3 do Art. 816º, não tem mais alcance do que a mera alteração de um prazo processual, que é o que, no fundo, se contempla no caso de pluralidade de executados/embargantes.</font><br>
<font>Para tal, não necessitava o Governo de autorização legislativa da A.R.</font><br>
<br>
<font>Não se verifica, por isso, qualquer inconstitucionalidade orgânica ou formal.</font><br>
<br>
<font>E, evidentemente, também não se vislumbra a alegada inconstitucionalidade material, ( de resto não concretizada pelas agravantes) visto que não se vê que tivesse sido violado qualquer princípio constitucionalmente consagrado.</font><br>
<br>
<font>Consequentemente, o nº 3 do Art. 816º do C.P.C. é para aplicar, e por isso, os embargos deduzidos pelos agravantes, foram intempestivas, razão porque não podiam ser recebidos.</font><br>
<br>
<font>Decisão.</font><br>
<br>
<font>Termos em que negam provimento ao agravo.</font><br>
<font>Custas pelos agravantes.</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 20 de Maio de 2003</font><br>
<font>Moreira Alves</font><br>
<font>Alves Velho</font><br>
<font>Moreira Camilo</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mjLYu4YBgYBz1XKvVElj | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - "A", SA, antes ... - Financiamento de Aquisições a Crédito SA, intentou acção com processo ordinário contra B, pedindo que o réu seja condenado a pagar a importância de 15.428,57 euros, juros vencidos e vincendos e imposto de selo.</font>
</p><p><font>Alegou que concedeu ao réu crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo e com destino a aquisição de um veículo automóvel, não tendo o réu pago o acordado, encontrando-se em dívida o montante do pedido.</font>
</p><p><font>Citado o réu, não deduziu oposição, vindo a ser proferida sentença que o condenou no pagamento à autora de uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas, acrescida de juros moratórios à taxa anual de 18,83 % desde 18.05.02 e até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo.</font>
</p><p><font>Apelou o autor.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso e manteve o decidido.</font>
</p><p><font>Novamente inconformado, recorre o autor para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Formula as seguintes conclusões:</font><br>
<font>- </font><font>Está provado nos presentes autos que o autor na acção, ora recorrente, é uma instituição de crédito;</font><br>
<font>- </font><font>Não existe qualquer taxa de juro especificadamente fixada pelo Banco de Portugal para a actividade de financiamento de aquisições a crédito, isto é, para a actividade exercida pelo autor, ora recorrente;</font><br>
<font>- </font><font>A taxa de juro, 14,83%, estabelecida por escrito para o financiamento de aquisição a crédito ao réu, ora recorrido, do veículo automóvel referido nos autos é inteiramente válida;</font><br>
<font>- </font><font>É admissível a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou parabancárias que incluem no capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, salvo se tal capitalização incidir sobre juros correspondentes a um período inferior a três meses;</font><br>
<font>- </font><font>Não é pois aplicável no contrato de mútuo dos autos o disposto no artigo 560º do C. Civil;</font><br>
<font>- </font><font>Ressalta do contrato de mútuo, que os juros capitalizados respeitam ao período de cinco anos;</font><br>
<font>- </font><font>A capitalização de juros é, pois, inteiramente válida, no caso do contrato dos autos;</font><br>
<font>- </font><font>É, pois, manifesta a falta de razão na sentença confirmada pelo acórdão recorrido, que ao julgar, como o fez, parcialmente improcedente e não provada a presente acção, violou o disposto no artigo 560º do C. Civil, nos artigos 5º, 6º e 7º do Dec-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Dec-Lei nº 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Dec-Lei nº 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Dec-Lei nº 206/95, de 14 de Agosto e o artigo 3º, alínea 1 do Dec-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.</font>
</p><p><font>Não houve contra alegações.</font>
</p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>No exercício da sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pelo réu, à aquisição de um veículo automóvel, marca Mercedes, modelo Smart, com a matrícula QB, a autora por contrato constante de título particular datado de 12 de Setembro de 2000, concedeu ao réu crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo-lhe assim emprestada a importância de Esc. 2.500.000$00;</font>
</p><p><font>Nos termos do contrato assim celebrado entre a autora e o réu, aquela emprestou a dita importância de Esc. 2.500.000$00, com juros à taxa nominal de 14,83% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos, bem como o prémio de seguro de vida, serem pagos, nos termos acordados, em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 30 de Outubro de 2000, e as seguintes nos dias 30 dos meses subsequentes;</font>
</p><p><font>De harmonia com o acordado entre as partes a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga, conforme ordem irrevogável logo dada pelo réu para o seu banco, mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária logo indicada pela ora ré;</font>
</p><p><font>Conforme também expressamente acordado a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações;</font>
</p><p><font>Mais foi acordado entre autora e o réu que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, 14,83%, acrescida de 4 pontos percentuais;</font>
</p><p><font>O réu, das prestações referidas, não pagou a 10ª e seguintes, vencida a primeira em 30 de Outubro de 2000;</font>
</p><p><font>O réu não providenciou as transferências bancárias referidas, que não foram feitas, para pagamento das ditas prestações, nem ele ou quem quer que fosse, as pagou à autora;</font>
</p><p><font>O valor de cada prestação era de 302,52 euros.</font>
</p><p><font>III - A autora, que é uma sociedade financeira, celebrou com o réu um contrato de crédito ao consumo, mediante o qual lhe mutuou a importância de 2.500.000$00, para aquisição de um veículo automóvel.</font>
</p><p><font>Entre as partes foi acordado o pagamento da quantia em causa em 60 prestações, tendo-se estipulado na cláusula 8ª, alínea a) do contrato que "O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros".</font>
</p><p><font>Na alínea b) acordou-se que "A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes".</font>
</p><p><font>Na alínea c) convencionou-se que "Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no artigo anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juros contratual acrescida de quatro pontos percentuais".</font>
</p><p><font>Não tendo o réu pago as prestações vencidas a partir da 10ª, a autora, de harmonia com o acordado, considerou vencida toda a dívida o que foi aceite pela parte contrária.</font>
</p><p><font>Entendeu-se no acórdão recorrido (e na sentença que o mesmo confirmou) que a autora passou a ter desde logo direito a perceber todo o capital em dívida, acrescido dos juros de mora à taxa acordada, até integral pagamento.</font>
</p><p><font>Não se questiona nos autos a problemática da exigibilidade do capital em dívida, nem o montante dos juros de mora, nem existe norma imperativa (designadamente o artigo 781º do C. Civil) que se mostre violada e imponha a apreciação oficiosa por este Tribunal.</font>
</p><p><font>Assim, a única questão que se discute e a única que aqui cumpre apreciar, diz respeito aos juros remuneratórios.</font>
</p><p><font>Decidiu-se no acórdão que os juros remuneratórios integrantes de cada prestação deviam ser descontados por não devidos. Sustenta a recorrente que se encontram vencidas todas as prestações de juros remuneratórios que seriam devidas até ao termo do contrato.</font>
</p><p><font>O anatocismo, ou seja a capitalização dos juros de um capital, já vencidos e não entregues, com o fim de os fazer produzir juros, representa uma soma de dinheiro que o credor teria podido investir se a tivesse recebido atempadamente. A sua admissão tem no nosso ordenamento jurídico sido condicionada dentro de certos parâmetros, procurando, além do mais, evitar-se que a mesma seja usada como expediente para se alcançarem juros usurários</font><font> (1)</font><font>.</font>
</p><p><font>Hoje, os juros de juros, adquiriram estatuto de um uso bancário, permitido pelo nº 3 do artigo 560º do C. Civil e que o artigo 5º nº 6 do Dec-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro consente para período não inferior a três meses.</font>
</p><p><font>Se, como princípio geral, nada impede no caso concreto o anatocismo, o cerne do problema está em saber se os juros remuneratórios são devidos relativamente a todas as prestações ou se o são tão somente relativamente às prestações vencidas até ao incumprimento.</font>
</p><p><font>O contrato celebrado é regulado, além do mais, pelo Dec-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro. Trata-se de um contrato de adesão em que uma das partes impõe à outra um clausulado pré-determinado e que esta se quiser subscreverá em conjunto. A liberdade contratual (artigo 406º do C. Civil), que é um princípio fundamental do nosso direito civil, é aqui limitada. Estando o conteúdo contratual pré-fixado por uma das partes a fim de ser utilizado sem discussão ou sem discussão relevante, de forma geral e abstracta, na sua contratação futura, resta à outra parte aceitar ou rejeitar, sem que exista uma fase negociatória - Prof. Mota Pinto - "Direito Civil" Coimbra 1980, pág. 15.</font>
</p><p><font>Daí resulta que se imponham especiais cautelas na análise das cláusulas contratuais gerais, designadamente bancárias ou similares, como é o caso (Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).</font>
</p><p><font>Acontece, porém, que não é aqui sequer posto em causa o contrato celebrado, nem se vê que exista qualquer cláusula proibida total ou parcialmente. Não existem ainda elementos que permitam, sem mais, concluir pela violação dos deveres de comunicação, informação ou outros.</font>
</p><p><font>Contratos como o aqui em causa são de uso corrente, sem que um qualquer controlo judicial lhe tenha apontado eventuais nulidades.</font>
</p><p><font>Os juros em discussão são juros convencionados e pagos por um empréstimo, pela cedência de um capital, sendo por isso juros remuneratórios. Constituem a contraprestação onerosa pela cedência do capital.</font>
</p><p><font>As partes convencionaram, como está dito, o pagamento em prestações, englobando cada uma delas parte do capital, o correspondente juro remuneratório e uma parcela referente a outras despesas, resultando daí prestações uniformes ao longo do período em que deve ser feito o pagamento, como é consentido pelo artigo 4º do referido Dec-Lei nº 359/91.</font>
</p><p><font>Tendo sido convencionado que a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes, entendemos que é devida a totalidade pela importância global, não se justificando o abatimento de juros remuneratórios de prestações vencidas posteriormente à data do incumprimento.</font>
</p><p><font>Está-se perante o que se pode chamar de "custo total do crédito" e que se justifica até pelos especiais riscos que envolve a concessão do crédito ao consumo e pelas limitações que se impõe sejam criadas a tal forma de financiamento.</font>
</p><p><font>É certo que não existe decurso do tempo, que, em princípio, está ligado aos juros, mas nem só a contabilização do período de tempo justifica os juros remuneratórios.</font>
</p><p><font>O referido artigo 4º do Dec.-Lei n.º 359/91 que estabelece o cálculo da "taxa anual de encargos efectiva global", determina no n.º 3 que o cálculo é efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e de que as respectivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionados.</font>
</p><p><font>Vencida a dívida, estão vencidas todas as prestações, sendo o montante de cada uma o estipulado tendo em conta a referida "TAEG".</font>
</p><p><font>Importa, aliás, não esquecer que não há no caso concreto oposição do devedor e que, estando-se no campo da autonomia privada, só se justificará a intervenção oficiosa se for violada qualquer norma imperativa, o que não é o caso.</font>
</p><p><font>Face à liberalização da taxa de juros e encargos que o crédito ao consumo acarreta, não se vê que se possa considerar que com tal entendimento se está a permitir uma cláusula penal excessiva, embora se saiba que não há uma jurisprudência uniforme a tal respeito - Para além dos vários acórdãos citados (e juntos aos autos) pode-se ver em sentido contrário o Ac. STJ de 16.11.04, Revista nº 2743/04, desta 1ª Secção e no sentido aqui defendido o Ac. RL de 05.02.2002, CJ I, pág. 98.</font>
</p><p><font>Impõe-se assim a revogação do bem fundamentado acórdão, por ser devido o montante peticionado.</font>
</p><p><font>Pelo exposto, concede-se a revista.</font>
</p><p><font>Custas pelo recorrido.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 22 de Fevereiro de 2005</font>
</p><p><font>Pinto Monteiro</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante</font>
</p><p><font>Reis Figueira</font>
</p><p><font>--------------------------</font>
</p></font><p><font><font>(</font><font>1) Leite Campos - "Revista da Ordem dos Advogados" Ano 48, 1988, págs. 38/39.</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
nDLhu4YBgYBz1XKvDk2S | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
Por apenso ao inventário por óbito de A, B (falecida em 98.12.20, foram julgados habilitados os réus, proferindo-se o despacho de fls. 58, no sentido de evitar confusão entre as partes e a ordenar o prosseguimento da acção, do qual agravaram os réus contestantes) demandou C e marido D, E e mulher F, G e marido H, I e mulher J, e L e mulher M acção a fim de ser rectificado o erro de facto da descrição do imóvel referido no art. 1º da petição inicial, substituindo-se as verbas 15 e 16 da descrição de bens naquele por uma única, ou, a se não entender assim, se rectificarem as confrontações dos mesmos ou, a entender-se que não há erro de facto, se anular a licitação desses bens e subsequentes termos com base em erro que viciou a sua vontade aprazando-se nova conferência de interessados.<br>
Contestaram apenas os réus I e mulher, para excepcionarem a ‘legitimidade (dignidade)’ da autora para invocar qualquer erro de identificação dessas verbas e a caducidade do direito de acção, no mais impugnando, concluindo pela absolvição da instância ou do pedido.<br>
Após resposta, prosseguiu o processo tendo, por sentença, improcedido a excepção de caducidade e procedido a acção pelo último pedido subsidiário.<br>
A Relação negou provimento ao agravo e confirmou a sentença.<br>
De novo inconformados, os réus I e mulher pedem revista, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações:<br>
- com o falecimento da autora devia ter sido declarada extinta a instância;<br>
- há contradição entre o facto de a autora ter requerido, no início da conferência de interessados ocorrida no inventário, a atribuição do direito de habitar a casa que constitui a verba nº 16 e a pretensão de que ocorreu erro na licitação da verba 15;<br>
- a ter ocorrido esse erro, devia, porque a seguir a essa licitação foi licitada a verba seguinte e por a autora ter estado presente e assistida por mandatário judicial, devia ter sido arguido de imediato;<br>
- há contradição entre a matéria constante das als. b) a g), em particular nas als. f) e g), e a resposta dada ao quesito 4º e entre esta e a decisão proferida em 1ª instância;<br>
- ainda que se aceitasse que a autora licitou a verba 15 convicta que a mesma incluía também a verba 16, o seu erro limitou-se à verba 15, pelo que só provocaria anulabilidade da licitação dessa verba;<br>
- nula a decisão nos termos do art. 668-1 c) CPC e<br>
- violado o disposto nos arts. 868 e segs, 236 e 251 CC e 205-1 e 1.387 CPC.<br>
Contraalegando, os recorridos (restantes réus, agora como sucessores habilitados da autora), defenderam a confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -<br>
a)- por óbito de A procedeu-se a inventário facultativo que correu termos neste tribunal sob o n° 114/92, tendo como cabeça de casal a B;<br>
b)- da herança do inventariado A faz parte uma casa de habitação com pátio, cinco compartimentos, sete dependências, cinco vãos e um quintal;<br>
c)- a casa de habitação encontra-se inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Fonte de Ageão sob o art. 278;<br>
d)- o quintal encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Fonte de Ageão sob o art. 1881;<br>
e)- o quintal e a casa de habitação foram relacionados e descritos no inventário n° 114/92 em 2 verbas, a nº 15 quinze e a nº 16, respectivamente, que reproduzem as respectivas inscrições matriciais;<br>
f)- a verba nº 15 da descrição de bens tem o seguinte teor, uma terra de cultura na Fonte de Ageão, a confrontar do norte com P, do sul e nascente com N e do poente com casa do proprietário, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1881, com o valor tributável de mil setecentos e cinquenta e dois escudos;<br>
g)- a verba nº 16 da descrição de bens tem o seguinte teor: uma casa de rés-do-chão, com pátio, 5 compartimentos, 7 dependências e 5 vãos, a confrontar do norte com O, do sul com N, do nascente com o proprietário e do poente com Rua, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrita na matriz predial urbana sob o art. 278, com o valor tributável de quatro mil setecentos e noventa e cinco escudos;<br>
h)- na conferência de interessados realizada no inventário 114/92, em 93.07.13, não tendo sido possível o acordo, procedeu-se a licitações, tendo a verba nº 15 sido licitada pela autora por 4.000.000$00 e a verba nº 16 licitada pelo interessado I, pelo valor de 1.355.000$00;<br>
i)- em 94.03.16 foi dada a forma à partilha por parte da cabeça-de-casal, a autora nos presentes autos;<br>
j)- em 94.11.28 foi proferida sentença no inventário 114/92;<br>
k)- a autora tem 79 anos de idade (à data da propositura da acção - 95.07.13);<br>
l)- a parte rústica inscrita na matriz rústica e descrita na verba nº 15 é o logradouro da casa de habitação descrita na verba nº 16;<br>
m)- o pátio mencionado na descrição da verba nº 16 é rodeado, a toda a volta, pela casa e respectivas dependências;<br>
n)- a verba descrita sob o nº 16 confronta pelo sul com terreno da herança de A, descrito na verba nº 15;<br>
o)- a verba nº 15 confronta do norte com P e a casa de habitação descrita na verba 16 e do poente com a mesma casa e estrada (resposta ao quesito 4°);<br>
p)- a autora é analfabeta;<br>
q)- durante toda a sua vida cuidou dos filhos, da casa e trabalhou no campo;<br>
r)- não tem experiência em relação à transacção de imóveis e à forma habitual de os identificar;<br>
s)- ao aproximar-se a data da conferência de interessados, a autora solicitou a avaliação de bens da herança a louvados locais,<br>
t)- que não se aperceberam que a casa e o quintal estavam descritos em verbas distintas;<br>
u)- e deram à autora a indicação de que a casa e o quintal no seu conjunto valiam entre 3.500.000$00 e 4.000.000$00;<br>
v)- no dia da conferência de interessados, a autora encontrava-se muito nervosa e perturbada;<br>
x)- durante as licitações, ao ouvir ler a descrição da verba nº 15 não percebeu do que se tratava e pediu esclarecimentos,<br>
y)- tendo-lhe sido dito pela interessada Irene que era o quintal da casa;<br>
w)- a autora pensou que a verba nº 15 abrangia o terreno livre de construções do conjunto descrito na al. b) - certamente, por lapso de escrita, consignou-se «a)»,<br>
z)- e que era um terreno bom para a construção, com uma área superior a 1.100 m² e com uma frente para a estrada de mais de 10 m;<br>
a-1)- no entanto, o que estava a ser licitado era um terreno com menos de 600 m² sem qualquer frente para a estrada ou caminho e sem acesso a qualquer via pública;<br>
b-1)- tal terreno vale 352.000$00;<br>
c-1)- a autora B pensou que ao licitarem a verba nº 16 por 1.084.000$00, os réus estavam a adquirir apenas as casas, o terreno onde elas estão implantadas e o pátio que elas rodeiam;<br>
d-1)- o conjunto das casas tem uma área de 407,00 m²,<br>
e-1)- tem uma frente para a estrada de 17,28 m;<br>
f-1)- a verba descrita no nº 16 corresponde a um terreno com 27,91 metros de frente para a Estrada Nacional e mais de 600 m² de área;<br>
g-1)- um lote de terreno com tais características vale mais de 3.500.000$00;<br>
h-1)- os réus sabiam que a autora não adquiriria por 4.000.000$00 o terreno descrito na verba nº 15 se tivesse percebido que esse terreno não abrangia toda a área livre de construções do conjunto constituído pela casa de habitação e quintal;<br>
i-1)- os réus sabiam que a autora cobriria o lance da verba nº 16 se tivesse entendido que esta abrangia mais terreno que as casas de habitação e suas dependências ocupam, com todo o quintal ao lado da casa e suas confrontações com estrada;<br>
j-1)- os restantes interessados mostravam-se desinteressados do destino das verbas em causa;<br>
k-1)- o somatório dos valores das licitações de ambas as verbas resultava superior à avaliação prévia, extrajudicial, do conjunto constituído pelas casas de habitação e quintal;<br>
l-1)- só posteriormente, quando quis proceder à delimitação do terreno que julgava ter adquirido com aquele dos réus, a autora se apercebeu qual o terreno que licitara;<br>
m-1)- até ao atrás mencionado a autora esteve na convicção de que adquirira todo o terreno por fora da casa de habitação e dependências;<br>
n-1)- ocupou, vigiou o mencionado terreno na convicção de que o havia adquirido.<br>
<br>
Decidindo:<br>
<br>
1.- A morte da autora e subsequente habilitação dos seus sucessores, os seus filhos ora réus, só aparentemente provocaria in casu uma situação em que nas mesmas pessoas se concentravam os interesses de demandados e demandantes.<br>
Com efeito, o escopo desta acção é obter a emenda da partilha por não haver acordo em ordem a esse fim. Porque cada herdeiro, ainda que possa concertar-se com um ou mais herdeiros num determinado resultado, defende um interesse próprio a não contestação da acção por alguns deles, além de reflectir o reconhecimento da situação de falta de acordo (... o que determinou a acção), não significa que necessariamente todos os demandados estejam sejam titulares de interesses opostos ao do demandante.<br>
A acção tem de ser proposta por um interessado mas não por qualquer um - apenas o pode ser por aquele em relação ao qual o erro ocorreu e que, em virtude desse erro, sofreu prejuízo, o qual tem de ser de natureza patrimonial (ainda que para o interessado se possa aliar o afectivo).<br>
Este interesse patrimonial, a ser reconhecido e proceder o erro, irá permitir o traduzir-se, no prosseguimento do inventário, em modificação da sua situação patrimonial, com relevo (potencial ou efectivo) para a composição do seu património hereditário.<br>
Quem demanda tem de accionar contra todos os outros interessados, muito embora só um ou alguns tenham tirado proveito da situação de erro que ocorreu. Por isso, nada tem de estranho que apenas este ou estes contestem; os outros reconhecem que não se estabeleceu acordo para a emenda da partilha. Porque in casu continuam a ser herdeiros do acervo hereditário da ora autora a (im)procedência da acção e o subsequente prosseguimento (ou não) do inventário não lhes é indiferente - a composição desse acervo sofrerá (pelo menos, potencialmente) alteração no sentido do seu aumento.<br>
De um lado surge o interesse de quem tirou proveito, querendo que este se consolide, do outro estarão os restantes interessados. Porque a autora faleceu no decurso da acção, a situação terá de reflectir esse decesso - porque herdeiros, têm interesse em que o acervo hereditário da de cujus conheça uma composição patrimonial mais favorável (efectiva - aquela dele já não pode, como é óbvio, dispor), o que, a suceder, terá de ser à custa do contestante.<br>
Não há confusão de interesses, a instância tinha de prosseguir a menos que o decesso tivesse dado origem, rectius, permitisse terem-se concertado e obtido o acordo. Mas então, a extinção decorreria não em consequência da (inexistente) confusão de interesses e sim do acordo obtido e levado ao processo.<br>
2.- Alegam os recorrentes um facto novo que da acta da conferência consta.<br>
Independentemente de ser um facto novo, não considerado pelas instâncias na decisão de facto, o mesmo em nada altera nem contradiz o já fixado.<br>
Com efeito, resulta da matéria de facto fixada que a convicção da falecida autora era a de que na verba 15 se incluía uma área que, na realidade, estava incluída não aí mas na verba 16 da qual fazia parte. Além dessa área, a verba 16 incluía a casa de habitação mas a falecida estava convencida que essa verba apenas incluía a dita casa.<br>
Isto o que se retira da conjugação das als. b) a g), l) a o), s) a u), x) a a-1), c-1) e l-1) a n-1), convicção que os recorrentes conheciam e sabiam ser errónea (cfr., als. h-1) e i-1)).<br>
Também só por uma interpretação meramente literal - e nem essa seria inequívoca - poderia conferir razão aos recorrentes quanto à leitura que fazem do facto que consta da al. l-1). Porém, se atentarmos no contexto da petição inicial donde o quesito fora retirado e ainda na sua articulação com os factos acima assinalados, observa-se que não é um problema de conhecer com quem confrontava mas de delimitar o terreno que julgava estar incluído na verba que licitara, a 15.<br>
Para alegarem contradição do facto constante da al. o) com os constantes das als. b) a g) os recorrentes partem da autonomia entre as verbas 15 e 16 e do levantamento topográfico.<br>
Quanto a este último, há que lhes recordar que o Supremo Tribunal de Justiça não é uma 3ª instância mas tribunal de revista.<br>
Quanto ao primeiro - a autonomia das verbas descritas não vem questionada, não é aí que reside o litígio, mas sim no que a falecida compreendia constituir cada uma dessas verbas (a 15 e a 16), compreensão essa que motivou a sua licitação na verba 15 e não também na verba 16 e ainda o que, a ser correcto o agora alegado pelos recorrentes, ela manifestou como vontade quanto à casa de habitação (ser-lhe adjudicado o direito de habitar essa casa, que ela supunha ser o que unicamente constituía a verba 16).<br>
Erro objectivo, susceptível de viciar a vontade da falecida, que efectivamente a viciou e pelo qual não foi responsável. Porque lhe causou prejuízo, tinha legitimidade para demandar. Erro, portanto, causal da emenda.<br>
3.- A falecida não se apercebeu do erro em que incorrera quer durante as licitações quer quando, como cabeça-de-casal, foi chamada a dar a forma à partilha, mas bem mais tarde (als. l-1) a n-1)). A sua invocação tinha de ocorrer, salvo havendo acordo de todos os interessados, através de uma demanda judicial proposta dentro de um ano a contar do conhecimento do erro (CPC- 1.386 e 1.387).<br>
Incidindo o erro sobre as verbas 15 e 16 a anulação da licitação tinha de abranger uma e outra, não podia deixar de fora esta como é pretensão dos recorrentes. Contrariamente ao defendido por estes não é uma questão do valor por que foi licitada dever ser corrigido para menos mas sim de regressar ao momento inicial da licitação para se poder proceder a esse acto com real conhecimento do que se está a licitar - isso irá, por outro lado, uma vez que a autora (a errante) entretanto faleceu, ter directo reflexo no acervo hereditário da falecida.<br>
Nenhuma outra questão cumpre conhecer, outra não foi levada á conclusões nem as há de apreciação oficiosa.<br>
<br>
Termos em que se nega a revista.<br>
Custas pelos recorrentes.<br>
<br>
Lisboa, 9 de Março de 2004<br>
Lopes Pinto<br>
Pinto Monteiro<br>
Lemos Triunfante</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
WjLWu4YBgYBz1XKvBEe1 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<br>
<font>1. - Nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de falência de "A - Empreendimentos Turísticos, L.da", B apresentou reclamação de créditos formulando um pedido principal, "na hipótese de execução específica do contrato-promessa de compra e venda" - cujo objecto mediato é um apartamento que a falida lhe vendeu e entregou, inacabado, e cuja escritura de venda se comprometera a realizar até 31/5/95 - e um pedido "subsidiário, no caso de não vir a obter a execução específica do contrato-promessa", reclamação que, depois, confrontada com a venda da fracção pela Liquidatária Judicial, complementou com requerimento em que pediu: "seja considerado apenas o seu pedido subsidiário, uma vez que se tornou impossível a execução específica do contrato; seja considerado o direito de retenção da Requerente na graduação do seu crédito ( 32.120.519$00, equivalente ao dobro do sinal passado), ordenando-se o seu pagamento pelo produto da venda do bem sobre o qual incide a garantia".</font><br>
<font>No despacho saneador fez-se constar que a Sra. Liquidatária não impugnara, entre outros, o crédito 1.29 - " (...) da quantia de 32.120.519$00, equivalente ao dobro da quantia entregue a título de sinal. Alega direito de retenção sobre o prédio objecto do contrato-promessa" -, crédito que, atenta a inexistência de quaisquer outras impugnações, se julgou reconhecido "desde já".</font><br>
<font>Na sentença, o mesmo crédito, "invocando direito de retenção sobre o prédio" (agora sob o n.º 23), foi relacionado entre os já reconhecidos no " despacho saneador transitado em julgado" e graduado, em atenção ao direito de retenção, imediatamente antes do crédito da C, garantido por hipoteca.</font><br>
<br>
<font>Mediante recurso da credora C, o seu crédito veio a ser colocado à frente do da referida B.</font><br>
<br>
<font>Agora, é esta última a pedir revista, visando a reposição da graduação de créditos efectuada na 1ª Instância, ao abrigo das seguintes conclusões:</font><br>
<font>- O crédito da Recorrente não foi impugnado, nem mesmo pela C;</font><br>
<font>- Estão presentes - alegados e provados - nos autos todos os pressupostos do direito de retenção, previstos nos arts. 754º e 755º C. Civil;</font><br>
<font>- O direito de retenção não tem de ser invocado em acção autónoma, pois não há preceito a exigi-lo e o processo falimentar permite conhecer da questão com todas as garantias para os demais credores;</font><br>
<font>- A impugnação da sentença de graduação, pela C, dos factos qualificativos do crédito, quando não apresentou qualquer oposição ao tempo da sua reclamação e reconhecimento, constitui abuso de direito.</font><br>
<br>
<font>A recorrida respondeu em defesa do julgado.</font><br>
<br>
<font>2. - Os elementos de facto a considerar são os que já constam do relatório desta peça.</font><br>
<font>Consideram-se, aqui, reproduzidos.</font><br>
<br>
<font>3. - Questionando-se sobre se "a credora reclamante, B, apenas com base no contrato-promessa que fez com a falida, pode gozar, em termos de reclamação de créditos, do direito de retenção, nos termos em que o foi na sentença, sendo certo que tal direito não se mostra judicialmente declarado", decidiu a Relação que «não estando judicialmente reconhecido, por decisão transitada em julgado, o direito de retenção, não pode a reclamante beneficiar da preferência a que alude o n.º 2 do art. 759º do CC.», isto por que, «a reclamação de créditos, como é óbvio, não chega para se aferir do alegado direito de retenção, já que através dela não se pode demonstrar os respectivos pressupostos com vista ao seu reconhecimento».</font><br>
<br>
<font>A questão que se coloca consiste, pois, em saber se o direito de retenção invocado pelo promitente-comprador de prédio do falido necessita de ser reconhecido fora do apenso de reclamação de créditos, em acção especialmente intentada para o efeito, designadamente por não poderem naquele ser demonstrados os respectivos pressupostos.</font><br>
<br>
<font>4. 1. - Como resulta já dos termos em que foi enunciada a questão a decidir, não está em causa o critério de graduação entre os créditos da Recorrente e da Recorrida, nomeadamente no que respeita à preferência deste sobre aquele, como previsto no art. art. 759º-2, nem propriamente saber se o crédito invocado goza da garantia do direito de retenção, mas, precisando melhor, se o direito real de garantia pode ser reconhecido no processo de falência por via da reclamação do crédito e se, quando não impugnados, o crédito e a invocação do direito de retenção podem, sem mais, ser aí reconhecidos para efeitos de concurso e graduação. </font><br>
<br>
<font>4. 2. - O direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela - arts. 754º e 755º C. Civil.</font><br>
<font>Trata-se de um direito real de garantia - que não de gozo -, em virtude da qual o credor fica com um poder sobre a coisa de que tem a posse, o direito de a reter, direito que, por resultar apenas de uma certa conexão eleita pela lei, e não, por exemplo, da própria natureza da obrigação, representa uma garantia directa e especialmente concedida pela lei. </font><br>
<font>Assim, desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores. Com efeito, o retentor não pode opor-se à execução, singular ou universal, movida por outros credores, mas é-lhe assegurada a posição preferencial que legitima a recusa em abrir mão da coisa até ao pagamento do seu crédito, faculdade que não desaparece pela acidental circunstância de o devedor se tornar insolvente e/ou haver um processo de falência (cfr. CALVÃO DA SILVA, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 339 e ss.; VAZ SERRA, "Direito de Retenção", in BMJ 65º- 103 e ss.).</font><br>
<br>
<font>4. 3. - No caso do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, a lei (art. 755 1.f) C. Civil) concede o direito real de garantia ao beneficiário da promessa de transmissão (promitente-comprador) que obteve a transmissão da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442.</font><br>
<font>Assim, o promitente-comprador credor de indemnização pelo incumprimento do contrato, nos termos previstos no art. 442, desde que tenha obtido tradição da coisa, goza, contra quem quer que seja, da faculdade de não largar mão do imóvel enquanto se não extinguir o seu crédito (A. VARELA, RLJ 124-351).</font><br>
<br>
<font>Destinado, embora, a garantir o promitente-comprador contra o incumprimento da outra parte, entende-se que o direito real de garantia se constitui e está latente a partir do momento em que tem lugar a tradição que é seu pressuposto, "manifestando a sua plena utilidade e força" quando o beneficiário dispõe do crédito por incumprimento da outra parte «sem necessidade de declaração prévia do tribunal» (ac. STJ de 24/4/02, in ITIJ, proc. n.º 02B1136). Estar-se-á, qualificando, perante uma constituição de garantia de obrigação futura determinável (Cons. SOUSA INÊS, ac. de 10/02/00, CJ/STJ VIII-I-82).</font><br>
<font>Também no acórdão deste Supremo de 25/3/99 (BMJ 485-402) se considerou que o direito nasce quando o promitente-comprador entra na posse da coisa prometida vender, no âmbito do contrato-promessa celebrado, gozando, a partir daí, da protecção jurídica relativamente aos direitos emergentes do contrato, com uma posse legítima sobre a coisa, enquanto não for pago o crédito.</font><br>
<br>
<font>4. 4. - Servem as considerações expendidas para se concluir, como no já referido acórdão de Abril de 2002, que o direito de retenção decorre directamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido (no mesmo sentido já decidira o ac. RL de 22/3/90 - CJ XV- -II-140).</font><br>
<font>Reconhecido o crédito pelo incumprimento do contrato-promessa, o direito de garantia que existia "em potência a partir da tradição da coisa", passa a existir "em acto", ope legis, ou seja, independentemente de reconhecimento em sentença proferida em acção contra o promitente vendedor.</font><br>
<font>Em caso de falência do promitente-vendedor, apreensão dos bens prometidos vender e sua subsequente venda no processo de falência - que o credor não pode impedir - a natureza e efeitos do direito de retenção mantêm-se, embora com a sua função de garantia, que é o que aqui importa considerar, restrita à preferência concedida sobre outros credores. </font><br>
<br>
<font>5. - A declaração de falência priva imediatamente o falido da administração e do poder de disposição dos seus bens, que passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial, que assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência, torna imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido, sendo que ao processo de falência devem ser apensas, a requerimento do liquidatário, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa falida, intentadas contra o falido e cujo resultado possa influenciar o valor da massa (arts. 147º, 151º e 154º do CPEREF).</font><br>
<font>Declarada a falência, procede-se à apreensão de todos os bens susceptíveis de penhora e os credores do falido devem reclamar a verificação dos seus créditos, quer comuns, quer preferenciais, por meio de requerimento no qual indiquem a sua proveniência, natureza e montante, mesmo no caso de terem já o seu crédito reconhecido por decisão definitiva noutro processo (arts. 175º e 188º-1 e 3 do mesmo diploma).</font><br>
<font> </font><br>
<font>A sentença falimentar constitui, assim, um título executivo especial no tocante à massa dos créditos, concedendo-lhes força executiva independentemente da sua origem e natureza. </font><br>
<font>Por ser "omnicompreensiva", a sentença declarativa de falência acarreta a apreensão de todo o património do devedor, em relação ao activo, e a avocação e conhecimento de todas as questões de natureza patrimonial, quanto ao passivo (princípio da plenitude da instância falimentar, consubstanciado nos citados preceitos). Aberta a execução universal contra o falido, concentram-se no respectivo processo todas as pretensões patrimoniais sobre este, iniciando-se um concurso que não se limita ao créditos comuns, mas se estende aos créditos preferenciais e ao direito de separação de bens (cfr. P. SOUSA MACEDO, "Manual do Direito de Falências", II, 28 e 291 e ss.).</font><br>
<br>
<font>Deste regime decorre, ao menos a nosso ver, que, o apenso de reclamação de créditos do processo de falência é não só lugar próprio para o titular de crédito proveniente de incumprimento de contrato-promessa celebrado com o falido reclamar esse crédito e invocar, se for caso disso, o direito de retenção que a lei lhe reconheça, como será mesmo o único lugar próprio para o fazer e discutir perante a massa falida e seus credores (cfr., pressupondo o afirmado, os acs. deste STJ de 1/2/95 e 9/11/00, CJ III-I-55 e VIII-III-114, respectivamente).</font><br>
<br>
<font>6. - Resta acrescentar que nem a Recorrente nem a Liquidatária Judicial impugnaram o crédito reclamado pela Recorrente, nem os pressupostos por esta alegados para o reconhecimento do direito de retenção que alegou: - a celebração do contrato-promessa, o sinal e seu montante, a entrega do apartamento e a data em que ocorreu, o prazo e cominações relativos à outorga da escritura, tudo, de resto, suportado por escritos, de autoria atribuída à falida, também não impugnados, como lhes era facultado pelo art. 192º CPEREF.</font><br>
<font>Por isso, e bem, o crédito preferencial da Recorrente, com a garantia invocada, foi logo reconhecido no despacho saneador, que ficou a valer como sentença, para ser, com os demais, graduado a final - art. 196º-4 e 6.</font><br>
<font>A Recorrida também não reagiu, de forma alguma, contra o despacho saneador que julgou verificado o crédito, a coberto da constatada falta da respectiva impugnação e respectiva cominação legal. </font><br>
<font>O decidido transitou oportunamente em julgado e a possibilidade de suscitar a questão, em recurso da decisão final, ficou também precludida.</font><br>
<br>
<font>Nesta conformidade, o acórdão recorrido e o nele decidido não podem subsistir.</font><br>
<br>
<font>7. - Termos em que, de harmonia com o que ficou exposto, se decide:</font><br>
<br>
<font>- </font><b><font>Conceder a revista</font></b><font>;</font><br>
<font>- Revogar o acórdão recorrido;</font><br>
<font>- Repor, quanto à graduação dos créditos a pagar pelo produto da venda da fracção autónoma prometida vender à Recorrente, o decidido na 1ª Instância, sob o ponto 6º da sentença;</font><br>
<font>- Condenar a Recorrente nas custas dos recursos (apelação e revista).</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 4 de Outubro de 2005</font><br>
<font>Alves Velho,</font><br>
<font>Moreira Camilo,</font><br>
<font>Lopes Pinto.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
VzIBvIYBgYBz1XKvf3TY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível<br>
<br>
A, e B e mulher C vieram na execução movida por D, deduzir embargos de executado, que foram contestados por esta, tendo aqueles respondido.<br>
Findos os articulados referidos foi proferido despacho saneador-sentença a julgar os ditos embargos parcialmente procedentes só na parte em que eram pedidos juros moratórios, ficou, assim, a execução reduzida de modo a não abranger os juros relativamente aos embargantes.<br>
Inconformados com tal decisão dela apelaram sem êxito os embargantes, pelo que recorrem agora de revista.<br>
Formulam eles nas suas alegações as seguintes conclusões:<br>
1- As causas de extinção da hipoteca que constam do artigo 730 do Código Civil são meramente exemplificativas, existindo outras causas de extinção que resultam dos princípios gerais entre os quais se conta o decurso do prazo para a hipoteca.<br>
2- As menções obrigatórias que devem constar da inscrição registral da hipoteca são as que vêm, de modo taxativo enumeradas no artigo 93 do Código de Registo Predial, delas não fazendo parte a fixação do prazo da hipoteca, menção esta que não pode ser levada ao registo.<br>
3- A não obrigatoriedade de tal menção bem se compreende atenta a finalidade publicitária do registo, que não é alterada no caso especifico da hipoteca e, no que a ela reporta, da natureza constitutiva do registo.<br>
4- A hipoteca no caso dos autos extinguiu-se por efeito do decurso do prazo estabelecido no contrato para a sua vigência.<br>
5- Essa causa de extinção é admitida por lei, resulta das regras gerais, e é oponível ao credor - no caso a recorrida - pelo que é inexigível a obrigação resultante da hipoteca.<br>
6- De qualquer forma, e a não admitir-se tal forma de extinção, sempre teria de concluir-se que a declaração quanto à fixação do prazo vertida à escritura de hipoteca tem o valor de renúncia à hipoteca, eficaz para o termo daquele prazo, renúncia que foi feita de forma expressa e em documento de valor formal válido e exigível para a constituição da hipoteca.<br>
7- A declaração expressa não supõe que os meios directos de manifestação de vontade tenham de ser tão inequívocos que não haja necessidade de recorrer à interpretação da conduta das partes; o que importa é que se trate de meios destinados, só ou principalmente, a manifestar uma determinada vontade negocial.<br>
8- O abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade ou à sua execução de modo a poder comprometer o gozo de direitos e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, o que não acontece no caso "sub judice".<br>
9- A decisão recorrida violou os artigos 217, 334, 687, 730 e 731 do Código Civil e 93 do Código de Registo Predial, pelo que deve ser revogado o dito acórdão e serem julgados procedentes os embargos.<br>
Corridos os vistos cumpre decidir.<br>
Vejamos antes do mais a matéria de facto provada:<br>
1- Por escritura de 3 de Novembro de 1993 os embargantes B e mulher C, como únicos e actuais sócios gerentes e em representação de A, confessam devedora a sua representada à embargada "D," de 20528682 escudos, a ser paga por aquela em 30 prestações quinzenais e seguidas, sendo a primeira em 15 de Dezembro de 1993 e a última no final de Fevereiro de 1995, sendo que a falta de pagamento de duas das prestações fixadas, implica o vencimento das restantes.<br>
2- Na mesma escritura os embargados B e mulher "agora por si", para pagamento garantiram, constituem a favor da representada do segundo outorgante hipoteca voluntária sobre aquele seu prédio (uma fracção autónoma designada pela letra "D", do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., Foz do Douro, Porto, inscrita na matriz sob o artigo 2773-D, e descrito no registo predial sob o n. 0233-D) pelo prazo de 14 meses.<br>
E ali consta ainda, em seguida: "disse o segundo outorgante (representante da D) que aceita para a sua representada a confissão de dívida e constituição da hipoteca nos termos exarados". - (V. certidão a folhas 49 a 51, que se dá por reproduzida).<br>
3- Tal hipoteca foi levada ao registo, não constando dele qualquer referência a prazo de vigência.<br>
4- A acção executiva entrou no tribunal em 3 de Maio de 1995 certidão de folhas 49 e seguintes?).<br>
5- A 1. embargante (sociedade) só pagou à embargada as 3 primeiras prestações a que se obrigara (15 e 31 de Dezembro de 1993 e 15 de Janeiro de 1994, no total de 2100000 escudos, estando em dívida o restante - 18428682 escudos.<br>
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações dos recorrentes começaremos por dizer, que se estabelece no artigo 686 do Código Civil que: <br>
1- A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis; ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio ou de prioridade de registo.<br>
Por sua vez estatui o artigo 687 do mesmo Código que:<br>
A hipoteca deve ser registada sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.<br>
É assim a natureza do seu objecto que caracteriza a hipoteca em face de outras garantias reais (como por exemplo o penhor e a consignação de rendimentos) e que explica a importância prática extraordinária que ela reveste em todas as operações de crédito, e justifica a solução excepcional de a eficácia da mesma depender do seu registo mesmo em relação às partes, consagrada no artigo 687 referido (ficando assim o registo a ter uma verdadeira eficácia constitutiva - v. também o n. 2 do artigo 4 da Constituição da República Portuguesa).<br>
De salientar de igual modo que se preceitua no artigo 96 do Código de Registo Predial que:<br>
1- O extracto da inscrição da hipoteca deve conter as seguintes menções especiais:<br>
a) O fundamento da hipoteca, o crédito e os seus acessórios e o montante máximo assegurado.<br>
E que o artigo 730 do Código Civil refere sob a epígrafe "causas de extinção da hipoteca":<br>
A hipoteca extingue-se:<br>
a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia:<br>
b) Por prescrição a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos 20 anos sobre o registo da aquisição e 5 sobre o vencimento da obrigação;<br>
c) Pelo perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692 e 701.<br>
d) Pela renúncia de credor.<br>
De destacar aqui e agora que, (como se diz no acórdão recorrido), tais causas de extinção da hipoteca são meramente exemplificativas, existindo outras para além delas, resultantes dos princípios gerais que não há razão para excluir do domínio deste instituto, como seja o decurso do prazo fixado para a sua duração (v. Professor Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 752), e que não faz parte da menção obrigatória do seu registo a indicação do seu prazo de duração.<br>
Por último há que ter em conta que nos diz o artigo 731 do Código Civil que:<br>
A renúncia à hipoteca deve ser expressa e está sujeita à forma exigida para a sua constituição; mas não carece, para produzir efeitos de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca.<br>
Isto na redacção anterior à que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei 16395 de 13 de Julho, então em vigor.<br>
E esta referência tem interesse já que os recorrentes alegam, em suma e, além do mais, que a hipoteca no caso dos autos se extinguiu por efeito do decurso do prazo estabelecido no contrato para a sua vigência, e que, de qualquer modo, a não se admitir tal forma de extinção, sempre se teria de concluir que a declaração quanto à fixação do prazo vertida à escritura de hipoteca tem o valor de renúncia a esta, eficaz para o termo daquele prazo, renúncia assim feita de forma expressa e em documento de valor formal válido e então exigível para a constituição da dita hipoteca.<br>
De chamar à atenção também, face ao decidido no acórdão recorrido, que no artigo 334 do Código Civil se refere que:<br>
"É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".<br>
Adopta-se aqui uma concepção objectiva do abuso de direito, o qual, como é jurisprudência unânime, é de conhecimento oficioso (cfr. entre outros o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1992, B.M.J. 421 página 287), sendo nessa base que se moveu o acórdão recorrido para concluir pela sua existência e pela improcedência dos embargos de executado deduzidos pelos ora recorrentes.<br>
Com tal solução não concordam estes, já que alegam que aquele abrange o exercício de qualquer direito por forma anormal, quanto à sua intensidade, ou à sua execução de modo a poder comprometer o gozo de direitos e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, o que não acontece no caso "sub judice", tendo por isso o acórdão recorrido violado o citado artigo 334 do Código Civil.<br>
Ora sabe-se, que o abuso de direito é um limite normativo imanente ou interno dos direitos subjectivos - pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo-jurídicos do direito particular invocado, que são ultrapassados - (Professor Baptista Machado, C.J. 1984, 2, 17, citando Professor Castanheira Neves, Questão de facto e Questão de Direito).<br>
Feitas todas estas considerações, por uma razão puramente metodológica, acrescentar-se-á que se preceitua no artigo 236 n. 1 do Código Civil que:<br>
"A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele".<br>
E isto porque também se coloca aqui, para solução do objecto do presente recurso, um problema de interpretação de um negócio jurídico.<br>
Como se sabe a interpretação do negócio jurídico (ou da declaração negocial) tem por objectivo fixar o seu sentido e alcance juridicamente decisivos.<br>
Como também diz, Paulo Mota Pinto, Declaração Tácita e Comportamento Conclundente no Negócio Jurídico, página? 199, a interpretação jurídica em geral, incluindo a dos negócios jurídicos, visa a apreensão de um sentido pelo qual se vai pautar a conduta de certas pessoas, aspecto que a distingue de outras formas de interpretação. Aliás, sabe-se que toda a interpretação jurídica tem uma função constitutiva de jurisdicidade e uma índole normativa incompatíveis com a sua caracterização como uma pura hermenêutica...<br>
E nesta sede de interpretação se consagra no aludido artigo 236 do Código Civil a doutrina da impressão do destinatário, concedendo-se, pelo menos em tese geral primazia ao ponto de vista do destinatário, a partir do qual a declaração deve ser focada.<br>
A lei não se basta, contudo, com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste), concedendo primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objectivo para o declaratário).<br>
E não olvidamos aqui que no respeitante à linguagem que se emprega a sua "clareza" já tem de ser o resultado da interpretação por mais fácil que esta seja, e que só depois de determinado o significado da declaração negocial se pode saber se este diverge do significado que o declarante lhe atribui, e, portanto, da sua vontade.<br>
Como se não esquece, que haverá sempre controvérsia sobre a declaração tácita sempre que o ponto de partida mesmo da declaração de vontade não for fixado com segurança.<br>
E agora é tempo de se referir o princípio da autonomia privada, entendendo-se por esta última a possibilidade de os sujeitos jurídico-privados livremente governarem a sua esfera jurídica, conformando as suas relações jurídicas e exercendo as suas posições activas reconhecidas pela ordem jurídica.<br>
A autonomia privada liga-se ao valor da auto-determinação da pessoa, e, mais em geral, à sua liberdade positiva, entendida, na feliz expressão de Orlando de Carvalho, como o "direito de conformar o mundo e conformar-se a si próprio".<br>
Outros princípios estão aqui em causa para se dar uma solução correcta e justa ao caso "sub judice", como seja o da protecção das expectativas, da confiança do declaratário (sabe-se que uma das missões do direito consiste em assegurar e estabilizar expectativas (cfr. J. Baptista Machado, Tutela da Confiança e "venire contra factum proprium") e o da protecção da segurança do tráfico jurídico, ou seja, do interesse geral na certeza das transacções, de suma importância para a realidade económica.<br>
Ora norteando-nos por tudo aquilo que deixamos traçado é momento de dizer que a declaração feita pelos executados B e mulher C, na confissão de dívida com hipoteca (escritura pública de folhas 6 e seguintes?) de que para garantia do pagamento da dívida de "A" constituem a favor da "D" hipoteca sobre o seu descrito prédio imóvel pelo prazo de catorze meses só pode ser entendida no sentido de que este prazo começa a correr termo a partir da data da última prestação, isto é, do último dia do mês de Fevereiro de 1995.<br>
O que desde logo significa que quando a presente acção executiva foi intentada (Maio/1995) a hipoteca constituída (na dita escritura pública de 30 de Novembro de 1993) se mantinha válida, e não extinta como pretendem os recorrentes.<br>
Não pode, na verdade, ser aceite o entendimento defendido por estes de que o prazo da hipoteca teve o seu termo em 31 de Janeiro de 1995, isto é, numa data anterior à do vencimento da última prestação.<br>
Seria ele assim um tão apertado prazo que nem cobriria todo o tempo do fraccionado pagamento da dívida que quis garantir pela hipoteca do prédio imóvel dos executados, e que seria o revelar de uma declaração negocial quase platónica...<br>
Haveria um manifesto frustar de expectativas por parte de quem aceitou emprestar uma avultada quantia em dinheiro a outrem, que uma correcta interpretação de modo algum permite.<br>
Têm aqui, pois, que funcionar os falados princípios legais e as pertinentes normas jurídicas a que se fez alusão, para nos levarem a uma solução justa do caso "sub judice", concluindo-se, em suma, pela não extinção da hipoteca ao tempo da propositura da acção executiva.<br>
Como nota final a este propósito o dizer-se que um dos princípios que perpassa o direito civil é o da boa fé, que, objectivamente, ou como regra de conduta, consiste num procedimento correcto e leal com a outra parte, designadamente, no cumprimento de obrigações, como se expressa no n. 2 do artigo 762 do Código Civil.<br>
Trata-se (como também se diz no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1994, C.J., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, Tomo III, página 154) de um princípio normativo em cuja aplicação devem ponderar-se os valores fundamentais do direito em face da situação concreta e em que, como directrizes, se deverá atender em especial, não só à confiança das partes no sentido global das cláusulas, processo de formação do contrato, seu teor e outros elementos atendíveis, como também ao objectivo que as partes visam atingir negocialmente à luz do tipo de contrato utilizado, o que tudo se traduz pela tutela da confiança e pela primazia da materialidade, subjacente à questão, em luta contra um estrito formalismo (Professor Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 2. volume, páginas 1234 e 1252).<br>
E a defesa da boa fé aponta, sem dúvida, para a solução que apontamos para decisão do caso "sub judice".<br>
Por tudo o exposto, e sem necessidade de outras considerações, "maxime" relativas à renúncia à hipoteca, referida pelos recorrentes, e ao abuso de direito em que se alicerçou a decisão proferida no acórdão recorrido, se consideram improcedentes as conclusões das alegações dos recorrentes.<br>
Decisão<br>
1- Nega-se a revista.<br>
2- Condenam-se os recorrentes nas custas.<br>
Lisboa, 28 de Outubro de 1997<br>
Fernandes Magalhães,<br>
Tomé de Carvalho,<br>
Silva Paixão.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
7TLru4YBgYBz1XKv81ib | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
O "A", instaurou, em Junho de 1993, contra <br>
1 - B,<br>
2 - C,<br>
3 - D,<br>
4 - E e <br>
5 - F, todos devidamente identificados,<br>
acção ordinária pedindo a condenação solidária dos RR a pagar-lhe a quantia de 7.205.323$00, sendo 5.000.000$00 o valor da livrança subscrita pela Ré Sociedade objecto de contrato de desconto e o mais de juros à taxa acordada para o desconto daquele título. <br>
Conforme alegado, a Ré sociedade estava obrigada ao pagamento por via daquele contrato de desconto e os demais RR tinham-se obrigado como principais pagadores relativamente a todas as responsabilidades da ré para com o Banco, conforme termo de fiança junto.<br>
No prosseguimento normal dos autos foi, em 19 de Abril de 1999, proferida sentença que<br>
- decretou a procedência da acção quanto à sociedade descontária;<br>
- condenou os 2º e 3º RR, não como fiadores, mas enquanto avalistas da subscritora, a pagar ao Banco a quantia de cinco milhões de escudos, com juros à taxa legal, absolvendo-os do mais pedido;<br>
- absolveu os dois outros RR - os 4º e 5º - por ter julgado nula a fiança, nos termos dos art. 280º e 286º do CC, por indeterminabilidade do conteúdo negocial.<br>
<br>
O Réu D não se conformou com a condenação e apelou para a Relação de Lisboa, alegando ter sido condenado em objecto diverso do pedido e por facto não alegado, ou seja, como avalista, ao passo que o Banco fundara o pedido na fiança documentada no termo junto.<br>
E em boa hora o fez, que a Relação anulou a sentença impugnada, manteve a condenação da sociedade descontária e absolveu os mais RR do pedido.<br>
<br>
Notificado o Acórdão por carta de 23.5.2000, nomeadamente ao Banco recorrido, certificou-se o seu trânsito em 6.6.2000 e em 20 de Junho do mesmo ano foi o processo remetido à 1ª instância (fs. 136) e aí efectuada e notificada a conta em 12 de Julho de 2000.<br>
No dia imediato o Banco apresentou na 1ª Instância o requerimento de fs. 139/140, dando conta do extravio, pelo Tribunal, do seu requerimento de interposição de recurso per saltum (depois junto, por cópia, de fs. 146 a 148), concluindo assim aquele requerimento:<br>
<br>
Tendo-se verificado o extravio das alegações de recurso apresentadas pela Apelada e devendo-se o mesmo aos serviços do Tribunal, deveria o erro ter sido reparado oficiosamente pelo mesmo tribunal, sem necessidade de qualquer acto prévio pelo Autor/Requerente.<br>
No entanto, e a fim de possibilitar a reforma do processo na parte do documento extraviado, vem requerer a junção aos autos da cópia do requerimento de interposição de recurso/alegações, apresentado em 8 de Outubro de 1999.<br>
Mais se requer que junto aquele documento aos autos, se digne ordenar a remessa do processo ao tribunal competente, a fim de se pronunciar sobre o recurso interposto pelo Autor/Requerente.<br>
<br>
Efectivamente e conforme relação dos papéis entrados na 8ª Vara Cível em 8.10.99 (fs. 142), dera entrada um"requerimento" apresentado pelo Banco com destino ao processo 1613, o aqui em causa.<br>
<br>
Em 10 de Outubro de 2000 o Banco juntou cópia das alegações entregues em 8 de Outubro de 1999 e extraviadas, mais requerendo que o recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de naquela Superior Instância ser apreciada a decisão de mérito da 1ª instância e que é objecto do mesmo recurso, uma vez que se suscitam apenas questões de direito, ao abrigo do art. 725º do CPC.<br>
O Ex.mo Juiz indeferiu o requerido depois de entender que «ao omitir qualquer atitude, em dez dias (a contar da notificação do Acórdão), o Banco autor fez consolidar o estado da instância»....<br>
<br>
Do assim decidido agravou o Banco, mas a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso por considerar que a nulidade ficou sanada com o trânsito em julgado do Acórdão, pois, notificado o Agravante do Acórdão da Relação de Lisboa que julgou de mérito o recurso interposto pelo réu D, ele (Agravante) deveria imediatamente se ter apercebido que algo se estava a passar nos autos em"desacordo" com o pedido que havia formulado nas conclusões.<br>
E conclui a Relação: Não tendo assim procedido no lapso de tempo que decorre entre a notificação do Acórdão e o trânsito deixou o Agravante precludir o exercício do seu direito por força da sanação da nulidade agora arguida.<br>
<br>
Ainda irresignado agrava o Banco para este Supremo Tribunal, insistindo em quanto alegara para a Relação, como se vê da alegação que coroou com as seguintes<br>
<b>Conclusões</b><br>
a) - O Tribunal da 1ª Instância extraviou uma peça fundamental de interposição de recurso/alegações.<br>
b) - Diz o dispositivo do nº 6 do art. 161º do C.P. Civil que - Os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso prejudicar as partes"<br>
c) - No entanto, quer a secretaria do tribunal da 1ª Instância quer o Ex.mo Magistrado não quiseram assumir a responsabilidade pelo erro ou omissão a que deram causa com o extravio da peça em questão.<br>
d) - Aquele Tribunal tinha obrigação de, logo que se verificou o extravio, ter reparado o erro por via oficiosa, sem que a parte prejudicada tivesse necessidade de ser ela a desenvolver diligências, interpor requerimentos e recursos, com vista à sanação do erro ou omissão cometidos;<br>
e) - Como impõe o dever de administração de justiça decretado, designadamente, pelo dispositivo do art. 156º, nº 1 do C.P. Civil.<br>
f) - Mas não o fez, buscando argumentos por que pudesse imputar à parte prejudicada com o erro do Tribunal as consequências negativas do acto praticado.<br>
g) - sonegando-lhe a justiça devida e legítima, de reconhecimento de um direito oportunamente requerido, objecto do recurso"per saltum".<br>
h) - A nulidade constante no extravio, porque este configura erro ou omissão da secretaria, tem de considerar-se um caso especial previsto no art. 161, n. 6 do C.P. Civil.<br>
i) - Pelo que, pode o seu conhecimento ser feito oficiosamente pelo Tribunal, de acordo com o disposto na última parte do art. 202º daquele Código.<br>
j) - Não carecendo o seu conhecimento pelo Tribunal de reclamação feita por qualquer interessado.<br>
k) - Assim o impõe o dispositivo do citado art. 161º, nº 6 do mesmo diploma legal.<br>
l) - De qualquer forma, mesmo que se entendesse que o conhecimento pelo Tribunal carecia de reclamação do banco interessado, ainda assim, tal reclamação ou arguição da nulidade perpetrada pelo Tribunal só poderia ser apresentada no prazo de 10 dias após a notificação do Acórdão da Relação de 16/05/2000....,<br>
m) - se se devesse presumir que, com aquela notificação, o Banco Recorrente tivesse tomado conhecimento da nulidade de extravio verificada ou quando dela devesse conhecer, agindo com a devida diligência.<br>
n) - Ora, no presente processo, tal não aconteceu, pois, da menção à falta de contra - alegações constante do acórdão notificado, não podia o Recorrente inferir que se estava a referir às suas alegações do recurso de revista interposto"per saltum" para o S.T.J.<br>
o) - Pois, era sua convicção que não tinha produzido contra-alegacões ao recurso interposto pelo Réu D mas, tão só, alegações de recurso de revista, como ficou exposto.<br>
p) - O qual recurso nunca poderia ficar prejudicado com a falta de pronúncia do Tribunal da Relação, pois, sendo, recurso de revista a subir per saltum ao S.T.J., não teria a matéria do seu objecto de ser necessariamente apreciada pelo Tribunal da Relação que apreciou a matéria do recurso interposto pelo Réu D.<br>
q) - Pelo que, a sua subida tanto poderia ser ordenada a partir da Relação como da 1ª Instância.<br>
r) - Não sendo, pois, exigível ao Recorrente que agisse com mais diligência do que aquela com que agiu, porquanto nada lhe fez suspeitar que o facto de, nem o Tribunal da Relação nem a 1ª Instância lhe terem notificado a subida, decorresse de qualquer anormalidade processual e muito menos de extravio de peças.<br>
s) - Pelo que, deixou passar mais algum tempo - dentro da normal morosidade processual que ao tempo já afectava os nossos Tribunais e que na actualidade se tornou, na maioria dos casos, crónica - até indagar da situação do processo, com vista ao recurso per saltum por si interposto.<br>
t) - Contrariamente ao expresso no douto Acórdão recorrido, entende o Recorrente, com o devido respeito, que a nulidade processual, de falta de junção por extravio das alegações de recurso, por omissão do tribunal da 1ª Instância, poderia e deveria ter sido sanada e oficiosamente reparada por aquele Tribunal, que foi o único causador do extravio e consequente omissão.<br>
u) - Na verdade, a mesma nulidade não deveria considerar-se sanada pela alegada falta de intervenção do Recorrente, na sequência da notificação que lhe foi feita do Acórdão da Relação que declarou não terem sido apresentadas contra-alegações de recurso.<br>
v) - Pois, o aqui Recorrente não apresentou contra-alegações ao recurso interposto pelo Réu D, tendo intervindo no recurso como Recorrente " per saltum" em recurso de revista e tendo, nesta qualidade, apresentado alegações de revista, com pedido de subida directa ao Supremo Tribunal de Justiça.<br>
x) - Não poderia, pois, ser exigida ao Recorrente mais diligência do que a que desenvolveu quando tomou conhecimento, na sequência da notificação da conta do processo, de que as suas alegações de recurso se tinham extraviado no Tribunal de 1ª Instância e não tinham sido juntas ao recurso, pois foi somente após a consulta que fez aos autos, na sequência daquela notificação, que tomou conhecimento efectivo do extravio então comunicado pelo Tribunal.<br>
z) - Nem seria exigível ao Recorrente que acompanhasse continuamente os outros eventuais actos a praticar pelo Tribunal, pois, não sabendo quais os actos que iriam ser praticados, entendeu que o pedido de recurso per saltum teria sido atendido.<br>
a.1) - Foi exactamente isso que supôs quando lhe foi notificado o Acórdão do Tribunal da Relação que, dando provimento ao recurso do Réu D, declarou que não tinha havido contra-alegações.<br>
b.1) - Pois, somente no caso de admissão do recurso per saltum pelo Relator é que tal decisão teria de ser notificada às partes - como dispõe o nº 5 do art. 725º do C.P.Civil - para que fosse permitido à parte recorrida reclamar para a conferência.<br>
c.1) - Neste pressuposto, foi, somente depois do acto da notificação da conta, que o Recorrente se apercebeu de que algo de anómalo se teria passado nos autos, tendo indagado em consequência, como já referido.<br>
d.1) - Entende o Recorrente, na sua modesta opinião, e salvo o respeito devido a melhor, que o douto Acórdão da Relação de Lisboa, ora sob recurso, ao manter o despacho recorrido proferido em 1ª Instância violou, como este já tinha violado, as seguintes disposições do Código de Processo Civil: art. 156º, nº 1, art. 161º, nº 6, art. 202º, "in fine", art. 205º, nº 1 "in fine" e nº2, art.206º, nº 3, e art. 725º n.os 1 a 6<br>
<br>
Não houve resposta.<br>
Colhidos os vistos de lei e nada obstando, cumpre decidir as questões submetidas à nossa apreciação e que são as de saber se <br>
- a nulidade constante do extravio da peça processual do Banco ora Recorrente pela Secretaria devia ter sido oficiosamente conhecida e reparada pelo Tribunal onde tal se verificou - conclusões a) a k) e t); e se, assim se não entendendo, <br>
- o Banco arguiu aquela nulidade em tempo e diligentemente - conclusões l) a final.<br>
<br>
Para tal decidir temos os factos atrás relatados e que, em resumo, são estes:<br>
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1 - Notificado da sentença que, em acção instaurada pelo Banco contra si e outros, condenara a sociedade descontária com base no contrato de desconto, julgara nula a fiança que vinculava os restantes quatro RR pessoas singulares mas o condenara a si e a outro como avalistas, apesar de tal não ter pedido, o R. D apelou para a Relação de Lisboa.,<br>
2 - apresentando as competentes alegações em 13 de Julho de 1999, notificadas ao Banco em 20.9.99 (fs. 117) que pagou taxa de justiça inicial em 13.10.99.<br>
3- Notificado das alegações do D, o Banco apresentou no Tribunal recorrido o escrito copiado de fs. 146 a 148, dirigido à Relação de Lisboa, com a epígrafe Em alegações de apelação diz o recorrido, A.<br>
4 - Na primeira parte deste documento trata o Banco da AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO, nos termos do art. 684ºA do CPC, ao conhecimento do fundamento da obrigação da fiança, a fim de o instrumento de fiança poder ser apreciado no presente recurso;<br>
5 - De seguida e na segunda parte o Banco alega em defesa da DETERMINABILIDADE DA OBRIGAÇÃO QUE A FIANÇA GARANTE; por fim<br>
6 - Formula CONCLUSÕES no sentido da validade da fiança e requer que, nos termos do art. 725º do CPC, o recurso suba directamente ao Supremo Tribunal.<br>
7 - Apesar de entradas na Secretaria, estas alegações não foram juntas aos autos que subiram à Relação de Lisboa para apreciação do único recurso interposto, o do D.<br>
8 - Por acórdão em que se não faz qualquer alusão ao alegado ou requerido pelo Banco e notificado a este em 23 de Maio de 2000, a Relação de Lisboa anula a sentença, mantém a condenação da Sociedade e absolve os quatro restantes RR com os fundamentos da sentença para que remete, salvo na parte que se reporta ao aval (fs. 126 a 130).<br>
9 - Este Acórdão transitou em julgado em 6.6.2000 e regressou à Iª Instância onde foi elaborada a conta,<br>
10 - notificada ao Banco em 12 de Julho de 2000.<br>
11 - No dia imediato a esta notificação da conta o Banco suscitou a questão em causa (fs. 139).<br>
Sendo estes os factos e aplicando-lhes o Direito<br>
Diremos que ambas as questões atrás elencadas foram apreciadas pelas Instâncias por forma que não nos suscita qualquer reparo, pelo que, em bom rigor, nos limitaríamos a, por permissão das disposições conjugadas dos art. 762º, nº 1, 749º e 713º, nº 5, do CPC, negar provimento ao agravo, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida. <br>
Sempre diremos, porém, que o comando expresso do nº 6 do art. 161º do CPC - os erros e omissões praticados pela Secretaria não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes - não afasta o regime legal das nulidades nem transforma qualquer erro ou omissão em nulidade de conhecimento oficioso, à revelia daquele regime geral.<br>
Não há dúvida que o extravio e consequente omissão de junção das alegações aos autos de recurso constitui omissão de acto que a lei prescreve e pode ter influído no exame e na decisão da causa no considerado aspecto da nulidade da fiança por indeterminabilidade do objecto, não obstante o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2001, no DR, IS-A, de 8.3.2001, ter fixado jurisprudência no sentido da decisão impugnada.<br>
Mas a nulidade assim configurada é uma nulidade secundária, porque nulidades principais são apenas as quatro referidas no art. 202º do CPC, sendo todas as outras nulidades secundárias e abrangidas pelo citado artigo 201º - Ac, do STJ, de 28.11.95, no BMJ 451-366.<br>
Ora, nos termos claros do art. 202º, 2ª parte, do CPC, são de conhecimento oficioso e, mesmo assim, quando não devam considerar-se sanadas, só as nulidades principais mencionadas nos art. 193º, 194º, 2ª parte do nº 2 do art. 198, 199º e 200º.<br>
As restantes nulidades carecem de ser invocadas pelo interessado para tanto legitimado (art. 203º, nº 2) e no prazo de dez dias a contar da data em que da nulidade ele tomou conhecimento ou podia ter conhecido se agisse com a devida diligência - art. 205º, nº 1, CPC.<br>
Portanto, a nulidade em causa não era de conhecimento oficioso e ficou sanada pelo trânsito em julgado a que, como bem diz a Relação, só escapam as nulidades previstas nas al. e) e f) do art. 771º do CPC e, mesmo estas, só cognoscíveis em recurso de revisão ou oposição a execução por embargos, nos termos do art. 813º, al. d) do mesmo diploma.<br>
Termos em que se desatende o concluído de a) a k) e t).<br>
Certo é, ainda, que o Agravante, se tivesse agido com a diligência devida e normal em casos que tais, teria tomado conhecimento da questionada nulidade logo que lhe foi notificado o Acórdão da Relação.<br>
Com efeito, o Banco alegou na apelação interposta pelo R. D, como se vê a fs. 146: Em alegações de apelação diz o recorrido, Banco ..., requereu, subsidiariamente, a ampliação do recurso à questão da validade ou nulidade da fiança, questão que a Relação decidiu por remissão para a sentença e terminou pedindo à Relação ou a este Supremo que, julgada válida a fiança, condenasse os fiadores no pedido.<br>
Como se viu, o Acórdão da Relação decidiu a questão da nulidade da fiança ao apreciar o recurso de apelação para si interposto pelo D e em que o Banco contra-alegara.<br>
E o Banco, apesar de ter contra-alegado [(ao contrário do que na conclusão v) agora diz)] e requerido ampliação do recurso per saltum, nada fez ou disse quando leu o Acórdão da Relação que afirmava não ter havido contra-alegações, que decidiu na apelação a questão da nulidade da fiança (questão que, como requerido, seria julgada pelo Supremo) e era totalmente omisso quanto à interposição e processamento de tal recurso, minuciosamente regulado e com necessária notificação ao requerente, nos termos do art. 725º do CPC.<br>
Como concluiu a Relação, não tendo assim procedido no lapso de tempo que decorre entre a notificação do Acórdão e o (seu) trânsito, deixou o Agravante precludir o exercício do seu direito por força da sanação da nulidade agora arguida.<br>
Pelo que se desatende o concluído de l) a c.1), não se mostrando violadas as normas legais indicadas.<br>
<br>
Decisão<br>
<br>
Termos em que se nega provimento ao agravo e se condena o Recorrente nas custas. <br>
<br>
Lisboa, 29 de Outubro de 2002<br>
Afonso Correia,<br>
Afonso de Melo,<br>
Fernandes Magalhães.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
eTLwu4YBgYBz1XKvu11z | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
Decretada a falência de A, a liquidatária judicial prestou, já na fase de verificação e graduação do passivo, a informação de não haver bens no património da falida susceptíveis de serem apreendidos.<br>
Ouvida a comissão de credores e invocando-se o disposto nos arts. 287 e) CPC e 186-1 CPEREF, foi declarado extinto, por inutilidade superveniente da lide, o processo de falência.<br>
Agravou, sem êxito, a requerida.<br>
Mais uma vez inconformada, agravou, concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -<br>
- o despacho agravo é posterior à declaração de falência,<br>
- e não está provado que não existam bens, designadamente, marcas e patentes;<br>
- esteve em autogestão de fins de 1974 a Outubro de 1979, do que resultou descalabro económico e, após esse período, os accionistas suíços cederam as suas posições a portugueses, entre eles os últimos administradores da sociedade;<br>
- a falência, além de liquidação do activo em benefício dos credores, tem importantes consequências civis para os administradores da agravante;<br>
- impõe-se, por isso, que o processo siga os seus termos e os embargos venham a ser julgados;<br>
- violado o disposto no art. 148-1 CPEREF93.<br>
Contraalegando, pugnou o Mº Pº pelo não provimento do agravo.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto tida por provada pela Relação -<br>
a)- nos autos 133/98 foi declarada a falência da requerida;<br>
b)- a falência encontra-se na fase de verificação e graduação do passivo;<br>
c)- a liquidatária judicial informou não haver bens no património da falida;<br>
d)- a comissão de credores pronunciou-se pela extinção do processo;<br>
e)- foi proferido despacho a declarar extinto o processo por inutilidade superveniente da lide.<br>
<br>
A esta matéria acresce, com interesse para o agravo, face à pretensão manifestada -<br>
- a requerida desistiu do recurso que interpôs da sentença que decretou a falência e, a seguir, embargou, não tendo os embargos sido admitidos, por extemporaneidade, decisão de que agravou e cujo recurso se não mostra decidido.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
1.- Além de incorrer na irregularidade de se limitar à mera reprodução das alegações e conclusões que produzira para a Relação, a requerida não atentou que não se confunde a personalidade jurídica da sociedade com a dos seus sócios nem que o Supremo Tribunal de Justiça não julga do facto.<br>
<br>
2.- Levado ao processo a informação da inexistência de bens no património da falida, ao tribunal, a quem o processo é imediatamente concluso, não é permitida outra solução que não julgar extinto o processo (CPEREF93- 186 e CPEREF98- 186,1).<br>
O desiderato procurado neste recurso e confessado pela agravante é a defesa dos seus administradores - o interesse perseguido não é o da sociedade requerida, mas o destes. Todavia, estes não se confundem com aquela nem por ela são representados.<br>
Ainda que seja aplicável o CPEREF93, da circunstância de nele não haver uma norma como o actual nº 2 do art. 148, não decorre para a sociedade interesse em agir. Continua a radicar nos que são interessados em não serem inibidos da possibilidade de ocupação da titularidade de cargos sociais o assumirem a respectiva defesa, são eles os directa e pessoalmente afectados - invoquem o que entendam ser mais adequado à sua defesa, inclusive, a inadmissibilidade da aplicação automática da medida.<br>
Por outro lado, não há que estabelecer qualquer confusão entre os embargos à falência e a defesa dos administradores.<br>
A procedência dos embargos interessa à sociedade e só indirectamente (se à inibição houve lugar) aos administradores; a improcedência deixa intocado o problema da inibição, haver ou não lugar à mesma.<br>
Finalmente, do eventual provimento do agravo em causa nunca poderia resultar para os embargos à sentença de falência a necessidade de terem de ser julgados, ao contrário do que se lê na conclusão do agravo.<br>
<br>
3.- Além de o STJ não ser uma terceira instância, está-se a pretender transportar para este recurso um dos fundamentos próprios da oposição de embargos à sentença de falência - as razões de facto (CPEREF93 e CPEREF98- 129,1).<br>
Como se isso não fosse suficiente, acrescem dois outros apontamentos - o momento processualmente indicado não foi respeitado (devia ter alegado na liquidação do activo e até à prolacção da decisão de extinção a existência de bens) e não lhe está vedado ir ao processo alegar e demonstrar que há bens susceptíveis de apreensão e assim obter, ao abrigo do art. 186-2, a revogação da decisão (conquanto sem interesse, sempre seria inócuo para efeitos do recurso, é de notar que a agravante não afirma sequer que eles concretamente existam).<br>
<br>
Termos em que se nega provimento ao agravo.<br>
<br>
Custas pela agravante.<br>
<br>
Lisboa, 12 de Março de 2002<br>
Lopes Pinto,<br>
Ribeiro Coelho,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
KDL-u4YBgYBz1XKvCm88 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça <br>
<br>
Em 92.08.11, A, Lª., propôs contra B, Lª., acção a fim de a mesma ser condenada a lhe pagar DM 71495,50, no contravalor actual de 6087127 escudos, a que acrescem juros compensatórios vencidos de 451534 escudos e vincendos, valor da mercadoria transportada por si e por ela indevidamente entregue (sem exigir, como devia, a apresentação do Air Waybill) à compradora E.<br>
Citada, chamou à autoria C, D e E, incidente que foi admitido.<br>
Contestaram, separadamente, a ré e a chamada D, concluindo pela improcedência da acção, absolvendo-se do pedido a ré.<br>
Prosseguindo a acção, por sentença proferida a final - em 97.02.07 - improcedeu, sendo do pedido absolvida a ré.<br>
Apelou a autora, recurso que foi admitido por despacho fls. 364 («admite-se o recurso que antecede, que é de apelação, tem subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo. Not.»), notificado às partes em 97.03.16 (3º dia após a data da cota a fls. 364).<br>
Ordenada (fls. 364 v), em 97.05.16, a remessa do processo à Relação sem alegações, foi, nesta, proferido despacho a mandar baixar o processo a fim de se verificar se foram ou não apresentadas e a proferir-se o despacho que ao caso coubesse (fls. 371).<br>
Recebido o processo, o sr. Juiz mandou (fls. 372) dar «cumprimento ao art. 698 CPC na actual redacção por força do art. 25 do D.L. nº 329-A/95 de 12.12 e que passou em claro a fls. 364 verso».<br>
Sobre o pedido (fls. 373) de aclaração deste despacho, recaiu o seguinte despacho (fls. 374)<br>
«Esclarecendo o despacho de fls. 372 dir-se-á que o mesmo teve lugar única e simplesmente porque ao remeter-se os autos ao Tribunal da Relação do Porto, a fls. 364 v., não se havia atentado na actual redacção do art. 698 do CPC, ou melhor, na sua aplicação ao recurso pendente.<br>
Como aliás o despacho de fls. 371 suscita e sugere, entendeu-se, de acordo de resto com a fase de transição do antigo para o novo regime de apresentação das alegações na 1ª instância, dar essa oportunidade às partes, sem prejuízo das consequências apontadas da eventual deserção de recurso. Notifique».<br>
Entendendo que os despachos de fls. 372 e 374 deviam ser corrigidos, por a eles não haver lugar, e julgar-se deserta a apelação, agravou a chamada D.<br>
Após a autora, em 97.10.22, alegar (fls. 381 a 384) no recurso de apelação, foi alegado o agravo (fls. 390 a 392) e remetido o processo à Relação do Porto que, por seu acórdão, concedeu provimento ao agravo e ordenou a baixa do processo «devendo o Mº Juiz a quo substituir (o despacho) por outro em que julgue deserto o recurso de apelação interposto pela autora (e do qual, por isso, aqui se não conhece)».<br>
Inconformada, agravou a autora que, tendo por tempestivamente apresentadas as alegações na apelação, concluiu, em suma e no essencial -<br>
- a remessa dos autos à Relação ordenada pelo sr. Juiz constitui uma nulidade secundária<br>
- sanada por não ter sido reclamada dentro do prazo legal,<br>
- e que, embora influa de modo determinante na decisão da causa, é da responsabilidade do tribunal, que não sua,<br>
- e que não é de conhecimento oficioso;<br>
- correcto pois o ter sido ordenada a notificação da recorrente para apresentar alegações.<br>
Contra-alegaram a ré e a chamada D defendendo a confirmação do acórdão.<br>
Colhidos os vistos.<br>
<br>
Matéria de facto com interesse para conhecimento do agravo, só a que consta do relatório.<br>
<br>
Decidindo: -<br>
<br>
1.- Admitido o recurso de apelação e notificado o respectivo despacho, deveria o tribunal, verificado que decorrera o prazo sem terem sido apresentadas pela recorrente as pertinentes alegações, ter, de imediato, julgado deserto o recurso (CPC 291,2 e 690,3), pois que a competência para tal lhe pertencia (CPC 291 n. 4).<br>
Em vez disso, ordenou a remessa dos autos à Relação.<br>
Nesta, porque lhe falecia competência para o efeito, foi devolvido o processo com a menção de, constatando-se que foram ou não apresentadas alegações, ser proferido o despacho que ao caso coubesse.<br>
Correcto este procedimento.<br>
Porém, em lugar de se observar tal, foi ordenada nova notificação para alegar (nova, já que ela fora ordenada e cumprida), dando-se à recorrente nova «oportunidade» para o fazer (nova, porque deixara decorrer o prazo sem o ter feito).<br>
Não contempla a lei processual a existência de dois despachos de admissão do recurso pela mesma instância (não há que nesta distinguir entre admissão e recebimento do recurso) e, uma vez proferido, esgotou-se o poder jurisdicional do juiz relativamente a este ponto (CPC- 666, n. 1 e 3).<br>
Por outro lado, e uma vez que se trata de prazo peremptório, o seu decurso extinguiu o direito de a recorrente apresentar as alegações (CPC- 145 n. 3, 291 n. 2 e 690 n. 3). Não se reabre o prazo nem o direito extinto renasce, pelo que o despacho proferido não poderia ter essa virtualidade.<br>
<br>
2.- Reconhecendo embora a correcção da aplicabilidade do CPC na red. actual, pretende a recorrente ter o tribunal incorrido em nulidade ao ordenar a remessa dos autos à relação, a qual está sanada.<br>
Assiste-lhe razão quando afirma que o tribunal não devia ter ordenado a remessa, mas tão só nisso - não dispensava isso o ter de ser proferido despacho. E, porque à Relação falecia competência para o proferir, devolveu esta o processo para o mesmo ser lavrado.<br>
Tratou-se, pois, de mera irregularidade (e não nulidade) prontamente corrigida na Relação.<br>
Mas, o que se lhe seguiu, foi não já nulidade, mas ilegalidade a que, pelo acórdão recorrido, esta pretendeu pôr cobro.<br>
Aceitar-se a tese da agravante, teria o efeito prático de ter um recurso parado ab aeterno e sem o recorrente ter possibilidade alguma de lhe dar andamento (estava, inclusive, encontrada a solução para, em caso de procedência de uma acção e tendo-se fixado efeito suspensivo ao recurso, se paralisar a justiça).<br>
<br>
3- A chamada agravante pretendia que a Relação julgasse deserta a apelação uma vez que a 1ª instância o não fizera, antes admitindo a apresentação de alegações quando o direito a tal se extinguira já.<br>
Com o recurso era isso que se visava, ou seja, tinha-se por violado o disposto no art. 291 n. 4 CPC na medida em que se não respeitara o consignado nos arts. 291 n. 2 e 690 n. 3.<br>
Não havia, assim, que ordenar que o processo baixasse para ser proferido o despacho, mas, uma vez que julgava verificada a situação que conduzia à deserção do recurso, decidir em conformidade. Agiu a Relação como se de cassação se tratasse, embora não o sendo.<br>
Não pode o Supremo fazê-lo no agravo ora interposto pela autora pois que tal representaria uma reformatio in pejus.<br>
<br>
Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo.<br>
<br>
Custas pela recorrente.<br>
<br>
Lisboa, 30 de Junho de 1998.<br>
Lopes Pinto,<br>
José Saraiva,<br>
Garcia Marques.</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
lDLXu4YBgYBz1XKvPUhJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p>
</p><p><font>I - "A" intentou acção com processo sumário contra B pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe 2.100.000$00 por danos por si sofridos.</font>
</p><p><font>Contestando, a ré sustentou que não existe qualquer obrigação de indemnizar.</font>
</p><p><font>O processo prosseguiu termos, tendo tido lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente.</font>
</p><p><font>Apelou o autor.</font>
</p><p><font>O Tribunal da Relação confirmou o decidido.</font>
</p><p><font>Após incidentes processuais vários, veio o autor interpor recurso para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Em jeito de conclusão afirma que:</font><br>
<font>- </font><font>"Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão da Relação que condenou o recorrente nos termos do artigo 456º n.º 1 do CPC;</font><br>
<font>- </font><font>Que seja considerado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional".</font>
</p><p><font>Contra-alegando a recorrida defende a manutenção do decidido.</font>
</p><p><font>Colhido os vistos, cumpre decidir.</font>
</p><p><font>II - Vem dado como provado:</font>
</p><p><font>A ré afirmou que o autor, no dia 12 de Maio de 1995, ao cruzar-se com ela e dirigindo-se-lhe disse: "então o cabrão do seu homem não estava lá?";</font>
</p><p><font>Dizendo ainda a ré que o descrito anteriormente ocorreu num local denominado "Tapadinha";</font>
</p><p><font>O autor é deficiente motor, deslocando-se com o auxílio de uma cadeira de rodas;</font>
</p><p><font>A ré apresentou queixa contra o autor, pelos factos aludidos.</font>
</p><p><font>III - Estes autos e recurso que compete apreciar apresentam particularidades de tal forma insólitas que, necessariamente, se impõe uma síntese da sua evolução processual, para que seja perceptível o que está em causa.</font>
</p><p><font>O autor, ora agravante, intentou a presente acção pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos sofridos. A acção foi julgada improcedente, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação.</font>
</p><p><font>A partir daí ocorre o seguinte processado:</font><br>
<font>- </font><font>O autor interpôs recurso, que não foi admitido, atento o valor da acção </font><font>(2.100.000$00)</font><font>;</font><br>
<font>- </font><font>Desse despacho recorreu o autor para o Tribunal Constitucional, recurso que não foi admitido por intempestivo;</font><br>
<font>- </font><font>Apresentada reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, foi a mesma indeferida por despacho do Senhor Vice-Presidente;</font><br>
<font>- </font><font>Reclamou o autor para a conferência, sendo proferido despacho que recordou ao reclamante que esse meio de impugnação não se aplicava às decisões do Presidente do Supremo;</font><br>
<font>- </font><font>Baixando os autos à Relação foi, em conferência, decidido não ser de admitir o recurso para o Tribunal Constitucional. Sobre este despacho recaiu novo recurso igualmente não admitido;</font><br>
<font>- </font><font>Sucederam-se mais duas reclamações com correspondentes indeferimentos;</font><br>
<font>- </font><font>Após novo requerimento, foram os autos enviados ao Tribunal Constitucional, que não atendeu a pretensão do autor;</font><br>
<font>- </font><font>Segue-se outro recurso;</font><br>
<font>- </font><font>O Tribunal da Relação, após ouvir a parte contrária e o Ministério Público, condenou o autor como litigante de má fé e ordenou a comunicação à Ordem dos Advogados da situação processual vivida;</font><br>
<font>- </font><font>Mais uma vez recorre o autor para este Tribunal.</font>
</p><p><font>Impõe-se que fique absolutamente claro que só está em causa a condenação por litigância de má fé. Delimitação que é imperioso salientar porque o recorrente continua nas alegações dirigidas a este Tribunal a esgrimir argumentos anteriores.</font>
</p><p><font>Vejamos então a problemática da má fé.</font>
</p><p><font>O artigo 456º n.º 2 do C. Processo Civil, na redacção aqui aplicável, estipula que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; quem tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; quem tiver feito do processo ou dos meios processuais, um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo legal; quem impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.</font>
</p><p><font>Pondo fim à diversidade de opiniões existentes, a actual redacção veio consagrar a tese de que só o dolo ou a negligência grave são relevantes para efeitos de má fé.</font>
</p><p><font>Ao alargamento do conceito, abrangendo expressamente a negligência grave, parece estar subjacente a ideia de moralização e "normalização" da lide.</font>
</p><p><font>Não se dizendo o que é "grave" cabe à jurisprudência a clarificação do conceito.</font>
</p><p><font>Em concreto, trata-se de um Senhor Advogado que litiga em causa própria e que, como correctamente se escreveu na decisão recorrida, não aceita a decisão judicial e ameaça eternizar o processo, impedindo o trânsito em julgado com incidentes que são, indubitavelmente, anómalos, como já ficou enunciado.</font>
</p><p><font>Tem-se repetidamente escrito que a questão da má fé tem que ser analisada com muita ponderação, sob pena de se limitarem os direitos das partes. Por outro lado, não se pode esquecer que a condenação por má fé, ultrapassa em muito o simples aspecto pecuniário - Entre outros, o Ac. de 20.10.98, "Sumários" n.º 24, pág. 29; Ac. de 05.12.2002, Revista n.º 2884/02-1, desta 1ª Secção.</font>
</p><p><font>Certo é, porém, que este é um dos casos em que não pode haver dúvidas, já que dificilmente se assistirá a tamanho arrastamento do processo, sem que nada o justifique.</font>
</p><p><font>É assim de manter o decidido.</font>
</p><p><font>Pelo exposto se nega provimento ao agravo.</font>
</p><p><font>Custas pelo recorrente.</font>
</p><p>
</p><p><font>Lisboa, 10 de Maio de 2005</font>
</p><p><font>Pinto Monteiro</font>
</p><p><font>Lemos Triunfante</font>
</p></font><p><font><font>Reis Figueira</font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ujL9u4YBgYBz1XKvwm7l | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
A, residente em Santarém, apresentou-se a executar sentença, deduzindo artigos de liquidação;<br>
Seguidamente, a executada "B", com sede em Lisboa, apresentou embargos, que foram liminarmente admitidos, e em que foi deduzida também oposição à liquidação, defendendo a sua ilegitimidade em relação a tudo o que exceda 11585287 escudos, por ser essa a diferença entre os 414713 escudos já pagos ao exequente e o limite de cobertura do seguro obrigatório em Portugal, à época, e admitindo como dano indemnizável em liquidação apenas o valor correspondente a perda total do veículo;<br>
Em sequência, o exequente-embargado pronunciou-se sobre toda a matéria do articulado da executada, preconizando a sua legitimidade e, mantendo a posição de total procedência dos danos reclamados, em liquidação;<br>
Proferido despacho saneador, relegou-se para final o conhecimento da questão da legitimidade, declararam-se nulos os pedidos de liquidação formulados em tudo o que excedia o valor do veículo em causa, e elaboraram-se especificação e questionário, sem reclamação;<br>
Notificado de tal despacho, apresentou-se o embargado a recorrer, mediante agravo recebido na 1. Instância, e no seguimento do que veio a produzir alegações, em que concluiu pela seguinte forma:<br>
1 - Os pedidos formulados pelo agravante nos artigos 27, 29, 30, 36, 37, 43 e 51 (2 e 10 do despacho em recurso) constam do pedido inicial, são a sua consequência lógica, compreendem tantos os danos de natureza moral como patrimonial e, dentro destes, os danos emergentes, e os lucros cessantes;<br>
2 - Tais pedidos, em sede de sentença (aclaração) foram expressamente contemplados e, ou abrangidos;<br>
3 - A mesma transitou em julgado, sendo parte integrante da mesma o despacho de aclaração;<br>
4 - Ao declarar nulos os pedidos formulados de 2 a 10 (do despacho saneador em recurso), os mesmos identificados em 1, destas conclusões, não os incluindo no questionário, violou-se o disposto nos artigos 661, 670, n. 2 e 671 do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogada a decisão em causa;<br>
Contra-alegou a executada-embargante, concluindo pela confirmação de tal decisão;<br>
Seguiu o processo para julgamento, após o que veio a ser produzida sentença em que se afirmou a legitimidade da executada e, julgando procedentes os embargos, se liquidou a sua obrigação em 1850000 escudos, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;<br>
Transitou esta decisão, pois, devidamente notificada, não mereceu recurso;<br>
Entretanto o embargado, invocando o artigo 735, n. 2, do Código de Processo Civil, apresentou-se a requerer a subida do agravo, antes referenciado, o que veio a acontecer após o dito trânsito;<br>
Mostra-se provado, na parte ao caso em apreço;<br>
Em acção declarativa proposta pelo aqui embargado contra C, D e E, com sede em Corso, Itália, representada em Portugal, por F, foi proferida sentença final na qual, além do mais, se decidiu:<br>
"Se condena a Ré no pagamento do montante indemnizatório que se vier a liquidar em execução de sentença ao Autor, relativamente aos danos tidos por este em virtude da perda total da viatura de matrícula EZ-49-11 e da privação do uso da mesma";<br>
Foi pelo Autor pedida a aclaração da sentença no que toca à procedência / improcedência dos pedidos relativos ao "pagamento do montante de aluguer de viaturas substitutivas do veículo sinistrado", e "lucros cessantes ... pela não venda de suínos no matadouro G;<br>
Proferido despacho sobre tal pedido de aclaração foi decidido que "nada há a esclarecer visto que a parte decisória da sentença de folhas 315 e seguintes, é bem clara, o que igualmente se dirá dos seus fundamentos";<br>
Proposta acção executiva para liquidação no requerimento inicial, peticiona-se aquela de montantes relativos a:<br>
1 - perda de veículo;<br>
2 - Substituição do veículo por outro de aluguer;<br>
3 - Quebras de ganho em Quilogramas, de carne de porco vendida;<br>
4 - Quebras de ganho por ter sido obrigado a deixar de criar bovinos;<br>
5 - Lucros cessantes por ter deixado de realizar vendas de feira em feira e leilão em leilão;<br>
6 - Juros compensatórios pelo período de tempo decorrido entre o pagamento de IVA aos seus fornecedores e o reembolso;<br>
7 - Deslocações judiciais;<br>
8 - Despesas com Advogados e judiciais;<br>
9 - Danos não patrimoniais;<br>
10 - Danos emergentes da paralisação e imobilização do veículo, não concretizados;<br>
Primitivamente, e como se vê do Acórdão proferido no Tribunal da Relação de Évora, de folhas 93 a 101, em 12 de Dezembro de 1996, foi negado provimento a esse agravo, confirmando-se, na parte agravada, o despacho recorrido;<br>
Desse Acórdão, então, interpôs recurso, o Agravante, para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido também, como Agravo e, conforme folha 105;<br>
Nessa sequência, e após a produção das respectivas alegações pelo Agravante e, contra-alegações, pela Agravada, veio a ser proferido, neste Tribunal, em 3 de Junho de 1997, o Acórdão de folhas 133 a 134;<br>
No qual, se revogou o Acórdão recorrido, e se ordenou a remessa do processo à Relação, e para aí ser de novo, julgada a causa;<br>
Ordenamento, esse, que teve por base, as omissões verificadas no Acórdão da Relação e referenciadas no, dito, Aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, sobre a decisão de facto;<br>
Tal novo julgamento, foi concretizado, pelo Acórdão de folhas 143 a 153, da mencionada Relação;<br>
E, no qual, se tornou, a negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido;<br>
Dessa decisão, recorreu novamente, o Agravante para este Supremo Tribunal de Justiça, o que constitui, o presente Agravo;<br>
Alegando, para o efeito, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:<br>
I - Os pedidos formulados pelo Agravante nos artigos 27, 29, 30, 36, 37, 43 e 51, (2 a 10 do despacho em recurso), constam do pedido inicial, e são a sua consequência lógica, compreendem tanto os danos de natureza moral, como patrimonial, e dentro destes os danos emergentes e os lucros cessantes - di-lo a sentença a folhas 314 e 323 e, o Sr. Juiz quando revela o seu pensamento no despacho de aclaração que indefere (não se podem olvidar as suas palavras - "Esclareça-se que a expressão danos utilizada no n. 2 da parte decisória, o é no sentido de pressuposto da responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnizar, assim compreendendo tanto os de natureza moral como os patrimoniais e, dentro destes a danos emergentes e os lucros cessantes");<br>
II - Tais pedidos, em sede de sentença foram expressamente contemplados e, ou, abrangidos;<br>
Na verdade, ao relegar para execução de sentença a liquidação dos danos respeitantes não só à perda total do veículo, como também, os decorrentes da "privação do uso da mesma" como pode o Agravante aceitar que se considere e liquide, o pedido relativo à perda total do veículo?<br>
III - Sem desmerecer em opinião que não a do Agravante, afigura-se-lhe tal postura, absolutamente abanada;<br>
IV - Assim, ao declarar nulos os pedidos formulados de 2 a 10 (do despacho saneador em recurso), os mesmos que identificados em I destas conclusões, não os incluindo no questionário, violou-se o disposto nos artigos 661, 670 n. 2 e 671 do Código de Processo Civil, pelo que deve dar-se provimento ao presente recurso revogando-se a decisão em causa;<br>
A Agravada, não operou contra-alegações no presente recurso;<br>
Ainda que o tenha feito, e conforme folhas 117 a 124 e como já se frisou no aludido primitivo recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, terminando, então, pela confirmação da decisão recorrida, após acompanhar o, então, Acórdão da Relação, recorrido;<br>
Foram colhidos, os vistos, dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos;<br>
Em termos, jurídicos, foi dada como provada a matéria, já, atrás mencionada, como tal, e com interesse para a decisão, em apreço;<br>
Apreciando:<br>
Como constitui entendimento genericamente assente, são as conclusões das alegações do Recorrente que delimitam, em princípio, o âmbito e o objecto dos recursos, no quadro dos artigos 684, ns. 3 e 4, e 690, n. 1, do Código de Processo Civil;<br>
Nesse sentido, nomeadamente, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 1986, Boletim do Ministério da Justiça 360, 534, e da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 1989, Colectânea de Jurisprudência 1989, 2, 143, entre outros;<br>
Assim como, já e também, os Professores A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, 5, 308, 309 e 363, e Castro Mendes, Direito Processual Civil, 3, 65, e, ainda, o Dr. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil 3, 286 e 289;<br>
Contudo, tal não significa, nem impõe, que haja que apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações, mas, somente, as questões, essenciais, suscitadas;<br>
Nessa expressão, por igual modo, se tendo perfilhado o mencionado Dr. Rodrigues Bastos, na citada sua obra, 3, 247, assim como, entre outros o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Abril de 1989, Boletim do Ministério da Justiça, 280, 446;<br>
Contudo, e conforme já se entendeu no Acórdão recorrido, parece legítimo que se suscite uma, primeira, questão, e o que é viável, outrossim, ao abrigo dos poderes do conhecimento oficioso, e na exacta medida em que se encontra conexa com os pressupostos específicos da admissibilidade do recurso, em si;<br>
Principalmente, no caso em apreço, e posto que o recurso se movimenta no quadro do artigo 735, n. 2, do Código de Processo Civil, citado;<br>
Com efeito, em tais situações, a subida só tem razão de ser se o agravo mantiver interesse para o Agravante, independentemente da decisão, entretanto transitada em julgado, isto é, a decisão do agravo;<br>
Acrescendo que não havendo, também recurso da decisão de mérito, não poderá suceder uma interferência que seja causal no caso julgado que se formou, mas respeitar, somente, a questões que não coloquem, em causa aquele;<br>
Ora, na hipótese, o que se questiona é a liquidação prévia de direito a indemnização reconhecida por sentença;<br>
É, nesse campo e nas fronteiras dos artigos 562 e seguintes do Código Civil a obrigação de indemnização assume um carácter global, apesar de, para a fixação respectiva, poder acontecer a consideração, de várias perdas indemnizatórias;<br>
Nessa expressão, os Professores A. Varela R.L.J., 103, 28, e, Mota Pinto, Direito Civil, 1980, 105, assim como a R.D.E.S., XII, 8, e entre outros o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1996, C.J., 2, 61;<br>
Todavia, revestindo o direito à indemnização a natureza unitária, de ser um só, em termos, adjectivos, ou processuais há-de corresponder-se, outrossim, um só pedido;<br>
E assim, em consequência, às várias parcelas não cumprirão pedidos entre os autónomos em regime de cumulação;<br>
Neste enquadramento, e à partida, e tendo já sido proferida sentença fixando a medida de liquidação, com trânsito em julgado, inexistiria fundamento para que o presente agravo pudesse prosseguir;<br>
E na medida em que, encontrando-se, nele, em questão, e como deriva das conclusões respectivas, matéria objecto de liquidação, esta teria sido, já, definitivamente apreciada;<br>
E não se tendo recorrido da sentença final, quando porventura ainda estivesse em causa matéria relevante e necessária para a mesma, teria ocorrido a caducidade do agravo;<br>
Todavia, e se bem que em teoria tal fosse o enquadramento normal em situações, semelhantes, em concreto, existirão, já, considerações que permitirão uma flexibilização desse enquadramento;<br>
Ou seja, o que o Agravante, denomina como vários pedidos, que teriam sido preteridos na liquidação, e muito embora tecnicamente o não sejam, mas apenas, factos integradores de parcelas de um só pedido, o certo é que, e como pedidos múltiplos, não deixaram de ser considerados na decisão recorrida, e porque aí, e como se alcança de folha 32, foram declarados "nulos";<br>
Acrescendo, por outro lado, que o atender-se à matéria objecto do agravo, e mesmo que ocorresse uma decisão favorável ao Agravante, não coloca em causa o decidido nos seus limites objectivos;<br>
E na exacta medida em que não envolve questões versadas nessa dita sentença, nem põe em causa a liquidação da parcela indemnizatória nos termos em que veio a ser fixada;<br>
Assim sendo, o presente agravo mantém interesse para o Agravante, sem prejuízo do já decidido em sede da sentença, e que, obviamente permanece inalterável;<br>
Importa, assim, conhecer do agravo;<br>
E, aqui, o que se debate é a liquidação, no quadro do artigo 806 do Código de Processo Civil, de uma obrigação, posto que reconhecida iliquidamente na sentença exequenda;<br>
Ou seja, na parte correspondente à condenação da, ora, executada "no pagamento do montante indemnizatório que se vier a liquidar em execução de sentença ao Autor, relativamente aos danos tidos por este em virtude da perda total da viatura de matrícula EZ-49-11 e da privação de uso da mesma";<br>
Tudo, conforme, folha 323, da acção declarativa;<br>
Sabe-se, também, e nas fronteiras do artigo 661, n. 2, do Código de Processo Civil, que por obrigação ilíquida, se deve entender a que tem por objecto uma prestação não determinada numericamente no respeitante à respectiva quantidade;<br>
De modo que o objecto da liquidação da indemnização, em processo executivo, no seguimento da acção declarativa, são os danos, que não obstante provados quanto à sua existência, não tenham sido fixados nesta última acção, quanto ao seu montante, por falta de elementos;<br>
Como ensina, também, o Professor A. dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, V, 68 e 93, e ao decidir, na acção declarativa, o Tribunal, terá de atender aos limites da causa de pedir, bem como, ao pedido formulado;<br>
Decisão essa, que se torna imodificável quanto ao seu sentido e alcance, logo que transitada, por força da autoridade do caso julgado material, como sustenta o Professor A. Varela, Manual, 2. Edição, 699;<br>
Sentido e alcance, aquele, que é determinado, quanto aos seus limites estruturais, em conexão, com a identidade de sujeitos, a causa de pedir e, o pedido, no quadro dos artigos 497 e 498 do Código de Processo Civil, a incidência de natureza, triplice, a considerar; <br>
Nesse entendimento, também, o Professor A. Varela, na citada sua obra, 709;<br>
Tal significa, e como já se expendeu no Acórdão ora recorrido, em consequência, que embora se forme, em directo, sobre o pedido e, não sobre os respectivos fundamentos, vistos estes como o raciocínio utilizado pelo julgador, o caso julgado forma-se sobre a pretensão do Autor, ainda que relevando, também, a consideração dos fundamentos alegados, por base;<br>
Isto é, e como ensina o Professor A. Varela, Manual 712, " é a resposta dada na sentença à pretensão do Autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado";<br>
Assim, e portanto, sobre os fundamentos alegados pelo Autor, enquanto integradores da causa de pedir de uma determinada pretensão, e tinham sido, ou não, relevantes para o acolhimento dessa pretensão, forma-se, outrossim, caso julgado, e tendo em vista evitar-se a repetição sobre os mesmos, de juízo;<br>
Aplicando, ora, tais considerandos para o caso "sub-judice", constata-se que o autor, na petição inicial da acção declarativa, e para os pontos que agora ainda, podem relevar, liquidou o valor dos danos, quanto aos aspectos por si focados nos artigos 31 a 44, 51 a 61 e, 65 a 68, deduzindo parte do pedido em forma ilíquida em relação a "montantes vincendos";<br>
Os quais, na petição tinham referência directa no respectivo artigo 70;<br>
E como se vê, de folhas 7 verso, da acção declarativa;<br>
Sucede que, na sentença, e em acatamento do decidido, oportunamente, na matéria de facto, e sobre os ditos aspectos, deu-se relevo aos pontos 27 e 28, de folhas 317 verso;<br>
Afastando-se, assim, expressamente, os outros fundamentos invocados pelo Autor;<br>
Designadamente, que fosse em Penafiel que fizesse a maior parte das vendas e por melhor preço, e bem assim, que tivesse alugado, em permanência ou por caso, veículos em substituição do sinistrado;<br>
O que tudo significa, e como, já se perfilhou no Acórdão, ora, recorrido que tais danos não ficaram provados, quer quanto a sua natureza e existência, e assim, não, somente à sua determinação de valor;<br>
E se assim é, não existe legitimidade, na presente fase executiva, para a alegação de danos, que na via declarativa, já, não ficaram provados;<br>
E o que, a considerar-se, implicaria uma ofensa às regras do caso julgado;<br>
Acrescendo, que mesmo que assim, não se julgasse, ainda, os próprios termos em que o exequente, veio pôr a liquidação não se inserem, nos limites, do título executivo;<br>
Conhecendo-se, que, nos termos do artigo 45 do Código de Processo Civil, é, em função daqueles limites, que se obtém, a extensão, da execução;<br>
Nessa expressão, se tendo, outrossim, pronunciado, o Professor Castro Mendes, Acção Executiva, 198, 9 e seguintes, assim como entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1991, A.J., 19, 15;<br>
Por um lado, ficou de facto, provado e declarado, na sentença declarativa, que o ora exequente utilizava o seu veículo, que foi totalmente perdido, em transportes, nos moldes dos referidos pontos 27 e 28, da mesma, e daí que, obviamente, o deixasse de utilizar, para tais fins;<br>
Contudo, os danos que, por ventura, fossem resultantes de tal, não podem revestir a, coloração, dos que invocara, na acção declarativa, e na exacta medida em que, estes não ficaram demonstrados, tanto quanto à sua natureza, como até, quanto, à sua existência, mesmo;<br>
Aliás, e como, também, se salienta no Acórdão recorrido, é elucidativo, nesse ponto, que não tivesse ficado provado o facto veiculado no artigo 54 da petição inicial, e, respeitante à permanência do pretendido aluguer;<br>
Assim sendo, e, em termos do reconhecimento judiciário, não pode, logicamente colher, um facto que não obstante alegado, não foi, porém, considerado provado;<br>
Nestes termos e, como bem, já, se entendeu no Acórdão, ora, recorrido, e tendo presente a escalação dos danos em causa, nos termos constantes da decisão recorrida, haverá de se considerar, como não fundamentado o pedido de liquidação dos danos inseridos nos números 2 a 5, e 10, dessa decisão;<br>
E na exacta medida em que não se revelam comportáveis, em face do título que foi dado à execução;<br>
Com efeito, e como, outrossim, já se perfilou, no acórdão sob censura, o admitir-se, de novo, e na acção executiva, a inclusão de tais danos, constituiria, uma, duplicação, de questão já decidida, o que não é viável;<br>
Com efeito, tais danos foram alegados relativamente à sua materialidade, e na acção declarativa, em identidade com o que se invocou na acção executiva, e além, não foram, já, julgados verificados;<br>
E como se conhece, a liquidação, em tais situações, tem por objectivo, a determinação do valor, e não, já, a natureza dos danos;<br>
Ao menos, daqueles, entre estes, cujo objecto foi fixado na acção declarativa por forma, clara e inequívoca, em termos positivos, ou negativos;<br>
Do mesmo modo, e também, as verbas susceptíveis de inserimento nos números 6 a 9, não encontram, qualquer base na sentença exequenda;<br>
E na medida em que os pontos do n. 7, foram reclamados sob a forma de valor vencido, e conforme se vê, dos pontos 65 a 68, da petição inicial;<br>
Acrescendo, mesmo e até, que foram reconhecidos sob a forma líquida em que haviam sido requeridos, conforme folhas 321 verso;<br>
Por sua vez, e no tocante às demais realidades, o que se constata, é que não tinham, sequer, sido reclamadas;<br>
E, neste contexto, e como se salienta, também, no Acórdão recorrido, o então Autor, ao não fazê-lo fez um exercício do princípio do dispositivo nos precisos termos, limitados, que entendeu;<br>
E, assim sendo, é manifesto, que não é legítimo, agora, em sede executiva, operar um alargamento, da sua pretensão, com novos fundamentos;<br>
O que a ser admitido, implicaria uma alteração, unilateral, da causa de pedir que não é, legalmente, admissível;<br>
E por traduzir, claro excesso dos limites objectivos do título dado à execução, a sentença proferida na acção declarativa;<br>
Com efeito, embora tal sentença exequenda contivesse uma condenação de conteúdo ilíquido, não reconhecia, todavia, ao exequente a exequibilidade dos danos que aquele alegou na execução;<br>
E neste contexto, não se põe em causa o decidido, mas apenas, o sentido em que o exequente pretendia tirar dessa sentença, que contudo o não insere, nem, nesta, tem base;<br>
Querendo-se significar, com tal, que se a decisão, na acção declarativa, foi emitida, mesmo sem indicação, directa, aos danos a liquidar, e utilizando antes uma referenciação, genérica, de "perda total da viatura" e "perda do uso", o Autor, ficou titulado a executar os respectivos efeitos, somente;<br>
Contudo, essa referenciação, genérica, não lhe atribui, já legitimidade para reclamar danos, cuja espécie, não está contida nos limites dos factos provados, e que se encontram, mesmo, afastados expressamente, pela decisão exequenda;<br>
Isto é, as consequências da falta e não uso do veículo, não podem revestir os efeitos, que não obstante terem sido alegados, não foram, porém, provados;<br>
A liquidação, teria sempre que se movimentar, dentro dos limites do pedido e da causa de pedir tal como foram deduzidos mas, somente e apenas, na medida em que foram atendidos na decisão proferida na acção declarativa;<br>
Ora, como bem se expressou, no Acórdão recorrido, o exequente, excedeu, e ultrapassou tais limites;<br>
Paralelamente, não pode, outrossim, integrar o conteúdo da decisão exequenda com o despacho que recaiu sobre o pedido de aclaração;<br>
Com efeito, o que sucedeu neste, foi, somente, o desatendimento, evidente, da inerente pretensão de esclarecimento;<br>
E na medida em que, nesse despacho apenas se expressou "nada há a esclarecer, por a sentença na sua parte decisória e seus fundamentos ser bem clara";<br>
Tratando-se, pois, de desatendimento, não se coloca, pois, a aplicabilidade da 2. parte, do artigo 670 do Código de Processo Civil, no seu número 2, não tendo, portanto, que ser considerado como parte integrante da sentença;<br>
Na verdade, tendo acontecido um indeferimento desse pedido de aclaração, a decisão proferida fica, exactamente, como era, ou seja, não sofre alteração alguma, pois;<br>
Nesse sentido, também, a Rev. Trib. 92, 48;<br>
Do mesmo modo, as considerações, que são produzidas, nesse despacho, além do indeferimento, em si, não conduzem aos efeitos, jurídicos, pretendidos pelo Recorrente;<br>
Na verdade, ocorrendo o dito indeferimento, inexiste, qualquer complementação da sentença;<br>
E, assim, esta permaneceu inalterável adentro do princípio do esgotamento do pudor jurisdicional quanto à matéria da causa, consignado no artigo 666 do Código de Processo Civil;<br>
Nesse entendimento, entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Janeiro de 1994, B.M.J., 433, 423;<br>
De resto, e como, também, já se aponta no Acórdão sob censura, as ditas considerações, apenas, foram, assumidas, como simples comentário, e não como, temática, de decisão;<br>
Acrescendo, ainda, que tendo sido indeferida a pretendida aclaração, tudo o que ultrapassasse tal ponto, em nada podia ser relevante, e, face ao dispositivo no artigo 660, n. 2, do citado diploma adjectivo;<br>
Nesse sentido, também, e entre outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Fevereiro de 1990, A.J., 6, 1990, 12;<br>
Nomeadamente, e a este título, e como, já se destacou, outrossim no Aresto ora recorrido, nunca poderia ser considerado como integrante, válida, de sentença, e referência, lateral, em tal despacho, a danos de natureza moral, e que, também se pretendia liquidar, ora;<br>
E tal, na medida em que, a averiguação da existência e natureza de danos de natureza não patrimonial, não constituiu, sequer, tema da causa, e portanto, logicamente da sentença;<br>
Por todo o exposto, surge como inteiramente pertinente, a "inteligibilidade" do Acórdão recorrido;<br>
O qual, assim, não merece, qualquer tipo de censura;<br>
Ao invés, mostram-se, genericamente improcedentes, as conclusões do Agravante;<br>
Inexistindo, portanto a violação dos dispositivos legais, invocados naquelas;<br>
E não se encontrando, pois, em causa, à bondade, decisória do despacho recorrido, proferido na 1. Instância, e aí sustentado pelo Meritíssimo Juiz "a quo";<br>
Nessa improcedência, nega-se, provimento ao Agravo;<br>
Custas, pelo Agravante.<br>
Lisboa, 23 de Setembro de 1998<br>
Lemos Triunfante,<br>
Torres Paulo,<br>
Aragão Seia.<br>
Relação de Évora - Processo n. 146/96 - 3.<br>
Tribunal da Comarca de Vila Viçosa - Processo n. 84-B/90</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
8DLuu4YBgYBz1XKv4Vul | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><div><font>I</font></div><font>Em 19 de Janeiro de 1996, no 12º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, por apenso à acção ordinária que contra si move A, B interpôs recurso extraordinário de revisão.</font><br>
<font>Alegou, em síntese, que, naquela acção, não houve citação do Réu por preterição de formalidades essenciais (artigo 195º, nº 1, alínea d) e nº 2, do C.P.C.), constituindo a factualidade que descreve fundamento para a revogação da sentença nos termos da alínea f) do artigo 771º, também do CPC (1).</font><br>
<font>Admitido liminarmente, foi ouvida a parte contrária, que, no entanto, não se pronunciou.</font><br>
<font>Resolvida uma questão respeitante à tempestividade do recurso, em consequência da impossibilidade de o Tribunal poder conhecer oficiosamente do decurso de prazo de trinta dias para a sua interposição - cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de 04-12-97 (fls. 86 a 89) -, e concluída a instrução do processo, foi, em 28-10-99, proferida sentença em 1ª instância que julgou improcedente o recurso de revisão em apreço - cfr. fls. 112 a 114.</font><br>
<font>Inconformado, apelou o requerente, tendo, todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-09-2001, decidido negar provimento ao recurso e confirmado o decidido - fls. 129 a 134.</font><br>
<font>Continuando inconformado, traz o requerente o presente recurso de revista, oferecendo, ao alegar, as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1. O artº 483º do CPC, então vigente, ao exigir o exame oficioso do julgador, consagra um desvio da regra geral enunciada no segundo período do artº 202º, embora previsto na sua parte final.</font><br>
<font>2. De acordo com tal desvio se o juiz apurar que a citação foi efectuada com preterição de qualquer formalidade legal, por mais secundária ou insignificante que seja, há-de obedecer à segunda parte do preceito: tem de ordenar que o Réu seja citado novamente, com observância de todas as formalidades prescritas.</font><br>
<font>3. In casu, a certidão de fls. 23 cinge-se a certificar que a vizinha do 1º andar esqº se recusou a receber a citação.</font><br>
<font>4. Dela não consta que o Sr. funcionário tenha procurado outros vizinhos de molde a transmitirem a citação ao Réu.</font><br>
<font>5. A citação não foi feita de harmonia com o nº 2 do artº 235º do CPC vigente e é nula.</font><br>
<font>6. As instâncias violaram o artº 235º do CPC.</font><br>
<font>A requerida não contra-alegou.</font><div><font>II</font></div><font>Foram os seguintes os factos dados como provados:</font><br>
<font>1 - Na petição inicial da acção ordinária a que estes estão apensos foi indicado pela A. como sendo a morada do Réu a Rua ......, Reboleira.</font><br>
<font>2 - No contrato promessa de compra e venda celebrado em 06-12-91, o ora recorrente indicou como sendo sua morada a constante da petição inicial.</font><br>
<font>3 - No dia 20-03-95 o oficial de justiça do então 12º juízo cível compareceu na Rua indicada na petição inicial a fim de citar o R., não o tendo encontrado, deixou-lhe nota com hora certa para o dia seguinte (21-03-95, às 10 h).</font><br>
<font>4 - No dia 21-03-95 o oficial de justiça voltou ao local indicado na petição inicial, batendo à porta sem que ninguém a abrisse, tendo tentado, sem êxito, a citação na vizinha do 1º andar em virtude de esta se ter recusado.</font><br>
<font>5 - O oficial de justiça procedeu à afixação na porta da casa indicada na petição inicial, de uma nota de citação, conforme consta de fls. 23 da acção ordinária nº 1455/94 e que se dá por integralmente reproduzido.</font><br>
<font>6 - O oficial de justiça deslocou-se novamente à Rua ........, Reboleira e falou com C que disse viver maritalmente com o recorrente e que este morava ali.</font><br>
<font>7 - Por D foi dito ao oficial de justiça que o recorrente morava na morada indicada na petição inicial.</font><br>
<font>8 - O Bilhete de identidade do recorrente foi renovado em Março de 1995 e dele consta como sendo a sua morada a Rua ....... .</font><br>
<font>9 - A carta de condução do recorrente tem indicada a morada referida em 8.</font><br>
<font>Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.</font><div><font>III</font></div><font>1 - Na antecedente apelação, o recorrente convocara a atenção do tribunal da Relação para os dois pontos seguintes: (a) por um lado, para o alegado esquecimento, por parte do tribunal de 1ª instância, do conteúdo do ofício de fls. 13; (b) em segundo lugar, e como questão fulcral do recurso, a falta da sua citação para os termos da acção principal, em virtude da preterição de formalidades essenciais.</font><br>
<font>Na presente revista, o recorrente, por certo convencido pela ponderosa fundamentação produzida no acórdão recorrido, abandonou por completo a primeira das referidas questões. E, quanto à segunda, o recorrido, em vez de falar, como no requerimento inicial e nas alegações da apelação em falta de citação, por preterição de formalidades essenciais, em conformidade com o disposto pelo artigo 195º, nºs 1 e 2, na redacção anterior à reforma processual de 1995/1996, aqui aplicável (2), vem agora invocar a nulidade da citação por não ter sido feita de harmonia com o nº 2 do artigo 235º, convocando, pela primeira vez, em defesa da sua tese, o disposto no artigo 483º.</font><br>
<font>O recorrente, continua, porém, a não ter razão.</font><br>
<font>Vejamos porquê.</font><br>
<br>
<font>2 - Não obstante a alteração da estratégia processual por si adoptada, o recorrente continua a referir-se à eventual violação do artigo 235º, uma vez que da certidão de fls. 23 da acção principal não consta que "o Sr. funcionário tenha procurado outros vizinhos de molde a transmitirem a citação ao Réu". Importa, por isso, começar por reiterar, na esteira do acórdão recorrido, que, na citação, não ocorreu qualquer preterição de formalidades essenciais, pelo que não pode falar-se em falta da citação.</font><br>
<font>2.1. - Sob a epígrafe "Quando se verifica a falta de citação", dispunha, na sua anterior redacção, o artigo 195º, na alínea d) do seu nº 1, que "há falta de citação" "quando (...) tenha sido feita com preterição de formalidades essenciais". E, definindo, no nº 2, o que são "formalidades essenciais", estabelecia a alínea b) que , "no caso a que se refere o nº 2 do artigo 235º, a afixação da nota no lugar com os requisitos que o texto exige e a expedição da carta, nos termos do nº 3 do artigo 243º", hipótese esta sem aplicação ao caso sub judice.</font><br>
<font>Por sua vez, o artigo 235º, sob a epígrafe "Como é feita a citação por oficial de justiça", prescrevia, nos seus nºs 1 e 2, o seguinte:</font><br>
<font>1. Se o funcionário, procurando o citando na sua residência, nela o não encontrar, deixará a indicação de hora certa, para outro dia útil dentro dos 14 dias imediatos, em qualquer pessoa da casa, preferindo os parentes, ou afixará o respectivo aviso na porta da residência do citando, se essas pessoas se recusarem a recebê-lo.</font><br>
<font>2. No dia e hora designados, o funcionário fará a citação na pessoa do citando, se o encontrar; não o encontrando, o funcionário citá-lo-á, seja qual for a causa ou a duração da ausência, em qualquer pessoa maior que viva na casa, preferindo os parentes do citando. Se nenhuma das pessoas ali se encontra, ou, estando presentes, não se prestarem a receber a citação, será esta efectuada na pessoa do porteiro ou do vizinho mais próximo que for encontrado. Se não houver porteiro nem vizinhos que se prestem a aceitar e transmitir a citação do destinatário, o funcionário afixará na porta do citando, na presença de duas testemunhas, se as houver, uma nota na qual constará o objecto da citação, o dia em que se realizou, o prazo dentro do qual o citando deve apresentar a sua defesa e a cominação aplicável na falta desta, declarando ainda que o duplicado fica à disposição do citado na secretaria judicial, com a indicação do juízo e secção, se já tiver havido distribuição.</font><br>
<br>
<font>2.2. É possível retirar dos normativos reproduzidos algumas relevantes constatações. Assim:</font><br>
<font>a) a consequência (sanção) legalmente prevista para o caso de a citação ter sido feita com preterição de formalidades essenciais é a falta de citação - artigo 195º, nº 1, alínea d);</font><br>
<font>b) a lei dá preferência à citação pessoal (na pessoa de parente, porteiro ou vizinho) em relação à citação material (mediante a afixação de nota na porta do citando), só admitindo esta como último recurso, quando de todo em todo, como foi o caso, não seja possível efectuar a citação numa pessoa;</font><br>
<font>c) a afixação da nota deve ser feita na presença de duas testemunhas, se as houver;</font><br>
<font>d) formalidade essencial é, no caso, e como prescreve o nº 2 do artigo 235º, apenas "a afixação da nota" no lugar devido e "com os requisitos que o texto exige", isto é, com as menções constantes da parte final do referido preceito, indispensáveis para o normal exercício do direito de defesa, menções que são as seguintes: o objecto da citação, o dia em que se realizou, o prazo para apresentação da defesa, a cominação aplicável na falta desta e ainda a indicação do juízo e secção se já tiver havido distribuição e de que o duplicado fica à disposição do citado na secretaria judicial.</font><br>
<font>2.2. - Mas, como bem se explica no acórdão recorrido, já não se pode, de forma alguma, pretender subsumir ao conceito de "formalidade essencial" a referência - ou não - à existência de porteiro ou (outros) vizinhos que se prestassem a receber e transmitir a citação. Está-se aqui perante uma formalidade que, apesar de orientada para o cumprimento da diligência com a possível segurança, se revela, apendicular relativamente aos demais e instrumental em face da razão de ser e da teleologia do acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (artigo 228º).</font><br>
<font>Daí que se confirme o entendimento retirado no acórdão recorrido, segundo o qual "o acto certificado na certidão de fls. 23 contém todos os elementos essenciais e, consequentemente, não se verifica a invocada falta de citação, fundamento do presente recurso extraordinário de revisão"</font><br>
<font>3 - Vem, porém, o recorrente, na presente revista, trazer à ribalta um novo argumento, assente no texto do artigo 483º, sempre na redacção então vigente, segundo o qual, conforme alega, "no caso de o juiz apurar que a citação foi efectuada com preterição de qualquer formalidade legal, por mais secundária ou insignificante que seja, há-de obedecer à segunda parte do preceito: tem de ordenar que o Réu seja citado novamente, com observância de todas as formalidades prescritas".</font><br>
<font>Estabelecia, na sua anterior redacção, o artigo 483º, epigrafado "Revelia absoluta do réu" (3):</font><br>
<font>Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, verificará o tribunal se a citação foi feita com as formalidades legais e mandá-la-á repetir quando encontre irregularidades.</font><br>
<font>O certo, porém, é que o dito argumento nada vem adiantar de relevante.</font><br>
<font>Na verdade, como resulta do acima exposto, inexistiram irregularidades susceptíveis de prejudicar a defesa do réu.</font><br>
<font>Em última análise, ainda que houvesse preterição de outras formalidades (não essenciais) prescritas por lei, geradoras de nulidade da citação, nos termos do artigo 198º, nº 1, seria aplicável ao caso, como resultado de uma interpretação extensiva, (quando não ditada pelo argumento a fortiori), o disposto pelo nº 2 do artigo 198º, segundo o qual "a arguição (da nulidade) só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado".</font><br>
<font>O que manifestamente não seria nunca o caso.</font><br>
<font>Dir-se-á, adicionalmente, que, tendo o (único) fundamento invocado no requerimento inicial com vista à procedência do presente recurso extraordinário de revisão (4) consistido na falta da citação por preterição das formalidades essenciais, a questão agora colocada - ou seja, a nulidade da citação por preterição de formalidade legal, "por mais secundária ou insignificante que seja" (cfr. conclusões 2ª e 5ª) seria susceptível de corresponder, em bom rigor, a uma alteração da causa de pedir, não permitida por lei, em face do disposto pelo artigo 273º, nº 1 (5). </font><br>
<font>E, em qualquer caso, constituiria uma questão nova. Ora, não pode o recorrente, pela primeira vez, em sede de revista, vir invocar a preterição de qualquer formalidade legal, aliás, não concretizada, "por mais secundária ou insignificante que seja", uma vez que representa afloramento de jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, aquele segundo o qual a questão nova não pode ser apreciada pelo STJ, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais órgãos de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida, impedindo-a (quando fosse o STJ a conhecer de tal questão) de recorrer (6).</font><br>
<br>
<font>Nem se diga que tal questão seria de conhecimento oficioso, em face do disposto pelo artigo 483º. É que esse comando legal refere-se a um diferente momento processual - o da constatação, pelo tribunal, da absoluta revelia do réu -, como claramente resulta do texto da norma em apreço, vigorando, nos restantes, a regra da segunda parte do artigo 202º.</font><br>
<font>Em qualquer caso cumpre concluir que as instâncias não violaram o artigo 235º, não se revelando imperativo que, na certidão, fosse feito constar que "o Sr. funcionário tenha procurado outros vizinhos de molde a transmitirem a citação ao Réu".</font><br>
<font>Improcedem, assim, as conclusões do Recorrente.</font><br>
<br>
<font>Termos em que se nega a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas pelo recorrente.</font><br>
<font>Lisboa, 21 de maio de 2002</font><br>
<font>Garcia Marques,</font><br>
<font>Ferreira Ramos,</font><br>
<font>Pinto Monteiro.</font><br>
<font>------------------------------------</font><br>
<font>(1) Ao qual pertencerão os normativos que se indiquem sem menção da origem.</font><br>
<font>(2) Cfr. o artigo 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.</font><br>
<font>(3) Norma, aliás, compaginável com a ressalva final do artigo 202º.</font><br>
<font>(4) O recurso de revisão constitui como que uma verdadeira "acção de anulação" da decisão proferida, ou se se quiser, como ensina Alberto dos Reis, "uma acção apresentada sob a forma de recurso, ou de um misto de recurso e acção" - cfr. "Código de Processo Civil Anotado", vol. VI, págs. 333, 362 e 375.</font><br>
<font>(5) Resumindo, poderá dizer-se que a causa de pedir é o facto jurídico concreto ou o título gerador do direito invocado, não se confundindo com os factos materiais alegados, nem com as razões jurídicas invocadas, devendo definir-se em função da qualificação jurídica desses factos que constituem apenas factos instrumentais necessários à individualização do "facto jurídico" - tudo invocado como "os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção", em conformidade com a alínea c) do nº 1 do artigo 467º - (neste sentido, veja-se o Acórdão deste STJ de 15 de Março de 2001, Revista nº 3640/00.</font><br>
<font>(6) Cfr. verbi gratia, o Acórdão deste STJ de 28-05-97, Processo nº 127/97, 2ª Secção.</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
mDLhu4YBgYBz1XKvCk2u | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br>
<br>
1. - "Administração do Centro Comercial ..." intentou acção declarativa contra "A - Sociedade de Comércio e Serviços de Bens Alimentares, S.A.", pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de esc. 10 550 817$00, referente a comparticipações (para as despesas comuns necessárias à conservação e fruição das partes comuns, aprovadas em assembleia geral de proprietários das lojas do Centro comercial) vencidas entre Agosto de 1996 e Fevereiro de 1999, inclusive, bem como as comparticipações vincendas, de esc. 352 127$00 mensais até efectivo pagamento, e ainda a sanção pecuniária compulsória de 50% sobre a dívida que se verificar aquando do integral pagamento. <br>
Fundamentando a pretensão a A. alegou, em síntese:<br>
O Centro Comercial Cidade Nova foi criado no ano de 1984, pelos seus construtores e fundadores, duas sociedades comerciais que procederam à elaboração de um Regulamento Interno do Centro Comercial, para disciplinar as suas actividades e relações entre as pessoas, descrevendo as fracções autónomas e suas permilagens, para ser apurada a comparticipação de cada uma das lojas para as despesas comuns e específicas do Centro Comercial, autonomamente, face às permilagens, distintas, da escritura de propriedade horizontal dos edifícios 14 e 15, abrangidos pelo Centro, Regulamento que foi revisto em assembleia geral de proprietários, realizada em 23/06/94, com aprovação da R.;<br>
A Ré é proprietária das lojas 91, 92, 93, 100 e 113 do edifício 15 e é locatária da loja 89, situada no mesmo edifício, tendo a locadora transferido para a locatária a responsabilidade dos seus encargos do condomínio ou outras despesas relativas à loja 89;<br>
Desde 1994, quando adquiriu as lojas, e até Julho de 1996, a Ré sempre comparticipou para as despesas comuns do Centro, na sua quota parte, segundo a permilagem para o efeito determinada;<br>
As 6 lojas da Ré intercomunicam-se, por forma a constituírem um supermercado, que aquela explora, e têm duas portas para o interior do Centro Comercial, que a Ré pode utilizar;<br>
A Ré deixou de pagar as comparticipações mensais a partir de Agosto de 1996 e até ao presente momento.<br>
<br>
A R. contestou alegando que não tinha consciência da natureza do Regulamento, julgando que se tratava de um regulamento de condomínio e que a reunião em que o mesmo foi aprovado era uma vulgar reunião de condomínio, que paga as suas contribuições ao condomínio do prédio de acordo com as permilagens atribuídas às suas fracções no título constitutivo da propriedade horizontal, que o único acesso ao supermercado é feito por entradas próprias, com acesso directo à via pública e que nenhum benefício retira a Ré dos serviços prestados pela administração do Centro Comercial.<br>
Acrescenta que pagou durante alguns anos as contribuições para o Centro Comercial apenas e tão só porque estava convencida de que aquelas eram verdadeiras contribuições de condomínio e porque tais contribuições sempre foram reclamadas, pela Administração, a título de "condomínio", até que, em Outubro de 1996, a Ré declarou à Administração do Centro Comercial que considerava terminadas quaisquer relações contratuais porventura existentes entre as partes.<br>
Conclui que o que existe é um contrato de efeitos meramente obrigacionais, que não obriga a R. e seria anulável, por erro. Invoca essa anulabilidade e a validade da revogação ou da denúncia.<br>
<br>
Após completa tramitação do processo, o pedido da A. obteve total procedência, decisão que a Relação confirmou.<br>
A Autora, insistindo na pretensão de improcedência da acção, pede revista.<br>
Para o efeito, verteu nas conclusões:<br>
- O "Regulamento Interno" do Centro Comercial, bem como a adesão ao mesmo, têm a natureza de actos comerciais;<br>
- Os efeitos desses contratos são meramente obrigacionais;<br>
- Por virtude do referido "Regulamento" instituiu-se entre os lojistas uma associação irregular ou de facto;<br>
- O denominado "Regulamento Interno" não pode ter por efeito a criação de direitos ou obrigações de carácter real, nem a criação de uma terceira propriedade horizontal incidente sobre dois prédios distintos e já previamente sujeitos a esse regime;<br>
- A R. só aderiu a esse contrato porque estava em erro, cuja essencialidade não podia nem devia ser ignorada pela A.;<br>
- Portanto, tal contrato é anulável, como foi tempestivamente invocado;<br>
- O contrato, sem prazo, foi validamente denunciado pela R., através da carta de 21/02/97, em que reafirma a sua vontade de se desvincular do contrato que consubstancia a associação irregular.<br>
<br>
A Ré respondeu, pugnando pela manutenção do julgado.<br>
<br>
2. - Para decisão vem colocada a questão da licitude e efeitos da desvinculação efectuada pela Autora do regime estabelecido pelo Regulamento Interno do Centro Comercial.<br>
Tal conhecimento passa pela apreciação das seguintes sub-questões, repostas no recurso:<br>
- Qualificação e natureza jurídica do "Regulamento Interno";<br>
- Erro da Ré na adesão ao "Regulamento" e seus efeitos; e, <br>
- Validade e eficácia da denúncia.<br>
3. - A matéria de facto assente pelas instâncias é a que segue:<br>
1) - O Centro Comercial Cidade Nova foi criado, no ano de 1984, pelos seus fundadores ou empreendedores, as Sociedades comerciais "B-Construção, S.A." e "C, Investimento e Urbanização, S.A.", que construíram os edifícios nos Lotes ..., de sua propriedade, sitos na Rua Luís de Camões, Cidade Nova, Santo António dos Cavaleiros, onde está implantado o Centro Comercial Cidade Nova (resp. quesito 1º);<br>
2) - Ambas aquelas sociedades anónimas procederam à elaboração de um regulamento interno do Centro Comercial, para disciplinar as suas actividades e relações entre as pessoas, descrevendo as fracções autónomas e suas permilagens, para ser apurada a comparticipação de cada uma das lojas para as despesas comuns e específicas do Centro Comercial, autonomamente, face às permilagens da escritura de propriedade horizontal de ambos os edifícios 14 e 15, sendo que, tal regulamento, iria fazer parte integrante dos contratos promessa e das escrituras públicas de compra e venda das 101 lojas do edifício 14, e 25 lojas do edifício 15, de que ainda eram proprietárias (ques. 2º);<br>
3) - Depois, foram as empreendedoras vendendo as lojas e restantes fracções de ambos os edifícios, a vários compradores (resp. ques. 3º);<br>
4) - A "C" foi administradora do Centro Comercial durante os primeiros 5 anos, sucedendo-se depois outras administrações, nomeadas em Assembleia Geral de Proprietários do Centro Comercial (resp. ques. 4º);<br>
5) - O Regulamento interno do Centro Comercial foi revisto e alterado, em Assembleia Geral de proprietários do Centro Comercial, realizada em 23/06/1994, convocada para o efeito, tendo deliberado o novo texto do regulamento interno, que entrou em vigor em 23/07/1994, constante da acta nº. 14 (resp. ques. 5º);<br>
6) - O actual Regulamento Interno, em vigor desde 23/07/1994, foi também aprovado pela ora ré, que se fez representar pelo Sr. F (resp. ques. 6º);<br>
7) - O Regulamento Interno em vigor desde 23/07/1994 (acta nº. 14), tal como o anterior regulamento, também prevê 126 lojas no Centro Comercial Cidade Nova, que se localizam nos pisos menos dois, menos um e zero dos edifícios ...e ... da Rua Luís de Camões, em Santo António dos Cavaleiros, às quais continuaram a ser atribuídas as mesmas permilagens que têm por objecto encontrar o valor ou quota-parte a pagar por cada proprietário para as despesas comuns apenas do Centro Comercial, previamente aprovadas em orçamentos anuais pela Assembleia Geral de Proprietários, podendo cada um transferir tal encargo para terceiros (q. 7º); <br>
8) - As permilagens referidas no regulamento interno são distintas das permilagens inscritas na escritura de propriedade horizontal dos edifícios ... e para cada fracção autónoma, tendo os proprietários de comparticipar para o condomínio do edifício a que a sua loja pertence, apenas na medida da sua utilização (resp. ques. 8º);<br>
9) - A ora Ré é proprietária das lojas 91, 92, 93, 100 e 113, respectivamente fracções autónomas "C", "D", "E", "L" e "FS" do mencionado edifício 15, onde se integra uma parte do Centro Comercial Cidade Nova, descritas na 1ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. 00036, da freguesia de Santo António dos Cavaleiros (al. A) da matéria de facto assente);<br>
10) - A Ré é locatária da loja 89, que corresponde à fracção "A", por contrato de locação financeira, celebrado com "D - Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, SA", (al. B) da mat. assente);<br>
11) - Relativamente à loja 89 ou fracção "A", a Locadora "D", que actualmente se denomina "BPI Leasing - Soc. E", transferiu a responsabilidade dos seus encargos do condomínio ou outras despesas para a locatária aqui Ré (al. C));<br>
12) - O edifício 15, tal como o edifício 14, está constituído no regime de propriedade horizontal (al. D) da mat. assente). <br>
13) - As permilagens atribuídas no título constitutivo da propriedade horizontal do lote 15 às fracções "pertencentes" à Ré são, como resulta da inscrição F-1, as seguintes:<br>
· Fracção A 23/1000;<br>
· Fracções C e L 6/1000 cada uma;<br>
· Fracção D 2,75/1000;<br>
· Fracção E 1,5/1000;<br>
· Fracção FS 4/1000 (al. E) da matéria assente); <br>
14) - O Centro Comercial Cidade Nova é composto por 25 lojas do edifício 15, das quais fazem parte as lojas da Ré nºs 89, 91, 92, 93, 100 e 113, desde a sua criação em 1984 e até ao presente momento (ques. 9º);
<p>15) - As referidas 6 lojas da Ré estão integradas no Centro Comercial Cidade Nova, e fazem parte do edifício 15, tal como as restantes 19 lojas (resp. ques. 10º);
</p><p>16) - Sempre foram consideradas como tal, tanto pelos construtores-proprietários e administradores, ou seja, a "B, S.A." e a "C", como pelos proprietários que adquiriram as 6 lojas, em 1984 e 1985, G e esposa e H e esposa (resp. ques. 11º);
</p><p>17) - A Ré, em 15/07/94, adquiriu as lojas 91, 92, 93, 100 e 113 e desde 28/02/96 que é locatária da loja 89, por contrato de locação financeira (resp. ques. 12º);
</p><p>18) - A Ré também aceitou as suas lojas como integradas no Centro Comercial (resp. ques. 13º);<br>
19) - Tal como os anteriores proprietários, desde 1984, a Ré, desde 1994 e até Julho de 1996, sempre comparticipou para as despesas comuns do Centro Comercial Cidade Nova, na sua quota parte, segundo as permilagens para o efeito determinadas no respectivo Regulamento interno (resp. ques. 14º);<br>
20) - A Ré aprovou o actual Regulamento Interno do Centro Comercial, que prevê a medida da contribuição para as despesas comuns do centro comercial, expressas em permilagem, distinta essa comparticipação da que é devida para a parte habitacional do edifício 15 (resp. ques. 15º);
</p><p>21) - As despesas das partes comuns dos edifícios 14 e 15, ficam a cargo dos condóminos que delas se servem (resp. ques. 16º);<br>
22) - As lojas do Centro Comercial, relativamente à parte dos edifícios 14 e 15, têm despesas próprias e autónomas (resp. ques. 17º);<br>
23) - Os proprietários das lojas do Centro Comercial não se servem nem utilizam as partes comuns que dão acesso às fracções habitacionais dos edifícios 14 e 15, prosseguindo despesas e interesses próprios e autónomos (resp. ques. 18º);
</p><p>24) - A comparticipação dos proprietários das lojas do Centro Comercial para com o condomínio dos edifícios 14 e 15 a que pertencem, é reduzida e está afecta ao fundo comum de reserva (resp. ques. 19º);<br>
25) - As 5 lojas da Ré com os nºs 89, 91, 92, 93 e 113 intercomunicam-se, por forma a constituírem um supermercado, que aquela explora, com o esclarecimento de que a loja 100 se situa no piso superior e não se intercomunica com as restantes (resp. ques. 20º e 57º);<br>
26) - As lojas da Ré têm três portas para o interior do Centro Comercial, sendo uma que dá acesso ao corredor do piso inferior, outra que dá acesso ao corredor do piso do meio e outra que dá acesso ao corredor do piso superior, com o esclarecimento de que as portas dos pisos inferior e do meio se encontram fechadas há vários anos (resp. aos ques. 21º e 57º);<br>
27) - A loja 89 situa-se no piso inferior, ou seja, piso "2, as lojas 91, 92, 93 e 113, no piso do meio, ou seja, piso "1 e a loja 100 no piso superior, ou seja, piso zero (resp. ques. 22º);<br>
28) - O Centro Comercial tem três pisos sobrepostos, todos ligados e intercomunicáveis pelo seu interior, podendo todas as lojas usufruir das zonas comuns privativas do Centro Comercial, que lhes dão acesso (resp. ques. 23º);<br>
29) - A Ré pode utilizar as três portas das suas lojas que dão para o interior do Centro Comercial, com o esclarecimento de que não utiliza as duas portas das lojas dos pisos inferior e do meio, que compõem o Supermercado, por não as considerar funcionais para um supermercado (resp. ques. 24º);<br>
30) - A Ré não está impedida de utilizar as suas fracções e de se servir das partes comuns, mormente, as descritas no art.º 3º do regulamento interno, e todos os serviços de interesse comum (resp. ques. 25º);<br>
31) - Só os proprietários das lojas do Centro Comercial ou seus procuradores, podem participar e votar nas assembleias gerais do Centro Comercial (resp. ao ques. 26º);
</p><p>32) - Nos termos do Regulamento Interno, art.º 3º, são partes comuns do Centro Comercial, as instalações de água, electricidade, telefone, gás, ar condicionado, detecção de incêndio e roubo, avisadores acústicos ou luminosos, antenas colectivas exclusivas do empreendimento comercial, elementos decorativos das zonas de circulação, portas de acesso, os corredores e escadas, equipamento eléctrico e electromecânico, as casas de banho e lavabos existentes fora das lojas e respectivo equipamento (resp. ques. 27º);
</p><p>33) - O Centro Comercial está instalado em edifícios contíguos e tem zonas comuns privativas que permitem o acesso às lojas nele implantadas, com unidade de gestão, que garante a implementação, direcção e coordenação dos serviços comuns, bem como a fiscalização do regulamento interno, tem unidade de horário de funcionamento das diversas lojas, sem prejuízo dos desvios exigidos pela natureza especial de alguns estabelecimentos instalados (resp. ao ques. 28º); <br>
34) - A Ré pode usufruir dos serviços ligados à conservação e restauro dos bens de utilidade comum, bem como da própria localização do Centro, dispondo de serviços administrativos, contabilísticos, de informação, de recepção, de limpeza, segurança e vigilância, anúncios luminosos, letreiros, electricidade, água, telefone, distribuição de correio, parques de estacionamento e arruamentos de acesso (resp. ques. 29º);<br>
35) - A Ré vinha-se atrasando durante alguns meses que antecederam Agosto de 1996, no pagamento das suas comparticipações mensais, para as despesas comuns aprovadas em assembleia geral de proprietários do Centro Comercial Cidade Nova, argumentando com dificuldades económicas, mas ia pagando com um ou dois meses de atraso (resp. ques. 30º);
</p><p>36) - Não mais pagou a partir de Agosto de 1996, inclusive, e até ao presente momento (resp. ques. 31º);
</p><p>37) - Nos termos do Regulamento Interno, as despesas do Centro Comercial são suportadas pelos proprietários, de acordo com as permilagens que correspondem às suas lojas, definidas no artº. 2º daquele regulamento (resp. ques. 32º);<br>
38) - A Assembleia Geral de Proprietários das lojas do Centro Comercial Cidade Nova aprovou, em 28/03/1996, o orçamento para o ano de 1996, de esc. 22 135 138$00 (resp. ao ques. 33º);<br>
39) - A Ré esteve presente nessa assembleia (resp. ques. 34º);
</p><p>40) - Em Assembleia Geral de Proprietários das lojas do Centro Comercial, reunida em 6/05/1997, foi aprovado o orçamento das despesas para o ano de 1997, de esc. 22 074 604$00 (resp. ques. 35º);
</p><p>41) - Tanto a convocação para Assembleia de 6/05/1997, como o envio da acta nº. 19, foram feitos à Ré (resp. ao ques. 36º);
</p><p>42) - Essas deliberações não foram objecto de impugnação pela Ré (resp. ques. 37º);
</p><p>43) - Em Assembleia Geral de Proprietários das lojas do Centro Comercial, reunida em 16/04/1998, foi aprovado o orçamento das despesas para o ano de 1998, de esc. 23 045 412$00 (resp. ao ques. 38º);<br>
44) - Tanto a convocação para a Assembleia de reunião de 16/04/1998, como o envio da acta nº. 20, foram feitos à Ré ( ques. 39º);
</p><p>45) - Essa acta não foi impugnada pela Ré (resp. ao ques. 40º);
</p><p>46) - As lojas da Ré têm as seguintes permilagens previstas no Regulamento interno em vigor:<br>
Loja 89........................................103,28/1 000;<br>
Loja 91..........................................25,90/1 000;<br>
Loja 92..........................................12,17/1 000;<br>
Loja 93............................................7,18/1 000;<br>
Loja 100........................................27,45/1 000;<br>
Loja 113........................................17,16/1 000 (ques. 41º). <br>
47) - No ano de 1996, a comparticipação mensal que a Ré deve, quanto à loja 89, é 170 800$00; quanto à loja 91, 42 832$00; quanto à loja 92, 20 126$00; quanto à loja 93, 11 874$00; quanto à loja 100, 45 395$00 e quanto à loja 113, 28 378$00 (resp. ao ques. 42º);<br>
48) - A dívida da Ré, entre Agosto e Dezembro de 1996, totaliza esc. 1 597 025$00 (resp. ques. 43º); <br>
49) - No ano de 1997, a comparticipação mensal da Ré, quanto à loja 89, é 179 338$00; quanto à loja 91, 44 973$00; quanto à loja 92, 21 132$00; quanto à loja 93, 12 467$00; quanto à loja 100, 47 664$00 e quanto à loja 113, 29 796$00 (resp. ques. 44º); <br>
50) - A dívida da Ré, no ano de 1997 (12 meses), totaliza esc. 4 024 440$00 (resp. ao ques. 45º);<br>
51) - No ano de 1998 e em Janeiro e Fevereiro de 1999, a comparticipação mensal da Ré, quanto à loja 89, é 188 304$00; quanto à loja 91, 47 221$00; quanto à loja 92, 22 188$00; quanto à loja 93, 13 090$00; quanto à loja 100, 50 047$00 e quanto à loja 113, 31 285$00 (resp. ao ques. 46º);<br>
52) - A dívida da Ré, entre Janeiro de 1998 e Fevereiro de 1999 (14 meses) totaliza esc. 4 929 890$00 (ques. 47º);<br>
53) - O montante total das comparticipações mensais devidas pela Ré em 1998, relativamente a todas as lojas, é de esc. 352 135$00 (resp. ao ques. 48º), a corrigir consoante o que vier a caber à Ré, segundo os valores orçamentais a aprovar anualmente (resp. ques. 49º);<br>
54) - Sobre as comparticipações mensais vincendas, a partir de 8/03/99 e até integral pagamento, tem a Ré de pagar sanções pecuniárias de 50% (resp. ques. 50º);
</p><p>55) - A Ré adquiriu cinco fracções em 15 de Julho de 1994, não se fazendo nas escrituras de compra e venda das referidas fracções qualquer menção expressa à sua integração no Centro Comercial, nem qualquer menção ao respectivo Regulamento interno (resp. ao ques. 51º);<br>
56) - Também na escritura de compra e venda e locação financeira relativa à fracção autónoma designada pela letra "A", celebrada em 28/02/96, nenhuma referência expressa é feita à integração da fracção no Centro Comercial, nem é feita menção ao respectivo regulamento interno (resp. ques. 53º);<br>
57) - A Ré paga as suas contribuições ao condomínio do prédio supra identificado (ques. 55º);<br>
58) - O acesso ao supermercado da Ré é feito por entradas próprias, com acesso directo à via pública (resp. ques. 58º);<br>
59) - Nenhum movimento de público se faz directamente entre o interior do Centro Comercial e o supermercado da Ré e vice-versa (59º);<br>
59-A) - Nenhum benefício retira a R. dos serviços prestados pela administração do Centro Comercial (resp. a 60.º, adit. pela Relação);<br>
59-B - Não existem nenhumas partes comuns do Centro Comercial de que a R. "usufrua" ou delas retire qualquer utilidade (61.º, adit.); <br>
60) - As duas portas que estabeleciam comunicação entre o supermercado da Ré e o Centro Comercial há vários anos que se encontram fechadas, sem qualquer uso (resp. ques. 62º);<br>
61) - As mesmas não foram consideradas aptas pela Ré ao trânsito do público em geral (resp. 63º);<br>
62) - O Supermercado da Ré dispõe de contadores próprios de água, electricidade e telefone, bem como de equipamentos próprios de detecção de incêndios e alarme e de casas de banho e instalações sanitárias próprias (resp. ques. 64º);<br>
63) - A Ré pagou durante alguns anos as contribuições para o Centro Comercial convencida de que se tratavam de contribuições de condomínio (resp. 65º);<br>
64) - Tais contribuições sempre foram reclamadas pela Administração do Centro, a título de condomínio (resp. ques. 66º);<br>
65) - A partir de determinada altura, a Ré empreendeu diligências com vista a esclarecer a sua posição face ao Centro Comercial (resp. 70º);<br>
66) - A Ré solicitou à Administração do Centro Comercial o envio dos documentos que clarificassem a situação, bem como a realização de uma reunião destinada a discutir e aclarar as relações entre as partes (resp. ques. 71º);<br>
67) - A administração do Centro Comercial enviou à Ré as actas das Assembleias Gerais de Proprietários, para além do Regulamento em vigor, bem como cópia da licença de utilização referente às lojas da Ré (q. 72º);<br>
68) - A licença de utilização não menciona qualquer centro comercial (resp. ao ques. 73º);<br>
69) - Apesar de ter sido pedida pela Ré a realização de uma reunião com a actual Administração do Centro Comercial, com vista à resolução consensual do assunto, tal reunião não veio a concretizar-se (ques. 75º);<br>
70) - As 6 fracções autónomas da Ré não se encontram fisicamente separadas do resto do Centro Comercial, e a interligação entre elas é possível (resp. ques. 76º);
</p><p>71) - O acesso às lojas da Ré pode ser feito pelo interior do Centro Comercial, por corredores no piso inferior, no piso médio e no piso superior, onde a Ré dispõe de três portas em alumínio e vidro, distribuídas por cada um dos pisos, estando as dos pisos inferior e do meio fechadas, por não serem consideradas aptas pela Ré ao trânsito do público em geral (resp. ques. 77º);<br>
72) - A Ré, na sequência de interpelação do Ilustre mandatário forense da A., enviou a esta uma carta datada de 21 de Fevereiro de 1997, na qual reafirma expressamente que "... consideramos rescindida a nossa ligação ao centro comercial e nomeadamente a qualquer acordo que possa ter existido..." (al. F) da matéria assente); <br>
73) - Perante a insistência da Ré, por carta que escreveu à Administração, ora A. em 21/02/97, veio a Administração responder-lhe em 25/02/97, mantendo a sua posição e considerando a obrigação de a Ré contribuir para as despesas comuns do Centro comercial (resp. ques. 78º);
</p></font><p><font>74) - A A. não viu necessidade de qualquer reunião, por considerar que tudo foi esclarecido pelo telefone e por cartas (resp. ao ques. 79º).<br>
<br>
4. - Mérito do recurso.<br>
<br>
4. 1. - O Regulamento Interno - qualificação e natureza jurídicas.<br>
<br>
Encontra-se adquirido nos autos que os dois edifícios construídos contiguamente e designados por lote 14 e lote 15 se encontram, como prédios autónomos, constituídos em regime de propriedade horizontal.<br>
<br>
Desde a sua construção esses edifícios encontram-se interligados ao nível dos pisos 0, -1 e -2, cujo espaço é ocupado pelo Centro Comercial, constituído por 126 lojas - 101 no lote 14 e 25 no lote 15 -, que são outras tantas fracções autónomas dos edifícios e às quais o Regulamento Interno do Centro Comercial atribuiu permilagem diferente da constante nos títulos constitutivos da propriedade horizontal dos edifícios.<br>
<br>
Pode assim concluir-se, como já se refere no acórdão recorrido, que os titulares das fracções destinadas ao Centro Comercial detêm uma sobreposição de duas qualidades: - enquanto donos das fracções autónomas, estão sujeitos ao regime da propriedade horizontal e à disciplina estabelecida no Regulamento do condomínio e na lei quanto à sua participação no uso, fruição e conservação das partes comuns e inerentes despesas, nos termos previstos nos arts. 1429.º-A e 1424.º C. Civil; - enquanto lojistas, poderão estar sujeitos a um outro regulamento, como o Regulamento Interno, que foi elaborado para regular as relações dos lojistas entre si.<br>
Aqui chegados, importa tentar pôr em destaque algumas notas distintivas no sentido da caracterização da natureza do Regulamento Interno.<br>
<br>
A propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por "um misto incindível" de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela. O condomínio traduz justamente essa situação de que são titulares os condóminos, como declarado no art. 1420.º C. Civil.<br>
O estatuto da propriedade horizontal é fixado pela lei, que prevê um conjunto de normas imperativas, pelo título constitutivo e pelo regulamento do condomínio.<br>
<br>
O regulamento de condomínio corporiza um conjunto de regras destinadas a disciplinar as relações entre os condóminos no tocante ao gozo, conservação e administração do edifício, ou seja, é elemento da «definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal» destinado a prevenir e resolver eventuais situações de conflito emergentes da posição de cada um dos condóminos, enquanto titular simultâneo de um direito singular de propriedade e de comproprietário das partes comuns (cfr. SANDRA PASSINHAS, "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 81).<br>
<br>
Referindo-se ao estatuto de um direito real, como o é a propriedade horizontal, e disciplinando as relações entre condóminos, independentemente das pessoas que, em cada momento, sejam titulares dos direitos, o regulamento tem como sujeitos dos direitos e obrigações que prevê os condóminos, enquanto titulares do direito real misto incindível, apresentando incidência e eficácia propter rem.<br>
Quando aprovado pela assembleia de condóminos, o regulamento é uma deliberação normativa disciplinadora da relação condominial.<br>
<br>
O conjunto dos condóminos a que a lei (art. 1430.º) comete a administração das partes comuns e a feitura do regulamento do condomínio, tem sido assimilada a uma associação não personalizada, tal como prevista nos arts. 195.º a 198.º C. Civil.<br>
No condomínio é possível encontrar, com efeito, um grupo de pessoas (os condóminos - substracto pessoal), que prossegue interesse colectivo determinado e duradouro, com um conjunto de bens (e fundos) com afectação específica, tudo apoiado numa organização. Daí a aplicabilidade, no que for compatível com o estatuto condominial, do regime das associações sem personalidade jurídica (cfr. SANDRA PASSINHAS, ob. cit., 180 e ss.; ARMINDO RIBEIRO MENDES, ROA, 1970, A. 30, 69).<br>
<br>
O Regulamento Interno do Centro Comercial contém, efectivamente, várias semelhanças e pontos de contacto com que caracteriza um regulamento de condomínio.<br>
Inexiste, em Portugal, um regime jurídico sistematizado tendo por objecto os denominados Centros Comerciais. Não é mesmo possível, a partir das escassas referências legais, encontrar um conceito definidor dessa realidade jurídica comercial essencialmente caracterizada pela afectação de um espaço físico, com uma área e número de lojas mínimos, a ramos de comércio e prestação de serviços diversificados, com serviços comuns às lojas nele instaladas e submetido a uma gestão unitária.<br>
<br>
Porém, o que aqui interessa pôr em destaque, não é tanto qual seja conceito e regime jurídico do Centro Comercial mas, antes, aquilo que ele não é. E, seguramente, como se afirma no douto parecer junto aos autos, o Centro Comercial, criado por um acto jurídico como um ente comercial, goza de um estatuto que assenta necessariamente na autonomia privada, tratando-se sempre de um regime meramente obrigacional. <br>
É certo, acrescentamos nós, que a autonomia privada também pode intervir no acto jurídico constitutivo da propriedade horizontal, moldando-lhe o estatuto e interferindo na fixação do conteúdo do direito real, mas, por via dos efeitos do registo da escritura, tornam-se vinculativas para os titulares do direito real (condóminos), nele se incorporando.<br>
<br>
Um centro comercial instalado num edifício constituído em propriedade horizontal não passa, por isso, a constituir um condomínio: - aquele, constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros; - - o edifício, objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio. <br>
Vigora para este o estatuto de natureza real a que são inerentes as regras da legalidade de reconhecimento e sujeição ao princípio da taxatividade, ou seja, a proibição de figuras de natureza real não tipificadas ou previstas pelo legislador, com o conteúdo também por ele balizado.<br>
<br>
Ora, como também conclui o Ilustre Professor signatário do mencionado parecer, um estatuto de natureza real, porque é dotado de eficácia erga omnes, não pode aplicar-se a relações de natureza obrigacional, que produzem apenas efeitos inter partes, não devendo os terceiros ser atingidos, sem o seu consentimento, pelo regime estabelecido por uma relação de cariz meramente obrigacional.<br>
<br>
O Regulamento Interno do Centro Comercial Cidade Nova de Julho de 1994, em vigor, tem uma origem interna - resulta de deliberação da assembleia dos proprietários lojistas. <br>
Como tal, não provém de declarações de vontade e vinculação dos condóminos do edifício, ou dos edifícios, em estabelecimento de regras disciplinadoras sobre o uso de coisas comuns e repartição de despesas segundo os direitos e obrigações respeitantes a cada condómino, mas provém, tão só, de proprietários de fracções de uma parte do edifício, de cada edifício, na sua qualidade de lojistas.<br>
<br>
Um tal ordenamento, assim destinado a disciplinar a actividade dos lojistas, fora e para além do que corresponde ao uso das coisas comuns do edifício - direitos incindíveis e compropriedade indivisível (art. 1420.º) -, não é, não pode ser, um regulamento de condomínio a que a lei atribui força vinculativa, enquanto conjunto de direitos e obrigações ligadas ao estatuto do direito real - a propriedade singular e a compropriedade que integram o condomínio. <br>
<br>
A existência do Regulamento do condomínio é obrigatória e dele, enquanto condóminos, devem participar os donos das fracções destinadas a comércio e integradas no Centro Comercial, mas a disciplina, regulamentação e gestão dos serviços e interesses comuns dos lojistas, proprietários ou não das fracções-lojas é coisa diferente que não tem de se situar no âmbito das relações condominiais, nomeadamente quando a totalidade do edifício não está afecta à instalação do Centro Comercial.<br>
<br>
Reafirma-se, pois, a natureza meramente obrigacional do estatuto do Centro Comercial Cidade Nova, corporizado no seu Regulamento Interno, como realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio dos edifícios em que está instalado e seu regulamento.<br>
<br>
Tal como já se deixou adiantado a propósito do condomínio, o grupo de pessoas constituído pelos proprietários das lojas, que se reuniu em assembleia e criou o Regulamento Interno do Centro Comercial, deve entender-se como o substracto pessoal de uma associação, encontrando-se presentes, e agora à semelhança do que sucede com o condomínio, os demais elementos caracterizadores da figura, designadamente a prossecução de uma actividade destinada a satisfazer um interesse colectivo, de forma organizada e mediante a afectação de certos bens e fundos (elementos pessoal, teleológico e organizatório).<br>
Encontramo-nos, pois, perante uma associação de facto, não personalizada, já que não foram respeitados os necessários requisitos de forma (arts. 167.º-1 e 168.º-1 e 3 C. Civil).<br>
Os direitos e obrigações dos proprietários/lojistas, enquanto associados devem, assim, reger-se pelo estatutos, aqui o Regulamento Interno, e pelas disposições que regem as associações sem personalidade jurídica (arts. 195.º e ss. C. Civil) e, subsidiariamente, por expressa remissão do art. 195.º-1, as normas relativas às associações (arts. 167.º a 188.º) que não pressuponham a personalidade.<br>
<br>
4. 2. - O erro da Ré na adesão ao Regulamento e seus efeitos.<br>
<br>
A Recorrente insiste na anulabilidade «do contrato» - adesão ao Regulamento - a pretexto de que só aderiu ao contrato por estar convencida de que estava a cumprir obrigações impostas pela lei aos condóminos e não espontaneamente e por vontade própria, resultando dos factos provados que a essencialidade desse erro não podia nem devia | [0 0 0 ... 0 0 0] |
JjLbu4YBgYBz1XKvqktJ | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br>
<br>
<font>Da sentença proferida no apenso de reclamação de créditos à falência de A - Transformação, Exportação de Rochas Ornamentais, Lª., a reconhecer todos os créditos reclamados e os graduar, apelou, sem êxito, Banco B, por o seu crédito, garantido por 2 hipotecas voluntárias e penhores mercantis, umas e outros anteriormente constituídos, ter sido graduado, no que respeita quer ao imóvel hipotecado quer aos bens móveis sobre que estes incidem, após os créditos dos trabalhadores.</font><br>
<font>De novo irresignado, pediu revista por entender que os seus créditos, assim garantidos e reconhecidos, devem ser graduados prioritariamente sobre os dos trabalhadores, pelo que o acórdão, não o tendo feito, violou o disposto nos arts. 686, 735, 749 e 751 CC e 2 e 18 CRPort.</font><br>
<font>Sem contraalegações, salvo do Mº Pº a defender a confirmação do acórdão.</font><br>
<font>Colhidos os vistos.</font><br>
<br>
<font>Para efeito de conhecimento da revista apenas interessa, em sede de matéria de facto, o que do relatório consta.</font><br>
<br>
<font>Decidindo: -</font><br>
<br>
<font>1.- Por diversas vezes tem sido o Supremo Tribunal de Justiça chamado a pronunciar-se sobre a única questão aqui posta - concorrendo à graduação créditos dos trabalhadores e hipotecários qual a prioridade a estabelecer.</font><br>
<font>Deriva esta questão de o art. 12 da LSA (lei 17/86, de 14.06 e, hoje, dec-lei 96/01), de 20.08) ter vindo, ao arrepio do estatuído antes no CCiv, a conceder privilégio creditório imobiliário geral aos créditos dos trabalhadores com origem na situação de salários em atraso.</font><br>
<font>A orientação do Supremo Tribunal de Justiça tem sido no sentido defendido pela B e, nos recursos de constitucionalidade interpostos para o Tribunal Constitucional, tem este reconhecido que esse art. 12, se interpretado no sentido de conferir prioridade aos créditos dos trabalhadores sobre os garantidos por hipoteca anteriormente constituída, fere princípios constitucionais.</font><br>
<font>Por se concordar com esta orientação (e com a relativa à garantia de penhor - art. 666-1 CC) limitar-nos-emos a pouco mais que reproduzir os argumentos que temos por mais relevantes e expandidos noutros acórdãos.</font><br>
<br>
<font>2.- A atribuição do privilégio creditório não está ligado apenas à natureza e origem do crédito mas ainda à sua conexão com os bens (maxime, o especial) ou com a actividade que através destes se desenvolve ou permitem se desenvolva ou, de um modo mais genérico, com a função de garantia das obrigações constituída pelo património do devedor (CC- 601 e 817).</font><br>
<font>Ainda quando a garantia hipotecária seja prestada incidindo sobre o imóvel onde está situado o estabelecimento fabril - e esse é o caso presente - ou mesmo quando seja prestada no decorrer já da actividade fabril os trabalhadores são, na normalidade dos casos, os beneficiários dessa injecção de capital se bem que indirectamente.</font><br>
<font>Tanto quem concede o crédito como a empresa que o recebe, conquanto cientes disso, sabem que aquela transferência monetária não tem carácter de subsídio - e menos ainda a fundo perdido - mas de crédito concedido à empresa e, porque o é a esta, é indirectamente a retribuição do trabalho que irá sair beneficiada.</font><br>
<font>Não seria curial que quem do financiamento aufere benefício pudesse ter uma posição de prioridade sobre o financiador vendo o seu crédito garantido por privilégio que relegasse o pagamento do crédito deste relativamente ao dele (aqui, os trabalhadores).</font><br>
<font>Num sistema político-social que procura estabelecer um equilíbrio entre, por um lado, o respeito pelos direito de e ao trabalho e, por outro, pelos meios de propriedade, seriam, se outras razões não existissem também, os princípios da protecção da confiança e de segurança do comércio jurídico imobiliário e o do Estado de Direito, constitucionais um e outro que eram postos em crise e a oporem-se à solução perfilhada pelas instâncias.</font><br>
<font> </font><br>
<font>3.- O CC66 manteve os privilégios creditórios tal como conhecidos no de Seabra sem prejuízo de ser mais explícito numa das suas características - a referência à causa do crédito («em atenção à causa do crédito» - art. 733), não inovou. O privilégio creditório tem como fonte sempre a lei.</font><br>
<br>
<font>Qualquer alteração no seu regime ou a sua atribuição a diferente crédito não pode nem deve pôr de parte essas características em termos de colocar em crise aqueles princípios constitucionais.</font><br>
<font>Permitir, contrariamente a uma das características do privilégio creditório imobiliário - ser sempre especial (CC- 735,3; em 2003, foi introduzida uma alteração, pelo dec-lei 38/03, de 08.03, que não importa considerar nem discutir se seria aqui aplicável - não se trata de lei interpretativa mas de lei nova, só dispõe para o futuro- art. 12-1 CC; ainda em 2003, o CTrab., no seu art. 377-1 b) se afastou da interpretação de o privilégio creditório imobiliário aí concedido poder ser geral, muito embora trace um quadro que aqui não interessa considerar por não ser aplicável - art. 3-1 e 2 Lei 99/03, de 27.08), que incida sobre qualquer imóvel ainda que sem conexão com o crédito que por ele se quer garantido, sem qualquer publicidade (não é levado ao registo predial) e apenas se tornando conhecido após a declaração de falência e o reconhecimento dos créditos na respectiva reclamação, seria ferir gravemente o princípio quer da confiança quer da segurança do comércio jurídico imobiliário bem como o da individualização do objecto dos direitos reais (um privilégio creditório imobiliário geral não pode ser considerar um direito real de garantia - Almeida Costa tem-no constitutivo de mero direito de prioridade que prevalece contra os credores comuns enquanto para Menezes Cordeiro, tendo-o como próximo dos privilégios mobiliários, o trata como preferência geral anómala à qual se aplica o disposto no art. 749 CC - in, respectivamente, Dir. das Obrigs. p. 824 e Dir. das Obrigs. p.500-501).</font><br>
<font>A regulamentação do CCiv quanto ao privilégio imobiliário (art. 751) pressupõe a sua característica - ser sempre especial - pelo que não se a pode ter como aplicável a um tal privilégio que se atribua com incidência sobre todos os imóveis do devedor. Terá de se recorrer, então, ao disposto no art. 749-1 e 2 CC.</font><br>
<font>Quando o art. 12 da LSA atribuiu aos trabalhadores para pagamento dos seus créditos privilégio creditório imobiliário não previu o efeito de poder ser interpretado como estando a conceder uma garantia prioritária sobre os credores hipotecários - serem pagos sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (CC- 686,1) - nem certamente quereria tal se a (a = essa interpretação) tivesse previsto. Na realidade, não só criaria fortes dificuldades à concessão de financiamentos e os desincentivava com prejuízo para actividade bancária para o tecido empresarial e para o próprio mercado de trabalho como ainda teria criado uma medida de consequências negativas para a economia nacional.</font><br>
<br>
<font>4.- O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito ... com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel ... (CC- 666,1).</font><br>
<font>Os créditos gozando desta garantia são pagos, relativamente às coisas móveis sobre que incide, com prioridade sobre os que dispõem tão só de privilégio creditório mobiliário.</font><br>
<br>
<font>Concluindo -</font><br>
<font>a graduação dos créditos no que diz respeito ao prédio urbano na Salgada, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1.574 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Borba sob o nº 00216/170790, da freguesia de Rio de Moinhos, bem como no que respeita aos bens móveis em relação aos quais incide a garantia de penhor mercantil tem de ser, relativamente aos graduados em 1º e 2º lugar, invertida passando a figurar em 1º o crédito do recorrente Banco B, e em 2º os créditos dos trabalhadores mencionados sob os nº 11, 12, 14 a 16, 18, 19, 24, 27 e 28 da sentença a fls. 324 a 335.</font><br>
<br>
<font>Termos em que, concedendo a revista, se revoga o acórdão invertendo a ordem em que foram graduados os créditos do recorrente e dos trabalhadores passando aqueles a ocupar o 1º e estes o 2º lugar.</font><br>
<font>Custas pela massa falida (CPEREF- 208).</font><br>
<br>
<font>Lisboa, 26 de Outubro de 2004</font><br>
<font>Lopes Pinto</font><br>
<font>Pinto Monteiro</font><br>
<font>Lemos Triunfante</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
ADKpu4YBgYBz1XKvgypx | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
<p><font> </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font>
</p><p><font> 1-1- “</font><b><font>AA”</font></b><font>, </font><font>Unipessoal Ld</font><sup><font>a</font></sup><font>, com sede na Rua......, V....., propôs a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>“BB”</font></b><font>, residente na Rua …, …, Santiago do Cacém,</font><b><font> </font></b><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação desta na restituição da quantia de € 213.328,69 acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.</font>
</p><p><font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que a R. foi a única sócia e gerente da A. durante um período de tempo, entre 27/8/2004 e 17/12/2007, e após o falecimento do seu marido a única quota ficou a pertencer, em comum e partes iguais à R. e aos dois filhos, mantendo-se a R. como única gerente. Em 20 de Dezembro de 2007 (período em que a quota única pertencia em comum e partes iguais à R. e aos dois filhos) a R. reuniu e referindo a presença da totalidade do capital, deliberou sozinha a distribuição, a si mesma, a título de dividendos do montante de € 213.328,69 que seriam os resultados do balancete das contas até Novembro de 2007 que refere ter sido analisado. E na sequência dessa deliberação, em 26/12/2007,</font><i><font> </font></i><font>procedeu à transferência bancária da conta da A. no BPI para si mesma a quantia de € 213.238,69. Os sócios contitulares da quota única, “CC” e “DD”, não estiveram presentes na assembleia nem deliberaram qualquer distribuição de "lucros" ou de bens da sociedade. A deliberação em causa é ilícita e violou o princípio da intangibilidade do capital social e, por isso, a sócia, a R., que os recebeu deve restituí-los à sociedade. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A R. contestou, alegando, em síntese, que por força da cessão de quotas referida, esta ficou a pertencer à sociedade “EE” que a adquiriu pela quantia de € 1.655.408, que esta sociedade deu consentimento expresso à distribuição de dividendos referida, sendo que o actual gerente da A. é precisamente o gerente daquela sociedade. Em 18 de Janeiro de 2008 a R. entregou à A. um cheque de € 42.647,73 para pagamento da retenção na fonte referente aos dividendos distribuídos. Aceita que os demais contitulares da quota única não estiveram presentes na assembleia em que foi deliberado a distribuição de lucros, mas na escritura de cessão de quota deram o seu acordo a esta deliberação, pelo que o assentimento escrito desta deliberação, ainda que posterior, produz a sanação da irregularidade que existiu. Não houve violação da intangibilidade do capital social pois aquando da cessão de quota a A. tinha no banco a quantia de € 51.411,14 enquanto o seu capital social é de € 5.000,00 o que obriga a reservas obrigatórias de € 2.500,00. </font>
</p><p><font> Termina </font><i><font>pedindo</font></i><font> a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido e ainda que a A. seja condenada como litigante de má fé em multa e em indemnização a pagar-lhe por danos patrimoniais (honorários e demais despesas) e não patrimoniais em valor não inferior a € 75.000,00. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A A. respondeu à contestação e, depois de considerar a extemporaneidade da contestação, alegou que a R. confunde a A. e a sociedade “EE” e, reafirmando o referido na petição inicial, pede a improcedência das excepções suscitadas e do pedido de condenação como litigante de má fé. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Entendendo-se que o processo continha elementos para tomar uma decisão, proferiu-se despacho saneador/sentença (art. 510º nº 1 al. c) do CPC), que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido. </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí por acórdão de 30-6-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido </font><u><font>como revista excepcional</font></u><font> pela Formação de Juízes a que alude o art. 721º A nº 3 do C.P.Civil, com efeito devolutivo.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font> 1ª- No julgamento da presente revista deverão ser tidos em conta os dois documentos juntos com a apelação, que o Tribunal da relação de Évora pura e simplesmente ignorou, acrescendo assim o seu teor à matéria de facto considerada assente.</font>
</p><p><font> 2ª- Todos os factos considerados assentes pelas instâncias dão-se aqui por integralmente reproduzidos.</font>
</p><p><font> 3ª- Está provado que a única quota da sociedade "AA", Unipessoal, Lda à data da deliberação de distribuição dos alegados dividendos pertencia, em conjunto, à recorrida e aos seus dois filhos.</font>
</p><p><font> 4ª- A recorrida deliberou sozinha a distribuição dos alegados lucros que atribuiu a ela mesma em exclusivo, enquanto alegada titular única da única quota da recorrente.</font>
</p><p><font> 5ª- Os demais titulares da quota, não estiveram presentes, nem representados em assembleia, nem ficou provado que algo tivessem recebido em consequência de tal deliberação.</font>
</p><p><font> 6ª- A recorrente só teve conhecimento da acta onde constava tal deliberação após lhe ter sido entregue o respectivo livro de actas, em 27/12/2007.</font>
</p><p><font> 7ª- Da declaração unilateral de garantia prestada por todos os cedentes, recorrida e filhos, na escritura pública de cessão de quota, entre outras, consta:</font>
</p><p><font> «</font><i><font>Que não se encontra pendente nem prevêem que venha a ser intentada qualquer acção que afecte o seu património ou a sua situação económico-financeira, com excepção do levantamento efectuado pelos primeiros outorgantes dos saldos bancários e do saldo de caixa da sociedade existentes até 27 de Dezembro de 2007, a título de distribuição de dividendos».</font></i>
</p><p><font> 8ª- De tal declaração não resulta qualquer manifestação de concordância com tal deliberação, mas antes o reconhecimento de sobre tal deliberação pudesse vir a ser intentada acção judicial.</font>
</p><p><font> 9ª- A declaração efectuada pelo gerente da cessionária, "“EE”, LDA", </font><i><font>«Que tem conhecimento </font></i><font>do </font><i><font>levantamento já efectuado pelos Primeiros Outorgantes dos saldos bancários </font></i><font>e do </font><i><font>saldo </font></i><font>de </font><i><font>caixa </font></i><font>da </font><i><font>sociedade existentes até </font></i><font>27 de </font><i><font>Dezembro </font></i><font>de 2007, a </font><i><font>titulo </font></i><font>de </font><i><font>distribuição </font></i><font>de </font><i><font>dividendos, facto </font></i><font>a </font><i><font>que não </font></i><font>se </font><i><font>opõe, </font></i><font>em </font><i><font>nome </font></i><font>da </font><i><font>sua representada», </font></i><font>apenas vincula a sociedade Cessionária, sua representada e nunca a própria Recorrente, enquanto pessoa jurídica distinta daquela (art. 5° do C.S.C.) </font>
</p><p><font> 10ª- A transferência bancária da conta da Recorrente para a conta da Recorrida no montante de 213.238,69 euros, para nesse mesmo dia pagar a sua divida à Recorrente no montante de 166.493, 16 €, tudo no dia imediatamente à data da celebração da escritura pública de cessão de quota é uma alteração relevante na situação económico-financeira da Recorrente. </font>
</p><p><b><font> 11ª </font></b><font>- Os cedentes declararam na escritura pública de cessão de quota ter levantado saldos bancários e saldo de caixa e </font><b><font>não lucros distribuíveis. </font></b>
</p><p><font> 12ª- Os cedentes declararam igualmente que efectuaram tais levantamentos de saldos bancários e saldo de caixa da sociedade </font><b><font>existentes até 27 de Dezembro </font></b><font>e não até Novembro de 2007, data a que alegadamente se reportou a deliberação de distribuição de bens da sociedade (cfr. Cópia da acta)</font>
</p><p><font> 13ª- Os cedentes tiveram o cuidado de nunca referirem qual o valor levantado! </font>
</p><p><font> 14ª- Não pode considerar-se que o teor da deliberação tomada pela Recorrida e constante da respectiva acta inserta no livro de actas da assembleia geral da sociedade não pode ser afastado pelo facto dos filhos e da Recorrida vir a declarar posteriormente numa escritura pública que efectuaram um levantamento, quando de tal acta e dos demais documentos juntos aos autos (extractos bancários) se conclui, de forma evidente, o contrário. </font>
</p><p><font> 15ª - Não tem assim aplicação ao caso concreto o disposto no art. 222°, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais. </font>
</p><p><font> 16ª- Não houve pois qualquer ratificação e/ou consentimento dos filhos da Recorrida, co-titulares da quota única da Recorrente, pelo que foi violado o art</font><sup><font>.</font></sup><font> 31°, n° 1 do Código das Sociedades Comerciais, o que determina a nulidade da deliberação tomada pela Recorrida. Acresce que, </font>
</p><p><font> 17ª- Refere o acórdão recorrido que, "Quanto ao </font><i><font>mérito </font></i><font>da </font><i><font>deliberação </font></i><font>da </font><i><font>distribuição </font></i><font>de </font><i><font>dividendos, registe-se que </font></i><font>a mesma </font><i><font>teve </font></i><font>em </font><i><font>consideração </font></i><font>o </font><i><font>balancete </font></i><font>até </font><i><font>Novembro </font></i><font>de </font><i><font>2007 </font></i><font>e </font><i><font>resultados transitados".</font></i>
</p><p><i><font> </font></i><font>18ª- Dos artigos arts. 32° e </font><i><font>33° </font></i><font>do Código das Sociedades Comerciais resulta, em síntese, que não podem ser distribuídos aos sócios quaisquer bens da sociedade quando a situação líquida desta for inferior à soma do capital e de reservas não distribuíveis. </font>
</p><p><font> 19ª- Ou seja, se o </font><b><u><font>balanço</font></u></b><font> (sublinhado nosso) evidenciar que o património líquido é inferior à soma do capital social com as reservas, a sociedade está, em termos patrimoniais, numa situação de prejuízo, pelo que não poderá distribuir dividendos aos sócios. Se o contrário se verificar, </font><b><font>uma vez que a situação é constatada em face do </font></b><b><u><font>balanço</font></u></b><font> (que é o documento contabilístico que evidencia a situação patrimonial da sociedade), pode a sociedade ter lucros de balanço de duas proveniências: lucros de exercício; e reservas distribuíveis, ou seja, lucros entesourados em exercícios anteriores sob a forma de reservas susceptíveis de serem distribuídas pelos sócios. </font>
</p><p><font> 20ª- Em regra, os lucros só podem ser distribuídos anualmente, após a aprovação das contas do exercício findo (para as sociedades anónimas, permite-se, em certos termos, a distribuição antecipada de dividendos - arts </font><i><font>297° </font></i><font>e </font><i><font>534°) </font></i>
</p><p><font> 21ª- Igualmente não deverá ser executada a deliberação de distribuição de lucros, quando eles formalmente existam à face do balanço apresentado, mas este assente em contas viciadas ou, ainda, quando haja uma alteração superveniente na situação patrimonial da sociedade que torne, naquele momento, a deliberação inválida (cfr. arts 31°, nº2 c), CSC).</font>
</p><p><font> 22ª- No caso concreto tratou-se de uma deliberação de lucros disponíveis (reservas voluntárias existentes na sociedade) e não do lucro de exercício (ainda que antecipadamente), pelo que quer a sua existência quer o seu montante </font><u><font>deveriam constar ou resultar </font></u><b><font>expressamente de um balanço da sociedade especialmente elaborado para o efeito. </font></b><font>(cfr. Art 33°, nº 3 do CSC) </font>
</p><p><font> 23ª- Ficou expressamente provado tal não se verificou! </font>
</p><p><font> 24ª- Acresce que, na deliberação sob apreciação deveriam ter sido expressamente mencionadas quais as reservas distribuídas, no todo ou em parte, quer isolada quer conjuntamente com os lucros de exercício (art. 33°, nº 4 do CSC). O que também não se verificou! </font>
</p><p><font> 25ª - Para se determinar, se com referência a Novembro de 2007, qual a verdadeira e real situação económico-financeira da Recorrente e nomeadamente que montantes concretos eventualmente provenientes dos alegados resultados transitados existiam em Novembro de 2007, tal deveria ser atestado através de um Balanço especifico para efeitos da deliberação que deveria ter ficado anexo à acta como parte integrante da deliberação! O que também não aconteceu! </font>
</p><p><font> 26ª - A Recorrida, do modo como procedeu, não podia nem deveria ter tomado nem executado a deliberação, (cfr. Art</font><sup><font>.</font></sup><font> 31º, n° 2 do </font><i><font>CSC.).</font></i>
</p><p><i><font> </font></i><font>27ª - Segundo o art</font><sup><font>.</font></sup><font> 34°, n° 1, do C.S.C., os sócios devem restituir à sociedade os bens que dela tenham recebido com violação do disposto na lei, e aqueles que tenham recebido a título de lucros ou reservas importâncias cuja distribuição não era permitida pela lei, designadamente pelos arts 32° e 33° são obrigados à restituição se conheciam a irregularidade da distribuição ou, tendo em conta as circunstâncias, deviam não a ignorar. </font>
</p><p><font> 28ª - A Recorrida está, assim, obrigada, enquanto ex-sócia, a proceder à sua restituição o valor recebido da Recorrente, ou seja, a quantia de 213.238,69 €, respectivamente, nos termos dos arts. 31°, nº 1 e 2, e 34°, nº1 do C.S.C. </font>
</p><p><font> 29ª- Pois, no caso de se verificar uma distribuição ilícita de bens, os sócios que receberam qualquer bem terão de restituir - nos termos do art</font><sup><font>.</font></sup><font> 34° do C.S.C. - tudo o que receberam, podendo a restituição dos bens em causa ser pedida quer </font><b><font>pela sociedade </font></b><font>quer pelos credores sociais (art. 34° nº 1,3 e 4 CSC). </font>
</p><p><font> 30ª- Encontra-se provado que a R. teve conhecimento de todos os factos, isto é da irregularidade/invalidade da deliberação, estando assim de má-fé. </font>
</p><p><font> 31ª- A utilização da personalidade jurídica societária para subtrair o património à garantia geral e comum dos credores configura igualmente abuso de direito previsto no art</font><sup><font>.</font></sup><font> 334° do Código Civil. </font>
</p><p><font> 32ª - Refira-se, finalmente, que nunca a Recorrente ou qualquer seu gerente, em sua representação, aceitou como boa a deliberação tomada pela Recorrida. </font>
</p><p><font> 33ª- Face ao exposto, tem a Recorrente direito de exigir da Recorrida a quantia ilicitamente recebida no valor de 213.238,69 euros, bem como aos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. </font>
</p><p><font> 34ª- Pelo que fica dito tanto no corpo das presentes alegações como, mais sumariamente, nas conclusões, deve ser dado integral provimento ao presente recurso, devendo o acórdão recorrido ser totalmente revogado e a acção ser julgado totalmente procedente, devendo a Recorrida ser condenada no pedido nos termos referidos em 33 das conclusões. </font>
</p><p><font> Nestes termos, e nos demais de Direito, deve ser dado integral provimento ao presente recurso, devendo a Recorrida ser condenada nos pedidos, devendo consequentemente ser revogado o acórdão recorrido, só assim fazendo V. Exas., Venerandos Conselheiros, a tão costumada Justiça!! </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font>
</p><p><font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b>
</p><p><b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font>
</p><p><font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font>
</p><p><font> - Se deve ser dada como provada a matéria de facto constante dos documentos juntos pela recorrente com as alegações da apelação.</font>
</p><p><font> - Se a deliberação social de distribuição de lucros é nula, nos termos do art. 31º nº 1 do C.S.Comerciais.</font>
</p><p><font> - Se a mesma deliberação e a correspondente distribuição dos lucros da sociedade, viola o princípio da intangibilidade do capital social. </font>
</p><p><font> - Se a R. agiu com abuso de direito.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font>
</p><p><font> 1- A autora é uma sociedade por quotas unipessoal que tem como objecto social o comércio de produtos farmacêuticos, perfumaria e acessórios e o capital social no valor de 5.000 euros representado por uma única quota com o valor nominal de 5.000 euros. </font>
</p><p><font> 2- A ré foi entre 27 de Agosto de 2004 e 17 de Dezembro de 2007 a única sócia da autora e entre 27 de Agosto de 2004 e 2 de Janeiro de 2008 a sua única gerente. </font>
</p><p><font> 3- A ré foi casada com “HH”no regime de comunhão geral de bens. </font>
</p><p><font> 4- Entre 18 de Dezembro de 2007 e 2 de Janeiro de 2008 a titularidade da única quota representativa do capital social da autora encontrava-se registada, em comum e sem determinação de parte ou direito, em virtude da morte do marido da ré, a favor da ré e dos seus filhos “CC” e “DD”. </font>
</p><p><font> 5- Actualmente a titularidade da referida quota encontra-se registada a favor da sociedade “EE” - Farmácias Lda, com o número de pessoa colectiva ..., com sede na Rua … que a adquiriu em 27 de Dezembro de 2007. </font>
</p><p><font> 6- No dia 20 de Dezembro de 2007, pelas 18 horas, na Rua 1° de Maio nº 7, em V....., a ré reuniu sozinha a assembleia-geral da autora. </font>
</p><p><font> 7- Da acta desta assembleia, assinada pela ré, consta o seguinte: </font>
</p><p><font> «A assembleia geral realizou-se com dispensa das formalidades legais, nos termos do artigo cinquenta e quatro do Código das Sociedades Comerciais, encontrando-se presente a sócia detentora da totalidade do capital social, “BB” que assumiu a presidência da mesma, com o seguinte ponto único da ordem de trabalhos: </font>
</p><p><font>Ponto único - Apreciar e votar a distribuição de lucros disponíveis da sociedade à sócia única, “BB”. </font>
</p><p><font>Estando em condições de deliberar validamente, e uma vez aberta a sessão, a sócia única analisou o balancete das contas até Novembro de 2007, tendo constatado que a sociedade tem a quantia de duzentos e treze mil, duzentos e trinta e oito euros e sessenta e nove cêntimos em resultados transitados, pelo que decidiu aprovar a distribuição de lucros disponíveis da sociedade à sócia única, “BB”, no valor de duzentos e treze mil, duzentos e trinta e oito euros e sessenta e nove cêntimos. </font>
</p><p><font>Nada mais havendo a tratar ou a decidir foi dada por encerrada a sessão cerca das dezoito horas e trinta minutos, tendo sido lavrada a presente acta que é assinada pela sócia única, “BB”». </font>
</p><p><font> 8- Em 26 de Dezembro de 2007 a ré, como gerente da autora, procedeu à transferência bancária da conta da autora no BPI para si mesma da quantia de 213.238,69 euros. </font>
</p><p><font> 9- Não foi aprovado qualquer balanço da sociedade para efeitos de distribuição de dividendos nem ficou qualquer balanço anexo à referida acta. </font>
</p><p><font> 10- A ré sabia que a quota única da sociedade era titulada em comum e sem determinação de parte ou direito pela própria e pelos seus dois filhos “CC” e “DD”. </font>
</p><p><font> 11- Por escritura pública outorgada no dia 27 de Dezembro de 2007 no Cartório Notarial de ..., em que foram primeiros outorgantes “BB”, “CC” e “DD” e como segundo outorgante “II” na qualidade de gerente da sociedade “EE” - Farmácias, Lda, foi declarado, para além do mais, o seguinte: </font>
</p><p><font>Pelos primeiros outorgantes foi declarado: </font>
</p><p><font>Que são os únicos sócios da sociedade unipessoal por quotas com a firma AA, Unipessoal, Lda, com o capital social integralmente realizado de cinco mil euros, representado por uma única quota, de igual valor nominal, que lhes pertence, em comum e sem determinação de parte ou direito e que cedem à sociedade representada pelo segundo outorgante, dita “EE” - Farmácias, Lda, aquela referida quota, com o valor nominal de cinco mil euros, pelo preço de um milhão seiscentos e cinquenta e cinco mil quatrocentos e oito euros, já recebido da cessionária; </font>
</p><p><font>Que desde vinte e dois de Novembro até à presente data não se verificaram alterações relevantes na s | [0 0 0 ... 0 1 0] |
8zKXu4YBgYBz1XKvch_3 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><b><font>I. – Relatório.</font></b>
</p><p><font>Em decisão do incidente suscitado pelos expropriados relativamente à dívida de juros de mora, no montante de cinco mil novecentos e treze euros (€ 5.913,00), que seriam devidos pelos atrasos verificados na fase administrativa do processos – cfr. fls. 97 a 100) artigos 1.º a 14.º), o tribunal de primeira (1.ª), veio julgar o incidente procedente, tendo, em consequência, condenado a expropriante a pagar aos requerentes a mencionada quantia. </font>
</p><p><font>Em recurso do julgado, interposto pela expropriante – cfr. fls. 441 a 448 -, o tribunal da Relação do Porto no acórdão proferido a 27 de Outubro de 2013 – cfr. fls. 568 a 595 – veio, depois de confirmar a decisão recorrido quanto ao montante a pagar pelo terreno expropriado, a “[a]bsolver a expropriante do pagamento de juros de mora”. </font>
</p><p><font>Com fundamento em que existe jurisprudência antinómica relativamente a esta questão – desde logo o acórdão recorrido com o Acórdão da Relação do Porto, 01 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 4620/08.7 TBMTS.P1 (cfr. fls. 626 a 652 – os expropriados pedem a admissibilidade de recurso – cfr. artigo n.º 5 do artigo 66.º do Código de Expropriações – com fundamento na enfrentada contradição. </font>
</p><p><font>A contradição detectada emerge da diferente interpretação do normativizado no n.º 5 do artigo 20.º do Código de Expropriações. Enquanto que para a decisão recorrida não haveria lugar ao pagamento de juros demora pelo atraso, na fase administrativa, do depósito do montante arbitrado, para o acórdão fundamento, a lei, por analogia com o preceituado no nº 1 do artigo 71.º do Código de Expropriações, avalizaria o pagamento de juros de mora na fase administrativa, al como acontece na fase litigiosa.</font>
</p><p><font>O recurso mostra-se, objectivamente, delimitado pela decisão atinente ao incidente suscitado pelos expropriados relativamente à dívida de juros de mora – cfr. artigo 11.º das alegações –, por conformação dos expropriados quanto ao demais decidido. </font>
</p><p><font>Verificada a contradição axial entre os julgados, admitiu-se o recurso e para seu julgamento pondera-se serem de interesse, para a respectiva cognoscibilidade, as seguintes conclusões:</font>
</p><p><font>“(…) V. – (…) no sentido de, corporizando aquela que é uma exigência constitucional, densificar, na medida do possível, o princípio da contemporaneidade da indemnização, essa obrigação e a sanção inerente surge colocada a par de outros mecanismos atinentes à limitação do poder conferido nesta sede administrativa, como meio de defesa da posição do Expropriado (vide o n.º 4 do artigo 19.º do C.E., por exemplo). </font>
</p><p><font>VI. Isto dito, arvorado como condição de validade de concretização da posse administrativa (seja como condição prévia, no caso de expropriação não urgente (n.º 1), ou posterior, no caso de expropriação urgente (n.º 5), a realização de depósito aparece imposta expressamente, determinado a lei que tal depósito tem de ser efectuado num prazo certo (90 dias contados a partir da. publicação da D,U.P.),e à ordem dos Expropriados (bem assim, a alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do C.E.), </font>
</p><p><font>VII. Sob pena de, estando esta obrigação inserida na fase administrativa do procedimento expropriativo, não sendo efectuado o aludido depósito, determinar o n.º 1 do artigo 70.º do C.E., a obrigação de indemnização aos Expropriados. </font>
</p><p><font>VIII. E compreende-se que assim ocorra uma vez que a tramitação procedimental foi acometida expressamente à pessoa da entidade beneficiária da - -expropriação; ou seja, se o legislador estabeleceu uma trama ou sequência procedimental, a observar por aquela, apenas intervirá um órgão jurisdicional nesta fase em casos excepcionais, por um lado, e se suscitada por qualquer uma das partes. </font>
</p><p><font>IX. - Donde, como forma de colmatara discricionariedade e como reflexo da protecção dos particulares privados do seu bem (pelo acto de posse administrativa que, fruto da urgência reconhecida, acontece no dealbar do procedimento expropriativo), o princípio da legalidade impõe a observância de prazos para a prática de actos que, não sendo cumprida, tem de ser sancionada. </font>
</p><p><font>X. - Isto dito, e porque estamos perante obrigação de prazo certo, a que se aplica a presunção de culpa a que alude o C.C. para obrigações desta natureza, competia à Expropriante afastá-la ... o que de facto não aconteceu! </font>
</p><p><font>XI. - Se o legislador foi expresso ao consagrar uma obrigação à Expropriante, e a fazê-lo com a determinação de um prazo peremptório, o não cumprimento da mesma, ou o seu cumprimento tardio terá, ao abrigo da contemporaneidade da indemnização, e para defesa do interesse (estadual) em fazer cumprir o princípio da legalidade, de ser sancionado, o que, no caso, à luz da lei, só pode ocorrer pelo pagamento de juros de mora. </font>
</p><p><font>XII. - De resto, sempre se diga que a obrigação de pagamento de juros de mora, decorre directamente do artigo 70.º, n. º 1, do C. E., quando se lê que </font><i><font>"Os expropriados </font></i><font>e </font><i><font>demais interessados têm </font></i><font>o </font><i><font>direito de ser indemnizados pelos </font></i><i><u><font>atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo</font></u></i><i><font> ou </font></i><i><u><font>na realização de qualquer depósito no processo litigioso</font></u></i><i><font>", </font></i><font>pois que se sancionam - com indemnização - os atrasos imputáveis à Expropriante, no âmbito da fase administrativa do processo expropriativo, mas também no âmbito do processo litigioso.” </font>
</p><p><font>Não foram produzidas contra-alegações.</font>
</p><p><b><font>I.A. – QUESTÃO A DECIDIR</font></b><font>.</font>
</p><p><font>- Dívida de juros de mora pelo não depósito do valor da indemnização oferecido pela expropriante na fase amigável (administrativa). </font>
</p><p><font>.</font>
</p><p><b><font>II. – FUNDAMENTAÇÃO.</font></b>
</p><p><font>Para a decisão a proferir importa reter os seguintes elementos de facto adquiridos pela decisão recorrida e que se mostram documentalmente apreensíveis.</font>
</p><p><font>! - Por despacho n.º 26236-A/2004 (2.ª série) do Exmo. Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, de 10/11/2004, publicado no Diário da República, II Série, n.º 294, de 17/12/2004, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da seguinte parcela de terreno: Parcela n.º 68.B, com a área de 2.300 m2, que constitui parte do prédio rústico sito no lugar de S..., freguesia de ..., concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º …; </font>
</p><p><font>2 - A vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, foi realizada, em 9 de Junho de 2005 – cfr. fls. 44 e 45; </font>
</p><p><font>3 - Por ofício constante de fls. 47, datado de 16 de Maio de 2005, foi o recorrente, AA, informado [</font><a><u><font>[1]</font></u></a><font>] de que a parcela 68B, corresponderia um montante indemnizatório no valor de trinta e quatro mil e quinhentos euros (€ 34.500,00); </font>
</p><p><font>4 - Por não ter sido possível acordo quanto ao montante indemnizatório – cfr. fls. 11 – foi realizada arbitragem;</font>
</p><p><font>5 - A O laudo de arbitragem foi entregue com data de Maio de 2009 – cfr. fls. 6 a 10; </font>
</p><p><font>6 - Em auto de posse administrativa, datado de 14 de Julho de 2005, foi conferida á expropriante “Estadas de Portugal , EP”, a posse administrativa do terreno constante do item primeiro; </font>
</p><p><font>7 - Em 27 de Julho de 2009, foi efectuado um depósito – cfr. fls. 4 – à ordem do Meritíssimo Juiz de Direito do Tribunal Cível da comarca da Maia, referente à expropriação da parcela 68B, no âmbito da expropriação em que era interessado, AA, na qualidade de proprietário, e CC, na qualidade de usufrutuário, no valor de trinta e sete mil oitocentos e dez euros (€ 37.810,00); </font>
</p><p><font>8 - O processo foi remetido à comarca da Maia – Juiz de Direito do Tribunal Cível da Maia -, em 20-10-2009; </font>
</p><p><font>9 - Por despacho de 27 de Outubro de 2009, foi adjudicada à expropriante, “</font><i><font>livre de qualquer ónus ou encargo, a propriedade da parcela de terreno “com a área de 2.300 m2, que faz parte do prédio rústico sito na freguesia de ..., concelho da Maia, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ..., confrontando do Norte com DD ..., do Sul com caminho de servidão, do Nascente com DD ... e do Poente com EE.</font></i><font>” </font>
</p><p><b><font>II.B. – DE DIREITO. </font></b>
</p><p><b><font>II.B.1. - Dívida de juros de mora pelo não depósito do valor da indemnização oferecido pela expropriante na fase amigável (administrativa).</font></b>
</p><p><font>Os expropriados pedem que a expropriante seja obrigada a compensá-los com juros de mora, desde o momento em que foram informados/notificados de que à parcela corresponderia um valor de trinta e quatro mil e quinhentos euros (€ 34.500,00) – cfr. fls. 67 – até ao momento em que o processo foi remetido a tribunal, por efeito do disposto no artigo 51.º, n.º 1 do Código de Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro. [</font><a><u><font>[2]</font></u></a><font>]</font>
</p><p><font>Alega para o efeito – cfr. fls. 97 a 100 - que a expropriante ofereceu, em 16 de Maio de 2005, aos expropriados a quantia de trinta e quatro mil e quinhentos euros (€ 34.550,00) e que deveria ter depositado esse montante até 17 de Março de 2005 – cfr. artigo 4.º do requerimento de recurso –, ou seja, noventa dias após a declaração de utilidade pública. </font><br>
<font>O processo de expropriação, biparte-se em duas fases distintas: uma fase administrativa, promovida pela entidade expropriante, que se inicia com a Declaração de Utilidade Pública – cfr. art. 13º do Código de Expropriações e na qual são realizados pela entidade expropriante os actos necessários á resolução da de expropriar, declaração de utilidade pública, atribuição da natureza de urgência, publicação da declaração de utilidade pública, posse administrativa, que deverá ser antecedida da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”. </font><br>
<font>Na fase administrativa, e após a declaração de utilidade pública, a entidade expropriante procurará, antes da constituição da arbitragem e mediante um processo de expropriação amigável, obter o acordo dos expropriados e demais interessados – cfr. art. 33.º a 37.º do Código de Expropriações – quanto ao valor a pagar, modo de o efectivar, etc. – cfr. artigo 34.º do Código de Expropriações. </font><br>
<font>Não sendo obtido acordo – caso dos autos – o valor da indemnização é fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais comuns – cfr. artigo 38.º do diploma adrede – cabendo recurso, com efeito meramente devolutivo, para o tribunal do lugar da situação dos bens.</font><br>
<font>Sendo a arbitragem desencadeada e tramitada perante a entidade expropriante – a arbitragem pode ser efectivada perante o tribunal comum, a pedido do expropriado ou dos demais interessados, por ocorrência de algumas das vicissitudes contidas nas alíneas do artigo 42.º do Código de Expropriações – e uma vez concluída, a entidade expropriante remete o processo ao tribunal da comarca, acompanhado da documentação referida no n.º 1 do artigo 51.º do Código de Expropriações, entre a qual a “guia de depósito à ordem do tribunal do montante arbitrado ou, se for casso disso, da parte em que este exceda a quantia depositada nos termos da al. b) do n.º 1 ou do n.º 5 do artigo 20.º; se não for respeitado o prazo fixado, a entidade expropriante deposita, também juros moratórios correspondentes ao período de atraso, calculados nos termos do n.º 2 do artigo 70.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 71.º e 72.º.” </font><br>
<font>Desprezando o regime do art. 68.º, por apenas aplicável às expropriações amigáveis, relativamente a juros moratórios, preceitua o artigo 70.º n.º 1 do Código adrede, no Título V, sob a epígrafe “Do Pagamento das indemnizações”, que: “Os expropriados e demais interessados têm o direito de se indemnizados pelos atrasos imputáveis à entidade expropriante no andamento do procedimento ou do processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito no processo litigioso.” </font><br>
<font>Vestibularmente á análise que intentamos razoar para o caso concreto, ressaltamos a inserção genérica do preceito invocado pelo recorrente/expropriado, fazendo notar que da respectiva epígrafe se deve induzir a regulação estreme das formas de pagamento. Vale dizer que neste título da Lei, o legislador cuida de conferir e fornecer os modelos, os modos e as formas por que a indemnização pela expropriação poe ser concretada, independentemente de esse pagamento ocorrer na fase de expropriação amigável – vulgarmente designada fase administrativa – ou na fase litigiosa.</font><br>
<font>As regras de pagamento, isto é, o modo como o expropriante há-de cumprir a sua prestação pelo acto “coercivo” de privação do direito de propriedade, encontram-se estabelecidas nos artigos 67.º a 73.º do Código de Expropriações e, para as situações aí contempladas, aplicam-se independentemente da fase em que ocorram.</font><br>
<font>Fixado o âmbito preceptivo que a norma convoca como germe da antinomia dos acórdãos em tela de juízo, adentremo-nos no caso concreto. </font><br>
<font>O processo litigioso, com se alcança do disposto no artigo 38.º citado inicia-se com a falta de acordo, do expropriado e demais interessados, quanto ao valor da indemnização que lhes haja sido proposto/indicado pela entidade expropriante.</font><br>
<font>A fase administrativa, chamemos-lhe assim por comodidade de arrumação sistémica-estrutural, todos os procedimentos decorrem sob a égide da autoridade administrativa ou privada que promove o procedimento expropriativo. </font><br>
<font>A lei comina às entidades promotoras a prática e a observância de um ritual procedimentar que por um lado procura disciplinar os procedimentos, conferindo aos expropriados e demais interessados o direito de tomarem conhecimento dos actos tendentes à ablação de um direito de propriedade da sua esfera jurídica. Todos os actos, nesta fase são dirigidos á entidade administrativa que, para validação dos actos procedimentares consecutivos, deve observar e praticar os actos precedentes, como condição da prossecução do processo. </font><br>
<font>A lei faz depender a investidura da posse administrativa da observância/verificação dos actos elencados no artigo 20.º do Código de Expropriações, entre o que avulta, para o caso que nos ocupa, a obrigação do depósito correspondente ao que a entidade expropriante tem de prevenir quando toma a resolução de expropriar – cfr. artigo 10.º. n.º 4 do Código de Expropriações. </font><br>
<font>Este depósito, como decorre da etiologia do procedimento expropriativo, destina-se a prevenir os encargos que a entidade expropriante computa deverem ter que ser assumidos com a extirpação/amputação do direito de propriedade que projecta vir a efectuar e concretizar e, do mesmo passo, por via da cautela legislativa, salvaguardar o expropriado de eventuais situações de carência económico-financeira da entidade expropriante. </font><br>
<font>A lei não comina, explicitamente, qualquer consequência pela inobservância ou incumprimento pela falta de depósito, ou dito de outra maneira, se não for efectuado o depósito a que alude a alínea a) do n.º 5 do artigo 20.º do Código de Expropriações, a lei não fulmina a investidura de posse administrativa com a nulidade absoluta do acto administrativo. Ao não fulminar o acto de investidura de posse com a nulidade absoluta, pensamos que a inobservância desta condição ou pressuposto só poderá actuar se for suscitada por algum dos interessados no procedimento administrativo. </font><br>
<font>Constata-se que, embora não tendo sido efectuado o depósito da quantia indicada no oficio de fls. 47 e que havia sido anunciada ao expropriado e demais interessados, a entidade expropriante foi investida na posse da parcela. </font><br>
<font>Não tendo o valor indicado/proposto, pela expropriante ao expropriado e demais interessados, sido aceite, o que tornaria a expropriação amigável, seguiu-se a fase de arbitragem, com as vicissitudes que dessa fase decorrem, até que, não tendo a expropriante nem os expropriado e demais interessados, aceite a respectiva decisão, o processo foi remetido a tribunal para incoação do procedimento litigioso. </font><br>
<font>Logo após a decisão arbitral, a expropriante procedeu ao depósito do valor fixado pelos peritos, e dentro do prazo, remeteu o processo ao tribunal.</font><br>
<font>A falta de depósito da quantia correspondente ao valor indicado/proposto pela expropriante ao expropriado e demais interessados, não coibiu o tribunal de proceder à adjudicação da parcela, sem que tivesse expresso qualquer reparo pela inobservância decorrente da falta de depósito precedente à investidura da posse da parcela pela entidade expropriante.</font><br>
<font>Como supra se deixou anunciado, o depósito a efectuar no procedimento expropriativo tem a função, sentido e alcance que lhe conferimos, a saber prevenir – terminologia utilizada no n.º 4 do artigo 10.º do Código de Expropriações – eventuais alterações ou depreciações económico-financeiras da entidade expropriante e, correlatamente, preservar e salvaguardar o expropriado e demais interessados da privação da justa indemnização a que tem direito por ablação forçada do direito de propriedade sobre um bem que lhe e retirado da sus esfera jurídica contra a sua vontade ou sem uma adesão voluntária ao acto expropriativo. O depósito é efectuado, assim, como cautela e garantia que a lei põe a cargo do expropriante a favor do expropriado, mas de que este só se pode aproveitar se, aceite o valor da indemnização proposta, a entidade expropriante não tiver efectuado o depósito atempadamente, ou seja a expropriante, pelo incumprimento deste acto, não cumprir em tempo adequado o pagamento do preço que se tinha proposto pagar ao expropriado. Para o expropriado, a falta de depósito de qualquer quantia, só aproveita se da falta decorrer para a sua esfera patrimonial um prejuízo ou uma depreciação da sua integridade económico-financeira. </font><br>
<font>A falta da prática deste acto – depósito do valor correspondente à indemnização atribuída pela entidade expropriante ao bem a expropriar, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 20.º - não envolve, por si e em si, nenhuma obrigação de juros, por demora na liquidação da quantia oferecida pelo expropriante ao expropriado, na justa medida em que a obrigação não se tornou líquida e exigível por parte deste último. Antes, como também já se deixou aflorado supra, pode ilaquear a investidura da posse administrativa, se a sua omissão for convocada por algum interessado, mas não confere ao expropriado o direito de pedir, quando a indemnização estiver fixada pelo tribunal, no caso de a expropriação assumir a forma litigiosa, juros pela omissão de depósito da quantia oferecida, na fase administrativa, pela entidade expropriante. Não faria sentido que o expropriado, que rejeitou, ou não aceitou, a quantia indemnizatória oferecida pela entidade expropriante, viesse profitar com os juros de uma quantia que não aceitou e teve como suficiente para ressarcimento da privação do seu direito de propriedade. Seria o que, em apotegma popular, se diz “fazer o mal e a caramunha”. Não aceitava a quantia oferecida, mas como o expropriante, tinha a obrigação legal de efectuar o depósito, iria a final, depois de ter litigado quanto a essa quantia, usufruir e profitar dos juros de uma quantia que não aceitou. </font><br>
<font>Isto mesmo decorre do preceituado no artigo 70.º, n.º 1 do Código de Expropriações. </font><br>
<font>Nos termos do citado preceito, o expropriado que percepcione um atraso, intolerável e abusivo, da parte da entidade expropriante, tem o direito de pedir que, pelo incumprimento culposo da entidade expropriante, seja ressarcido ou indemnizado pelos prejuízos que a demora lhe haja ocasionado. </font><br>
<font>A obrigação de juros, com base no cumprimento, ou melhor dito, incumprimento tardio e intempestivo, só se vence com a formação/fixação da obrigação indemnizatória a cargo do expropriante, devendo ser peticionada, já que tratando-se de uma obrigação decorrente de um acto unilateral de expropriação, traduzido ou consubstanciado, na transferência (coerciva) do direito de propriedade, mediante o pagamento de um determinado montante indemnizatório, a culpa da falta da prestação se presume, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.</font>
</p><p><font>Socorrendo-nos, data vénia, do escrito no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Outubro de 2007, relatado pelo Conselheiro Aves Velho, “[Relativamente] ao pagamento das indemnizações por expropriação litigiosa, estabelece a lei deverem ser pagas de uma só vez, mediante depósito das quantias em dívida, a liquidar pela entidade expropriante, a efectuar nos 10 dias subsequentes à sua notificação, ordenada pelo juiz da 1.ª instância, no seguimento do trânsito em julgado da decisão que fixar o valor da indemnização, podendo os montantes depositados ser levantados, independentemente da respectiva impugnação, designadamente quanto aos cálculos que a eles conduziram – arts. 67.º e 71.º-1 e 3 C. Exp..</font>
</p><p><font>No cálculo do montante da indemnização, a ter em conta na liquidação prevista no art. 71.º, atender-se-á á data da declaração de utilidade pública, havendo lugar à sua actualização à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor – art. 24.º-1.</font>
</p><p><font>(…) Ainda a juros moratórios se refere o art. 51.º da mesma Lei das Expropriações, nos seus n.ºs 1 e 3, 2º segmento, para estabelecer, em ambos os casos, que, se a entidade expropriante não efectuar, o prazo de 30 dias subsequente à prolação do acórdão arbitral, o depósito da quantia indemnizatória nele fixada, fica obrigada também ao depósito dos juros moratórios correspondentes ao período em atraso.</font>
</p><p><font>(…) A mora consiste, como a define a lei, na realização da prestação do devedor para além do tempo devido, sendo-lhe imputável o atraso ou retardamento, mesmo que a título de culpa presumida (arts 804.º-2, 798.º e 799.º C. Civil).</font>
</p><p><font>Por outro lado, a regra, nesta matéria, é que o devedor só fica constituído em mora depois de interpelado para cumprir, sendo que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (art. 805.º-1 e 3 C. Civil).</font>
</p><p><font>Os juros moratórios representam a indemnização pelo atraso no pagamento do capital, correspondendo a uma sanção pela não satisfação pontual da dívida.</font>
</p><p><font>Não se destinam a reparar os danos causados ao expropriado pela privação do bem, mas aqueles que decorram da dilação culposa do pagamento do montante indemnizatório já fixado. </font>
</p><p><font>Com efeito, a mora da entidade expropriante está sujeita às mesmas regras e princípios que a mora de qualquer devedor em direito civil, donde que, para que exista, além da ilicitude e culpa aludidas (retardamento imputável) é necessário que a indemnização devida já se tenha tornado certa, exigível e líquida e que haja uma interpelação (cfr. ac. TC n.º 263/98, de 05/03/98, </font><i><font>DR</font></i><font>, II, de 10/7/98).</font>
</p><p><font>Do facto de o crédito ser já exigível, o que, no caso, acontece por via do princípio da contemporaneidade entre o acto expropriativo e o pagamento da indemnização (art. 1.º C. Exp.), ou mesmo vencido, visto que, pelo mesmo princípio a declaração de utilidade pública fixa o momento em que a obrigação deve ser cumprida (cfr. art. 777.º C. Civ.), não resulta, necessariamente, que o devedor se encontre em situação de mora. Basta que, como em regra acontece e se referiu, a lei exija a interpelação.</font>
</p><p><font>É que, uma coisa é o vencimento da obrigação de capital e outra, diferente, é a data do início do vencimento da obrigação de juros, autónoma em relação àquela, que se verifica, na falta de especial disposição, quando ocorrem os actos ou as hipóteses contempladas no citado art. 805.º.</font>
</p><p><font>Ora, justamente, ao menos em nosso entender, tal exigência de interpelação, que é, insiste-se, a regra em direito civil, está consagrada no regime de pagamento da indemnização no processo expropriativo litigioso e respectivo </font><i><font>iter </font></i><font>procedimental.</font>
</p><p><font>Impõe-se, desde logo, oficiosamente a actualização do montante indemnizatório até à data da decisão final do processo, ou seja, até à decisão proferida no processo na data que mais se aproxime do pagamento, como cabe nas denominadas dívidas de valor.</font><i><font> </font></i>
</p><p><font>Depois, porque assim é, estando, por essa via, tendencialmente obtida, a cada momento, a equivalência de valores, não parece ser razoável que se tenham por vencidos e exigíveis juros moratórios sobre um capital cuja fixação actualizada ainda não está efectuada, deferindo-se a liquidação ao devedor.</font>
</p><p><font>Por isso, prevê-se um incidente de liquidação que se inicia, exactamente, com uma interpelação judicial da entidade expropriante para, no prazo legalmente fixado de 10 dias, proceder á liquidação e depósito das quantias em dívida, liquidação que há-de respeitar os critérios estabelecidos no art. 24º, isto é, até à data da decisão final, que será, insiste-se a mais próxima da dessa liquidação.</font>
</p><p><font>Efectuada a notificação a que alude o art. 71º-1, e decorrido o prazo de 10 dias, então sim, inicia-se a mora, pois que, nesse caso, a falta de liquidez passa a ser imputável ao devedor (art. 805º-3 cit.). Vem sendo neste sentido, de resto, o entendimento deste Supremo, como pode ver-se, entre outros, nos acs. de 30/5/95 (</font><i><font>BMJ</font></i><font> 447º-470), 24/10/2002 (Proc. 02B2999 </font><i><font>ITIJ</font></i><font>), 27/01/2005 (Proc. 04B4461 </font><i><font>ITIJ</font></i><font>9 e de 08/06/2004 (Proc. n.º 1077/04-6).</font>
</p><p><font>Prevê ainda o art. 70.º o direito a indemnização mediante o pagamento de juros moratórios quando, culposamente, a entidade expropriante provoque atrasos no processo expropriativo ou na realização de qualquer depósito, caso em que os juros incidem sobre o montante definitivo da indemnização ou sobre o montante dos depósitos.</font>
</p><p><font>Trata-se de situações em que se pode afirmar que a lei exige o concurso dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente o incumprimento de prazos, com culpa, ou utilização de expedientes dilatórios no processo expropriativo, ou o retardamento na realização de depósitos, tudo susceptível de um juízo de censura, à luz da boa fé.</font>
</p><p><font>(…) Os juros moratórios incidem nos casos mencionados sobre o montante definitivo da indemnização, o que pressupõe que sejam peticionados a coberto da invocação dos pressupostos aludidos ou que haja efectivo retardamento na realização de depósitos de quantias já fixadas, na lei ou por decisão arbitral, como acontece nas hipóteses contempladas nos aludidos n.ºs 1 e 3 do art. 51.º, em que não há lugar a incidente de liquidação como o previsto no art. 71.º, assumindo ali os juros a função actualizadora da indemnização fixada pela arbitragem que as regras dos arts. 71.º e 72.º prosseguem relativamente à decisão proferida em recurso.</font>
</p><p><font>Em qualquer caso apenas se prevêem juros incidentes sobre a totalidade da indemnização – sobre “</font><i><font>o montante </font></i><i><u><font>definitivo</font></u></i><i><font> da indemnização</font></i><font>”, nas palavras da lei (art. 70.º-2) -, o que pressupõe a fixação referida no art. 51.º ou uma liquidação prévia de cariz imperativamente actualizador.</font>
</p><p><font>O sistema apresenta-se, deste modo, a nosso ver, racional, coerente e harmónico em ordem a alcançar, como objectivos, que a indemnização a receber pelo expropriado seja sempre actualizada, sem prescindir de sancionar, com indemnização estabelecida </font><i><font>a forfait</font></i><font> através de juros legais, condutas abusivas no andamento do processo e de realização dos depósitos.</font>
</p><p><font>Nestas, porém, não cabe, sem mais, a obrigação de juros com início de vencimento na data do trânsito em julgado da decisão que fixa a indemnização, cuja liquidação há-de ainda ter lugar, mediante o procedimento estabelecido no art. 71.º C. Exp..</font>
</p><p><font>Nesta conformidade, não se diverge da conclusão do acórdão impugnado quando afirma que no art. 71.º o legislador fixou implicitamente o momento que marca o início da mora eventual da expropriante e contagem dos respectivos juros, nos casos de fixação litigiosa do </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório, juros esses eventualmente cumuláveis com os devidos ao abrigo do art. 70.º-1, se e quando verificados os pressupostos cujo concurso esta norma exige, mas que aqui não estão em causa.” </font><br>
<font>O expropriado tem, assim, o direito a ser compensado/indemnizado pelos atrasos (culposos) que ocorram durante o procedimento expropriativo, ocorram esses atrasos na fase, dita, administrativa – expropriação amigável – ou na fase litigiosa. Os depósitos que devam ser efectuados pela entidade expropriante, para garantia do pagamento da indemnização, tanto no caso de ter existido acordo, como no caso de, não tendo existido acordo, ter sido efectuada arbitragem, com posterior fixação da indemnização por decisão judicial, não tiverem sido efectuados, no tempo estipulado por lei, são passíveis de originar a obrigação de juros, com base no incumprimento da obrigação injungida por lei de efectivação do depósito, que garanta o pagamento da indemnização fixada, num tempo mais próximo possível – o denominado principio da contemporaneidade da indemnização – da fixação (definitiva) do quantum indemnizatório. </font><br>
<font>Porém, este atraso, gerador, ou causante da obrigação de indemnizar, pelo incumprimento intempestivo, deve ser peticionado pelo credor/expropriado. Não pode prevalecer-se o expropriado de uma posição de inferioridade para reclamar o depósito de juros pela falta de um qualquer depósito. A entidade expropriante responde civilmente pela falta da obrigação de prover atempadamente dos meios financeiros que habilitem o pagamento da indemnização acordada, sendo que para tal deve estar constituída na obrigação – consensuada ou judicialmente compelida - de indemnizar pela ablação coerciva do direito de propriedade.</font><br>
<font>No caso que nos ocupa, o expropriado apenas pede o pagamento de juros pelo depósito não efectuado aquando da investidura da posse administrativa da parcela do terreno de que foi coercivamente desapossado até ao momento em que o processo foi introduzido em juízo. Para este caso, o expropriado não tem legitimidade para pedir os juros. Assistir-lhe-ia essa legitimidade se a entidade expropriante tivesse obrigação de proceder ao pagamento do montante indemnizatório, por o expropriado ter aceite o valor proposto, e, no prazo fixado por lei, não tivesse procedido ao depósito do quantitativo correspondente (ao valor proposto). Como o expropriado não logrou acordo quanto a este valor e o processo prosseguiu para a fase litigiosa, o expropriado só teria direito a pedir juros de mora se, realizada a arbitragem e fixado o quantitativo indemnizatório, a expropriante não tivesse depositado a quantia correspondente ao valor do laudo da arbitragem. Tendo-o feito, no prazo fixado por lei, não se constituiu em mora não havendo, ipso facto, lugar à obrigação de juros. </font><br>
<font>Decede, pelos invocados fundamentos, ainda que totalmente diversos do que escoraram a decisão recorrida, a pretensão recursiva dos recorrentes.</font><br>
<font> </font><br>
<font> </font><br>
<b><font>III. DECISÃO. </font></b><br>
<font>Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na primeira (1.ª) secção, do Supremo Tribunal de Justiça, em: </font><br>
<font>- Ne | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CTKku4YBgYBz1XKvPiY- | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font>
<p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>1. - A Exma. Curadora de Menores junto do Tribunal da comarca da Amadora requereu, em representação do menor AA, contra os progenitores do mesmo, BB e CC, a regulação provisória do poder paternal.</font>
</p><p><font> À conferência não compareceu o pai do menor, notificado editalmente para o acto.</font>
</p><p><font> Após parecer da Exma. Curadora, foi proferida sentença que procedeu à regulação do poder paternal, quanto à guarda do menor e regime de visitas, mas se absteve de fixar a prestação alimentar devida pelo progenitor, por se desconhecer o paradeiro deste e, consequentemente quais são as suas condições sócio-económicas.</font>
</p><p><font> Apelou o Ministério Público, pretendendo que fosse fixada uma pensão alimentar ao menor, de montante não inferior a 100,00€, mas a Relação manteve o sentenciado.</font>
</p><p><font> O Ministério Público interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido, pela competente Formação, com fundamento na contradição de julgados quanto à questão de ser ou não de “determinar fixação de prestação alimentar a favor dos menores, a cargo do respectivo progenitor, apesar se serem desconhecidos quer o paradeiro deste quer as sua condições sociais e económicas”. </font>
</p><p><font> O Recorrente conclui as suas alegações como segue.</font>
</p><p><font>1. - "Ainda que não se saiba da existência de rendimentos de que seja titular o progenitor - quer por desconhecimento do respectivo paradeiro, quer por desconhecimento da sua situação económica - e, bem assim, quando esta seja precária, deve a sentença impor àquele a obrigação de prestar alimentos. </font>
</p><p><font>2. - Com efeito, é inerente ao poder paternal o dever de prover ao sustento do filho menor, o que, além de constituir imperativo constitucional por força do que se dispõe no artigo 36° da CRP, decorre também do artigo 2009º, nº 1, c) do Código Civil. </font>
</p><p><font>3. - Acresce que, de outro modo, ficaria vedada a intervenção do FGADM, por falta de um dos pressupostos essenciais, ou seja, a fixação judicial do quantum de alimentos. Tal fixação deve, nesses casos, ser determinada com recurso a presunções e por critérios de equidade ". </font>
</p><p><font> A decisão foi proferida em violação das normas dos arts. 1878º, 1905º e 2004º, n.º 1 do Código Civil.</font>
</p><p><font> Deve dar-se sem efeito a decisão recorrida, fixando-se uma pensão alimentar a cargo do progenitor. </font>
</p><p><font> Não foram apresentadas contra alegações.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>2. - A </font><b><font>questão</font></b><font> a dirimir é, como já enunciada e delimitada, a de saber se deve ser fixada prestação alimentar a favor de menor, a suportar pelo progenitor cujo paradeiro e condições sócio-económicas se desconheçam. </font>
</p><p><font> 3. - Mostram-se disponíveis os seguintes </font><b><font>elemento de facto</font></b><font>.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- AA nasceu em … de … de 2… e encontra-se registado como filho de CC e de BB.</font>
</p><p><font>- Os progenitores do AA não são casados entre si, nem coabitam um com o outro desde há cerca de 7 anos, tendo mantido entre si uma relação marital durante vários anos de que resultou o nascimento do AA;</font>
</p><p><font>- O Menor sempre viveu com a Requerida , que é solteira, coabitando ambos, o companheiro da Requerida e um filho do casal, irmão uterino do AA, num apartamento arrendado, de tipologia T2 ;</font>
</p><p><font>- A Requerida revela-se uma pessoa preocupada em assegurara cobertura dos cuidados básicos do AA, garantindo adequadamente a satisfação dessas necessidades com apoio efectivo do seu companheiro;</font>
</p><p><font>- A Requerida trabalha há cerca de 10 anos por conta de outrem numa empresa de limpezas auferindo mensalmente o vencimento mensal declarado de € 300,00;</font>
</p><p><font>- O companheiro da Requerida trabalha numa empresa de armação de ferro, como ferreiro, auferindo o vencimento mensal declarado de € 500,00;</font>
</p><p><font>- A Requerida recebe mensalmente € 104,84 de abono de família dos dois filhos;</font>
</p><p><font>- O agregado da Requerida despende mensalmente com renda de casa 300,00€ e quantia não concretamente apurada com consumos domésticos;</font>
</p><p><font>- O AA frequenta o 5º ano na Escola E.B 2-3, é um aluno regular, com hábitos de estudo, praticando futebol duas vezes por semana como actividade extra-curricular;</font>
</p><p><font>- O AA é uma criança calma, introspectiva e mantém uma relação próxima com o padrasto, que constitui a referência masculina na sua vida;</font>
</p><p><font>- Após consumada a separação entre os Requeridos o progenitor do AA não voltou a procurá-lo e nunca contribuiu para as despesas do filho;</font>
</p><p><font>- O AA não tem quaisquer contactos com familiares da linha paterna;</font>
</p><p><font>- O Requerido encontra-se em paradeiro incerto, provavelmente em França, desconhecendo-se se aí exerce alguma actividade remunerada, bem como a sua situação pessoal e económica;</font>
</p><p><font>- No âmbito desta acção foi decidido a título provisório confiar o AA à guarda e cuidados da Requerida, conferindo-lhe o exercício em exclusivo do poder paternal sobre o filho. </font>
</p><p><font> 4. - Mérito do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> 4. 1. - Ponto prévio. Delimitação do objecto do recurso.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Os processos de regulação do exercício de poder paternal, bem como os de fixação de alimentos devidos a menores encontram-se previstos e especialmente qualificados na Organização Tutelar de Menores (DL n.º 314/78, de 27/10) como processos tutelares cíveis de jurisdição voluntária (arts. 150º, 174º, 180º, 186º e 188º). </font>
</p><p><font>Estando-se, então, como se está, perante um processo de jurisdição voluntária, a admissibilidade de recurso das decisões da Relação está delimitada pelo âmbito de exclusão da previsão do n.º 2 do art. 1411º CPC.</font>
</p><p><font> Vale dizer, só há lugar a recurso se a decisão não tiver sido proferida “segundo critérios de conveniência ou oportunidade”, ou seja, se emergir de critérios de legalidade estrita.</font>
</p><p><font> Necessário, pois, para que o recurso de revista seja admissível, é o concurso do pressuposto de que a decisão impugnada assente num critério de legalidade e não apenas em juízos de oportunidade ou conveniência. </font>
</p><p><font>A proibição estabelecida no citado n.º 2 do art. 1411º surge, assim, em harmonia com o que a mesma lei processual define como fundamento do recurso de revista – a violação da lei substantiva ou da lei do processo 722º-1 CPC). </font>
</p><p><font>Excluído, pois, o recurso quanto se não baseie exclusivamente na violação da lei substantiva ou da lei processual. </font>
</p><p><font> Ora, se a questão de deverem ou não ser fixados alimentos se prende com a aplicação de um critério normativo ou de legalidade, pois que, dependendo da interpretação de preceitos legais, designadamente da concretização do conteúdo das normas dos artigos 1878º-1, 1905º-1 e 2004º-1 do Código Civil, tem que ver com o concurso dos pressupostos ou requisitos exigidos pela lei para respectiva fixação de judicial, isto é, no caso, se, por ser desconhecida a situação económica do devedor legalmente obrigado à prestação, é legítimo, por isso, desonerá-lo dessa obrigação quando verificada a necessidade do alimentando, já quanto à fixação de uma concreta quantia, a título de pensão, se resvala para o campo de juízos casuísticos incidentes sobre as concretas necessidades e possibilidades de quem carece e de quem deve prestar os alimentos, fazendo apenas apelo a critérios de equidade (oportunidade e conveniência) para avaliar dum actual e concreto interesse do menor, tudo para além do campo da legalidade estrita e, consequentemente, já no âmbito da proibição delimitada pelos mencionados preceitos. </font>
</p><p><font> </font><font>Serve o expendido para concluir que está fora dos poderes deste Tribunal pronunciar-se, em sede de recurso, sobre a concreta medida dos alimentos.</font>
</p><p><font> E, se lhe está subtraído o poder de sindicar a decisão sobre uma concreta quantificação da obrigação alimentar, assente em considerações de conveniência e oportunidade, por maioria ou, pelo menos, por igual razão, lhe está vedado proferir </font><i><font>ex novo</font></i><font> uma decisão sobre tal matéria. </font>
</p><p><font>Por isso, não se conhecerá da pretensão do Recorrente quanto ao pedido de quantificação da prestação alimentar.</font>
</p><p><font> 4. 2. - Obrigação de alimentos. Fixação do conteúdo da obrigação. </font>
</p><p><font> 4. 2. 1. - Como se deixou delimitado o objecto de recurso, importa responder à questão de saber se um progenitor ausente em parte incerta e com situação económica desconhecida deve ver judicialmente reconhecida obrigação de prestar alimentos ao filho, com a fixação de um quantitativo, ou se esta deve aguardar a sua apresentação ou termo da ausência.</font>
</p><p><font> A questão proposta, como mostram o processo e o próprio fundamento invocado para o recurso, tem sido objecto de decisões contraditórias, designadamente nas Instâncias.</font>
</p><p><font> Este Tribunal Supremo foi já chamado a pronunciar-se sobre o assunto, como pode ver-se na decisão invocada como acórdão-fundamento (ac. de 27/9/2011-proc. n.º 4393/08.3TBAMD.L1.S1), na qual se decidiu dever fixar-se a pensão de alimentos a favor do menor, mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e situação económica do progenitor.</font>
</p><p><font> Embora perante situações de facto não totalmente sobreponíveis, parece adoptarem o mesmo entendimento as decisões proferidas nos acórdãos de 11-12-2009 e de 07-12-2011 (procs. 110-A/2002.L1.S1 e 4231/09.0TBGMR.G1.S1, respectivamente).</font>
</p><p><font> Adiante-se, desde já, que não encontramos razões que nos levem a divergir da posição assumida no citado acórdão de 27 de Setembro, ora invocado como fundamento. </font>
</p><p><font> 4. 2. 2. - Entre os direitos e deveres fundamentais, consagra a Constituição da República, em seu art. 36º-5, o direito e dever dos pais de educação e manutenção dos filhos, que não podem ser separados dos pais, a não ser que estes não cumpram os seus deveres fundamentais (n.º 6 do mesmo art.), ou seja, a restrição ao direito constitucionalmente garantido dos pais apenas é admitido, mediante decisão judicial, em casos extremos de irresponsabilidade ou inconsideração em que o superior interesse dos filhos o exija. </font>
</p><p><font> Os termos em que a Lei Fundamental coloca a interligação dos direitos e deveres dos pais para com os filhos na sua relação com a possibilidade de estes poderem ser separados dos pais faz seguramente crer que, tal como o legislador ordinário, também o legislador se orientou pela ideia central da defesa do interesse do filho, acolhendo o princípio, em ordem à plena realização da sua pessoa.</font>
</p><p><font> Revela-o ainda o art. 69º da CRP ao impor ao Estado e à sociedade o dever de protecção das crianças, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, ou seja, o interesse dos filhos como sujeitos de direitos fundamentais.</font>
</p><p><font> A lei ordinária, por sua vez, concretizando e desenvolvendo o desígnio constitucional, atribui aos pais, competindo-lhes, o poder-dever de “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, representá-los …” – art 1878º-1 C. Civil. </font>
</p><p><font> Já o art. 2004º, dispondo sobre o modo de determinação em concreto da medida dos alimentos, cujo conteúdo está traçado no art. 2003º (o indispensável ao sustento, habitação vestuário, instrução e educação do menor), estabelece que “os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”.</font>
</p><p><font> De notar, ainda, que o direito a alimentos é irrenunciável e incedível e que, embora possa deixar de ser pedidos, uma vez deduzida a respectiva pretensão, são devidos desde a data da propositura da acção (arts. 2008º-1 e 2006º C. Civil). </font>
</p><p><font> 4. 2. 3. - Assim passadas em revista as normas que aludem à matéria relativa ao direito a alimentos de menores e respectiva fixação, temos que, a enformá-las, está sempre presente, presidindo-lhes, o princípio da defesa do superior interesse do menor, para cuja satisfação converge o imperativo e inerente dever jurídico dos pais, só arredável perante a demonstração de absoluta incapacidade económica do devedor, designadamente por não ser titular de réditos que lhe permitam ir além das suas necessidades básicas de subsistência. </font>
</p><p><font> Apresenta-se, portanto, no campo da excepcionalidade, sempre assente na salvaguarda do estritamente necessário à subsistência, a liberação do progenitor relativamente à obrigação alimentar. </font>
</p><p><font> Daí decorre, ao menos a nosso ver, que uma vez judicialmente peticionada a atribuição de alimentos e demonstradas as necessidades alimentares do filho menor, resulta incontornável o dever de proceder à fixação de uma pensão a esse título, em efectivação e concretização do direito de que goza o respectivo titular.</font>
</p><p><font> Com efeito, a ausência do pai que se exime à sua responsabilidade, abandonando e desinteressando-se da sorte do filho, em manifesta violação dos direitos-deveres que sobre si impendem, não poderá aproveitar-lhe para, em sede da concretização da medida dos alimentos, se exonerar da respectiva obrigação.</font>
</p><p><font> O abandono, puro e simples, com desprezo pelos direitos e deveres que a condição de progenitor encerra, não pode, sem mais, fazer-se equivaler ou justificar, do ponto de vista da tutela dos interesses em jogo, o reconhecimento da incapacidade de acudir às necessidades alimentares do filho, sob pena de se deixar vazio de conteúdo o aludido direito-dever fundamental de educação e manutenção dos filhos, não separados dos pais. </font>
</p><p><font> Como, a este propósito escreve REMÉDIO MARQUES (“</font><i><font>Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos A Menores)…</font></i><font>”), 2000, pg. 69/70), os “</font><i><font>direitos-deveres</font></i><font> para com os menores são </font><i><font>sempre</font></i><font> devidos, independentemente dos seus recursos económicos e do estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é </font><i><font>obrigatório e prioritário </font></i><font>em atenção à pessoa e aos interesses do menor”.</font>
</p><p><font> E, efectivamente, o art. 2004º, preceito que, como dito, se prende apenas com a o critério de determinação da medida dos alimentos, tem como pressuposto nuclear a situação de necessidade do alimentado, que é, afinal, o interesse juridicamente protegido que confere o direito à obtenção da prestação, correspondendo a regra da proporcionalidade aí acolhida à indicação do método de cálculo a adoptar pelo julgador. </font>
</p><p><font>Por isso, a falta de um dos elementos de aplicabilidade da proporcionalidade, por facto imputável ao obrigado, não será, só por si, causa de desatendimento do pedido, demonstrada que esteja a necessidade, que é fundamento do direito e que se coloca num plano superior e anterior à concreta medida das necessidades e das possibilidades a que alude o art. 2004º-1, estas sim, a cotejar, na medida dos elementos disponíveis. </font>
</p><p><font>Ora, se assim é, pensa-se que o reconhecimento do direito à atribuição de alimentos só poderia resultar arredado perante a demonstração da efectiva impossibilidade do obrigado, a qual, no caso, não se verifica, desde logo, porque o progenitor, se desinteressou de contribuir para essa prova, porque, antes disso, se auto-desresponsabilizou de todo o complexo de poderes e deveres inerentes à sua condição de pai. </font>
</p><p><font> Como se ponderou no acórdão de 27/9/2011, “a essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeito pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua”. </font>
</p><p><font> Tudo o convocado conduz a que o tribunal deva proceder à fixação da quantia pecuniária que, em juízo equitativo, tenha como a adequada comparticipação do pai nas despesas alimentares do menor, segundo as suas necessidades. </font>
</p><p><font>A fixação impõe-se ainda, porque, reconhecida a existência da obrigação, o respectivo titular deve dela beneficiar desde a data da instauração da acção, não se afigurando legítimo impor-lhe uma renúncia a tal prestação até que o progenitor abandonante decida comparecer ou seja encontrado (arts. 2006º e 2008º cit).</font>
</p><p><font> Se, quando tal acontecer, se verificar que a prestação fixada estava desfasada das reais possibilidades do devedor, aí estarão os meios que o processo, pela sua natureza de jurisdição voluntária, põe ao dispor do tribunal e das partes para encontrar a solução correctiva mais conveniente e oportuna. </font>
</p><p><font> 4. 2. 4. – O expendido em 4. 1. supra tem como consequência que este Tribunal se abstenha de emitir pronúncia sobre a fixação do montante pensão alimentar, remetendo para as Instâncias a respectiva decisão. </font>
</p><p><font> 4. 2. 5. - Respondendo, em síntese final, á questão colocada poderá concluir-se:</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> - O tribunal deve fixar prestação alimentar a favor do menor, a suportar pelo progenitor, mesmo quando o paradeiro e condições sócio-económicas deste se desconheçam.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>- A fixação do montante da pensão alimentar a prestar pelo progenitor a filho é da exclusiva competência das instâncias.</font>
</p><p>
</p><p><font> 5. – Decisão.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Em conformidade com exposto, acorda-se em:</font>
</p><p><font> - Conceder a revista;</font>
</p><p><font> - Revogar o acórdão impugnado;</font>
</p><p><font> - Determinar que, na 1ª Instância, se proceda à fixação da montante da pensão alimentar a prestar pelo Requerido no âmbito da regulação do poder paternal do menor AA; e,</font>
</p><p><font> - Colocar as custas dos recursos a cargo do Requerido-recorrido.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Lisboa, 15 Maio 2012 </font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font> Alves Velho (relator)</font>
</p><p><font> Paulo Sá</font>
</p><p><font> Garcia Calejo</font>
</p><p><font> </font>
</p></font><p><font><font> </font></font></p> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FTKou4YBgYBz1XKvXCn2 | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br>
<br>
<font>1. - AA intentou contra BB, associação desportiva, acção declarativa de condenação pedindo que a Ré fosse condenada: - a) a reconhecer que o contrato de arrendamento entre ambos existente sobre o prédio rústico denominado “...” foi validamente denunciado para o termo da sua renovação – 30/06/2006; - b) a restituir de imediato o prédio locado ao A., livre de pessoas e coisas; e, - c) a pagar ao A. a indemnização anual de 240,00€, desde a citação até efectiva entrega do prédio.</font><br>
<font>A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que por contrato verbal, celebrado há cerca de 50 anos, um anterior dono do prédio deu-o de arrendamento à Ré, destinado a campo de futebol, pelo prazo de 1 ano, com início em 1 de Outubro, sendo de 120,00€ a renda anual no ano de 2006. Por carta registada com a/r, em 28.04.2006, o A. denunciou o referido contrato para o dia 30.09.2006.</font><br>
<br>
<font> A Ré contestou, por impugnação, propugnando pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção, para o caso de se entender ser válida a denúncia, pedindo a condenação do A./reconvindo a pagar-lhe, a título de benfeitorias, a quantia de 146.400,00€, bem como a ser reconhecido o seu direito de retenção sobre o imóvel.</font><br>
<font> A fundamentar o pedido reconvencional, alegou, em síntese, que:</font><br>
<font> - Com expressa autorização dos anteriores proprietários, a R. transformou o prédio rústico em urbano, adaptando-o à prática do futebol, para o que o desmatou, nivelou o terreno, vedou-o, interior e exteriormente, colocou torres de iluminação, procedeu à construção de instalações fixas, construiu novos balneários e implantou bancadas, no que despendeu um total de € 110.000,00.</font><br>
<font> - Com tal transformação, valorizou o prédio em 30.600,00€.</font><br>
<br>
<font> O A. replicou negando a autorização das obras, que desvalorizaram o prédio e apenas serviram para recreio do Réu.</font><br>
<font> </font><br>
<font> Admitida a reconvenção e tramitada a acção, veio a ser proferida sentença em que se decidiu:</font><br>
<font>“</font><i><font>1) Julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, condenar o réu BB: </font></i><br>
<i><font>- a) A reconhecer que o contrato de arrendamento referido na alínea A) da Fundamentação de Facto sobre o prédio identificado na mesma alínea foi validamente denunciado para o termo da sua renovação (30.09.2006); - b) A restituir de imediato ao autor AA o mesmo prédio e as suas benfeitorias, livre de pessoas e coisas; </font></i><br>
<i><font>- c) A pagar ao autor a indemnização anual de 240,00 Euros, por cada ano de atraso no cumprimento da obrigação de restituição até efectiva entrega do prédio ao autor. </font></i><br>
<i><font>2) Julgar procedente o pedido reconvencional e, em consequência, condenar o autor-reconvindo AA a pagar ao réu-reconvinte BB o quantitativo que se vier a liquidar relativo ao direito à indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis referidas nas alíneas I) a R) da Fundamentação de Facto e efectuadas no prédio identificado na alínea A) da mesma Fundamentação de Facto, reconhecendo, igualmente ao réu, o direito de retenção sobre o prédio arrendado, até que se verifique o pagamento da indemnização devida pelas mesmas benfeitorias nele efectuadas</font></i><font>”. </font><br>
<font> </font><br>
<font> Apelaram ambas as Partes, fazendo-o subordinadamente a Ré.</font><br>
<br>
<font> A Relação julgou improcedente o recurso interposto pela R., mas procedente o do A., em consequência do que revogou a sentença na parte em que julgou procedente a reconvenção, que declarou totalmente improcedente.</font><br>
<br>
<br>
<font> A Ré pede ainda revista visando a reposição do decidido na 1ª Instância quanto à indemnização por benfeitorias e reconhecimento do direito de retenção a seu favor.</font><br>
<font> Para tanto, argumenta na síntese conclusiva das alegações que ofereceu: </font><br>
<font>1- De acordo com a sua destinação económica, as construções, edificações e obras feitas pelo Réu no prédio locado, e que é, actualmente, propriedade do Autor, deverão ser tidas como benfeitorias necessárias, e não meramente úteis. Desde logo, porque, sem a sua realização, a finalidade com base na qual o Réu aceitou celebrar o contrato de arrendamento seria impossível ou, no mínimo, seriamente prejudicada. </font><br>
<font>2- Mesmo que, por hipótese académica, essas benfeitorias fossem tidas como úteis, manter-se-ia o direito de o Réu ser indemnizado com base na norma constante do artigo 1273º do Código Civil. </font><br>
<font>3- De facto, deve entender-se que, atentas as circunstâncias do caso dos autos, o seu levantamento acarreta a deterioração do prédio benfeitorizado, o que, de acordo com o estatuído no artigo 1273.º, nº 2,do Código Civil, implica também o ressarcimento do Réu pelas benfeitorias realizadas. </font><br>
<font>4-A remissão para o instituto do enriquecimento sem causa feita no artigo 1273º, n.º 2, do Código Civil deve ser interpretada de forma restrita: visa, tão-só, fornecer os elementos de cálculo de um pagamento a que, previamente, já se considerou haver lugar. Pelo que não se requer a aplicação integral do regime do enriquecimento sem causa, mas apenas se solicitam os seus instrumentos de cálculo, de forma a encontrar o concreto quantum da restituição. </font><br>
<font>5- Para efectuar tal exercício, e visto que nem o "enriquecimento", nem o "empobrecimento"são conceitos dotados de uma natureza homogénea, unitariamente determinada para todas as categorias de enriquecimento sem causa, é necessário integrar as diferentes obras, construções e edificações realizadas pelo Réu no prédio locado de acordo com as também distintas naturezas que o enriquecimento (sem causa) pode assumir. </font><br>
<font>6-A terraplanagem do terreno em que foi construído o campo de futebol, seu nivelamento e aplicação de piso próprio em "toutvent" e saibro com prévia drenagem e a vedação do rectângulo de jogo, benfeitorias descritas nas alíneas I) J) e M) da douta decisão do Tribunal da Relação do Porto, devem ser configuradas como integradoras do conceito de enriquecimento resultante de despesas por outrem. </font><br>
<font>7- Modalidade de enriquecimento sem causa que se determina e encontra a sua razão de ser, tão só, na prestação realizada e nos prejuízos que ela acarreta para quem a efectua. </font><br>
<font>8-As despesas realizadas pelo Réu com a vedação exterior do complexo desportivo, colocação de torres de iluminação, construção de instalações fixas do rés-do-chão, destinadas à sede social (com bar, sala de convívio, de jogo, biblioteca e respectivos sanitários), e de edificação de novos balneários, descritas nas alíneas I) J) e M) da douta decisão do Tribunal da Relação do Porto, devem, igualmente, ser consideradas como originadoras de enriquecimento resultante de despesas por outrem. </font><br>
<font>9- Tais despesas devem, ainda, ser tidas em conta como despesas efectuadas pelo Réu, mesmo considerando a ajuda de terceiros na construção, edificação e obras que as originaram. Atendendo a que, nesta hipótese, estamos perante um enriquecimento por "intervenções patrimoniais indirectas", modalidade em que se dispensa o requisito da imediação directa entre os patrimónios do empobrecido e do enriquecido. </font><br>
<font>10- Em consequência, quer as despesas directamente provenientes do património do Réu, quer as que foram realizadas com ajuda de terceiros deverão ser consideradas para efeitos de contabilização do empobrecimento do Réu. </font><br>
<font>11- Para fins da prova da existência de prejuízos a cargo do Réu, a resposta pericial aos quesitos deve ser tida como positiva. Devendo aplicar-se à eventual indeterminação do exacto montante ressarcitório o disposto no artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil, permitindo-se, assim, a liquidação da sentença em sede de execução. </font><br>
<font>12- O enriquecimento do Autor deve ser calculado tendo em conta um critério patrimonial e objectivo, e não individual e subjectivo. </font><br>
<font>13- A obrigação de restituir o que foi indevidamente obtido deve abranger, nos termos previstos no artigo 479º, nº1, do Código Civil, " tudo o que se tenha obtido à custa do empobrecido" ou seu valor correspondente, em caso de impossibilidade de restituição em espécie, de acordo com o seu valor de mercado. </font><br>
<font>14- Devendo atender-se, para cálculo do montante indemnizatório, ao enriquecimento actual, que se apura à data dos factos previstos no artigo 479.º, nº 2, do Código Civil, não sendo possível relevar factos posteriores e factos futuros. </font><br>
<br>
<font> A Recorrida respondeu, sustentando a manutenção do julgado</font><br>
<br>
<br>
<font> 2. - Como se pode extrair das conclusões do recurso, vem proposta resposta às seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br>
<br>
<font> - Qualificação das benfeitorias, como necessárias ou úteis;</font><br>
<br>
<font> - Se a Ré goza do direito a indemnização pelas benfeitorias realizadas; e,</font><br>
<br>
<font> - Em caso afirmativo, em que termos e em que medida.</font><br>
<br>
<br>
<font> 3. - Vem assente a </font><b><font>factualidade</font></b><font> que segue.</font><br>
<br>
<font>A. Há cerca de 50 anos, AA, anteproprietário do prédio denominado "...", sito no lugar da ..., com a área de 5.100 m2, a confrontar do norte com Herdeiros de CC, o sul e nascente com DD e do poente com caminho público, inscrito nos arts. rústicos 437 e 338 daquela freguesia e agora no art. 196 - U e descrito na Conservatória de Registo Predial de Vila do Conde sob o nº ..., declarou verbalmente que o dava de arrendamento à R., e esta declarou que o tomava de arrendamento, e com vista à sua utilização como campo de futebol (al. A) da matéria assente); </font><br>
<font>B. O prédio referido foi legado ao A. por testamento de sua mãe, falecida em 23 de Abril de 1996, legado este considerado na escritura junta a fls.17 e ss.(al. B));</font><br>
<font>C. O pagamento da renda devida pelo gozo do prédio, segundo acordo da pessoa identificada em A) e a R seria feito até ao 30º dia de Setembro de cada ano, na casa do senhorio (al. C));</font><br>
<font>D. A renda anual devida até Setembro de 2006 está paga (al. D));</font><br>
<font>E. A renda anual, em Setembro de 2006, ascendia a 120,00 Euros (al. E)). </font><br>
<font>F. Por carta de 28 de Abril de 2006, recebida pela R., o A. declarou: "(...) venho pela presente e nos termos do disposto no art. 5º do RAU e 1055/1 b) do CC, denunciar esse contrato de locação para o termo da renovação em curso, ou seja, para o dia 30 de Setembro de 2006, data em que deverão entregar o referido prédio livre de pessoas e bens" (al. F)); </font><br>
<font>G. Em resposta a R. propôs-se adquirir o prédio pela quantia de 50.000,00 Euros, ao que o A. apresentou a contraproposta de 150.000,00€, por carta de 11 de Setembro de 2006 (al. G));</font><br>
<font>H. Até à data o prédio identificado em A) não foi entregue ao A. (al. H)); </font><br>
<font>I. No prédio supra referido e com vista à construção de um campo de futebol a R. terraplanou o terreno do prédio supra referido (quesito 2º); </font><br>
<font>J. (. .. ) nivelou-o e aplicou piso próprio em toutvenant e saibro com prévia drenagem (quesito 3º);</font><br>
<font>L. Nas obras referidas em I) e J) (artigos 2º e 3º da BI) foram gastos cerca de 2.500,00 Euros (quesito 4º);</font><br>
<font>M. A ré procedeu à vedação do rectângulo de jogo (quesito 5º); </font><br>
<font>N. Na obra referida em M) (artigo 5º da BI) foram gastos cerca de 2.500,00 Euros (quesito 6º); </font><br>
<font>O. A R procedeu à vedação exterior do complexo desportivo construído no prédio (quesito 7º);</font><br>
<font>P. A ré, com a ajuda de terceiros, colocou no referido prédio torres de iluminação (quesito 9º);</font><br>
<font>Q. Na década de oitenta, a ré, com a ajuda de terceiros, procedeu à construção de instalações fixas de rés-do-chão, destinadas à sua sede social, com bar, sala de convívio, de direcção, de jogo, biblioteca e respectivos sanitários (quesito 11º); </font><br>
<font>R. A ré, com a ajuda de terceiros, construiu no prédio supra identificado, novos balneários (quesito 13º); </font><br>
<font>S. Todas as obras referidas foram feitas mediante autorização do senhorio (quesito 16º);</font><br>
<font>T. Com as obras supra referidas, o prédio identificado em A) passou a ter um valor acrescido (quesito 17º);</font><br>
<font>U. O espaço ocupado com o campo de futebol e demais instalações ocupa uma área superior à arrendada e referida em A).</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. - Mérito do recurso.</font><br>
<br>
<font> 4. 1. - Qualificação das benfeitorias.</font><br>
<br>
<font>4. 1. 1. - A pretensão indemnizatória por benfeitorias foi arredada pela Relação com fundamento em que se está perante benfeitorias úteis, que não necessárias, relativamente às quais a Ré não provou a impossibilidade de levantamento sem detrimento da coisa, demonstração que se impunha em relação a algumas das obras (vedação e torres de iluminação), do mesmo passo que, relativamente às demais, não sufragou conclusão que o respectivo levantamento implica a deterioração do prédio, face à sua natureza rústica.</font><br>
<font>Numa palavra, no acórdão recorrido teve-se por afastado o concurso da deterioração do prédio arrendado pelo levantamento das benfeitorias, ora por necessária a prova efectiva relativamente a algumas delas, ora por não ser caso de o presumir com base nos demais factos provados relativamente às demais.</font><br>
<br>
<br>
<font>4. 1. 2. - Antes de prosseguir, importa, portanto, deixar firmado que a existência ou não de prejuízo para o prédio (detrimento da coisa) repousa num juízo de facto, conclusão ou ilação a retirar de factos que o demonstrem, pois que se trata de averiguar se, em determinado caso concreto, a coisa fica prejudicada na sua substância ou desvalorizada por dela serem separados melhoramentos que lhe foram ligados ou associados.</font><br>
<font> Situamo-nos, então, em pleno campo da matéria de facto, cujo conhecimento, apuramento e fixação são da exclusiva competência das Instâncias, não estando em causa, qualquer das situações excepcionalmente previstas nos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 do CPC.</font><br>
<font> Não pode, pois, como parece pretender a Recorrente, o STJ, usar, aqui e agora, ele próprio, de presunções judiciais, retirando, de outros factos, ilações ou conclusões, por se tratar, insiste-se, de matéria que, por ser reserva exclusiva das Instâncias, lhe está vedada, como vedado lhe está exercer censura sobre a declarada posição da Relação no sentido de, no uso dos seus poderes, não ter usado a presunção, pois que nenhum erro lógico se detecta no necessário confronto com a globalidade da matéria de facto efectivamente provada (factos-base), da qual as ilações ou conclusões são inferências ou desenvolvimentos lógicos, que a não podem alterar ou contrariar (arts. 349º e 351º).</font><br>
<br>
<font>Depois, prosseguindo neste ponto prévio, dir-se-á que não se está perante facto notório (art. 514º-1 CPC), tanto mais que a coisa sobre a qual haveria de se verificar o “detrimento” é um terreno de lavradio e mato, cuja reposição, esta sim, dada a natureza da coisa, será, em regra, notoriamente possível e facilmente realizável.</font><br>
<br>
<font>Finalmente, constata-se que a Ré nem sequer alegou qualquer facto relativo ao levantamento das benfeitorias, a oposição pelo A. ou a deteriorações ou prejuízos para o arrendado. Limitou-se a descrever obras e valores despendidos.</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font> 4. 1. 3. - Sustenta a Ré que as obras realizadas são, de acordo com a sua destinação económica, consideradas necessárias e não meramente úteis, porque, sem a sua realização, a finalidade com que aceitou celebrar o contrato de arrendamento seria impossível ou seriamente prejudicada. </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> As obras realizadas foram, como provado, efectuadas ao longo de anos, e destinaram-se a dotar o terreno, tomado de arrendamento para campo de futebol, de condições adequadas à prática de futebol, com a construção dos equipamentos próprios de apoio a essa prática desportiva, bem diferentes nos tempos actuais dos que dispunham os campos de futebol há 50 anos.</font><br>
<br>
<font> O critério de qualificação das benfeitorias vem estabelecido no art. 216º-3 C. Civil, que define as </font><i><font>necessárias</font></i><font> como as despesas feitas com o fim de evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, enquanto </font><i><font>úteis</font></i><font> serão as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor.</font><br>
<font> Estamos claramente no campo dos actos materiais de obras na coisa beneficiada que, apesar de muito importantes ou mesmo necessárias em razão da utilização que a Ré se propôs dar-lhe desde o início de vigência do contrato e em razão do próprio fim do arrendamento, e lhe deu, não se destinaram a evitar a sua perda ou deterioração. </font><br>
<font>Fora, pois, da função conservatória que as normas dos n.ºs 1 e 3 do citado art. 216º reservam para as benfeitorias necessárias.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Não o alegou a Ré, nem se configura como defensável que a implantação de edificações, vedações ou mesmo a realização de terraplanagens traduzam comportamentos necessários à conservação de um terreno de mato e cultivo. </font><br>
<font>Os melhoramentos foram determinados por razões de conveniência da Ré, para um melhor aproveitamento das potencialidades do prédio para o fim que esta pretendeu continuar a dar-lhe, acompanhando a evolução das condições de prática do futebol, interesse que a lei não tutela para efeito de qualificação das benfeitorias e indemnização do possuidor seu autor.</font><br>
<br>
<br>
<font> Não se exclui que a situação pudesse, eventualmente, ser diferentemente perspectivada, se, em vez de se dar e tomar de arrendamento um prédio rústico, de lavradio e mato, o objecto da locação fosse já um “campo de futebol”, vale dizer, um terreno predestinado ou utilizado como campo de futebol, para nele ser continuada essa destinação económica, ou se se perfilasse em termos de, perante a cessação da vigência do contrato de arrendamento, o Autor se propor manter-lhe o mesmo destino, mantendo o terreno a ele definitivamente afectado.</font><br>
<font> Então, porque se estaria já perante um terreno não apto ou não destinado a fins agrícolas ou florestais, poderia ser de ponderar a existência de despesas de conservação indispensáveis à preservação da função e destinação económica da coisa arrendada susceptíveis de integração no conceito de benfeitorias necessárias.</font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font>Assim sendo - e não estando agora em causa a apreciação de outra classificação (benfeitorias voluptuárias) -, só perante benfeitorias úteis se poderá estar.</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 2. - Direito da Ré a indemnização por benfeitorias.</font><br>
<font> </font><br>
<font>As benfeitorias úteis podem e devem ser levantadas pelo possuidor da coisa, salvo se esse levantamento não puder ser efectuado sem detrimento da coisa – art. 1273º C. Civil. </font><br>
<br>
<font> Por expressa determinação legal, o locatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé (art. 1046º-1 C. Civil).</font><br>
<br>
<font> Consequentemente, face ao regime do art. 1273º, o direito ao valor das benfeitorias, a calcular segundo as regras do enriquecimento sem causa, estará sempre dependente da prova de que o seu levantamento não poderia fazer-se sem prejuízo para a edificação em que foram realizadas as obras.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Concordantemente com o que vem decidido, tem de concluir-se que, não tendo sido demonstrado, nem, como dito, sequer alegado, que a Ré não pudesse proceder ao levantamento das benfeitorias, que este não pudesse ter lugar sem detrimento do terreno, seu destino e aptidão, ou que o Autor tivesse deduzido oposição ao levantamento, invocando esse detrimento, não concorrem os pressupostos legalmente fixados para a atribuição da indemnização reclamada (ac. STJ, de 06/7/2004 – Proc. 2064/04-7).</font><br>
<br>
<br>
<font> 4. 3. - Da impossibilidade de reconhecimento do reclamado direito a indemnização decorre a desnecessidade de apreciação do critério que a ela deveria presidir, questão que resulta prejudicada (art. 660º-2 CPC).</font><br>
<font> </font><br>
<br>
<font>Bem julgado foi, assim, como tinha de ser, improcedente, o pedido tal reconvencional. </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<font> 5. - Decisão:</font><br>
<br>
<font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br>
<br>
<font> -Negar a revista;</font><br>
<br>
<font> - Manter a decisão impugnada; e,</font><br>
<font> </font><br>
<font>- Condenar a recorrente nas custas.</font><br>
<br>
<br>
<font>Lisboa, 12 Julho 2011 </font><br>
<br>
<font>Alves Velho (relator)</font><br>
<font>Moreira Camilo</font><br>
<font>Paulo Sá</font></font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CDKKu4YBgYBz1XKv1hlk | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><div><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></b>
<p><b><font> </font></b></p></div><br>
<font>AA, BB, CC e DD intentaram acção, com processo comum contra “Companhia de Seguros .... S.A.” e “...., S.A.”.</font>
<p><font>Pediram que:</font>
</p><p><font> Se declarasse excluída (por inexistente) das condições particulares do seguro de vida celebrado entre a 1ª R., como seguradora, a 2ª R. como tomadora do seguro, e EE, como segurada, a cláusula que considerava extinto o seguro quando esta atingisse 70 anos de idade, devendo considerar-se que o contrato de seguro tem o prazo de 25 anos a contar de 13.03.2002 e se mantinha válido à data da morte da pessoa segura; a condenação da 1ª R (Companhia de Seguros ..., S.A) a pagar à 2ª R. (..., SA), a quantia que ainda se encontre em dívida do empréstimo referido na petição inicial na data em que for proferida a decisão final com trânsito em julgado, e que é actualmente de € 47.233,10; a condenação da 1ª R. a pagar às AA. a quantia de € 6.465,32 acrescida das prestações mensais que se vencerem, e estas pagarem para amortização do mesmo empréstimo, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.</font>
</p><p><font>Caso não seja possível apurar os valores referidos acima pedidos, deverá a sua liquidação fazer-se em execução de sentença.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>As RR. contestaram.</font>
<p><font>A seguradora alegou que, nos termos das condições particulares da apólice, as garantias cessavam, no caso de morte, no termo da anuidade em que a segurada completasse 70 anos, tendo o contrato sido anulado por limite de idade em 01-01-2012; que a segurada foi devidamente elucidada do conteúdo das cláusulas contratuais; e que a segurada recebeu uma carta dando-lhe conta da cessação do contrato, a qual não mereceu oposição por parte dela.</font>
</p><p><font>A ... alegou que, na data de adesão ao seguro, explicou à mutuária as condições gerais e particulares do seguro e que destas constava que as garantias do seguro cessavam quando a cliente atingisse os 70 anos.</font>
</p><p><font>Ambas concluíram pela improcedência da acção.</font></p><div><br>
<font>*</font></div><br>
<font>Na 1.ª Instância foi proferida Sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as Rés do pedido.</font>
<p><font>As Autoras interpuseram recurso para a Relação do Porto que confirmou a decisão recorrida.</font>
</p><p><font>Perante a situação de dupla conforme, as Autoras pediram revista excepcional, admitida pelo Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que entendeu estar presente o requisito da alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito (relevância jurídica a tornar a apreciação da questão em causa “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”)</font>
</p><p><font>E concluíram a sua alegação, quanto ao mérito, nos termos seguintes:</font>
</p><p><font>1.ª- Como regra, o Supremo Tribunal de Justiça não aprecia matéria de facto. </font>
</p><p><font>2ª- A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça quanto à matéria de facto apenas pode ocorrer quando, na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, tenha havido ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ou ainda quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito (art°s 674°, n° 3 e 682 do CPC). </font>
</p><p><font>3ª- O acórdão recorrido não respeitou a força probatória de alguns meios de prova (documentos) constantes dos autos e os factos que foram considerados provados e não provados contêm contradições entre si que não permitem uma decisão jurídica do pleito.</font>
</p><p><font>4ª- As questões referidas na conclusão anterior colocam-se, aliás, no âmbito das questões de direito da esfera da competência do Supremo Tribunal de Justiça.</font>
</p><p><font>5ª- Os factos que foram considerados provados pelo douto acórdão recorrido são os que se encontram transcritos na parte expositiva desta revista. Esses factos são os mesmos que foram considerados provados pela também douta sentença da 1ª instância.</font>
</p><p><font>6ª- As Recorrentes impugnaram alguns desses factos, sem que a impugnação tenha tido provimento.</font>
</p><p><font>7ª- Este Supremo Tribunal apenas pode apreciar se, em relação a alguns desses factos impugnados, foram observadas as regras do direito probatório material) art° 634°, n° 2 CPC) ou ordenar a ampliação dessa matéria (art° 682° CPC)</font>
</p><p><font>8ª- Dessa apreciação faz parte apreciar o percurso de raciocínio da fundamentação das respostas e analisar se esse percurso é coerente e lógico em relação ao resultado obtido. É uma questão de direito.</font>
</p><p><font>9ª- No caso dos autos não se pode abstrair das circunstâncias concretas em que o seguro foi celebrado e da pessoa concreta que é a segurada. </font>
</p><p><font>10ª- Para averiguar se foi cumprido, nos termos legais, o dever de informação, é necessário analisar a postura da generalidade dos cidadãos perante este tipo de contratos e conhecer a realidade humana e social em que se envolve este género de contratos.</font>
</p><p><font>11ª- Como resulta dos factos provados, EE pretendeu contrair junto da ... um empréstimo de 15.000.000$00 para construção de habitação, tendo-se para tal dirigido a uma agência desse banco. Este informou-a de que o empréstimo pretendido foi concedido pelo prazo de 25 anos.</font>
</p><p><font>12ª- Nessa altura, a ... entregou-lhe uma comunicação escrita donde constavam os documentos necessários para ser celebrado o empréstimo, e constava a exigência de um seguro de vida. Desse documento constava ainda a oferta de alguns tipos de seguros, incluindo um seguro de vida - grupo (pelo valor do empréstimo)</font>
</p><p><font>13ª- Esse documento faz prova plena quanto às declarações dele constantes e esses factos devem considerar-se provados (art° 376° CC)</font>
</p><p><font>14ª- Para um declaratário normal essa declaração queria dizer que o empréstimo só era efectivamente concedido se a candidata a mutuária celebrasse um contrato de seguro de vida pelo montante do empréstimo. Por isso, e face a esse documento, devia ter sido provado que o seguro de vida era obrigatório para a concessão do empréstimo.</font>
</p><p><font>15ª - É do conhecimento da generalidade das pessoas que a concessão dos empréstimos para habitação se processam dessa forma e que é o banco quem trata do em préstimo e do seguro. Aliás, os bancos tinham "associados" a si uma seguradora que fazia parte do mesmo grupo económico, como acontecia no caso dos autos de acordo com os factos provados.</font>
</p><p><font>16ª - Por outro lado, vivia-se uma época de "oferta" de crédito e incentivo ao mesmo por parte dos bancos.</font>
</p><p><font>17ª- Foi neste contexto e nestas circunstâncias que foi celebrado o contrato de seguro de vida com EE.</font>
</p><p><font>18ª - Foi considerado provado (facto n° 12) que o contrato de seguro a que EE aderiu se rege pelas condições particulares cuja cópia está junta a fls. 46 a 50. Esse documento foi junto pelas RR. e é uma confissão de que eram essas as cláusulas. No entanto, esse documento é datado de 30 de Outubro de 2009 e a adesão ao seguro por EE ocorreu em 2002. Por isso tendo em conta esse documento esse facto não devia ter sido provado.</font>
</p><p><font>19ª- O douto acórdão recorrido considerou que a data não significava que as condições particulares não sejam as expressas no documento junto a fls. 46/50. Não se compreende esta fundamentação e, muito menos se compreende que nenhuma das RR. tenha juntado as condições particulares contemporâneas da celebração do seguro, apesar de as AA. terem levantado essa questão.</font>
</p><p><font>20ª - Por outro lado há uma contradição nas respostas dadas a esta questão das condições particulares que inviabilizam a decisão jurídica. Vem provado (facto n° 17) que, na altura da subscrição da proposta de adesão, nenhuma das RR. entregou a EE as condições gerais e especiais do referido seguro de vida. E vem provado (facto n° 19) que depois de ter recebido e aceite a proposta de adesão a 1ª R. enviou, em data não apurada, as condições particulares que constituem o documento de fls. 46 a 50. Ora, se este documento tem a data de 30 de Outubro de 2009, não podia ter sido enviado em 2002 (quando foi celebrado o seguro).</font>
</p><p><font>21ª - Por outro lado, a 1ª R. não alegou que tivesse enviado esse documento das condições particulares. E se tivesse enviado não só teria alegado, como teria juntado cópia da carta a enviá-las.</font>
</p><p><font>22ª - Consta como provado (facto n° 11) que EE</font>
</p><p><font> subscreveu a proposta de adesão que se encontra a fls. 110, à qual se encontrava anexada a nota informativa de fls. 111 e que lhe foi entregue.</font>
</p><p><font>23ª - Esse documento de "Boletim de Adesão" foi junto aos autos pela 2ª R. CGD e foi também junto aos autos (a pedido das AA.) pela 1.ª R. .... Nenhum desses documentos tem data e esses documentos não são coincidentes, excepto quanto à 1ª página. As várias discrepâncias constam da parte expositiva das alegações e que se consideram reproduzidas.</font>
</p><p><font>24ª- Não há nenhuma rubrica na “Nota Informativa” comprovativa de EE a ter recebido e esta já não está viva para poder contradizer a funcionária da 2ª R. que foi testemunha. Também não há na Nota Informativa qualquer elemento que possa provar se a mesma é contemporânea do "Boletim de Adesão" ou das condições particulares de 2009.</font>
</p><p><font>25ª - Não se compreende que, tendo EE 61 anos na data da subscrição do seguro, lhe tenha sido proposto um seguro com cobertura para invalidez permanente por doença cujos efeitos cessavam aos 60 anos. E também não se compreende que tenha proposto um seguro para garantir um empréstimo de 25 anos cuja cobertura de invalidez permanente por acidente cessava os efeitos aos 65 anos e por morte aos 70 anos.</font>
</p><p><font>26ª - A boa fé contratual impunha não só um especial cuidado de informação ou que não se exigisse o seguro. E só não será assim se, na altura não tivessem sido dadas as referidas informações.</font>
</p><p><font>27ª - Todavia, o que foi aceite é que EE subscreveu o "Boletim de Adesão". É esse documento (e apenas esse) que tem de ser considerado para prova dos factos dele constantes e cujo conteúdo não podia ser alterado por depoimento de testemunhas.</font>
</p><p><font>28ª- O que consta do "Boletim" é: "Duração do Contrato/Empréstimo: N° de anos: 25"</font>
</p><p><font>29ª - Para uma pessoa normal o que se conclui desse documento é que o seguro era por 25 anos que era o mesmo do prazo do empréstimo, tanto mais que aí se refere que o valor do seguro é o mesmo do empréstimo.</font>
</p><p><font>30ª - Desse documento não constava qualquer menção à cessação do contrato, apesar de nele constar a idade da pessoa segura.</font>
</p><p><font>Por outro lado, desse "Boletim" era feita referência de que o seguro a contratar era o "Caixa ...", seguindo-se entre parênteses em letras minúsculas: "sem período de carência de acordo com o especificado na Nota Informativa anexa". O que uma pessoa normal conclui desse documento é que o seguro não tinha período de carência.</font>
</p><p><font>31ª- Era exigível no âmbito da boa fé negocial que esse "Boletim" dissesse, entre parênteses ou noutro local, que os seus efeitos cessavam aos 60, 65 e 70 anos. A Nota Informativa não fazia parte do "Boletim de Adesão".</font>
</p><p><font>32ª - A 1ª R. emitiu e enviou anualmente à segurada EE os certificados de seguro que constituem os documentos n°s 7 e 8 com a petição e 3 a 8 com o requerimento de 24.04.2014, como vem provado como facto n° 18.</font>
</p><p><font>33ª - Esses documentos fazem prova plena dos factos deles constantes e tal não foi considerado no douto acórdão recorrido.</font>
</p><p><font>34ª - Desses documentos o que consta expressamente é que o seguro tinha como beneficiária a ...; que o valor do seguro era inicialmente de € 74.819,60; que tinha o prazo de 25 anos e que garantia o pagamento do capital em dívida à data da morte e invalidez total e permanente por doença ou acidente.</font>
</p><p><font>35ª - Esse era o entendimento que, nas circunstâncias referidas, um cidadão normal teria em relação ao seguro celebrado.</font>
</p><p><font>36ª - Esse convencimento mais se acentuaria por esses documentos serem enviados pela seguradora em seu papel timbrado e, a partir de certa altura, fazer constar o capital que nesse ano estava em dívida. E em todos os documentos o prazo foi sempre de 25 anos, sem menção de que os seus efeitos cessavam com o decurso da idade da pessoa segura.</font>
</p><p><font>37ª - Em 2006 a segurada completou 65 anos e a seguradora não lhe comunicou que a cobertura de invalidez total e permanente por acidente tinha cessado os seus efeitos. </font>
</p><p><font>38ª- Esses documentos constituem uma declaração confessória com força probatória plena por ter sido feita à parte contrária (art° 358°, n° 2 CC). Nesse caso a confitente não pode impugnar a confissão, alegando que esse facto não é verdadeiro (art° 359°, n°s 1 e 2 CC)</font>
</p><p><font>39ª - Perante o conteúdo destes documentos a douta sentença da primeira instância considerou que esses documentos eram susceptíveis de induzir em erro o destinatário e o douto acórdão recorrido considerou que se tratou de uma indicação incorrecta do prazo, reconhecendo que devia ter sido indicado o prazo de 31 de Dezembro de 2011.</font>
</p><p><font> 40ª - Não invoca o douto acórdão recorrido com base em que é que considera uma incorrecção. Ter-se-á de convir que considerar o prazo do seguro constante de um certificado uma incorrecção é tirar uma ilação sem qualquer base de sustentação. Se assim entendêssemos, que segurança teriam os segurados nos contratos? E quem diz que a data que está nos certificados não é realmente a verdadeira, face a todos os restantes documentos e factos referidos?</font>
</p><p><font>41ª - Aliás, não podia o douto acórdão recorrido retirar a ilação de que o prazo de 25 anos constante do "Boletim de Adesão" era o prazo do empréstimo e não do seguro a celebrar.</font>
</p><p><font> 42ª - O que uma pessoa normal concluía desse documento é que o seguro tinha a duração do empréstimo. Por isso desse documento consta "Duração do Contrato/Empréstimo" e não apenas "Duração do Empréstimo". Esse "Boletim" estava impresso em papel da seguradora e não do banco que ia conceder o empréstimo. </font>
</p><p><font>43ª - 0 seguro de vida celebrado insere-se, à data, no âmbito do disposto no art° 23°, n° 2 do DL 349/98 de 11.11 que regulava os empréstimos à habitação. Aí se refere que, além da hipoteca, podia ser constituído um seguro de vida do mutuário de valor não inferior ao montante do empréstimo.</font>
</p><p><font>44ª - Foi isso que o banco exigiu à mutuária e que esta celebrou. Este reforço de garantia só é eficaz e tem efeitos práticos se vigorar durante o período do empréstimo.</font>
</p><p><font>45ª - A segurada ficou surpreendida com a carta que recebeu a comunicar-lhe a cessação dos efeitos do seguro por ter completado 70 anos. Vem provado (facto n° 21) que após ter recebido essa carta reclamou e pediu esclarecimentos, não tendo prosseguido com essa impugnação por ter falecido três meses após ter recebido a carta.</font>
</p><p><font> 46ª - O douto acórdão recorrido não deu cumprimento ao disposto nos art°s 358°, n° 2, 359°, n°s 1 e 2 e 376° todos do Código Civil.”</font>
</p><p><font>A recorrida “... – Companhia de Seguros, SA”, contra alegou apenas para se insurgir contra a admissibilidade da revista excepcional.</font>
</p><p><font>A recorrida “..., SA” contra alegou, nos mesmos termos, concluindo ainda: </font>
</p><p><font>— Não é admissível a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto, porquanto a decisão quanto à matéria de facto não foi alterada pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmou o decidido pela 1ª instância, a questão da alegada inobservância do direito probatório material ou da ampliação da decisão não foi anteriormente colocada pelas Recorrentes, pelo que se trata de uma questão nova que não pode ser conhecida e não ocorreu qualquer violação de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.</font>
</p><p><font>— Em face de toda prova produzida, quer a documental, quer a testemunhal, resultou demonstrado que o seguro de vida contratado era facultativo.</font>
</p><p><font>— No documento 2 junto pelas Recorrentes no requerimento por estas apresentado em 24/04/2014 consta uma relação de documentos, a serem apresentados para formalização do contrato, sendo que tal documento não demonstra que o seguro foi exigido pela Recorrida ..., mas somente que tal seguro foi atendido nas negociações das condições para contratação do empréstimo, pelo que inexiste qualquer confissão da Recorrida da exigência da celebração de seguro.</font>
</p><p><font>— Foi provado que o seguro de vida não era obrigatório, tendo sido a mutuária quem pretendeu contratar o mesmo, decorrendo tal prova dos depoimentos prestados pelas testemunhas FF e GG, bem como do documento junto a fls. 110, que constitui um "Boletim de Adesão" assinado por EE, em que se encontra assinalado o quadro facultativo.</font>
</p><p><font>— As Recorrentes não lograram provar, como lhes competia, que, tal como alegado na sua petição inicial, para a concessão do empréstimo a ..., S.A exigiu à EE que celebrasse um seguro de vida com a 1ª R.</font>
</p><p><font>— Termos em que não se deve alterar a decisão da matéria de facto, mantendo-se a decisão de não provado que para a concessão do empréstimo a ..., S.A exigiu à EE que celebrasse um seguro de vida com a 1ª R..</font>
</p><p><font>— Inexiste qualquer contradição de fundamentação no que concerne ao facto dado como provado na sentença recorrida sob o n.º 19.</font>
</p><p><font>— No que concerne à aplicação ao contrato de seguro das condições particulares juntas a fls 46 a 50, importa referir que as Recorrentes, notificadas da contestação da Ré ..., não impugnaram os documentos por esta juntos como documentos 1 e 2, não tendo por isso impugnado que o seguro se regia pelas condições neles referidas.</font>
</p><p><font>— Termos em que se deve manter a decisão recorrida no que concerne ao facto dado como provado no ponto 19 dos factos provados.</font>
</p><p><font>— As Recorrentes em patente litigância de má fé remetem para a contestação apresentada pela Recorrida ... imputando-lhe alegações que dela não constam, sendo que no art. 16 e se alega que é apresentada uma nota informativa na data da adesão ao seguro, da qual constam sinteticamente as condições gerais e especiais do contrato.</font>
</p><p><font>— Tal nota informativa explica de forma completa e acessível qual a protecção conferida pelo seguro em causa, definições, quais as exclusões, forma de adesão, pelo que foi pela Recorrida ... dado conhecimento do teor das cláusulas constantes nas condições gerais e especiais do referido seguro de vida.</font>
</p><p><font> — No art. 11º da contestação o que se alega é que não se tem acesso aos documentos, que é bem diferente de não saber que documentos a Ré ... enviava aos clientes.</font>
</p><p><font>— Impugnam ainda as Recorrentes o facto provado no n.º 11 da sentença recorrida, alegando em síntese que dado o falecimento da mãe, que tratou sozinha da contratação do empréstimo, não podem contrariar o depoimento da testemunha FF.</font>
</p><p><font> — Atente-se ao que na sentença se refere que o depoimento prestado por este testemunha mereceu credibilidade, tendo esta prestado "um depoimento, não só pelo seu conteúdo mas também pela postura evidenciada, que se nos afigurou claro e cristalino, e no qual revelou isenção e certeza no afirmado de forma a merecer a inteira confiança do Tribunal, pelo que carece de fundamento o invocado pelas Recorrentes.</font>
</p><p><font>— Quanto à entrega da nota informativa deve manter-se o facto dado como provado no nº 11 da sentença recorrida, porquanto tal contrato foi negociado diretamente com a funcionária da ..., FF que confirmou que a "nota informativa", se encontrava em anexo à proposta de adesão e que foi entregue na data de subscrição do contrato à EE.</font>
</p><p><font>— A referida testemunha foi confrontada pelo Mmo. Juiz com o documento de fls. 110 e 111 dos autos tendo confirmado que o mesmo é o que foi entregue à Sra. D. EE.</font>
</p><p><font>— As alegações feitas pelas Recorrentes quanto ao questionário clínico e a não ter sido exigido ou feito exames ou análises, devem ter-se por não escritas, porquanto tais factos não foram anteriormente alegados e não foi produzida qualquer prova sobre os mesmos.</font>
</p><p><font>— Termos em que tem de se considerar provado que na data da subscrição do seguro se encontrava em anexo à proposta de adesão, o documento designado de "nota informativa" que se encontra junto a fls. 111, e que foi então entregue à subscritora EE pela testemunha FF.</font>
</p><p><font>— Dos autos e de toda a prova produzida resulta que a segurada EE aquando da subscrição do contrato foi devidamente esclarecida e elucidada sobre as várias cláusulas do contrato, nomeadamente sobre as cláusulas de exclusão.</font>
</p><p><font>— Foi também provado que a Recorrida ... nunca disse à mutuária que o contrato de seguro duraria pelo prazo do empréstimo, sendo que consta da proposta assinada pela cliente que o prazo de 25 se refere ao contrato de empréstimo e não ao contrato de seguro.</font>
</p><p><font>— Dos certificados de seguro não consta qualquer declaração confessória que o prazo do mesmo seria de 25 anos.</font>
</p><p><font>— Foi provado que, em 10/01/2012, foi comunicado pela ... a extinção da garantia principal por a pessoa segura ter atingido os 70 anos, bem como que a mutuária não deduziu qualquer oposição a tal situação, o que demonstra que se conformou com a mesma.</font>
</p><p><font>— Ademais, no ano de 2012, como provado, não foram pagos quaisquer prémios deste seguro, o que foi demonstrado pelos extratos juntos aos autos pelas Recorrentes.</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>As instâncias consideraram </font><u><font>provados os seguintes factos</font></u><font>:</font>
</p><p><font>1. Em ...l de 2012 faleceu EE, no estado de viúva.</font>
</p><p><font>2. E com última residência na Rua ....</font>
</p><p><font>3. Sucederam-lhe como únicas herdeiras as autoras suas filhas:</font>
</p><p><font>- AA,</font>
</p><p><font>- HH,</font>
</p><p><font>- CC,</font>
</p><p><font>- DD</font>
</p><p><font>4. Por escritura pública outorgada em 21 de Fevereiro de 2002 perante a Notária do Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada de .... a R. ...., S.A. declarou conceder a EE um empréstimo de € 74.819,68 (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos), da qual esta se confessou devedora àquela.</font>
</p><p><font>5. Para garantia desse empréstimo, juros e despesas a mesma EE constituiu hipoteca sobre o prédio urbano denominado por "Quinta da Mina" composto por parcela de terreno para construção, sito na freguesia de .... descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.° 433 e então omisso na matriz.</font>
</p><p><font>6. O empréstimo destinava-se à construção de um imóvel para habitação e a quantia emprestada ia sendo entregue à medida que a construção da habitação fosse sendo feita.</font>
</p><p><font>7. O referido empréstimo foi concedido pelo prazo de 25 anos a contar de 21.02.2002.</font>
</p><p><font>8. E seria amortizado em prestações mensais de capital e juros, vencendo-se a primeira prestação em 21 de Março de 2002.</font>
</p><p><font>9. Dos documentos solicitados pela 2ª R. ... que instruíam o pedido de empréstimo constava a celebração de um seguro de vida grupo, em que a seguradora era a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A., o tomador de seguro e beneficiário irrevogável a 2ª R. ..., SA e a pessoa segura a mencionada EE.</font>
</p><p><font>10. Para a concessão do empréstimo foi proposto pela ... à falecida EE a adesão ao seguro de vida grupo, denominado "..." em que a seguradora era a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. e o tomador de seguro e beneficiário irrevogável a 2ª R. ..., SA, e a pessoa segura a mencionada EE.</font>
</p><p><font>11. A EE acedeu em subscrever esse seguro de vida grupo com a apólice 5.001.500, tendo para o efeito subscrito a proposta de adesão cuja cópia constitui o documento junto a fls. 110 ao qual se encontrava anexado o documento designado de "nota informativa" que se encontra junto a fls. 111, e lhe foi então entregue.</font>
</p><p><font>12. Tal proposta de adesão foi posteriormente remetida pela ... à Companhia de Seguros...., S.A. que a aceitou, tendo confirmado a adesão da EE ao referido seguro de vida grupo com a apólice 5.001.500, o qual se rege pelas condições particulares cuja cópia se encontra junta a fls. 46 a 50.</font>
</p><p><font>13. Aquando da subscrição da proposta de adesão ao referido seguro de vida grupo, a EE foi elucidada pela funcionária do balcão da ... que tratou do mencionado empréstimo, que a cobertura do seguro de vida cessaria, conforme consta da referida nota explicativa, quando atingisse os 70 anos de idade, do que esta ficou ciente tendo ainda assim optado por subscrever tal proposta de seguro.</font>
</p><p><font>14. O valor seguro era de € 74.819,68, correspondente ao valor do referido empréstimo.</font>
</p><p><font>15. O seguro tinha o seu início em 13.03.2002.</font>
</p><p><font>16. Por este seguro a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. garantiu o pagamento do capital máximo em dívida do mencionado empréstimo à 2ª R. ... no caso de morte, invalidez total e permanente por doença e invalidez total e permanente por acidente ocorrido a EE.</font>
</p><p><font>17. Na altura da subscrição da proposta de adesão ao seguro de vida nem a ..., S.A., nem a Companhia de Seguros ..., SA entregaram à referida ... as condições gerais e especiais do referido seguro de vida.</font>
</p><p><font>18. A 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. enviou à EE os certificados de seguro cuja cópia se encontra junta a fls. 39 e 40, dos quais consta como prazo 25 anos e data de início em 13.03.2002.</font>
</p><p><font>19. Depois de ter recebido e aceite a referida proposta de adesão a 1ª R. Companhia de Seguros ..., S.A. enviou, em data não apurada, à EE as condições particulares do referido seguro de vida, que constituem o documento cuja cópia se encontra junta a fls. 46 a 50.</font>
</p><p><font>20. Com data de 10.01.2012 a R. Companhia de Seguros ..., S.A. enviou uma carta a EE do seguinte teor: - "De acordo com as condições da apólice mencionada em epígrafe, da qual V. Exa. é aderente, a garantia principal extingue-se aos 70 anos de idade da Pessoa Segura. Deste modo, e em resultado dessa extinção, V. Exa.. deixou de pertencer à apólice de vida grupo acima mencionada, desde 01.01.2012".</font>
</p><p><font>21. Após a recepção dessa carta EE dirigiu-se à agência da ...., onde contraiu o empréstimo, pedindo esclarecimentos sobre o conteúdo da mesma carta, tendo-lhe sido dito que iriam contactar com a Companhia de Seguros ..., após o que lhe comunicaram que o seguro se extinguiu por ter completado os 70 anos de idade.</font>
</p><p><font>22. Por carta datada de 22.05.2012 o mandatário das AA. enviou uma carta à R. Companhia de Seguros ..., S.A. a comunicar o falecimento de EE (a pessoa segura) e a solicitar o pagamento à ... da quantia que ainda se encontrasse em dívida do empréstimo contraído, uma vez que era a ... a beneficiária do seguro.</font>
</p><p><font>23. Em resposta recebeu o mandatário das AA. da R. Companhia de Seguros ..., S.A. uma carta datada de 20.06.2012 da qual consta: -"(… vimos informar V. Exa(s) que não nos será possível proceder ao pagamento da(s) indemnização(ões) solicitada(s), uma vez que à data do sinistro a cobertura que se pretende acionar já se encontrava excluída do contrato pelo facto da Pessoa Segura ter atingido o limite de idade previsto nas condições da apólice. Aproveitamos para enviar cópia das Condições da Apólice onde poderá confirmar essa informação".</font>
</p><p><font>24. A mencionada EE nasceu em ....</font>
</p><p><font>25. Quando EE subscreveu o seguro de vida já tinha 61 anos.</font>
</p><p><font>26. A R. Companhia de Seguros ..., S.A. e a R. ... são sociedades que, na altura, pertenciam ao mesmo grupo de empresas o denominado Grupo ....</font>
</p><p><font>27. A mencionada EE subscreveu o referido documento de adesão ao seguro de vida de grupo que lhe foi apresentado pela Ré, ..., não tendo tido possibilidade de alterar qualquer cláusula desse seguro.</font>
</p><p><font>28. Desde 01/03/2012 até 17/10/2013, foi pago à ... a título de prestações mensais do referido empréstimo o montante de € 6.146,30.</font>
</p><p><font>29. À data de 21/10/2013, encontra-se em dívida do empréstimo em causa nos presentes autos o valor de € 48.114,43</font>
</p><p><font>30. Desde que, em 10.01.2012, a R. Companhia de Seguros .., S.A. lhe comunicou pela referida carta que tinha deixado de pertencer à referida apólice de vida grupo por ter atingido o limite de 70 anos de idade, a EE nunca mais procedeu ao pagamento do respectivo prémio de seguro, assim como não solicitou a celebração de nova apólice ou a manutenção da que assim lhe comunicaram ter cessado.</font>
</p><p><u><font>Não foram considerados provados os seguintes factos</font></u><font>:</font>
</p><p><font>- Para a concessão do empréstimo a ..., S.A exigiu à EE que celebrasse um seguro de vida com a 1ª R.</font>
</p><p><font>- Os únicos documentos respeitantes ao seguro de vida que a mencionada EE recebeu foram os certificados de seguro iguais aos dos documentos juntos a fls. 39 e 40.</font>
</p><p><font>- Quando a referida EE fez o mencionando seguro de vida foi-lhe dito que esse seguro duraria pelo prazo do empréstimo, isto é, 25 anos.</font>
</p><p><font>- E a mesma ficou convencida que esse era o prazo do seguro.</font>
</p><p><font>- A mencionada EE subscreveu esse seguro de vida grupo convencida que o seu prazo era de 25 anos.</font>
</p><p><font>- Se as RR. lhe tivessem comunicado que o prazo do seguro era apenas até aos seus 70 anos a mesma EE não tinha subscrito o seguro.</font>
</p><p><font>- Até à recepção da carta de 10.01.2012, ninguém tinha informado a EE de que o seguro se extinguiria aos 70 anos.</font>
</p><p><font>- A mesma EE ficou convencida que esse seguro estava associado ao empréstimo contraído nessa altura e que duraria pelo tempo que durasse o empréstimo.</font>
</p><p><font>- Como, aliás, lhe foi transmitido pela R. ....</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font>
</p><p><font>Conhecendo.</font><br>
<font>1- Poderes do STJ quanto à matéria de facto</font><br>
<font>2- Cláusulas contratuais gerais.</font><br>
<font>3- Conclusões.</font></p><div><font> </font><br>
<font> </font></div><font>1- </font><u><font>Poderes do STJ quanto à matéria de facto</font></u><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font>1-1- No ponto nuclear os recorrentes pretendem que este Supremo Tribunal altere a factualidade que as instâncias deram por assente.</font><br>
<font>Mas é evidente que não pode fazê-lo “in casu”.</font><br>
<font>Como regra, o mais alto Tribunal, que é essencialmente de revista e mais vocacionado para a uniformização de jurisprudência (artigo 46.º da LOSJ – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), limita-se a aplicar aos factos materiais fixados pela instância recorrida o regime jurídico adequado, não lhe sendo permitido sindicar essa fixação, salvo nas situações excepcionais do n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil.</font><br>
<font>Este preceito, reproduz o regime dos artigos 722.º n.º 2 e 729.º n.º 2 do diploma anterior, já que se limita, no artigo 682.º n.º 1 (antes artigo 729.º n.º 1) a aplicar “aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido “(…)” definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.”</font><br>
<font>Assim, cumprindo às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação pode emitir um juízo de valor sobre o apurado pela 1.ª Instância.</font><br>
<font>E o STJ, tal como acima se acenou, só pode “tocar” nos factos materiais que a Relação fixou, se foi aceite um f | [0 0 0 ... 0 0 0] |
CzKpu4YBgYBz1XKvjypY | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><div></div><b><font> I— RELATÓRIO </font></b><br>
<br>
<font>. </font><b><font>AA, Lda</font></b><font>., com sede em Adaúfe, Braga, instaurou contra </font><b><font>BB</font></b><font> e </font><b><font>CC</font></b><font>, residentes em Campanhã, Porto, a presente execução comum para pagamento de quantia certa, alegando, em síntese, que celebrou com (11) – Construções e Obras Públicas, SA, por documento datado de 08/05/2008, o contrato de fornecimento (venda de coisa determinada com fixação do preço por unidade) que juntou com o requerimento executivo (fls. 22 a 24), nos termos do qual os executados se declararam fiadores e principais pagadores daquela sociedade, tendo renunciado ao benefício de excussão prévia.</font><br>
<font> Por sentença já transitada (fls. 28 e segs.), foi declarada a insolvência da (11) – Construções e Obras Públicas, SA, pelo que tornaram-se vencidas as obrigações da insolvente resultantes do referido contrato de fornecimento.</font><br>
<font>A exequente reclamou no processo de insolvência a verificação do seu crédito o qual foi aí reconhecido, e apesar de ter sido aprovado um plano de insolvência a exequente não perdeu o direito de demandar os executados. </font><br>
<font>Considerando que o título executivo constituído pelo complexo documental que apresentou está dotado de força executiva, concluiu requerendo a citação dos executados para pagarem a quantia em dívida (no montante de 45.289,93€, considerando os juros de mora entretanto vencidos), ou para os demais termos legalmente estabelecidos.</font><br>
<font>Os executados foram citados e deduziram oposição que foi apensa, tendo-se seguido a contestação da exequente (1) .</font><br>
<font>Procedeu-se à penhora de bens dos executados e, depois, disso, a Vara Mista de Braga, onde a acção foi instaurada, declarou-se territorialmente incompetente e remeteu os autos aos Juízos de Execução do Porto.</font><br>
<font>No 1º Juízo de Execução do Porto foi proferido despacho (fls. 144) que considerou não poder o documento exequendo constituir título executivo, nos termos do art. 46º, nº 1 do CPC (maxime da respectiva alínea c), rejeitou a execução e ordenou o levantamento das penhoras (2) .</font><br>
<font>Inconformada com este despacho, dele apelou a exequente no que obteve parcial procedência pois que, por unanimidade, o Tribunal da Relação do Porto, revogando a decisão recorrida, determinou que o Tribunal recorrido ordenasse a notificação da exequente para juntar aos autos, em prazo a fixar, um documento em falta (uma certidão de sentença de verificação e graduação de créditos), sob a advertência de, não o fazendo, a execução ser rejeitada.</font><br>
<br>
<font>Foi a vez dos executados expressarem o seu inconformismo. Recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e nas alegações que apresentaram formulam as seguintes conclusões:</font><br>
<font>1-Pretende o Exequente que o contrato de fornecimento dispõe de força executiva contra os aqui Embargantes, visto o mesmo conter as assinaturas dos aqui Embargantes como fiadores.</font><br>
<font>2- Pretende que a declaração de dívida, juntamente com o cálculo do vencimento de todas as obrigações da "(11) , S.A.", reclamação do crédito pela Exequente e reconhecimento do mesmo, formam um todo com força executiva.</font><br>
<font>3- Donde os mesmos Embargantes seriam não apenas co-responsáveis, mas directamente Executáveis e Executados.</font><br>
<font>Não é assim</font><br>
<font>4- Efectua a Exequente uma confusão grosseira entre pessoa colectiva e as pessoas físicas que ocupam os órgãos de administração da mesma, bem como uma não menos grosseira entre contrato de fornecimento e declaração de dívida decorrente do mesmo, e ainda entre as noções de causa de pedir e título executivo.</font><br>
<br>
<font>5- Independentemente dos Recorridos terem assinado tal contrato na qualidade de fiadores da "(11) , S.A.", de per si, não se extrai o reconhecimento de qualquer dívida.</font><br>
<font>6- Do mesmo também não se extrai o reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária de montante determinado ou determinável, por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas dele constantes.</font><br>
<font>7- Também, da declaração de reconhecimento de dívida com acordo de pagamento outorgada em 30/IV/2008, não se extrai que os Recorrentes a tenham assinado, seja como fiadores, seja por qualquer outra fórmula, como garantes do pagamento do devedor principal.</font><br>
<font>8- Não constitui, por isso, nenhum dos documentos dados à execução, títulos executivos, por não preencherem qualquer das hipóteses normativos estatuídas no art°46, n° l CPC ;</font><br>
<font>9- Em sede de Reclamação de Créditos no Processo de Insolvência do Devedor Principal, o crédito reclamado pela Recorrida foi graduado como crédito comum, pagável em 60 ( sessenta) prestações com início em Abril de 2011.</font><br>
<font>10- O Plano de insolvência também aprovado pelo Recorrido, que aceitou receber do devedor principal naquelas condições de pagamento.</font><br>
<font>11- Circunstancialismo que traduz Novação Objectiva da Dívida, nos termos de art° 857 CC: a substituição de uma dívida por outra.</font><br>
<font>12- O recorrido quer receber a quantia exequenda junto dos recorrentes de imediato, mas aceita receber do devedor principal em sessenta prestações, mensais com três anos de carência, contando do trânsito em julgado da homologação da insolvência, o que e termos práticos corresponde a oito anos.</font><br>
<font>13- Não é lícito exigir dos fiadores, obrigados meramente subsidiários o pagamento de uma dívida em condições mais favoráveis (para o credor), do que as exigidas ao devedor principal.</font><br>
<font>14- Caindo na previsão normativa do Abuso de Direito, nos termos de 334° CC, que torna inoperante o crédito, que por via desta acção a Recorrida pretende exercer. </font><br>
<font>15- O que se dá à execução são documentos únicos e não conjuntos de documentos, aos quais a Exequente pretende atribuir em conjunto força executiva como se tal conjunto formasse um único título executivo.</font><br>
<font>16- Por todas estas razões, deverá o Douto Acórdão ora recorrido ser revisto e proferida Decisão que julgue a oposição deduzida procedente.</font><br>
<font>A exequente contra-alegou sustentando a confirmação do acórdão recorrido. </font><br>
<font>Cumpre conhecer e decidir.</font><br>
<font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil – por diante CPC.</font><br>
<font>É apenas uma a questão suscitada que importa apreciar e decidir: saber se os documentos dados à execução pela exequente, ora recorrida, constituem título executivo. </font><div></div><b><font> II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b><br>
<br>
<b><font>DE FACTO</font></b><br>
<br>
<font>São do seguinte teor os documentos dados à execução:</font><br>
<font>1 - No contrato de fornecimento junto a fls. 22-24, celebrado entre a exequente (1ª outorgante), a sociedade (11) – Construções e Obras Públicas, SA (2ª outorgante) e os aqui executados (3ºs outorgantes), e por todos assinado, consta, designadamente, que:</font><br>
<font>a1) Por proposta da 2ª, a 1ª outorgante obriga-se a fornecer-lhe calçada à fiada para a obra de «Requalificação do Largo do Município e Ruas Convergentes em Amares».</font><br>
<font>a2) A venda é feita por unidade de calçada.</font><br>
<font>a3) O preço é fixado à razão de 0,08€ (a que acresce IVA) por cada unidade de calçada, incluindo-se nesse preço o transporte e descarga da calçada no local da obra [cfr. nºs 1 a 3 da cláusula 1ª].</font><br>
<font>b1) A 1ª emitirá uma factura por cada carga de calçada, remetendo-a à 2ª.</font><br>
<font>b2) Cada factura terá como data do seu vencimento o mesmo dia do 3º mês subsequente ao do fornecimento.</font><br>
<font>b3) A falta de pagamento de qualquer factura na data do respectivo vencimento implica a automática contagem de juros de mora, (…), contados à taxa ora estipulada de 15% (…), desde a data da mora até efectivo e integral pagamento [cfr. nºs 1 a 3 da cláusula 2ª].</font><br>
<font>c) Ficam por fiadores e principais pagadores da 2ª outorgante os 3ºs outorgantes (administradores da 2ª), obrigando-se solidariamente com a sua afiançada ao cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato por esta assumidas e renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia, ou seja, a que se esgote o património da afiançada para que os seus possam ser responsabilizados pelo cumprimento dessas obrigações [cfr. cláusula 4ª].</font><br>
<font>2 – A certidão judicial constante de fls. 28 a 51, extraída do proc. de insolvência nº 606/08.0TYVNG, instaurado a 30/09/2008, no âmbito do qual foi declarada a insolvência da (11) – Construções e Obras Públicas, SA (cuja sentença transitou em julgado a 13/11/2008), é constituída pelos seguintes documentos:</font><br>
<font>a) Por requerimento de reclamação de verificação de créditos que a aqui exequente apresentou ao administrador da insolvência no âmbito daquele processo, na qual pediu, designadamente, o reconhecimento do seu crédito sobre aquela sociedade (insolvente) no valor de 38.916,16€, correspondente às facturas indicadas no nº 13 de tal requerimento, referentes a fornecimentos efectuados ao abrigo do contrato referido em 1 deste ponto III, acrescido de 1.045,10€ de juros de mora então vencidos, à taxa convencionada de 15% [fls. 29 a 34].</font><br>
<font>b) Por uma «declaração de reconhecimento de dívida, com acordo de pagamento», outorgada entre a aqui exequente e a dita sociedade declarada insolvente, relativa a um crédito de 40.845,50€, de que foi paga uma parte (20.000,00€), mas que nada tem a ver com o que está em causa nos presentes autos (corresponde a um outro crédito que aquela reclamou no aludido processo de insolvência sob os nºs 3 a 11 do requerimento mencionado na alínea anterior) [fls. 35-36].</font><br>
<font>c) Por uma lista de facturas e respectivos montantes, quatro letras de câmbio e duas notas de débito referentes ao «outro» crédito referido na alínea anterior, que nada tem que ver com o destes autos [fls. 37 a 43].</font><br>
<font>d) Por cópia do contrato de fornecimento indicado em 1 [fls. 44 a 49].</font><br>
<font>e) Por uma lista que indica os números, os montantes e as datas de emissão e de vencimento de 56 facturas, emitidas entre 15/05/2008 e 07/07/2008, que totalizam o valor global de 38.916,16€ [fls. 50].</font><br>
<font>f) Por cópia de uma missiva enviada pelo administrador nomeado no referido processo de insolvência à sociedade aqui exequente, informando-a que «o crédito reclamado (…), no montante global de 64.716,39€, (…), foi reconhecido e integra por isso a relação de créditos reconhecidos, que foi objecto de plano de insolvência aprovado em 01/04/2009» (consignando-se que naquele montante está compreendido o crédito de 38.916,16€ e o adicional de juros de mora de 1.045,10€, em causa nos presentes autos) [fls. 51].</font><br>
<br>
<b><font>DE DIREITO</font></b><br>
<br>
<font>Os recorrentes pretendem, pois, que se decida se os documentos dados à execução constituem, ou não, título executivo.</font><br>
<font>Porém, antes de se entrar propriamente na análise dessa questão importa clarificar o âmbito do recurso tal como vem sustentado.</font><br>
<font>O contido no corpo alegatório recursivo e conclusões evidenciam que os recorrentes suscitam e trazem à colação questões tão diversas como a da precisão e validade da fiança, os efeitos na obrigação afiançada da insolvência da sociedade (11) – Construções e Obras Públicas, SA e da aprovação do respectivo plano, novação objectiva da dívida e, decorrente delas, o abuso de direito (cfr. conclusões n.° 4, 5, 9, 10, 11, 12, 13 e 14).</font><br>
<font>São, estas, questões que reproduzem alguma da argumentação por eles expendida nos autos de oposição à execução que desencadearam (3)., campo próprio para as partes esgrimirem as suas razões nessa discussão, e onde devem ser dirimidas.</font><br>
<font>A sua chamada neste momento denota dificuldade dos recorrentes na definição do iter e espaço processuais, bem assim do âmbito do recurso, significativamente denunciada na titulação que se atribuem de “embargantes” e no pedido final de procedência da “oposição deduzida”. </font><br>
<font>Ora, o objecto do recurso está ainda confinado aos autos executivos principais, procurando definir-se se a exequente se apresentou com título bastante e adequado à instauração e prosseguimento da acção, ou se, ao invés, deve ser liminarmente rejeitada a sua pretensão. </font><br>
<font>Isto porque, o Tribunal da 1ª instância determinou que o requerimento executivo foi instruído sem título executivo, nos termos do art. 46º, nº 1, al. c) do CPC, e por essa falta o rejeitou liminarmente.</font><br>
<font>Não foi, todavia, esse o entendimento perfilhado no Acórdão agora em crise. Aceitando não constituírem os documentos dados à execução título executivo suficiente, considerou, contudo, não ser motivo para a rejeitar antes devendo ter sido convidada a exequente a juntar aos autos certidão da sentença em falta de modo a completar o complexo título executivo necessário ao prosseguimento da mesma.</font><br>
<font>Reduz-se, assim, a questão aqui em causa à apreciação, tão só, de saber se os documentos com que a exequente instruiu o seu requerimento executivo estão, ou não, dotados de força executória, designadamente nos termos da alínea c) do artigo 46° do CPC.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Precisado o âmbito do recurso, que argumentos aduzem os recorrentes em censura e defesa da sua tese?</font><br>
<font>Em bom rigor deve dizer-se que muito pouco. Na verdade, em nenhum passo aventam motivação desconstrutora de alguma questão concreta abordada no Acórdão da Relação, antes se quedam por nua oposição.</font><br>
<font>Insistem no estereótipo de que o título executivo é apenas o contrato de fornecimento, de onde não se extrai o reconhecimento de qualquer obrigação pecuniária de montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, e que os demais documentos dados à execução não constituem títulos executivos, por não preencherem qualquer das hipóteses normativas estatuídas no art. 46º, n° l do CPC, pois que são documentos únicos sem força executiva e não um conjunto que forme um único título executivo.</font><br>
<font>Estamos, então, perante a admissibilidade ou existência jurídica de títulos executivos complexos a par dos títulos simples.</font><br>
<font>A questão, tal como a recorrida exalta, foi proficientemente tratada no acórdão impugnado.</font><br>
<font>Pode aí ler-se a dado passo:</font><br>
<font>“</font><i><font>Conforme a obrigação exequenda seja simples ou complexa (esta ocorre, em regra, nas relações jurídicas com mais de duas partes, embora também possa ter lugar nas obrigações bilaterais), também o(s) título(s) executivo(s) pode(m) ser simples ou complexo(s). Estaremos perante título(s) executivo(s) simples quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza, como acontece quando são dadas à execução várias letras de câmbio, livranças ou cheques, em que cada um deles incorpora uma das prestações exequendas e todos eles juntos titulam a globalidade do crédito reclamado pelo exequente. Mas já estaremos perante título(s) executivo(s) complexo(s) quando a obrigação exequenda exija vários documentos para a sua verificação/demonstração, documentos esses que, podendo ser de natureza diversa, se complementam entre si e nos seus conteúdos e levam à demonstração do crédito/obrigação exequendo. Exemplos de títulos executivos complexos dá-nos a apelante nas conclusões 7ª a 10ª das suas alegações, sendo que no segundo caso - execução para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o inquilino, após a cessação do contrato de arrendamento, não cumpre a obrigação de restituir o imóvel - a complexidade do título decorre até da própria lei, mais precisamente do disposto no art. 15º nºs 1 e 2 do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano) [os Acs. desta Relação de 02/02/2010, supra citado, e da Relação de Lisboa de 06/04/2010, proc. 19815/09.8T2SNT.L1-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, apreciaram casos de títulos executivos complexos que sustentaram execuções para entrega de coisa imóvel que havia estado arrendada e em que, apesar da cessação do contrato de arrendamento, o locatário não a restituiu no final do contrato].</font></i><font>”.</font><br>
<font>Sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso em apreciação, e, como tal, não pode merecer a nossa censura. Por isso, procurando evitar iterar</font><u><font> </font></u><font>não discorreremos sobre ela para apenas frisar alguns pontos.</font><br>
<font>Toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (art. 45º, nº 1 do CPC).</font><br>
<font>As partes não podem constituir títulos executivos, além dos legalmente previstos. Já é discutível se podem privar de força executiva um documento legalmente qualificado como título executivo, mas ao caso não importa (4). </font><br>
<font>Determina, por seu turno, o art. 46º quais os títulos executivos que podem servir de base à execução e, entre eles, menciona na sua alínea c) os “</font><i><font>assinados pelo devedor que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto</font></i><font>”.</font><br>
<font>Todos estão de acordo que os invocados pela exequente só podem subsumir-se à previsão desta alínea.</font><br>
<font>Estes títulos executivos negociais particulares têm a sua exequibilidade condicionada à verificação de dois pressupostos, um de natureza formal e outro de natureza substantiva, a saber: estarem assinados pelo devedor e referirem-se a obrigações pecuniárias líquidas ou liquidáveis através de simples cálculo aritmético.</font><br>
<font>Mas título executivo não se confunde com a causa de pedir na acção executiva, pois esta é um facto e o título executivo é o documento ou a obrigação documentada. Como ensina Antunes Varela “</font><i><font>o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista, quer não</font></i><font>” (5)</font><br>
<font>Ou, ainda, no dizer sugestivo do Acórdão deste Supremo de 19/02/2009, Proc. n.º 07B4427, no ITIJ, o título executivo é “</font><i><font>o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele</font></i><font>”.</font><br>
<font>Ora, como é sabido a causa de pedir pode ser simples ou complexa. Conforme a obrigação exequenda seja simples ou complexa, também o título executivo o poderá ser. </font><br>
<font>Revertendo estas considerações de ordem geral ao caso concreto, constata-se, atenta a espécie de título executivo que a exequente/recorrida deu à execução, e de acordo com o que vem por provado, que ela estruturou a causa de pedir do seguinte modo:</font><br>
<font>- celebrou com a sociedade “(11) – Construções e Obras Públicas, SA” um contrato de fornecimento (ou de compra e venda) de calçada à fiada (para uma determinada obra), ao preço de 0,08€ por cada unidade de calçada (doc. fls. 22 a 24);</font><br>
<font>- nesse contrato intervieram como fiadores os aqui executados que se obrigaram solidariamente com a afiançada ao cumprimento das obrigações emergentes daquele e renunciaram ao benefício da excussão prévia (doc. fls. 22 a 24);</font><br>
<font>- forneceu à referida sociedade calçada à fiada no valor de 38.916,16€, conforme as 56 facturas que lhe enviou, emitidas entre 14/06/2008 e 06/08/2008 (doc. fls. 28 a 52);</font><br>
<font>- a dita sociedade não lhe pagou a dívida e foi declarada insolvente em processo que indica (doc. fls. 28 a 52);</font><br>
<font>- o seu crédito foi reconhecido pelo administrador da insolvência e tido em conta no plano de insolvência ali aprovado, tornando-se, assim, certo, líquido e exigível (doc. fls. 28 a 52).</font><br>
<font>É notório que estes dois documentos juntos de fls. 22 a 24 e 28 a 52, suporte da causa de pedir complexa, se articulam e complementam numa relação lógica. Complementaridade tão flagrante quanto se percebe que cada um deles só por si não tem força executiva e a sua ausência faz indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos aparentam assegurar eficácia a todo complexo documental como título executivo.</font><br>
<font>E dizemos aparentam porque, conforme bem se entendeu no Acórdão impugnado, a simples declaração do administrador da insolvência, informando que reconheceu o crédito, não integra nenhum dos documentos exigidos pelas diversas alíneas do nº 1 do art. 46º, e nenhuma norma, particularmente do CIRE, lhe confere força executiva.</font><br>
<font>Diferente seria, como ali se afirma, “</font><i><font>se a exequente</font></i><font> (…)</font><i><font> em vez do documento/declaração constante de fls. 51, tivesse junto aos autos (com os demais que constam de fls. 22 a 34 – os restantes são irrelevantes) a referida sentença de verificação e graduação de créditos. Esta, em conjugação com os demais documentos que juntou, titulariam então aquela obrigação e obedeceriam às exigências formais do art. 46º.</font></i><font> “. </font><br>
<font>Sem dúvida, pois, que todos aqueles documentos integrados com esta sentença corporizam um complexo documental recognitivo de uma obrigação pecuniária, exigível e líquida, preenchendo o título executivo extrajudicial tipificado na alínea c) do art. 46.° do CPC.</font><br>
<font>É simples concluir que a sentença de graduação de créditos em falta (6) completará o documento do contrato de fornecimento (doc. fls. 22 a 24). À demonstração da constituição das obrigações previstas no título constitutivo do contrato de fornecimento, incluindo a fidejussória, e à exigibilidade do crédito exequendo face à declaração de insolvência da sociedade devedora (art. 91º do CIRE), juntar-se-á a prova de que esse crédito se tornou certo e líquido.</font><br>
<font>Estão, assim, reunidos os pressupostos de obediência às exigências formais do art. 46º.</font><br>
<font> O que vem de ser dito é já bastante para se poder concluir pela improcedência do recurso, já que, sendo certo ainda não se ter formado por inteiro o título executivo no qual a exequente, ora recorrida, fez assentar a execução que dirigiu contra os recorrentes, é seguro que o constituirá se juntar o documento em falta e a que será convidada a fazer.</font><br>
<font>Apenas se acrescentará que esta solução tem paralelo no disposto na al. e), do nº 1, do art. 810º do CPC (7) , em que se aceita que a apresentação do título seja completada através da enunciação sucinta, no próprio texto do requerimento executivo, dos “factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”, do mesmo modo que aqui acontece com a complementarização a ser feita, não por exposição no requerimento executivo dos elementos relevantes da obrigação subjacente ao título, mas pela adução de um outro documento. </font><br>
<br>
<font>Do mesmo modo, o art. 50º do CPC, quanto à exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário, reclama um documento complementar “</font><i><font>que rigorosamente completa</font></i><font>” (8) a escritura pública para que esta tenha exequibilidade (cfr. Acs do STJ de 15/06/2000, na CJ de 2000, tomo 2, pág. 108, de 16/12/2004, Proc. nº 04B3901, no ITIJ, e de 06/02/2007, desta Secção, relatado pelo ora 2º Adjunto, na CJ de 2007, tomo 1, pág. 69).</font><br>
<font>Curiosamente, em comentário a este artigo Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (9) inserem no seu âmbito precisamente os contratos de fornecimento de materiais, normalmente periódico, como exigindo igual prova complementar das efectivas entregas de material. </font><br>
<font>Ainda o legislador no art.860º, nº 3, do CPC, relativo à penhora de títulos de crédito, impõe como título executivo um título complexo, uma vez que não satisfazendo o terceiro-devedor a prestação na data do vencimento, pode o exequente ou o adquirente compeli-lo a fazê-lo, servindo como título executivo: 1) a declaração de reconhecimento do devedor; 2) a notificação efectuada; 3) a falta da declaração.</font><br>
<font>Igualmente impressivo o que se verifica com o art. 15º nºs 1 e 2 do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), mencionado no acórdão impugnado, em que à excepção da previsão da al. b) do nº 1, o título executivo terá sempre de ser complexo. Quase sempre o contrato de arrendamento (não no caso da al. f)) tem de ser complementado por um outro comprovativo.</font><br>
<font>E em tantos outros casos hodiernos, se vem dando conta na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores a exigência de títulos executivos complexos, como, por exemplo, nas execuções por dívidas de condomínio (duas actas: uma em que se fixou a quota-parte das contribuições, outra em que se apresentam os valores devidos pelo condómino), nas execuções com origem em incumprimento nos contratos de concessão de crédito associados a contratos de compra e venda de bens de consumo, em expansão e de prática corrente nas grandes superfícies (10) , em que se estabelece uma relação tripartida entre o vendedor, o comprador e a entidade financiadora (11) , nas advenientes de contratos de abertura de crédito previstos no art. 362º do Código Comercial em que o banco exequente terá de provar não só o contrato como a prestação tradutora da disponibilização do crédito, e nas execuções hipotecárias sobre bens de terceiro, como aponta a exequente, nas quais ao credor hipotecário que pretenda accionar a hipoteca não lhe bastará juntar o contrato de constituição da hipoteca, pois terá de juntar também o contrato de mútuo em que o executado, dador da hipoteca, não interveio.</font><br>
<font>Como se vê, a exigência e a aceitação de títulos executivos complexos é hoje uma realidade inquestionável. </font><br>
<font>Concluindo, os documentos oferecidos à execução pela exequente constituem título executivo complexo ou composto, e não documentos únicos como advogam os recorrentes em manifesta confusão com a cumulação de execuções (cfr. art. 53º do CPC).</font><br>
<font>Todavia, pelas razões expressas no Acórdão impugnado acima sufragadas, não constituem título executivo suficiente por se mostrar necessária a junção de certidão da sentença que verificou e graduou o crédito exequendo no processo de insolvência. Tal omissão, porém, não é motivo para rejeitar a execução, antes para convidar a exequente a apresentá-lo de forma a completar o complexo título executivo necessário. Só depois, caso tal convite não seja observado ou o documento não satisfaça a finalidade a que se destinava, caberá ao Tribunal, ainda ao abrigo do art. 820º, rejeitá-la.</font><br>
<font>Nesta conformidade, não há motivo para alterar o julgado</font><br>
<font> Resta sumariar em observância do nº 7 do art. 713º do CPC:</font><br>
<font>I - Da mesma forma que a causa de pedir pode ser simples ou complexa, também o título executivo o poderá ser; </font><br>
<font>II - O título executivo é complexo quando corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica, evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo complexo documental como título executivo;</font><br>
<font>III – Se um complexo documental particular, de aparente exequibilidade extrínseca e intrínseca, é recognitivo de uma obrigação pecuniária, exigível e líquida, preenche o título executivo extrajudicial tipificado na alínea c) do art. 46.° do CPC.</font><br>
<font>IV - O disposto nos arts. 15º, nºs 1 e 2, do NRAU, 50º, 810º, nº 1, al. e), e 860º, nº 3, do CPC são bons exemplos, entre outros, da expressa imposição pelo legislador de títulos executivos complexos;</font><br>
<font>V - Não constituindo os documentos oferecidos pelo exequente com o requerimento executivo título executivo suficiente por se mostrar necessária a junção de um outro em sua necessária complementaridade, tal omissão não é motivo para rejeitar a execução, antes para convidar o exequente a apresentá-lo de forma a completar o complexo título executivo necessário. Só depois, caso tal convite não seja observado ou o documento não satisfaça a finalidade a que se destinava, caberá ao Tribunal, ainda ao abrigo do art. 820º, rejeitá-la.</font><br>
<font> </font><br>
<b><font> III-DECISÃO</font></b><br>
<br>
<font>Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.</font><br>
<font>Custas do recurso de revista a cargo dos recorrentes. </font><br>
<br>
<font>Lisboa, 05 de Maio de 2011</font><br>
<font>Gregório Silva Jesus (Relator) </font><br>
<font>Martins de Sousa</font><br>
<font>Sebastião Póvoas</font><br>
<br>
<font>________________</font><br>
<font>(1) Esta oposição à execução está parada por ter sido proferido despacho, a fls. 77 desses autos, mandando aguardar pelo trânsito em julgado da decisão proferida no processo principal, na mesma data, (a fls. 144) que adiante se mencionará.</font><br>
<font>(2) Despacho que está na origem da paragem do apenso de oposição.</font><br>
<font>(3) E se encontram parados aguardando pela resolução deste recurso como no relatório supra demos notícia.</font><br>
<font>(4) A este propósito vejam-se Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., pág. 28; Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 91; Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 1998, págs. 26 e 67/68; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pág 75.</font><br>
<font>(5) Manual de Processo Civil, 1984, pág 74; ainda na RLJ, ano 121º, págs. 147/148.</font><br>
<font>(6) Que só por si tem força executiva por integrar a previsão da al. a) do nº 1 do art. 46º.</font><br>
<font>(7) Sucessora da al. b), do nº 3, do mesmo artigo, anterior à reforma introduzida pelo Dec. Lei nº 226/08 de 20/11.</font><br>
<font>(8) Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, págs. 80/81.</font><br>
<font>(9) In ob. cit., pág. 108.</font><br>
<font>(10) E pelos indicadores económicos com efeitos dramáticos em muitas famílias.</font><br>
<font>(11)Veja-se Fernando de Gravato Morais, em Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, 2007.</font><br>
</font> | [0 0 0 ... 0 0 0] |
FDKHu4YBgYBz1XKv-hfU | 1.ª Secção (Cível) | <b><font> </font></b><font><br>
<br>
<font> </font><br>
<br>
<font> </font><br>
<b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br>
<font> </font><br>
<b><font> </font></b><br>
<b><font>AA</font></b><font> e sua mulher instauraram a presente acção no Tribunal Judicial (Secção de Competência Genérica da Instância Local de ...) contra </font><b><font>Município de ...</font></b><font>, </font><b><font>Junta de Freguesia de ... </font></b><font>e </font><b><font>BB</font></b><font> e mulher, pedindo: - a condenação dos RR a reconhecer que são espaços do domínio público as parcelas de terreno ilícita e abusivamente ocupadas pelos RR BB e mulher com a ampliação da sua casa de habitação e a construção de uns anexos, com as áreas de cerca de 60 m2 e de 61 m2, respectivamente; - a condenação dos RR BB e mulher a abster-se de quaisquer actos que ofendam o domínio público sobre aquelas parcelas, a restitui-las ao domínio público e a demolir tais ampliação e anexos, ou a condenação do R Município a proceder à mesma demolição, se aqueles RR o não fizerem em 30 dias.</font><br>
<font>Alegaram, em síntese, que são cidadãos e munícipes do concelho de ... e da freguesia de ..., no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, e que o R Município nada fez, até agora, para ser obtida a restituição ao domínio público de tais parcelas, apesar de ciente da ocupação ilícita pelos RR BB e mulher, a qual impossibilita os AA e quaisquer outras pessoas de transitarem sobre a totalidade daquele espaço público.</font><br>
<font>Os RR BB e mulher invocaram que caberia à jurisdição administrativa a competência material para apreciar e decidir a presente acção. </font><br>
<font>O Sr. Juiz proferiu despacho saneador em que, julgando procedente a excepção da incompetência em razão da matéria, absolveu os RR da instância.</font><br>
<font>Os AA pugnaram pela competência da jurisdição comum na apelação que interpuseram dessa decisão, a qual a Relação de … julgou procedente, declarando o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> competente em razão da matéria para julgar a acção.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Inconformados, os RR BB e mulher interpuseram recurso de revista, delimitando o seu objecto com conclusões que colocam as questões de saber se a competência material para a presente acção cabe à jurisdição administrativa e se os AA não têm interesse em agir.</font><br>
<font>*</font><br>
<font>Cumpre apreciar as enunciadas questões e decidir, para o que releva o antecedentemente relatado.</font><br>
<font>Analisemos, numa sequência lógica, o complexo normativo pertinente à apreciação de tais questões.</font><br>
<font>O art. 52º nº 3 da CRP confere a todos o direito de acção popular, nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural e assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>A LAP (direito de participação procedimental e de acção popular), aprovada pela Lei 83/95 de 31/8, estabeleceu o respectivo âmbito quanto ao direito de participação popular em procedimentos administrativos </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font> e também quanto aos casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da Constituição (art. 1º nº 1), esclarecendo que, sem prejuízo dos bens consagrados em tal comando constitucional, são «</font><i><font>designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a protecção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público</font></i><font>» (art. 1º nº 2).</font><br>
<font>O art. 2º da LAP estipula que são titulares do direito de acção popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda. E o seu art. 12º refere-se às formas processuais respeitantes à acção popular administrativa (nº 1) e à acção popular civil (nº 2). </font><br>
<font>Nos termos da CRP, os tribunais judiciais exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art. 211º </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>), competindo aos tribunais administrativos o julgamento dos procedimentos «</font><i><font>que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas</font></i><font>» (art. 212º nº 3) e </font><br>
<font>Por fim, o ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2, desenvolvendo e concretizando este último preceito constitucional, atribui aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal competência para apreciar, entre outros, os litígios que tenham por objeto (questões relativas) a prevenção, cessação e reparação de violações a valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de bens do Estado, quando </font><u><font>cometidas por entidades públicas</font></u><font> [alínea l) do art. 4º </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>]. «</font><i><font>A competência dos tribunais administrativos para a tutela daqueles bens afere-se pela natureza da entidade que comete a violação dos mesmos, a qual tem de ser uma entidade pública, ou seja, o litígio submetido à apreciação dos tribunais administrativos tem de resultar de um comportamento, activo ou omissivo, ou de um acto jurídico adoptado por uma entidade pública</font></i><font>» </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Daí advém que a repartição da competência entre uma e outra ordem de tribunais – e, por isso, também a delimitação do âmbito de aplicação da acção popular, como administrativa ou civil – depende da natureza da relação jurídica concreta subjacente ao litígio, para além da natureza dos interesses em causa, naturalmente.</font><br>
<font>Com este enquadramento jurídico, os tribunais da ordem judicial apenas não teriam competência para conhecer da presente acção popular se a mesma decorresse, necessariamente, de lei que determinasse a sua inscrição na dos tribunais da ordem administrativa. </font><br>
<font>Os recorrentes sustentam a competência da jurisdição administrativa para conhecer desta acção popular, louvando-se no disposto nos citados artigos 12º nº 1 da LAP e 4º nº 1 alínea l) do ETAF. Porém, omitem o nº 2 daquele art. 12º e, sobretudo, truncam o transcrito segmento da invocada norma do ETAF alusivo ao requisito de que a lei faz depender a competência da jurisdição administrativa, ou seja, o cometimento por </font><u><font>entidades públicas</font></u><font> das violações </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, factor com um decisivo relevo na ponderação da questão em apreço neste recurso.</font><br>
<font>Como é consensualmente aceite, a competência do tribunal afere-se pela pretensão do autor, compreendidos os respectivos fundamentos </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>: a determinação da competência do tribunal para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor afere-se pelo </font><i><font>quid disputatum</font></i><font>, i. é, pelo modo como esta pretensão se apresenta estruturada, tanto quanto ao pedido em si mesmo, como aos respectivos fundamentos, sendo irrelevante, para esse efeito, o eventual juízo de prognose sobre a viabilidade ou o mérito da mesma </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Da análise do pedido e da causa de pedir acima expostos resulta claramente que os AA accionam, essencialmente, os RR BB e mulher com vista à reparação da ofensa alegadamente cometida por estes ao domínio público.</font><br>
<font>Ora, na lógica da configuração oferecida pelos AA à sua pretensão, a intervenção do R Município é meramente lateral e subsidiária por visar apenas a sua condenação a proceder à demolição das obras realizadas pelos RR BB e mulher, alegadamente ofensivas do domínio público, se estes RR o não fizerem </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Trata-se, pois, de julgar uma pretensão fundada na violação por particulares de direitos inerentes ao domínio público, sem que, atendendo ao modo como os AA a estruturam, se configure qualquer comportamento, activo ou omissivo, adoptado por uma entidade pública que tenha concorrido, essencial e decisivamente, para essa violação. </font><br>
<font>Ora, supondo que o legislador se soube exprimir com clareza e consagrou nas palavras a solução mais acertada, constata-se, sem margem para dúvidas, que o elemento gramatical do preceito contido naquele art. 4º nº 1 alínea l) do ETAF, o ponto de partida na interpretação da lei </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>, não inclui na esfera da competência da jurisdição administrativa a atribuição para o conhecimento de tal pretensão, que, por consequência, cabe na competência residual dos tribunais judiciais </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font> </font><br>
<font>O interesse em agir consiste na necessidade fundada e verossímil de se recorrer a jurisdição para se alcançar um determinado bem jurídico </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>.</font><br>
<font>Relembra-se que os AA, invocando a sua qualidade de cidadãos das Autarquias demandadas, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, pretendem fazer cessar a ocupação alegadamente ilícita que os RR BB e mulher vêm fazendo de parcelas integradas no domínio público e que os impossibilita, tal como a quaisquer outras pessoas, de transitarem sobre aquele espaço público.</font><br>
<font>Como se viu, o acima citado comando constitucional (art. 52º nº 3) confere a todos o direito de acção popular, nomeadamente para assegurar a defesa dos bens do Estado e das autarquias locais, pelo que qualquer pessoa tem legitimidade para deduzir a correspondente pretensão, em processos destinados à defesa desses ou de outros valores e bens constitucionalmente protegidos, independentemente de ter interesse um pessoal directo em tais demandas. O que, aliás, o art. 2º, nº 1, da LAP reitera, deferindo a titularidade do direito de acção popular, além do mais, aos cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos, independentemente de terem ou não interesse directo na demanda. Por outro lado, a LAP contém um regime especial de representação processual, mediante o qual o autor representa, por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão (arts. 14º e 15º). </font><br>
<font>Ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, por integrarem a comunidade a que os mesmos bens respeitam.</font><br>
<font>Por isso, o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos à participação na condução dos assuntos públicos, pelo que deve ser averiguado a partir da integração do demandante em determinadas categorias de indivíduos que se encontrem em relação com o objecto do processo, que, necessariamente, deverá transcender o interesse pessoal de qualquer deles. Assim, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio público </font><sup><font>(</font></sup><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><sup><font>)</font></sup><font>. </font><br>
<font>Ora, como se disse, com esta acção popular os AA visam defender os interesses inerentes ao domínio público de todas as pessoas da comunidade, em que eles se inserem, por estarem, putativamente, impedidas de gozar das utilidades facultadas pelos bens naquele integrados.</font><br>
<font>Por conseguinte, perante a referida estrutura que a lei confere à acção popular e configuração oferecida pelos AA à sua pretensão, não tem fundamento a alegação dos recorrentes de que aqueles não têm interesse em agir.</font><br>
<font>*</font><br>
<font>Síntese conclusiva:</font><br>
<font>1. Os tribunais da ordem judicial são os competentes para conhecer a pretensão formulada em acção popular fundada na violação por particulares de direitos inerentes ao domínio público, sem que, atendendo ao modo como os AA a estruturam, se configure qualquer comportamento, activo ou omissivo, adoptado por uma entidade pública que tenha concorrido, essencial e decisivamente, para essa violação. </font><br>
<font>2. Ao atribuir o direito de acção popular a “todos”, a lei permite que qualquer pessoa defenda interesses ou bens protegidos que não são apenas seus, mas de todos os neles interessados, pelo que o específico interesse processual do autor popular não é condicionado à existência de uma conexão substantiva entre o mesmo, individualmente considerado, e o bem tutelado, antes é originário, porque baseado na lei e radicado no direito fundamental dos cidadãos à participação na condução dos assuntos públicos. Contudo, só a integração na comunidade de “interesses” visados pela acção permite assegurar a legitimidade popular e o interesse em agir, ainda que, em determinadas situações, tal interesse radique em qualquer cidadão, como sucede, p. ex., com a defesa do domínio público.</font><br>
<font> </font>
<p><u><font>Decisão</font></u><font>:</font><br>
<font>Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br>
<font> </font><br>
<font>Custas pelos recorrentes. </font><br>
<font> </font><br>
<font> </font>
</p><p><font>Lisboa, 29/11 /2016</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Alexandre Reis - Relator</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Lima Gonçalves</font>
</p><p><font> </font>
</p><p><font>Sebastião Póvoas</font>
</p><p><font>_______________________________________________________</font><br>
<a><font>[1]</font></a><font> Teixeira de Sousa (A Legitimidade popular na Tutela dos Interesses Difusos, p. 120) escreveu que a acção popular tem por objecto «quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses colectivos, quer ainda os respectivos interesses individuais homogéneos, o que, em termos práticos, significa que a acção popular pode visar tanto a prevenção da violação de um interesse difuso stricto sensu ou de um interesse colectivo, como a reparação dos danos de massas resultantes da violação destes interesses (cfr. artigo 52.º, n.º 3, al. a), CRP). Em contrapartida, no objecto da acção popular nunca se podem compreender direitos ou interesses meramente individuais.» E noutro passo afirma: «dada a dupla dimensão individual e supra-individual dos interesses difusos, em qualquer acção popular é necessariamente protegido o interesse individual homogéneo de cada um dos seus titulares. O que sucede – importa esclarecer – é que na acção popular nunca se tutelam apenas alguns interesses individuais, mas antes os interesses individuais homogéneos de todos os titulares do interesse difuso.».</font><br>
<a><font>[2]</font></a><font> Actualmente, na sequência da modificação introduzida pelo </font><a><font>DL 214-G/2015 de 2/10</font></a><font>, que também alterou o C. Processo nos Tribunais Administrativos, o preceito prevê que a «ação popular administrativa pode revestir qualquer das formas de processo previstas» em tal Código (art. 12º nº 1)</font><br>
<a><font>[3]</font></a><font> Com idêntico alcance, os arts 40º nº 1 do da LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26/8) e 64º do CPC.</font><br>
<a><font>[4]</font></a><font> Na redacção vigente na data da proposição da acção, substancialmente correspondente à da alínea k), actualmente em vigor e entretanto introduzida pelo já citado </font><a><font>DL 214-G/2015 de 2/10</font></a><font> (cf. art. 38º da LOSJ).</font><br>
<a><font>[5]</font></a><font> Joana Roque Lino (in DataVenia Ano 1, n.º 02, artigo publicado em Agosto de 2013.</font><br>
<a><font>[6]</font></a><font> O mesmo fez o Sr. Juiz na decisão de 1ª instância.</font><br>
<a><font>[7]</font></a><font> Cf. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, p. 91.</font><br>
<a><font>[8]</font></a><font> «A determinação da natureza pública ou privada da relação litigiosa, ao tempo da acção, e a consequente determinação do tribunal competente para dela conhecer, devem considerar a acção (pedido e causa de pedir), tal como configurada pelo autor, tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo Tribunal que relevem da exacta configuração dos termos da causa proposta» (Ac. do STJ de 11/10/2005, p. 05B2294-Neves Ribeiro).</font><br>
<a><font>[9]</font></a><font> Atendendo ao objecto do recurso, não têm aqui cabimento quaisquer desenvolvimentos quanto à justificação da demanda da Freguesia, em cujo domínio público se integrarão, eventualmente, as parcelas alegadamente ocupadas pelos RR ... e mulher.</font><br>
<a><font>[10]</font></a><font> Cfr. art. 9º do CC.</font><br>
<a><font>[11]</font></a><font> Neste sentido, o Ac. STJ de 23-12-2008 (08B4107 – Salvador da Costa): «Os tribunais da ordem judicial são os competentes para conhecer do objecto da acção popular intentada por um cidadão da freguesa com vista à declaração de se integrar no domínio público da freguesia uma parcela de terreno ocupada por um terceiro». </font><br>
<a><font>[12]</font></a><font> Este pressuposto é construído por referência a certos elementos: a utilidade prática e a necessidade da ação judicial, aferida por uma base factual merecedora de tutela, para a obtenção do bem pretendido, seja acrescentando algo à situação jurídica do autor ou removendo algum óbice; a subsidariedade e a adequação do meio processual utilizado ao fim visado, que não poderia ser obtido por outra via.</font><br>
<a><font>[13]</font></a><font> Por assim ser, não pode o direito à participação na condução dos assuntos públicos ser entendido com o alcance que nos leve a prescindir da alegação de que resulte que o autor tem interesse em agir por (também) ser titular dos interesses difusos ou colectivos ameaçados ou lesados, ou seja, de que tem uma relação com o objecto da acção popular.</font><br>
<font><br>
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